Don't Promise


Challenge #15

Nota: 9,5

Colocação:




Não prometa que você vai ligar
Só prometa que não vai esquecer que nós tivemos tudo
Porque você foi minha durante o verão
Agora sabemos que está perto do fim
Parece neve em setembro
Mas eu sempre vou lembrar
Você era o meu amor de verão
Você sempre será o meu amor de verão

(Summer Love – One Direction)



Flashback –


Os dedos dele tocavam os meus com firmeza e delicadeza. Eu podia sentir seu amor no toque.
Nossas mãos se entrelaçavam, um conjunto perfeito. Como nunca imaginamos isso antes? Como demoramos tanto para descobrir um ao outro?
O sol se punha ao longe, banhando a água com tons de dourado e bronze. As pessoas se retiravam aos poucos, mas nós não. Nós não precisávamos ir, não precisava acabar.
- . – ele sussurrou, seus lábios movendo-se sobre meus cabelos, o hálito quente aquecendo a região. – Não quero que acabe.
Mas ia. Nós dois sabíamos. Ia acabar.
De volta à Baltimore, nós teríamos de voltar a viver como estranhos. Iríamos cada um de volta para seu próprio lado.
Voltaríamos às nossas vidas alheias. Seria como se nada tivesse acontecido.
- Não podemos fingir que isso não aconteceu. – ele continuou sussurrando, seu rosto tocando meu ombro com ternura. – Não podemos fazer isso.
Eu queria concordar com ele, dizer que, quando voltássemos, ficaríamos juntos, independentemente do que os outros dissessem. Eu terminaria com Ethan, abandonaria o grupo de teatro e ficaria com ele, somente com ele. Assistiria sua ascensão como ídolo no basquete, ficaria ao seu lado e acordaria com ele a cada nascer do sol. Mas não era algo possível. Eu e ele nunca ficaríamos juntos.
- Por favor. – ele implorou. – Não faça isso comigo.
- , você sabe que...
- Não, . Não podemos fazer isso.
- Não quero brigar com você agora. É nosso último dia.
- Não precisa ser. Não precisa. – ele respirou fundo. – Você me prometeu...
- Eu não prometi nada. Mas ouça, prometo que vou te ligar.
- Não. Não prometa que vai me ligar. Não quero viver escondido com você. Quero que você seja minha. Não só no verão, mas também no outono, inverno, na primavera. Quero que seja minha para sempre.
- Temos um “para sempre” limitado. Você sabe. Você sempre soube.
Ele soltou minhas mãos, afastando-se de mim.
- Por quê? Diga-me o porquê. É por causa do Ethan? É por causa dele?
- Ele é meu namorado.
- Você não o ama.
- ...
- Você não o ama. É essa a verdade, você não o ama. Então... Qual é o motivo para prender-se a ele? Qual é o problema comigo? É porque eu sou bolsista? Porque eu sou pobre?
Fechei os olhos, tentando controlar as lágrimas que já ameaçavam sair.
- Vamos, . – ele disse, virando-me para si com brutalidade. – É porque eu sou pobre?
- , não... – estiquei minhas mãos até seu rosto, mas as mãos dele bloquearam-nas antes que chegassem ao destino. Ele prendeu minhas mãos dentro das suas com força.
- Não te entendo.
- Eu sei que não. Eu sei.
- Fica comigo. – ele disse, olhando-me nos olhos. – Eu não vou pedir outra vez. Eu juro. Se quiser ir embora, vá embora. Vá em frente, suma da minha vida de uma vez por todas. Você nunca mais vai precisar trocar meia sílaba comigo.
Eu nada disse.
E esse foi meu maior erro.



***

Minha mãe dirigia de volta à nossa casa, cantando alguma canção de Michael Bublé com certo ânimo.
Ânimo este que não combinava comigo.
- Como foi o verão?
Eu queria muito dizer a ela. Contar a ela sobre . Sobre como nós descobrimo-nos juntos, sobre como havíamos nos beijado, nos tocado, nos amado. Sobre como ele era perfeito para mim.
Mas eu não podia fazê-lo. Não podia deixar que ela soubesse que eu havia fracassado. Que eu a havia traído.
Lembrava-me com clareza de quando ela me dissera para nunca me apaixonar. Eu prometera a ela. E eu havia fracassado.
- Foi uma bosta. – respondi.
- Ah, querida... O que houve?
- Ahn... O sol. Eu... Queimei minhas costas.
- Eu te disse para levar o protetor, meu amor.
- Desculpe.
- Aconteceu mais alguma coisa?
Balancei a cabeça, negando, enquanto virava-me para a janela e encarava a paisagem de Baltimore.
Queria tanto que desaparecesse do mundo. Que eu não tivesse que cruzar com ele na escola segunda-feira. Que não tivesse que vê-lo jogar basquete em momento algum. Não queria ter que olhar em seus olhos e saber que eu jogara tudo fora.
O grande amor só acontece uma vez na vida.
E eu o havia jogado no lixo.
- Vou cantar hoje no Alpha’s, você quer ir? Vai ser o encerramento do seu verão. Pode cantar alguma coisa comigo se quiser.
- Está bem.
Ela assentiu, mas não sorriu.
A história com minha mãe era complicada. Tão complicada que ela nunca me dissera.
Tudo que eu sabia era que, além de seu pai e do meu irmão, ela não seria capaz de amar nenhum homem. Fora abandonada cedo, pelo homem que era meu pai e de meu irmão.
Filiou-se, ainda muito jovem, a um partido feminista que fazia protestos sobre os direitos da mulher e sua inserção política e social.
Foi algo que passou para mim. Aos catorze anos eu havia me filiado ao mesmo partido feminista que ela se aliava, e começara a participar de longas e mais longas campanhas e protestos.


***

Assim que fechei a porta do quarto e joguei-me sobre a cama, a imagem de voltou à minha mente.
Seus olhos brilhantes olhando diretamente nos meus enquanto eu decidia por partir.
Eu sabia que ele nunca me perdoaria. Eu nunca perdoaria.
Por que diabos eu tinha que me apaixonar? Estava ótimo viver aquele relacionamento falso com Ethan. Estava perfeito daquele jeito.
Minha vida era maravilhosa.
Até chegar e bagunçá-la totalmente.
Era isso que ele era em minha vida, uma bagunça.
Cobri minha própria cabeça com o travesseiro, tentando calar o som dos meus pensamentos, que só sabiam dizer seu nome.
Minha tentativa foi em vão. Não havia nada que eu pudesse fazer.
Não havia maneira alguma de esquecê-lo.
Puxei a mochila verde para o meu colo, tirando de lá um envelope de papel pardo, com desenhos aleatórios por toda sua extensão.
Desenhos que fizera.
Tirei de lá nossas fotografias.
Tirávamos fotos de nós mesmos o tempo inteiro. Seria tudo que guardaríamos.
A primeira foto mostrava-nos com sorrisos enormes no rosto, eu pendurada no pescoço de , e ele segurando meus dois braços na frente do corpo.
Aquelas fotografias eram tudo que teríamos para lembrar-nos do que vivemos.

We keep this love in a photograph
Nós mantemos este amor em uma fotografia
We made these memories for ourselves
Nós fizemos estas memórias para nós mesmos
Where our eyes are never closing
Onde nossos olhos nunca se fecham
Our hearts hearts were never broken
Nossos corações nunca estiveram partidos
And time's forever frozen still E o tempo está congelado para sempre
So you can keep me inside the pocket
Então você pode me guarder dentro do bolso
Of your ripped jeans
Do seu jeans rasgado
Holding me close until our eyes meet
Me abraçando perto até nossos olhos se encontrarem
You won't ever be alone
Você nunca estará sozinha
Wait for me to come home
Espere por minha volta para casa

Ouvi duas batidas ritmadas na porta. Era o código que minha mãe usava para dizer “Posso entrar?”.
- Pode entrar, mãe.
A porta abriu-se com um rangido prolongado.
- Já está pronta? – perguntou, mas logo se calou ao ver que não, eu não estava pronta. – O que é isso que está vendo?
Apressei-me em guardar as fotos de volta no envelope.
- São só alguns cartões da viagem.
- Vai me dar algum depois, certo?
Forcei um sorriso a ela.
- Vamos, querida, vá se arrumar. – ela deu dois tapinhas em minha perna e saiu do quarto.
Puxei a primeira roupa que encontrei no armário e vesti-me rapidamente, correndo até a garagem, onde minha mãe já esperava.
Ultimamente, ela havia voltado a cantar pela cidade, ganhando algum dinheiro com a música novamente.
O bar onde ela ia cantar era o Alpha’s, um lugar para amantes do clássico rock, como ela.
E, enquanto ela dirigia para lá ouvindo o CD inteiro dos Ramones, eu só conseguia pensar em como seria minha vida dali em diante.


***


Na segunda-feira acordei antes mesmo de que o sol nascesse.
Não era como se tivesse conseguido dormir pelo menos um pouco durante a noite.
E eu sabia que aquela seria minha realidade por um bom tempo.
Arrumei minha mochila com meus antigos cadernos, meu estojo surrado e o iPod.
Dirigi sozinha o “carro extra” da minha mãe, batucando os dedos no volante constantemente.
Como será que ele estava?
Estacionei na minha clássica vaga, ao fundo do colégio, e soltei o cinto. Parei por alguns minutos ali, observando todos os alunos que entravam e se cumprimentavam, todos os alunos que riam e conversavam sobre o verão.
Foi então que eu o vi.
Encostado no capô do antigo carro da mãe, com seu boné de aba reta azul escuro, vestindo o uniforme do basquete e carregando a mesa mochila marrom que nos servira de travesseiro na praia.
Deus, eu o amava. Eu o amava mais do que a qualquer outra coisa no mundo inteiro.
E eu não tinha a menor ideia de como lidar com tal situação. Eu sentia a falta dele, mesmo tendo estado com ele dois dias antes. Eu amava o jeito que ele amava, e odiava o jeito que eu o amava de volta.
Queria descer daquele carro e correr até ele, implorar seu perdão, tocar seus lábios com os meus novamente, mas eu não podia.
Lizz, a melhor amiga dele, correu até ele, com seus cabelos louros esvoaçantes e seu vestido de mangas compridas.
Ela o abraçou com força. Como eu queria fazer.
Balancei a cabeça, tentando desviar-me daquilo.
não era tudo. Não precisava ser.
Desci do carro, puxando minha mochila comigo e travando a porta.
Segui pelo estacionamento molhado até o interior do colégio, aquecido pelo calor humano de alguns alunos que já seguiam até suas salas de aula.
Ao final do corredor, conversando com toda a sua turma, estava Ethan. Meu namorado.
Ele se despediu brevemente dos amigos, e seguiu em minha direção.
- E aí? – perguntou, casualmente, enquanto entrelaçava seus dedos nos meus.
Por algum motivo, eu esperava alguma sensação com o toque. Qualquer sensação. Mas ele não era . E eu devia saber que não haveria nada ali.
- Como foi seu verão? – Ethan perguntou, enquanto caminhávamos em direção às salas de aula.
Eu queria, de alguma forma, contar o que acontecera durante o verão, tirando as partes em que estava envolvido, mas era impossível. Desde o primeiro dia de sol, ele era tudo. Ele era cada pequeno milésimo que preenchia o horário.
- Bom. – foi tudo que respondi.
Ethan, então, despediu-se com um selinho e seguiu para sua própria sala.
Que Deus estivesse ao meu lado e não estivesse na mesma turma de História comigo. Era uma aula tripla! Eu não sobreviver a isso.
Comecei a cantar uma música do U2 mentalmente, tentando me manter distraída.
Foco, , foco.
Assim que escolhi um lugar – no fundo da sala, diga-se de passagem – o professor Turman entrou na sala, com sua pilha de meia tonelada de livros e seu notebook.
- Como posso ver... – ele disse. – Teremos um longo período escolar.
E como teremos.



***


O primeiro sinal tocou, e eu agradeci silenciosamente por isso. Não agüentava mais a inútil aula sobre a vida amorosa de Don Juan. Que se foda o Don Juan.
Saí da sala sozinha, esperando algum sinal de Jade, minha melhor amiga. Mas, ao que tudo indicava, ela havia desaparecido desde o verão, quando começara a namorar Alex Turman, o irmão mais novo do professor de História.
Talvez as coisas para ela estivessem bem de mais para que pensasse em procurar os amigos.
Meu raciocínio foi interrompido por um empurrão nas costas, que me fez derrubar meu material todo no chão.
Virei-me, irritada, para descobrir quem era o idiota.
E, parada atrás de mim, com as duas mãos entrelaçadas nas mãos de , estava Lizz.
E ela era toda cabelos loiros e mechas cor de rosa, com suas roupas desleixadas que só a deixavam mais linda ainda.
Porque a melhor amiga de tinha que ser tão insuportavelmente linda?
- Desculpe. – ela disse, sorrindo. – Estava andando de costas e... Minha nossa, eu machuquei você?
Minha cara devia estar péssima para Lizz ficar tão preocupada.
Balancei a cabeça, negando.
- Eu estava distraída. – ela reforçou. – Desculpe! – gritou, enquanto eu pegava minhas coisas no chão e voltava a seguir pelo corredor.
Lizz não devia saber. não devia ter dito a ela sobre nós.
Mais por qual motivo ele diria?
Assim que cheguei ao refeitório, consegui encontrar os cabelos cor de mel de Jade, que estava sentada ao lado do namorado.
Seu olhar encontrou o meu e ela acenou para mim. Caminhei até sua mesa, que ficava embaixo da única janela do refeitório.
- E aí, , cadê o ? – ela perguntou, assim que me sentei ao seu lado.
Eu a encarei com o olhar mais significativo que pude.
- Ah, está brincando? – Jade indagou, incrédula. Depois virou-se para o namorado, o cuspe do professor Turman. – Alex, você se importa se eu for falar com a lá fora?
Ele balançou a cabeça em negativa.
- Vamos lá. – ela disse, puxando-me pelo braço até o jardim do colégio. – E aí? – perguntou, quando nos sentamos em um dos bancos de madeira. – Não vai me dizer que você não teve coragem?
- Você sabia. Você sabia que eu não ia ter. Eu nunca poderia fazer isso com a minha mãe.
- Pro inferno com a sua mãe! Essa é a sua vida! E ela nunca te disse o porquê desse ódio pelos homens, você não precisa carregar isso com você sem motivo algum. Droga, ! Você se apaixonou por ele, não se apaixonou?
Hesitei por alguns instantes, mas assenti. Para Jade eu nunca mentiria.
- Então que se dane a sua mãe, está bem?
- Jade...
- Estou falando sério. Você pode continuar com esse seu namoro ridículo com o ridículo do Ethan, fazendo essas coisas ridículas que vocês fazem juntos, só porque você não o ama. E porque é isso que sua mãe quer, que você não ame nenhum homem, pelo contrário: que você os odeie. Ou pode deixar de ser idiota e ir atrás do , ficar com ele pelo simples fato de que você o ama. E ser feliz porque é isso que o amor faz.
- Não. – neguei. – Não é isso que o amor faz. O amor acaba com as pessoas, Jade. Os homens fazem isso.
- Estou tão cansada disso, . De você fazendo tudo que sua mãe quer, o tempo inteiro. Você nunca teve alguém que amasse, alguém por quem seu coração batesse mais forte. Tudo por causa da sua mãe. Por causa das coisas sem sentido que ela te diz a vida inteira. Quer saber uma novidade, ? Sua mãe é louca. E está fazendo você ser uma também.
Aquela era Jade. Sempre tão direta, ela nem se importava se estava magoando os outros quando falava suas verdades mortíferas.
- Ela é a única pessoa que eu tenho. – murmurei.
- Não. – Jade balançou a cabeça exageradamente. – Eu vi você e o juntos no verão. Ele se importa. Ele está lá para você. Basta você ir até lá e mostrar que está para ele também. Eu sei que está.
Eu estava. Deus do céu, como eu estava!
- Agora vou voltar para a minha mesa, com o meu namorado, que é homem e que, por sinal, me trata muito bem e não é nenhum monstro assassino e usurpador de direitos das mulheres.
E, dizendo isso, ela me deixou sozinha no jardim do colégio, onde a maioria dos alunos hippies do colégio ouvia músicas sobre a liberdade e coisas do tipo.
Um garoto de cabelos loiros encaracolados que desciam até os ombros passou por mim, me deu um sorriso sincero e foi embora.
Talvez minha mãe estivesse mesmo errada.


***

Quando o primeiro dia de aula acabou, segui para a sala de teatro, meu lugar favorito no colégio.
A professora estava sentada no palco, com as pernas penduradas, enquanto listava algo em sua prancheta de couro.
- ! – ela deu um gritinho empolgado quando me viu. – Você foi a primeira a chegar, como sempre.
- Oi, senhora Blackley. – dei um aceno leve para ela, dirigindo-me a uma das cadeiras da primeira fila.
- Aconteceu alguma coisa? – ela perguntou, ajeitando os óculos para me encarar melhor.
Por que não paravam de me perguntar isso o tempo todo?
Senti meus olhos arderem, mas balancei a cabeça. Eu era uma atriz. Precisava ser boa nisso.
Mas atuar era diferente de mentir. E sim, tinha acontecido alguma coisa.
Ela deu de ombros.
- Tudo bem. Se quiser falar sobre isso, estou sempre aqui.
Alguns outros alunos já entravam para a aula. Becky, a garota que nascera em um safári na África e que tinha cabelos verdes; Dorothy, a que estava vinte quilos acima do peso e que, mesmo assim, era tão bonita que olhar para ela doía; Mikhail J, o garoto que tinha fugido de casa ao descobrir que sua mãe achava ter engravidado de Michael Jackson em alguma outra vida e ter tido Mikhail como um sinal; Ernest, o que parecia o Harry Potter versão loira e de ombros largos e Katia, a garota que era fissurada por horóscopos, compunham o restrito grupo principal do teatro.
Cada um deles tinha um motivo para estar ali.
Infelizmente, naquele colégio, o grupo de teatro era a detenção para alunos que cometiam crimes disciplinares. Então, a maioria estava ali por isso ou por recomendação do psicólogo do colégio.
Ainda tinham os outros alunos, que não tinham talento algum, mas insistiam em tentar. Certo, vamos admirar os batalhadores. Até vê-los em cena.
A professora Blackley fechou as portas da sala e virou-se para nós.
- Animados com o próximo período teatral, meus amores? – perguntou.
Estávamos prontos para responder, quando ouvimos duas batidas na porta.
- Aluno novo? – os olhos da professora brilharam antes de destravar a maçaneta e abrir a porta para quem quer que estivesse batendo.
Foi então que eu o vi.
- ? – eu e a senhora Blackley dissemos juntas.
- Ordem do diretor. – ele explicou, esticando uma folha de papel branca para ela.
A professora a pegou com desânimo, levando-a para a frente do rosto e começando a ler.
- Aquele... Audacioso. – ela controlou a própria fúria para não dizer um palavrão na frente dos alunos. – Tudo bem. Tudo bem, ele é o diretor. Está tudo bem. Não vou arrancar as pernas dele em um sistema doloroso e primitivo de tortura egípcia. Sente-se, senhor...?
- . .
A forma como ele disse seu nome lembrou-me de quanto ele se apresentou a mim, mesmo que eu já o conhecesse na época.

Flashback –

Ele sorriu para mim, apertando minha mão gentilmente assim que eu a ofereci.
- Sou o . .
Eu assenti. Ele era ainda mais lindo assim tão de perto.
- Eu... Eu sei. – foi tudo que eu disse. – Quer dizer... Eu sou a .
- Eu sei, também. – ele brincou.
Atrás de nós, o sol se punha, criando tons de amarelo e vermelho no horizonte.
O brilho fez com que meus olhos ardessem, e percebeu. Porque tirou o chapéu que carregava na cabeça e colocou sobre a minha.
- Obrigada. – agradeci, sentando-me sobre a areia e voltando a admirar o sol.
- Você... Tem planos para hoje à noite?
- Não. – respondi, levantando um pouco a cabeça para vê-lo. – Vou dormir e... É isso.
- Quer vir a um luau comigo e meus amigos? Vamos começar às sete.
- Ahn... Claro. – assenti em resposta. – Quem vai ser a estrela da noite?
- Hum... Eu? – ele respondeu, um pouco envergonhado.
- Você canta? – perguntei, admirada.
- Eu me arrisco.
- Tudo bem. – concordei novamente. – Estarei aqui.



***

E eu estive. E não posso me arrepender disso em nenhum momento de toda a minha vida.
Porque foi quando eu descobri a melhor coisa do mundo.
estava em foco principal quanto aos outros garotos com seus violões e instrumentos menores.
E, se aquilo era se arriscar, ele se arriscava com muito talento.
Um garoto tocando ukulele sorriu para mim enquanto eu me aproximava, mas, Deus do céu, eu nunca retribuiria o flerte dele. Porque, naquele momento, eu já estava total, louca e irremediavelmente apaixonada por .

Eu ainda conseguia ouvir claramente a voz de cantando sua própria versão de The Boy With The Thorn In His Side, os dedos parecendo fielmente extensões das cordas do violão Fender arranhado que ele tocava.
Ele parou de tocar e cantar assim que me viu, e lançou-me o sorriso mais lindo que eu já vira em toda a minha vida.
- Você veio! – ele disse, apoiando o violão na areia enquanto ia até mim e me dava um rápido e casual abraço.
cheirava a uma mistura de coisas: menta, canela, madeira e avelã. Eu não sabia como alguém podia ter aquele cheiro, mas ele tinha. Ele e mais ninguém.
- Porque parou de tocar? – perguntei, apontando o violão na areia. – Não pare.
- Acha que eu nunca vi você cantar nas apresentações do colégio? É humilhante me comparar.
Eu gargalhei.
- Pare com isso. – empurrei-o com os ombros. – Vamos lá, já que você já me viu cantar, quero ver você também.
Ele fez uma careta e eu ri novamente.
- Tudo bem, mas agora que a mestra está aqui para assistir, minha apresentação vai ser terrível... – ele fez um biquinho engraçado. – Por que não faz um dueto comigo? Sim! É uma ótima ideia.
- O quê? Não! – mas ela continuava sorrindo e balançando a cabeça enquanto me puxava para o centro da roda, onde seu violão o aguardava. – Aqui? – ele assentiu. – Ah, meu Deus, não posso fazer isso!
- Pode sim! Vai, vamos cantar Somewhere Over The Rainbow, eu já te vi cantando essa.

começou a canção, dedilhando os primeiros acordes em seu Fender, e começando a letra.


Somewhere over the rainbow
Em algum lugar além do arco-íris
Way up high
Bem lá no alto
And the dreams that you dream of
E os sonhos que você sonhou
Once in a lullaby
Uma vez numa canção de ninar

Ele parou por um instante antes de retomar a letra.

Somewhere over the rainbow
Em algum lugar além do arco-íris
Blue birds fly
Pássaros azuis voam
And the dreams that you dream of
E os sonhos que você sonhou
Dreams really do come true
Sonhos realmente se tornam realidade

me encarou e sorriu, um sinal para que entrássemos juntos no refrão.
Ele sorria com os olhos. tinha o sorriso mais bonito para um par de olhos.
Abençoado seja o sorriso no olhar de .


Someday I'll wish upon a star
Um dia eu pedirei a uma estrela
Wake up where the clouds are far behind me
Pra acordar onde as nuvens estejam bem atrás de mim
Where trouble melts like lemon drops
Onde problemas se derretem como balas de limão
High above the chimney top thats where you'll find me
Muito acima dos topos das chaminés você irá me achar
Oh, somewhere over the rainbow blue birds fly
Oh, em algum lugar sobre o arco-íris, pássaros azuis voam
And the dreams that you dare to, oh, why, oh, why can't I?
E se ousas sonhar, oh, por que, oh, por que eu não posso?

E nunca, na minha vida, tinha existido um dueto como aquele. Era mais do que uma simples companhia de voz, era uma parceria que parecia consolidada como Lennon McCartney.


Someday I'll wish upon a star
Um dia eu pedirei a uma estrela
Wake up where the clouds are far behind me
Pra acordar onde as nuvens estejam bem atrás de mim
Where trouble melts like lemon drops
Onde problemas se derretem como balas de limão
High above the chimney top thats where you'll find me
Muito acima dos topos das chaminés você irá me achar
Somewhere over the rainbow way up high
Em algum lugar acima do arco-íris, bem mais alto
And the dreams that you dare to, why, oh why can't I?
Se você ousar sonhar, oh por que, por que eu não posso?

prolongou os acordes da música no violão, da mesma maneira que eu queria prolongar aquele momento.
No fundo, eu sabia desde o primeiro instante.
Eu o amava.



***


A senhora Blackley mexeu nos cabelos pintados recentemente.
- Tudo bem, senhor... . Você pode escolher um lugar. Vamos conversar sobre nosso projeto do próximo período.
Por um momento eu me esqueci de toda a história com , e passei uma mão sobre a outra, ansiosa.
- Já ouviram falar sobre o musical Hair? – ela perguntou, abrindo um enorme sorriso.
Alguns alunos concordaram, e o sorriso da Senhora Blackley só aumentou.
- Esse será nosso próximo projeto. Uma reprodução do musical Hair, mesclando o próprio musical com o filme! – ela bateu palminhas. – Quem está animado? – perguntou.
Eu estava.
Em 2009, quando a peça ganhou uma remontagem, minha mãe levou a mim e ao meu irmão para assisti-la na Broadway. Meu amor pelo teatro só aumentou.
A história com o musical era sobre a vida da “Tribo”, um grupo de jovens hippies que defendem a paz e a livre expressão do amor e lutam contra o alistamento militar para a guerra do Vietnã.
- Os testes começam na próxima aula, então... Cheguem no horário. – a professora novamente bateu palminhas e depois fez um gesto de dispensa. – Por hoje é só. Podem ir.
Ao mesmo tempo, todos os alunos levantaram-se e deixaram a sala. foi o último, e eu fiquei.
- ? – a senhora Blackley perguntou, colocando novamente os óculos vermelhos sobre o nariz. – Algum problema?
Desde sempre, a professora Blackley e eu fomos amigas. Eu sempre contei tudo a ela, mas não tinha muita certeza a respeito de . O que ela pensaria se eu contasse?
- O que ele está fazendo aqui? – perguntei, gaguejando.
- Ele quem? – ela franziu o cenho, deixando o palco e caminhando até mim.
- . O... .
- Ah, sim! Ele está aqui porque o diretor o mandou para cá. Como detenção, você sabe. Como ele sempre faz.
- Detenção? O... O ? Mas ele é bolsista! Ele pode ser expulso!
- Exatamente. O diretor Fox acha que é um ótimo aluno e um ótimo esportista, que não pode ser dispensado pela escola dessa maneira.
- O que ele fez? – perguntei. – Para vir parar aqui. Como detenção.
- Brigou com... Ethan Gray e socou a parede do vestiário masculino em seguida.
Ethan. havia brigado com Ethan.
Talvez Ethan soubesse de tudo. Talvez ele tivesse provocado . Ou talvez simplesmente estivesse com raiva.
- ... Pode me dizer o que está acontecendo agora? Você... Parece que viu um fantasma.
- Se eu te contar uma coisa... você promete que o assunto não sai daqui?
Ela assentiu. E eu suspirei, aliviada.
Então, comecei a contar minha história e meu amor de verão para a Senhora Blackley.

Flashback –


- . – sussurrei, afastando meu rosto do dele por alguns segundos, ainda de olhos fechados. – O que é que estamos fazendo?
- Não sei. – ele balançou a cabeça. O nariz e os lábios roçando levemente nos meus. – Mas estou gostando.
- Eu também. – admiti. E foi a deixa para que ele voltasse a me beijar.
- . – empurrei-o ligeiramente. – Estão nos esperando. A gente precisa ir. Vão desconfiar.
Ele suspirou, encostando o rosto em meu ombro.
- Tem certeza? Podemos estar gripados em conjunto.
Eu gargalhei.
- Vamos logo, deixe de ser preguiçoso.
- Não sou preguiçoso. Sou romântico.
- Hum. – fingi certo desinteresse, pegando minha bolsa na cadeira e virando-me em direção à porta.
me agarrou pela cintura.
- “Hum” o quê? – ele sussurrou. Seus lábios quentes tocando a pele nua dos meus ombros.
- ! – ouvimos alguém batendo à porta assim que ele me virou para si.
balançou a cabeça, incrédulo.
- Estamos esperando por você! E pela , mas ela sumiu! Você está aí?
Eu o cutuquei no ombro, apontando com a cabeça para a porta.
- ? – Jade chamou novamente.
- Oi! – ele finalmente respondeu.
- Você está com diarreia?
- Não!
- Então venha logo! Não vou sair daqui sem você.
- Agora ferrou. – ele sussurrou para mim.
- Ferrou. – concordei.
- Acha que consegue pular essa janela? – ele perguntou.
- Nem se eu fosse vinte centímetros mais alta.
- ! Abre logo a porta! Eu sei que a tá aí, está bem? Eu sei que você está aí, !
- Puta merda! – dei um tapa na minha própria testa. – Abre logo a droga da porta. – bufei.
andou até lá, destrancando a porta e abrindo-a em seguida.
- Eu sabia! – Jade gritou, entrando no quarto correndo. – Ai, como eu sabia! Eu estava muito certa!
- Jade, para de gritar. – pedi, puxando-a pelo braço enquanto fechava a porta.
- Qual é o problema? – ela perguntou, ainda sorrindo como uma criancinha. –Vocês dois... Ai, que bonitinho! Eu sabia! Eu sabia! – ela cantarolou.
- Ninguém pode saber, tá legal? Ninguém pode saber.
- Por que não? Vocês dois são... Ah. O idiota do Ethan.
O nome de Ethan pareceu causar alergia em .
- Também. E... você sabe. A minha mãe.

- and sitting in a tree, K-I-S-S-I-N-G. First comes love, then comes marriage, then comes baby in a baby carriage!
- Pelo amor de Deus, pare com isso. – eu disse, tampando sua boca.
Jade babou minha mão, como uma criancinha faria.
- Ok! – exclamou. – Já que querem namorar às escondidas, acho bom vocês apressarem o romance por agora. Estão todos loucos lá embaixo. Vocês prometeram que iam cantar naquele quiosque. Têm ideia da aglomeração que está naquele lugar? Parece um formigueiro e, com certeza, mortes acontecerão se vocês não forem cantar.
- Tudo bem. – disse, assentindo freneticamente. – Você fala como uma gravação de telemarketing.
Jade deu de ombros.
- Vamos? – virou-se para mim, oferecendo seu braço.
Bem que eu queria que todos pudessem nos ver como Jade via.





***


A Senhora Blackley balançou a cabeça, incrédula.
- Então quer dizer que vocês dois... Viveram um tipo de Grease mais moderno?
- Senhora Blackley...
- Tudo bem. – ela ergueu os braços, em pedido de desculpas. – Quer saber o que eu acho?
Eu hesitei um pouco antes de assentir, mas o fiz.
- Acho que esse seu compromisso com a sua mãe está atrapalhando sua vida. Vamos lá, . Foi ela quem foi magoada por um homem, não você. Você não precisa tomar as dores dela, está bem? Você é tão madura e responsável! E você está apaixonada por esse garoto. Então tudo o que você precisa fazer é deixar que o resto do mundo, isso inclui sua mãe, se dane.
Eu balancei a cabeça, tentando absorver as informações.
- Ele nunca me perdoaria. – eu a encarei. – Eu o deixei.
- Mas sempre pode voltar atrás. Vai ficar marcado, mas... Todo mundo tem marcas. Senti meus olhos arderem e, daquela vez, deixei que as lágrimas corressem pelo meu rosto.
- Sabe o que tem que fazer? Trazê-lo de volta. Se o ama, não o deixe ir. Isso é coisa de gente covarde. Quem ama não deixa ir, entendeu? Quem ama vai atrás.
Eu suspirei.
- E a sua mãe? Ela não precisa saber enquanto você não quiser contar. Tudo depende de você. E dele.
- Você acha que... Eu devo ir atrás dele?
Duas batidas na porta.
Eu e a senhora Blackley nos viramos para ver.
Ethan estava parado ali.
- E aí? Você estava demorando... Achei que tivesse acontecido alguma coisa.
Peguei minha bolsa e levantei-me, caminhando até ele.
- Até mais, senhora Blackley. – acenei brevemente para ela.
- Sobre aquele assunto. – ela disse. – Você é quem deve saber o que fazer.
Eu assenti e deixei a sala com Ethan.
- O que estava fazendo? – ele perguntou.
- Conversando com a senhora Blackley sobre nossa nova peça.
- Ah, é? Está animada com essa nova peça?
- Sim. – concordei, forçando um sorrisinho para ele.
- Como se chamará a peça?
- Hair. Sabe, o musical.
- Não. – ele riu. – Não sei, não.
- Ah, claro que não. – suspirei.
- Sabe o que aconteceu hoje? – Ethan perguntou, abrindo a porta do carro e entrando.
Eu abri a minha e entrei em seguida.
- O quê? – perguntei.
- Aquele babaca do time de basquete... Como é o nome dele?
. O nome dele era .
- Hum... É . – respondi.
- Ele brigou comigo hoje. Quase caiu na porrada comigo.
- Por quê? Ele se machucou?
Ethan riu.
- Eu disse que você era a mais gostosa de toda a Baltimore. Eu realmente não sei qual é o problema daquele cara.
- Você bateu nele? – perguntei.
- Só um pouco. – Ethan deu de ombros.
E eu não consegui dizer nada. E nem sentir nada a não ser a dor.
Fiquei em silêncio enquanto Ethan dirigia até a minha casa.
Assim que ele parou o carro, suspirei de alívio. Eu não ia conseguir manter as lágrimas dentro de mim por mais do que alguns segundos.
- Meus pais vão dar um jantar hoje à noite. Se quiser ir, posso passar para te buscar.
- Obrigada. – então eu saí do carro, fechei a porta e corri para dentro da minha casa, começando a chorar.
Por sorte, minha mãe não estava em casa ainda.
Tranquei-me no quarto e peguei o celular na bolsa.
Digitei o número sem nem pensar direito.
- Jade? – eu disse, assim que ela me atendeu.
- O que foi? Você está chorando? O que aconteceu?
- Você sabe o endereço do ?
- O quê? O endereço do ? O ... ? O seu ?
- Sim. Por favor, Jade. O endereço do meu .
Ela demorou um pouco para responder e eu quase morri de ataque cardíaco durante a adolescência.
- Eu não tenho.
Eu não sabia o que responder.
Não tinha ideia do que fazer.
- Mas eu posso conseguir para você. – ela disse. – , você está bem?
- Não. – respondi, com toda a sinceridade que eu podia ter. – Por favor, consiga esse endereço para mim.



***

Duas horas e muitas lágrimas depois, eu estava em um táxi em direção a um destino desconhecido.
Quando o motorista parou o carro em frente à casa, eu prendi o ar novamente.
A casa de parecia uma pequena casa de campo. Cercada por plantas e árvores, e até um coqueiro , uma árvore naturalmente tropical.
Era simples e linda. O tipo de lugar que eu adoraria morar.
Paguei o taxista e desci do carro, subindo uma pequena porção de degraus até a porta da frente.
Não havia campainha para tocar, apenas uma aldrava que saía do bico de uma coruja.
Bati-a contra a porta duas vezes e, assim que ouvi o barulho das chaves na fechadura, pensei em sair correndo. Mas eu queria ver e não sairia dali sem isso.
Mas, quando a porta se abriu, não foi quem eu vi. Foi Lizz.
Ela estava vestida casualmente, com chinelos e moletom, como se estivesse em casa.
- Oi, ! – ela disse, sorrindo.
- Ahn... Lizz. O... O tá aí?
- Está, sim. Ele está lá embaixo. Espera um minutinho, eu vou chamá-lo.
Lizz desapareceu pela casa, mas eu consegui ouvir quando ela o chamou.
- , meu amor! Você tem visitas!
Mais uma vez cheguei a pensar em ir embora, mas eu não o faria. Não antes de vê-lo.
não demorou muito para chegar, mas quando o fez, meus olhos já estavam ardendo.
Quando vi seu rosto, não consegui conter as lágrimas.
Ele tinha o supercílio cortado, um olho inchado e um ferimento ao lado da boca.
- O que está fazendo aqui? – ele perguntou.
Respirei fundo, tentando controlar o choro para poder dizer alguma coisa.
- Sinto muito. – foi tudo o que eu consegui dizer.
- Eu também.
- Ahn... Gente, seja lá o que tiverem para falar, eu estou indo embora agora. – Lizz disse, aproximando-se de nós.
Dane-se você, Lizz.
- Tchau, . – ela disse, aproximando-se dele e dando um beijo em sua bochecha. – Se cuida. Vejo você depois. – ela foi até mim e me deu um rápido abraço. – Tchau .
Dane-se você, Lizz.
Assim que ela bateu a porta, soltei o ar.
- De verdade, . Me desculpa. – eu me aproximei dele, mas ele se afastou. Ele se afastou. ... Eu sei que fui muito mais do que idiota com você, e sei também que eu não mereço seu perdão, eu não mereçovocê, mas...
- Você já terminou comigo, . – ele disse, sério. – Na verdade, você não termina algo que não existe.
- , não... Não faz isso. Não diz que nunca existiu.
- Seu namorado sabe que você está aqui? – ele perguntou, de olhos fechados.
- Desculpa. – repeti. – Eu prometo que vou terminar com ele. Eu prometo, . Eu não o amo, você estava certo.
- Ah, é mesmo? – ele perguntou. – Então por que você não vai embora para terminar com ele logo?
- Droga, ... Por que está fazendo isso?
Ele se aproximou de mim e pegou meus braços com força. Com uma violência com a qual ele nunca me tocara.
- Está vendo meu rosto, ? Está, não está? Pois bem. Essas marcas aqui não são nada perto das que você fez.
E meu coração se partiu mais uma vez.
- Então, por favor, pare com isso. Já basta olhar pra você todos os dias e me lembrar. Lembrar é o que mais dói. – ele balançou a cabeça, como se tentasse segurar as próprias lágrimas. – Estou tentando matar os meus demônios agora. E, se quer saber, meus demônios são você.
E eu continuava querendo ir embora. Mas eu não iria. Não iria fazer isso de novo.
Talvez, só talvez, eu merecesse mesmo o que estava dizendo. Talvez eu merecesse ouvir tudo aquilo.
- Por favor, vá embora. – ele disse, de olhos fechados, como se doesse dizer.
manteve-se de olhos fechados, e eu me aproximei.
Toquei-o na nuca e o senti arrepiar. Desci minhas duas mãos de seu pescoço aos ombros, e as deixei pousadas ali.
- Eu amo você. – sussurrei. – Amo tanto.
Ele abriu os olhos e eu pude ver o brilho que ali habitava. Era uma mistura dor e surpresa, como se ele estivesse dividido entre me beijar ou me mandar embora novamente.
- Eu não sei se te disse isso o suficiente, mas posso dizer quantas vezes você quiser ouvir.
Então me beijou.
De início, acreditei que, depois disso, estaria tudo bem. Mas ele se afastou um pouco, o suficiente para dizer o que eu mais temia.
- Isso nunca vai dar certo, . Era um amor de verão. Vai embora.
Eu suspirei e assenti diversas vezes, tentando aceitar.
Mas como aceitar que o amor da sua vida, de repente, não te ama mais? E que você nada significou para ele além de um amor de verão idiota?



***


Quando voltei para casa, minha mãe estava sentada com o violão, em frente à grande foto que retratava a mim e meu irmão quando éramos mais novos.
Meu irmão. Às vezes era difícil pensar que ele foi um bom garoto, que ele foi meu melhor amigo, que ele foi meu irmão gêmeo.
Foi, porque agora ele estava morto. Morto depois de um acidente causado por um homem bêbado e irresponsável.
Benjamin (esse foi o nome dele) morreu em um acidente de carro dois anos antes. Ele estava no carro de um amigo, e a mãe do garoto era a motorista. Os três seguiam para a minha casa quando um motorista de caminhão, bêbado, veio na direção errada e acertou o carro deles em cheio.
Os três morreram na hora. E o motorista teve apenas ferimentos leves.
Toda semana minha mãe sentava-se em frente àquela foto e cantava.

Sunshine, shining down
Brilho do sol, se pondo
Gonna take a little walk around the woods
Vamos fazer uma pequena caminhada pela floresta
Don't care what we do, as long as I'm with you
Não ligue pra o que fazemos, enquanto eu estiver com você
Every lil' thing gonna be alright
Cada coisinha vai estar bem

- Oi, querida. – ela disse, parando para me olhar. – Ah, , você está chorando?
- Eu vou pro meu quarto.
- O que aconteceu?
- Eu vou pro meu quarto. – repeti, antes de subir as escadas correndo e trancar a porta.
As fotos de estavam na última gaveta do meu criado-mudo. Eu pensei em rasgá-las, queimá-las, me livrar delas de algum jeito, mas eu nunca seria capaz.
Elas eram a única prova física de que eu não havia sonhado nada daquilo. Tinha sido real.
Eu as puxei de lá, espalhando-as sobre o travesseiro em meu colo.
Uma delas, tirada durante o amanhecer, mostrava e eu tocando violão e cantando juntos. O olhar que trocávamos não podia ser fruto da minha imaginação. Não podia ser fruto da minha imaginação.

Flashback –


riu quando eu sugeri que tocássemos As Long As You Love Me, do Justin Bieber, mas eu comecei a defender meus argumentos e o venci pelo cansaço.
- Vamos fazer assim. – eu disse. – Eu começo e você me acompanha com o violão. Tenho certeza que você sabe a letra.
- Não sei.
- Não tem problema, minha internet tem sinal aqui.
bufou e gargalhou.
- Está bem, então.
Dedilhei os primeiros acordes da canção e comecei a cantar.


As long as you love me
Contanto que você me ame
As long as you love me
Contanto que você me ame
As long as you love me
Contanto que você me ame
We're under pressure
Estamos sob pressão
Seven billion people in the world trying to fit in
Sete bilhões de pessoas no mundo tentando se encontrar
Keep it together
Mantenha-se firme
Smile on your face even though your heart is frowning
Sorriso em seu rosto mesmo que seu coração esteja triste

Então, mesmo que sob protestos, começou a cantar também.


But hey now, you know, girl
Mas, ei, agora você sabe, garota
We both know it's a cruel world
Nós dois sabemos que é um mundo cruel
But I will take my chances
Mas eu arriscarei

As long as you love me
Contanto que você me ame
We could be starving
Poderíamos estar passando fome
We could be homeless
Poderíamos estar sem casa
We could be broke
Poderíamos estar sem dinheiro
As long as you love me
Contanto que você me ame
I'll be your platinum
Serei sua platina
I'll be your silver
Serei sua prata
I'll be your gold
Serei seu ouro




***


Três horas depois, minha mãe estava batendo à porta e me chamando, mas eu queria muito ignorá-la.
Queria deixar que ela sofresse um pouco, para entender a merda que eu havia feito por sua causa.
- , que diabos está acontecendo? Por que você não abre a porta? Por que você não me responde?
- Eu quero ficar sozinha, está bem? Eu quero ficar sozinha!
Mas eu não queria. Eu não queria ficar sozinha, queria ficar com . Queria que ele estivesse ali naquele momento, deixando-me deitar sobre seu peito e adormecer em seus braços como fizemos algumas noites no verão.
havia me amado de uma forma tão pura, tão linda. E eu havia retribuído da mesma forma.
- ! – ela gritou. – Acho melhor você abrir essa porta e falar comigo direito!
- Me deixe em paz. – sussurrei.
Pude ouvir a respiração forte de minha mãe do lado de fora.
- Já que não quer conversar...
E em seguida ouvi os passos dela na escada.
Pela segunda vez na vida, chorei até dormir.



***


- E aí? – Jade perguntou, sentando-se ao meu lado no refeitório. – Você foi até lá?
- Fui. – respondi, encarando-a.
Jade não precisou perguntar mais nada. Tenho certeza de que, apenas pelo meu olhar, ela entendeu tudo.
- Eu sinto muito. – ela disse, passando seu braço pelo meu ombro. – Você sabe que eu sou a fã número um de vocês dois juntos, não sabe?
Ela realmente era. E era a maior cúmplice que podíamos ter em nossa história de amor maluca.

Flashback –

- Agora você vem aqui que nós duas vamos conversar, dona . – Jade disse, me puxando para dentro de seu quarto.
Eu suspirei, rindo.
- Você e o , ahn? – ela me cutucou. – Como foi que isso aconteceu?
- Foi a música. – respondi. – A música e os olhos dele, e a voz dele. E o sol, o violão, a areia da praia, o verão...
- Ah, meu Deus. – ela disse, com uma voz afetada. – Eu nem acredito nisso! , a garota que não se apaixona, está apaixonada pelo cara do basquete.
- O cara do basquete também canta e toca muito bem e ainda por cima se arrisca como escritor.
- Escritor? O cara, além de gato e atleta, é intelectual?
Eu assenti.
- Esse homem não existe!
Gargalhei, jogando-me sobre a cama mal arrumada de Jade.
- Conta mais, conta mais, tipo, ele tem um carro?
- Não. – respondi, rindo. – O tá na escola por causa de uma bolsa pelo basquete. – suspirei, depois sorri. – E eu não estou nem aí para isso. Posso ir pra qualquer lugar andando com ele. Ou a gente economiza e compra uma bicicleta com dois lugares. Eu simplesmente não ligo!
Eu ri, e Jade sentou-se ao meu lado.
- O amor é tão lindo!
Eu gargalhei novamente.



***

- Vai dar tudo certo. – Jade disse, enrolando meus cabelos entre seus dedos. – Sempre dá.
- Você precisava ver o rosto dele. Ele está tão machucado, Jade... O olhar dele...
- Sinto muito. De verdade. – ela balançou a cabeça em um gesto de solidariedade.– Você quer ir para a minha casa comigo hoje? Você pode ficar lá o tempo que quiser. – Jade soltou meus cabelos e me olhou nos olhos. – Vai te poupar das perguntas da sua mãe.
- Mas e o Alex?
- Ele vive sem mim por algum tempo. E eu também.
Eu assenti.
- Obrigada, Jade. Não tenho nem ideia de como posso te agradecer.
- É pra isso que servem as amigas... Pra ajudar quando a outra toma um pé na bunda.
- Jade...
- Desculpe. – ela deu uma risada engraçada que me fez rir também. – Agora vamos para a aula do meu cunhado.
- Sempre quis saber como o Sr. Turman é fora da escola... – murmurei.
- Ele usa chinelo de dedo e camisa havaiana. – ela respondeu, dando de ombros.
- Mentira?!
- Estou falando sério, o cara é hippie. Ele ouve aquelas músicas de hippie, assiste filmes de hippie e tem um quadro do Bob Marley em cima do videogame dele.
- Ele joga videogame?
- Todo ser humano joga videogame.
- Desde quando aquele cara é humano?
riu e eu ri também.
Estava tentando, mas estava fracassando aos poucos.
Eu já não seria mais nada sem .


***




e eu entramos correndo na pousada.
Era a primeira vez que chovia desde que havíamos saído para as férias de verão, e todos já estavam em seus quartos, menos nós dois, que estávamos escondidos na praia, cantando e nos beijando por horas.
- Ai, meu Deus. – eu disse, tateando meus bolsos loucamente. – Eu perdi a chave do quarto.
gargalhou.
- Cômico. – ele murmurou.
- ! Você tá rindo da minha cara?
- Desculpa. – ele colocou a mão na boca pra controlar o riso. – Tenho uma ideia. – ele disse.
- Ah, e qual é sua ideia, senhor ?
- Você gostaria de dormir comigo essa noite? – ele perguntou.
- Ai, meu Deus! Seu pervertido!
- Eu? Pervertido? Você é quem está pervertendo as coisas!
- Pervertendo?
- É!
- Essa palavra existe?
- Não sei!
Gargalhamos juntos.
- Tudo bem. Vou dormir com você essa noite, está bem? Mas, juro por Deus, vou apenas dormir!
- Era o que eu estava planejando!



***


- . – o senhor Turman chamou, e eu me virei, assustada, para ele. – Estou atrapalhando sua viagem pelo espaço?
- O quê? – perguntei.
A sala inteira riu.
Mas eu só tive vontade de mandá-lo ir à merda e sair correndo daquela sala.
Tinha um milhão de ideias sobre o que eu queria fazer. Eu queria sair correndo dali, entrar na sala de Cálculo II e dizer a que eu nunca o deixaria, que eu o seguiria até o inferno se preciso fosse. Eu queria que o tempo voltasse ao momento que eu me calara sobre a proposta de , queria poder dizer a ele que eu terminaria com Ethan, que eu iria ignorar a minha mãe, que eu faria muito. Que eu faria tudo que ele quisesse que fosse feito.
Mas eu era eu. Eu era covarde. E eu não merecia .
Eu sabia disso.





***


Entre todas as coisas que eu podia fazer, a única que eu realmente podia fazer, naquele momento, era terminar com Ethan.
Eu não sabia como fazê-lo, mas faria.
Ethan estava sentado em um banco perto do campo de futebol, digitando insuportavelmente rápido em seu celular.
- Oi. – eu disse, sentando ao seu lado.
- Oi. – ele respondeu, sem nem desviar o olhar da tela do aparelho.
- Ethan, quero falar com você.
- Estou ouvindo.
- Eu quero terminar. – fui tão direta quanto ele.
Ethan me encarou.
- Você o quê?
- Acabou, Ethan. Essa merda toda que estamos fingindo. Acabou, está bem?
Ethan fez uma careta.
- Por quê?
- Porque sim.
- Eu pensei que isso... Nós... Fosse por causa da sua mãe. Fosse por companhia. Fosse por amizade, por... Pelo fato de que éramos felizes juntos.
- Eu me apaixonei.
Ethan suspirou.
- Ah.
- É por isso, Ethan. Por isso e porque você bateu no cara que eu amo.
- O quê? O... O ? É ele? Foi por ele que você se apaixonou?
- Foi. – respondi.
Esse era o segundo passo. Não esconder mais o meu amor por .



***


Jade jogou a mochila com força no chão.
- Fico feliz que tenha terminado com ele. – ela disse, sorrindo. – Nunca fez sentido. Tipo, vocês dois juntos. Era a coisa mais estranha do mundo. Você, a garota que devia ter herdado, geneticamente, o ódio pelos homens, namorando um dos melhores jogadores de futebol do colégio, que é perseguido por todas as garotas populares, por... Dois anos?
- Dois e meio.
- Então!
- Era esse o ponto, entende? Se eu estivesse com ele, eu nunca me apaixonaria por outro cara. Era pra ser assim. Foi como planejei, foi como planejamos.
- Você realmente acha que o Ethan não te ama? Porque, que eu saiba, ele não tem nada contra as mulheres.
- Ethan era meu melhor amigo. Você sabe. Era algo que eu queria fazer porque achava que precisava. E ele aceitou. Ele foi meu primeiro e único namorado, Jade. E eu fui a primeira e única namorada dele. Era seguro pra nós dois. Era nossa zona de conforto. Estranha e torta, sim, mas era nossa segurança.
- Foi pra essa segurança que você voltou depois do verão? Era o que você queria encontrar?
- Era. Era o que eu achava que ia encontrar. Eu tinha certeza, Jade. Certeza. De que quando eu visse o Ethan e a segurança nos olhos dele... Eu nunca mais pensaria em . Eu não achei que eu o amava. Achei que fosse só... Um verão.
Jade suspirou e forçou um sorriso.
- Não foi só um verão. Agora você sabe.
- Agora eu sei. – concordei. – Agora que ele me odeia.
- Ele não odeia você, você sabe disso. É questão de tempo e convívio. Fora o verão, vocês nunca se falaram na vida. Você viu uns jogos dele por falta do que fazer. Ele assistiu você no teatro ou cantando porque fazia parte da programação cultural. Entende o que quero dizer? Suas vidas não estão relacionadas por nada além desse verão, mas não foi só um verão. E agora você o ama, então... Conquiste-o novamente. Como você conquistou nas férias.
Conquiste-o novamente.



***


A senhora Blackley, nadando em seu tailleur cinza, distribuía folhetos para os alunos e cantarolava uma canção do musical Hair.
- Os testes para Sheila começam em cinco minutos.
Ela entregou seus próprios roteiros para Sheila para as meninas que a queriam interpretar. O pequeno e seleto grupo era composto por mim, Dorothy, Katia e duas alunas novas.
As novatas foram primeiro, com excesso de nervosismo e tremendo loucamente. A primeira conseguiu reproduzir três falas, e a segunda nem abriu a boca.
Katia subiu as escadas com sua saia esvoaçante cheia de estampas voando atrás dela.
E então ela começou a interpretar.
Eu precisava admitir que Katia seria uma ótima Sheila. Com seus cabelos volumosos e loiros, ela seria perfeita para o papel. Mas, ainda assim, eu queria tentar.
Queria mostrar a minha Sheila, a Sheila que havia dentro de mim. A Sheila que era e que amava o Claude que era .
As coisas ficavam cada vez mais clichês em minha mente.
Pedi baixinho, a mim mesma, que me aceitasse de volta logo. Ou eu estaria cantando Mariah Carey com um violão embaixo da janela dele.
Katia caminhava pelo palco, segura de si. Uma porção de saia voando enquanto ela andava, suas costelas aparecendo pela fina camiseta branca que vestia.
A senhora Blackley e eu aplaudimos enquanto Katia descia novamente as escadas e voltava ao seu lugar.
- Dorothy Mackelsen.
Dorothy subiu ao palco pisando fundo. Todo seu corpo expunha seu medo, mas seus olhos... Seus olhos exalavam confiança.
Se seu corpo não te obedece, use o olhar pra mostrar seu poder.
Ela, então, começou a dizer as falas da Sheila da senhora Blackley.
Na segunda fala Dorothy começou a tossir e simplesmente desistiu do teste.
Eu era a próxima.
Levantei-me de meu lugar na primeira fila, ajeitei a saia vermelha que usava e subi as escadas em direção ao palco.
A senhora Blackley usou o controle para acender o holofote sobre mim, e ouvimos o barulho da abertura da porta.
Era . Era ele.
Eu nunca tinha me apresentado daquela maneira, com seu olhar sobre mim em cada fala, mas tudo tinha sua primeira vez.
Aquela seria a primeira vez que eu faria uma apresentação para um público que me interessava.
Caminhei até o centro do palco, parei e respirei fundo.
Fechei os olhos e comecei a atuar.

E quem és tu, então? Não vês a si mesmo quando olha-te no espelho. Não me digas que não, não me negues o que sei. Não vou ser quem não quero ver por um simples erro teu, que pensas tudo saber.

Parei mais à frente do palco e cruzei as mãos. Fiz um gesto apaixonado e dei uma volta de trezentos e sessenta graus.
Estou apaixonada por Claude Bukowski. Fazem duas semanas e seu nome é tudo que vejo em minha própria mente. Claude Bukowski não tem um tostão. Dane-se o dinheiro de Claude Bukowski. Dane-se o meu dinheiro. Viva o amor.

Frisei as últimas frases, olhando diretamente pra ele.
Podia sentir meu rosto queimar e estava pedindo para que a coloração vermelha em minha face não prejudicasse o meu teste.

E se não és tu o amor, quem és, então? De nada quero saber. Não há nada que eu queria ver. Além do rosto de meu amor.

E então, mesmo que não estivesse no roteiro, eu comecei a cantar.

Good morning starshine, the earth says hello
Bom dia, brilho estrelar, a Terra diz olá
You twinkle above us, we twinkle below
Você brilha acima de nós, e nós cintilamos abaixo
Good morning starshine, you lead us along
Bom dia, brilho estrelar, você nos conduz ao longo
My love and me
Meu amor e eu
As we sing our
Então cantamos a nossa
Early morning singing song
Canção da manhã

Dorothy, Becky e as duas alunas novas levantaram-se para aplaudir.
Por último, a senhora Blackley levantou-se também, e aplaudiu fervorosamente.
Eu não me decepcionei com o fato de que não estava aplaudindo. Eu esperava por isso.
Ele tinha entendido que, ali naquele palco, era eu. Não era um personagem, era eu. Eu falando sobre ele.
A senhora Blackley subiu a escadinha correndo.
- Você foi maravilhosa! Você é maravilhosa, . Você nasceu pra isso! – ela bateu palminhas animadas e me abraçou com empolgação.
- Vejo você como Sheila na próxima aula.
Eu ri de animação.
As outras garotas subiram para me cumprimentar, e os outros garotos também.
permaneceu sentado, na última fileira, assistindo tudo como se estivesse alheio em um mundo que ele não pertencia.
Depois da pequena comemoração, descemos as escadas e sentamos novamente em nossos lugares, enquanto a Senhora Blackley começava um novo discurso.
- Eu adoraria poder colocar nossos adoráveis garotos em teste para Claude. – ela disse. Os meninos sorriram e comemoram e as meninas cochicharam. – Mas já temos um Claude.
- O quê?
- será Claude Bukowski.
Só podia ser pegadinha.
Já seria terrível com ele assistindo aos ensaios, seria pior ainda se ele fosse meu par romântico no musical.
- ? – sussurrei.
- Não é opção minha, claro. Isso foi algo imposto pelo senhor diretor. Então, aceitemos as imposições do diretor. – ela disse, olhando pra mim como se sua resposta fosse exatamente para mim. E era mesmo.
Eu estava muito ferrada.


***

Deixei a escola com Jade, que ficara lendo um livro no pátio enquanto me esperava.
- E aí? – ela perguntou, dando um sorrisinho. – Ai, meu Deus. O que foi que aconteceu?
- Eu vou ser a Sheila.
- E você não está feliz com isso?
- vai ser o Claude.
Sheila fez uma careta de surpresa.
- Eu nem sei como te consolar. Não sei o que te dizer.
- Sheila e Claude. Eles se beijam, eles se amam.
- Está aí.
- O quê?
- Sua chance. Você não quer reconquistar o ?
Eu assenti, confusa.
- É a sua chance. Dê seu melhor. Traga-o de volta.


Ensaio número 1 –

estava sentado, como sempre, na última fileira de cadeiras.
Mas ele não estava sozinho. Lizz estava com ele.
Eu pagaria para ser o motivo do sorriso que ele dava a ela.
Ele ainda tinha o rosto coberto por curativos e algumas manchinhas roxas, mas era o cara mais lindo do mundo.
percebeu que eu o observava e desfez o sorriso.
Foi como um novo golpe em meu coração. Eu quebrava o sorriso dele. E ele quebrava meu coração.
- Queridos, queridos! – a senhora Blackley começou a bater palmas para nos chamar atenção. – Vamos começar nossos ensaios hoje. Não temos muito tempo, então, Claude, Berger, Woof, Hud e Jeannie, venham ao palco.
era Claude, um aluno novo chamado Joe era Berger, Ernest era Woof, Mikhail era Hud e Katia era Jeannie.
Os cinco subiram ao palco, todos pareciam tranquilos, menos . Ele estava tremendo e olhava para Lizz em busca de conforto o tempo inteiro.
A senhora Blackley entregou o roteiro a cada um deles e pediu que tentassem.
Joe avançou no palco, começando o primeiro ensaio da peça.

Qualquer pessoa que alterar, falsificar, destruir de propósito, mutilar de propósito, ou mudar esse certificado de algum modo, vai ter uma multa não superior a dez mil dólares e só poderá ficar na cadeia por, no máximo, cinco anos. Ou os dois.

A senhora Blackley aplaudiu silenciosamente de canto, enquanto Dorothy se apresentava, no papel da vocalista negra.

When the moon is in the Seventh House
Quando a lua estiver na sétima casa
And Jupiter aligns with Mars
E Júpiter alinhar-se com Marte
Then peace will guide the planets
Então a paz guiará os planetas
And love will steer the stars
E o amor dirigirá as estrelas

- Tudo bem. – a senhora Blackley disse, se aproximando de Dorothy. – Está quase bom, mas eu tenho uma ideia melhor.
Dorothy encarou a professora, como se estivesse irritada.
- E se e Dorothy cantassem juntas essa música? É o símbolo do filme, temos que dar nosso melhor.
- é o nosso melhor? Por que ela é o nosso melhor?
- Porque ela é o nosso melhor, Dorothy. – a professora sorriu para ela. – Vamos lá, queridas. , venha até aqui.
Eu subi as escadas até o palco e meu ombro chocou-se contra o ombro de .
Pedi desculpas baixinho, mas tudo que ele fez foi dar a volta na linha de atores e cruzar os braços.
Suspirei fundo. Ele estava me ignorando.
Me aproximei de Dorothy e acenei para que começássemos a cantar juntas.



***


Quando o ensaio acabou, descemos as escadas do palco e pegamos nossos materiais.
Pude ouvir quando Lizz puxou e disse meu nome.
- O que está acontecendo? Entre vocês dois. Eu vi como ela olhou pra você.
- Nada. – sussurrou de volta – Ela não é nada.
- Olha só, , se você e eu vamos tentar fazer isso... Você não pode mentir pra mim.
Tentar o quê?
- Não estou mentindo. – ele abraçou-a pela cintura e a beijou.
Não pude tirar meu olhar deles, apenas quando senti um toque em meu ombro.
- Eu vou tirar ela daqui. – a senhora Blackley suspirou. – O resto é por sua conta.



***



Fui para a casa de Jade com ela novamente. Seus pais tinham viajado para comemorar os vinte anos de casamento em Las Vegas, então tínhamos a casa apenas para nós duas.
- Estou morrendo de vontade de comer bolo de chocolate. – Jade disse, jogando-se no sofá da sala de estar.
- Então faça.
- Faz você?
- Quem quer é você, Jade.
- Mas você faz bolos muito melhores.
- Eu faço se você me ajudar.
- Ajudo! – ela levantou-se imediatamente e foi para a cozinha. – Já peguei a batedeira!
Eu gargalhei enquanto a acompanhava para fazer o tão desejado bolo de chocolate.



***



Jade apagou a luz do quarto e acendeu sua luminária em formato de Torre Eiffel para iluminar parcialmente o quarto. Ela nunca dormia no escuro.
Revirei-me na cama inúmeras vezes em busca de um lugar confortável, mas nada encontrei.
Só havia um lugar confortável no mundo para mim. E eu estava bem longe dele.

Flashback –

Eu estava sentada sobre a areia iluminada pela luz da lua.
A água do mar batia frequentemente em meus pés descalços, morna e confortável.
Ouvi passos atrás de mim, mas não tive medo. Porque senti o cheiro dele. Senti a presença dele.
sentou-se ao meu lado, e ficamos em silêncio juntos.
- O que está fazendo aqui a essa hora? – ele perguntou, a voz quase inaudível contra o vento. – Estão todos dormindo.

- Às vezes eu ando sozinha à noite, quando todos os outros estão dormindo.
- É perigoso. – ele brincou.
- Eu sei.
- Mas não quando eu estou aqui. – disse, passando seus braços ao meu redor.– E eu vou estar para sempre.
- Nosso para sempre dura pouco.
suspirou, batendo os dedos em minhas clavículas como se fossem teclas de piano.
- Não vai. Não vai durar pouco.
Desta vez eu suspirei.



***



- , acorda. – Jade disse, acendendo a luz do quarto.
Ela usava seu pijama de bolinhas, os óculos de leitura amarelos e segurava entre os dedos uma revistinha de mangá da série que ela lia toda noite.
- Você está gemendo. Acho que você tá com febre. – ela abriu a primeira gaveta da cômoda e revirou-a inteirinha até tirar de lá um termômetro velho que eu conhecia muito bem. – Você tem que parar de ter febre quando vem dormir aqui, garota.
- Desculpe.
- Vamos ao médico.
- Não... Você sabe, a febre é só o sintoma de que algo está errado. Nós sabemos o que está errado. – suspirei. – Vou tomar um banho frio.
- . – ela disse, segurando meu braço. – Tem que ser sincera com ele. Tem que dizer a verdade, o que está sentindo.
- Ele está com a Lizz.
- O quê?
- Ele estava com ela no teatro hoje. Eles se beijaram. Na minha frente.
Jade fechou os olhos.
- Vamos matar a Lizz se for preciso, está bem? Enterramos ela no quintal e talvez daqui alguns séculos algumas crianças encontrem a ossada e...
- Jade...
- Tudo bem, por enquanto só o banho frio está bom.


Ensaio número 2 –

- , por favor, ao palco. – a senhora Blackley gritou, e ele subiu as escadas correndo até lá. – Vai fazer seu primeiro ensaio musical hoje, está bem? Joe começará a música e você acompanhará quando sentir-se pronto.
- Tudo bem. – ele concordou.
Então Joe começou a cantar.

Manchester England England
Manchester Inglaterra, Inglaterra
Across the Atlantic Sea
Do outro lado do Oceano Atlântico
And I'm a genius genius
E eu sou um gênio, gênio
I believe in God
Eu acredito em Deus
And I believe that God Believes in Claude

E começou a cantar também.

That's me that's me
Que sou eu que sou eu
Claude Hooper Bukowski
Claude Hooper Bukowski
Finds that it's groovy
Acha que é Groovy
To hide in a movie
Para se esconder em um filme
Pretends he's Fellini
Finge que ele é Fellini
And Antonioni
E Antonioni
And also his countryman Roman Polanski
E também seu compatriot Roman Polanski
All rolled into one
Tudo em um
One Claude Hooper Bukowski
Um Claude Hooper Bukowski
Now that I've dropped out
Agora que eu deixei cair fora
Why is life dreary dreary
Porque a vida é triste, triste?

Aquele era meu garoto.

A senhora Blackley aplaudiu.
- Essa peça vai ser uma maravilha! – exclamou. – Broadway, aqui vamos nós.
Todos os alunos riram, mas eu não consegui rir. Só conseguia pensar no fato de que, assim que saísse dali, iria direto para os braços dela.
Ouvimos batidas na porta, e a senhora Blackley gesticulou para que eu fosse abrir.
Caminhei até lá e destravei a porta, puxando-a para abri-la.
Era Ethan. Ethan e um buquê enorme de lírios e margaridas.
- Eu te amo. – ele disse. Em tom alto o suficiente para que ecoasse por toda a sala de teatro.
Virei-me para trás, encontrando o olhar cheio de raiva de .
Ele ainda sentia algo.
Eu me sentia estupidamente egoísta por estar, internamente, comemorando o fato de que sentia raiva de Ethan.
- Por favor, . Não me faz ficar sem você. Eu nem sei como fazer isso.
Eu balancei a cabeça.
- Ethan...
- Por favor.
- Eu disse que acabou.
- Não. Olha só para aquele cara. – ele usou a mão livre para apontar . – Ele não merece você, . Ele não merece o seu amor.
Os burburinhos dentro da sala de teatro começaram a se tornar presentes.
- Merece. – respondi. – Ethan... Por favor, vá embora. Não faça com que isso seja mais difícil para mim. Mais difícil do que já é.
- Você é quem faz ser difícil, . Você sabe que esse cara não te ama. Você sabe que ele está com a Lizz, você viu. Todo mundo viu.
- Eu não me importo. – sussurrei. – Ele não vai ficar com ela.
Ethan bufou.
- Você está sendo irresponsável. Está agindo sem pensar.
- Estou amando , Ethan! De onde você quer que eu tire responsabilidade? Não há razão no amor além do simples ato de amar! Não há nada de consciência nisso, é sentimento!
Ele balançou a cabeça novamente.
- Eu vou estar aqui esperando essa sua loucura acabar. – então ele colocou as flores em meu braço e foi embora.
Fiquei ali, parada, encarando o corredor vazio do colégio, sentindo todos aqueles olhares contra mim. Sentindo o olhar dele.
Em um rompante, corri para fora também.
Não queria ficar ali. Não queria que me encarasse. Que todos eles me encarassem como estavam fazendo.
Eu podia sentir a pena de todos eles.
Ah, coitada, está apaixonada e não é amada de volta.
Que se danem todos vocês. – meu pensamento respondeu.
Eu estava correndo sem rumo pelos corredores quando ouvi os passos rápidos atrás de mim.
E pude sentir a presença. Aquela presença.
- ! – ele gritou. – , espera.
E eu parei.
Porque eu pararia tudo por ele.
tocou meus ombros e me virou para ele.
- O que está fazendo? – ele perguntou.
- Indo embora. – respondi, apontando o corredor, com lágrimas nos olhos.
Ele balançou a cabeça, incrédulo.
- Você é maluca. – ele disse, ainda me segurando pelos ombros.
- Não quero mais isso, . – respondi. – Não quero mais. Eu desisto, está bem? Estou desistindo de você.
Ele deu uma risadinha pelo nariz.
- É isso aí. – ironizei. – Ria de mim porque sou muito idiota mesmo. Estou correndo atrás de um cara que nem sequer liga para mim. E sabe o que mais? Ele está com a Barbie Roqueira de Baltimore. Que sejam felizes os dois.
Ele se aproximou de mim. Seus centímetros a mais fazendo com que meu rosto encostasse-se a seu peito.
- Ah, . Eu te amo tanto.
E meu corpo inteiro se arrepiou.
Ele me amava! Ele ainda me amava!
- Você o quê? – sussurrei.
- Cale a boca um pouquinho. Só por vinte segundos. – ele sussurrou de volta, puxando meu rosto para o seu e juntando seus lábios aos meus.
- ? – ouvimos o grito ao fundo do corredor.
Era Lizz.
Lizz, eu odeio você.
- “Ela não é nada”. – Lizz disse, imitando o que ele dissera antes. – Ela não é nada? Então por que diabos vocês estavam se beijando na merda do corredor? Porque ela não é nada?
Ela estava chorando. Chorando como uma maluca, o lápis de olho espesso escorrendo pelas bochechas.
- Odeio você. – ela disse. E eu não soube identificar para quem.
E então Lizz correu.
Pensei que fosse atrás dela, mas ele não foi.
- Você não vai? – perguntei.
- Não. – ele respondeu, sério. – Vou ficar com você.


***


Eu estava sentada ao lado de em seu jardim, embaixo do imenso coqueiro que ali habitava, quando meu celular tocou.
“Mãe” estava escrito na tela.
suspirou, visivelmente irritado.
- Está tudo bem. – eu disse, tocando-o no braço. – Está tudo bem.
Rolei a tela para atender a chamada.
- ? – ela disse.
- Oi, mãe.
- Vem para casa. Agora.
- Aconteceu alguma coisa?
- Vem para casa. Agora. – ela repetiu.
Tudo que pensei foi: ferrou.
- Preciso ir pra casa, .
- Está bem.
- Eu te vejo depois. Eu prometo. – o beijei novamente e saí correndo.



***



Quando o táxi estacionou do lado de fora da minha casa, eu já sentia que algo iria mudar.
Paguei o taxista e desci do carro, tateando nos bolsos à procura das chaves. Assim que as encontrei, destranquei a porta e entrei.
Minha mãe estava sentada na sala, de pernas e braços cruzados. E em seu colo estavam as fotos.
As minhas fotos com . Todas ali, uma sobre a outra. Meu segredo ainda mais exposto, exposto para quem não podia ver.
Ela não se virou para me encarar. Ela não disse nada. Ela não se moveu.
Eu também não estava disposta a me explicar. Não queria dever me explicar por aquilo.
Quem nunca amou? Todos nós já amamos na vida. Às vezes amamos sem perceber. Sentimos e é somente isso. Mas todos nós amamos.
- Encontrei isso no seu quarto. – ela finalmente disse. – Estava pensando e não consegui chegar a uma explicação sobre o assunto.O que é isso, ?
Respirei fundo e andei até ela.
Pensei em me sentar ao seu lado, mas eu a conhecia. Ela levantaria. Então me mantive de pé e a encarei.
- Esse é o .
Ela bufou.
- . Então é esse o nome dele? O motivo para você ter voltado daquele jeito das férias, de ter chorado aquele dia, de não estar vindo para casa? É ?
- Mamãe...
- Mamãe? – ela perguntou, quase cuspindo as palavras em mim. Seus olhos estavam cheios de lágrimas, e seus lábios tremiam de raiva. – Quantas vezes eu te disse, ? Quantas vezes eu já te disse para não se apaixonar? Para não amar nenhum homem? Você sabe, , sabe que eles não amam de volta. Sabe que é autodestrutivo amar um deles. Você sabe o quanto eles nos machucam.
- não me machuca. Ele me ama.
- Por enquanto, não é? Ele te ama, por enquanto. Depois ele vai embora. Ele deixa você para trás. E você sofre enquanto ele ri. Ou, na melhor das hipóteses, ele te esquece. Enquanto você lembra para sempre.
- Está sendo injusta.
- Estou? Estou sendo injusta com você, ? E quem é justo com você? Seu pai? Ele está sendo justo com você? Ele está aqui agora? Sendo justo?
- Eu não o conheço! – respondi, deixando as lágrimas caírem. – Você nunca me deixou conhecê-lo! Não me deixou procurar conhecê-lo...
- Você acha que ele gostaria de te conhecer? Se ele quisesse fazer isso, , ele teria ficado. Ele nunca teria me deixado. Grávida de gêmeos, ! – ela gritou. – Eu estava grávida de gêmeos! E tudo que ele fez foi ir embora.
- Você nunca me disse nada! E eu acreditei em você a vida toda! Fiz tudo que você queria! Virei a melhor cantora de Baltimore, me mantive popular no colégio sem arranjar encrencas, não me apaixonei! – gritei de volta. – Mas eu nunca soube o porquê disso, mãe. Nunca soube qual era o motivo por trás disso, nunca entendi porque eu não podia amar. Porque eu não podia viver a minha vida! Eu vivi com os seus problemas por dezesseis anos. Mas acabou agora.
- Acha que eu menti para você sobre seu pai? Acha que eu me afastei? Que eu impedi uma aproximação entre você e ele? É isso que está querendo dizer?
- Não sei! Eu não sei nada sobre você! Eu não sei quem você é.
- Seu pai era rico, . Filho de um produtor musical de sucesso, dono de uma grande e importante gravadora. Era onde eu ficaria famosa. Seria naquela gravadora que eu gravaria meu disco, ele me ajudaria a crescer musicalmente. – ela respirou fundo, diminuindo um pouco o tom de voz. – Daí eu conheci o seu pai. No meio do processo. Ele tinha sido noivo de uma cantora famosa, mas ela o havia deixado. Ele estava em frangalhos quando o conheci. Eu me apaixonei por ele na mesma hora em que o vi. Ficamos juntos por meses, vivemos coisas incríveis. Tivemos um verão maravilhoso, passamos muito tempo juntos. Eu engravidei. E ele simplesmente me mandou ir embora. E eu fui. Porque achei que ele viria atrás de mim depois. Que ele ficaria conosco, que seríamos uma família. Mas ele não veio. Minha carreira acabou, tudo acabou. Eu estava sozinha e grávida. Consegui alugar uma casa com muito trabalho duro, . Tudo isso grávida de gêmeos. – ela bufou, levantando-se e me encarando. – Eu quase perdi vocês em um assalto. Estava morando na periferia e presenciei o crime. Quase atiraram em mim. Quase atiraram em nós.
As lágrimas escorriam pelos meus olhos com velocidade incontrolável.
- Não sou você. – sussurrei. – E não é o meu pai.
Ela assentiu, as lágrimas rolando para fora de seus próprios olhos.
- Se quer fazer isso, ... Faça longe de mim. Não quero assistir.
- Está dizendo que...
- Estou dizendo para ir embora. Para desgraçar sua própria vida sozinha. Não quero participar disso. Não quero ver você cometendo o mesmo erro que eu.
Eu assenti de volta para ela.
- Dez minutos. – eu disse. – Pego o que for necessário em dez minutos.
Ela me encarou, como se ainda não acreditasse.
- Começando por isso aqui. – juntei as fotos que estavam no sofá e guardei-as no bolso.
Subi as escadas correndo, tentando manter as lágrimas dentro de mim.
Puxei dois pares de jeans, duas camisetas e um moletom grosso e joguei-os na mochila verde que levara para o verão.
Coloquei as fotos lá dentro e me despedi brevemente de meu quarto.
Mas eu não olharia para trás.
Nunca mais.
Desci as escadas correndo, abri a porta e fui embora sem me despedir.



***



Quando abriu a porta, a primeira coisa que fiz foi abraçá-lo e voltar a chorar.
- O que aconteceu? – ele perguntou, afagando minhas costas com carinho. – , o que foi que aconteceu?
- A minha mãe... – sussurrei. – Ela me mandou para fora.
suspirou e me abraçou com mais força.
- Desculpa. – ele sussurrou, seu hálito quente batendo contra minha nuca.
- Não é sua culpa. Não é nossa culpa.
- Está tudo bem. – ele disse. – Você quer ficar comigo? Quer ficar aqui?
- Posso? – perguntei.
fez uma careta pensativa e depois relaxou.
- Minha nossa, como eu posso resistir a você?
Eu ri, baixinho, e deixei que me puxasse pela mão para dentro de sua casa.
- ? – uma voz de mulher chamou de dentro. – Querido, está trazendo alguém?
A mãe de apareceu no corredor.
Ela era linda. Tinha cabelos castanhos presos em uma longa trança e olhos verdes muito brilhantes. Ela se parecia um pouco com ele, mas eu sabia que era mais parecido com o pai.
- Mãe, essa é a...
- . – a mãe dele completou. – É um prazer conhecer você oficialmente. – ela me abraçou. – Fico feliz que esteja aqui.
Eu queria dizer que estava feliz também, mas tudo que eu podia fazer era chorar.
- O que foi que houve? – perguntou.
- Minha mãe. Ela... Me mandou sair de casa. Disse que se eu fosse fazer isso, se fosse ficar com ... Teria que longe dela.
A mãe de me abraçou pelos ombros.
- Vou adorar ter você aqui, está bem? – eu assenti a ela. – Pelo tempo que precisar. Nós temos um quarto extra aqui em cima e o dorme lá embaixo, no porão. Você pode ficar onde quiser. Confio em vocês dois.
Qual era o problema com a minha mãe? Por que ela não podia ser como a mãe de ?
Isso eu nunca saberia.


Ensaio número 3 –



Jade assistia nosso terceiro ensaio da última fileira da sala.
Ela parecia animada quando eu e contracenávamos. Nós tínhamos muito mais que técnica. Nós tínhamos química e sentimento enquanto vivíamos Sheila e Claude.
A senhora Blackley aplaudiu e deu um gritinho animado.
- Baltimore nunca, em toda sua história, terá visto uma peça tão boa.
Todos nós rimos.
- Isso porque ainda estamos no terceiro ensaio!
Todo mundo gargalhou novamente.
- Está bem, estão liberados. – ela disse. – Vejo vocês em breve.
e eu descemos do palco juntos, ele me deu um beijo na bochecha e disse que esperava do lado de fora enquanto eu falava com Jade.
Sentei-me ao lado dela e ela sorriu para mim.
- Vocês estão tão lindos juntos! – ela disse. – Parece um casal de filme.
- Não consigo parar de pensar na minha mãe.
- Ah, pare com isso. Uma hora ou outra ela volta atrás.
- Ela não vai voltar atrás, Jade. Ela nunca volta.
- Está bem, então. Você precisa se concentrar na escola e na peça. Tenho certeza que ela estará lá vendo você. Na última fileira, no canto mais escuro, ela estará lá.
- Espero que esteja.
Jade puxou sua mochila e se levantou, deixando a sala comigo.
- Você vai para a minha casa hoje à noite?
- Vou. Se estiver tudo bem por você...
- Lógico que está. Meus pais adoram você, mas ainda estão viajando, então a casa é nossa, mon amour .
- Acho que vai ser melhor se eu ficar na sua casa. Não quero atrapalhar a mãe do .
- O que ela faz?
- Ela é artista, sabe? Ela pinta quadros maravilhosos e faz esculturas lindas. Só que ela precisa de espaço.
- Então... Acho que podemos passar juntas na casa do e pegar as suas coisas.
- Tudo bem. Vou chamá-lo, assim ele já vai com a gente.
Jade e eu seguimos pelo corredor até o banco onde estava, ao lado da lixeira.
- Jade e eu vamos passar na sua casa para pegar as minhas coisas. – eu disse, assim que ele me encarou.
- Ah... Sério? – ele resmungou. – Estava adorando ter você como hóspede. E olha que você só ficou uma noite.
- Sabe como é, . Ela prefere a melhor amiga ao namorado.
O clima entre nós ficou estranho.
Nós nunca estabelecemos um nome para a nossa relação. Nem tivemos tempo para isso. Nem sabíamos o que éramos.
- Na verdade. – eu disse, tentando quebrar o gelo. – Eu nem poderia ficar, . O cheiro das tintas e a minha rinite , sabe. Não andam juntos.
riu.
- Você parece uma donzela vitoriana. – Jade ironizou.
- Obrigada.
- Não foi um elogio.
Nós três rimos enquanto íamos para o carro de Jade.
O Honda Fit de Jade cheirava a baunilha e cereja e tinha tapetes de glitter pink.
Fora isso, o banco de trás estava coberto por roupas, livros e maquiagens, então já entrou no veículo rindo de sua situação.
- Ainda me pergunto como dão carros para mulheres.
- Porque nós dirigimos muito melhor que vocês. – Jade respondeu.
- Mentira! – fez um gesto de desprezo com a mão.
E assim foi nosso caminho até a casa de , rindo como loucos e fazendo piadas idiotas com assuntos banais.


Algum tempo depois...

Ensaio número 99

Os garotos da peça circulavam pelo cenário com suas perucas novas, todos fazendo graça enquanto os figurantes subiam ao palco para fazerem sua parte com a troca de cenário.
A Senhora Blackley conseguira centenas de figurantes, de criancinhas a idosos, para executarem uma grande ideia que ela tivera: os figurantes e os próprios atores circulariam com o cenário quando acontecessem as trocas, fazendo tudo parecer natural e contemporâneo.
Nossa peça já estava saindo nos jornais municipais e até em alguns estaduais, era um dos eventos mais aguardados do ano.
Além de tudo, a entrada no evento seria paga com um alimento não perecível ou uma doação de, no mínimo, dez dólares para uma ONG da cidade.
- Tudo bem, crianças! – a Senhora Blackley gritou. – Aqui ao palco: Sheila, Claude, Berger, Woof, Hud e Jeannie.

“- O que vão fazer? – Jeannie pergunta.
“- Eu não sei”. – responde Berger. - A noite é dele. E aí, o que você quer fazer?
Claude suspira.
- Levar a Sheila para casa.
- Hum... – Berger murmura. – Tá bom. É toda sua, vai fundo.
- Sinto muito.
- Tá, tá bom, eu sei.
Berger dá um tapinha no ombro dele.
Todos riem, menos Sheila, que se mantém de braços cruzados.
Todos estão indo embora, mas Jeannie volta e dá um selinho em Claude antes de ir.”


Eu fechei os olhos durante a cena do selinho entre Jeannie e Claude, afinal Claude era e Katia não era nem um pouco de jogar-se fora.
- Tudo bem. Vocês estão quase prontos para brilhar. Só mais alguns ensaios e estaremos lá em três dias! – ela bateu palminhas como sempre fazia. – Vocês não têm ideia de quão orgulhosa estou, queridos. Vocês saíram de uma rocha bruta para uma massinha de modelar. Vocês são a minha caixinha de surpresa!
Todos nós avançamos para um abraço em grupo, e a senhora Blackley riam.
- Tudo bem, queridos. Amo vocês também, mas isso não impede que tenham esse cheiro de suor adolescente que eu não suporto!
Todos gargalharam.
- Vamos, vamos ensaiar mais um pouco.



***




- E aí? – Jade perguntou. – Está ansiosa?
- A minha mãe não vai, não é?
- ...
- Eu não consigo pensar em outra coisa. Nem o selinho da Jeannie e do Claude conseguiu me tirar isso da cabeça por mais do que um segundo. Ela não vai.
- E daí? Um dia ela vai voltar atrás. Talvez ela não vá ver você no teatro daqui três dias. Talvez ela não vá ver você pelos próximos dez anos, mas um dia ela vai voltar. – Jade disse, dando um tapinha em minha coxa. – Agora vamos lá, pega aquela tesoura ali para mim porque eu vou cortar meu cabelo.
- Sozinha?
- Sozinha.
- Você é maluca.
- Quer cortar também?
- Quero.
Jade gargalhou e eu a acompanhei.

***

Jade e eu cortamos uma boa quantidade do cabelo dela, mas só um pouco do meu, que teria de continuar em tamanho médio para o papel de Sheila.
Além de tudo, naquela tarde, eu teria de pintar os cabelos de loiro para parecer com a Sheila do filme.
Meu couro cabeludo já estava sentindo a dor da química.
Eu estava quase dormindo na cama de Jade quando ela entrou no quarto, abriu a cortina e começou a gritar.
- Que horas você precisa ir ao salão para ficar linda e loira?
- Já sou linda.
- Dane-se, você não é loira.
- Pode fechar a droga da cortina, por favor?
- Não! Quero te levar logo ao salão para você ficar loira logo e eu tirar foto com a minha nova melhor amiga loira!
- O horário é marcado, mon amour , não adianta chegar mais cedo.
- Adianta sim! Vamos logo, , deixa de ser chata!
- Eu que sou a chata? – bufei, empurrando o edredom para o chão e me levantando.
- Não joga minha roupa de cama no chão, ok? Vamos manter a ordem.
Eu gargalhei.
- Quem é você pra falar de ordem? – perguntei, pegando uma meia rosa no chão e jogando para ela.
Jade riu, bateu palminhas e saiu correndo atrás de mim.
- Vou pegar a chave do carro. Me espera lá fora.
Obedeci, sentando no murinho do jardim, com meus pés ocasionalmente tocando uma roseira alta, que me trazia muitas lembranças.
Jade e eu éramos crianças pequenas quando eu fui pela primeira vez em sua casa. Seu pai tinha acabado de plantar a árvore e Jade estava desesperada dizendo que a coitada não tinha antena.
Eu não tinha a menor ideia do que era a antena de uma árvore, mas mesmo assim pedi que minha mãe me levasse até lá.
Naquele dia, eu vi a roseira.
Ainda era um único e pequeno galinho brotando do chão desajeitadamente. E as antenas? As antenas eram os galhos da árvore, que não tinha nenhum.
Ri sozinha ao me lembrar daquilo enquanto Jade trancava a porta.
- Tá rindo de quê?
- A roseira, lembra? Não tinha antena.
Não consegui controlar a gargalhada que veio em seguida, e Jade mostrou a língua como fazia desde pequena.
- Vamos logo, quero ver a personificação da Madonna um milhão de anos mais jovem na minha frente hoje.
Eu ri e a acompanhei até o carro.
Jade dirigiu como uma louca (o que era normal) até o salão de beleza de Angela, uma grande amiga da minha mãe.
Eu queria não pensar que Angela podia dizer o quanto minha mãe não estava nem aí para mim, ou que ela estava sofrendo e queria que eu terminasse com , mas estava pensando.
Não que Angela fosse histérica e neurótica como a minha mãe quanto aos homens, mas ela era a melhor amiga da minha mãe. Defenderia todos os pontos de vista dela até a morte, como eu faria com Jade.
Minha melhor amiga estacionou o carro em frente à loja de locação de vídeos que ficava próxima à 930 Key Hwy.
Descemos do carro e caminhamos a curta distância da loja ao salão.
Angela estava sentada em seu imenso divã de pelúcia cor de rosa, lendo uma revista da Vogue que ela segurava com dedos cobertos por unhas enormes e vermelhas.
Angela era quase como uma madame do brega, mas suas roupas estavam sempre na moda.
- Meu bebezinho! – ela disse, assim que me viu. – Adoro quando vem até aqui. Ainda mais quando vem fazer essas transformações para os personagens. – ela me abraçou. – Tão novinha e tão artística.
Jade riu da espontaneidade de Angela.
- E você, o que vai fazer? Umas luzes? Pintar de vermelho?
- Não... Na verdade eu vim só assistir a virar uma garota loira.
- Tudo por você, Sheila. – murmurei.
- Vamos lá, então. Para a cadeira. – Angela disse, apontando a cadeira giratória cor de rosa do outro lado do salão e esfregando as mãos como quem faz um plano mirabolante.


***


Quando me encarei no espelho à minha frente, quase surtei.
Eu estava realmente parecida com a Madonna milhões de anos mais nova.
Meus cabelos estavam ligeiramente mais curtos e ondulados, mas o verdadeiro problema era a cor.
Um tom entre o loiro platinado e o dourado, com alguns reflexos mestiços entre os fios.
Estava lindo. E diferente.
Eu estava mesmo prestes a surtar.
- Tudo bem, então. – Jade disse, segurando meus braços quando enfiei as mãos pela milésima vez nos cabelos. – Você está maravilhosa, está bem? E é tudo pela Sheila! Daqui a pouco você faz uma nova personagem que... Ah, deixa pra lá.
- Gostou, bebê? – Angela perguntou, ajeitando os fios que eu bagunçara.
- vai me odiar assim.
- Só se ele for retardado. – Angela disse, bufando. – Um cara consciente não pode odiar uma garota que vira a própria vida de cabeça para baixo por ele.
Eu suspirei.
Virar minha vida de cabeça para baixo por nunca seria um sacrifício. Eu faria quantas vezes fossem necessárias.



***

Depois que deixamos o salão, Jade me obrigou a ir ao shopping para desfilar meu novo visual e me acostumar com isso.
Ela podia ter me levado a um dos grandes shoppings, mas preferiu o menor. Onde ela sabia que todo mundo iria me reconhecer e comentar.
Assim que entramos, demos de cara com Tess, uma garota baixinha do primeiro ano que usava gloss labial com muito glitter e parecia uma drag Queen a todo momento. Ela parou para nos cumprimentar e disse que eu estava “estonteantemente linda” e que seria um idiota se não gostasse.
Até ela tinha imaginado que odiaria!
Tudo que eu queria era deixar aquele lugar logo e encontrar com ele. Descobrir sua opinião sobre isso seria a melhor coisa. E quanto mais rápido, melhor.
Assim que Jade me deixou um pouco para ir ao banheiro, peguei o celular na bolsa e liguei para .
- ?
- Oi, amor. Aconteceu alguma coisa?
- Não, mas... Eu quero ver você.
Ele riu.
- Por quê?
- Não posso... hum... Querer ver você?
- Pode, é claro, mas tem algo de errado, não tem?
Eu o ignorei.
- Pode passar na casa da Jade às oito?
- Está bem.
- Tudo bem, então. Vejo você daqui a pouco.
- Espera! – ele gritou, quando eu estava prestes a desligar. – Tenho uma ideia melhor.
- E qual é?
- Vou passar para te buscar às oito. Vou te levar a um lugar legal.
- Tá bom. Vou te esperar.
E desliguei o telefone.
Que ele ainda quisesse me levar a um lugar legal depois de me ver loira.



***



A campainha da casa de Jade tocou e eu apertei meus dedos contra a saia do vestido azul que eu usava.
- ! – Jade gritou. – chegou!
Dei uma volta de nervoso pelo quarto, parando diversas vezes em frente ao espelho.
Que ele goste de mim assim, que ele goste de mim assim.

arregalou os olhos assim que me viu.
- Minha nossa. – ele disse, boquiaberto. – Uow.
Eu não sabia o que dizer. Talvez pedir desculpas? Dizer que era tudo pela Sheila? Dizer que entenderia se ele quisesse ir embora?
- Você é a garota mais linda que já vi na minha vida. – ele disse, indo lentamente até mim e me abraçando.
Obrigada, Deus.
- Mas... Vamos logo, você vai gostar do lugar.



***

estacionou o carro da mãe em frente ao National Aquarium, e eu sorri assim que notei que aquele era o lugar.
- Era meu lugar favorito quando eu era menor. – ele disse, andando de mãos dadas comigo em direção à entrada. – Eu simplesmente amava estar aqui, como se estivesse bem perto de todos esses animais. – ele olhou para mim e sorriu. – Meu pai me trazia sempre aqui. Para me mostrar quão cruéis e egoístas nós todos somos. Nós amamos os peixes, as criaturas marinhas. Amamos o que eles significam. Mas os tiramos de seus lares naturais e colocamos em lugares estranhos. Invadimos o lugar deles. – suspirou. – Mas o amor é assim. É egoísta, é oportunista. O amor é bonito e malvado, . Nós tiramos a outra pessoa de seu lugar natural. Invadimos o lugar delas. Mas, ainda assim, é a melhor coisa do mundo, e também a mais bela.
- ...
- Me perdoe por te tirar do seu lugar natural, meu amor. Mas eu sou egoísta, sim. Porque estou amando, .
- ...
- É por isso que eu quero que seja minha namorada. – ele disse, tirando uma caixinha azul do bolso. – Você quer ser minha namorada?
Quero!
- Você quer mesmo que eu responda? – perguntei.
Ele assentiu, nervoso.
- É o que eu mais quero no mundo. – e eu o beijei.


Ensaio número 100 (O último ensaio)

“- Aí! – grita Berger. – Todo mundo tirando a roupa e caindo na água!
Ouve-se o barulho de água espirrando e as risadas de Jeannie.
- Você quer ir pra casa? – Claude pergunta a Sheila.
- Ah, olha, Claude... Você só vai me levar pra casa, certo?”


- Tudo bem, tudo bem! Esse Claude e essa Sheila não podiam ser melhores! – a senhora Blackley nos abraçou. – Podem voltar a ensaiar.

“- Certo. – Claude concorda, encarando-a com curiosidade e interesse.
- Sabe, você entende o que eu digo.
- Eu só vou levar você para casa.
- Porque não vai acontecer nada. – ela acrescenta.
- Eu sei. Eu vou levá-la para casa.
Sheila veste o casaco que segura e ri.
- Ah, não, não. Eu acho que vou pra casa sozinha.
- Não, eu vou te levar. – Claude protesta.
- Não estou com vontade.
- Por que não?
- Eu não tenho como explicar tudo, tenho?”


Eu estava morrendo de ansiedade pela apresentação.

“- A água está muito suja, não? – Sheila pergunta. - Eu sinto muito, Claude. Eu não queria ser tão... Eu sinto muito, por favor... Eu... Eu não queria aborrecê-lo, sabe.”
- Podem descansar um pouco, meus pequenos astros. – a senhora Blackley disse. – Vou ensaiar as canções com Katia, Joe, Ernest e Mikhail na sala dos fundos, qualquer coisa podem me chamar.
e eu concordamos.
- O que acha de ensaiarmos aquela cena? – perguntou.
- Que cena?
- Aquela em que o Claude e a Sheila se beijam.
Eu gargalhei.
- Você é péssimo, namorado.
Ele riu.
- Estou louco pra fazer essa apresentação.


Apresentação do musical Hair no Teatro Municipal de Baltimore
(30/09/2014)


me deu a mão, e eu segurei a mão de Katia para a oração que a Senhora Blackley sempre fazia conosco antes da peça.
Que dê tudo certo.
Quando a oração acabou, todos nós jogamos as mãos para cima.
- Merda para todo mundo!



***


“ - Qualquer pessoa que alterar, falsificar, destruir de propósito, mutilar de propósito, ou mudar esse certificado de algum modo, vai ter uma multa não superior a dez mil dólares e só poderá ficar na cadeia por, no máximo, cinco anos. Ou os dois. – Joe começou, atuando como Berger.
Dorothy começa a cantar no palco e eu dou meu apoio vocal pela coxia.

When the moon is in the Seventh House And Jupiter aligns with Mars
Then peace will guide the planets And love will steer the stars


O grupo dança e a vocalista entoa o refrão:

This is the dawning of the age of Aquarius
The age of Aquarius


como Claude entra no cenário, assistindo o espetáculo.
O grupo dança entre si.

Aquarius!
Aquarius!


Uma dupla de policiais montados em cavalos entra em cena, e o grupo de hippies se dispersa, correndo.
No entanto, a vocalista e um rapaz continuam lá, dançando e prosseguindo com a canção.

Harmony and understanding
Sympathy and trust abounding
No more falsehoods or derisions
Golding living dreams of visions
Mystic crystal revalation
And the mind's true liberation

Os dois se afastam e, saltitante, a vocalista continua com a canção.

Aquarius!
Aquarius!

When the moon is in the Seventh House
And Jupiter aligns with Mars
Then peace will guide the planets
And love will steer the stars


Aquela era a minha deixa.

Em um dos cavalos alugados especialmente para a peça, entrei no palco seguida por outras duas garotas montadas em seus próprios cavalos.
Claude observa Sheila, encantado. E sorri.
Alguns outros do grupo hippie dançam, às bordas.

This is the dawning of the age of Aquarius
The age of Aquarius
Aquarius!
Aquarius!


O grupo ainda dança, completamente sincronizado.
Garotos e garotas fazem malabarismo com seus próprios corpos.

Harmony and understanding
Sympathy and trust abounding
No more falsehoods or derisions
Golding living dreams of visions
Mystic crystal revalation
And the mind's true liberation
Aquarius!


O grupo à cavalo se aproxima, do outro lado.
Sheila, ao meio, puxa as outras duas, e Claude logo a nota.

Aquarius!

Um grupo de jovens garotos hippies ri e se diverte, correndo em direção às cercas.
- Mocinha, com licença. Será que dá pra me trocar um dinheiro? Ih! Você tem um chapéu esperto, hein?! Por acaso não dá pra me arranjar umas moedas não?
- Bonito cavalo!
- Eu nunca montei um cavalo, sabe? É difícil? – Ernest como Woof corre atrás da garota no cavalo. – Moça, seria possível se eu montasse seu cavalo? Só um pouquinho? Só uma vezinha! Um minutinho! Moça!
- Ei, cara! Esquece isso aí! – Joe diz, como Berger. – Eu te dou um de presente de Natal.
Ele passa em frente à Claude.
- Tem um trocado? – pergunta. – Tem um trocado? Um trocado... Dez, vinte e cinco ou cinquenta. Tem?
Claude se afasta.
- Tá querendo que eu lhe dê algum dinheiro?
- É!
- Por quê?
- “Por que”? Por nada, cara! Só que ela tá grávida e a gente não come há dois dias. – ele aponta Katia como a hippie loura de rosa chamada Jeannie, que está ao seu lado.
Claude hesita e faz uma careta.
- Eu não acredito. – diz, sério.
O hippie dá de ombros.
- De onde você é?
- Oklahoma.
O hippie dá de ombros e vira-se.
- Olha, cara! Eu sei como é! Eu mesma vim de Kansas! – a loura hippie diz, antes de partir rindo.
Claude tira algo do bolso.
- Ei! – ele grita e dispara algum dinheiro no ar para o grupo.
Claude acena, mas eles já foram.

A cena muda, eu e as outras garotas levamos os cavalos de volta à coxia e, rapidamente, o grupo de hippies aparece com um cavalo. Dois o montam e dois o puxam pelas rédeas.
Os quatro correm, desengonçados.
Eu entro novamente, como Sheila, a garota do cavalo, com seu próprio grupo.
O hippie louro no cavalo alinha-se ao dela e começa a cantar.

Sodomy
Fellatio
Cunnilingus
Pederasty


As três garotas, inclusive Sheila, os olham, assustadas, mas ignoram.
Ele grita:

Father, why do these words sound so nasty?
Why do these words sound so nasty?


Sheila o encara.

O rapaz se empina para perto dela sobre o cavalo e continua cantando.

Masturbation
Can be fun
Join the holy orgy
Kama Sutra


As três garotas aos cavalos se apressam.

Everyone!

Ele grita quando já estão à frente.

Mais adiante, Claude novamente vê Sheila e suas amigas em cavalos.
Ele a encara, encantado, mas ainda assim encabulado.
O olhar parece dirigido a mim, e eu dou um sorriso discreto. sorrindo para . Sheila ignorando Claude.
O cavalo dos hippies aparece solto no cenário.
- Pegue este cavalo! – um deles grita. – Pare esse cavalo!
- Segure! Segure esse cavalo aí! – o outro grita.
Eles correm atrás do animal e Claude, estrategicamente, pula sobre o animal.
- Isso! – o hippie moreno grita. – Isso aí!
O outro grita em comemoração.
Claude vira o cavalo na direção da dupla.
- Isso aí! – o hippie moreno, chamado Berger grita novamente. – Agora vá atrás delas! Vá atrás delas!
Claude obedece, guiando o cavalo em direção ao das garotas que seguiram à frente.
Berger corre atrás de Claude com o cavalo.

Oh, once upon a looking-for-Donna-time
There was a sixteen year old virgin
Oh Donna oh oh Donna oh oh oh
Looking for my Donna


Ele, Woof, a garota Jeannie e Hud começam a dançar.

I just got back from looking for Donna
San Francisco
Psychedelic urchin
Oh Donna oh oh Donna oh oh oh
Looking for my Donna


Os quatro ainda dançam.
Agora o hippie louro, Woof, canta.

Have you seen
My sixteen year old tattooed woman
Heard a story
She got busted for her beauty oh oh oh
Oh oh!


Eles correm em direção à Claude, dando voltas no cenário.
Correm e dançam, saltitantes.

Once upon a looking-for-Donna-time
There was a sixteen year old virgin
Oh Donna oh oh Donna oh oh oh
Looking for my Donna


Agora os quarto somem, mas suas vozes continuam aparentes.

I've been to India and saw the yogi light (lie?)
In South America the Indian smoke glows bright
I'm reincarnated and so are we all
And in this lifetime we'll rise
Before we fall
Before we fall


Claude alcança as garotas e, de braços abertos, ultrapassa a minha Sheila.
Apenas de brincadeira, Claude salta do cavalo e volta com a mesma habilidade.

Once upon a looking-for-Donna-time
There was a sixteen year old virgin
Oh Donna oh oh Donna oh oh oh
Looking for my Donna

And I'm going to show her
Life on earth can be sweet
Gonna lay my mutated head (self) at her feet
And I'm gonna love her make love to her
Till the sky turns brown
I'm evolving I'm evolving
Through the drugs
That you put down


Claude e Sheila desaparecem, e os quarto hippies voltam, dançando.

Once upon a looking-for-Donna-time
There was a sixteen year old virgin
Oh Donna oh oh Donna oh oh oh
Looking for my Donna
Looking for my Donna


Eles desaparecem novamente, e Claude aparece, sozinho.

Donna!

Os hippies chegam até ele.

- Pô, cara! Você é um cowboy, hein? – o hippie moreno (Berger) sorri para ele.
Claude faz menção de descer do cavalo, mas o rapaz empurra sua perna de volta.
- Não, não! Não desce, não. Você ainda tem quinze minutos, aproveita.
- Não. Eu tenho coisas a fazer. – Claude salta do cavalo.
- Ah, é? Por exemplo...?
- Quero ver o Empire State. Se eu fizer isso hoje, então amanhã poderei andar de barco. Ao redor de Manhattan, sabe? Ver a Estátua da Liberdade.
O louro sorri para ele.
- Vai se divertir, hein?
Claude balança a cabeça, pensativo.
- Ahn... Se tiver alguma sugestão sobre coisas para eu fazer enquanto estiver aqui, sabe, eu não tenho muito tempo. É que eu vou para o exército daqui a dois dias.
O louro se esquiva e os outros fazem caretas.
Todos se calam por alguns instantes, mas Berger sorri para Claude.
- Acho que dá pra te ajudar.

A cena muda e agora eu assisto de um cantinho oculto entre a coxia e o palco.
Junto com os personagens, o cenário some, transformando-se em outro, completamente diferente. Trabalho feito pelos figurantes e a mente brilhante da senhora Blackley.
Claude está sentado com os hippies, fumando um cachimbo.

Hashish, cocaine, marijuana
Opium, LSD, DMT
STP, BLT, A and P, IRT
APC, Alcohol


O hippie negro cutuca o jovem no chão.
- Aqui. Ei, Claude. Claude. Claude, fale comigo. Claude.
Claude se levanta, lentamente.

Cigarettes, shoe polish, cough syrup, peyote
Equinol, dexamil, camposine, Chemadrine
Thorazine, trilophon, dexedrine, Benzedrine, methedrine
S E X, Y O U, wow


Claude olha para a garota hippie de rosa.
- Ela está grávida mesmo? – pergunta.
- Grávida mesmo? – ela pergunta para ele. – Estou, sim.
- É o que ela diz. – o hippie louro responde.
- É o que ela diz e o que ela sabe. Estou, sim. – a hippie loura confirma.
- Jeannie, você não sabe nada.
- E sei quem é o pai. – ela ignora.
- É? – o negro pergunta. – Se sabe isso, já sabe muito. Se o neném nascer branco azedo igual ao amarelão, então sabemos que o Woof realmente é o pai. Mas se ele sair bonito e da cor do chocolate, será meu.
- Branco azedo, é? – pergunta Woof.
- É, cara. Branco azedo. – Hud confirma.
Jeannie ri.
- Quando ele sair e vir sua cara preta na frente dele, cara, ele vai cuspir caroços de melão na sua cara.
- Você sempre abre a boca antes de pensar. – Hud briga, levantando-se para encarar Woof. – Olha, quando ele sair e me vir, vai ficar tão orgulhoso, tão feliz, que sabe o que ele vai dizer?

I'm a

Hud empurra Woof.

Colored spade
A nigger
A black nigger


Woof tenta partir para cima de Hud, mas outros hippies o seguram.

A jungle bunny
Jigaboo coon
Pickaninny mau mau


Hud começa a dançar em direção à Claude.

Uncle Tom
Aunt Jemima
Little Black Sambo


Todos os hippies dançam, menos Jeannie e Woof.

Cotton pickin'
Swamp guinea
Junk man
Shoeshine boy
Elevator operator
Table cleaner at Horn & Hardart
Slave voodoo
Zombie
Ubangi lipped


Hud se afasta, dançando pelo cenário.

Flat nose
Tap dancin'
Resident of Harlem
And president of
The United States of Love
President of
The United States of Love


Hud se aproxima de um outro rapaz.

(And if you ask him to dinner you're going to feed him)
Watermelon
Hominy grits
An' shortnin' bread
Alligator ribs
Some pig tails
Some black eyed peas
Some chili
Some collard greens


Woof e Jeannie começam a dançar também.

And if you don't watch out
This boogie man will get you
Booooooooo!


Berger abraça Claude de lado.
- Diz alguma coisa pro bacana. Vai, cara, diz alguma coisa pro bacana.
- Bacana. – Claude ironiza, rindo.
- É o primeiro dia dele na América. – Berger diz. – Ele acabou de descer do navio.
Claude ri.
- Fez boa viagem?
Berger brinca com Claude, que está molengo, balança-o de um lado para o outro.
Ele gira Claude de cabeça para baixo.
E agora era a parte em que cantaria na peça pela primeira vez.

Manchester England England
Across the Atlantic Sea
And I'm a genius genius
I believe in God
And I believe that God


Ele coloca Claude no chão novamente.

Believes in Claude
That's me that's me
Claude Hooper Bukowski
Finds that it's groovy
To hide in a movie
Pretends he's Fellini
And Antonioni
And also his countryman Roman Polanski
All rolled into one
One Claud Hooper Bukowski
Now that I've dropped out
Why is life dreary dreary
Answer my weary query
Timothy Leary dearie


Ele carrega Claude pelo cenário, de um lado para o outro.
Jeannie e Woof começam a cantar com ele.

Oh Manchester England England
Across the Atlantic Sea
And I'm a genius genius


Claude começa a cantar também.
I believe in God

Os hippies comemoram.

And I believe that God
Believes in Claude
That’s me
That’s me
Claude Hooper Bukowski
Finds that it's groovy
To hide in a movie
Pretends he's Fellini
And Antonioni
And also his countryman Roman Polanski
All rolled into one
One Claud Hooper Bukowski

Todos os hippies começam a dançar e Claude os acompanha.

Oh Manchester England England
Across the Atlantic Sea
And I'm a genius genius
I believe in God
And I believe that God
Believes in Claude


Claude canta, acompanhado do hippie Berger.

That's me (that's he)
That's me (that's he)
That's me (that's he)
That's me



Hud entra correndo, empurrando todos os outros.

I'm black I'm black

Woof também corre e canta.

I’m pink, I’m pink

Os dois dançam.

Berger também começa a cantar, animado, e puxa Claude pelo braço.

I'm Rinso white I'm in-vis-i-ble

Vários hippies entram, com um novo cenário. A vocalista do começo canta.

Ain't got no home (So)
Ain't got no shoes (Poor)
Ain't got no money (Honey)
Ain't got no class (Common)
Ain't got no scarf
Ain't got no gloves (Cold)
Ain't got no bed (Beat)
Ain't got no pot (Busted)
Ain't got no faith (Catholic)


Um hippie negro aparece, girando a bandana suja na cabeça e cantando.

Ain't got no mother (Orphan)
Ain't got no culture (Man)
Ain't got no friends (Lucky)
Ain't got no schoolin' (Dumb)
Ain't got no shine
Ain't got no underwear (Bad)
Ain't got no soap (Dirty)
Ain't got no A-Train
Ain't got no mind (Lost it)


Outro hippie negro aparece, cantando de frente ao cantor anterior.

Ain't got no smokes (Shit)
Ain't got no job (Lazy)
Ain't got no work
Ain't got no coins
Ain't got no pennies (Beg)
Ain't got no girl (Horny)
Ain't got no ticket
Ain't got no token (Walk)
Ain't got no God (Good)


Eles cantam todos juntos.

Ain't got no grass (Can't take no trip)
Ain't got no acid (Can't blow my mind)
Ain't got no clothes (You're full of puss)
Ain't got no pad (You're full of piss)
Ain't got no apples (We got balls)
Ain't got no knife (Can't cut you up)
Ain't got no guns (We got bananas)
Ain't got no garbage (White trash)
Ain't got no draft card (Burned it burned it burned it)


Eles dançam, juntos. Fazem malabarismo com os próprios corpos e com os dos outros.

Ain't got no earth
Ain't got no fun
Ain't got no bike
Ain't got no pimples
Ain't got no trees
Ain't got no air
Ain't got no water
(City)
(Banjo)
(Toothpicks)
(Shoelaces)
(Teachers)
(Football)
(Telephone)
(Records)
(Doctor)
(Brother)
(Sister)
(Uniforms)
(Machine guns)
(Airplanes)
(Air force)
(Germs)
M-1 (bang bang bang)
M-2 (bang bang bang)


Os hippies vão embora com o cenário, dando lugar a um novo.

Claude está despertando em um degrau de escada.
Ele se levanta e observa ao seu redor.
Woof e Jeannie estão deitados abraçados de um lado, e Berger dorme do outro.
Claude observa os amigos e começa a caminhar.
- Gente fina! – Berger chama. – Onde é que você vai?
- Eu tenho uma porção de coisas pra fazer hoje. Obrigado.
Claude acena e vai embora.
- Cara! Claude! – Berger grita. – Vem cá! Quero te mostrar uma coisa. Quer vir aqui, por favor?
Claude caminha de volta.
- Que que é?
- Vê isso aqui.
- O quê? – Claude perguntou, abaixando-se para ver o que Berger apontava.
- É a garota do cavalo. – Berger diz.
- Não, não é ela.
- Por que você acha que não é ela? Olha bem.
Claude se aproxima mais.
- Um evento.
- E é perto daqui.
- É?
- É.
Claude dá uma risadinha.
- É hoje? – pergunta.
- É isso aí. Você quer ir?
- Por quê?
- Ué... Você não quer encontrar com ela?
- Mas... Para ir, você não tem que ser convidado?
Berger suspira.
- Gostaria de ir a uma festa comigo?
Claude o encara e os dois riem.

O cenário novo entra com os novos personagens.
Várias pessoas vestidas elegantemente dançam em um salão.
O grupo de hippies adentra o salão. Hud, Woof e Jeannie, Berger e, ao longe, Claude.
Os convidados elegantes riem.
- Escuta. – diz Berger. – Não dá pra desgrudar, não?
Os outros três se afastam.
Claude cumprimenta um convidado elegante.
Ele tira a gravata do bolso e a veste.
Jeannie anda pelo salão com Hud, encantada. Woof pega alguns aperitivos na mesa e segue.
Os convidados observam os hippies com curiosidade e preconceito.
- Vamos sentar, querida. – Hud diz, puxando uma cadeira para que Jeannie sentasse.
Um garçom alto circula pelo meio do salão.
- Steve! – ele grita.
O garoto, chamado Steve, se aproxima.
- Ótima festa, não é? – pergunta Steve.
O garçom faz uma careta.
- É... Steve...
- Ahn?
- Olhe ali. Está vendo? – o garçom aponta em direção a Claude. - Aquela pessoa estranha ali. E, ali à direita. – ele aponta Berger. – Aquele homem ali. E ali, aquele de couro, com a garota. Você os conhece?
- Não.
- Por que você não... delicadamente, vê se consegue descobrir quem são? Como chegaram aqui e... quem os convidou... E volta pra me dizer isso, hein?
- Sim, está bem. – Steve concorda.
- Ótimo.
Steve vai até Hud primeiro.
- Oi. – ele diz. – Eu sou Steve Right. Qual o seu nome?
- Hud.
- Hud? Ah... Você devia estar aqui?
- Por quê?
- Quer dizer... Quem é que trouxe vocês?
- O senhor Berger.
- Ah! Aproveitem a festa. – Steve acena antes de partir.
Steve se aproxima do garçom.
- Estão com o Senhor Berger. – diz.
- Senhor Berger?
- É.
- E quem é o Senhor Berger?
- E eu sei lá?

O cenário vai embora com os convidados.

Eu estou sentada na cama, como Sheila, com duas amigas.
- Vai! Não precisa tragar se não quiser. – a outra garota diz.
Sheila segura um cigarro entre os dedos.
- Vai! Agora! – as duas amigas gritam.
- Se não vai queimar seu quarto.
- Sheila! – a voz de um homem grita.
Sheila leva o cigarro aos lábios.
- Sheila! – a voz de homem grita novamente.
- Só um minuto!
Ela fuma o cigarro.
- Só um minuto, papai!
- Por que está demorando tanto, querida?
- Estamos fumando escondido. – uma das amigas diz, baixinho.
- Estou me vestindo!
- Imagina se ele pega a gente em flagrante. – a amiga ri.
- Vamos! Tem muita gente lá fora esperando pra te ver.
- Ah, relaxe, papai!
- Ande logo! – o homem grita.
- Sheila, abre a porta agora mesmo! – uma mulher grita.
Sheila borrifa perfume no quarto.
- Sheila!
- Eu já vou! – ela grita.
- Não há desculpas para este comportamento! – a mulher grita.
Novamente, os convidados elegantes entram, trazendo o cenário de uma sala de jantar gigantesca.

Todos estão sentados ao redor da imensa mesa de jantar, inclusive Berger, Jeannie, Woof, Hud e Claude.
- Senhor Berger? – o garçom pergunta.
- Sou eu mesmo, mas pode me chamar de...
- Eu acho que esta é uma festa particular, acho melhor você sair, você e seus amigos, saiam, por favor.
- Você quer?
- Sim. Acho que é a melhor coisa a se fazer.
- Tá. Tá bom. – Berger levanta-se da cadeira.
Claude levanta-se também, mas Berger o empurra de volta.
O hippie pega um garfo e começa a bater em uma das taças.
- Senhor Berger! – o garçom chama.
- Com licença, por favor!
- Senhor Berger...
- Não, espera aí. Tem uma coisa que eu gostaria de...
- Senhor Berger.
- Eu só quero dizer algumas palavras. Depois a gente sai. Só algumas palavras.
- Olha, senhor Berger, eu acho que essa não é a hora...
- Olha só, todo mundo escuta! Ahn... Nós não fomos convidados para essa festa...
- Senhor Berger, isso não é...
- Eu só quero falar com essas pessoas, só um segundo!
- Eu acho melhor o senhor sair.
- Eu sei, eu sei, mas eu só quero falar com eles só um minutinho. Deixa eu falar com eles só um pouquinho!
- Eu acho melhor o senhor sair.
- Por favor.
- Não, senhor Berger, acho melhor sair.
- Por favor.
- Senhor Berger, eu estou perdendo a minha paciência. Esta é uma festa particular. O senhor não foi convidado e acho melhor sair.
- Você não está entendendo.
- Eu não tenho que entender nada, senhor.
- Você tem que entender uma coisa, sim.
- Eu não tenho que entender nada, não quero entender nada. Eu quero que saia logo daqui.
- Você devia saber o que esse homem vai fazer, cara!
- Não me interessa o que esse homem vai fazer.
- Interessa sim! Esse homem vai lutar por você no Vietnã, cara! Vai lutar por você, para salvar a sua vida.
- Senhor Berger, não me interessa! Eu quero que saia daqui de uma vez por todas daqui da minha festa!
- Esse homem vai salvar a sua vida!
Todos ficam em silêncio.
- Escute aqui, se quer me tirar, vai ter que me tirar à força.
- É exatamente o que eu vou fazer, senhor Berger. Eu vou chamar a polícia e não vou me sujar me metendo com você. Vou chamar a polícia se precisar tirar vocês daqui, entendeu bem?
- Tá bom.
- É o que eu vou fazer.
- Tá bom. Pinguim.
Todos os convidados riem.
- Olha aí. – Berger diz, quando consegue a atenção de todos. – Meu amigo Claude está apaixonado. Ele viu essa moça no cavalo e aí...
- Com licença. – um outro homem se aproxima dele.
- É hoje. – Berger suspira.
- Vamos conversar como cavalheiros.
- Tá, tudo bem.
- Com calma, como cavalheiros.
- Tá. Tá bom.
- Agora posso lhe dar um pequeno conselho?
- Pode.
- Dê o fora daqui. Já!
- É isso?
- É isso, sim.
- Obrigado. – Berger responde, ignorando o homem. – Agora escutem. O Claude tá apaixonado. – ele aponta Claude, que fica envergonhado. – E ele se apaixonou por uma mulher que tá sentada aqui nessa sala. Ele só quer ficar sentado aqui e ficar olhando pra ela por uns cinco minutos. Ele só quer olhar pra ela e, quem sabe, ficar com a imagem dela na cabeça para quando ele estiver lá, lutando nas florestas. – ele faz uma pausa. – E aí? Isso é pedir muito?
Claude puxa Berger pelo braço.
- Peraí, peraí, cara. Peraí. Isso é pra você, é o que você quer! – Berger olha para Sheila. – E aí, Sheila, você concorda com isso?
Todos se viram para Sheila.
- Porque, se concordar, o Claude vai ficar sentado aqui e olhar para você alguns minutos antes da gente ir embora.
A mãe de Sheila se levanta.
- O senhor é muito abusado, rapazinho!
Berger sorri e começa a cantar.

I got life, mother
I got laughs, sister
I got freedom, brother
I got good times, man


Ele se vira para Claude e sorri, depois vira-se para uma das convidadas.

I got crazy ways, daughter
I got million-dollar charm, cousin


Eu sorrio como Sheila.
Aquilo estava tão bom!

I got headaches and toothaches
And bad times too
Like you


Berger, então, sobe na mesa.
Todos os convidados se assustam e levantam-se.

I got my hair
I got my head
I got my brains
I got my ears
I got my eyes
I got my nose
I got my mouth
I got my teeth


Ele dança sobre a mesa e as pessoas começam a retirar as coisas.

I got my tongue
I got my chin
I got my neck
I got my tits
I got my heart
I got my soul
I got my back
I got my ass


Berger continua dançando sobre a mesa.

I got my arms
I got my hands
I got my fingers
Got my legs
I got my feet
I got my toes
I got my liver
Got my blood
I got life, mother
I got laughs, sister
I got freedom, brother
I got good times, man
I got crazy ways, daughter
I got million-dollar charm, cousin
I got headaches and toothaches
And bad times too
Like you


Berger corre sobre a mesa, perto de Sheila.

I got my hair
I got my head
I got my brains
I got my ears
I got my eyes
I got my nose
I got my mouth
I got my teeth
I got my tongue
I got my chin
I got my neck
I got my tits
I got my heart
I got my soul
I got my back
I got my ass


Uma mulher sobe sobre a mesa com Berger e começa a dançar com ele.

I got my arms
I got my hands
I got my fingers
Got my legs
I got my feet
I got my toes
I got my liver
Got my blood
I got my guts (I got my guts)
I got my muscles (muscles)
I got life (life)
Life (life)
Life (life)
LIFE!


A polícia finalmente chega, e todos os convidados saem, levando o cenário. Eu saio de cena carregando um trio de cadeiras.
Novos personagens entram com o novo cenário enquanto nós assistimos do outro lado.
- Claude Bukowski, George Berger, LaFayette Johnson, Jeannie Ryan, Woof Daschund. O tribunal vai dar a sentença para cada um de vocês. A sentença do tribunal diz que terão que ficar presos por trinta dias ou pagar uma fiança de cinquenta dólares.
- Excelência, eu acho que o senhor não entendeu. – diz Berger. – Olha, nós não temos nenhum dinheiro.
- Sinto muito, mas não posso fazer nada por vocês.
- Excelência. – Claude chama.
- Pois não?
- E se um de nós tiver dinheiro?
- Quem é?
- Eu tenho. – Claude responde.
- Ele não vai conseguir. – Hud diz.
- Deixa de ser otário. – Woof briga.
Claude tira as botas e tira de lá uma nota de cinquenta dólares.
- Você pode pagar a sua fiança. – o juiz diz. – Passe no escritório.
Claude vai embora.
- Dá licença, excelência, só um segundinho. – Berger sai atrás de Claude. – Espere aí. Retire George Berger.
- Bukowski! – Claude diz.
- Escuta, cara. Deixa eu sair daqui, eu pego o dinheiro, volto e solto todo mundo, tá bom?
- O dinheiro é meu! – Claude responde. – Eu sinto muito, mas meu pai me deu isso em caso de problemas. Como esse.
faz uma cara tão fofa atuando como Claude que eu tenho vontade de correr até ele e beijá-lo.
- Que que há, cara? Você não confia em mim, não?
- É claro que não. – Claude responde.
- Cara, deixa de ser otário, tá? Como é que você vai conseguir a grana? Você não conhece ninguém aqui. Como é que você vai conseguir a grana?
- Ele não vai conseguir. – diz Hud. – Vai deixar a gente ficar apodrecendo aqui.
- Eu posso dar alguns telefonemas.
- É, cara, liga pra minha mãe.
- É melhor você saber o que está fazendo. – Claude diz.
- É bom mesmo, George. – Jeannie concorda.

O cenário muda.

Woof está sentado de frente para uma mulher.
- E homens? Tem alguma atração por homens?
- Está me perguntando se sou homossexual?
A mulher assente.
- Eu não expulsaria Mick Jagger da minha cama, mas não, não sou homossexual.
- Então por que faz tanta questão que seu cabelo não seja cortado?

She asks me why
I'm just a hairy guy
I'm hairy noon and night
Hair that's a fright
I'm hairy high and low
Don't ask me why
Don't know
It's not for lack of bread
Like the Grateful Dead
Darling


Woof levanta-se e começa a dançar. Outros personagens entram, vestidos de prisioneiros.

Gimme head with hair
Long beautiful hair
Shining, gleaming,
Streaming, flaxen, waxen
Give me down to there hair
Shoulder length or longer
Here, baby, there, mama
Everywhere, daddy, daddy
Hair, hair, hair, hair, hair, hair, hair
Flow it, show it
Long as God can grow it
My hair


O cenário vai embora com os personagens e Berger está sozinho, cantando.

Let it fly in the breeze
And get caught in the trees
Give a home to the fleas in my hair
A home for fleas
A hive for bees
A nest for birds
There ain't no words
For the beauty, the splendor, the wonder
Of my...


O cenário e os personagens voltam, Woof é quem lidera a cantoria.

Hair, hair, hair, hair, hair, hair, hair
Flow it, show it
Long as God can grow it
My hair


Hud também começa a cantar e dançar.

I want it long, straight, curly, fuzzy
Snaggy, shaggy, ratty, matty
Oily, greasy, fleecy
Shining, gleaming, streaming
Flaxen, waxen
Knotted, polka-dotted
Twisted, beaded, braided
Powdered, flowered, and confettied
Bangled, tangled, spangled, and spaghettied!


Woof volta a liderar o coro.

Oh say can you see
My eyes? If you can,
Then my hair's too short
Down to here
Down to there
I want my hair
Down to where
It stops by itself


Woof e Hud cantam juntos.

They'll be ga ga at the go go
When they see me in my toga
My toga made of blond
Brilliantined
Biblical hair
My hair like Jesus wore it
Hallelujah, I adore it
Hallelujah, Mary loved her son
Why don't my mother love me?
Hair, hair, hair, hair, hair, hair, hair
Flow it, show it
Long as God can grow it
My hair, hair, hair, hair, hair, hair, hair
Flow it, show it
Long as God can grow it
My hair
My hair, hair, hair, hair, hair, hair, hair
Flow it, show it
Long as God can grow it
My hair


O cenário vai embora novamente, e desta vez Berger está sentado à mesa e uma mulher mais velha o serve.
- Sabe, a mãe do Danny disse que ele mandou lembranças. Ele está no segundo ano de odontologia, e você devia ver a namorada dele, é bonita, gentil. – a mulher suspira. – Coma, tem muita maionese, do jeito que você gosta, dos dois lados, coma.
- Tá, obrigado, mãe. – Berger responde.
- Coma, está bom!
- Tá, eu vou comer.
- Me dê sua calça, eu vou colocar pra lavar.
- Por quê?
- Está suja, né?
- Não, mãe, ela tá legal, não tá suja, não. Tá tudo bem.
- Está sim. Leva só um minuto. Me dá aqui.
- Não, mãe. Está legal, está sim. O que acha, pai?

O holofote ilumina um homem sentado sobre uma poltrona de couro.

- O que acha de quê? – a mãe de Berger pergunta.
- Nada, mãe, nada.
O pai de Berger volta a ler o jornal que segura.
- E aí, pai?
- Se quer dinheiro, arranje um emprego. – o homem diz.
- Dinheiro? Mas quem falou em dinheiro? – a mãe pergunta. – Para quê precisa de dinheiro?
- Nada, eu só preciso.
- Quem é ela?
- Quem é quem? – Berger pergunta.
- A garota.
- Que garota?
- Quem é a garota?
- Não tem garota! Mas que garota?
- Você pode nos contar tudo, nós vamos entender. – a mãe de Berger diz.
- Do que é que você está falando? Não tem garota, eu só preciso de dinheiro.
- Se precisa do dinheiro, nos conte a verdade.
- Peraí, como assim “dizer a verdade”?
- Droga! – o pai grita. – Toda vez que vem em casa tem barulho! Por que você não se limpa um pouquinho? Por que você não corta o seu cabelo? Corte o cabelo! Eu lhe dou o dinheiro, você não precisa nem me pagar.
- Você vai me dar o dinheiro se eu cortar o cabelo?
- Pelo amor de Deus, faça alguma coisa!
- Você vai me dar o dinheiro se eu cortar o cabelo?
- Parem com essa gritaria! Parem! – a mãe grita. – E me dê a sua calça!
- Ela tá limpa! Que coisa!
- Me dê a calça! – a mãe grita.
- Eu já disse que ela tá limpa, pelo amor de Deus!
- De quanto precisa? – a mãe pergunta.
Berger a abraça.

O cenário muda novamente e, desta vez, Berger, Hud, Woof, Jeannie e Claude dançam pela cena.

Flow it, show it
Long as God can grow it
My hair, hair, hair, hair, hair, hair, hair
Flow it, show it
Long as God can grow it
My hair
My hair, hair, hair, hair, hair, hair, hair
Flow it, show it
Long as God can grow it
My hair


Há muitos hippies na cena, aglomerados no chão e sobre um pequeno palco improvisado.
- O esquema é: pessoal branco mandar na gente negra, guerrear com o pessoal amarelo, para defender a terra que eles roubaram do pessoal vermelho! – um cara grita no palco, e o grupo de hippies grita em aprovação.
Os hippies então se ajoelham e começam a receber balas na boca.
Berger não recebe e fica irritado.
- Ei! Qual é o problema? – ele corre atrás do cara.
- Berger! – Jeannie grita.
Woof e Hud correm atrás dele.
Eu entro novamente, ao longe, como Sheila.
- Oi. – eu, como Sheila, digo para Berger. – Olha, eu queria pedir desculpas a você pelo Steve, sabe... Ele é muito jovem, ele não entende nada.
Claude observa Sheila e ela o encara de volta.

Tell me who do you love man?
Tell me what man?
Tell me what's it you love man?
An old fashioned melody


- Eu estava pensando... – Jeannie diz para Claude. – Você gostaria de se casar?
- O quê? – ele pergunta.
- Você gostaria de se casar? – ela repete.
- Com quem? – Claude pergunta.
- Comigo. – ela responde, olhando para ele.
Claude faz uma expressão surpresa.
- É que eu estava pensando... Eu vou ter esse neném e se você fosse casado, o exército não te chamaria. Não chamaria porque eles não chamam pessoas casadas e com um filho pequeno.
Jeannie volta a mascar seu chiclete.
Agora é a vez de Sheila cantar. Minha vez de cantar.
Mesmo ao longe.

Tell me what's it that moves you?
Tell me what's it that grooves you?


Berger canta o verso seguinte.

An old fashioned melody...
But old songs leave you dead
We sell our souls for bread


E Sheila volta a cantar.

We're all encased in sonic armor
Beltin' it out through chrome grenades
Miles and miles of medusan chord
The electronic sonic boom


Os dois cantam juntos com algumas vozes alheias.

It's what's happening baby
It's where it's at daddy


Todas as pessoas dançam.
Joe me colocou nos ombros, deixando Sheila sobre os ombros de Berger.

They chain ya and brainwash ya
When you least suspect it
They feed ya mass media
The age is electric
I got the electric blues
I got the electric blues
I got the electric blues
I got the electric blues


Claude e Jeannie observam Sheila com os hippies.

Thwump... rackety... whomp
Rock... folk rock... rhythm and blues
Electronics explodin'... rackety-clack
Thwump... rackety... whomp
Plugged in... turned on


Sheila volta a cantar, sobre os ombros de Berger.

We're all encased in sonic armor
Beltin' it out through chrome grenades
Miles and miles of medusan chord
The electronic sonic boom
It's what's happening baby
It's where it's at daddy
They chain ya and brainwash ya
When you least suspect it
They feed ya mass media
The age is electric
I got the electric blues
I got the electric blues
I got the electric blues
I got the electric blues


Claude sorri para ela.

Hare Krishna Hare Krishna
Krishna Krishna Hare Hare
Hare Rama Hare Rama
Rama Rama Hare Hare
Hare Krishna Hare Krishna
Krishna Krishna Hare Hare
Hare Rama Hare Rama
Rama Rama Hare Hare


Os hippies e Sheila dançam, é Claude quem canta.

Love love
Love love
Drop out
Drop out
Be in
Be in
Love love
Love love
Drop out
Drop out
Be in
Be in


Sheila também canta.

Take trips get high
Laugh joke and good bye
Beat drum and old tin pot
I'm high on you know what


Berger começa a cantar também.

Marijuana marijuana
Juana juana mari mari
Marijuana marijuana
Juana juana mari mari
Beads, flowers, freedom, happiness
Beads, flowers, freedom, happiness
Beads, flowers, freedom, happiness
Beads, flowers, freedom, happiness


Enquanto todos cantam, Claude desaparece.
- Claude! – grita Jeannie. – Claude!
A multidão de hippies ainda canta músicas desconexas.
Os hippies vão embora, levando o cenário com eles.
O cenário seguinte é um parque escuro.
- Claude! – Jeannie grita.
- Claude Bukowski! – dessa vez é Berger quem exclama.
Berger, Jeannie, Woof e Hud seguem em fila pelo local, procurando por Claude.
- Espera aí. – diz Hud, puxando Jeannie consigo. – Berger! Nós achamos! Está ali!
Todos eles correm até Claude, que está parado ao fundo do cenário.
- Tudo bem, cara? Tá tudo legal?
Claude assente.
- Onde é que vocês estavam?
Berger ri.
- Onde é que a gente tava?! Onde você estava, cara?
- Olhando a água. – Claude responde.
- Olhando a água? – Berger ri. – Deixa eu ver seus olhos.
Todos eles riem.
- Meu Deus, mas que olheiras! Olha lá pras estrelas! – Berger aponta para cima. – Olha lá para cima, olha lá.
Todos eles olham.
- Olha lá as estrelas. Olha lá, cara! Bem ali em cima, olha. – é Woof quem aponta dessa vez.
- Pessoal, faz um pedido! – Jeannie pega a mão de todos.
É nessa hora que eu apareço novamente como Jeannie.
Ela segura seu casaco nos braços.
- Berger? – ela chama.
Berger se vira para ela.
- Quer me levar para casa, por favor? – Sheila pergunta.
- Espera aí. – Berger diz. – Você quer ir pra casa? Essa é a última noite do Claude, não é, garotão?
- Vocês vão fazer alguma coisa? – Sheila questiona.
- É claro que a gente vai. – diz Berger.
- É. – Jeannie concorda.
- O que vocês vão fazer? – Sheila pergunta.
- Eu não sei. – responde Berger. – A noite é dele. E aí, o que você quer fazer?
Claude suspira.
- Levar a Sheila para casa. – ele responde.
- Hum... – Berger murmura. – Tá bom. É toda sua, vai fundo.
- Sinto muito. – Claude diz.
- Tá, tá bom, eu sei. – Berger dá um tapinha no ombro dele.
Todos riem, menos Sheila, que se mantém de braços cruzados.
Todos estão indo embora, mas Jeannie volta e dá um selinho em Claude antes de ir.
Ouve-se ao fundo a voz do grupo.
- Aí! – grita Berger. – Todo mundo tirando a roupa e caindo na água!
Ouve-se o barulho de água espirrando e as risadas de Jeannie.
- Você quer ir pra casa? – Claude pergunta a Sheila.
- Ah, olha, Claude... Você só vai me levar pra casa, certo?
- Certo. – ele concorda, encarando-a com curiosidade e interesse.
- Sabe, você entende o que eu digo.
- Eu só vou levar você para casa.
- Porque não vai acontecer nada. – ela acrescenta.
- Eu sei. Eu vou levá-la para casa.
Sheila veste o casaco que segura e ri.
- Ah, não, não. Eu acho que vou pra casa sozinha.
Ali estava Sheila sendo rude com Claude, e meu olhar pedindo desculpas a por aquilo.
Ah, Sheila!
- Não, eu vou te levar. – Claude protesta.
- Não estou com vontade.
- Por que não?
- Eu não tenho como explicar tudo, tenho?
E os dois somem.
e eu nos entreolhamos na coxia antes de arrancarmos nossas próprias roupas, ou as roupas de Claude e Sheila, e ficarmos apenas com nossas roupas íntimas ali atrás.
Aquele seria nosso maior desafio no musical.
O palco está vazio, mas vozes podem ser ouvidas.
- Vai lá, cara! Pula! – é a voz de Berger que se ouve.
- A água está muito suja, não? – Sheila pergunta.
Ouve-se o barulho de mais água espirrando.
- Eu sinto muito, Claude. Eu não queria ser tão... Eu sinto muito, por favor... Eu... Eu não queria aborrecê-lo, sabe.
- Está tudo bem! – a voz de Claude diz.
- É que... Às vezes eu fico tão...
- Eu entendo, não se preocupe.
- Você está aborrecido comigo?
- Não, não.
- Não, está sim! Eu sinto muito, eu... É culpa minha, mas é que eu pensei... Bom, você vai embora amanhã, não é mesmo?
- Vou.
- Então eu achei... Do que adianta, não é?
- Quer dizer que se eu não fosse embora seria diferente?
- Talvez.
- Então eu... Eu podia ficar.
- Ah, o que é isso, você pensa que eu acredito em você?
- Mas eu to falando sério.
- Mas eu não acredito em você. Espera aí... Para onde é que foi todo mundo?
- Devem estar por aí. Jeannie ainda está ali.
- E cadê as nossas roupas?
Voltamos ao palco. Aquela era a hora.
Podemos ver o susto e a surpresa dos espectadores. Afinal, são dois adolescentes do colegial seminus em um palco.
- Para onde é que levaram as nossas roupas? – Sheila pergunta.
Jeannie ri.
Sheila se abaixa e cobre o corpo com os braços.
- Engraçado, muito engraçado. – ironiza. – Vocês são tão civilizados! – ela encara Claude com raiva.
- Não olha para mim! Eu não tive nada a ver com isso. – Claude toca Sheila no braço. – Não se preocupa, eles...
Sheila se afasta, mas eu queria permanecer perto dele.
Ah, Sheila, falta muito para vocês se beijarem?
- Berger! – Claude grita.
Jeannie continua rindo.
Eu saio correndo como Sheila.
- Sheila!
- Táxi! – Sheila grita e some.
- Ei, não vai! – Claude grita.
- Sheila! Espera aí! Vem buscar suas roupas! – Berger grita, correndo pelo cenário.
Jeannie ri loucamente.
- Claude! O que foi, hein? O que aconteceu? – Berger pergunta.
- Por que é que você fez isso? – Claude pergunta, irritado.
- Foi divertido! – Berger ri.
- Divertido, é?
- Desculpa, cara... Eu não sabia que ela ia fazer uma coisa dessas. Olha... Mas você sabe onde ela mora. A gente devolve as roupas dela amanhã, tá?
- Só que eu não vou estar aqui amanhã. – Claude responde.
- Peraí, cara... Você não tá falando sério, não, né?
- Isso não é da sua conta. – diz Claude.
- Não, é da minha conta sim! O que é que você quer? Você quer ser um grande herói com uma arma? Você quer ser um idiota de uniforme? É isso que você quer, cara? Hein?
- Eu não tô a fim de falar com vocês. – Claude diz.
- Eu to bem aqui, Claude! Fala comigo, fala comigo, eu tô aqui.
- Acontece que eu acho você ridículo. – Claude fala, irritado.
- É, eu sou, cara. Eu sou ridículo. Sou completamente ridículo, eu sou um idiota. Eu não quero ir pra lá matar pessoas, assassinar mulheres e crianças.
- Pois então continue sendo ridículo e eu vou pra lá fazer o que eu tenho que fazer.
- Por quem você está fazendo isso? – Hud pergunta.
- Estou fazendo isso por você, cara.
- Olha aqui, não me meta nisso. Se está fazendo isso por mim, não faça. Porque, se fosse o contrário, eu não faria por você.
Claude assente.
- Me dá minhas roupas. – ele diz.
Berger entrega as roupas para Claude.
- Ei, como é que ela vai chegar em casa? Está sem as coisas dela e nem tem dinheiro! – diz Jeannie.
- É melhor você entregar essas coisas a ela. – diz Claude.
- Eu? – Berger pergunta.
- É, ora. Não era isso que você queria?
- E você diz que eu sou ridículo? – Berger pergunta a Claude.
Claude veste o paletó e vai embora.
O cenário some e, desta vez, Claude está sozinho.
, meu amor, aquela foi sua hora de brilhar.

Where do I go
Follow the river
Where do I go
Follow the gulls
Where is the something
Where is the someone
That tells me why I live and die
Where do I go
Follow the children
Where do I go
Follow their smiles
Is there an answer
In their sweet faces
That tells me why I live and die


A figuração entra. Dezenas de pessoas que caminham normalmente.

Follow the wind song
Follow the thunder
Follow the neon in young lovers' eyes
Down to the gutter
Up to the glitter
Into the city
Where the truth lies
Where do I go
Follow my heartbeat
Where do I go
Follow my hand
Where will they lead me
And will I ever
Discover why I live and die
Why do I live (beads, flowers)
Why do I die (freedom, happiness)
Tell my why (beads, flowers)
Tell me where (freedom, happiness)
Tell my why (beads, flowers)
Tell me why (freedom!)


Os figurantes vão embora e, girando trazem o novo cenário e novos figurantes.
- O próximo! – um homem gordo na bancada chama.
Um garoto magricelo entra, vestindo bermudas.
- Você é Woodrell Sheldon?
- Sim, senhor. Sou eu.
- Tira tudo, por favor.
Sheldon tira a bermuda e os homens na bancada anotam coisas em suas pranchetas.
- Woodrell, suas meias.
O rapaz permanece imóvel.
- Woodrell, você tem algum problema com as suas meias?
- Não, senhor.
- Bom, então tire-as.
Woodrell hesita.
- Sargento! – o homem na bancada grita.
Um sargento grandalhão levanta Woodrell do chão e o outro puxa as meias, revelando os pés com unhas pintadas de Woodrell.
Todos riem.
- O próximo!
Um homem negro e musculoso entra.
As vozes de Sheila, Jeannie e a vocalista negra da primeira cena cantam.

Black boys are delicious
Chocolate flavored love
Licorice lips like candy
Keep my cocoa handy
I have such a sweet tooth
When it comes to love


Um dos homens à bancada começa a cantar.

Once I tried a diet
Of quiet, rest, no sweets
But I went nearly crazy
And I went clearly crazy
Because I really craved for
My chocolate flavored treats


O outro rapaz ao seu lado também canta.

Black boys are nutritious
Black boys fill me up


As garotas voltam a cantar.

Black boys are so damn yummy
They satisfy my tummy
I have such a sweet tooth
When it comes to love
Black black black black black black black black
Black boys


O rapaz negro dá meia volta e o homem que está chamando grita pelo próximo.
Um rapaz musculoso e branquelo adentra a sala.
Assim que entra, ele puxa a bermuda.
As vozes das garotas voltam a cantar.

White boys are so pretty
Skin as smooth as milk
White boys are so pretty
Hair like Chinese silk


O homem que está chamando junta-se a música.

White boys give me goose bumps
White boys give me chills
When they touch my shoulder
That's the touch that kills


Outro policial junta-se também.

Well, my momma calls 'em lilies
I call 'em Piccadillies
My daddy warns me stay away
I say come on out and play

As garotas voltam a cantar.
White boys are so groovy
White boys are so tough
Every time that they're near me
I just can't get enough
White boys are so pretty
White boys are so sweet
White boys drive me crazy
Drive me indiscreet
White boys are so sexy
Legs so long and lean
Love those sprayed-on trousers
Love the love machine


Os homens voltam a cantar.

My brother calls 'em rubble
That's my kind of trouble
My daddy warns me "no no no"
But I say "White boys go go go"


Eles dividem a música com as garotas.

White boys are so lovely
Beautiful as girls
I love to run my fingers
And toes through all their curls
Give me a tall
A lean
A sexy
A sweet
A pretty
A juicy
White boy
Black boys!
White boys!
Black boys!
White boys!
Mixed media!


O rapaz branco também sai.
Quem entra é Claude.
Todos os oficiais o encaram.

Doors locked (doors locked)
Blinds pulled (blinds pulled)
Lights low (lights low)
Flames high (flames high)


O cenário muda.
Claude está entre vários outros soldados em treinamento.

My body (my body)
My body
My body (my body)
My body


Claude usa uma arma de fogo.

O cenário some e há apenas duas garotas no palco. Sheila e outra.

My body
Is walking in space
My soul is in orbit
With God face to face


Outro cenário entra. Claude está deitado em uma cama, e Sheila e a outra garota ainda cantam ao fundo.

Floating, flipping
Flying, tripping
Tripping from Pottsville to Mainline
Tripping from Mainline to Moonville
(Tripping from "Pot"sville to Starlight
Tripping from Starlight to Moonville)


O cenário muda com a entrada de vários figurantes e atores.

On a rocket to
The Fourth Dimension
Total self awareness
The intention
My mind is as clear as country air
I feel my flesh, all colors mesh


Alguns soldados treinam luta. Claude assiste.

Red black
Blue brown
Yellow crimson
Green orange
Purple pink
Violet white
White white
White white
White white


A minha voz e da outra garota voltam.

All the clouds are cumuloft
Walking in space
Oh my God your skin is soft
I love your face
How dare they try to end this beauty?
How dare they try to end this beauty?
To keep us under foot
They bury us in soot
Pretending it's a chore
To ship us off to war
In this dive
We rediscover sensation
In this dive
We rediscover sensation
Walking in space
We find the purpose of peace
The beauty of life
You can no longer hide
Our eyes are open
Our eyes are open
Our eyes are open
Our eyes are open
Wide wide wide!


E eu ia voltar ao palco em alguns segundos.
O cenário muda.
Sheila está correndo, toda agasalhada.
- Berger! – ela grita.
Berger vira-se para ela.
- E aí? – ele diz. – Tudo bem?
- Tudo bem. – ela responde.
- É?
- Olha... Eu recebi uma coisa. – ela tira uma carta da bolsa.
Berger lê.
- Onde é que ele tá? Nevada? – ele devolve a carta à Sheila.
- Pois é. Eu estava pensando em escrever para ele. O que acha que eu devo dizer?
- Eu quero dizer uma coisa. – Jeannie diz. – Diga a ele que eu quero dizer que... Diga que Jeannie mandou lembranças.
- Vai escrever pra ele? – Berger pergunta.
- Sim.
- Por que não vem com a gente?
- Para onde vocês vão?
- Nevada. – Berger responde.
- Ah, você nunca fala sério, Berger. – Sheila diz.
- Eu sempre falo sério. – ele protesta.
- Tá, então quando é que a gente vai? – Jeannie pergunta.
- Assim que a Sheila se aprontar.
- Escuta... Eu não posso sair assim e ir para Nevada.
- É, eu acho que não. – Berger diz. – Até mais, hein.
- Espera aí! Espera um pouco. Ah... Como vão chegar lá?
- De carro. – Berger responde.
- Você não tem carro. – Sheila diz.
- Eu consigo um.
- LaFayette! – ouve-se um grito.
Atrás deles está uma garota negra com um bebê.
- O que você tá olhando, hein? – ela pergunta.
Hud corre até ela.
- Quem é essa mulher? – a garota pergunta.
- O que você tá fazendo aqui? – Hud pergunta. – Vamos. Eu disse para vir comigo.
- Eu já ouvi! Mas estou te perguntando quem é essa mulher. Você é amiga do meu LaFayette? – pergunta.
- Escute aqui, eu não sou mais o LaFayette. – Hud diz. – E não pergunte a ela, está legal?
- O que é que você fez com seu cabelo?
- Não se preocupa com o meu cabelo. Por que é que você não volta para casa?
- Esse filho é dele? – a garota aponta para Jeannie.
- Olha, eu já disse para não falar com ela.
- Aquela criança é sua?
- Você não entenderia.
- O que você acha que eu não entenderia? É seu filho ou não é?
- Escuta, que tipo de pergunta é essa? Talvez seja e talvez não seja.
- O quê?
- Eu disse que não ia entender porque você não...
- Eu entendo muito bem! É só me explicar!
- Você entende de consciência cósmica e todo esse tipo de droga? Porque é disso que estou falando, garota.
- Olha aqui! Eu só estou falando de LaFayette Junior porque esse aqui é seu filho. – ela aponta o bebê. – E se aquela criança é sua também.
- Não se preocupe, mulher. Vamos embora.
- Para onde a gente vai?
- Eu vou levá-la ao ônibus porque vai voltar pra casa. Você vai voltar pra casa, tá legal?
- Eu quero ficar com você. – ela diz.
- Não pode.
- Por que não?
- Porque não pode, só por isso. Eu já disse que não. Escute, nós temos um amigo em apuros e temos que ajudá-lo. Então, garota, por que não volta pra casa?
- Eu nunca disse que não pode ajudar seus amigos, LaFayette.
- E que droga, eu não sou mais LaFayette, mulher!
Hud vai embora e o bebê com a garota chora.
A garota começa a cantar.

How can people be so heartless
How can people be so cruel
Easy to be hard
Easy to be cold


Berger segue Hud e Woof segura Jeannie pela mão enquanto os seguem.
Sheila observa a garota por um instante e depois corre atrás deles.

How can people have no feelings
How can they ignore their friends
Easy to be proud
Easy to say no


A voz de Sheila canta com a garota.

And especially people
Who care about strangers
Who care about evil
And social injustice
Do you only
Care about the bleeding crowd?
How about a needing friend?
I need a friend
How can people be so heartless
You know I'm hung up on you
Easy to give in
Easy to help out




***

sentou-se ao meu lado no camarim.
Eu podia ver o suor brilhando de seu rosto até o pescoço.
- Você estava tão linda que eu não conseguia mais esperar pelo momento em que o Claude beijasse a Sheila.
- É mesmo? – perguntei, passando meus braços pela sua nuca.
- É. – ele riu, antes de me beijar.
- ? – eu ouvi a voz dizer.
Ela tinha ido.
- Mamãe?
- Oi. – ela disse, timidamente. – Oi, .
E quando ela disse aquilo, eu soube que as coisas poderiam ser diferentes.
- Posso falar com ela a sós um pouquinho? – ela perguntou.
assentiu.
- Eu já volto. – murmurou.
fechou a porta do camarim.
- Eu sei que você deve estar me odiando. E pensando o que estou fazendo aqui. – mamãe disse. – Mas eu vim para pedir desculpas, filha. Você não sabe como foi descobrir o que eu descobri. Eu vivi por anos com os olhos bem abertos quanto aos homens. Fui infeliz durante todos esses anos. Por isso, , posso dizer que... Viver é fácil com olhos fechados, mal entendendo tudo que você vê.É assim que a vida é.
Eu a abracei.
- Nunca odiaria você, mãe. Nunca. – as lágrimas já escorriam pelos meus olhos com a maquiagem retrô de Sheila. – Estou tão feliz que tenha vindo.
- Volta para casa comigo hoje, filha?
- Amanhã? – brinquei.
- Tudo bem. Pode curtir a sua noite. Eu vejo você amanhã. – ela me deu um beijo na testa e foi embora.



***


- Venham logo comigo. – a mãe de disse, puxando-nos pela mão pelo estacionamento do teatro.
- Mamãe, a gente tinha planos.
- Tudo bem, eu sei. Mas seus planos serão bem melhores com a minha surpresa.
suspirou.
- Não estou vendo nada além de carros. – ele disse.
- Pois bem. – a mãe dele disse. – Já está vendo muito, então.
- Mamãe...
- Está bem!
Nós todos rimos.
A mãe de caminhou até a última vaga do estacionamento, onde havia um Fiat Uno prata estacionado.
e eu a seguimos.
A senhora , então, tirou uma chave do bolso e a balançou no ar.
- Hum...
- Ai, meu Deus, mãe! – disse, incrédulo. – Isso quer dizer que...
- É seu, meu amor. – ela jogou a chave para ele, que pegou-a no ar.
correu até a mãe, abraçando-a firmemente e girando-a no ar.
- Deus do Céu. – ele disse, virando-se para mim. – Tenho um carro agora, ! Não vou mais precisar engolir sapo do treinador por chegar atrasado! Eu tenho um carro! – ele me abraçou também. – Estou morrendo. Ai que gay, eu to morrendo.
Eu e a Senhora rimos.
- , eu adoro você. – gargalhei.
- Ah, pare com isso! Não use a metonímia comigo! Eu sei que você quer dizer que me ama!
Eu gargalhei novamente.
me deu um beijinho rápido.
- Vamos dar uma volta com isso. – ele disse, balançando as chaves e correndo até o banco do motorista.
e eu entramos no carro com o mesmo destino em mente: a pousada da praia em que ficamos no verão.



***

Foi naquela pousada, naquela mesma noite, que e eu dormimos juntos pela primeira vez. E foi a noite mais linda e feliz da minha vida. Estava certa de que nunca me esqueceria.
Eu nunca precisaria esquecer. estaria lá para sempre . E daquela vez, nosso para sempre dizia exatamente o que queria dizer.
Na tarde seguinte, pegamos a estrada de volta para casa, mas o carro acabou com o combustível antes que estivéssemos ao menos na metade do caminho.
voltou todo o caminho para buscar combustível em um posto. Voltou quase duas horas depois, com um galão cheio de etanol que, por sinal, ele não sabia colocar no carro.
De um jeito ou de outro, esperamos pelo guincho.

O motorista do guincho era um senhor de idade gordinho, com uma barriga tão grande que alguns botões da camisa estavam estourados, revelando um abdômem cheio de pelos.
e eu rimos quando notamos todas as características do homem.
Não podia ser mais engraçado.
- Você viu como ele parece saído do faroeste? – sussurrou. – Cadê a droga do cachimbo dele, pra ficar tudo perfeito.
Eu gargalhei alto, atraindo a atenção do motorista.



***

fechou a porta do quarto ainda me beijando, mas eu o afastei brevemente.
- Você está muito pervertido.
- Eu não tenho culpa. Olhe só pra minha namorada.
Eu gargalhei.
Estava prestes a beijá-lo novamente quando vi o sabre de luz de Star Wars em uma das prateleiras do quarto.
- Ai, meu Deus! Isso é um sabre de luz de laser? – gritei, eufórica.
- Ah, não. Não dê ataque geek exatamente agora .
Eu ri.
- Vai me dar de presente?
- O quê? O sabre?
- !
- Ué, o sabre de luz.
- Babaca.
- Você me ama.
- É, eu acho que sim. – eu disse, e ele riu. – Eu te amo, .


Sua mão se encaixa na minha
Como se tivesse sido feita só pra mim
Mas coloque isso na cabeça
Era para ser assim
E estou ligando os pontos Das as sardas em sua bochecha
E tudo faz sentido para mim
(...)
Não vou deixar essas pequenas coisas
Saírem da minha boca
Mas se for verdade
É você
É você
Que elas formam
Eu estou apaixonado por você
E todas as suas pequenas coisas
(Little Things – One Direction)

FIM





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