Daytona Beach, Flórida – Estados Unidos – Sábado, 17 de julho de 2003.
- Mamãe, vamos, por favooor? – pediu , manhosa, enquanto perseguia sua mãe pela casa.
- , querida, nós fomos à praia ontem. – respondeu a mais velha, impaciente pela insistência da filha.
- Qual a graça de vir pra Flórida, então? Mamãe, eu quero praia. Praia, praia, praia! – e a menina desatou a repetir “praia” incontáveis vezes, como se fosse um mantra.
- Foster, chega! – gritou, levando as mãos aos ouvidos, tampando-os. A pequena fez bico e cruzou os braços, como se insinuasse que iria chorar. – Peça ao seu irmão para levá-la, sim? Eu tenho que arrumar a casa. – a mais velha mal terminou e sua filha já estava na metade da escada, entusiasmada por poder ir à praia.
A senhora riu e logo voltou às suas tarefas domiciliares. Era exaustivo cuidar de filhos, um de doze e uma de sete, cuidar da casa e ainda administrar uma loja, pequena, porém que retirava muito as forças de Marie. Entretanto, mesmo tendo tanto trabalho e muito pouco tempo, Marie não trocaria sua vida por nada; amava os seus filhos, seu emprego e seu marido.
No andar de cima, entrava sem bater no quarto de Luke, seu irmão, que a encarou com raiva, diante da petulância de sua irmã. Ela correu até a cama, onde ele estava deitado, e pulou nela, recebendo um olhar reprovador de Luke.
- O que você está fazendo aqui, pirralha? – ralhou; porém ainda o encarava, animada, sem perceber o quanto o seu irmão estava infeliz com aquela visita.
- Mamãe pediu pra você me levar pra praia. Vamos, Luke! – tentou puxar o irmão pela mão, mas ele foi mais rápido e puxou-a de volta, recebendo um olhar triste de sua irmã.
- Eu não vou para a praia com você. – disse, cada palavra transbordando nojo.
- Luke, por favor...
- Não, . Agora sai do meu quarto. – a empurrou para fora, sem qualquer delicadeza.
- Luke! – a pequena esmurrava a porta com toda a força que conseguia, enquanto gritava o nome do irmão. Cansada, ela foi para o seu quarto, sentindo lágrimas apossarem-se de seus olhos. Correu para a cama e se jogou na mesma, enfiando o rosto no travesseiro em seguida. – Por que você me odeia tanto, Luke?
**
- O QUE CUSTA VOCÊ SER GENTIL COM ELA POR PELO MENOS UM DIA, LUKE? – acordou assustada, dando um pulo da cama. Cruzou o quarto rapidamente e saiu para o corredor, encontrando a porta do quarto de seu irmão aberta; a voz de sua mãe saía dali. – ELA TEM APENAS SETE ANOS; NÃO TEM CULPA PELOS SEUS ATOS IRRACIONAIS E IDIOTAS.
- NÃO TEM CULPA? – foi a vez de seu irmão gritar, irado. – FOI ELA QUEM TIROU O MEU PAI DE MIM!
Nesse momento, uma parte do quebra-cabeça fez sentido para . Seu irmão a odiava por ela ter tirado o pai de sua vida. Mas, como ela o fizera, afinal? Não se lembrava nem de ter conhecido o pai, como o tirara dele? O que podia ter feito de tão grave a ponto de expulsá-lo de suas vidas? Sentiu-se culpada; ela havia feito seu irmão sofrer, entendera. Involuntariamente, mas fizera. Como podia redimir-se com ele? Saiu de seus pensamentos por uma batida na porta. Seu irmão saíra do quarto, vermelho de raiva, e desceu as escadas rapidamente, ignorando os chamados de sua mãe. A mais velha suspirou, exausta, e, finalmente, percebeu o olhar de sua pequena ali.
- Querida... vem cá. – abriu os braços, sentindo o abraço de em seguida.
- Co-como eu tirei o papai do Luke, mamãe? – a criança perguntou, com o rosto enfiado no pescoço da mãe.
- , querida... – a mais velha suspirou. Como contaria aquilo para uma criança ingênua de apenas sete anos?
- É por isso que ele me odeia, mamãe? Por que eu afastei o papai? – olhou nos olhos da mãe. – Como eu afastei o papai? Eu não o conheço. – sua fala perdeu a força, fazendo com que a última sílaba tenha saído com um sussurro. – Por que eu não conheço o papai, mamãe? Ele também é o meu pai, né? Por que eu não o conheço?
- Isso é uma longa história, meu bebê.
- Tenho a tarde toda. – disse, audaciosa, arrancando uma pequena risada de sua mãe.
- É uma história longa e complicada, amor. – deu um beijo estalado na bochecha da filha.
- Tá. – suspirou dramaticamente. – Como eu posso fazer pra ele me perdoar? – a mãe pensou por um segundo, antes de ter uma ideia que ela julgara boa.
- Você sabe qual o sabor favorito de bolo dele? – perguntou e essa foi a vez da pequena pensar.
- Cheesecake de frutas vermelhas. – respondeu, animada por ter lembrado. – Vamos fazer cheesecake? – a mãe concordou, com um sorriso. – Oba! – desceu as escadas correndo, sem esperar pela mãe. A mais velha riu novamente, descendo as escadas para acompanhar a filha, antes que mesma fizesse alguma besteira na cozinha.
**
- , querida, pegue uma colher de madeira na gaveta, por favor. – a menina obedeceu e em poucos segundos estava com o objeto de madeira em suas mãos. Entregou-o para sua mãe e parou ao seu lado, esperando pela próxima ordem.
- O que mais, mamãe?
- Por enquanto nada, amor. – a mais velha colocou os ingredientes necessários na batedeira, ligando-a em seguida.
Alguns minutos se passaram até que o trabalho da batedeira acabasse. Em seguida, Marie pediu à que pegasse as pequenas forminhas, aonde iria a massa do Cheesecake. Ajudando a mãe, as duas untaram as forminhas – dez, ao todo – e a mãe despejou um pouco de massa em cada uma delas. Em uma bandeja, levou as pequenas formas ao forno, já pré-aquecido. Novamente pedindo a ajuda da filha, Marie e cortaram os morangos, para colocarem em cima do bolo; não cortaram todos, pois usaram alguns para fazer a calda. Passados os quarenta e cinco minutos, Marie retirou a bandeja do forno, pondo-a na bancada em seguida. Passou então a fazer a calda, misturando os morangos com blueberries e algumas framboesas. Com a calda pronta e os cheesecakes frios, cobriram os mesmos com a calda de frutas vermelhas. Mais alguns minutos se passaram até que os dez cheesecakes estivessem devidamente cobertos e com morangos no topo. Pegaram um deles, colocaram numa bandeja branca, detalhada de dourado, e em seguida puseram talheres e guardanapos. Esperaram então até que Luke retornasse a casa, o que demorou uns vinte minutos.
- Luke! – a pequena gritou, pulando do sofá; o menino apenas a ignorou e continuou o seu caminho, subindo ao seu quarto.
Com determinação, foi à cozinha, pegou cuidadosamente a bandeja e subiu as escadas, também com cuidado. Parou na frente da porta do quarto de Luke, gritando por seu nome. Como previsto, ele a ignorou novamente. Após pensar se deveria ou não, pôs a bandeja no chão, abriu a porta do quarto e pegou a bandeja novamente, adentrando o cômodo em seguida. Fechou a porta com o pé, se equilibrando, e andou em direção à cama, onde Luke estava deitado, apenas de bermuda. Ele a olhou sem expressão, suspirando em seguida. De novo não, ele pensou. O menino observou a irmã se aproximar de sua cama, carregando consigo um sorriso nervoso. Em seguida, ela depositou a pequena bandeja sobre a cama, dando dois passos para trás, talvez com medo de sua reação. Antes que Luke ousasse abrir a boca para lhe da mais um de seus foras, foi mais rápida e o interrompeu:
- Luke, eu não sei o porquê de você me odiar tanto. Eu escutei você falando que era por causa do papai; que eu o tirei de você. Mas... como eu posso ter feito isso se não o conheci? – seus olhos castanhos, antes grudados em seus pés, se direcionaram ao irmão. – Luke, eu quero pedir desculpas por tudo, apesar de eu não saber o que te fiz. – franziu seu cenho em confusão. – Er... mamãe me ajudou a fazer o cheesecake, o seu preferido. – lançou-lhe um sorriso gentil.
- Não vou nem comer, sabe, pode me dar dor de barriga. – o sorriso que ele lhe devolveu não foi gentil, e sim áspero, sem sentimentos. – Saia daqui, pirralha.
A menina, com lágrimas nos olhos, se retirou do quarto, fechando a porta em seguida. Do lado de fora do quarto, permitiu que um soluço se desprendesse de sua garganta. Como esse, muitos vieram depois, e, em poucos segundos, lágrimas pesadas rolavam por seu rosto pequeno. passou as pequenas mãozinhas por seu rosto, tentando afastar as lágrimas, o que foi uma ação inútil, pois mais lágrimas apareceram. Com o rosto coberto por suas mãos, correu para o quarto, onde se jogou na cama e se cobriu até a cabeça com o seu cobertor cor de rosa.
não entendia o motivo de tanto ódio vindo de seu irmão. Já pedira desculpas, não? Então porque tratá-la daquele jeito frio? Ela simplesmente não entendia.
Algum tempo depois, a porta do quarto de foi aberta. A pequena rapidamente limpou as lágrimas e abaixou uma parte de seu cobertor.
- Mamãe? – a pequena perguntou, manhosa.
- Não, sou eu. – Luke adentrou o quarto, ainda receoso. Em suas mãos ele carregava a bandeja, onde o cheescake continuava intacto.
- Vai embora. – resmungou a menina, virando-se para o lado contrário do irmão.
- , eu... sinto muito. – a menina sentiu a sua cama de solteiro afundar, porém não se virou; ela se afastou mais, grudando-se na parede. Luke suspirou. – Olha, eu entendo se você não quiser falar comigo. Se fosse eu no seu lugar, também iria querer. Mas você vai pelo menos me escutar. – diante do silêncio da mais nova, ele continuou. – Primeiramente: me desculpa. Eu fui um idiota e eu percebi isso. Eu não devia ter tratado você daquela maneira. Quando você foi ao meu quarto mais cedo, eu parei para refletir. Por que eu te odiava tanto? Eu achava que sabia a resposta; você tinha afastado o meu pai. Mas, então, eu percebi que não foi você que o afastara. Ele se afastara, sozinho; sem ajuda de ninguém. Doeu quando eu cheguei nessa conclusão, pois eu percebi que, por cinco anos, eu me iludia completamente. Eu me pai não me amava, caso o contrário, não teria me abandonado. – suspirou. – Porém eu era uma criança e, irracionalmente, eu joguei a culpa em cima de você. Eu errei e sei disso.
- ‘Tá desculpado. – saiu de baixo do cobertor, encarando o irmão nos olhos.
- Sério? – o irmão abriu um sorriso aliviado, mas que ao mesmo tempo transmitia a culpa que ele sentia.
- Sim. – a menina balançou a cabeça. – Só não grita mais comigo daquele jeito. Machucou. – pôs a sua pequena mão por cima de seu peito.
- Eu prometo, pirralha. – a mais nova sorriu e abraçou o irmão. Ele resistiu por alguns segundos, mas cedeu e passou os braços ao redor de sua irmã.
- Eu te amo, Luke. Você é chato, mas eu gosto de você.
- Eu também gosto de você. Agora me solta, eu quero comer esse cheescake; estou morto de fome. – a pequena riu e o soltou, mas continuou sentada em seu colo.
Nos dez minutos seguintes, Luke fazia piadas e caretas, arrancando risadas exageradas de sua irmã. A menina escancarava toda a boca, amostrando a falta de alguns dentes. Luke até achou bonitinho, mas se alguém o perguntasse negaria até a morte, óbvio. O clima continuou descontraindo e as risadas de estavam cada vez mais altas, fazendo com que o seu irmão risse também. Logo, senhora entrou no quarto, estranhando o entrosamento de seus filhos. Suas preces haviam sido atendidas, no fim das contas.
- Eu entrei em algum tipo de universo paralelo? – brincou a mais velha, arrancando uma risada de sua filha. – Posso saber que milagre é esse?
- O Luke percebeu que era um idiota e me pediu desculpas. – a pequena respondeu, sapeca.
- Eu não sou um idiota! – defendeu-se Luke.
- É sim. – a mais nova respondeu, correndo em seguida para trás de sua mãe.
- Vai fugir é? – Luke perguntou se levantando; apenas se encolheu, prevendo o que aconteceria a seguir. – É melhor você correr, pirralha.
E, assim, a casa foi preenchida por gargalhadas e mais gargalhadas. Luke corria atrás de sua irmã, enquanto a mãe dos dois apenas observava, com um sorriso no rosto. Era inexplicável o sentimento que ela sentia; mas muito bom. Era maravilhoso. Finalmente eram uma família.
Próximo à Carolina do Norte – Estados Unidos – Domingo, 25 de julho de 2003.
“Neste domingo, 25, houve um horrível acidente de carro na altura I-95, próximo à Carolina do Norte. Um caminhão, que transportava materiais de construção, trombou, causando um enorme engarrafamento. Infelizmente, muitos carros capotaram. Até agora foram estipulados oito mortos e quatorze feridos. Veja mais aqui. (Revista Us)”
“Esta tarde, a família de Richard , o dono da Management Company, sofreu um grave acidente. Próximo à Carolina do Norte, um caminhão trombou, causando um grande congestionamento. Alguns carros bateram e outros, envolvendo o de Richard, capotaram. De acordo com as fontes, Richard, sua mulher, Marie e seus filhos, Luke , de 12, e , de sete, estavam voltando das férias de família. A família foi levada ao hospital, onde estão recebendo acompanhamento médico. Entretanto, Luke sofreu hematomas graves, por estar sem cinto de segurança. O filho de Richard faleceu no hospital, com Fratura Craniana. Os artistas que trabalham com Richard prestaram solidariedade à família, enviando mensagens de apoio e presentes ao hospital. Nossos pêsames à família. (Revista People)”.
Berlim – Alemanha – Quarta, 13 de julho de 2011.
- Nós vamos jantar fora. – perguntei à minha mãe, já separando a roupa.
- Amor? – ela perguntou ao meu pai, piscando seus olhos azuis.
- Vamos sim, mulheres da minha vida. – dobrou o jornal e mandou um beijo no ar para minha mãe.
- Maravilha! , dê um banho no seu irmão, por favor? – mamãe me perguntou.
- Claro. Vem, Leo. – o garotinho de três anos correu na minha direção, com seus bracinhos abertos. O peguei no colo e mordi sua bochecha.
- Ai! – reclamou. – Mamãe, Glace mordeu. – fez biquinho, apontando para sua bochecha.
- , pare de azucrinar seu irmão. – disse minha mãe, separando a roupa de meu irmão.
Revirei os olhos e entrei no banheiro, logo despindo o meu irmãozinho. Liguei o chuveiro, no morno, e o coloquei debaixo do jato d’água. Enquanto eu passava o sabonete por seu corpo miúdo, ele brincava com o seu caminhão, que sempre ficava no banheiro. Passei shampoo em seus cabelos ruivos e em seguida os lavei. Leo cantarolava – errado – alguma música de seus desenhos infantis. Ele gritava em quase toda palavra, mas aquilo não me incomodava. Eu achava fofo e sorria.
Sem que eu percebesse, meu cérebro fazia comparações entre Leo e Luke. Seus olhos eram da mesma intensidade de azul, pois haviam puxado a minha mãe. Seus sorrisos também eram parecidos, embora Leo tivesse covinha – puxara de seu pai. Seus cabelos eram diferentes; o de Luke era loiro, igual o de minha mãe. O de Leo era ruivo, igual o de seu pai. Já os meus olhos e cabelos eram castanhos, porque eu havia os puxado de meu pai biológico – infelizmente. A não ser pelo nariz, idêntico ao de minha mãe, eu poderia ser tachada como adotada.
Leo assoprou espuma em mim, tirando-me de meus devaneios. Ele me encarava com um sorriso sapeca, mostrando as duas covinhas em suas bochechas. O encarei falsamente irritada, com as mãos na cintura. Ele riu mais ainda e eu tive que fazer muito esforço para não acompanhar sua risada gostosa. Ergui uma sobrancelha e desatei a lhe fazer cócegas. Sua risada aumentou, tomando conta de todo o banheiro. Ele se contorcia todo, tentando se afastar das minhas mãos. Só parei quando ele já estava vermelho e ofegante. Dei um beijo em sua bochecha e terminei de lavá-lo. Sequei-o e o vesti com seu roupão. Pedi para ele sair do banheiro, para eu tomar o meu banho, e ele atendeu o meu pedido. Tranquei a porta e me despi, entrando em seguida no box. Liguei o chuveiro no gelado – era verão na Alemanha – e tomei um banho rápido. Depois me sequei e me vesti – um vestido salmão que acabava acima do joelho; sua saia era levemente pregada e sua cintura era justa. O vestido era sem manga, bem confortável. Coloquei um cinto preto com spikes dourados e penteei os meus cabelos, que estavam muito embaraçados; os deixei soltos e deixei o banheiro, gritando que ele estava livre. Fui para o closet e calcei um dos únicos três saltos que eu levara na viagem. Ele era preto e simples, de salto grosso. Ele ia até o início do tornozelo, tampando completamente o meu pé. Voltei para o quarto e me sentei na cama, esperando o restante da família ficar pronta. Leo veio correndo para o meu colo. Ele estava muito bonito – e não era só porque ele é meu irmão. Ele vestia uma camisa xadrez, nas cores verde e azul, com as mangas sobradas até o cotovelo. Nas pernas usava uma calça de cor escura, um pouco solta de seu corpo. E nos pés um All Star azul. Apenas o seu cabelo, que estava penteado com a de um mauricinho – dividido do lado esquerdo, sem nenhum fio fora do lugar – que acabara com o visual despojado. Com a minha mão, despenteei o seu cabelo, o deixando com um visual mais cool. Ele sorriu e desandou a falar sobre como estava sendo a viagem – sendo que estávamos há apenas dois dias na Alemanha – e quais eram os seus planos para aquela viagem ser inesquecível. De vez em quando, ele se embolava ou esquecia a palavra que ia falar. Eu ria, achando fofo, também. Sim, eu era uma irmã coruja.
Quase meia hora depois, todos estavam prontos. Deixamos o hotel e seguimos ao restaurante a pé; queríamos aproveitar o ar de Berlim o máximo que pudéssemos. Meus pais iam atrás, de mãos entrelaçadas, e Leo e eu íamos à frente, de mãos dadas. Richard nos guiava, dizendo em qual rua deveríamos entrar. Leo mantinha seus olhos vidrados em todos os detalhes possíveis, sempre fazendo comentários. Eu apenas sorria, feliz por estarmos em família. Essa era a nossa primeira viagem desde o incidente. Durante quase cinco anos, a nossa família estava destruída. Não conversávamos, não saíamos juntos, não ficávamos juntos na tarde de domingo apenas assistindo filmes e jogando conversa fora. Por anos, nossa família esteve no escuro. Foi um inferno. Minha mãe quase entrou em depressão; ela se julgava culpada pelo acontecido. Dizia que, se tivesse obrigado Luke a colocar o cinto, aquilo não teria acontecido. Ela passava todas as noites chorando e lamentando. Não que eu fizesse algo diferente, claro. O nascimento de Leo marcara o início de uma nova era, de uma nova vida. Toda a família o esperava ansiosamente; e ele nasceu. Um garoto saudável que representava a felicidade. Ele é o meu irmãozinho; o meu capetinha preferido. Não vou mentir, no início eu o evitava, pois ele era muito parecido com Luke. Ainda é, mas eu aprendi a conviver com isso. Minha mãe o teve cinco anos depois do falecimento de meu irmão e, embora pareça ser bastante tempo, para mim era como se fosse apenas dois dias. Nas únicas duas semanas que Luke e eu convivemos como uma família, eu me apeguei bastante a ele. Quando eu acordei no hospital e me contaram que ela havia... passado dessa pra melhor, meu mundo desabou. Hoje em dia, o meu coração está cicatrizando. Mas eu sei que se algum dia alguém cutucar a ferida, ela volta a sangrar. Então é por isso que todos que sabem da história não tocam em seu nome perto de mim. Vocês podem dizer que já se passaram anos, mas a dor ainda lateja em meu peito. E, dali a quatro dias, completaria oito anos de nossa perda. Não pense nisso, .
- Chegamos. – nosso pai anunciou.
O restaurante era lindo. Sua entrada tinha uma aparência rústica, bonita. Do lado de fora, havia algumas mesas onde amigos bebiam, felizes. Ali também havia um pequeno playground cheio de crianças correndo. Leo apontou para lá, com um sorriso de orelha a orelha, e disse que mais tarde ele poderia brincar. Ele comemorou e me puxou para dentro, atrás de nossos pais. Richard falou ao maître que nós tínhamos uma reserva. O mesmo procurou por seu nome e logo encontrou; nos conduziu então à nossa mesa. O restaurante, assim como na entrada, tinha decoração rústica. Mesas de madeira estavam espalhadas por todo o local, mas deixando um bom espaço para os garçons passarem. No teto, lustres se penduravam Eles deixavam o ambiente com um quê de sofisticação, como se tivéssemos voltado no tempo. Antes que chegássemos a nossa mesa, Richard encontrou algum amigo seu. Olhei para a mesa, para ver quem mais estava ali, e senti meus olhos se arregalarem. . Eu não conseguia acreditar que meu padrasto era amigo da família . Desde quando? Como eles se conheciam? Reparando que eu o olhava, virou seu olhar para cima. Ele também franziu o cenho, confuso. Ao constatar que era realmente eu ali, ele abriu um sorriso sacana, encarando minhas pernas. Cruzei as mesmas, envergonhada, e ele saiu de seu transe, tossindo em seguida.
Não percebi como, mas duas mesas haviam sido juntadas e meus pais começaram a se sentar. Os encarei, perplexa, mas tive que acatar a decisão deles. E, infelizmente, o único lugar que restara foi ao lado de . Merda! Respirei fundo e me sentei lá, contra minha vontade. Ele soltou uma risada e eu me controlei para não lhe dar um soco no nariz. Nossos pais fizeram os pedidos e tivemos que esperar por alguns minutos. Tortuosos minutos.
Caso não esteja entendendo nada, permita-me explicar: e eu estudamos juntos desde que eu entrara no colégio. Desde sempre ele me irritava. Sempre. Ele fazia piadas, brincadeiras – de mau gosto, como colocar minhocas na minha mochila – e respirava – o mais grave de todos. E, para piorar, sua melhor amiga, Hillary, o ajudava em tudo. Ela me odeia, mas não me pergunte o porquê. Então, desde sempre, eu o odeio. Nossa rixa dura até hoje. Sei que é uma briga idiota, mas ele que me provoca. Eu já tentei o dar uma chance, mas ele simplesmente não quer. Prefere ficar me irritando. Um saco!
- Você está muito bonita nesse vestido, . – sussurrou no meu ouvido. Dei um pulo na cadeira, assustada com a sua aproximação. Ele soltou uma risada. – Você devia amostrar essas pernas mais vezes. – tocou a minha coxa.
- Não toque em mim. – rosnei, dando um tapa nele.
- Sempre agressiva. – riu, se afastando.
Durante o restante da noite, ele não me direcionou mais nenhuma palavra. Apenas me olhava de vez em quando, mas eu ignorava.
- Diz mais uma. – Rebeca, uma das irmãs de , pediu ao meu irmão, que citava frase de seus filmes favoritos,
- Meu nome é Mate, igual tomate. Só que sem “to”. – bateu palmas. As meninas riram, acompanhando-o em suas palmas. Eu apenas sorri, orgulhosa.
Finalmente o jogar foi servido e comemos rápido, famintos. Mais algumas risadas foram trocadas – graças a Leo e suas palhaçadas – e logo o jantar chegou ao fim. Meu pai e o senhor compartilharam a conta e todos nós deixamos o estabelecimento, com um sorriso de satisfação. Antes que nos despedíssemos, abriu a maldita boca.
- Pai, por que o senhor não os convida para ir à praia amanhã, conosco? – sugeriu, olhando diretamente.
- Boa ideia, filho. – não, péssima ideia! – Vocês gostariam de nos acompanhar no nosso passeio amanhã? Pagamos um serviço turístico para nos apresentar as belas ilhas deste país.
- Se não for nenhum incômodo. – minha mãe sorriu.
- Será um prazer. – a senhora a tranquilizou.
- Então nos vemos amanhã. – meu pai lhes sorriu, cordial. – Então precisamos ir, para planejar as nossas coisas. Obrigado pela maravilhosa companhia e boa noite. – todos se abraçaram e se despediram.
O trajeto até o hotel foi mais rápido, pois apertamos o passo, por causa do vento frio. Meu pai abriu o quarto com o cartão magnético e eu corri para a cama, me jogando sobre a mesma. Enfim meu corpo relaxou e eu suspirei; estava cansada. Todos trocaram de roupa e meu pai e meu irmão foram dormir – Leo em minha cama; abuso é de família -, deixando o trabalho para minha mãe e eu. Separamos as roupas e os objetos necessários. Pusemos cangas e toalhas numa bolsa e, as roupas que vestiríamos no dia seguinte, deixamos sobre a poltrona.
- Boa noite, mãe. – soprei um beijo no ar e ela me retribuiu.
Deitei na minha cama e puxei a coberta até o meu peito, para não sufocar Leo. Abracei sua cintura e depositei um beijo em seus cabelos. Sussurrei “boa noite, anjo” e fechei os olhos, sentindo o sono chegar aos poucos.
Berlim – Alemanha – Quinta, 14 de julho de 2011.
Acordamos cedo demais para o meu gosto. Meu humor estava igual ao meu focinho e eu estava irritada. Bom humor matinal, você se chama .
- Você viu o protetor solar? – minha mãe perguntou.
- Nós guardamos ontem, mãe. – joguei o pote de Danone no lixo.
- Ah, sim. Me esqueci.
- Que novidade. – ironizei. Minha mãe me olhou, com raiva, e eu me encolhi.
- Estamos prontos? – meu pai perguntou, ao sair do banheiro.
- Sim. – eles se beijaram e pegaram as malas. Eu peguei Leo, que estava adormecido, no colo.
- A minha mala é a mais pesada. – reclamei, fazendo com que meus pais rissem.
Descemos pelo elevador e chegamos ao andar do estacionamento. Meu pai destravou o carro que havíamos alugado e colocamos as bolsas lá dentro. Cuidadosamente, arrumei Leonard em sua cadeirinha. Meu pai deu partida no carro e rumou ao nosso local de destino, onde aconteceria o grande desastre.
**
Depois de horas na estrada, finalmente chegamos à praia. Minha bunda doía e minhas pernas formigavam. A locação daquela praia era muito longe quando se saía da capital. Foram quantas horas de viagem, umas cinco? Não sei, estava ocupada demais em dormir e reclamar – quando eu acordava; depois voltava a dormir de novo. Quando o carro parou, eu corri para fora do carro, erguendo as mãos aos céus. Como era bom pisar em terra firme.
- Você é muito dramática, . – minha mãe rolou os olhos.
- Não é a sua bunda que está quadrada. – lhe dei língua.
Ela pegou as bolsas e eu a ajudei. Meu pai acordou Leo e o tirou da cadeirinha. Trancou o carro e seguimos para a areia, onde a família nos encontrava.
- Bom dia! – a senhora nos dirigiu, com um enorme sorriso no rosto.
Todos nos cumprimentamos e então o senhor nos explicou como seria o itinerário daquele dia: o barco chegaria dali a quinze minutos e então nos levaria a um passeio inesquecível – palavras dele. Eles nos amostrariam as maravilhosas ilhas da Alemanha e, se desse, poderíamos tomar banho em algumas. Às seis da tarde, ele nos traria de volta. Se quiséssemos, poderíamos ficar na praia, caso contrário, iríamos em bora. Concordamos, dizendo que havíamos entendido.
- Enquanto o barco não chega, podem passear por aqui. – senhora sugeriu.
- Aceita passear comigo? – abraçou minha cintura.
- Não. E eu já disse para não me tocar. – o empurrei.
- O que custa passear comigo por cinco minutos?
- A minha boa vontade e a minha paciência. – respondi, grossa.
- Vamos, Gray. Não precisa conversar comigo, se não quiser. Só andar comigo. – insistiu.
- Se eu aceitar, você para de me importunar? – assentiu. Concordei, contra a minha vontade, e ele sorriu. – Mãe, nós vamos fazer um passeio. – ela nos olhou e sorriu.
- Tudo bem. Mas tenham cuidado e voltem rápido. – assenti mudamente e comecei a andar. correu um pouco até parar do meu lado. Os primeiros dois minutos foram silenciosos.
- Então, , como você está? – ele tentou puxar assunto.
- Bem.
- E a sua família?
- Estão bem. – suspirei pesadamente. Será que ele não percebeu que eu não queria conversa?
- Hum. – resmungou. – E aí, já pensou na faculdade que quer fazer?
- , você disse que se eu não quisesse conversar, não precisaria. E eu não quero.
- Desculpa por tentar manter um ar agradável.
- Se você calar a boca vai ser o suficiente.
- Os cinco minutos já acabaram, vamos voltar. – deu meia volta. Antes que ele conseguisse se afastar muito, o segurei pelo braço.
- Me... desculpa, . É que eu não tenho um bom humor de manhã, só isso. – ele assentiu com a cabeça, ainda com o maxilar travado. – Vamos sentar ali? – apontei com a cabeça para um coqueiro.
- Tudo bem. – andamos calmamente até o coqueiro e nos sentamos sob ele. Mais alguns minutos se passaram até que eu quebrei o silêncio.
- Moda.
- O que? – me olhou confuso.
- Você perguntou que faculdade eu iria fazer. Quero fazer moda. E você?
- Letras. Eu quero ser escritor.
- Sério?
- Sim, por quê?
- Nada, apenas não o vejo como um escritor.
- E você me vê como o que?
- Sei lá, um jogador de basquete, talvez.
- Eu jogo na escola, mas não amo de paixão, sabe? É meio que um hobby.
- Você é um ótimo jogador. – sorri.
- Hum, obrigado. – ruborizou.
- fica corado? Ai meu Deus! – brinquei.
- Cala a boca.
- Até cinco minutos atrás você não queria o meu silêncio. – ergui uma sobrancelha. Ele bufou, sem resposta.
- Ele também fica sem resposta. Corram, é o fim do mundo. – gritei, me levantando. Quando dei o meu segundo passo, ele me puxou pelo braço; eu caí em cima dele, em seu colo.
- Para de graça, Gray. – nos encaramos por algum tempo, até que eu toquei onde eu estava sentada. Limpei a garganta e voltei para o meu lugar. Alguns minutos de silêncio se passaram, até que o rompeu.
- Qual a sua citação favorita? – tentou deixar o ar mais ameno.
- De poema ou música?
- Tanto faz. – deu de ombros.
- Deixe-me ver. – pensei por um tempo. – “Algumas vezes ando sozinha à noite, quando todos estão dormindo. Eu penso nele e então fico feliz. Com a companhia que mantenho. A cidade vai para a cama, e eu posso viver dentro de minha mente.”.
- Por quê?
- Não sei, mas eu gosto.
- Se ela tivesse algo relacionado à sua vida, quem seria “ele”?
- Ainda não encontrei o “ele”. – ele sorriu. - Acho melhor nós voltarmos. – falei, quebrando o contato visual. Me levantei e limpei a minha perna, que estava cheia de areia.
- É, melhor voltarmos. – ele também se levantou, sacudindo a sua bermuda.
O caminho de volta foi silencioso. Escutávamos apenas as ondas e os pássaros gorjeando.
- Como foi o passeio, querida? – minha mãe me perguntou.
- Foi legal. – respondi, sem ânimo. Sentei no chão, longe de , e Leo correu para o meu colo.
- Glace, a gente vai nada com peixinhos. – sinalizou “pequeno” com as mãos.
- Mesmo? – ele assentiu. – E você vai alimentar eles também?
- Sim! – ele gritou, pulando.
- Posso te ajudar? – ele assentiu. – Oba! – o esmaguei em um abraço.
- Pessoal, o barco chegou. – o senhor anunciou.
Pegamos rapidamente as nossas bolsas e as colocamos no barco. Ele não nem tão pequeno, nem tão grande. Do tamanho certo, eu diria. Seu casco brilhava, uma prova de que era bem limpo, e o seu interior era de enlouquecer. Não era tão simples, mas também não era muito exagerado. Era bonito. Nos ajeitamos no barco e logo o piloto deu início ao nosso passeio. Que a diversão começasse.
**
Dentro de sete minutos nós chegamos à primeira ilha. Ela era linda; cheia de árvores e pássaros. A sua areia em branca e fina e a água era cristalina. Havia algumas pedras, onde poucas pessoas tiravam fotos. O barco parou alguns metros longe da areia, no limite permitido. O meu pai pegou Leo e o colocou sobre seus ombros, levando-o até a areia. Ajudei a pegar duas bolsas e pulei na água, que bateu um palmo abaixo de minha cintura. Me arrastei até a areia e fiquei cuidando de Leo, enquanto os outros descarregavam o barco. Quando todos se encontravam na areia, procuramos por um lugar para nos abrigarmos. Achamos um repleto de árvores, que faziam sombras. Colocamos ali as nossas bolsas e minha mãe forrou a sua canga, onde ela e Karen, a mãe de , se sentaram. Rebeca e Olívia se sentaram em outra, me chamando para me juntar a elas. Sentei ao lado de Beca e passamos a conversar sobre assuntos aleatórios. Hora ou outra, Leo me pedia para levá-lo à água, pois nosso pai estada ocupado – bebendo. se voluntariou a levá-lo e o pequeno aceitou, o puxando para o mar. Alguns minutos depois, as meninas também se levantaram e me chamaram para ir ao mar com elas. Neguei, dizendo que mais tarde eu iria. Elas deram de ombros e, depois de ficarem apenas de biquíni, foram para a água.
- Vá se juntar a eles, querida. – minha mãe disse.
- Ok. – levantei e retirei a minha roupa. Ajeitei o meu biquini e fui à água, onde eles faziam uma pequena guerra d’água – na parte rasa, por causa de Leo.
- Ataque ela. – gritou Leo e todos o obedeceram, jogando água em mim. Gritei de surpresa, mas logo os contra-ataquei.
Vários minutos se passaram até que Leo saiu da água, morrendo de frio. Rebeca o levou de volta para o nosso “abrigo” e Olivia a acompanhou, deixando e eu sozinhos. Tentei não pensar muito nesse detalhe e mergulhei, na parte mais funda. Fiquei alguns segundo submersa e voltei à superfície. Soltei um grito quando senti alguém abraçando a minha cintura e, ao virar a cabeça um pouco para o lado, percebi que era .
- Você me matou de susto, . – rosnei.
- Desculpa, não foi a minha intenção. – apoiou a cabeça em meu ombro.
- Você ‘tá achando que é quem, ? Me solta! – me contorci até que estivesse livre de seu braço.
- Não pode mais te abraçar?
- Vou nunca pôde e nem vai poder! – gritei. – O pensa que eu sou? As putinhas da nossa escola que morrem aos seus pés? Não é só porque trocamos dez palavras que eu vou te dar essa intimidade de ficar me abraçando.
- Eu já entendi, Foster.
- Melhor mesmo, porque se você tocar em mim de novo, eu te mato, entendeu?
- Claro igual água.
- Ótimo. Não me irrite mais, para o seu próprio bem. – e saí, deixando-o sozinho na água.
Berlim – Alemanha – Sexta, 29 de julho de 2011.
Mas é claro que ele me irritou, afinal, ele é .
O que era pra ser uma viagem em família, se tornou uma desgraça. Quase todos os dias, a família estava inclusa em nossos planos. Fosse para ir a algum museu ou até mesmo para almoçar. E, em todos os nossos encontros, encontrava um jeito diferente de me irritar. Era pedir demais um momento de folga para relaxar? Pelo visto, para mim, sim. Eu devia ter sido uma pessoa bem fudida na minha vida passada. Graças a Deus, esse era o nosso penúltimo dia na Alemanha – o que também era triste, pois eu amara o lugar. Sentiria saudades, com certeza.
Minha mãe e eu arrumávamos as malas quando a campainha do quarto tocou. Franzi o cenho e minha mãe foi atender a porta. Um minuto depois, ela voltou para o quarto, com um grande sorriso no rosto.
- É pra você. – fiquei ainda mais confusa e fui atender quem é que fosse na porta.
- Oi. – estava parado no corredor e abriu um sorriso quando me viu.
- O que você está fazendo aqui?
- Er... eu soube que amanhã você vai voltar pros Estados Unidos. – ele coçou a nuca.
- Sim, por quê?
- Você não gostaria – suspirou – de ir numa sorveteria comigo?
- Eu estou ajudando minha mãe a arrumar as malas. – seu olhar ficou triste e ele abaixou a cabeça.
- Não, tudo bem, filha. – minha mãe apareceu atrás de mim. – Vá aproveitar o seu último dia em Berlim. – sorriu e me encarou, com expectativa no olhar. Apertei o meu punho com força. Por que minha mãe estava escutando a minha conversa.
- ? – me chamou.
- Só vou calçar os tênis. – suspirei em desistência. Entrei novamente no quarto e calcei o par de All Star branco que estava do lado da cama. Penteei o cabelo com os dedos e voltei para a porta, onde e minha mãe combinavam o horário de minha volta.
- Divirta-se, querida. – mamãe me beijou na testa e fechou a porta.
- Vamos. – segurou a minha mão, mas eu a soltei. Ele suspirou e chamou o elevador.
O trajeto do hotel até a sorveteria mais próxima um silêncio completo. estalava os seus dedos, uma mania que ele fazia quando estava nervoso. Ao chegarmos ao nosso destino, abriu a porta para mim. Emiti um tímido “obrigado” e escolhi uma mesa ao fundo da sorveteria. Logo a garçonete veio nos atender e, graças a Deus, ela sabia falar inglês. Escolhi um sundae de chocolate com menta e escolheu um sundae de morango e framboesa. Comemos também em silêncio e acabou antes de mim. Ele ficou apenas me observando, o que me deixou constrangida.
- Dá para você parar de me olhar assim?
- Assim como? – cruzou os braços por cima da mesa.
- Assim. – ele riu. – É sério, .
- fica corada? Ai meu Deus! – afetou a voz.
- Eu não falo assim.
- Eu não falo assim. – repetiu, com uma voz fina assustadora. Ri de sua imitação fajuta. – Olha, eu consegui fazê-la rir. – soltei uma risada nasal.
- Por que você não pode ser sempre assim?
- Assim...?
- Engraçado e palhaço invés de irritante e chato.
- Eu não sou irritante.
- Sim, você é. Eu me segurei bastante para não te esmurrar.
- Eu só sou “irritante” com você.
- Posso saber por qual motivo eu sou a única a ter esse “privilégio”?
- Porque esse é o único jeito de ter a sua atenção. – confessou.
- Se você tentasse conversar como uma pessoa civilizada, eu não te odiaria tanto.
- Você me odeia? – seu sorriso desapareceu.
- Sim.
- E por que você me odeia, Foster? – ele se aproximou de mim; sua feição era impassível.
- Quer uma lista ou os pontos principais?
- Os pontos principais, por favor.
- Você é chato; muito irritante; as suas brincadeiras na escola são ridículas; você é previsível, sempre faz as mesmas coisas: me irrita, pede desculpas e repete o processo.
- Eu sou previsível?
- Muito. – ele se aproximou mais; prendi a respiração.
- Já que eu sou tão previsível, o que eu vou fazer agora, ?
- Correr para o colinho da mamãe e chorar. – brinquei, mas por dentro eu estava tensa.
Ele sorriu maroto e, antes que eu conseguisse raciocinar, ele colou seus lábios aos meus. apoiou uma de suas mãos em minha coxa e a outra em minha nuca, puxando-me para mais perto dele. Sua língua pediu passagem e eu prontamente a concedi, fechando os olhos. Nossas línguas se envolveram de um modo carinhoso. Ele afagava a minha nuca com o seu polegar, me causando arrepios. Uma coisa eu tinha que admitir: beijava muito bem; parecia um dom. Agarrei os seus cabelos com força, beijando-o com mais intensidade, e ele retribuiu. Lembrei que estávamos em um local público e me separei dele, contra minha vontade. Permaneci de olhos fechados, com a minha testa colada a dele. Nossos narizes se roçavam e nossas respirações se misturavam. Aquilo havia mesmo acontecido?
- Acho melhor nós voltarmos, já está tarde. – a voz de me tirou de meu transe.
Abri os olhos e me deparei com duas bolas . Assenti e me afastei dele. – Só vou pagar os sorvetes, já volto. – meu deu um selinho e foi ao caixa. Sorri e toquei os meus lábios com minhas mãos. Eu ainda não conseguia acreditar.
Eu havia beijado . E fora o melhor beijo da minha vida.
Baltimore – Estados Unidos – Segunda, 30 de setembro de 2013.
- O que é uma Metonímia? Alguém se atreve a dizer? – a professora Hennings perguntou para a turma; ninguém ousou responder. – A metonímia consiste em empregar um termo no lugar de outro, havendo entre ambos uma estreita afinidade ou relação de sentido. Um exemplo... – ela pegou o seu piloto e, em uma caligrafia perfeita, escreveu “O homem foi à Lua”. – Nesta frase, pode-se usar outra expressão, que, no final, dará o mesmo sentido. Alguém pode me dizer que expressão é essa? – encarou a sala por cima de sua armação de óculos.
- “O homem viajou à Lua”? – uma garota, que sentava no meio da sala, ousou responder. A professora soltou uma risada de escárnio, voltando-se ao quadro, onde escreveu “Os astronautas foram à Lua”.
- A metonímia não se trata apenas de mudar o verbo, e sim a frase. Anote isso, senhorita Campbell. – a ruiva assentiu e escreveu em seu caderno.
Para a felicidade de toda a turma, o sinal não tardou a tocar. Com pressa, todos jogaram seus materiais de qualquer jeito na mochila e meteram o pé da maravilhosa aula de gramática. Ao perceber um pouco mais a frente, apertei o passo, passando entre as pessoas sem me importar se eu esbarrava com elas. Ao chegar sã e salva no refeitório, respirei fundo, soltando o ar que eu não reparara estar prendendo. Encontrei a mesa onde eu me sentava com os meus amigos, porém a mesma estava vazia. Joguei a minha mochila por cima da superfície de metal – o que causou um grande estrondo, assustando algumas pessoas – e sentei na cadeira desconfortável. Deitei minha cabeça na mesa e bufei. Por que a Hanna tinha que demorar tanto? Sempre era assim. Ela sempre se atrasava por causa de seu namorado. Eles ficavam de grude no seu armário até que ela lembrava que tinha amigos.
Apoiei minha cabeça e minha mãe e comecei a pensar em como eu conhecera Hanna. Até que era uma história engraçada.
**
Era a terceira semana de aula e eu ainda não havia feito nenhum amigo. Eu estava andando distraída no refeitório quando alguém esbarrou em mim e algo gelado entrou em contato com minha blusa, molhando minha barriga. As crianças todas se calaram, prestando atenção no que estava acontecendo.
- Ai meu Deus! Me desculpa, eu não te vi. – uma voz fina, porém doce, disse. Olhei para cima e me deparei com uma garotinha loira; suas mãos estavam sobre sua boca e seus olhos esbugalhados.
- Tudo bem. – respondi, com a voz falha; engoli a vontade de chorar e saí acompanhada pela professora. Não foi nada, praticamente, mas a vergonha e humilhação estavam se concentrando na forma de lágrimas.
A professora me levou à secretaria, onde me deixou até que minha mãe chegasse e me levasse para casa. Poucos minutos depois, a porta da secretaria se abriu. Na esperança de que fosse minha mãe, levantei rapidamente a cabeça – estava com ela abaixado todo o tempo, com vergonha de encarar os outros – e mirei a porta. Entretanto, não era minha mãe que estava ali, e sim a menina loira de mais cedo. Em dúvida, ela adentrou a sala, carregando em sua mão esquerda um suéter roxo. Ela caminhou calmamente até mim e parou na minha frente.
- Oi, eu sou a Hanna. – estendeu a mão.
- . – apertei a mão estendida.
- Er... me desculpa pela a sua blusa. Sério, se precisar peço pro meu pai pagar outra pra você. – me encarou, mordendo o lábio inferior. - Eu trouxe o meu suéter pra você. Pode ficar com ele se quiser. – estendeu o suéter na minha direção. Timidamente, eu o peguei.
- Obrigada. – falei, com a voz baixa.
- Você não é de falar muito, né? – ela se sentou do meu lado, não mais tímida. – apenas neguei com a cabeça. – É, está na cara. – soltou uma risada. – Não vai usar? – apontou para o suéter em minha mão.
Assenti. Fui ao pequeno banheiro que havia ali e me troquei. Voltei à secretaria, com a blusa encharcada em minha mão, e me deparei com minha mãe conversando com Hanna.
- Olha ela ali. – a loira apontou para mim, com um sorriso.
- Oi, mãe. – ela me abraçou e deu um beijo em minha bochecha; fiz careta.
- A sua amiguinha é muito legal, filha. E linda.
- Obrigada. – Hanna sorriu cordial, levantando-se. – A sua mãe me convidou pra ir a sua casa. Não é legal? – assenti, olhando confusa para minha mãe.
- Agora precisamos ir, pequena. – me deu a mão. – Até mais Hanna. – a beijou na testa.
- Tchau, tia Marie. Tchau, . – despedi-me com um assento.
- A Hanna é muito adorável. Seria ótimo se vocês virassem amigas. – apenas sorri.
Bem que dizem que praga de mãe pega.
**
- Pensando em mim? – a voz de Hanna me tirou dos pensamentos.
- Sim, pensando no dia em que você derrubou suco de laranja na minha roupa e viramos melhores amigas. – ela riu, se sentando junto ao namorado. – Sou azarada desde pequena. – fiz graça.
- Você devia agradecer por ter uma menina tão maravilhosa assim como amiga. – Travis, namorado de Hanna, a abraçou pelos ombros e beijou sua bochecha.
- E você devia falar apenas quando pedissem a sua opinião. – botei um punhado de batata, que eu havia pegado no prato de Hanna, na boca.
- , por favor... – Hanna me chutou por debaixo da mesa. – E são minhas batatas, vá pegar as suas! – puxou sua bandeja para mais perto de si.
- Eu pego a minha própria comida, egoísta. – ela me deu língua e eu dei risada.
- Você pode pegar uma Coca para mim, Gray? – perguntou-me Travis.
- Você tem duas pernas. Levante-se e pegue. – Hanna jogou batata em minha direção, mas ao contrário do que ela queria, eu conseguia pegar a batata no ar com a boca. Fiz um sinal de joinha e ela me deu o dedo. Amorosa, eu sei.
Segui para a fila da cantina e peguei o essencial: um hambúrguer, uma porção de fritas, alguns salgadinhos e um suco de laranja para não engordar. Manter o peso é tudo. Paguei o meu lanche e voltei para a mesa, onde Hanna, Travis e conversavam animadamente.
- Licença que a princesa chegou. – anunciei a minha chegada, com um ar superior.
- Obrigado por ter trago minha Coca, . – Travis cruzou os braços.
- Eu disse que não ia pegar. – dei de ombros. – Como você está, ? – perguntou ao meu amigo, que agora ocupava a cadeira a minha esquerda, de frente para Travis.
- Estou bem. – respondeu; sua voz fina saiu fraca.
- Estou vendo. – soltei uma risada. – O que houve?
- Minha rinite atacou novamente. – ele respondeu, com a voz manhosa.
- Aqueles perfumes ainda te matam um dia. – pus uma batata em sua boca.
- Ele não consegue evitar a usar Coco Chanel. – Travis alfinetou, com escárnio. Irritado, se levantou rapidamente, correndo para fora do refeitório.
- Depois você me pergunta o porquê de eu não gostar dele. – rosnei para Hanna, que parecia estar perdida. – Filho da puta. – disse para Travis; joguei a minha comida na lixeira, ficando apenas com as batatas, e deixei o refeitório.
Xingando Miller de tudo quanto era nome em minha mente, andei entre os corredores, a procura de . Quando achei o meu amigo, ele estava sentado em um dos bancos espalhados pelo corredor. Sua mochila estava em seu colo e seus braços a rodeavam. Sua cabeça estava baixa e seu lábio inferior estava sendo mordido, sinal de que ele estava prendendo o choro. Andei lentamente até ele, sentando-me com delicadeza. Ele olhou para o lado, percebendo minha presença. Seus olhos estavam vermelhos, como eu previra. Sem dizer nenhuma palavra, o abracei. Mas o abracei com força, tentando transmitir por aquele pequeno contato todo o carinho e a confiança possível. Eu queria que aquele abraço falasse por mim, que ele transmitisse que eu estava ali para ele em todas as horas. Sempre.
- Por que eles fazem isso? – ele perguntou, com a voz fraca; em seguida tossiu.
- Porque eles são uns babacas. – ele apertou o abraço. – Não fica assim, bebê. Eles não merecem as suas lágrimas. – me afastei dele. Segurei seu rosto com as minhas duas mãos e o encarei nos olhos. – Você é muito especial. Não permita que as palavras deles abale você. Sempre que eles tentarem te atingir, diga um “foda-se” e siga em frente. – ele riu. Seus olhos azuis estavam um pouco mais contentes.
- É por isso que eu te adoro. – me abraçou.
- Eu sei. – rimos. Nos separamos novamente e ele bufou. – O que houve?
- A Hanna. – revirei os olhos. – Mais uma vez ela ficou do lado do príncipe encantado.
- O amor é cego, querido. – suspirei.
- Você que o diga, né. – ele encarou , que eu percebi que estava nos encarando.
- Eu não posso dizer que foi amor. Amor é uma palavra forte demais. – dei de ombros.
- Dizem que ele não está feliz com a separação de vocês.
- Ele não está feliz por ter sido chutado. – o sinal tocou e nós levantamos. – Qual a sua aula agora?
- Química Teórica. – ele fez careta. – Nós fazemos essa aula juntos, . Não é possível que você tenha esquecido.
- Fica quieto. – revirei os olhos. - Partiu aula de química. – joguei os braços para cima, preguiçosamente.
Infelizmente, não consegui dar dois passos, pois logo estava ao meu lado, segurando o meu braço. Bufei e olhei furiosamente para , que já estava a dez passos de nós, sorrindo sarcasticamente para mim.
- Podemos conversar? – perguntou, olhando para os lados.
- Não. – puxei o meu braço.
- ...
- Nem começa, . Eu não vou voltar com você para levantar novamente o seu ego.
Admite que você levou um pé na bunda de uma garota que dói menos.
Sem deixar que ele rebatesse ao meu fora, retornei a andar. Logo eu encontrei a sala de química, adentrando a mesma. Varri a sala com os olhos e prontamente encontrei minha presa: .
- Obrigada por nada, . – joguei minha mochila no chão, ao lado da sua, eu pus o jaleco.
- Como foi a conversa com o “Gostosão” ?
- Dei um fora nele. Normal. – rimos e logo o professor entrou na sala.
e eu desatamos a conversar sobre como o professor estava gato naquela Camiseta Polo vermelha e como seu novo corte de cabelo o deixara mais bonito.
Como eu amava a minha bicha maluca. Ele era meu, só meu.
**
Após a aula de química teórica, eu tive aula de Inglês II, também com , e enfim o sinal tocou, declarando nossa liberdade. Porém, como era segunda-feira, eu tinha aulas extracurriculares de Teatro. Não era lá essas coisas, mas era a mais fácil e que mais me agradava. Infelizmente, , participava também. E, por consequência, Hillary Hilton, sua melhor amiga, também.
- Boa tarde, queridos alunos. – a professora de Teatro, senhorita Ellen , entrou, sorridente, no auditório, onde eram as nossas aulas.
Ela desandou a falar, explicando como seria nossa aula e avisando sobre o musical que faríamos em fevereiro, no dia dos namorados. Alguns alunos vaiaram, enquanto os outros – a maioria – se mostraram realmente feliz. Ela – a professora – disse que faria uma pequena audição para escolher quem seriam os personagens principais. Hillary soltou um grito animado – que mais pareceu um gato sendo decapitado.
A senhorita Ellen chamou um por um até o palco, onde nós deveríamos cantar um trecho qualquer. Seis alunos depois, foi a vez da loira de farmácia. Ela subiu ao palco rebolando e com o queixo erguido. Ela pegou o microfone do pedestal e começou a seu show. Embora o ódio que eu sentia por ela queimasse todas as minhas entranhas, eu devia admitir: ela cantava bem. Muito bem.
Eu engoli a seco, já prevendo o inevitável: mais uma vez, ela ganharia de mim. Como sempre foi.
Quando ela terminou, foi a minha vez. Devagar, eu subi no palco, sentindo cada músculo retesar. Eu ia passar vergonha, eu sabia disso. Minha voz não ia sair e todos iam rir de mim. Puta merda, eu vou me fuder. Eu repetia isso mentalmente; eu ficava mais desesperada a cada minuto. Peguei o microfone e o apertei fortemente. Olhei para a pequena plateia e engoli em seco novamente. Ignore tudo e a todos. Quando a música te tocar, feche os olhos e a sinta; deixe-a transparecer, não se reprima. Lembrei-me da frase incentivadora de minha mãe. Feche os olhos e a sinta. E, também como dizia a música de minha banda favorita: Viver é fácil com olhos fechados, mal entendendo tudo o que você vê. Fechei os meus olhos, ignorando a todos. Apenas deixei a música¹ fluir.
Shake it out, shake it out, shake it out, shake it out, ooh woaah
(Livre-se, livre-se, livre-se, esqueça disso) Shake it out, shake it out, shake it out, shake it out, ooh woaah
(Livre-se, livre-se, livre-se, esqueça disso) And it's hard to dance with a devil on your back
(É difícil dançar com o diabo no seu pé) So shake him off, oh woah
(Então livre-se dele)
De princípio, a minha voz saiu insegura. Olhei de relance para a professora e ela sorria, me encorajando. Ela parecia surpresa por eu estar ali, me apresentando, afinal, sempre tive vergonha. Mas algo dessa vez me dizia para tentar, para dar uma chance. Eu sabia que as probabilidades de eu ganhar eram poucas, mas eu tentaria.
And it's hard to dance with a devil on your back
(É difícil dançar com o diabo no seu pé) And given half the chance would I take any of it back
(Se eu tivesse metade da chance, eu faria tudo de novo) It's a fine romance but it's left me so undone
(É um romance bom, mas me deixou tão incompleta) It's always darkest before the dawn
(Está sempre mais escuro antes da madrugada)
And I'm damned if I do and I'm damned if I don't
(Estarei perdida se me livrar, estarei perdida se não me livrar) So here's to drinks in the dark at the end of my road
(Um brinde às bebidas na escuridão no fim da minha Estrada) And I'm ready to suffer and I'm ready to hope
(Estou pronta para sofrer e pronta para esperar) It's a shot in the dark and right at my throat
(É um tiro no escuro e bem na minha garganta) Cause looking for heaven, found the devil in me
(Pois procurando o paraíso, encontrei o diabo em mim) Looking for heaven, found the devil in me
(Procurando o paraíso, encontrei o diabo em mim) Well what the hell I'm gonna let it happen to me
(Dane-se, vou deixar que aconteça comigo)
A última parte eu cantei com a alma. A high note, que na música dura mais ou menos dez segundos, eu segurei até não sobrar mais ar em meus pulmões, o que deu uns dezessete segundos, acho. Olhei para a professora e ela me olhava perplexa, porém admirada, assim como todos ali presentes. Repeti o refrão, agora animada. A vergonha anterior não me atingia mais; ela havia sido substituída por uma sensação de orgulho e satisfação. Ao terminar a música, fui aplaudida pelos meus companheiros de classe e minha professora. Como esperado, Hillary estava com cara de cu e braços cruzados. Apenas sorri com escárnio para ela e devolvi o microfone ao pedestal. Desci do palco e sentei no meu lugar. As pessoas que estavam ao meu redor me elogiavam e diziam que minha apresentação fora incrível e que, esse ano, o papel principal seria meu. Isso emputeceu a Hillary, logicamente.
- Eu estou realmente impressionada, senhorita . – ela sorriu em minha direção. – Bom, essa escolha será realmente difícil. – suspirou. – Quarta, na nossa próxima aula, a decisão estará tomada. Estão dispensados.
Saí rapidamente da sala, correndo para o prédio do Ensino Primário. Passei voando pelos corredores, até chegar ao meu destino: a sala de Leo. Olhei pela janela de vidro e o encontrei sentado na cadeira, de cara emburrada. Havia mais duas crianças na sala, mas elas brincavam mais afastadas. Suspirei e dei três batidinhas na janela. Ele olhou em minha direção e sorriu. Pegou a sua mochila dos Transformes, se despediu da professora e abriu a porta, saindo da escola.
- Demolou. – fez bico. Ele podia ter cinco anos, mas ainda não conseguia dizer alguns R’s.
- A aula demorou um pouco para acabar. – peguei sua mochila e ele me deu a mão.
Andamos lentamente pelos corredores, conversando sobre como fora o dia dele. Ele contava super animado que desenhara o melhor desenho turma, de acordo com a professora. Fomos para o estacionamento e seguimos até o meu carro. Destravei o mesmo e joguei as mochilas dentro dele. Em seguida, coloquei Leo em sua cadeirinha, certificando-me que o cinto estava preso. Fechei sua porta e dei a volta, sentando-me na cadeira do motorista. Antes de ligar o carro, reparei na cena que acontecia a minha frente: estava com o braço sobre o ombro de uma garota peituda, a qual o nome eu não fazia a menor ideia. Sua amiga, Hillary, estava batendo o pé, completamente irritada. Pelo que conseguir entender, ela estava irritada porque levaria a garota ruiva para casa invés de dar-lhe carona. Ela apenas a ignorou, destrancando o carro e entrando com a ruiva peituda. Hillary ficou ali, perplexa. Eu conseguia a entender, afinal, ela estava de quatro por há anos; apenas ele não reparara. Não que eu tenha sentido pena dela, claro que não. Mas eu sei como é ser ignorada por quem você ama. O amor é um filho da puta sem coração.
Alguns minutos depois, chegamos a nossa humilde residência. Eu, sinceramente, não via necessidade em ter uma casa tão grande, pois apenas quatro pessoas residiam ali. Paul, o segurança da casa, ao perceber que era eu, concedeu minha entrada. Estacionei o carro na garagem e ajudei Leonard a sair de sua cadeirinha. Peguei as nossas mochilas e novamente ele me deu a mão. Subimos as escadas e entramos finalmente em nosso lar. O cheiro de comida impregnava o ar, fazendo com que minha barriga roncasse alto; Leo escutou e riu. Sua risada era gostosa de ouvir, o que me fez rir junto com ele. Fiz garras com a mão livre, imitando uma garra, e dei um rugido. Ele gritou e correu pela casa, rindo. Soltei as mochilas em algum canto e corri atrás dele. Rodamos o sofá, pelo menos, umas quatro vezes, até que eu consegui o pegar.
- Isso não é justo. Você semple ganha. – cruzou os braços e fiz um bico. Mordi sua bochecha e ele soltou um gritinho.
O coloquei no chão e fomos para a cozinha, onde minha mãe cozinhava animada. Ela cantarolava tão empolgada que nem nos percebeu. Sua voz era harmoniosa e doce; ela cantava muito bem. Muitos a questionam o porquê dela não ter seguido o seu sonho – ser uma cantora mundialmente famosa. Ela sempre responde: “Antes dos meus sonhos, vem minha família. Eles valem mais do que tudo”. Às vezes eu me sentia culpada por ter atrapalhado o grande sonho de minha mãe. Mas o que eu posso fazer?
- …together we will fly, we'll dance up in the heaven. I can really feel it when you're near. – cantarolou mais alto.
- And the weatherman said: if you're not well, stay in bed, 'cause I've been feeling down and blue. And it's cloudy in my head. – peguei a colher de madeira, que estava em cima do balcão, e continuei a música. Dei um giro de 360 graus e fiz mais alguns gestos.
Continuamos a música, gritando em partes desnecessárias, enquanto Leo observava tudo batendo palmas e gritando. Logo o meu chegou e se juntou a eles. Terminamos de cantar e fizemos uma reverência, agradecendo. Minha mãe voltou a picar os temperos e sentei ao lado de Leo na mesa.
- Eu tenho uma família de artistas. – disse Richard, beijando-me na testa e minha mãe nos lábios.
- Eca. – dissemos Leo e eu ao mesmo tempo, tampando os olhos um do outro. Nossos pais riram e, quando o almoço ficou pronto, nós almoçamos.
Depois ajudei minha mãe a lavar a louça e subi para o meu quarto. Pulei na cama após retirar os meus tênis e liguei a televisão. Escolhi a minha série, que estava gravada, e me cobri com o edredom. Aos poucos, minhas pálpebras foram se fechando, até que eu apaguei.
Acordei desnorteada, sem saber onde eu estava. A minha televisão estava desligada, o que me fez forçar um pouco do meu cérebro. Quando que eu desliguei? Sem conseguir encontrar uma resposta, me levantei da cama, andando preguiçosamente até a janela. Afastei a cortina e avistei o céu, já escuro. Olhei então para o relógio acima da minha cama: sete e meia da noite. Arregalei os olhos. Como eu conseguira dormir tanto? Ajeitei o meu cabelo, prendendo-o num coque alto, e saí do quarto. Na metade do corredor, reconheci vozes no andar de baixo. E não eram apenas dos meus pais. Sem pensar em descobrir, voltei silenciosamente para o quarto. Entrei correndo no banheiro, despindo-me. Entrei debaixo do chuveiro e regulei a água para quente. Deliciei-me no meu maravilhoso banho. Lavei os cabelos e passei o sabonete por cada parte do meu corpo. Causar uma boa impressão, sempre. Relutante, fechei o registro, sentindo instantaneamente o vento frio de encontro ao meu corpo nu.
Enrolei-me em meu roupão e corri para o quarto. Separei uma roupa bonita; nem tão chique, nem tão desleixada. Eu vesti uma calça skinny preta, que destacava as minhas curvas naturais. Vesti uma camisa frente única vermelha, que possuía um pequeno decote na frente. A blusa, na parte da frente, era bem solta. Calcei um scarpin preto e simples. No cabelo, eu fiz babyliss. Os meus cabelos castanhos caíam pelos meus ombros. Passei uma maquiagem simples: sombra, blush e gloss. Não precisava exagerar, afinal, eu estava em casa.
Quando saí novamente do quarto, minha mãe estava subindo as escadas. Ela vestia um vestido verde-água e um salto prata. Seus cabelos estavam apenas lisos, porém ela estava impecável. Ninguém diria que ela estava na casa dos quarenta.
- Ainda bem que você acordou. – sorriu quando me viu. – Estamos com visitas.
- É, eu sei. – a beijei na bochecha. – A senhora está linda.
- Você também, querida. Está maravilhosa.
Descemos as escadas juntas, de braços dados. O sorriso que eu carregava no rosto sumiu quando eu vi quem era a família visitante. Os . Deseje boa noite a todos e eles retribuíram, com um sorriso. , que me olhava de cima a baixo, sorriu quando olhou nos meus olhos. Apenas desviei o olhar e me sentei no sofá, longe dele. Leo correu para o meu colo; ele me contou uma história que a irmã de , Rebeca, havia o contado. Meu pai e o senhor conversavam sobre as novas tendências musicais – eles trabalhavam na mesma empresa. Meu pai era o presidente e o senhor o co-presidente.
Em poucos minutos, a nossa governanta avisou que o jantar estava pronto. Sentamo-nos na grande mesa e, para melhorar a noite, se sentou ao meu lado. Eu estava entre e Leo. A minha frente, estava a senhora . Ao seu lado esquerdo, seu marido, e ao lado direito, sua filha, Rebeca – a outra estava em casa, pois no dia seguinte faria prova na faculdade. Meus pais estavam sentados um em cada ponta; eles carregavam enormes sorrisos no rosto. O jantar, risoto de camarão, foi servido para todos da mesa. Leo fez cara feia, mas comeu sem pestanejar após o olhar feio de nossa mãe.
Durante a refeição, colocou a mão sobre minha coxa, depositando um aperto ali mesmo. Rapidamente bati em sua mão, o encarando com raiva. Ele apenas me olhou e deu um sorriso presunçoso. Aquele sorriso era tão sex... ridículo. Quem ele achava que era? Revirei os olhos e voltei a atenção ao meu prato, entretanto, antes que eu conseguisse colocar uma garfada na boca, aproximou sua boca da minha orelha e disse:
- Você está muito linda com essa calça, mas aposto que ficaria mais bonita ainda sem ela. – ele sussurrou em um tom muito baixo, para que apenas eu escutasse. Sua respiração quente me causou arrepios.
- Sai de perto de mim. – rosnei, também em sussurro.
- Eu sei que você gosta, Gray.
- Não, eu não gosto.
- Veremos. – ele se afastou e voltou a jantar, como se nada tivesse acontecido.
Senti um olhar sobre mim e encarei à minha direita, onde minha mãe me encarava com um sorriso maroto. Neguei com a cabeça, fazendo cara de nojo. e eu, juntos? Nunca! Será que ela não lembrava o que havia feito comigo anos atrás? Não era possível que ela achava realmente que algo estava acontecendo entre nós dois. Não. Não mesmo. De jeito nenhum. Só a ideia de algum relacionamento entre mim e aquele que despedaçou o meu coração em milhares de pedaços fez com que meu estômago revirasse. Larguei o garfo sobre o meu prato, sem apetite, e limpei minha boca com o guardanapo. Pedi licença da mesa, que me foi concedida, e saí da sala de jantar junto de Leo e Rebeca – ambos já haviam acabado de jantar. Seguimos então para a pequena sala de vídeo no andar de cima – meus pais a construíram um pouco antes de Leonard nascer. Rebeca e eu conversávamos sobre o que nos vinha à memória; sobre ficantes, faculdade, viagens e sobre a liquidação da Forever 21.
Na sala de vídeo, nos sentamos no enorme sofá que fora instalado ali – ele ia de uma parede à outra e era super confortável. Retiramos nossos sapatos e deitamos na imensidão cinza. Leo fez com que assistíssemos ao filme Carros, um de seus preferidos. Ele citava as poucas frases que havia gravado, como a “Meu nome é Mate, que nem tomate. Só que sem o ‘to’”. Caímos na gargalhada quando ele pronunciou tal frase; sua risada fez com que ríssemos mais ainda. Alguns minutos depois, entrou na sala; meu sorriso desapareceu imediatamente. Me mexi no sofá, inquieta. Ele também retirou os sapatos, deitando-se ao meu lado em seguida. Mandou uma piscadela pra mim e logo se virou para Leo, que sentara em seu colo. Pobre criança inocente. Eu me remexia no sofá, completamente incomodada pela presença de . Ele havia percebido isso, pois dava risada de minha desgraça. Eu apenas fingia indiferença. Imaginar que ele não estava ali era o melhor que eu podia fazer.
Na metade do filme, Leo estava apagado no colo de , que fazia cafuné em seus cabelos castanhos. Peguei Leonard de seu colo, com cuidado, e saí da sala, dizendo que já voltava. Passei pela sala de estar e minha mãe e a senhora conversavam sobre algum jantar beneficente que haveria na próxima semana. Perguntei onde meu pai estava e ela disse que ele estava em seu escritório com o senhor , fumando seu tão amado cachimbo. – seu cachimbo pertencia ao seu avô, a quem ele era muito apegado. Se alguma coisa acontecer com aquele cachimbo, ele tem um ataque cardíaco.
Subi as escadas com cuidado; podia não parecer, mas Leonard era pesado. E muito. Levei-o até o seu quarto e o coloquei em sua cama de solteiro. Retirei sua calça e sua blusa, em seguida o vesti com seu pijama do Homem Aranha. O cobri com seu cobertor verde e acendi a luminária ao lado de sua cama. Depositei um beijo em sua testa e saí silenciosamente do quarto. Andava calmamente no corredor, olhando para os meus pés – eu precisava fazer a unha urgente – quando meu corpo tromba em algo. Ou melhor, alguém. Alguém quente, forte, alto, gos...
- Olha por onde anda. – sua voz aveludada interrompeu os meus pensamentos. Ele me lançava um olhar divertido. Apenas revirei os olhos e comecei a andar, mas ele puxou o meu braço.
- O que você quer? – perguntei, ríspida.
- Você. – assumiu um sorriso sedutor.
- Que pena. Eu não estou disponível. – puxei o meu braço.
- Não se faça de difícil, amor. – colocou sua mão direita em minha cintura e me puxou para ele.
- Me solta, . – o empurrei, mas sem muito sucesso. Perto dele, eu era uma formiga. – Eu mandei você me soltar.
- Até vermelha de raiva você é bonita. – acariciou o meu rosto com a sua mãe livre.
- Por favor, me solta. – pedi, sentindo-me zonza com sua proximidade.
- Não. – sussurrou, aproximando seu rosto do meu. – O que aconteceu com a gente, ? – franzi o cenho, confusa com sua pergunta. – Por que você se afastou daquele jeito? – nossos narizes se tocaram.
- Você é muito cara de pau de me perguntar isso. – ri seca, afastando-me dele com brutalidade. – Você sabe muito bem, .
- Não, eu não sei. Me diz o por quê. – suplicou. Respirei fundo e o olhei nos olhos.
- Só me esquece, . – dessa vez ele não me impediu de continuar o meu caminho.
Quando cheguei na sala, minha mãe, senhora e Rebeca conversavam sobre alguma rival da família que ia fazer uma cirurgia a laser para retirar as varizes. Elas riam muito, fazendo piada com a coitada – que, bom, não era tão coitada assim. Ela tinha 27 e destruiu a família da melhor amiga da senhora . Assim que eu me sentei, o assunto se voltou para o jantar beneficente de sábado. Cada uma descrevia como seria o seu vestido; os olhos delas brilhavam ao pensar no maravilhoso vestido feito por algum estilista francês. Fui bombardeada de perguntas como onde seria o jantar, qual era a empresa de garçons e qual seria a decoração – eu fazia parte da campanha “Uma Nova Vida” que cuidava de crianças órfãs. Eu as amava no fundo do meu coração. Eu respondia tudo o mais curto possível, deixando a mostra o meu desconforto. Todavia, elas não pareciam sequer notar algo errado sobre mim.
- Como vai ser o seu vestido, querida? – senhora , ou Karen, me perguntou.
Antes que eu conseguisse responder, minha mãe desandou a falar sobre o modelo de meu vestido. Ela detalhava cada parte com um ar genuíno e orgulhoso; seus olhos brilhavam ao contar que eu própria desenhara o vestido. Elisa me encarou, surpresa, e perguntou se eu tinha outros modelos desenhados. Respondi que sim e ela me pediu para vê-los – talvez eu não tenha dito, mas a senhora tem uma empresa de moda mundialmente famosa. Me levantei rapidamente e subi as escadas mais rápido ainda – amém que eu estava sem os saltos. Quando eu passei pela porta do banheiro, a mesma foi aberta e, mais uma vez, eu esbarrei em . Dessa vez ele mal me olhou; pediu desculpas e saiu, olhando para o chão. Dei de ombros e corri para o quarto. Abri todas as gavetas existentes no meu quarto até me lembrar onde eu havia enfiado a pasta com meus desenhos. Finalmente a encontrei – sobre a cadeira do meu computador – e voltei para a sala. Me sentei no sofá, com a respiração ofegante. Minha mãe riu de meu desespero e eu apenas dei língua. Eu amostrei todos os modelos que eu havia desenhado e ora ou outra Rebeca dava gritos, dizendo que amara aquele modelo e queria um vestido daquele jeito. , que estava no outro sofá, não emitiu nenhuma palavra até o fim da noite.
Elisa disse que adorou os meus desenhos e que eu tinha um futuro excelente pela frente; não é difícil de adivinhar que eu fiquei com um sorriso de orelha a orelha. Eu me sentia orgulhosa e feliz. Alegre. Nas nuvens. Não é sempre que uma estilista renomada diz que os seus desenhos são maravilhosos. Eu mal conseguia respirar. Era surreal demais.
- Querida, acho que já está na hora. – o senhor adentrou a sala, sendo seguido pelo meu pai.
- Oh, claro. – Elisa se levantou. – Boa noite a vocês, queridas. E obrigada pelo maravilhoso jantar. – minha mãe e eu demos um abraço de despedida nela e em Rebeca. – E , qualquer dia desses apareça na minha empresa. – piscou para mim e eu meu sorriso voltou, maior desta vez.
Minha mãe guiou a família até a porta e se despediu mais uma vez da senhora .
- Acho que eu vou dormir. – eu disse, me espreguiçando.
- Boa noite, filha. – minha mãe me deu um beijo na bochecha.
- Boa noite, bebê. – meu pai me deu um abraço e um beijo na testa.
Acenei uma última e subi as escadas, indo em seguida para o meu quarto. Tomei um banho rápido e vesti o meu pijama – um short curto e uma blusa larga com o rosto do Mickey na frente. Joguei-me sobre a cama e fechei os olhos, apreciando a maravilhosa sensação da cama sob mim. Sem minha permissão, meus pensamentos voaram para um assunto proibido: . Como ele tinha audácia de se aproximar de mim assim, depois de tudo que ele me fez? E pior: ele sequer lembrava! Infelizmente, para ele, eu me lembrava. E muito. Eu me lembrava de todas as noites em que eu chorei por causa dele; me lembrava de todo o sofrimento e de toda a dor que se apossou de mim por meses. Eu me recordava de todas as sensações e sentimentos que ele despertara em mim na viajem a Berlim. Demorei a perceber, mas eu me apaixonei por ele desde o primeiro minuto. Mas, depois da grande mentira que ele espalhara, o sentimento se dissipara. Ou não? Eu admito: quando ele me olhou hoje, alguma coisa queimou dentro de mim. Seus olhos estavam mais atrativos e intensos do que eu me lembrava. Seu corpo mais másculo e volumoso. Seus cabelos mais compridos, em um topete. Sua voz, antes fina, agora estava grossa. Ele era um homem, não mais a criança de dois anos atrás. Abri os olhos e me puni mentalmente por estar tendo aqueles pensamentos.
Suspirei angustiada; eu odiava pensar naquilo. Os sentimentos que causara em mim – tanto como amor tanto quanto dor – foram fortes demais. Eu tentei esquecê-lo com outro relacionamento, mas infelizmente não funcionou. Minha relação com foi superficial. Ele não me amava e isso era recíproco. As pessoas nos rotulavam como namorados, mas nós não chegamos perto disso. O que nos mantinha juntos era o sexo; nada mais. Ele ficava comigo porque eu era gostosa e vice-versa. Era apenas isso que sustentava o que nós chamávamos de relacionamento. Nunca rolou nada mais que desejo entre nós e nunca rolaria. E foi por isso que eu decidi terminar. Se fosse para não passarmos de companheiros sexuais, não precisávamos estar namorando. Se sentíssemos vontade, poderíamos ligar um para o outro e fim. Sexo, porém sem compromisso. E foi isso o que eu lhe dissera quando acabei com tudo, mas, com o ego que tem, ele não aceitou. E, agora, vivia me perseguindo. Ele achava que conseguiria mudar minha opinião sobre o nosso fim. Coitado.
Dei um grito quando o meu celular começou a tocar. Pus a mão sobre o peito e inspirei fundo. Passei o olhar pelo meu quarto e concluí que o meu celular estava na minha cômoda, do outro lado do quarto. Bufei e me levantei, rastejando-me até a cômoda. Nota mental: trocar o toque do meu celular. Peguei o aparelho e olhei o nome marcado no visor: . Deslizei o dedo sobre a tela.
- Boa noite, baby. – falei, jogando-me novamente na cama.
- Boa noite, Gray. – sua voz estava animada.
- O que houve? – perguntei, interessada.
- Hoje de tarde, eu fui à sorveteria perto daqui de casa. Aí, você sabe, pedi o de limão, como cost...
- , ao ponto! – grunhi, curiosa.
- Tudo bem, tudo bem! – ele gritou. – A sorveteria estava cheia, então eu perguntei para um cara se eu podia me sentar com ele. – fez uma pausa. – Ele disse que sim e sorriu. Começamos a conversar e eu descobri que ele é solteiro e mora no apartamento de cima! – gritou.
- Ai meu Deus! Ele é bonito?
- Lindo! Tem um corpo musculoso, olhos de um tom cinza e cabelos louros. Sua voz era rouca, perfeita. – suspirou.
- Conta mais, conta mais, tipo, ele tem um carro? – perguntei.
- Não sei, ele estava a pé. – fiz bico. – Mas acho que sim, porque na vaga do apartamento 405 tem um Porsche Cayman. – suspirou novamente. – Acho que é ele, amiga. – soltou um gritinho.
- Antes de qualquer coisa, eu tenho que conhecê-lo. Ninguém encosta no meu sem meu consentimento.
- Sim, senhora. – rimos. – Gray, hora de desligar. Minha mãe está me enchendo o saco aqui. – bufou. – Boa noite, Brownie.
- Boa noite, Cookie. E amanhã você vai me contar mais sobre o seu boy magia.
- Pode deixar.
Ele desligou e eu joguei o celular na cama, ao meu lado. Fechei os olhos e me virei de lado, em posição fetal. Gradualmente, eu fui perdendo a consciência, até que bons sonhos me atingiram. Ótimos sonhos.
Baltimore – Estados Unidos – Terça, 1 de outubro de 2013.
- Conte tudo, agora. – joguei minha mochila sobre minha cadeira, que ficava ao lado de . Ele não conseguiu esconder o sorriso.
- O que você quer saber?
- Qual o nome dele, pra começar. Você não me disse. – ergui uma sobrancelha.
- Peter. – suspirou. – Ele tem vinte anos e cursa faculdade de Arquitetura.
- Vinte? – assentiu. – Tá podendo, viado. – fizemos um high five. – Mas me diz uma coisa: ele também é... gay? – mordi o lábio inferior.
- Não tenho certeza, mas, quando ele falou sobre a vida dele, citou um ex-namorado.
- Hmmm. – sorri marota. – Vocês já marcaram de sair?
- Não ainda. Ele me pediu o meu telefone e eu lhe dei. Mas ele me disse que essa semana estaria bastante ocupado, sabe, trabalhos da faculdade.
- Só espero que ele não te enrole, senão eu quebro aquele Porsche.
- Ele não vai, fique calma.
Logo o professor de História entrou na sala e todas as conversas paralelas acabaram – mesmo sem dizer nenhuma palavra, ele metia medo. Ninguém aceitava desafiar o seu olhar de predador e sua careca amedrontadora. Eu achava que ele e a senhora Hennings formariam um belo casal.
Sua voz grossa pediu para que abríssemos o livro e começássemos a ler o capítulo sete. Sem negar, a turma abriu prontamente os livros. O professor sorriu, contente por ter sido obedecido, e pegou um de seus livros de filosofia (?).
- Mais uma aula no paraíso. – ironizou .
**
Eu estava há algumas horas deitada no meu quarto, descansando do almoço. Eu encarava o teto branco, perdida em pensamentos, quando o meu celular tocou, abaixo de mim. Me inclinei para pegá-lo e o atendi, sem sequer ver o nome.
- Alô? – atendi, sem ânimo.
- ! – a voz fina de logo se fez presente. – Preciso que você venha na minha casa. Agora!
- O que houve?
- Só vem. A porta da sala vai estar aberta, não precisa bater. – e desligou.
- Viado. – resmunguei.
Me levantei e troque de roupa, colocando uma calça skinny – a mesma da noite anterior -, uma regata branca com algum desenho e o meu All Star branco; peguei o meu celular e as chaves do carro e desci as escadas de dois em dois degraus.
- Mãe, vou na casa do ! – gritei, já abrindo a porta.
- Divirta-se. – gritou da cozinha.
Entrei na minha BMW prata e em poucos minutos já estava na frente do apartamento de . Minha entrada foi permitida – o porteiro já me conhecia – e eu entrei, estacionando na vaga de visitante do apartamento 305. Antes de sair do carro, olhei para o lado e vi o Porsche que mencionara. Apenas uma palavra: uau! Assobiei e saí do carro, travando-o em seguida. Segui para dentro do prédio e chamei o elevador. Longos cinco minutos depois, o elevador chegou ao térreo. As portas se abriram e um deus grego – isso ainda é um elogio – saiu dali. Ele sorriu, amostrando suas duas covinhas. Sorri de volta.
- Boa tarde. – falou.
- Boa tarde. – respondi, o olhando de cima a baixo.
- Hum, licença.
- Ah, desculpa...?
- Peter. – estendeu a mão. – E você é...?
- . – apertei sua mão. – Então você é o cara do apartamento 405?
- Você é minha vizinha? – franziu o cenho.
- Não, meu amigo que é. Ele é do 305.
- ? – posso jurar que os olhos dele brilharam.
- Sim. Ele é o meu melhor amigo. – sorri.
- Hum. Até outro dia, . – acenou e saiu.
O vi descer as escadas e andar até o estacionamento. Depois de sacar a chave do seu bolso, ele destravou o seu carro. O Porsche Cayman. Sorri e entrei no elevador, que ainda me aguardava. Apertei o botão do terceiro andar e logo estava adentrando a casa de . Fechei a porta e fui para o seu quarto, onde ele estava deitado na cama, quase dormindo.
- Acorda, viado! – pulei em cima dele; o mesmo abriu os olhos, assustado, e deu um pulo, me jogando no chão. – Ai, doeu. – esfreguei a mão na bunda.
- Desculpa, Gray. – riu. – Não faz mais isso; quase morri de susto. – voltou a se deitar.
- Esqueci que você é flor delicada. – ironizei. – Você não acha que está na hora de mudar a sua decoração? – perguntei, andando pelo quarto.
- O que tem de errado com ela?
- É meio infantil, não acha. – encarei um dos ursos de pelúcia, em cima da estante.
- Não, eu gosto. – deu de ombros. – Não meche no meu guarda-roupa!
- Tarde demais. – abri as duas portas de madeira. – Você ainda tem isso? – perguntei, perplexa.
- Tenho. Quem sabe não uso algum dia? – sorriu maroto.
- Essa fantasia é broxante, . Compre outra. – peguei o chicote, que completava a fantasia de Indiana Jones.
- Eu gosto. – se defendeu.
- Por isso que não pega homem. Tem um gosto de um velho dos anos sessenta. – estalei o chicote no ar. – Mas o chicote é legal. Posso ficar com ele?
- Não, ele é meu. – tirou da minha mão e o guardou no guarda-roupa.
- Chato. – dei-lhe língua e me joguei na cama. – O que você tinha de tão urgente para me falar?
- O Peter me chamou pra sair. – ele se jogou em cima de mim.
- Ai que tudooooo! Se ele não fosse gay, eu investiria. Que homem gato, meu Deus!
- Você o viu?
- Quando eu estava entrando no elevador, ele saiu. Olha... escolheu bem.
- Quem que tem mal gosto agora, hein? – me cutucou com o dedo.
- Nesse caso você escolheu bem. – ergui o queixo.
- Orgulhosa. – revirou os olhos. – E você? Como vai a sua vida amorosa?
- Complicada.
- Desenrola tudo, querida.
- Ontem, a família foi jantar lá em casa.
- E o idiota foi?
- Sim. – mordi o lábio inferior. – E, tipo... ele ficou me cantando quase a noite toda.
- Não vai me dizer que você deu mole, !
- Não, não mesmo! Eu dei um chega pra lá nele. Ele me perguntou por que eu havia mudado com ele. – suspirei. – Você acredita nisso?! Ele me perguntou por que EU mudei; por que EU me afastei.
- Filho da puta sem vergonha! – rosnou ; sua voz fina subiu duas oitavas. – Como ele não se lembra disso?! Foi ele mesmo que espalhou essa mentira para a escola toda. – seu rosto ficou vermelho.
- Nem me lembre dessa história. – enterrei meu rosto em minhas mãos. – Só de lembrar que tudo o que nós passamos foi em vão. – solucei.
- Ele não se importou quando espalhou para a escola toda que vocês haviam transado. – cruzou os braços. – Esquece esse moleque, ! Ele não merece nenhum segundo do seu sofrimento.
- É difícil, . – solucei novamente. – Ele foi o primeiro garoto por quem me apaixonei e disse “eu te amo”; e o último também. – passei a mão pelo meu rosto, me livrando das lágrimas.
- Sabe do que você precisa?
- Do quê?
- Dos 3 B’s.
- E quais são?
- Balada, Bebida e Bofe. – rimos.
- Nós somos menores de idade, .
- É para isso que temos nossas identidades falsas. – gritou.
- Guarde a sua empolgação, bebê. – o abracei. – Eu não ‘tô com vontade de ir à balada. Só quero ficar aqui, com você. – ele passou os braços ao meu redor.
- Que tal chamarmos a Hanna e fazermos uma maratona de séries?
- Se ela não estiver ocupada com aquele ogro. – dei de ombros.
- Vou ligar pra ela. Já volto. – saiu do quarto e logo voltou, com uma cara de poucos amigos. – É, ela está com o boy dela. – se jogou do meu lado. – Mas quem precisa de Hanna quando se tem ? – me abraçou.
- É por isso que te amo.
Baltimore – Estados Unidos – Quarta, 2 de outubro de 2013.
- Queridos alunos do meu coração – a professora Ellen nos chamou a atenção, com sua típica animação matinal -, eu já determinei todos os papéis e as tarefas que cada um irá fazer. Quanto ao papel principal, devo admitir: foi de difícil escolha. – me olhou e eu sorri. Os alunos que eu chamar, por favor, subam ao palco. – limpou a garganta.
Ela disse vários nomes de pessoas que eu realmente não me importava. A cada pessoa chamada, o meu desespero aumentava e mais unha eu ruía.
- ... personagem principal masculino: . – a turma o aplaudiu. – Como substituto do personagem principal masculino: John Marshall. – a turma também o aplaudiu e ele subiu ao palco. – Como personagem principal feminino: . – minha boca se escancarou; eu havia ganhado da Hillary? Sem forças nas minhas pernas, me rastejei até o palco, ainda sem acreditar. – E como substituta do personagem principal feminino: Hillary Hilton. - a garota subiu ao palco, enfurecida, lançando a mim um olhar mortal. Se sua visão fosse a laser, ela teria me fatiado em pedaços. – Os ensaios serão as quartas e sextas, nos horários de aula. Nas segundas, nós nos juntaremos para organizar o cenário. Teremos quatro meses para deixar tudo nos trilhos. Pode parecer pouco tempo, mas eu sei que com determinação ficará tudo maravilhoso. – às vezes o seu otimismo me dava raiva. – Como hoje já perdemos uma boa parte do tempo, começaremos então a arrumar detalhes do cenário.
Ela desandou a explicar como seria a peça e, obrigatoriamente, o cenário. O musical seria passado em um parque de diversões; o casal principal – que seria interpretado por e eu, uma coisa que eu não gostei – estaria brigado. Eles estariam passeando, cada um com seus amigos, quando eles se encontram. Ela, então, vai se lembrar de todos os momentos maravilhosos que passaram juntos e vai começar a cantar. Bom, o restante só depois.
Alguns alunos foram à sala ao lado, para pegar alguns objetos que pudéssemos usar, e logo voltaram, carregando papelão, madeira, cartolinas e uma caixa cheia de ferramentas.
- Mãos à obra! – a professora Ellen gritou. Ela dava ordens a todos, dizendo o que deveriam fazer o como.
Eu estava encarregada a cortar corações de papel que, no futuro, serviriam de molde para cortar as peças de madeira. e Hillary – uma ótima dupla, diga-se de passagem – estavam sentados com cara de paisagem. O primeiro, lia uma revista de mangá, a segunda, mexia no celular, enquanto sua cabeça estava apoiada no ombro de . Emputecida, peguei a revista da mão de e a joguei na cadeira ao lado; fiz o mesmo com o celular da Hillary.
- Qual o seu problema? – perguntou-me .
- Eu não se você sabe, mas o que vale ponto é a participação em grupo. E, infelizmente, vocês dois são no meu grupo. Então sugiro que levantem a bunda da cadeira e façam alguma coisa, porque eu não vou perder ponto por causa de vocês. – apontei um dedo na sua cara.
- E o que devemos fazer, madame?
- Pegue uma tesoura e me ajude a cortar as porras desses corações. E você – apontei para a loira –, o ajude; duvido que você tenha capacidade de fazer algo sozinha. – dei as costas para eles e continuei o meu trabalho, um pouco mais leve.
e a coisa se levantaram e fizeram o que eu mandara; como previsto, a idiota mal conseguia cortar os corações direito, sempre deixando um lado menor que o outro. Apenas respirei fundo e me concentrei no meu dever; não ia elevar a minha pressão porque a porra daquela garota era um energúmeno que não sabia cortar corações de papel. Com tudo pronto, a professora nos liberou. Peguei as minhas coisas e saí correndo do auditório. Andava rapidamente pelos corredores, em direção ao prédio do primário. Perto do portão, um casal se beijava – um modo gentil de se dizer, porque eles estavam quase transando ali. A garota gemia e, em um determinado momento, ela gemeu o nome do garoto. Arregalei os olhos e levei a mão à boca.
- Miller! – gritei.
O casal rapidamente se separou e o garoto me encarou atônito. Seu rosto estava vermelho e seus lábios inchados. A garota, ao perceber que o clima ali ficara tenso, ajeitou a sua roupa e saiu dali, me encarando com medo. Eu não desgrudei os olhos de Travis por um segundo. Como eu queria socá-lo.
- , eu... Isso não é... – gaguejou.
- Isso não é o que eu estou pensando? – completei sua frase. – COMO ISSO NÃO É O QUE EU ESTOU PENSANDO?! – ele se assustou. – Eu já não gostava de você, agora, eu te odeio mortalmente. Como você teve coragem de fazer isso com a minha amiga, seu cafajeste?
- Eu...
- CALA A BOCA! – explodi. – Eu vou contar pra ela, Miller. Eu vou acabar com o seu reinado.
- Não faz isso, por favor. – se aproximou de mim. – Eu amo a Hanna.
- Consegui ver o seu amor enquanto você estava enroscado com aquela garota. – passei as mãos pelo rosto. – A Hanna não merecia isso, Travis. Ela é uma garota incrível, você deveria saber disso. Ela vai ficar arrasada quando souber. – balancei a cabeça.
- Você não precisa contar.
- Não preciso? – cerrei meus punhos. Os nós de minhas mãos ficaram brancos com tal ato. – Suma vida da minha amiga. Não a procure, não mande mensagem, não respire na direção dela. Sequer tente enrolá-la. Ela já gastou tempo demais com você. – comecei a andar, mas ele me puxou. Fui de encontro ao seu corpo.
- Não ouse contar o que você viu.
- Ou o quê? – cerrei os olhos.
- Você não vai querer saber. – aproximou seu rosto do meu.
- Me solta, seu verme. – me debati, o que foi em vão. Ele era quase o dobro de mim.
- Prometa que não vai contar nada. – me prensou na parede.
- Eu não vou prometer porra nenhuma. Me solta. – tentei o empurrar para longe. – ME SOLTA, PORRA! EU NÃO VOU PROMETER NADA!
- Eu vou fazer da sua vida um inferno. – me ameaçou; cuspi em seu rosto.
Sua feição ficou amedrontadora e eu tremi; ele me segurou pelo pescoço e me erguei na parede.
- Me... solta. – pedi, com um fio de voz. Ele sorriu de lado e levou o braço para trás. Fechei os olhos.
- Solta ela! – senti a mão de Miller me abandonar e caí no chão. Tossi desesperadamente, sem ar.
Olhei para o chão e estava por cima de Travis, o enchendo de pancada. Miller tentava se esquivar, mas o acertava sem dó, repetidas vezes. O supercílio de Miller abriu e um filete de sangue saiu dali. Já recuperada, me levantei e segurei o braço de , que já estava pronto depositar outro soco no rosto de seu oponente.
- , para. – pedi, calma.
- Me solta, . – rosnou, ainda encarando Travis.
- Ele já apanhou demais. – o puxei de cima do corpo arrebentado de Travis. – Você está bem? – o virei para mim.
- Sim. – respondeu, arfando. Seu peito subia e descia de modo descontrolado.
- E você, está bem? – segurou meu rosto com suas mãos. Assenti. – Pode me explicar o que aconteceu aqui?
- Nada demais. – tirei suas mãos de meu rosto. – E você – apontei para Travis, que estava sentado no chão -, não chegue mais perto da Hanna. E obrigada, .
Peguei a minha mochila, que havia caído no chão, e entrei no prédio do primário. Meu pescoço doía e eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, ali ficaria roxo. Ajeitei o cabelo com minhas mãos e cheguei à sala, onde Leo me esperava. Ele saiu correndo da sala e pulou no meu colo; o girei no ar e o devolvi para o chão.
- Olha o meu desenho. – estendeu um papel para mim.
- Um sapo? – soltei uma risada.
- Sim, e ele é mágico. – gritou a última parte.
- Ficou ótimo, amor! – o beijei na bochecha. – Vamos? – assentiu e me deu a mão.
Andamos calmamente pelos corredores – decidi usar outro caminho – e logo estávamos no estacionamento. Leonard comentava sem parar sobre o seu dia, sempre usando gestos. Nas partes mais emocionantes, ele gritava. Eu apenas sorria e escutava tudo atenta. Destravei o carro e o coloquei na cadeirinha. Antes que eu conseguisse entrar no carro, alguém pegou em eu braço.
- Que susto, . – pus a mão no peito.
- Desculpa. – sorriu, culpado. – Você está melhor?
- Já disse que estou bem.
- Eu fiquei desesperado quando eu o vi te segurando daquele jeito. – tocou no meu braço, mas eu o puxei. – Qual o seu problema comigo, hein?
- Não é só porque você “salvou a minha vida” que eu vou esquecer o que você fez. – cruzei os braços.
- E o que eu fiz. Sério, me diz. Eu estou perdido. – suplicou.
- Você é um idiota, . – ele agarrou o meu rosto com suas mãos. E que mãos...
- O. Que. Eu. Fiz? – me olhou nos olhos. Engoli toda a vontade de socá-lo e o respondi, com a voz áspera e fria.
- Espalhou para a escola toda que eu transei com você, nas férias do ano retrasado. Agora me solta. – ele não me obedeceu, óbvio.
- Eu nunca fiz isso. – franziu o cenho.
- Ah, claro, foi o papai Noel.
- Eu estou falando sério, . Eu nunca falei isso de você.
- , eu quelo ir pra casa. – Leo apareceu na janela do carro. – ! – acenou.
- Fala, garotão. – fizeram um aperto de mão.
- Eu preciso ir, . – tirei a sua outra mão do meu rosto.
- Hoje eu vou à sua casa e nós vamos resolver essa história. – me olhou, sério.
- Nós não temos nada para resolver. – teimei.
- Sim, temos. – beijou a minha testa. – Até mais tarde, . – piscou para o meu irmão e saiu, indo para o seu carro.
Entrei no meu carro e Ateio cinto. Suspirei fundo e apertei o volante do carro. Eu ainda conseguia sentir o seu beijo ardendo na minha testa.
- Glace ‘tá namorando. ‘Tá namorando com o . Na na na.
- Não estou, não.
- Tá sim. – voltou a repetir a sua música infame. Liguei o carro e dei marcha ré, deixando o estacionamento da escola. – Eu gosto do . Ele é legal.
- Por que você gosta dele?
- Ele joga vídeo game comigo. – ri.
- Só por isso?
- Não. Ele te faz feliz. Por isso eu gosto dele. – o olhei pelo espelho e ergui uma sobrancelha.
- Como você pode afirmar isso?
- Não sei. Mas sei que ele te faz. E você também o faz feliz.
Me calei. Ele tinha mesmo cinco anos, produção? Voltei a minha atenção para a estrada e fiquei pensando sobre o que havia falado. me fazia feliz? Eu nunca havia parado para me fazer essa pergunta. Na viagem a Berlim, os momentos em que passei ao seu lado foram maravilhosos – mesmo que eu tenha demorado bastante para admitir. E agora, ele me fazia feliz? Eu fiquei aliviada quando ele me salvou do Brutus; uma pequena chama se acendeu no meu coração quando eu o vi. Ele estava ali por mim, para me salvar. Príncipes encantados não andam a cavalo, afinal. Sorri ao imaginar que era o meu príncipe. Pelo espelho percebi que Leo me encarava, com um sorriso de lado. Envergonhada, voltei a prestar atenção na estrada.
Em pouco tempo, chegamos a nossa casa. Cumprimentamos nossa mãe com beijos na bochecha e ela levou Leo para se trocar. Subi para o meu quarto e joguei a mochila sobre a cama. Tomei um banho rápido e me vesti – legging preta e uma regata cavada, também preta, com a estampa de Jack Daniel’s. Prendi o cabelo num coque e fui para a cozinha. Marie e Leo já estavam almoçando e eu me juntei a eles. Enchi o prato e levei uma garfada à boca, gemendo de aprovação – a lasanha da minha mãe era a melhor.
- Come direito, . – repreendeu minha mãe. De pirraça, levei mais uma garfada à boca e mastiguei de boca cheia. – Com quem você aprende essas coisas? – rolou os olhos. Leo e eu rimos.
- Mamãe, a Glace ‘tá namorando! – cuspi no prato e tossi.
- ! – minha mãe me olhou com nojo. – E como assim você está namorando?
- Eu não est...
- Ela namora o , mamãe. – Leonard me interrompeu.
- O ? – minha mãe sorriu.
- Nós não namoramos, mãe. – encarei o meu irmão.
- Namoram sim.
- Não mesmo.
- Sim, sim. Eles se gostam, mamãe.
- Fica quieto, Leo. – rosnei; ele apenas cruzou os braços. Abusado.
- Vocês estão ou não namorando, filha?
- Não estamos, mãe.
- Uma pena. – fez bico.
- Mãe!
- O que foi? Eu gosto do , querida. E gostaria mais ainda de vê-los juntos novamente.
- Ele vai vir aqui mais tarde. – resmunguei; Leo bateu palmas.
- Fazer o quê? – erguei uma sobrancelha.
- Nós precisamos conversar sobre algumas coisas. – pus mais um pedaço de lasanha na boca.
- Tomara que vocês se resolvam. – encarei a minha mãe, que carregava um grande sorriso no rosto.
O restante do almoço foi quieto. Ajudei a minha mãe a tirar a mesa e subi para o meu quarto. Arrumei a minha cama e me deitei sobre ela. Afundei o meu rosto sobre o travesseiro e respirei fundo. Sensação maravilhosa.
- Glace? – uma voz fina me chamou.
- Oi. – resmunguei.
- Você ‘tá brava comigo? – senti a cama afundar. Abri os olhos e encarei o meu irmão. Sua feição era de dar pena.
- Por que eu estaria com raiva de você, amor? – o puxei para um abraço; ele deitou no meu colo.
- Porque eu contei pra mamãe que você e o namoram.
- Nós não namoramos, Leo. – ele começou a rir. – Você faz essas coisas pra me irritar, né?
- Sim. – riu mais ainda.
- Te dou três segundos. – quando ele entendeu, saiu correndo e gritando do meu quarto.
- Eu vou te pegar. – gritei e corri atrás dele. Desci as escadas de dois em dois e o persegui pela casa. Ele tentou me despistar na cozinha, mas não conseguiu. Ele gritava pela nossa mãe, vermelho e ofegante. O alcancei e o ergui do chão, girando-o no ar. Ele gritava mais ainda e eu ria pela sua cara de frustração.
- . – minha mãe me chamou e eu ergui o olhar para ela. estava ao seu lado, mordendo o lábio inferior.
- ! – Leo se soltou de mim e correu até ele.
- Bate aqui, camarada.
- Oi. – falei, ajeitando o cabelo. Que vergonha!
- Oi. – ele sorriu para mim.
- Er... vamos conversar no meu quarto. – assentiu.
- Querida, eu vou ir à casa da Megan e vou levar o Leo para brincar com o Pedrinho. – Leonard bateu palmas. – Vou trancar a porta e, se precisa, estou com o celular. Cuidem-se. – sorriu para .
- Vamos? – questionou , depois que minha mãe saiu.
- Vamos.
Subimos as escadas, em silêncio, e entramos no meu quarto. Me sentei na cama e esperei até começasse a falar.
- Não tenho o dia todo. – falei.
- Ok. Vamos lá. – passou as mãos pelo rosto. – Hoje, no estacionamento, você disse que eu tinha espalhado para a escola toda que nós tínhamos... transado.
- Não precisa me lembrar disso.
- , eu nunca falei isso. – se aproximou de mim. – Eu juro por Deus que nunca espalhei essa mentira na escola. Eu... – parou de falar.
- Se não foi você, quem foi então? – cruzei os braços.
- Não sei. Não consigo imaginar quem poderia ter feito isso. – se sentou do meu lado e enterrou o rosto nas mãos.
- Quem sabia de nós?
- Não entendi.
- Quem sabia que ficamos juntos nas férias? – o encarei, com o maxilar travado.
- Os meus pais, o e a Hillary. Apenas. – soltei uma risada desgostosa. – Não acho que eles contariam isso.
- Sabe como eu descobri essa mentira? – negou. – Eu estava no banheiro, na cabine. A sua amiguinha entrou com uma garota no banheiro e começaram a conversar. A amiga de Hillary perguntou: “É verdade que eles ficaram no verão?”; sua amiga respondeu: “Sim, o já contou para o time de basquete todo que eles transaram no carro do pai dele”. – ele ficou em silêncio por muito tempo.
- Eu não acredito que ela fez isso! – ele gritou, se levantando. – Como ela pôde? Eu confiei nela – me olhou. Seus olhos estavam vermelhos.
- Ela é uma puta. Não estou surpresa. – me levantei e parei na frente dele. – Então não foi você mesmo? – uma parte de mim já estava completamente convencida dos fatos, mas a outra, bem pequena, ainda teimava em aceitar, me relembrando de tudo o que eu passei.
- Não, não fui eu. – tocou o meu rosto com suas mãos. – Eu nunca faria nada de mal a você, Gray. – nossos narizes se tocaram.
- Jura? – meu coração acelerou.
- Juro. – colou seus lábios aos meus.
Um choque elétrico percorreu todo o meu corpo. Instantaneamente, meus olhos se fecharam e o segurei pela cintura. me puxou para mais perto dele, apertando a minha cintura. Uma de suas mãos estava agarrada aos meus cabelos e, a outra, percorria toda a lateral do meu corpo, indecisa de onde ficar. Nossas línguas se movimentavam de um modo calmo, apaixonado. Eu não conseguia acreditar que estava beijando de novo, depois de tantos anos. Nosso beijo estava carregado de emoções: amor, saudade, carinho, desejo... apertou ainda mais a minha cintura e eu arfei. Ele colocou as suas mãos sob as minhas coxas e eu me impulsionei para cima; minhas pernas se enroscaram ao redor dele. Separei nossos lábios e avancei para o seu pescoço, alternando entre mordidas e pequenos beijos. Ele gemeu e eu sorri.
deu dois passos e nós caímos sobre a cama; ele por cima de mim. Ele se encaixou entre minhas pernas e subiu um pouco a minha blusa.
- Você não sabe como esse seu sutiã vermelho me atiçou. Estou bolando jeitos de tirá-lo desde que entrei aqui. – sussurrou, com a voz rouca, no meu ouvido. O incômodo entre as minhas pernas aumentou.
- O que você acha de colocá-los em prática? – ele arfou.
Minha blusa foi jogada em algum canto do quarto e eu o beijei novamente. Também retirei sua blusa e arranhei toda a extensão de suas costas.
- Minha nossa, como eu posso resistir a você? – ele começou a distribuir beijos pela minha barriga.
- Não resista, baby. – ele deu uma mordida e eu gemi alto. - Beije-me como se fosse questão de vida ou morte, e me leve para o outro lado.
Baltimore – Estados Unidos – Sábado, 21 de dezembro de 2013.
- Bom dia, amor. – despertei com uma voz serena atrás de mim. Abri os olhos lentamente; minhas pálpebras pesavam demais. Senti um peso sobre mim e olhei para baixo, onde um braço, com algumas tatuagens, estava repousado. Sorri.
- Bom dia, . – me virei para ele. Ele sorria de orelha a orelha. – O que você tá fazendo aqui tão cedo? – escondi o rosto em seu peito e ele me abraçou.
- Já são duas da tarde, Gray. – ele riu da minha cara de espanto.
- Como me deixaram dormir tanto? – me levantei, rápido.
- Sua mãe achou que você devia estar muito cansada de ontem, então te deixou dormir. – se levantou também e me abraçou por trás. – A festa foi boa? – descansou seu queixo no meu ombro.
- Teria sido melhor com você lá. – fiz bico.
- Era a final da competição, amor. Nós treinamos bastante para aquele jogo. – beijou a minha nuca, me causando arrepios.
- Eu sei. – cobri as suas mãos com as minhas. – E como foi o jogo? – me virei para ele, mordendo o lábio inferior.
- Nós ganhamos! – ele sorriu.
- Sabia que vocês iam ganhar! – o abracei com força, nos derrubando de volta na cama. – Eu. – dei um beijo no seu queixo – Sabia. – um beijo no seu nariz. – Que vocês iam ganhar. – beijei seus lábios.
- Acho que posso me acostumar com essas comemorações. – prendeu o lábio inferior entre os dentes; mordi seu lábio, puxando-o. – Você não sabe com fica sexy assim.
- Eu fico sexy de todos os jeitos.
- Convencido. – revirei os olhos e tentei me levantar, mas ele inverteu as posições, ficando sobre mim.
- Apenas realista. - me beijou novamente. - Gray, eu tenho um presente para você.
- , eu disse que não queria presentes.
- Shh. Foi seu aniversário e eu preciso te recompensar pela minha ausência.
- Baby, você deve estar cansado do jogo de ontem. Não precisa se cansar por minha causa. E, além do mais, deve estar congelando lá fora.
- Você vai me cansar só depois. - piscou e eu ri. – É só colocar uma roupa bem quentinha.
- Você é ridículo, . – me levantei. – Aonde você vai me levar? – abri o meu guarda-roupa.
- É surpresa.
- Eu preciso saber o que vestir, .
- Uma roupa quente e simples, apenas.
Rolei os olhos por sua grande ajuda e peguei a minha roupa.
- Vou tomar banho. – anunciei.
- Posso tomar banho com você? – fez bico e piscou os olhos.
- Deixa de ser tarado, . – entrei no banheiro e tranquei a porta, por precaução.
Tomei um banho rápido e depois me vesti. Coloquei, pelo menos, umas cinco camadas de blusa. Penteei os cabelos e escovei os dentes. Fiz uma maquiagem simples e saí do banheiro. Coloquei uma touca e um cachecol. Pus minhas luvas e calcei minhas botas.
- Estou pronta.
- Amém. Estava quase dormindo aqui. – se levantou, reclamando.
- Nem é exagerado, né? – dei-lhe um selinho. – Você vai sair assim?
- O que tem a minha roupa?
- Estão quase sete graus lá fora. – ralhei.
- Meu casaco está na sala, .
- Tudo bem, então. Vamos.
Descemos as escadas de mãos dadas; eu tentava a todo custo tirar alguma informação de , mas ele não falava nada. Bufei e cruzei os braços.
- Boa tarde. – eu disse para a minha família. – Mãe, vou sair com o . – dei um beijo em sua bochecha. – Tchau, pai. – dei um beijo na testa de Richard. – Tchau, bebê. – dei uma mordida na bochecha de Leo. – Por que você está emburrado, hein? – fiz cócegas nele.
- O não me deixou ir com vocês. – fez bico.
- Garotão, prometo que na próxima você vai, tá? – meu irmão concordou, ainda cabisbaixo.
- Tchau, família. – vestiu o casaco e nós saímos de minha casa, entrando no seu carro em seguida.
- Antes de irmos, preciso colocar etanol no carro. Está acabando. – concordei e Ateio cinto.
Depois de pararmos no posto e do carro estar totalmente cheio, partimos para o lugar misterioso.
- , me conta, vai. – falei, manhosa.
- Com você pedindo desse jeitinho... – sorri. – Não. – fechei a cara. Cruzei os braços e afundei no banco. – . – o ignorei. – Fala sério, Gray. Você está parecendo uma criança de quatro anos. – fingi estar observando a paisagem. – Tudo bem, então.
Até o local místico de , a viagem foi em silêncio. Eu sabia que estava com raiva a toa, mas eu não me entregaria. Maldito orgulho. E maldita TPM.
- Chegamos. – olhei para frente e vi que estávamos no parque de patinação.
- Um parque de patinação, ? – grunhi.
- Sim. Você me disse que nunca havia ido a um, então... – soltamos nossos cintos e saímos do carro. De imediato, um vento frio cortou o meu rosto. Me encolhi e me abraçou. Andamos juntos até a entrada e entregou dois tickets ao segurança. Nossa entrada foi concedida e me guiou até a cantina. Ele erguia o pescoço, como se estivesse procurado alguém.
- O que foi? – perguntei.
- Eu estou procurando uma pessoa que... Ali. – ele sorriu e me puxou pela mão.
Na mesa, estavam sentados e Peter – eles haviam assumido namoro semana passada. Peter era um fofo e tratava o meu amigo muito bem. Eu gostei dele -, Hanna e – era um amigo de . Depois do seu término com Travis, a minha amiga ficou arrasada. Não saía, não comia... Até que conheceu , semana retrasada, numa festa. Eles ainda não estavam juntos. Ainda. também era um fofo; muito melhor que Travis “Brutus” Miller – e e Rebeca – o primeiro é melhor amigo de . Ele e irmã de assumiram namoro no mês passado. De início, não gostou, mas depois percebeu que não havia ninguém melhor que seu melhor amigo para namorar sua irmã. Acenei para todos e eles me receberam com um “Feliz Aniversário”.
- Meu aniversário foi ontem. Estão atrasados. – ri.
- Mal agradecida. – Hanna murmurou.
- Hanninha, querida, que fim você levou ontem? Depois de meia noite não te vi mais. – ela corou e tossiu. – Hum, safada. – ela corou mais ainda e todos riram, menos . – Não precisa ficar assim, querido. Eu gostei de você. – ele sorriu. – Você merece o melhor, amiga. – ela sibilou um “obrigado” mudo.
- Infelizmente, o melhor já está ocupado. Então você tem que ficar com ele mesmo. – se gabou.
- Como você é engraçado, . – ironizou. – Nós dois sabemos que, em quesito de tamanho, eu sou o maior. – sorriu, presunçoso.
- Vocês me dão nojo. – resmunguei.
- Vamos patinar, galera? – Peter perguntou.
- Eu não sei patinar. – grunhi.
- Então vai aprender. – Hanna pegou a minha mão e me puxou para a pista. Todos nos seguiram. e comentavam coisas como “Vai cair de primeira”, “Vai ralar a bunda toda”, e afins. Ridículos.
Calçamos os patins e, tremendo, entrei na pista. No meu primeiro contato com o gelo, eu quase caí. me segurou e me colou em pé.
- Eu não vou conseguir. – choraminguei.
- Vai sim. Você confia em mim. – assenti e ele sorriu. – Se apoie em mim. Não se solta. – ele me levou para o canto e, com a maior paciência do mundo, me explicou como andar naquele troço do demônio.
Depois de seis trombadas no chão e muita gozação dos meus amigos, eu aprendi a patinar.
- Eu consegui, . – o abracei. Ele me agarrou pela cintura e me girou no ar, enquanto nos beijávamos.
- Eu disse que você ia conseguir. – me beijou no pescoço.
- Agora você vem comigo. – Hanna me pegou pelo braço e me puxou para o centro. Começou a tocar uma música agitada e Hanna começou a dançar. Vencendo a vergonha, a imitei. Logo, os meninos se juntaram a nós e, na metade da música, todos que estavam na pista também. Nós ríamos sempre que alguém errava o passo. Alguns inovavam, inventando novos passos. A galera sempre gritava e assobiava. Quando a música acabou, tanto quem estava na pista quanto quem estava nas arquibancadas, aplaudiram. A multidão se dispersou e as pessoas voltaram aos seus grupos. Sorri para e ele me abraçou pela cintura.
- Se divertindo? – ele me perguntou.
- Muito. – dei-lhe um selinho. – Eu te amo, .
- Eu te amo muito mais, Trancozo.
**
Quando o parque estava quase fechando, nós nos despedimos dos nossos amigos. Andamos juntos até o estacionamento e depois cada um foi para o seu carro. e eu entramos no nosso e eu liguei o aquecedor. Atei o cinto e me abracei. Eu liguei o rádio e cantarolei, baixo, as músicas que nele tocavam. parou num sinal e se virou para mim. Ele pegou a minha mão, tirou a luva, e distribuiu beijos por toda a extensão dela. Entrelacei nossos dedos e ele sorriu.
- Você gostaria de dormir comigo esta noite? – perguntou, com a voz rouca de propósito.
- Acho melhor eu dormir em casa, baby. Não passei muito tempo com a minha família no meu aniversário.
- Por favor, Gray. – choramingou. Os carros atrás de nós buzinaram e voltou a atenção para a estrada. – Amor, dorme, vai? Prometo fazer essa noite ser inesquecível. – sorriu maroto.
- Não. Me deixe em casa, . – ele ergueu uma sobrancelha e assentiu. Depois de alguns minutos, percebi que aquele não era o caminho certo. – , a minha casa é para lá. – falei. – LIAM! – bati em seu ombro. – Eu ainda te mato, . – rosnei.
- No final da noite você me diz se não valeu a pena. – piscou o olho pra mim. Ri, perplexa, e afundei no banco.
Peguei o meu celular e liguei para a minha mãe, avisando que eu não dormiria em casa. Ela brigou, dizendo que eu quase não passara tempo com ela. Eu repliquei, dizendo que no dia seguinte eu passaria com ela. A fera se acalmou e ela desligou, mas antes disse sua tão usada frase “Use camisinha”. Alguns minutos depois, chegamos ao apartamento de . Pegamos o elevador e paramos no sexto andar. abriu a porta e eu entrei rapidamente, ligando em seguida o aquecedor. Retirei minha toca e o cachecol e os joguei sobre a mesa. Retirei também as minhas luvas e as minhas botas. Me joguei no sofá e se sentou ao meu lado. Ele começou a distribuir beijos pelo meu pescoço e, quando menos percebi, eu estava deitada no sofá, com sobre mim. Ele deu uma mordida no lóbulo de minha orelha e eu sussurrei meu nome.
- Implore, .
- Me faça sua, .
E ele não tardou a obedeceu o meu pedido.
Baltimore – Estados Unidos – Sábado, 14 de fevereiro de 2014.
- O cenário está pronto? – perguntou professora Ellen. Ela estava uma pilha de nervos desde uma semana atrás. – Onde estão os figurantes? – gritou.
- Estão se arrumando. – respondi.
- E o que você está fazendo aqui, garota?! – me pegou pelo braço e me guiou até o camarim.
- A senhora que me pediu para ajudar com o cenário. – me defendi.
- Agora estou pedindo para você se arrumar. O show começa em uma hora. – e saiu.
Bufei e entrei no camarim – que na verdade era só uma sala, onde colocaram algumas penteadeiras e araras.
- Vem logo. – uma maquiadora me chamou.
Corri para a cadeira e ele fez o seu trabalho direitinho. Logo a maquiadora se ocupou comigo e fez um penteado simples: prendeu a minha franja para trás com uma presilha de borboleta e fez babyliss nas pontas do meu cabelo. Em seguida, os estilistas me agarraram e puseram o meu vestuário: um vestido branco com laços lilases, jaqueta jeans – as mangas dobradas até o cotovelo – e um tênis, também branco. Saí do banheiro, pronta, e encontrei vestindo uma jaqueta de couro. Mordi o lábio inferior e andei até ele. percebeu minha presença e se virou para mim, sorrindo.
- Você está linda. – me beijou.
- Eu sou linda, é diferente.
- Convencida. – cantarolou.
- Realista. – corrigi.
- Todos para o palco! – professora Ellen entrou no camarim e gritou. Todos saíram correndo, para não irritá-la mais. Quando íamos nos beijar novamente, Hillary apareceu.
- Vamos. – gritou, passando no meio da gente. Revirei os olhos e dei a mão para .
- Está na hora do show. – ele sussurrou em meu ouvido.
- Vamos arrasar, baby.
**
- E aqui está a turma do terceiro ano com uma apresentação do Dia dos namorados! – a professora anunciou.
A cortina se abriu e os olhos que estavam no palco começaram a encenar – alguns apenas andavam, outros fingiam estar comprando pipoca e algodão doce. Entrei com alguns figurantes, um pouco cabisbaixa, e as amigas – na peça – me chamara para ir ma roda gigante. Ficamos na fila e, quando olhei para trás, vi com seus amigos. Rapidamente desviei o olhar, olhando para os meus pés. Não consegui controlar o pensamento de que ele estava muito lindo naquela jaqueta. Cruzei os braços e, no telão, apareceram vídeos de e eu – a professora pedira para gravarmos vídeos como casal; na peça, seriam os flashbacks da personagem com o ex-namorado.
Your love is bright as ever
(Seu amor é brilhante como sempre) Even in the shadows
(Até mesmo nas sombras) Baby kiss me
(Amor beije-me) Before they turn the lights out
(Antes que apaguem as luzes)
Cantei a primeira estrofe da música. Olhei para o telão e passava um vídeo de e eu abraçados na cama, fazendo palhaçadas um com outro; sorri.
Your heart is glowing
(Seu coração está brilhando ) And I'm crashing into you
(E estou me chocando em você) Baby kiss me
(Amor beije-me) Before they turn the lights out
(Antes que apaguem as luzes) Before they turn the lights out
(Antes que apaguem as luzes) Baby love me lights out
(Amor, me ame com as luzes apagadas)
Fiquei na frente do palco. Os figurinistas se formaram atrás de mim. Alguns casais estavam formados e eles dançavam juntos; ora se abraçando, ora rodando. Em algumas partes da dança, os meninos erguiam as meninas do chão.
In the darkest night hour
(Na hora mais escura da noite) I'll search through the crowd
(Eu procurarei no meio da multidão) Your face is all that I see
(Seu rosto é tudo que vejo) I'll give you everything
(Eu lhe darei tudo) Baby love me lights out
(Amor, me ame com as luzes apagadas) Baby love me lights out
(Amor, me ame com as luzes apagadas) You can turn my lights out
(Você pode apagar minhas luzes)
Saí da cena e fui para perto das barracas de cachorro-quente. Me sentei no banquinho ali e fiquei balançando as pernas, de cabeça baixa. começou a cantar:
We don't have forever
(Não temos a eternidade) Baby daylight's wasting
(Amor a luz do dia está se acabando) You better kiss me
(É melhor você me beijar) Before our time is run out
(Antes que nosso tempo se esgote)
Ele deu uma rodada, arrancando alguns gritos – femininos – da plateia. Ele piscou para elas e correu pelo palco, até chegar a mim. Ele tocou o meu rosto e eu fiz uma cara de surpresa ao constatar que era ele.
Nobody sees what we see
(Ninguém vê o que vemos) They're just hopelessly gazing
(Eles só contemplam em vão) Baby take me
(Amor leve-me) Before they turn the lights out
(Antes que apaguem as luzes) Before our time is run out
(Antes que apaguem as luzes) Baby love me lights out
(Amor, me ame com as luzes apagadas)
Sorrimos juntos. Cruzei as pernas em sua cintura e ele me rodou, levando-me para o centro do palco. Cantamos o refrão.
In the darkest night hour
(Na hora mais escura da noite) I'll search through the crowd
(Eu procurarei no meio da multidão) Your face is all that I see
(Seu rosto é tudo que vejo) I'll give you everything
(Eu lhe darei tudo) Baby love me lights out
(Amor, me ame com as luzes apagadas) Baby love me lights out
(Amor, me ame com as luzes apagadas) You can turn my lights out
(Você pode apagar minhas luzes)
Ele me abraçou e eu continuei:
I love it like XO
(Eu amo como "beijos e abraços") You love me like XO
(Você me ama como "beijos e abraços") You kill me boy XO
(Você me mata garoto, "beijos e abraços") You love me like XO
(Você me ama como "beijos e abraços")
Ele:
All that I see
(Tudo que vejo) Give me everything
(Dê-me tudo) Baby love me lights out
(Amor, me ame com as luzes apagadas) Baby love me lights out
(Amor, me ame com as luzes apagadas) You can turn my lights out
(Você pode apagar minhas luzes)
Os figurantes cantaram a última parte, enquanto e eu dançávamos. Ele me rodou e me puxou para sim, me abraçando por trás. Na última frase, ele me segurou pela cintura e me jogou para cima. Depois de alguns segundos, ele me abaixou de novo. Nos encaramos, sorrindo, e a música acabou. As luzes foram diminuídas e um holofote foi posto sobre nós.
- I’ll love you light out. – sussurrei, mas, por estar usando microfone, todos escutaram.
sorriu e me beijou, arrancando assobios e aplausos da plateia. As cortinas se fecharam e parou de me beijar. O elenco formou uma corrente e a cortina foi aberta novamente. Todos estavam de pé, aplaudindo. Alguns assobiavam, outras choravam. Nós nos curvamos para a frente e levantamos as mãos. Olhei para e ele sorriu, mandando um beijo para mim.
Todos nos elogiaram e nos parabenizaram. Troquei de roupa no camarim e esperei no lado de fora. Alguns minutos depois, ele apareceu. Me beijou e andamos de mãos dadas até o seu carro. Durante todo o caminho, fomos de mãos dadas e conversando sobre o musical. No apartamento de , nós ficamos deitamos na cama, nos braços um do outro, trocando apenas beijos e abraços. Nós sorríamos um para o outro, sem motivo aparente. Eu me sentia bem ao lado de . Ele me passava um segurança que eu não sentia com mais ninguém. Pode soar clichê, mas ele era o meu príncipe e eu sua princesa. E tivemos o nosso “feliz para sempre”.