Eu nunca fui do tipo que vive para trabalhar. Naquele ano, eu estava indo para o México. Eu já tinha vinte e nove anos e nunca tinha visitado o mundo. Pedi férias do meu cargo de assistente administrativo no escritório no qual trabalhava e, em uma semana, organizei minha viagem. Comprei uma passagem, liguei pra um amigo meu George Fritz, dono de um resort em Cancún e reservei um quarto. Minha intenção era ficar lá por aproximadamente duas semanas, mas George dissera que eu poderia ficar lá o tempo que eu quisesse, o que me deixou feliz. Férias é sempre a melhor parte do ano.
Arrumei minha mala na noite antes de viajar. Coloquei tudo que eu julgava que precisaria: repelente para os mosquitos terríveis da América, perfume para encantar as latinas, calções de banho, camisas e algumas roupas para usar durante a noite.
Na manhã seguinte, fui para o aeroporto internacional de Londres e embarquei, às oito horas, no meu primeiro vôo para fora da Europa. Depois de oito horas de viagem, cheguei no México. A paisagem de Cancún era estonteante. O mar azul que eu via de dentro do táxi era uma das coisas mais lindas que eu poderia imaginar. A areia era tão branca e fina que parecia não ser real. E então o carro parou. “Platinun Coast Resort”. Esse era o nome do resort de George. E era lá onde eu iria me hospedar.
Entrei no hotel com a minha mala. Eu me senti um pouco deslocado, para ser sincero. Todas as pessoas, por mais que a maioria estivesse de roupas de banho, tinham aparência de ricos e eu sabia que qualquer um que olhasse pra mim iria pensar “olha, um adulto que ficou com a mente presa nos dezoito anos!”, o que não é verdade. Apesar de eu não me matar de trabalhar, eu gosto do que eu faço e não ajo como um adolescente.
Fiz o check-in e subi para o meu quarto, que era o 435. Enquanto caminhava pelo corredor, avistei uma mulher, que aparentava ser um pouco mais velha do que seu. Seus cabelos batiam um pouco abaixo do ombro e eram . Ela estava em um conflito com o cartão que abria a porta e seus olhos estavam flamejando de raiva. Passei por ela sem oferecer ajuda – eu estava cansado demais para isso – e abri a porta do meu quarto sem problemas.
Guardei minha mala, coloquei uma bermuda e uma camiseta e me preparei psicologicamente pra conhecer algumas das praias mais famosas do mundo. No meu caminho de volta para o elevador, reparei de novo na mulher, que ainda não conseguira abrir a porta do seu quarto. Finalmente me rendi e resolvi oferecer ajuda.
- Problemas? – Me aproximei.
- Problemas? – Ela estava quase chorando. – Eu estou tentando abrir essa... Coisa há quase meia hora. Eu não tenho problema nenhum. Essa porta que tem.
- Posso tentar? – Estendi minha mão para pegar o cartão. Ela me entregou. – Assim...
Ela estava, o tempo todo, passando o cartão ao contrário. A porta nunca iria abrir daquela forma. Seus olhos me fitavam com espanto e suas bochechas brancas coraram.
- Como você...
- Estava do lado contrário. – Sorri.
- Obrigada. – Pareceu aliviada.
- Disponha. – Apertei sua mão. – .
- . – Me falou. – . Mas chame de mesmo.
- Prazer. – E dei as costas para , que já entrava no quarto.
Desci para o saguão e então fiz o meu caminho até a praia. Peguei uma mesa, perto de um dos muitos bares que tinha por ali, e pedi camarão empanado e cerveja, já que eu não tinha almoçado. Enquanto as coisas não chegavam, resolvi dar um mergulho no mar. Nunca vira uma água mais azul em toda a minha vida. E a temperatura! Ah! Era maravilhosa! Perdi um pouco a noção do tempo enquanto ficava mergulhado e, quando voltei para a mesa, meu camarão já estava lá, junto com a minha cerveja. A praia tinha ficado cheia subitamente e ao meu lado, que antes não tinha ninguém, estava uma mulher com uma pasta verde sobre o rosto, um pepino sobre cada olho, deitada em uma espreguiçadeira, tomando sol. Comecei a me perguntar qual o propósito daquela pasta, que eu sempre vira as mulheres de filmes usando, e por um descuido acabei olhando demais.
- Algum problema? – Ela tirou o pepino de um dos seus olhos e olhou para mim. Daquela forma, pude reconhecê-la. Era .
- Não... Me desculpe. – Me voltei para meus camarões. Ela riu.
- Você deve estar com muita vontade de rir me vendo tomar sol com uma máscara de pepino no rosto, não é mesmo?
- Rir? Não... De forma alguma. Eu só queria saber pra que vocês mulheres usam essa coisa verde na cara. – Falei, ficando na defensiva.
- Essa coisa verde, pro seu governo, é uma máscara de pepino, como eu já disse. Ela serve pra abrir os poros e hidrata a pele. – Tirou o outro pepino do olho.
- E você precisa usar ela na praia? – Arqueei uma sobrancelha.
- Não. – Gargalhou. – É que, quando eu cheguei, eu fui falar com a esteticista do resort. Nós marcamos uma sessão de limpeza de pele pra... Que horas são, por favor?
- Cinco e quarenta e cinco da tarde.
- Sim... Então, nós marcamos uma sessão de limpeza de pele pras sete horas da noite. Aí ela pediu pra eu usar a máscara por uma meia hora durante a tarde pra chegar lá com os poros abertos e facilitar o trabalho, entendeu? – Me deu um sorriso doce enquanto se sentava.
- Faz muito mais sentido agora. – Retribuí o sorriso. – Aceita? – Ofereci camarão para ela.
- É camarão? – Perguntou.
- É...
- Desculpe. Sou alérgica. – Fez uma cara de piedade. – Aceita? – Me estendeu uma bandeja com muitas bolinhas.
- Obrigado. - Peguei uma, já entendendo que era bolinho de bacalhau.
Achei estranho o gosto daquele bolinho. Era diferente dos bolinhos de bacalhau que eu comia na Inglaterra, mas eu deduzi que era por causa dos temperos apimentados mexicanos. Continuei comendo os bolinhos e conversando bobagens com . Ela tinha um sotaque que eu não conseguia identificar e uma aparência que com certeza não era européia.
- ... – Interrompi nossa conversa sobre nossa infância. – De onde você é mesmo?
- Eu? – Ela sorriu. – Eu sou do Brasil.
- Interessante. – Peguei mais um bolinho. – E como você... – Minha voz começou a sumir e eu tive uma crise de tosse. Eu sentia minha garganta se fechar por completo.
- Ai, meu Deus! – Os olhos de se arregalaram. – Você tem asma. – Ela levou a mão à boca. Minha tosse não parava e eu não conseguia falar. – Meu Deus! Alguém tem remédio pra asma?! – Ela começou a gritar na praia. – Alguém tem?! Por favor?! – Parou de gritar e se voltou para mim. – Você tem remédio de asma no seu quarto? – Disse que não com a cabeça, enquanto tossia mais, tentando abrir minha garganta. Eu reconhecia esse sintoma. Alergia. – Que tipo de asmático é você que não traz remédio de asma pra viagem? – Seus olhos se enchiam de lágrimas. Eu tentei falar que não era asmático, mas foi inútil, uma vez que minha voz não saia. Resolvi escrever na mesa, mesmo. Mostrei um dos meus dedos e, lentamente escrevi “alergia”. – A... Al... Aler... Alergia! – Bateu as mãos. – Alguém tem remédio de alergia?! – Voltou a gritar. – Se você sobreviver, eu vou lá em cima pegar o meu.
Fiz que sim com a cabeça e ela desapareceu. Fiquei tossindo durante todo o tempo em que esteve ausente. Tentei algumas vezes tomar um gole da minha cerveja, mas era completamente inútil, nada entrava por causa da maldita tosse. Depois de mais alguns longos momentos, voltou, segurando uma caixa. Eu conhecia aquele remédio e o odiava com todas as minhas forças.
- Aqui. – Se sentou e começou a colocá-lo dentro daqueles medidores para remédio líquido. – Abre a boca. – Fiz uma cara de drama, mas acabei obedecendo. Ela virou aquela coisa horrível lá dentro e eu comecei a tossir e, dessa forma, o remédio não descia. segurou minha boca fechada. – Engole! – Ela mandou. Eu tentava, mas ao conseguia. – Engole isso logo! – Fiz um esforço enorme, mas finalmente o remédio desceu minha garganta. – Pronto. Foi tão difícil assim?
Fiz que não com a cabeça e ficamos sem conversar por um tempo. Não que tivéssemos como conversar, porque eu estava com a garganta completamente fechada por causa da minha crise alérgica. Senti aos poucos que o ar já começava a passar normalmente e que minha tosse tinha parado. Resolvi perguntar o que já tinha quase certeza da resposta.
- , do que eram aqueles bolinhos?
- Eram bolinhos de queijo. – Me olhou com curiosidade.
- Droga! – Dei um soco na mesa. – Por que você não me falou?
- Eu teria falado se você tivesse me perguntado, sabia? Você simplesmente aceitou.
- Sabia que eu sou alérgico a queijo?
- Não... Você está me falando isso agora.
- Droga! – Dei outro soco na mesa. – Eu tive que engolir aquele negócio ruim. Se não tivesse ninguém por perto, eu poderia ter morrido sufocado.
- Se não tivesse ninguém por perto, por que você comeria bolinhos de queijo? Você não teria pedido eles por vontade própria.
- Tá... Você tá certa. – Relaxei minhas costas no encosto da cadeira. – Então, como a gente estava conversando antes disso tudo... – Me voltei para ela, que agora estava deitada em sua espreguiçadeira, com os olhos fechados. – Como você veio parar aqui?
- Ah! Eu precisava de férias. É minha primeira férias em três anos. Meu trabalho exige muito de mim e eu já estava começando a ficar estressada, sabe...
- Você trabalha com o quê mesmo?
- Eu sou promotora. E você é...
- Eu sou assistente administrativo. Não é muito bom, eu sei, mas dá pra pagar as contas.
- Tem quantos anos?
- Vinte e nove. Ainda sou um bebê. – Ri. – Permite que eu pergunte a sua idade?
- Eu não tenho problemas com isso. – Gargalhou. – Trinta e cinco. E não, eu não sou mais um bebê. Que horas são, por favor?
- Seis e meia da tarde.
- Olha, . – Ela se levantou e começou a colocar todas as suas coisas dentro de uma bolsa. Foi rapidamente no caixa do bar, pagou sua conta e voltou. – Eu tenho que ir. Minha limpeza de pele é daqui a meia hora e eu ainda tenho que tomar um bom banho antes de ir. Foi muito bom conversar com você.
- É... Também foi bom conversar com você.
- A gente se vê. – Ela piscou e, colocando a bolsa sobre o ombro, saiu de novo rumo ao hotel.
Fiquei na praia por mais algum tempo, aproveitando a paisagem, dei mais alguns mergulhos, bebi mais algumas cervejas, mas resolvi voltar pro quarto. Ficar sozinho até as sete e quinze da noite é afirmar que é solteiro e fracassado, por isso, antes das sete e quinze, voltei pro resort.
Tomei um banho, coloquei uma calça jeans, uma camisa pólo vermelha, um tênis branco e fui passar meu perfume e meu desodorante. Foi então que eu percebi o que tinha esquecido em casa: o desodorante. Para não deixar ninguém perceber meu esquecimento, usei meu perfume como desodorante e resolvi ver no que dava, pelo menos até eu ter tempo de comprar um de verdade, depois desci para o saguão. Eu estava sozinho em Cancún e isso me deprimia. Fiquei andando por lá até que George apareceu.
- ! – Ele gritou quando me viu. – Quanto tempo, cara! Você veio mesmo. – Me deu um abraço. – Vamos tomar alguma coisa ali no bar? Por minha conta.
- Claro! – E então fomos. Eu pedi uma taça de vinho tinto pra começar. Ele pediu o mesmo. – E como andam as coisas, cara?
- Nossa, os negócios vão muito bem. A vida pessoal também. Ficou sabendo que eu me casei?
- Casou? Qual o nome dela?
- Annabel. Ela é linda. É da Estônia.
- Da Estônia? E como você conheceu ela?
- Longa história,cara. – Deu duas batidinhas no meu ombro. – Mas e você?
- Ah! Quer saber a verdade? Estou sem nenhuma namorada séria há quase dois anos. Eu não sei mais o que fazer. Acho que meu destino é terminar sozinho mesmo.
- Não fala isso, cara. Quem sabe não aparece uma mexicana linda pra você durante as férias, hein?
- Ah! Do jeito que anda a minha sorte, é capaz de aparecer um gay, mas não uma mulher.
- Bom, acho que mulher já apareceu. Olha a . Ela tá vindo pra cá.
E era verdade. já tinha voltado da sua limpeza de pele e tinha descido para o bar. Ela usava um vestido que batia um pouco acima do joelho do mesmo tom de vermelho da minha camisa. Uma sandália prateada de salto fino vestia seus pés. Os cabelos estavam presos em uma trança lateral, diferente de mais cedo. Ela era realmente linda. Uma beleza comum, devo dizer, mas era linda.
- Boa noite, rapazes. – Deu um beijo na minha bochecha e outra na de George. – Estou perdendo alguma coisa ou vocês já se conheciam?
- Já nos conhecíamos. – Ele respondeu. – Senta aí, . – Ela se sentou no outro banco da nossa mesa.
- E como vocês se conheceram que eu não fiquei sabendo? – Falou em tom de brincadeira.
- Durante todo o meu período de escola, eu fui amigo desse cara aqui. – O Fritz deu um soquinho em meu ombro. – Mas acho que eu que estou perdendo alguma coisa. Como vocês se conheceram?
- Ah! Coincidências da vida. – Ela respondeu. Por que eu não estava falando nada mesmo?
- Ou talvez fossem apenas alguns problemas com a chave do quarto, não é? – Brinquei.
- É... Talvez tenha essa parte também. – Riu. – Estão bebendo?
- Um pouco. – Sorri. – Aceita?
- Não, obrigada. Eu não bebo. Vou ficar com uma Coca-cola mesmo. – Sorriu.
- Hey, uma Coca pra moça aqui. – George berrou. – Então, , estávamos falando da vida amorosa do , que não anda muito bem. Como anda a sua?
- A minha? Quer saber a verdade? Acho que o ficaria contente com a que ele tem se soubesse da minha. – Sorriu.
- Então conta. Estou precisando mesmo ouvir pra acreditar.
- Então... – Ela começou, colocando um fio de cabelo que se soltara da trança atrás da orelha. – Eu tive um namorado por três anos. Ele era asmático e tinha crises freqüentemente. – Olhou para mim com deboche. – Há um ano atrás, nós estávamos com o casamento marcado e ele começou a ter crises todos os dias, às vezes até mais de uma vez. Durante a noite, ele não conseguia respirar direito e, pra piorar, era alérgico a muita coisa. Eu não sei bem quando aconteceu, mas... – Olhou pra George, que provavelmente já conhecia a maior parte da história. – Ele pegou uma broncopneumonia. A situação foi se agravando gradativamente por causa da asma, da alergia... E na primavera passada, no outono pra vocês, ele morreu. Foi horrível. – Seus olhos foram se enchendo de lágrimas. – Desde então eu tenho muito medo de qualquer tosse que qualquer pessoa tenha. – Me fitou. – E eu tenho muito medo de me relacionar com outra pessoa de novo. A felicidade não cobre a dor da perda.
- , eu... – O homem começou. – Eu não sabia que seu noivo tinha morrido. – A abraçou. – Eu sinto muito.
- Obrigada. – Algumas lágrimas começaram a cair sobre seu rosto.
- Eu também sinto muito. – Abaixei a cabeça.
- Eu tenho certeza que sua vida amorosa parece bem mais satisfatória agora. – Riu.
- Bom... Levemente. – Continuei com a cabeça abaixada.
- Bem, crianças, acho que vou ter que deixar vocês dois sozinhos. A Annabel está no quarto, esperando pra eu levar o jantar pra ela. Falo com vocês depois.
George saiu e um silêncio constrangedor permaneceu entre mim e . Nenhum de nós dois sabíamos o que falar depois de tudo que ela havia dito. Resolvi puxar u assunto completamente diferente.
- E como você conheceu o Fritz?
- Pela Annabel. – Voltou a me olhar nos olhos.
- Vocês são amigas?
- Na verdade não. Conhecidas. – A irmã da Annabel foi pro Brasil cursar direito e nós ficamos na mesma turma. Ela aprendeu a surfar muito rápido. Tinha talento, sabe...
- Ela era surfista?
- Eu que ensinei pra ela. – Me mandou um olhar convencido. – Tá pensando o quê? Eu não fui sempre essa promotora chata que eu sou hoje.
- Você não é chata.
- Sou sim. – Afirmou com um jeito brincalhão. – Presta atenção... O George me chama de . Ele me conheceu quando eu tinha terminado a faculdade, porque ele e a Annabel vieram para o Brasil visitar a irmã dela. Naquela época, eu era só advogada, eu ainda não tinha me tornado a pessoa que eu sou hoje. Então eu sempre falava pros outros me chamarem de ... Hoje é muito diferente. As pessoas sempre me chamam de Dra. ou de Srta. . Eu nem sei mais quem é a se você quer saber a verdade.
- Então vamos fazer assim... Eu te chamo de e você me mostra o seu lado divertido. – Ela gargalhou. – E você me chama de e eu te mostro o meu. O que acha?
- Pode ser, pode ser. – Continuou rindo. – Mas não espere que eu surfe.
- Eu não vou exigir tanto. – Pisquei. – Mas você também não espere que eu ande de skate como eu fazia com o George quando estávamos na escola.
- Então tá combinado. – Estendeu sua mão e eu peguei. Esse seria o nosso acordo a partir de agora.
- Então, ... Me conta. O que você acha da Annabel?
- Honestamente? Ela é um amor de pessoa, mas ri igual uma hiena. A irmã dela tem uma risada normal, então a convivência era mais fácil. De verdade, ... Digo, , eu não consegui ficar muito próxima dela por causa da risada de hiena, acredita?
- Nossa... Que coisa, não? – Abri um sorriso. – Quer sair daqui? Eu tenho que fazer umas comprinhas.
- Comprinhas? – Seus olhos brilharam.
- Não esse tipo de comprinhas que você está pensando. Eu esqueci uma coisa em casa e preciso comprar.
- Então vamos... Eu também tenho que comprar uma coisa que eu esqueci. – Ficou de pé e me puxou, segurando em meu braço para caminharmos. – Eu aluguei um carro. Não é nada demais... Só um Cadillac Provoq Concept. – Piscou enquanto tirava a chave da bolsa e a balançava na minha frente. – Pode dirigir se quiser. – E me deu o chaveiro.
Eu fui em silêncio até onde o carro estava estacionado. Quando chegamos, meus olhos não conseguiam se desviar daquela maravilha. Era o carro mais bonito que eu já tinha visto na minha vida. Seu formato, sua cor... Tudo era inacreditavelmente perfeito. Apertei o alarme e as portas destravaram. Eu e entramos, sendo que eu fiquei do lado do motorista. Dei a partida.
- Olha que barulho perfeito. – Sussurrei. A riu.
- Vocês homens...
- É sério... Olha... Esse caro não tem defeitos... Deve ter custado uma fortuna.
- , é alugado. Não é como se eu tivesse pagado uma fortuna por ele.
- Mas mesmo assim. – Eu ainda estava admirado. – Ele é perfeito.
- Tá, tá legal. – Abanou o ar. – Será que dá pra irmos agora? Eu não quero voltar tarde.
- Você disse que ia mostrar o seu lado divertido. – Apontei. – Eu quero ver esse lado divertido mesmo.
- Tá, então vamos.
Acelerei o carro. Ele era leve como uma pluma. Em alguns instantes, estávamos em um shopping da cidade, sendo que para chegarmos até lá, usamos o GPS original do carro. Não podia ter coisa melhor no mundo.
Descemos no shopping e logo fui para uma loja de cosméticos.
- Você esqueceu o quê? – Ela perguntou.
- Quer mesmo saber? – Arqueei uma sobrancelha.
- Quero, claro. – Começou a esboçar um sorriso.
- As camisinhas. – Brinquei. Os olhos dela se arregalaram.
- Mas o quê?
- As camisinhas, ué... Você disse que ia me mostrar o seu lado divertido.
- , eu... Eu não... Mas co... Ai, meu Deus! – Balbuciou
- , calma. – Eu não me agüentava de rir. – É brincadeira, ok?
- , você precisa crescer, sabia? – Deu as costas pra mim e cruzou os braços, bufando.
- Hey, . – Me aproximei dela, segurando em seus ombros e colocando minha boca próxima à sua orelha. De salto, ela ficava quase da minha altura. – Foi brincadeira... Deixa o seu lado divertido aflorar. Eu esqueci meu desodorante... Não vai falar nada? Era brincadeira, vai...
- , sai daqui.
- Você quer mesmo que eu saia? – Eu estava começando a achar que tinha pegado pesado demais na brincadeira com uma pessoa que eu mal conhecia.
- Eu quero que você saia, porque eu não estou agüentando esse odor de peixe morto que está saindo de você... – Ele se virou pra mim com um sorriso. – Seu porquinho que não usa desodorante.
- Quase que você me pegou, hein? – Abri um sorriso também. – Que susto, cara. Achei que eu tinha te ofendido.
- Me ofendeu até eu ter a oportunidade de te ofender também. – Piscou. – Falando que você esqueceu o desodorante, eu já encontrei a oportunidade e deixei de ficar ofendida.
- Que bom. – Me virei para o balcão. – Então eu quero aquele desodorante ali. – Apontei.
- E eu quero uma esponja. - ficou do meu lado.
- Esqueceu a esponja, foi? – Falei em tom irônico.
- Na verdade, tem uma esponja no hotel, só que eu sou fresca e só tomo banho com a minha, sabe como é...
Compramos nossos artigos e voltamos para o carro. Eu iria continuar dirigindo aquela maravilha. Um Cadillac Provoq Concept... Em que momento da minha vida eu teria a oportunidade de dirigir um carro como aquele? Paramos no hotel. Eu não queria entrar, mas não sabia se a iria querer voltar para a praia.
- Quer entrar? – Eu perguntei quando saímos do carro.
- De verdade? Não...
- Vamos pra praia, então? – Sugeri.
- Por que não? – Ela segurou em meu braço mais uma vez e fomos andando até a praia.
A praia não era iluminada, mas a noite era de lua cheia, o que dispensava iluminações artificiais. Não sabia se eu deveria sentar ou se apenas continuar caminhando a agradaria. Paramos para tirar suas sandálias e ela resolveu continuar andando. Caminhamos em silêncio por um bom tempo. Eu não era muito bom com garotas e, por causa disso, não sabia se eu deveria puxar assunto, acariciar sua mão, passar meus braços sobre seus ombros ou qualquer outra coisa. Além do mais, ela era mais velha. Ela que deveria saber o que fazer, não eu.
- ... – Depois de quase três quilômetros andados em quase duas horas, ela resolveu me chamar. – Será que podemos nos sentar?
- Claro... – Me joguei na areia e tirei meus tênis logo em seguida. Ela se sentou ao meu lado e encostou a cabeça no meu ombro. Mais uma vez, eu não sabia o que fazer. Olhei para seus olhos , clamando por alguma ajuda.
- Essa é a hora em que você pergunta se eu estou com frio. – Sussurrou.
- , você... Tá com frio? – Ela assentiu. – E agora?
- Bom, agora você passa seus braços por trás dos meus ombros.
Eu fiz o que ela mandou e, por mais estranho que pudesse parecer, eu me senti confortável. Sua pele era quente e macia e parecia que seu corpo se encaixava perfeitamente ao meu. Ao mesmo tempo, eu me sentia estranho. Por mais que fosse jovem e linda, ela era mais velha e eu nunca me imaginara com uma mulher mais velha.
- Ai, droga. – Miou.
- Que foi? – Olhei para onde ela olhava. Me mostrou sua mão.
- Tá vendo aqui? Meu esmalte estragou.
- Isso é um problema? – Tentei achar o defeito no esmalte. Pra mim, estava perfeito.
- Agora eu vou ter que tirar e marcar manicure de novo. Eu me sinto doente quando minha unha não está feita.
- Mas seu esmalte tá perfeito. Não tá lascado.
- Tá aparecendo um pedaço da unha aqui.
- Não tá, não...
- Claro que tá... – Ela virou a mão. – Olha... Ah! Você tava certo. – Mesmo com pouca luz, pude vê-la corar. – Esse reflexo da lua sempre me deixa confusa, sabia?
- Sério? – Segurei na mão que ela me mostrara a unha.
- Ou talvez eu só esteja te dando uma ajudinha pra você aprender a lidar com as mulheres.
- Por que eu acho que essa opção é a mais provável?
- Não sei... Porque a primeira deveria ser a mais provável, não é mesmo? Afinal, você já tem quase trinta anos. Não é mais nenhum adolescente. Já devia ter aprendido.
- E se eu te contar... – Virei minha cabeça para o lado em que ela estava apoiada para ficar mais próximo de seu ouvido. – Que eu nunca fui bom com as garotas? Foram poucas as minhas namoradas que duraram por mais de três meses se você quer saber a verdade.
- Eu não acredito. – Ela sentou direto e me olhou nos olhos. Nossas mãos ainda estavam unidas.
- É verdade. E sempre eram elas que terminavam comigo, se você quer saber...
- Então deixa eu te perguntar. – Ela soltou nossas mãos e passou a dela sobre o meu rosto. – Alguma delas já teve a oportunidade de olhar você nos olhos assim... – Mirou o céu. – À luz da lua?
- Quer a verdade? – Assentiu. – Só uma... Foi a que durou por mais tempo também.
- Eu sabia. – Riu baixo. – É quase impossível resistir a esses olhos assim... Combinam tanto com o seu cabelo , com sua pele branca... – Tirou a mão do meu rosto e tocou de leve o meu nariz, rindo mais um pouco, e, em seguida, se deitou. Me deitei ao lado dela e a puxei para mais perto de mim pela cintura.
- Você tem medo de se envolver com outra pessoa? De verdade? – Mais uma vez, sua orelha estava na altura da minha boca.
- Tenho... Tenho muito medo de perder quem eu gosto.
- E quanto tempo uma pessoa precisa pra te conquistar? Pra te provar que não precisa ter medo? – Eu sussurrava para ela.
- São duas coisas diferentes, você sabe. Pra me conquistar... Talvez algumas horas, alguns minutos. Talvez um gesto ou um olhar seja bastante pro cara ficar na minha cabeça por dias. Já pra me provar que eu não preciso ter medo... Só te falo uma coisa... Ninguém nunca conseguiu isso.
- Você me deixa tentar? – Eu não sei de onde eu estava tirando as palavras. Eu nunca, nunca mesmo, tinha sido bom com essas coisas.
- Sabia que com você eu tenho ainda mais medo? – Ela virou a cabeça para me olhar nos olhos. Apoiei meu corpo sobre meu cotovelo para vê-la melhor.
- Por quê?
- Porque eu sei que... Se acontecer alguma coisa... Quando as férias acabarem, tudo vai acabar. Você vai voltar pra... De onde você é?
- De Londres. – Respondi.
- Então... Você vai voltar pra Londres, eu vou voltar pro Brasil. Nós nunca mais vamos nos ver e eu vou ter perdido alguém de novo.
- Seu medo de perda me assusta muito, sabia? – Passei as costas da minha mão sobre o seu rosto. – Eu ainda acho que você deveria me deixar tentar.
- Eu acho melhor não, . Eu não quero me ferir de novo.
- Deixa eu tentar... Por favor.
- Você vai me machucar, , eu sei disso. – Limpei as lágrimas que escorriam do seu rosto com o meu polegar.
- Não, eu não farei isso com você. Você sabe disso. Você está com medo, mas sabe que não precisa disso.
- Por favor, ... Pára. Pára de tentar me convencer que você não vai me machucar. Eu sei que vai. Pessoas de dois países diferentes não podem ficar juntas, sabia? – As lágrimas continuavam a cair.
- Sabia que quanto mais você tenta permanecer sozinha, mais você fica vulnerável a se apaixonar?
- Sério? – Ela levou as mãos ao rosto e o limpou.
- Sério... Agora larga de tentar ser durona e fria e me dá um beijo logo.
Eu fui o mais delicado que eu pude. Peguei uma de minhas mãos e, com ela, fiz todo o contorno de seu rosto, segurando-a pelo queixo. Me aproximei lentamente para não assustá-la e, ainda assim, ela hesitou. Pela primeira vez, eu sabia que aquilo era o certo a fazer. Por mais que ela pudesse dissesse que não, era aquilo que ela queria e, depois que se acostumou com a idéia, retribuiu meu beijo.
Eu não falei mais nada depois do beijo. Nós simplesmente nos levantamos e voltamos para o hotel. Já era mais de três horas da manhã quando chegamos, o que não era muito bom, levando em conta que tinha dito que queria chegar cedo. Pegamos o elevador e fomos para o quarto andar. Paramos na frente da porta do quarto da .
- Bom, então é isso... – falou.
- É isso o quê? – Arqueei uma sobrancelha
- Não sei... Eu estava tentando puxar assunto, mas não fez muito sentido. – Soltou uma risada envergonhada.
- Vai dormir agora?
- Pretendo. – Começou a desfazer a trança.
- E amanhã? O que nós vamos fazer mesmo?
- Bom, nós eu não sei... Mas eu aluguei um barco pra ir até uma ilha aqui perto.
- Falando desse jeito você me ofende, sabia? Parece até que não quer minha companhia. – Fiz bico.
- Own, bobinho. – Passou a unha sobre o meu nariz. – Se você quiser ir, pode ir.
- Ai. – Pus a mão no coração. – Sério, tá cada vez piorando.
- Ai, ai... – Revirou os olhos. – , vamos comigo no passeio de barco amanhã?
- Já que você faz tanta questão, eu vou. – Rimos. – Agora é sério... Eu gostei muito de passar o dia com você. Eu não sabia que uma pessoa podia se tornar especial em tão pouco tempo. Você é incrível e... Eu acho que eu mereço uma chance.
- Eu também gostei muito de assar o dia com você hoje, , e, acredite você ou não, eu sabia como uma pessoa poderia se tornar especial em pouco tempo e você definitivamente se tornou. Por você ser tão gentil, eu posso até pensar em te dar uma chance. Mas não tenho certeza se você vai querer ter uma chance com uma mulher mais velha.
- Eu estou pedindo, não estou? Então pronto. Vai me dar a chance, então?
- Vou pensar. Amanhã eu te falo.
- A gente se encontra?
- Na praia. No mesmo lugar de hoje. Depois vamos passear de barco e ver no que isso vai dar.
Tentei roubar mais um beijo dela, mas fui impedido, então fui para o meu quarto. Tomei um banho e fui dormir. No outro dia, acordei cedo, tomei outro banho, vesti uma roupa descente e fui para a praia. Não estava com fome e, por isso, nem m incomodei em tomar café da manhã. Quando cheguei lá, estava deitada na espreguiçadeira, do mesmo jeito que estivera no dia anterior, só que dessa vez, estava lendo alguma coisa em seu iPad.
- Permite que eu interrompa sua leitura? – Me sentei ao seu lado.
- Não permito, não...
- O que você está lendo? – Fiquei interessado e peguei o aparelho das suas mãos.
- “O Apanhador No Campo de Centeio”. É maravilhoso.
- E você gosta de ler nesse negócio aqui?
- O iPad é bom pras viagens se você quer minha sincera opinião. Eu posso trazer muitos livros comigo sem passar o limite de bagagem. – Sorriu. – Pronto pra ir?
- Como sempre. – Retribuí o sorriso.
A colocou o aparelho dentro da bolsa, colocou seu chapéu na cabeça, os óculos de sol no rosto, vestiu a saída de praia e me levou, à pé, até o lugar onde pegaríamos o barco. Obviamente, nós só iríamos aproveitar o passeio e alguma outra pessoa nos levaria até lá. O barco era lindo: branco e espaçoso. Combinava com todo o cenário magnífico que Cancún nos oferecia.
Durante o dia, fizemos mergulho vimos peixes exóticos, comemos comidas típicas mexicanas na ilha, tiramos fotos, dentre diversas outras coisas que qualquer casal de turistas fazia. Por incrível que pareça, ninguém nos perguntou se éramos namorados ou casados, o que não me deu nenhuma oportunidade de mostrar verdadeiramente para o quão interessado eu estava nela.
No fim do dia, pegamos o barco e voltamos para a praia. O sol estava se ponto e eu não poderia pensar em nenhum lugar melhor para perguntar o que eu estivera desejando falar o tempo todo.
- E então... Vai me dar a chance?
- Eu pensei muito durante a noite. Eu acabei chegando à conclusão de que te dar uma chance não vai fazer mal nenhum. Vamos ver no que isso vai dar.
Passei a mão sob seus cabelos , a segurando pela nuca, e a beijei. Eu nunca sentira por ninguém e de maneira tão rápida o que eu sentia por aquela mulher. Ela tinha realmente me conquistado. Os dias que se seguiram, posso dizer, foram os melhores da minha vida. Passei a conhecê-la melhor e eu, cada vez mais, entendia que ela era a pessoa que eu amava.
Ao fim das minhas duas semanas de estadia, ela também estava indo embora. Ela chorou como eu nunca tinha visto ninguém chorar. Foi a primeira vez que ela disse que me amava. Ela chegou a falar que largaria tudo para ir comigo para Inglaterra, mas eu não deixei. Ela tinha um emprego muito melhor que o meu no Brasil e eu não queria que ela estragasse a vida dela por minha causa.
Nós continuamos conversando por telefone e eu nunca pensei o quão dolorido fosse manter um relacionamento à distância. A saudade corrói e vai matando aos poucos, mas eu não desisti dela. Eu sabia que, depois dela, nenhuma mulher iria servir. Seis meses depois do retorno, combinamos que voltaríamos para Cancún, para nos encontrarmos. Quando nos vimos de novo, meu coração saltou e eu pude perceber que eu não poderia deixá-la mais uma vez. Nenhum de nós sabia o que fazer. Ela estava disposta a deixar o Brasil e ir comigo para a Inglaterra, mas eu não queria que ela largasse toda sua vida por mim. E foi então que a mais brilhante das idéias surgiu. Se eu não tinha um emprego tão bom, por que eu não poderia ir com ela para o Brasil?
Depois das nossas segundas férias juntos, levou apenas um mês para que tudo estivesse pronto em Londres para eu ir embora. Fui para o Brasil e nos encontramos em sua cidade. Começamos a morar juntos e a construir uma vida.
Honestamente, acho que sou o homem mais feliz do mundo por ter uma mulher como . E justamente eu, um cara que nunca se dava bem com as meninas, que sempre pensou que fosse morrer sozinho, só fui capaz de encontrar a felicidade quando tive ela ao meu lado.
FIM
Nota da autora: Oi, minhas lindas!
Então, fic escrita por Chall #004. Espero que vocês gostem :) É uma das poucas fics que eu fiz com o POV masculino, porque eu acho muito mais difícil escrever assim – que garota que vai saber o que se passa na cabeça de um homem? -, mas quando eu li o tema, eu só consegui imaginar um homem narrando, não sei por que. Foi muito bom escrever sobre férias, mesmo a UnB não estando de férias.
Como eu já disse, espero que vocês gostem. Beijos :*