Snow white said when I was young
A Branca de Neve disse quando eu era criança "One day my prince will come"
"Um dia, meu príncipe virá" So I wait for that date
Então eu espero por esse dia.
Katy Perry - Not Like The Movies
Tomei mais um gole do café, não mais tão quente e ainda amargo, enquanto deixava que meus olhos varressem toda a extensão da rua a minha frente, deixava que buscassem algo que não encontrariam. Ele. Surpreendi-me ao constar que gradualmente ia me acostumando com o gosto da bebida que sempre odiei. Tudo culpa Dele.
-Então você não bebe café? –perguntou-me surpreso, limitei-me a mexer a cabeça negando. –Nem chá? –repeti o gesto. –Por que tantas xícaras afinal? -Um hobby. Você não gosta de mentir? –disse com humor, vendo-o fechar a cara. –Eu coleciono e como você pode ver – aproximei-me da estante –, tenho uma porção de coisas lindas nesta coleção. Posso dizer que eu sou alguém que tem quase tudo. –sorri orgulhosa. -Tudo? _É, cidades, – escorreguei meus dedos por uma xícara estampada com a Torre Eiffel. –animais, sentimentos, música. –conclui mostrando um lobo, um coração e uma nota musical que enfeitavam outros daqueles objetos de cerâmica. _E o melhor, - sussurrou passando as mãos pela minha cintura. –tem a mim.
Como sempre, um mentiroso. Eu não o tinha naquela época, eu não o tenho agora.
Eu não aguentava mais, estava completamente farta, literalmente. não usou de hipérbole quando disse que a macarronada de sua mãe era divina e como os olhos são sempre, por algum motivo, maiores que a barriga cá estava eu prestes a explodir e bem, pra melhorar, na casa do meu companheiro-de-um-relacionamento-até-agora-não-rotulado. Aquela era a primeira vez que eu ia até aquela casa. -Ei, , tem um pouquinho de molho aqui. – disse apontando para a própria boca. -Onde? Aqui? – tentava, vermelha como uma maçã daquelas bem vermelhas, limpar o resto daquele manjar dos deuses. -Não, vem cá, deixa que eu te ajudo. –e antes que eu pudesse recuar devido à presença dos seus pais ali, ele tomou minha boca na sua dando início a um beijo que me fez passar do vermelho ao roxo. *** -Não tinha molho nenhum não é? Você só queria me fazer corar em frente aos seus pais. –disse meio emburrada, quando ele tendo me levado pra casa me acompanhava até a porta. -Dizer que aquela mudança de cor no seu rosto foi um simples “corar” é eufemismo. –rebateu-me rindo, o que só me fez fechar a cara ainda mais. –Calma, , meus pais não se importaram, eu juro. -Mas eu sim! –disse birrenta. _Não fica assim. - olhou-me bem, segurando meu rosto entre as mãos. -Apesar de ficar toda bonitinha emburrada. Eu só estava com saudades da sua boca. –sorriu meio sacana, e como eu adorava aquele sorriso. –Aliás, estou com saudades de novo. E assim ele me beijou, e depois de novo e de novo. Deveria ser o vigésimo beijo daquela noite. E não era como se eu não gostasse, uma vez que estava, como diria a Srta. Swan, incondicional e irrevogavelmente apaixonada por aquele garoto. -Te vejo amanhã, gata. –piscou indo embora.
Eu não sabia naquele dia, mas sim, aquela foi a última vez em que eu o vi. Havia mentido de novo. Não era como se ele tivesse me prometido o para sempre, mas ele prometeu um amanhã. Por onde ele anda? Eu não sei, a família não sabe, não sabe, aliás, em um primeiro momento todos acreditaram ter eu sumido com ele. Hoje eu simplesmente não consigo comer macarronada, me lembra ele. Não reclamo, porque considerando a grande lista de coisas que me lembram ele, apenas não comer mais este prato era um preço pequeno a pagar. Pagar por ter me apaixonado.
Aproximavam-se às doze horas, meu horário pré-estabelecido de volta, cedo, eu sei, mas levando em conta toda uma vida “presa” em casa era um grande avanço. Acreditem se quiser, meu pai pensava estar sendo muito liberal ao me permitir ficar na festa de –um colega da escola- até àquela hora. Às vezes quando eu tinha lá meus oito anos e minhas amiguinhas me chamavam para ir até a casa delas, ele permitia que eu ficasse lá por dez minutos e pensando no tempo que eu gastaria até lá, eu preferia não ir. Assim, o único lugar que eu frequentava com frequência, além da escola e da Igreja, era a casa da minha avó, porque esta ia até a minha casa e me “roubava”, como ela mesma dizia do meu pai. No entanto, ao contrário do que muitos pensariam, eu nunca senti raiva dele por isso, sabia que era uma forma dele de me proteger e que ele tinha seus motivos. Eu nunca havia o questionado ou reclamado, até aquele dia. Foi realmente uma pena, que eu tivesse conhecido –um garoto mais velho, que eu nunca havia visto na escola e que mais tarde descobri ser o melhor amigo de - apenas nos meus últimos minutos de “permissão”. Primeiro eu o flagrei me olhando e falando alguma coisa com . Depois eu o vi caminhar até mim. -Oi. – ele disse nos encontrávamos na área externa perto da piscina. -Oi. -Eu vi que você viu. -direcionou-me um olhar inquisidor. -Quer saber o que eu falava com o ? Garoto estranho foi o que eu pensei. -Tá, eu juro que não sou esquisito assim, é só que eu não sei bem como chegar em garotas. –ele pareceu ler meus pensamentos. –Geralmente elas que chegam a mim. –deu uma piscadela todo cheio de si. -Uau! –sorri meio sem graça. –E então o que você falava com o ? -Na verdade, eu estava brigando com ele, sabe? -Não. –só eu achei graça da piadinha. –E por que você brigava com ele? -Porque ele nunca me apresentou a você. –disse de uma forma que eu julguei ser um flerte. -Se eu fosse você voltava lá e dava uns bons socos nele, porque privar uma pessoa de me conhecer é mesmo um erro lamentável. Ele me olhou meio incrédulo pela minha resposta carregada por uma ironia que ele pareceu ignorar. -Pelo visto vou gostar mais de você do que imaginei. –ele disse se aproximando, e teria me beijado se naquela hora um ser muito bêbado não tivesse caído na piscina e ele tivesse pulado para salvá-lo. É, pelo visto eu também iria gostar mais dele do que poderia imaginar. Mas como alegria de pobre sempre dura pouco, a meia noite chegou e eu tive que partir deixando meu projeto de salva-vidas para trás, sem ao menos me despedir, me sentindo mais a Cinderela do que nunca.
Naquele dia, me lembro, eu odiei os horários do meu pai, até bati a porta do meu quarto, um ato de rebeldia enorme pra mim, tudo porque pensei que fosse me achar uma idiota e que eu tinha definitivamente perdido meu príncipe encantado. Mas na segunda seguinte quando ele apareceu na escola a minha procura disse que meu sumiço só aumentou seu interesse, uma vez que ele "amava um bom e velho desafio" palavras do mesmo. Enganado ele estava quando pensou que eu seria esse "bom e velho desafio" uma vez que eu já me encontrava totalmente encantada, mas é claro que para satisfazê-lo e mantê-lo com interesse, por um tempo, fiz-me de difícil.
-Quem é Lucas mesmo? -ele disse tentando controlar um ciúme nítido. -Só um garoto. -respondi simplesmente. -Na verdade ele é o bam bam bam do colégio, todas as garotas o querem e blá blá blá. - fez uma careta engraçada. -E pode parecer clichê, não, com toda a certeza é clichê, mas é que ele só tem olhos para a única garota da escola, quem dirá da cidade, que não dá a mínima pra ele. -E quem seria ela? - perguntou interessado. -. -Eu não posso fazer nada em relação à isso, não tenho culpa se sou irresistível. -disse buscando amenizar o clima com um humor que não foi entendido pelo meu pseudo salva-vidas. O ato seguinte dele foi pegando minha nuca beijar-me de forma desesperada, e eu, mesmo surpresa, aproveitei aquele que não era nosso primeiro beijo. -É realmente uma pena pra ele, não? Você só dar bola pra mim. -eu ainda podia ver o ciúme em seus olhos tão próximos, devido as nossas testas grudadas e eu só pude sorrir com isso. Isso só podia significar que ele me queria tanto quanto eu o queria. Não?
Primeiro senti uma cosquinha no meu nariz, depois, vindo acompanhado de uma gastura gostosa na barriga, um leve toque nos meus lábios. Abri meus olhos preguiçosamente sentindo o martelar de um coração meio afoito que se acalmou assim que vi aquele rosto. , suspirei. -E aqui está você, somente você. A mesma visão, aquela do sonho que eu sonhei. -Bom saber que eu te inspiro tanto assim. –ele disse com aquele sorriso que era, há um tempo, meu paraíso na terra. Corei, não era pra ele ter ouvido aquilo. -Uh. Que nojo, eu nem escovei meus dentes ainda. –virei meu rosto quando ele tentou me beijar novamente. -Eu. Não. Me. Importo. –respondeu-me pausadamente beijando-me rápida e maravilhosamente a cada palavra. É claro que ele não se importava, era um ogro. Não ligava para “essa de higiene”, como ele mesmo dizia. Nem sabia como a mãe dele o obrigava a banhar-se todos os dias, se é que ele fazia isso. Argh, fiz uma careta involuntária. -Ainda faz careta como se não gostasse. Vem cá, eu sei bem o quanto você queria ter o privilégio de ser acordada assim por um deus grego como eu todos os dias e... ai! –reclamou quando rindo o empurrei para o chão. -Já te disseram que convencimento mata? -Mas não mata. -Vai saber né, agora me dê licença que eu, como a boa humana que sou, vou escovar meus dentes. -E vê se passa bem o pente nessa palha que tá o seu cabelo. –gritou quando eu já passava pela porta, limitei-me a ignorá-lo e ele riu, Deus! Como eu amava aquela risada.
Ainda não entendo como entrou tão cedo na minha casa naquela manhã, porque: Primeiro: Meu pai não o deixaria entrar e pareceu bastante surpreso quando o viu por ali. “Eu tenho meus meios” foi o que ele me disse piscando como de praxe. Segundo: Ele sempre levou uma vida boêmia, curtindo com os amigos até tarde da noite, ou até cedo do dia seguinte, bebendo e ouvindo jazz, muito jazz. Isso não mudou quando passamos a ter alguma coisa então era inacreditável tê-lo acordado àquela hora da manhã.
-Jazz? Isso mesmo? -Aham. Tem algum preconceito? -Claro que não, é só que, admita, é meio incomum. -É, eu deveria escutar rock, ou sertanejo, ou pop, ou samba, ou sei lá mais o quê. Mas é que, como você sabe, eu não vivo as regras da sociedade. –disse de um jeito engraçado, me fazendo rir. -Uh, vida loca. –agora ele era quem ria, se mexendo de um jeito que eu não saberia classificar como jazz ou não.
Outra coisa que vai para a minha “Lista de coisas inacreditáveis da ”, era o fato de que tendo ele concluído o segundo grau já há alguns anos ainda morasse com os pais, e pra piorar, sem trabalhar, e pra piorar, sem que os seus pais se objetassem a isso. ‘Tá, esse ultimo está mais para “e pra melhorar”.
-Eu fugi de casa quando era pequeno. Tinha uns sete anos. –ele disse do nada, me encarando logo após e rindo da cara que eu tinha feito. –Não tô mentindo dessa vez, eu juro. –cruzou os dedos os beijando logo em seguida. -Não pensei nisso, é só que, por quê? -Meus pais estavam brigando e não dando atenção pra mim, e sabe, eu sou uma pessoa que precisa de atenção o tempo todo. –ele fez uma pausa e eu ri. –Aí eu só saí correndo e eles nem notaram, eu fui pra casa de um amigo e depois pra de outro, e fiquei sumido por três dias. -E? -Voltei. Acho que os traumatizei, digo, os meus pais. – suspirou, eu o apertei mais em meu abraço. -Traumatizou? -É, imagina, eu fugi aos sete anos, aos SETE, quando entrei na adolescência eles ficaram doidos, doi-dos. –ele tinha essa mania de frisar as palavras. –Por isso me agradam tanto. –suspirou de novo, dessa vez parecendo cansado e até frustrado. –Queria não ter feito isso. –suspeitei que ele não quisesse que eu tivesse ouvido essa última frase. -E você não vai fugir de mim, não é? –sorri divertida. -Nunca.
Já disse que ele era um mentiroso? Pois é.
Sete é realmente um número incrível. Associado a sorte pra uns, azar pra outros. Há sete cores no arco-íris. Há sete maravilhas do mundo moderno. fugiu aos sete. Havia sete homens naquela casa.
-SETE CARAS, ! VOCÊ FICOU LOUCA? ESPERA, NÃO ME RESPONDA É CLARO QUE FICOU. –interrompeu-se para pegar um livro que antes havia derrubado. -É só até meu pai voltar, você sabe que eu não gosto de ficar sozinha em casa, e os meninos foram tão legais de me deixarem ficar aqui. -Você poderia ficar na minha casa. -De jeito nenhum, meu pai me mataria. -Meus pais estarão lá, não ficaremos sozinhos e você não precisa ficar no meu quarto, a não ser que queira, é claro. -Seria errado , você sabe. -Então é errado ficar na casa do seu namorado quando seu pai viaja, mas ficar em uma casa com sete caras, não tem problema, não é? –sorriu descontroladamente irônico. -Não. E encerramos por aqui, agora você vai pra casa e eu vou fazer as minhas tarefas. -Ainda vai ser a empregada deles, vê se é possível. –respirou forte. –Não, não e não. Eu vou embora sim, mas você vai comigo. -Não vou não, já me decidi e pronto, e além do mais, eu terminei com você, lembra-se?
Confesso que fiz aquilo para causar ciúmes nele. Nada bonito, eu sei, mas acontece. Eles eram gays. Todos os sete. Eu diria isso a ele hoje. Bem, se ele estivesse aqui.
Naquele dia era como se os pássaros cantassem apenas pra mim, como se o mundo fosse mesmo um lugar melhor, eu estava literalmente saltitante. Se eu visse um sapo com certeza o acharia adorável. Tinha minha mochila nas costas, uma rosa que havia ganhado do meu -eu não conseguia pensar sem sorrir- NAMORADO na mão, borboletas no estômago e um calor estranho no coração, quando exatamente uma semana após ter saído retornei a minha casa. Limpei dramaticamente meus pés no tapete da sala e então o vi. -P-Pai? –gaguejei, ele só deveria voltar na tarde daquele mesmo dia. -Filha! Oh meu Deus, você voltou! Eu... –atropelou-se nas suas próprias palavras enquanto me abraçava erguendo-me do chão. –senti tanto sua falta, pensei que você tivesse... -Pai, quando o senhor voltou? –respondi quando ele me soltou. -Antes de ontem, você não estava em casa, eu não avisei porque queria fazer uma surpresa, aí eu cheguei e não te encontrei e juro que pensei... eu pensei que você... –notei lágrimas enchendo seus olhos. -Que você tivesse fugido. –disse desviando o olhar de mim. -Pai, eu nunca faria isso, o senhor sabe que não, eu só estava... -Não precisa dizer, o importante é que você está aqui. –abraçou-me novamente, beijando meus cabelos e sussurrando frases como “eu não posso te perder também filha” e “eu te amo tanto, tanto”. -Pai eu não estou te entendendo, por que não me ligou ou me procurou? -Eu só tive medo, não queria confirmar sua fuga, preferia continuar na dúvida. Estava com esperanças de que você entrasse por aquela porta, por isso dormi esses dias aqui na sala, e, graças a Deus, você voltou minha princesa. -Eu sei que você está escondendo algo, por que todo esse desespero? –eu não o entendia, acho que em toda a minha vida, apesar de meu pai ser bastante sentimental, nunca o havia visto chorar. -. –disse me puxando para o sofá, onde nos sentamos lado a lado. –A sua mãe... A expressão dele, o desespero, a história mal contada, tudo isso me levou a frase seguinte: -Ela não morreu, não é? -Não. –eu realmente não saberia descrever o que senti naquele momento, raiva com certeza não, a dor viria depois eu sabia, o que eu sentia não tinha nome. –Ela nos deixou, sem motivos. Ela era um espírito livre, entende? Não precisava de muito pra simplesmente seguir o vento, deixando tudo pra trás. Inclusive, um bebê. -Todo esse tempo eu tive medo de que você fosse como ela, por isso te prendi tanto comigo, aproveitando cada segundo com você, me preparando para quando te perderia. -E por que você não me contou? –ele chorou ainda mais. -Eu não podia deixar, não podia deixar que você crescesse pensando não ser amada, não você, não a minha princesinha. -Papai. –eu disse carinhosamente abraçando o forte, eu não estava com raiva, tinha o melhor pai do mundo. –Eu te amo, não vou te deixar. Nunca. Então, fugi. Fugi para o meu quarto deixando que as lágrimas que havia segurado escorrerem pelo meu rosto, não queria chorar na frente do meu pai, ele não merecia. Eu precisava de alguém, de um consolo que ele não poderia oferecer, poderia correr pra minha avó se ela não houvesse se mudado a alguns meses, não sabia o que fazer e nem conseguia pensar direito. E então como uma luz no fundo do túnel, vi . -Alô? –ele disse com a voz de sono, e sua vida boêmia. -, eu... -! Você está chorando? –despertou-se ele. -Só vem pra cá, por favor.
Mas não era minha luz no fundo do túnel, seria no máximo minha vela, velas queimam, iluminam, aí acabam. Assim como ele que queimou e iluminou até o ultimo momento, até a despedida. Até, a de repente, acabar-se.
-Esta cidade, na verdade faz a gente se acomodar. Eu sei muito bem pra onde estou indo e sinto que qualquer dia vou chegar. -Pra onde? –perguntei e ele me olhou confuso. –Pra onde está indo? -Pro mundo, pra um lugar longe daqui, preciso conhecer coisas novas, pessoas novas. -Eu não sou o suficiente? -É claro que é. –sorriu beijando meu nariz. –Você vai junto. –disse convicto. –É a única que eu não deixaria aqui.
Na hora eu fiquei calada, pensei que ele não falasse sério, deixei ir, mas aí os planos dele eram cada dia mais presentes nas nossas conversas e então eu entendi. Entendi que ele fugiria de novo, sem pensar duas vezes. Senti o peso das palavras dele e abri o jogo. Disse-lhe a verdade, que nunca deixaria meu pai, ele sabia a história de minha mãe e pareceu entender-me. Pelo menos foi o que eu pensei. Às vezes, ponho-me a imaginar no que estaria fazendo agora se tivesse ido com ele, mas sempre balanço a cabeça e penso no meu pai, a última pessoa no mundo que eu faria sofrer. Agora eu vejo que o que eu fiz foi realmente sacrificar-me pelo meu pai. Sacrificar o meu amor por ele. Não vou mentir e dizer que não dói e de que tenho a plena certeza de ter feito a coisa certa, chorei e choro muitas vezes pensando nisso tudo e tenho vontade de sumir, mas aí eu o vejo. Meu pai. O homem que sendo abandonado criou sua filha não deixando que nada no mundo a atingisse ou que faltasse algo a ela, inclusive amor.
-Não chora princesa. Assim o papai fica triste, serão só três dias. –ele tentava me acalmar enquanto eu –uma garotinha de cinco anos- agarrada à saia da minha avó, chorava copiosamente. -M-mas e-eu v-vou f-ficar c-com s-saudades. –respondi entre soluços, mais luxenta do que o normal. -Eu também vou, com muita. –ele me abraçou forte, meu pai odiava deixar-me e eu ainda piorava as coisas. –Vamos fazer um combinado, antes de dormir todas as noites você pega aquele seu boneco grande... -É Alfredo pai. -Isso, pega o Alfredo e dorme bem abraçada com ele e imagina que é o papai. –na minha cabecinha aquilo pareceu o melhor remédio de todos, então me vi acenando freneticamente já curada do choro. -Mas e o papai, o que vai fazer? -Eu vou olhar bem pra dentro do meu coração. –disse pegando minha mãozinha e colocando-a no lado esquerdo do seu peito. –E sabe o que eu vou encontrar lá? -O quê? -Você. -E a vovó também? -Claro que sim querida. -O coração do papai é bem grande, né vovó? –disse abrindo os braços para mostrar o tamanho, quando meu pai já havia saído. -Você não imagina o quanto.
E eu realmente não imaginava. Mas há uma coisa que com cinco anos eu já sabia e que não canso nunca de repetir: Eu tenho o melhor pai do mundo. Todo o sacrifício por ele era pouco. E eu iria sobreviver.
Amor é uma coisa que não se explica, só se sente. Amor não se sabe como começa, ele só acontece. Queria poder "desamar" tão rápido quanto comecei a amar. As coisas seriam mais fáceis.
Depois de cinco dias me buscando na escola e me acompanhando até em casa, me chamou pra sair. Era um sábado meio ensolarado demais, mas parecia o dia mais bonito que eu já havia vivido. Tínhamos as mãos dadas enquanto ele, com a outra mão, carregava uma cesta enorme cheia de artefatos para um piquenique, comida, uma toalha, comida, talheres, comida, pratos, comida e copos. -Acho que aqui está bom. -olhou pra mim quando chegamos a sombra daquela que parecia a árvore mais bela de todas. -É. -disse quando na verdade me contentaria em sentar na calçada de casa, contando que tivesse ele ao meu lado.
Esse encontro e outras coisas me fazem acreditar que não exista a "forma" real do mundo, ele se apresenta a você a cada dia de uma forma diferente. Quando somos pequenos tudo parece ser muito grande. Quando estamos alegres tudo fica bonito. Quando estamos apaixonados tudo fica mágico, encantado. Quando estamos tristes ele perde a cor.
Não sabia quantas vezes havia ido até aquele parque, até aquela mesma sombra, mas era a primeira vez que eu ia até ali sozinha. Mais especificamente, sem ele. Nada parecia bonito, a árvore era apenas mais uma árvore, os pássaros não cantavam apenas faziam barulhos irritantes, o clima estava quente demais, o chão era duro, e a grama pinicava. Mesmo assim, passei um longo tempo escorada naquele tronco quando queria o peito dele no lugar, olhando muitas pessoas quando só queria ver uma. Até as lágrimas já haviam me abandonado. Eu estava sozinha.
Passavam das sete da noite, quando me trouxe em casa naquele sábado. Nunca em toda a minha vida havia ficado tanto tempo fora. Paramos à minha porta e eu realmente não queria entrar. -Eu me diverti muito mesmo hoje. -disse a ele depois de uns dois minutos parados em silêncio apenas nos encarando. -Eu também, nem vi o tempo passar. -senti meu coração acelerar e pela primeira vez a sensação gostosa na barriga que me acompanharia sempre que o visse dali para frente. -Queria poder ficar mais. -sussurrei abaixando meus olhos, envergonhada, eu deveria aprender a me controlar. -Você pode sentir o amor esta noite? Você não precisa olhar muito longe. -falou no meu ouvido com o corpo bem próximo do meu em um abraço desajeitado que parecia muito certo. Depois, como meu pai fizera muito tempo atrás, pegou minha mão colocando-a sobre o lado esquerdo de seu peito. Se até ali havia alguma dúvida a respeito de eu estar amando, foi dissipada instantaneamente. Dei um passo para trás a fim de poder olhá-lo nos olhos, ele não estava mentindo, eu tinha certeza. Nossos pés nos aproximaram. Nossas reparações ficaram lentas. Nossos rostos separados por milímetros. Nossos narizes encostaram-se. Nossos lábios tocaram-se. Nossas línguas descobriram-se. Meu mundo parou.
Apesar de tudo, a certeza que eu tive naquela noite continua aqui. Nos amamos. Ele me ama. Eu o amo. Ele só teve que ir embora. Eu só tive que ficar. Você percebe o quanto este mundo é injusto ao ver que às vezes o amor não basta. Poderia ser diferente. Poderíamos estar juntos.
-Tá meio cedo, você não acha? -Não! -meu coração preparou-se para o que viria a seguir. -Eu estou apaixonado, você também está, é simples. -e então meu pobre músculo cardíaco virou manteiga. -Não tão simples. Namoro é coisa séria. -Eu sei. E eu também estou falando sério. -Eu sei, mas... -Mas nada, eu não estou mentindo quando digo que estou apaixonado e que você é a garota com quem quero ficar, não tô a fim de deixar você aí livre no mercado pra esses filhinhos de papai. -sempre possessivo e com esse "filhinhos de papai", eu sabia, ele quis dizer Lucas. -Eu não tô livre nesse seu mercado aí, deixe-me ver, a um mês. -quando o havia conhecido. -Sem gracejo . -olho-me meio bravo, eu ri. -Uma coisa boa em eu ser um mentiroso é que quando eu digo que estou dizendo a verdade eu realmente estou. -Isso não faz muito sentido, sabia? -Eu sei. Mas você mexe comigo de um jeito que eu viro um idiota. -virou-se de costas pra mim, sussurrando algo como "e ainda fica rindo feito uma hiena." E ele me ganhou, me ganhou de novo como fez muitas vezes depois. Aproximei-me dele abraçando-o por trás. -Só me deixa te fazer feliz.
- é pra você. -meu pai chegou a cozinha, depois de atender a porta, com uma expressão desconfiável. -Pai, quem tá lá? -Veja você mesma. Eu termino de lavar as louças aqui pode deixar. Enxuguei minhas mãos no pano de prato gastando mais tempo do que o necessário. De propósito. Qual é?! Eu sabia muito bem quem estava naquela porta. Ele que esperasse. -E , só pra deixar claro, eu não tenho nada a ver com isso. -papai disse-me rindo. Quando é que ele começara a gostar assim de ? Caminhei sem pressa até a porta que meu pai havia fechado a pouco, ver não estava nos meus planos naquela noite. Abri a porta e quase pensei estar eu enganada e aquele não ser meu namorado. Ele tinha o cabelo todo puxado para trás e usava um terno impecavelmente passado que lhe caia tão bem como se tivesse feito sob medida. Ri ao imaginá-lo em cima de um banquinho enquanto uma velhinha com a vista ruim espetava-lhe uma agulha fazendo os últimos ajustes. Ele também sorriu, talvez pensando que eu estava feliz em vê-lo ali e talvez eu estivesse mesmo. -Me concede essa dança princesa ? -fez uma reverência rindo meio desconfortável. -É c-claro. -gaguejei sem saber exatamente o por quê. Ele tomou minha mão na sua e conduziu-me até o meio do pátio onde um homem com um saxofone esperava, e então começamos a rodopiar, ele envolvendo-me a cintura, eu com os braços pelo seu pescoço. -Nem precisa me ouvir - ele começou meio relutante-, eu só quero que você saiba que eu te amo muito. -sussurrou beijando meu pescoço em seguida, arrepiei-me toda e ele sorriu com isso. Continuamos assim por alguns minutos e eu sentia como se flutuasse. Clichê, eu sei. A música acabou, o saxofonista se foi e ele também, antes me entregando um embrulho. "Me Desculpa?" era o que estampava aquela que era a mais nova parte da minha coleção e que imediatamente passou a ser a minha favorita. -Bela cena. -meu pai comentou confortável deitado no sofá. Senti-me enrubescer. Quando é mesmo que ele começou a gostar assim de ?
Alguns dias depois eu soube que tudo aquilo não havia sido planejado pelo meu então namorado, claro que não, ele não era romântico assim, eu já desconfiava. é quem tinha tido a ideia. "Ele é mesmo um gênio, não?" me disse quando me confessou aquilo. "Sou um cara muito sortudo, não? A melhor garota e o melhor amigo gênio de todos." Ele deixou os dois. Preciso dizer que o perdoei naquele dia? Havia sido uma briga boba afinal.
-Mas você não vai de jeito nenhum. - me disse após um longo suspiro e meio vermelho de raiva. -Não estou aqui pra pedir sua permissão, isso eu já fiz com o meu pai. -respondi calmamente. -Uma vez que ele deixou, é claro que eu vou. -Não vai não. -deu alguns passos chegando à minha frente, evidenciando nossa diferença de tamanho. -Você não é meu pai. -falei pausadamente. -Mas sou seu namorado. -Namorado, isso mesmo. Não meu dono. -, eu já disse, não... -Quem já disse fui eu, não vim aqui pra pedir sua permissão, só estou te contando porque pensei que você gostaria de saber. -Oh, mas é claro, que eu gostaria de saber que a MINHA namorada vai passar um dia todo com o cara mais cobiçado da cidade, e que ainda por cima tem toda uma paixão platônica por ela. -afastou-se novamente. -A gente só vai em uma viagem escolar, toda a minha turma vai estar lá, inclusive o , eu não vou sair com o Luc. -eu não entendia todo aquele chilique. -LUC! LUC! MAS QUE LINDO ATÉ APELIDINHO ELE TEM. -gritou passando as mãos no cabelo nervoso. -Você que deu este apelido pra ele, foi? E como ele te chama? De anjo? De princesa? De ? -me olhou estranho como se eu o traísse. -TODO MUNDO CHAMA ELE ASSIM, NÃO SOU SÓ EU E ELE NÃO ME CHAMA DE NADA, PORQUE EU NÃO FALO MAIS COM ELE. - era verdade, para evitar brigas eu havia feito isso e além do mais, eu odiava todas aquelas declarações ridículas e insistentes dele. -Eu não sei porque você age assim, é você quem sai quase todo dia com os seus amigos pra sei-lá-onde e pra fazer sei-lá-o-quê, quem garante que não há "amiguinhas" nessa história? -fiz aspas no ar. Ele me olhou espantado, talvez porque nunca tivesse me visto gritar, talvez porque visse as lágrimas que eu tentava a todo custo conter. Virei-me de costas para ele a fim de recuperar-me, odiava parecer tão fraca e quando ele deu a entender que me abraçaria esquivei-me. -Não me encosta, eu não acredito que você possa desconfiar tanto assim de mim. -deixei que as lágrimas rolassem. -, eu... -deu mais passos em minha direção. -Não, não, não fala nada. Eu vim aqui porque eu pensei que devesse avisar ao meu namorado, mas quer saber? Nem sei se você ainda é isso.
Eu fui a viagem. Eu não falei com Lucas e se ele tentou chegar em mim eu não sei, estava alheia demais pra isso. E não falei com também até que uma semana depois ele apareceu na minha casa com a minha caneca de desculpas. Ele nunca perdeu aquele ciúme, mas depois da briga passou a conter-se mais. Eu realmente acredito que ele, aonde quer que esteja, pensa que eu corri para os braços de Lucas assim que ele se foi. Como se eu e aquele garoto tivéssemos alguma coisa em comum.
-! ! - virei-me para trás e pude ver, em meio a toda aquela massa de alunos que deixavam a escola, , minha melhor amiga, correndo até mim. -Oi, tá tudo bem ? Parece que você cansou um pouquinho. -ri enquanto ela ofegante tentava arrumar os cabelos. Deu-me a língua. -, sua chata, você... -Quanto amor, own. -apertei as bochechas dela. -Ai me deixa falar. Tá a fim de ser irritante hoje né? -na verdade eu estava mesmo. -Vai, fala. -, você não vai acreditar no que eu soube. -sua cara passou de irritada para animadíssima instantaneamente. -O que você soube? -fingi-me de interessada e ela me deu a língua pela segunda vez. -O Lucas. Sabe o Lucas? -É claro que eu sei. -Então, ele tá dizendo para a escola toda que só tem uma garota em toda essa cidade que ele namoraria. -fiz uma cara de quem quer saber o que tem a ver com isso. -E? -E, você não vai acreditar, a garota é você. -E-eu? -Eu disse que você não iria acreditar. -sorriu vitoriosa. -Como assim? Ele nem me conhece, você deve estar enganada. -Claro que te conhece, sua boba. -disse com um tom meio maternal. -Ele disse com todas as letras, . De repente parecia que toda a escola me encarava, as meninas com raiva, os meninos com se me avaliassem, e o pior, Lucas me olhava como se tentasse me seduzir. No que eu havia me metido meu Deus?
"Sentimentos são fáceis de mudar, mesmo entre quem não vê que alguém pode ser seu par.” Foi isso. Exatamente isso que me disse quando eu gastei meu tempo tentando convencê-la do quanto eu e Lucas não tínhamos nada a ver. Ela é claro, não entendeu, continuou insistindo no assunto e até ajudando o garoto a, argh, me conquistar, até que ela conheceu e viu que, como ela mesma disse, "não havia casal mais imprevisível e certo que nós dois."
-Garotas. -ele estava escorado no muro da escola como fazia há dois dias e pela primeira vez estava comigo. - essa é , esse é o . -É um prazer. -ele disse e ela correu para abraçá-lo, sempre fora assim. -Um prazer digo eu, você não sabe o quanto eu ouvi sobre você esses últimos dias, a não para de falar, estava muito curiosa, cheguei a sonhar com você. -morri de vergonha, mas conhecendo a amiga que tinha sabia que pra impedi-la já era tarde demais. -É, e o que ela disse? -ele lançou-me um olhar que estava entre safado, curioso e maléfico. Oh Deus! Eu estava feita. -Ah, mas eu te conto mesmo...- e assim começou o discurso de quase quinze minutos da minha tão adorável amiga. E eu fui ignorada por todo esse tempo, apesar de estar sendo abraçada por sabia que ele tinha toda a sua atenção na matraca a nossa frente. Bela amiga eu fui arranjar. Belo crush eu fui arranjar. Mas quer saber? Eles estavam se dando bem e era isso que importava.
A não foi a única acreditar que éramos o casal perfeito, que ficaríamos juntos pra sempre, com a minha avó também foi assim, com o meu pai e até com . E o pior, eu também acreditei. Um bando de errados, isso que nós somos.
-Sabe , eu definitivamente não acredito mais no amor. - confessou-me tristonha em uma lanchonete qualquer. -Não fica assim. -eu acariciei sua mão por cima da mesa e sorri pra ela. -Vocês vão voltar, eu aposto. -Nem é por causa dele, é que você e o eram tão perfeitos, aí ele foi embora. -ela suspirou frustrada. -Se vocês não vão ter um final feliz eu realmente não sei quem vai. Eu sei que ela não disse aquilo por mal. Ela estava sofrendo, sofrendo por mim inclusive, éramos ligadas ao ponto de tomar as dores uma da outra. Mas ouvir aquilo acabou um pouco mais comigo.
-Fazendo o quê, querida? -minha avó acariciou os meus cabelos de um jeito que só ela fazia. Estávamos na casa dela, meu pai havia ido viajar de novo, era o emprego dele afinal. Ela havia assado meu bolo favorito e feito suco pra mim. Está vendo? É por isso que eu visito-a tanto. -Nada, vovó, nada. - mas é claro que ela não cairia nessa, ela me conhecia, me conhecia muito. Olhou-me com um olhar maternal que eu só tinha dela e serviu-me. -Você é uma garota linda, sabia ? Boa e inteligente. Tem lá seus defeitos, mas é boa. -ela riu me fazendo acompanhá-la. -E tem uma risada linda também. -fechei a cara, ele costumava me dizer isso. Ficou séria pensando se falaria ou não algo. -Você não tem culpa de nada. -abri a boca pra protestar. -Não tente me enganar mocinha, eu sou sua avó. Eu sei que você se culpa por ele ter ido embora. Mas vai ver... -Ele era só um espírito livre, né? Como a mamãe. -É, e sabe quem perde nessa história toda? Eles. -vi em seus olhos o quão sincera ela estava sendo. -E agora come esse bolo todo pra me deixar bem feliz e esquece o passado ele não leva a nada mesmo. Eu faria isso. Seria feliz. Faria as pessoas ao meu redor felizes. Teria um futuro, e se não queria mesmo participar dele, ele que se virasse.
"Aqueles que nos amam nunca nos deixam de verdade." -Sirius Black.
Você sabe que algo ruim aconteceu a alguém que conhece quando ligam para você às três da manhã. Porque ninguém liga pra você às três da manhã. Disso eu sempre soube. Imediatamente senti minhas mãos procurarem o colar com pingente no meu pescoço e se fecharem sobre ele. O colar que havia me dado e que ele mesmo havia colocado em mim em dias mais felizes. Ele estava longe, perdido em algum lugar por aí, algo poderia ter acontecido e eu não me permitiria pensar em o quê. -É ela. -ouvi minha avó falar ao telefone e aí minha ficha caiu. Não haviam ligado pra mim. Ligaram pra ela. Nada havia acontecido a . Senti um alívio momentâneo. Mas o tempo em que ela ficou ao telefone passou com cada batida do relógio aumentando minha angústia. Assisti-a colocar o aparelho no gancho e se virar para mim com uma expressão no rosto que eu nunca havia visto nela. Dor. Mais precisamente, a dor de quem perde um filho.
-Filha, você tem que me prometer uma coisa. Levantei meus olhos e meu pai olhou-me sério. Olhou-me como quando me dava uma bronca. Eu enxuguei as lágrimas e ergui mais a cabeça para dar-lhe atenção. Ele veio até mim e envolveu minhas mãos com as suas. -Você tem que me prometer que nada ou ninguém nesse mundo vai te fazer acreditar que não é amada. Encarei nossas mãos unidas, sorri fraco ao ver que apesar do tempo as minhas ainda eram bem menores que as dele. havia partido, minha mãe havia partido, mas meu pai continuaria ali. Sorri mais e ele olhou-me com o amor que nunca me faltou estampado em seus olhos. E eu vi-me segura naquele olhar.
E eu nunca mais veria aquele olhar.
Era como se eu não estivesse ali. Sentia-me anestesiada. As pessoas entravam, iam até o caixão, me cumprimentavam e iam embora, seguiam suas vidas e pra mim aquilo era tão injusto. Como elas viveriam sem meu pai? Como seguiriam? A verdade é que eu não sabia como faria isso. A única coisa na qual eu conseguia me prender era os olhares. Em alguns eu encontrava tristeza, mas na maioria era só pena. Eu não queria isso, não queria que sentissem pena de mim. Mas quer saber? Eu também sentiria. Eu era a garota abandonada pela mãe, pelo namorado e agora era órfã, completamente patética a minha vida. Por todo tempo que passei ali eu esperei que minha mãe entrasse, viesse até mim e assim por um momento eu acreditaria que tudo estava bem, que ela me amava. Por todo tempo que passei ali eu esperei que entrasse, que ele me abraçasse e dissesse que ia ficar tudo bem. Nenhum dos dois veio. Nada ia ficar bem.
-Querida, tá tudo bem. -meu pai alisou meus cabelos enquanto eu chorava aninhada em seu peito. -Não tem problema, você aprende isso depois. Lições de matemática são difíceis mesmo, aposto que sua professora não vai se importar em te ensinar de novo. -Mas, a disse que conseguiu e... -fui interrompida pelos meus próprios soluços. -Shh, vai ficar tudo bem princesa, sempre fica.
Gostaria que ele estivesse aqui para repetir-me isso.
-Vamos, me prometa. -Pai, eu... -Nada de pai eu, você vai me prometer isso sim. Só assim eu vou morrer tranquilo. -disse fazendo graça. -Morrer tranquilo? -É, sabendo que meu maior objetivo na vida foi cumprido. -E qual seria esse objetivo? -ele revirou os olhos, eu ri. -Convencer minha filhinha de que ela é a princesa mais amada desse mundo. Eu ri mais ainda, só o meu pai para me deixar assim. -Agora vamos, me prometa.
-Eu prometo pai, eu prometo. -sussurrei para ele enquanto beijava seu rosto frio e sem vida. -Eu te amo, e sempre que algo no mundo me deixar triste eu vou olhar pra dentro do meu coração e sabe o que eu vou encontrar lá? Esperei que ele respondesse. -Você. -disse por fim. Fecharam o caixão, fecharam parte da minha vida nele.
O mundo é o lugar mais injusto de todos. Um acidente não podia ser capaz de levar de mim o meu pai. Levar de mim o rei do reino que ele havia criado pra mim. O reino em que eu era a princesa mais amada de todas. Minha vida nunca mais seria a mesma, mas eu a levaria adiante. Por ele, meu pai e por minha avó, a única mãe que eu sempre tive.
-O que eu faço com a saudade agora papai? -sussurrei sabendo que dessa vez ele não me responderia.
-Quantos filhos você acha que teremos? - me disse em uma noite deitados sob as estrelas. -Não sei, quantos você quer ter? -Uns quatro ou cinco, o que você acha? -arregalei meus olhos pra ele. -Isso é porque não é você quem vai carregar esse tanto de criança por nove meses e engordar e ficar horrível. -disse me sentando. -É uma experiência que devíamos fazer então. -O quê? -olhei pra ele. -Eu realmente não acredito que você ficaria horrível, por isso deveríamos fazer essa experiência. -me puxou para os seus braços novamente. -Pelo menos não pra mim. -beijou o alto da minha cabeça. Fechei meus olhos, era exatamente ali que eu queria estar. Ficamos em silêncio por um tempo, só as nossas respirações e o martelar dos nossos corações eram ouvidos. -Só se nos casarmos em um castelo. -Por você eu viveria em um. -afagou meu braço e eu senti meu coração dar um solavanco. -Seremos felizes. -disse como quem diz que uma pedra é uma pedra. -Para sempre.
FIM
Nota da autora: Eu realmente desejo de todo o meu coração que vocês estejam com vontade de me matar. Espera, não me julguem louca, ainda. É só que assim eu vou saber que eu realmente consegui transmitir toda a emoção que a personagem sentia e chegar no fim que eu queria. Espero realmente que vocês gostem. Qualquer coisa me chama lá no @clarateixeira_ . Obrigada por lerem e tomara que vocês encontrem seus princípes por aí, e que eles não te deixem.