Dez Passos Para O Paraíso
por Clara Nunes


Challenge #02

Nota: 8,6

Colocação:




Era um começo de inverno em Londres. A neve não estava não perto de chegar até nós. Mas eu não podia falar a mesma coisa da chuva. Lá estava ela, presente naquela manhã de sábado.

Eu não estava trabalhando. Ia buscar minha filha de sete anos, Holly, para passar o dia comigo. Ela morava com meu irmão mais velho por causa do meu trabalho. Holly era muito pequena quando eu percebi que era impossível conciliar meu trabalho como médica e mãe, por isso relutei em entregá-la a ele. Mas eu precisava do dinheiro. Por nós duas. Então meu irmão, Taylor, que ficou cuidando dela por mim. Eu a visitava quase todos os dias e, nos sábados, ela passava o dia comigo.

Agora eu estava me arrumando para ir buscá-la. Tinha planejado um almoço maravilhoso em Chinatown. Holly sempre adorara comida oriental, assim como eu, e fazia muito tempo que não íamos lá. Depois de me vestir adequadamente, fui até o carro. Exatamente 97 passos. Entrei no meu veículo, uma BMW azul-marinho, e rapidamente liguei o climatizador. Minha garagem era definitivamente o ambiente mais frio da minha casa. Dei a partida e em alguns minutos tinha chegado ao apartamento de Taylor.

Subi as escadas até o terceiro andar. Duzentos e onze passos até que eu estivesse na porta de entrada.

- ! Que bom que você veio! - Meu irmão me recebeu com um grande abraço, me puxando para dentro.
- Não! - Gritei ao perceber que estava quase sendo arrastada para cima de uma linha. - Taylor, qual o seu problema? Eu não piso em linhas!
- , você ainda tem esse problema? Eu não acredito...
- Me deixa, ok? Se eu não gosto, é coisa minha. Cadê a Hol? - Dei quize passos até o sofá.
- Espera um pouquinho que eu vou chamar e... HOLLY! - Ele gritou e minha filha, uma garotinha morena, de pele branquíssima, veio correndo em minha direção.
- Mamãe! - Se jogou em meus braços.
- Hol! Que saudade que a mamãe sentiu! - A levantei do chão. - Tenho uma surpresa pra você... - Holly abriu um sorriso.
- Qual é? - Seus olhos escuros brilharam em minha direção.
- Nós vamos almoçar... Em Chinatown! - Eu falei animadamente.
- Oba! - Ela pulou do meu colo para o solo.
- Então... Está pronta?
- Sim, mamãe! - Tomou minha mão e começou a me puxar para fora do apartamento.

Rapidamente desviei meus olhos para onde eu iria colocar meu pé. Eu não iria pisar em nenhuma das linhas. Demos outros quinze passos até o vão da porta.

- O tio Taylor não vai? - A doce voz da minha filha perguntou.
- Nós poderíamos chamá-lo... Mas acho que ele não vai querer atrapalhar um típico programa de mãe e filha, vai? - Arqueei uma sobrancelha para meu irmão. Ele sabia que sua presença seria completamente desnecessária.
- É, Hol. Vai se divertir com a sua mãe, ok? Ela vai te trazer pra cá depois, de qualquer forma. À noite, eu prometo que nós podemos fazer guerra de travesseiros... O que você acha? - Taylor se agachou e acariciou os cabelos de Holly.
- Tá bom! - Assentiu de forma animada. - Vamos, mamãe?
- Vamos, Hol, vamos... Tchau, Taylor! - Peguei minha pequena princesa no colo e demos seis passos até o elevador. Depois trinta e dois até onde meu carro estava estacionado.

Arrumei minha filha no banco de trás e, com mais dois cautelosos passos, me dirigi para a minha porta. Liguei o climatizador. Dentro da minha lista de manias, essa era a terceira, precedida apenas por contar os passos e não pisar em linhas. Tudo se devia ao meu pequeno Transtorno Obsessivo-Compulsivo. Não que eu achasse que isso pudesse me prejudicar de verdade. Eu, como neurologista, recebia no meu consultório pessoas que viviam com isso há anos e não se incomodavam. Só por que eu era médica eu deveria me incomodar? De forma alguma.

Comecei a fazer o meu caminho até Chinatown. Eu conhecia um restaurante maravilhoso por lá e tinha certeza que Holly iria adorá-lo. Sinal vermelho. Minha ansiedade para chegar era tanta que eu não via o tempo passar. Eu estava com fome e estava animada com a oportunidade de levar minha filha a um lugar que realmente a agradasse. Olhei para os dois lados. Nenhum carro a vista. Que mal faria se eu furasse um mísero sinal? Acelerei e então vi a porta do lado oposto à minha se aproximar do meu corpo. Eu tinha batido o carro.

- Você é louca?! - Um homem com seus aproximadamente quarenta anos desceu da Mercedes prateada. - Se eu não tivesse freado, poderia ser muito pior. - Abri uma fresta do vidro. Ainda chovia. Eu não queria me molhar.
- Me desculpe. Não vi o senhor vindo. - Subi o vidro. Duas batidinhas. - O que é? - Falei com desprezo. As pessoas batiam os carros todos os dias. Pra que tanto drama?
- Saia daí. Temos que fazer o boletim de ocorrência. - A camisa branca dele já estava adquirindo um tom amarronzado por causa da chuva intensa que caia sobre ela.
- Olha, me desculpa. Minha filha tá aqui. Ela só tem sete anos. Eu realmente não vou descer nessa chuva por causa dessa batidinha de nada, ok?
- Batidinha de nada? Meu carro tá com a frente destruída por sua culpa. E eu também estou com meus dois filhos aqui. Agora, por favor, será que dá pra descer, tirar sua filha do carro e esperar a polícia chegar?

Eu percebi que aquele senhor não iria se render. Ele teve sorte que eu estava paciente. Abri minha porta. As primeiras gotas começaram a cair sobre as minhas pernas. Eu estava prestes a colocar meus pés no chão. Uma linha.

- Será que você poderia só me puxar um pouquinho? - Pedi inocentemente, tendo quase toda a minha voz abafada pela intensidade da chuva.
- O quê? - Ele parecia horrorizado com o meu pedido, mas não negou. Segurou minha mão e me puxou com força o suficiente para que eu não fosse obrigada a pisar em linhas. - .
- .

Dei as costas e, com um passo, abri a porta de trás, tirando Holly de lá e a segurando nos meus braços. O trânsito tinha parado atrás de nós. Uma batida misturada com a chuva sempre causava lentidão. Corri quatorze passos até entrar debaixo de uma tenda de uma loja, para proteger minha filha dos pingos gelados que caiam sobre nós. Pude perceber o senhor revirar os olhos e, tirando uma menina de aproximadamente doze anos do carro e um menino de aproximadamente quinze, veio em nossa direção.

- Está com seu celular aí? - Levei meus olhos até ele.
- Estou sim. - Tirou o aparelho do bolso e discou rapidamente o número da polícia. - Sim? É, uma batida na Coventry Street com a Whitcomb Street... É, é bem próximo do McDonald's... Dois carros, só. Não... Ninguém se feriu. É uma Mercedes prateada e uma BMW azul-marinho. O trânsito tá um pouco congestionado, mas tá todo mundo bem... Quantos minutos?! Tá, tá ok... - E então o senhor desligou o celular.
- O que aconteceu? - Abracei o corpinho de Holly junto ao meu, na esperança de nos esquentarmos.
- Eles vão demorar de vinte minutos a meia hora pra chegar aqui. - Percebi um de seus olhos piscar ininterruptamente por alguns segundos.
- Sei... - Revirei os olhos. - E por que, então, você está piscando para seus filhos? Olha, você não vai conseguir me deixar irritada hoje. Pra sua sorte, eu acordei com um ótimo humor.
- Eu não estou piscando. - Mais uma vez seu olho começou a fechar e abrir rapidamente. Os dois adolescentes riram.
- O papai tem Síndrome de Tourette. - A menina gargalhou.
- Ele sempre faz essas coisas quando ele fica nervoso. - O garoto completou.
- E vocês tem mesmo que espalhar isso para todo mundo, não é? - O homem se irritou e seus olhos piscaram ainda mais.
- Olha, não precisa se constranger. - Sorri. - Eu trabalho com coisas assim todo o dia. Não vou achar que você é um anormal nem nada assim.
- Pelo menos você sabe que a única anormal aqui é você, por atravessar no sinal vermelho, não é? - Seu tom era cínico.
- Quer saber de uma coisa? Eu estou tentando ser educada, mas você não está colaborando, sabia? - Mantive minha voz tranquila.
- Que seja. - Bufou.

Ficamos calados por alguns instantes. Eu evitava o contato visual. Quem aquele cara pensava que era para me dizer que eu era anormal por atravessar no sinal vermelho? As pessoas podem estar com pressa às vezes e fazer isso é mais do que normal. E o carro dele nem estava tão estragado. E o senhor deveria agradecer a Deus por ninguém ter se machucado em vez de reclamar do meu pequeno deslize.

- À propósito... - A garota chamou minha atenção. - Meu nome é Amber. - Ela sorriu docemente. - E esse é o meu irmão, Cory.
- Eu me chamo . E esta é a minha filha. Holly. - Retribuí o sorriso. Ao contrário do pai, a menina era adorável.
- Amber, eu já te falei para não falar com estranhos. - O homem sussurrou autoritariamente.
- Mas, papai... Ela já não é uma estranha. E se nós vamos ter mesmo que ficar aqui durante meia hora, melhor conversarmos, não é?
- Amber, não discuta comigo. - Respondeu, fazendo a garotinha suspirar, frustrada.

Dei as costas para eles. Estávamos na frente do McDonald's. Será que teria problema se eu entrasse lá para me esquentar e comer alguma coisa? Meu estômago roncava e eles com certeza também teriam um climatizador. Perguntei em um murmúrio para minha filha se ela queria deixar nosso passeio em Chinatown para outro dia e se divertir com a mamãe comendo um pouco de "junk food". Sem pensar duas vezes, confirmou o que eu pensava. Que criança não apreciaria um maravilhoso McLanche Feliz?

- Sr. ? - Chamei sua atenção. Seu olhos me fitaram com desprezo. - Eu vou comer alguma coisa com a Holly ali dentro. Se a polícia chegar, pode me chamar.
- Tudo bem. - Disse friamente. Eu já ia dar o primeiro passo quando ouvi a voz do garoto questionar o pai.
- Pai, posso ir com ela?
- Não. - Falou secamente.
- Por quê? - Cory insistiu.
- Porque nós não sabemos quem ela é. Você não vai com ela e ponto final.
- Mas, pai, eu não sou mais uma criança. Eu vou fazer dezesseis anos amanhã e você ainda me trata como se eu fosse um bebê? Por favor, né... Ela não vai fazer mal pra ninguém. - O garoto argumentava. Eu estava parada, de frente para eles, apenas escutando.
- Eu não acho que tenha problema, sr. . Não é como se eu fosse fugir com seus filhos. As crianças estão com fome, a polícia vai demorar... Custa deixar elas irem ali dentro comigo? Você vai poder ver tudo. - Apontei para a porta de vidro.
- Então vão. - Cuspiu. Cory sorriu de lado. - Mas, Cory... - Continuou. - Tome conta da Amber.
- Pode deixar, pai.

Sorri para os filhos do homem e fizemos em vinte e oito passos nosso caminho até uma mesa confortável. Estávamos bem embaixo do aquecedor. Um lugar perfeito. Meus cabelos molhados começaram a secar e minha roupa, antes grudada no corpo, parecia estar se soltando aos poucos.

- O que vocês vão querer? - Indaguei os outros da mesa.
- Posso pedir um Big Mac? - O menino me olhou desconfiado.
- Claro... - Ri fracamente. - E você, Amber?
- Eu quero qualquer coisa, . - A garota falava como se me conhecesse há anos.
- Então posso pedir um McChicken pra você? É o que eu vou comer...
- Pode ser... - Seus olhos sorriram para mim.
- E você, meu amor? - Acariciei os fios encharcados da minha filha. - O de sempre?
- Sim! Sim! Sim! - Seu rosto transparecia toda a empolgação por estar comendo uma comida que, eu tinha certeza, Taylor não dava para ela com freqüência.
- Então eu vou fazer o pedido. Se comportem. Eu já volto.

Me levantei e dei treze passos até o balcão. Após ter feito os pedidos, voltei com outros treze passos para a mesa.

- Onze... Doze... Treze. - Me sentei.
- O que você está contando? - Cory arqueou uma sobrancelha, evidentemente se segurando para não gargalhar.
- Er... - Passei a mão pela minha nuca, envergonhada. Eu não era acostumada a falar sobre isso. - Meus passos.
- Por quê? - Ele parecia curioso.
- Eu tenho essa... Mania. - Respondi como se aquilo fosse normal, tentando esconder o quão constrangida eu estava.

Depois disso, não falamos mais nada. Esperamos nossos pedidos chegarem e comemos em silêncio absoluto. Quando eu olhava através da porta, podia ver o pai de Amber e Cory nos fitando. Terminamos a refeição. Eu estava prestes a me levantar com o lixo sobre a bandeja para então levá-lo até a lixeira. Fiquei de pé, mas nunca pude terminar meu caminho. A bandeja esbarrou no braço de , virando tudo que estava sobre ela nele.

- Ai, meu Deus! Me desculpe! De verdade! Eu não te vi! - Levei minhas mãos à boca, ao ver todo aquele lixo esparramado pelo chão.
- Mas que ótimo! - Riu sarcasticamente. - Primeiro você estraga meu carro. Agora mancha a minha camisa branca novinha de ketchup! - Passou a mão sobre a mancha vermelha em seu peito. - Só pode ser karma.
- Me desculpe por estragar seu dia. - Meu tom estava um pouco mais arisco. Ele estava mesmo conseguindo fazer todo o meu bom humor ir por água abaixo. - Aproveita e me desculpa por ter alimentado os seus filhos, tá?

Segurei a mão de Holly e saí do restaurante. Caminhei a trinta e dois passos largos até chegar ao meu carro, sendo os último dez na chuva. Liguei o rádio e apoiei minha cabeça sobre o volante. Eu não merecia ser tratada daquele jeito. Em parte ele poderia estar com raiva. O erro tinha sido meu: eu tinha batido o carro, mas acidentes leves acontecem todo o dia. A polícia se atrasar e ele descontar a frustração dele em mim era injusto. Injusto de verdade.

- Mamãe... - Hol me chamou com uma voz fraca.
- O que foi, meu amor?
- Tá doendo. - Colocou suas mãos sobre o pescoço.
- Tá com dor de garganta, meu amor? - A peguei no colo. - Deve ter sido por causa da chuva... E o pior é que a mamãe não pode nem te levar no médico... Se eu sair daqui, aquele cara me mata. - Terminei minha frase com a tosse da minha filha.
- Hey! - Ouvi uma voz estranha me chamar do outro lado. Era o policial. Saí do carro rapidamente. - Nós vimos o que aconteceu. Bom, você já deve saber que vai ter que pagar o conserto do carro do Sr. , não é? - Assenti. - Pois bem... Vamos rebocar o carro de vocês até a oficina. Por enquanto, vocês vão ter que dividir esse aqui... - Apontou para um Corvette vermelho.
- Dividir? - Me espantei.
- Dividir? Com ela? - O músculo facial de começou a saltar.
- Mas... Minha filha precisa ir pro médico! - Tentei convencer o policial.
- Mas você não é médica? - O revidou.
- Sou, mas não pediatra ou pneumologista. E eu também não tenho nada pra examiná-la aqui, ok? Então fica quietinho. Por favor, senhor policial? Ele pode ficar à pé!
- Dividam o carro. - Foi a última palavra dele.

Peguei Holly no carro e a coloquei dentro do outro veículo, vendo o meu ser levado para longe. Com cinco passos cheguei ao banco do passageiro. Eu não iria dirigir. Preferiria evitar brigas. Do jeito que aquele homem era estressado, era bem provável que, se me visse no banco do motorista, falaria grosserias e diria que não me deixaria dirigir por causa da batida.

- Vamos pro hospital. - Afirmei assim que deu a partida.
- Sabe onde tem um hospital aqui perto?
- Tem o Royal Hospital, na Shaftesbury Avenue.

Ele não falou mais nada. Apenas seguiu para onde eu havia indicado. O estacionamento do hospital estava lotado. Todas as pessoas de Londres tinham decidido ficarem doentes no mesmo dia? O parou na frente de um homem que estava controlando a entrada de carros no estacionamento.

- Não temos vagas. - O homem disse antes mesmo de perguntarmos. - A chuva deixou todo mundo doente. Vocês vão ter que parar mais longe. - Ele avisou, sem nenhuma compaixão.
- Faz assim... Eu deixo você e a Holly aqui, estaciono em algum lugar e depois encontro vocês aí dentro.
- Tudo bem, então. Obrigada. - Pela primeira vez, consegui sorrir verdadeiramente para ele.

Desci na chuva e tirei minha pequena Hol do banco de trás, segurando-a com força em meus braços e correndo para dentro do hospital com dezenove passos. Fomos diretamente para a área da pediatria e não demorou muito para que ela fosse atendida. Por causa da tosse e da bronquite crônica da minha filha, o médico pediu para fazer alguns exames nela. Dei cinco passos para fora do consultório e me sentei na sala de espera, com certo peso no coração por deixar minha filha doente sozinha.

Apoiei meus cotovelos nos joelhos e descansei minha testa sobre minhas mãos. Respirei fundo. Uma, duas, três vezes...

- Está tudo bem com ela? - me chamou. Ergui minha cabeça para encará-lo.
- Está, sim... Pelo menos eu acho. O problema da Holly é que ela tem bronquite crônica. Qualquer coisinha dilata os pulmões dela. A chuva não deve ter feito bem. Meu medo é que ela pegue pneumonia ou qualquer coisa mais grave.
- Fica tranquila. Vai dar tudo certo. - Tocou meu ombro de forma confortante.
- Eu espero. - Sorri. - Você comeu alguma coisa? - Me lembrei subitamente. - Porque você não almoçou com a gente... Você deve estar morrendo de fome, .
- Ah! Tá tudo bem. Obrigado por lembrar. - Deu de ombros. - Eu comi um cachorro-quente enquanto esperava vocês. Não estou com fome... Eu só quero um café... Acho que vou comprar um... Você quer?
- Não... Obrigada. - Garanti e ele foi comprar seu café. Não demorou muito para que Cory se sentasse do meu lado.
- Parou de brigar com o meu pai? - Falou ironicamente.
- É... Parece que sim. - Forcei uma risadinha.
- Que bom... - Sua voz esmoreceu. - Não ligue pras coisas que ele fala. Ele tá nervoso. Amanhã é meu aniversário de dezesseis anos e minha mãe quer fazer uma festa.
- E isso é um problema? - Eu ri, dessa vez verdadeiramente.
- Não... O problema é que os dois são separados. Ela não convidou ele.
- Oh! - Percebi a gravidade da situação. - E por que você não convida?
- Porque ela não deixa. - Seus lábios estavam comprimidos. Passei minha mão por seus ombros.
- Não fica assim. Eu sei como deve ser difícil ter pais separados... Mas você precisa ser forte, Cory. Aproveita o tempo com o seu pai... Explica pra ele a situação. Ele vai entender.
- Eu já falei com ele... Mas eu tenho medo de que ele queira ir falar com a minha mãe... Já é ruim ter os dois sem se falarem... Brigando seria pior.
- Quer que eu fale com ele? - Olhei fundo em seus olhos . Tão quanto os do pai.
- Você faria isso?
- Por que não? - Dei um sorriso de compreensão. - Vai dar tudo certo. Acredite em mim.
- Obrigado, . De verdade. - Cory me abraçou.

Me soltei do abraço ao ver o médico vindo em minha direção. Ele com certeza teria notícias de Holly.

- Srta. ?
- Sou eu. - Fiquei de pé.
- Sua filha está com bronco constrição. Ela vai ter que ficar internada até amanhã de manhã, em observação, para garantirmos que não haverá nenhum tipo de complicação.
- Ok... Mas ela está bem, não está?
- Está tudo bem com ela, Srta. . Pode ficar tranqüila.
- Obrigada. - Me sentei novamente.

Não tive que ficar muito tempo depois da conversa com o médico esperando que chegasse. Logo ele apareceu com Amber. Cada um segurando uma xícara de café.

- Notícias? - Perguntou.
- Em observação... Até amanhã de manhã. - Suspirei pesadamente.
- Você precisa descansar...
- E deixar minha filha aqui? De jeito nenhum. Eu vou passar a noite com ela.
- Eu não estou falando de deixar ela sozinha de noite. Agora que são quatro da tarde. Eu só estou falando pra você ir comigo lá no meu apartamento. Você toma um banho, eu arrumo umas roupas limpas pra você... Depois nós voltamos pra cá. O que você acha?
- Ah, ... Eu não posso negar que a proposta é tentadora. Eu estou precisando tanto de um banho... Mas eu não posso deixar a Holly sozinha enquanto eu vou fazer isso.
- Eu fico aqui, . - Cory se manifestou. - Eu prometo que fico de olho.
- Promete? - Eu estava prestes a ceder.
- Prometo. - Sorriu.
- Então eu vou aceitar, . Obrigada.
- Vamos, então? Amber, fica com o seu irmão, ok?
- Tá bom. - A garotinha sorriu.

Demos setenta e três passos até o lugar onde o carro estava estacionado. Felizmente, a chuva já tinha passado. Não demoramos a chegar no apartamento de . Um edifício de classe média-alta no sul de Londres. Subimos até o quinto andar. Dei quatro passos entre o elevador e a sala, que parecia ser extremamente confortável.

- Pode ficar à vontade. O banheiro é no corredor. Eu vou pegar algumas roupas pra você... Fica à vontade. - Percebi seus músculos faciais se contraírem, me fazendo soltar uma gargalhada.
- Não precisa ficar nervoso. Eu não vou julgar se o seu apartamento é tão bom quanto o meu. Eu sou obsessivo-compulsiva, mas esse não e meu tipo de obsessão. - Pisquei e entrei no banheiro com doze passos.

A água estava quente no tanto exato. Ela caia sobre meus ombros e meus cabelos, me fazendo relaxar por completo. Desliguei a água. Havia uma toalha nova esperando por mim. Me enxuguei e, me enrolando no pano, fui até a sala.

- ? - Chamei.
- ? Já está saiu? Pode pegar a roupa... Está em cima da cama... No meu quarto.

Fui até onde ele disse e peguei uma calça jeans e uma blusa laranja. Calcei a mesma sandália que eu estava usando de manhã, penteei meu cabelo e me encontrei com ele na sala.

- Posso saber onde você arrumou essa roupa? - Me sentei ao seu lado. Ele comia alguma coisa rosa.
- Era da Lauren.
- Lauren... Sua ex-esposa?
- Não... - Ele riu. - Provavelmente o Cory falou da mãe dele pra você... Mas não. Não é dela. Lauren é minha irmã. Mais velha. Ela emprestou a roupa pra Emma, minha ex-mulher, uma vez e se esqueceu de pegar. Eu tenho certeza que ela não vai se incomodar.
- Que bom, então... - Eu ri.
- Aceita? - Levantou o potinho em minha direção.
- O que é isso? - Arqueei uma sobrancelha para a coisa mole e rosa lá dentro.
- Gelatina de morango. Eu que fiz. As crianças iam vir para cá hoje. A Amber adora tudo que é de morango.
- Então parece que eu tenho alguma coisa em comum com a sua filha. - Sorri.
- Então isso significa que você quer?
- Não, não... Eu poderia até aceitar, mas não acho legal nós ficarmos demorando por aqui. O Cory e a Amber estão sozinhos no hospital, .
- Você tem razão. Mas está me devendo. Vai ter que provar da minha gelatina. - Ele deixou o potinho sobre a mesa de centro.
- Tudo bem. - Gargalhei.
- Vamos?
- Só uma coisa... - Segurei na manga de sua camisa, agora verde.
- Pode falar. - Seus músculos saltaram quando o toquei.
- Não fala pra Emma que você ficou chateado com o que ela fez. O Cory está com medo de ver vocês brigando. Por ele, não faz isso.
- Eu não vou fazer. - Ele afirmou antes de piscar apenas um de seus olhos, indicando nervosismo. - Vamos?

Me levantei e, sem perceber, contei em voz alta os passos.

- O que você estava fazendo? - O me perguntou quando chegamos ao elevador.
- Er... Eu tenho transtorno obsessivo-compulsivo. Eu conto meus passos. E não piso em linhas. Mania. - Dei de ombros.
- Então eu não sou o único estranho por aqui.
- Definitivamente não. - Eu ri. - Acho que eu devo ser mais estranha que você, .
- .
- O quê?
- Me chama de . É estranho escutar você me chamando pelo nome o tempo todo. - Ele sorriu.
- Ok... . - Sorri de lado. - .
- ... Gostei.

Nós dois rimos enquanto demos cinqüenta e quatro passos até o lado de fora do edifício. Quando voltamos ao hospital, o estacionamento tinha esvaziado e podíamos estacionar lá. Fomos até a sala de espera. Nenhum sinal de Amber ou Cory. Onde eles poderiam estar? Chamamos o médico para perguntar deles e o homem nos avisou que Holly tinha sido liberada para o quarto e os dois tinham ido fazer companhia a ela. Andamos cento e dois passos até a quarto. Cory nos recebeu.

- Oi pra vocês. - Cumprimentei os três protótipos de pessoas que estavam no quarto.
- Oi, ! Oi, papai! - O rosto de Amber se iluminou.
- Como foi? - perguntou.
- Foi tranqüilo. A Holly é muito boazinha, . - O garoto afirmou.

Olhei para minha filha. Ela estava melhor. Tinha parado de tossir e agora estava deitada na cama do hospital, dormindo profundamente. Eu sempre achara incrível a habilidade que as crianças tem de dormir na cama de hospital, independente de que horas fossem.

- , acho que eu vou levar as crianças pra casa. Eu prometi pra Emma que levaria eles de volta até às seis da tarde. Ela vai me matar se eu atrasar.
- Ah! Tudo bem...
- Mas como você vai fazer com o carro? - O parecia preocupado.
- Pode deixar. Amanhã de manhã eu pego um táxi com a Holly. Quando o carro ficar pronto eu vou de táxi também. Não se preocupe comigo, . - Pedi.
- Então eu vou indo. Tchau... E fala pra Holly que todo mundo mandou um "melhoras" pra ela, ok?
- Pode deixar. Eu dou o seu recado. - Garanti, vendo a porta do quarto ser fechada atrás dos três.

Esperei ter certeza de que eles haviam ido embora e então liguei o aquecedor do quarto, me deitando com Hol em seguida. Fechei meus olhos. O dia tinha sido realmente cansativo e, antes que eu me desse conta, tinha pegado no sono.

Acordei assustada. O quarto escuro e minha visão muito limitada. Olhei para o meu lado. Holly ainda dormia profundamente. Me encostei de novo e respirei fundo, fechando os olhos.

- Pode dormir tranquila. Se a Hol acordar ou tossir, eu te chamo. - Uma voz conhecida falou comigo.
- Quem está aí?
- Nossa... Vai me falar que já me esqueceu? - Ele acendeu a luz.
- , o que você tá fazendo aqui? - Olhei para ele incrédula.
- Eu não ia ficar sozinho no meu apartamento sabendo que você também ia ficar sozinha aqui no hospital. Eu vim te fazer companhia...
- Que horas são? - Esfreguei meus olhos enquanto bocejava.
- Nove e pouco da noite...
- Já? - Apesar de surpresa, minha voz não deixou transparecer minha emoção.
- Pois é... - andou até a beirada da cama e pegou em minha mão. Assim que o fez, seus músculos do rosto saltaram. - Pode dormir.
- Então tá bom... - Fechei meus olhos, tentando obedecê-lo.

- Que horas são? - Foi a primeira coisa que eu falei ao abrir meus olhos e perceber que já estava claro.
- São nova horas da manhã. - O gargalhou. - A Holly já pode voltar pra casa. Ela já está vestida. Estava só esperando você acordar.
- Nove horas?! Meu Deus... Onde a Holly está?
- Foi ao banheiro.
- To aqui, mamãe! - Minha filha saiu do banheiro.
- Vamos, meu amor? - Eu disse, com pressa de sair. Peguei minha bolsa em um braço e Holly no outro, já me dirigindo para fora do quarto. Cinco passos.
- Por que tanta pressa, ?
- Desculpa, , de verdade. - Eu parei de andar. - Eu não avisei pro Taylor que a Holly veio pro médico. Ele deve estar morrendo de preocupação porque ela não dormiu em casa. Eu tenho que ir mesmo. - Voltei a andar. Dois passos.
- Eu te levo. - Ele sugeriu, já com o olho piscando ininterruptamente.
- Pode deixar. Eu pego um táxi. Obrigada de verdade, . Por tudo. A gente se vê.

Andei para fora do hospital com minha filha em meus braços. Sessenta e três passos até o táxi. Desci do táxi na casa de Taylor. Mais uma vez, trinta e dois passos até o elevador e seis até a porta do meu irmão. Toquei a campainha.

- Eu te mato, ! - Foi assim que fui recebida. - Da próxima vez que você desaparecer com a Holly, eu te denuncio, tá legal?
- Me desculpa! - Eu ri. - A Hol teve broncoconstrição. Eu fui ao médico com ela. Esqueci de te avisar. Me desculpa! - Me joguei nos braços de Taylor.
- Tá perdoada, .
- Então... Fica bem, meu amor. - Beijei o topo da cabeça da minha pequena. - Mamãe volta no sábado, ok?
- Tudo bem, mamãe. - Ela sorriu.
- Tchau, Taylor. - Beijei o rosto dele e, dando os mesmo seis passos até o elevador, desci para o saguão.

Decidi voltar caminhando para casa. Mil trezentos e oitenta e um passos até a porta do meu apartamento.

A semana passou mais rápido do que deveria. E só uma pessoa dominava meus pensamentos. . Quando nos conhecemos, ele foi tão rude comigo, mas depois se tornou uma pessoa extremamente doce e capaz de perder uma noite em sua cama confortável para dormir no hospital comigo. Que homem tinha feito isso por mim? Nenhum. E agora ele não saia da minha cabeça.

O sábado chegou e com ele veio o dia de eu pegar Holly. Para minha surpresa, o dia não estava tão frio. Coloquei uma calça jeans, meu All Star perto idoso, uma blusa branca, meu cachecol branco com rosa e saí. Pela primeira vez, minha mente não precisou contar meus passos ou tomar cuidado para não pisar em linhas. Eu me sentia mais leve. Às vezes eu me pegava contando ou verificando o chão, mas logo tratava de afastar esse pensamento. Eu sabia que várias pessoas tinham se curado do TOC dessa forma. Por que não eu?

Cheguei na casa de Taylor e peguei Holly. Nós iríamos passear no parque. Um pouco de ar frio faria bem pra ela. E pra mim também. Ar fresco faz bem para a cabeça... Quem sabe não poderia ser uma espécie de tratamento?

Tentei manter minha cabeça ocupada o suficiente para não ser tentada a contar ou olhar para as linhas do chão. Chegamos ao parque. A primeira coisa que veio na nossa direção foi um palhaço. Ele queria nos vender um pouco de milho para darmos para os pombos.

- Não. Obrigada. - Agradeci. Eu sempre tivera medo de palhaços.
- Mamãe! Eu quero dar milho pros pombinhos!
- Não, Holly, você não quer dar milho pra ninguém. Se você quiser milho, a gente almoça milho, o que você acha?
- Um cachorrinho, mamãe! - Holly correu na direção de um vira-lata que revirava uma lixeira ao lado da quadra de basquete.
- Não, Hol! Não pega nele! Ele deve ter pulgas, meu amor! Você não quer uma pulga nesse seu cabelinho perfeito, quer?
- Não, mamãe! Mas eu quero um cachorrinho. - Me fitou com seus olhinhos pretos.
- Eu já... Alguma vez na vida... - Me ajoelhei para ficarmos da mesma altura. - Falei pra você que é muito difícil passear com você no parque? Palhaços, cachorros... Parece que você adora toda essa bagunça!
- Eu adoro, mamãe! Eu adoro o parque!
- Que bom, meu amor. Eu adoro te trazer aqui. - Beijei seu rosto branco. - Vamos nos sentar um pouquinho, comprar uma pipoca e dar um pouquinho pros patinhos?
- Vamos! - As íris escuras de Holly se iluminaram.

Fiquei de pé novamente, me apoiando na grade da quadra de basquete. Quando vi quem estava lá dentro, mal pude acreditar. , Amber e Cory estavam jogando basquete. Minha garganta pensou em chamá-los, mas eu deveria? Decidi que sim.

- ! - Berrei, fazendo-o se voltar para mim.
- ! - Ele saiu da quadra e veio em minha direção, me dando um abraço. - O que você está fazendo aqui?
- Eu vim passear com a Holly! Mas e você?
- Hoje é meu dia com as crianças...
- Parece que nós pensamos igual, então...
- Muito igual... - Ele afirmou e vi seu olho piscar.
- O que você acha se nós almoçarmos juntos? - Sugeri.
- Seu marido não vai se incomodar?
- Que marido? - Arqueei uma sobrancelha.
- O Taylor... Você falou dele. Falou que não avisou da Holly...
- O Taylor é meu irmão. Ele fica com ela durante a semana. - Gargalhei.
- Então podemos almoçar juntos...
- Certo... Onde? - Abri um sorriso.
- Acho que você ainda precisa experimentar da minha gelatina de morango...
- O que você acha então de fazer a gelatina lá na minha casa? - Pisquei.
- Desculpe... Eu só vou em casas de mulheres que estão abertas para novos relacionamentos... Você está?
- Na verdade não. - Ri. - Mas pra você eu posso abrir uma exceção... O que acha?
- Perfeito. - Mais uma vez o músculo facial dele saltou.

E então nós fomos. Eu, , Amber, Cory e Holly. Todos em direção à minha casa. Mil e trinta e seis passos. Foi inevitável. Mas o que eu poderia fazer? Eu não me incomodava em ser assim. não se incomodava em ser assim. E o mais importante, aceitávamos um ao outro do jeito que éramos. E assim era pra ser.


FIM



Nota da autora: Olá, meus amores!
Aqui estou eu, no chall de novo!
Espero que vocês gostem!
Podem me adicionar no orkut... É só procurar ' Clara Nunes que vocês me acham, ok?
Beijos, beijos :*

Da mesma autora:
My Christmas Gift - Challenge #001

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