Pressionei o spray, sempre dando leves apertões, um jato contínuo faria a tinta escorrer, e fiz a minha marca na parede do museu: oito tentáculos interligados em tinta roxa. Eu sei que é um capricho, mas gostava que todos soubessem que aquele era mais um assalto da Úrsula e minha marca tinha de ser tão bonita quanto eu.
Sai andando calmamente. Os guardas dormiam no chão por causa da encomenda que tinha pegado com a Vovó Grimm, esse seria mais um dos meus crimes perfeitos. Dessa vez o objetivo era um boneco de doze centímetros, banhado em ouro e com olhos de ônix. Uma peça de arte que eu julgava de muito mau gosto, a cabeça parecia desproporcionalmente pequena para o corpo corcunda. Sei que tinha alguma coisa histórica nisso, acho que era egípcio. Ou grego? Hnnn... Nunca fui boa de história, talvez devesse perguntar para o Gênio depois. O mais importante sobre esse boneco horroroso, é que ele vale muito dinheiro pro Hiena.
Sai do museu pela claraboia, assim como havia entrado. Havia uma pequena bolsa preta escondida sob o manto que a Vovó Grimm havia me dado, lembrando-me exatamente da localização, puxei o tecido e fiz a bolsa ficar visível novamente, já que o manto a fazia desaparecer por completo. Vovó Grimm consegue fazer algumas coisas bem peculiares.
Guardei o boneco com cuidado no compartimento revestido para que ele não sofresse nenhum dano e fui embora para o meu apartamento.
Quando acordei na manhã seguinte, ou melhor, na tarde seguinte, a primeira coisa que fiz foi tomar um banho gelado e lavar os meus cabelos. Depois, liguei a TV no canal de notícias para esperar que algum jornal mostrasse o roubo do artefato e deixei que as vozes dos jornalistas ecoassem pelo apartamento enquanto arrumava as coisas. Conferi o boneco no compartimento da bolsa e coloquei minha roupa preta para lavar, meu apartamento não era grande já que eu não ficava muito tempo no mesmo lugar, mas minha única exigência era sempre ficar em um lugar onde pudesse lavar minhas roupas, além de ser uma precaução, não gostava que outras pessoas mexessem nas minhas coisas. Espremi-me naquela lavanderia minúscula e briguei com a máquina velha, que fazia parte da mobília do prédio, para que ela ligasse e lavasse meu “uniforme” de trabalho. Voltei para dentro e comecei a pentear a peruca branca, de corte curto e desfiado, que usava como parte do meu disfarce por dois motivos: Porque evitava que fios dos meus cabelos caíssem nas cenas de crime e porque eu ficava um arraso com ela.
Em 10 anos de profissão a única certeza que eu tinha era que não havia nenhuma outra ladra no mundo que fosse tão cheia de estilo quanto eu. Posso invadir um banco usando salto alto se quiser, na verdade, eu já fiz isso.
Voltei para a sala e puxei meu kit urgência que estava sob o sofá. Era só uma mala preta de rodinhas que eu chamava de kit urgência porque, caso precisasse sair às pressas, era lá que eu guardava todas as minhas coisas importantes. Uma troca de roupa, alguns produtos de higiene, maquiagem e a minha coleção de nove livros de poesia. Tenho uma porção de coisas lindas nessa coleção, acho que posso dizer que sou alguém que tem quase tudo. Menos Drummond, na verdade, ele e o único dos meus poetas preferidos cujo ainda não possuo nenhuma coletânea! Assim que receber o pagamento do Hiena pelo boneco vou para a livraria comprar um livro do Drummond, de preferência de capa dura para combinar com as minhas edições do Fernando Pessoa e da Florbela Espanca.
Puxei uma das agulhas que eu guardava espetada no bolsinho interno da mala e a deslizei entre os meus dedos. É uma mania esquisita, eu sei, mas a sensação daquele pequeno objeto frio ameaçando furar meus dedos me acalmava, era uma sensação de risco e de controle ao mesmo tempo. Assim como meu trabalho.
Fiquei ali, tentando matar o tempo enquanto a agulha dançava entre meu indicador e meu dedo médio, pensando nas coisas que poderia comprar quando recebesse, até que chegasse a hora de ir para a Torre.
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A Torre não era literalmente uma torre, mas um prédio muito alto onde eu encontrava a Vovó Grimm, aliás, ela nem era a minha avó de verdade. Ele, o prédio, ficava nos arredores da saída cidade, longe do tumulto da civilização.
Apesar da faixada antiga que dava a impressão daquilo ser um lugar esquecido pelo tempo, por dentro a Torre era bem moderna. Revirei os olhos ao ver quem estava na recepção.
- Úrsula, minha querida, mais uma missão de sucesso!
- Tudo o que eu faço é um sucesso, Cobra. – Sorri. – Estou aqui para encontrar a senhora Grimm, não precisa me anunciar.
- Eu sei que ela esta te esperando, linda, você parece esquecer que eu sei de tudo por aqui. – Ele piscou.
Sabe de porcaria nenhuma! Se o Hiena largasse alguma coisa nas mãos do filho iriamos acabar todos na cadeia. Tive de me conter para não dizer a verdade.
- Então você deve saber que eu não misturo trabalho com romance, Cobra. – Pisquei para ele de volta e sai batendo os saltos até o elevador. Suspirei aliviada quando a porta se fechou. Minha vontade era de acertar um soco no Cobra toda vez que ele se engraçava pro meu lado, mas eu não sou louca de bater no filho do meu chefe. Então por mais que saber que ele vive me imaginando sentada naqueles ovos de cobra (ou minhoca, mas isso era algo que eu não pagaria pra ver) me enojasse, eu tinha que fingir que me sentia lisonjeada. Ao menos não era tão difícil assim me livrar dele, já que todas as outras mulheres que trabalhavam pro Hiena estavam sempre morrendo de vontade de acalmar a sucuri.
Credo, Úrsula, que metáfora horrível.
Meus pensamentos melhoraram quando o elevador parou no último andar. Eu já podia sentir o perfume das velas aromatizadas no corredor. Vovó Grimm era o motivo pelo qual eu trabalhava pro Hiena, eu a adorava de todo meu coração, afinal, foi praticamente ela quem me criou.
Sorri para Gênio, ele estava parado no batente da porta me encarando.
- Sempre pontual! – Ele falou sorridente enquanto eu saia do elevador e ia ao seu encontro.
- É uma das minhas várias qualidades. – Disse enquanto entregava a bolsa com o boneco para ele.
- E sempre eficiente também! – Gênio sorriu examinando o conteúdo da bolsa.
O nome do meu amigo não era Gênio de verdade, nem mesmo o meu é Úrsula, nosso sistema era baseado em codinomes, Gênio era chamado assim porque era o aprendiz da Vovó Grimm, aliás, só nós dois chamávamos a Senhora Grimm de vovó. Gênio porque era realmente seu neto e eu porque fui criada por ela desde os meus quinze anos. Eles eram os únicos que sabiam meu nome de verdade, para os outros eu era Úrsula. Sim, eu escolhi esse nome por causa da vilã da Disney, sei que é um motivo bobo, mas nós duas somos ladras, não é? A diferença é que eu prefiro diamantes no lugar de vozes. Também existe o detalhe de que eu passei um ano inteiro achando o máximo meu nome sair de um conto de fadas e morar junto com a Vovó Grimm, até que eu descobri que a versão mais famosa do conto A pequena Sereia foi escrita pelo Hans Christian Andersen. Acho que fiquei uma semana emburrada por perder essa visão poética da minha nova identidade.
Entrei no apartamento da Vovó Grimm e praticamente corri para me deitar no tapete felpudo da sala, ainda havia uma mancha de café, que eu tinha causado na época que ainda morava com ela e Gênio, relaxei, me sentindo em casa. Gênio se sentou do meu lado.
- Plano de fuga número 113, seção A. Pegar esse tapete e nos mudarmos para um apartamento luxuoso em Amsterdam. – Sorri.
- Esse seria ótimo, mas vovó me tacaria uma praga. Ela acha ruim até quando eu fico de porre.
- Porque Álcool prejudica sua magia, querido. – Ouvi a voz melodiosa daquela senhora gordinha e amável entrando no mesmo cômodo que nós.
- Vovó! – Me levantei e abracei a senhora.
- Como vai, Ursinha? - Ela era a única pessoa no mundo que tinha permissão para me chamar de Ursinha.
- Bem. – Sorri quando nos soltamos. – E a senhora?
- Ótima, tirando o fato que vivo tentando por algum juízo na cabeça do meu neto irresponsável. Magia não é brincadeira, menino, considerando seu histórico com bebidas você devia fazer mais jus ao seu nome! – Ela disse pro Gênio.
- Vou considerar esse o primeiro dos seus três desejos, Vovó! - Ele piscou malandro. Eu ri me sentando no tapete novamente.
Alguns chamavam a Senhora Grimm de bruxa, mas eu não concordava com isso. Sim, a família dela tinha o dom de conseguir extrair magia dos elementos naturais, mas para mim ela parecia muito mais uma fada. Vovó ajeitou seu vestido azul e seus cabelos brancos e se acomodou na poltrona perto de nós.
- Gênio, por favor, vá buscar minha cesta de costura. E traga aquela vela aromática de Jasmim, essa falta de fragrâncias está me dando dores de cabeça. – Inspirei fundo e não pude deixar de sorrir, já havia aroma suficiente no ar para umas dez velas queimadas! Gênio foi ágil e trouxe o pedido da avó em pouco tempo, antes de entregar para a senhora, ele inclinou a cesta de costura na minha direção, me dando à oportunidade de pegar uma das agulhas.
Os dois me conheciam tão bem.
- Aproveitei pra deixar o Boneco Dourado no compartimento do armário de ervas, Vovó. – Ele disse ajeitando a vela aromática na mesinha de canto e a acendeu com magia. Pelo menos eles não precisam gastar com palitos de fósforos!
- Aliás, isso nos leva ao ponto aqui, Ursinha. Você vai receber sua parte pelo boneco em mãos amanhã. Diretamente do Hiena.
- Por que ele não deixou aqui como sempre faz?
- Bom, por que ele quer você vá até a casa dele amanhã cedo para uma reunião. – Ela respondeu como se não fosse nada demais, só que era.
- O quê? Na casa do Hiena? – Indaguei surpresa. Um convite tão pessoal assim vindo do chefe era algo extremamente incomum.
- Você pode levar todas as suas coisas, ele vai lhe por em uma missão, Ursinha, uma missão muito importante.
Não tive tempo de passar na livraria. Na manhã seguinte, Gênio apareceu no meu prédio para me dar uma carona e ajudar a sumir com todos os vestígios daquele apartamento que eu tinha alugado com o nome de Emily Dickinson. Senti-me melhor quando me disseram, noite passada na Torre, que Gênio também havia sido convocado para a reunião.
- Você devia me dar algumas informações. Não gosto de tanto mistério.
- Vovó não quis me dizer muita coisa também, Úrsula.
- Por favor, Gênio, me diz o que você sabe. – Disse com a melhor cara de sofrimento que conseguia fazer.
- É um roubo grande e ele quer vocês porque são os melhores. – ele suspirou. – Mas eu não sei nenhum detalhe, não sei nem qual a mercadoria.
- Calma aí, porque você está usando plural? Eu sempre trabalhei sozinha. Quem vai estar lá também?
Gênio ficou visivelmente constrangido e nervoso. Ele nem precisava mais me confirmar quem era.
- Aquele cara? Você ia me deixar mesmo sem saber que aquele grosseirão vai estar lá?
- Não fale assim, Úrsula! O Lobo é um cara legal e gosta de você.
- Legal são as minhas bolas! – Retruquei.
- Ele é meu amigo, assim como você! E eu não sei por que você fala assim dele, considerando que os dois já foram um casal.
- Escuta aqui, Afrodite, melhor você se manter focado na missão. Comece com essa ladainha de casal e eu te faço falar mais frouxo do que o Bisonho.
- E você diz que ele é o grosseirão. – Gênio deu de ombros.
Definitivamente aquela não parecia ser a casa do maior chefe de contrabando do país. Ela era grande, imponente, cercada por um grande muro coberto de falsa-vinha, a planta era extremamente bem cuidada e bem aparada. Por dentro, o jardim era enorme, cheio de roseiras brancas e vermelhas. A mansão, toda pintada de cores claras, me fez ficar de queixo caído. Aquilo sim era viver.
Eu teria ficado ainda mais deslumbrada, se não visse que ele já havia chegado. Lobo estava com uma das três secretárias particulares da família do Hiena, a reconheci das visitas à Torre. Eu as chamava de trigêmeas trepadeiras, porque todas tinham codinomes de plantas e eram igualmente loiras, peitudas e fáceis.
- Acredite em mim, Rosa, vou trazer aquele pente para você.
- Lobo, eu não acredito que você realmente invadiu a casa da Angelina Jolie! Isso é tão incrível. Você sabe que eu sempre quis ser atriz, não é? – Rosa sorria afetada.
- Claro que sei! Por isso roubei aquele pente, me lembrei de você e dos seus cachos de ouro. Uma pena que tive que deixá-lo para trás, mas assim que por minhas mãos nele de novo, ele será seu. – Nesse momento ele percebeu que Gênio e eu estávamos olhando. Meu deus, roubar o pente da Angelina Jolie? Rosa era burra o suficiente para acreditar nessa porcaria toda?
- Finalmente meus dois melhores amigos no mundo chegaram! – Ele sorriu abertamente. Rosa pareceu ficar enciumada por ter de dividir a atenção do Lobo.
- Úrsula e Gênio. – Rosa forçou um sorriso. – Que bom que chegaram, se me dão licença, vou procurar a Girassol e a Hortelã para avisarmos aos senhores que já estão os três presentes.
- Por favor, faça isso. - Gênio disse e a garota se retirou.
- Sério mesmo? Você pretende conquistar as trigêmeas trepadeiras com esse papo de pente da Jolie? – Provoquei Lobo quando Rosa já estava dentro da mansão.
- É a mais pura verdade, Úrsula. – Ele disse e eu nem precisei conferir a sua sobrancelha para rir debochada. – Mas você não precisa ficar com ciúme das trepadeiras. – Ele sorriu. – No meu jardim eu só cultivo flores raras, como você.
- Sério? Se você queria despertar algum sentimento com essa cantada péssima, foi o de pena.
- Ah querida, sentimentos são fáceis de mudar, mesmo entre quem não vê que alguém pode ser seu par. – Ele disse galanteador. Eu dei as costas, deixando que ele e Gênio conversassem perto da varanda da mansão enquanto eu voltava para dentro do carro emburrada, uma perfeita demonstração de maturidade!
Lobo é um ladrão famoso, mas acredito que a maior parte da fama dele é por causa da sua ladainha. Ele vive soltando histórias sobre roubos fantásticos por aí e as pessoas da Torre saem reproduzindo, fazendo fofoca, e transformando ele em um tipo de lenda. Confesso que até conhecê-lo direito, acreditava nas histórias que ouvia. Tudo bem, quem eu quero enganar? Na primeira vez que eu o vi, achei que ele era a criatura mais linda que já tinha andando pela face da terra. Eu tinha completado vinte anos e estava prestes a sair da Torra para morar sozinha.
Antes
Vovó Grimm havia acendido mais velas aromáticas do que de costume e eu já havia espetado dois dedos com uma agulha. Gênio estava quase duas horas atrasado para a aula de magia e não atendia nossos telefonemas, por mais que Gênio fosse um pouco inconsequente, ele nunca nos deixava sem noticias.
De repente, Vovó Grimm deu um pulo da sua poltrona e arregalou os olhos para mim.
- Ele chegou, posso sentir! – Ela disse e pegou o interfone que ligava o apartamento com a recepção. – Meu neto está voltando para casa, deixe os dois subirem o mais depressa possível.
Dez minutos depois alguém bateu na porta, eu disse para vovó tentar se acalmar enquanto eu atendia.
- Gênio, onde infernos você se meteu que... – Parei de falar quando percebi a situação que meu amigo se encontrava. Ele estava todo molhado, escorado no ombro de um homem que eu ainda não conhecia. – É melhor vocês entrarem, traga-o para o sofá – Cedi passagem para os dois.
O homem, que trazia Gênio pendurado em um ombro e um saxofone no outro, entrou e me seguiu. Vovó Grimm ficou com a cara vermelha de raiva e preocupação quando viu o estado do neto.
- Eu sabia que ele estava aprontando alguma! Sabia! – Ela se sentou no sofá grande e o homem a ajudou a deitar Gênio com a cabeça apoiada no colo da mulher.
- Eu... tá bom... vó... – Gênio soluçou confuso. Ele vai sobreviver a bebedeira e ao quase afogamento, o maior problema seria a fúria da vovó.
- O que aconteceu? Quem é você? – Perguntei para o homem. Será que além de tudo Gênio tinha trazido alguém de fora para a Torre?
- Me chamam de Lobo. – Suspirei aliviada, já tinha ouvido falar nele, diziam que era um dos melhores ladrões do Hiena. – Gênio e eu estávamos fazendo um pequeno Luau na praia com algumas amigas. - Ele apontou para o saxofone. – Mas ele exagerou um pouco na bebida e resolveu entrar no mar. Ai eu tive que ir atrás dele para evitar que ele se afogasse e o trouxe pra cá. Ele engoliu um bocado de água.
- Obrigada por salvar meu neto. – Vovó Grimm agradeceu emocionada - Úrsula será que você pode ver o que podemos fazer pelo nosso herói? Vou fazer uma poção para deixar o Gênio sóbrio o suficiente para que eu possa tentar ensinar alguma lição para esse acéfalo irresponsável!
- Sim, vovó.
- Acho que só vou querer que ela me leve até a porta. – Lobo sorriu divertido. – Melhoras garotão! – Ele disse dando tapinhas na perna de Gênio.
Acompanhei Lobo além da saída do apartamento, até a porta do elevador, não queria estar perto quando Vovó começasse a dar o sermão em Gênio.
- Obrigada por ter trazido Gênio de volta.
- Fiz o que qualquer amigo faria. – Ele deu de ombros. – Úrsula, não é?
- Sim. – Sorri.
- Foi um enorme prazer conhecer você.
Agora
Depois do quase afogamento do Gênio, eu só fui me encontrar com Lobo depois de quatro anos, no ano passado, quando nos envolvemos pela primeira vez. Aconteceu em uma festa do Gênio, quando ele deu um jeito de arrastar todo mundo pra um final de semana de folga para comemorar o seu aniversário. Sabe como é, algumas bebidas, algumas conversas, a carne foi fraca e eu cai nas patas – e no corpo todo – do Lobo. O que mais me deixa irritada é que aquele foi o melhor final de semana da minha vida. Mas quando tivemos que voltar para a realidade, Lobo foi mandando para um roubo na Europa e nós perdemos contato por dois meses, por causa da saudade eu ficava distraída no trabalho e qualquer distração pode me render alguns anos de prisão, o que é algo que eu definitivamente não quero viver de novo. Eu sou bonita demais pra usar aquele uniforme.
Bem, não é de se admirar que nós dois nos separássemos. Não dá pra ter algum tipo de relacionamento sério no nosso ramo, então era mais fácil tentar convencer o Lobo que eu não tinha nenhum tipo de sentimento por ele. Tentei me reeducar, aprender a ver um ogro no meu príncipe encantado. Por isso ficar perto dele é complicado demais.
Rosa voltou para nos buscar e nos guiar até o salão onde Girassol e Hortelã serviam café. Para o meu desagrado, Cobra estava lá também.
- Úrsula – Ele disse encarando descaradamente o meu decote. – Impressionante como você consegue ficar cada dia mais bonita. – As trigêmeas trepadeiras me olharam com inveja. Se elas quisessem se envolver com o Cobra e se condenarem a viver pra sempre nessa vida, eu é que não iria atrapalhar. Deus que me livre de ter mais amarras nessa cidade do que eu já tenho, esta cidade, na verdade, faz a gente se acomodar. Eu sei muito bem pra onde estou indo e sinto que qualquer dia vou chegar. Eu vou para a liberdade, para o mundo, não quero ser uma ladra para sempre!
- Obrigada por ressaltar minhas qualidades, Cobra, mas eu já sei sobre todas elas – Lobo sorriu quando ouviu minha resposta. Porcaria, preciso evitar olhar na direção dele.
- Úrsula, sua encomenda está em um dos quartos, você poderá pegá-la quando a reunião acabar. - Hortelã disse se referindo ao pagamento pelo boneco.
- Tudo bem. – Concordei e ela me serviu café em uma xícara de porcelana branca que parecia ter saído de um romance inglês, até os detalhes em azul brilhavam. A xícara refletia o quanto o resto da casa também era bem cuidado, arrumado e limpo.
As trigêmeas trepadeiras e Cobra acomodaram Gênio, Lobo e eu no sofá. Hiena não demorou em aparecer, desceu as escadas de maneira elegante seguido por mais quatro homens. Hiena era alto, dono de um queixo quadrado e cabelos grisalhos, apesar das rugas e do nariz torto – um fantasma de fraturas antigas – Hiena parecia um galã saído dos filmes dos anos 50.
- Bom dia. – Ele disse seco. – Espero que todos estejam achando a visita acolhedora, mas acho que devemos ir direto ao ponto dessa reunião.
- Por favor, quanto antes melhor. – Lobo disse.
- Eu estou interessado em uma peça bem difícil de ser apanhada. Por isso precisava dos meus dois melhores funcionários – ele olhou para mim e Lobo de forma significativa. – e toda ajuda que a nossa preciosa família Grimm pode nos dar. – Se dirigiu ao Gênio.
- Mas que peça é essa que nos trouxe até aqui? O senhor poderia ter nos enviado o pedido de forma indireta como sempre faz. – Lobo continuou perguntando. Acho que ele estava tão nervoso quanto eu com todo esse clima de mistério.
- Trouxe vocês aqui porque precisava que conhecessem meus amigos, os senhores Fernando Pessoa, Ricardo Reis, Alberto Caeiro e Álvaro de Campos.
- Não poderia haver codinomes melhores. – Sorri olhando para os quatro elegantes senhores que acompanhavam o Hiena.
- Uma moça que é bonita e esperta o suficiente para reconhecer heterônimos poéticos, que grande achado! – Fernando Pessoa sorriu para mim.
- Ela é esperta o suficiente para fazer várias coisas, eu já ouvi dizer que ela pode quebrar o braço de alguém enquanto recita poesia. – Lobo riu divertido.
- Bom, não fiz isso ainda, mas me parece algo bem fácil. Acho que consigo até recitar Shakespeare. – Rebati.
- Claro que consegue senhorita Úrsula, por isso que eu escolhi vocês. – Hiena interviu. – Esse é um roubo muito importante para mim, os senhores aqui serão os responsáveis para passar as informações para vocês, por isso, terei que pedir para que os três se hospedem aqui por um mês, até a data do roubo.
Quase deixei a xícara de café cair e quebrar. Ficar hospedada na mansão do Hiena por um mês com todos aqueles homens? Pior, ficar um mês inteiro hospedada com aquele homem?
- Mas que objeto é esse que requer tanto planejamento assim? – Foi Gênio quem perguntou dessa vez.
- Uma estatueta do Oscar.
- Como é que é? – Não pude evitar soltar uma risada. Aquele homem estava falando sério? Roubar um Oscar? Pra que ele ia querer isso?
- Eu quero um Oscar para a minha colação pessoal, senhorita Úrsula. A cerimônia desse ano vai acontecer daqui um mês e eu quero que vocês roubem um dos prêmios para mim, de preferência o de melhor ator ou diretor. Ninguém liga para os prêmios técnicos!
- Desculpe senhor Hiena, mas até para mim isso soa um pouco absurdo. – Lobo interviu.
- Imaginei que vocês chegariam a essa conclusão, Lobo, mas eu também não deixo de imaginar como aquele prêmio ficaria ótimo ao lado da minha taça Jules Rimet. Por isso creio que a minha oferta para esse roubo será extremamente tentadora.
- De quanto estamos falando? – Perguntei direta.
- Para o senhor Gênio, eu dobrarei tudo o que você e a sua prezada avó recebem. E para os meus dois ladrões aqui, eu ofereço a aposentadoria.
- Aposentadoria? – Senti meu coração bater mais forte.
- Sim, aposentadoria. Liberdade para escolherem ir para onde quiserem e fazer o que quiserem, estou disposto a abrir mão do serviço de vocês para sempre se me trouxerem o Oscar.
- Estou dentro. – Sorri
Eu poderia me acostumar fácil com esse lugar, principalmente com essa suíte. Arrumei minhas poucas roupas no closet e organizei minha pequena coleção na estante. Já que ficaria um mês por aqui, meus livros poderiam ter o pequeno prazer de sair de dentro do kit de emergência. Imaginei como seria ter uma casa onde eu pudesse realmente me empenhar em encher uma estante com uma verdadeira coleção de livros. Falta de dinheiro não era um problema, como pude constatar ao ver que meu pagamento me esperava no quarto quando cheguei, o problema é onde fazer isso. Será que depois desse roubo eu finalmente poderia ter um lar? Mas será que poderia continuar visitando vovó Grimm para deitar no seu tapete fofinho e manchado?
Deitei na cama king size e tentei espairecer um pouco. Eu que já estava admirada com o conforto da casa, fiquei ainda mais surpresa quando Hiena disse que não ficaria na mansão em que estávamos hospedados.
- Mas disseram que essa era a casa do senhor. – Lembrei-me de indagar curiosa no final da reunião.
- Úrsula, você acha mesmo que eu seria ingênuo o suficiente de só ter um lugar para me esconder? – Ele rebateu.
Os primeiros dias não foram muito emocionantes, sabíamos que haveria a festa depois da cerimônia e que os vencedores e suas as estatuetas estariam lá, mas os quatro informantes ainda precisavam de um tempo para conseguir os mapas do lugar. A casa era grande o suficiente para que eu evitasse encontrar com Lobo na maior parte do tempo, e eu preferia passar esse tempo na minha suíte maravilhosa. Só sai da casa no terceiro dia, para ir à livraria procurar por uma coletânea de Drummond.
Quando voltei, perdi o fôlego ao ver que ele estava na varanda da casa, todo relaxado, como se a vida fosse uma festa. Não percebeu a minha chegada, pois estava concentrando tocando seu saxofone. A música inebriante me fazia tremer, acho que mais pelas memórias do que pela melodia. Ele havia tocado In a Sentimental Mood do John Coltrane para mim naquele final de semana.
Fechei os olhos e me permiti sentir aquilo por um momento. A saudade do toque dele. Da voz dele. Eu podia sentir a textura dos lençóis entre os meus dedos, sentir o coração dele batendo junto com o meu. A Saudade me esmagou.
Subitamente, a doce melodia do jazz e o meu transe foram interrompidas por uma voz brutal.
- Úrsula, finalmente resolveu sair da sua toca? – Mas que merda, Cobra! Por que tinha que aparecer justo agora? Lobo me olhou surpreso, ele estava tão concentrado em seu Sax que não havia sequer me notado. Abriu um largo sorriso quando olhou na minha direção.
- Fui à livraria. Fazia um tempo que eu queria comprar um livro do Drummond. – Dei de ombros.
- Como anda a sua pequena e preciosa coleção, Úrsula? – Lobo perguntou para mim.
- Crescendo de forma extremamente lenta, não da pra carregar muitos livros por aí quando as coisas saem do controle.
- Talvez depois que nos aposentarmos você possa virar uma bibliotecária. – Lobo sorriu.
- Com certeza, talvez você monte um banda de jazz também! – Minha intenção era soar irônica, mas acabei deixando transparecer um sorriso bem humorado.
- Eu acho uma ótima possibilidade! – Lobo disse satisfeito por ter me feito sorrir.
- Não sei como você pode ler essas coisas de poesia, Úrsula, esses livros nem tem figuras. – Cobra debochou, eu vi que Lobo revirou os olhos, era quase engraçado comparar os dois. Cobra se definia em músculos brutos enquanto Lobo era charmoso, a forma como ele se movia me atraia mais do que qualquer outra coisa... Lobo era como poesia.
- Não esperava que você entendesse mesmo, Cobra. – Dei de ombros. Se me dão licença vou para o meu quarto ler. – Disse andando até a porta, no entendo, Cobra conseguiu fazer a proeza de me surpreender quando segurou o meu braço no momento em que eu passei por ele.
- Se você quiser, eu posso te mostrar os outros quartos dessa casa, Úrsula. – Ele ofereceu malicioso.
- Não, obrigada. Prefiro ler sozinha no meu quarto. – Disse firme.
- Qual é, depois desse crime você não vai mais poder usar a desculpinha de que não se envolve com homens do trabalho. Eu tenho certeza que você não vai me negar uma festinha particular de despedida, minha princesa.
- Não me chame de princesa. – Puxei meu braço com força para me desvencilhar de Cobra e ergui o meu queixo da forma mais desafiadora que consegui. – Vou dizer uma vez só Cobra, não sou uma princesa e definitivamente não sou sua. Nunca mais pense em usar algum tipo de pronome possessivo comigo, estamos entendidos?
- Não acredito. – Cobra continuava me encarando. – Não acredito que você seja tão caprichosa a ponto de se achar tão superior assim, Úrsula, todas as outras garotas da Torre morreriam para ouvir isso de mim. Todas elas adorariam estar em seu lugar, você devia aproveitar a chance que tem.
- Seu filho da... – Cerrei os punhos.
- Eu acho que você devia ir dizer isso para as outras garotas da Torre, Cobra. – Não tinha percebido que Lobo estava tão próximo de nós dois até que ele falou. A raiva me cegava. – Úrsula claramente não está interessada, arrisco dizer até que está incomodada com os seus galanteios. – Ele disse sarcástico.
Cobra encarou Lobo e a mim de forma atônita.
- Que se foda. – Ele resmungou e desceu as escadas da varanda, esbarrando com força em Lobo, indo em direção à garagem. Fiquei ali parada absorvendo os acontecimentos até que ouvisse o barulho do carro e do portão se fechando. Cobra saiu de casa.
- Eu teria dado conta dele. – Eu disse para Lobo.
- Eu sei que sim. – Ele deu de ombros. – Não estava tentado te proteger dele, estava tentando te proteger de você mesma. Estamos na reta final, Úrsula, bater no filho do chefe não vai te deixar em bons lençóis.
Porcaria, ele estava certo.
- Eu sei... Obrigada. – Murmurei de má vontade.
- Depois do roubo, quando estivermos aposentados, aí sim você pode bater nele o quanto quiser. Inclusive, eu adoraria te ajudar – Ele me encarou e eu sorri. Não pude deixar de notar que sua sobrancelha permanecia imóvel.
- Com licença, Lobo – Levantei o livro e entrei na mansão. Pude ouvir o saxofone recomeçar a melodia. Fui para o quarto em longas passadas tentando fugir da música.
Não consegui ler quando cheguei ao quarto. Tudo o que eu conseguia ver era ele.
Antes
Eu julguei Gênio mal pela sua ideia de me tirar do trabalho por um final de semana inteiro, achei que era irresponsabilidade demais baixar a guarda assim. Realmente era, mas tinha valido a pena. Ele havia conseguido alugar uma chácara enorme para passarmos seu aniversário de 25 anos, durante o sábado inteiro bebemos cerveja na beira do lago da propriedade. Gênio estava tão feliz, tinha conseguido até convencer Millenium – uma colega da Torre - a sair para uma esticada com ele na cidade. Eu já imaginava o que eles pretendiam com essa esticada, mas ele merecia um pouco de diversão. Não é? Todos nós merecíamos um pouco de diversão. Lobo havia me dito isso essa tarde. Lobo! Eu nunca havia me sentindo tão leve assim na vida!
Eu estava plenamente feliz até entrar no quarto e dar de cara com aqueles olhos esbugalhados próximos da cama onde eu iria dormir, havia um sapo ali. Gritei assustada. Eu juro que sou uma garota durona, já me enfiei em esgotos para fugir da polícia, não tenho problema com ratos, cobras ou insetos, nem as temíveis baratas me fazem sequer hesitar. Mas eu tinha um problema bem grande com sapos.
Uma pessoa racional teria fechado a porta e saído de lá, mas no momento em que vi o sapo, caí de joelhos e comecei a chorar, senti minha pele coçar de uma forma que me fazia ter vontade de arrancar pedaços dela. Meu medo de sapos não era um medo comum, eu tenho Bufonofobia, só de ver aquele animal uma forte crise de pânico se desencadeia. Minha garganta pareceu se fechar e eu tentei respirar fundo para recuperar o controle sobre meu corpo trêmulo. Uma pequena parte racional sabia que o sapo não me faria nenhum mal, o bichinho sequer vinha na minha direção, ele só estava parado me olhando, mas por mais que a parte que ainda conseguia pensar em mim soubesse disso a única coisa que eu conseguia fazer era chorar e tremer compulsivamente.
- O que está acontecendo? – Senti mãos fortes me segurarem. O rosto bonito e preocupado de Lobo entrou no meu campo de visão.
- Sa...po... – Consegui dizer no meio de vários soluços nervosos. Lobo correu para pegar o bicho nas mãos e levá-lo para longe do quarto. Tive alguns minutos para tentar me recompor até que ele voltasse.
- Úrsula... – Ouvi a sua voz me chamar, mas eu não estava totalmente calma ainda.
- Por favor, lave as mãos. – Ele me olhou confuso, mas foi ao banheiro atender ao meu pedido. Se ele me tocasse depois de tocar em um sapo eu passaria no mínimo duas horas me esfregando com bucha e sabão. Quando ele voltou para o quarto, me ajudou a ficar de pé e eu consegui ir para a cozinha lavar minhas mãos e meu rosto. Queria a maior distancia possível do quarto.
- Melhor? – Lobo perguntou enquanto eu esfregava as mãos com detergente de forma nervosa na pia da cozinha. A sensação de limpeza me acalmava, porque parecia que enquanto eu não me lavasse a minha pele ainda estaria contaminada pela presença do anfíbio. Lobo sentou em uma das cadeiras e ficou me observando.
- Obrigada. – Eu respirei fundo enxaguando meus braços. – Eu sei que a minha reação foi demais, estou envergonhada.
- Não se preocupe com isso. Eu grito como uma garotinha se tiver que andar de avião, eu tenho medo de altura. – Me sentei na cadeira à sua frente e notei que a sua sobrancelha tremeu levemente.
- Mentira. – Eu sorri. – Mas obrigada por ser solidário.
- Droga, você tem de me dizer o que me denuncia. Acho que você é a única pessoa no mundo inteiro que consegue perceber quando eu minto, sempre achei que tinha o dom da interpretação! – Ele riu.
As fofocas sobre as coisas incríveis que o Lobo fazia circulavam por toda a Torre. Antes desse final de semana eu também ficava deslumbrada com seus feitos, principalmente porque quando eu o conheci ele havia salvado o nosso melhor amigo em comum de um possível afogamento. Mas sempre fui uma pessoa muito observadora, só precisei passar um dia inteiro na companhia do Lobo para descobrir que mais da metade daquelas fofocas deveriam ser a mais pura mentira. Ele era um bom mentiroso, eu confesso, mas havia um pequeno detalhe que o denunciava toda vez. Quando Lobo mentia, sua sobrancelha direita tremia de forma bem sútil e rápida.
- Não posso te contar o meu truque. – Eu pisquei para ele. – Aliás, pode ser até divertido, você é um jogo da verdade em forma humana.
- Ótimo, então vamos brincar. – Ele sorriu. – Quando era criança tive um cachorro chamado Bolinha.
- Mentira. – Eu disse e ele me olhou surpreso.
- Tudo bem, mas eu tinha um boneco do homem aranha que eu adorava.
- Mentira de novo.
- Estou começando a achar que Gênio te ensinou algum truque mágico que te da o poder de ver a vida inteira das pessoas! – Rimos.
- Isso também é mentira!
- Eu acho você incrivelmente bonita. – Ele me encarou. Sua sobrancelha ficou imóvel.
- Isso é verdade, mas não foi difícil. Eu saberia que é verdade só por ser quem eu sou! – Sorri convencida.
- Uau! Ótimo saber que você não precisa ter seu ego alimentado. – Ele sorriu. – Tenho mais uma.
- Pode mandar.
- Eu sei tocar saxofone e adoro jazz. – Fiquei esperando o sinal, mas ele não aconteceu.
- Essa é verdade e é surpreendente! Não são muitos que gostam de jazz e têm menos de oitenta anos! – Ri.
Nós já havíamos conversado durante o dia inteiro, mas mesmo assim ficamos mais duas horas na cozinha. Eu e Lobo tínhamos tanto em comum, amor por artes, poesia, um sonho de liberdade. Ele havia caído na vida de ladrão quando adolescente também, nunca conheceu o pai e a mãe era uma viciada em drogas que vendia todos os seus pertences e mendigava para ter dinheiro para tentar sustentar o vicio, mas é claro que nunca era o suficiente. Quando ele completou doze anos, ouviu a mão conversar com um traficante, ela tinha tido a capacidade de oferecer os serviços de Lobo em troca de cocaína, quando descobriu que teria de ser aviãozinho do trafico por causa da mãe, ele fugiu de casa e nunca mais ouviu falar dela. Foi encontrado por um dos olheiros do Hiena vagando pelas ruas e a Torre o treinou para o transformar em um ladrão de elite. Eu o entendia, também tinha sido levada para o Hiena por causa de problemas na família.
Quando bocejei pela terceira vez seguida ele me olhou sério.
- Acho que está na hora de dormirmos.
Droga. Eu já estava calma, mas lembrar de que o sapo tinha ficado no chão do quarto aonde eu iria dormir fazia meu coração acelerar novamente. Talvez se eu lavasse o chão...
- É... Acho que sim. – Eu admiti tentando esquecer a história de limpar o chão no meio da madrugada.
- Quer trocar de quarto comigo?– Ele perguntou.
- Por favor. – Respondi tímida. Não estava acostumada com pessoas me ajudando, muito menos que pessoas me vissem sentir um medo tão bobo! Era um pouco constrangedor.
Provavelmente Lobo era tão bom observador quanto eu, porque percebeu meu nervosismo ao entrar no quarto. Quando me aninhei na cama ele me olhou sério e preocupado.
- Tudo bem com você, Úrsula?
- Não estou acostumada com pessoas tomando conta de mim assim. – Admiti envergonhada
- Todo mundo precisa de alguém às vezes. Tenho uma ideia, vou te contar outra história e você me diz se é verdade ou mentira – Ele se levantou e caminhou até a mala, não demorou até encontrar o que precisava. Lobo pegou o Saxofone e puxou a poltrona que estava no quarto até que ela ficasse do lado da cama.
- Eu ganhei esse Sax do olheiro que me encontrou, ele era conhecido como Hades, foi meu tutor por muito tempo. Não posso dizer que eu via nele uma família como você vê na Senhora Grimm, até porque nunca moramos juntos, mas ele foi a primeira pessoa que me tratou com respeito, a primeira pessoa que me tratou como igual. – Lobo suspirou. – Sabe Úrsula, não queria ser ladrão, mas eu não tive muitas escolhas depois que fugi de casa, Hades me tratar feito gente já foi algo bem impressionante pra mim.
- Eu te entendo Lobo. Ninguém que ser ladrão, aposto que todos os funcionários do Hiena tem suas tragédias.
- Antes de aceitar fazer parte disso eu disse ao Hades que eu queria ser músico e viajar o mundo, era um sonho bobo de menino, mas eu achava que ia acabar dando certo. Quando percebi que na verdade eu ia era acabar morrendo de fome na rua procurei pelo Hades e disse que aceitava a proposta de ser treinado. Depois de alguns dias ele apareceu com esse Sax e disse “Não precisa desistir de todos os seus sonhos, garoto”.
- É uma boa coisa para dizer. – Sorri.
- É mesmo, quando ele disse isso eu tive certeza de que eu poderia fazer o que eu quisesse da minha vida. Quando eu comecei a roubar pro Hiena, me perguntava várias vezes se isso não era a mesma coisa que ser um aviãozinho de tráfico, ganhar dinheiro fácil e tirar proveito das coisas, mas quando eu treinava com o Sax e me lembrava do que eu Hades tinha me dito, eu entendia que era diferente, eu só estava procurando um jeito de sobreviver e fazer as coisas darem certo. Úrsula, nós não precisamos matar pessoas, não destruímos famílias, só roubamos daqueles que já tem muito dinheiro, não arruinamos a vida de ninguém. Eu meio que comecei a me sentir um Robin Hood. – Lobo deu risada.
- É tudo verdade, Lobo, e não preciso usar o meu truque da mentira para saber. – Sorri. – Toque uma música pra eu ouvir.
- Sério? Não precisa ser gentil, se você não quiser que eu toque, vou entender completamente, a maioria das pessoas não gosta muito de jazz... Mas saiba que você vai partir meu coração, eu quase nunca tenho plateia. – Disse divertido.
- Eu vou adorar ouvir você tocar! Por favor, eu ainda estou um pouco abalada por causa do sapo.
- Vou tocar a minha musica favorita para você dormir mais calma então. – Ele sorriu de uma forma tão doce que eu senti meu coração esquentar, tomou fôlego e as notas de In a sentimental Mood inundaram o quarto.
Acordei com o sol nascendo e tomei um susto quando o vi na poltrona. Lobo ainda estava lá, dormindo na cadeira, abraçado com o saxofone. Eu dormi ouvindo sua musica e aparentemente ele caiu no sono tocando para mim. Eu tinha deixado ele dormir todo torto na poltrona depois que ele se abriu completamente comigo e me contou toda sua vida! Deve ser uma bruxa do mar mesmo!
- Lobo! Lobo! - Cutuquei seus ombros. Ele despertou bem devagar.
- Úrsula... hnn.. acho que peguei no sono sem querer. – Ele encostou o Saxofone no chão e estalou o pescoço. Deveria estar bem dolorido depois de dormir sentando.
- Por que você ficou aqui?
- Queria ter certeza que você estava dormindo bem antes de ir por outro quarto, mas acho que não consegui aguentar muito tempo. – Ele riu.
Eu me senti extremamente acolhida e emocionada. Não era acostumada a ser alvo da preocupação de outras pessoas, mesmo que ele tenha pegado no sono sem querer, tinha se preocupado a suficiente para ficar até que eu estivesse dormindo. Tomada por um impulso de paixão, puxei Lobo para perto de mim e o beijei.
- Então fique mais. – Sussurrei e o puxei para a cama. Ele me envolveu em seus braços e tudo se tornou uma explosão colorida de sensações.
Agora
No primeiro final de semana fomos informados que um jato particular do Hiena nos levaria até Los Angeles para o roubo, também recebemos a planta do salão onde seria realizada a festa depois da cerimonia que premiaria os filmes. Gênio ficou um pouco aborrecido porque não viajaria, já que a sua participação era somente preparar as substâncias mágicas que nos ajudariam no trabalho.
- Vocês, seus ladrões aventureiros, sempre ficam com as melhores partes! – Ele disse emburrado enquanto saímos do escritório que era usado para reuniões entre os quatro informantes, Gênio, Lobo e eu. Também tinha o Cobra, que dizia que ficava lá para supervisionar e informar o Hiena, mas o único momento em que ele mostrava alguma reação era quando alguma das trigêmeas trepadeiras entrava para servir bebidas e ele tinha uma bunda para olhar.
- Pelo menos você fica livre das papeladas, amigo. – Lobo disse sacudindo a planta do salão e mais dezenas de informações sobre as pessoas que estariam na festa.
- Se conseguirmos fazer tudo nos momentos certos, talvez não seja tão difícil. Tem várias entradas e saídas, só temos que ter certeza que a poção vai fazer a vitima ficar confusa por tempo suficiente. – Disse olhando de forma severa para Gênio.
- Você me ofende duvidando assim do meu trabalho, Úrsula. Se preocupem em entrar e sair da festa, as poções estão indo muito bem.
- Pode até ser divertido entrar de penetra, lá vai estar cheio de celebridades! – Lobo sorriu.
- Talvez você consiga mesmo roubar o pente da Angelina Jolie, afinal.
Era fácil conversar sobre trabalho, era fácil conversar sobre qualquer coisa que não envolvesse sentimentos.
A partir da segunda semana a rotina ficou um pouco mais dura. Gênio passava o dia inteiro enfurnado na sala que havia ganhado para montar os seus apetrechos de magia, Lobo e eu estávamos com uma pilha consideravelmente grande de papéis com os nomes e as fotos das pessoas importantes que estariam lá, e isso só por precaução, para ajudar no disfarce que usaríamos, ainda havia os mapas dos arredores do salão para estudarmos. Quanto mais a data da viagem se aproximava, mais concentrada eu me tornava, afinal, trabalho é a minha prioridade.
E ainda acham que ser ladrão é coisa de vagabundo!
Faltando quatro dias para a viagem, eu fiquei tão envolvida revisando os rostos e os nomes dos convidados que acabei caindo no sono em cima da papelada e perdendo o horário do jantar, acordei no meio da madrugada completamente faminta. Que ótimo!
Quando desci as escadas a casa estava completamente silenciosa. Fui para a cozinha tentar encontrar alguma coisa que pudesse acalmar meu estômago, quando cheguei ao cômodo, me surpreendi ao perceber que nem todos na casa estavam dormindo.
- Boa noite. – Lobo sorriu. Ele usava apenas uma calça de moletom cinza e seu cabelo estava despenteado, escorado na pia, ele admirava uma maçã que havia acabado de lavar.
- Boa noite. – Respondi observando-o dar uma dentada na fruta. De repente me senti solidária a história de Adão e Eva, eu não teria resistido.
- Senti sua falta no jantar. – Ele disse e eu me lembrei de qual o tipo de fome que havia me levado até a cozinha.
- Estava estudando a papelada e perdi o horário. – Dei de ombros. Lobo deu outra mordida na maçã e eu abri a geladeira para procurar alguma coisa para comer.
- Nada de comida congelada. – Resmunguei. Tenho muitos talentos, mas cozinhar não é um deles. – Onde você conseguiu essa maçã, Lobo?
Estranhei o silêncio. Por mais que eu evitasse ficar perto dele por questões sentimentais, Lobo e eu estávamos convivendo da melhor forma possível durante o tempo em que éramos forçados a ficar aqui.
- Lobo? - Chamei de novo percebendo que ele não estava mais na cozinha.
- Aqui na despensa! – Ouvi sua voz, fechei a geladeira e fui ao seu encontro. A despensa era ligada a cozinha por uma porta de correr branca, quando entrei, vi Lobo de costas para mim, vasculhando as prateleiras abarrotadas de comida. Perdi alguns segundos admirando suas costas nuas, os músculos bem definidos e o detalhe que eu não via desde que passamos a noite juntos: A tatuagem de um lobo uivando na pele que cobria sua omoplata direita.
- Espero que você goste de macarronada. – Ele disse tirando minha atenção da tatuagem – Me ajude a achar cebolas aqui.
- Você vai cozinhar? – Perguntei curiosa.
- Para a sua sorte. – Ele ficou de frente para mim e piscou. – Aqui, leve isso aqui lá para a pia e lave os tomates.
Lobo sabe cozinhar desde quando? Bom, eu é que não ia recusar a oportunidade de ver isso acontecendo. Fui lavar os tomates.
- Infelizmente, vou ter que sacrificar as cebolas do tempero. Acho que elas estão mais bem guardadas que a fortuna do Hiena. – Ele apareceu atrás de mim com uma faca e uma tábua. Começou a picar os tomates de forma ágil.
- Tudo bem, qual é a história? Roubou o livro de receitas da Ana Maria Braga?
- Essa é uma ótima história, vou anotar para usar, sua engraçadinha. Agora pegue duas panelas ali no armário perto da geladeira, por favor.
- Você é quem manda, MasterChef.
Não vou mentir e dizer que não me diverti cozinhando com Lobo, mas não era uma paz completa. Eu não podia deixar de imaginar se poderíamos ser sempre assim, se tudo desse certo e ficássemos livres, poderíamos tentar ter um relacionamento de verdade? Será que ele ainda queria tentar um relacionamento comigo? Lembrei-me de como fiquei arrasada quando eu decidi terminar porque nunca teríamos como manter um namoro enquanto estávamos tão envolvidos com roubos em diferentes partes do mundo. Eu aguentaria aquilo de novo? Meu coração não se emenda, tudo é tão lindo no início, mas a razão diz: se contenha, se não quiser ir pro sacrifício.
- Já acabou de por a mesa? O macarrão já está pronto. – Lobo perguntou.
- Só faltam os talheres, já vou pegar.
Começamos a comer em silêncio. Tenho que admitir, ele estava bem gostoso. Quero dizer, a comida estava bem gostosa.
- Gostou? – Ele sorriu parecendo ler os meus pensamentos.
- Está ótimo. Vou fazer o seu primeiro plano de fuga. O número um: Se aposentar e abrir um restaurante especializado em massas!
- Você ainda faz planos de fuga? – Ele riu divertido. – Qual você vai realizar primeiro? – Estranhei a sua pergunta, dei uma garfada no macarrão para ter alguns segundos para pensar.
- Nenhum deles, na verdade. – Suspirei derrotada por fim. – É só uma brincadeira.
- Por quê? Depois desse roubo vamos poder fazer qualquer coisa, vamos ser livres.
- É... acho que passei tanto tempo sonhando com isso que agora nem parece ser real. Eu sou Úrsula há tanto tempo que não sei mais como ser... – Parei de falar. Lembrei-me do meu nome verdadeiro e do meu passado. Perdi a vontade de comer.
- Eu te entendo. – Lobo disse após alguns segundos de silêncio. – No fundo, também tenho medo de voltar a ser o filho da drogada. Por mais que a gente tente não da pra fugir de quem nós somos para sempre.
- Você não é só o filho de uma drogada. – Eu o interrompi. – Nós não podemos viver a margem dos nossos pais.
- Úrsula, você também fugiu de casa? – Ele perguntou com a voz em um tom mais baixo, como se tivesse medo da minha reação. Membros da Torre não costumavam falar sobre seu passado, mas eu me sentia tão confortável com Lobo. E ele já havia confiado a sua história para mim, eu sabia que poderia me abrir com ele também.
- Fui abandonada, na verdade. - Disse devagar.
- Sinto muito.
- É uma história meio complicada. Minha mãe morreu no parto e, apesar de não dizer com todas as palavras, meu pai me culpava por isso. Eu cresci praticamente escondida em casa, ele não gostava que eu saísse, não gostava de ser visto comigo, contratou professores particulares para que eu não fosse para a escola. Eu achava que era a forma dele sofrer, sabe, me sentia culpada por não ter uma mãe também. Eu achava que se fizesse tudo da forma como ele queria, ele ia perceber que ainda tinha a mim, uma garotinha doida para ter um pai. Então eu ficava lá, quietinha e trancada no meu quarto lendo livros e estudando porque era isso o que ele queria. No fim ele tinha mesmo era vergonha de mim, por isso me mantinha presa em casa. – Todas as palavras saíram rápido, senti o fantasma daquela outra vida pesar sobre mim.
- Ninguém jamais deveria ter vergonha de uma pessoa tão bonita quanto você. E não digo bonita só por causa do seu rosto, até porque você mesma vive ressaltando suas qualidades físicas! Você é bonita por ser quem você é. – Lobo disse sério. Fiquei feliz de ver que sua sobrancelha não se moveu.
- Bom, ele tinha. E quando eu fui parar na Fundação Casa, que ainda era FEBEM na época, ele viu a oportunidade perfeita para sumir no mundo. Essa é a pior parte da história, sabe, eu me sinto tão boba quando lembro do que fiz. – Senti meus olhos arderem e respirei fundo para conter as lágrimas.
- Você foi pega fazendo algo para a Torre? – Lobo perguntou.
- Não, eu nem sabia sobre a Torre na época, ainda não tinha feito nada de ilegal quando fui presa. Um dia a polícia apareceu atrás do meu pai e eu descobri que ele estava sendo acusado de roubo. Uma coisa bem boba na verdade, acharam algumas bebidas importadas escondidas no carro dele durante uma blitz e o palhaço deu todas as pistas para descobrirem que ele estava roubando, além das bebidas, várias lojas de conveniência e supermercados há meses. Eu assumi a culpa porque achei que ele se sentiria grato, que acharia aquilo uma espécie de sacrifício nobre ou algo assim. Disse que eu tinha roubado as bebidas e escondido no carro do meu pai, disse que eu tinha roubado todas as outras lojas e meu pai confirmou tudo, passei dois meses na FEBEM, quando eu saí não havia mais nem sinal dele. Se a polícia descobrisse que a única família que eu tinha havia me abandonado, o governo me mandaria para algum abrigo e eu não queria voltar pra qualquer tipo de prisão que me lembrasse aquela droga de lugar que era a FEBEM, então, logo eu que vivi a vida inteira escondida dentro de casa, tive que aprender a morar na rua. Um tempo depois encontrei a Vovó Grimm e ela cuidou de mim.
- Meu Deus Úrsula, eu nunca imaginei algo assim. – Ele esticou a mão sobre a mesa e acariciou meus dedos de leve. – Foi algo muito nobre da sua parte salvar seu pai da prisão, pena que ele não soube valorizar a filha que teve.
- Obrigada, Lobo. - Segurei sua mão e entrelacei nossos dedos - Foi na FEBEM que eu desenvolvi Bufonofobia. – Suspirei. – Sapos sempre me deixaram desconfortável, mas foi depois de um episódio especifico que tudo piorou. Eu nunca tinha ido nem a escola, era uma completa pateta! Lá era cheio de outros adolescentes valentões e uma garota encanou comigo.
Antes
Eu passei a ficar muito tempo de cabeça baixa desde que me mandaram para esse lugar. Achei que as coisas não seriam muito diferentes entre ficar presa aqui e continuar presa em casa, mas eu estava completamente enganada. Isso é um inferno, mas tenho que aguentar firme para que papai se sinta grato e orgulhoso quando me tirar daqui.
Estávamos no banho de sol, mas o tempo estava muito nublado e úmido. Havia chovido há pouco e ainda havia algumas poças. Não sei como diabos um sapo veio parar ali dentro do pátio, mas assim que o vi decidi mudar de lugar. Não gostava muito daquele animal.
- Princesinha! - A garota disse de forma irônica e com um sorriso de escarnio. Tudo o que eu tinha feito desde que estava aqui era tentar passar despercebida, mas Espoleta não deixava. Ela era uma menina grandona e de cabelos escuros alvoroçados.
Eu odiava ter tempo livre aqui, era muito mais fácil que ninguém viesse me importunar se estivessem todos limpando o chão ou em alguma oficina de arte. Fingi que não a ouvi e apressei meus passos, embora não houvesse para onde fugir.
- Princesinha, volte aqui! – Ela gritou. Continuei andando, mas não demorou até que uma mão agarrasse meu ombro.
- Espoleta está falando com você, princesinha! – Outra menina disse, não demorou até que eu estivesse encurralada.
- Você estava com medinho do sapo, princesinha? Vi a carinha de nojo que você fez pra ele! - Espoleta riu e levantou o sapo na mão. O coitado do bicho nem tinha culpa do que estava acontecendo, só estava lá, me encarando com aqueles olhos esbugalhados que pareciam tão assustados quanto os meus. Tentei me mostrar corajosa.
- Me deixe em paz. – Resmunguei. Todos caíram na risada.
- Princesinha! Por que você não beija o sapo para ver se ele se transforma em príncipe?
Espoleta deu risada e a próxima coisa que eu senti foi o animal em meu rosto. Tentei segurar o choro que me engasgava. Seja forte!
Alguém chutou minhas pernas e eu caí no chão, senti a dor de mais alguns golpes e Espoleta jogou o sapo em cima daminha barriga. O bichinho saiu pulando por cima de mim até conseguir fugir. Por mais que tentasse me segurar, as lágrimas vieram. As outras meninas riam enquanto me batiam e me sujavam.
- Ah, princesinha, parece que você não tem nenhum encanto aqui no meu reino.
Agora
- Espoleta quebrou duas costelas minhas até que os guardas finalmente chegassem e separassem a briga.
- Por isso você ficou tão brava quando o Cobra te chamou de princesa. – Lobo disse. – Se eu soubesse disso teria deixado você bater nele.
- Ninguém sabia disso até hoje, Lobo, não sei como você consegue me passar tanta confiança, mas eu sinto que poderia contar tudo pra você.
- Você pode, Úrsula, eu jamais trairia sua confiança. – Lobo segurava minhas mãos de forma carinhosa, seus olhos estavam fixos em mim.
- Você se lembra do nosso jogo da verdade? – Perguntou.
- Como poderia me esquecer? – Sorri.
- Ótimo! Como você me contou os seus segredos hoje, eu vou te contar uma coisa sobre mim também, quero saber se você ainda é imune as minhas mentiras.
- Pode dizer, garanto que vou adivinhar! – Desafiei.
- . Meu nome verdadeiro é .
Olhei para seu rosto, esperando ver o sinal da mentira na sobrancelha de Lobo. Nós nunca dizíamos nossos nomes verdadeiros uns para os outros, não importa o quão próximos fossemos. Mesmo depois de narrar toda a minha história para Lobo, nossos nomes sempre eram guardados a sete chaves.
- É verdade. – Disse por fim e ele sorriu confirmando.
Eu me levantei da cadeira e o abracei com toda a força que tinha e ele retribuiu da mesma forma. Naquele breve momento, senti que éramos só uma pessoa.
- Lob... – Corrigi. – Se você quiser um segredo meu, eu nunca deixei de gostar de você.
- Isso não é segredo, Úrsula, você pode sentir o amor esta noite? Você não precisa olhar muito longe pra sentir que eu ainda amo você também.
Separei nossos corpos e o encarei.
- Você também não precisa olhar muito longe para perceber que não vai dar certo, , não da pra manter um relacionamento trabalhando pro Hiena, nós vamos acabar sofrendo mais. Por mais que eu veja você como o meu príncipe encantando, você só pode ser o ogro nessa torre.
- Ah Úrsula, mas eu quero ser o ogro da história. – Ele me olhou confiante.
- Por quê?
- Porque os príncipes encantados ficam com as princesas e você não é uma princesa. – Ele disse isso de forma tão séria que eu comecei a rir descontroladamente. Que porcaria de metáfora eu tinha escolhido!
- Sabe do que mais? Como um perfeito ogro não vou fazer nenhuma jura de amor, na verdade, não vou dizer que te amo e nem demostrar isso enquanto estivermos aqui trabalhando. Mas eu vou fazer um plano de fuga e como você é especialista nisso, quero a sua opinião sobre ele.
- Tudo bem, qual o seu grande plano de fuga?
- Quando eu estiver aposentado, vou me casar em Las Vegas com o amor da minha vida.
- É um ótimo plano! – Sorri.
--- x ---
A agulha deslizava entre meus dedos, estava ansiosa para o grande evento. Conferi a bolsa pela décima vez para checar se tudo o que Gênio havia preparado ainda estava ali.
- Essa é a poção da confusão, espirre um pouquinho e vai deixar a pessoa completamente anestesiada por alguns minutos. – Gênio disse quando ainda estávamos na mansão do Hiena, pouco antes de embarcarmos no jatinho particular que nos levaria até Los Angeles.
- Por que você colocou em um vidro de perfume? – Cobra, que ainda estava lá por algum motivo que só Deus sabe, perguntou.
- Por que é muito mais fácil uma borrifada acidental de um vidro de perfume na cara de alguém passar despercebida do que uma borrifada de um frasco com um rótulo de “cuidado, poção magica”. – Gênio respondeu irônico e Cobra resmungou. Estávamos e três dos quatro informantes na sala de reuniões. – Agora, se me permitem continuar. Esses acessórios vão disfarçar a aparência de vocês, não vamos arriscar que vocês sejam pegos quando estiverem curtindo a aposentadoria, não é? – Meu amigo sorriu entregando um belo par de brincos prateados para mim e um relógio de pulso bonito para Lobo. – Infelizmente, a mudança de aparência só funciona pra quem nunca viu vocês antes, mas como acho que vocês não têm muitos amigos famosos em Hollywood, vai servir.
- Com licença – Rosa interrompeu na porta. – O carro já está preparado para levá-los até o jatinho.
- Já terminei por aqui. – Gênio disse – Mas gostaria de ficar um minuto a sós com os ladrões, se os senhores me permitirem.
- Mas é claro, meu jovem, só peço que não demorem. – Ricardo Reis respondeu rapidamente e os três informantes, seguidos pelo Cobra, se retiraram da sala de reuniões.
- Eu diria que você é um Gênio, mas isso seria redundante. – Disse feliz.
- Nossos apelidos merecem ser conquistados, aliás, nada de querer desenhar polvos dessa vez Úrsula, com certeza as pessoas iriam notar antes que vocês conseguissem fugir.
- Você pediu para ficar conosco só pra me dizer isso! Não sou amadora, Gênio.
- Eu sei, só queria me despedir de vocês dois, estou perdendo minha irmã de criação e o meu amigo de festas em uma tacada só. – As palavras me atingiram feito um tapa.
- Você não está nos perdendo, Gênio, nem sabemos se vamos conseguir.
- Cara, roubar um Oscar ainda parece uma das minhas histórias loucas. – Lobo acrescentou.
- Claro que vocês vão conseguir, são os melhores nisso. Só quero que vocês saibam que estou feliz por vocês, a vida deve ser muito melhor do lado de fora do mundo da Torre, mas não se esqueçam de mim. E você, Ursinha – ele sorriu por causa do apelido que eu nunca havia deixado que ele usasse antes - Não se esqueça da vovó, ela mandou dizer que sempre vai torcer pela sua felicidade também.
- Ah Gênio, eu nunca me esqueceria de vocês, eu amo os dois! – Eu o abracei de forma terna.
Agora que eu estava no jatinho, à caminho do roubo, eu percebi porque estava tão nervosa assim com essa história toda de roubar o Oscar. Aquilo com Gênio foi uma despedida, ou eu iria para a liberdade ou nos pegariam e eu iria para a cadeia, de qualquer forma aquela noite iria mudar a minha vida para sempre. Sempre sonhei com essa mudança, mas agora, como viveria sem Gênio e Vovó Grimm? Será que se tudo desse certo eu poderia voltar a vê-los? Eles eram poderosos, talvez pudessem ir até meu encontro sem que ninguém notasse.
Encarei Lobo tenteando decifrar sua expressão. Será que ele também estava nervoso com essas incertezas? Quando percebeu meu olhar, ele sorriu para mim de forma confiante, parecia que ele tinha o mundo na palma da mão.
- Estamos quase chegando. – Fernando Pessoa interrompeu. – Vocês já estão cientes dos procedimentos, certo?
- Vamos chegar a Los Angeles e Hiena vai estar nos esperando com um carro para chegarmos até a After Party da cerimônia do Oscar, lá vão estar todos os ganhadores felizes de realizarem os seus sonhos com as suas lindas estatuetas. – Disse.
- Nós vamos entrar na festa de forma discreta e pegar um desses prêmios. – Lobo continuou. – Temos meia hora para entrar e escolher o alvo, então o senhor Álvaro de Campos vai causar um pequeno apagão de cinco minutos para pegarmos a mercadoria.
- E qual a parte mais importante? – Fernando Pessoa perguntou levantando as sobrancelhas.
- Depois que pegarmos as estatuetas vamos sair de lá e voltar para o jatinho, onde o Hiena estará esperando. Se não voltarmos dentro de duas horas vocês vão entender que o plano falhou e que não conseguimos sair de lá sem tapear a segurança, então nos deixam para trás.
- Exatamente, Úrsula, o que nos leva ao último detalhe. Você pediu um vestido longo para esconder a estatueta, bem, eu espero que esse seja do seu agrado. – O informante disse mostrando uma caixa preta que devia conter o meu vestido. Ah, não da pra negar que eu estava bem feliz por ter um disfarce glamoroso.
- Não se preocupe, eu tenho a incrível habilidade de ficar bonita dentro de qualquer roupa. – Sorri.
Infelizmente, tenho que confessar que foi bem difícil ficar bonita tendo que me aprontar dentro do banheiro do jatinho. Ainda bem que eu fui esperta o bastante para arrumar um penteado elegante antes de pegar o voo, ou eu poderia esconder umas cinco estatuetas dentro do meu cabelo. Terminei de me aprontar pouco antes de ter de me sentar e por o cinto para pousarmos, Lobo já estava impecável em seu terno quando sai.
- Quanta elegância. – Sorri para ele.
- Digo o mesmo.
Hiena estava lá com o carro, um belo Porshe 911 azul claro. Achei engraçado perceber que de certa forma o carro combinava como o vestido azul marinho que eu usava.
- Senhorita Úrsula, Senhor Lobo, essa é a lista com o nome dos vencedores dessa noite. – Hiena nos entregou um papel para cada um de nós e conseguimos estudar a lista rapidamente. – Estou contando com o sucesso de vocês hoje. – Hiena disse de uma forma severa e entregou as chaves do carro para Lobo.
- Não se preocupe, nós estaremos de volta em duas horas com a sua estatueta. – Disse confiante. Agora que o tempo estava correndo, deixei todas às duvidas sobre o futuro para depois. Era hora de começarmos a agir.
Logo e eu estávamos à caminho da festa. De acordo com os mapas que havíamos estudado, levaríamos no mínimo vinte minutos para chegar lá.
- Você está com a poção da confusão ai, certo? – Lobo perguntou.
- Bem guardada aqui. – Mostrei a bolsa prateada que combinava com o par de brincos que Gênio havia enfeitiçado. Ponderei por um minuto antes de dizer.
- Com que aparência será que estamos? – Dei voz aos meus pensamentos vaidosos.
- Tenho certeza que nenhuma capaz de fazer jus a sua beleza, Úrsula. – Ele respondeu galanteador.
- ... – Comecei incerta – Se você quiser pode me chamar de .
- Como? – Ele tirou os olhos da estrada para me encarar por alguns rápidos segundos.
- Meu nome de batismo é , se tudo der certo e nos aposentarmos, você vai saber por quem procurar em Paris. Acho que é para lá que o meu plano de fuga vai me levar. – Sorri da forma mais sedutora que consegui. Se eu fosse para a prisão, pelo menos saberia que não fui uma impostora a vida toda. Eu saberia que haveria alguém no mundo que me conheceria por completo, tanto parte de mim que ainda era , quanto à parte que havia se tornado Úrsula, assim como eu conhecia o sob a pele do Lobo.
Mas eu realmente acho que combino muito mais com Paris do que com a Prisão, por isso, esse tem que ser o último crime perfeito da Úrsula. Voltei a estudar a lista dos ganhadores, me lembrando dos rostos que eu tinha decorado durante o mês inteiro.
- Noventa e cinco minutos até nos deixarem para trás. Cinquenta minutos até as luzes apagarem. – Lobo sussurrou quando nos dirigíamos para a entrada da festa. Noventa e cinco minutos e contando.
Havia um pequeno tapete vermelho nos degraus que levavam até a entrada da Festa, alguns seguranças rondavam pelos arredores, mas apenas um estava na entrada. Hiena realmente quer esse prêmio, deve ter pagado uma fortuna para cada um dos informantes, um deles, Álvaro de Campos havia viajado um dia antes e se tudo estivesse dentro do planejado ele, por ser um dos engenheiros do evento, causaria um breve apagão daqui a exatamente quarenta e cinco minutos.
Lobo e eu andávamos de braços dados e sorridentes, tentando passar a confiança de um casal que havia sido convidado para aquele evento. Quando estava perto o suficiente do segurança puxei o vidro de perfume e fingi admira-lo e cheirá-lo. Posicionei o vidro perto do pescoço e fingi tropeçar. Um jato fino da névoa do vidro atingiu o rosto do segurança. Um cheiro leve de Jasmim inundou o ar, Gênio havia pesando em todos os detalhes!
- Oh God, I beck your pardon! – Eu me desculpei tentando esconder o meu sotaque o máximo possível. O segurança pareceu confuso, suas pupilas estavam um pouco mais dilatadas que o normal. Funcionou!
- Names... please... – A intenção do segurança era perguntar nossos nomes, mas suas palavras saiam confusas e pausa das.
- Merida and John Smith, we are directors. – Lobo respondeu confiante e envolveu minha cintura com o braço, me puxando para dentro. Eu sorri para demostrar confiança também e o guarda se esqueceu de qualquer outro tipo de procedimento enquanto piscava os olhos com força. Gênio havia explicado em uma das reuniões que o efeito da poção não demoraria muito para passar, por isso precisávamos ser rápidos.
Estávamos dentro da festa. Foi mais fácil do que pensei, senti meu peito se encher de orgulho, nós íamos conseguir!
- Isso sim que é uma festa de verdade, não aquelas porcarias que Gênio e eu fazíamos. – Lobo riu.
- Lembre que estamos trabalhando. – Rebati.
- Calma, nós vamos conseguir. Vamos nos misturar e achar um alvo.
- Já pensei em um. – Aproximei e beijei o seu rosto para que ninguém percebesse que eu estava sussurrando. – Diretor do ano.
- Boa escolha. – Ele sorriu e checou o relógio. – Vinte e sete minutos até as luzes apagarem.
Circulamos pela festa. Não havia tumulto, as pessoas estavam elegantes e as luzes temáticas davam um ar ainda mais glamoroso, as batidas da musica ecoavam ritmadas, mas sem excesso de volume, e os garçons serviam champanhe. Tínhamos de apurar os olhos, se não encontrássemos o vencedor do prêmio de melhor diretor logo teríamos de partir para outro alvo. O melhor diretor também havia ganhado como melhor filme, então se nós tivéssemos um pouco de sorte, ele estaria com os dois prêmios e isso faria com que ele demorasse um pouco mais para perceber que estava com um a menos. Todos os segundos eram preciosos.
Eu conhecia vários rostos, tanto por causa dos documentos que estudamos quanto por causa dos filmes que já havia visto na vida. Ponderei umas duas vezes sobre quais seriam as chances de conseguir tirar uma foto com o Brad Pitt e me manter focada na execução do plano, precisei de muito sangue frio para não fazer isso. Mas, acredito que Lobo estava ainda mais eufórico do que eu, por mais que nos portássemos de forma perfeita para que ninguém percebesse que nós não estávamos acostumados com aquilo, eu percebia o seu sorriso animado cada vez que ele me encarava. Era um festeiro nato.
- Já pensou em quanto pagariam no ebay por uma taça que a Jennifer Aniston bebeu? Ou um guardanapo? Aposto que eu podia conseguir até alguns fios de cabelo.
- Já pensou que nós poderíamos pegar qualquer guardanapo e vender no ebay dizendo que a Jennifer Aniston usou? Aposto que alguém pagaria.
- Isso sim é a cabeça de uma verdadeira empreendedora. – Lobo sorriu. Quando olhei para ele senti meu coração saltar, mas não era por qualquer tipo de sentimento amoroso.
- Falando em negócios – Sorri de forma maliciosa – Uns cinco metros atrás de você, à direita.
Lobo arqueou as sobrancelhas, mas não olhou para trás, em vez disso passou os braços pela minha cintura e nós demos alguns passos pela festa de forma confiante. Despreocupadamente, o Lobo parou ao lado de um garçom e puxou uma das taças de champanhe sorrindo para o rapaz.
Paramos um de frente para o outro e ele deu um pequeno gole na taça. Olhei o relógio em seu pulso.
- Doze minutos até o apagão. – Ele concordou com um pequeno movimento rápido da cabeça. Entrelacei nossos braços de forma romântica para poder me posicionar e conseguir ter uma boa visão do diretor também.
Ele estava lá, só trazia um dos seus dois prêmios em mãos e o exibia todo orgulhoso para as pessoas que paravam para parabeniza-lo. Parecia uma criança com um doce, só espero eu ele demore um pouco pra chorar quando perceber que perdeu.
Voltamos a nos movimentar, nos aproximando discretamente do alvo, de braços entrelaçados como um perfeito casal.
Onze minutos.
Lobo sinalizou de forma discreta com a cabeça para um balcão preto próximo do diretor, onde algumas funcionárias atendiam pedidos de petiscos e bebidas específicas. Continuamos andando de forma lenta.
Nove minutos.
Senti meu coração acelerar, roubar na calada da noite era uma coisa, roubar no meio de uma festa lotada era novidade.
Seis minutos.
Chegamos ao balcão e eu pedi pela primeira coisa que vi no menu, fingindo empolgação enquanto abria o fecho da bolsa e pegava um batom para retocar os lábios, embora meus olhos tenham se firmado no frasco que Gênio havia preparado. Lobo ainda segurava a taça de champanhe de forma casual e olhou espantando para o diretor, como se tivesse visto o homem pela primeira vez.
Quatro minutos.
- Let’ts drink to celebrate the winner… - Lobo começou a oferecer um brinde para o vencedor do prêmio de forma simpática, então ele cambaleou e derramou champanhe no terno caro do diretor. A forma como ele simulou o velho truque do tropeção me fez achar que era ele quem deveria ter ganhado o Oscar de melhor ator dessa noite.
Dois minutos.
Lobo estava se desculpando enquanto o diretor vinha em direção do balcão e pedia um guardanapo para uma das funcionarias. Então várias coisas começaram a acontecer ao mesmo tempo.
O diretor estava limpando seu terno e colocou o prêmio que trazia em mão a sua frente, no balcão. Olhei para o prêmio, que apesar de estar a centímetros de distancia do homem, estava desprotegido, olhei para Lobo que ainda se desculpava em um inglês perfeito. Mas percebi que seus olhos se fixaram em mim por um segundo e essa foi a última coisa que vi. As luzes se apagaram e vozes surpresas começaram a encher o salão.
Enfiei a mão na bolsa, a qual eu não havia fechado de forma intencional e senti o vidro do frasco, o posicionei e prendi a respiração antes de borrifar três vezes na direção do diretor. Mãos firmes envolveram minha cintura e eu senti o ouro frio contra a pele do meu braço descoberto. Lobo estava com o Oscar. Peguei o objeto da sua mão, era mais pesado do que parecia, mas não hesitei em levantar o vestido até a altura da minha coxa. Um pequeno tumulto começou, as pessoas que foram pegas de surpresa pela escuridão esbarravam umas nas outras, Lobo me dava cobertura. A parte mais difícil foi conseguir prender a estatua de forma firme no elástico que eu trazia preso a perna como se fosse uma cinta liga.
Quando consegui, agarrei a mão de Lobo e o puxei para longe do local, nos misturamos com as pessoas e fomos para perto da saída. A luz voltou antes de sairmos e nesse momento nós nos abraçamos e sorrimos como se nada estivesse acontecendo.
Chegamos aqui com noventa e cinco minutos até o jatinho partir, estávamos com a estatueta e tirando o tempo que havíamos gastado lá ainda tínhamos quarenta e quatro minutos para conseguir voltar. Mas nós tínhamos que sair de lá antes que o efeito da poção da confusão passasse e o diretor percebesse o roubo.
Continuamos andando para a saída, mas agora tínhamos de medir nossos passos para que ninguém percebesse que estávamos fugindo. Assim que a luz voltou, as pessoas começaram a se acalmar e a voltar para a normalidade. Quando finalmente passamos pelo segurança da entrada, fingi alguns bocejos só para continuar no clima de cinema.
Entramos no carro e eu comecei a sorrir vitoriosa. Lobo já estava na rua quando me arrisquei a olhar para trás e perceber uma movimentação diferente na equipe segurança. A maioria corria para dentro, a poção do Gênio tinha durado o tempo suficiente.
Lobo deu algumas voltas em silêncio, para termos certeza de que ninguém estava nos seguindo, antes de tomarmos a direção de onde o jatinho estava. Quando estávamos longe o suficiente, levantei a saia do vestido e peguei a estatueta.
- And the Oscar goes to...
Lobo gargalhou com a minha piada.
Depois de um ano
Eu estava sozinha na cela, cercada por fantasmas do passado. Meu pai que me abandonou e não deu valor ao sacrifício que fiz por ele me entregando para a polícia. Vovó Grimm e Gênio que eu não tinha ideia de onde estavam. Eu estava sozinha na cela escura e fria, chorando desesperada porque havia um sapo vindo em minha direção. Pensei que logo sentiria sua pele fria sobre a minha, mas a sensação foi bem diferente.
Lábios macios se pressionavam contra os meus. Abri os olhos, piscando confusa.
- Acho que você estava tendo um pesadelo. – sorriu se afastando do meu rosto. – Eu não ia te acordar ainda, mas você começou a se mexer tanto na cama que eu fiquei assustado.
Acariciei o seu rosto e o olhei com ternura.
- Que importa o mal que te atormenta, se o sonho te contenta e pode se realizar?
- Então eu sou o sonho, ? – Ele sorriu pretencioso e me beijou novamente.
- Talvez seja. – Eu ri quando nos separamos. – Sabe como é, achei que meu sonho poderia ser Paris, mas depois de alguns meses a Torre Eiffel fica parecendo um monte de ferro velho e a gente tem que procurar outras visões bonitas.
- Sorte a sua que sou o homem mais lindo da França. – Ele se levantou e deu uma volta convencido, como se desfilasse até o armário para pegar uma blusa. Os olhos da sua tatuagem de lobo me encaram por um segundo antes de serem cobertos pelo tecido da roupa.
- Acho que você tem passado muito tempo comigo, esta absorvendo o meu ego. Ainda bem que ele é grande o suficiente para nós dois. – Me sentei na cama e tentei arrumar meus cabelos com as mãos.
- Se seu ego é tão grande assim, ele não precisa ser alimentando com alguns presentinhos, não é? – , ou Lobo, ás vezes eu ainda ficava confusa com tantos nomes, me encarou levantando uma pequena caixa branca com um elegante laço vermelho.
- Ah, meu ego está faminto agora! – Sorri esticando as mãos, como uma criança no natal.
trouxe o embrulho até mim e eu abri de forma eufórica, dentro da caixa havia quatro envelopes.
- Que isso? – Perguntei encarando os envelopes.
- Quatro passagens para Las Vegas, duas eu vou enviar para o Gênio e para a senhora Grimm.
- E as outras duas? – Perguntei encarando seus olhos.
- Já realizamos o seu primeiro plano de fuga, agora é a minha vez. – Ele levantou uma caixinha com duas alianças para mim e meu coração deu um salto. – Me casar em Las Vegas com o amor da minha vida.
- Eu te amo, meu ogro! – O envolvi em meus braços e o beijei.
Não importava se meu nome era ou Úrsula, não importava se ele era ou Lobo, só importava que nós éramos verdadeiros quando estávamos juntos.
FIM
Nota da autora: (11/04/2015)
Oi doces pudins, essa é a primeira vez que escrevo um challenge e estou super insegura, apesar de ter adorado a história! Alias, estou pensando em fazer uma shortfic spin off sobre o Gênio, pra explicar melhor como funciona a magia, ficou meio vago aqui por ser narrado no ponto de vista da Úrsula. Bom, apesar de não ter criado um conto de fadas, tentei me inspirar na Disney e na Pixar e esconder várias easter eggs sobre as animações e sobre poesia também na narrativa. Espero que vocês tenham pegado as referências! Obrigada por ler e não se esqueça de deixar um comentário pra me fazer feliz! Beijos :D