Assim que o ônibus parou na frente da AEDSP (Academia Estadual de Dança de São Paulo) Maria saltou. Respirou fundo, observando o prédio de três andares, que fora construído durante o século XIX. A grande porta estava aberta, indicando que estavam em horário de funcionamento. Maria adiantou-se para adentrar o local. Ela não era dançarina, sequer sabia sambar, o que visto sob o olhar de sua tia, era uma vergonha. Esse fora um dos motivos pelo qual Maria decidiu se inscrever para aulas de dança. A recepção do local estava calmo, somente uma música pop soava em um dos andares acima. Maria se direcionou direto para a recepcionista, que parecia ocupada. — Com licença — ela chamou. — Eu me inscrevi pra aula de balé. A recepcionista cujo nome era Amanda, levantou o olhar do computador. — Claro. Qual seu nome? — Maria Andrade. Amanda assentiu. — Segundo andar, sala quatro. Professora Luiza. Maria sorriu agradecida. — Tudo bem, obrigada! E então deu as costas para a mulher, subindo as escadas que a levaram para o segundo andar. As salas eram enumeradas do menor para o maior e assim que passava pelos números iniciais, Maria pôde observar dezenas de crianças, jovens e até mesmo adultos se esticando e dando o melhor si na dança. Quando chegou na sala 4, Maria observou escorada. Estavam todos os dançarinos de costas para ela e até mesmo a professora, que ensinava novos passos. A mulher, que devia se chamar Luiza, mexia o corpo com uma leveza mágica, quase fazendo com que o balé parecesse algo fácil de se praticar. A mulher possuía cabelos loiros e eles estavam presos em um coque. Assim que a mesma terminou os passos, os dançarinos começaram a repeti-los e a professora virou-se em sua direção. Sorriu. Ela tinha um sorriso bonito, conseguiu notar Maria. Aqueles olhos... ela os reconhecia de algum lugar. Sabia disso. Mas não estava lembrada de onde. Luiza deixou as pessoas dançando e chamou Maria com um gesto. E foi o que Maria fez, aproximou-se. — Com licença — Maria falou timidamente. — Eu me inscrevi para aulas de balé. Luiza franziu a testa, atônita. Ela possuía um rosto fino e delicado, que transmitia à Maria uma sensação desconfortável de querer cuidar e reconhecê-la rapidamente. — Eu acho que te passaram o horário errado... — Luiza caminhou em direção à uma mesa no extremo da sala, mexendo em alguns papéis. — A próxima turma é só daqui uma hora e essa de agora já está no final. Maria não soube o que dizer. — Mas isso pode ser bom — Luiza parecia pensar alto. — Posso te ensinar o básico pra já acompanhar a turma do próximo horário, não estão muito na frente. — Por mim tudo bem — ela riu, descontraindo. — Agora vou dizer tchau pra essa galera e já podemos começar. Maria assentiu e se dirigiu à uma cadeira ali perto para se sentar. Finalizar a aula foi logo o que Luiza fez. Agradeceu a presença e disse para que treinassem os passos em casa. Depois com seus passos leves caminhou em direção à Maria. — Pronto — ela disse. — Posso só te perguntar uma coisa? Maria se levantou, começando a caminhar para o meio do salão. — Claro. Luiza fitou-a. — Eu te conheço de algum lugar? Maria riu. — Achei que fosse coisa da minha cabeça. Acho que me conhece sim, também tenho essa sensação. Luiza ficou surpresa. Andou para frente de Maria. — Já morou fora de São Paulo? — Não, nunca... alguma escola, talvez? — Pode ser — refletiu Luiza. — Fez o fundamental onde? — É improvável — respondeu Maria, tentando se lembrar dos colegas de infância. — Pera aí... Luiza Silva? Luiza assentiu, ainda tentando se lembrar de onde Maria lhe conhecia. — Fundamental então? — Não — riu Maria. — Fizemos um curso de inglês juntas. Bem novas. Luiza ainda franziu a testa, antes da expressão de clareza surgir em sua face. — É mesmo — ela riu. — Como é que fui esquecer? — Normal. Também me esqueci — ela sorriu. Luiza sorriu em resposta. Luiza caminhou em direção ao rádio no chão e deu play, fazendo com que uma música clássica começasse a soar no ambiente. — Vou te ensinar o básico agora. — Maria assentiu. — Essa nós vamos chamar de Primeira — Luiza falou, olhando com concentração nos olhos de Maria. Luiza juntou os calcanhares e fez com que as pontas dos seus pés apontassem para direções opostas. Maria se atrapalhou um pouco para no fim conseguir a posição de maneira correta. Até agora, nada estava muito complicado. Ela conseguiria. — Muito bem — prosseguiu Luiza —, a que chamamos de Segunda é igual a Primeira, com a diferença que as pernas são separadas e flexionadas — explicou e após, praticou o passo. Maria copiou-a. — Está indo bem, Maria — elogiou Luiza. Mas Maria sabia que logo estaria totalmente descoordenada e confusa. — Obrigada. — Vamos para a Terceira. A Terceira é bem parecida com a Primeira também — disse Luiza —, a diferença é que seus calcanhares serão cruzados assim — ela apontou para os seus pés. Com mais dificuldade, Maria conseguiu repetir o passo. — Acho que estou entendendo — comentou Maria, soltando um riso nervoso. — Você consegue bem — Luiza falou. — Parece uma garota bem determinada. — Obrigada. — Vamos lá, a Quarta... — a explicação sobre os passos simples do balé prosseguiram e Maria tentou de forma mais dedicada o possível, para que aprendesse rapidamente, e talvez também para se destacar para Luiza, que despertava um interesse peculiar em Maria. Uma hora passou muito rápido na presença de Luiza, reparou Maria. Assim que treinaram o básico e repetiram até sair tudo bem perfeito, a próxima turma iniciou o seu período. Maria escolheu ficar mais para trás, ela sabia que era a única iniciante ali e todos já sabiam um pouco mais e eram melhores, por isso se privou de estar no centro das atenções de Luiza, fazendo com que não passasse vergonha ao estar na frente. Maria conseguiu reparar também no jeito de falar diferente de Luiza. Quando estavam sozinhas a voz da garota soava mais leve e calma, e junto com a turma de quinze pessoas, o tom era grave e mais autoritário. Os passos da aula foram mais complicados e Maria já esperava isso. Foi durante o Croisé Devant (um passo de balé), que Maria não conseguia executar direito, que Luiza percebeu a confusão e aproximou-se para ajudá-la. — As pernas estão cruzadas certo, mas o braço está errado — auxiliou Luiza. — É dessa forma — ela repetiu o passo em sua frente. — Assim? Maria tentou reproduzi-lo. Luiza reprimiu um riso, ao ver que Maria estava desengonçada com os braços. Ela então tomou a iniciativa de tocá-la e posicioná-los no lugar correto. Assim que os dedos finos de Luiza chocaram-se com a pele de Maria ouve combustão e seus pelos do braço se arrepiaram. Maria corou e Luiza fingiu não notar, mesmo que as duas soubessem que ela tinha. — Pronto, perfeito. — Então se afastou. — Tente sozinha agora. Ela tentou e obteve sucesso, mesmo que ainda não estivesse totalmente cem por cento. — Muito bom, Maria — elogiou. Maria sorriu. A aula terminou ainda mais rápido, e no final, a conclusão de Maria era que tinha sido algo legal para se ter iniciado. Luiza finalizou a aula e logo sumiu para dentro de uma sala. Maria possuía planos de se despedir informalmente, mas seus planos foram água abaixo. Se retirou sem preferência, assim como todos os outros quinze alunos. Foi descendo as escadas que na hora de verificar o horário no relógio do celular, o mesmo começou a tocar. Impressionada com a coincidência, logo atendeu a ligação. — Alô? Quem fala? — Ei, Maria! Sou eu, tia Carla. Será que podia passar aqui em casa à noite? Maria pensou rapidamente em sua agenda de coisas marcadas, vendo se seria possível passar na casa da tia. Bom, estava livre. — Sim, claro. É algo urgente? — Mais ou menos. Jeferson combinou de sairmos pra comemorar os cinco anos de casados e não consegui encontrar nenhuma babá em cima da hora. Será que poderia tomar conta das garotas? Crianças, essa palavra assustava Maria. Ela não tinha jeito com elas, ainda mais com recém nascidos e torcia sempre para que quando estivessem no seu colo, não chorassem. Era quase impossível, a garota parecia atrair esse tipo de coisa. De forma desesperadora, sempre que uma começava a chorar em seu colo, logo era devolvida para a mãe e tudo se aquietava. Deveria ser algo com ela mesmo. — Claro que tomo conta tia, pode deixar. Que horas fica bom? A tia suspirou aliviada. — Ótimo. Pode vir aqui pelas sete horas. — Vou estar. Até mais tarde. Chamada finalizada. Tia Carla era a figura feminina mais próxima que Maria poderia chamar de mãe. Depois de um acidente de carro que matou seus pais, Maria passou a morar com Carla. O acidente aconteceu duas semanas depois do seu aniversário de dezoito anos e foi fatal, fazendo com que até o caixão fosse fechado na hora do velamento. O pai possuía uma empresa de advocacia, era famoso por seus casos e sua morte até saiu na Folha de São Paulo. Foi a época mais perturbada da vida de Maria. Ela herdou a advocacia, mas como não lidava bem com a burocracia deixou-a nas mãos de seu tio, Jeferson, que também era advogado. Os dois haviam feito um acordo de compartilharem 50% do negócio assim que Maria terminasse sua faculdade de Direito. Mesmo assim, o pai possuía uma grande renda guardada no banco, o dinheiro também foi herdado para Maria, que quando completou vinte e dois anos decidiu ir morar sozinha em um apartamento, com o dinheiro herdado, conseguiu o que almejava, não ir morar tão longe de sua tia. — Ei, Maria! A garota que andava em direção ao ponto de ônibus — que não se devia ao fato de a mesma não ter dinheiro para comprar um carro, mas sim porque possuía um medo absurdo de dirigir — olhou para trás, captando Luiza andando em sua direção. Ela estava vestida completamente diferente de antes, com roupas mais leves e soltas. Bonita. Maria estagnou e esperou que Luiza lhe alcançasse. — Eu estava pensando — Luiza se interrompeu, parecendo um pouco aflita. — Se você não quer fazer algo, tipo... pra gente relembrar o tempo do curso, saber como está sua vida agora — ela riu, nervosa. — Quer dizer, senão tiver o que fazer hoje. Acho que vai ser legal, faz tempo que não vejo alguém daquela época. E tenho a sensação que devo conhecer você melhor. Maria sorriu. — Você gosta de bebês? — Essa é uma pergunta estranha — respondeu Luiza. — Mas sim, gosto, mas não levo jeito com elas. Por quê? — Eu tenho que bancar uma de babá hoje. Vou ter a companhia de uma garota de doze anos e um bebê de um ano. Se quiser me fazer companhia nessa jornada tortuosa, ficarei bem grata. Luiza ficou surpresa e sorriu. — Parece ser ótimo para conversamos sobre os velhos tempos. Maria assentiu. Alcançaram o ponto de ônibus. — Só preciso que me passe o seu número, daí vou te mandar uma mensagem de onde é e que horas. — Claro — concordou Luiza, e logo passou o número. O ônibus de Maria surgiu na pista. Elas se despediram com um beijo na bochecha e, novamente, o arrepio. *** Quando o relógio marcou 18h30m, Maria saiu de casa. Como a tia morava perto, não foi necessário pegar um ônibus ou um Uber, seus passos lentos eram o suficiente. Já havia se comunicado com Luiza antes e havia passado o endereço da casa de sua tia e assim que chegou em frente ao local, a garota por ali estava. Encontrava-se escorada na parede de uma antiga igreja que tinha de frente e olhava o celular. Quando notou Maria, Luiza começou a andar em sua direção. Ela sorria timidamente, seus cabelos que Maria somente havia visto-os presos, caiam sobre seus ombros. Eram grande e bonitos. A garota vestia uma calça jeans e uma blusa preta mais solta e com rendas. Assim que Luiza se aproximou o suficiente, Maria conseguiu notar que estava ainda mais bonita. Ela não conseguia decidir se a mesma havia passado algo em seus lábios ou eles eram simplesmente convidativos. — Olá — elas se cumprimentaram. Maria quase deixou escapar um elogio, mas não sabia se Luiza interpretaria da mesma forma ou levaria como uma ofensa. — Minha tia logo vai sair — Maria iniciou um assunto, enquanto adentrava o portão da casa da tia. Assim que entraram deram-se com um ambiente organizado, com somente alguns brinquedos fora de ordem. Carla logo surgiu na sala para verificar quem era e sorriu. — Trouxe uma amiga para me ajudar. — Olá, sou Carla. — A tia cumprimentou Luiza. — E bom, já estamos indo. Carla estava esplêndida. Trajava um vestido rosa que ia até seus pés, com somente uma abertura na região da coxa esquerda. Seus sapatos pretos se camuflavam, mas ainda combinavam. O cabelo estava preso em um coque alto e bem produzido. Os brincos e os colares reluziam e a maquiagem bem feita deixava-a com uma aparência mais nova e uma mulher chique. — Está maravilhosa tia. Pode ir agora, eu e Luiza tomaremos conta muito bem das crianças — ela sorriu, dando apoio a mulher que possuía uma centelha de preocupação. — Tudo bem — ela riu, empolgada. Pegou a bolsa no sofá. — Estou indo. — Tio Jeferson já foi pro carro? — questionou Maria. — Não, ele mandou um motorista, vai fazer suspense quanto à ele e ao lugar — ela riu. — É doido, não é? Maria assentiu. — Doido por você. Agora vai lá e aproveita. Carla saiu da casa e o silêncio se instaurou. — Então — pronunciou-se Luiza pela primeira vez. — Cadê as crianças que temos que cuidar? — Ah, sim — riu Maria. Luiza logo foi apresentada para Giovana, a garotinha de doze anos e também para Clara, a bebê que estava no berço. — Você é amiga da Mariazinha? — perguntou Giovana para Luiza. — Você é bonita! — Sou sim, obrigada. Você também é! Quase uma princesa. Sabe o que falta? Uma coroa! Maria riu. Clara permanecia em sono profundo e Giovana parecia mais elétrica do que nunca. Maria convidou-a para retornar para sala, para que não fizesse muito barulho e acordasse Clara. Maria ligou a televisão e concentrou-se em escolher um canal, enquanto Luiza parecia ocupada em responder aos elogios de Giovana. — Bem, que tal jogarmos algum jogo de tabuleiro? — É uma boa ideia, amiga da Mariazinha — respondeu Giovana. — Eu tenho Banco Imobiliário, vou lá buscar. E a garota saiu disparada para o seu quarto. — Amiga da Mariazinha, hein? — Maria ergueu uma sobrancelha ao dizer. — Não falou o seu nome? Luiza assentiu e riu. — Pior que falei. Acho que ela prefere assim. Por mim tudo bem, Mariazinha. Elas sorriram. Giovana se fez presente novamente no ambiente, arrastando com si a caixa do Banco Imobiliário. — Eu perdi as pecinhas das pessoinhas. Mas eu tenho alguns animaizinhos que podem servir como pessoas. As três se sentaram em um triângulo no tapete macio. O tabuleiro foi posto no centro do triângulo e todas escolheram por uma miniatura de animal. Maria ficou com uma baleia, Luiza com um cavalo e Giovana com uma girafa, que a todo instante afirmava ser o seu animal preferido. — Quem começa? — perguntou Luiza. — Eu! — Giovana se pronunciou rapidamente. Chacoalhou o dado e jogou-o no tabuleiro, iniciando uma partida na qual já sabia que ganharia. Foi um tempo depois, onde Giovana estava à frente no jogo, que as três ouviram o choro de Clara. Maria saiu desesperada em direção ao quarto para buscar o bebê e logo o pôs em seus braços, tentando acalmá-lo. Não funcionou muito bem. — Quer que eu tente? — sugeriu Luiza, um pouco incomodada com o choro da criança que não se acalmava. — Pode ser — concordou Maria, passando Clara para os braços de Luiza. — Eu não me lido bem com crianças. Luiza também tentou acalmar Clara, mas no momento parecia uma coisa impossível. Balançava pra cá e balançava pra lá, nada parecia o suficiente. — O que fazemos, Giovana? — perguntou Maria, aflita. A menina de doze anos deu de ombros. — Eu não sei... mamãe é quem cuida dela. — Talvez uma mamadeira resolva — comentou Luiza. — Isso eu sei fazer — Giovana disse e assumiu o posto de ir fazer uma mamadeira para a criança que não parava de chorar. “É só balançar certo” elas quase conseguiam ouvir a criança pensar. “Mamãe é quem sabe fazer direito”. Assim que Giovana retornou com a mamadeira pronta, Maria, com dificuldade tomou o posto de segurar a criança e encarregar-se de dá-la a mamadeira. Clara gostou e isso fez com que os tímpanos das três se acalmassem com o silêncio. Assim que tomado uma boa parcela, Maria decidiu retornar para sala ainda com Clara em colo, que finalmente havia se aquietado. — Que tal jogarmos o jogo do mapa do tesouro? — sugeriu Giovana. — É claro — concordou Luiza, mesmo que não estivesse tão animada para isso. — Vamos lá. Eu jogo com você. Giovana abriu um largo sorriso. — Você é legal, amiga da Mariazinha. Deveria vir aqui mais vezes. Ninguém joga esse comigo. Luiza então sorriu. *** Uma hora se passou depois de Clara ter se acalmado e novamente havia caído no sono, então Maria teve uma missão dura que consistiu em: colocá-la no berço sem que a mesma acordasse e começasse a chorar. Foram depois de cinco tentativas mal sucedidas que ela finalmente obteve sucesso. Dessa vez, Clara não iria mais acordar. Giovana também logo se cansou, mas dava indícios de que não queria se deitar. Quando Maria anunciou que ela deveria ir dormir, Giovana soltou a pérola “Pera aí, tá me dizendo que vamos dormir às nove?” mas em seguida começou a bocejar, aceitando a ideia e pedindo um copo de chá. Luiza se prontificou a fazê-lo enquanto Maria colocava-a para se deitar na cama. De chá tomado e com Maria contando-a uma história, Giovana também adormeceu, fazendo com que sobrasse Luiza e Maria na sala conversando em baixo tom. — Mas então, qual sua história? — Pegou de A culpa é das estrelas? — perguntou Maria, rindo baixo. — Pra dizer a verdade, sim. Mas responda. É uma boa pergunta — ela riu. Maria assentiu. De fato era. — Bom, eu cresci em uma família rica. Meu pai era um advogado renomado e sim, eu disse “era” porque agora ele está a sete palmos da terra e isso foi desde quando eu tinha dezoito anos. Herdei todo o seu dinheiro e hoje moro sozinha e sem muitas preocupações. Minha vida ultimamente anda bem corrida, sendo que no sábado eu faço parte de um grupo de coral, onde ajudo velinhas e crianças a cantarem na igreja. Eu não sou religiosa, mas é onde consigo cantar e isso me faz bem. De manhã faço faculdade de Direito e estou no sexto semestre. Acho que é só isso. Luiza ouviu tudo com muita atenção e Maria percebeu que ela estava bem interessada. — O que mais achei incrível foi o fato de você gostar de cantar — falou Luiza. — Sua voz deve ser demais. E bom, se você nasceu em uma família rica e tem dinheiro, por que está fazendo aulas de dança na AEDSP? São para pessoas sem condições, você sabe... Maria se viu sem saída para essa resposta. — Bem... talvez eu tenha mentido sobre não ter condições de pagar aulas particulares quando fiz a inscrição, mas juro que foi com boa intenção! Luiza riu. — Tudo bem, não estou te julgando... talvez. Os olhos de Maria brilhavam e não era por sono. — Agora me diga você sua história. Luiza respirou fundo. — Bem, eu não dei a sorte de nascer em uma família rica e moro com a minha mãe. Meus pais são divorciados e tenho um irmão mais velho, atualmente já está casado e com filho. Eu danço balé desde os meus cinco anos e daqui dois dias vou ter uma apresentação muito foda que vai determinar se vou entrar ou não em uma escola de dança. Estou ganhando uma pequena remuneração por dar aquelas aulas na AEDSP e me sinto bem lá.... Mas não posso ficar por lá para sempre. — Você está certa — disse Maria. — Viver com medo é viver pela metade, tem que se arriscar mesmo. E bom, um teste muito foda? Boa sorte! Eu percebi que você dança bem, vai ser moleza para você. — Obrigada, eu espero que sim — ela sorriu, depois riu, lembrando-se de uma história. — No fundamental meu apelido virou Kiko depois que fui picada na bochecha por uma abelha. Tenho alergia e virou uma coisa horrenda. — Deve ter sido engraçado, ainda dei a sorte de não ter nenhuma alergia — Maria riu. Luiza assentiu. — Um jogo de perguntas rápidas? Luiza concordou com a cabeça. — Hum... Um livro? — foi Maria quem perguntou. — A culpa é das estrelas — Luiza riu. — Não li muitos ainda. E você? — Harry Potter, qualquer um da saga. — Que legal. Minha vez... Um carro? — Ferrari. Você? — Porsche. — Como somos mulheres finas — Maria comentou e elas riram. — Sua cor preferida? — Vermelho — respondeu Luiza. — A minha é verde. Luiza se aproximou. — Um número? — ela perguntou. — Sete — respondeu Maria. — O seu? — Cinco. Acho que as pessoas tem tendência a escolherem números impares como seus preferidos. Você não acha? Maria pareceu refletir sobre o fato. — Pode ser. Preciso fazer um cálculo estatístico... — ela pensou alto. — Uma coisa importante? — Minha família — respondeu Luiza. — Pra você? — Meu cabelo. — Sério? — Sim — Maria riu. — Uma característica sua? Ela se aproximou ainda mais. — Bem, eu não consigo mentir. Quer dizer, eu tenho extrema dificuldade. Até mesmo para os meus pais. Isso às vezes, é ruim. As mãos tremem, começo a suar frio. Horrível. Maria ficou boquiaberta. — É sério? — Sim — Luiza respondeu sem jeito. — E eu tenho que confessar que eu te acho uma garota muito bonita e estou morrendo de vontade de te beijar agora. Ela não tremeu nem suou. Foi assim que Maria puxou-a para um beijo. O primeiro beijo foi um contato mais suave e gentil, com as bocas se conhecendo. Assim que se separaram, sorriram, e partiram para o segundo, então o negócio começou a pegar mais fogo. Em alguns segundos Luiza se encontrava no colo de Maria e a mão de Maria parecia percorrer por todo o corpo de Luiza, sem saber onde parar e querendo investigar e tocar cada parte. Com ânsia, com aspiração, com vontade. A excitação nas duas crescia cada vez mais e assim que a mão de Maria tocou o seio esquerdo de Luiza, ela soube que precisava parar por ali. Não se responsabilizaria pelos atos finais se aquilo continuasse. — Sabe, é melhor não... Tem crianças aqui. — Elas não vão acordar — Maria tentou convencê-la, dando-se ao fato de que estava excitada. — Não vão ouvir, devem estar no quinquagésimo sonho. Luiza caiu para o sofá, saindo do colo de Maria. — Mesmo assim, é melhor. Boca santa, assim que dito as palavras, as duas ouviram o som de um carro estacionando na rua. Se entreolharam e suspiraram aliviadas. Um minutos depois, Carla adentrava o local e as duas pareciam focadas no filme que passava — na qual sequer sabiam o título — e mal pareciam que estavam se pegando há alguns minutos. — Olá meninas. Muito obrigada por terem tomado conta das crianças. — Não foi nada tia — mentiu Maria. — Eu e Luiza precisamos ir agora, mas amanhã a tia me conta como é que foi. Carla assentiu e Jeferson entrou em casa também, cumprimentando as garotas. Cinco minutos depois, as duas saíram pela porta e começaram a caminhar pela rua. — Eu moro ali na esquina — disse Maria. — Não quer subir? — Eu preciso ir pra casa, Maria. Maria ficou decepcionada. — Tem certeza? A vida passa rápido demais, e se você não parar de vez em quando para vivê-la acaba perdendo seu tempo, você sabe. — Amanhã acordo cedo, bem que eu queria. É uma tentação. — Tudo bem, eu entendo. Luiza sorriu. Elas se beijaram uma última vez, com calma. — Podemos marcar algo algum dia desses — sugeriu Luiza. Maria sorriu. — É uma ótima ideia, amiga da Mariazinha. As duas riram e partiram para lados opostos. *** Foi durante a madrugada que Maria ouviu um barulho de chaves na porta do apartamento. Ela levantou assustada, mas reteve barulho. Com passos leves sobre o piso, saiu do seu quarto. Ela conseguiu ouvir um barulho de passos dentro do apartamento. Se dirigiu até a sala e durante o percurso, capturou seu taco de beisebol que mantinha atrás da porta para casos como esse. Ao dar-se com a sala, encontrou um garoto que parecia ter entre quinze e dezesseis anos mexendo em suas coisas. — Ei! O garoto se assustou e Maria apontou o taco para ele. O garoto, desesperado, largou o que estava segurando, fazendo com que a pilha de discos de vinil de Maria fossem ao chão. Ele correu para a porta e se mandou pela escada. O coração de Maria começou a desacelerar e ela não conseguiu dormir tão cedo devido a adrenalina que abasteceu-a. Chaveou a porta e anotou mentalmente para adquirir mais uma tranca. Ligou a televisão e deitou-se no sofá, adormecendo só dali três horas. Mesmo que Maria quisesse negar, ela teve que acordar cedo no dia seguinte e posteriormente se dirigir à faculdade no centro de São Paulo. O trânsito logo de manhã lhe perturbou e percebeu estava totalmente exausta. Uma dor de cabeça surgia e ela não trouxera remédio junto à bolsa. Sequer colocou os fones de ouvido, tendo que ouvir conversas matinais chatas. Quando saltou no ponto da faculdade, respirou fundo. Eu consigo, pensou. Mas assim que identificou seus colegas de classe percebeu que não, não iria conseguir resistir ao dia. Mesmo assim, andou até os colegas. — Ele veste terno e vai ao tribunal, responder perguntas para um juiz... — ela conseguiu ouvir um dos colegas ler um texto de uma pasta. — Ei — Maria chamou a atenção. Os dois rapazes morenos e uma garota ruiva viraram-se para ela e sorriram. — Eu não estou nada bem hoje, percebi isso no ônibus. Será que alguém poderia avisar o porquê faltei? Dor de cabeça muito forte e um começo de enjoo. A ruiva ergueu uma sobrancelha e fez cara de maliciosa. — Começo de enjoo é? Camisinha está aí para ser usada, sabia? Maria riu, mal sabia ela que estava sem envolvendo com alguém que sequer possuía um pênis para engravidá-la. — Estou tomando esse cuidado — ela respondeu. — Mas agora estou indo... até amanhã, acho. E então saiu do campus da faculdade, pegou outro ônibus e quando se viu, estava saltando no ponto perto da AEDSP. Assim que seu pé se chochou com o asfalto da rua, Maria estagnou no lugar. Será que Luiza acharia que ela estaria lhe perseguindo? Quer dizer, não de fato, mas sufocando? Não queria afastar a garota, mas queria muito vê-la novamente, ouvir sua voz e se conseguisse, um beijo. Com os três segundos de coragem que surgiu, ela se viu andando em direção ao prédio e subindo às escadas. Se direcionou logo à sala 4 e encontrou-a totalmente silenciosa, com uma figura encolhida no canto da sala, abraçando os joelhos e a cabeça baixa. — Luiza? De princípio a garota não levantou a cabeça ou se moveu, mas assim que Maria começou a avançar para dentro da sala, Luiza levantou-se e correu para uma porta no extremo da sala. Maria ignorou o fato de Luiza ter fechado a porta, como se fosse para ela não entrar, e girou a maçaneta mesmo assim. A sala com que se deu era semelhante à uma sala de casa comum. Com um sofá, uma mesa de vidro no centro, mas a diferença era um espelho grande preso à parede. — Luiza? — chamou Maria novamente. — Por favor, fale comigo. Luiza estava encolhida no sofá. Quando decidiu virar seu rosto na direção de Maria, isso quebrou o seu coração. A garota estava com o rosto vermelho e inchado. — O que aconteceu? Maria se aproximou com passos calmos, sentando ao lado de Luiza e puxando-a para um abraço. — Eu sei que nós mal nos conhecemos, mas você pode contar comigo, Luiza. Para o que quer que seja. Luiza respirou fundo, tomando fôlego. — Estou fadada ao fracasso — ela respirou fundo. — Eu estive me preparando para esse teste por tanto tempo e hoje... hoje de manhã eles me ligaram e o teste foi cancelado. A vaga já foi preenchida — então Luiza despencou em choro. — Sério? — Maria ficou surpresa. — É mais fácil acreditar nas coisas bonitas, já percebeu? Você dança muito bem, não consigo acreditar... Maria não disse nada depois, na verdade porque não sabia o que poderia dizer. Nenhuma palavra de fé que pudesse dizer iria ajudá-la nesse momento e ela sabia bem disso. Depois lhe confortaria, mas agora, o importante era abraçá-la e tentar fazê-la esquecer-se de tudo. E foi o que Maria fez. Depois de um tempo abraçadas, uma ideia gênio surgiu na cabeça de Maria. — Eu vou te levar para a praia — ela falou. Luiza negou com a cabeça. — Não, obrigada, Maria. Você não precisa fazer esse esforço. Maria levantou-se do sofá e esticou a mão para Luiza. — Não é um esforço, vamos lá. Luiza aceitou a mão e levantou-se do sofá. — Tem certeza? — ela questionou, incerta. — Absoluta. *** Quando se viram, as duas estavam dentro de um Uber em direção a Santos. Maria não possuía um apartamento lá, como havia dito para Luiza, para que a mesma concordasse em ir — já que passariam a noite. O que pensava era em improvisar e tentar fazer a noite de Luiza, a melhor de sua vida. Ou um dia menos pior para que ela não ficasse tão triste. Quando o Uber, por fim, deixou-as na praia, Maria encarregou-se de pagá-lo e as duas caminharam sobre a areia macia e fofinha da praia. O local não estava tão lotado quanto costumava estar durante os finais de semana e isso era bom. Em determinado parte do trajeto, Luiza tomou a inciativa e com um sorriso no rosto, agarrou a mão de Maria. As duas não ligaram para as barreiras dos preconceito que se instalou. Não ligaram para nada, na verdade. O importante ali era que estavam uma na presença da outra e elas sentiam que se conheciam há tanto tempo, quando na verdade, não se passavam de dois dias. Luiza teve um dia finíssimo, experimentou diversos tipos de drinks que Maria lhe fez provar; dançou sobre o mar; comeu camarão e no fim, a noite caia. — Onde é o seu apartamento? — perguntou Luiza, um tempo depois. A garota estava com um sorriso enorme no rosto e Maria se sentia orgulhosa de ter conseguido tal proeza. Maria coçou a nuca, sem graça. — Então... eu não tenho — admitiu, envergonhada. — Pensei em passarmos a noite em um hotel daqui de frente. Luiza ficou atônica. — Mas eles são todos muito caros... — Não faz mal — ela riu, esperando que não tivesse estragado parte da noite para Luiza. Bom, a questão não era que ela iria pagar, mas talvez Luiza se sentisse carregada demais ou submissa de alguma forma e isso era a última coisa que Maria queria. Bom, talvez estivesse pirando. — Tudo bem — Luiza concordou e Maria suspirou aliviada. *** Já instaladas no quarto do hotel — que Maria com o seu bom gosto para hotéis teve o prazer de escolher —, Luiza preparava uma banheira de hidromassagem. — Isso é muito legal — ela comentou. — Eu nunca tomei um banho em uma banheira. Maria riu da felicidade de Luiza. — Você vai gostar. A cama, onde Maria estava deitada, lendo um site de fofocas no celular, dava uma visão quase perfeita sobre o banheiro quando a porta estava aberta, por isso ela conseguia falar com Luiza e enquanto a mesma preparava o banho. — Eu imagino — Luiza comentou. — Ficou sabendo que William Bonner e Fátima Bernardes se separaram? — perguntou Maria. Luiza surgiu dentro do quarto, abandonando o banheiro por uma fração de segundos. — Não sabia que gostava de fofocas. — Bom, não posso negar esse meu lado — riu Maria. — Eu gosto de coisas assim, eu sei que é meio superficial e talvez eu também tenha um coleção de revistas da Capricho. Luiza riu. — Isso é muito engraçado. Maria assentiu e continuou a ler o seu site de fofocas enquanto Luiza voltava para o banheiro. Assim que Maria terminava de ler uma outra matéria, a luz do quarto foi desligada. — Você que desligou, Luiza? A única iluminação vinha do celular de Maria, já que a luz do banheiro também fora desligada. — É claro que fui eu, Maria — ela ouviu a voz provocante de Luiza se aproximar. Maria bloqueou o celular, quando sentiu a cama afundar com o peso de Luiza agora em cima. — E por que desligou? — Maria manteve um diálogo, mesmo que ele de fato não importasse. Logo as mãos de Luiza chegaram até Maria e as duas iniciaram um beijo com fogo e com vontade. Rolaram pela cama, com Luiza ficando por baixo. Roupas foram sendo jogadas para todos os cantos e não tardou para que gemidos de prazer fossem ouvidos no ambiente. Ah, foi uma loucura. DEPOIS Dois dias depois, Luiza começou a se preparar para outro teste, esse por sua vez fazia-se em Nova Iorque. E por mais que Maria quisesse-a acompanhar, sabia que não podia. Ela tinha uma faculdade para terminar e uma empresa para tomar conta após. Luiza não teve muito tempo para encontrar com Maria, já que estava ainda mais focada em seu teste. O traçado de suas vidas começaram a tomar rumos diferentes e ninguém poderia impedi-los. Alguns meses mais tarde, Maria continuou com suas aulas de coral para velhinhas e crianças. Pegou um gosto delicioso pelo direito e parecia que não queria fazer outra coisa. Luiza foi aceita na escola renomada de Nova Iorque e então teve de se mudar para lá. Mesmo com o coração apertado por estar deixando a família para trás, ela tinha que correr atrás de seus sonhos. E isso era admirável. Não ter medo. Afinal, viver com medo é viver pela metade. EPILOGO [Luiza S. acabou de te enviar um e-mail]* [Abrir Anexo] http://i.imgur.com/6ugKsR8.png *Luiza enviou após chegar nos EUA.
FIM
Nota da autora: Bom, vamos lá. É meio difícil escrever uma história com tantos requisitos em menos de três dias. Arrependida de ter visto isso somente dia 28? Sim, com certeza. Esperei muito por esse challenge e no fim, não o vi chegar. Não é a história que possuo mais orgulho, mas durante esses três dias mal dormidos e vontade de desistir forte, até que gostei do resultado. Challenges são realmente um desafios, e estou começando a adorá-los! Obrigada a quem leu e chegou até aqui, você é importante e bom, espero que tenha gostado!