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When I Met You In The Storm






Capítulo 1


Toquei o interfone. Era tarde, mas eu sabia que minha avó estaria em casa. Afinal, eu a visitava com frequência, quase sempre no mesmo horário. Eu a amava tanto... Foi ela quem me criou, já que nunca conheci a minha mãe. Era minha avó que me fazia continuar firme.
Ninguém atendeu. Toquei novamente. Nada. Preocupada, deixei a cesta no chão e vasculhei minha bolsa, procurando pelo celular. Liguei para ela, mas caiu na caixa postal. Comecei a ficar nervosa. Vovó nunca saía sem avisar.
Guardei meu celular na bolsa e peguei a cesta do chão. Começava a chover, e ficou sentada dentro do carro, pensativa. Senti o cheiro de frutas e pães que emanavam da cesta e não consegui me controlar: violei a embalagem e comecei a comer uma maçã. Quando ficava nervosa, eu tinha fome.
A chuva estava forte, e resolvi procurar uma pousada, um hotel, qualquer coisa. Não poderia voltar para casa, afinal pegar a rodovia era perigoso. E eu queria ver minha avó no dia seguinte. Ela tinha de estar lá no dia seguinte. Tentei deixar meu nervosismo de lado.
Encontrei uma casa que só soube que era uma pousada devido a uma placa de madeira antiga, escrita “pousada”.
- Que criatividade - falei comigo mesma.
Estacionei e entrei. Não era exatamente o que eu esperava, mas naquelas condições eu não podia reclamar. A chuva estava piorando. Era uma tempestade.
- Olá. Por gentileza um quarto – falei, de forma educada. Minhas mãos tremiam. Estava com medo de alguma coisa, só não sabia discernir o quê.
O homem atrás do balcão me encarou por breves segundos.
- Estamos com todos os quartos ocupados.
- Está chovendo demais. Eu preciso posar aqui – choraminguei. Ele devia estar mentindo para mim. Não era possível que tudo estivesse ocupado, além do mais num lugar como aquele.
O céu começara a trovejar, e o homem sentiu pena de mim. Soube disso, porque ele amenizou a expressão e suavizou a voz.
- Olha... Você pode ficar aqui. Mas vai ter de ficar na sala de estar junto com sete pessoas.
- Meu Deus! Sete pessoas quiseram um quarto e já estava lotado?
Ele concordou com a cabeça e apontou para uma porta grande de madeira.
Agradeci e me dirigiu até a sala. Tinha um tapete macio por todo o hall de entrada daquela pousada, que chamava a atenção, já que a pousada era tão... Rústica.
Ouvi um barulho vindo da sala e espiei pela porta, arregalando os olhos ao me dar conta da situação. Voltei e me dirigi ao balcão.
- Eu não posso ficar lá!
- Por quê?
- Porque tem sete pessoas lá!
- Eu te disse.
- Você não disse que eram sete caras!
Ele deu de ombros.
- Desculpe. É tudo que posso te oferecer.
Bufei e voltei à sala de estar. Sete pares de olhos me encararam. Um cara bonito se aproximou e sorriu.
- Olá.
- Oi – falei, ressabiada.
- Eu sou .
- Ah... Oi. – Segurei o riso. Ele tinha um pente atrás da orelha direita.
- Qual o seu nome?
- .
- Pessoal! Meus amigos! Irmãos! Camaradas! Essa é a ! – disse em voz alta para os outros que estavam na sala.
O barulho foi enorme. Um assoviou. Outro aplaudiu. Outro murmurou. Outros disseram seus nomes, animados. Eu me senti num hospício.
- Então, – continuou , tirando o pente de trás da orelha. – O que a trás neste lugar incrível?
- A chuva – falei, friamente.
Os que prestavam atenção na conversa riram.
- Todos nós – disse alguém.
- É isso aí – concordou outro, com a voz mais grossa.
começou a pentear os cabelos.
- Qual é a do pente? – me atrevi a perguntar.
- Serve para pentear os cabelos – disse – Não posso pentear com agulha porque correria o risco de me machucar.
- Meu Deus. Isso é óbvio. Quem citou agulha?
- Estou comentando. O que mais posso colocar em meu exemplo?
Sorri amarelo e me sentei num sofá rosa, encostado na parede da sala.
sentou-se ao meu lado.
- Você é bonita.
Fiquei corada e agradeci. Olhei ao redor para tentar fugir daquela situação, procurando por socorro. Mas ninguém me olhou, ninguém me socorreu. Duvidei que alguém me socorresse. Pareciam loucos e bêbados.
- Você está bêbado – resmunguei, encarando .
- Não. Eu sou um boêmio. Apenas isso.
- Boêmio não tem necessariamente uma relação com bebida – ensinei, frustrada – Até onde sei, é uma pessoa que gosta de festas.
- Me diga quem é que vai gostar de uma festa se não tem bebida, minha cara?
Soltei uma gargalhada e me acompanhou. Parei abruptamente.
- Isso é verdade.
- Além do mais tocando jazz.
- Jazz? Você gosta de jazz?
- Querida , jazz é uma manifestação artístico-musical originária em New Orleans, Chicago e New York – disse um ruivo, se aproximando e sentando-se no chão, me encarando.
- Interessante - falei, achando graça. – Me diz, você engoliu um dicionário?
- Acho que ele engoliu a Wikipédia, isso sim – riu sozinho.
- Oi, . Me chamo Christian.
- Ele é um gênio. Exceto quando bebe, porque daí é uma mala que engoliu Wikipédia e Yahoo Respostas – brinca com o pente em suas mãos.
- Como é que vocês vieram parar aqui? – perguntei.
- Chuva – disse , piscando.
Rolei os olhos e pegou o copo de Christian para tomar um gole da bebida.
- Ele é meu companheiro de fugidas. Moramos na capital, e resolvemos passar o final de semana nessa bela cidade. Encontramos essa pousada e cá estamos.
- Também moro na capital. Venho aqui para visitar minha avó – falei, enquanto peguei um livro que estava largado no sofá. – Crepúsculo? Meu Deus! É sério isso?
- Como consta na capa, sim, é sério – respondeu Christian.
- De quem é isso? Quem é que gosta de vampiro hoje em dia? – torci o nariz e deixei o livro de lado.
- A história não diz apenas sobre vampiros. Tem lobo, veado, e...
- Uma dúvida. O personagem principal é um veado ou um vampiro? – perguntou , dando risada.
Dei risada também e Christian se levantou.
- , mesmo estando animada, posso te oferecer uma bebida?
- É claro! – falei, enxugando as lágrimas devido às risadas.
Enquanto Christian foi até o centro da sala, onde uma mesinha de centro estava repleta de copos e bebidas, me senti desconfortável.
- De onde todas essas pessoas?
- Eu não sei. Como disse, meu companheiro de fugas é Christian. Os outros eu conheci hoje.
- Me explica esse lance de companheiro de fugas e companheiro de fugidas.
- Explicar o que? O significado? Espere Christian voltar que ele pode narrar a definição do Aurélio...
- Não, inteligência – rolei olhos – Vocês fogem do quê?
- De um assassino em série que tenta nos matar sempre que estamos na capital.
- O quê? Tá falando sério?
- Eu não mentiria sobre algo tão sério – parecia estar emocionado.
Christian retorna com uma xícara.
- Desculpe, . Os copos estavam todos sujos.
Agradeci e tomei um gole da bebida alcoólica, enquanto observava Christian se sentar novamente com outra xícara para si.
- Por que vocês não procuram a polícia? É algo sério isso! – falei, inquieta.
- Polícia? Por que procuraríamos? – Christian enrugou a testa.
- Por causa do assassino, oras! – exclamei, nervosa. Olheo para os lados, como se o assassino pudesse estar ali, escondido. – Meu Deus! E se o assassino for um desses homens aqui? Ou se estiver hospedado em algum dos quartos lá em cima?
- Que assassino? – Christian continuava intrigado, com a testa enrugada.
- O que persegue vocês!
Christian começou a dar risada e encarei .
- Qual a graça?
- É mentira dele, .
Deixei minha xícara no chão e cruzei os braços, indignada.
- é um pouco mentiroso, . Ele gosta de atenção.


Capítulo 2


Pedi licença quando meu celular começou a tocar. Achei que era a minha avó e fiquei eufórica, mas a sensação passou quando li o visor.
- Oi, Robert.
- ! Oi! Como é que você está?
- De pé e ocupada.
- Escuta... Vamos sair jantar?
- Nesse temporal? Você tá maluco?
- Que temporal? – perguntou Robert do outro lado da linha.
- Ah. É que não estou na cidade, Robert – Cocei a testa. E mesmo que tivesse, não aceitaria, pensei.
- Eu quero te ver, . Sentir seu perfume. Ficar com você.
- Outra hora a gente marca alguma coisa. Tenho que desligar. Tchau – guarei meu celular no bolso e voltei até o sofá. Me preocupei por ter sido grossa demais no telefone, mas Robert era insuportável. Merecia aquilo e muito mais.
Quando estava me sentando, arrotou alto.
- Que nojo! – exclamei, e abriu os olhos e corou.
- Me desculpe. Não sabia que estava aí.
- Nossa. Que fedor – cobri meu nariz, me sentindo levemente enjoada.
deu uma risada.
- Isso que você não sentiu meu pum ainda.
- Meu Deus! Que ogro! – fiquei frustrada, mas ao ver a fisionomia daquele homem ao meu lado e do som que sua risada fazia, comecei a rir também, encantada. Era incrível como um homem tão lindo pudesse ser tão nojento e continuar lindo.
- Sua risada parece a de uma hiena, sabia? – disse , rindo da sua própria piada.
- Hiena dá risada?
- Boa pergunta.
- Hiena é um animal?
- . Tá falando sério?
- Deixe para lá. Sua risada é bonita.
- Obrigado pelo elogio, senhorita. Quem era no telefone?
- Um cara chato.
- Mais chato que eu? – ele perguntou, encostando o cotovelo no joelho e a palma da mão no queixo.
Demorei alguns segundos para responder, e suspirei alto.
- Provavelmente.
- Deve ser um tremendo de uma “mala sem alça”.
- Sim, ele é. Não larga do meu pé. Eu gostava dele uma época, mas não deu certo. Só que ele não aceita, já que o ego dele é maior que o monte Everest.
- Ele deve ser gostoso.
- Eu achava isso – dei uma risada, olhando a expressão de – Mas sim, ele é. É muito cobiçado.
- Entendo... – disse, com a fisionomia séria.
As horas se passavam e cada vez eu dava mais risada com . Christian aparecia uma hora ou outra para participar da conversa, mas sentia-se deixado de lado e voltava ao centro da sala, onde os outros homens estavam. Eu perdi a conta de quantas xícaras de bebida já havia tomado.
- Sabia que eu fugi de casa quando era criança? – disse , repentinamente.
- É sério? Para onde você foi?
- Não sei. Fiquei brincando com o vizinho e depois senti fome, então voltei.
- Por que não comeu no vizinho?
- Nossa. Não sei. Boa pergunta – parecia refletir sobre o assunto.
- Por que fugiu, afinal de contas? Rebeldia infantil?
- Não. Nunca me dei bem com meu pai. Me sentia preso numa torre, como se eu fosse a Rapunzel versão masculina.
- Ele te proibia de sair de casa?
- Quase isso. Ele era muito sério e não me deixava posar na casa de nenhum amigo ou passear. Era direto da escola para casa e vice e versa. Eu vivia me olhando no espelho ver se eu tinha um pinto mesmo, porque meu pai achava que eu era uma menina frágil.
Ignorei seu comentário, embora tivesse com vontade de dar risada.
- Já eu sempre tive um relacionamento bom com meu pai - falei, cabisbaixa.
- Ei, o que houve? – perguntou .
- Meu pai morreu há alguns anos. E nunca cheguei a conhecer minha mãe, já que ela também morreu. Quando nasci.
- Nossa. Que vida de merda, hen? – parecia triste e preocupado, e sorri ao ver sua expressão. Ele parecia sincero.
- Nem me fale. Fui criada pela minha avó.
- Não chore – enxugou uma lágrima do meu rosto. Merda. Não percebi que tinha chorado.
- É, tem razão. Não vou chorar. Mas é que a minha vida foi sempre muito difícil.
- Seu pai também não te deixava sair?
- Não. Ele me amava e eu o amava... Não que o seu pai não amasse você, longe disso. Mas era uma relação boa a minha e do meu pai.
- Que bom – sorriu, se aproximando de mim no sofá.
- Me sacrifiquei por ele por muito tempo. Comecei a trabalhar e estava no ensino fundamental ainda. Sacrifiquei minhas vontades, meus sonhos, tudo... Pela nossa família. Por mim e por ele. Nunca gastei nada do meu salário, entregava para ele num envelope. Ele nunca gostou daquilo, sentia-se mal, mas não tínhamos outra escolha. Vez ou outra eu ganhava um dinheiro extra e depositava na conta corrente dele, para fazer uma surpresa.
se emocionou e o encarei. Ele parecia envergonhado, mas eu sorri tranquilamente, como se dissesse "relaxa. É fofo te ver emocionado". Os olhos de brilhavam, e algo se remexeu dentro dele.
- Então tive depressão. Fiquei muito tempo em casa, presa por mim mesma... Não conseguia trabalhar nem estudar. Foi os piores momentos da minha vida, já que eu era inútil e ainda deixava meu pai preocupado.
- Vamos mudar de assunto, por favor – parecia aflito.
- Que importa o mal que te atormenta, se o sonho te contenta e pode se realizar? – disse .
- Oi?
- É uma frase que eu gosto. Da Cinderela.
sorriu e tirou um fio de cabelo do meu rosto, colocando-o atrás da minha orelha.


Capítulo 3


Christian chegou com uma vela na mão direita e uma caixa de fósforos na mão esquerda.
- Que tal uma vela? - perguntou.
- Por quê? Não acabou a luz.
- Mas sinto que vai acabar, . A chuva não passa e o vento está cada vez mais forte.
Concordei, olhando pela janela. Não dava para ver nada lá fora.
Minutos depois, eu me deparei num círculo junto com sete homens. A maioria estava dando risada. Alguns conversavam, outros apenas encaravam uns aos outros.
Olhei meu relógio de pulso em formato de sapo e suspirei. Eram três horas da manhã, e a chuva não cessara e minha avó não retornara a minha ligação.
Todos sentavam no chão, e eu fiquei ao lado de e de um homem mais velho, encostada num sofá. Quando a conversa foi diminuindo o tom e alguns cochilavam, me deixei levar pelo sono repentino.
Tive um sonho bizarro. Sonhei que dançava ao lado de um Boneco de Olinda em algum tipo de festa típica. Eu mexia os braços como se fosse um boneco, embora a diferença de tamanho fosse tamanha, que eu corria o risco de ser pisada e morta ali mesmo. Eu dava tanta risada que me afogava em saliva e lágrimas de alegria, mas não conseguia parar de dançar. Um homem aproximou-se de mim, com um saxofone na mão, e sorriu. Reconheci . "Não te disse que jazz é incrível?", perguntou o do sonho, enquanto tocava e dançava ao som da música.
"Tenho que ir embora!", exclamei de repente, preocupada. Embora continuasse dançando, parei de sorrir e comecei a olhar desesperada para todos os lados.
"Por que, pequena?", indagou , deixando o saxofone de lado.
"Eu... Tenho compromisso. Tenho que ir embora logo após o pôr do sol, e vou me dar mal caso fique aqui mais tempo!"
"A festa está tão boa, ",, disse , chateado.
Quando abri a boca para responder, acordei. Abri os olhos e senti os lábios de pressionando minha bochecha, de uma forma quente e... Sensual.
- Acorda, pequena - ele disse, e me surpreendi com o apelido.
- E aqui está você, somente você. A mesma visão, aquela do sonho que eu sonhei - falei, debilmente.
- Já te falei que adoro suas frases? - sorriu e se levantou.
Me levantei do chão e notei que não havia mais ninguém.
- Cadê todo mundo?
- A chuva cessou, . Christian está na recepção pagando a nossa estadia. Aqui é muito caro, vai sair o olho da cara. Todos já foram embora.
- Que horas são? - perguntei, olhando assustada para o relógio no pulso.
- Quase na hora do almoço. Ei! Que maneiro seu relógio de sapo.
- Obrigada. Eu coleciono relógios.
- É sério? - os olhos de brilharam e me senti animada por alguém se interessar por minha coleção.
- Sim! Vou te mostrar um dia. Tenho muitos relógios de vários formatos, e...
- Espero que esse "um dia" seja breve - disse, de repente.
- Por que essa mudança de humor repentina? - perguntei, me aproximando.
- Meu coração não se emenda, tudo é tão lindo no início, mas a razão diz: se contenha, se não quiser ir pro sacrifício...
- Depois eu que tenho as frases poéticas - comentei, risonha - Por que acha que será um sacrifício?
- A vida é malvada, minha pequena.
Arrepiei-me ao ouvir "minha pequena". Droga.
- De fato, .
- Tchau, . Anotei meu número na palma da sua mão enquanto você dormia.
Conferi a a palma da mão. De fato, havia um número lá.
- Você não dormiu, não é?
Ele negou com a cabeça e sorriu de canto.
- Coloquei meus fones de ouvido e fiquei a madrugada toda apreciando as três melhores coisas do mundo.
- Quais?
- Jazz, álcool e você.
Corei. Quando ia abrir a boca para me declarar, ou agarrá-lo para não perdê-lo de vista, arrotou.
- Meu Deus! - segurei as lágrimas. Ele era tão nojento.
- Você é tão crente. Só fala isso quando está perto de mim.
- Você é um ogro, . Estragou o romance do momento.
Percebi o que disse só depois que deu uma risada e beijou minha bochecha.
- Quero te ver na capital, pequena - sussurrou em meu ouvido.


Capítulo 4


Quando saí do banheiro e fui até o hall de entrada acertar a conta, e Christian já tinham ido embora.
- Posso ajudar? - perguntou o homem, levantando o olhar do livro que estava lendo.
- Quero acertar minha estadia.
- Não tem nada para acertar.
- Por quê? Pagaram para mim? - me animei, imaginando se teria sido quem fez isso.
- Não. Não foi cobrado nada de quem se hospedou na sala de estar.
- Mas disse que... Ah. Tudo bem - agradeci. Lembrei que Christian disse que ele era mentiroso. Fiquei irritada. - Meu Deus, hen, ?
Dei a partida no carro e dirigi até o prédio da vovó. Ela atendeu ao telefone e uma alegria tomou conta do meu ser.
- Oh. Suba, querida - respondeu a velhinha, e o portão se abriu. Subi até o segundo andar pelas escadas, sorridente.
Descobri que o sumiço era pelo fato que de vovó tinha perdido o celular e a luz havia acabado, por isso não atendeu o celular, o telefone de casa ou o interfone.
- Eu fiquei muito preocupada - choraminguei.
- Eu sei, querida. Vou te dar uma cópia da chave.
- Não, vó. Não precisa.
- Me conta as novidades, então, - disse ela, enquanto se sentava no sofá e tirava as pantufas.
- Ataquei sua cesta de frutas e pães. E esqueci no carro. Prometo que na próxima vez trago uma cesta enorme pra senhora.
- Não tem problema, - ela deu risada - E o Robert, como vai?
- Vó! A senhora sabe que eu não estou com ele. Eu já tinha te contado. Eu não o suporto mais.
- Sentimentos são fáceis de mudar, mesmo entre quem não vê que alguém pode ser seu par, .
- Ai vó... Não é que eu não possa ver. Ele realmente não é meu par. Sem contar que conheci uma pessoa...
Contei para ela minha noite na pousada e as nós duas demos risada ao perceber quão cômica a noite fora.
Passei o dia todo com ela. Conversamos, almoçamos, assistimos um filme juntas e bordamos alguns panos de prato antes de eu me levantar e me espreguiçar.
- Está na minha hora. Não quero pegar estrada muito tarde.
Abracei ela com tanta força que tive medo de machucá-la. Segurei as lágrimas.
- Nunca mais suma desse jeito, tá entendido? A senhora sabe que venho te visitar sempre nesse horário. Quase morri do coração.
Ela sorriu para mim e quando abriu a porta, sussurrou em meu ouvido, durante o abraço:
- Disponha. Fiz você conhecer o amor da sua vida.


Capítulo 5


Três semanas depois.

Entrei no restaurante e reconheci sentado numa mesa, de costas. Quando me aproximei, ele sorriu de uma maneira tão sincera, que meu corpo todo estremeceu. Os olhos dele brilharam e eu sorri de volta. Quando fui me sentar, ele se levantou e esperou até que eu estivesse confortável na minha cadeira para sentar-se de novo.
- Não combina nada com você ser simpático desse jeito - falei.
- Por quê? - ele parecia magoado.
- Você tem seu estilo próprio, sei lá. É estranho te ver sendo simpático, educado e até mesmo romântico.
Ele deu risada e me encarou.
- Só porque arrotei na sua cara algumas vezes?
- Inesquecível isso - sorri e ele segurou minha mão pela mesa.
- O que você quer pedir? - ele perguntou e eu dei de ombros. Ele olhou o cardápio mais alguns instantes e chamou o garçom. - Fettuccine, por favor. Esse aqui, da página quatro. E duas taças de vinho tinto.
- Macarronada? - perguntei, e ele rolou os olhos.
- Não, . Fettuccine é um nome mais chique para bucho ao molho sugo.
- Meu Deus! Quanta delicadeza.
- Ai, meu Deus, seu ogro! - disse ele com a voz fina, tentando me imitar.
Dei risada e ele me acompanhou. Alguns minutos depois, a macarronada chegou e eu e ele nos deliciamos com aquele prato. Estava maravilhoso.
- Sabe que eu gosto de fazer você passar vergonha, não sabe? - ele disse, de repente.
- Sei...
- Cantarei para você.
- Ah, não. Aqui não, .
- Esta canção que eu canto é só para você. O amor compôs o tema e o poema vem de você.
Caí na gargalhada.
- Que coisa mais brega, ! Meu Deus!
Ele rolou os olhos e começou a cantar uma música do Jason Mraz.
- Para com isso - falei, corando. Olhei para o lado e ninguém parecia estar dando muita atenção, mas mesmo assim eu estava com vergonha.
- Eu conheço essa música. Não foi você quem a compôs.
- Vendi os créditos para o Jason - ele interrompeu a música e deu de ombros - Como você é chata!
- Sua... Cara... - falei, entre gargalhadas. Ele parecia realmente ofendido, mas eu achei muita graça. Não sei se era o vinho ou a situação, mas não consegui parar de rir. Cheguei a chorar. E então, me afoguei. Na própria saliva. Ótimo.
Ele começou a rir mas viu que era sério. Arregalou os olhos enquanto eu levantava as mãos.
- Olha pra cima! - ele exclamou.
Continuei tossindo.
- LEVANTA MAIS OS BRAÇOS! - gritou, e senti mais vergonha. Comecei a rir no meio da minha crise de afogamento, e senti que aquele seria o último suspiro da minha vida. Quando toda a minha vida começou a passar pela minha memória, sumiu da minha frente. É o fim, pensei comigo. Fiquei imaginando todos os momentos que eu deixei de viver . Relembrei toda ida à casa da minha avó. Estava emocionada e triste quando senti alguém me levantar.
Me assustei e me afoguei mais ainda. Não conseguia respirar. Não tinha graça nenhuma aquilo.
Alguém me apertou por trás.
- Vai, . Você consegue! - berrou alguém atrás de mim.
Ah, não. Não, não, não. Ele não estava fazendo aquilo em público.
- Eu vou salvar você! - continuou gritando, me deixando com vergonha e mais triste ainda.
Ele apertou novamente a boca do meu estômago e segurou minha cabeça para cima.
- Respira fundo! Engole a saliva segurando a tosse! - cada conselho dele parecia absurdo e ridículo, mas obedeci.
Ele pegou a minha taça de vinho e me deu nas mãos.
- Toma um gole pequeno, e segure a tosse! - disse. Obedeci. Tudo começou a voltar ao normal.
Fiquei com dor de cabeça, e então ele me ajudou a sentar.
- Que susto - ele disse, quando se sentou e me encarou.
- Que mico, isso sim. Meu Deus, , precisava ficar berrando no meio do restaurante?
Ele olhou para os lados.
- Ela está bem! Obrigada pelo apoio e preocupação!
Ouvi algumas risadas e afundei meu rosto em minhas mãos.
- Você me mata de vergonha, seu... Ogro.
- Pelo menos você está viva, não está? Você deveria me agradecer, isso sim. Evitei sua morte. Pense que ridículo, ! - Ele começou a rir. - Moça morre afogada num restaurante com a própria saliva.
- Nossa. Que engraçado - tentei ficar séria mas sorri. Era impossível não sorrir perto dele.

Depois do jantar, fomos até meu apartamento a pé. Conversamos e demos muitas risadas. Eu estava indiscutivelmente apaixonada por aquele mentiroso mais engraçado do mundo.
- Esta cidade, na verdade, faz a gente se acomodar. Eu sei muito bem pra onde estou indo e sinto que qualquer dia vou chegar - disse .
- É verdade. Eu gosto daqui. Não dá pra negar.
- Eu gosto ainda mais depois que conheci você - ele disse, colocando o braço direito ao redor dos meus ombros. - Dá pra acreditar, ? Nos conhecemos numa pousada no final do mundo, uma tempestade horrível nos uniu. Numa cidade diferente. E moramos na mesma cidade. Isso é um sinal dos deuses.
Dei risada e encostei minha cabeça em seu ombro.
- Christian até desistiu de me convidar para fugir do assassino em série. Nunca mais viajei depois daquele dia.
Quando chegamos na entrada do prédio, o convidei para entrar. Ele aceitou, e me olhou com uma malícia no olhar.
- Você vai me mostrar aquilo, não vai?
Corei.
- O quê?! Meu Deus, . Eu não vou te mostrar seja lá o que você está pensando.
Ele deu risada.
- Ô inteligente. Eu estou falando da sua coleção de relógios.
- Não estava falando disso, não!
- Tô sim - ele disse e beijou minha testa. - Eu respeito você, . Respeito tanto que nunca cheguei a te beijar.
- É, isso é verdade - resmunguei, e ele deu risada.
- Quer que eu te beije, não quer?
- Só acho que depois de algum tempo juntos essa seria a coisa mais natural.
- Estamos juntos? - os olhos dele brilharam e eu assenti, sorrindo. - Que bom. Então mostre para seu namorado a sua coleção.
Revirei os olhos e entrei no apartamento. Ele me seguiu e no elevador pareceu indiferente, olhando os botões.
Quando entramos no meu apartamento, fui correndo até meu quarto pegar minha caixa de relógios. Voltei e o encontrei sentado no sofá, relaxado.
- Você é folgado - falei, e ele deu de ombros.
- Me mostra sua coleção logo.
- Meu Deus, . Você tem que parar de coçar o saco perto de mim.
Ele ficou vermelho.
- Eu não coço perto de você!
- Eu já percebi algumas vezes! - falei emburrada.
- Desculpe - ele parecia louco para mudar de assunto.
Sentei-me ao seu lado no sofá e abri a caixa.
- Tenho uma porção de coisas lindas nesta coleção. Posso dizer que eu sou alguém que tem quase tudo.
- Quanta humildade - ele brincou, e eu mostrei a língua.
Enquanto ele pegava um por um comentava algo do tipo "que bonito", ou "gostei desse". O tempo foi passando e chegou uma hora que não tinha mais relógio para ver. Ele teve de me encarar.
- Então é isso. Acho que devo ir embora.
- Você disse aquela hora que era meu namorado? - perguntei, repentinamente.
Ele assentiu.
- Você falou que estamos juntos. Há três semanas.
- Você tem mania de jogar as coisas nas minhas costas - falei, e ele tirou a caixa de nosso meio, sentando mais próximo de mim.
- Vai dizer que tô mentindo? Você disse isso sim.
- Dessa vez não está - falei, e ele me beijou. Um beijo romântico, simples, rápido... Porém perfeito.
- Tá ouvindo isso?
- O quê? - enruguei a testa e tentei escutar alguma coisa.
- Um coro de aleluia - ele falou dando risada. Rolei os olhos e o beijei. Minha língua buscou pela sua e ele colocou as mãos em minhas bochechas enquanto me beijava. Tudo aquilo era perfeito.
- - falei, entre o beijo.
Ele abriu os olhos e me encarou.
- O quê?
- Tá sentindo isso? - falei, segurando o sorriso.
- Você pode sentir o amor esta noite? Você não precisa olhar muito longe.
Ele deu risada e concordou.
- Eu amo você, . Sou um ogro? Sou. Mentiroso? Sim. Poderia mudar? Poderia. Vou mudar? Não. – Ele dá uma risadinha e mostro a língua - Mas eu amo você, . Pode parecer repentino e pouco me importo. Desde que te conheci naquela pousada não paro de pensar em você. E é algo sincero, já que não estou mais bêbado como naquele dia. Eu amo cada coisa em você, cada expressão sua, cada forma que você coloca as palavras numa frase.
Apenas sorri. Não sei o que falar. Segurei minhas lágrimas enquanto ele beijava meu nariz.
- E eu amo esse seu sorriso e esse seu olhar. Amo seu olhar emocionado. Amo suas piadas e o jeito como me compreende. Desde que te conheci eu vivo em outro mundo, outra dimensão. Não sou mais eu, não estou mais nessa cidade. É um mundo diferente, perfeito. Um mundo ideal, um mundo que eu nunca vi. E agora eu posso ver e lhe dizer que estou num mundo novo com você.


FIM



Nota da autora: (11/04/2015) Lindas, espero que tenham gostado dessa shortfic! Fiz com muito carinho e suspirei imaginando como seria conhecer um cara assim. Amei esse challenge, amei cada exigência e cada frase bônus. Espero que vocês sintam-se tão nas nuvens quanto eu, enquanto escrevia!
Até a próxima! :3 xx




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