1º de Julho
por Mary Lo


Challenge #14

Nota: 10,0

Colocação:




CAPÍTULOS: [1] [2] [3] [4] [5] [6] [7] [8] [9]



Capítulo 1


POV
Já fazia um mês desde que eu me mudara. Belo prédio residencial, Laranjeiras, sétimo andar. Não era um apartamento extravagante, parecia até muito simples para um advogado bem sucedido, mas eu passava tanto tempo em meu escritório nos dias de semana que não faria sentido ter um apartamento luxuoso, já que não ficaria tanto nele.
Posso dizer que sou uma pessoa agradável, ainda que muito mal conhecesse meus vizinhos mesmo depois daquele período. Eu sabia que ao meu lado morava uma idosa muito falastrona que vivia com a casa cheia de visitas, à frente um casal e um filho de vinte e poucos anos, e o porteiro que morava no segundo andar. Havia alguns outros moradores que eu cumprimentava educadamente, mas não fazia ideia em que andar ou apartamentos moravam. E, claro, havia a cidadã do andar de cima. No mínimo, uma vez por semana, a criatura saltitava de um lado para outro, cantava, dava gritinhos. A voz dela não me incomodava, entretanto, seus passos e pulos ressoavam em meus ouvidos cansados do trabalho.
1° de julho. Olhei para o calendário no criado mudo. Nunca fui bom com datas, logo, nada mais apropriado do que um calendário para evitar a perda de eventos, programações e outras coisas agendadas. Dei um sorriso leve ao perceber que não havia nada marcado para o dia e espreguicei-me. Nos dias sem compromissos eu chegava ao meu escritório duas horas mais tarde e eu me senti muito satisfeito por ser dono não só do meu local de trabalho, mas da forma como o organizo.
Tomei um café da manhã revigorante, demorei no meu banho – o que não é um bom exemplo, mas eu precisava usar meu tempo para relaxar de forma proveitosa -, li o jornal e arrumei-me vagarosamente. Depois, peguei as chaves do meu carro e desci pelo elevador.
- Bom dia. – cumprimentei o porteiro, um senhor com ralos cabelos brancos em volta de uma careca considerável.
- Bom dia. Senhor, desculpe incomodar, mas eu costumo informar aos novos moradores que se eles quiserem podem colocar cartões de trabalho aqui na portaria. A procura dos outros moradores é grande, entende?
- Claro. – assenti revirando os bolsos internos do paletó à procura de cartões.
Ouvi um barulho de pés batendo no chão, e uma respiração esbaforida.
- Seu Zé, você viu meu guarda-chuva? – a menina jogou uma pilha de livros em cima do balcão.
Era linda. Tinha os cabelos molhados de suor e os lábios projetados para frente. Suas unhas pintadas de vermelho descascadas batucavam o balcão. Os olhos eram brilhantes e expressivos e a pele estava arrepiada de seu suor gelado.
- Como ele era? – o porteiro perguntou.
- Como ele era não, como ele é. Deixei aqui noite passada. É rosa claro com rendinhas nas pontas. - ela prendeu os longos cabelos com uma presilha azul de qualquer jeito, deixando várias mechas soltas.
- Veja no armário de achados e perdidos. – ele revirou algumas gavetas.
- Oh, velho amigo. – ela fez uma reverência para o armário cinza.
O homem jogou a chave para ela, que a deixou cair, fazendo uma cara de emburrada.
- Você sempre deixa cair, .
... Eu tinha a breve impressão de que conhecia a sua voz...
- É o senhor que sempre joga errado. – ela abaixou-se para pegar.
Era admirável vê-la tão pequena tentando, sem sucesso, pegar a fina chave do chão. Quando finalmente pegou, virou-se para o armário e pôs-se a procurar.
- Ah, senhor... O cartão. – o porteiro perguntou.
- Sim, claro. – senti-me ridículo por ter me distraído por tanto tempo. Voltando aos bolsos, verifiquei que havia apenas um exemplar. – No momento, estou apenas com um. Há a possibilidade de eu lhe entregar depois?
- Problema nenhum.
- Seu Zé, não estou achando. – a menina revirava o armário.
- Você está fazendo a maior bagunça! – ele ergueu-se de sua cadeira e foi até o armário. – Espera lá.
- Sim, senhor. – ela encostou-se no balcão ao meu lado, sem se dar ao trabalho de me dirigir o olhar.
- Mas o senhor trabalha com o que, senhor ? – Seu Zé perguntou enquanto recolhia a peça rosa e trancava o armário.
- Sou advogado.
Pela primeira vez, me olhou.
- Mesmo?!
- Ah, sim. – quase hesitei, diante daqueles olhos intensos.
- Meu pai está com um problema na área de consumo. O senhor trabalha com essa área?
O jeito que ela falara “senhor” dirigindo-se a mim fez-me arrepiar. Ajeitei minha gravata e peguei o único cartão que me restava e entreguei-lhe.
- Sim. Também trabalho com outras áreas. É só ligar e conversar comigo, ou agendar um horário no meu escritório.
Quando ela tocou no cartão, por um momento, desejei que nossos dedos se tocassem. Mas isso não aconteceu, então me contentei em analisar seus dedos finos e rápidos.
- Obrigada. – ela sorriu.
Meus músculos relaxaram sob aquele sorriso e pela primeira vez eu percebi que estava tenso. Toda aquela situação parecia tão incoerente.
- Estava logo na frente, . – o porteiro entregou o guarda-chuva para a menina, que agradeceu. – Você não deveria estar no cursinho?
- Ah, nem me fale. Não teve aula hoje e ninguém se deu ao trabalho de me avisar. Acordei cedo à toa. – recolheu os livros. – Pelo menos agora tenho um tempo pra descansar. Bem, já vou indo. Bom dia, Seu Zé.
Ele assentiu e ela virou as costas indo até o elevador que parecia esperar por ela. Antes de a porta fechar, acenou com a mão desocupada:
- Tenha um bom dia, senhor... – ela olhou para o cartão, sorrindo, e depois voltou seus olhos para mim antes da porta do elevador fechar. – .
- Ela é uma menina adorável, essa . – Seu Zé disse.
- Parece ser. – mexi na gola de minha camisa social, engolindo em seco.
- Porém uma tristeza para o sétimo andar. – riu.
- Então é ela? – perguntei, dando-me conta de que era a dançarina do andar de cima.
- Em pessoa.
****

- Boa noite. Falo com o doutor ? – atendi o celular que tocara logo que cheguei a casa.
- Exatamente. – joguei a pasta no sofá e logo fiz o mesmo comigo.
- Meu nome é Paulo e eu gostaria de ter uma conversa com o senhor a fim de resolver problemas jurídicos. Eu até liguei para seu escritório, mas ninguém atendeu. Creio que já era fim de expediente...
- De fato. Fechamos por volta das 18 e 19 horas dependendo do dia.
- Acredito que o senhor entenda o quanto as pessoas querem se livrar desse tipo de problema. Eu até ligaria mais cedo, mas minha filha só entregou seu cartão agora.
Deixei de ficar escorado e sentei-me corretamente, tirando a gravata.
- Sua filha? – perguntei, empertigado.
- Sim, ela me disse que encontrou com o senhor hoje na portaria. Aliás, que coincidência morarmos no mesmo prédio. Creio que isso facilite as coisas.
- Claro. O senhor gostaria de vir aqui para conversar sobre? Desta forma não precisa ir até meu escritório.
- Não há necessidade. Se o senhor preferir, pode vir aqui em casa, tenho certeza que minha filha nos faria um café de bom grado. Apartamento 14H, oitavo andar. Pode vir por volta das dez, amanhã.
- Tudo bem. Até amanhã então, senhor .
Voltei a me esparramar no sofá. Eu não sabia o que estava acontecendo comigo, mas tinha certeza que tinha um encanto que eu nunca vira anteriormente.

Pov

Não conseguia dormir. Não com aquelas vozes conversando e perturbando meus ouvidos. Meu pai não costumava ter muitas visitas, mas quando tinha, elas sempre incomodavam meu sono.
Resmunguei e resmunguei, mas o barulho continuou. Por fim, levantei-me e percebi o quão bonita era a voz com que meu pai falava. Esfreguei os olhos e espreguicei-me, colocando metade do corpo para fora do quarto para ver quem era.
Sobressaltei-me ao ver que era o mesmo homem que me dera o cartão no dia anterior. Senti meu corpo gelar e meu rosto queimar quando lembrei que usava apenas um short ridiculamente curto e uma camisa muito grande para os lados, porém curto no comprimento. Ele me encarou com seus olhos calorosos e com um breve sorriso que demonstrava simpatia. Depois fingiu não me ver e continuou a conversar.
Entrei em meu quarto e pus as mãos no rosto. Nunca me sentira vergonha das roupas confortáveis que usava para dormir, não entendia o porquê daquilo agora. Talvez porque aquele homem era a beleza e elegância em pessoa. É, era isso.
Coloquei um short jeans e uma blusa rosa com decote confortável em v. Era longe de ser vulgar, ainda mais levando em consideração que meus seios eram bem pequenos. Diferentemente da maioria das outras meninas, sempre gostei deles pequenos, é bem mais fácil de lidar. A blusa tinha estampa de laços lilases e era bem soltinha na parte de baixo. Ela era o símbolo de conforto no meu armário.
Lavei o rosto e escovei os dentes – como eu agradecia por ter uma suíte. –, e, por fim, dirigi-me a sala.
- Bom dia, pai. – abracei-o. – Bom dia. – acenei para o deus grego do século XXI.
Ele acenou rigidamente, e meu pai disse:
- Filha, faz um café para a gente.
- Ué, você não fez ainda? – encostei-me à parede e cruzei os braços, ainda um pouco sonolenta.
- Não, eu preferia que você fizesse hoje, pois o seu café é bem melhor que o meu.
- Conta outra. – sorri tentando ser modesta, mas sabendo que era verdade.
Fui para a cozinha e fiz o café enquanto colocava biscoitos variados em um “prato menos feio porque tem visita”. Depois coloquei o líquido em uma chaleira – lógica para quê? – e senti o aroma que me parecia delicioso. Levei-o para sala e coloquei na mesinha de centro próxima aos sofás, onde eles estavam sentados.
Eles se serviram e permaneci na sala esperando reações. Os olhos do senhor se arregalaram:
- Maravilhoso.
- Bom como sempre. – meu pai disse.
Agradeci de modo teatral, curvando-me:
- Obrigada, senhores. Não percam o próximo espetáculo.
- Vou me esforçar. – o advogado disse de forma que eu julguei muito sensual.
Fui até a cozinha e fechei a porta atrás de mim, encostando-me a ela e suspirando. Incrível. Era o que eu podia dizer sobre aquele homem. Incrível.
Tomei meu café da manhã, quietinha na cozinha, tentando não ouvir a conversa na sala. Não que fosse um esforço muito grande, pois eu não entendia muito bem do assunto. Mas a voz do doutor ressoava em minha mente, massageando e eletrocutando meus neurônios simultaneamente. Logo fui até lá, recolher as xícaras e o prato, e levar-lhes água em copos “menos feios porque tem visita”.
- Esqueci-me de pegar as confirmações de pagamento. – meu pai disse levantando-se do sofá. – Vou pegar, vou demorar só um minuto.
Entrando em seu quarto e deixando-me sozinha no cômodo com o “doutor”.
- Então... – eu comecei, dividindo meu cabelo e fazendo duas tranças nele. – Há quanto tempo você mora aqui?
- Um mês. Acho que não sou muito sociável, não conheço quase ninguém.
- Bem, agora você me conhece. – dei de ombros e sentei ao seu lado. – Qual é seu primeiro nome? – perguntei, já que eu começava a ficar incomodada em só chamá-la de senhor .
- . – ele ajeitou a gravata, em um gesto que, eu começara a perceber, era uma mania.
- . . – encostei-me bem ao sofá e fechei os olhos, experimentei o nome em meus lábios. Finalmente, abri os olhos e admirei-o. – Soa bem.
- Obrigado. Seu nome também é muito bonito, .
- Claro que é. – ergui-me por um salto. – É meu.
Ele sorriu simpaticamente, o tipo de sorriso que derrete qualquer mulher. E qualquer garota.
- Achei! Aqui está. – meu pai estava saindo do quarto.
- A gente se vê. – eu disse, pegando minhas chaves e colocando o celular no bolso.
- Claro. – ele assentiu.
- Vai para algum lugar? – meu pai perguntou enquanto se sentava no sofá.
- Casa da . – joguei um beijo no ar. – Já volto.

POV

Como ela ousava? Como podia ter tanta graça? O sorriso dela mexia com meu interior e seu jeito espontâneo e artístico. Era quase como se ela estivesse ensaiado todo o roteiro e atuado perfeitamente.
Passei as mãos no rosto. Eu não podia. Ela não devia ter mais de dezoito, era filha de um cliente e estava tão perto... E tão longe.

Capítulo 2


POV
Era hoje. Diga-me que adolescente não fica nervoso com uma prova de vestibular? Dei meu melhor no cursinho e estudando em casa. Passei os olhos pela última vez no caderno de matemática na parte de ângulo e no de português, na de sintaxe. A parte mais fácil eu sempre deixava por último. Sempre fiz isso, acho que sempre vou fazer.
Sentei-me no sofá esperando meu pai terminar de se arrumar para o trabalho. Plantões. Não bastava eu morar sozinha com ele, “Seu” Paulo ainda tinha que ser médico e fazer plantões em alguns finais de semana. Antes, eu ainda passava-os com Ana Júlia, minha irmã mais velha, mas essa se casou e me largou sem dó. Nada muito horrível, afinal o maior quarto da casa ficara só para mim.
- Vamos, . – meu pai pegou a pasta e se dirigiu à porta da saída deixando-me passar e depois fechando a porta atrás de si. – Na volta eu não terei como te buscar.
- Eu dou meu jeito. – ajeitei a mochila nas costas.
- Quando sair, me liga que eu te digo o que fazer, certo?
- Certo.
Entramos no elevador e olhei-me no espelho. Era estranho pensar que usava aquele mesmo elevador todos os dias e nós nunca nos encontrávamos. Já fazia quase dois meses que não nos víamos, e isso me incomodava profundamente.
Quando finalmente chegamos ao meu local de prova, meu pai beijou-me a cabeça e disse:
- Você vai ir bem, tenho certeza. Fica calma e faz as questões mais fáceis primeiro.
- Estou ciente de tudo isso. – sorri.
- Eu sei que está, mas tenho que usar minhas falas de pai, não é? – bagunçou meus cabelos. –Boa sorte, filha.
- Obrigada, pai.
Desci do carro, esperei o horário, procurei minha respectiva sala, respirei fundo e dei meu melhor naquela prova.


POV
Quando o pai de me ligou, pensei que ele iria apenas fazer mais perguntas sobre seu processo ou falar sobre mais documentos, ou mesmo conversar sobre algo. Mas então, ele pediu-me algo que me deixou surpreso:
- Não gosto de pedir as coisas, mas... Você se importa de ir apanhar minha filha quando ela terminar a prova de vestibular dela?
- Não, claro que não. – peguei um bloco qualquer e uma caneta. – Só preciso do endereço.
Anotei-o e Paulo agradeceu. Senti-me muito satisfeito de ter conquistado a confiança dele, e ao mesmo tempo culpado por pensar tanto na filha dele. Paulo adorava falar sobre , e eu também gostava quando ele saía de todos aqueles assuntos jurídicos e simplesmente deixava-se levar pelo orgulho pela filha, enquanto eu me deixava levar pela minha fascinação por ela. Eu tentava pôr na minha cabeça que ela só era uma menina bonita de dezesseis anos prestando vestibular e que eu era um adulto controlado e bem sucedido, mas nessa tarefa eu não estava me sucedendo muito bem.
Para passar o tempo, tomei um banho e coloquei uma camisa polo azul marinho e jeans escuro. Penteei meus cabelos enquanto me olhava no espelho. Eu tinha trinta e três anos e algumas rugas de expressão próximas aos olhos, devido a uma vida de sorrisos simpáticos. Talvez eu devesse ter sorrido menos. Afinal de contas, elas não eram tão perceptíveis, apenas quando eu sorria mesmo.
Balancei a cabeça negativamente ao notar o que eu estava fazendo e me senti estúpido. Coloquei meu perfume e peguei as chaves do carro, cansado de esperar.
Quando cheguei ao lugar, percebi que tinha chegado com pouco mais de uma hora de antecedência do horário estipulado para término de prova e me senti um moleque ansioso.
Aguardei até ver o movimento de jovens saindo do colégio, e saí do carro, escorando-me nele e procurando no meio daqueles rostos que pareciam totalmente disformes perto do dela. Acendi um cigarro para me distrair enquanto ela não aparecia. Quando a vi, ela parecia perdida com uma das mãos na alça da mochila e outra mexendo no celular, antes de fazer uma ligação. Observei suas pernas que pareciam um desenho feito por deuses e seus tênis all stars pretos de cano médio, que me fizeram lembrar imediatamente dos azuis que eu tinha quando tinha dezesseis anos e o quanto foram caros na época. Olhei sua camiseta de alça caída e o quanto seus ombros eram atraentes. Como uma pessoa consegue ter ombros atraentes?
Saindo de meu devaneio, por fim, ela desligou o celular com um leve sorriso e seu olhar passeou a seu redor. Acenei para e ela sorriu, vindo em minha direção.
- Oi, doutor . Meu pai acabou de me avisar para voltar com o senhor.
- Por favor, me chame pelo nome.
- Ah, obrigada por isso. – ela descansou o peso do corpo em uma perna.
- Você deve estar com fome. – apaguei o cigarro e joguei-o em uma lixeira próxima.
- Na verdade, não. Comi muito chocolate durante a prova, só estou com sede mesmo porque bebi toda minha água. Tem um lugar que vende água ali. – ela apontou pra um barzinho qualquer no final da esquina.
- Acho que é melhor irmos para um lugar melhor. – franzi as sobrancelhas para o bar.
- Ah, por favor, não me mate. – ela juntou as mãos em súplica e olhou-me com olhos chorões. Para logo depois rir, causando-me o mesmo efeito. – Tudo bem.
- Vai, entra no carro. – passei sua frente e lhe abri a porta, e ela pareceu lisonjeada.
- Aliás, que carro bonito. – disse enquanto eu dava a partida e eu agradeci.
De fato, era. Era espaçoso, grande e levemente achatado, tendo um toque futurista. Aquele carro era meu orgulho de consumo.
- Meu pai não é de confiar muito fácil nas pessoas. Não sei o que o senhor fez, mas fez bem. – colocou o cabelo atrás da orelha.
- Acho que sou uma pessoa confiável.
Ela colocou fones de ouvido, balançando a cabeça no ritmo da música e parecendo completamente entregue ao som. estava maravilhosa assim, mais até do que de costume, mas me era estranho estar ao lado dela e não estar conversando com ela e desfrutando ao máximo de sua companhia.
Logo, chegamos a uma ótima lanchonete em Laranjeiras. Amplas janelas, balcão limpo, decoração anos 60 sofisticada, garçonetes com cabelos presos e uniformes limpos.
- Wow, isso é o que eu chamo de lugar melhor. – os olhos inquietos de percorriam todo o lugar.
- Escolha o que quiser. – eu disse indicando o balcão.
- Ah, como eu gostaria de ter comido menos chocolate, assim dava para eu comer mais. – sua língua passeava em seus lábios, deliciada com a visão das diferentes tortas. – Acho que só consigo beber.
- Um refrigerante para a mocinha aqui, por favor.
- O senhor vai querer alguma coisa também? – a garçonete de lábios pintados de rosa vivo perguntou.
- Um expresso. – depois me dirigi a . – Não vai querer comer nada mesmo?
- Não, obrigada.
- Nem um doce?
- Ok. Quero um doce. Moça, me traz aquele pirulito ali também, por favor. – ela apontou animadamente.
- Quantos? – a “moça” respondeu.
- Quantos? – ela sussurrou para mim como uma criança perguntando ao pai se pode fazer algo.
- Quantos quiser. – sorri, divertido com a situação.
- Dez! – ela gritou e pôs as mãos sobre a boca quando se deu conta do tom de voz que usara.
A mulher deu-lhe os dez pirulitos e o refrigerante com um copo, e pediu mais dois canudos. Sentamo-nos em uma mesa enquanto esperávamos meu expresso. Analisei mergulhando um pirulito no copo com refrigerante e colocando-o na boca logo em seguida. Quando reparou que eu observava, ela deu de ombros e disse:
- Que foi? É bom. Quer experimentar?
- Não. Prossiga, por favor.
- Não vai querer nem um? – a menina empurrou-me um pirulito.
- Não, obrigado.
- Quer sim, pega.
Peguei um e guardei no bolso da calça, para que ela não continuasse insistindo. Enquanto ela bebericava o refrigerante no canudo, tentei iniciar uma conversa:
- Como foi a prova?
- A prova foi muito bem. Eu só não sei se eu fui bem mesmo. – ela parecia incrivelmente concentrada em seus canudos e em balançar as pernas que pendiam sem apoio no banco alto.
- Quando sai o resultado?
- Daqui a um ou dois meses, eu acho.
- E você continua a ter aulas? – insisti.
- Sim. Só uma formalidade de final de período letivo. – ela recolocou o pirulito na boca e brincou com os dedos sobre a mesa. Suas unhas estavam pintadas de roxo, novamente, descascadas.
- E sobre sua escola? – perguntei numa última tentativa de reter sua atenção.
- Escola comum. Tenho um ou dois amigos, uns cinco colegas, quinhentos conhecidos e nenhum namorado.
- Também não tenho namorada. – surpreendi-me com as palavras que me escaparam.
- Sério? – ela me olhou, parecendo maravilhada. Ah, como sua atenção me era preciosa.
- Sério.
- Nunca foi casado nem nada?
- Noivei quando eu tinha vinte e cinco, mas foi muito precipitado e quando percebi isso, preferi terminar. Agora sou um solteirão de trinta e três. – passei as mãos pelo cabelo pensando em quão ridículo aquilo soara, e no fato de eu poder ter omitido minha idade.
- Trinta e três... – ela murmurou. Logo em seguida, mostrou-se um pouco envergonhada ao ter notado que eu ouvira seu murmúrio.
- E você? Nunca teve namorado? – perguntei, saindo da situação constrangedora.
- Nada sério. Os garotos da minha idade são sempre imaturos, chorões e/ou retardados.
- Entendo.
A garçonete apareceu e colocou o expresso na minha mesa:
- Vai querer mais alguma coisa? – perguntou a , que negou. – Você deve parecer com a sua mãe, não é?
- Por quê?
- Porque não parece com seu pai. – ela disse e, ao compreender o que quis dizer, me senti instantaneamente velho.
- Você conhece meu pai? – franziu o cenho.
- Ah. – a mulher fez uma cara surpresa. – Eu sinto muito.
- Tudo bem. – fiz um gesto com a mão, como um “deixa para lá” e pedi a conta.
Ela desculpou-se e fez as contas em seu bloco. Paguei-a e quando se virou para voltar ao balcão, falou:
- Eu não respondi se parecia com a minha mãe. – apoiou o queixo nas mãos. – As pessoas dizem que sim.
A forma pela qual ela não olhou para a mulher quando respondeu, fez-lhe ficar ainda mais sem graça, que assentiu e se escondeu na cozinha. Comecei a beber meu expresso, sem saber bem o que fazer.
- Essa é a hora que você pergunta da minha mãe. – ela disse, bebendo seu resto de refrigerante.
- Eu deveria? – perguntei inseguro depois da segunda situação constrangedora do dia.
- Minha mãe e meu pai são divorciados. Ela mora nos EUA agora, subiu de vida. A última vez que ela apareceu foi no casamento da Ana Júlia, minha irmã, com o noivo com cara de gordo dela. Acho que isso já faz um ano. – brincou com os canudos, distraidamente.
Assenti e ao ver que ela não prolongaria o assunto, fiz a questão que me incomodava:
- Pareço assim tão velho?
- Não. A garçonete que achava que você tinha cara de quem engravidou alguém aos dezesseis.
- Nem brinque com isso. – coloquei a mão no peito a procura de minha grava e ela riu.
- Você não está usando gravata hoje. – e com essa frase finalizou toda a tensão do momento.
- Já notou minha mania?
- É elegante. – ela me olhou nos olhos, com um sorriso abrasador. – Assim como o senhor.
Encaramos-nos por alguns segundos, que poderiam ser horas que eu permaneceria muito satisfeito. Ah, ...
- Bem, acho que eu já terminei por aqui. – ela disse guardando seus outros pirulitos dentro da mochila.
- Eu também. – olhei por uma das janelas e vi que já tinha anoitecido. – A hora passou muito rápido. Melhor eu te levar para casa.
Ela jogou a lata fora e eu deixei a xícara na mesa para que recolhessem depois. Fomos até o carro, onde, dessa vez, ela não colocou os fones, mas conversou comigo. O que me deixou muito satisfeito.
- Então, em que apartamento você mora?
- 14G.
- Você mora em baixo de mim! – seus lábios entreabriram-se de surpresa, e forcei-me a me concentrar no trânsito.
- Pois é. Digamos que eu já conhecia seus passos antes mesmo de vê-la.
- Devo ser muito barulhenta. – ela pôs as mãos na cabeça, divertida.
- Ah, é sim. Mas gosto do seu barulho. Pelo menos agora eu gosto.
- Vou me esforçar para ser mais barulhenta então. Tudo para agradá-lo. – ela escorregou mais um pouco no banco dianteiro.
Talvez se soubesse o jeito que mexe comigo, ela não faria isso. Ou faria pior.
Levei-a até seu apartamento, e vi que seu pai não tinha chegado ainda. abriu a porta e jogou sua mochila de qualquer jeito para dentro da sala para só depois acender as luzes. Depois se voltou para mim:
- Foi muito legal da sua parte fazer esse favor e ainda me levar para lanchar. Obrigada.
- Você é uma ótima companhia. Eu que agradeço, .
- Afinal de contas, foi um dia muito bom. – ela sorriu. – Foi maravilhoso passá-lo com o senhor.
- Não me chame de senhor.
- Gosto de chamá-lo assim. – ela pôs as mãos na cintura.
- Ué, agora você gosta?
- Agora eu gosto. – ela estendeu a mão para que apertasse, mas peguei-a e dei um beijo, o que deixou-a surpresa e satisfeita.
- Tenha uma boa noite, .
- O mesmo para você. – ela deu uma piscadela e fechou a porta.

POV
Tudo estava acontecendo muito rápido. Eu sentia um turbilhão de emoções que eu nunca havia sentido antes. Aquilo me deixava confusa e à beira da loucura. E o pior de tudo: eu estava adorando.
Talvez fosse exagero meu, pois este era um costume, mas se era ou não, pouco me importava. Corri para o telefone, já que meu celular estava sem crédito para ligar para . Ela tinha que saber imediatamente. Mas como se lesse minha mente, ela ligou para meu celular. Atendi esbaforida:
- do céu!
- Eu ia perguntar se você foi bem na prova, mas acho que não é sobre isso que você quer falar. – ela riu do outro lado da linha. – Diz agora mesmo!
- Alguma coisa aconteceu!
- O quê?
- Eu acho que estou apaixonada... – ofeguei. - Até o último fio de cabelo.

Capítulo 3


POV
Um cliente acabara de sair de minha sala e o próximo viria dentro de uma hora. Esses intervalos eram os melhores momentos para apreciar a vista de meu escritório e pensar – ou não pensar. Eu, particularmente, esforçava-me para não pensar. Especialmente, não pensar em . E com meu autocontrole, cada dia parecia ser mais fácil sem vê-la diariamente e com o processo de seu pai em andamento. Eu precisava de apenas uma última papelada e depois apenas o dia da resolução final do processo e pronto.
O telefone tocara: minha secretária. Eu estava começando a me acostumar a chamar minha tia de secretária, mas no início fora bem difícil. Atendi:
- A senhorita veio lhe trazer uma documentação, mas não tem hora marcada. Ela pode entrar? – disse.
- Sem problemas.
Ajeitei minha postura e esperei a maçaneta girar e a mulher entrar. Disfarcei meu ofego quando percebi que não era uma mulher, e sim a menina. .
Senti-me incrivelmente idiota por não ligar seu sobrenome a ela. Era-me tão novo pensar que uma criatura com a beleza e a graciosidade de uma fada pudesse ter sobrenomes e viver como todas as outras pessoas.
Eis algo sobre mim: sou tão ruim com datas importantes como na ligação de pessoas, tempo e nomes às situações.
- Bom dia. – fechou a porta atrás de si, e deu um sorriso sarcástico. – “Doutor”.
- . – levantei-me e estendi a mão, apertando a dela, e a menina fez uma careta. Sorri e beijei sua mão, o que lhe fez parecer novamente satisfeita. – Sente-se, por favor. A que devo a visita?
- Não é bem uma visita. Afinal, se quiser uma, deve me convidar. – ela acomodou-se na cadeira acolchoada bege e começou a balançar de um lado para o outro sob suas rodinhas. – Vim lhe entregar esses papéis que meu pai pediu. Disse que eram os últimos.
Examinei as folhas e assenti:
- De fato, são as últimas. – coloquei-as no arquivo do senhor . – Você não deveria estar na escola?
- Conselho de classe. – ela levantou-se. – Belo escritório. Foi o senhor que decorou?
- Foi sim. – fechei a pesada gaveta e concentrei-me na menina. – Quer um café?
- Bom gosto. – ela perdeu-se em seus pensamentos e depois balançou sua cabeça, voltando a si. – Ah, quero sim. Obrigada.
Coloquei água fervendo na cafeteira, enchendo até o topo para que eu não precisasse fazer novamente depois. Ela olhou pela enorme janela atrás de minha cadeira e depois sentou-se nela, girando.
- Acha que vou me sair bem? – ela parou a cadeira e apoiou os cotovelos na mesa e o rosto nas mãos em punho. – Digo, nessas carreiras e coisas assim...
- Com um pouco de esforço e uma ajeitada na aparência.
- O que tem de errado com a minha aparência? – ela levantou-se em um pulo e começou a andar de um lado para o outro de braços cruzados. Era adoravelmente inquieta.
- Nada. Você é bonita e sabe disso. – encostei-me ao balcão da cafeteira e mexi na minha gravata, ao ver seu sorriso leve. – É só que você parece muito jovem.
- Não sou tão jovem quanto pareço e isso me incomoda. – ela encostou-se ao balcão também, me olhando. – Logo vou estar na faculdade e depois trabalhando e... E não sei o que vem depois, não sei se quero saber. Não gosto muito de pensar no futuro.
- Não se preocupe tanto.– engoli em seco observando os detalhes de seu rosto. Suas bochechas salientes que lhe davam um ar infantil e a delicadeza dos traços de seu nariz. – Você ainda é só uma criança.
- Na maior parte das vezes. – sua voz foi tão baixa que quase foi um sussurro.
Nossos olhos se encontraram e permaneceram naquela ligação por breves longos segundos. Quando me dei conta, meus olhos já estavam fechados e nossos lábios selados. Ah, ... ... Seu beijo era ágil como a própria garota e pareceria quase controlador, se eu também não soubesse ser inquieto como ela. Seu corpo aproximou-se do meu e pus uma mão em sua cintura fina e outra em seu pescoço.
Ela afastou-se e me encarou novamente com puro desejo no olhar e pela primeira vez, e vi a mulher que escondia. Beijamo-nos novamente e suas mãos corriam pelas minhas costas e nuca, tirando-me a sanidade. Peguei-a no colo e sentei-a no balcão, e puxou minha gravata num movimento tão espontâneo e inquiridor que fez uma de minhas mãos procurar por equilíbrio no balcão.
Senti que derrubara algo, mas não me importei, visto que estava perdido em e por ela. Mas, poucos segundos depois soltara um gritinho e saltara do balcão. Eu derrubara a cafeteira e a água quente escorrera até sua perna e pingava no chão.
riu e deu batidinhas na perna como se aquele movimento pudesse secá-la.
- Se queimou muito? – perguntei preocupado quando pude consegui recuperar uma pequena parte de minha sanidade.
- Não, só encostou mesmo. Que bagunça, vou arrumar algo para limpar. – ela colocou uma das mãos na cabeça enquanto ia até a porta e informava minha secretária do ocorrido.
Tentei absorver o sabor de morango que ela deixara em meus lábios e voltar a mim, simultaneamente. Eu a tinha beijado. Não, nós tínhamos nos beijado. Balancei a cabeça negativamente, chegando à conclusão de que se eu fosse preso pouco importava se fora algo recíproco.
- Acho que é melhor o café ficar para depois. – ela apareceu na porta novamente depois que minha tia começara a secar o chão após insistir com que o faria. – É melhor eu ir. A gente se vê.
- . – murmurei, quando na verdade minha intenção era chamá-la.
Vi seus lábios vermelhos da intensidade do beijo formarem um sorriso e ouvi seus pés correrem até a saída. Ouvindo apenas um “Obrigada, tia!” antes de bater a porta de saída da sala de espera atrás de si.
Olhei para minha tia que terminara de secar tudo com uma rapidez que só se comparava à de minha mãe com limpeza. Ela encarava-me séria:
- .
- Diga.
Ela balançou a cabeça negativamente, e eu notei o quão paralisado eu estava. Não podia deixá-la ir assim depois do que acontecera, eu tinha de esclarecer as coisas. E se o desejo em seus olhos fosse minha imaginação? E se fosse medo e eu tivesse a agarrado? Cheguei a pensar que seus carinhos talvez fossem agressões e minha vontade dela fizera tudo parecer bom. Meu estômago embrulhou diante desse pensamento e senti-me o pior homem do mundo, um crápula.
Corri para fora do escritório e apertei os botões do elevador, que já chegara ao primeiro andar no tempo que usei parado. Desci as escadas correndo e quando cheguei ao primeiro andar arfando, pensei rápido que ônibus ela pegaria para voltar para casa e lembrei-me de um ponto no final do bloco do lado esquerdo ao do prédio.
- ! – gritei.
Atravessei a rua correndo e pouco antes de chegar ao ponto, vi seu ônibus passar e ela caminhando em seu corredor. me viu pouco antes de o ônibus acelerar mais e eu perdê-la de vista.
Xinguei mentalmente e percebi que era a primeira vez que eu agia com descontrole desde...Sempre.

POV
Desci alguns pontos antes de casa e voei para a casa de . Ela abriu a porta e assim que viu minha expressão disse:
- É o de novo, não é?
- A gente se beijou.
- Vocês o quê?! – ela colocou as mãos na boca e empurrou-me para dentro de casa.
- Quem é, ?! – a mãe dela gritou da cozinha.
- !
- Oi, , tudo bem? – ela apareceu na sala.
- Tudo ótimo e maravilhoso. – jogou-me para dentro de seu quarto. – Mas agora ela vai me contar muitas coisas, mãe. Daqui a pouco a gente volta. – e fechou a porta atrás de si. – Eu sabia que você gostava de caras mais velhos, mas... Algo concreto?! Um beijo?! Você está louca?! – ela riu.
Joguei-me em sua cama e ela sentou-se esperando que eu me deliciasse contando toda aquela situação.
- Wow, , que homem você arrumou! Mas e agora?
- Não faço ideia, ... Nem nos mais altos devaneios pensei que ele poderia beijar assim. Ele me parece bom e, ás vezes, até sério demais. Tem um sorriso maravilhoso e tudo mais... Mas, será que ele sabe amar? Seria capaz de me amar?
- Não duvido que saiba. E se não souber, é nos teus braços que ele vai saber.
disse de um jeito sério e ao mesmo tempo brincalhão, fazendo-me cócegas. Eu só torcia para que o que ela disse fosse verdade, porque eu não me lembrava de ter sentido o que sentia por nenhum outro garoto e o motivo era muito simples: ele não era um garoto, ele era o homem.
****


POV
Já se passara uma semana e eu não tinha tido a capacidade de desassociar toda a situação do beijo, o que eu fazia com a maioria dos fatos, o que me preocupava. Preocupava-me mais ainda o fato de seu pai ter me ligado convidando-me para uma visita às quinze horas para que pudéssemos terminar os últimos argumentos antes do fechamento do caso. E eu simplesmente não tive a capacidade de negar ou oferecer outro lugar. Mais uma vez eu via meu autocontrole esvair-se. Sempre por ela. Sempre por .
Ao mesmo tempo em que eu tinha a necessidade de conversar com ela, tinha vontade de não vê-la e evitar toda essa situação constrangedora. Mas a vontade de estar com ela ainda era maior.
Vesti-me com um blazer mais claro e menos formal, e fui para o 14H e, para dificultar tudo, lá estava ela: blusa preta larga, short, pés descalços e olhos brilhantes.
- Até fora do escritório o senhor está elegante! – colocou as mãos na cintura.
- Boa tarde. – seu nome travou em minha garganta, como se, sem as devidas explicações eu não fosse digno de pronunciá-los. Mas ver que ela não parecia triste ou se quer aborrecida comigo tranquilizou-me imensamente. – Posso conversar com seu pai sobre...
- Assuntos de adulto? – ela encostou-se a porta, divertida. – Entra aí. – e assim o fiz. - Meu pai não está. Imagino que ele marcou às três da tarde. Isto é algo sobre ele: o horário que ele marca, é o horário que ele se prepara para ir ao compromisso. Não acho que dessa vez ele vá demorar muito. – ela deu de ombros, demonstrando costume. Depois ela deu um salto e correu para a cozinha: - Ah, meu almoço!
Corri atrás dela, preocupado, mas já demonstrava estar aliviada:
- Não queimou. Por incrível que pareça. – ela tirou bolinhas de carne da frigideira e colocou-as em um prato. Depois jogou a frigideira com resto de óleo dentro do fogão e pôs o prato na mesa. – Come comigo.
- Ah, eu já almocei. – olhei para o “almoço” que cheirava incrivelmente bem. – Você só vai comer isso?
- Uhum. – sentou-se e mastigou uma freneticamente, com a pressa de responder. – Às vezes eu como com arroz e feijão como qualquer brasileiro, mas hoje é sábado e meu pai já almoçou no trabalho. Não tenho que elaborar muito ou ser pontual. Experimenta umas.
- Ora, se é experimentar só preciso comer uma. – sentei-me ao seu lado.
- Está com medo? – ela riu, quando finalmente degustei, e, de fato, estava muito boa. – Pronto, agora pode pegar mais.
Fui comendo e observando-a fazer o mesmo. Inicialmente, começara comendo normalmente, depois, impaciente, colocava uma na boca sem nem terminar a anterior. Por fim, jogou o prato na pia e cheirou a camisa e o cabelo.
- Cheiro de fritura. Eca. Como a gente come algo que faz um fedor tão grande para ficar pronto?
- Porque o sabor vale à pena. – respondi.
- Talvez. – sorriu. – Vou tomar um banho. Se quiser ver meu quarto vem agora, mas se tentar entrar no banheiro da minha suíte, eu ligo para a polícia. – colocou a mão no bolso do short, indicando que o celular estava lá, com seu jeito exagerado e teatral.
- Não creio que seja uma boa ideia. – pus as mãos nos bolsos.
- Vem logo. – segurou-me pelo pulso e me puxou. – Viu? Não é luxuoso como seu escritório, mas é confortável. – pegou uma escova e começou a pentear os cabelos.
- Mas você não vai lavar o cabelo? – questionei.
- Vou, mas quando escovo antes fica mais fácil para pentear depois. – ela acenou com a cabeça para a cama. – Você parece sempre tão sério e a serviço. Senta ali.
- Tecnicamente, estou a serviço. – cruzei os braços.
- Você não trabalha aos sábados que eu sei. É só um bônus porque o “seu cliente” – ela fez aspas com as mãos. – mora perto.
jogou a escova na cômoda e abriu o armário que era um completo caos, mas ela não parecia nem um pouco envergonhada disso. Pegou um cabide com uma regata branca e escolheu um jeans.
Cedi e acabei sentando em sua cama, forrada de qualquer maneira com um lençol de pequenas flores cor de rosa. Observei as grades branca da cabeceira que era enfeitada com vários laços rosa claro e sininhos, que eu tinha certeza que ela fizera pessoalmente com uma ternura sem igual.
- Agora feche os olhos. – surpreendeu-me pondo suas pequenas mãos em meus olhos e com um risinho. – Não abra, vou pegar uma coisa aqui na gaveta. E não imagine minhas calcinhas!
Pus minhas mãos sobre as dela, sentindo a maciez, e retirou-as logo após. Ah, como ela gostava de brincar comigo.
- Então não diga o nome, porque a primeira coisa que uma pessoa faz ao ouvir a palavra é imaginar o objeto a que se refere. – e, realmente, tentei tirar a imagem de uma calcinha branca com rendas nas bordas.
- Pronto, pode olhar agora.
Ela tinha revirado suas roupas de forma que mais parecia uma bola. pegou seu celular do bolso e, por um momento, retesei meu corpo.
- Relaxa, não vou ligar para a polícia. Não ainda. – sua boca entortou de um lado no que eu chamaria de sorriso malicioso. – Vou ligar para o meu pai e ver se ele já está vindo para cá. – assim o fez e depois contou nos dedos algo que não pude entender. – Certo. Não vou levar muito tempo tomando banho. Ou, pelo menos, vou me esforçar.
Ela entrou e ouvi o barulho da chave virando na fechadura. E logo após, a água caindo e sua voz cantarolando uma melodia qualquer.
Respirei fundo, botei umas três balas de menta na boca e busquei concentrar-me em outras coisas. Andei de um lado para o outro e observei sua mesa de estudos: seus livros em uma pilha irregular, cadernos pequenos com prováveis anotações – que eu não teria a ousadia de abrir. – e um porta retrato dela com uma amiga, que deduzi ser porque era o único nome de amiga de que eu conhecia. tinha o rosto de uma adolescente comum, com sua beleza já visível em desenvolvimento. Mas ao seu lado, como uma luz, havia com o sorriso mais espontâneo que havia no mundo. Sua beleza parecia já ter nascido com ela. Não que ela não tivesse umas espinhas aqui ou ali, mas eram-me imperceptíveis diante de outros fatores.
Apoiei-me na mesa pensando se, afinal, toda a minha fascinação por não seria por sua beleza. O que ela tinha além disso? Sentei-me em sua cama novamente e pus-me a pensar. Como uma metralhadora, meu cérebro começou a responder-me. A graça que tinha nos gestos mais simples, o poder de transmitir emoções e ainda quase invadir-lhe a mente com os olhos, a infantilidade de algumas ações e a maturidade nas outras. O jeito como ela não hesitava, e, diferentemente de mim, não se preocupava em se controlar, o que lhe dava uma naturalidade incrível. A forma como me deixava tenso, e, simultaneamente, transmitia uma leveza e uma satisfação por estar com ela. Era como se não houvesse consequências ou vida lá fora além dela.
Interrompendo meus pensamentos, saíra do banheiro e colocara o celular na cômoda enquanto secava os cabelos:
- Pronto, demorei uns 15 minutos. – ela disse e pensei em como aquele tempo passara rápido. –E nem precisei ligar para a polícia. Obrigada por se comportar.
- Como você desejar. – depois, reuni coragem. – , temos que conversar.
- Temos mesmo? – ela mordeu os lábios, não de forma maliciosa, mas como se tivesse temido aquilo.
- Você prefere fingir que não aconteceu nada?
- Você prefere? – ela encarou-me com sua típica intensidade.
- Eu perguntei a você. Responda-me. – fui um pouco mais rude do que pretendia e me arrependi instantaneamente. Se havia algo que eu não queria era machucá-la.
- Não. – ela foi suave e, ainda assim, firme.
Entendi que, então, deveríamos conversar. Mas entreabriu seus lábios e beijou-me. Não como da última vez, mas de forma lenta e até romântica, segurando meu rosto ternamente. Senti todo meu corpo aquecer diante de seu toque, e percebi que nossa relação ultrapassaria os limites físicos, e isso me preocupava. Reuni forças e segurei sua face também, afastando-a:
- Onde estamos indo, ? – encarei-a com as sobrancelhas franzidas de preocupação.
- Aonde tivermos que ir. É só um beijo. Você não quer? – ela fez charme e cheguei à conclusão de que não poderia resistir. Eu não queria resistir.
- Como eu quero...
Beijamo-nos mais uma vez e ela veio sobre mim, deitando-me e se acomodando como se meu corpo fosse sua própria cama. era leve e, apesar da criança em si, tinha curvas femininas, acentuadas nas pernas e na cintura. Senti meu corpo gelar e queimar simultaneamente enquanto seu peso pressionava o meu da forma mais adorável possível.
Meus dedos prenderam nos novos nós de seu cabelo molhado, e ela sorriu durante o beijo em um gesto doce. Ah, como eu me sentia impróprio por querê-la tanto. Mas como eu me sentia certo com ela. era um paradoxo em minha vida, e eu sabia que poderia viver paradoxalmente para sempre se eu a tivesse.
Um alarme de celular soou, e ela ergueu-se velozmente, parando-o e esticando-se como se não tivéssemos estado junto a momentos atrás. Confesso que fiquei decepcionado com a interrupção, mas não podia insistir sem parecer que a estava forçando a algo. Acho que no fundo eu só era um paranoico de primeira linhagem.
recolheu a toalha e fez um turbante engraçado com o cabelo:
- Vai para a sala, senta no sofá e, para o seu próprio bem, não me desmente.
Fiz exatamente como ela disse, divertindo-me com sua autoridade e, ainda assim, sentindo-me muito subordinado por isso.
- . – chamei.
- Eu sei o que estou fazendo. – ela veio da cozinha com um copo d’água e entregou-me. – Agora é só esperar.
Quando ouvi passos no corredor, começou a rir:
- Não sabia que o senhor podia ter piadas tão boas. – seu pai entrou na sala e ela foi abraçá-lo. –Boa tarde, pai. Que bom que chegou cedo. – depois olhou para mim. – Eu disse que ele não demoraria. Vou terminar de me arrumar.
E foi para seu quarto. Além de tudo, ainda era uma ótima atriz. Entendi na hora que ela calculara quanto tempo seu pai levaria te chegar a casa. Inteligente. Controlei minha vontade de sorrir e cumprimentei Paulo, que deu-me todo um boletim sobre o que sua filha faria.
- Vai sair com os amigos para comemorar o aniversário. Gosta muito de sair, uma pena que não o faça com frequência. – explicou enquanto sentava-se no sofá.
- Aniversário? – perguntei, surpreso.
- Ela não te disse? Não fala de outra coisa há semanas! Não deve ter dado tempo então, é a única explicação.
- Possivelmente. – sorri divertido com a possibilidade. E, para não perder o costume, ajeitei a gravata.

Capítulo 4


POV
De sábado para domingo, eu tivera muita dificuldade em dormir repassando todo o meu dia com . Sobre a forma como suas mãos eram grandes, firmes e cada dia menos hesitantes. Sobre seus olhos radioativos, que me contaminavam fortemente com os impulsos mais distantes da infância. Ah, eu me sentia uma menininha suja perto dele, mas ele era tão maravilhoso comigo que aos poucos essa sensação se esvaía.
Meu celular tocara. Como eu odiava aquele som. Não colocava nem mesmo minhas músicas favoritas para que eu não deixasse de gostar delas. Pelo horário percebi que não era a , que sempre me ligava à tardinha, e ainda eram 11 horas. Reparei o visor: “”. Sorri, divertida.
- Oi, ! Fala. – sentei-me na cadeira e coloquei os pés na mesa.
- ! Tudo certo? – sua voz era insegura e jovial, totalmente oposta a de .
era um garoto da minha sala que eu conhecia há uns quatro anos, apesar de sempre termos morado no mesmo prédio. Ele parecia alguns anos mais velho que eu, mas era pouco menos de um ano mais velho do que eu. Era inseguro, vacilante e passava horas com seus vídeo games e amigos tão infantis quanto mesmo. Tinha visivelmente um forte abismo pela minha pessoa, e eu, devo confessar, me aproveitava abertamente disso.
- Tudo excelente! E você? – comecei a esfregar algodão com acetona nas unhas.
- Na mesma. Escuta, você nunca mais deu as caras. – pareceu magoado.
- Sem drama, falou? Te vejo quase todo dia na escola.
- , tira os pés da mesa. – meu pai falou enquanto revirava as panelas.
- Desde quando você liga pra isso, pai? – afastei o celular do ouvido.
- Sempre liguei, sou médico e isso é antihigiênico.
Tirei-os, revirando os olhos, e voltei-me à ligação.
- , você está aí? – o garoto perguntou do outro lado da linha.
- Estou! Eu estava falando com meu pai. O que dizia?
- Dizia que você pouco fala comigo na escola agora. Fica de murmúrios e risinhos o dia todo com as meninas e, quando me aproximo, você nem me dá atenção.
- Awn. – fiz bico como se ele pudesse ver, divertindo-me com seu drama pessoal. – O está magoado e precisando da , é?
- Para com isso, vai. Eu só... Por que você não vem aqui em casa hoje? É domingo e moramos no mesmo prédio, o que custa você vir me visitar? – sua voz falhou, ainda com alguns sintomas de puberdade. Eu detestava esse tipo de som, que ressaltava sua imaturidade, mas fazia questão de rir.
- Custa o solado do meu sapato. – brinquei.
- Então você não vem? – sua voz soou ansiosa.
- Já estou indo, chorão. – e desliguei.
Eu não era uma garota muito boa com ele e eu deveria me envergonhar disso. Mas também não era nenhum santo, já ouvira falar de todos os seus casos com algumas meninas. Ele era um lerdo apaixonado exclusivamente comigo, então eu dava-lhe o troco pelas outras garotas.
- Quem era? – meu pai perguntou.
- O . – espreguicei-me e saltei da cadeira.
- Ah! – ele disse sem esconder sua admiração pelo seu admirado “bom rapaz”. – E aonde você vai?
- Vou à casa dele rapidinho. Acho que ele quer conversar comigo ou coisa assim. – dei de ombros.
Virei-me e caminhei para fora da cozinha, mas meu pai me seguiu e argumentou:
- Você tem dezessete anos agora e... – balançou a cabeça, cansado de sua própria enrolação. – Vocês dois estão namorando?
- Não! – quase gritei. era bom amigo e “rapaz de bem”, mas não era nada do que eu gostaria de ter em um namorado.
- E nem foram?
- Nunca! E não seremos, garanto. – ergui as mãos para enfatizar a informação.
- Você nunca me falou de namorado algum, . – raras vezes Paulo me chamava pelo apelido, mas quando o fazia era como um método de aproximação.
- Eu não namorei ninguém ainda, ué. – cruzei os braços e me encostei na parede
- Não é como se você fosse inocente como uma criança, não é?
- Não tive nada sério. Nada que valesse à pena de ocupar o tempo do meu médico favorito. – segurei suas mãos, ternamente. – Quando eu achar alguém que valha nosso tempo de verdade, eu vou lhe contar.
Ele abraçou-me e depois fui me arrumar. Botei um vestido de alcinhas azul esverdeado com corações e calcei meus chinelos, penteei o meu cabelo só para não dizer que não o tinha feito e coloquei uma fita rosa bebê no cabelo da cor do chinelo.
Desci até o andar de baixo e tive a feliz percepção de que morava em frente ao 14G. Sorri, mas voltei-me à porta de meu amigo. Quando estava quase apertando a campainha, para deleite de meus ouvidos, escutei:
- ?
- Oi! – virei-me e acenei. era como o sol para os meus olhos, belo e ofuscante. Ainda assim, como uma criança, continuava a me aventurar na brincadeira de quem o encara por mais tempo. – Você mora mesmo no 14G.
- Não ia mentir para uma garotinha. – ele colocou o lixo no lugar que levava à lixeira principal. Bateu as mãos, tirando o bruto da sujeira. – Que está fazendo aqui?
- Visitar um amigo. O . Conhece?
- O garoto da frente. – ele disse, sem interesse. – Ele deve ter uns vinte anos, não é?
- Não, tem minha idade. – aproximei-me e sussurrei com as mãos em volta dos lábios. – Mas a mente e a atitude de alguém muito mais novo.
Ele deu leves batidinhas na calça de moletom cinza, e meus olhos se perderam em seus ombros largos e braços com um contorno singularmente maravilhoso sob a camisa branca justa. Estava ainda mais belo assim e tive que me concentrar para não começar a babar. Apenas brincando. Eu não ia babar.
- Entendo.
- O senhor era assim? . – respondi, rindo internamente com meus pensamentos.
- Não lembro bem. – ele ajeitou os cabelos. – Ah, sim. Tenho algo seu, só um instante. – mudou de assunto repentinamente.
Ele entrou em casa e encostei-me à sua porta, que ele deixara aberta.
- Ah, entre, por favor. Deixe só eu lavar as mãos antes. – higiênico. Meu pai ia gostar mais ainda dele depois disso.
Era um apartamento bem simples comparado com seu escritório, mas ainda assim tinha uma decoração muito mais bonita que a minha casa, que era uma bagunça de cores e móveis. Os móveis de seguiam um padrão claro, com exceção dos detalhes e do sofá que era verde musgo e aveludado.
- Fique à vontade. – falou antes de entrar em seu quarto e logo voltar com um pirulito em mãos. – Era aquele que você tinha me dado.
- Está me dando de volta? – pus as mãos na cintura, parecendo zangada, mas maravilhada pelo fato de ele ter guardado.
- Foi seu aniversário ontem e eu não fazia ideia. Não tive tempo para lhe comprar um presente decente. É só para não passar totalmente despercebido. – ele quase pareceu envergonhado diante da simplicidade de seu presente.
- Você guardou... – segurei, contendo a alegria.
- Recordação.
- Não precisa se recordar do que está na sua frente. – sorri e comecei a desembrulhar o pirulito que estava grudento, amassado e com formiguinhas. Acabou escorregando de meus dedos e caindo em seu carpete. – Ah, meu Deus! O que eu fiz! Desculpa. – recolhi rapidamente e corri até sua cozinha, onde o joguei no lixo.
- Não foi nada. – ele veio atrás de mim e observou eu jogar o doce fora. – Você acabou de dispensar meu presente.
- Não fica triste, por favor! Ah, eu só estou piorando tudo! – senti que ia explodir de vergonha e desastre. Pus as mãos no rosto sem saber o que fazer e fiquei assim por um bom minuto, em autoproteção. Quando saí de meu “casulo”, chamei. – ?
- Na sala. – sua voz ribombou em meus ouvidos, vindo do outro cômodo.
Corri até lá e vi que ele estava passando uma escovinha no lugar onde o doce havia caído. Joguei-me no chão ao seu lado e empurrei-o, tomando a escovinha e esfregando freneticamente:
- Eu faço, eu faço.
- , já saiu.
Larguei a escova e olhei-lhe ali, ajoelhado do meu lado. Não sabia se sua expressão denunciava tristeza com minha desfeita ou até mesmo diversão com meu desespero. Difícil saber. Era difícil interpretar aquele homem. Eu amava isso.
Então, sem hesitar, larguei a escova e sucumbi às minhas vontades, pulando em seu pescoço e empurrando meus lábios contra os seus. Seus lábios, ainda que finos, eram macios e pareciam se encaixar perfeitamente aos meus, dando-me à sensação que eu poderia ficar assim para sempre. Pensando bem, eu não aguentaria. Sou uma pessoa muito inquieta para ficar fazendo sempre a mesma coisa.
- , a porta está aberta. – ele se afastou, sorrindo.
- Assim que é bom. Emoção. – ri e nos beijamos mais uma vez.
Meus braços envolviam seu pescoço e ele puxava meu corpo para mais perto, causando-me pequenos tremores internos. Eu achava incrível a forma como estar com ele me energizava e divertia, era como uma brincadeira alucinante que eu simplesmente não cansava de jogar.
Quando nos afastamos, deitei-me no carpete macio e ele observou-me sentado:
- Pretende rolar no meu carpete para sempre? – o tom de brincadeira apareceu e senti-me satisfeita.
- Só se você estiver nele. – pisquei.
Em desafio, ergueu-se e caminhou. Vi seus pés grandes e com veias que me pareciam fortes. Segurei seu calcanhar e ele quase tropeçou, mas era equilibradodemais até mesmo para isso.
- Não me larga assim, seu chato. – olhei para cima, observando seu olhar forte e imponente.
- Não o farei. Vem comigo. – estendeu-me sua mão e ajudou-me a levantar.
Reparei em alguns post it’s pendurados pela casa.
- Nossa, então o senhor é esquecido mesmo. – passei os dedos sobre alguns, lendo-os.
“Reunião Sr. Rogério – Quinta-feira”, “Jantar executivo – Terça-feira”, “Estudar casos – Segunda-feira”. Uma estava incrivelmente marcada “Visita Mãe – Domingo”. Sorri ao ver sua atenção com aquele post it.
- Você vai visitar sua mamãe hoje?
Seu rosto empalideceu e ele pôs a mão na cabeça.
- Esqueci! Ah, eu esqueci!
- Opa, então é melhor eu ir embora para o senhor correr. – adiantei-me para a porta, pronta para ir embora, mas uma senhora cheia de sacolas estava logo ali em frente. – Oh.
Vi atrás da senhora um casal com um bebê de colo e mais uma morena de vestido tubinho.
- Oi, mãe. – apareceu atrás de mim.
- Você esqueceu de novo, não é, ? Eu sabia que sim, por isso trouxe o almoço. – ela sorriu.
- Por favor, deixe-me ajudá-la com as coisas. – peguei todas as sacolas que ela carregava e levei para a cozinha.
- Ah, obrigada. Muito gentil da sua parte. – ela encaminhou-se comigo enquanto carregava um pirex com uma lasanha que me cheirava muito bem.
- Eu sou a , é um prazer em conhecê-la. – cumprimentei-a depois de esvaziarmos as mãos, retornando à sala, onde meu deus grego pessoal conversava com as outras três visitas. - O doutor é advogado do meu pai, então vim tirar algumas dúvidas por ele já que moramos bem pertinho. Mas já estava indo embora.
- Por que não almoça com a gente, querida? – ela perguntou, deixando-me surpresa. Eu não havia cogitado aquela possibilidade.
- Ora, carrego algumas bolsas leves – menti, pois estavam pesadas. – e oferecem-me um almoço? E depois eu que sou a gentil. Não se incomodem.
- Fica, . – insistiu.
- Tem certeza? É uma reunião em família, não quero ser intrusa. – mexi nos cabelos, louca para aceitar, mas não querendo ser muito abusada.
- Incômodo nenhum. Por favor. – a senhora pôs as mãos com unhas muito bem pintadas e senti-me grata por ter tirado o esmalte vergonhoso que usava antes.
- Certo, mas me deixa ajudar na cozinha. Assim fica tudo nos conformes.
- Mas uma menina tão jovem sabe cozinhar?
- Não sou tão jovem, sou quase uma moça independente. – pus as mãos na cintura enquanto voltava para a cozinha com a senhora . – Além disso, meu pai trabalha muito, tenho que me virar em casa. Quantos anos a senhora me dá?
- Hum, quatorze.
- Passou longe. Dezessete. Desde ontem.
- Minha nossa, não parece! Queria eu parecer mais jovem. – ela esticou suas rugas de expressão. Tinha os cabelos de um belo tom de cinza com fios prateados, mas uma elegância visível. – Mentira, estou muito satisfeita com a minha aparência. Reflete exatamente minha experiência. – revirou as sacolas, tirando alguns ingredientes para doce.
- A senhora é muito bonita. – eu disse refletindo a verdade.
Tinha os mesmos olhos do filho e traços bem desenhados. Deveria ser a garota mais bonita de todos os lugares que frequentava quando tinha minha idade.
Ela sorriu ao ouvir minha alegação.
- Você que é muito bonita, com todos esses sorrisos e borboletices. – colocou a lasanha no forno.
- Obrigada. O que posso fazer para ajudá-la?
- Nada de muito esforço. Só abra essas latas de leite condensado, e tudo mais. Vou fazer uma sobremesa maravilhosa. Gosto de sobremesas frescas.
- Posso fazer um café? Assim eles bebem enquanto esperam. – sugeri.
- Ótima ideia.
Primeiramente fiz o que ela mandara, e depois servi as visitas. Reparei que trocara de roupa, colocando um jeans e uma outra camisa branca, que não era para dormir ou me deixar babando. Coloquei o café nas xícaras e as distribuí e limitei-me a sorrir para o bebê que deveria ter meses, embalado em um belo soninho no colo da mãe. A mulher tinha os cabelos pintados de loiro e era casada com o homem que parecia uma versão mais morena, mais velha e menos elegantemente encantadora de . Seus olhos também eram ligeiramente puxados para o verde e os cabelos mais escuros, provavelmente o irmão mais velho.
A mulher de vermelho tinha o tom de pele e o formato dos olhos idêntico aos da loira, mas tinha os cabelos pouco mais escuros que a pele e corpo mais escultural. Deduzi que eram irmãs. Diferentemente da irmã risonha, ela só ria das coisas que falava e ela não lhe olhava de um jeito que eu aprovava.
Fiz bico e menção de voltar para a cozinha. Mas o irmão de bebeu um gole do café e dirigiu-se a mim com entusiasmo:
- Não sei o que você e mamãe fizeram na cozinha, mas o café dela está muito melhor que o normal.
me olhou com um breve sorriso, já ciente que era de minha autoria.
- Foi ela que fez, Ricardo. – a senhora apareceu segurando um pano de pratos.
- Excelente! Excelente, mesmo! Almoça com a gente mais vezes. E daqui a uns três anos, se não quiser fazer faculdade, vem ser minha secretária. – diferentemente do irmão ele era animado e de sorriso fácil.
- Por que três anos? – perguntei.
- Quando fizer dezoito.
- Faço ano que vem. – ri.
- Wow, você parece ser mais novinha. – seus olhos estavam arregalados e fazia gestos exagerados, o que me fez lembrar de mim mesma.
- Nunca sei se isso é elogio ou não. – sorri.
- Vai por mim, é um elogio. – a esposa falou.
- Luíza, por que você não vem me ajudar a pôr a mesa? – a senhora pediu.
A morena levantou-se com um pouco de má vontade, e passei-lhe a frente:
- Deixa que eu faço.
- Não, não. Deixa a Luíza fazer alguma coisa pra agradar a Deus. Senta lá um pouquinho. – ela fez-me um carinho no braço e eu me senti tão amada, que quis abraçá-la muito forte e roubá-la para ser minha mãe. A ausência de minha mãe sempre me fazia ter esse tipo de carência maternal e eu sempre me sentia muito frágil diante dessa necessidade.
- Tudo bem. – sentei-me em um dos sofás.
- Ah, , permita que eu apresente minha família. Esse é meu irmão Ricardo. – o irmão levantou-se antes de mim e apertou minha mão animadamente. – Minha cunhada, Luana. E o filho deles mais novo. – beijei-lhe as bochechas antes que ela se desse ao trabalho de levantar.
- Tenho um garotão da sua idade também. – Ricardo disse, orgulhoso. – Seria bom se ele tivesse vindo hoje. Ele está na casa da namoradinha, mas todos sabemos que não vai durar muito. Ela é uns três anos mais velha que ele, logo lhe dará um chute no traseiro. – riu.
- Ricardo, ele é seu filho. – Luana deu-lhe uma cotovelada no braço, mas com um sorriso no rosto também.
- Você já conheceu minha mãe, Bete. E a irmã da Luana, que é a Luíza. – ele apontou para a cozinha, discretamente.
- Deve ser legal ter uma irmã. – comentei para Luana. – Qual a diferença de idade de vocês?
- Oito anos. – Luana pôs o bebê em um tipo de berço-cadeirinha portátil. – É uma diferença considerável, e sempre tivemos círculos de amizades diferentes. Somos diferentes... Esses dois também. Não parecem nem que são irmãos. é educado e um tanto quieto. Ricardo é falante e...
- Galante. – ele brincou com as rimas. “O senhor é galante sim, mas o senhor seu irmão é muito mais”, pensei.
- Beberrão. – Luana completou e rimos.
- também bebia quando ia às noites comigo e os amigos. – defendeu-se.
- Com muito mais classe, confesse. – divertia-se com aquilo tudo. – Por que você não fala para a Luana como você se aproximava das moças?
- Gatinha, você gosta mais de Red Label ou Ice? – ele disse fazendo uma voz ainda mais grossa e lançando uma piscadela à esposa, enquanto ria.
- Isso é ridículo, Ricardo! – Luana ria.
- Ninguém pode mudar o meu jeito moleque de ser.
- E essa frase ganha o título de a mais broxante do dia.
Caímos em uma profunda gargalhada, até que Bete nos chamou para almoçar e nos alimentamos incrivelmente bem. Pois a comida estava maravilhosa. E logo comemos a maravilhoso bolo de dona Bete e brinquei com o bebê que acordara e se divertira muito com minhas caretas mais sem graças. Senti-me extremamente confortável com todo aquele dia. Exceto os olhares indiscretos de Luíza para . Mas, com todo o carinho que Bete me dedicava e a diversão que me forneceram, eu conseguia ignorar facilmente esse detalhe.
Depois de cumprimentar todos alegremente e de receber um grande abraço de Ricardo e Ana, eles foram embora. jogou-se no sofá com um sorriso bobo.
- Quando vejo esse filho do meu irmão eu me lembro de quando o primeiro nasceu. – ele riu e me sentei ao seu lado. – Eu tinha dezesseis. Tinha acabado de me mudar pra Laranjeiras com meus pais e eu ainda queria tocar guitarra na TV. Fui para a maternidade visitá-lo, mas logo que vi todos aqueles bebês me senti nervoso. Eram todos tão molinhos e pequenos. Mas me lembro que havia uma menina que, diferente dos outros que só dormiam e choravam, batia a perninha e mexia as mãos freneticamente.
“’Ela é brava.’ Eu disse a minha mãe.’É de Leão.’
“’Eles nasceram no mesmo mês. Todos são de Leão.’ Ela respondeu.” – ele riu nasaladamente com a própria lembrança.
- Você leu o nome dela? – perguntei, divertindo-me com a história.
- Li. A primeira coisa que fiz ao chegar em casa foi anotar em uma agenda onde eu costumava guardar as coisas: ‘Maternidades me deixam nervoso. não.’
- Espera aí. – comecei a associar a história. – Seu irmão disse que o filho deles tem minha idade. Vocês moravam em Laranjeiras, então deve ter sido em uma maternidade próxima, certo?
- Certo.
- Eu sou de Leão. E meu nome é . – ri da situação.
- ? – ele parecia incrédulo.
- Você não achou que fosse meu nome de verdade, não é?
- Nossa... Isso é o que eu chamo de nossos destinos foram traçados na maternidade. Aliás, retiro o que disse, você me deixa nervoso sim.
Rimos juntos e sua gargalhada intensa era-me aconchegante. Deitei-me em seu colo e ele me olhou com ternura:
- Você os cativou. – referiu-se à família.
- Eles são ótimos. – suspirei. – Mas ninguém sabia e ninguém viu.
- O quê?
- Que estava ao teu lado então.
- É porque você foi muito discreta. – ele começou a mexer em meus cabelos. Ah, como seria bom dormir assim em seu colo, ouvindo sua voz grave e sob sua atenção. Ter sua atenção só para mim era como ser uma solista em um palco e o público ser apenas ele, e, ainda assim, estar mais do que satisfeita com isso.
- Não sou discreta.
- Mas engana bem. – depois, ele ficou sério. – ... Eu não sei bem o que somos. Eu não sei se devo, mas queria esclarecer as coisas, porque não compreendo bem ainda.
- Não basta o compromisso, vale mais o coração. Entende? Não precisamos de um rótulo agora. Para mim o que sinto é suficiente. Não é para você?
- Não só suficiente. – acariciou meu rosto. – Vai além do que eu imaginava poder ter.
Ele curvou-se e nossos lábios se roçaram, como uma vontade não obedecida. Sorri e por fim rolei para o chão, erguendo-me e indo em direção à porta:
- Já é tarde. Meu pai já deve estar começando a sentir minha falta e... – refleti sobre aquela sensação de que deveria ter feito algo, mas não fiz. Enfim, recordei o que era. - Eu acabei não indo à casa de ! Olha o que você fez! – pus as mãos na cintura, em bronca.
- Aposto que você se divertiu muito mais comigo do que o faria com ele. – ele veio até mim.
- Não lhe respondo pra não inflar seu ego. – cruzei os braços e fiz bico.
- Eu quero que você diga. – lançou-me um olha sedutor e apertou meu rosto com uma mão de forma não agressiva, mas intensa. – Diga.
Ah, eu não conseguia negar diante daqueles olhos vidrados nos meus.
- Foi melhor. – falei ainda de bico. – Foi muito melhor.
Ele sorriu, e o calor de seu sorriso fez meu coração se aquecer. Depois, me deu um abraço apertado e acolhedor e um beijo de leve.
- Minha menina.

Capítulo 5


POV
- Cheguei! – joguei os chinelos pro alto com chutes.
- , não faz isso! – meu pai apareceu. “, não faz isso!” já estava quase virando seu hino nacional e aquilo me divertia. Logo atrás dele, vi Ana Júlia e o marido com cara de gordo. – Onde você esteve? Seu celular não parou de ligar e o ligou aqui para casa dizendo que você não tinha chegado.
- Ah, pai, imprevistos! Encontrei o doutor no corredor e conversamos sobre faculdades, e aí a mãe dele apareceu, me achou uma graça – apertei minhas próprias bochechas – e me chamou para almoçar. Ela insistiu e acabei não podendo negar, passei a tarde com a família dele.
- Não é o advogado que você falou, pai? – minha irmã perguntou.
- Ele mesmo. – respondi por ele. – E se não acreditar, pode ligar para ele e perguntar.
- Eu acredito, filha. Por que não vai para o quarto com a sua irmã ter uma conversa de garotas?
Fiz uma careta e fomos.
- Cadê minha cama, ? – Ana Júlia perguntou, chateada.
- Nossa, faz tempo mesmo que você não vem aqui. – joguei-me em minha cama. – A gente doou. Você não mora mais aqui e cama vazia atrai visitas.
- Você não passou o dia com sua própria família. – ela sentou-se ao meu lado.
- E você não avisou que ia vir. Aposto que meu pai te recebeu de braços abertos, mas teve que fazer bem mais comida pra você e seu marido futuro gordo.
- Odeio quando você fala essas coisas... Você é a ovelha negra da família, ! – ela mexeu no cabelo, nervosa. Reparei o quanto não nos parecíamos, seja em aparência como em personalidade. Ana tinha alisado os cabelos que batiam na altura dos ombros e tinha o rosto fino. Eu tinha cabelos longos e ondulado nas pontas e o rosto redondo de uma criança. Ana aparentava ser uma adolescente, mas boa parte das vezes agia como uma velha. E eu aparentava e agia como uma criança em boa parte das vezes.
- Não é como se nossa família fosse um rebanho muito limpinho, não é? – apoiei a cabeça na mão.
- Mamãe me ligou essa semana. Disse que está com saudades e mandou um beijo. – seu olhar foi triste e eu a entendia, mas eu era rude demais com esses assuntos. Sempre fui.
- Por que ela não faz o novo american boy e os filhinhos dela comerem os seus beijos com pasta de amendoim e bosta do cachorro Bethoven deles?! – sentei-me e soquei a cama.
- Ela ainda é nossa mãe, . – tentou.
- Ana, se ela ligasse mesmo pra gente ela se dava ao trabalho de ligar com mais frequência, mandar algumas cartas ou uma droga de e-mail. Ela nunca nos convidou para visitar ela, que dirá morar com sua “ilustríssima pessoa”! Só veio no seu casamento pra manter as aparências. Prefiro até pensar que papai nos adotou. – desabafei.
- Nossa família é um desastre mesmo. – Ana Júlia deitou-se, cansada.
- Nossa família não é um desastre. Nós somos um desastre! – levantei-me e chutei o armário. Falar da minha família me deixava tensa. - Indivíduos formam um conjunto. Quantas vezes eu já me senti uma praguinha suja? Quantas vezes eu já achei você uma adolescente rabugenta? Cada um de nós fez essa família ser uma droga.
- A gente pode mudar isso, . – minha irmã me abraçou.
Ela chorava fácil e senti suas lágrimas molharem meus ombros. Senti uma breve vontade de chorar também, mas passou quando reparei nos cabelos de minha irmã:
- Ah, não! Você fez isso de novo! – ri das mexas pintadas de vermelho misturadas ao castanho alisado. – Isso é podre, Ana Júlia!
- Eu gosto assim! – ela mexeu no cabelo.
- Vai parecer uma adolescente de dezessete pra sempre.
- E isso não é bom?
- É. – sorri.
****

POV
era uma criatura encantadora. Ela desenvolvera em mim o hábito de sempre ao acordar ir até a janela e esperar ela sair do prédio para comprar pão. E lá, do sétimo andar, eu a observava enrolada em casacos e andando rapidinho.
Ela fazia com que a beleza de Luíza fosse dispensável próxima à sua graça. Aliás, desde que meu irmão se casara com Luana – e isso já fazia dezesseis anos -, ele vivia a insistir para que eu saísse com Luíza. Ela era de fato muito bonita, tinha um corpo escultural, sabia se vestir de forma que deixava qualquer homem louco – inclusive eu, por um tempo -, mas era muito vulgar e sua sexualidade era dinheiro. E esse último fator não era muito atraente.
Fui para o trabalho e tive um dia cheio. Tentei sair do escritório o mais cedo que pude para compensar, por volta das cinco e meia, e, para minha alegria, quando me encaminhava para casa, vi um grupo de adolescentes e no meio deles havia uma aura totalmente diferente da dos outros: .
Encostei o carro e pensei que o fato de ela estar ali era estranho, já que só era liberada às seis. No total, eram quatro adolescentes, , mais uma menina e dois outros garotos. A menina não era a do porta retrato, e reconheci que um dos garotos era o meu vizinho da frente, . Desagradei-me ainda mais ao reparar no número par e na forma como a todo o momento insistia em contatos físicos com , que dançava sem música e gargalhava muito alto, para a rua inteira ouvir. Sua gargalhada quase me fez relevar os outros, mas abraçou-a forte e eu simplesmente não conseguia relevar isso.
Saí do carro e atravessei a rua com passos firmes, indo até eles.
- Doutor! – ela sorriu para mim ainda no abraço do garoto. O fato de não me chamar pelo nome na frente dos outros demonstrava menos intimidade do que tínhamos. Fuzilei o garoto com o olhar e ele soltou-a.
- Tudo bem? – perguntei e me senti estúpido por ter feito aquela pergunta. Queria perguntar por que ela não estava na escola, por que estava com eles, por que deixava aquele garoto chegar tão perto dela, por que ela não viera me abraçar ou milhares de outras coisas.
- Estou excelente, e o senhor?
- Muito bem. Obrigada. Vou te levar para casa. – peguei-a pela mão, mas ela puxou-a de volta.
- Ei, calma. Nós só estávamos passeando um pouco. Saímos mais cedo da escola e aproveitamos para nos divertir. – ela mexeu em uma das maria chiquinhas.
- Saíram há quanto tempo?
- 50 minutos mais ou menos.
- Ótimo. Já se divertiu o suficiente. Para casa. – peguei-a pelo pulso e a puxei.
- Tchau, gente! Até amanhã! – ela acenou.
Entramos no carro e seu sorriso se desfez, colocando um bico no lugar:
- Eu mal me despedi deles. Por que fez isso? – estava claramente irritada com minha atitude.
- Você não pode ficar andando na rua como se estivesse totalmente segura. – dei a partida.
- Eu não estava sozinha e ainda não escureceu completamente. Eu já estava indo para casa. – cruzou os braços. – A sua insegurança era por mim.
- Como?
- Você estava com ciúmes. Você não aceita me ver com ninguém sem ser você.
- Nunca fui ciumento. – disse.
- Agora é. E é ainda mais ciumento quando o assunto é o . – sua voz parecia uma lâmina de tão cortante.
- Aquele moleque só quer se aproveitar de você. – senti meu rosto ferver de raiva só de imaginar a situação, e reparei que, de fato, eu estava com ciúmes.
- É mais fácil que eu me aproveite dele. Aliás, é tudo o que faço desde que o conheço. – Ela era cruel, mas senti-me incrivelmente bem ao ouvir aquela afirmação. – E para de falar como se fosse meu pai.
- Eu me preocupo. – justifiquei-me.
- Papai! – ela gritou e eu levei um susto. – Você não é meu papai! Ou você quer ser? – beijou meu pescoço, e senti um arrepio percorrer meu corpo. Tive a vontade de fechar os olhos, mas lembrei-me imediatamente que estava dirigindo.
- , senta aí. Eu estou dirigindo! – empurrei-a de leve, recolocando-a em seu banco.
- Ah, você é um chato! – cruzou os braços de novo. – E não pense que eu esqueci que essa situação foi ridícula. Não quero que se repita.
Estacionei na garagem do prédio e ao terminar de subir o vidro do carro, peguei uma caixinha vermelha em formato de coração de um dos bolsos internos do paletó.
- Sei que já faz uns dias desde o seu aniversário. Mas eu tinha que te comprar algo. Espero que compense o atraso. E o dia de hoje também. – dei de ombros e entreguei-lhe.
Ela abriu a caixa e se deparou com o anel prateado.
- Onomatopeia do céu! É lindo! – ri de sua reação, enquanto ela colocava-o no dedo. – Espera, isso não é de compromisso, não é?
- Não. – sorri. – É só para que se lembre de mim.
- Não preciso me recordar do que está à minha frente. – ela sorriu e sentou-se em meu colo, pendurando-se em meu pescoço e me beijou.
A calça de seu uniforme era justa em seu corpo, mas ainda assim, desejei que ela usasse a saia do uniforme. Ah, ela só dificultava as coisas para mim. E eu gostava disso. Minhas mãos passearam em suas pernas, e ela se agitou satisfeita. Ela trocou sua posição e sentou-se de frente. Senti mover os quadris e percebi o típico calor que apenas ela injetava em minhas veias. Senti-me pulsar e fiquei tentado a avançar mais. Entretanto, eu não podia. Eu não devia. Aliás, eu não deveria nem mesmo tê-la beijado e ali estávamos. Talvez nossa diferença de idade não importasse. O que eram dezesseis anos de diferença perto do que eu sentia por ela?
fez um movimento brusco e a buzina do carro tocou. Afastamo-nos rapidamente e gargalhou ao saltar para o outro banco. Saí do carro, voltando a mim, desesperado em pensar no fato de alguém nos pegar no flagra. De fato, seu Zé apareceu:
- Pensei que estavam roubando algum carro.
- Ah, não. – saíra do carro com um sorriso travesso no rosto. – Eu buzinei pra dar um susto no senhor mesmo. Vejo que deu certo.
- Não estou assustado. Estou preocupado, é diferente.
- Vou me esforçar mais da próxima vez.
Ele voltou para a portaria e nos dirigimos para o elevador.
- , você não tem jeito mesmo. Imagina se pegam a gente. – arrumei a gravata, nervoso.
- Ia ser só uma emoção a mais. – ela deu de ombros e me encarou, mordendo o lábio inferior. A mulher que havia dentro de si reaparecendo em seus olhos. – Estamos em um elevador. Ia ser muito divertido. – ela puxou minha gravata.
- Há câmeras aqui.
- Eles só veem se tiver algum assalto no prédio. E não acho que aqui seja um point de ladrões. – senti um suor frio escorrer por minha nuca.
- E se aparecer alguém?
- Não vai aparecer ninguém, “papai”. – a palavra dançou em seus lábios, com puro deboche. E eu a beijei. De forma rápida e sedenta. Afastando-me em poucos segundos.
- Pronto. Satisfeita?
- Um pouco. – ela balançou o corpo para frente e para trás, voltando a ser a menina que era. – Sabe, da última vez que você foi lá em casa.... Quando eu te vi fechar a porta eu pensei em me atirar pela janela do oitavo andar.
- Você está louca? –franzi o cenho.
- Sempre fui, mas acho que ando pior ultimamente. – ela me olhou psicoticamente, e depois riu. – Estou apenas brincando. Só acho que você podia aparecer mais vezes. Olha, seu andar.
- Certo. – saí. – Boa noite, .
- É para você, seu sujo. – ela fez cara feia, e eu senti meu estômago revirar com sua frase e expressão. Mas logo ela sorriu, e acenou animadamente. – Apenas brincando. Até mais, seu bobo.
Ela brincava comigo como se eu fosse o brinquedo mais caro da loja: sempre voltando para brincar, mas nunca me levando para ser definitivamente dela. Pensei no que ela me dissera sobre sempre ter se aproveitado do outro garoto e pensei se ela não faria o mesmo comigo.
Não, claro que não. Eu era um advogado bem sucedido, um homem feito. Ela não podia fazer o que quisesse de mim. E, no entanto, ali estava eu, com atitudes e pensamentos que eu nunca imaginaria ter. E tudo por causa dela.

POV
- Não, fica aqui um pouco. Só assim você compensa seu furo no domingo. – segurou meu braço.
Naquela quinta-feira tínhamos ido embora juntos da escola. insistira para que eu ficasse conversando com ele e paramos no seu andar.
- , vamos conversar. – ele encostou-me contra sua porta. – Você não me dá mais atenção.
- E você me dá muita atenção. Obrigada. – debochei, cerrando os olhos e sorrindo sem mostrar os dentes.
- Você não conversa mais direito comigo. – acariciou meu rosto e eu afasteisua mão.
- Que mentira! Na segunda-feira a gente ficou cinquenta minutos conversando lá na rua!
- Até esse daí aparecer e te carregar pra longe. – ele indicou o 14G com a cabeça.
- Longe? O andar de cima é tão longe assim? – cruzei os braços, entediada com a conversa. Odiava cobranças. – Se você for ficar falando só sobre as suas carências e começar a chorar, você avisa que eu vou logo para casa. Não tenho paciência para essas coisas.
- Eu estou cansado dos seus jogos. – ele segurou meus braços.
- Nossa, demorou, viu? Aposto que teve que pedir ajuda para algum amigo seu lhe dizer o que estava acontecendo e o que fazer, não é verdade? – pisquei os olhos fazendo charme por fora, mas sendo uma pequena megera por dentro.
O rosto de se contorceu de raiva e eu pensei que ele fosse me jogar no chão, mas ele fez algo muito pior. Ele me beijou.
Reuni toda minha força para empurrá-lo e gritei de ódio e de nojo. Eu tinha desprezo pelo ato de forçar alguém a fazer o que quer que fosse. Dei-lhe um tapa no rosto:
- Nunca mais chega perto de mim, ouviu?! Diz para o amiguinho babaca que mandou você me beijar ir pra...
- Ele fez o quê? – apareceu no corredor e observou meu rosto, e logo depois o de . Em menos de dois segundos ele já tinha dado um soco no rosto do garoto e uma briga considerável começara.
Dei alguns passos para trás surpresa. Não ia negar que eu estava muito satisfeita de estará apanhando pelo que fez. Mas o fato de tomar as rédeas da situação como se eu não já o tivesse feito, fazia-me parecer uma mocinha indefesa. E eu não era aquilo. Eu podia lidar com meus próprios problemas.
- Para, !
- Ele vai ter que aprender a não ser um completo babaca imaturo! – ele segurou o pescoço do garoto.
- Para agora mesmo! – aproximei-me e encostei em seu ombro. – Os vizinhos vão aparecer daqui a pouco por causa do barulho. Larga ele, deixa que essa situação eu resolvo. Aliás, acho que ele já entendeu.
largou-o e ele caiu no chão arfando. Ele abriu a porta de casa, e, sem me encarar, disse:
- Entra, .
- O quê? – perguntei, confusa.
- Entra.
Obedeci, contrariada e ele fuzilou com o olhar mais uma vez enquanto entrava no apartamento. Ele fechou a porta atrás de si e respirou fundo. Colocou as chaves na mesinha do canto da sala, acendeu as luzes e tirou o paletó e a gravata, depois me apanhou água e fez-me um carinho no rosto, preocupado:
- Está tudo bem com você?
- Estou bem. – desviei o olhar. – Você não precisava ter feito aquilo. Estava tudo sob controle.
- Não precisava? Aquele pervertido em miniatura te beijou à força! Eu disse que ele ia se aproveitar de você. – seu rosto estava vermelho de raiva, e ele nem parecia o homem controlado de sempre.
- Eu já tinha lhe dado um tapa! Eu estava terminando de brigar com ele. não ia reagir, eu o conheço! – coloquei o copo na mesa, e cruzei os braços readquirindo minha fúria.
- Conhece tão bem que você com certeza previu que ele ia te agarrar, não é?
- Não, mas mesmo quando se conhece uma pessoa não dá pra prever o que ela vai fazer sempre! Eu nunca ia prever que você pudesse se alterar tanto! Esse ciúme ridículo está começando a passar dos limites!
- Muito menos eu! Você me enlouquece, . – ele jogou-se no sofá, derrotado. – Então me ajuda a segurar essa barra que é gostar de você.
- Faz parte do desafio de gostar de mim. Não dá pra eu te ajudar. – suspirei, dando-lhe as costas. – Isso não é amor.
- Se isso não é amor, o que mais pode ser? Não me rejeita assim. – ele tocou meus ombros. – O que sabes fazer agora veio tudo de nossas horas.
- Eu vejo que aprendi – encarei-lhe, incrédula com sua afirmação. – e o quanto eu te ensinei. Mas não subestime meus gestos, nem tudo é só você.
- Pois digo o mesmo. Nem tudo é só você, . O mundo não gira a sua a volta. Acostume-se com isso. – a irritação voltava a sua voz.
– E você não tem que achar que eu sou uma dama em perigo. As coisas não são mais assim.
- Você é minha, ! Eu tenho que te proteger! – ele levantou-se.
- Eu não sou sua propriedade!
- Então me diga o que você é. – ele gesticulava e gritava comigo e isso me deixava louca.
- Sou fera, sou bicho, sou anjo e sou mulher. – vociferei, e eu vi que ele hesitava, o que só aumentou a força de meu discurso. – Sou minha mãe e minha filha, minha irmã...
- Minha menina. – ele disse baixinho, se acalmando.
Balancei a cabeça negativamente com um sorriso irônico no rosto:
- É o que você pensa, mas sou minha, só minha, e não de quem quiser. – bati no peito, enquanto andava nervosamente. Por fim, parei e suspirei: - E afinal de contas... – olhei no fundo de seus olhos e radioativos, que me envenenavam cada dia mais. – Sou Deus... Tua deusa. – senti-me derrotada, pois afinal de contas, de alguma forma, eu era um pouco dele também.
- Meu amor. – ele veio em minha direção.
- Não quero mais ficar aqui. – eu tinha perdido não somente aquela discussão, mas um amigo e também um duelo comigo mesma. Coloquei minhas mãos em seu peito e falei: - Não quero mais a tua insensatez.
Ele olhou-me com o rosto sério e sem emoção. Andou para trás e disse:
- Se preferir assim, que vá. Não penso em te seguir.
Foi como se ele tivesse me dado um tapa. Mais forte do que qualquer outra agressão que ele pudesse ter feito a . Cheguei até mesmo a ouvir o estalo daquele tapa em minha mente. Meu estômago revirou e eu tive vontade de bater nele. Bater até que ele me amasse.
No entanto, aquilo tudo me tirara as forças. Meus olhos se encheram de lágrimas, e antes que elas escorressem, corri para fora de seu apartamento.

Capítulo 6


POV
Fora extremamente difícil pegar no sono. Seja pela culpa do que eu dissera – que fora rude e sem coração. –, seja por ouvir a voz de no andar de cima. “Eu te odeio” ela dizia “Eu te odeio tanto que dói”. Ela repetiu isso tantas vezes que perdi as contas, parando apenas quando seu pai chegou em casa. Entretanto, a dor em seus olhos e voz ecoou em minha cabeça até horas da manhã.
Eu devo ter dormido por umas três horas quando acordei e fui para a janela esperando que ela saísse para comprar pão. Mas mesmo uma hora depois de seu horário normal para fazê-lo, ela não saiu. Minha garganta tinha um incômodo inigualável, e eu sentia a necessidade de me desculpar com ela.
Coloquei um jeans e uma camisa qualquer e fui até a loja de doces mais próxima e comprei um saco de pirulitos. Coloquei em uma caixa cor de rosa e fui até o 14H. Toquei a campainha e Paulo abriu a porta com o semblante cansado.
- Bom dia. Desculpe incomodar tão cedo, mas trouxe um presente para . – sorri simpaticamente.
- A intenção é boa, mas creio que vai ser um pouco difícil entregar a ela agora.
- Entendo, ela saiu. – senti-me decepcionado.
- Ela sumiu. – ele soltou um riso sem humor, com o rosto cheio de preocupação.
- Desculpe, eu não sei se entendi bem. – senti meu coração parar e segundos depois voltar intensamente, como que para compensar sua pausa descuidada.
- Não a encontrei em casa hoje de manhã. Ela sempre avisa quando sai e ela nunca sai antes das cinco horas da manhã, que é o horário que acordo. Largou o celular aqui e só dei falta de uma mochila e peças de roupa.
- Ela fugiu... – um palavrão atolou minha garganta e tive vontade de socar a parede. – O senhor tem ideia de onde ela pode ter ido?
- Já liguei para a casa da . Não está lá. Eu já estava começando a ligar para alguns dos outros amigos dela. – ele ergueu o celular que segurava.
- Posso ver o quarto dela? – perguntei. – Para ver se ela deixou algum vestígio ou ideia para onde possa ter ido?
- Sim, por favor.
Ele me deu passagem e fui até o cômodo. Era incrivelmente perturbador vê-lo arrumado daquele jeito. Como se com o fato de ela não estar ali, tivesse o descaracterizado. A cama estava perfeitamente forrada e a mesa organizada.
Peguei um caderno cor de rosa e comecei a folheá-lo, passando os olhos nas palavras sem dar importância a elas – eu estava invadindo sua intimidade, não poderia me dar ao luxo de guardar suas palavras. Os lugares citados eram parque de diversões, parquinho do bloco seguinte, escola, casa da , casa do , shopping, padaria e lanchonete. Peguei uma caneta e arranquei uma folha em branco do caderno – pedindo desculpas mentalmente a – e anotei o nome dos locais.
Dei uma última olhada no quarto e a única coisa que vi no chão fez meu coração partir em algumas dúzias de pedaços. O anel que eu lhe dera.
Fechei a porta do quarto e blindei minha mente de todo e qualquer apelo emocional. Encarei o pai dela e disse, firmemente:
- Nós vamos achá-la.
****

Desci as escadas e fui em direção ao meu apartamento apenas para recolher as chaves e documentos antes de sair procurando por ela. Quando estava “caminhando” para o elevador, saiu de sua casa com o rosto ainda machucado e os olhos roxos. Olhou-me com rancor, mas dirigi-me a ele:
- Está se sentindo bem, moleque?
Ele cuspiu aos meus pés e eu sorri, sentindo-me superior àquela atitude:
- Muito bem, você sabe cuspir. Agora me diga, como você se sente sabendo que a fugiu de casa e Deus sabe o que está acontecendo com ela agora? E como se sente se adicionarmos a isso o fato de que você é o culpado de todo esse conflito?
- A ... Fugiu? – ele aprecia incrédulo, mas logo a raiva voltou ao seu rosto. – Não jogue a culpa toda em mim! Eu ouvi vocês discutindo e eu a vi sair chorando do seu apartamento.
Chorando... Só de imaginá-la chorando por minha causa meu estômago revirou.
- Se você não tivesse feito toda aquela cena, nós não teríamos discutido. E ela não teria nem pensado em desaparecer. – segurei a gola de sua camisa, tentando me conter para não agredi-lo novamente.
- Quem você pensa que é? O pai dela? Porque essa é a única explicação pra toda essa preocupação sua com ela, ou... – sua expressão transformou-se em nojo. – Você é desprezível! – empurrou-me. – Vocês estão juntos, não é?
- Isso não é da sua conta.
- Ela é a juventude em pessoa e você é um velho nojento. Espera só o pai dela ficar sabendo disso. – ele riu sarcástico.
- Ah, você só vai melhorar a situação contando suas suspeitas sem provas. De fato, depois disso a vai cair a seus pés e ser sua subordinada. – ironizei. – Mas creio que esse não é um momento propício para bancar o herói dela, porque ela não está aqui. Se você tiver alguma ideia de onde ela possa estar, apenas diga ao pai dela.
Virei as costas e entrei no elevador, deixando-o de lado. Estar naquele elevador sem saber se se quer estava bem, me atordoava. Lembrar do olhar que ela lançara para mim ali, do jeito que seus lábios encostavam nos meus. Balancei a cabeça, focando-me em achá-la.
Encontrei o pai dela na portaria, onde ele me entregara o celular dela com suas fotos para que procurássemos informação. Ele pedira ajuda a Seu Zé que também se mostrara pronto para ajudar.
Escolhi uma foto na qual tirara de si mesma com um sorriso suave e os lábios projetados para frente, com uma camisa verde. Bonita, mas ainda assim, não era nada próxima à sua beleza pessoalmente. Perguntamos a passantes se viram a garota, mas todos que sabiam algo diziam que só a viram dias atrás em ônibus ou caminhando por ali. Nada que fosse útil porque ela acabara de fugir.
Nenhum dos amigos que ligamos sabia algo sobre, e eu tinha em mente a hipótese de que pelo menos algum deles estava mentindo. E se até o dia seguinte não tivéssemos notícia dela, eu faria uma visita a alguns deles para me certificar.
Deixamos um aviso na escola, que não tinha nenhuma informação diferente sobre ela. E enquanto o pai dela foi procurar em alguns conhecidos deles, procurei-a no parque de diversões, mas ninguém sabia sobre. Procurei em todos os shoppings da região e o resultado fora o mesmo.
No fim do dia, quase à meia noite, cheguei em casa e desabei na cama, refletindo todos os outros possíveis lugares para distrair minha mente de pensamentos negativos ou desesperadores. Eu não me perdoaria se algo acontecesse à . Eu me sentia responsável, e, pensando bem, eu era.
- Droga, ! – chutei a porta do meu quarto e esfreguei o rosto. – Droga.
****

Ligamos para a polícia, pois já fazia vinte e quatro horas desde seu desaparecimento e dei a sugestão de começarmos a procurar na casa de seus amigos. Sugestão que Paulo aceitou muito bem. Ele estava um caco, e eu não deveria estar muito diferente.
Começamos pela casa de . A mãe da menina recebeu Paulo com um abraço e parecia realmente triste com a situação. Ofereceu-me água e pediu que eu me sentasse no sofá. Conversamos um pouco e, por fim, acabou indo para a cozinha com Paulo e deixou-me sozinha com .
A menina analisou-me e eu fiz o mesmo, não só com ela, mas com o lugar e vi algo que me chamou atenção.
- Vocês duas são amigas há muito tempo não é mesmo?
- Cinco ou seis anos. - ela assentiu, abalada.
- Ela não esconderia uma fuga dessas de você. – juntei as mãos, encarando-a firmemente.
- Eu também achei que não, mas escondeu. – ela esfregou os olhos.
- Valeu a tentativa, mas você tem que ter aulas de teatro com a .
- Como?
- Você gosta de doces? – ela franziu as sobrancelhas, com minha abrupta mudança de assunto.
- Hum, não muito. Minha mãe é diabética então tenho tendências.
- Então como você explica aquela embalagem de pirulito ali?
Ela arregalou os olhos e correu para apanhar, enfiando nos bolsos.
- Não conta para a minha mãe que eu ando comendo doce escondido. – ela voltou a sentar no sofá.
- Foi a . Você a escondeu aqui. – fui logo ao ponto.
- Droga. – pôs as mãos na cabeça. – Olha, eu não posso te falar para onde ela foi ou onde ela está. Até porque eu já nem sei. Se minha mãe descobre isso, eu estou é morta.
- Você tem que me falar onde a está. Ela pode estar com algum problema ou...
- Eu não sei onde ela está, ok? Ela só me ligou ontem de noite, e eu a mandei passar a noite aqui. Eu a escondi da minha mãe e a saiu antes mesmo de ela acordar. – sussurrou nervosamente.
- Ela vai te ligar hoje de noite. Vocês se falam todo dia, ela não quer e não vai mudar isso. Apenas, me mantenha informado, certo? – entreguei-lhe meu cartão. – Só me diz como ela está. Eu... – perdi a noção do que estava acontecendo. As palavras apenas escaparam-me, fartas de permanecerem silenciadas. – Eu a amo.
assentiu, guardando minhas palavras em seu cérebro.
- Acha ela, tá? Bota um pouco de juízo naquela cabeça. – suspirou. – Mentira, não bota não. Se não ela deixa de ser minha melhor amiga e eu nem sei o que eu faço da minha vida. Só... Procura com cuidado. – depois, sorriu. – Ela gosta de você também.
Logo após isso, doutor e a mãe de entraram na sala, despedindo-se e agradecendo à ajuda.
Fui até o parquinho próximo ao nosso prédio, mas não consegui melhores informações.
Sentei-me no banco de pedra e dei-me conta que ainda estava com seu celular. Olhei suas fotos: seus sorrisos, cabelos jogados de lado ou em diferentes penteados, olhos brilhantes, lábios bem desenhados. Peguei-me sorrindo e senti-me ridículo por não ter pensado em procurar alguma informação ali.
Revirei suas últimas ligações e notas, vi belos versos e confissões, e uma pequena nota com frases soltas.
“Lanchonete e pirulitos. Refrigerantes e sorrisos. Ele me ama?”

Senti-me culpado por nunca ter dito que a amava diretamente. Suspirei, entrei no meu carro e fui até a lanchonete. Lá vi a mesma garçonete de batom rosa que nos atendeu da última vez. Ao me reconhecer ela tentou se esconder, mas me aproximei:
- Bom dia.
- Bom dia, senhor. – ela disse.
- Eu gostaria que você me dissesse se você viu essa menina. – mostrei a foto. – A menina que veio aqui comigo da última vez. A que você achou que fosse minha filha. Você a viu?
- Por quê?
- Simplesmente porque ela desapareceu já faz mais de um dia. – respondi, como se fosse óbvio. Porque normalmente quando se procura uma pessoa é por que ela está perdida, certo?
- Bem, ela veio aqui ontem.
Senti-me estúpido por não ter procurado ali primeiro.
- Você pode me dizer exatamente o que ela fez? – questionei.
- Bem, ela entrou meio perdida e se sentou ali. – apontou para uma mesa no canto. – Ficou olhando a chuva cair até ela passar e não pediu nada quando fui falar com ela. Depois foi embora.
- Em que direção ela foi após sair daqui?
- Ah, eu não vi. Sinto muito.
Assenti. Voltando ao começo.
- Obrigada.
Saí do local e após perguntar para mais algumas pessoas, que não souberam responder nada sobre, sentei-me na praça diante à lanchonete, em um banco pintado de branco. Perdi-me em meus pensamentos e distrai-me olhando o nada. Quando dei-me conta já era noite, a lanchonete já estava fechada e não havia mais ninguém na rua. Mas eu não me sentia forte o suficiente para levantar-me e ir para casa. Deitei-me no banco e eu dormi na praça, pensando nela.
****

Acordei com a chuva gelada batendo em meu corpo. Abri os olhos e, ainda meio zonzo, vi uma silhueta conhecida próxima a mim.
- ! – ergui-me rapidamente e segurei seu pulso.
Ela me encarou com aqueles olhos grandes e tristes. Aproveitou-se de minha distração e se soltou, correndo.
- Eu não quero perder você de novo, ! – corri atrás dela, que não desacelerou nem por um segundo.
Também não desanimei e continuei indo atrás dela. Ela só perdeu velocidade quando teve que pular uma cerca de arames, pulei-a também e finalmente consegui segurá-la. chorava e suas lágrimas se misturavam com a chuva que engrossara.
- Minha menina... – abracei-a e ela soluçou em meu peito.
- Você disse que não ia me seguir. Você mentiu.
- Eu não minto. Eu não sou assim. – segurei-a firme e encarei-a. – Eu não te segui uma vez e essa foi a pior coisa que eu fiz. Estive em um estado de desespero nesses dois dias, que eu nem mesmo me reconheci. – suspirei. – E agora? O que mais você vai fazer comigo?
- Eu não sei, mas... Não se preocupe. Não penso em me vingar. Não sou assim. – eu adorava a forma como ela brincava mesmo em meio às suas lágrimas. - Você não fez a barba. – ela passou a mão pelo meu rosto.
- Não tive tempo nem disposição. Era só você. – sorri ternamente. – É só você.
- Não vou voltar.
- Não seja orgulhosa. – sequei-lhe as lágrimas, simbolicamente, já que a chuva encharcara-a novamente. – Está tudo bem agora. – segure-lhe a mão e fiz menção de voltar para o parque, mas ela me soltou.
- Você não me compreende. E já que não me entendes, não me julgue, não me tentes. – ela cruzou os braços.
- Pretendo lhe tentar para sempre se isso lhe mantiver comigo. – beijei-a gentilmente e apreciei-lhe.
Ela sorriu-me e pendurou-se em meu pescoço, tascando-me outro beijo. Depois, riu e disse:
- Meu pai vai me matar.

Capítulo 7


POV
O fato é que se eu não fosse tão orgulhosa, com certeza eu não teria fugido. Tomei a decisão durante a madrugada de cabeça quente, e depois de arrumar a mochila com algum dinheiro e roupas, pensei em desistir, mas com tudo pronto, eu não consegui.
Durante a primeira noite, passei na casa de , que me acolheu e escondeu como nenhum outro amigo faria. Na segunda noite, eu passaria ali naquela praça onde eu encontrara . Nunca imaginei que o veria com a barba por fazer ou mesmo correndo atrás de mim.
Quando ele me encontrou, comecei a chorar, não só pelo cansaço e pelo emocional ferido, mas principalmente pelo machucado em meu joelho que eu arrumara em uma cerca com arame. Ele dirigira até o nosso prédio, com um olhar cansado mas feliz e eu não podia me sentir mais satisfeita.
Antes de me levar para casa, passamos em seu apartamento, pois ainda eram quatro horas da manhã e ele me dissera que meu pai deveria finalmente ter conseguido dormir. Enrolou-me em um lençol quente e deu-me uma toalha para que eu me secasse. Ele tomou um banho rápido e colocou roupas secas e foi buscar uma caixa de primeiros socorros para dar um jeito na ferida em meu joelho.
- Seu pai pode fazer melhor, mas é só provisório. Para não ficar pior. – ele ajoelhou-se e começou a limpar o machucado.
Observei seus olhos atentos e dedicados e senti-me a garota mais sortuda do mundo. Também comecei a refletir sobre o quanto ele mudara desde que eu o conheci, surpreendendo-me cada vez mais. E eu apenas não sabia dizer se isso era bom ou ruim.
Mexi em seus cabelos e ele sorriu enquanto procurava um curativo na caixa. Refleti em como inicialmente ele tinha todos os movimentos calculados, e agora tinha repentes impulsivos. Apesar de não saber interpretar se era benefício ou não, eu gostava daquilo.
- O que fazes sem pensar aprendeste do olhar e das palavras que guardei para ti. – balancei o joelho já com o curativo.
- E por que não os mostra para mim? – ele beijou meu rosto.
- Ora, porque não quero. – levantei-me.
- Diga o que quiser, mas para mim, você continua sendo minha menina.
Dei língua para ele, e sorriu.
- Vamos, seu pai vai ficar contente em lhe ver.
- Espero que sim.
****

- , o que você tem na cabeça?! – meu pai gritou assim que me entregou como um belo presente embrulhado em um lençol.
- Não devia ter feito isso. Sinto muito. – respondi de cabeça baixa.
- Não devia. – ele me abraçou. – Não devia. Mas fez. – largou-me e cruzou os braços recuperando a raiva. – Por que fez isso?
- Eu estava cansada dessa rotina, que queria algo novo. Eu estava confusa se o que queria e o que estava fazendo era certo. Eu precisava de tempo para mim. – não menti em meus motivos, mas omiti o estopim de tudo aquilo. – Não sei se me arrependo exatamente. Acho que não, e sinto muito por isso. Mas é uma experiência a mais na minha vida.
- Procure ter experiências menos traumatizantes para quem se importa com você. – ele passou a mão no rosto, farto. – Não trabalho a dois dias e me sinto tão exausto que diriam facilmente que estive de plantão por uma semana.
Eu entendia o quanto ele se importava com o trabalho, mas eu me sentia um peso a mais em sua carreira. Aquilo me angustiava porque raramente tínhamos tempo juntos.
- Você vai me desculpar? – perguntei.
- Vou, filha. Só promete não fazer mais essas coisas.
- Prometo.
- Certo. - ele me abraçou e pegou o computador. – Espero que isso te ajude nas suas decisões.
Olhei para a página aberta, e senti meu coração quase prender na garganta.
-------------------------------------------------------- CLASSIFICADA
Dei um grito e comecei a saltar. Eu tinha me esquecido completamente do resultado da prova, e agora estava louca de alegria.
- , não são nem cinco da manhã ainda. Os vizinhos... – meu pai ria.
- Danem-se os vizinhos! Eu quero que todos eles saibam! – botei as mãos em volta da boca: - Eu passei! Eu vou fazer cinema!
Depois de mais alguns gritos e saltos alguém bateu na porta e meu pai disse:
- Eu falei.
Dei mais uma risadinha e fui atender. Era .
- Desculpe incomodar de novo, mas ouvi uns gritos e fiquei preocupado.
- Eu não bati nela. – meu pai disse, dando de ombros. – Não ainda. Não se preocupe. O motivo da gritaria é outro. Contra para ele, .
- Eu passei o vestibular! Eu vou fazer cinema! – saltei em seu pescoço em um abraço, ignorando a presença de meu pai.
Ele riu, desejando-me parabéns e girou-me.
- Temos uma nova cineasta no Rio de Janeiro. – ele me pôs no chão, sorrindo. – A mais nova, maior e melhor!
- Vamos sair para comemorar. – meu pai disse.
- Às cinco da manhã? – perguntei.
- Às cinco da manhã. – confirmou. – Conheço uma padaria muito boa perto do hospital. , nos acompanha?
- Se eu não incomodar. – ele respondeu.
- Claro que não. Então vamos.
- Eu não queria cortar o clima nem nada, mas... Tem como vocês esperarem eu tomar um banho e colocar uma roupa seca? – ri.
Eles assentiram, divertindo-se da situação. Fui rápida e vesti um top cropped azul marinho e um short jeans de cintura alta. Fiz marias chiquinhas baixas e fomos para o tal lugar.
A padaria tinha um ambiente claro e fresco. Iluminado pelos primeiros raios de sol das seis da manhã. Os funcionários eram bastante receptivos para o horário e o garçom que nos cumprimentara não parava de me olhar. Esse tipo de situação inflava meu ego e me fazia sentir como uma rainha. E eu adorava me sentir assim.
- Bom dia. Como posso servi-los? – o garçom de olhos e cabelos escuros presos com um lenço branco com o símbolo do estabelecimento.
- Pode começar me servindo. – acenei e ele sorriu.
- E como eu poderia servi-la da melhor forma, senhorita? – ele fez uma pequena reverência. Ah, como eu gostava daquilo. Aliás, ele era muito bonito. Não tinha a beleza arrasadora e madura de . Mas era jovial e encantador.
- O que uma cineasta pediria? – pensei, pedindo ajuda com os olhos para meu pai e . Mas o doutor estava muito ocupado com o cardápio e o doutor muito preocupado em fuzilar o garçom com o olhar. Dei de ombros. – Traga-me Romeu e Julieta com sorvete e capuccino com chantilly.
- Certo. – ele anotou no bloco. – Eu mesmo vou me certificar em fazer. Capricho no chantilly?
- Sem dúvida nenhuma. – pisquei.
- E para os senhores? – ele voltou o olhar para os homens que estavam na mesa comigo.
- Eu vou querer um café comum e torradas com um acompanhamento qualquer. A geleia mais fresca que tiver. – meu pai disse.
- E o senhor?
- Um expresso e... – sua voz estava mais rouca que o normal, e os olhos ameaçadores. Por um momento, pensei que ele fosse pedir o pescoço do próprio garçom fatiado para o café da manhã. Mas ajeitou a postura e disse: - algumas torradas e uma fatia do bolo do dia.
- Mais alguma coisa?
- Não. – ele disse firmemente, e o rapaz assentiu voltando-se para a cozinha.
me lançou um olhar como se perguntasse “qual é a sua?” em palavras mais bonitas e pomposas, e eu respondi-lhe com um erguer de sobrancelhas.
Antes que o garçom sumisse de vista, gritei:
- Ei, moço! – ele voltou-se para mim. – Traz umas panquecas com açúcar e canela também. Capricha no açúcar, viu?
- Beleza. – ele piscou e desapareceu na cozinha.
Senti que ia certamente me repreender, se meu pai não estivesse ali. Eles conversaram sobre o seu caso jurídico que ia se encerrar na próxima semana. E eu comi minha refeição, que de fato, o garçom/cozinheiro/admirador me preparou. Ele se preocupara em derreter a goiabada e deixar o queijo tostado. Botara bastante chantilly no meu delicioso cappuccino, e fizera panquecas deliciosas.
Depois que terminamos, adiantou-se em me oferecer uma carona de volta para casa enquanto meu pai ia direto para o trabalho. Deixou-me em meu apartamento, sem dizer nem uma palavra durante o caminho.
- Você não está chateado comigo, está doutor ? – perguntei.
- Não.
- Mas que cara fechada é essa então?
- Você não devia ficar lançando olhares para aquele moleque. – sua expressão era séria, mas eu não era nem um pouco.
- Você sabe que gosto de brincar com eles, não sabe? – fiz bico e me aproximei.
- Não gosto disso. Na verdade, acho que você brinca é comigo. – ele desviou os olhos de mim.
- Não mesmo. – balancei a cabeça negativamente e segurei seu rosto. – Não brinco com os seus sentimentos. Eu amo você. – selei nossos lábios rapidamente.
- Eu amo você. – ele disse e meu coração bateu incrivelmente feliz. Beijou-me tão rapidamente quanto eu fiz e se afastou. – Mas hoje você está de castigo.
- Como assim? – perguntei, sem entender nada.
- Você não me chama de papai? Estou te educando. – ele caminhou até a porta.
- Mas por quê?! - bati o pé, incrédula.
- Por fugir, por dar mole para o garçom e por ser uma má menina. – ele saiu e disse antes de sumir pelo corredor: - Pense no que fez.
- ! – corri atrás dele, mas ele entrou no elevador e a porta se fechou. – Ao menos, me traz sorvete! – gritei.
Bufei e voltei para dentro de casa, onde me joguei no sofá e vi uma caixa cor de rosa na mesa de centro cheia de pirulitos. Ah, ele me mimava tão bem.

Pov
Estava tudo indo maravilhosamente bem. Apesar de eu ter encerrado o caso de – com a vitória dele -, nós continuávamos em contato e havíamos nos tronado amigos. Ele confiava em mim e fazia-me visitas muito animadoras. Ela estava com um alto nível de euforia com o fim das aulas e sua nova faculdade e tudo parecia maravilhoso em meio a suas gargalhadas.
Até o dia em que a ouvi discutindo com seu pai no andar de cima. E, no dia seguinte, ela veio até meu apartamento chorando. Acalmei e consolei-lhe, quando com os olhos ainda vermelhos ela me disse:
- Meu pai sabe. – fungou. – contou.

Capítulo 8


POV
Senti meu corpo se encher com a raiva pelo garoto. Levantei-me pronto para irar satisfações com ele, mas segurou meu braço:
- Não, por favor. Fica comigo. Pode ser a última vez. – seus olhos eram suplicantes e sua voz triste.
- O que quer dizer com última vez? – senti meu coração bater mais devagar, temeroso.
- Eu tentei conversar com ele a respeito antes de ele ficar sabendo, mas meu pai estava sempre tão ocupado, não consegui me aproximar o suficiente para contar. – ela suspirou. – E agora, que soube pelos outros, ele nunca vai permitir. Está furioso, e eu não consigo nem encará-lo mais... Acho que ele vem falar com você logo. – colocou as mãos no rosto e fechou os olhos, como se aquele gesto pudesse fazer tudo mudar ou se apagar.
- , eu vou conversar com ele. Paulo é um bom homem, vai entender.
- Não, ele não vai. – ela recomeçou a chorar. – Você não o conhece como eu conheço. – as lágrimas escorriam pelo seu rosto de boneca, enquanto ela mexia nervosamente em um palito de pirulito. – Acho que é melhor pararmos por aqui...
- Não, . Não. –beijei-a, buscando me afogar em sua própria essência, e ela retribuiu, mas por fim se afastou.
- Ao menos um tempo para as coisas se acalmarem. Para a gente ver se esse é o certo mesmo.
- Você sabe que é.
- Eu sou só uma menina... – ela levantou-se e caminhou olhando para o chão. Soltou o palito no chão. – Talvez você deva conhecer outras mulheres. – a insegurança, não típica dela, fazia manchas nos meus sentidos. Abaixei-me peguei o palito vermelho de pirulito e coloquei no bolso, por fim, voltando-me a ela.
- Uma vez você me disse que era mulher. Sua e só sua. Sem uma hesitação na voz. E mesmo que não seja, você ainda é minha menina. Não posso deixar você ir. – toquei seu rosto.
- Eu sinto muito. – a angústia em seus olhos me aterrou.
deu-me um beijo dolorido. Cheio de despedida. Segurei-a firme contra meu corpo, como se isso fosse fazê-la desistir de ir, como se fosse fazê-la ficar. Beijei-a como se aquilo fosse determinar sua estadia ou sua partida. Mas, mesmo assim, ela partiu.
****

Quando o pai de veio ao meu escritório, foi um problema bastante considerável. Certo, foi um problema muito grande. Eu não poderia esperar uma boa reação. Eu, um homem dez anos mais novo que ele, seu advogado e amigo, ficando com sua filha menor de idade às suas costas. Eu não queria nem imaginar o que ele pensava de mim.
Ele entrou em minha sala com uma cara terrível e minha secretária lançou-me um olhar de “qualquer coisa eu ligo para a polícia” antes de sair.
- Por que não se senta? – perguntei, tentando usar a educação que ainda restava além de minha tensão.
- Porque não vim consultar meu advogado. Vim acabar com algo que me desagrada.
- Doutor , creio que deve ter tentado explicar. Deixe-me dar minha versão da história também. O senhor pode compreender.
- Não compreendo. Não quero compreender! – a raiva começou a ganhar mais destaque em seu rosto. – Ela é minha filha, ! Criei-a para estudar, ser bem sucedida, e, por fim, se ela quisesse, casar-se com um rapaz de bem e ter uma família. Não para um oportunista velho usá-la!
- Um rapaz de bem como aquele moleque do meu andar? Aquele ? – ri, sarcástico. – Não sei se o senhor ficou ciente, mas ele a beijou à força, e eu a ajudei. – ele me olhou tentando esconder a surpresa. – O senhor queria um “rapaz de bem” que a subestime, trate-a mal e a faça uma subordinada? nunca aceitaria isso. E eu nunca teria o descaramento de usá-la.
- Você não é o que planejei, ou até o que ela mesma planejou! Você tem experiência com mulheres, e fez coisas da sua vida que Deus deve saber e eu não quero nem imaginar. Você não é homem para minha filha!
- Ela vai além de qualquer plano, de qualquer projeto de vida comum. E mesmo que eu não seja homem para ela, eu me esforçaria para ser algo que lhe agradasse. Não sou mais um rapaz, é evidente, mas tudo que fiz foi para construir o que tenho. Hoje sou independente, formado, tenho meu próprio trabalho e sou bem sucedido, não é bom o suficiente?
Ele balançou a cabeça, consternado, e mudou de assunto:
- Todas as vezes que penso em que ela foi para a sua casa ou quando ficaram juntos sozinhos, eu tenho vontade de matá-lo só de tentar imaginar o que aconteceu. Eu realmente não sei se quero saber ou sairia de mim!
- Se está insinuando que ela foi minha, está errado. é tão pura quanto o dia em que a conheci. – fui o mais direto que pude, usando palavras suaves.
Meu esforço com as palavras foi totalmente desnecessário, pois levei um soco do mesmo jeito.
- Não se refira à pureza da minha filha! Você não tem esse direito! – ele passou as mãos pela cabeça, tentando se controlar, e com o rosto vermelho de fúria, me disse: - Eu só não te mato agora mesmo, pois não teria com quem ficar e seria ainda pior.
- Preste atenção. Por favor. é jovem, mas tem uma mente madura quando quer. Ela é uma garota incrível e o senhor, mais do que ninguém, sabe muito bem disso. O que houve entre nós foi muito repentino e até inocente... – disse a última parte meio incerto, ciente de que nosso relacionamento era uma balança quebrada com a inocência de um lado e a luxúria de outro. – Eu entendo que eu deveria ter falado com o senhor, mas quis esperar o tempo dela, o momento em que ela quisesse lhe contar. E ela tentou, mas ela nunca queria incomodar e sabia que o senhor estava muito ocupado.
- Não quero que você fale o nome da minha filha. Não quero que ao menos fale ou pense nela. Você não merece isso. – ele socou minha mesa, derrubando alguns papéis.
- O senhor tem que me escutar, porque essa é a verdade. Eu me apaixonei pela sua filha, e a idade não deveria ser um determinante para o que eu sinto por ela. Eu a amo.
Ganhei um novo soco do mesmo lado que eu levara antes, lembrando-me do incômodo daquela dor.
- Não a quero perto de você nunca mais. Se isso acontecer, eu ligarei para a polícia e quem vai ir preso é você. Acredito que não seria muito bom para a sua carreira ir para a cadeia.
Ele saiu da minha sala, batendo a porta e fui até o banheiro para ver o estrago em meu rosto. O lado direito dele estava com um pequeno corte na parte de cima da bochecha e a coloração roxa que esta parte adquirira. Encostei no machucado, e fiz uma breve careta quando senti arder. Depois, não deixei de sorrir, irônico:
- Creio que o outro lado ficou com ciúmes.

****


Assim que pude, fui até a casa de meu irmão e Ricardo recebeu-me com um abraço e uma troça, como era de costume.
- Ora, se não é o caçula da família! Ei, o que é isso no seu rosto? Teve uma abriga com os amiguinhos?
- Ricardo, tenho que conversar.
- Temos. Vamos para o meu escritório, creio que lá não tenha choro de criança. – ele enfatizou a última parte da frase para que Luana ouvisse.
- Estou fazendo o que posso! Se não estiver satisfeito, faça melhor ou contrate uma babá! – minha cunhada apareceu na sala. – Oi, ! Fazia tempo que você não aparecia aqui. O que aconteceu com o seu rosto?
- É isso que eu vou descobrir agora. – Ricardo piscou e subiu as escadas.
Acenei para Luana e acompanhei meu irmão. Ele fechou a porta atrás de si e jogou-se em sua cadeira.
- Implicâncias à parte, meso se você estivesse sem essa cara roxa, você ainda estaria com uma cara terrível. O que aconteceu?
- Acabei de sair de um relacionamento complicado. – sentei-me no sofá bege.
- Você? Em um relacionamento? Complicado? Não sei o que me surpreende mais. – depois de sorrir, adquiriu um tom mais sério. - Mas você não me contou que estava em um. Sei que acabaram e tudo mais, mas você estava com quem?
- Com a . – disse de uma vez.
- ? – ele franziu o cenho, confuso. – A única que conheço por você é uma garota que tinha acabado de fazer dezessete. E que fazia um café muito bom, aliás. Não acho que seja a mesma.
- Mas é.
Ele quase saltou da cadeira e usou a mesa para se estabilizar, enquanto fazia uma cara surpresa e, por último, começou a rir:
- Não acredito! Meu irmão, ,aquele homem sério e centrado, saindo com uma garotinha?! Tudo bem que ela é uma bela de uma ninfeta, mas... Você?
- Ela não é uma ninfeta.
- Ah, é sim.
- Independentemente disso, ela é incrível. E, no entanto, eu não a tenho mais. O pai dela descobriu, levei um bom par de socos e se eu me aproximar dela o pai dela me põe na cadeia. – suspirei cansado.
- Não é tão fácil assim colocar meu irmão na cadeia.
- Não duvide de um pai furioso. – passei as mãos pelos cabelos. – Eu gosto dela de um jeito... Não sei o que fazer.
- Pode começar se mudando.
- O quê?
- Cai fora, deixa ela pra lá. Ela pode ser adorável, mas é chave de cadeia. Você pode arrumar algo melhor, começando pela sua casa. E depois, você pode começar a sair com umas boas mulheres... Não vai ser difícil, você é meu irmão. – ele ajeitou a camisa.
- Você tem certeza que isso vai funcionar?
- Absoluta. E para começar, por que não chama Luíza para sair.
- Preciso pensar. – olhei para o teto como se ele pudesse me responder alguma coisa.
Depois de um tempo, ouvi meu irmão comentar:
- Ainda não acredito que você estava com ela...
- Nem eu.

****


Depois de dois meses, eu simplesmente não consegui mais viver sob seus passos, ouvindo sua voz, cumprimentando-a como se eu não a amasse. Observando-a sair, recuperada de mim, sorrindo em meio a sua nova vida.
Acabei ouvindo a opinião de meu irmão, e comprei uma casa em outra parte de Laranjeiras. Tinha dois andares e era bem maior que meu antigo apartamento. Decorei-a com cuidado, mas deixei os sofás de veludo verde musgo por apego sentimental.
Também, cansado da solidão, convidei Luíza para um jantar.
Reservei mesas em um bom restaurante e ela insistiu para que eu não a buscasse em casa ao menos dessa vez, com a justificativa de me deixar surpreso. O fato foi que eu não fiquei surpreso com sua aparência nem com nada. Ela usava um vestido justo tomara que caia vermelho, que deixava suas belas curvas bem marcadas e era bem generoso no decote. Estava incrivelmente alta por causa dos sapatos, usava maquiagem forte e seu cabelo estava preso em um rabo de cavalo – é assim que se chama? Cumprimentei-a e puxei a cadeira para ela, que se sentou e pediu logo para o garçom o que desejava.
- Então, como você está? – ela disse com um ar informal. Era estranho, pois apesar de nos conhecermos há muito tempo nunca tínhamos conversado muito.
- Bem. E você? – respondi, meio forçado, e tentei amenizar isso.
- Muito bem. Fiquei feliz com o convite. – sorriu.
- Espero que fique feliz com o jantar também.
- Acho que vou ficar sim, escolhi bons pratos. – ela engoliu a saliva, o que me deixou tenso por rearar nesse tipo de detalhe incômodo. Era mais estranho ainda, pois eu adorava ver o movimento da garganta de enquanto falava, comia, bebia etc. – Dizem que para conhecer um homem você deve saber o que ele guarda na geladeira, na gaveta e nos bolsos...
- Dizem? – franzi as sobrancelhas.
- Dizem. O que você guarda neles?
- Bem, isso é algo inusitado. – tentei rir para descontrair. – Na geladeira, quando eu tinha acabado de me mudar e começar a vida sozinho, eu só tinha cerveja. – sorri com o pensamento. – Agora tenho alguns vinhos, água, comida em geral. Na gaveta tenho algumas canetas e blocos onde anoto coisas a fazer. E nos bolsos tenho o celular, uma carteira e... – pus as mãos nos bolsos como para conferir e surpreendi-me a encontrar um palito de pirulito, que fez meu pensamento voltar-se imediatamente a .
- E?
- Lembranças. – procurei algum lugar para fixar meu olhar que não fosse Luíza ou alguma pessoa específica, ou mesmo a minha própria pessoa em um dos vários espelhos que havia no local. Concentrei-me na taça sobre a mesa ao comentar. – Essas coisas que a gente guarda sem motivo aparentemente.
- Acho que entendo. Tipo fotografias na carteira. – ela deu de ombros.
- Sim. – menti.
Jantamos e tive dificuldade em me concentrar em algo que não fosse . Por mais que eu tivesse me mudado, procurasse estar ocupado e fazendo de tudo para esquecê-la, eu não conseguia. Eu não queria. Não conseguia entender como uma menina tão jovem podia ter tamanho poder sobre mim.
Quando estávamos esperando o manobrista buscar o carro de Luíza, ela virou-se para mim:
- Não é muito comum me chamarem para jantar e não quererem nada comigo. Se você propor logo o que tiver para propor, podemos resolver isso logo. – ela mordeu a boca de forma exageradamente vulgar.
- Certo. – respirei fundo, e disse de forma rápida para não me dar chances de voltar atrás. – Você quer manter um compromisso sério comigo? Digo, namorar.
- Claro. – e, sem perder tempo, adiantou-se e me beijou.
Seu beijo era rápido, sem entrega, sem troca. Era como um sorriso amarelo.
Felizmente, seu carro logo chegou e ela entrou nele, dizendo apenas antes de ir embora:
- Melhor eu me adiantar. Afinal, tenho que contar para todo mundo.

Capítulo 9


POV
A palavra que eu tinha para descrever meu relacionamento com Luíza era: estranho. Era como se eu só estivesse com ela por um compromisso, e ela só estivesse comigo por status. Situação deplorável, mas era o que eu tinha.
Após quatro meses com Luíza eu aprendera a vê-la de outra forma, além de seus defeitos. Afinal, era uma mulher atraente, autoconfiante, persistente e determinada. Dedicava seu tempo a mim, visitando-me com frequência e saindo juntos. Embora ela tivesse o péssimo hábito de espalhar tudo o que fazia para todo o seu círculo de amizades – que mais me parecia um globo – e adjacências. Mas, apesar dos pesares, Luíza era uma boa pessoa.
Muitas pessoas eram boas, aliás. Só que nenhuma delas era a .

POV

1° de julho. Fim do primeiro período. Ah, estava tudo indo muito bem. Eu m e adaptara muito bem à faculdade, fizera novos amigos e, confesso, perdera contato com alguns. Exceto com , porque perder contato com a era impossível para mim. Como eu viveria sem aquela garota?
Para comemorar o fim do período, eu e a maior parte da minha turma fomos ao shopping assistir a algum bom filme – o que mais se poderia esperar de uma turma de cinema? Muita coisa, mas para começar, isso.
Eu podia ver alguns dos meus colegas de classe observando minhas pernas sob o vestido cor de rosa com flores amarelas, e aqueles olhares começavam a me irritar. Então, comecei a focar-me na conversa que eu tinha com algumas das meninas.
O dia estava maravilhoso. Até ele ficar melhor.
Senti um aperto conhecido em meu pulso, e uma voz forte que fez com que eu me arrepiasse.
- .
Fechei os olhos, tentando associar se não era algo da minha imaginação. Quando me virei, vi o mesmo homem que me chamava de sua há meses atrás. Meses atrás.
- Desculpe, mas eu conheço o senhor? – perguntei.
- Não faz tanto tempo assim, não é possível que tenha esquecido. – seus olhos mostraram-se tristes diante de minha reação, mas mesmo com aquela tristeza que eu aprendera a reconhecer, ele continuava firme e com o rosto sério. Eu ainda sabia reconhecê-lo.
- Pois digo o mesmo. – cruzei os braços. – Seis meses, ! Seis meses na mais suave das hipóteses! Como assim você desaparece, não me avisa, não se dá ao trabalho nem de deixar recado com alguém?!
- , você está gritando. – ele murmurou.
- Dane-se! – gritei mais alto ainda, atraindo a atenção das pessoas. Sorri por dentro, diante da oportunidade que acabava de receber para incomodá-lo. – Você ilude, me usa, me engana, e depois quando tudo fica ruim você volta para mim?! Como você pôde fazer isso com uma garotinha de quatorze anos?! – aproveitei de minha aparência mais jovem.
- , para com isso. – ele ajeitou a gravata azul com finas listras diagonais cinza, nervoso. Sorri diante daquele gesto e lhe abracei forte. Ele retribuiu meu carinho e afagou minha nuca e cabelos, que estavam presos em um coque. – Senti sua falta.
Ao verem aquele gesto, as pessoas notaram que era uma atuação e voltaram suas atenções para si mesmas. Mas a minha, era apenas para ele.
- Não minta. – afastei-me.
- Ah, , eu queria que as coisas fossem diferentes. – ele acariciou meu rosto.
- Pois eu não queria.
- Eu esperei que você me procurasse, eu quis deixar as coisas irem ao seu tempo. – seus olhos estavam encarando os meus profundamente.
- Eu não ia aparecer do nada no seu escritório ou te ligar falando algo como “ah, oi, meu pai ainda te odeia, você não me procura nunca e acho que te detesto por isso, mas na verdade ainda gosto de você”.
- Foi minha falta. Desculpe. – ele passou as mãos pelos cabelos. Ah, como ele ficava ainda mais atraente com esses gestos. – Eu tive que me mudar. Era incrivelmente difícil viver sob seus passos, me sentindo tão perto e sabendo que se eu chegasse perto seria pior.
- Agora não tem mais problema. – fiz bico com os braços cruzados. – Não gosto mais de você.
- É uma pena. – seus dedos percorreram meu colo enquanto ele olhava para meu busto. Controlei minha respiração e esperei o que faria. Ele puxou meu colar de dentro do vestido de alças e segurou o pingente: o anel que ele me dera. – É por isso que você anda com isso? Pra se lembrar do quanto me detesta? – ele tinha um sorriso de lado no rosto, que me fizera recordar o quanto ele parecia um deus grego, romano ou qualquer adjacência talentosa e atraente.
- Exatamente. – respondi, tomando o pingente de suas mãos, e fechando-o nas minhas. – É uma lembrança. Aliás, não é mais.
- E por quê?
- Porque você está aqui. E eu não preciso me lembrar do que está na minha frente.
- Ah, ... – ele segurou meus ombros nus e se aproximou.
- Não, você não vai me beijar. – dei dois passos para trás. – Nós precisamos conversar.
- Concordo. Pode ser em um lugar mais calmo?
- Deve ser em um lugar mais calmo.
- Então hoje você vai conhecer minha nova casa. – ele estendeu-me a mão e eu cedi a minha.
Começamos a caminhar de mãos dadas, quando uma das meninas com que eu conversava, que haviam se afastado assim que eu comecei a conversar com ele, me chamara:
- , aonde você vai?
- Vou ali rapidinho e já volto. – fiz um gesto de “deixa para lá” com as mãos. – Mentira, pretendo demorar. – ri e lançou-me um sorriso abrasador. – A gente se vê depois.
Entrei em seu novo carro, que também era preto e elegante, mas era maior em altura, o que lhe dava mais imponência, mas não me dei ao trabalho de elogiar, pois ainda tínhamos muito o que conversar e eu não sabia se ele iria merecer qualquer tipo de elogio.
Chegamos a uma bela e imponente casa de dois andares muito bem decorada por fora e também por dentro. Assim que entramos reconheci na hora o sofá de veludo verde musgo, e lhe olhei apreensiva mordendo os lábios de ansiedade, esperando permissão.
- Sinta-se à vontade. – ele estendeu a mão, “oferecendo-me” o lugar, e então pulei no sofá e deitei-me nele.
- Senti falta dele. – disse enquanto roçava os dedos pelo novo carpete claro.
- Sente falta das minhas coisas mas não de mim. – ele sentou-se ao meu lado.
- Basicamente. Sabe como é essa vida de mercenária. – dei de ombros, encenando. Por fim, sentei-me. – Enrolações à parte. O que você tem a me dizer? Como anda sua vida?
- Bem, andei me responsabilizando por alguns casos mais importantes e ganhando-os. Assim eu recebi mais credibilidade. – ele retirou o paletó, e me senti tentada. – Bem, eu me mudei e comprei um carro novo. Creio que seja isso em resumo.
- Essa casa parece mais com você do que aquele apartamento. – depois olhei para baixo, fingindo interesse em seus sapatos sociais, enquanto falava: - E as mulheres? – depois o encarei sem hesitar, como se seus sapatos tivessem me dado coragem.
- Eu... Eu estou em um compromisso no momento.
- Sério? – senti um aperto na garganta e um breve soco no estômago, mas sorri, enganando até a mim mesma: - Como ela é?
- É a Luíza.
- Ah... – assenti, reprimindo meus pensamentos.
- Pode falar. – ele encostou-se à parede de braços cruzados.
- Eca. – fiz uma careta rápida e levantei-me, caminhando enquanto falava. – Eu pensei que você tivesse bom gosto depois de ficar comigo. Não que ela seja feia, porque ela não é. Se eu fosse um homem eu ficaria louco por ela. Mas felizmente, não sou. Aliás, também não seria um otário completo e eu veria claramente que além daquele corpo bonito tem má vontade de sobra e falta de opinião própria. – suspirei cenicamente. – Pronto, acabei.
- Eu entendo o que você quer dizer. – assentiu. – Pergunte o que quiser.
- Como é o relacionamento de vocês?
- Não é algo que eu chamo de bom. Bem, para se ter uma noção, marcamos de nos encontrar no shopping hoje. Ficamos juntos por uma meia hora até ela encontrar uma amiga e me dispensar para conversar com ela e passear e tudo mais. Estamos juntos há quatro meses e acho todo esse relacionamento muito mais de aparências do que de conteúdo. Não conversamos muito, e eu só comecei algo com ela para te tirar do pensamento. Se estou com ela eu te desejo, eu sonho em cometer esse pecado. – analisou-me da cabeça aos pés, o que me deixou atiçada. - Luíza não é uma tola completa e percebeu isso, ela só não sabe quem é a mulher que me tomou os olhos e os sentimentos. Acho que ela não se importa. – ele andou até mim. – Mas e você?
- Não sou garota de compromissos sérios. – dei um sorriso triste, tentando compreender toda a informação que ele me dera. – Ela não mora aqui, mora?
- Não. Não pense nela, tudo bem? Isso não vai durar. Não mais. Agora vejo meu erro. – ele segurou meus ombros.
- Qual deles? – debochei.
- Em ter criado um compromisso com a Luíza para esquecer você. Nem ela, nem qualquer outra conseguiriam. Eu não consigo nem mesmo tirar essa droga de palito de pirulito do bolso. – ele pegou o pequeno objeto vermelho e retorcido.
Ver , seus gestos, seus sorrisos, olhos, ouvir sua voz e assimilar suas desculpas, fizeram-me recordar do quanto eu gostava dele. E mais, que eu o amava.
Agarrei-o em um beijo intenso, envolvendo-o de forma que expressasse o quanto eu sentira sua falta, o quanto eu o queria e o quanto ele me fazia perder o controle que eu nunca tive. Era como perder o controle do meu próprio descontrole.
As mãos dele passeavam por meu corpo de uma forma quase desesperada, e eu entendia aquele sentimento. Ele puxou meu cabelo, desfazendo meu coque e afundei minhas unhas em suas costas, intensificando ainda mais o beijo, enquanto acariciava suas pernas com uma das minhas. Ele segurou-a firme e eu senti o quão fortes estavam meus batimentos cardíacos.
Como se tivesse se dado conta do que estava acontecendo, separou o beijo, e soltou-me a perna, mas sem se afastar:
- , não acho que devíamos... – puxei sua gravata e o interrompi.
- Você sabe que estou pronta. – ele assentiu. – Não vamos adiar nada.
E depois de mergulhar naqueles profundos e radioativos olhos , eu terminei:
- Deixe ser.
****

POV
Deixe ser. Ela disse. Talvez não quisesse dizer aquilo, mas depois de partilhar aquele momento com ela, eu entendi perfeitamente o significado daquela frase.
Era maravilhoso estar ao seu lado, apenas aproveitando o momento e esquecendo-se do tempo ou do que quer que fosse. Eu poderia observá-la para sempre, ver suas pequenas sardas como constelações em seu rosto. Vê-la sorrindo para mim...
- Baby, baby, baby, baby. – deu-me um beijo por cada “baby” que disse e riu.
- Ah, ...
- Sabe, - ela apoiou-se sobre meu peito. – eu estava pensando... Disseminam mil e uma mensagens de amor, mas quando venho lhe amar, o mundo me aponta como errada. Vivemos num mundo ruim.
- Quem pensa nessas coisas nesse tipo de situação? – ri divertindo-me com a maturidade que se misturava com sua própria infantilidade.
- Eu penso. –ela deu-me um tapa brincalhão, sorrindo-me.
- O que fazes por sonhar... – passei os dedos por seus longos cabelos.
- Mas e o mundo que virá para ti e para mim?
- Nós vamos mudar o mundo juntos. – abracei-a, dizendo-lhe sério. Depois, sorri e não resisti ao deboche: - “baby”.
- Você caçoa de mim sem dó. – fez o biquinho que eu sempre gostara.
- Mas também falo sério. – coloquei-lhe o cabelo atrás da orelha e lhe olhei fundo em seus olhos. – Quero aprender com o teu pequeno grande coração.
sorriu e eu senti meu próprio coração aquecer diante de sua beleza. Ela me abraçou tão ternamente que suspirou:
- Ah,meu amor...
- Meu amor. – abracei-a também, desfrutando do poder das palavras que pronunciara.
Nós não tínhamos corações perfeitos, não éramos pessoas perfeitas, e talvez nunca tivéssemos ou fôssemos. Também não sabia se poderíamos mudar o mundo, mas mudara o meu, e se cada pessoa tivesse a capacidade de melhorar o mundo de ao menos um outro alguém como ela fizera comigo, o mundo, como um todo, também mudaria.
Não vivíamos em uma condição fácil, mas poderia ser incrivelmente mais difícil. Independentemente disso, eu faria o que fosse necessário não para tê-la, pois agora eu entendia que era dela e só dela, mas para estar com ela e absorver ao máximo tudo o que acontecia quando estávamos juntos. E eu sabia plenamente que eu faria tudo para ficar com essa garota.



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