Challenge: #009
Nota: 9,5
Colocação:




Prólogo...
Elle me dit "c'est ta vie fais ce que tu veux tant pis. Un jour tu comprendras, un jour tu t'en voudras". Elle me dit "t'es trop nul, sors un peu de ta bulle.Tu fais n'importe quoi on dirait que t'aimes ça. (Ela me diz "A vida é sua faça o que você quiser, tanto faz. Um dia você vai entender, um dia você vai se arrepender." Ela me diz "Você não vale nada, saia um pouco da sua bolha. Você está fazendo besteiras, parece que ama isso.")
Por mais que seja cômodo a sua vida, uma hora deve deixar tudo para trás, encarar seus medos e mostrar que não é tão forte assim. Se mostre, arrisque, tenha uma vida, não se preocupe com os outros, seja você. Mas é mais fácil falar do que fazer.
Regarde le temps que tu perds. (Olhe o tempo que você está perdendo.")
Disfarçar que tem coragem não te faz ter menos medo, esconder também não faz com que diminua. Encare, é o melhor jeito.
"pourquoi tu te plains tout le temps? On dirait que t'as huit ans. C'est pas comme ça que tu vas plaire” ("Por que você está sempre reclamando? Parece até que você tem oito anos. Não é assim que você vai ser agradável.")
Ame, enlouqueça, perca a cabeça, mostre ao mundo que você existe.
Pourquoi tu gâches ta vie? (Por que você está desperdiçando sua vida?)
De Paris para o mundo, ou melhor, do subúrbio para o mundo.
Elle me dit “danse” (Ela me disse “dance”)


Parte 1

Não há nada melhor do que trabalhar no conforto de casa principalmente durante o rigoroso inverno de Paris. Uma vantagem para poucos e Annie Madden tinha esse privilégio.
Nova Yorkina de 26 anos, se mudou para França fazia seis anos, onde logo conseguiu um emprego como fotografa em uma revista de moda onde aprendeu tudo o que sabe atualmente, mas largou o emprego para se dedicar a fotografia livre e um blog chamado “Elle Me Dit” que gerenciava anonimamente. Annie não era muito boa com relacionamentos, sempre saia perdendo de qualquer caso que já tivera em toda a vida, desde adolescente tinha problemas com garotos e, fazia dois anos que se dedicava totalmente ao trabalho e procurava não se apegar a nenhum relacionamento sério. Ela se sentia bem com isso. Annie sabia viver bem em seu apartamento no subúrbio, apenas si mesma e seu trabalho, nada mais, ninguém mais.
Em todo o tempo que vivia em Paris, Annie só tinha uma amiga, Mandy Illyrio, uma francesa loira de olhos tão azuis quantos o céu e um temperamento tão instável que Annie, apesar de tantos anos de amizade, ainda não conseguia a entender. As duas eram completamente apostas, Mandy gostava da vida, de festas, de falar e se arriscar, enfrentava de frente tudo e todos, sempre estava sorrindo e se não tivesse, era mais devastadora que um furacão. Annie era cuidadosa, séria e nem um pouco falante, detestava problemas então vivia fugindo deles, sempre calma e observadora. As duas se completavam como amigas e estavam juntas sempre que uma estivesse precisando ou não.

Como agora. Annie estava em casa, rabiscando algumas coisas em um caderno para postar no “Elle Me Dit” aproveitando alguma luz fraca ligada em algum lugar de seu apartamento no subúrbio de Paris, com várias imagens de famosos e modelos com roupas de inverno a sua volta. Estava tão concentrada que mal notou Mandy invadir seu apartamento – coisa que tinha permissão para fazer – depressa e ir direto abrir a cortina de uma enorme janela de vidro.
- Luz! – Annie resmungou usando o braço para proteger os olhos da claridade repentina que invadiu o apartamento.
- É disso que está precisando! De um pouco de luz. Você passa tanto tempo naquele escritório, ou dentro da sala escura que esquece que existe luz! Caso não saiba, você não é uma vampira.
- Como pode ter tanta certeza?
- Se fosse teria virado pó quando abri a janela.
- Tem certeza que não estou brilhando?
- Aquilo não são vampiros, já disse – Mandy resmungou vasculhando alguma coisa pelo apartamento.
Annie sorriu ao provocar a amiga, sabia que Mandy adorava mitos clássicos de monstros, sendo que, “Crepúsculo” não se encaixava muito bem nesses quesitos.
- Levante desse sofá sua morta viva! – Mandy foi até Annie e a faz levantar. – Vá se arrumar, tire essa cara de zumbi! Nós vamos sair!
- Sair?
- É sair! Preciso que Elle me ajude na minha coluna e Elle precisa da minha ajuda para o blog. Agora vamos!
- Mas agora Mandy? Não podemos deixar isso para depois? Ainda não terminei o comentário sobre o vestido da Angelina Jolie, preciso postar ainda hoje!
- Hoje sim Srta. Madden! Nós combinamos que seria hoje! Agora vá se arrumar! – sabendo que não há maneiras de discutir Annie se dirigiu à um pequeno corredor a sua esquerda. – T'es trop nul, sors un peu de ta bulle. Tu fais n'importe quoi on dirait que t'aimes ça! – Annie riu ao ouvir que não vale nada. Era apenas um pedaço de uma canção, tal que originara o nome de seu blog.
Vestiu seu jeans preferido e uma regata branca, sem esquecer que era inverno, pôs uma jaqueta de couro preta e um cachecol avermelhado no pescoço, com a ponta para dentro do casaco dando um bonito volume. Nos pés usava uma bota de cano médio, preta e baixa. Nos cabelos pretos, lisos e sedosos, apenas passou os dedos enganando estarem penteados. Fez uma maquiagem leve no rosto, apenas para tirar as olheiras de noites sem dormir.
- Me deixa adivinhar – Annie saiu do corredor aparecendo na grande área do apartamento, onde ficava a sala e a cozinha – Pourquoi tu gâches ta vie?
- Exatamente! Por que você está desperdiçando sua vida? – levantou do sofá e acertou seu vestido mostarda e o cinto fino meio bege na cintura, acompanhado de uma meia-calça grossa cinza e um blazer preto, depois acertou uma presilha presa em seus cabelos tão amarelos quanto ouro – Assim está bem melhor! – Mandy se referia à amiga. – Agora vamos! Antes que escureça.
As duas puseram-se para fora do apartamento, não antes de Annie pegar sua câmera, e andaram por algumas calçadas escorregadias de neve até pegarem um taxi rumo às ruas mais movimentadas de Paris atrás de looks esplêndidos e preços baratos, não para si mesmas, mas sim, para pessoas que não podiam pagar tão caro e mesmo assim, gostariam de andar como se anda em paris: luxuosas.
Mandy era colunista de revista, daquelas que falava sobre a vida, onde tinha dicas para emagrecer, histórias de romances que, como Annie sempre dizia, serviam apenas para enganar os leitores ao fazer com que realmente acreditem que podem viver algo como o que estava escrito naquelas linhas. Colunista Illyrio era responsável pela parte de moda e foi assim que as duas se conheceram, ainda quando Annie trabalhava para a revista de moda. Mandy foi ao escritório da revista de Annie fazer mais uma de suas pesquisas para sua coluna da quinzena. A chefe de Annie, uma mulher de boa postura, rica e bem vestida, que mais parecia ter saído daquele filme: “O Diabo Veste Prada”, disse para Mandy acompanhar uma fotografa que naquele exato momento estava se preparando para tirar fotos de modelos com a nova promessa do inverno, chegando lá, vira Annie no meio de franceses bonitos e sarados e francesas esbeltas. Era fleches para todos os lados, música agitada preenchia o ambiente. Depois de tudo, as duas conversaram, sabendo o propósito de Mandy, Annie a convidou para ir à sua casa onde tinha alguns projetos do gênero que ela procurava. Chegando lá, por um descuido, a loira serelepe descobriu que a fotografa que acabara de conhecer era autora de um blog que ela mesma já tinha olhado algumas vezes.
Rolou uma confusão, Mandy descobriu que Annie era “Elle”, a autora anônima do “Elle Me Dit”, coisa que jamais gostaria que alguém descobrisse, mas, acabou sendo uma boa coisa. Mandy citava o blog da recente amiga em quase todas suas colunas, intrigado, seu chefe quis saber mais sobre e, sem que descobrisse a verdadeira face da autora, Sr. Tardin, um velho gordo e barbudo, porém muito simpático, assinou com o blog, fazendo com que “Elle Me Dit” tivesse uma pequena parte em uma das duas páginas reservadas para Mendy e, pela primeira vez desde sua criação, trouxesse algum retorno a Annie, fazendo com que largasse o emprego de vez, coisa que queria fazer a tempo.
Voltando para o agora, as duas andaram para todas as ruas até que a noite comeasse a cair e não pararam antes que seus pés começassem a doer. Resolveram então voltar para casa.
- Estou morta!
- Você já disse isso Mandy.
- E digo de novo! Estou morta! – Mandy riu. – Adoro quando isso acontece! – Annie riu da amiga.
- Definitivamente você é louca.
- Certo, certo, mas sou uma louca que precisa urgentemente de uma banheira com água quente! Podemos ir para casa logo? – Mandy acenava para um taxi a sua frente, que logo parou. Ela abriu a porta para que entrassem.
- Vá você para casa Mandy, acho que vou passar no Jaime antes.
- Ainda consegue andar?
- Ainda consigo.
- Tem certeza?
- Tenho Mandy, daqui até o Jaime não é tão longe assim e ao voltar, tomo o metrô.
- Tudo bem então! Espero que não caia em alguma calçada por aí! Au revoir!
Mandy entrou no taxi e saiu em disparada. Annie aproveitou para andar com calma e no silêncio que uma noite de Paris poderia oferecer, ou seja, nenhum, mas não tinha sua melhor amiga a tagarelar ao seu lado todo o tempo, há anos, isso que significava silêncio, um diferente do seu apartamento quase sempre escuro como gostava.
Menos de meia hora de caminhada e chegou a uma pequena loja de animais e entrou sem nem pensar, indo logo cumprimentar o recepcionista.
- Oi Jaime.
- Annie! Quanto tempo! Achei que nem se lembrava mais de mim!
- Pouco me importa você Jaime! – Annie sorriu da falsa cara de ofendido de seu parceiro Jaime, um cara mais novo do que ela, a idade nunca soube ao certo, talvez uns 22, apesar de sempre aparentar 16.
A fotografa tirou a jaqueta e o cachecol, os entregando a Jaime dentro da loja era quente e aconchegante, ela adorava passar horas e horas lá dentro em meios aos animais. Pegou apenas suas câmera e foi dar umas voltas pelo estabelecimento.
- Boas fotos Annie!
- Obrigada Jaime.
A garota odiava ver os animais presos daquele jeito, mas ainda era horário de expediente e não podia soltá-los como normalmente fazia, por já ser amiga do dono e ainda mais do filho – que por acaso é o recepcionista – desde a vez que usou alguns daqueles animais para uma pequena sessão de fotos a anos atrás. Alguns, infelizmente, já haviam morrido, outros foram adotados e poucos daquela época estavam ali, firmes e fortes.
Andava distraída, brincando com os animais e tirando algumas fotos dos bichinhos que se agitavam com o fleche, foi até um pequeno cercado de vidro onde ficavam quatro filhotes de Labrador que viu nascer a apenas dois meses e desde então tem tirados fotos semanais acompanhando o crescimento e sabendo que logo, aquele pequeno cercado de vidro não seria o suficiente para abrigar futuros cães de grande porte. Tirou fotos dos cães que a olhavam feliz, depois pôs a câmera do ombro e começou a brincar com os animaizinhos por quais era apaixonada ainda distraída quando alguém esbarra com ela, pior! Quando se vira para ver, o mesmo alguém derruba um liquido gelado em sua blusa, lhe dando apenas tempo de afastar a câmera.
- Oh meu Deus! Desculpa.
- Está tudo bem – claro que não estava, sua blusa era branca e agora estava manchada de vermelho e ainda começara a ficar transparente, mas Annie tentaria manter a calma.
- Tem certeza? Deixa... me deixa ajudar – o cara que esbarrara com ela, tirou um lenço do bolso da frente da calça e tentou limpar a blusa manchada.
- Não! Não precisa. – o cara insistia – Já disse que não precisa! – ela já não estava mais tão paciente.
- Fique com o lenço pelo menos – ela aceitou de bom grado, mais para que o cara desistisse de tentar ajudar. – Tem certeza que está tudo bem? Acho que manchei a sua blusa.
- Ah! Jura que manchou minha blusa? Não tinha nem notado! – a ironia era a prova clara que Annie estava mais do que irritada.
- Annie! – Jaime se aproximou – Está tudo bem?
- Esse imbecil jogou suco na minha blusa, além de manchar está ficando transparente! Socorro Jaime!
- E você ainda dizendo que estava tudo bem – o cara resmungou.
- Cala boca! – disse alterada.
- Relaxa Annie, vem comigo! Posso te emprestar alguma blusa, chegou alguns uniformes novos para loja – Jaime direcionou Annie até a parte de trás da loja.
- Desculpa de novo! – o cara gritou.
- Imbecil – ela murmurou para si mesma.


Parte 2

- Droga! – Annie olhou para a blusa que acabara de chegar da lavanderia, é, ninguém conseguiu salvar, tinha manchado de vez. – Ok, ok... pelo menos ganhei uma blusa da loja – fechou os olhos e respirou fundo. – É, pelo menos isso.
Jogou a blusa no sofá e se espreguiçou imaginando que aquele iria ser mais um dia tranquilo e solitário dentro de seu apartamento. Foi até a cozinha e preparou pipoca, amarrou seus cabelos longos e negros em um coque mal feito. Voltou para perto do sofá, ligou a TV na exata hora em que “The Notebook” começava e, por mais que já tivesse assistido a esse filme três outras vezes e o achasse meloso, resolveu assistir, pelo menos era com o Ryan Gosling.
A pipoca acabou rápido, logo no final da segunda parte do filme, mas resolveu deixar para lá. Estava com preguiça e confortável no sofá. Até que uma criatura loira invadiu seu apartamento e Annie soube naquele exato momento que sua folga havia acabado.
- Você está na frente da TV – disse com a voz arrastada.
- Nada de TV agora! Tenho uma noticia para te dar – Mandy desligou a TV e foi até o sofá.
- Ou! Eu estava assistindo o filme!
- Você já assistiu esse filme três vezes e ainda detesta, não vai se importar em perder um pedaço dessa vez.
- De qualquer modo espero que seja por um motivo bom – Annie se sentou, bocejou e bagunçou um pouco mais o cabelo que tinha acabado de se soltar.
- Tenho uma novidade ótima!
- Então diz logo!
- Ok, Ok! – Mandy se ajeitou no sofá, virou-se para a amiga e cruzou uma das penas em cima do móvel e notou a camiseta, antes branca, ali jogada. – O que aconteceu?
- Um idiota derrubou suco em mim na loja de animais aquele dia, chegou a pouco da lavanderia, não conseguiram remover a mancha como pode ver. - Que droga! Você veio com ela manchada para casa?
- Não, Jaime me deu um uniforme da loja, voltei com uma blusa azul turquesa com patinhas de animais e um poodle desenhado – Mandy pôs a mão na boca contendo o riso. – Eu sei – Annie sorriu –, mas não me importo, consigo usar em casa. Agora me diz o que veio fazer aqui que nem me deixa assistir o filme.
- Ah claro! – Mandy pulou no sofá e começou a falar o mais empolgava que lhe era possível. – A revista está preparando um evento! Em comemoração a nova coluna! – Annie a olhou desanimada, sem acreditar que tudo aquilo era para uma noticia tão obvia.
- “Bien-Être” sempre faz eventos Mandy, fora isso, toda Paris sabe que vão comemorar uma nova coluna.
- Você é uma chata! – Mandy disse um pouco irritada. – Não é exatamente isso que quero te dizer.
- Então seja mais direta! Pode ser?
- Não! – respondeu emburrada. – Mas continuando.
- Diz, diz.
- A revista está preparando um evento e contratamos um produtor novo, ele é lindo Annie! Lin-do!
- Conheço bem seu “lindo” – Annie disse com deboche, seu padrão de homem nunca foi parecido com o padrão de Mandy, as duas acharem um cara realmente bonito era mais raro do que ver uma estrela cadente rasgar o céu.
- Sério Annie! Ele é realmente lindo, parece o Alguersuari.
- Ta bom Mandy, continua – Annie não acreditou, nunca acredita até ver. O piloto de Formula 1 é o único cara que Annie consegue lembrar que as duas acham bonito, mas está cansada de ouvir Mandy dizer que certos caras são lindos e na verdade não são.
- Eu sou a responsável por esse evento! – sorriu orgulhosa.
- Parabéns Mandy! Que orgulho de você! Podia ter me contado antes! – sorriu orgulhosa também, achando que o assunto estava encerrado por ali.
- Eu também estou com orgulho de mim, mas então...
- Espera! Não acabou?
- Não. – Respondeu inocente.
- Meu Deus, seja direta Mandy!
- Ta bom, ta bom!
- Então, esse cara foi à minha sala para tratamos de alguns assuntos relacionados ao evento – Mandy tinha um problema: era detalhista, bom, isso para Annie era um problema. Mandy sempre contava os mínimos detalhes exatamente do jeito que lembrava e Annie gostava das coisas claras e rápidas, então logo aprendera a não ouvir a amiga, mas saber quando ela, enfim, chegar na parte importante. – Ele gostaria fazer uma exposição sua.
- Mas o que? – Annie perguntou realmente surpresa.
- Ele viu suas fotos na minha sala, gostou delas, falei de você para ele, do seu trabalho de outras fotos, mostrei algumas fotos da sua época de revista de moda e expliquei o que fotografa atualmente e ele gostaria de fazer uma exposição sua.
- Mas nunca expus minha foto fora às da revista! Você nem alimentou essas esperanças para ele né?
- Claro que sim! Disse que conversaria com você e marcaria um encontro de vocês dois.
- Você é louca Mandy?
- Sou, por quê? – Annie teve que rir.
- Oras Mandy...
- Voltando para o assunto, vou ligar para o Cam e dizer que você aceita – Mandy se levantou e foi em direção à porta.
- Mas eu não aceitei!
- Sei que vai aceitar!
- Mandy! – Annie se levantou e ficou frente a frente com a amiga – Se você quisesse marcar um encontro romântico com esse cara para mim não seria tão ruim quanto isso, não entende?
- Sinceramente? Não. É uma ótima oportunidade! As pessoas irão conhecer seu trabalho Annie! Irá ganhar por tirar fotos que realmente gosta e não por obrigação, vai ganhar dinheiro por prazer!
- Nem tudo na vida se trata de dinheiro!
- Mas pretende viver por quanto tempo como “Elle”? O que você faz em? O que Annie Madden faz? – Mandy a olhou mais severa. – Pare de se esconder Annie! Você tem qualidades o suficiente para se mostrar ao mundo! Por que não faz isso? Não tem como ser Elle para sempre.
Mandy se retirou do apartamento, deixando a amiga devastada com a verdade despejada no chão.
Annie se sentou na beira do sofá um pouco perturbada, ligou a TV e viu que o filme estava quase no fim e se irritou com isso. Desligou e levantou do sofá, procurou algo para prender o cabelo e assim fez quando achou, depois foi para a sala escura, revelar algumas fotos.
O mundo é totalmente digital, você tira uma foto, na câmera mesmo vê se está boa, depois passa para o computador e imprime, fim da história. Mas Annie gostava de revelar, gostava da sala escura e da iluminação avermelhada, gostada dos filmes e de ver uma foto aparecer como passe de mágica. Por sorte encontrou um vendedor quase perto do centro que ainda vendia filmes e por bom preço, só por causa daquelas câmeras descartáveis super úteis para turistas esquecidos.
Melhor de tudo mesmo era o escuro, Annie amava e achava aconchegante. Seu apartamento vivia sem luz com exceção de um discreto abajur, que ficava em uma mesinha junto com o telefone, ao lado do sofá. Era pequeno e branco, seu corpo era fino e a cabeça arredondada, como um curto cone aberto e oco. Ficava ligado o dia todo, a cortina da grande janela que mostrava a maior parte do apartamento vivia fechada, entrava dia, saia dia e lá estava ele ligado.
Escuro, essa era uma de suas paixões, era seu aconchego... quando via luz demais lá fora, se enfiava na sala escura e lá ficava incontáveis horas, pensando, vivendo do seu jeito.
E lá estava ela enfiada naquela sala de novo, tinha dois filmes para revelar. “Elle Me Dit” ficava cada vez mais famoso e isso tomava-lhe cada vez mais tempo. Pegou o que estava ali fazia mais tempo, fora logo no começo do Outono, sua estação favorita, naquele dia não tinha ido muito longe. Andou por algumas ruas do próprio bairro, tirou fotos de prédios pichados e outras coisas típicas suburbanas. Ela se considerava assim, uma garota suburbana.
Desistiu. É a melhor palavra que descrevia o momento em que ela fazia um simples morador de rua surgir em uma folha em branco, enquanto sua mente borbulhava pensamentos. Desistiu de viver daquele jeito, Mandy tinha razão, quando não era no escritório, era na sala escura ou em qualquer parte no apartamento engordando, ouvindo música ou vendo televisão, saia de casa por obrigação e na maioria das vezes com mau humor, que maldita vida era essa? Desistiu de ficar ali, daquele jeito, de ter medo, de resistir e resolveu se entregar e aceitar a proposta de Mandy.
Saiu do quarto escuro assim que julgou seguro e trocou de roupa rápido, pôs se para fora de casa enquanto ainda tinha coragem. Enquanto andava pela rua, atrás de algum taxi, vasculhava a bolsa atrás do celular que não aparecia. Quando encontrou estava quase chegando ao ponto que sempre pega taxi, ligou para Mandy que era sempre a primeira na lista dos discados.
- Annie? Que foi? Ta morrendo?
- Ainda não para sua tristeza querida Illyrio, mas tomei uma decisão.
- Qual?
– respondeu evidentemente mais empolgada, já prevendo qual decisão seria.
- Liga para aquele produtor lá, pede para ele me encontrar daqui à uma hora no mesmo café de sempre, perto da sua editora. Pede para dizer que quer me encontrar.
- É para já!
Desligou e logo tomou um taxi, o transito estava horrível como previra. Sempre era daquele jeito naquele horário, não importa se fosse final ou durante a semana. Aproveitou o tempo para respirar, descansar e ficar menos afobada, desesperada e convencer a si mesma que estava fazendo a coisa certa.
Ao chegar estava mais calma e convencida que era melhor. Entrou na loja e perguntou ao recepcionista se tinha alguém a espera dela, o cara alto, magrelo, de cabelos super cacheados e nariz arrebitado respondeu que sim e apontou para a mesa três, no canto da loja. Tinha um homem sentado, lendo a revista que coincidentemente era a que Annie trabalhava, usava jaqueta de couro preta e camiseta de mesma cor, a revista só permitia ver as pontas do cabelo escuro arrepiado. Annie se aproximou e chamou a atenção.
- Hum, acho que está esperando por mim – o tal abaixa a revista e depois disso Annie desejaria que não tivesse feito. Aqueles olhos expressivos azuis a encararam e uma sensação nada agradável a invadiu – Você!?


Parte 3

- Então, Cam é o cara da loja de animais.
- Isso mesmo, que maravilha que você me enfiou em Mandy.
- Maravilha mesmo, aquele cara é o mau caminho inteiro! – Annie franziu o cenho, não foi isso que queria dizer. – Então, quando vão se ver de novo?
- Er... “nunca” está bom para você?
- O que? – Mandy prendeu o coque com uma presilha, uma das trilhões que tinha em uma caixinha só para isso, ela adorava aquelas coisas, tinha de todas as cores e tamanhos e quase sempre usava uma. Aquela era verde musgo, com pedrinhas claras, pequenas e delicadas que podiam se passar tranquilamente por esmeraldas de tanto que brilhavam.
O resto do look se resumia em um sapato alto de bico fechado e prendia no tornozelo, mas deixava um pouco do peito do pé a mostra, a cor cinza combinava com um blazer jogado por cima da blusa branca com detalhes pretos. Usava uma saia rodada num tom de verde parecido com a presilha e para finalizar, uma a meia calça preta.
- Não acredito que vai fazer isso Annie, é uma ótima oportunidade e você vai perder por causa de uma simples blusa manchada?
- Uma simples blusa manchada? – perguntou um pouco indignada.
- Sim! Ah, Por favor! Aquela blusa você compra com qualquer euro em qualquer loja de toda França, nem foi algo caro e nem difícil de encontrar! Por que tanto apreço?
Annie não sabia responder, só sabia que tinha raiva, mas nunca pensou no motivo. Raiva por quê? De que? Está tudo resolvido e a blusa, já até tem outra. Nunca foi se sentir raiva a toa, e quer um motivo mais fútil do que aquele já semanas depois?
- Odeio quando tem razão – colocou seus óculos de sol, mais para esconder seus olhos inchados do que pela proteção.
- Vai conversar com ele de novo?
- Pode ser.
- Ok, mas antes vamos! Não posso chegar atrasada na revista hoje.
Annie pendurou em um dos ombros sua bolsa onde tinha a sua câmera e algumas coisas para anotações, desencostou da parede assim que Mandy se levantou na penteadeira. As duas iriam dar uma volta em algumas outras lojas, Mandy precisava terminar sua coluna naquele dia e Annie precisava de mais anotações. Depois Annie ia com Mandy até a revista fazer hora e então, enfim, ia casa para trabalhar no blog.
Saíram do flat de dois andares ligado por uma escada em caracol próximo à editora onde Mandy morava, a parte de cima tinha o banheiro e o quarto com uma cama de casal e um guarda roupa grande. A parte de baixo tinha uma pequena mesa de jantar, dois sofás vermelhos, um grande e outro pequeno, a televisão suspensa, um pequeno móvel abaixo dela e cortinas brancas nas portas de vidro que dava acesso a uma pequena varanda. Era bem colorido e decorado com quadros, tudo muito vivo e animado, com um gostinho de felicidade.
As duas caminharam por lojas e mais lojas anotando tudo que achavam mais importantes, duas horas de caminhada, depois seguiram até a editora onde Mandy trabalhava.
Entraram no elevador e até a sala de Mandy, ambas não ficaram quietas, sempre rindo e comentando sobre pessoas e roupas. Não deixaram passar nada em branco, desde a maquiagem chamativa de uma atendente até aos brincos de uma cliente da última loja que foram que não combinavam com nada mais do look.
Já na sala Mandy tomou seu lugar atrás da cadeira, Annie sentou-se na cadeira da esquerda, na frente da mesa, pôs sua bolsa na outra livre e seus pés sobre a mesa.
- Não perde esse mal costume Annie?
- Jamais – sorriu de canto de boca. Mandy revirou os olhos.
- Agora voltando ao assunto principal...
- Qual?
- Qual estávamos antes de sair do meu flat?
- Ah! O tal Alguersuari.
- Cam, o nome dele é Cam Mormont.
- Tanto faz, ele realmente parece o Alguersuari – Annie deu de ombros.
- Nisso eu tenho que concordar. Bom, ainda não mudou de opinião em conversar com ele certo?
- Ainda não.
- Acho ótimo – uma voz masculina tomou conta da sala e foi vez da Mandy soltar um sorrisinho de canto de boca. Ela armou tudo.
Annie pensou que aquele era o motivo de Mandy ter ficado no celular enquanto conversavam quando chegaram e estava certa ao pensar nisso. Cam simplesmente apareceu do nada na sala, isso para Annie porque Mandy o viu se aproximar.
Annie deixou escapar um olhar raivoso para Mandy, mas quando virou o rosto para ver Cam, seus olhos transmitiam apenas desdém.
- Eu não – respondeu.
- Deixa de ser rabugenta Annie! – virou-se para Mandy.
- Prefiro nem te responder Mandy – depois sussurrou – conversamos sobre isso depois.
- Arght – Mandy deixou-se cair no encosto da cadeira.
- Bom, Annie, isso? – Annie olhou de volta para Cam – Espero ter oportunidade de te dizer tudo o que pretendo, já que na cafeteria você não me deixou falar antes de sair bufando.
- Ok, Cam? – ele assentiu – Diga agora, ou cale-se para sempre.
Cam sorriu satisfeito, mas por dentro soltava fogos de artifício, nenhum trabalho em Paris que tenha feito o empolgou tanto como a ideia de fazer essa exposição de fotos.
E então disse, todos os detalhes como pretendia, o galpão, os banners, quadros, telões... até os coquiteis e som. Annie gostou, mas tentou não demonstrar, o que foi difícil por realmente ter ficado admirada com toda a ideia.
- Me parece bom – limitou-se a dizer –, mas quero uma prova.
- Prova? – Mandy fechou a cara, antes estava empolgada tendo quase a certeza que a amiga adoraria tudo logo de cara.
- É, prova – Annie pegou sua bolsa e se levantou. – Me mostre que é capaz Sr. Mormont.
- E como posso fazer isso?
- Não sei, mas eu, você, capricharia na festa da revista. Estarei lá – Annie acertou a bolsa no ombro e saiu da sala sem falar mais nada.


Parte 4

Furiosa, era assim que Annie ainda se sentia, mas deixava para lá se afogando no blog. “Elle Me Dit” estava cada vez mais popular e a dava cada vez mais trabalho. Eram muitos eventos para serem comentados, muitos e-mails para serem respondidos e comentários para serem lindos. Os posts eram quase diários, então passava a maioria dos dias comendo besteira, de cabelo preso e moletom.
Mas naquela tarde não poderia fazer isso, apesar de querer, era a festa da nova coluna da “Bien-Être”. Não importa o quando Annie estivesse brava com Mandy, ainda eram melhores amigas e prometera ir, sem contar que, era a prova que precisava se aquele tal de Cam era realmente bom como parecia.
Annie pôs um vestido, não era muito o que gostava de usar, mas a ocasião pedia. Era branco de renda com forro preto que fazia uma barra no fim, na metade da coxa, e marcava um pouco o troco. Para se proteger do frio usava uma meia calça preta, um sapato fechado de salto grosso da mesma cor e um casaco azul meia-noite. Deixou o cabelo solto e pôs um gorro de lã cinza azulado.
Saiu de casa e logo tomou um taxi, deu o endereço e tentou não fazer cara de emburrada o caminho todo. Depois que pagou e saiu, ficou imaginando como passar pelo tapete sem tantos fotógrafos a cegarem com flashes e não chegou a conclusão nenhuma até se lembrar que eles estavam ali para flagrar os colunistas, os donos da revista e alguns franceses famosos amigos de gente lá dentro e não para fotografar uma “ninguém”. Amiga de Mandy Illyrio e ex-fotografa de uma revista de moda, era o máximo que Annie era e isso a aborreceu de algum modo. Ficou feliz por saber que passaria despercebida por aquele tapete, ao mesmo tempo, não se agradou por ser tão “nada”.
- Te odeio Mandy, por que sempre tem que ter razão? – sussurrou para si, respirou fundo e desfilou de cabeça para cima durante toda a extensão até a entrada do evento.
Um fleche? Não, três. Três únicos fleches a clicaram. Eram apenas fotógrafos curiosos e precavidos, talvez aquela garota que ninguém jamais viu fosse de alguma utilidade futuramente.
Assim que entrou, notou que o cara era simplesmente incrível e que se recusasse a proposta que lhe fez, estaria sendo uma burra. E mais uma vez rogou pragas para a amiga que estava certa, de novo.
Observou os detalhes, garçons não faltavam e nem bebida e aperitivos, tocava uma música suave, grandes janelas faziam aproveitar o máximo da luz de fim de tarde, havia muitas mesas e cadeiras, enfeites perfeitamente postos tudo criando harmonia. Se reparasse melhor, mais para cima no teto, dava para notar as luzes que seriam ligadas mais tarde, no fundo, a área do DJ estava preparada.
As pessoas andavam por todos os cantos, a conversa era quase mais alta do que a música instrumental de fundo. Annie andou calada procurando a amiga, disfarçando o mau-humor com sorrisinhos amigáveis para qualquer um que olhava para sua cara. Foi educada com um ou outro que a parou para trocar algumas palavras, mas logo se afastou ainda procurando Mandy.
- Annie! – se virou ao ouvir o grito, com medo de que todo o salão também tenha escutado.
- Estava te procurando.
- Bom, achou! – Mandy estava empolgada, com um sorriso de orelha a orelha – Está tudo lindo não acha?
- Pior que acho.
- Para de mau-humor! Deixa de ser rabugenta! Parece uma criança mimada de oito anos.
- Estava pensando algumas coisas e acho que o trabalho tem que me deixado meio cansada, mas vou tentar deixar de lado.
- Não, você não vai tentar, você vai deixar de lado. Me entendeu Annie? – assentiu e Mandy segurou seus braços e a sacudiu – Entendeu? – falou mais alto.
Annie riu.
- Entendi Mandy, entendi!
- Ótimo! – sorriu satisfeita – Gostou da minha roupa? – perguntou empolgada.
- E do que minha opinião conta Mandy?
- Quer que eu diga alto? – semicerrou os olhos.
- Ok, ok! Dê uma voltinha para eu ver – Mandy segurou a saia do vestido tomara que caia e preto com mini bolinhas meio rosadas e rodou. Vestia também uma meia calça preta, um tanto mais grossa que a de Annie e os sapatos também eram pretos, porém, salto médio e apenas o bico fechado. – Está linda!
Mandy aumentou o sorriso, se é que era possível.
- Você também!
- Concordo – a mesma voz masculina que chegou por trás de Annie na sala de Mandy dias atrás, chegou nas mesmas condições dessa vez – Com as duas, ambas estão lindas.
- Cam! Você é sempre tão gentil! – Annie revirou os olhos.
- Obrigado Mandy, pena que sua amiga não ache me ache isso – ele sorriu e algo dentro de Annie quis sair de seu corpo, ela podia jurar que era o coração.
Na exata hora passou um garçom com aperitivos e Cam o fez parar.
- Alguma de vocês aceita? – perguntou educado.
- Eu aceito! – Mandy respondeu de imediato e Cam pegou um e lhe deu na mão.
- O que é isso? – Annie perguntou.
- Basicamente geleia de morango com salmão grelhado – respondeu.
- Não, obrigada. Gosto de salmão, mas sou alérgica a morango.
- Sério? – dispensou o garçom – É uma pena, adoro morangos. Acho uma fruta interessante, azeda e mesmo assim afrodisíaca. Cai no gosto de todos os amantes.
- Pois é, mas sou alérgica mesmo assim – respondeu rude.
- Repito, é uma pena.
- Bom, acho melhor deixar os dois a sós – Mandy tentou sair furtivamente, mas teria funcionado melhor se não tivesse comentado nada.
- Não é melhor nada! – Annie resmungou.
- Só um minutinho Cam – Mandy sorriu para Cam, que respondeu com um aceno de cabeça, e puxou Annie pelo braço. – Vocês precisam conversar!
- Por quê?
- Por que se você recusar essa oportunidade que ele está te dando eu simplesmente te mato! – disse entre dentes.
Annie bufou e revirou os olhos, se livrou de Mandy e voltou para onde estavam.
- Tudo resolvido, vou deixá-los a sós! – e saiu sem nem esperar qualquer resposta.
- Você não quer conversar comigo certo?
- Adivinhou na mosca Sr. Mormont.
- Cam, por favor, me chame de Cam.
- Tanto faz – ele riu.
- Do que está rindo?
- Nada, nada. Bom, tem um pequeno parque aqui do lado, podemos ir lá conversar melhor se quiser.
- Pode ser, mas não quero passar por aqueles fotógrafos lá da frente de novo.
- Podemos sair pelos fundos, prefiro e é mais próximo.
- Ah, tudo bem então.
Cam era gentil, muito gentil, mais do que Annie gostaria que fosse. Sua pose de badboy com aquele paletó e calça social preta, cachecol acinzentado escuro e camiseta acinzentada clara com detalhes que o deixavam despojado, só dava um charme ainda mais bonito ao cara de cabelos arrepiados e incríveis olhos azuis. Ela se sentia menos brava e mais encantada, mas não admitiria tal coisa.
Chegaram ao parque, as arvores estavam se uma única folha, apenas com o pouco de neve que caíra nos primeiros dias de inverno, muitas famílias, casais de namorados e grupos de adolescentes passeavam por lá. Cam parou em um pipoqueiro e comprou dois saquinhos, um entregou a Annie.
- Não precisava.
- Faço questão – ela pegou.
- Obrigada.
Certa sem-gracice tomou conta dos dois, durante os primeiros milhos de pipoca ninguém falou nada.
- Então... quem vai começar a falar? – Perguntou Cam, sempre educado e gentil.
- Pode ser você – Annie respondeu sem fazer ideia do que falar.
- Bom, quer saber um pouco sobre mim?
- Pode ser, se vou aceitar trabalhar contigo é bom saber.
- Só se você me prometer falar de si para mim.
- E por que eu faria isso?
- Por que se vai aceitar trabalhar comigo é bom saber.
- Só não aceitar.
- Vai dizer que não gostou do que viu lá dentro? Reparei quando chegou, você é bem observadora.
- Pelo jeito você também.
- Força do hábito. Tenho que ser para saber agradar meus clientes.
- Então acho que não te como te enganar e dizer que não gostei do que vi.
- A melhor parte vai ser durante a noite.
- Reparei a parte do DJ e das luzes no teto.
- Espero que ninguém esteja bêbado até lá, depois disso, com certeza os taxis terão muito trabalho essa noite – ele riu e ela soltou uma risadinha.
- Então acho que vou tomar uma decisão concreta depois dessa noite.
- Alguém já te disse que você é muito séria?
- Mandy. Ela sempre diz isso.
- Já era de se esperar, ela sempre está sorrindo! Há muito tempo que vocês são amigas?
- Faz uns cinco anos. Nos conhecemos quando eu ainda trabalhava na “Passerelle”. Ficamos amigas logo.
- E porque largou a revista? “Passerelle” é bem renomada.
- Não fazia muito o meu rumo, sempre fui muito simples e lá era mais luxo que conseguia suportar.
- Tão intolerante assim a moda, era realmente melhor sair.
- Não é intolerância, é só... não sei, futilidade sabe? Se vestir bem é uma coisa, viver para isso e unicamente disso, é demais para mim. Eu via as modelos desmaiarem de fome porque precisava caber em certa roupa, ou qualquer outro que parava de comer porque queria usar uma roupa e só tinha do tamanho “micro”. Era demais para mim, não aguentei e saí.
- Mas ficou por quatro anos.
- E foi mais do que o suficiente para eu conseguir me acostumar e ficar na França, já que sou de Americana, como Mandy também deve ter dito junto com o tempo que trabalhei na revista.
- Quem te garante que Mandy me disse algo?
- Qual é, você estava lendo a “Passerelle” quando estava no café e eu sei que era de quando eu trabalhava lá, porque a capa era minha.
- Ok, me pegou – ele levantou as mãos se rendendo tomando cuidado para que o resto da pipoca não caísse no chão. Annie riu disso. – Mas uma coisa que Mandy não me contou, foi porque você veio para cá.
- Era meu sonho, desde pequena. Eu era meio “ovelha negra” sabe? A família toda era muito apegada e eu sempre fui mais de fora.
- Não gostava de seus pais?
- Não! Eu amava meus pais! Mas eu tinha um espírito de liberdade maior do que eles conseguiam entender. Eles queriam que eu crescesse, fosse uma boa menina prendada, casasse e lhe dessem netos, para que paparicassem e mimassem como todos bons avós – Annie sorriu. – Me enchiam tanto com isso! Acho que é por isso que saí tão ao contrário e nem gosto de crianças.
- Não? Então encontramos outra coisa incomum.
- Vai me dizer que gosta?
- Gosto, família grande, muitas crianças... tive uma boa infância, acho que é a melhor fase da vida.
- Mandy me chama de grosseira quando digo isso, mas, não me vejo com aquela barriga enorme e toda inchada! – Cam riu.
- Apesar disso, acho que seus pais devem estar muito orgulhosos de você.
- Er... fizemos uma viagem a Vancouver, no Canadá no meu aniversário de 19 anos – Cam a olhou confuso, mas nada perguntou –, iríamos passar uma semana. No terceiro dia eles resolveram fazer uma caminhada pela neve no topo de uma montanha, junto com um grupo de não mais que dez pessoas e o guia. Eles foram avisados que a neve iria aumentar, mas, não deu tempo de voltar. Ficaram presos na nevasca.
- Sinto muito Annie.
- Não, tudo bem, agora tudo bem.
- Deveria ter sido muito assustador para você no começo.
- E como! Pior que era para eu estar junto, mas quando vi aquele teleférico... era enorme e me parecia tão frágil – Annie encarava a frente, sem parar de caminhar, todas as lembranças vinham com perfeição em sua mente e as emoções se embolavam em seu peito, achava que era incapaz de sentir tudo aquilo de novo, mas talvez esse fosse um motivo subentendido por ficar tão exclusa em seu apartamento durante o inverno.
Annie abaixou a cabeça, tentando afastar o pensamento.
- Que fiquei com medo e não fui.
- Isso foi bom, se não, você não estaria aqui conversando comigo, não teria realizado seu sonho de vir para Paris...
- Talvez, eu realmente não queria deixar meus pais apesar de me sufocarem tanto, eu não odiaria tanto o resto da minha família...
- E por que odeia? – a expressão de fúria tomou conta do rosto de Annie no lugar da melancolia da perda dos pais.
- Minha família eram apenas meus pais, pena que nem eles notaram que não podiam contar com o resto e sempre eram bons com todos mundo! Ah! Eram uns desgraçados! Mal meus pais morreram e correram para tirar a herança de mim, diziam que eu era menor, irresponsável que não tinha como cuidar de mim mesma... eu já tinha 19 anos! Tinha terminado a escola e iria para faculdade depois do próximo verão.
- Ou seja, não era nada disso que seus parentes alegaram?
- Nem um pouco! – respondeu com raiva, depois respirou fundo tentando se acalmar. – Enfrentei um processo em primeira instancia, mas não passou disso, viram que era irrelevante. O que mais me irrita nisso, é que depois vieram de chamego, tentando bancar os bons tios e primos – grunhiu.
- E o que fez?
- Deixei tudo para trás e vim para cá, eu já tinha o curso de fotografia e por sorte logo consegui um emprego, a revista me ofereceu um apartamento no centro, mas recusei e comprei o meu com o dinheiro que me restava. Não quero nunca mais ver a cara de todos eles.
Um clima tenso dominou o ar e Annie notou depois que a raiva começou a passar. Então balançou a cabeça e encarou Cam, tentando se distrair e esquecer o assunto, se acalmar ou qualquer coisa que a ajudasse a largar desses maus sentimentos. E então ela notou uma pequena cicatriz na testa, próxima a sobrancelha de Cam.
Franziu o cenho e despejou uma pergunta sem nem pensar.
- O que foi essa cicatriz na testa? – ele imediatamente levou a mão até lá.
- Bom, acho que é a minha vez de falar da minha vida – respirou fundo. – Eu também sou americano.
- Sério?
- É, sério. Sou de Boston.
- Nunca fui – ela fez um careta que fez Cam abrir um sorrisinho.
- Já eu visitei muito Nova York! Sempre ia de trem e foi em uma dessas viagens que tive essa cicatriz, quando ainda era criança.
- Oras, como? Vai me dizer que era um menino daqueles bem atentados e acabou bateu a cabeça no assento da frente? – ele riu – Foi a única coisa que consegui pensar.
- Não, não. Concordo com a parte do “menino daqueles bem atentados”, mas não foi assento da frente.
- Então como?
- Eu não parava quieto um segundo, vivia correndo pelo vagão. Uma vez, alguém tinha derrubado água no corredor e antes que pudessem limpar, eu escorreguei e bati a cabeça em uma ponta de ferro do assento.
- Meu Deus!
- É, fiquei desacordado por algumas horas, minha mãe ficou desesperada. Por sorte estávamos em uma parada, meus pais me levaram para um hospital ali perto. Foi horrível, aquele cheiro de hospital – fez uma cara de nojo. – Já disse que odeio hospital? – Annie sorriu e, involuntariamente, levou a mão até a cicatriz de Cam.
Não era grande, sequer dava para notar muito bem, mas Annie imaginou bem como ele deveria ter ficado mal, imaginou Cam pequeno, pálido e com o lugar na testa que agora tinha aquela cicatriz, bem feio.
Seus corpos se aproximaram feito imã, porem um pouco mais lento. Os olhos de Cam se fixaram nos de Annie e se perderam ali, a mão dela escorregou pelo rosto dele, seus rostos se aproximavam cada vez mais. Pensamentos fugiram e de repente tudo sumiu, mas bastou Annie fechar os olhos para lembrar quem era, quem era o cara que estava com ela e porque estavam ali.
- Acho que deveríamos voltar para a festa – disse abrindo os olhos – Melhor parte é à noite, certo? – olhou para o céu enquanto se afastava aos poucos.
- Certo – disse Cam também olhando para cima. – Você tem razão.
- Então vamos voltar, você já sabe mais do que o necessário de mim.
- Estamos quites.


Parte 5

- Eu definitivamente odeio o inverno! – Resmungou Annie depois de quase escorregar em uma pequena concentração de gelo na calçada de seu apartamento.
- Está na hora de acharmos algo em comum – comentou Cam. – Não gosta de crianças, é alérgica a morangos e ainda odeia minha estação favorita.
Annie riu, não sabia de que, apenas riu, estava bêbada demais para saber.
A festa acabou as altas da madrugada, a lua estava posta no alto do céu. Em Paris amanhece mais tarde, assim como entardece, agora eram 5:19 na manhã e nenhuma aparência que o sol acordaria logo, ao invés disso, a lua brilhava ainda mais prateada, linda e cheia.
Annie tentava não cambalear, mas não falava coisa com coisa havia tempo. Mandy pediu para Cam levá-la em casa pouco antes de a festa acabar. Mandy precisava ficar lá para encerrar a festa e Cam obedeceu de bom agrado. Carregou Annie para seu carro e a pôs no banco do motorista e a levou para o endereço que Mandy o dera. Annie reclamou e resmungou, mas estava sem razão.
Depois que voltaram do parque, realmente começou a melhor parte da festa. A distribuição de bebidas aumentou, as pessoas começaram a perder a linha e Annie foi junto, bebia aos poucos, incomodada com si mesma pelo que aconteceu poucas horas antes, tentava se soltar, deixar tudo para lá e o motivo mais obvio das pessoas beberem: esquecer.
Ela queria ser irresponsável sem causar escândalo, bebia sozinha e não saia da pista de dança. Bebeu o quanto deu até Mandy mandar parar de dar bebida a ela. Annie ficou aborrecida, mas logo depois Cam a carregou para fora do salão.
- Você não é meu pai! Ele morreu.
- Eu sei, você me contou.
- Então por que não me larga?
- Por que prometi a Mandy que deixaria você em segurança em casa – Annie bufou e tentou não discutir mais.
Cam subiu com Annie sendo sustentada pela cintura e com um dos braços em seu ombro, puxou a chave da bolsa dela e abriu a porta enquanto ela cantarolava alguma canção em Inglês.
- Enfim – Cam soltou involuntariamente ao entrar com Annie.
- Em casa! – Annie rodopiou no meio da sala e quase caiu no chão – Opa! – riu.
- Acho melhor ir tomar um banho Annie, depois ir dormir.
- Já estou em casa papai, vai embora! Tchau! – Tirou o casaco e jogou no sofá.
- Não, prometi a Mandy que deixaria você em segurança em casa.
- Você já disse isso.
- Então pronto, só saio depois que tiver certeza que está segura.
- Ah! Assume logo Cam!
- Assumir o que?
- Você não quer ir. Você gosta de mim. Ok, ok. Também gosto de você – sacudiu as mãos como se o que acabou de dizer não tivesse importância.
- Acho melhor...
- Já entendi! – gritou o interrompendo – Não vai então – começou a dançar pela sala e cantarolar a mesma canção até se aproximar dele – vou adorar sua companhia.
Annie o beijou, simples assim. Esse era um desejo que estava dentro de si desde cedo, quando estavam no parque, mas enquanto estava consciente do que fazia jamais admitiria nem diria nada o que acabou de dizer ou fazer. Ela não queria parar, nem Cam. Se esse desejo se acumulava desde Annie durante o parque, em Cam era desde a loja de animais onde decidiu, a primeira vista, conhecer a garota com a câmera na mão e um sorriso singelo no rosto, que olhava aqueles animais como se fossem pedras preciosas. Uma amante de animais assim como ele. Quando viu sua foto na sala de Mandy, nunca se sentiu com tanta sorte, eram ótimas fotos tiradas por ela mesma, seria uma oportunidade única! Lançaria ao mercado uma excelente fotografa e ainda conheceria a garota que o encantara mesmo irada por causa do suco. Só nunca imaginou o quanto marrenta ela poderia ser.
Apesar do beijo que queria dar em Annie, Cam começou a se sentir culpado. Ela estava bêbada e não lembraria de nada devido ao porre. Mas Annie não ia o deixar escapar, como controlar um desejo tão grande assim? E isso servia para os dois.
Annie arrancou o paletó de Cam, o cachecol já não estava em seu pescoço então era um trabalho a menos. Ele tirou o gorro de lã da cabeça dela, era o mais fácil por enquanto. Ela subiu as mãos pelo tronco dele, acariciou o abdômen e riu entre o beijo ao sentir os músculos se contraírem. Subiu aos poucos e separaram seus lábios para que a camiseta dele pudesse deixar seu corpo. Após isso, as pernas de Annie se envolveram na cintura de Cam, e a sustentando, levou até o sofá onde caíram já sem razão. Os sapatos ficaram pelo caminho, Cam teve um pouco de dificuldade, mas logo tirou a meia calça de Annie. Lhe restava o vestido e a ele a calça, seus corpos estavam extremamente quentes e começavam a soar. Cam arrancou-lhe o vestido sem nem pestanejar, em troca, Annie abriu o botão e tirou sua calça com habilidade.
Logo as roupas íntimas também foram jogadas para algum canto, o corpo dos dois se encaixavam como perfeitas peças de quebra-cabeça, soltavam sons altos, mas não se preocupavam. Ninguém podia ouvi-los, ninguém podia interrompe-los. O cheiro do perfume dos dois, mesclados como se fossem um só, se espalhava por todo o apartamento sem pressa. Arranhões, gemidos, suor... sexo.
E então luz e uma ótima dor de cabeça. Annie abriu os olhos e mal precisou se mexer para sentir o mundo girar. Era mais um dia – não dos muitos – de ressaca. Estava em seu quarto, isso era bom, reconheceu os enfeites perto da porta, porém estava nua e reconheceu o cara que estava ao seu lado.
- Ah não! – se levantou devagar, pôs a mão no rosto, mas sorria.
- Hum... – Cam gemeu, abriu os olhos devagar e viu Annie – Oi – disse com a voz rouca.
- Bom dia para você também. Ai... – resmungou.
- Deve estar com uma dor de cabeça feia.
- E tenho certeza que aumentou a te ver do meu lado.
- Você não se lembra né?
- Só algumas poucas coisas.
- Imaginei.
De repente, Annie desatou a rir.
- Eu só faço besteira nessa vida! – sentou na beira da cama, de costas para ele.
- Do que está falando?
- Eu transei com você.
- Foi tão ruim assim? – Cam riu.
- Não é essa a besteira. Eu te odiava até pouco tempo se não lembra.
- Lembro, por isso me assustei quando disse que gostava de mim.
- Eu disse o que? – virou a cabeça de pressa e isso fez com que doesse. Pôs a mão no rosto e massageou as têmporas – Ai – resmungou. – Se veste Cam, acho que essa é uma conversa para um café e um remédio para a ressaca.
- Como preferir.
Annie se levantou e puxou um lençol com sigo, abriu o guarda-roupa ao lado da cama e tirou uma camiseta grande e cinza que estava largada por lá e vestiu, deixando o lençol cair. Depois uma calcinha e virou-se para Cam.
- Te vejo lá fora, não demora.
Saiu do quarto e encarou a situação de sua sala, tudo certo fora aquelas roupas espalhadas pelo chão.
- Cam! – falou alto, não chegando a gritar – Sua cueca está atrás do meu sofá.
- Obrigado por avisar – ele respondeu de volta.
Continuou a olhar. Sentiu Cam se aproximar por trás, como sempre fazia, e fez uma cara de lamento ao ver cacos no chão.
- Droga! Eu gostava daquele abajur! – olhou para ele – Me deve um novo – ele pôs as mãos no peio como se perguntasse: “Eu?”. – Tanto faz! – foi até a cozinha.
- Antes de eu te contar o que aconteceu, posso ir ao banheiro?
- Vai. É a última porta ali – Annie apontou.
Pôs a cafeteira para preparar o café, enquanto isso procurava algum remédio para a cabeça que ainda não parava de latejar. Quando achou, encheu um copo de água e jogou o remédio lá dentro, esperando dissolver até estar pronto para tomar.
- Você tem um bonito escritório!
- Tem que ser bem confortável, passo a maior parte dos dias aí – virou o copo com a água branca e ao abaixar o copo, notou o que Cam acabara de dizer, ele estava no seu escritório.
- Cam! Sai do meu escritório! – quando chegou a porta, já era tarde demais.
- Essas são anotações da premier do novo filme com a Anne Hathaway e essas, são sobre o último desfile de inverno de Milão.
- Para um homem entende das coisas.
- Para um produtor de eventos, conheço os eventos – Cam olhou para Annie, perplexo. – Você é a Elle, a autora do “Elle Me Dit”.


Parte 6

- Eu sabia que daria nisso! Por que diabos não consigo me aproximar de ninguém que descubra? - Não vou contar a ninguém! Confie em mim! - Não é questão de confiança Cam! Se é “anônimo” é porque eu não gostaria que ninguém descobrisse! Logo você ainda! - O que tem eu? Por que “logo eu”? - Mandy soube, logo no começo, ela sempre soube! E está comigo, é minha melhor amiga, sei que não vai contar. - Eu também não vou! - Mas ela está aqui, perto. - E isso quer dizer que... - Não posso me relacionar com quem trabalho, já está dando tudo errado. - Isso quer dizer que... - Desculpa Cam. - Ok. Ele mantinha o maxilar firme, estava aborrecido, pegou o paletó jogado perto da mesa e andou em direção a porta. - Vai ser bom trabalhar com você Annie.
Arrependimento era a palavra do dia. Annie odiava Cam, Annie amava Cam, Annie quis o que aconteceu noite passada com Cam, Annie dispensou Cam. Ela estava se odiando por isso e arrependida, sempre tinha problemas com relacionamentos só não esperava que fosse tão rápido assim dessa vez, pior! Teria que ver Cam sempre, porque iriam trabalhar juntos e isso estava mais do que claro.
Annie poderia passar o resto da vida ali no sofá, abraçada com os joelhos e encarando a televisão desligada, se lamentando internamente por tudo o que aconteceu, mas tinha uma melhor amiga que jamais deixaria isso.
Mandy entrou feito relâmpago no apartamento – como sempre – e parou olhando para a amiga com a cara mais zangada que tinha. Annie limitou-se a erguer os olhos, viu que a amiga não estava nem um pouco feliz e voltou os olhos para a TV.
- Despeja.
- Aqui – ela estendeu dois papeis grampeados para Annie.
- O que é isso? – sacudiu o papel para que Annie pegasse, e assim fez.
- O currículo e um questionário – Annie olhou – o do Cam sendo mais exata.
Ali tinha todas as informações que Annie já sabia e outras que eram novidades. Cam Petyr Mormont, 27 anos, natural de Boston, EUA. Fora as informações principais sobre ele, tinha uma extensa lista de experiência – Annie descobriu que ele foi o responsável pelo o primeiro evento da “Passerelle” dois meses depois que saiu – e outras informações bem úteis para quem quer contratar. Tinha também algumas informações extras, tais como: pais divorciados, uma irmã mais nova por parte de pai, alérgico a abelhas, gosta de cães e tem medo de altura.
Annie quis rir da última, mas seu humor não estava muito para isso.
- Ele tem um ótimo currículo, tão novo e é bem entendido das coisas, o questionário dele está perfeito, mas para que eu quero isso Mandy?
- Para ver se, enfim, decide aceitar a proposta que ele te fez!
- Mas eu já aceitei – Annie estendeu o papel de volta.
- Sério? – Mandy perguntou pasma.
- Sim.
- Que ótimo! Vou ligar para ele!
- Não precisa, ele já sabe.
- Sabe? Quando se viram?
- Ele estava aqui.
- Veio mais cedo? Mas oras...
- Não Mandy – Annie a interrompeu –, ele não saiu daqui desde a festa.
- Oh Meu Deus! – Mandy se aproximou mais, evidentemente empolgada, e se sentou no sofá ao lado de Annie que sequer a olhava – O que vocês fizeram?
- Isso mesmo que está pensando.
- Oh Meu Deus! Oh Meu Deus! Eu sabia! Vocês são tão perfeitos, um para o outro! Logo se dariam bem.
- É, bem demais – Annie suspirou – Por isso quero que comande todas as preparações para a minha exposição, você é minha melhor amiga, me conhece bem e é ótima para isso, sem contar ambos já se entendem, a festa da “Bein- Être” ficou ótima.
- Não acredito que vai fazer isso de novo!
- Não deu certo uma vez Mandy, por que daria agora?
- Por que aquele cara de três anos atrás era um canalha! E o Cam não!
- E o que garante? Você conhece ele há quanto tempo? Um mês?
- Eu sei que ele não é!
- Ah claro – Annie revirou os olhos – Ah! Esqueci de comentar que seu querido protegido descobriu que eu sou a Elle.
- Isso explica tudo! Ah claro! – Mandy praticamente gritava – Você está com medo, ótimo, aí fica enfiada nesse apartamento correndo de todos os caras que se mostram interessados em você!
- Pode até ser verdade Mandy, mas não me importo. Ou você assume a direção do evento, ou simplesmente não tem exposição de fotos nenhuma! – Mandy se assustou com o tom de fúria da amiga, algo ali era mais sério do que ela imaginava. Aquilo era importante e as duas sabiam disso. – Então, o que me diz Mandy?


Parte 7

Um mês, esse foi a margem de tempo até fazerem todos os preparativos e enfim lançar Annie Madden como uma fotografa. E logo a “dona” do evento, ficou fora de absolutamente tudo.
Annie não sabia o que teria, como suas fotos seriam expostas, a trilha sonora e sequer o nome da exposição, o máximo que fazia era tirar fotos e entregar tudo nas mãos de Mandy, apenas.
Mas chegou o grande dia, a vez de ver o que sua melhor amiga e o casa mais rápido que já tivera na vida, arrumaram juntos. O inverno no final do mês estava mais rigoroso, Annie odiaria sair de casa naquelas condições, mas era preciso, não tem como fazer um aniversário sem um aniversariante. Ela precisava ir.
Comprou roupa nova para ocasião: uma blusa cinza prateada com um discreto decote em V, uma calça cinza escuro fosco e um Sobretudo preto. Annie adorava sobretudos e jaquetas de couro. Nas mãos usava luvas também cinzas, porem em um tom mais claro do que o resto do look. Nos pés, botas pretas um pouco a baixo da metade da canela, de salto discreto e com ondulações como se as tivessem amassado.
Saiu do apartamento e deu ao motorista do taxi o endereço que Mandy a tinha passado. Ao chegar, Annie duvidou que seria lá. Esperava algo grandioso e discreto, mas na verdade era completamente o contrário.
A exposição era em um grande galpão, com artes de rua envolta, fechado e bem e pela pequena porta podia notar iluminações coloridas. Lembrando que quem organizou tudo foi Mandy Illyrio, havia fotógrafos na entrada, um grande tapete verde musgo, da calçada até a beira na porta, onde tinha dois seguranças e uma lista de convidados.
Annie entrou, antes disso parou para umas poses tímidas aos fotógrafos. O clima era de balada, mas tinha claridade o suficiente para verem quadros e mais quadros de fotos espalhados por todo o galpão, mas tinha algo que realmente surpreendeu, uma grande parede toda de fotos ao fundo que, diferente do resto, eram fotos de si mesma, e não apenas tiradas por si. Fotos sorrindo, a toa, no parque da Torre Eiffel durante o verão, fotos felizes, sem medo, fotos que a lembravam que estava viva. Bem a cima, no topo, estava escrito “De Banlieue”, algo como “Suburbana” em Francês, o que a fez sorrir, isso realmente parecia com ela, nada escandaloso e literalmente vivo e suburbano.
- Pelo seu sorriso, você gostou. A ideia lá do fundo foi minha – Annie pulou de susto.
- Você não perde a mania de chegar sorrateiro por trás Cam? Não gostaria de ter um infarto logo na minha exposição.
- Tal exposição que nem quis saber, corria de mim?
- Pode ser.
- Você tomou uma decisão Annie, eu sei ser profissional.
- Preferi não arriscar.
O sorriso de Cam se apagou, ele ficou nervoso e incomodado com isso, mas respirou fundo, não podia deixar esse clima tenso, era festa.
- Ok, ok – passou a mão na nuca nervoso, depois a olhou – Vem, tenho que te levar até Mandy, ela vai te apresentar para o salão, e depois...
- A gente fica bem longe um do outro certo?
- Como preferir.
Cam levou até um quase palco a esquerda do galpão, era onde o DJ ficava. Enquanto isso ia comentando e mostrando os detalhes e o que, porque e como pensaram em fazer tal detalhe da decoração.
- Espera, isso é The Script? – Cam assentiu – Não acredito que Mandy te contou até isso!
- Isso o que?
- The Script é minha banda favorita!
- Na verdade, ela não falou, coloquei porque é a minha banda favorita.
- Sério?
- Ok, duas coisas em comum.
- Você está ainda está contando isso? – Cam deu de ombros.
- Enfim, acho que Mandy deve estar se descontrolando com a sua demora. - Também acho. Cara, eu amo essa banda! It's so much sad wanna flood the ocean we all in tears for the world it's broken. Together we cry... – Cam riu.
- Melhor continuar como fotografa, porque você é uma péssima cantora! – Annie relaxou e riu também.
- Vou considerar um elogio.
Acharam Mandy, que fez Annie subir na área do DJ e, depois de um grande sermão pela demora, a apresentou para todo o galpão dando inicio, oficialmente, a exposição “De Banlieue”.
Annie rodou a festa toda por horas, as pessoas a cumprimentaram e elogiaram, até que conseguiu fugir. No final do galpão ao lado direito havia uma sequencia de conchas amarradas formando uma cortina. Ela gostava de conchas, a lembrava de praia e por isso teve vontade de gargalhar alto ao lembrar o quanto seus pais odiavam praia. A paixão do Sr. e Sra. Madden era o inverno, não trocavam por nada aquele frio com neve.
Atravessou a cortina de conchas e subiu a escada que havia atrás, ficando na passarela da direita do galpão o resto da festa, até que restassem apenas Cam, Mandy, ela e os funcionários da exposição.
- Estou morta! Não vejo a hora de encontrar a minha linda cama! Mas antes... – Mandy correu de volta para a parte de serviços.
- Parabéns.
- Pelo que?
- Pela exposição, foi um sucesso.
- Eu que deveria te dar parabéns Cam, estava tudo tão perfeito – Cam deixou escapar um sorriso gentil.
- Obrigado – coçou a testa, o lado oposto da cicatriz, tentando decidir se perguntava ou não o que tanto o incomodava, até descobrir que se pensasse demais, jamais perguntaria. – E agora Annie?
- E agora o que? – Cam a olhou como se fosse obvio.
- Não estamos trabalhando juntos, mais...
- Não posso Cam, desculpa, mas não posso.
- Então definitivamente vai ser assim? – endureceu o maxilar para não explodir em irritação.
- Separados?
- É, você continua com a sua vida e eu com a minha, ambos fingindo que não gosta um do outro, porque você simplesmente imagina que não vai dar certo.
- Não é que imagino é mais...
- Mais o que?
- Eu sei que não vai.
- Como sabe? Sequer quer tentar.
- Você não entende.
- Realmente não.
Annie respirou fundo, cansada, era a primeira vez que evitava um cara, normalmente sempre caia nas conversas e se dava mal, sofria, sempre saia magoada. Ela tentou se dispersar, perder o medo e tomar sua vida de volta aos poucos, não se afogar no trabalho, largar um pouco de casa, se divertir, encarar o mundo de vez e esperava que essa parte de “relacionamento” ficasse para o final, mas Cam se mostrou mais interessado do que devia e ela simplesmente não conseguia explicar a ele que não queria isso, não agora.
- Desculpa – lamentou.
Annie saiu tentando evitar mais Cam, e foi atrás de Mandy para irem embora. Cam chutou a parede frustrado, resmungou alguns palavrões para tentar se acalmar. Era o fim, pelo menos era isso que Annie dissera, começou do nada e simplesmente iria terminar do nada, parecia justo.
Parecia.


Parte 8

A campainha tocou, Annie levantou os olhos do computador e esperou para tentar escutar de novo e escutou, tinha realmente alguém na porta. Descruzou as pernas da cadeira e pôs os pés no chão, se levantando com preguiça enquanto ouvia a capainha pela terceira vez.
- Já vou! – respondeu alto.
O apartamento estava iluminado, o que era um tanto incomum, mas depois do incidente com o abajur, não podia mais ficar com as cortinas fechadas e, três semanas depois da exposição, ainda não teve tempo de ir comprar outro. O trabalho aumentou bem mais.
Annie abriu a porta bocejando, não dormiu a noite toda trabalhando, quando olhou para baixo, seus olhos se arregalaram de imediato ao encarar Iris azuis há tempo não vistas.
- Cam?
- Oi, vim trazer um presente – ele levantou o braço e Annie ficou completamente sem palavras – É aqueles da loja, Jaime me disse que você adoraria um, mas que não tinha como cuidar. Eles estavam no tempo de serem adotados.
Um filhote de labrador que mais parecia ter saído da capa do “Marley & Eu” estava em seus braços olhando os dois com curiosidade, Annie o reconheceu da loja. Sempre que ia tinha vontade de trazer um para casa, mas com o trabalho, como poderia cuidar?
- Se sabe que não tenho como cuidar, por que trouxe?
- Estou disposto a ajudar – ela não sabia o que responder, já tinham se passado quase um mês e se afogou totalmente no trabalho a fim de pensar em mais nada, e não pensou. – Já se passou quase um mês Ann, vai me dizer que conseguiu me esquecer?
“Não”, era essa a resposta que Annie queria dar, sempre alguma maldita coisa lembrava ele, o trabalho na verdade só a ajudava fugir e a não ficar no sofá se afogando em lágrimas, chocolates e sorvete. Ela achava isso idiota, sempre criticava essas mulheres uma fracas e tolas, então, nunca deixava nada abalar a esse ponto, e caso acontecesse – como essa história tão rápida com Cam – não se entregaria tão fácil.
- Vou entender o silêncio como um “não”. Aceita Annie, você sempre quis um – ele estendeu o animal e ela pegou relutante.
Quando o cachorro foi para seus braços, latiu e abanou o rabo animado.
- Ele gostou de você.
E mais uma vez Annie desistiu e se entregou aos seus desejos, era verdade, ela queria, não importa quanto trabalho teria, ela sempre arranjaria tempo e faria de tudo para arranjar. Desde que chegou a Paris, era um objetivo, sempre que sossegasse do trabalho arranjaria um cão, mas quando? Seis anos completamente entregues a fotografia e ao blog.
- É macho – ela torceu a boca enquanto olhava o rosto do cão. – Vai se chamar Perseu – o cachorro latiu de novo. – Você gostou desse nome? – pôs a língua para fora, tentando lamber o rosto da nova dona, mas Annie o afastou e o aconchegou melhor nos braços. – Vai se chamar assim então, Perseu – afagou-lhe a orelha e o cachorro se acomodou nos braços. – Obrigado Cam.
- De nada. Aceitou o cachorro, vai aceitar a me ajuda também? – ela deixou a cabeça de lado, o olhando “fala sério”, mas não respondeu, apenas riu. – Enfim, o cachorro não deve ser o único motivo por qual eu vim.
- Ainda bem, podia disfarçar melhor que queria me ver de novo, um cachorro é muito obvio – Cam gargalhou.
- Em partes isso é verdade, mas o principal motivo é outro.
- Então diz.
- Vai me convidar para entrar não?
- Não.
- Ok, então digo da porta mesmo – Annie riu.
- Diz logo Cam.
- Minha irmã me mandou aqui.
- Sua irmã? O que sua irmã quer comigo? Nem nos conhecemos.
- Ela ficou feliz ao saber que conheço e que gosto da dona do “Elle Me Dit”.
- Você contou? – perguntou irritada – Oras Cam! Por que raios fez isso?
- Minha irmã é louca por aquele blog, escapou.
- “Escapou” – Annie começou a se encher de raiva e a se sentir furiosa, era segredo e ele contou, ainda era um segredo!
- Antes que me mate, quero que saiba que ela quer te ajudar. Acha que o “Elle Me Dit” pode melhorar ainda mais e render mais do que já rende.
- Me deixa adivinhar, e com a ajuda dela eu consigo tudo isso? – disse quase entre dentes em um tom de ironia.
- Sim, mas não a entenda mal, ela com uma estilista famosa em todos os cantos da Europa, achou que poderia ser bem útil a um blog de moda famoso em toda Paris.
- Quem é sua irmã? – disse indiferente.
- Alice Bolton – Annie riu, como se acabasse de ouvir a pior piada do século.
- Ok Cam, como quer que eu acredite que Alice Bolton é sua irmã? Ela é simplesmente a estilista mais nova a dominar toda a Europa, linda e... – ela o encarou – e... tem seus olhos azuis.
- Meus pais são separados, minha mãe se casou de novo e teve a Alice. Quer a certidão de nascimento? Trago se precisar, vai ver o nome da minha mãe lá.
Annie quase caiu para trás, Alice era simplesmente a pessoa relacionada ao mundo da moda que ela mais admirava, tinha apenas 24 anos, mas já teve o próprio desfile em Milão, defendia todos os tipos de corpos e estilo, não fazia ninguém para passar fome para caber em um vestido, defendia todos os corpos e era contra essa magreza absurda das modelos apesar de ser esbelta.
- Ok, entra – deu espaço na porta para que Cam passasse.


Epílogo...

- Espera cachorro!
- Cam! O nome dele é Perseu.
- Ca-chor-ro! – repetiu de vagar, sabendo quando irritava Annie.
- Olha como funciona mais – Annie agachou. – Perseu! Vem cá – Perseu deixou Cam em paz e foi até Annie, não era culpa dele se o saco de ração na mão de Cam fosse tão tentador.
Annie o olhou meio “ta vendo?”, provando que se chamar o animal pelo nome, funcionaria melhor do que “cachorro”.
- Ta bom, chamarei ele de Perseu a partir de agora – disse colocando a ração no pote de comida.
- Duvido muito. Né Perseu? Ele nunca te chama assim! – Annie brincava com ele, afagava seu pelo acariciando enquanto ele ficava de manha e charme querendo mais e mais. – Cadê sua irmã? Ela está atrasada.
- Mas o cachorro não tem irmã.
- Viu Perseu? Ele não vai te chamar pelo nome – Perseu latiu e balançou o rabo. – E estou falando com você Cam.
- Ah! – ele pôs a ração de volta ao armário de baixo da pia.
- Lerdo – Annie levantou deixando Perseu ir comer e riu.
- Você vai ver o lerdo daqui a pouco – se aproximou de vagar, Annie mordeu o lábio inferior sabendo o que estava por vir.
- Sua irmã está para chegar – Cam a segurou pela cintura.
- Ela não vai se importar – e a beijou, jamais que Annie iria recusar.
Morar com o namorado era algo que Annie nunca imaginaria dar certo, mas Cam estava lá há meses e nunca deu trabalho, pelo contrário. Isso fez com que se sentisse culpada, estava disposta a deixar ele de lado de qualquer maneira e agora davam tão certo.
Era a última semana de primavera e a vida de Annie começava a se organizar. Annie declarou seu nome, não era mais uma “autora anônima” e foi bem recebida, Alice realmente virou sócia do blog, ajudava na montagem dos looks e tudo mais que uma estilista poderia fazer, Mandy largou o emprego na revista e se juntou as duas. Uma fotografa, uma colunista e uma estilista, um blog de moda não poderia estar melhor.
Annie voltou a tirar fotos de moda, jamais imaginou fazer isso de novo, mas também começou a ganhar como as fotos por fora, seu nome era o dobro mais renomado. Fotografa profissional e muito bem conhecida pelo mercado, era contratada para as melhores festas de vestidos de moda até a qualquer outra da alta sociedade, além disso, também fazia trabalhos mais simples e não deixava de tirar fotos para si. Ainda não tinha deixado seu lado suburbano e não pretendia deixar.
Agora, voltando para o momento, a sala estava prestes a pegar fogo.
- Cam! Cam! Calma – Annie tentou se afastar, mas Cam não parou, desceu os beijos para o pescoço – Ai meu Deus! – sorriu com os lábios ainda colados no pescoço dela.
Annie pegou o celular no bolso e tentou discar o número de Mandy, por sorte ainda era fácil, continuava na lista dos mais chamados.
- Desculpa o atraso Annie! Alice e eu já estamos indo!
- Não... ah... podem demorar.
- Por quê?
- Prefiro... prefiro não res...responder.
- Você é o Cam vão...
– Mandy disse alto, mas Alice tomou o celular das mãos da recente amiga.
- Até bem depois Ann!
Desligou.
- Toda minha agora? – Cam perguntou com um sorriso maroto.
- Só sua.
FIM





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