Hopefully


Challenge #01

Nota: 9,6

Colocação:




A neblina corrompia a visão periférica; sem contar na grande quantidade de neve que caía sob o carro. Daniel sentiu-se assustado ao olhar pela janela e perceber que o carro estava literalmente preso entre uma camada de gelo e galhos. Era para ser uma noite feliz, com luzes, Martini e muitos presentes. Era Natal, tinha que ser uma noite feliz. Mas a família Jones tinha outra preocupação no momento. Eles precisavam sair dali. Precisavam tirar Danny do amargo frio gélido que adentrava pelo tubo de ventilação do carro surrado. Entretanto, parecia que os esforços não eram os suficientes, até que por um descuido e, por uma pequena falta de atenção, o carro caiu. Daniel sentiu seu corpo flutuar, batendo diretamente as costas no teto do carro; eles não sobreviveriam. Ele não sobreviveria. Crash, foi o que ele ouviu e...
...então o telefone tocou.

Daniel acordou de mais um dos seus pesadelos; o telefone tocava ruídosamente ao seu lado, acima da mesa-de-cabeceira. Seus olhos ainda ardiam, mas arfou ao perceber que o pesadelo estava acabado. Maneou o corpo, conseguindo elevar uma de suas mãos e pegar seu celular que tocava uma música qualquer. Não olhou no visor, apenas o atendeu, sentindo um alívio ainda maior ao perceber que era Dougie, seu amigo de infância.

"Cara, você não vai acreditar", assim que Danny atendeu, o outro prosseguiu, não deixando o amigo nem completar a sua frase de início, que seria um simples e rouco oi. Seu tom de voz parecia realmente agitado, até para ele.
"O que foi?", Danny acabou por responder.
"Vai ter uma ultra festa hoje à noite! Você precisa vir! É sério, Dan, você precisa vir!" Dougie aparentava estar imensamente agitado, Danny não pôde nem discutir. Sabia que não era a melhor idéia, mas também sabia que se ficasse em casa, em plena noite de natal, não sobraria nada além de garrafas de Heinekens vazias, um Daniel completamente bêbado, aos prantos e relembrando de toda uma vida, sendo que prometera que seguiria em frente.
Parou por um momento, o telefone ainda mal ajeitado entre seus dedos e sua orelha. Dougie já estava impaciente do outro lado da linha.
"Danny, você vai vir ou não?", completou o mais novo, alertando Daniel que ele precisava escolher rapidamente. Não que ele tivesse outra opção, é claro.
"‘Tá, cara, eu vou", e antes mesmo que o mais velho pudesse falar outra coisa, Dougie já pulava frenéticamente; ao menos era o que Danny poderia imaginar que este estaria fazendo. Afinal, Dougs tinha um certo problema; ansiedade o deixava completamente maluco. Anos e anos de psicólogos nunca o ajudaram. Pobre Dougie. "A gente se encontra na esquina da minha casa, tudo bem? Às 21 horas em ponto! E você sabe que eu vou estar contando o tempo, Daniel, nem pense em chegar atrasado!"
E esse era o Dougie. Seu melhor amigo. Estranho e incontestavelmente engraçado. Mesmo que Daniel refletisse em silêncio sobre sua pseudo-falha de controle em relação ao Natal, não havia outro modo. Ele teria que ir. E de fato, qualquer coisa que o fizesse esquecer da latente dor em seu peito - e a incontrolável falta que seus pais ainda faziam -, além do impressionante sentimento de culpa, seria uma boa maneira de driblar ágilmente a situação.

Com o seu aparelho celular de volta em seu devido lugar, Daniel acabou por encarar o teto por alguns segundos. Inclinou o torso, conseguindo encarar os grandes números vermelhos e brilhantes de seu mais novo relógio digital. Mesmo tendo um terrível ódio pela época, ele não podia deixar de admitir que adorava comprar meras lembranças a si mesmo. Talvez fosse a solidão, ou talvez fosse um jeito meio tosco de tentar aumentar seu ego. 20h:38min.
"Merda", sussurrou em meio ao impulso que tomou para se levantar. Suas pernas ainda estavam desnorteadas, tropeçando em algumas peças de roupas jogadas pelo quarto. Sentiu seus dedos do pé congelarem e olhou para baixo; maldita meia furada! Deixava praticamente um terço do seu pé descoberto.

Apressou-se no banheiro, tomando uma ducha breve e quente - estava congelando! -, podendo assim se arrumar com um pouquinho mais de calma. Faltavam exatamente dez minutos para às nove. Graças aos céus sua casa ficava apenas a um quarteirão da casa do amigo, eis o porquê de serem amigos desde tão novos. Vizinhança pequena, todos acabavam se conhecendo. E felizmente, Danny e Dougie eram as únicas crianças do bairro. Sorte? Talvez.
Uma calça jeans surrada, uma camisa qualquer, meias quentes e confortáveis e é claro, seu infalível e precioso casaco da Hurley. Olhou-se no espelho; mais cinco minutos. Ainda faltava algo. É claro! Por que não pensara antes?
Seus pés correram pela casa abandonada, vazia e obscura. As lembranças de natais passados ainda prevaleciam e queimavam na lareira da sala. Passou reto, não olhando para trás. Adentrou o quarto ainda intacto, tentando ao máximo não dar-se por vencido e cair ao chão e deixar que as lágrimas furiosas o fizessem companhia. Abriu a porta do armário de sua mãe, encontrando todas as roupas que ela um dia usara, penduradas alinhada e separadamente por cores. Fixou-se nas gavetas, ignorando o cheiro reconfortante que tanto sentia falta. Abriu uma, e felizmente, encontrou o que precisava para ao menos deixar aquela noite mais harmoniosa.
Ao pegar o pequeno tecido grosso e quente, saiu do quarto rapidamente, fechando a porta atrás de si.

20h:57min. Pegou seu celular e carteira, colocando os utensílios no bolso e saiu de casa. Suspirou ao ver que conseguira superar uma de suas dificuldades. Olhou para o que tinha nas mãos; estava quente. Logo alinhou o cachecol quadriculado que dera para sua mãe aos dez anos de idade em seu pescoço. Uma pontada no seu peito; ele estava completo. Após tanto tempo, ele finalmente sentia-se, no mínimo, completo.

Daniel afundou ambas as mãos em seus bolsos, erguendo os ombros em uma tentativa falha de esquentar-se. Precisava correr antes que o amigo começasse a surtar no meio da rua, em plena véspera de Natal. Suas pernas estavam um tanto atrofiadas, doía fazer movimentos muito bruscos. Merda de frio, pensou. Chegando ao final do quarteirão, avistou o mais novo e uma terrível sensação de vergonha alheia tomou conta de seu corpo. Ao aproximar-se cada vez mais, pôde perceber o quão esquisito seu amigo era.

"Mas que porra é essa, Doug?!", Daniel exaltou-se ao confirmar que o que Dougie vestia era uma fantasia. De duende, ainda por cima. Parecia que a noite iria ser realmente boa.
"O que você achou, hein? 'Tô muito lindo, né?", perguntou e rodopiou, mostrando a quantidade absurda e indiscreta de verde que a sua fantasia possuía. O pior de tudo não era nem a fantasia, e sim, o fusca vermelho e caíndo aos pedaços que Dougie insistia em dirigir.
"Cara, você realmente tem problemas... Já tentou ir ao psiquiatra?", Daniel brincou, virando a esquina e adentrando o fusca em seu lado passageiro. Dirigir não era uma prioridade em sua vida, e jamais seria. Carros era o que Daniel geralmente evitava; se fosse necessário, ele simplesmente caminharia por sua vida inteira a ter que comprar um carro. Mas como ele estava com frio, cansado e praticamente revoltado com a situação, questionar sobre como a vida poderia ser melhor andando não era um argumento favorável.
Dougie logo entrou no carro e Danny pôde analisar sua roupa adequadamente. Só Dougie Poynter para fazê-lo rir.
"Para onde vamos, afinal?", curioso, Danny perguntou. Concordara em ir, sabia para aonde estavam indo.
"Ahn, uma amiga minha vai dar uma ultra festa na casa dela! E nossa, Dan, eu sei que você vai amar! A casa é enorme, você não tem noção, cara. Enorme. Enorme mesmo. Ela tem até uma varanda. Uma va-ran-da!", Dougie sempre quisera ter uma varanda em seu quarto para poder apreciar o que ele chamava de "singelo pôr-do-sol", quando o céu transformava-se naquela armadilha colorida.
"Tudo bem, ela tem uma varanda. Mas por que diabos você está vestido de duende, Dougs? É uma festa à fantasia, por acaso? Porque se for, sinto muito, acho melhor você nem ligar o carro", Daniel, ultrajado com o entusiasmo do amigo, sentiu-se desconfortável vendo que vestia-se inadequadamente para a ocasião. Principalmente porque estava nevando, a temperatura estava abaixo de 0º e ele odiava o Natal com todas as suas forças.
"Danny, deixa de ser tapado! Não, não é uma festa à fantasia, tudo bem? Só achei... Que seria legal ir vestido de duende. Quem sabe o Papai Noel não me veja, e não me leve com ele? Sabe... Eu sempre quis conhecer o Pólo Norte!", e Daniel olhou atentamente para o amigo; analisou-o da cabeça aos pés - mesmo com todo aquele verde abundante, e percebeu que o amigo não estava brincando. Ele falava sério.

Ao som de Beethoven e suas sinfonias, Dougie - achava que orquestras eram suficientemente boas para renovar seus neurônios - tagarelava sobre como a casa era grande (de novo) e como fora uma gentileza a dona da casa tê-lo convidado.
"Cara, ela é demais. Você precisa ver! E ela é linda... Linda mesmo!", percebia-se a animação contagiante no tom de sua voz; não era todos os dias que uma garota era tão amigável com ele.
"Você está me dizendo que nós vamos à casa de uma garota, que você conheceu hoje e misteriosamente, já conheceu a casa dela?"
"Sim, é claro. Qual é o problema?!", agora Dougie prestava mais a atenção na conversa do que antes, já que havia um grande congestionamento e estava impossível de concentrar-se no tráfico, afinal, o carro (e mais uns vinte) estavam parados.
"Você ao menos sabe o nome dela?", Danny perguntou, exaltado.
"É Victória, cara. Relaxa, relaxa. Sei que vai ser uma noite inesquecível!"
"Mas é claro que vai. Ninguém vai querer esquecer o natal com a participação especial do duende do Papai Noel!", bufou, virando-se para o lado da janela e encarando as milhares de lojas e seus enfeites banais.
"Puxa! Você acha mesmo que eu estou parecendo um duende do Papai Noel?! Nossa, cara, obrigado!", e nesse momento, Danny não pôde conter o sorriso. Com Dougs por perto, tudo ficava estranhamente bem.

Algumas buzinas tocavam insistentemente; hey, onde estava o clima natalino? Dougie aumentou o volume de seu humilde aparelho de som - que ainda tocava fitas, diga-se de passagem - e deixou que a sintonia da flauta fosse acompanhada com o leve toque refinado do piano. Ele realmente adorava aquilo.
Danny ainda observava janela à fora. Tantas luzes, tanta felicidade. Ele não estava lá, mas ele podia sentir. Ele sentia que estava tudo tão feliz. Perguntou-se quando fora a última vez que encontrou o que todos chamavam de a "felicidade". E é claro, a resposta veio de imediato à sua cabeça: antes de seus pais morrerem, deixando-o vivo e sozinho. Uma criança, com seus meros onze anos de idade, deixa uma coisa dessas abalar e mudar toda uma vida. A sua vida. E hoje, quase dez anos depois, ainda sentia a culpa, a dor, a desesperança. Ainda sentia falta, sentia medo. E diante de todos aqueles sentimentos desesperadores, ele nunca se viu no direito de amar de novo. De sentir, como se fosse a primeira vez. Ele estava morto, podre.
"Nossa... ‘Tô muito afim de um gameboy. Você não tem um por aí não, né?", Dougie tirou-lhe a concentração, o que o fez agradecer mentalmente por seus momentos tão inconvenientes e estranhos.
"Por que eu teria um gameboy, Dougie?!"
"Ah, sei lá... Sabe o que eu pedi na minha lista de presentes? Uma pilha recarregável. Você sabe... Para um futuro gameboy. Vai que o Papai Noel não coloca algumas caixinhas delas dentro das minhas meias? Iria ser demais! Imagina... Um gameboy com pilhas recarregáveis!"
Daniel o olhou assustado, contendo um riso frouxo na garganta. Tentou se controlar, mas era impossível ao ver Doug olhando-o como se tivesse dito a coisa mais normal do mundo. Porque, é claro, todo cara de vinte anos sonha com um gameboy e pilhas recarregáveis nas meias. Bem maduro, não?

Faltavam poucos minutos para às onze horas quando finalmente o fusca vermelho adentrou os grandes portões da mansão da família Galina. Danny observou cada detalhe, desde como o portão tinha um leve toque acobreado e brilhava quando a neve tocava em suas barras, até a entrada principal, sendo segurada por pilastras esculpidas perfeitamente. Wow, deixou que sua garganta entregasse seu espanto e deslumbramento.
Saíndo do carro, um jovem - um pouco mais velho que eles -, posicionou-se ao seu lado e esperou que Dougie saísse do carro também.
"Droga! Chiclete no sapato! E esse sapato nem é meu. Droga...", resmungou, tentando livrar-se da gosma rosada que pendia em seu pé. Danny forjou uma risada baixa.

O jovem ao lado deles tratou de repuxar a chave da ignição e levou o fusca para longe de suas visões. Ambos esperaram e suspiraram, virando-se e encarando a mansão em cor ocre que iluminava todo o quarteirão. Mesmo odiando o Natal, Danny precisava admitir que a decoração estava magnífica.
"Bem, está tarde. É melhor entrarmos, se não vamos perder a ceia." Quebrando o silêncio, Dougie dirigiu-se à escadaria, sendo seguido por um Daniel marrento e com ambas as mãos espalmadas dentro dos bolsos.
Tocaram a campanhia; um estrondoso barulho emanou-se dela. Ugh, Danny resmungou. Estava tarde, ele estava congelando, sua cabeça latejava graças ao ensurdecedor rugido que a campainha soltara e o garoto ao seu lado estava vestido de duende. Poderia ficar pior do que aquilo?
Sim, é claro.

"Ai, meu Deus! Dougs, você veio! Não acredito!", a garota abriu a porta rapidamente, sobressaltando-se ao ver o garoto-duende em sua porta. Abriu um singelo sorriso, e em passos largos, abraçou o garoto com fervor. Seus longos cabelos castanhos e ligeiramente lisos pendiam em um coque solto, com alguns fios de seu cabelo caíndo sobre seu rosto, além da franja repicada realçar seus olhos cor de mel. Daniel manteve-se quieto, esquivando-se contra o clima natalino e observando-os de soslaio. A garota, no instante que desvencilhou seus braços ao redor de Dougie, percebeu a presença do outro indivíduo e analisou-o da cabeça aos pés. Danny ficou meio constrangido, mas fixou seu olhar no dela, fazendo-a corar imediatamente.
"Victória, esse é o Danny, aquele amigo no qual te falei", Dougie estendeu a mão direita, apontando para Danny e este sorriu fraco, praticamente amargurado.
A garota, no entanto, tomou um impulso e levou os braços ao pescoço dele, envolvendo-o em um abraço. Ele corou, tornando seu corpo em um verdadeiro campo de defesa, imobilizado. Victória pareceu notar, já que retirou os braços do corpo dele e sorriu envergonhada.
"Prazer em conhecê-lo, Danny!"
"Hm... O prazer é meu", falou e logo abaixou o rosto, encarando seus pés; seu corpo agora estava quente. Daniel sentiu um calor repentino ao olhar Victória.
"Bem, está muito frio aqui fora! Por que vocês não entram? A ceia já está pronta e todos estão se servindo", a voz da garota indicava certo entusiasmo, o mesmo que Danny encontrara na voz de Dougie ao atender o telefone.

A garota deu passagem, deixando-os entrar. Ao colocar os pés dentro da casa de Victória, Danny sabia que não estava mais no seu mundo. Uma enorme entrada, levando à uma escadaria de mármore; um lustre com cristais em inúmeros formatos e pisca-piscas envolvendo-o por inteiro. Uma enorme árvore de natal estava centrada, acima de azulejos brancos. Daniel sentiu seu coração apertar-se, como se estivessem pressionando seu peito com força; falta de ar. Respire, respire, pensou.

Ao seu lado, Victória o observava, prestando atenção em cada atitude ou movimento que o rapaz fazia. Dougie agora se entretia com o presépio em tamanho real, resmungando vários Uau quando algum dos personagens cantava uma música natalina. Victória continuou a fitar Danny com o máximo de atenção, e ao levantar o olhar e ver a imensa estrela de natal que jazia e brilhava no topo do pinheiro, lembrou-se de como o Natal era importante naquela casa. E de como sua mãe havia a deixado há treze natais passado.
Pegou-se sorrindo à lembrança da mãe - ela adorava o Natal! - e perguntou-se mais uma vez porque comemorava tão alegremente essa época festiva. Mas é claro, para manter a lembrança de sua mãe viva. Tanto em sua casa, como em seu coração. Era a melhor coisa que fazia, e relembrar as memórias que tanto amava, era o melhor presente que Victória poderia querer. E, por mais que ela não soubesse o porquê, havia alguma coisa em Danny que fazia que a sensação de que a casa estava completa de novo, voltasse.

"Nossa, estou com tanta fome que eu poderia comer uma rapadura!", Dougie, como sempre, quebrou o silêncio imensurável, e assim despertaram todos de suas memórias contrárias.
"Ah, sim! É claro, venham comigo", Victória os conduziu alegremente para o outro cômodo, passando por uma sala gigantesca e aconchegante, concluindo o trajeto quando chegaram em uma sala grande, com uma mesa larga e extensa, onde mais de 30 pessoas comiam e conversavam animadamente. Afinal, era Natal e a ceia parecia estar tão boa quanto seu cheiro.

A refeição estava praticamente no fim; faltavam dois minutos para a meia noite. Victória assustou-se ao ver que faltava tão pouco para finalmente o Natal chegar. Presentes, abraços, neve. Uma combinação tão perfeita.
"Meu Deus! Um minuto pessoal! George, as garrafas de champagne, por favor", a garota chamou o mordomo que ao adentrar o lugar trouxe consigo um carrinho com um balde de gelo e algumas garrafas. "Pessoal, está na hora! É Natal!", e então a garota levantou-se; seu sorriso extraordinariamente reluzente.

Gritos de alegria, abraços e o barulho do estouro das garrafas juntamente com os vivas ensurdecedores que todos aqueles desconhecidos diziam. Daniel sentiu-se tonto; e antes mesmo que alguém pudesse desejar-lhe boas festas, este já saía rapidamente do local. Andou sem direção, voltando ao saguão e subindo as escadas; não pensou, apenas correu. Ninguém notaria sua ausência, ninguém se importava.
Enganava-se.

Victória percorreu o olhar pela mesa, e quem procurava não estava entre tantos de seus convidados. O sorriso que se estendia em sua face murchou; seu pai agora a abraçava e esta fingia em agradecimento. Afastou-se lentamente do local, tentando ao máximo fazer com que ninguém percebesse sua saída.

Danny adentrou um quarto grande - não tão grande como os outros cômodos -, com suas paredes brancas e uma delas contendo um azul bebê atrás de um quadro. Ofegante, Daniel pôs-se a observar a imagem; era Victória e uma mulher. A figura era tão maternal que logo pensou que fosse a mãe dela. Só que ele não a vira durante o jantar. Se ela estivesse lá, ele saberia. Ela era diferente... Tinha alguma coisa nela que o deixava absorto e curioso. Chegou mais perto e então percebeu. Ela lembrava sua mãe. Sua doce e humilde mãe. Mais uma vez o aperto em seu peito voltou agora mais forte. Olhou ao seu redor; uma sacada imensa centrada em uma das paredes. Entreaberta, Daniel colocou seu corpo para fora, sentindo o frio percorrer cada veia de seu corpo. Estremeceu, recolocando as mãos nos bolsos. A visão era estupenda. Ele podia ver todo o bairro - se não toda a cidade! Parecia um filme, ou uma fotografia. Tantas luzes, tantas casas.

"Sabe... Esse era o lugar preferido da minha mãe", uma voz soou fraca atrás de Danny. Virou-se, e lá estava Victória, encostada entre o batente e a porta. Ela apertou o casaco contra o abdômen, e em passos largos chegou até o garoto solitário. Danny não falou nada; o silêncio era um dos seus melhores amigos.
"Hoje faz treze anos que ela morreu", Victória comentou; o sorriso permanecia em seu rosto, mesmo ainda fraco. Ela encarou o horizonte, apoiando-se contra as pilastras. "Mas isso nunca me impediu de comemorar. Ela costumava dar grandes festas nessa época do ano, e ela simplesmente amava. Eu não podia deixar que essa casa permanecesse no escuro. Ela não iria gostar disso, Danny."
"Por que está me dizendo isso?", perguntou Danny; seu estômago revirava-se dentro de si. Era pena. Era raiva.
"Porque eu sei o que aconteceu com os seus pais."
"Como sabe?", espantado, deu dois passos largos para trás.
"Dougie."
"Ah, é claro.", Danny sabia que estava errado ao ser tão grosso. Mas o que ela entendia? De fato, tudo. Ela sabia da dor, ela sabia. Mas ela não sentia. Isso deixou Danny perplexo e furioso consigo mesmo. Ele fora tão fraco por tantos anos.
"Você não deveria se sentir assim, Danny. A culpa não foi sua.", a garota não hesitou, reocupando o espaço que ele havia dado entre eles.
Ela sorrira, ele franzira a testa.
"Eu sei que não... Mas... Eu sinto falta deles."
"Eu sei que sente, e eu sei como é difícil. Mas isso aconteceu há tanto tempo. Você não deveria se ater às lembranças ruins, apenas nas boas. Como eu faço. Assim eu sei que ela está sempre comigo", Victória levantou a mão e colocou-a sobre o peito esquerdo; abaixou a cabeça e sorriu. Mais ainda.

E o silêncio fora preenchido com flocos de neves que caíam desesperada e maravilhosamente do céu. Danny estendeu uma das mãos e um pequeno floco caiu na região; ele o observou por alguns incontáveis segundos quando sentiu um choque térmico. Victória estendera a mão e agora apertava fortemente a de Danny, exatamente onde o floco caíra e gelara sua pele. Aquilo era bom, era terno, era carinho. Era o Natal.
"Feliz Natal", ele sussurrou enquanto seu corpo aconchegava-se ao de Victória.
"Feliz Natal, Danny."

A neve caía enquanto ambos preenchiam a dor por algo muito melhor: o amor.



FIM





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