Garoto Encontra Garota
por Bia Barros


Challenge: #009
Nota: 9,5
Colocação:




Tênis esportivos, calça jeans surrada, suéter azul marinho da Lacoste, cabelo parcialmente coberto por um gorro de lã, olhos claros... Ok, sobre os olhos eu não tinha certeza porque fui obrigada a desviar o olhar antes que o cara bonitinho que eu analisava notasse minha total e completa falta de discrição. Mas eu simplesmente não conseguia evitar. Antes que me desse conta, já estava descrevendo mentalmente pessoas, lugares e qualquer coisa que fosse possível.

Foi nesse preciso instante em que eu refletia sobre minhas habilidades descritivas, que Holly, minha yorkie de dois quilos e meio, que até então parecia bastante ocupada cheirando um canteiro de margaridas com flocos de neve, começou a repuxar sua coleira, querendo me arrastar justamente na direção do cara do suéter Lacoste e seu cãozinho beagle que estavam três bancos à esquerda de nós duas, segundo a minha visão periférica. Pode parecer brincadeira, mas essa pequena criatura de pouco mais de dois quilos, tinha uma força impressionante! Ela conseguiu me arrastar por alguns passos antes que eu revertesse a situação e a obrigasse a ir na direção oposta. Mas então, tive um daqueles estranhos momentos em que várias coisas acontecem ao mesmo tempo em slow motion: Primeiro, eu vi uma mulher que não deveria ter um dia a menos que quarenta anos, segurando meu atual sonho de consumo. A bolsa Birkin, desejo de dez entre dez mulheres meramente letradas no mundo fashion, que eu desejava secretamente há mais de seis meses, desde que havia colocado meu nome na lista de espera gigantesca da Hermès. Não tenho orgulho de admitir isso, mas fiquei tão hipnotizada por aquele pequeno acessório de couro macio, que custava nada menos que alguns milhares de euros, que acabei afrouxando a coleira da Holly. E depois, o pior aconteceu.

Não foi exatamente uma grande catástrofe, mas durante os poucos segundos em que notei a coleira se soltar e virei rapidamente de costas tentando ver para onde Holly teria corrido, senti um daqueles calafrios de pânico eminente. Durou pouco tempo, até que eu a visse pulando em cima do cara com o beagle. E aí o pânico deu lugar ao constrangimento.

- Aí meu Deus! Isso nunca aconteceu antes, me desculpe. - Falei, enquanto notava que os olhos dele eram realmente azuis. Yes! - Holly, vem comigo. Você já aprontou o suficiente por hoje.
- Está tudo bem. - Ele sorriu, acariciando-lhe o focinho - Você disse que o nome dela é Holly?
- É. - Dei de ombros, já acostumada com a reação das pessoas ao saberem que eu tinha dado um nome de verdade para um cachorro - Em homenagem ao meu filme favorito, Breakfast at Tiffany's. E esse fofinho aqui, qual o nome dele? - Perguntei, apontando para o pequeno beagle que estava com a cabeça apoiada no colo do dono despreocupadamente.
- Darth Vader. - Respondeu, em seguida rindo, provavelmente da minha cara de "hein?" - Foi uma piada. O nome dele é Billy.

Ótimo, ele estava debochando de mim.

- Hum, eu estou atrasada. Desculpe mais uma vez e prazer em conhecê-lo, Darth Vader. - Murmurei com sarcasmo para o cachorro, enquanto pegava Holly no colo e tratava de me afastar o mais rápido possível daquele cara.

Atravessei o parque em tempo recorde, constatando que aquele pequeno passeio de fim de tarde havia sido um pouco mais demorado do que deveria. Felizmente, meu prédio ficava apenas a dois quarteirões de distância, então em menos de dez minutos eu já estava entrando pelo saguão principal. E a primeira coisa que fiz ao chegar em casa, foi notar que havia um novo recado na secretária eletrônica. Antes mesmo de checar, eu já tinha certeza de que seria... Ivy, minha irmã mais nova.

Olá, é a , agora estou muito ocupada... deixe o recado. Beijos.

- Onde você 'tá? Eu estou de-ses-pe-ra-da! O florista acabou de me ligar dizendo que é impossivel conseguir tulipas nessa época do ano, e você, melhor do que qualquer pessoa, sabe que eu não posso casar sem um buquê de tulipas! Me ligue antes que eu tenha um colap... CLIC.

Pensei em ligar de volta para ela, mas uma olhada rápida ao relógio me convenceu de que eu já estava um pouco atrasada. E afinal de contas, Ivy sobreviveria sem a minha opinião sobre um buquê de noiva... Ou pelo menos, eu esperava que sim. Mas tentei me redimir de qualquer culpa, me lembrando de que hoje era uma noite especial. Em algumas horas, aconteceria o Baile de Gala Anual, o evento mais badalado em Paris da estação. Com presença confirmada de astros da música, estrelas do cinema mundial e das modelos mais famosas do momento. E sim, eu tinha recebido um convite, mesmo não me enquadrando em nenhuma dessas categorias citadas.

Sou uma jornalista formada pela Universidade de Boston, nascida e criada nos Estados Unidos, que de alguma forma acabou sendo contratada pela Vogue. Ok, as coisas não aconteceram tão de repente. A paixão pelo mundo da moda sempre esteve comigo, assim como essa mania quase irritante de descrever tudo e todos. E foi dessa forma que acabei sendo promovida de assistente à colunista da Vogue francesa. Há alguns anos eu possuo meu próprio blog sobre críticas de moda, e uma coluna famosa e reconhecida na revista. Tudo isso com o pseudônimo de Julie Steele, para manter a integridade das críticas, evitando que grifes tentassem comprar opiniões positivas. E com a exceção de Pierre, o nosso editor criativo e Claire, a editora-chefe, ninguém sabia a verdadeira identidade de Julie Steele.

Deixei a banheira enchendo após derramar vários sais de banho, e fui até o meu quarto, estendendo - e apreciando - meu vestido Marchesa sobre a cama. Ele era simplesmente fabuloso! E em exatos oitenta minutos, quando recebi uma mensagem de Pierre dizendo que o carro havia chegado, eu já estava vestida e maquiada sobre os meus saltos Christian Louboutin. Antes de sair, me despedi de Holly e dei uma última olhada no espelho e definitivamente, eu não estava nada mal, nada mal mesmo.

- Você está maravilhosa! - Pierre chiou, no instante em o motorista abriu a porta traseira para que eu entrasse - A quem você está tentando impressionar?

Pierre era o típico amigo gay, super entendido de moda e que adorava me dar conselhos amorosos.

- Gostou? - Sorri, me acomodando no banco luxuoso do carro, enquanto recomeçávamos o caminho para a Grande Festa - Será que tenho alguma chance perto das modelos mega famosas que estarão lá?
- Ninguém repara muito nelas, são magras demais! - Desdenhou. Mas nós dois sabíamos que isso não era completamente verdade - Você será a garota mais disputada do leilão beneficente.

Bom, todos sabem que qualquer grande evento sempre está relacionado a caridade. E nada estava mais em alta do que leiloar uma dança com as garotas interessantes do lugar. Eu não teria aceitado, mas Claire insistiu que seria excelente para a imagem da revista e o principal, eu simplesmente não podia recusar a ideia de ajudar instituições de caridade que necessitassem de ajuda. Afinal, era apenas uma dança.

Mas eu já estava rezando mentalmente para que não fosse "comprada" por um cara muito esquisito. Se isso acontecesse, eu morreria de arrependimento mais tarde.

- Até parece, você realmente sabe como levantar a auto-estima de alguém, hein? - Sorri, desviando minha atenção para a janela no exato momento em que passávamos perto da Torre Eiffel. Não importava que eu a visse praticamente todos os dias, sempre me sentia como se fosse a primeira vez.
- Eu já estava esquecendo, a Claire pediu para que você desse uma ênfase especial na coluna para a Katie Holmes. Como é o primeiro grande evento que ela participará depois do divórcio, todos estão em êxtase querendo saber sobre como ela vai estar.
- Tudo bem. - Concordei, mal contendo a animação - Pelo estilo dela, aposto em um modelo simples e elegante. Versace, provavelmente.
- Não seja ingênua! Ela com certeza vai usar algo que chame bastante atenção, um vestido que grite: "Hey Tom Cruise, estou solteira e pronta para o combate"

Balancei a cabeça negativamente, sem conter o riso. Então nós continuamos a especular sobre como as pessoas se vestiriam, com destaque especial para a princesa Beatrice da Inglaterra, conhecida por usar aqueles chapéus coloridos e extravagantes. E fiquei tão distraída rindo dos comentários ácidos e provocantes de Pierre, que mal notei os minutos se passarem e quando vi, já estávamos parados em frente a mansão da família Clement, onde o baile desse ano seria realizado.

Na entrada haviam vários fotógrafos, disparando flashes para todos os lados. Por isso, foi um alívio quando finalmente consegui driblar um paparazzi que insistia em me confundir com uma atriz australiana, e entrei no imenso salão de festa. O ambiente era dividido em dois espaços completamente diferentes. Em um deles, dedicado aos membros da alta-sociedade, uma banda tocava músicas clássicas e dançantes, enquanto alguns casais de meia-idade se arriscavam a dar alguns passos de valsa pela pista de dança. Já no outro espaço, o que realmente importava, tinha um imenso bar onde além de garçons bonitinhos preparando drinks, qualquer pessoa também poderia se aventurar a fazer sua própria bebida.

Pierre logo se afastou, murmurando que precisava dar "olá" para um amigo, e eu aproveitei para fazer o meu trabalho. Passei um bom tempo circulando pela festa, analisando os diversos vestidos Prada, Dior e Chanel. Às vezes anotava alguns detalhes no blackberry, entre uma taça de champagne e uns petiscos deliciosos. E eu estava justamente saboreando um bolinho de salmão ao molho gorgonzola quando notei uma grande saia justa ocorrer bem a minha frente. Rachel McAdams, uma das atrizes mais legais de Hollywood estava conversando animadamente com um grupo de empresários franceses no instante em que Ryan Gosling, seu ex-namorado dos tempos de gravação de The Notebook (que está no meu top 10 de filmes fofos) entrou no salão acompanhado por uma modelo canadense. Observei o exato momento em que eles trocaram olhares e em seguida desviaram, como se nem se conhecessem. E por mais idiota que isso possa parecer, fiquei decepcionada.

É simplesmente terrível constatar que duas pessoas que já estiveram tão apaixonadas, ou pelo menos era o que parecia naquela vez que eles ganharam o prêmio de melhor beijo no MTV Movie Awards, se tratarem como meros estranhos agora. Ivy sempre me dizia que eu era sonhadora demais, e talvez ela estivesse mais certa do que eu gostaria de admitir. Sendo completamente sincera, qual havia sido a última vez em que um cara tinha sido romântico e cavalheiro comigo? Eu não me lembrava. De forma meio inconsciente, fui me afastando aos poucos do salão até chegar a grande sacada com uma bela vista do jardim dos fundos da mansão. O ar frio do inverno era quase acolhedor se comparado a música eletrônica detestável que tocava lá dentro. E eu estava mesmo com vontade de observar o céu.

A lua estava cheia, cercada por estrelas brilhantes. Fiquei tentando recordar qual o nome da estrela mais brilhante de todas, mas não consegui de jeito algum. Notei que alguém havia se aproximado e parado a alguns metros de onde eu estava, mas nem me dei ao trabalho de desviar o olhar do céu. Tenho essa tendência de ficar meio obcecada quando não me lembro de algo.

- Ela pode ser vista de qualquer lugar do planeta. - Disse o cara que havia parado ao meu lado, de repente - A estrela Sirius. - Completou enquanto a indicava com a cabeça.

Virei na direção dele, para ter certeza se estava realmente falando comigo. E minha análise nos dois segundos seguintes foi: Terno elegante feito sob medida, gravata borboleta, um corte de cabelo bagunçado de um jeito bonitinho e olhos azuis. Ei, eu conhecia esse cara...

- Você! - Ri, enquanto piscava os olhos. Sério que isso estava acontecendo? - O cara do cachorro Darth Vader.
- A garota da parque. - Sorriu, em reconhecimento - Como está a Holly?
- Ela está bem, não tentou pular em mais nenhum desconhecido depois de você. - Passei uma das mãos nervosamente pelo cabelo, meio surpresa por ele se lembrar do nome dela -
- Eu sou . . - Estendeu a mão, enquando eu franzia o cenho por um instante antes de retribuir o comprimento.
- , mas detesto que me chamem assim. Então pode ser só .
- E o que você... hum, está achando da festa? - Perguntou, meio sem jeito.
- Está divertida, eu acho. - Respondi, tentando conter uma risada. Mas não consegui, e acabei tendo uma crise de risos dessas nada elegantes.
- O que é tão engraçado? - Olhou ao redor, rindo um pouco.
- Desculpe, é que esse tipo de pergunta sobre a festa, é quase como "Será que vai chover hoje?" ou "Como o trânsito está horrivel!"
- É realmente constrangedor perguntar isso, mas é que eu faço parte da organização. - Disse, passando uma das mãos sobre a nuca - Então é meu trabalho garantir que todos estejam se divertindo.

Arregalei os olhos enquanto colocava uma das mãos sobre a boca. Aí meu Deus, eu deveria ganhar um certificado por ser tão idiota perto de caras bonitos.

- Ah sim, claro! Me desculpe de novo. - Murmurei, com um sorrisinho amarelo - Mas, então foi você que produziu tudo isso?
- Na verdade não, foi algo de última hora. - Ele falou, com um tom divertido na voz - Meu chefe me ligou hoje à tarde me pedindo para vir e garantir que tudo ocorresse da forma como foi planejada. A pessoa que estava encarregada do evento teve um imprevisto familiar, então eu estou apenas substituindo.
- E que tipo de eventos você prefere produzir? - Arquei as sobrancelhas, com autêntica curiosidade.
- Festivais de música, amostras de cinema e até mesmo convenções políticas. - Respondeu, com um meio sorriso - Na verdade nunca estive em um lugar como esse aqui, e não posso dizer que esteja sendo muito fácil. Há uns quarentas minutos o pessoal da cozinha me chamou porque um grupo de modelos asiáticas disseram que só queriam comida típica da Ásia. Aparentemente, a nossa culinária é calórica demais. - Ele balançou a cabeça negativamente, meio revoltado.
- Parece que você está se saindo bem. - Sorri, bebericando minha taça de champagne.
- Por enquanto. Não faço ideia do que ainda pode acontecer... - Falou, enquanto apoiava os cotovelos nos balaústres da sacada - Mas e você? Ainda não disse porque está aqui essa noite.
- Bom, é meio complicado. - Suspirei, pensativa. Ele havia me contado várias coisas sobre ele, e de alguma forma, eu não queria já começar contando mentiras sobre o meu trabalho - Eu sou...
- Ma chérie! - Fui interrompida por Pierre, cuja expressão variava entre alívio e curiosidade - Estava te procurando por todo o salão! O leilão beneficente já vai começar, nós precisamos ir. - Disse, colocando um dos braços sobre os meus ombros.
- Eu acho que não tenho escolha. - Revirei os olhos, voltando minha atenção para - Prometi que participaria disso, então... Nos vemos depois...

Pierre me arrastou novamente para o salão, não deixando que eu sequer ouvisse alguma resposta do . Eu não sabia o porquê, mas queria encontrá-lo de novo, mesmo sabendo que em uma festa de quatrocentos convidados isso não seria uma tarefa muito fácil.

- Não se esqueça de sorrir. - Pierre pediu, me levando para os bastidores de um palco improvisado - Tente parecer ao menos um pouco animada.
- Não acredito que aceitei ser leiloada. - Reclamei, mesmo sabendo que a culpa era inteiramente minha por nunca recusar quando me pediam esse tipo de favor - Falando sério, eu estou indo contra toda uma história de luta das feministas.
- É só uma dança! - Riu, me sacudindo levemente pelos ombros - Sendo otimista, quem sabe você não encontra um cara legal e que a mereça nesse leilão?

Até parece, pensei, enquanto uma senhora de uns cinquenta anos com a ajuda de uma assistente, distribuía pulseiras com números para mim e outras quinze garotas. Por sorte, fiquei com o número sete, então imaginei que teria algum tempo antes de ser chamada para o palco e comprada por alguém. Eu estava tentando me manter tranquila, afinal, o pior que poderia acontecer era ficar por alguns minutos sem que nenhum cara desse qualquer lance por mim, e então um silêncio constrangedor se instalaria em todo o ambiente... Aí meu Deus! Nunca quis tanto ir embora de um lugar como nesse momento. Nem quando torci o tornozelo em uma apresentação de balé aos oito anos de idade, e todos ficaram olhando para mim.

(...) - E agora, temos a sétima voluntária, Nichols.
- É a sua vez! - A assistente sussurrou me dando um leve empurrão em direção ao palco.

Sorrir e não tropeçar, sorrir e não tropeçar. Fui mentalizando esse mantra ao tempo em que me dirigia ao centro do palco, onde a mesma senhora que distribuiu os números agora apresentava as... Como ela havia chamado? Ah sim, voluntárias.

- é americana, formada em jornalismo pela Universidade de Boston. - A senhora começou a me descrever, lendo os itens em pequenas fichas. Me perguntei como ela poderia saber tanto ao meu respeito, mas logo concluí que havia sido Pierre, é claro - Atualmente trabalha na revista Vogue como assistente criativa. ama cachorros, viagens e sorvete de creme de avelã... - A senhora franziu o cenho, ajeitando os óculos sobre o nariz - Hã, e já assistiu P.s.: Eu te Amo mais de cem vezes e chorou em todas elas.

Pierre estava sentado na segunda fileira de cadeiras que haviam sido colocadas em frente ao palco. Ele estava sorrindo abertamente e fazendo um gesto de "boa sorte" com os polegares. Eu iria matá-lo assim que tivesse a chance. Definitivamente.

- Bom, o lance inicial é de quinhentos euros, cavalheiros.
- Quinhentos. - Um homem de quarenta e poucos anos sentado na mesma fila de Pierre levantou o braço.
- Ótimo, temos quinhentos então, mais alguém? - A senhora sorriu, olhando ao redor.
- Setecentos e cinquenta. - Uma voz vinda do fundo do salão fez o lance. Algumas pessoas se afastaram para abrir caminho e então eu pensei que estivesse tendo alucinações. Era o ... Mas, mas o que ele estava fazendo?
- Alguém oferece mais por uma dança com esta bela jovem americana? - A senhora voltou a dizer, parecendo autenticamente empolgada com aquela pseudo disputa.
- Mil euros. - O outro cara ofereceu, com um sorriso no rosto.
Eu estava apenas parcialmente consciente do que acontecia, porque não conseguia desviar o olhar de , que também me observava. Ao mesmo tempo em que mil perguntas se passavam pela minha cabeça. Por que ele está fazendo um lance por mim? Será que ele está interessado? O que eu diria durante a dança se ele ganhasse? Por que eu estava tão nervosa?

- Vejo que temos dois cavalheiros interessados. Alguém disposto a fazer um lance superior à mil euros? - Perguntou, olhando ao redor - Dou-lhe uma, dou-lhe duas...

De longe, eu não conseguia definir muito bem a expressão de , mas ele estava desistindo. É claro que ele desistiria, mil euros é muito dinheiro. Principalmente por uma única dança. Uma dança! Soa quase como uma piada.

- Mil e quinhentos. - Ele levantou novamente o braço, para a minha total surpresa.

Todos desviaram o olhar para o cara da segunda fileira, que balançou a cabeça negativamente, desistindo de superar o último lance.

- Então vejo que acabamos de formar um bonito par. - A senhora sorriu, animada - O cavalheiro dos fundos acaba de ganhar uma dança com Nichols.

Uma nova assistente apareceu, me guiando de volta ao salão, onde já estava me esperando, com as mãos nos bolsos da calça e um meio sorriso no rosto. Nos informaram de que deveríamos esperar alí até que o leilão terminasse. E depois nos deixaram sozinhos.

- Mil e quinhentos euros por uma dança? - Franzi o cenho, cruzando os braços.
- Eu achei que deveria. - Murmurou vagamente, parecendo estar... tímido? - Ajudar as instituições de caridade, eu quis dizer.
- Ah sim, claro! - Concordei, me sentindo boba por pensar que ele poderia ter pago aquela quantia exorbitante apenas para dançar comigo. É obvio que o verdadeiro motivo seria a caridade.
- Mas eu também queria ter você por perto, admito.

Pisquei os olhos várias vezes, mesmo tendo plena consciência do quanto aquele gesto era idiota. Ele realmente disse isso que eu acabei de escutar? Eu estava pensando no que diria a seguir quando anunciaram que o leilão havia acabado, e nos conduziram para o grande salão onde a banda já começava a testar os primeiros acordes de uma melodia familiar. segurou minha mão e me levou até um dos cantos mais reservados da pista de dança, longe dos fotógrafos que provavelmente tiravam as fotos que estariam na coluna social no dia seguinte.

A música era lenta o bastante para que ele colocasse as mãos na minha cintura, enquanto eu apoiava as minhas na curva de seu pescoço. Isso nos permitia ter um ótimo contato visual, me dando a desculpa perfeita para fazer uma análise completa de seu rosto. Ele era definitivamente muito bonito, do tipo que faria uma garota notá-lo em qualquer lugar, até em um parque enquanto brinca com seu cachorro.

- Adoro essa música! - Sorri, finalmente a reconhencendo: For The First Time.
- The Script é uma boa banda, gosto deles.
- Eles fizeram um show na cidade há uns dois ou três meses. - Falei, me deixando ser conduzida por ele no ritmo contagiante da melodia.
- Você estava lá? - Arqueou a sobrancelha, com um meio sorriso.
- Sim, foi incrível! - Respondi, notando que ele tinha pequenos pontinhos escuros na íris, e por essa razão eu não conseguia parar de observar aqueles olhos - E essa música, For The First Time, foi exatamente a...
- A última. - Me interrompeu, enquanto com uma das mãos tirava uma pequena mecha de cabelo que havia escapado do penteado e caía sobre o meu rosto.
- Isso mesmo! - Franzi o cenho, duplamente surpresa, tanto pelos nós dos dedos dele roçando na minha bochecha, quanto por ele saber sobre a música - Você também estava lá?
- Eu participei da produção do show. - Deu de ombros, voltando a colocar ambas as mãos em minha cintura.
- Que coincidência. - Mordi os lábios, tentando contê-los antes que falassem algo constrangedor sobre destino ou coisa parecida.

Em algum momento da música acabei apoiando minha cabeça sobre o ombro de , me permitindo ouvir sua respiração baixa e ritmada bem próximo ao meu ouvido, juntamente com os acordes finais da música.

Oh these times are hard, yeah they're making us crazy... Don't give up on me baby.

Assim que a música terminou, a pista de dança se encheu de casais de meia-idade, fazendo com que e eu começássemos a rir sem qualquer motivo aparente.

- Vem, vamos para outro lugar. - Disse, segurando a minha mão.

Acabamos voltando para o salão mais descolado da festa, onde um DJ remixava músicas eletrônicas enquanto super modelos e atores de hollywood dançavam freneticamente na pista. Por sorte, encontramos um sofá de couro vazio em um dos cantos do imenso salão que não perderia em nada se comparado a uma boate, e alí nos sentamos.

- Isso é uma cicatriz? - Perguntei, colocando o dedo delicadamente sobre uma pequena marca sobre o supercílio esquerdo dele.
- É do tempo em que trabalhei como garçom. - Sorriu, tocando-a de forma inconsciente.
- Então você já foi garçom? - Arquei as sobrancelhas, ansiosa para ouvir mais sobre a vida dele.
- Foi durante as férias da universidade, eu estava juntando dinheiro para ir a Austrália. - Respondeu, com um dar de ombros - Também aprendi a fazer um drink afrodisíaco muito elogiado por todos que já experimentaram.
- Ah é? - Mordi os lábios, rindo - E o que você coloca nesse drink?
- Você quer mesmo que eu revele o meu segredo do sucesso? - Brincou, balançando a cabeça negativamente - Eu posso fazê-lo e você tentar adivinhar.
- É um desafio? - Cruzei os braços, entrando na brincadeira - Tudo bem então, vamos ver se você é tão bom assim sr. Eu-sei-fazer-drinks-afrodisíacos.
Enquanto ainda estávamos rindo da situação, notei Pierre a alguns metros de onde nós, acenando para mim. pareceu seguir meu olhar, também notando Pierre.

- É melhor você ir lá falar com o seu, hum... amigo. Eu já volto com o drink. - Disse, dando alguns passos para trás, e antes que eu pensasse em uma resposta, ele já estava na área reservada ao bar, onde qualquer um poderia se aventurar a preparar o que quisesse.

Por um momento imaginei se não havia percebido que Pierre era gay. Será possível que ele achasse que eu e Pierre poderíamos ser mais do que amigos? O simples fato de pensar nisso me fez rir.

- Pelo visto você está se divertindo bastante hein? - Pierre riu, passando um dos braços em torno do meu pescoço.
- Digamos que participar daquele leilão não tenha sido tão ruim assim...
- Bom, eu não quero interromper seu momento com aquele cara, só vim dizer que já estou indo embora. - Disse, olhando intensamente na direção de um homem alto, que estava perto da mesa do DJ - E estava me perguntando se você quer uma carona, ou se vai voltar acompanhada...
- Eu vou ficar, mas obrigada por perguntar. - Sorri, dando-lhe um rápido abraço.
- Não se esqueça de me ligar amanhã, quero saber o que aconteceu. - Piscou, com um sorriso pervertido no rosto - Com detalhes.

Revirei os olhos, voltando ao sofá onde e eu estávamos antes. Demorou menos de cinco minutos para que ele voltasse com dois drinks vermelho sangue nas mãos. Um deles tinha aquele pequenino guarda-chuva como adorno, e foi esse que ele me entregou.

- Obrigada! Parece bastante profissional. - Concordei, cheirando-o primeiro. Sim, eu tinha esse péssimo hábito de cheirar qualquer coisa antes de beber. E o cheiro estava incrivelmente bom. Uma mistura entre vodca e frutas tropicais, talvez.
- Vamos ver se você gosta. - Disse, enquanto nós dois erguemos nossos copos em um rápido brinde.

Dei um grande gole na bebida, engolindo quase metade do conteúdo. O gosto era familiar, mas eu não conseguia reconhecê-lo... Aí meu Deus!

- Is-so é morango? - Pisquei os olhos, sentindo-os se encherem de lágrimas ao tempo em que eu começava a ter uma crise de tosse.
- É de morango sim, você está bem? - Ele largou a bebida em um dos braços do sofá, colocando as mãos sobre os meus obros.
- Eu sou... - Comecei a sentir uma coceira insuportável no pescoço, sentindo o rosto ficar em chamas - ... alérgica a morangos.
- Vamos agora para o hospital. - Murmurou, levantando-se do sofá e segurando minha mão com uma força impressionante.
- Não! Hospital não! Só em última instância. - Neguei, passando as mãos pelo pescoço, tentando controlar a sensação de formigamento que se instalara naquela região.
- O que você está sentindo? Respire fundo. - Pediu, enquanto já atravessávamos o jardim.
- Minha gargante está formigando e meus lábios estão ardendo como se eu tivesse passado pimenta. - Respirei fundo como ele disse, tentando me acalmar.

Chegamos ao estacionamento, onde informou sobre o seu carro ao manobrista. O rapaz, que não deveria ter mais do que uns dezenove anos, saiu correndo em direção ao carro, provavelmente assustado com a minha aparência. Eu deveria estar horrivel.

- Nós precisamos ir ao hospital então. - Disse, passando uma das mãos pelo meu cabelo - Vai ficar tudo bem.
- Eu detesto hospitais. - Sussurrei, tão baixo que pensei que ele não ouviria. Mas ele ouviu.
- Tenta ficar calma, eu vou estar com você.
- Mas e o seu trabalho? Você precisa ficar. - Falei, passando os mãos pelos olhos, de onde algumas lágrimas indesejadas insistiam em cair, devido a crise de tosse.
- Não tem problema, a festa já estava praticamente vazia de qualquer forma. - Respondeu, no mesmo instante em que o manobrista chegou com o carro.

Entramos em silêncio e permanecemos assim durante os quase quinze minutos até chegarmos ao hospital mais próximo St. Vincent, com exceção dos momentos em que perguntava se eu precisava de alguma coisa, e eu apenas murmurava um não, meio anasalado. O clínico geral me levou com certa urgência para a Enfermaria, onde tive que tomar uma dosagem moderada de antialérgico e fazer uma nebulização com beta-adrenérgicos. As enfermeiras tentaram convencer de que seria melhor se ele esperasse ao lado de fora, mas ele insistiu por vários minutos até que elas desistissem e deixassem que ele permancesse ao meu lado durante todo o processo. Depois de quase uma hora, quando finalmente achei que poderia ir embora, o médico me informou que eu deveria ficar pelo menos mais quinze minutos de repouso na cama do hospital, esperando que os remédios fizessem efeito.

- Péssima ideia ter feito aquele drink. - sorriu meio sem graça, quanto o médico e as enfermeiras saíram para atender aos outros pacientes e nós voltamos a ficar sozinhos.
- Não foi sua culpa. - Sorri, arrumando os travesseiros de forma que eu conseguisse ficar sentada. Já havia sido humilhação o bastante ele me ver fazendo nebulização no nosso primeiro er... encontro? - Não é comum as pessoas terem alergia a morangos. Eu pelo menos não conheço mais ninguém que tenha.
- Fiquei preocupado. - Admitiu, desviando o olhar para as próprias mãos que mexiam em um dos botões de seu paletó.
- Eu já estou bem. - Empurrei levemente seu ombro, tentando animá-lo - Tirando a minha boca. Está um pouco inchada, não está?
- Não muito, apenas o bastante para te confundirem com a Angelina Jolie se voltássemos para a festa. - Brincou, sorrindo abertamente.
- Angelina Jolie é? Tem certeza que você não quer dizer o Coringa do Batman?
- Tenho.
- Então não sei se confio muito na sua opinião. - Provoquei, franzindo o cenho - Vou precisar fazer um teste.
- Um teste? - Perguntou, apoiando os cotovelos sobre os joelhos. Ele estava sentado em um pequeno banco ao lado da cama, que deveria ser bastante desconfortável para um cara grande como ele.
- Um questionário para ser mais exata. - Mordi os lábios, em seguida fazendo uma careta por eles estarem sensíveis - Deixa eu pensar... Qual o seu filme preferido?
- Essa é fácil, Star Wars. - Sorriu, fingindo manejar uma espada nas mãos.
- Ah, é verdade. Deveria ter me lembrado do seu cachorro Darth Vader!
- Agora é a minha vez. - Ele arqueou as sobrancelhas, pensativo - Um lugar?
- Praga. - Respondi rápido, em seguida rindo pela cara de surpresa que ele fez - Sim, Praga. Qual é o problema?
- Não sei, mas pensei que garotas gostassem mais de Veneza ou Milão.
- Eu adoro Praga, mas pra ser sincera nunca estive lá. - Suspirei, rescostando a cabeça nos travesseiros.
- E por quê não?
- Não sei. - Menti, com um dar de ombros - Já fui três vezes até a estação de trem, determinada a comprar o bilhete e ir. Mas na última hora, eu desisti... Não sei explicar o motivo.
- Eu também nunca estive em Praga, mas ouvi dizer que é um ótimo lugar para se ir depois do ano novo. - Explicou, me olhando atentamente - Porque é a época em que está nevando, e a cidade fica bonita sob a neve.
- Não gosto de neve. - Balancei a cabeça, franzindo o nariz - Não me traz boas recordações.
- Você é realmente uma garota estranha, . - Sorriu, parecendo achar algo de engraçado na situação - É alérgica a morangos, não gosta de neve e tem Praga como cidade preferida.
- E você ainda não viu nada. - Pisquei, fazendo-o rir ainda mais.
- Acho que já está na hora de irmos - Disse, me ajudando a levantar da cama - Vamos, eu vou te levar para casa.

A maioria das pessoas reagiam ao consumo de antialérgicos com sonolência e cansaço, mas comigo era exatamente o contrário. Ao sairmos do hospital, eu me sentia mais eufórica e agitada do que em qualquer outro momento da noite. Até fiz questão de ligar o rádio enquanto passávamos pelas ruas vazias na madrugada de Paris. apenas ria da minha empolgação, vez ou outra perguntando em qual quarteirão deveria entrar para chegar ao meu prédio. No instante em que tirou a chave de ignição, em frente ao meu apartamento, percebi que não me sentia pronta para dizer adeus. Não ainda.

- Obrigada por ficar comigo no hospital, e desculpe por tê-lo feito sair as pressas da festa. - Falei, tirando o cinto de segurança.
- Na verdade foi quase um alívio poder ir embora daquela festa. - Sorriu, passando uma das mãos desajeitadamente pela nuca - Mas apesar do hospital, a noite foi ótima.
- É, foi ótima. - Concordei, me inclinando na direção dele, parar lhe dar um beijo no rosto.

De alguma forma meu joelho acabou batendo com força no freio de mão, fazendo com que eu perdesse o equilibrio e acabasse caindo meio sem jeito sentada meio em cima do , meio em cima do maldito freio de mão. Nós estávamos tão próximos que foi simplesmente impossível evitar o que viria a seguir.

Ele colocou uma das mãos sobre as minhas costas e a outra sobre a minha cintura, me fazendo ir de vez para o seu colo. E então eu estava entre o volante, e o corpo bem definido de - pelo que minhas mãos estavam sentindo em contato com o peito dele - e nos beijamos. Um beijo rápido e ansioso, que logo fez meus lábios voltarem a ficar dormentes, só que dessa vez de um jeito bom, muito bom. Subi minhas mãos de encontro ao cabelo dele, que era tão macio como eu imaginava, me fazendo bagunçá-los gostosamente. Quando o ar faltou, virei o rosto oferecendo meu pescoço que foi aceito de bom grado, com muitos beijos. Eu estava enlouquecendo! E só conseguia ter um único pensamento racional: Se fosse para enlouquecer, que fosse no meu apartamento, a alguns metros e um elevador de distância.

- Vamos subir. - Murmurei, de olhos fechados enquanto ele fazia um tour completo de beijos e mordidas entre meu pescoço e meu nóbulo esquerdo.
- Tem certeza? - Perguntou com a voz abafada pelo contato com a minha pele.

Apenas assenti com a cabeça. E então nós descemos do carro e corremos em direção a portaria para fugir dos flocos de neve que já caíam do céu. Com as bochechas pegando fogo tanto pelo frio como pela vergonha, cumprimentei rapidamente Gerard, meu porteito, e puxei pelo mão, até os elevadores. Foi apenas o tempo de entrarmos no elevador e as portas se fecharem, que já voltamos a nos beijar. Dessa vez com um pouco mais de calma porque mesmo com a cabeça nas nuvens, eu ainda conseguia me lembrar vagamente da existência das câmeras.

- A chave... - Murmurei, entre o beijo, enquanto me impressava contra a porta do meu apartamente, e eu tentava encontrar a chave dentro da minha pequena bolsa de mão.
- Quê? - Riu, dessa vez sem se afastar um centímetro sequer para entender o que eu havia dito.

Joguei a cabeça para trás, rindo alto, sem me importar realmente com o horário. E achei a chave, mas logo descobri que abrir a porta sendo beijada com tanta vontade era quase tão difícil quanto encontrá-la.

- Pronto. - Sussurrei, abrindo e em seguida fechando a porta com o pé, enquanto andávamos aos tropeços até o sofá.

Nos separamos momentaneamente para que eu lhe tirasse o paletó, ao tempo em que fazia o mesmo com a gravata. Mas em alguns segundos já nos agarrávamos com vontade de novo. Só que de repente uma criaturinha peluda de dois quilos e meio resolveu acordar e checar o que estava acontecendo. Preciso admitir que foi meio engraçado quando Holly subiu no sofá, logo depois escalando as costas de , que estava em cima de mim, e então alternando lambidas entre o meu rosto e o dele.

- Holly! - Exclamei, virando o rosto em tempo recorde para evitar uma lambida na boca.

, aproveitando minha distração, começou um ataque de cócegas, me fazendo implorar por clemência antes de me soltar.

- Isso não é justo! - Reclamei, ainda ofegante pelas cócegas - Vou pegar alguma coisa para beber, você aceita?
- Nada com álcool, não se esqueça que acabamos de voltar de um hospital. - Respondeu, com um tom de responsável.
- Tudo bem! Eu não me esqueci. - Coloquei as mãos na cintura, sorrindo - Suco de laranja, então?
- O mesmo que você for tomar já está bom.

Fui até a cozinha praticamente saltitando de felicidade. Era quase inacreditável o quanto as coisas podiam mudar em apenas um dia! Se alguém me dissesse ontem que hoje eu estaria com um cara lindo, inteligente e educado me esperando no meu sofá e parecendo totalmente disposto a... muitas coisas, eu não teria acreditado. Eu teria rido, na verdade. Nunca fui o tipo de garota que tem sorte em relacionamentos. Até agora.

Peguei os dois copos de suco, e voltei para a sala com um grande sorriso no rosto. Mas então vi que observava atentamente um porta-retrato que estava meio escondido na mesa de centro abarrotada de revistas, e meu sorriso murchou no mesmo instante.

- O que você está fazendo? - Deixei os copos sobre a mesma mesa, pegando o porta-retrato das mãos dele.
- Eu estava tentando te reconhecer na foto. - Colocou as mãos nos bolsos da calça, me encarando um pouco surpreso - Me desculpe se invadi a sua privacidade.
- Essa foto é muito pessoal. - Murmurei, sentando no sofá sem tirar os olhos da fotografia - Ela não deveria estar aqui. Eu devo ter trazido algum dia e esquecido de guardar.
- São os seus pais? - Perguntou cautelosamente, sentando ao meu lado.
- Sim, e a minha irmã mais nova, Ivy. - Suspirei, passando o dedo pelos nossos rostos na foto - Foi a última foto que tiramos com os nossos pais antes deles...

não disse nada, apenas passou um dos braços pelos meus ombros e me puxou em direção ao peito dele. Me senti aliviada, porque palavras de consolo não precisavam ser ditas. O abraço dele era bem mais reconfortante que qualquer outra coisa.

- Você não precisa falar sobre isso se não quiser. - Disse, apoiando o queixo sobre a minha cabeça.
- É difícil contar, mas acho que talvez seja bom. - Levantei meu rosto para olhar nos olhos dele enquanto falava - Eles morreram durante uma nevasca em Maryland. Eles viajaram sozinhos para comemorar o aniversário de casamento... Eu tinha quase dezesseis anos e minha irmã doze.
- Você é mais forte do que imagina, . - Ele falou, acariciando meu cabelo.
- Meus pais adoravam esquiar. - Continuei, recordando a minha infância e o quanto eu costumava amar a neve... Até o acidente - Aparentemente o tempo estava bom, sem qualquer ameaça de nevasca, então eles foram esquiar. Estavam em um teleférico quando a neve começou a tomar tudo e foi uma questão de minutos até que os cabos se rompessem. Foram as quarenta e oito horas mais longas da minha vida enquanto esperávamos por alguma notícia. E depois quando recebemos a confirmação do que tinha acontecido, tudo só piorou mil vezes.
- Eu entendo o vazio que você sente. - respondeu, diminuindo a pouca distância que havia entre nós. Portando, estávamos literalmente colados agora - Perdi o meu pai há alguns anos por causa de um câncer. A saudade nunca vai embora, sempre está dentro de mim em algum lugar. Mas com o tempo, a lembrança da perda vai dando espaço para outras lembranças felizes porque acredito que são essas que ele gostaria que eu tivesse.
- Você se lembra no hospital, quando eu disse que mesmo querendo muito ir a Praga, nunca consegui ir? - Perguntei, observando-o assentir com a cabeça, confirmando que se lembrava - É porque nós iríamos juntos para lá. Eu, meus pais e a minha irmã, era o meu presente de aniversário de dezesseis anos.

Ficamos em silêncio durante algum tempo. Era inevitável, eu sempre ficava nostálgica quando falava sobre os meus pais. Mas eu confiava no , e sentia uma incrível sensação de segurança quando ele estava por perto.

- É por isso que não quero ter filhos. - Falei de repente, vendo a expressão de surpresa no rosto dele - Nós nunca sabemos o que pode acontecer conosco. E perder os pais é a pior coisa do mundo. Não gostaria que meus filhos sequer corressem esse risco.
- Acho que entendo seu ponto de vista, mas eu adoro crianças. - Sorriu, segurando a minha mão e entrelaçando-a com a dele - Sempre que estou com os meus sobrinhos, penso que quero ter pelo menos quatro.
- Quatro filhos? - Arregalei os olhos, assustada - Falando sério, quem tem quatro filhos hoje em dia?
- Eu vou ter.
- Então tá. - Dei de ombros, rindo - Hum, eu vou trocar de roupa, esse vestido está um pouco desconfortável. Enquanto isso pode ligar a televisão, fique a vontade.

não disse nada, mas eu consegui sentir o olhar dele sobre as minhas costas até o instante em que sumi de seu campo de visão e entrei no meu quarto. Nos cinco minutos seguintes, troquei meu vestido Marchesa por uma calça jeans e um suéter lilás. Também peguei uma presilha qualquer na penteadeira para prender minha franja que até então caía pelos meus olhos. Quando voltei para sala, estava totalmente concentrado em um filme que começava a passar na televisão. Eu conhecia aquela música de abertura...

- Está começando a passar Stars Wars Episódio III - A Vingança dos Sith!
- Eu acho que só assisti os dois primeiros filmes. - Franzi o cenho, tentando me lembrar. Mas logo desisti e simplesmente apaguei as luzes e liguei o abajur, para então me jogar no sofá ao lado de .
- Você nunca assistiu esse? - Desviou o olhar para mim, com um tom de voz beirando a perplexidade - Sério?
- Bom, nada melhor do que assistir pela primeira vez com o fã número um da saga não é? - Sorri, me acomodando melhor junto a ele. Estava bem frio aquela noite, mas emanava um calor impressionante! Era muito bom ficar aninhada ao seu corpo.

As horas foram se passando, e com elas toda a sonolência e cansaço dos antialérgicos que eu havia tomado, começaram a fazer efeito. Eu tentava lutar contra o sono e ver o filme, que por incrível que pareça, era bem mais legal do que eu me lembrava pelos episódios anteriores. Olhei de relance para o relógio, 5:19. Em pouco tempo já amanheceria, e eu estava tão, mais tão cansada... Que acabei me dando por vencida e adormecendo, tendo o ombro do como travesseiro.

Fui recobrando a consciência aos poucos, já esperando pelas dores que eu sentiria após dormir no sofá. Mas não senti dor alguma, e ao contrário, eu estava em algum lugar quente, macio e confortável. Me forcei a abrir os olhos e então notei que estava na minha cama. As janelas estavam fechadas, e o quarto bastante escuro, por isso eu não fazia ideia de que horas poderiam ser. Como em um filme, vários flashes da noite anterior voltaram a minha cabeça. A festa, , o leilão, o hospital, nosso amasso no carro e então nós dois assistindo Star Wars. Sorri com essas lembranças e levantei, imaginando onde ele poderia estar.

- ? - Chamei, caminhando devagar pelo corredor, ainda com os olhos quase se fechando de sono.

Passavam um pouco das onze horas da manhã. Procurei por em cada canto do apartamente, mas ele não estava em lugar algum. O paletó e a gravata que estavam jogadas na noite anterior pelo sofá também tinham desaparecido. Holly, que dormia no tapete, ao me ver tratou de subir em meu colo, pronta para me cumprimentar com suas lambidas matinais.

Então era isso, havia ido embora. Sem deixar um único bilhete, um número de telefone, nada. Eu não podia culpá-lo. Havia sido uma noite incrível e só, aparentemente. Sentei no sofá, abraçando minhas pernas de encontro ao peito e apoiando a cabeça nos joelhos. O que eu estava esperando? Que ele gostasse de mim? Que ele quisesse me ver de novo? É, era exatamente isso que eu queria. E depois de tudo que partilhamos um com o outro, eu havia nutrido esperanças. Não podia ser somente imaginação minha o jeito ele me olhava. Tinha algo de especial naquele olhar...

Não! Ivy estava certa o tempo inteiro. Eu fantasiava demais, me enchia de ilusões e sempre terminava da mesma forma, com o coração partido em mil pedaços. Respirei fundo e me levantei do sofá, indo em direção ao telefone. Eu poderia ligar para Ivy, mas ela estava tão longe e cheia de problemas com o casamento, então resolvi ligar para Pierre. Ele saberia a coisa certa a dizer.

- Ma chérie! - Atendeu, com sua voz alegre de sempre - O que você está fazendo tão cedo no telefone? Volte já para a cama com seu novo amigo.
- Ah Pierre. - Murmurei, sentindo meus olhos se encherem de lágrimas apenas com a simples menção de . Mas eu não choraria. Já havia sido boba o suficiente.
- O que aconteceu? - Ele mudou rapidamente o tom, preocupado.
- Não foi nada, queria apenas conversar com você. - Funguei, respirando fundo - Me desculpe se te acordei.
- Alguma coisa está errada, . - Insistiu, sem acreditar no que eu havia dito - Aquele cara te fez algo? Ele está aí agora?
- Não, não é isso. - Neguei prontamente, deixando escapar uma risada amarga - Ele não está aqui.
- Acho que estou começando a entender. Não faça nada, estou indo para sua casa, vou chegar em quinze minutos.
- Pierre, não precisa... - Comecei a dizer, mas ele já tinha desligado o telefone.

Nos minutos seguintes, enquanto o esperava, fui até a cozinha fazer duas xícaras de chocolate quente com marshmallow, nossas preferidas. E elas ainda nem estavam prontas quando Pierre chegou, com o rosto corado pelo frio, e seu casaco de veludo vermelho, cheio de estampas de conchas coloridas. Qualquer pessoa teria dito que o casaco era de um gosto no mínimo duvidoso, mas em Pierre ele ficava ótimo.

- Ma petite! - Exclamou, me abraçando - Será que você pode me contar o que aconteceu?
- Ele foi embora. - Apoiei minha cabeça no ombro dele, fechando os olhos.
- Depois de vocês passarem a noite juntos? Alguns homens são assim, .
- É, nós passamos a noite inteira juntos, mas não fizemos isso que você está pensando. - Franzi o cenho, me separando do abraço - Ficamos assistindo Star Wars, e conversamos sobre os meus pais. Eu nunca contei sobre isso para nenhum cara antes, e ele foi tão compreensivo, disse as palavras certas e...
- Meu Deus, ! Você está pior do que quando terminou com aquele seu ex-namorado... - Arregalou os olhos, segurando as minhas mãos - Talvez ele tenha tido uma emergência, por isso foi embora.
- Sem deixar um recado sequer? - Perguntei, irônica - Eu pensei que o fosse diferente. Mas acho que me enganei.
- Vamos esquecer esse tal de , e assistir E!News, o que acha? A principal pauta do programa de hoje devem ser as roupas da festa de ontem.
- Tudo bem. - Concordei, tentando não parecer tão desanimada - Qualquer coisa é melhor do que ficar pensando nisso.

E então assistimos ao E! e depois entramos na internet, e eu comecei a esboçar a coluna da semana, escrevendo sobre os looks de Katie Holmes, princesa Beatrice, Alessandra Ambrosio e outros grandes nomes do entretenimento. Me sentia melhor trabalhando, quando o bastante para deixar longe dos meus pensamentos. Quase. Na hora do almoço, Pierre até mesmo preparou um macarrão instantâneo, para me deixar mais feliz. A verdade é que ele era um completo e total desastre cozinhando, então o macarrão ficou intragável. Mas não me importei, porque a última coisa que eu queria no momento era comer alguma coisa. No final da tarde, eu insistia a Pierre que já estava bem e que ele poderia voltar para casa tranquilo, quando a campainha tocou.

- Você está esperando alguém? - Ele perguntou, arqueando as sobrancelhas.
- Não que eu me lembre. - Neguei, me encolhendo ainda mais no sofá, coberta até o pescoço por um edredom.
- Eu vou ver quem é. - Se levantou, indo até a porta.

Fechei os olhos, exausta demais para receber qualquer visita. Imaginei que deveria ser Charlotte, ela morava no prédio e havíamos nos tornado amigas. E por isso ela tinha esse costume de aparecer sem avisar. Mas quando abri os olhos, não foi Charlotte que vi a minha frente, e sim .

- ? - Pulei do sofá, ficando de pé em menos de dois segundos - O que você está fazendo aqui?
- O que eu estou fazendo aqui? - Ele repetiu, meio confuso - O que aquele cara está fazendo aqui?

Observei ele olhar furtivamente na direção da cozinha, onde Pierre havia entrado com a intenção de nos deixar sozinhos.

- Você está falando do Pierre? - Franzi o cenho, ainda sem acreditar que havia voltado e agora me cobrava explicações.
- Depois do que aconteceu ontem a noite, eu pensei que você estivesse solteira. - Ele cerrou os punhos, parecendo estar realmente irritado - Mas então eu te encontro com um cara no mesmo lugar em que nós dois estávamos há apenas algumas horas. - Indicou o sofá com a cabeça, um sorriso sarcástico surgindo nos lábios.
- É claro que eu estou solteira. - Cruzei os braços, me sentindo subitamente pequena e frágil sob o olhar dele - Você não notou?
- Notei o quê?
- Ele é gay. - Sorri, finalmente constatando que ele estava com ciúmes... Do Pierre!
- Gay? - Perguntou, dando um passo na minha direção - Então vocês dois não...
- Não! - Exclamei, sem esperar ele terminar a frase. Era melhor nem ouvir - Mas você ainda não respondeu o que está fazendo aqui.
- Você não quer que eu fique?
- Não estou entendo nada. - Murmurei, colocando as mãos na cintura - Você simplesmente foi embora, sem deixar nenhum recado... E agora voltou, como se nunca tivesse ido.
- Eu esqueci de deixar um bilhete. - Colocou as mãos no bolso da calça. E foi só então que percebi que ele ainda estava com as mesmas roupas de antes - E eu também não quis te acordar.
- Pensei que não fosse mais te ver. - Sorri, abaixando a cabeça.
- É bem o contrário disso, na verdade. - Ele respondeu, se aproximando o bastante para colocar ambas as mãos no meu rosto - Se você aceitar, é claro.
- Aceitar? Do que você está falando?
- Enquanto você estava dormindo, eu tive uma ideia. - Começou, e sem desviar os olhos dos meus, tirou um pequeno pedaço de papel do bolso - Então eu fui até a estação de trem, e comprei isso.

Ele me entregou um ticket. Demorou só alguns milésimos de segundo para que eu compreendesse. Era uma passagem de trem para Praga com uma parada em Berlim.

- Mas... - Desviei os olhos, na dúvida se olhava para ou para o pequeno ticket.
- Você disse que queria muito ir à Praga, mas não conseguia ir sozinha. - Explicou, com um dar de ombros - E comigo? Será que você aceitaria ir?
- Aí meu Deus. - Sussurrei, em choque. Mas eu estava feliz, mais feliz do que já me lembrava de ter estado em um passado recente.
- Não precisa aceitar se não quiser. - Ele disse, sem jeito - Sei que parece precipitado, nós nos conhecemos ontem. Só que eu realmente gostaria de viajar com você. Quero passar mais tempo com você.
- Eu não esperava por isso. - Respondi, passando os braços em volta do pescoço dele - Mas eu quero! Eu adoraria conhecer Praga ao seu lado.
- Você tem certeza? Eu vou entender se você me achar um idiota que gasta mil e quinhentos euros em leilões e compra passagens de trem sem avisar antes...
- Não, eu não te acho um idiota. - Neguei, lhe dando um rápido beijo - Você é um cavalheiro. E eu pensava que esse tipo de cara estivesse extinto há uns dois séculos... Me enganei então.

Ele riu, me segurando com firmeza pela cintura e dessa vez me dando um beijo de verdade. Foi um beijo bem longo, e teria sido ainda mais se não tivéssemos ouvido Pierre gargalhar a alguns metros de nós.

- Não quero interromper, já vou indo. - Ele sorriu, abrindo a porta de entrada - Tchau ma chérie, tchau . Divirtam-se!

Fiquei observando a porta fechada, com um sorriso no rosto. Pierre era mesmo uma figura. Mas então lembrei de uma coisa que ainda não havia me dito.

- Para quando é o nosso trem? - Perguntei, curiosa.
- Hum, para daqui a... - Ele parou, olhando para o seu relógio de pulso - Duas horas, temos que nos apressar.
- Duas horas? - Arregalei os olhos, pensando ter ouvido errado - Preciso arrumar minhas malas e fazer algumas ligações!
- Você vai ter algum problema? Quero dizer, no seu trabalho por tirar essa semana de férias.
- Na verdade, eu tenho um horário bem flexível. - Mordi os lábios, sorrindo - Eu esqueci de dizer antes, mas eu escrevo para a revista através de um pseudônimo. É por isso que vou naquele tipo de festa de ontem.
- Então podemos estender nossa estadia em Praga. - Deu de ombros, com um meio sorriso - É uma cidade bem grande, vai demorar um pouco para conhecermos tudo. - Me parece bom. Muito bom.

Ao invés de arrumar as malas, acabamos tendo algumas, er... distrações. E depois, como já era imaginado, tivemos que correr bastante para chegar a tempo na estação de trem. Mas quando nos acomodamos em nossa cabine, e fez alguma piada sobre como Holly, que estava em sua pequena casinha de transporte para cachorros, havia pressentido que tudo isso aconteceria entre nós dois quando correu na direção dele no parque, eu sorri, concordando. Às vezes o destino pode ser maravilhoso, como agora.

FIM


Bônus.

Aqui é a Ivy, se você me conhece sabe que estou preparando um casamento, então... Deixe o recado.

- Ivy, sou eu. Só liguei para dizer que vou ficar fora por uma semana ou duas. Finalmente decidi viajar a Praga! E antes que você se pergunte se estou indo sozinha, a resposta é não. Eu conheci um cara, e ele é incrível! E não, eu não estou ficando louca por viajar com um homem que mal conheço, porque sinto como se o conhecesse há muito tempo. E eu gosto dele, de verdade. Bom, é isso. Tente não surtar com o seu casamento. Ah, mais uma coisa, talvez eu apareça acompanhada, então me mande dois convites. Beijos, te amo, .


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