A Certain Romance
por Bia


Challenge #03

Nota: 8,8

Colocação:




You know I’m such a fool for you

Um, dois, três, sete. Mal se lembrava se os copos vazios estavam sendo continuamente preenchidos até a metade por vodca ou uísque. Como se finalmente começasse a prestar atenção ao local que se encontrava – porque, no fim das contas, não era fraco para bebidas e não estava tão fora de si como desejava -, pensou: música de corno. Mas não entendia a letra, não cantavam em inglês, e no karaokê afastado do bar lia-se A Raposa e As Uvas – Reginaldo Rossi.
Música de corno.
analisou a decoração do estabelecimento pequeno e aconchegante. Recados de amor – you know I’m such a fool for you voltou a cabeça - , flores, luzes que tornavam o ambiente mais íntimo; teve vontade de vomitar. E a vontade não estava nenhum pouco relacionada ao seu antigo companheiro de fossa, Johnny Walker, embora fosse mais fácil admitir que o álcool causava mal-estar.
Não sua (ex) namorada. Não sou (ex) melhor amigo. Não a porra do dia dos namorados.
O álcool.
Levantou-se inconformado, parando alguns minutos para se acostumar à vertigem antes de se afastar, arrumar o casaco pesado e sair para a rua fria. Sorriu quase que satisfeito longe daqueles exageros, meio leve, e enquanto caminhava despreocupadamente buscou pela carteira de Camel nos bolsos. Acendia um cigarro em frente a um prédio de apenas três andares revestido por tijolos amarelados quando seu celular vibrou.
- , onde você está? – A voz feminina perguntou esganiçada do outro lado. – Você já saiu há horas e eu não agüento nem mais um segundo perto dessa alienígena! – Ele ouviu um protesto seguido de uma risada alta que conhecia bem. Um arrepio percorreu sua espinha.
- Já tô subindo.
Procurou as chaves do portão com uma impaciência irreconhecível, por não conseguir nem sequer desfrutar um cigarro naquele dia dos infernos, e quase soltou um grito de felicidade ao encontrá-la; precisou desviar de uma vassoura no caminho, subir os três andares de escadas e descobrir que a caixinha preta que guardava no bolso da jeans havia sumido. Entrou em pânico.
- Olá, senhor atraso! – sacaneou no momento em que ele entrou no apartamento. Estirou o dedo em resposta. – Sempre de bom humor, incrível.
- Oi, meu bem. – Meg disse com a voz menos esganiçada e beijou-o rapidamente na bochecha. – Desculpe ser tão insistente! Mas a e o já estão aqui e daqui a pouco os outros começam a chegar...
deu de ombros. Indiferente. Varreu a sala com os olhos, tentando ser discreto, embora discrição e nunca andassem em harmonia. riu de seu falso descaso:
- Ela tá na cozinha, cara.
Ele meneou a cabeça, compreendendo. Novamente, apalpou os bolsos, o desespero subindo a garganta ao pensar que teria de se conformar.
- Mas que merda.- Reclamou num murmúrio, sumindo da vista do amigo ao adentrar o corredor.

Escondeu a Playboy marcada idiotamente por um Josh na capa onde a tinha encontrado e sentou-se no vaso sanitário fechado, encarando a banheira muito distraído. Passou por sua cabeça fumar loucamente quinhentos cigarros, voltar para o bar com música de corno e se contentar com o fato de que estava sozinho e de que era covarde demais. Sempre encontrava uma solução, mesmo que a ideia de fumar feito uma chaminé não fosse descartável. Bateram na porta do banheiro.
- Tem gente. – gritou.
- ! – A voz falou, alto e grosso. Como costume, ele sussurrou com sarcasmo. – Sai dessa porra agora.
Mas obedeceu. Arrastou-se até a porta e abriu num drama exageradamente ensaiado, sorrindo meio desdenhoso.
- Olá .
- Filho da puta, não fala mais? – Ela bufou. Como se sentisse saudades, ou qualquer coisa assim, que soasse como desculpa para tanta proximidade, a garota visivelmente mais baixa o puxou delicadamente, envolvendo o pescoço dele com os braços.
respirou profundamente. Tinha cheiro de melancia e flores e chuva. E.
Fechou os olhos.

[Uma semana antes]

- Tá certo, tá certo. Sua gorda, você comeu tudo. – Ele riu. Então como se levasse um chute no estômago, a expressão séria do início do dia voltara subitamente. ergueu as sobrancelhas, sentada na bancada da cozinha envolta por papéis de chocolate. – A gente precisa conversar.
- Tô vendo, ‘cê tá com uma cara bela, meu caro. Vem aqui. – Ela sorriu docemente, toda doce, pensou sem querer, aceitando o espaço que oferecia na bancada. Ficaram em silêncio por algum tempo. O relógio da parede marcava nove e quarenta: - Fala logo, o já deve estar chegando...
pareceu tenso. pareceu tensa com a tensão dele. Sabia que estavam parados no mesmo ponto de novo, sem chegadas e sem finais, apenas os dois, ele e ela, cheios de indiretas e momentos de quase. Ou não tão sozinhos assim, ainda existia a outra. Ela suspirou, sendo surpreendida por ele, que entrelaçava os mindinhos.
- Eu tenho uma coisa pra você. – fez um barulho estranho com a boca. Apalpou os bolsos da jeans e, de um deles, tirou uma caixinha preta. – Você precisa usar no dia dos namorados. Você é só minha! – Murmurou num tom brincalhão.
o olhou desentendida. Antes que pudesse perceber o que estava acontecendo, ele já tirava da caixinha um anel e colocava em seu anelar.
- Que porra é isso? – Ela perguntou alto, meio grosso, assustando-o. – ...
Silêncio.
- Você tá namorando a.
- Eu sei. O dia dos namorados já é semana que vem, não posso terminar com a Lola agora, mas enquanto isso você pode usar esse anel, para lembrar que você é minha, eu sou seu e.
- Você é idiota? – bufou. – Eu sei que eu disse que eu amo você, que você nunca disse isso de volta a ninguém, e que sempre teve essa... Isso entre a gente. Mas isso não significa que você pode sair por aí fodendo a vida de todos. - Não lhe agradava aquela imagem. Só dele. Só dela. Possessivo demais, fragmentado demais. Desistira dos planos, perdiam-se em algum ponto. – E você não pode ser só meu enquanto for dela, . As coisas não funcionam assim.

[/Uma semana antes]

Os braços se afastaram muito rápido. A sensação de que tudo estava uma bagunça tinha voltado, olha, quis dizer, dizer só para ela e para mais ninguém, eu. Você.
Preso na garganta.
- Que bom que você voltou. – Ela falou ainda meio alto, ainda meio na defensiva, e sorriu sem humor. – Só podia ter sido ideia de Meg uma festa dos dêsnamorados.
fingiu rir. Antes que pudesse tentar de novo, já estava na sala, cumprimentando outros, abraçando outros, ele queria que ela o abraçasse e que nunca mais soltasse. Comprara até um presente.
Meneou a cabeça. O cheiro de melancia impregnava suas narinas. Ele precisava de bebidas.
Num borrão de imagens, as pessoas que passavam por ele eram todas mal-amadas e invejosas, esses desnamorados, pensou com amargura, sentando no sofá da varanda com um copo de uísque na mão esquerda, cigarro na direita. Alguém acomodou-se ao seu lado.
- Oi .
- Oi Josh.
Silêncio.
- Me desculpe.
- Tudo bem.
- Não tá tudo bem, cara, eu sei que foi viagem da minha cabeça... Não é todo dia que se descobre que o melhor amigo é gay. – Josh tossiu desconfortavelmente. – Ainda mais lendo uma declaração de amor feita pra você.
o ofereceu o cigarro, mas ele negou. Parecia querer falar. não queria ouvir. Não ainda.
- A gente já é amigo há tanto tempo, sabe? Desde pirralho, cara. E eu não queria ter fodido tudo. Sério, , eu...
- Podemos conversar sobre isso um outro dia? Hoje é dia dos dêsnamorados. Relaxa. Só enche a cara e se lamenta por não poder ter quem quer. – Quase se arrependeu. Mas Josh apenas riu, enrolou-se com algumas palavras e se levantou. Antes de perdê-lo de vista, chamou: - Ei. Cranberries. Boa escolha musical para uma declaração.

Não sabia se por efeito do álcool ou pela quantidade de casais que deveria estar por aí beijando e transando em cada beco de Londres, mas estava decidido. O único problema é que não a encontrava em nenhum cômodo. Quarto, sala, cozinha. Passava de uma da manhã e a música ainda tocava, todos ainda bebiam, mas não a encontrava, não encontrava , ela não podia estar fugindo dele de novo.
- Cadê a ? – Perguntou meio desesperado a , que apenas apontou para a porta. Embriagado. – Porra.
Estava farto daquele drama. Era dia dos namorados, pelo amor de Deus! Correu para fora do apartamento e desceu as escadas aos tropeços. Arrependeu-se por não pegar o casaco.
- ! – Gritou.
Ela o olhou.
Ele a olhou.
Ambos sorriram, cúmplices.
Ela tinha recibo o recado.
- ? – riu alto. Muito alto. Ele teve vontade de abraçá-la. Ela teve vontade de ser abraçada. Mas o motorista do táxi esperava. – Tá tudo bem?
- Eu. – Pausa. – Eu amo você.
Silêncio.
- Eu amo você, . – Quis gritar. – Eu amo você e eu quero que todos saibam que nós somos mais que troca de olhares, que não existe Lola no mundo que me faça esquecer algo que já aconteceu faz tempo, que. Nós éramos bons. Nós somos bons. E... E eu amo você. Feliz dia dos namorados.
- Feliz dia dos namorados atrasado, . – Ela riu baixo.
- Eu tenho um presente pra você! – Ele falou agitado. – Está no meu apartamento. Você acha que pode passar lá?
- Depende. O que é o presente?
- Você sabe. Eu adoro brincar ele à noite, principalmente. – Sorriu com malícia. – Começa com L.
riu. se afastou para que ela pudesse entrar no táxi.
- Ei? – A chamou, numa mistura de assustado e parcialmente eufórico.
Ela o encarou um tanto cabisbaixa, completamente vulnerável pela proximidade. Não era um momento de quase e os dois estavam cientes.
A resposta não veio em palavras, mas nenhum estava surpreso. Os lábios tocavam-se superficialmente; sentiam muita coisa ao mesmo tempo. E de repente as mãos ocupavam-se com cabelos ou cinturas ou rostos, como se para nem ela nem ele não desviar, não fugir, não adiar mais.
- Eu te vejo mais tarde. – sussurrou. Entrou no táxi, fechou a porta.
apalpou o bolso vazio outra vez. E, da janela do táxi, antes de sumir pelas ruas londrinas, pôde ver a garota mostrá-lo uma caixinha preta. Riu sozinho.
É claro.


FIM





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