O Otário que Bateu no meu Carro
por Carol Moutz


Challenge #02

Nota: 8,5

Colocação:




’s POV

Lembro de ter acordado suando naquele dia, lembro de me sentar na cama com as mãos tremendo, belisquei um braço para me acalmar e belisquei o outro para igualar a dor dos dois lados. Levantei-me ainda meio tremula, flashes do sonho que havia tido vinham em minha mente, primeiro sangue, depois um borrão azul-marinho, uma freada, chuva, dor, mais sangue, luzes... Andei até a cozinha, apertei o interruptor cinco vezes como de costume, peguei um copo e o enchi com um pouco de água da bica. Bebi um pequeno gole, um gole mais longo, e por fim o que restava no copo.
Lembro de olhar pela janela e ver que estava chovendo, de ter entrado no banho, duas meias-giradas na torneira de água quente, contar até dez Mississipi e então dar uma meio-girada na torneira de água fria. Entrei embaixo da água, fechei os olhos, novamente fui assombrada pelo borrão azul-marinho, dessa vez o borrão tomou formas mais nítidas, era um carro, um Mercedes.
Lembro de estar entrando no meu carro e ir trabalhar, de a chuva ainda continuar forte, tive que ir mais cedo naquele dia para poder sair do trabalho mais cedo, pois na noite anterior combinei com meu irmão que ele levaria minha filha ao parque em Chinatown ( morava com ele porque ela é fruto de uma gravidez na adolescência e ele aceitou cuidar dela para mim, como se a tivesse adotado) para que eu pudesse vê-la.
Lembro de ter um dia estressante no trabalho, trabalho atrasado e colegas zombando de minhas neuroses, com exceção do George, ele é meu único amigo lá. Eu sofro de uma doença conhecida como TOC, que na verdade se chama Transtorno Obsessivo Compulsivo, isso é, eu faço coisas “estranhas” por nenhum motivo aparente, mas que quando não são feitas me deixam meio fora de mim.
Lembro de sair do trabalho, dar um pedala no George, receber a típica olhada feia dele e alegar que era culpa do TOC, ouvir a risada dele como se dissesse “aham, eu acredito” (bom... isso não era TOC, era mais rotina mesmo). Cheguei ao carro, peguei o celular e liguei para meu irmão, ele disse que já estava no parque, mas na área coberta por causa da chuva, e que tinha feito amizade com dois gêmeos lá.
Lembro de estar dirigindo por uma avenida, de ainda não ter parado de chover forte, de imaginar se meu irmão havia lembrado de fazê-la vestir um casaco, de estar batucando no volante no ritmo da musica no radio. Quando o sinal abriu, eu acelerei cautelosamente para não causar acidentes devido à pista molhada.
Lembro de alguém gritar, de olhar pro lado, de ver um borrão azul-marinho, perceber uma Mercedes se aproximando, ouvir uma batida, ver sangue, ouvir sirenes, ver luzes e então não lembro de mais nada.

****

’s POV

Naquela manhã acordei me sentindo um lixo, levantei da cama me sentindo um lixo, tive meu primeiro espasmo me sentindo um lixo. É o seguinte, nos últimos três dias a minha doença, Síndrome de Tourette, tinha piorado, eu vinha tendo espasmos no rosto, na cabeça, nos braços... isso me deixava pra baixo, porque o Dr. Ramalho disse que eu estava melhorando, que os sintomas estavam diminuindo com excelente graduação.
Ainda me sentindo um lixo, tomei um banho, me senti um pouco melhor, talvez como uma pulga em um cachorro que anda comendo do lixo. Tomei um café da manha reforçado, era dia de basquete no horário de almoço no meu trabalho. Fui trabalhar, nada demais no trabalho, espasmos freqüentes até que eu fui tomar água e minha mão jogou o copo contra meu chefe, risadas dos colegas, eles até que eram legais em relação ao meu problema.
O horário do almoço chegou. Eu era um dos melhores da equipe, meu apelido? Palhaço, porque eu sempre sabia com o cabelo todo louco, tipo o do Ronald McDonald e com o rosto todo vermelho por causa do esforço. Fomos até os fundos da empresa, lá tinha uma espécie de quadra adaptada.
- Hei, Palhaço, você ta no meu time hoje, valeu?
- Como assim? O Palhaço é pacote completo, vem com o Assistente junto.
Assistente era meu melhor amigo, ele também ficava com o rosto todo vermelho, mas o cabelo dele era bem comportado, então ele era o assistente, ele preferiu isso à Aprendiz. - Calma, calma, tem palhaço pra todo mundo! – eu disse rindo.
Nesse momento eu não me senti mais um lixo, ou uma pulga, eu estava entre meus amigos e isso me deixava feliz! Além disso, veria meus filhos após o trabalho. Minha ex-mulher, após muita insistência, havia concordado em levar meus filhos ao parque de Chinatown para que eu fosse vê-los. Estava chovendo naquele dia, mas eu sabia que ela não ia ter desculpa pra desmarcar, já que o parque possuía uma área de lazer que era coberta.
Saindo do trabalho, tive mais um espasmo e derrubei as pastas de trabalho do Assistente, sorri timidamente em sinal de desculpa e ele assentiu que entendia. Fui para o meu carro, dirigi cautelosamente pelas ruas que me levariam a Chinatown, cheguei à praça cedo, procurei por um estacionamento, em todos havia a mesma sinalização: “Não temos vagas”. A busca por uma vaga já estava começando a me irritar, porque todo mundo resolve ir ao parque de Chinatown junto, em um dia de chuva?!
Peguei um retorno, iria retornar pela avenida e procurar uma vaga. Enquanto estava na rua que me levava de volta à avenida, sofri outro espasmo, no pé. Meu pé afundou no acelerador, e antes que eu me desse conta do que estava acontecendo, meu Mercedes azul-marinho colidiu com um outro carro.

****

’s POV

Eu não sabia que horas eram, que dia era, eu não sabia de nada. Eu estava de olhos fechados, não sentia nada do meu corpo, mas minha mente estava funcionando. Não tinha certeza do que havia acontecido, mas tinha a sensação de ter dormido bastante, minhas pálpebras estavam pesadas quando eu tentei abri-las. Sabia que não estava em casa, porque a cama em que me encontrava era macia, bem mais macia do que a minha.
Eu queria saber onde estava, o que havia acontecido, a ultima coisa que me lembro é de um maldito borrão azul-marinho. Novamente juntei minhas forças pra abrir os olhos, consegui. Fui atingida por uma claridade que me fez voltar a fechar os olhos. Respirei fundo e abri meus olhos novamente, dessa vez mais devagar para me acostumar com a luminosidade.
- Eu morri? – ouvi as palavras escaparem por meus lábios.
- ? Você ta bem? – perguntou alguém, a voz era familiar, mas de imediato eu não saberia dizer quem era.
- Onde eu estou? – tudo a minha volta era extremamente branco, eu queria saber o que estava acontecendo, precisava saber algumas respostas.
- , é o Josh, seu irmão. Você está no hospital, você sofreu um acidente.
- Josh...? – me ouvi repetindo – Há quanto tempo eu estou aqui? - , você lembra de mim, né? – notei a preocupação na voz de Josh – você está apagada tem... – ele levou um tempo para se lembrar – quase uma semana.
- O que aconteceu comigo?
- Você estava indo encontrar comigo e no parque, mas no caminho um carro bateu no seu, o médico disse que foi grave e que não sabia se você ia se recuperar totalmente, estávamos esperando você acordar. Você sabe quem você é?
- . Josh, eu estou bem, só quero ir pra casa.
Eu sentia meu corpo pesado, não conseguia mexer meu corpo, só meu pescoço, acho que estava anestesiada. Enquanto pensava nisso, ouvi mais vozes se aproximando, olhei para a porta e lá vi parado um homem de jaleco branco. - Olá , eu sou o Dr. Jackson, estivemos tomando conta de você enquanto estava inconsciente – ele esperou que eu assimilasse todas as informações – Você sofreu um acidente grave, ainda não sabemos todas as conseqüências dos traumas que você sofreu, então eu vou te fazer umas perguntas, tudo bem?
- Porque eu não consigo me mexer? – eu perguntei antes de responder, aquilo estava realmente me deixando agoniada.
- Você acabou de despertar de um coma, é perfeitamente normal que você esteja tendo problemas pra se locomover, em algumas horas você deve estar normal, vamos esperar pra ver. Agora, posso te fazer aquelas perguntas que eu mencionei? – ele tinha uma voz calma, paciente. Era reconfortante, então limitei a assinalar positivamente com a cabeça – Certo, então vamos começar. Você sabe seu nome?
- .
- Qual seu sobrenome?
- .
- Em que ano nós estamos?
- – vi o médico trocar olhares com a enfermeira – O que foi? Tem algo errado comigo? – ele se virou para mim com olhos de pena e apoio.
- , temo que o acidente possa ter causado algum dano cerebral, pode ser momentâneo, mas também pode ser que não seja reparável. Você terá que ficar no hospital por mais alguns dias pelo menos.
Eu estava em estado de choque. Danos cerebrais? Porque comigo? Eu ainda era muito nova pra isso, eu tinha sonhos, eu tinha planos, eu estava apaixonada...
- O Derek sabe o que aconteceu comigo? – perguntei.
- Quem é Derek? – perguntou o médico.
- Meu namorado, nós estudamos na mesma escola, ele deve estar morrendo de preocupação.
- , – foi a vez de o meu irmão falar – Derek e você não se falam há 9 anos – sua voz era triste e eu percebi como foi difícil para ele dizer aquilo. Olhei em sua direção pela primeira vez desde que acordara, ele havia mudado, crescido, havia um anel em sua mão esquerda.
- Josh, você se casou?
- Sim, Julie e eu nos casamos há 10 anos. No ano que você engravidou, lembra? 2000?
- Eu? Engravidei? Como? Em que ano nós estamos? O que aconteceu com a minha vida? – eu estava começando a me desesperar.
- Calma , está tudo bem, você engravidou do Derek, mas ele foi embora, sua filha vive comigo e minha mulher. Sua filha tem 9 anos, mas esse ano será seu décimo aniversario.
-Josh, eu não consigo lembrar de nada, eu tenho flashes na minha cabeça, mas eu não sei o que significam. Principalmente o borrão azul-marinho. – vi o doutor e meu irmão trocarem olhares.
- , - disse o médico – acho que tenho boas notícias afinal, ou quase. - ele fez uma pausa – O borrão azul-marinho que você vê, é o carro que te acertou uma semana atrás, isso significa que você não perdeu a memória totalmente, ela está ai dentro, mas você não está conseguindo acessá-la. Em alguns dias tudo deve voltar ao normal. Nesse momento, um homem alto, entrou no quarto numa cadeira de rodas. Eu fiquei encarando-o por um tempo. - Quem é ele? – perguntei, todos se viraram para olhar o recém chegado, meu irmão fechou a cara.
- Esse é o otário que bateu no seu carro!
- Oi – disse o cara na cadeira de rodas – eu vim aqui me desculpar... – ele olhou com compaixão demonstrando sincero arrependimento, de repente ele fez uma careta.
- Você estragou minha vida – eu disse sem me alterar.
- Desculpe – ele disse novamente, então fez um movimento estranho com a cabeça. - Por sua causa eu, aparentemente, não consigo me lembrar dos últimos dez anos da minha vida.
- , tente não deixá-lo nervoso – disse o médico.
- Porque não?
- Porque ele sofre de uma doença chamada de Síndrome de Tourette, e os sintomas estão piorando quando deviam estar melhorando, percebemos um padrão: ele tem mais espasmos quando fica nervoso.
- , certo? – disse o homem – meu nome é , eu realmente sinto muito por ter batido no seu carro...
- Certo – eu interrompi.
- Não foi minha culpa... – a voz dele foi sumindo.
- E como exatamente não foi sua culpa?! – Josh gritou irritado.
- Como o médico disse, eu tenho Síndrome de Tourette, e naquela tarde eu tive um espasmo no pé, que ao invés de parar o carro no sinal, o acelerou. Desculpe. – ele disse tristemente.
- Por favor, , volte depois. – disse o Dr. Jackson. apenas assentiu e sumiu para o corredor. – , você deve ficar aqui por mais uns dias, quando recuperar a memória poderá ir para casa.
- Obrigada Doutor – eu disse simplesmente – mas eu estou com frio, poderia, por favor, ajeitar o climatizador?
- Claro – ele disse enquanto aumentava a temperatura – agora vou te deixar descansar, mas tarde voltarei para saber como você está.
Olhei para Josh, era estranho ver meu irmão tão mais velho, mas acho que teria que me acostumar com isso por mais um tempo.
- Josh... como é minha filha?
- Ela é linda. Você quer vê-la?
- Gostaria.
- Vou pedir para Julie traze-la aqui.
- Obrigada.
Josh saiu do quarto para fazer a ligação. Eu apenas fiquei olhando em volta, não conseguia acreditar que estava no hospital, não podia acreditar que tudo isso tinha acontecido comigo, não podia ser verdade. Eu não queria acreditar que tinha esquecido os últimos dez anos da minha vida, simplesmente não podia.

Os minutos se passavam e eu nada podia fazer, não conseguia me mexer, não podia sair dali, não conseguia me lembrar. Realmente é verdade o que dizem, pessoas hospitalizadas tem grandes tendências a entrarem em depressão. Respirei fundo, se era pra ficar deitada sem poder fazer nada, aproveitaria do meu tempo para tentar me mexer, a ultima coisa que eu precisava era ter ficado tetraplégica.
Josh ainda estava lá fora, ele falava no telefone com alguém. Alguns minutos antes ele disse que Julie e já estavam a caminho. Eu queria ser capaz de abraçar minha filha, mesmo que eu não fosse reconhecê-la. Juntei todas as minhas forças, mantive todos os meus pensamentos em uma coisa, me mexer. Eu precisava mexer meu corpo, um dedo que fosse.
“Mexa-se dedo, mexa-se. Por favor, dedo, eu preciso que você mexa!”.
Então eu vi, meu dedo se mexeu! Comemorei silenciosamente. Estava progredindo! Em pouco tempo eu provavelmente seria capaz de andar. Continuei a praticar lentamente, um a um meus dedos foram fazendo pequenos movimentos.
Josh já havia voltado ao quarto tinha meia hora, ele se desculpara dizendo que teve que resolver uns assuntos do trabalho. Eu disse que não tinha problema e, de forma um tanto quanto adolescente, mostrei a ele meu progresso.
- É isso ai , continue assim! Você vai estar melhor em um piscar de olhos! – ele estava genuinamente feliz por mim.
Diante do otimismo de Josh, me senti mais motivada a tentar, dessa vez queria algo maior, queria mexer meu braço! E eu iria conseguir! Já tinha praticamente recuperado a função de toda a minha mão, o próximo passo seria mover meu braço.
Vamos lá, braço, mexa-se! Mexa-se! Mexa-se! BRAAÇO, SE MEEEXE!
Eu estava perto de desistir quando eu vi a movimentação, meu braço havia se mexido! Obviamente foi um movimento totalmente desregulado e sem direção, mas já era algum progresso. Eu imagino como deva ser estar paraplégico, estar lá, sem poder andar, desejando silenciosamente que um milagre aconteça e você se mexa novamente, que tudo não tenha passado de um pesadelo, um terrível pesadelo.

Depois de algum tempo treinando meu braço, eu praticamente podia fazer o movimento que eu quisesse, ainda precisava de treino, mas ia melhorar. Acabei caindo no sono, todo aquele esforço mental podia realmente cansar alguém, além disso, aquela cama macia e cheirosa realmente nos davam uma sensação de sono.
- Mamãe? – ouvi uma voz fina e tímida. Abri lentamente os olhos e me deparei com uma menininha linda, com grandes olhos verdes, algumas sardas e cabelo encaracolado.
- ? – a menina fez que sim com a cabeça – como você está meu anjo? – eu não podia a deixar perceber que eu não fazia idéia de quem ela era, isso poderia ser traumatizante demais, tinha que tentar agir normalmente.
- Eu to bem – ela disse alegre.
- Que bom... – eu não sabia mais o que dizer, então fiquei apenas olhando pra ela.
- Porque você ta chorando mamãe? – eu nem tinha me dado conta, mas eu estava realmente emocionada, eu tinha uma filha linda, e ela continuava me chamando de mamãe daquele jeito fofo.
- Porque eu to feliz de te ver – e era realmente verdade, não me importava que eu não conseguisse lembrar dos últimos dez anos, essa era minha filha e eu nunca mais iria esquecê-la.

foi embora com Josh, ele precisava ir em casa, e Julie ficaria comigo, mesmo que eu não a conhecesse. Conversamos um pouco, ela me contou do casamento deles, de como havia sido lindo, e eu podia ver os olhos dela brilharem, e me emocionei. Dormi pouco depois.
Quando acordei novamente Julie não estava mais lá, nem Josh. Achei que estava sozinha no quarto, até ouvir um ruído estranho. Virei a cabeça em busca do som. Era o otário, tinha esquecido seu nome.
- Oi – disse ele realmente baixo, como num sussurro, talvez medo da minha reação à sua presença.
- O que você quer?
- Saber como você está...
- Como eu estou? Eu acho que bem, mas você pode me dizer como eu estive nos últimos dez anos? – vi seu rosto se contorcer.
- Sinto muito, de verdade, não foi minha culpa...
“Bata na cara dele, bata na cara dele...” ordenei mentalmente a meu braço. Ainda era difícil executar as ações desejadas, mas eu estava ficando boa nisso.
- Se eu pudesse fazer qualquer coisa pra te ajudar, eu faria, mas eu não sei o que... Ajude-me a te recompensar por todo o mal que lhe causei, eu realmente sinto mui... – PAF! Acertei a cara dele em cheio. “Obrigada braço!”. PAF! Meu outro braço, sem que eu mandasse, executou a mesma ação do anterior, até eu fiquei assustada, foi meio inesperado.
- Desculpe – eu disse com os olhos arregalados.
- Você costuma bater nas pessoas e pedir desculpas? – ele estava de cara amarrada, teve um espasmo novamente, eu provavelmente o deixara nervoso.
- Não estou me desculpando por ter te batido, mas por ter te batido a segunda vez. Eu realmente não tive a intenção, foi automático – ele levantou a sobrancelha – Olha, você não é o único que tem uma doença que te faz fazer coisas além do seu controle. Eu tenho TOC, eu faço coisas sem motivo racional, simplesmente faço. Meu corpo não está me obedecendo ultimamente, mas obedeceu à doença. Bater no seu rosto resultou numa sensação da minha mão, automaticamente a outra mão fez o mesmo, para “equilibrar” a sensação.
Fiquei olhando pra ele, na esperança de te-lo feito entender, porque tudo aquilo era realmente verdade. Acho que se alguém me dissesse o que eu havia dito para ele, eu não iria acreditar em nenhuma palavra, foi muito confuso. Enquanto eu o encarava esperando uma reação por parte dele, fui ficando aflita. E então ele riu. Exatamente, ele apenas RIU.
- Hei! Do que você ta rindo? – eu fiquei zangada.
- Eu não tenho certeza! – ele disse entre risadas, e foi minha vez de ter vontade de rir, mas me contive. – É que é tão surreal o que você disse, eu sei que é verdade, mas é tão... estranho. – A risada dele me contagiou e antes que eu me desse conta, estava rindo também, meio histericamente até. Levei meus dois braços à barriga, antes de me dar conta de que meus braços haviam obedecido minha ordem sem que eu tivesse que brigar interiormente, e embora isso devesse me fazer parar de rir e me gabar da minha readquirida capacidade de mover ambos os braços, eu simplesmente continuei rindo.
- AI! – eu disse enquanto ria, minha barriga já estava doendo. Ele continuava rindo, então eu comecei a sentir calor. MUITO calor! – Você mexeu no climatizador? – eu estava parando de rir e ficando séria.
- Não – ele percebeu minha mudança repentina de humor e ficou apreensivo.
- Ta quente aqui! Muito quente! – eu disse puxando minha blusa pra frente, na esperança de ventilar meu corpo.
- Talvez seja eu – ele disse em tom brincalhão enquanto piscava e continuava a rir.
- Arruma o climatizador, ta muito quente aqui – eu estava ficando alterada.
- Calma, já vou arrumar – ele mexeu a cadeira de rodas para se aproximar do aparelho responsável pela temperatura ambiente.
- ARRUMA! CALOR! QUENTE! AH! – eu agora gritava, puxava minha roupa, a cara dele estava adquirindo uma expressão horrorizada, então ao invés de ajustar a temperatura, ele apertou o botão que chama a enfermeira. Eu continuava a gritar, rasguei minha camisola. Vi as enfermeiras entrarem no mesmo momento em que senti que minha cabeça iria explodir, segurei minha cabeça, a apertando.
- Chame o Doutor – gritou uma das enfermeiras.
Eu ainda me contorcia e gritava, algumas imagens passavam pela minha cabeça, coisas vagamente familiares, que eu não tinha certeza se aconteceram ou não. Mas eu sabia que eram coisas relacionadas a mim. Eu ainda sentia a pressão na minha cabeça, uma dor dilacerante e então tudo ficou preto.

****

’s POV

Acordei no hospital sem muitas lembranças do que havia acontecido. Eu lembro de ter tido um espasmo, e depois não lembro de mais nada. Uma luz me acordou e eu resolvi abrir os olhos, um velho com uma lanterna apontando diretamente para os meus olhos.
- Você ta maluco? – quis gritar, mas a frase saiu quase num suspiro.
- Olá , eu sou o Dr. Jackson, estou tomando conta do seu caso. Você sabe o que aconteceu com você?
- Eu tive um espasmo enquanto tava dirigindo.
- Sim... e você lembra o que aconteceu em seguida?
- Não.
- Você bateu com o carro...
- Eu machuquei alguém? – o desespero me tomava.
- Infelizmente, sim.
- Ele está bem?
- Não iremos saber até que ela acorde.
- Eu posso ir vê-la?
- Não aconselho a fazer isso agora, você acabou de acordar, está dormindo há quatro dias, suas funções motoras não devem estar muito boas. Vamos primeiro ver como estão suas funções cerebrais.
- Sabe quem é você?
- , pai de gêmeos, divorciado, 33 anos.
- Certo, você respondeu tudo junto, mas isso quer dizer que está tudo bem. Levante seu braço direito – assim o fiz – agora o esquerdo – fiz o que ele mandou – bom, muito bom. Mexa sua perna direita – fiz o que ele mandou – mexa sua perna direita...
- Eu acabei de mexer! – protestei.
- Não, você não mexeu, mas não se preocupe, é temporário, aparentemente você não sofreu nenhum dano sério, vai voltar ao normal em alguns dias.
- Eu não vou ter que ficar confinado nesse quarto durante esse tempo, vou?
- Não, as enfermeiras providenciarão uma cadeira de rodas para você amanhã. Assim você terá mais chances de se recuperar fisicamente dos traumas. Você quer que chamemos alguém para ficar com você?
- Não é necessário, apenas avisem Emy que estou no hospital, não quero que meus filhos me vejam na cama.

Acordei na manha seguinte me sentindo mais disposto. Com o auxilio do meu braço me sentei na cama e tentei fazer com que minhas pernas se movessem. Nenhum progresso nisso, mas eu não desistiria tão facilmente, eu teria minhas pernas de volta.
As enfermeiras me ajudaram a sentar na cadeira de rodas e disseram que eu levaria um tempo, mas me acostumaria com o modo de locomoção. Eu agradeci e sai do quarto assim que pude. Não sabia o que queria fazer, ou até sabia, mas não podia ainda. Então fui explorar o hospital, se ia passar um tempo ali, teria que conhecer o lugar, precisava do meu refugio, todo mundo tem um.

Dias já tinham se passado, já conhecia o hospital de cima a baixo. Ainda não conseguia andar, minhas pernas não estavam obedecendo meus comandos, mas eu não me permitia pensar o pior. Disseram-me que a pior coisa para um paciente em recuperação é perder as esperanças.
Fazia agora exata uma semana desde o acidente, meus espasmos haviam reduzido consideravelmente, mas isso podia ser algum efeito das drogas que o hospital estava me dando. O medico havia ido ao meu quarto para ver se eu estava bem e avisar às enfermeiras que eu estava autorizado a sair do quarto. Era de se esperar que elas já tivessem percebido isso, mas acho que tem políticas de hospital que eu nunca vou entender.
Sai para meu passeio matinal, passei pela área de recreação, pela área dos pacientes com câncer, pelo berçário, passei por quase todo o hospital. Quando estava retornando ao meu quarto, no exato momento que estava passando pelo hall das enfermeiras, a campainha de emergência foi apertada. Observei uma equipe de enfermeiras sair andando pelo corredor, sendo seguidas de perto pelo meu médico, o que só podia ter significado uma coisa: ELA TINHA ACORDADO!
Os segui pelo corredor agradecendo mentalmente por ela ter acordado. Claro que eu não deixei passar pela minha cabeça que na verdade o pior havia acontecido. Mas no fim eu estava certo, ela estava relativamente bem. Fiquei do lado de fora do quarto esperando uma oportunidade para aparecer, pensando no que poderia dizer. Ouvi praticamente toda a conversa que estava acontecendo lá dentro, apenas perdendo alguns pedaços. Reuni coragem e entrei no quarto, apenas ela pareceu ter me notado.
Pedi desculpas, aturei o homem que a acompanhava me chamar de otário. Eu realmente merecia aquilo, mas eu simplesmente não tinha como me desculpar o suficiente, aquilo me deixava nervoso, não um nervoso bravo, mas um nervoso angustiado. Então voltaram os espasmos.

Mais tarde naquele dia, uma criança, provavelmente da idade de meus filhos gêmeos, Cory e Amber. Embora ela não reconhecesse a própria filha, a comoção em seus olhos era nítida, me fez sentir falta de meus filhos, há muito tempo eu não os via, moravam com minha ex-mulher, e estava indo encontrá-los na tarde do acidente.
Quando vi a menina ir embora, senti um aperto no coração, queria ver meus filhos, mas não queria que me vissem na cadeira de rodas, o ambiente de um hospital é muito pesado, não queria submeter meus pequenos à isso.
Voltei para o meu quarto para descansar, as pessoas acham que pessoas em cadeiras de rodas não ficam cansadas porque estão sempre sentadas, ledo engano, os músculos dos braços chegam a latejar por vezes, é um esforço físico e tanto.
Ao acordar, fui visitar aquela estranha cujo acidente eu causara. De alguma forma, não sei se porque me sentia culpado, queria ir visitá-la e passar todo meu tempo consciente ao seu lado, acompanhando sua melhora.
Quando cheguei ao seu quarto, ela ainda dormia serenamente. Mantive-me quieto a fim de não acorda-la. Imagino que as pessoas ajam de forma rude com pessoas que as atropelaram, nesse caso, acredito que acordá-la e submete-la a um possível mau humor, de nada me adiantaria.
Vi ela se remexer em seu sono, parecia estar despertando, inconscientemente prendi a respiração, com medo de que perceber minha presença fosse a primeira coisa que faria assim que retornasse a consciência. Quando percebi que ela havia acordado por completo e buscava no quarto, com os olhos, a presença de alguém familiar, tentei rolar minha cadeira para fora do quarto, mas no exato momento em que estava saindo do quarto, uma das rodas bateu no cesto de lixo. Sem ter alternativa, me ouvi falando:
- Oi... - esse cumprimento escapou por meus lábios na forma de um sussurro, que duvidei que ela tivesse escutado.
- O que você quer?! – sua voz era áspera e por um momento achei que eu realmente estava fazendo mal em vir visitá-la.
Tivemos um breve diálogo, que foi interrompido pelo fato de ela ter me batido, não uma, mas duas vezes, logo após eu me desculpar. Ela mesma se desculpou, mas apenas pelo segundo tapa, que foi uma ação automática por causa do TOC. Tudo que eu consegui fazer foi rir, a explicação dela tinha sido desconcertante. Em pouco tempo ela se juntou a mim na risada. Ficamos rindo e rindo até que ela ficou meio estranha e disse que o quarto subitamente tinha ficado muito quente. De forma involuntária, as palavras escaparam da minha boca:
- Talvez seja eu – e pisquei para ela. Quando me dei conta do que havia dito, forcei uma risada para que ela não notasse que o comentário não foi pura brincadeira.
Em questão de segundos, ela teve um ataque, sangue escorria de seu nariz enquanto ela se debatia e gritava. Eu não sabia o que fazer: arrumar o climatizador ou chamar enfermeiras. Decidi pela segunda opção, afinal o quarto parecia perfeitamente normal pra mim.
As enfermeiras chegaram correndo e, assim que viram o estado de sua paciente, mandaram chamar o médico. O Dr. Jackson chegou rápido, mas àquela altura ela já havia desmaiado, mas seu corpo ainda tremia, como se tivesse tendo um ataque epilético. O Doutor me mandou sair do quarto, atendi prontamente à sua ordem.

Fiquei na porta do quarto, esperando por alguma noticia. A espera é uma agonia sem fim, remoendo nossa mente, combatendo nossa fé. Parecia que haviam se passado horas, mas creio que não foi muito mais do que meia hora até que o Doutor saiu do quarto.
- Como ela está? – perguntei nervoso.
- Sedada. Precisa descansar, não sabemos ao certo o que aconteceu, exames serão rodados em alguns minutos. Assim que ela acordar, eu te informo, mas tente não vir aqui desacompanhado, ela ainda está em choque por causa dos últimos acontecimentos.
Não consegui responder nada, apenas assenti com a cabeça e rolei de volta para o meu quarto, desejando mentalmente que eu não fosse o culpado desse ultimo surto que ela teve.

’s POV

Despertei sozinha, não sabia onde estava, não sabia por que estava ali. Só sabia que era o aniversario de 5 anos de minha filha e eu precisava sair dali. As paredes eram de vidro, do lado de fora um grupo de pessoas vestidas em jalecos me observava, olhei para eles, esperando que se dessem conta de que estavam me deixando incomodada. Sentei-me na cama, usando meus braços como apoios. Tentei girar as pernas para ficar de pé, mas essas não obedeceram ao meu comando. Olhei em volta, sendo tomada pelo desespero. O povo do jaleco já entrava pela porta.
- Você não deveria se mexer tão depressa – disse o homem mais velho do grupo, devo ter expressado confusão no olhar, porque ele acrescentou – sou o Dr. Jackson, estou cuidando do seu caso, não se lembra?
- Não sei do que você está falando. Eu estava muito bem na minha cama ontem à noite, pensando em como surpreenderia minha filha para o aniversario dela e agora acordei aqui – vi toda a equipe trocar olhares antes que o médico voltasse a falar.
- Quantos anos sua filha está fazendo? – era uma pergunta bem idiota de se fazer devido à seriedade da cena. Eles me raptaram enquanto eu dormia e agora queriam saber quantos anos minha filha tinha. Por algum motivo que desconheço, me vi respondendo:
- Cinco. – mais trocas de olhares, aquilo me irritou – então, vocês vão me dizer por que minhas pernas não estão funcionando? Porque eu estou aqui sendo observada por vocês? Quando vocês vão me deixar sair daqui? Eu juro que não irei a policia, só me deixem ir ver minha filha!
- , você sofreu um acidente há uma semana atrás. Você já tinha acordado, mas isso foi apagado de sua memória por algum motivo. Ontem você teve um colapso, que te apagou novamente, no entanto, vemos uma melhora na sua situação, pois ontem você nem ao menos se lembrava de ter uma filha, tinha se esquecido dos últimos dez anos. Agora, você se lembra de sua filha até os cinco anos dela, ainda não é o ideal, mas foi uma nítida melhora.
- Como assim? – eu não consegui entender o que ele disse sobre últimos dez anos e mais não sei o quê.
- Sua filha tem 10 anos.
- Impossível – eu ri para ele – eu a vi antes de ontem e ela estava entusiasmada com seu aniversario de cinco anos!
- Lembra-se do acidente que eu disse que você sofreu? Bom, de alguma forma, isso afetou seu cérebro, as ressonâncias não indicam nenhum trauma, o que me leva a crer que seu estado é reversível, afinal você lembrou-se de mais cinco anos após o colapso, isso pode significar que você se lembrará dos outros cinco anos em alguns dias.
Não disse nada, nem tinha como dizer, era muita informação pra mim. Olhei para a parede de vidro onde, anteriormente, estavam as pessoas de jaleco e vi que um homem me encarava, ele tinha um olhar triste, provavelmente por estar numa cadeira de rodas. Era um homem forte, devia ter por volta de seus 30 anos, seu olhar era penetrante, o rosto era simpático e másculo. Ele sorriu ao ver que eu o encarava, e então obtive mais uma informação sobre ele: seu sorriso era de um rock star!
Sorri de volta para ele. O médico me chamou a atenção, ele deve ter dito mais algumas coisas, mas eu não estava exatamente prestando atenção até aquele momento.
-... disse que viria mais tarde. – eu olhei pra ele confusa.
- Quem? – perguntei ao Doutor
- Seu irmão. Ele está trabalhando, mas disse que vem mais tarde para te fazer companhia.
Assenti com a cabeça e esperei que ele fosse embora.
Quando o médico já estava relativamente longe, o homem na cadeira de rodas entrou no quarto.
- Oi – disse ele timidamente – como você está?
- Oi – sorri abertamente – estou me sentindo relativamente bem, apesar de acabar de ser informada que eu não lembro dos últimos cinco anos da minha vida – meu sorriso agora diminuindo um pouco.
- Você vai se lembrar – ele disse isso com tal certeza, que me vi sorrindo mais ainda para ele.
- Sou , e você?
- , mas pode me chamar de .
- Ok. Então você me chame de . – pisquei para ele, imaginando se em pé ele seria ainda mais bonito que sentado, mais imponente.
- Certo. ... – ele disse como se testasse a sonoridade do apelido, me fazendo rir.
- Ta quente aqui, né? – eu disse brincalhona, flertando. Ele arregalou os olhos, já rolando a cadeira para perto do botão de chamar a enfermeira quando eu disse. – Hei, o que você está fazendo?
- Não tenho certeza, da ultima vez que você disse que tava quente, você surtou e desmaiou – ele sorriu apreensivo.
- Oh, certo, desculpe ter te assustado, mas eu só tava... deixa pra lá – eu sentia minhas bochechas em chamas, e sabia que ele podia ver isso, pois as bochechas DELE ficaram coradas.
- Ah, tudo bem. Eu entendo... – sorri para ele novamente, o sorriso dele se abriu ainda mais – hei, quer dar uma volta? Comer uma gelatina ou algo assim?
- Gelatina, sério? – levantei a sobrancelha, incrédula.
- É. Não sei se você pode comer um cachorro quente, sabe? – eu ri da careta encabulada que ele fez.
- Bom, eu adoraria, mas eu não tenho como sair daqui, minhas pernas não estão exatamente me obedecendo.
- Sei o que quer dizer – ele riu. E eu me dei conta da mancada.
- Desculpa – ri de nervoso.
- Sem problemas. Eu não sou um invalido, só um paciente do hospital me recuperando de um acidente.
- Hei, eu também! – e ri com ele.
- Então, quer dar um passeio? Eu te arrumo um desses transportes potentes – ele indicou a cadeira.
- Adoraria!
- Espere aqui. Ser um a gente secreto numa missão de achar e roubar uma cadeira de rodas, quando se está numa cadeira de rodas, torna tudo um pouco mais complicado, então posso demorar um pouco, mas já venho. – Ri do comentário dele. me animava, percebi. Vi-o sair do quarto e desaparecer nos corredores, mas estava de volta em poucos minutos.
- Oh, meu... herói...? – eu disse meio incerta em tom de brincadeira.
- Bom, agora vamos tentar te fazer vir pra cá! – ele travou as rodas de ambas as cadeiras, a dele e a que seria minha assim que eu conseguisse me posicionar nela – olha, você vai usar praticamente apenas os braços. Quero que você se vire de costas pra cá, assim você vai descer aos poucos e eu vou te segurando, ok?
- Certo, mas não me deixe cair! – eu estava nervosa, mas resolvi descontrair.
Ajeitei o corpo aos poucos, me posicionando de costas pra ele, me deixe escorregar um pouco pra trás e senti suas mãos quentes em contato com minhas costas, eu tinha esquecido que as roupas de hospital eram apertas nas costas, fiquei toda envergonhada, ele provavelmente podia ver minha bunda! Respirei fundo e desejei que fosse mais rápido, não tinha mais volta mesmo. Aos poucos, os fortes braços dele, me envolveram e me puxaram até que eu estivesse em minha cadeira.
- Hei! Funcionou! – eu sorri, vendo-o sorrir, ainda meio corado por ter visto um pouco demais de mim.
Puxei o lençol comigo e me cobri da cintura pra baixo, por precaução.
- Sim, funcionou! – ele riu comigo.
- Então, que tal aquele cachorro quente agora?
- Uma ótima idéia – sorri o vendo colocar a mão sobre a barriga, indicando que estava tão faminto quanto eu.
Ele desbloqueou as rodas e seguiu para o corredor, eu fui atrás dele. Fiquei me lembrando de um filme que vi duas pessoas em cadeiras de rodas apostando corrida, mas achei que não seria justo, porque eu era realmente nova naquele tipo de locomoção.

Chegamos à lanchonete do hospital, escolhi uma mesa pra gente e ele se livrou das cadeiras que tinham ali. Um garçom veio nos atender.
- O que vão querer?
- Hmm... – fiz que estava pensando.
- Pra mim, um cachorro quente e pra moça ali, uma gelatina de morango – disse rindo.
- Já volto senhor.
- Hei, eu não quero gelatina – eu fiz cara de zangada, mas estava sorrindo por dentro.
- Tarde demais – ele disse mostrando a língua.
- Ah é? – eu disse pegando o ketchup.
- Er... - ele arregalou os olhos, olhando de mim para o pote de ketchup – pode ficar com meu cachorro quente... – eu já estava rindo da cara de assustado que ele estava fazendo.
- Aqui, senhor. Querem algo pra beber? – perguntou o garçom enquanto colocava nossos respectivos pratos à nossa frente.
- Se você disser que eu quero um Kapo, eu mato você – ameacei fazendo com que ele voltasse a rir – Pode me trazer um cachorro quente também? Ele estava brincando. E eu vou querer uma coca, ele quer... toddynho. – eu disse ao garçom, tentando ficar séria. Ele se afastou para buscar o pedido – E você – voltei-me para – vai dividir a gelatina de morango comigo!
- Hei, eu não queria toddynho! – ele não conseguia parar de rir, então eu ria junto. Em meio às risadas, senti um calor gostoso passar pelo corpo e um tremor suave, de repente senti uma pressão suave na cabeça e fechei os olhos – Hei, ta tudo bem? – senti uma mão no meu ombro e abri os olhos.
- Eu to legal, acabei de lembrar do natal de 2007, minha filha ganhou a primeira bicicleta, ela estava com um vestidinho azul e se emocionou, foi um natal perfeito... – um tremor um pouco mais violento percorreu meu corpo, no instante seguinte haviam lagrimas nos meus olhos – mas infelizmente foi o ultimo natal com minha mãe. Ela morreu no inicio do ano seguinte.
- Hei, ta tudo bem, não chore – ele moveu sua cadeira para perto de mim, colocou a mão no meu queixo e me fez olhar em seus olhos – ela está num lugar melhor, e agora você tem viva na cabeça a lembrança de seu ultimo natal juntas, não deixe a tristeza se sobrepor a todos os bons momentos – ele passou o polegar logo abaixo dos meus olhos, limpando as lagrimas.
- Brigada – eu sussurrei para ele, seu rosto estava tão próximo do meu, e seu olhar era tão aconchegante, me sentia segura com ele. Então, eu encostei meus lábios nos dele. Foi um beijo calmo e quente. Fez todos os meus pensamentos sumirem, não pensei em mais nada, só em como era bom ter os lábios dele junto aos meus.
Quando nos separamos do beijo, o garçom já havia voltado. Ele colocou nossos pedidos na mesa. me olhava ternamente, e eu via minha alegria refletida em seus olhos, não conseguia parar de sorrir. Ele puxou o prato dele para perto, não ia voltar para o outro lado da mesa. Coloquei ketchup no meu cachorro quente.
- Você adivinhou – eu disse quando o silencio começou a pesar e eu não sabia o que dizer.
- O que? – ele perguntou.
- Gelatina de morango é minha favorita – eu ri timidamente e ele sorriu, estalando um beijo no canto da minha boca.
Eu sorri para ele e mordi meu cachorro quente. Ele olhava pra mim e eu olhava para ele, nada mais importava. Um quentinho gostoso preencheu meu coração enquanto eu olhava naqueles olhos.
Enquanto comia, vi num flash um vulto azul-marinho e me encolhi.
- Hei, come mais devagar – ele disse brincando – tem ketchup saindo do seu nariz.
- Não é ketchup – eu disse enquanto passava o dedo no sangue que saia de meu nariz.
- CHAMEM UM MÉDICO – gritou ficando de pé e então me pegando no colo e saindo correndo.
- Hei, você levantou – eu disse num sussurro fraco, e começou o calor e as convulsões.

A próxima vez que abri os olhos, eu estava numa cama quente e macia, tudo à minha volta era branca, mas eu sabia onde estava. Olhei em volta à procura de .
- ? – minha voz saiu fraca, mas eu ouvi um movimento.
- Quem é ?
- Josh, é você? - perguntei.
- Sim, não vou mais te deixar sozinha, ok?
- Não estou sozinha, o me faz companhia.
- Quem é esse ? – ele perguntou mais efusivamente, provavelmente com medo de eu estar tendo alucinações com um cara chamado .
- é o otário – eu disse sorrindo.
- Ah, eu mandei ele te deixar em paz.
- Por quê? Ele tem sido bom pra mim, mesmo que ele tenha batido no meu carro, ele me faz bem...
- Se ele te fizesse bem, você não ia ter ataques toda vez que está com ele.
- Ele me fez lembrar... – eu suspirei – de tudo.
Josh não disse nada, mas podia sentir que ele não simpatizava com . Olhei em volta, na mesa de cabeceira estava um prato, em cima dele, um potinho de gelatina de morango, sorri.
- Ela acordou? – a voz de encheu meus ouvidos.
- Sim, eu to acordada – eu disse.
- Eu não mandei você ir embora? – Josh disse entre dentes.
- E eu não disse que quero que ele fique? – disse pra ele suavemente.
- Não briguem – disse – Olha, cara, eu não quis bater na sua namorada, nunca causaria nenhum mal de propósito, foi a minha doença, eu não tenho como controlar isso, e naquele dia os remédios não estavam fazendo efeito. E me desculpe sobre o beijo, aconteceu.
- Ele é meu irmão – eu sussurrei entre risadas.
- Ah – corou.
- Beijo? – Josh olhou pra mim e depois para , e então de volta para mim.
- Longa história – eu disse.
- Você lembra? – perguntou surpreso e contente.
- Lembro. De TUDO...
se aproximou de mim, colocou minhas mãos entre as dele e as beijou.
- Vamos comer gelatina hoje? – ele perguntou rindo, seus olhos marejados pela emoção.
- Vamos, agora mesmo – eu disse me levantando e ficando de pé.
- Olha, você ta andando – ele sussurrou no meu ouvido.


UM ANO DEPOIS


Acordei sorrindo naquela manhã. O dia estava lindo, meu travesseiro era macio. Tudo à minha volta era um motivo para sorrir.
Estava em uma cama branca, macia, aconchegante e quentinha, era praticamente a cama de um hospital, mas na verdade, eu estava em casa, nos braços do homem que eu amo.
- Bom dia – sussurrou no meu ouvido – você vai comigo ver meus filhos hoje?
- Claro. ficou me perturbando ontem para leva-la ao parque, vai adorar ver que Amber e Cory vão estar lá também.
- Mãe? – entrou no quarto – que horas a gente vai ao parque?
- Daqui a pouco, vá se vestir que também vou me arrumar.
- Certo, e o papai vai junto?
- Vai sim – eu sorri. saiu correndo do quarto para se arrumar.
- Já estou me acostumando com ela me chamando de pai – sussurrou no meu ouvido, aumentando o aperto do nosso abraço.
- Você é o pai que ela nunca teve. E agora eu estou sendo a mãe que ela sempre mereceu.
- Você é a melhor mãe do mundo – ele sussurrou.
- E você o melhor pai – eu sorri.
- O que você acha de a gente ter um bebe? NOSSO bebe...? – ele sussurrou e eu olhei assustada para ele.
- Tem certeza? – eu perguntei feliz e apreensiva.
- Tenho, se você aceitar se tornar a sra. ...
- Você pode ser o otário que bateu no meu carro, mas agora, você é meu otário.
- Isso é um sim? – ele perguntou sorrindo.
Em vez de responder a ele, apenas beijei-o carinhosa e apaixonadamente.


FIM





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