“Esta cidade, na verdade, faz a gente se acomodar. Eu sei muito bem pra onde estou indo e sinto que qualquer dia vou chegar.” (A Princesa e o Sapo)
’s POV.
Era uma vez... Ah, como eu queria que minha história começasse com esta frase, como num conto de fadas.
É uma pena, no entanto, que nada na minha vida seja parecido com um conto de fadas. A não ser, é claro, a tragédia e as vilãs icônicas dos filmes encantados.
Bom, não havia uma vilã.
Ou, pelo menos, não uma pessoa. A grande vilã, na verdade, eram as próprias situações que a vida me impunha.
Eu estava com a bandeja embaixo do braço, apoiada no balcão, esperando que o próximo pedido ficasse pronto; enquanto o observava.
Eu o admiro.
O admiro por ser quem é, e ter orgulho disso. O admiro por seguir seus sonhos e não ter razões o suficiente para deixar de lado o que realmente quer.
Lá estava ele, tocando seu saxofone no meio do palco, sendo vislumbrado por todos os clientes do bar em que trabalhávamos. O som do instrumento transmitia paz, e era praticamente impossível não parar tudo o que eu estava fazendo, para apreciá-lo.
estava trabalhando há pouco mais de um mês no Blue Martini, e vinha tocar todas as quintas-feiras. Os clientes pareciam estarem apreciando seu jazz, porque o público parecia muito assíduo nessas cinco quintas-feiras desde que ele havia sido contratado por Bill, dono do lugar.
Bom, não que eu estivesse contando ou... Ah, que se dane. Ele parecia ser um cara muito bacana, além de ser um ótimo músico.
Um dos funcionários do Blue me chamou, chamando minha atenção com o prato que estava no balcão, pronto para ser levado ao cliente. Pisquei e sorri, sem-graça; pegando o prato e colocando-o na bandeja e caminhando até a mesa cinco.
Essas haviam se tornado minha rotina às quintas-feiras, afinal. Talvez aquele tinha se tornado meu dia favorito no trabalho, ao menos havia algo para fazer enquanto esperava os pratos serem feitos ou que mais clientes chegassem. E ouvir boa música... Ah, eu amava música. Me inspirava, me dava a esperança de que um dia melhor estava por vir.
Embora esse dia nunca chegasse, eu ainda tinha esperança.
Esperança é a única escolha que temos, não é?
O despertador do meu celular tocou algumas horas mais tarde, mais precisamente às 05h00 AM, alertando que estava na hora de voltar para casa. A apresentação de havia terminado há cerca de trinta minutos, e, bem, não havia mais de dois clientes no bar.
Fui até o escritório de Bill, e bati na porta três vezes. Vamos, Bill, eu tenho outras responsabilidades!
- Entre.
A voz do meu chefe soou longe e eu sorri fraco, abrindo a porta. estava na cadeira em frente a dele, ambos provavelmente conversando.
- Desculpe interromper, Bill, eu... – apontei para a porta atrás de mim, e ele estendeu a palma da mão, sorrindo galanteador como sempre agira comigo.
Era assim, então. Meu chefe estava interessado em mim desde que comecei a trabalhar aqui, há pouco menos de dois anos. Ele era um homem incrível; atraente, bem sucedido, simpático, e caridoso. Provavelmente um dos homens mais cobiçados pelas moças da cidade, mas, é claro, eu tinha responsabilidades demais para agir de modo tão egoísta.
“Ah, . Egoísta querer ter um tempo somente para si?” Era o que minha mente insistia em me dizer todos os dias, a todo o momento, mas vamos lá... Encare os fatos, garota. Você não pode.
- Eu já estou indo também, . – se pronunciou ao canto, sorrindo. Oh, sim. Eu ainda estava aqui.
- Ah, não. – sorri em sua direção, abanando o ar. – Eu só vim avisar que meu expediente terminou e eu preciso voltar para casa, você sabe... – voltei a olhar para o meu chefe, que assentiu.
- Eu sei. Você não precisa vir me avisar sempre, .
- Tudo bem. – ri, acenando. – Até amanhã, Bill. Até a próxima semana, . – disse, antes de fechar a porta atrás de mim.
Certo . Vamos voltar à realidade.
**
’s POV.
- Ela precisa ir embora? – questionei Bill, assim que saiu de seu escritório.
Meu chefe olhava com um sorriso para a porta fechada. Ah, ele realmente esperava que a garota tivesse os mesmos sentimentos por ele? Não fazia pouco mais de um mês que eu trabalhava aqui, mas tinha plena certeza de que ela não sentia nada pelo homem. Ou, pelo menos, nada afetivo o bastante para fazê-la ter algum compromisso amoroso com ele. Pobre, pobre homem.
Eu até poderia sentir pena de verdade... Caso ganhasse um aumento.
Bom, eu não poderia culpá-lo por se sentir assim, no entanto.
parecia ser uma garota... Eu não sei. Ora, é isso, então. Nós nunca chegamos a ter uma conversa com mais de dez palavras, mas ela era... Encantadora? É, talvez essa fosse a palavra.
A garota prestava atenção em todas as minhas apresentações às quintas-feiras, e sempre parecia apreciá-la. Mas eu conseguia ver algo em seus olhos... Apesar do sorriso fraco que apresentava aos clientes e até mesmo aos funcionários, tinha algo em seu olhar. Uma tristeza escondida para quem pudesse ser capaz de observá-la mais profundamente. Era como se estivesse perdida.
Perdida... Mas por quê?
- É. Ela visita a avó todos os dias assim que sai daqui. Passa o dia inteiro lá, estudando, e cuidando da mulher. – Bill voltou a me olhar, enquanto dava os ombros. Tudo bem, ela visitava a avó frequentemente, como o normal. Qual é o alarde disso tudo? O homem a minha frente pareceu perceber minha confusão, porque no segundo seguinte voltou a falar. – Ela tem Alzheimer. – Oh, isso sim é motivo de alarde.
Me arrumei na cadeira, sentindo-me desconfortável. Soltei o ar pela boca devagar, sem saber o que dizer. Alzheimer... Nossa!
- E ela... – comecei, escolhendo as palavras. Umedeci os lábios. – Ela cuida da avó? Sozinha? E os pais?
- Cuida. Tem uma funcionária que a ajuda durante a noite, enquanto está trabalhando, mas têm que ir embora às 05h30 da manhã, por isso a pressa. E, bem, pelo que eu sei, o pai é um zero à esquerda; viciado em jogo. Tem dividas saindo até pelo nariz. – riu, olhando para seus papéis, sem parecer realmente interessado. Ele devia estar, não era? Afinal, gostava da garota... – Parece que a mãe não aguentou e a abandonou há alguns anos. Ela fica aqui à noite, e durante a tarde trabalha na livraria principal da Western. Ah, e estuda em casa também. – sorriu parecendo orgulhoso, e eu o imitei.
- E... Quando ela dorme? – brinquei, mas sabia que no fundo realmente tinha essa dúvida.
- É uma boa pergunta. – voltou a me encarar, mas agora ria novamente. – E um assunto para conversar com ela, obrigado . – assentiu, olhando brevemente para a porta e eu entendi que era hora de ir. Somente sorri de lado e me levantei, despedindo-me com um “até quinta”.
Por nada, Bill.
**
’s POV.
- Vó? – chamei, assim que abri a porta. Mariah, nossa funcionária, havia acabado de sair.
- Menininha. – a mulher de cabelos extremamente brancos falou, sentada em sua poltrona, como todos os dias. Eu sorri, mordendo o canto inferior do lábio. Todo o esforço valia a pena por sua causa. Ela me chamou com a mão, meio envergonhada, assim como uma criança. – Você demorou hoje!
Dei os ombros e caminhei até onde ela estava, sentando-me no chão, apoiando a cabeça em suas pernas. Ela afagou meus cabelos e eu fechei os olhos, sorrindo.
- Foi uma noite bem longa... Você dormiu bem?
- Não muito. Aquela mulher ficou roncando no sofá! – murmurou, irritada. Eu não pude conter a risada, olhando para cima e vendo suas linhas de expressão ainda mais irrogadas pelo meu riso. Parei no mesmo segundo, torcendo os lábios.
- Ela só estava dormindo, vovó. Mas ela cuida muito bem de você, não seja mal agradecida.
- Não sou má agradecida, menininha. Fui eu quem te educou, não se esqueça.
Me levantei, segurando seu rosto delicadamente e depositei um beijo demorado em sua testa.
- Eu não vou. E espero que a senhora também não. – acariciei suas bochechas com os polegares, e ela franziu o cenho; provavelmente não sabendo do que eu estava falando. Era melhor que não soubesse, contudo. Pigarreei, me afastando. – O que a senhora acha de bordar um pouco? Uma vez alguém me disse que isso lhe fazia muito bem. – pisquei, me encaminhando ao armário logo abaixo da TV. A própria havia me dito há alguns poucos anos, quando descobriu a doença, que bordar lhe fazia bem; a mantinha lúcida, ativa. Como eu queria que ela estivesse certa. – Aqui. Faça um bordado bem bonito, hein? – sorri, lhe entregando o tecido, linha e agulha.
- Mas... O que eu farei com isso? – olhou para os itens em sua mão, confusa. Eu engoli a seco, sorrindo fraco. Não deixe transparecer, . Não deixe transparecer...
- Bordar, vovó. Não se lembra? A linha já está na agulha, depois é só costurar... – incentivei, com esperança que ela lembrasse. Ela suspirou, dando os ombros e passando a agulha pelo tecido, como se descobrisse como funcionaria.
- Isso é bom, menininha. Me faz muito bem. – sorriu, alguns segundos após começar. Eu sei, vovó. Eu sei.
Liguei a TV e me deparei com o late-show que estava acostumada à assistir todas as manhãs. Sentei no sofá e apoiei a cabeça numa das mãos. Alguns minutos se passaram e senti meu celular vibrar no meu bolso, o peguei e visualizei o contato: Pai. Um frio passou por minha espinha e eu suspirei, atendendo.
- Pai, bom dia. – entortei os lábios, olhando de soslaio para minha avó. Ele era seu filho, e há anos não tinha contato com ela. Eu conseguia entender seu lado. Bom, o lado da minha avó, é claro. – Hoje é meu dia de folga da livraria, assim que a Mariah chegar eu faço seu jantar e...
- Filha! Você não vai acreditar. Quando voltar para casa, não estarei lá. – disse explicitamente animado, e eu franzi o cenho, me levantando e caminhando para a cozinha.
- Onde você está?
- Querida, consegui uma proposta de jogo incrível. Eles estão pagando uma fortuna por aposta!
Me encostei à geladeira e inspirei profundamente, massageando as têmporas. Esse é mais um daqueles momentos em que eu desejaria profundamente que a terra me engolisse e que só fosse devolvida quando tudo estivesse bem.
- Pelo amor de Deus, pai...
- Filha, me escuta. É sério! Eu vou ganhar. Você não confia no seu pai?!
- E deveria? Depois de tudo o que já fez? – engoli a seco, olhando o dia começar a clarear do lado de fora da janela. – Volta pra casa, por favor.
- Perdão. Mas dessa vez é uma proposta irrecusável. Te ligo em breve avisando que estamos ricos. – e desligou. Dessa vez. Eu quis rir! Quis, não. Eu ri. Ri de sua cara-de-pau, ri de como ele nunca aprende e nem aprenderá. Ri da quão desgraçada minha vida era. Ri para não chorar. Ri, porque era a única alternativa que tinha.
Assim que voltei para sala, logo depois de um copo de leite, minha avó já dormia; com a respiração pesada e os itens de costura nas mãos. Sorri de lado e beijei sua testa, retirando os materiais de seu colo. Furei o dedo na agulha e apertei os olhos.
Maldita! Eu sempre tinha que furar o dedo nisso?
O levei até a boca, sugando o pontinho de sangue que havia formado. Me afastei, caminhando até o quarto de hospedes... Ou, pelo menos eu esperava ter chegado lá.
Outch!
Cai de joelhos no tapete, logo avistando o boneco que havia me derrubado. Obrigado Ken. Ri sozinha, o mais baixo que consegui. Obrigado Alzheimer, por deixar minha avó certas vezes com personalidade de criança e querer bonecos para casar com suas barbies.
Me levantei, pegando os materiais de costura e o boneco, levando-os comigo para o quarto.
Rir, ... Rir porque rir é sua única saída.
**
Eu queria me sentir como aquelas pessoas à minha volta. Queria poder não carregar o peso do mundo sob minhas costas. Queria dançar e beber como se não houvesse amanhã como todos da minha idade. Queria, simplesmente, ser uma jovem de vinte anos como todas as outras.
Me sentei no banco em frente ao balcão, tomando um drink sem álcool. Álcool me lembrava o meu pai enquanto jogava, então... Não. Eu odiava álcool.
Bill começava a se aproximar e eu sorri gentilmente. Ora, era seu aniversário.
- Estou muito feliz que veio, . – balançou a cabeça, num aceno. Ergui o copo e brindei sozinha. – Quero que se divirta, tudo bem? Sei que é difícil, mas...
- Está sendo bom, Bill. Não se preocupe. Só tenho que voltar em algumas horas... – dei os ombros, rindo fraco. – A propósito, obrigada por oferecer aquela diferença para que Mariah ficasse com minha avó um pouco mais hoje. É sábado, e não sei como ela aceitou.
- Não se preocupe. – disse no mesmo tom que eu havia dito, e eu tive que rir verdadeiramente dessa vez. Ele era um cara legal... Um cara legal. E eu não conseguia sentir nada. – Vou dar atenção aos outros convidados, fique à vontade.
E saiu, me deixando sozinha de novo. Eu deveria estar me divertindo, não deveria? Sim. Mas não conseguia. Era como se minha cabeça estivesse a milhão, pensando em todos os problemas a minha volta. Vó, pai, contas, sonhos, sono... Ah, sono. Eu realmente estava com sono. As cinco horas diárias de tal feito não estavam mais dando resultado. Pisquei longamente, mas um clarão me fez arregalar os olhos na hora.
Um flash.
Um flash que me fez olhar em sua direção, o encontrando. segurava uma câmera profissional, e carregava um sorriso divertido no rosto. Não pude deixar de sorrir também, enquanto balançava a cabeça em negação. Uma foto minha quase dormindo, era tudo o que eu precisava.
se aproximou, colocando o cordão da câmera no pescoço, e ainda sorrindo.
- Acho que quero pedir os direitos autorais dessa foto... – brinquei, rindo.
- Esses direitos serão negados, tendo visto que essa foto não irá para nenhum lugar, a não ser o meu ateliê. – se sentou em minha frente, sorrindo desleixado. Era como se ele não tivesse nenhuma preocupação... Ah, tão diferente de mim. – Parece que não está tão animada para a festa quanto todos aqui...
- Pois é. Não é como se eu gostasse muito de tudo isso. – dei um gole em meu drink, tentando desviar meu olhar do de . E, merda, por que ele tinha que me encarar dessa forma?
- Não gosta ou não tem muito contato com tudo isso?
Ahn, o quê?
- Minha rotina não é lá muito fácil, .
- É? Por quê? – apoiou o cotovelo no balcão e eu franzi o cenho. Por que ele estava interessado na minha vida? – Acho que não fomos devidamente apresentados, não é? – Oh, merda. Ele estava lendo minha mente? – Sou , tenho vinte e dois anos e formado em fotografia. – Mm, disso eu não sabia. – Trabalho às quintas no Blue Martini por amar música e... Bom, ganhar um dinheiro por fora. – riu, dando os ombros. Ele era atraente... Ei, espera, . Vamos com calma! – É o melhor de dois mundos. Amo música e amo fotografia. – ergueu a câmera, figurando o que dissera. Nós sorrimos. – Para ser bem sincero, amo tudo relacionado à arte.
- . 20 anos. Trabalho no Blue há quase dois anos por não ter outra opção, não fiz faculdade e... – suspirei. Havia sacrificado isso para cuidar do meu pai, assim que saí do colégio. Ninguém conseguiria pagar a faculdade e... Pagar as dívidas de seu pai. – E também trabalho quatro dias por semana na livraria principal da Western. É o mais perto que chego do que realmente queria para minha vida. – sorri sem humor, e ele abaixou a cabeça por alguns segundos. Ele não parecia muito surpreso com minha história triste. – Mm, você não tem que voltar a trabalhar?
É, . Eu gostaria de ficar sozinha.
- Não acredito se a senhorita está me expulsando! – murmurou incrédulo, com um sorriso brincando no rosto. Não pude deixar de rir, escondendo meu rosto com as mãos. – Bill me deu alguns minutos de descanso... Mas que coisa feia, mocinha. – estalou os lábios, e eu ri mais alto. Ele riu também, me olhando.
O riso foi cessando e eu dei um gole em meu drink, inspirando fundo antes de voltar a falar.
- Você não disse no Blue que era fotógrafo...
- Talvez eu tenha omitido isso.
- Disse que trabalhava dando aula numa orquestra para crianças...
- E talvez eu tenha aumentado isso. – apontou para mim, e nós rimos novamente. – Eu fiz isso assim que sai da faculdade, mas eu não recebia nada. E, bem, eu precisava ganhar um dinheiro.
- E Bill aceitou sua mentirinha de bom grado?
- Aceitou. – fez uma pausa, estalando os lábios. – Quando eu lhe disse que trabalharia em sua festa de aniversário por conta da casa. – confessou, e eu voltei a rir. Rir verdadeiramente... Rir, por sentir vontade de rir.
Contudo, minha risada durou pouco. Estranho seria se tivesse durado muito. Meu celular vibrou em meu bolso e o atendi. Mariah. Meu coração gelou e cerrei os punhos.
- Não queria te atrapalhar, , mas...
- O que houve, Mariah? – respondi séria, e franziu o cenho.
- Sua avó... Ela se esqueceu de quem sou e está agressiva. Quer saber onde está a menininha dela. – disse e eu não pude evitar de sorrir fraco, apertando os olhos. – Tem como você... Ei, dona Louise, a senhora vai quebrar isso! – a voz ficou mais longe e ouvi um barulho de algo caindo no chão. Ofeguei e me levantei. me acompanhou com o olhar. – , venha para cá, sim?!
- Em cinco minutos estou aí. Não deixe que ela se machuque. – avisei, desligando o celular e o deixando em cima da mesa.
Umedeci os lábios e fechei os olhos, levando as mãos para meu cabelo, entrelaçando os dedos ali. Um colapso... Era disso que eu estava perto.
- ? Está tudo bem? – a voz do homem ao meu lado me chamou a atenção, e agora sua feição não parecia mais divertida ou despreocupada. Pelo contrário. Eu balancei a cabeça em negação, engolindo a seco. – Eu posso ajudar em algo? – balancei a cabeça novamente, e inspirei fundo, pegando minha bolsa.
- Desculpa, . E... – perguntei, assim que dei um passo. – Você pode avisar a Bill que tive problemas em casa? – ele assentiu, levantando-se; ainda com o cenho franzido. – Até semana que vem. – disse, meio perdida. O olhei por uma última vez e sai, sem realmente me preocupar se estava ou não esbarrando em alguém.
Que se dane. Era a minha avó.
**
’s POV.
Ela havia esquecido seu celular.
Num segundo, o sorriso em sua boca era o mesmo que seu olhar transmitia. Naquele minuto, por aqueles poucos instantes, ela se sentia feliz... Talvez como não há muito tempo. E, no próximo segundo, quando atendeu o celular; sua feição mudou completamente. Ela estava pálida, com os olhos arregalados e boca seca nitidamente.
“Não deixe que ela se machuque.” Foi o que ela disse, antes de desligar. Provavelmente era sobre a avó... E, ah, eu realmente tinha que me sentir assim? E ainda por cima tinha esquecido o celular... E se ela precisasse daquilo naquela noite? Eu nem sabia onde ela morava!
Pedi uma bebida no balcão e a tomei num gole só. Eu queria ajuda-la... Eu mal a conhecia e queria vê-la feliz de novo. Isso não era tão errado, contudo, era?
Ela era uma pessoa que estava sofrendo e eu, como qualquer outro ser humano racional, queria que ela fosse feliz.
É.
**
’s POV.
Meu celular. Meu celular. Meu celular. Meu celular. Meu celular. Meu celular. Meu celu... Na mão do ?
O que meu celular estava fazendo na mão dele?!
E, espera, o que ele estava fazendo no Blue numa segunda-feira?!
E ah, meu celular... Não deixei de suspirar aliviada. Acho que agora posso ser ao menos um pouquinho mais feliz.
- Parece que a cinderela esqueceu o sapatinho de cristal numa festa, sábado à noite. – ele disse, com um sorriso divertido. Eu ri, passando a mão pela testa. – Ou o celular. – o balançou, e me entregou o aparelho. Ah, obrigada Deus! Beijei o objeto, e ouvi rindo. Ei! – Eu não sabia onde você morava, por isso não levei ontem...
- Ah, obrigada, ! E não precisava se preocupar em me levar ontem. Fui eu que esqueci o celular, a culpa é toda minha. – dei os ombros, checando as notificações. Nenhuma ligação. – Obrigada por tê-lo pego, inclusive. Eu já estava pensando em como conseguiria dinheiro pra comprar um novo. – ri, voltando a olhar para ele. – Obrigada por ter vindo trazê-lo. – sorri, mordendo o canto inferior do lábio. Ele piscou longamente, me observando. Mm, acho que você pode parar agora. – O que houve?
- Me diz você. O que houve naquele dia? – sua feição ficou mais séria de repente e eu desviei o olhar do dele. Essa é a hora em que você se afasta e diz que precisa trabalhar, , mesmo quando faltam trinta minutos para que o bar abra. – ?
- Me desculpe, , eu agradeço por ter trazido meu celular, mas acho que esse não é um assunto muito interessante. – pigarrei, virando-me de lado e organizando as bebidas no balcão. O ouvi rir. Rir!?
- Se não me interessasse, eu não teria perguntado.
Uh, grosso.
Voltei a encará-lo, com a sobrancelha arqueada. Ele se encostou ao balcão, esperando que eu falasse.
- Não te diz respeito.
- Eu acho que diz sim, já que senão fosse por mim, você teria ficado sem celular.
- ! – repreendi, colocando as mãos na cintura. Quem ele pensava que era?
- . – incentivou, sorrindo de lado.
- Minha avó tem Alzheimer. E você é um grosso. – É!
- Ouço muito isso, agora parece que você já me conhece. – riu sarcástico e eu franzi as sobrancelhas. – E... eu sinto muito por sua avó.
- Obrigada. – sorri fraco. Ele inspirou fundo, parecendo pensar no quê dizer... É, diga algo, porque eu também não sei o que falar.
- Ela está bem?
- Por enquanto sim, mas eu não sei no próximo minuto. – fui sincera, dando os ombros. Ele puxou um banco ao meu lado e se sentou, acenando com a cabeça para o banco que estava em minha frente. Suspirei derrotada e me sentei também. Tudo bem, conversar não faz mal a ninguém. – Ela estava tendo uma crise no sábado, não reconhecia a nossa funcionária e eu tive que ir o mais rápido possível. Quando cheguei lá, ela me reconheceu e tudo ficou bem. Pedi para que Mariah fosse embora e ficamos juntas assistindo um programa que ela gosta. – sorri fraco.
- Deve ser complicado... Sabe, cuidar dela. Você tem vinte anos. – É, eu me lembrava...
- Não tem problema. – dei os ombros. Era verdade. Se o problema fosse somente ela... – Acredito que temos a cruz que aguentaremos carregar.
- E seus pais? Eles não te ajudam? – desenhou alguns círculos imaginários no balcão, sem me olhar diretamente. Eu agradeci por isso.
- Minha mãe foi embora há dez anos, não aguentou a pressão de cuidar da sogra e do marido viciado. – ri, sem humor. Aquilo não tinha a menor graça. – Meu pai é viciado em jogos de azar, uma vez chegou a apostar a casa da minha avó; a própria mãe. – murmurou algo incredulamente, e eu dei os ombros. Estava acostumada àquilo. – Ela o processou, e desde então ambos não se falam. Eu moro com ele, e a visito todos os dias.
- E você tem cuidado dos dois... Desde os dez anos? – suas sobrancelhas se uniram; numa feição preocupada. Agora ele me olhava, mas eu continuava encarando as garrafas de bebida à minha frente.
- Ele se casou novamente quando eu tinha doze anos. A mulher era o demônio, - e dessa vez eu tive que rir de verdade. somente sorriu. – e ainda tinha suas crias para ajudar. Duas filhas, mais velhas do que eu, que faziam da minha vida um inferno ainda maior. Minha avó cuidou de mim naquela época, e três anos depois meu pai se divorciou. Ou, bem, sua esposa fez isso. Ninguém o aguentou por muito tempo.
- Só você.
- É o meu dever! – me virei para encará-lo depressa. Era o meu dever cuidar do meu pai... Afinal, ele me colocou no mundo, não foi?
- Seu dever é ser feliz, . Eu só imagino o quanto você perdeu por cuidar dele dessa forma... Você tinha quantos anos quando sua avó foi diagnosticada?
- Alguns sonhos, pelo menos. – sorri de lado, apoiando a cabeça em minha mão. – Eu tinha dezoito. Foi horrível. O mundo desabou...
- E desde então você o carrega nas costas.
Olhei em seus olhos e sorri verdadeiramente. Ele havia entendido. Não havia pedido para que eu jogasse tudo para o alto e fosse viver minha vida, como todos diziam. Não havia me interrompido no meio da conversa, alegando ter algo para resolver. Não havia me olhado com pena...
E, naquele mesmo segundo eu descobri uma coisa: gostava de .
**
’s POV.
- Meu primeiro salário completo como Doutor Collins! Você tem ideia do que isso representa, irmão?
Collins, meu irmão de consideração, estava sentado no sofá à minha frente, enquanto sorria estonteante. Ele era dois anos mais velho do que eu, e havia terminado a faculdade há um ano. Eu estava feliz por ele, aquele era seu sonho desde... Desde que eu o conhecera.
- É claro que eu tenho. – sorri, dando um gole em minha cerveja. – Doutor Collins... O gênio da casa. Nossos pais vão enlouquecer quando você disser.
- Nossa, eles vão! – riu, arrumando os óculos no rosto. – Vocês sabe quando voltam da Itália?
- Em um mês...? – questionei, em dúvida. Eu, realmente, não sabia. – Um filho médico, outro fotógrafo e músico. Vou ser deserdado. – joguei a cabeça para trás, apoiando-a no sofá. Bufei em frustração, fazendo parte da brincadeira. Collins riu, balançando a cabeça.
- Qual é a ideia para gastar esse primeiro salário? – começou a tirar os sapatos, colocando os pés sobre a mesa de centro de nosso apartamento. – Tem direito à três pedidos, caçula.
Mm. Esse é um bom ponto. Olhei sugestivamente em sua direção e sorri, interessado. Eu já sabia – muito bem – o que queria.
- 1º - comecei a enumerar nos dedos. Collins sorriu, colocando o corpo na perna apoiando os antebraços nos joelhos. – você paga o aluguel esse mês. – ele assentiu, de acordo. Eu ri, comemorando internamente. – 2º uma rodada de cerveja no bar onde trabalho. – meu irmão fez uma careta, mas acabou assentindo e rindo. Eu dei um gole em minha cerveja, preparando-me para o quê viria a seguir, e as perguntas que receberia em seguida. – 3º... Eu quero que consulte a avó de uma amiga. – abaixei a mão que enumerava, vendo seu rosto se tornar mais sério, concentrado, talvez.
É, meu irmão. É isso mesmo que você ouviu.
**
“Que importa o mal que te atormenta, se o sonho te contenta e pode se realizar?” (Cinderela)
’s POV.
Eu amava aquela melodia. Me trazia calma, paz... Ah, como eu desejava paz no momento. O relógio já marcava 01h00 da madrugada, e estava terminando sua primeira apresentação da noite.
O Blue Martini não estava tão cheio como de costume; o que me permitiu sentar num banco ao lado do balcão, o assistindo. Ele tocava o saxofone de forma magistral. Era como se tivesse nascido para aquilo... E talvez realmente houvesse.
Assim como eu nasci para...
Bom, para escrever.
Sorri sem humor, dando-me a liberdade de tomar um gole do drink que o barman havia acabado de colocar no balcão. Fiz uma careta, afastando o copo. Isso era horrível!
E acabo de me lembrar mais um dos motivos por odiar álcool.
A apresentação de acabou e ele saiu aplaudido pelos clientes, como sempre.
Voltei a me virar para frente e sorri para o barman, Jason. Parece que nenhum de nós estava tendo muito trabalho hoje.
Meu celular tocou, chamando minha atenção. Ótimo, tudo o que eu precisava era de mais problema... E o quê mais seria um telefonema, se não fosse para trazer problemas?
O número era restrito, e eu engoli a seco, antes de atender.
Ah, Deus.
- Alô?
- Boa noite, é a senhorita ? – murmurei um “sim”. Voz formal demais... Isso não me parecia bom. – Estamos ligando da delegacia do 26º, de Coronada. – me levantei depressa, ah, eu ai desmaiar. Olhei para o lado e vi a alguns metros de distância, me olhando confuso. É, querido, é melhor vir logo ou vou me espatifar no chão. – O senhor Anthony é seu pai, correto?
- É. – senti minha boca secar e coloquei uma das mãos no balcão. agora estava ao meu lado e sussurrava algo como “o que aconteceu?”. Eu também não sabia. – Ele está bem?!
Ah, por favor, que esteja!
- Dependendo do ponto de vista, sim. Fizemos uma apreensão numa casa de jogos de azar, e ele estava lá. Resistiu a prisão, além de estar alcoolizado.
Então era isso... De novo. Sua segunda vez preso, parabéns pai! Você é realmente um exemplo.
Balancei a cabeça em negação e fechei os olhos, apertando-os. Eu ia chorar. Eu ia chorar! Por que sempre tinha que ser assim? Era problema atrás de problema, dor atrás de dor... Frustração atrás de frustração.
- O senhor pode me passar o endereço da delegacia? – murmurei, arrumando forças de onde nem eu mesma sei onde consegui. O policial me passou o endereço completo e... Ah, ótimo. Se eu pegasse um taxi para me levar lá, ele provavelmente cobraria meu salário inteiro.
Desliguei o celular e suspirei. Não é hora de fraquejar, . Não é.
- Delegacia? – disse, ao meu lado. E só então eu me lembrara dele... Ele! Ele tinha um carro!
- , você... – comecei, mas as palavras sumiram. Nós mal nos conhecíamos... Dane-se, podia ser o viciado que fosse, mas era o meu pai. – Você pode me emprestar o seu carro? Eu juro que vou te pagar toda a gasolina! E... Até o amanhecer estou de volta, eu só... – um nó travou minha garganta e eu fechei os olhos, levando as mãos ao rosto. – Eu sei dirigir, e não vou deixa-lo voltar com um arranhão sequer.
- Você realmente acha que vou emprestar meu carro pra você, nesse estado?
Tudo bem. Eu estava preparada para isso.
- Mm, tudo bem. Desculpe. – sorri fraco, virando as costas... E teria o feito, se ele não tivesse segurado em meu braço.
- Você não está em condições de sair sozinha, . Você pode pegar o meu carro à vontade, desde que eu a acompanhe.
Sorri fraco, mas aliviada. E assenti, em agradecimento. Insisti para que fossemos falar com Bill, mas disse que depois inventaria uma desculpa qualquer. Nosso chefe não deixaria que saíssemos, em nenhuma das hipóteses.
Ele não poderia estar mais certo.
Peguei a chave de seu carro e me direcionei para o banco do motorista, foi para o do carona e eu lhe contei a história brevemente. Chovia forte e eu tinha certeza de que quanto mais tentasse correr, mais os pneus do carro ficavam escorregadios.
- Espero que a proposta de voltar com o carro sem nenhum arranhão ainda esteja de pé. – disse em tom de brincadeira, mas verificou se o cinto estava realmente afivelado. Ele estava duvidando da minha capacidade de direção?!
- Não quero ser mal-agradecida, . Mas, acho que eu mesma posso cuidar disso.
- Ah, eu estou vendo o quanto está cuidando. Estamos há vinte minutos na pista e já derrapamos umas... Três vezes?!
- Eu não vou bater, ! Só preciso ir rápido, ok? Meu pai está preso!
- Porque quer, ! – disse de repente, e eu franzi o cenho. Ei, vá com calma, rapaz. – Ele precisa sair disso!
- E você acha que eu nunca falei isso para ele? Oh, é claro, como não pensei nisso antes?! – ri sarcástica, fazendo uma curva novamente e sentindo os pneus voltarem a derrapar. Mm, quarta vez. Não é muito, é?
- Então o deixe aprender sozinho com seus erros! – gesticulou com as mãos, e, ei! Está tirando minha atenção da estrada. – Ele não é mais uma criança, . Ele é seu pai, não seu filho.
- Ele é o meu pai, droga! – disse mais alto, batendo as mãos no volante. me olhou, mas não parecia surpreso com minha reação. Eu estava, no entanto. – É esse o ponto. Ele é o meu pai. – sussurrei, olhando a chuva na estrada à minha frente. Ele voltou a olhar para o lado e balançou a cabeça em negação.
É, . Eu sou um caso perdido.
- Você não precisa estar sempre na defensiva. – ele disse, uns quinze minutos depois da minha breve crise.
- Eu não estou. Mas tente entender, ... Eles são tudo o que tenho. São minha família. Meu mundo é... Isso.
- E não pesa? – o olhei, confusa. Do que ele estava falando? – Carregar tudo isso nas costas, sozinha. Você só tem 20 anos...
- É carregar isso nas costas ou desabar, . Eu não tenho escolha.
Ele ficou em silêncio por alguns minutos e eu agradeci mentalmente. Ele não sabia o quê falar... Era compreensível. Ninguém nunca sabia, não sabia porque simplesmente não havia o quê falar. Não havia saída.
- Dar-se um tempo é uma escolha. – disse, me surpreendendo... Me surpreendendo tanto, que no mesmo segundo em que me virei para encará-lo, os pneus do carro derraparam pela quinta... E ultima vez. O veículo deu cerca de três voltas completas e desceu alguns poucos metros da parte gramada da estrada, antes de bater numa árvore, por fim.
Minhas mãos ainda estavam tremendo, meus olhos arregalados, o coração à ponto de sair pela boca e... Eu estava viva?!
- Eu. Vou. Te. Matar. – sibilou entre os dentes e eu o olhei, com os olhos mais arregalados ainda; se possível. É, se eu estava viva, parece que isso não duraria por muito tempo. – .
- Ai, desculpa. – fiz uma careta, desafivelando meu cinto de segurança. – Desculpa! Desculpa, desculpa, desculpa, desculpa, desculpa. Me desculpa ! – juntei as palmas das mãos, como se fosse fazer uma oração. Ele estava olhando para frente, provavelmente contando até dez mentalmente. É, eu vou morrer.
- Nem um arranhão, não é? – mordeu o lábio, segurando um... Sorriso? – . – me olhou, e começou a rir. Começou a rir! Ah, meu Deus. Eu o amava. – Vi um albergue há três quilômetros. – disse, desafivelando o cinto de segurança e se esticando no banco de trás, buscando um chapéu e jaqueta. Ele abriu o porta-luvas e pegou um óculos. – Mas é somente para homens. – e abriu a porta, saindo.
Espera, o quê?!
- Como assim, ? – abri a porta do meu lado e... Merda, estava chovendo mesmo. Eu ainda precisava ir para a delegacia... Mas não era uma boa para tocar nesse assunto, não é? Não quando eu havia acabado de bater o carro de . Tudo bem, era só uma noite, não lhe faria mal... Talvez um pouco de aprendizado.
- Só coloca o chapéu, o óculos e a jaqueta. – me entregou tudo, e eu os olhei.
- Se eu questionar, você vai brigar comigo?
- Vou. – disse sem pestanejar, começando a andar um pouco à frente. Nada cavalheiro.
- Você quer que eu me torne um homem? – questionei, e o ouvi rir. Não pude deixar de sorrir... Bom, ao menos era um pouco sinal. Vesti a jaqueta e agradeci aquilo no momento, estava frio. – Eles não vão acreditar. – avisei, enquanto colocava os óculos e chapéu. Que espécie de pessoa colocava chapéu e óculos escuros às... 02h00 da madrugada?!
- Só confie em mim, . – pediu, e eu não tive como hesitar. Eu havia batido o seu carro...
E agora meus pés estavam cheios de lama.
E levando minha bolsa. Ele poderia ajudar com isso, pelo menos, não podia?
É, parece que não... E, ei, me espera!
**
’s POV.
estava logo atrás de mim, murmurando palavrões assiduamente. A chuva já havia nos deixado encharcados, mas, bem, o quê eu podia fazer? Era tudo culpa dela.
Ela bateu o meu carro.
Ah, o meu carro... Meu carro novo.
Suspirei derrotado e parei em frente ao albergue. A placa “só aceitamos homens!” brilhava em meus olhos, enquanto a mesma parecia estar perto de se deteriorar.
finalmente chegou ao meu lado e me olhou, como se esperasse meu próximo passo.
Bom, tudo bem. Eu posso fazer isso.
- Boa noite? – disse, assim que abrimos a porta de madeira; que estava caindo aos pedaços. Mas a culpa é da ! – Ahn, oi? – chamei, vendo um homem que não devia ter mais do que 1.60 de altura logo atrás do balcão... Que um dia já foi de informações. Vi arrumar a postura e abaixar levemente a cabeça, ela tinha prendido os cabelos; deixando-os escondidos no chapéu. É... a garota sabia o que fazer.
Eu não me surpreendia, contudo.
- O que quer? – o atendente disse, em tom rude. Oh, vamos com calma, amigo... E por que ele estava olhando tanto para ?
- Bom, - pigarreei, entrando um pouco na frente dela. – eu e meu... Primo. Eu e meu primo estamos procurando algum lugar para passar à noite, já que o meu carro... Quebrou, há poucos metros.
- Ah... – sussurrou, nos medindo de cima à baixo. Ah, merda, pare. – Nós já estamos lotados. São sete quartos e já temos seis hospedes, e, bem, contando comigo...
- Ahn, mas nós... – pense em algo, ! – Tudo bem, vou contar a verdade. – ofegou ao meu lado e eu a olhei de soslaio. Não estrague tudo, mulher! – Meu primo é novo na cidade, e ele tem um problema bem sério. É surdo e mudo o coitado... Por isso não repare nele, por favor. – dei ênfase, e o homem voltou a me encarar; no susto. Isso. – É muito delicada sua situação. Nós fomos assaltados logo perto daqui e levaram o meu carro, não temos para onde ir e está sendo um dia bem difícil. – suspirei, desviando o olhar dele. – Não nos importamos de dividir o sofá dessa recepção que seja, só precisamos de um abrigo por esta noite. Por favor.
- Mm... – pareceu pensar, e eu lhe sorri de lado; duvidoso. – Tudo bem. – abanou o ar e sorriu, simpático dessa vez. Ah! – Não tem problema, se arrumem aí e tudo estará bem pela manhã.
- Obrigado! Você não sabe o bem que está nos fazendo. – passei o braço pelos ombros de ; que se enrijeceu. – Ainda há seres-humanos bons no mundo, primo.
- Ah, eu faço o que posso. – riu, de modo nada modesto. – A propósito, nós sete estamos no salão do albergue tomando algumas cervejas e ouvindo músicas. Se quiserem...
- Nós adorari... – senti cutucar minhas costelas com o cotovelo e ri, tirando meu braço de seu enlace. Um pouco de diversão não mata ninguém. – Nós adoraríamos! Definitivamente, adoraríamos.
O baixinho sorriu para nós e acenou com a cabeça, pedindo que o seguíssemos. O fizemos, mesmo sem a aprovação imediata de .
Chegamos à uma espécie de bar – que também caía aos pedaços – e os seis homens cantavam animados em cima de um pequeno palco logo no canto do local. Alguns brindavam com suas canecas de cerveja, outros riam contando piadas. É, eles sabiam se divertir... Diferente daquela que estava ao meu lado; que agora parecia tão avulsa à situação. Ela nunca havia, de fato, se divertido. Se dado um tempo dos problemas, vivido sua vida; por si só. Observei um sorriso torto em seu rosto e não deixei de sorrir junto.
Eu gostava dela.
Gostava muito.
- Aqui, aqui, todos! – o pequeno recepcionista subiu num banquinho para anunciar; chamando a atenção de todos os outros. – Temos novos hospedes por esta noite! Esses são...
- e... – olhei para , que arregalou os olhos. – Mulan. e Mulan. – sorri, voltando a olhar para o homem; que assentiu, nos apresentando aos seis hospedes. Terminou dizendo um simpático “divirtam-se” e se foi, juntando-se ao grupo que contava piadas.
- Mulan?! – disse ao meu lado e eu voltei a rir, virando-me para encará-la.
- Mulan se veste como um homem para ir à guerra, não é? – sussurrei, puxando-a para uma mesa no canto. Ela deu os ombros, sentando-se. – É quase uma guerra. – sorri, batucando os dedos na mesa.
- Você é um belo mentiroso.
- Eu disse! Deveria ter sido ator, droga. – brinquei, ouvindo-a rir baixo. – Shh. – pedi, levando o dedo indicador aos lábios. Ninguém poderia ouvi-la. – Dar-se um tempo é uma escolha. – repeti a frase que tinha dito no carro, chamando sua atenção. – Um tempo para viver normalmente, . Se divertir... – acenei com a cabeça, ouvindo a música country que começava. Ela sorriu divertida, balançando a cabeça.
- Eu não tenho tempo, .
- Eu acho que tem, hein? – me levantei, erguendo a mão para que ela a segurasse. – Ao menos nessa noite, você tem. Vamos, princesa. – pisquei, fazendo menção ao nome Mulan. Ela riu e se levantou, assentindo e segurando minha mão.
Nos desfazemos das mãos para que ninguém visse e nos juntamos aos outros homens na pista, fazendo os passinhos manjados de country. riu, escondendo o rosto com as mãos, ao errar um dos passos.
Outra música de country ainda mais famosa se iniciou e ela deu alguns pulinhos animados e eu não tive como repreendê-la. Ela estava feliz... Ela estava feliz de verdade!
A melodia se acelerou e ela a acompanhou, parecendo ser a única a conhecer a coreografia tão bem. Alguns dos hospedes começaram a juntar-se ao seu lado e aplaudi-la, ah, merda... Eles iam descobrir. Entortei os lábios e franzi o cenho, segurando a risada. Dane-se. Ela estava se divertindo.
E eu também.
E teria estado ainda mais, se no final da música, não tivesse parado de dançar no mesmo segundo em que cravou os olhos atrás de mim e... Gritado.
- Um sapo!
Você é muda, mulher! apontou e correu na direção oposta, deixando cair o chapéu e óculos... Ótimo. Cobri o rosto com as mãos, enquanto via os sete homens à minha volta encarando-a, confusos.
E era para ser um homem também... Parece que ela percebeu o erro no mesmo minuto, pois arregalou os olhos e levou as mãos aos lábios, cobrindo-os. É, a merda já foi feita, querida, não adianta.
- Era um sapo! É um sapo! – tentou se redimir, olhando para mim. Não tinha mais jeito... Suspirei e me direcionei ao anfíbio, jogando um guardanapo de pano sobre ele e pegando-o. Fui até a janela e o joguei. Todos continuavam estáticos, olhando para , que sorriu sem-graça, se aproximando de mim.
- Não tínhamos lugar para dormir porque o carro quebrou, esse era o único albergue ou hotel por perto e viemos, mesmo sendo direcionado somente à homens. – começou, atropelando as palavras. O recepcionista simpático estava sério, com os braços cruzados. – Desculpem. Vamos embora, . – entortou os lábios, numa careta. Suspirei e assenti, dando um passo para o trás.
- Esperem. – o recepcionista disse, olhando para os outros homens. – Se for somente por essa noite, tudo bem. De acordo?
- Por mim tudo bem, ela pode até nos ensinar novos passos. – um mais velho ao seu lado falou, e todos riram; assentindo. Com exceção de um, que ficou no canto, com sua carranca. Bom, não era um ponto muito estranho se levarmos em consideração de que ele estava assim desde que chegamos.
- É, vocês são muito simpáticos. – outro baixinho disse, parecendo envergonhado. riu, batendo uma mão na outra, numa espécie de palmas animadas.
- Obrigada! – riu, e no mesmo segundo me abraçou de lado, olhando para os sete homens. Eu sorri, passando o braço por sua cintura; abraçando-a.
É, eu gostava mesmo dessa garota.
**
’s POV.
Já estávamos há duas horas aproximadamente no albergue, e aquelas horas... Aquelas horas estavam sendo as mais felizes de toda a minha vida. Alguns dos homens cantavam, tocavam o violão, gaita, e algum tipo de instrumento com batuque, do qual eu não conhecia. Não era surpresa isso, contudo. O que eu conhecia? Eu não conhecia nada. Ao menos sai para me divertir alguma vez na vida.
E agora eu estava... Ah, eu estava me divertindo muito.
batucava os pés no chão no mesmo tempo em que as melodias country tocavam. Aquela já era sua segunda cerveja, eu estava na primeira.
“ tomando cerveja enquanto se diverte numa noite sem preocupações.”
Parece piada.
Um dos hospedes se aproximou de mim respeitosamente e me puxou para dançar. Eu ri e o aceitei, movendo-nos no ritmo animado. acompanhava toda a cena enquanto se apoiara no balcão, com um sorriso satisfeito no rosto. Lhe sorri de volta e encarei meu parceiro; que já estava encharcado de suor. Oh, parece que todos estavam se divertindo o bastante.
Aparentemente, era uma boa ideia ter uma mulher no lugar, pela primeira vez.
- Gelly! – chamei, assim que o ouvi começando algumas notas no violão. – Isso era o que estou pensando?! – Ah, meu Deus. Eu amava aquela música. O homem sorriu, assentindo. – Man! I feel like a woman! – brinquei, falando no ritmo da música. – Por favor, Gelly. Por favor. – coloquei minha caneca com cerveja numa mesa que estava ao lado e me dirigi ao palquinho no centro. Olhei em volta e encontrei a primeira coisa que se transformasse em meu microfone imaginário. A única coisa que encontrei foi uma colher. Serviria. – Let’s go... Boys?! – mudei a letra, e todos riram. Inclusive , que agora havia chegado mais próximo ao palco. Ele jogou a cabeça para trás e aplaudiu, gargalhando. Ora! Não duvide do meu talento! Gelly voltou com o violão, e outro hospede o acompanhou com a gaita. Ah, isso ia ser muito legal. – I'm going out tonight... I'm feelin' alright, gonna let it all hang out. – comecei a cantar, e de repente, a música fazia sentido. Era exatamente o que eu sentia, e pareceu perceber, porque começou a me acompanhar; batendo palmas no ritmo da música e andando de um lado para o outro, num passo country. Os outros quatro que estavam em pé passaram a acompanha-lo, e eu ri, continuando. – Wanna make some noise, really raise my voice, yeah, I wanna scream and shoooout! E no próximo minuto, eu estava tendo a performance de uma rockstar. E aquilo nem era rock! O quão estranho é isso? Eu ri, e... Por que está tirando uma foto minha? Ri novamente. Os homens ao meu lado pareciam tão engraçados e agindo tão rapidamente... Havia sido só uma cerveja mesmo? Eu não conseguia me lembrar. Mas era bom estar assim... Por essa noite. E ah, não, pare de pensar, . Pare de pensar!
- No inhibitions make no conditions, get a little outta liiine... – desci do pequeno palco, ficando à frente de e enlaçando um braço em seu pescoço, ele riu, balançando a cabeça e pegando o celular no bolso novamente, tirando outra foto. Ei, eu não devo ter ficado muito bonita. – I ain't gonna act politically correct I only wanna have a good ti-i-i-me – dancei no ritmo e ele me acompanhou. Mm, se move bem. Oh, e eu não pensei isso. A música foi chegando ao fim e me afastei, voltando ao meu lugar de onde nunca deveria ter saído. Ou ao palco, que seja. – Oh-oh-oh, I wanna be free - yeah, to feel the way I feel. Man! I feel like a woman! – e terminou. É, eu devia ter nascido para isso. Olhem só esses homens todos me aplaudindo... É, eu devia ser uma estrela.
O relógio no centro da parede no salão do albergue anunciava que o dia já estava perto de clarear, e, com isso, a hora de ir embora... Ah, não. Eu não queria pensar nisso.
conversava com Rupert, um dos hospedes, sobre fotografia ou algo assim. Eu estava sentada no balcão, sorrindo como uma boba. Era tão bom estar num ambiente como esse... Era leve.
Leve.
Mm, eu estou leve. E com fome, muita fome. Avistei no fundo do balcão uma cesta com frutas e não pensei duas vezes antes de pegar uma maçã. A limpei na camisa e dei uma mordida.
Eu vou morrer.
Há quantos séculos essa pobre fruta está aqui?! Três, no mínimo. Engoli o pedaço que estava na boca – a muito custo – e dei um pulo do balcão, indo em encontro ao meu... Companheiro. Ri, tocando em seu ombro. Ele me olhou e sorriu... Eu adorava o seu sorriso.
- A senhorita dançou com todo mundo, e comigo não. O que acha? – disse em tom ofendido. Eu ri, beijando sua bochecha.
- O senhor me daria a honra desta dança? – convidei, em tom cordial. Ele fingiu pensar, e logo me puxou para o centro. – Obrigada. – franziu o cenho, levando minha mão ao enlace de seu pescoço. Seus braços estavam envoltos à minha cintura. – Por tudo isso, . Significa muito para mim. Você me livrou dos problemas por horas inteiras, eu fui... Eu vivi de verdade.
- Não foi eu, princesa. – sussurrou o apelido carinhoso e eu sorri, acariciando sua nuca. – É só você. Quando e onde quiser, você pode fazer tudo. Não importa o que esteja acontecendo. Tudo, .
**
Já faziam quarenta minutos desde que havíamos saído do albergue. Dois dos hospedes ajudaram a concertar algo... - ora, eu não sei - no motor do carro. A batida nem havia sido tão grande assim.
O dia já havia amanhecido e estava incrível. O sol brilhava no céu obscenamente azul... Aquele tempo me trazia alegria. Tudo parecia fazer sentido.
Mais alguns minutos na estrada e avistei o quê parecia uma... Torre?
- , o que é aquilo? – apontei para a enorme estrutura em metal, ela era linda.
- A Torre de Lesthigh. Nunca ouviu falar? – neguei, observando-a. Ele estacionou o carro e franzi o cenho, virando-me para encará-lo. – Vem, dá para subir lá. – sorriu de lado, abrindo a porta do motorista e saindo. É, motorista... Acho que não seria saudável pedir para dirigir seu carro depois do... Pequeno acidente. Dei os ombros e abri a porta ao meu lado, saindo também.
nos levou ao que parecia uma escada na parte interior da torre e começou a subir, e eu o segui. Altura não é muito o meu forte, mas... Dane-se.
Alguns pouquíssimos minutos e lá estávamos, no topo da Torre de Lesthigh. Não era tão alta quanto eu imaginava, mas a vista que tínhamos era... Ah, meu Deus. Eu nem tinha palavras para descrever. Tudo parecia ainda mais bonito visto dali. Me encostei ao parapeito, ficando ao seu lado, e o olhei; sorrindo.
- Como descobriu isso aqui?
- Meus pais costumavam vir aqui quando eu e meu irmão éramos pequenos. Um dia nos separamos e subimos aqui, por pura curiosidade. E, bem, como você pode ver... Valeu mais do que a pena. É uma boa lembrança.
- Para mim também. – sorri, observando o horizonte a minha frente. – Bom, a partir de agora será... – ri, ouvindo-o fazer o mesmo. – Têm sido horas incríveis.
- Não precisa acabar, .
Eu ri sem humor, balançando a cabeça.
- No momento em que eu chegar naquela delegacia a minha vida já retomará, . Não é uma escolha.
- Isso pode não ser, mas as atitudes que você toma da sua vida, são. Tudo bem, você cuida de sua avó e do seu pai, mas... E aí? – pareceu óbvio, e eu o olhei. – Sua vida só se resume a isso? Não tem que ser assim, não pode ser assim. Você tem noção do quanto se divertiu hoje à noite? – assenti, sorrindo de lado e voltando a encarar a paisagem à minha frente. – Não é proibido dar-se um tempo, . Não é proibido ser feliz. Faça a vida valer a pena.
E naquele momento eu não tinha palavras para respondê-lo. Não as tinha, porque nenhuma parecia ser digna o suficiente. Contentei-me em sorrir, fechando os olhos e inspirando a brisa que a manhã nos trazia.
Um novo dia começara.
**
’s POV.
estava na sala do delegado há cerca de quarenta minutos quando eu voltei a olhar meu relógio de pulso, provavelmente pela décima vez desde que chegamos ali.
- Obrigada de toda forma, senhor. – ouvi sua voz e ergui a cabeça, olhando-a. Chequei suas expressões e... Não encontrei nada. Exatamente nada. Nem alegria, nem tristeza, nem apreensão... Ela estava oca. Nula.
Me levantei e ela sorriu de lado, sem humor algum. Se ao menos soubesse o quanto odeio quando ela faz isso... Sorri, mesmo quando não sente vontade, só para se mostrar “bem” de alguma forma. Eu desconfiava que ela não expressava seus reais sentimentos há, pelo menos, alguns anos. Era como se ela tivesse desaprendido, como se tivesse se segurado por tanto tempo, que tudo houvesse secado.
O delegado voltou à sua sala e andou em direção à porta, acompanhada de um policial. Os segui.
- E... seu pai? – perguntei, em dúvida. Eu deveria falar aquilo?
- Ele vai ficar aqui por mais um tempo. – sussurrou, com a voz embargada. Segurei o lábio inferior entre os dentes, sem saber o quê fazer. Eu queria abraça-la... Mas aquilo a deixaria frágil, e pelo que eu conhecia daquela menina, ela não podia fraquejar, ainda mais agora. respirou fundo e balançou a cabeça, provavelmente espantando o choro. Não faz isso... – Eu ainda tenho que voltar e ir para a casa da minha avó, ver como ela está e dispensar Mariah. Ir para o meu trabalho na livraria, sair de lá correndo, dar um jeito na minha casa que não vê uma boa limpeza há alguns dias e depois ir para o Blue. Podemos ir? – se virou para mim, e dessa vez eu não tive como controlar. A abracei sem que ela pedisse ou esperasse. Apoiei o queixo no topo de sua cabeça e afaguei seus cabelos, enquanto a senti envolver os braços em meu quadril, mesmo que com dúvida. Ela não chorava, mas ofegava alto. Ela tinha tanta responsabilidade. Ela tinha... Tanta coisa. E, ao menos tempo, não tinha nada. – Está tudo bem. – sussurrou, mais para si mesma do que para mim; como um mantra. Apertei mais meus braços em sua volta e ela suspirou. Não está nada bem, . – E-eu... – começou, se afastando cuidadosamente. – Obrigada. – sorriu verdadeiramente, beijando minha bochecha.
- Queria que me agradecesse por algo realmente importante que eu faça, . E eu ainda farei. – sorri fraco, passando o polegar por sua bochecha rosada.
- Você faz muito.
E aquela frase foi o suficiente para que eu ficasse o dia inteiro pensando. Pensando em , em como ajuda-la, e em como, de alguma forma, salvá-la.
**
’s POV.
- !?
Foi a única coisa que disse ao vê-lo assim, parado à minha frente, ao lado de um homem. Ele sorria simpático e eu não tive como não imitá-lo, mas... O que raios ele estava fazendo na casa da minha avó?
- Espero que não tenha sido uma hora ruim. – neguei, ainda confusa. O que ele estava fazendo ali? – , eu e Collins podemos entrar?
- Podem... Eu acho. – ri, balançando a cabeça. Olhei para o canto da sala e vi minha avó os olhando; ainda mais confusa do que eu. Ah, por favor, não tenha uma crise agora. – Quem é... – olhei para o homem ao seu lado, mas parei de falar no mesmo segundo. Não era aquilo que interessava. – O que estão fazendo aqui?
- Ahn... – começou, parecendo também não saber o que dizer. Ótimo. – Primeiro, - lembrou-se e eu não tive como não rir. – trouxe isso aqui para você, - ergueu uma das mãos, segurando uma rosa. – e essa aqui para a sua avó. – ergueu a outra mão, com uma rosa tão linda quanto a primeira. Ah, Deus. Ele era tão lindo.
- Obrigada. É linda, e eu amo rosas. – sorri, sentindo minhas bochechas esquentarem. – E por que não dá você mesmo a rosa para minha avó? – ergui uma sobrancelha, olhando-o sugestiva. Ele olhou para o homem ao seu lado e sorriu, dando os ombros. Indiquei a poltrona onde minha avó estava sentada e ele andou até lá, com passos calmos.
- Senhora? – chamou, e eu cruzei os braços. Aquilo seria interessante. Minha avó o mediu de cima a baixo e tirou seus óculos do rosto, apoiando-os no sofá ao lado. – Ficaria lisonjeado se aceitasse essa rosa, provando o meu agradecimento e do meu irmão, por nos receber em sua casa. – disse como um verdadeiro cavalheiro dos tempos antigos e eu tive que cobrir a boca com as mãos para não rir alto. Vovó finalmente sorriu e aceitou a rosa, acenando brevemente para ele; que saiu, voltando a ficar ao lado do... Irmão?. Em seguida, olhou para mim e me chamou com a mão, como se guardasse um segredo.
- Ele é encantador, menininha. – sussurrou e eu voltei a rir, assentindo. – E é especialmente atraente também.
- Oh, vovó! – voltei a levar a mão à boca, segurando a risada. Houvera sido em vão, já que ouvi a risada dos dois logo atrás. – Shh. – pedi, piscando para ela; que correspondeu à piscada. Voltei para e o olhei, sorrindo. Eu ainda queria uma explicação. – E então... Collins? – ele assentiu. – O que faz aqui?
- Prazer, . – sorriu comedidamente, esticando a mão para o comprimento e eu a aceitei. – Sou irmão do , e médico também. – franzi o cenho. Oi? – Ele me disse há algum tempo sobre a condição da sua avó, - sussurrou, para que ela não ouvisse. – e, bem, sei que não tem muito... Tempo – disse em dúvida e eu ri. É, doutor, não tenho dinheiro mesmo. – para leva-la ao médico e enfim, gostaria de saber se posso consulta-la.
E eu ia chorar. Eu tinha certeza de que iria, se não tivesse ouvindo minha avó cantarolando no fundo, uma música romântica talvez. Ela ainda estava pensando na rosa que lhe dera. Eu só pude sorrir, enquanto fechava os olhos e balançava a cabeça em negação. , definitivamente, não existia.
- ? – ele chamou, e o quê eu poderia falar? “Obrigado”? Aquilo já estava banal quando se tratava da minha relação com . Eu havia dito muitos “obrigados” para ele ultimamente. Nada parecia ser capaz de superar isso, contudo. Eu só podia agradecê-lo, agradecê-lo, e, finalmente, agradecê-lo.
- Obrigada. – solucei aliviada, e ele riu, assentindo. – E obrigada. – me virei para seu irmão, que somente sorriu, piscando os olhos longamente. – Eu vou deixá-los à sós, caso precise de qualquer coisa é só me chamar, tudo bem? – disse, e ele assentiu, se aproximando da minha avó. – Aqui, vovó, este é Collins e você pode conversar com ele, ok? É uma ótima pessoa. – sorri, e ela o mediu assim como fez com seu irmão. Collins beijou as costas de sua mão e ela sorriu finalmente. Suspirei aliviada e puxei junto à mim para o quarto de hóspedes.
Não demorou muito até que ele já se sentisse à vontade no quarto, e eu ri, olhando-o sentado na cama que eu dormia às vezes.
- Sabe o que não consigo entender? – neguei, prestando atenção. – O motivo de você não morar com sua avó...
- É complicado, . Meu pai não fala com ela há alguns anos e eu continuei morando com ele, assim como estava acostumada. Embora hoje passe mais tempo aqui do que na minha própria casa. – dei os ombros, olhando em volta.
- Faz sentido. – se levantou, caminhando à prateleira na parede oposta. – Parece que alguém aqui gosta de ler... – disse, enquanto pegava um livro. Eu sorri, caminhando até ele.
- Tenho muito mais em casa. – dei os ombros, olhando a prateleira. – É o mais perto que posso chegar do meu sonho. Bem, isso e trabalhar numa livraria.
- Quer ser escritora, ? – sorriu, mas não era o tipo de sorriso que me dão ao lhe falar que quero ser escritora. Normalmente riem debochadamente, ou sorriem ironicamente. “Certo, e o que você quer mesmo fazer? Porque isso deve ser um hobby...” ou “Ah... E qual é a primeira opção?” Essa é a primeira opção, droga. É o que eu quero, e somente isso. não me incriminava.
- Quero. É exatamente o que me vejo fazendo pelo resto da vida.
- E por que ainda não começou? – disse parecendo óbvio e eu ri. Ele estava falando sério? – , se isso te faz tão bem, por que não tentou ainda? Está na hora de começar a colocar seus sonhos acima de qualquer coisa.
- Eu não sei se sou boa o suficiente, ...
- Você só vai saber quando tentar, mulher. – sorriu, colocando o livro de volta à prateleira. – Meus pais têm alguns amigos que trabalham em editoras.
- Ahn? – pigarrei, cerrando os olhos. – Não, chega. Você já fez demais por mim. – ri, me afastando. – , não.
- Você tem algo pronto? Me manda por e-mail. – mordi o lábio, eu tinha várias coisas prontas... – E então vemos no que dá. – assenti, sorrindo e abaixando a cabeça levemente, encarando meus sapatos. – O que é aquilo? – ergui a cabeça, olhando na direção em que ele olhava.
- Nada. – engoli a seco. Ah, merda.
- , - riu, dando alguns passos em direção à cômoda. – o que é aquilo?
- Uma cômoda. – tentei parecer o mais óbvia possível, enquanto ria. me olhou incrédulo, segurando um riso. – !
- São conchas? – disse, assim que se aproximou do vidro lotado de conchas, logo em cima da cômoda. Ah, que se dane.
- É. Eu... Eu coleciono conchas. – ergui uma sobrancelha, olhando-o desafiadora. Ah, qual o problema de se colecionar conchas? Não é tão infantil assim... Né? – Não me olha assim! – mordi o sorriso, vendo que ele queria rir. Ah, eu odeio o .
- Você é muito fofa. – riu, voltando a me encarar. Seu olhar não era repreendedor, e muito menos como se zombasse. Era... Carinhoso. – Por que conchas?
Sorri, finalmente caindo em mim. Eu tinha, definitivamente, que parar de encará-lo dessa forma.
- Mm, conchas me lembram o mar, e, bem... Eu sou completamente apaixonada por praia. É o único lugar em que posso estar e me sentir verdadeiramente feliz, me traz paz... É como um porto-seguro, literalmente.
somente continuou me olhando, daquela forma intensa como todas as vezes; e sorriu logo em seguida.
Ele tinha, definitivamente, que parar de me encarar dessa forma, também.
**
- Vó? – chamei, assim que abri a porta de sua casa. – Desculpe a demora, tive que ficar alguns minutos a mais na livrari... – parei no meio da frase, ao encará-la e ver sua feição assustada. Seus olhos estavam arregalados e seus braços abraçando a si mesma, como se estivesse se protegendo de algo... Ou de alguém. – Está tudo bem, vovó?
- Quem é você?! – Não... – E por que está me chamando de avó? Quem é você? – se levantou, colocando as mãos na frente do corpo. – Ah, não, por favor...
- Vovó? – disse, já com a voz embargada. Eu sabia que esse dia chegaria alguma hora, mas... – Sou eu, a menininha... – sorri fraco, esticando minha mão em sua direção. Ela negou assiduamente com a cabeça, olhando em volta; como se estivesse sendo observada. – Está tudo bem...
- Não! – voltou a me encarar, agora ainda mais assustada do que quando eu chegara. Ah, meu Deus... – Eu não sei quem é você! Vá embora agora ou chamarei Frankie! Você por acaso sabe que meu marido é policial, senhorita?
- Meu avô morreu há quase trinta anos, vó... – tentei. Algo tinha que funcionar, ela não podia simplesmente... Ir embora assim. – Olhe para mim, sou sua neta, a menininha...
- Eu não tenho neta! Meu filho está com cinco anos de idade, como pode ter uma filha? Ora! – riu sarcástica, e por um segundo realmente parecia uma mulher jovem, suas frases, suas atitudes... - O que está acontecendo?! Frankie? Frankie!? – chamou alto, andando de um lado para o outro. Segurei o lábio entre os dentes, sentindo meus olhos encherem-se de lágrima. Parece que elas não haviam secado, como eu pensara. – Vai embora! – gritou, protegendo o corpo com os braços novamente.
Entreabri os lábios para dizer mais alguma coisa, mas não consegui. Seu olhar amedrontado, seus gritos... Eu tinha que ir embora ou ela acabaria se machucando. Engoli a seco e sai, aérea.
Minha avó medindo minha altura, quando eu tinha seis anos.
Minha avó me levando ao primeiro dia de aula no ensino fundamental.
Minha avó me ensinando a receita do bolo da nossa família.
Minha avó me contando histórias antes de dormir, todas as noites.
Minha avó me aconselhando sobre meu primeiro amor.
Minha avó me abraçando quando minha mãe foi embora, me abandonando.
Minha avó enfrentando o meu pai por causa de sua esposa.
Minha avó rindo comigo de seus programas de TV favoritos.
Minha avó que estava sempre comigo... Minha avó havia se esquecido de mim.
Peguei o primeiro ônibus que passou em direção à praia mais próxima e me sentei no único banco vago. As lágrimas se acumulavam em meus olhos, mas nenhuma parecia saber como se libertar. Não estava surpresa, contudo. O nó cobria minha garganta, não deixando sequer que eu falasse. Minhas mãos tremiam e eu só conseguia pensar nela. Mandei uma mensagem para que Mariah fosse vê-la, nem que fosse de longe, só para saber como ela estava.
Ela precisava ficar bem.
Eu estava sentada na areia da praia, aproximadamente quarenta minutos depois de ter pego o ônibus. O dia já estava escurecendo e eu não sabia mais o quê fazer. Não sabia para onde ir, com quem falar, como iria ser depois, o que eu faria... Era tudo tão difícil. Meu limite havia chego, e eu nem tinha me dado conta do quão perto dele estava.
O celular vibrou no bolso da minha calça jeans e como no automático eu o atendi, ouvi a voz de ; parecendo animado.
- Em dez minutos passo na casa da sua avó, vou te levar pro Blue de carro. Hoje é quinta-feira! – ele parecia estar sorrindo, e eu sorri de lado; sem humor.
- Eu não vou... – minha voz saiu mais fraca do que eu imaginava. Mais embargada do que já ouvi em toda a vida.
- ? – sua voz ficou mais séria e mais alta de repente, talvez ele tivesse se afastado do barulho do local onde estava. – O que aconteceu?
Olhei em volta, na praia deserta. Uma lágrima finalmente escorreu pelo meu rosto e eu sorri levemente. É, parece que eu ainda sabia chorar...
- Tudo aconteceu. Nada aconteceu. – pareci confusa, e o ouvi murmurar um suspiro do outro lado da linha. – O inevitável... – engoli a seco, sentindo outra lágrima cair, enquanto encarava o mar; que agora parecia tão bravo. – Acho que eu nunca me senti mais perdida do que me sinto hoje, . – sussurrei, com a voz rouca. Era tão bom falar com ele. – Sabe o que uma pessoa busca, durante a vida? Não é dinheiro, não são bens, por mais que não saibam; tudo que uma pessoa deseja na vida é paz. Eu só quero ter paz. – solucei, levando a mão ao rosto, sentindo as lágrimas escorrerem pelo meu rosto agora sem ao menos avisarem.
- Onde você está? – sua voz pareceu mais longe de repente, e ouvi a porta de seu carro batendo. Sorri, desenhando círculos na areia branca. – , me fala onde você está, por favor... – pediu suplicante e fechei os olhos, apertando-os.
- Tudo que eu queria era ter paz, . – suspirei, voltando a erguer a cabeça e agora olhar para o céu; a lua já estava aparecendo. Era uma noite bonita. – Eu cheguei no meu limite.
- ... – não respondi, ainda olhando a lua. – ? ! – ouvi sua mão batendo contra o volante e ofeguei, desligando o celular.
Chega. Me levantei e deixei o celular na areia, andando em direção ao mar. O mar que me trazia paz, que antes me deixava calma; hoje me trazia a mesma sensação, mas em intensidades diferentes. De maneiras diferentes.
Meu pai estava preso.
Minha avó havia se esquecido de mim.
Aquele havia sido o estopim de tudo. Eu não aguentava mais ser forte, não aguentava mais trocar uma lágrima por um sorriso falso. Eu não queria tanta responsabilidade, eu não podia arcar com tanta responsabilidade.
Meus pés chegaram à beira do mar e eu voltei a fechar os olhos, sentindo a água gelada contra minha pele. As lágrimas caíam dos meus olhos, encharcando meu rosto. Meu peito subia e descia assiduamente, enquanto eu ofegava e soluçava. O grito que estava preso à minha garganta a tantos anos saiu com força pelos meus lábios e eu deixei. Deixei que aquele sufocamento tivesse fim. Que aquele nó se diluísse.
Comecei a andar, entrando cada vez mais no mar. Eu não queria acabar com a minha vida, só precisava por fim àquela dor.
A água já estava em minha cintura e as ondas vinham fortes, talvez como jamais haviam vindo. Eu não sentia medo... Não enquanto a brisa da noite batesse contra meus cabelos, me trazendo a sensação que eu mais amava na vida.
Uma onda ainda mais forte e alta veio e me derrubou. Eu não tentei ao menos me levantar... Meu corpo tentava lutar, mas eu não tinha mais forças. Mental e fisicamente.
Outra onda me cobriu e senti a água cobrir meu ar. Meus pés lutavam, tentando me impulsionar para cima. Minhas mãos se debatiam contra a beira do mar, mas eu não estava realmente empenhada... Não tanto quanto meu corpo. Fechei os olhos e pensei na imagem mais feliz que tinha; eu e minha avó num piquenique, há dez anos. Eu e minha avó assistindo filmes de comédia romântica. Eu e meu pai jogando pôker juntos, sem apostas ou bebida. Eu e juntos, há duas semanas, no albergue.
... Ele havia sido um ótimo... Amigo? Eu não sabia.
... Se tornaria um homem exemplar. E se eu tivesse uma vida normal, algum dia, em outra vida, ele poderia ser a pessoa certa.
... Estava gritando o meu nome. E eu já não sabia mais se aquilo fazia parte do que dizem que sentimos quando a morte está próxima, ou se ele realmente estava ali. Eu não sabia... Eu não sabia de mais nada. Não enquanto aquela onda havia me coberto por completo, retirando o ar dos meus pulmões.
Não enquanto tudo tivesse preto, como estava agora.
**
’s POV.
Puxei , olhando em seus olhos... Eles estavam fechados, mas ela ainda respirava. Suspirei aliviado e a coloquei em meus braços, tentando leva-la de volta à beira do mar. O que ela estava pensando?! Merda, ela ia morrer!
Quando fui capaz de colocar os pés no chão, a ergui um pouco mais em meu colo e apressei os passos à areia. Quando finalmente chegamos, a depositei com cuidado na areia úmida. Ela continuava desacordada e eu precisava fazer alguma coisa.
Coloquei a mão em seu punho, sentindo seus batimentos de acordo com o relógio no meu pulso. Estavam fracos, e senti meu coração acelerar-se como nunca. Lembrei de Collins, e o que ele faria.
E, como um clique, o óbvio veio à mente. Tapei o nariz dela com os dedos, e levei meus lábios aos seus, tentando reanima-la. Fiz isso por alguns segundos e olhei para seu peito; ainda sem sinal, coloquei uma mão sobre a outra logo acima de seu estômago e apertei o local algumas vezes. Voltei à respiração, depois a massagem cardíaca. Respiração. Massagem cardíaca. Respiração... E a vi tossir. Virei seu corpo para o lado e ela cuspiu toda a água presa em seu corpo. Seus olhos abriram-se devagar e ela me encarou, confusa... E agradecida?
- Da próxima vez que você tentar se matar, . Eu juro que te mato. – avisei, descendo a cabeça e beijando sua testa, suavemente. Ela respirou fundo, levando sua mão à minha cabeça, como se afagasse meus cabelos.
Quanto tempo é necessário para começar a se amar alguém?
**
’s POV.
me levava nos braços para o seu carro, e eu ainda não tinha forças para falar. Ou, talvez, não tinha realmente coragem de falar. Eu havia atentado contra minha própria vida.
Olhei para o lado, observando-o enquanto dirigia. Ele estava molhado e coberto por areia, a feição era séria, concentrada. Talvez fosse a hora de falar alguma coisa...
- Minha avó não sabia quem eu era.
brecou o carro de uma só vez, e senti o cinto de segurança segurar meu corpo. Ele me encarou; assustado.
- O quê?! E por que você não me disse, ? Por que não foi me procurar? Achou que acabar com sua própria vida seria a solução!?
- Eu só... Você já me ajudou demais, . E... – suspirei, sentindo o choro voltar. Ele voltou a ligar o carro e nós viramos para frente, encarando a estrada. – Meu pai, minha avó, meu trabalho... Nada funciona. É como se eu nadasse e não encontrasse a beira.
- Eu te trouxe de volta à beira, . – disse, e eu sorri. Literalmente havia me trazido de volta à beira. – Vem. – estacionou o carro na calçada, em frente a um prédio. – Você vai passar a noite aqui no meu apartamento e vou me certificar que fique segura.
- . – chamei, com a voz um pouco esganiçada. – Eu tenho que ir para o Blue... – ele riu sarcástico, saindo do carro e dando a volta, para abrir a porta para mim também. – É o meu trabalho.
- Dane-se, . Você acabou de chegar ao seu limite, não foi? – questionou, me puxando pela mão. Assenti, confusa. – E quer voltar ao trabalho? Ah, por favor! – disse mais alto e dei um passo para trás. Não grite com uma garota que está sensível. Nunca.
- Desculpa. – pedi, sentindo meus olhos encherem-se de lágrima novamente. Não era um pedido de desculpas somente para ele, mas para mim mesma. entreabriu os lábios, mas os fechou rapidamente. Balançou a cabeça em negação e envolveu os braços à minha volta, num abraço. Ah, um abraço... Como eu queria um abraço naquele momento. – Obrigada por estar aqui. – sussurrei, secando a lágrima que havia caído em meu rosto. murmurou algo como um “shh” e afagou meus cabelos. Tomei a liberdade de fechar os olhos e inspirei fundo. Só Deus sabe o quanto eu precisava daquilo naquele momento.
Não demorou mais de cinco minutos até que subíssemos em silêncio ao apartamento de . Durante todo o caminho, ele havia me mantido em seus braços, como se realmente me protegesse... E, ah, como eu desejava aquilo. Alguém que cuidasse de mim. Um momento em que eu não fosse a responsável por tudo e todos.
Ele se afastou um pouco, para abrir a porta. Entrei no apartamento olhando em volta, analisando cada detalhe da sala... Um pouco bagunçada. Analisando tanto, que sequer vi o tapete embolado no chão. Tropecei e ia caindo de joelhos no chão, se não tivesse me segurado. não seria se não tropeçasse em algo. É claro. Rolei os olhos e me permiti rir um pouco, arrumando a postura.
- , eu diria que você é um príncipe por tudo que tem me feito e... – voltei a olhar em volta, passando a rir um pouco. – Mas acho que você tem sido um pouco ogro também. Um ogro lindo e fofo, é óbvio. – sorri, por fim. E o ouvi rir, assentindo e arrumando o tapete.
- Meu irmão tenta arrumar isso, mas eu não consigo. Acho que me encontro mais na bagunça do que quando tudo está no seu lugar. E acho que ficou confuso... – eu ri de novo, passando as mãos nos braços. – Vai tomar um banho, vou ver se encontro algumas roupas que te sirvam.
- Não quero ser inconveniente...
- Tarde demais, princesa. – fez uma careta e eu ficaria ofendida, se não fosse o seu sorriso logo em seguida; alegando a brincadeira. Acabei assentindo e o seguindo para que ele pegasse as roupas.
Ah, um banho... Um banho era tudo o que eu precisava.
**
’s POV.
- Serviu direitinho. – disse, assim que a vi saindo do banheiro do meu quarto. Eu estava secando os cabelos com uma tolha pequena, também havia tomado banho, mas no banheiro do quarto do meu irmão. usava uma cueca boxer e uma camisa regatas do Mikey. – E acho que posso dizer que jamais te vi tão linda assim. – sorri, vendo-a sorrir envergonhadamente. Ah, ela era linda. Acenei com a cabeça para o sofá e ela assentiu, sentando-se.
- Quer dizer que não fico bonita com as roupas que uso? – brincou, mostrando a língua; como uma criança birrenta.
- Não, não disse isso... Só acho que sua imagem se torna mais atraente a cada vez que te vejo. – mordeu o lábio inferior e desviou o olhar do meu, enquanto sorria. – Eu vou pegar o chá que fiz pra você. – avisei, me levantando. A garota ia dizer mais algo, provavelmente dizendo que não queria incomodar, mas parou assim que olhei ameaçador para ela; que riu, assentindo. Fui até a cozinha e trouxe a xícara de chá, entregando em suas mãos.
- Xícara bonita. – zombou, ao ver os super-heróis da Marvel estampados na porcelana.
- Feita sob-medida, querida. – ri, observando-a. Ela sorriu, tomando uma boa quantidade do chá.
- Você precisa ir trabalhar, . Não quero atrapalhar sua vida ainda mais. Bill vai matar nós dois.
- Não me importo. – dei os ombros, apoiando o cotovelo no sofá. – Você quer conversar sobre hoje? – suspirou, colocando a xicara sobre a mesinha de centro. – É muito melhor do que se jogar no mar e esperar a morte vir. – provoquei, ganhando um olhar raivoso dela. Ótimo, era aí que queria chegar.
- Não sei se já passou por algo assim, mas quando estamos perdidos, pensamentos bons são a última coisa que passam por nossa cabeça. – sorriu sarcástica. – Ela é a pessoa mais importante da minha vida, . E se esqueceu de quem sou...
- , não é definitivo. Você sabe como é essa doença... Sua avó começará a tomar os remédios que Collins receitou e voltará a se lembrar de você.
- Eu sei. – sorriu fraco, sem qualquer resquício de humor. – Mas até quando? Até ter uma nova crise, que não sabemos quando vai acontecer? Pode ser daqui um ano, mas pode ser em uma hora. E agora, definitivamente.
- E quando isso acontecer, quero que a primeira coisa que faça seja me procurar. Eu vou estar aqui. – afirmei, e agora ela sorriu verdadeiramente. Ainda não muito animada, mas já era melhor. – Promete?
- Prometo, . Eu prometo.
E aquilo era tudo o que eu precisava ouvir para que meu coração voltasse a bater normalmente.
**
“Meu coração não se emenda, tudo é tão lindo no início, mas a razão diz: se contenha, se não quiser ir pro sacrifício.” – Hércules.
’s POV.
- Menininha... Aquele lobo que estava aqui ontem à noite, como você o mandou embora? – vovó questionou e eu sorri. Era bom tê-la de volta. Ou parcialmente...
- Era o cachorro da Kate, vovó. Minha amiga.
- Está dizendo que sua avó está mentindo, ? – disse em tom ameaçador e eu ri, virando-me para ela e beijando sua bochecha delicadamente.
- Não está. Prometo pedir para que ela não traga mais o lobo, tudo bem? Não precisa se preocupar. – sorri, por fim. Se existia alguma coisa que eu não faria mais, seria contrariá-la. Se ela viu o cachorro como um lobo; que fosse um lobo.
Voltei a me sentar em sua frente, lhe entregando o pente que anteriormente penteara meu cabelo. Ela o pegou e a vi sorrir pelo reflexo da televisão desligada; voltando a pentear meu cabelo. Fechei os olhos, sentindo suas mãos irrogadas e calejadas tocando os fios úmidos, separando-os em partes. Eu não sabia quando seria a próxima crise, e por isso aproveitaria ainda mais cada momento de lucidez dela... Agora não havia mais problema. Não enquanto ela cuidasse de mim por alguns poucos minutos, sabendo exatamente quem éramos.
- Onde está aquele rapaz educado que veio aqui algumas semanas atrás, menininha?
Abri os olhos e segurei o lábio inferior entre os dentes. Ela se lembrava.
- É o , vovó. Um amigo... Muito especial. – a senti parar de pentear meu cabelo e a vi colocar o pente ao seu lado, no sofá; pelo reflexo.
- Especial como?
- Especial... – ri, sem saber o que falar. Me virei para encará-la, levantando e sentando em seu colo. Ela sorriu, passando a mão em meu cabelo ainda úmido. Eu não cansava de me encher de alegria por tê-la aqui novamente. – Acho que de um modo diferente.
- Você gosta dele, não gosta? – olhei em seus olhos e a vi sorrir. Ninguém me conhecia mais do que a própria, era fato. Sorri também e assenti, suspirando pesadamente. – Ele parece ser uma boa pessoa... E também parece gostar de você, menininha.
- Você acha? – arregalei os olhos levemente, e ela riu. Ah, vó! Estava me testando. – De qualquer forma... Não creio que um amor esteja nos meus planos agora. Não se encaixa à minha vida.
- O amor nunca está nos nossos planos, querida. Mas ele sempre pode se encaixar na nossa vida, isso você pode ter certeza. E, ora, por quê não? Sempre é tempo de ser feliz, menininha. E não há quem mereça ser mais feliz do que você.
Não consegui fazer outra coisa, senão abraça-la com toda a intensidade que necessitava. Hoje, aparentemente, ela estava mais lúcida do que há muitos meses, e eu aproveitaria cada segundo desse momento. Beijei sua testa longamente e sorri, assentindo.
Eu seria feliz, vovó.
**
“Você pode sentir o amor esta noite? Você não precisa olhar muito longe.” - Rei Leão.
O último cliente havia acabado de sair do Blue; devido à falta de luz repentina no bar. Bill estava fora da cidade, resolvendo assuntos pessoais, e agradeci por isso. Hoje, particularmente, não estava muito ansiosa para ouvir suas cantadas e gracinhas.
me ajudava a arrumar as mesas, enquanto duas velas iluminavam precariamente o ambiente. Todos os outros funcionários já haviam ido embora, e ele era o único a me ajudar.
- Finalmente! – agradeci, colocando a ultima cadeira empilhada; deixando uma mesa e duas cadeiras no centro do salão. O primeiro ônibus demoraria um pouco a passar e, por Deus, eu estava morrendo de fome! – Trouxe macarronada de casa, e quero que jante comigo, . Não aceito respostas negativas. – avisei, com o dedo em riste. Ele deu um passos para trás, esticando a palma da mão. Nós rimos, e caminhei até a cozinha. – Arrume a mesa e eu já volto.
- Sim, senhora. – brincou, e eu ri ainda mais. Na verdade, era difícil não rir quando estava com ele.
Voltei alguns minutos mais tarde, carregando o prato de macarronada nas mãos e uma garrafa de vinho, acompanhada de duas taças. estava sentado à mesa do centro, com duas velas em pequenos castiçais, iluminando seu rosto. Eu sorri, voltando a caminhar e colocando o prato sobre a mesa. Ele se levantou para me ajudar e colocou o vinho sobre a mesa, abrindo-o e colocando nas taças.
- Vinho porque trabalhamos nesse bar e podemos ganhar uma mordomia alguma vez na vida. E somente um prato porque achei que jantaria sozinha, como de costume. E não quero sujar mais louça, por favor. – puxei a cadeira e me sentei. assentiu, rindo, e pegando um garfo. – Vai ver como sou uma cozinheira de mão cheia!
- Mm... – murmurou, levando o garfo cheio de macarronada para a boca. Ele demorou alguns segundos, parecendo avaliar o sabor. Eu ri, jogando o guardanapo em seu rosto. Ele o segurou com precisão e finalmente engoliu. – Parece que Jefrey já pode se aposentar. – se referiu ao cozinheiro do bar e eu ri ainda mais, enquanto batia palmas. – Você deveria fazer isso mais vezes. – ergueu a taça de vinho, acenando para mim e logo depois tomou o liquido escuro.
- Macarronada? – brinquei, enrolando o garfo na comida.
- Rir. – disse simplesmente, me observando. Senti minhas bochechas esquentarem e agradeci pela precária iluminação das velas. – Você deveria rir mais, . Sua risada é linda.
- Ah, . – exclamei, levando o garfo à minha boca. Mastiguei e engoli rapidamente. – Eu pareço uma hiena quando rio. – balancei a cabeça e o vi rir baixo, negando. – É sim.
- É uma hiena muito bonita, então. E com uma risada maravilhosa. – deu os ombros, comendo mais um pouco da macarronada. Sorri, tomando um gole do vinho, finalmente. Ele ergueu um pouco o corpo, pegando algo em seu bolso traseiro da calça. Quando ergueu a mão e eu vi seu celular, voltei a rir. – Uma pose, por favor.
- , não! – levei a mão a boca, cobrindo minha risada. – Estou comendo e está escuro aqui!
- A câmera do meu celular tem ótima qualidade, obrigado. Agora, por favor, pose. – pediu, e eu brinquei, levando o garfo à frente dos lábios, enquanto fazia um bico exagerado e olhava para cima. Achei que ele fosse fingir que tirara uma foto, mas quando senti o flash queimando meus olhos, o encarei atônita. – Linda. – disse baixo, encarando a imagem no aparelho.
- Eu, definitivamente, tenho que pedir os direitos autorais por minha imagem. – rolei os olhos exageradamente, fingindo antipatia. Ele gargalhou e quem quis tirar uma foto no momento fui eu. – Você sabe tudo sobre mim, . E eu não sei nada sobre você...
- Mm, é verdade. – apoiou os antebraços na mesa, sorrindo. – O que você quer saber exatamente?
- Sua família. Você e Collins não são nem um pouco parecidos e não têm o mesmo sobrenome... E espero que eu não tenha parecido invasiva demais. – fiz uma careta assim que terminei, e o vi voltar a sorrir, dando os ombros, como se não se importasse.
- Eu sou adotado, . – disse com normalidade, passando o dedo indicador na borda da taça, contornando-a; ao mesmo tempo em que a olhava. – Parece que temos em comum uma relação conturbada com famílias. – riu fraco, erguendo o olhar para mim. – Eu tinha 8 anos quando fugi de casa. – arregalei os olhos levemente e ele continuou: – Meu pai biológico era alcóolatra e traficante de drogas. Minha mãe era garota de programa e viciada. – sorriu sarcástico e eu tomei outro gole do vinho. Aquilo era... – Eu fui um erro na vida de ambos, eles me batiam com uma regularidade invejável, e sem motivo algum. A menos que uma criança pedir para que seu pai a ajude quando está passando mal seja um motivo. – deu os ombros e me encolhi na cadeira, com as sobrancelhas juntas. Como ele conseguia ser bom quando havia vivido tudo aquilo? – Até que num dia, depois do colégio, eu já não aguentava mais as brigas dos dois, a forma como me tratavam e acabei desviando o caminho, sem rumo... É engraçado, porque eu era muito pequeno, mas me lembro de exatamente tudo. Passei o dia vagando pela cidade e à noite um policial me encontrou; perguntou meu nome, de onde era, o que estava fazendo e eu não lhe disse uma só palavra. Talvez ele achou até que eu fosse mudo, ou algo do tipo. O policial me encaminhou ao conselho tutelar para que eu ficasse em poder deles até que encontrassem os meus pais... – fez uma pausa, encarando o horizonte; provavelmente voltando àquela época. A luz da vela refletia o brilho de seus olhos e eu sorri fraco, controlando a vontade de abraça-lo. – Eles nunca os encontraram. Acho que ao menos aqueles dois chegaram a procurar por mim. Foi um alívio, no fim.
- Eu sinto muito.
- Ei, não sinta. – sorriu sinceramente. – Se não fosse por aquilo, eu não conheceria àqueles que considero minha verdadeira família. Louis e Gina me adotaram aos nove anos. Eles já tinham Collins e daquele dia em diante, minha vida começou. Meus pais me amavam e cuidavam de mim assim como uma criança deve ser cuidada, souberam me dar todo o tempo necessário para que eu me adaptasse... Acho que quando fui enviado à Terra, Deus se enganou por alguns segundos e me mandou para as pessoas erradas. Mas então, logo o corrigiu. No início eu e Collins não nos dávamos muito bem, ele era... Perfeito, entende? O gênio da família, aquele garoto bonzinho e que tira as notas mais altas da classe. Mas depois tudo ficou bem, nós aprendemos a conviver um com a personalidade do outro e ele se tornou meu melhor amigo. Ou irmão, como o próprio faz questão de frisar todos os dias.
- Você é incrível, .
- Ah, eu sei. Não precisa dizer. – brincou, abanando o ar com a mão e voltando a comer a macarronada. Eu ri, observando-o. É, eu estava definitivamente e irrevogavelmente apaixonada. – Tenho uma ideia. – disse de repente, buscando o celular que estava ao lado; na mesa. – Você não é uma pessoa muito musical, não é, ? – sorriu, ainda olhando para o celular.
- Eu sou! – ri, tomando o ultimo gole da minha taça e vendo fazer o mesmo com a dele. – Só não conheço muito sobre isso... Principalmente as músicas atuais. Passei muito tempo em casa cuidando do meu pai e da minha avó nos últimos anos. – dei os ombros e ele sorriu, teclando mais uma vez no aparelho; para logo em seguida uma melodia começar a tocar. Franzi o cenho, rindo. – O que é isso?
- Música. – disse óbvio e rolei os olhos, ouvindo-o rir. – Vem, nós vamos dançar. – acenou com a cabeça, levantando-se e me puxando pela mão. Me assustei no inicio, mas logo sorri de volta, passando os braços por seu pescoço e sentindo-o abraçar minha cintura; como há algum tempo, no albergue. – Ou vai dizer que não sabe dançar, também?
- Eu sou uma ótima dançarina, . – ergui uma sobrancelha, desafiadora. Ele sorriu abertamente, assentindo, ao mesmo tempo em que nos guiava no ritmo da música lenta. – Acho que há uma grande possibilidade de que eu esteja me apaixonando por você. – disse de repente, sem pensar ou... Ah, merda. Eu havia mesmo dito aquilo. Maldito vinho.
A primeira reação dele foi entreabrir os lábios rapidamente, surpreso, mas logo em seguida seu sorriso me tranquilizou. Seu rosto se aproximou do meu, apoiando a testa na minha, delicadamente.
- Acho que há uma possibilidade ainda maior disso ser recíproco. – sussurrou, puxando ainda mais o meu corpo para junto ao seu. – Na verdade, não é uma possibilidade. E nem um achismo. Eu estou apaixonado por você, .
E, exatamente naquele segundo, eu poderia jurar que o mundo ao meu redor havia parado. Os ponteiros do relógio já não se moviam, as pessoas lá fora não existiam mais, nada existia mais... A não ser . Eu e , ali, no Blue. Meu coração acelerou-se como jamais havia feito, e minha boca secou. Um sorriso foi a única coisa que consegui transparecer, sem saber qual seria o próximo passo.
Qual era o próximo passo agora?
Nós nos abraçaríamos? me beijaria, ou eu o beijaria? Nós começaríamos a namorar? Eu deveria falar que o amava também? Era tudo tão novo... Eu não sabia como agir. O quê falar. Eu não estava sozinha... Não tinha que tomar as decisões.
E, como para calar meus pensamentos e dúvidas, tomou a sua decisão.
Seus lábios tocaram os meus com suavidade, como se estivessem se conhecendo... E, de fato, estavam. Fechei os olhos e me deixei levar pela sensação que aquele toque me trouxe. A distância finalmente cessou, e o beijo aconteceu. Senti todo o meu corpo arrepiar-se e meu coração acelerar ainda mais – se é que fosse possível. sorriu durante e o beijo e nos aproximou mais um pouco, aprofundando o carinho. Afaguei seus cabelos suavemente, ao mesmo tempo em que fiquei na ponta dos pés, chegando mais próximo de seu rosto. Ele riu, acariciando minha bochecha com o polegar. Alguns segundos depois, quando o ar ficou escasso, nos separamos com selinhos, ao mesmo tempo em que sorrimos.
É. Eu o amava. Definitivamente.
**
’s POV.
- Ah, meu Deus! Isso é demais! – comemorou, assim que lhe contei a novidade. – Vovó, não é ótimo? foi contratado pela People, a revista! – abraçou sua avó, deixando-a confusa. Eu ri, colocando as mãos nos bolsos. – Amor, estou tão orgulhosa. – voltou a me encarar, se aproximando, e segurou o meu rosto. – É o seu sonho! Trabalhar com fotografia, oficialmente.
- Obrigado, minha linda. – sorri, selando seus lábios rapidamente. Sua avó pigarreou e nós rimos, nos afastando. – Aliás, senhora, me disse que você era uma enorme fã de A Noviça Rebelde, então tomei a liberdade de comprar este DVD. – tirei o DVD da sacola que carregava e a mulher entreabriu os lábios, olhando na direção. Sorri orgulhoso e lhe entreguei o presente. entortou os lábios, mordendo um sorriso e quis beijá-la ali, exatamente naquele momento. – Espero que goste.
- Eu adorei, garoto. – sorriu, observando a foto da capa. – Coloque, menininha. Vamos todos assistir!
- Coloco, vovó. Só me dê um segundo, sim? – pediu, virando-se para mim. – Acho que Bill não ficará muito contente em perder dois funcionários de uma só vez, .
O que ela queria dizer?
- Dois? Mas só eu vou para a revista...
- É, mas não é o único que passará a trabalhar com editores. – cruzou os braços, sorrindo de lado. Cerrei os olhos, observando-a. – Aceitaram meu original, amor. Vão publicar. – sussurrou e eu não pude acreditar. Meus olhos arregalaram-se e eu não tive outra reação a não ser dar passos rápidos até ela e abraça-la, levantando-a um pouco do chão. Ela riu alto, beijando minha bochecha e eu sorri.
- Parabéns, meu amor! Isso é... Ah, por que não me disse antes?! – a coloquei de volta no chão e ela deu os ombros, como uma criança. – Parabéns, parabéns, parabéns. Eu sabia que conseguiria.
- Eu consegui por sua causa.
- Não, não foi. – neguei com a cabeça, sorrindo. – Ou por acaso fui eu quem escreveu o livro? – ela mordeu o lábio, balançando a cabeça. – O mérito é todo seu, .
- Nosso. – decidiu, puxando minha mão e sentando-nos no sofá. – Certo, quem põe o DVD? – disse, olhando em volta. Eu ri, pegando o DVD de sua mão e colocando-o no aparelho.
’s POV.
Era bom não estar sozinha. Era ótimo tê-lo comigo... Ter ao meu lado, ao mesmo tempo em que minha avó sorria, distraída com a televisão; era perfeito. Minha vida parecia começar a se acertar, e eu não tinha outra saída senão sorrir... Sorrir por nada. Sorrir por tudo. Sorrir e agradecer.
Em uma semana meu pai sairia da cadeia, e sua internação numa clínica de reabilitação da região já estava agendada. Por vontade própria ou não, ele estaria lá... Eu sabia que por mais que no início sua reação não fosse das melhores, ele iria me agradecer futuramente. Agradecer a si mesmo pelo bem que aquilo lhe faria.
Inspirei fundo, mudando o rumo dos meus pensamentos. Olhei de soslaio para e beijei seu rosto. Eu tinha o homem mais lindo - interna e externamente - do mundo.
Alguns minutos depois de filme, ouvi minha avó murmurar algo e me aproximei da poltrona dela; ainda sentada no sofá. “Quem é esse rapaz, menininha?” Foi o que ela disse, com mais de uma de suas pequenas crises. “Um novo amigo, vovó. É a primeira vez que ele vem aqui em sua casa, tudo bem por você?”. “Tudo. Ele é bem atraente.” Sussurrou em tom sugestivo e eu ri baixo. Não iria contrariá-la. Não deixaria que ela pensasse que não se lembrava de algo que há minutos conversávamos. Ela seria feliz... Do seu jeito, do jeito que fosse. E se ela estivesse feliz, eu também estaria.
Beijei seu rosto demoradamente e voltei ao lado de , segurando a sua mão. Ele me olhou e sorriu como de costume; sabia o que havia acontecido. “Tudo bem?” consegui ler em seus lábios e assenti, voltando a encarar a televisão.
Tudo estaria bem daqui em diante.
Minha vida era dessa forma, e eu só poderia aceita-la. Aceitar minha avó com sua condição. Meu pai em eterno processo de aprendizado consigo próprio. Aceitar o que o mundo havia reservado para mim, sem questionar.
Se eu continuasse tendo momentos como esse, onde e minha avó gargalhavam da cena do filme, eu estaria satisfeita.
Para ser bem sincera, eu já estava satisfeita.
Satisfeita, não... Feliz. Eu estava verdadeira e completamente feliz.
Epílogo.
“E aqui está você, somente você. A mesma visão, aquela do sonho que eu sonhei.” - A Bela Adormecida.
’s POV.
tinha os lábios entreabertos e a respiração calma, enquanto dormia tranquilamente ao meu lado. Eu a amava... A amava tanto, que às vezes era difícil aceitar a imensidão daquele sentimento.
Já faziam seis meses desde que estávamos juntos, seis meses de aprendizados, amadurecimento, sorrisos, e também momentos difíceis. E eu estive lá... Estive lá para o que ela precisasse, assim como eu precisei.
O celular despertou ao meu lado e me virei rapidamente para desliga-lo. Hoje era um grande dia... O dia da minha exposição de fotografias. Há cinco meses, a revista qual trabalhava havia me encarregado de mostrar o cotidiano de pessoas normais, momentos que podiam parecer comuns, mas que às vezes eram os mais importantes de suas vidas.
E eu vivia muitos desses... Eu vivia momentos inesquecíveis com .
Ela se virou na cama, murmurando algo ilegível, e eu sorri. Em uma semana, Once Upon a Time lançaria nas livrarias de todo o país. Ao longo destes seis meses, minha garota havia trabalhado arduamente para que tudo saísse perfeito, e, de fato, estava.
Olhei brevemente para ela e beijei sua testa demoradamente.
Seu pai continuava internado na clínica de reabilitação, sendo liberado duas vezes ao mês para passar o final de semana em casa; e aparentemente todo o tratamento estava progredindo. Sua avó havia a esquecido novamente, numa crise, e dessa vez por longo um mês. E passou por aquilo de uma forma tão madura que chegava a ser invejável. Obviamente, eu estava lá. Estava lá para ouvir seu choro, abraça-la e cuidá-la. Ao que dependesse de mim, ela jamais estaria sozinha novamente.
Desci meus lábios até os seus e os beijei, num selinho longo. se mexeu e abriu os olhos devagar, sorrindo e puxando meu rosto; sorri, descendo minha mão até sua cintura, por baixo dos lençóis e acariciando sua pele nua.
- Bom dia, meu anjo. – ela riu, erguendo um pouco o corpo e apoiando-se entre o travesseiro e a cabeceira da cama; a acompanhei, beijando seu pescoço; fazendo-a rir ainda mais. Murmurei um “bom dia, linda” e ela se encolheu. – Tenho cócegas, idiota. Tchau. – segurou meu rosto, ainda rindo. – Como está o nervosismo do melhor fotógrafo do mundo?
- Mais confiante depois de “o melhor fotógrafo do mundo”. – sorri, vendo-a assentir e morder o lábio. – Tenho que chegar lá em uma hora, amor. Você vai depois, tudo bem?
- Tudo, meu bem. – estalou outro beijo nos meus lábios. – Só vou ligar para Mariah e ver como minha avó está. Tomo um banho e já começo a me arrumar.
- Só vai fazer isso e tomar um banho? – lhe olhei sugestivamente e ela riu, jogando a cabeça para trás. Eu poderia esperar mais alguns minutos e tomar um banho acompanhado, não é? Pra quê tomar um banho sozinho quando se tem ? – Te espero no box. – sussurrei, me levantando. chamou meu nome em repreensão, mas continuava rindo. Não dei ouvidos e entrei no banheiro da suíte.
Quanto tempo se é necessário para saber que alguém é o amor de sua vida?
**
’s POV.
Eu não conseguia fazer outra coisa senão sorrir emocionada enquanto observava as fotografias impressas em tamanhos gigantescos ao meu redor. Uma parte da exposição de dedicada à mim. Uma sala, somente com fotos minhas.
Eu, quase dormindo, na festa de Bill, há quase um ano.
Eu, cantando no albergue qual nos hospedamos com os sete homens simpáticos.
Eu, com o garfo na boca, fazendo pose, na primeira vez que nos beijamos.
Eu, na Torre de Lesthigh, num pôr-do-sol qualquer. Eu, no supermercado olhando a fileira de vinhos. Eu, sorrindo para a câmera enquanto pulava na cama de seu quarto. Eu, sentada na grama verde do parque principal, tomando um sorvete. Eu e minha avó assistindo pela milésima vez o DVD de Noviça Rebelde.
E, finalmente, uma selfie que havia tirado, de nós, no cinema, há alguns meses.
Eram fotos normais... Excepcionalmente normais. Mas que significavam tanto. Assim como a proposta de sua exposição... Eu ri, balançando a cabeça e me virando para encará-lo. estava com as mãos nos bolsos, me olhando com aquele sorriso... O sorriso que me fez amá-lo dessa forma.
- Ainda devo me preocupar com o processo de direitos autorais? – brincou, e eu ri, balançando a cabeça em negação.
- Eu te amo.
- Eu te amo, princesa.
“Um mundo ideal, um mundo que eu nunca vi. E agora eu posso ver e lhe dizer que estou num mundo novo com você.” - Aladdin.
Lá estávamos na Torre de Lesthigh, duas semanas depois da exposição de . Uma semana depois do lançamento do meu livro. Ambos, um sucesso.
Podíamos ver o pôr-do-sol ao longe, pintando o céu das mais lindas cores possíveis. Segurei a mão do meu namorado, entrelaçando nossos dedos. O vi sorrir, enquanto observava a paisagem. Observar a paisagem... Refletir. Aquele era um desses momentos na vida em que é necessário uma reflexão de tudo o que têm acontecido à nossa volta, não é? Eu sorri também, inspirando a brisa do começo de noite.
havia me salvado... Havia me salvado dos meus problemas, dos meus medos, daquilo que eu chamava de vida... Agora eu vivia. havia me salvo. Havia me salvado de mim mesma.
O sol bateu contra meu rosto e fechei os olhos, encostando a cabeça em seu ombro. Nossos tênis all-stars aproximaram-se e sorri mais abertamente. Diria que minha vida poderia ser um conto de fadas, se ao menos hoje em dia eu tivesse uma vilã. Essa vilã havia sido derrotada pelo príncipe ao meu lado.
A grande vilã, na verdade, era como eu pensara há meses: a vida. Ou, pelo menos, o que eu “vivia” antes de tê-lo ao meu lado. A vitimização era um fator, também. E a havia derrotado...
Ele havia me liberto de toda a sombra. Havia trazido a luz. havia batalhado contra mim mesma, mesmo sem a real intenção. havia derrotado a minha vilã.
não era um príncipe, contudo, pelo contrário...
Ele não tinha um cavalo branco. Não era cavalheiro ou organizado todo o tempo. Não era de uma família real. Não tinha uma carruagem.
Ele tinha outra coisa... Outra coisa muito mais importante do que qualquer outro fator ou bem material; tinha bondade. Caridade. Coragem... Ele podia não ser um, mas tinha todas as qualidades de Eric, Phillip, Alladin, ou o Fera; aliás, era irrevogavelmente melhor do que todos eles. Simplesmente por ser exatamente ele. Um ser-humano, alguém que erra, que não é perfeito cem por cento do tempo, que tem qualidades e defeitos como todos.
E eu... Eu poderia me considerar mais sortuda do que toda e qualquer princesa que Walt Disney já criou. Eu era real, e aquele ao meu lado também; por mais difícil que parecesse ser no início. Meu príncipe usava uma câmera e um saxofone como espada, sua bondade para me presentear, seu dom para me encantar, e o seu sorriso para me salvar.
Aquele não era um conto de fadas, mas eu poderia citá-lo como um. Eu não saberia se seríamos felizes para sempre... Naquele momento, contudo, não importava.
Como questionou Alice – no país das maravilhas: “Quanto tempo dura o que é eterno?”. Sendo respondida pelo Coelho: “Às vezes, apenas um segundo.” Então, que assim fosse: Felizes para sempre. Ou pela a eternidade.
FIM
Nota da autora: (11/04/2015) Oi meus amores! Espero que estejam suspirando como eu! Hahahah. Sou uma eterna apaixonada por contos de fadas, e assim que vi esse Challenge me senti obrigada a fazê-lo. Tô aqui ouvindo “No Meu Coração Você Vai Sempre Estar”, cantada pelo Ed Motta, numa versão em português de You’ll Be In My Heart do Phill Collins (Collins hihih), e aconselho que ouçam também se alguma vez forem reler Saved, porque escrevi a história praticamente inteira ouvindo essa música. Me fez imaginar exatamente como os personagens principais são, e a letra é: ♥. Mas enfim, foi um prazer escrever pra esse Chall. De verdade. E espero que tenham gostado também! É bem curtinha, mas significa bastante. Estou completamente apaixonada pela pp, e pelo pp também. Ai, eu preciso mesmo parar de escrever, né?! Hahahah. Independente da colocação, foi muito bom poder essa história a vocês. Quem quiser conhecer mais trabalhos meus, é só procurar por “Ironm4x” aqui no FFOBS mesmo, ainda está em andamento. E tem também “Wonderwall”, já finalizada. Agora vou ficando por aqui (de verdade), deixem seu comentário aqui embaixo para eu saber o que acharam de tudo, tá bom? Vou amar ler e responder todo mundo! Um beijo repleto de magia a vocês, lindas!