CAPÍTULOS: [1] [2] [3] [4] [5]








Capítulo 1


“I saw you (eu te vi)
With that ribbon in your hair (com um laço na cabeça)
Think that I began to stare (acho que comecei a te encarar)
Maybe I'll love you for a while (talvez eu te ame por um tempo)
A stranger (um desconhecido)
At a table in a place (sentado na mesa de um lugar)
And a really pretty face (e um rosto muito bonito)
I wonder what happens when you smile (me pergunto o que acontece quando você sorrir)”

Someone you like – The Girl and the Dreamcatcher

Você por acaso já teve um karma? Algo que te acompanha sua vida inteira e que sempre te trazem coisas ruins? Bem, eu tenho um, pode até parecer engraçado, mas eu tenho karma com garotos. Não são quaisquer garotos, são garotos cujo nome é Pedro.
Tudo começou quando eu tinha três anos. Minha primeira paixãozinha (na época eu nem sabia o que era isso) sentava na carteira bem ao lado da minha de acordo com o mapa de sala. Ele tinha cabelos ruivos com nuances douradas e ondulados; olhos verdes tão claros que chegavam a ser translúcidos; pele branca com pequenas e claras sardas nas bochechas; era alguns centímetros mais alto que eu (eu era uma menina alta apenas nessa época); tinha um sorriso incrível que formavam as covinhas mais fofas do mundo. Ele era lindo de morrer e com o passar dos anos, só foi ficando ainda mais e bem, todas as meninas o queriam assim que começaram a não achar garotos repugnantes. Ah, e claro, se chamava Pedro.
Nós ficamos amigos desde o começo, éramos como irmã e irmão. Uma ligação fora do comum que acabou se tornando outro sentimento dentro de mim. Não demorou muito tempo para o primeiro desastre acontecer, para ser exata, foram dez anos depois. Na festa junina, o correio do amor (a invenção mais maldosa que já inventaram) começou a funcionar e espalhar suas maldades. Eu resolvi escrever um coraçãozinho para o Pedro me declarando. Na carta, eu marcava um lugar para que nós pudéssemos nos encontrar e talvez eu ter o meu primeiro beijo... Só que isso não aconteceu e se tornou a pior noite de São João da minha vida. 1) Fiquei esperando debaixo da árvore do jardim feito uma idiota com trancinhas e fitas verdes no cabelo 2) estava chovendo, o que me fez pegar uma pneumonia e passar minhas férias inteiras na cama 3) meu algodão doce caiu no chão e eu não tinha mais nenhuma ficha 4) resolvi procurar pelo Pedro e o encontrei de mãos dadas com a Yasmin, nossa colega cujo pai tinha uma padaria que sempre trazia lanchinhos gostosos enquanto minha mãe comprava no supermercado, e tinha um cabelo liso e brilhante enquanto o meu parecia o da Hermione nos primeiros filmes do Harry Potter (literalmente) 5) depois de pedir uma ficha para minha amiga Bianca e comprar outro algodão doce, que foi menor do que o menino da frente, vi meu coração jogado na lixeira e meu colega Felipe me chantageou para fazer os deveres de casa dele, senão contaria pro Pedro, ou seja, 6) virei a menina rejeitada durante um ano e meio que se passou, já que todas as meninas achavam que o Pedro gostava de mim e 7) ele deve ter descoberto, porque não nos falamos mais depois desse dia infame. Depois das férias do ano seguinte, eu não o vira nunca mais, ele simplesmente sumiu.
A história com Pedros não parou por aí. Meu primeiro namorado, Pedro, me traía com a escola inteira. Conheci um outro Pedro nas férias no Maranhão e ele me chamara para sair, era modelo da Calvin Klein e dirigia uma BMW, mas no final da festa descobri que ele só havia me convidado como seu par para disfarçar que era gay na frente dos fotógrafos. Também teve o Pedro ladrão, que teve a cara de pau de roubar meu celular sem que eu percebesse durante nosso encontro no cinema e eu ainda o beijei! Um encontro promissor com outro Pedro, que eu descobrira através de uma mensagem da Bianca que era o cara que a Karen estava namorando e claro, inventei uma desculpa de que iria no banheiro, pedi um risoto de lagosta e uma sobremesa francesa, deixei-o sozinho para pagar a conta e fui para casa. O Pedro nojento, o Pedro medroso, o Pedro tarado, o Pedro surfista comprometido... Bem, eu desisti dos Pedros e também dos homens do resto do mundo e agora estou curtindo meus vinte e dois anos sozinha e tudo está andando as mil maravilhas. Não estava procurando por ninguém e nem queria. Precisava focar no meu teste para ser estilista na In Style e no meu bem-estar tanto físico quanto psicológico. Ah, além do meu último ano na faculdade.
Abro a porta de vidro do Starbucks, que ficava na Avenida Paulista, peço meu expresso e um croissant e vou à procura de um lugar. Não é possível que todo mundo resolveu vir para o mesmo Starbucks que eu! O lugar estava cheio e eu com as mãos cheias de sacolas com meus novos livros e lápis de cor, dois pares de sapatos Gucci e uma lâmpada para o meu abajur (deixei meu carro estacionado a duas quadras daqui), além do meu café e croissant.
- Eu estou sozinho nessa mesa, se quiser fazer companhia para um total estranho... – diz um rapaz com cor de cabelo loiro acobreado (que eu chamo de strawberry blonde) ondulado e bagunçado, olhos verdes acinzentados, pele branca como porcelana com bochechas rosadas, traços finos e lindo para caramba. Ele parecia uma pintura digna da época do Renascimento.
- Bem, eu vou aceitar. – respondo, sentando na cadeira a sua frente, colocando minhas sacolas de lado e meu café da manhã em cima da mesa. – Muito obrigada, não é todo mundo que divide a mesa com uma completa desconhecida. – agradeço, falando, como sempre, mais do que eu deveria.
- Eu normalmente não costumo fazer isso, mas eu pensei “é um bom dia para dividir a mesa com uma moça de cabelos loiros com um vestido de bolinhas, meias vermelhas e sapatos Channel, principalmente quando ela quase derramou café no cara do lado e tem uma borboleta no cabelo”. – diz com um tom levemente desencanado e um sorriso torto de tirar o fôlego. Seu tom de voz era rouco e grave, parecia que havia acabado de acordar, uma melodia boa nos meus ouvidos. Embora desse pra notar que ele era brasileiro, o sotaque de algo internacional estava presente no som das palavras, criando um charme a mais que chegava a ser exagerado. Ele exalava charme.
- Gosto de acessórios chamativos. – digo e eu sinto minhas bochechas corarem ao me tocar de que ele havia me observado, mas me lembro do comentário do sapato Channel e ele era um cara bem vestido, ou seja, ele não estava interessado em mim e sim nas minhas roupas. – Eu também não costumo aceitar dividir a mesa com um completo desconhecido, mas li no meu horóscopo que aceitaria a oferta do estranho que entende de sapatos femininos. A propósito, adorei sua jaqueta. – elogio, nada melhor do que um GBF (gay best friend).
- Pegou mal, né? Eu não sou gay. Na verdade, minha mãe entende bastante de moda e eu sou o único filho. – responde meio desconcertado.
- Desculpa, tenho um hábito horrível de ser extremamente observadora e tirar conclusões falsas. – digo com um sorriso amarelo, eu realmente fui indelicada. Tento me desviar de seu olhar colocando açúcar no café, já que posso sentir minhas bochechas queimando novamente, ele realmente havia reparado em mim. O primeiro pensamento que me vem à mente é que ele não enxerga muito bem. Ele era perfeitamente lindo e exageradamente sexy... eu parecia só uma garotinha bonitinha perto dele ou um simples esquilo ao lado de um leão (metáfora bem ruim).
- Você fala o que pensa, isso é bom. As pessoas não fazem mais isso. – responde com um sorriso no canto dos lábios e com seus olhos verdes translúcidos focados em mim assim que dirijo meu olhar novamente para ele. Sinto um arrepio passar pelos ossos e cartilagens da minha espinha, isso não é bom.
Ficamos conversando durante uma hora inteira, mas que eu nem vira o tempo passar. Ele trabalhava na Apple desenvolvendo novas ferramentas e configurações (super simples e normal, nada de admirável – acho que perceberam minha ironia); morava em Nova York, mas sentira saudade do Brasil e resolvera “voltar” (ainda tinha um apartamento em Tribeca); colecionava carros em miniatura; seu pai era inglês; estudara em um colégio interno na Inglaterra durante o ensino médio e depois se mudou para os Estados Unidos, e tinha vinte e um anos. Quando ele conversava, olhava direto nos olhos, mas não sabia o certo se era apenas comigo, e tirava facilmente uma risada minha.
- Bem, eu já sei que você desenhou a roupa do Mercúrio, faz faculdade de moda, gosta de livros de suspense, odeia o Robert Downey Jr. e coleciona canecas, mas eu ainda não sei o seu nome. – observa enquanto saímos pela porta do Starbucks, que ele havia aberto para mim. Ele realmente havia prestado atenção no que eu havia dito e isso me surpreendeu, já que os homens normalmente prestam atenção só no que querem ou talvez eu não tenha conhecido nenhum que valha a pena (na verdade, uns dois, mas como sempre, fugi).
- Alicia. – respondo.
- Pedro. – diz e eu paro de caminhar e sinto meu corpo todo congelar.
- Pedro, tipo P-E-D-R-O? – pergunto ainda perplexa e estática na calçada. – Tem certeza que não é Pietro? Peter? Rodrigo...?
- Eu tenho plena certeza de que meu nome é Pedro. A menos que meus pais e minha identidade tenham mentido pra mim. – responde rindo. – Isso é algum problema? – pergunta ainda rindo, mas seus olhos estavam sérios dessa vez.
Deveria dizer a um rapaz que eu acabei de conhecer e que já gostara bastante que nunca ia dar certo? Embora eu nem tivesse certeza se teríamos alguma coisa, mas a esperança é a última que morre. Na verdade, eu sempre boto esperança demais nas coisas, ou seja, sou uma iludida de carteirinha.
- Nenhum problema. Eu tive um gato quando era criança e ele se chamava Pedro Miau... Ele morreu atropelado por um caminhão de lixo... Foi bem triste. – minto e tento ser o mais convincente possível fazendo uma expressão cabisbaixa.
- Eu pensava que você tinha alergia a gatos. – retruca e eu fico com a cara no chão. – Pedro Miau? Sério? – eu sei, essa foi péssima. - Já sei! Ex-namorado? – indaga e eu fico levemente aliviada, mas ao mesmo tempo com raiva e muita vergonha de não ter pensado nisso antes, já que era uma parte da verdade e seria muito mais convincente do que a desculpa de que o meu animal de estimação (que por acaso se chamava Pedro Miau!) havia morrido. Estou com uma leve (predominante) vontade de me jogar dentro do bueiro a nossa frente.
- Exatamente. Sabe, não faz muito tempo que a gente terminou... – continuo com as desculpas (mentiras), apesar do meu último namorado ter se chamado Thomas e fazer seis meses que estou solteira. Eu só tive três namorados na vida, tanto porque grande parte dos caras que eu conhecia se chamavam Pedro, ou seja, sempre dava errado. Me lembro que já tiveram outros caras bem legais e que não tinham o nome-karma, mas que eu fugira por puro medo ou simplesmente porque eu ainda insistia na esperança idiota de que esse karma com Pedros talvez fosse uma dádiva.
- Sei como é, eu e minha noi... ex-namorada terminamos há dois dias e eu não vou mentir que vocês são um pouco parecidas e isso me chamou atenção.
Eis o que eu esperava! O nome dele é Pedro, eu estou super afim dele e ele acabara de sair de um relacionamento, que por acaso a garota ainda se parecia comigo... Ma-ra-vi-lho-so! Mas é uma ótima maneira para não termos nada e continuarmos amigos. Ninguém se machuca, continuo com meu coração perfeitamente saudável e com minha vida feliz de solteira.
Um vento forte bate sobre nós, me fazendo aconchegar mais no meu casaco e ele colocar as mãos dentro do bolso e também se encolher na jaqueta jeans, fazendo o tecido ficar mais justo em seus braços, revelando os músculos bem definidos. Tiro a conclusão de que eu vou sofrer dolorosamente em silêncio para não agarrá-lo, principalmente quando eu tenho vinte e dois anos de virgindade do pescoço para baixo.
- Parece que somos dois na fila do coração partido... – penso em voz alta e um silêncio paira sobre nós por alguns poucos segundos. Acho que está na hora de dar adeus ao meu novo conhecido incrivelmente gato e ir para casa, mas ele diz:
- Desculpa parecer muito indelicado, mas onde você comprou a lâmpada? Meu apartamento continua sem luz e eu não me lembro de praticamente nenhum lugar aqui em São Paulo. – pergunta com uma certa timidez. É claro que eu me toquei que ele não queria dizer adeus. Como um rapaz extramente tecnológico não ia ter um GPS ou qualquer outro aplicativo?
- Ah, comprei em uma loja que só vende essas coisas há três ruas daqui. Eu te acompanho até lá. – respondo. Eu posso não me envolver romanticamente com ele, mas não tira pedaço nenhum sermos amigos, não?
- Se não se incomoda, a luz não é a única coisa que falta no meu apartamento. – diz ainda meio tímido. Sorrio em resposta sem querer.
***

Hoje é sábado e eu estava curtindo meu último mês de férias até ficar trancada no meu apartamento em East Village, montando os figurinos para o novo Homem- Aranha, apesar de já ter feito um modelo para o Tom (Holland) em Guerra-Civil, e me preparar para o teste da In Style. Embora eu tenha passado o dia inteiro com o Pedro ajudando-o na mobília, eu não diria que foi um dia desperdiçado. Na verdade, meu plano era chegar em casa, colocar minhas meias de lã e um moletom, fazer um balde de pipoca com muita manteiga junto com uma caneca grande de chocolate quente e assistir a um filme na Netflix até pegar no sono no sofá mesmo, então a companhia de um deus grego não é nada mal.
Ele era uma pessoa fantástica. Era focado, educado, bondoso, extremamente inteligente, pois fazia uma conta difícil em questão de segundos, engraçado sem ser bobo, charmoso e bom de lábia, já que era bem difícil saber quando ele estava me dando uma cantada ou sendo gentil e quando eu me dava conta já estava rindo feito uma garotinha de doze anos ou então com o casaco preso em um prego, deixando cair alguma coisa da loja (isso aconteceu duas vezes).
Agora estamos no carro dele (uma Ferrari California T preta) parados no Drive- Thru do Mc Donald’s. O relógio do painel do carro marcava sete horas da noite e a rádio tocava “Talking to the Moon” do Bruno Mars (velha, mas ainda continua boa). Estávamos conversando sobre como a Apple deixa brechas nos aparelhos para que eles tenham uma data de validade e que o próprio Pedro já havia sido responsável por essa parte (detalhe: eu tenho um I-Phone) quando ele diz:
- Hoje foi, sem hesitar, um dos dias mais divertidos nos últimos meses. – eu fico quieta por um segundo, tentando absorver aquelas palavras e lutando para que não causassem tanto efeito em mim, mas já era tarde. Alguma coisa dentro de mim parecia tê-lo conhecido há anos.
- Com certeza você é muito melhor que uma tarde assistindo filme. – respondo com um tom sugestivo e acrescento rapidamente quando dou conta do que eu falei: – Você é uma ótima companhia. – tento não tropeçar nas palavras e fujo um segundo do seu olhar para não ficar vermelha ou falar mais uma besteira. Ele não pareceu decepcionado com o que eu havia dito, ao contrário, ele sorriu. Talvez o que ele quisesse mesmo era uma companhia ou talvez ele tenha achado engraçado a minha primeira sentença! Se afogar no refrigerante não seria nada mal agora...

Pegamos nossos lanches, comemos no carro estacionado perto dali e depois ele dirigiu até onde o meu Jetta estava estacionado na Avenida Paulista.
- Agora você vai poder me ligar sempre que precisar de uma ajuda no seu computar ou quando quiser uma companhia para dividir a mesa... talvez um modelo para experimentar uma roupa do Homem de Ferro. – brinca enquanto salva o número do seu celular no meu e o devolve para mim. Devolvo o dele também. Eu dou risada de sua última frase, principalmente porque já estava imaginando minhas mãos fazendo ajustes naquele corpo e não queria dar cordas a minha imaginação.
- Pode deixar. Você também pode me ligar quando estiver perdido em São Paulo ou precisando de uma mãozinha para arrumar, escolher decorações ou se resolver me dar umas aulas de como invadir o sistema da Apple e a virar a nova magnata da tecnologia. Eu prometo ser uma boa chefe. – brinco com um piscar de olhos, mas a intenção era verdadeira, eu gostava até demais da companhia dele.
- Acho que vou te ligar para a segunda opção. Você daria uma boa decoradora, Marvel. – diz e eu não esperava por isso. Ele quer me ver de novo!
- E eu acho vou atender. – respondo, mordendo inconscientemente os lábios. Ficamos parados na calçada em frente ao meu carro por um estante, olhando um para o outro em silêncio. Vejo uma sombra perpassar seu olhar e ele desvia para o chão e se despede:
- Então eu te vejo amanhã. Boa noite. – despede-se com um sorriso educado e segue para a calçada do outro lado da rua, onde sua Ferrari estava estacionada.
- Boa noite. – respondo, vendo sua silhueta se afastar de mim. Não fico triste, amanhã o verei de novo e tenho uma vaga impressão de que mais outros dias.

Capítulo 2


“All i knew this morning when i woke (tudo o que sei nessa manhã, assim que acordei)
Is i know something now, know something now i didn’t before (é que sei agora, sei agora o que não sabia antes)
And all i’ve seen since 18 hours ago (tudo o que vi 18 horas atrás)
Is green eyes and freackles (são olhos verdes e sardas)
And your smile in the back of my mind making me feel like (e seu sorriso no fundo da minha mente, me fazendo me sentir que)
I just know you better now (repeat) (eu só quero te conhecer melhor)
‘Cause all i know is we said hello (porque tudo o que sei é que dizemos “oi”)
And yours eyes look like coming home (e seus olhos parecem me levar de volta para casa)
All i know is a simple name (tudo o que sei é um simples nome)
Everything has changed” (e tudo mudou)

Everything has Changed – Taylor Swift feat. Ed Sheeran

Visto um jeans skinny, um sweater rosa claro de cashmere por cima de uma blusa de botões azul bebê, e um oxford vernizado cor nude. O clima hoje resolveu dar uma trégua e o vento não está tão gelado, apesar do céu ainda continuar cinzento e triste. Pego minha bolsa em cima do meu sofá branco, abro a porta, desço de elevador até o estacionamento e pego um táxi até o prédio do Pedro, que ficava na Vila Olímpia.
Coloco os fones de ouvido e abro o aplicativo do I-Tunes para acalmar o meu nervosismo e tento me concentrar somente na letra da música. Não deu certo, não conseguia parar de me fazer perguntas como: Como será o apartamento dele? Será que eu devo cumprimentar com um abraço e um beijo na bochecha ou apenas com um abraço? Talvez um aperto de mão? Ou será muito frio? Qual será a cor da camisa que ele está usando? O que eu falo se ficarmos sem assunto? Será que eu desliguei o fogão antes de sair? E se nos beijarmos e as coisas começarem a esquentar? Será que ele vai se importar por não estar usando uma lingerie super sexy e sim minha calcinha de bolinhas e um sutiã bege? E se eu não tiver pronta e ele me achar só uma garotinha assustada e inexperiente? Eu nunca mais o verei de novo?
Eu sabia que eu não deveria de forma alguma me envolver emocionalmente com mais nenhum Pedro, mas cada vez que esse pensamento soava mais forte na minha cabeça, mais eu gostava da sensação de perigo e mais vezes aquele sorriso aparecia na minha mente. Seu rosto, suas sardas tão claras que quase não davam para se ver, seus olhos verdes claros, sua voz e seu nome eram tudo o que eu conseguia pensar ontem à noite. Isso era completamente novo para mim e eu fico com medo.
(assistir ao vídeo https://www.youtube.com/watch?v=feYDtHp81c0)
Sério, Taylor Swift, justo agora? O táxi para em frente ao prédio estonteante de vários andares com as portas de vidro e um castiçal na recepção que valia mais que meu carro, pago o taxista e vou em direção à portaria:
- Oi, boa tarde. Eu estou procurando... – digo até o porteiro me interromper:
- Pode subir, senhorita Clara. Fico feliz de que a senhorita e o senhor Pedro tenham se acertado. – diz com um tom gentil e animado ao me ver. Fico confusa e me lembro de que ele tinha uma namorada e que dissera que eu parecia com essa tal Clara, que eu acabei de descobrir o nome. Dou de ombros e cumprimento o porteiro para não ser mal educada, chamando-o pelo nome no crachá. Ele estava tão genuinamente animado que eu não quis desapontá-lo.
Entro no elevador e aperto o botão do quarto andar. Não sei se me sinto bem com o que o porteiro dissera e eu ter me passado por ela. Esse sentimento me incomoda dolorosamente. Eu não sou a Clara e espero que o Pedro tenha plena certeza disso.
A porta de metal se abre e há quatro portas brancas e largas dividas em pares nas extremidades do hall com espelhos, mesas de vidro com pés de madeira e arranjos de tulipas amarelas. Tudo de muito bom gosto. Me dirijo até um dos espelhos para ver como eu estava, ajeitando o laço de cetim dourado no meu cabelo e minha franja recém cortada, passando mais uma camada de um gloss levemente avermelhado (só havia passado isso de maquiagem, já que somos apenas amigos e queria deixar explícito isso, embora meus pensamentos fossem outros) e depois toco a campainha da porta branca na extremidade direita com o número 13 feito de metal pintado de dourado pregado nesta mesma porta.
Sinto um frio no estômago ao ouvir o barulho da chave destrancando a fechadura. A porta se abre e eu vejo a figura de Pedro com seus cabelos ondulados e ruivos, um e noventa de altura (comparei com a altura do meu irmão), braços agora visivelmente fortes em uma camiseta branca, jeans, pés descalços, os mesmos olhos verdes hipnóticos, as sardas fofas e o sorriso largo que deixava a mostra suas covinhas ao me ver. De novo, aquele mesmo arrepio perpassa todos os centímetros da minha espinha. Acho que eu nunca fiquei tão arrepiada na vida.
- Parece surpreso ao me ver. – observo pelo seu olhar. – Esqueceu que eu viria? – pergunto um pouco apreensiva com medo da resposta ser “sim”.
- Nunca! É que o Jorge não interfonou, fiquei surpreso, mas um tipo bom de surpresa. – responde, me dando passagem para que eu pudesse entrar no seu apartamento.
Era muito espaçoso, dava uns dois do meu apartamento aqui em São Paulo, mas não tinha certeza se era somente porque não tinha praticamente nenhuma mobília. Apenas um sofá cinza de camurça ocupava o lugar da sala de estar; a frente uma lareira feita de pedras escuras e logo acima um suporte solitário na parede, imaginei que fosse o lugar da TV. O teto trazia uns buracos para que as luzes fossem encaixadas; um belo lustre moderno ocupava o centro do design do teto. As paredes ainda estavam brancas e a maioria das divisórias (paredes que dividem cômodos – não sou muita boa com palavras) eram feitas de um material transparente com figas na cor preta. O piso era de madeira clara, também novo. As três janelas grandes a minha frente tinham apenas persianas (também brancas), mas já dava pra ter uma ideia de como o apartamento era bonito e que estava sendo reformado de acordo com o pedido do morador, ou nesse caso o novo morador, imaginei que talvez não fosse o Pedro que comprara este apartamento, já que era muito grande para uma pessoa só.
- Ele pensou que eu era outra pessoa. – respondo, virando-me em sua direção. Ele está fechando a porta e escuto novamente o barulho da chave na fechadura, desta vez, trancando-a. Fico nervosa sem nenhum motivo aparente.
Aquela mesma sombra nos olhos que eu vira ontem à noite escurece seus olhos verdes claros e percebo que ele entendeu a confusão, mas não é só isso... Talvez ele não fosse ser o único morador daqui.
- Jorge é uma excelente pessoa, mas sua vista não é tão boa assim. Tá com sede? – pergunta, tentando mudar o rumo da conversa, o que me fez ficar com uma pitada de raiva.
- É um belo apartamento... – observo, controlando meu timbre de voz, talvez eu estivesse exagerando, ninguém gosta de falar de ex e abrir a ferida novamente. O sigo até a cozinha, tirando a conclusão que o apartamento era realmente grande.
A cozinha ficava logo depois da sala de jantar com uma mesa grande de vidro, cercada por as mesmas paredes transparentes. Era também espaçosa e no estilo americano com o balcão e os armários de cima e debaixo feitos de mogno escuro; em cima o balcão era de inox combinando com a geladeira, a pia e o micro-ondas. O fogão era acoplado ao balcão e tudo parecia novo, assim como a sala. Havia copos de cristais nos armários, mas apenas isso. Obervo como tudo era arrumado e limpo, chegando à conclusão de que ele era extremamente organizado ou metódico, me lembrando das suas peças de roupas escolhidas cuidadosamente e o carro super limpo com cheiro de hortelã.
- É um dos investimentos sem sentido do meu pai... Talvez não foi um dinheiro tão desperdiçado assim. Estou morando aqui agora, não? – dá de ombros enquanto pega dois copos e enche de água vinda de um filtro acoplado a pia com várias torneiras em formato de chuveiro, daquelas que se mexem, e leva uma das taças na minha direção. Beberico um pouco e ele me imita. Minha intuição me diz que ele está escondendo um pequeno detalhe.
Olho para os detalhes da mobília e vejo em um dos lugares que deveriam ser para guardar jarros de vinho uma caixinha preta de camurça e ligo os pontos:
- Você ia morar com a Clara aqui. É por isso que se mudou para São Paulo, não é? – indago curiosa e sua expressão é uma mistura de surpresa e amargura. Seus olhos verdes miram o chão por alguns segundos e eu já me preparo para ouvir ele me mandar embora, mas seu olhar volta para mim de novo e sua expressão está suave como de um anjo.
- Eu conheço a Clara desde sempre. Nossos pais trabalham em empresas conjuntas e há quase dois anos começamos a namorar. – faço as contas mentalmente, ele devia ter vinte para vinte e um. Daqui a poucos dias ele completa vinte e dois. – Era algo novo para mim, achava que nossa ligação era algo fora do comum e ela me conhecia mais do que ninguém... sentia que nós fomos feitos para perdurar, então se passou um ano e alguns meses atrás decidimos nos casar. Meu pai deu de presente o apartamento e já estava tudo encaminhado até que há três dias ela disse que tinha prioridades maiores como a carreira, que eu era uma parte importante na vida dela, mas o trabalho era muito maior e que era para guardar o anel para alguém que me merecesse de verdade, que me colocasse como primeira opção – ri sem humor. Seu olhar era distante mirando o chão. - alguém que me amasse do jeito que eu merecia... Então nos últimos dias sou apenas eu e um apartamento inacabado e enorme. Dois dias... Agora você tá aqui. – concerta-se e eu sorrio discretamente em resposta.
- Eu sinto muito. – digo, sei como é ter um coração partido e era algo que eu não desejava a ninguém. Dava para ver a tristeza profunda em seus olhos, mas em sua última frase, algo brilhava. Será que esse brilho é por minha causa? Não pira, maluca. – Agora temos um apartamento para decorar. – acrescento com um tom animado para que eu pudesse animá-lo também. Ele ri e era um som bom aos meus ouvidos. – O que foi? Eu não sou apenas boa com roupas.
- Tenho certeza que não. – diz com uma certa malícia. Já perdi as contas de quantas vezes ele deixou minhas bochechas vermelhas.

Capítulo 3


“Don't you see me? I (você não me ver? Eu)
I think I'm falling, I'm falling for you (eu acho que estou me apaixonando, estou me apaixonando por você)
Don't you need me? (você não precisa de mim?)
I, I think I'm falling, I'm falling for you” (eu, eu acho que estou me apaixonando, estou me apaixonando por você)

Falling For You – The 1975
Já faz cinco dias que eu conhecera o Pedro e também já faz cinco dias que não passamos um dia sem nos ver. Continuo mantendo minha promessa de que não irei me envolver com mais nenhum Pedro, embora cada dia ficasse mais difícil. Tomávamos café juntos no Starbucks; depois íamos às compras da decoração e mobília; almoçávamos em um restaurante a céu aberto, experimentando todos os dias pratos e sobremesas diferentes (fizemos um trato de comer todas as coisas do cardápio); caminhávamos no parque nos intervalos; dávamos voltas por aí de carro... Ontem mesmo fomos ao cinema e eu descobri que não era a única a colocar doce na pipoca e nem a única a fazer comentários durante o filme (meus ex-namorados odiavam isso em mim). A cada dia que passava, eu descobria algo novo sobre ele, o que o tornava ainda mais atraente para os meus olhos e alimentava o calor no meu coração. Talvez o fato seja de que diferente dos outros Pedros que eu conheci, ele realmente queria uma amizade ou simplesmente me conhecer melhor antes de tomar qualquer iniciativa, um dos quesitos em que somos parecidos. Alicia, para de se sustentar nessa parte. Você sabe que é invenção da sua cabeça. Eu sabia (tinha certeza) que ele ainda não havia superado a Clara (fantasma infeliz que assombra a minha vida) e apesar dele nunca ter dito, era extremamente óbvio, faz apenas uma semana e de uma certa forma, andar com uma garota (eu) que lembrava a ex não ajudava nem um pouco, mas eu simplesmente não conseguia me afastar. Saber que ele ainda a amava fazia bem para mim de uma forma torta, porque me despertava de volta a realidade e ao mesmo tempo me fazia ter a esperança de que eu podia fazê-lo esquecê-la.
Estou me arrumando para me encontrar com a Bianca na academia. Visto um top preto, uma camiseta branca transparente de mangas compridas por cima, legging também preta com tiras brancas e meu tênis esportivo favorito. Visto o moletom de Hogwarts, já que o tempo está frio (não me diga), e penteio meus cabelos, que batiam alguns centímetros abaixo dos ombros, em um rabo de cavalo alto. Também pego minha bolsa junto com as chaves do carro e o meu celular.
Enquanto dirijo, conecto meu celular ao som do carro para que pudesse ouvir meus recados (sim, minha família deixava mensagens de voz, já acostumados com minha vida em outro país e minha falta de tempo, e sim, foi o Pedro que me ensinou a mexer nisso).
“Você tem quatro recados:
Mamãe Emília: Amei ter conhecido o Pedro ontem, vê se você não pira com esse karma horroroso e perca ele de vista... Além do mais, nunca te vi com esse brilhinho no olhar antes... Te amo, minha filha.
Mamãe Helena: Estou chegando amanhã, mas sua mãe já me contou que você conheceu um novo rapaz e que ele é lindíssimo! Não posso esperar para conhecê-lo, porque conseguir conquistar o coração da Emi, não é para qualquer um.
Marcelo (irmão): Fiquei sabendo que minha irmãzinha tá de namoradinho novo... Fala pra mamãe que eu peço desculpas por não ter conseguido passar na casa de sopa ontem, agora eu tenho dois bebês pra cuidar e a Karen tá me dando nos nervos... Tenho pena do seu futuro marido, mas, hey, não estou te dando liberdades pra se atracar com esse tal de Pedro. Continue pura e casta.
- Como se tivesse uma chance remota disso acontecer... – penso em voz alta.
Karen: Alicia de Oliveira Fernandes, não acredito que você arranjou outro Pedro! Realmente você não aprende mesmo, né? Eu ouvi que ele é lindo, mas pensa em tudo o que você já passou! O universo pode cansar dessa sua insistência e conspirar de uma forma horrorosa contra você. Tá na hora de você começar a procurar outros e nem vale dizer que eles não aparecem... Você dispensou o Logan Lerman! Realmente, você nunca vai aprender...
- Tá, eu mereço essa. – penso novamente em voz alta.
Bianca: Amigaaaaaa, eu não acredito que você tá transando com aquele herdeiro pedaço de mau caminho. Espero que ele tenha um amigo super gato pra você me apresentar... Ah, e parabéns pela nova não virgem do pedaço. Seus estudos finalmente foram posto em prática! Tô ansiosa pra você me contar todos os detalhes de como é fazer sexo com aquele homem maravilhoso, tenho certeza que ele tem um...”
Volto ao canal da rádio, as coisas estavam ficando pesadas demais e a Bianca não estava ajudando sendo conivente com meus pensamentos inadequados que esquentavam o meu imaginário feminino. Não sei de onde a Bianca o conhece e nem a parte do “herdeiro”, mas resolvo ignorar.
Chego à academia em Santana e já consigo ver a moto dela estacionada. Desço do carro e vejo Bianca encostada no balcão da entrada flertando com um dos funcionários. A reconheço por 1) seus cabelos pretos em um corte assimétrico 2) óbvio que ela iria estar dando em cima do bonitão do balcão, não porque ela era afim dele, mas o ex frequentava a mesma academia e ela tinha uma esperança de causar algum ciúmes.
- Até que fim a mais nova não virgem do grupo chegou! – explode assim que me vê, me dando um abraço apertado. Fico com vergonha por ela estar falando tão alto assim na frente das pessoas. – Sua vagabunda, agora temos menos um gostoso rico no mundo. – acrescenta me dando um tapinha na bunda.
- Dá pra você me explicar de onde você conhece o Pedro? Parece que você sabe mais sobre ele do que eu. – digo intrigada, agora eu fiquei curiosa.
- Primeiro vamos para esteira antes que aquelas coroas roubem nossos lugares atrás do cara que parece o Harry Stiles. – diz, mas já me acostumara com sua taradice extrema por homens.
Ligo a esteira, coloco minha garrafa de água dentro do compartimento específico e ela está logo ao meu lado. Estou fervilhando de curiosidade, então lembro-a do que ela tem para me dizer, já que está distraída com a imitação do Harry (nossa, super íntima) na nossa frente.
- Bianca, dá pra me dizer que história é essa de herdeiro de uma vez por todas?
- Ah, desculpa, ele tem a bunda mais gostosa que eu já vi na vida. – desculpa-se com um olhar cheio de segundas intenções ao rapaz a nossa frente. Ela fala isso para todo homem atraente que vê na rua. – Como que você não sabe o sobrenome do seu namorado? – pergunta com um tom levemente ofendido pela minha falta de informação.
- Ele não é meu namorado. Na verdade, somos só amigos e não, eu não sei o sobrenome dele. – me explico para que ela pare com essa paranoia. – Ah, e também não estamos transando casualmente. Continuo virgem e também não rola nem amassos. Eu só o conheço há cinco dias! – acrescento, sabendo que ela podia pensar essas coisas.
- Como assim? Você sumiu durante cinco dias com a reencarnação de Eros ou uma das cópias dos atores de Game of Thrones e você não fez nada? Eu não te ensinei nada mesmo... – diz como se eu tivesse dito a coisa mais idiota de todo o universo e realmente eu me sentia exatamente assim, qualquer mulher já teria se jogado em cima dele. – Você é muito puritana, desse jeito vai morrer virgem. Um homem desse não se encontra em qualquer esquina.
- Não sou puritana, só altamente seletiva. – defendo-me apesar de saber que ele realmente não era o tipo de homem que se encontra em qualquer esquina. - Dá pra você se concentrar e responder minha pergunta! – reclamo impaciente, tentando tirar da cabeça eu me jogando em cima dele.
- Okay, só estou surpresa por você não o ter reconhecido... Fiz minha pesquisa e não dá pra contar aqui agora, então vamos pra lanchonete. – diz e eu não me surpreendo, ela sempre inventa uma desculpa para não fazer exercícios. – O que foi? Só tomei café. – se defende pelo meu olhar repreensivo enquanto desliga a esteira.
Seguimos até a lanchonete da academia e sentamos em uma mesa perto da cozinha para nossa comida percorrer um caminho mais curto. Eu peço apenas um suco de melancia, estou ansiosa demais para ouvir a pesquisa de Bianca, com a esperança de que ela descobrira algo ruim ou então algo bom demais. Lanço um olhar impaciente para ela e ela começa com seu monólogo:
- A mãe dele é ninguém menos do que Júlia de Alcântara Jones, modelo famosa no exterior que até hoje inspira todas as outras modelos por aí. Atualmente é linda, tem quarenta e três anos e é a editora-chefe da Vogue do Brasil e diretora de moda da Vogue nos Estados Unidos. Você com certeza a conhece. – faço que sim animadamente com a cabeça, me lembrando das revistas de moda que eu vira com ela. – Ela namorava o Hugh Grant e em uma de suas viagens para Inglaterra quando tinha dezoito anos, conheceu o Edward Jones, pai do seu deus grego, e somente dois meses depois se casaram. O Edward é um dos CEOs da Microsoft e tem três filhos do seu primeiro casamento com uma brasileira, mas a Júlia não casou com ele por causa de dinheiro. Na verdade, ela veio de uma família milionária de fazendeiros. A mãe dela é a fundadora daquela linha de biscoitos de maçã Juliette e se casou com um outro milionário fazendeiro, ou seja, ele é o herdeiro dessa fortuna toda! – ela para e beberica um pouco do seu suco de laranja. Eu acabo por deixar meu suco de lado, pois aquele sobrenome não me é estranho e eu sinto algo ruim na boca do estômago. – Agora vamos partir para o seu novo pretendente. Ele já fez algumas sessões de foto para marcas famosas no exterior quando era criança e aos quinze foi o rosto da Calvin Klein, aos dezoito foi capa para a Tommy Hilfiger junto com a Cara Delevigne e desfilou em Milão para a Tom Ford com vinte, mas o negócio dele mesmo é tecnologia. Aos dezessete, ele criou um anti-vírus que é usado pelo Google e por isso conseguiu um estágio lá, mas aí quando se formou como um dos alunos mais brilhantes da Harvard em engenharia aeroespacial, a Apple cobiçou sua genialidade e ele trabalha até hoje desenvolvendo funções e configurações, mas segundo uma das minhas fontes, ele tá trabalhando no ramo de satélites também. Não possui nenhum histórico de drogas e nem exagera no álcóol, diz que não gosta de sair do controle, e também não se envolveu em nenhum escândalo, e olha que os paparazzi ficam na cola dele, já que herdeiros costumam pisar na bola. Um verdadeiro príncipe! Ele toca bateria, piano e violão, joga golfe e tênis, fala quatro línguas, além do português: alemão, inglês, francês e italiano, e estudou em um colégio interno na Inglaterra durante a adolescência. Ah, isso eu tenho que te contar! O Pedro coincidentemente estudou na mesma escola que a nossa e na mesma época que a gente também estudava lá, achei isso bem interessante porque acabo de desvendar que vocês já se conheciam bem antes. – termina seu discurso com um sorriso todo animado e pulando da cadeira e é aí que tudo vem à tona na minha mente: as covinhas encantadoras, o cabelo ruivo com nuances douradas, a voz rouca, o sorriso que me tirava o ar e as sardas fofas... Jesus, é o Pedro!
- É, amiga, eu sei quem é o Pedro. O pesquisei a noite toda. – diz Bianca com ironia e eu percebo que falei em voz alta.
- Não, Bi, ele é o meu primeiro karma! O Pedro da minha infância! É ele! – respondo em um tom elevado de desespero e os olhares de algumas pessoas se viram na nossa direção. Posso sentir minhas entranhas se contorcerem dentro do meu corpo e agora eu tinha mais uma evidência do universo de que tudo ia dar errado e de que eu estava me metendo na maior cilada. Talvez isso seja alguma coisa boa do destino...
- Calma, Ali, talvez o destino esteja te dando uma nova chance. – diz Bianca com um tom carinhoso, me acalmando e repetindo a mesma coisa do meu inconsciente. – E além do mais, vocês cresceram juntos! Isso é bom, né?
- É, talvez. – tento me convencer e já me sinto mais relaxada, até bebo o meu suco, que agora não estava tão gelado e refrescante. Se acalme, Alicia.
- Você quer que eu conte mais sobre seu destino e passado? Guardei o melhor para o final. – diz Bianca com um tom divertido e fazendo uma dançinha com os ombros. Dou risada e já estou me sentindo bem melhor e realmente queria ouvir o que ela tinha pra dizer. Eu sabia muita coisa do Pedro (ainda mais agora), inclusive umas informações que ela dissera antes (apesar de não saber do fator herdeiro dessa grana toda), mas ela pesquisara e eu sabia que queria se gabar por isso. Era sua maior diversão quando uma de nós namorávamos alguém.
- Pode falar! – respondo animada.
- Eu sei que você quer saber sobre as ex dele, não é novidade, então eu pesquisei também. – ela se conserta na cadeira e eu não tenho certeza se o que eu sinto é ansiedade ou medo. Acho que um pouco dos dois. – Ele tem um histórico de namoradas invejável, embora seus relacionamentos sejam considerados longos, ou seja, ele não é galinha, mas também não é santo... Eu sei praticamente o que sai nas revistas, só as famosas ex-namoradas como Barbara Palvin, Katherine McNamara, Suki Waterhouse, Nicola Peltz e um possível caso de uma noite com a Selena Gomez, alguns cliques com a Taylor Swift, e com certeza um caso muito longo e selvagem com a Cara Delevigne, apesar deles dizerem que são melhores amigos desde adolescência e... – interrompe-se e olha para mim. Tento manter meu rosto sereno para que ela diga o que quero tanto escutar. – e também foi noivo de uma modelo brasileira chamada Clara Queiroz. Mas eu sei que você já sabia dessa. – diz por fim com uma expressão de “ops, não queria tocar no assunto, mas era ncessário para saber seus sentimentos sobre isso” enquanto mexe o canudo dentro do suco de laranja.
- Ela se parece muito comigo? – pergunto curiosa sem esconder minha expressão de temor. Bianca hesita por um segundo e dá um gole no suco.
- Vocês não são iguais, mas também não são tão diferentes assim. Uma semelhança ali e aqui... – responde de uma forma a amenizar a situação.
- Eu preciso ver uma foto. – digo e ela rapidamente pega o celular e passa-o pra mim.
A tal Clara era definitivamente muito mais bonita que eu. Alta, bronzeada, corpo sarado e seios fartos, essas eram a diferença. Já as semelhanças me assustaram um pouco: seus cabelos dourados com as pontas mais claras em um degradê; o mesmo corte da franja a là Anne Hathaway em “O Diabo Veste Prada”, embora o comprimento do cabelo seja bem mais comprido do que o meu; os olhos amendoados e levemente puxados, e lábios bem desenhados. Realmente nós não éramos iguais, mas discretamente parecidas.
Sinto meu coração apertar já que uma parte de mim acreditava que ela fosse completamente diferente. Olho para a Bianca e sei que minha expressão não é nada boa.
- Amiga,vocês podem ser até fisicamente parecidas, mas com certeza são completamente diferentes uma da outra. Ela é chata, mimada e sem nenhum senso de humor, tudo o que você não é. – diz como forma de me consolar. – Acredite, eu já a fotografei durante dois dias. Foi horrível e eu tive que tomar muito chá de camomila pra não dar na cara dela. – acrescenta pelo meu olhar desconfiado.
- Exatamente, Bi. Eu não sou a Clara! – digo com um tom alterado de raiva, revoltada por isso ter mexido tanto comigo. – Além do mais, ela é dez vezes mais bonita do que eu e peituda... e ela tem o coração dele. – acrescento, murchando na cadeira.
- Nem vem com essa, Alicia! Uma coisa que você tem de semelhança com todas as ex, até com a Clara, é que vocês são extremamente bonitas. – retruca com um tom de bronca. – E você realmente não é a Clara... Amiga, se o Pedro te conhece do jeito que eu te conheço, ele com certeza sabe o quanto você é especial. – continua com um tom carinhoso. Sorrio meio embaraçada. – E outra coisa: quem é que vai sair com ele essa noite, hein? – acrescenta, cutucando minhas costelas com seus dedos magros, me fazendo rir. Tinha um corpo extremamente sensível para cócegas. – E você é muito mais bonita nua do que ela. Ela é muito magra, apesar dos peitos. – franze o nariz em desdém.
- Meu Deus! Eu não tenho uma roupa! – exclamo, me lembrando desse fator. Eu só havia trazido uma mala de Nova York, já que eu iria voltar em breve, e tinha poucas roupas aqui no Brasil, a maioria ficava lá onde eu passava o meu maior tempo.
- Querida, pra quê roupa? – diz. Olho atravessado para ela. – Vamos comprar uma roupa então. – acrescenta com uma expressão meio decepcionada.
++++++++++++++++++
Estou no meu apartamento no Ibirapuera, que eu amava com todo meu coração por ser o meu primeiro apartamento, dando uns últimos retoques na maquiagem. Prendi meus cabelos em uma trança desarrumada, coloquei meus brincos dourados, uma ankle-boot preta de saltos grossos e não muito altos, uma calça skinny também preta e a blusa malva estilo Lolita de tecido grosso e mangas compridas que eu comprara mais cedo com Bianca. Tentei não usar nada exageradamente caro, eu tinha um plano em mente e mesmo eu não querendo mentir para ele, o desejo de ser completamente diferente da Clara era maior do que qualquer coisa no momento.
Menti, dizendo que ia passar a noite no apartamento da minha amiga, pois para ele, eu morava com as minhas mães (eu passava muito tempo lá) e até o carro que eu dirigia era delas. Menti, me passando por uma garota normal da classe média, que na verdade era rica (milionária e crescendo). Por sorte, eu nunca havia mencionado nada que me entregasse.
Na minha história, minha mãe Emília tinha a casa de sopa (essa parte eu não podia mentir, ele fora lá ontem) e minha outra mãe era treinadora vocal para cantores e por isso consegui morar e estudar em Nova York, e lá eu dividia o apartamento com três amigas no Brooklyn (eu morava em East Village). Meu salário como figurinista era bem normal, nada extravagante como o dele. Na realidade, eu não havia desenhado apenas a roupa do Mercúrio, eu era figurinista da Marvel desde o ano passado, ou seja, eu ganhava bastante. O sapato Channel podia muito bem ser emprestado dessa minha “amiga” “dona” do meu apartamento.
Decidi manter algumas verdades, caso ele descubra que já nos conhecíamos, como a minha mãe Helena ter sido professora de música na nossa antiga escola e eu ter bolsa; meu irmão fez sucesso e abriu seu próprio restaurante; eu estudar em NYU com a ajuda das minhas notas (sempre fui inteligente) e sobre eu ser ainda eu. Bem, a verdade era que meus pais biológicos morreram em um acidente ainda quando eu e o meu irmão éramos bebês e no testamento a guarda iria para um casal de amigas da minha mãe biológica que acompanharam toda a gravidez (ah, eu e meu irmão somos gêmeos). Nunca cheguei a conhecer nenhum parente dos meus pais biológicos. Depois que descobriram que a guarda ficaria com um casal gay, nem nos procuraram, mas minhas mães nunca esconderam nada de mim ou do meu irmão. Meu pai era um advogado muito famoso aqui no Brasil e por isso, muito rico também. Minha mãe veio de uma família muito rica e se tornou uma grande chefe de cozinha, então, no final das contas, eu era herdeira de uma grande fortuna assim como Pedro e assim como Clara.
Meu celular apita e eu corro até ele, tropeçando no par de tênis que eu usara mais cedo e encontrando direto o chão. Ai, essa doeu! Ainda no chão, pego meu celular na minha penteadeira.
Era uma mensagem do Pedro, que dizia: Chego aí em cinco minutos.
Perfeito! Agora eu não sei como vou levantar daqui, penso enquanto ainda continuo tonta. Por favor, que não tenha machucado, por favor, que não tenha machucado... Mas assim que levanto e me vejo no espelho da penteadeira, voi a là, um corte na raiz do meu cabelo e um galo se formando perto da minha sobrancelha direita. Universo, eu sei que tô insistindo no erro, mas é só uma saída de amigos, precisava fazer isso?
Coloco um band-aid no corte e cubro com a franja o galo e o band-aid na esperança de que não inche mais que isso e que ele não veja (não me incomodo de parecer sexy igual a Clara). Tento me esquecer da dor e pego minhas coisas, coloco na bolsa incrustada de pérolas (falsas) e visto meu casaco azul escuro com botões cor de ouro velho e saio.
Desço de elevador e chego à recepção:
- Boa noite, Nick. – cumprimento Nicolas, o porteiro do prédio que tinha a mesma idade do que eu e ficava no turno da noite, além de ser um grande amigo desde quando me mudei para cá.
- Boa noite, Ali. Tem um novo rapaz a sua espera? – pergunta mais como uma afirmação, olhando em algum ponto específico atrás de mim. Olho de relance para esse mesmo lugar e vejo a Ferrari preta estacionando na entrada do prédio.
- Esse é o Pedro. Você ainda não o conheceu, mas é uma história muito longa, não dá pra contar agora. – respondo com um sorriso de culpa. Nick sabia de todos os meus encontros e me fazia companhia quando eu chegava completamente chateada por a noite ter acabado mal.
- Então quer dizer que achou um sério... – observa, levantando a sobrancelha direita.
- Não. – não deixo de fazer um leve biquinho. - Ele é só um amigo e eu preciso ir. – respondo dando uma piscadela em sua direção e seguindo para calçada.
Assim que chego à entrada do prédio, abro um sorriso involuntário que fecho rapidamente assim que eu sinto uma pontada na testa. Pedro se apressa, saindo do carro e abrindo a porta para mim.
- Boa noite, Marvel. – diz com aquele sorriso lindo. – Está linda. – acrescenta me olhando de cima abaixo e eu posso sentir minhas bochechas queimarem.
- Boa noite, Garoto da Maça. – respondo e ele ri singelamente do meu apelido. Me lembro da minha primeira decepção amorosa e não posso evitar de sentir uma pontada de raiva. – E você também não está nada mal. – elogio também enquanto entro no carro, não custa nada jogar um charme e não dá pra ficar com raiva dele. Meu Deus, ele tá tão lindo. Quer dizer, ele nem deve ter passado pela fase feia da puberdade, sempre pareceu ter saído de um catálogo de moda.
Pedro estava de tirar o fôlego com uma jaqueta de couro preta (tenho uma queda por jaquetas de couro) por cima de uma blusa azul escura, combinando com o meu casaco despropositalmente. Seu cabelo estava molhado e alguns cachos caiam na testa e sinto o cheiro do seu perfume importado, me fazendo desejar chegar mais perto ao ponto desse perfume ficar em meu corpo também. Ele era realmente um deus do sexo.
Enquanto ele dá partida no carro, observo as sardas que antes costumava juntar os pontinhos no meu pensamento. Elas ainda estavam lá, mais claras que antes, mas mesmo o Pedro estando mais forte, alto, másculo, sexy, eu me lembrei daquele mesmo garoto brilhante que me ensinava o dever de matemática e construía engenhocas. Eu queria que ele me ensinasse outras coisas agora... Alicia!
++++++++++++++++++
Fomos a um bar famoso que tinha um cardápio incrível e a chefe veio nos, quer dizer, o cumprimentar e perguntar se estava tudo em ordem. Reparei que ela me olhou já para dizer alguma coisa, mas assim que deu mais uma olhada, desistiu. Me magoou sim. De novo sendo confundida com a bendita peituda...
- O que foi? Tem chocolate na minha blusa? – pergunto apreensiva embora seu olhar não estivesse no meu busto e sim no meu rosto. Ele havia me olhado em uma mistura de “vi um alien” e admiração.
- Eu só nunca imaginei que veria de novo uma garota comer churros sem se importar com o peso. – responde e eu fico surpresa e levemente mais aliviada por ele perceber as diferenças entre eu e Clara. Ah, isso é uma lembrança ruim, não sorri.
- Bem, eu tenho um lema: já que estamos todos destinados à morte, porque não viver e aproveitar as coisas boas da vida. Comida é uma delas. – respondo com um tom desencanado, escondendo minha leve aflição ao me lembrar dos outros rapazes que conheci. – Tomara que isso seja algo bom... Quer dizer, eu gosto de comer e como mais que meu irmão...
- Você é a garota mais legal que eu já conheci, ou seja, é algo bom. – interrompe- -me e eu não consigo falar mais nada. A maioria dos caras só me achava uma comilona esquisita e tagarela, e convenhamos, era um elogio vindo dele.
- O-obrigada. – tento agradecer e aperto o churros sem querer, espirrando chocolate na minha blusa. Droga, dá pra ser mais charmosa e não patética.
- Definitivamente a garota mais legal que eu conheci. – diz como para si mesmo e eu posso sentir minhas bochechas ruborizarem.
+++++++++++++++
Depois fomos para uma boate nos Jardins, já que nosso plano para essa noite era seguir em frente e abrir nosso mundinho para conhecer novas pessoas e se divertir, sem nenhum compromisso ou obrigação. O Pedro me contara que a Clara havia o traído uma vez com o melhor (ex) amigo e ele não era o único que havia terminado com alguém recentemente que tinha feito a mesma coisa (sim, fui traída pelo Thomas com uma amiga da faculdade). É claro que eu aproveitei que o tema da noite seria amor para fazer minha própria pesquisa com o botão “estou com sorte”. Esse tópico de relacionamentos era a única coisa que eu não sabia sobre o Pedro e uma vozinha dentro de mim queria que ele se lembrasse, embora outra vozinha dizia “você vai se dar mal”, mas eu era teimosa demais para ouvir essa voz.
Estávamos jogando ping-pong em um espaço para happy-hour da boate que ficava no segundo andar, onde algumas pessoas se juntavam para beber casualmente.
- Tenho uma ideia! O jogo se chama quiz do ping-pong sobre relacionamentos. Eu faço as perguntas e você responde. – digo de uma vez antes que eu fique nervosa e volte para casa sem saber nada.
- Título muito grande para um jogo, não? – observa meio relutante. – Se é um ping-pong, eu também tenho o direito de fazer perguntas e você responder. – continua com as observações e eu havia esquecido por um segundo que ele era inteligente.
- Pode... Mas como é um quiz ping-pong criado por mim, é um pouco diferente e anormal dos outros quiz ping-pongs por aí, ou seja, a primeira rodada eu pergunto e você responde, e a segunda rodada você pergunta e eu respondo. – digo e quase perco a bola. Minhas mãos estavam tremendo.
- O que você quer tanto saber, Marvel? – pergunta curioso com um tom levemente provocativo.
- Você com certeza deve ter namorado um monte de modelo famosa, eu estou curiosa pra saber quem são. – digo sendo sincera, apesar de saber quem foram.
- N-não foram só modelos. – responde na tentativa de se defender e suas bochechas estão vermelhas. Eu tinha certeza que o motivo era algo haver a ele não ser uma pessoa comum que namora pessoas comuns e percebo que eu ainda conseguia lê-lo tão facilmente quanto antes.
- Ganhei! – exclamo assim que ele perde a bola.
- Não vale, você me desconcentrou. – defende-se com um tom um pouco irritado. Nem eu e nem ele gostávamos de perder.
- Então vamos começar o quiz ping-pong e jogar mais uma partida para você perder de novo. – sugiro com um tom desafiador.
- Não vou perder. – diz com o mesmo tom desafiador, me fazendo esquecer como respirar. – Ah, e não vale fugir das perguntas quando for a minha vez. – eu não era a única que sabia o que se passava na cabeça um do outro.
- Vai por mim, minha vida amorosa não é tão glamorosa assim. – respondo e em parte eu estava com vergonha por não ter experiência nenhuma e ser um completo fiasco com os homens em geral.
- Tenho certeza que você tem histórias muito engraçadas pra contar. – insiste e eu deixo escapar um sorriso. Eu adorava o modo como ele sempre queria saber algo sobre mim, mesmo não sendo nada de mais.
- Primeira paixão. – digo, começando o jogo do quiz e o ping-pong.
- Eu tinha onze anos quando eu descobri que gostava dela. Ela era da minha escola e... – Yasmin, penso comigo mesma com voz enojada, me preparando para ouvir a resposta. – Espera... Ali? – pergunta surpreso, pegando a bola e parando de jogar. Droga, pensei em voz alta de novo!
- Culpada. – respondo encarando minhas botas. – Em minha defesa, eu só fui juntar os pontos hoje de manhã. Coincidência, não? – acrescento e eu não sei por que estou me defendo.
- Isso é... estranho. – diz ainda pasmo. – Você tá diferente. – acrescenta e volto meu olhar para ele. Seus olhos brilhavam de uma maneira que eu já vira antes. Tínhamos onze anos e estávamos matando aula em uma das salas do maternal no primeiro andar. Eu estava ensinando-o a tocar violão. Nossos dedos se tocavam entre uma nota e outra até ficarmos perto demais e eu pude ver aqueles olhos brilhando, me fazendo sentir borboletas no estômago... eu me sentia assim agora. Na verdade, me sinto assim desde que o conheci, quer dizer, quando o reencontrei. Me lembro de quando tudo nele era extramente familiar e eu me pergunto se vou pensar isso novamente.
- Qual é a próxima pergunta? – pergunta, jogando a bola de volta para mim. Sua expressão era indecifrável.
- Como e quando foi sua primeira decepção amorosa? – respondo e nossos olhos ainda continuavam estáticos um no outro. Sinto minha mão suar segurando a raquete.
- Eu me apaixonei pela minha melhor amiga e um ano depois, na festa junina, ela mandou uma carta para outro garoto. Felipe. – responde e eu fico boquiaberta.
- Eu não mandei nenhum coração para o Felipe! Eu mandei pra você e depois eu vi no lixo e você e a Yasmin de mãos dadas! – me defendo, sentindo tudo aquilo que eu sentira na época.
- Eu vi você primeiro conversando com o Felipe e eu nunca recebi nenhuma carta! – retruca.
Percebo que estávamos gritando um com outro e não estávamos mais jogando ping-pong:
- Desculpa. – dizemos em uníssono. Eu mirava as minhas botas novamente e eu sabia que ele também não estava olhando para mim. De repente, aquela situação toda parecia muito engraçada e eu não consigo conter o riso, bem, eu não estava sozinha.
++++++++++++++
Voltamos a jogar ping-pong e dessa vez era tudo ou nada e apostamos um rodízio de sushi. Meu casaco já estava jogado no sofá e a jaqueta dele fazia companhia. A manga da sua blusa estava dobrada até os cotovelos e eu tento não olhar para seus braços definidos.
- Primeiro beijo. – digo, voltando ao jogo quiz ping-pong sobre relacionamentos.
- Você quer mesmo que eu responda? – pergunta com uma expressão de “ops, fiz algo errado”.
- Não. – respondo com um biquinho decepcionado. – Primeira namorada: nome, quando, duração.
- Lilly Collins. Eu tinha acabado de me mudar para Inglaterra e a casa de veraneio da família dela ficava ao lado da minha. Ela estava usando uma blusa do Gun’s in Roses e tinha uma flor vermelha no cabelo. Namoramos durante o verão inteiro até ela descobrir que eu tinha quatorze anos e não dezenove. Ela jogou um exemplar de “Os Miseráveis” em mim. Levei três pontos. – responde sorrindo no final.
- Eu não acredito que você namorou a Lilly Collins! – exclamo rindo abobada e muito surpresa. – Eu adoro ela!
- Eu também, mesmo depois dos pontos. – brinca.
Dessa vez estamos focados na partida e posso sentir meu pulso doer, mas assim que o Pedro deixa escapar a bola, eu não me contenho:
- Ganhei de novo! – exclamo, fazendo uma dançinha, que eu sei que era esquisita, mas eu não me importava nenhum um pouco. Eu não era uma boa vencedora (imagina se eu tivesse perdido).
- Isso é pra jogar na minha cara? – ironiza com uma expressão levemente irritada. Ele também não era um bom perdedor.
- Você vai chorar, Garoto da Maçã? – provoco, chegando mais perto. – Ainda não consegue me bater no ping-pong, Einstein.
(coloque a música para tocar https://www.youtube.com/watch?v=FSnAllHtG70)
- Tudo bem. Pode se gabar. – cede e eu ouço o DJ tocar “The Sound” do The 1975. Eu amava essa música e sem pensar duas vezes, puxo o Pedro para a pista de dança. Sorte minha ele não reclama e parece saber a letra também.
- Quantas namoradas já teve? Nome, quando, duração e não vale mentir. – pergunto em um tom mais elevado devido ao volume da música, dando seguimento as minhas perguntas.
- Eu nunca minto, Marvel. – responde e eu sabia que ele nunca mentia. Ficamos encrencados uma vez por ele ter dito à diretora que estávamos matando aula e não que estava me ajudando depois de eu ter caído e torcido o pé. Tudo isso aconteceu quando ele mentiu para avó dizendo que nunca mais iria montar em um cavalo de novo, até que ele montou e caiu. Eu me lembro de ter passado dois dias seguidos no hospital esperando ele acordar. – Quando eu tinha quinze anos, namorei a Suki Waterhouse por dois anos. Com dezessete me mudei para Los Angeles e namorei a Nicola Peltz por seis meses. Ainda com dezessete namorei a Barbara Palvin por dois anos e meio e com dezenove namorei a Katherine McNamara por um ano... E a Clara por um ano e meio. Então foram seis namoradas sérias no total.
- Uau, você não parou nem pra respirar. – observo.
- Talvez, - dá de ombros. - mas já vou responder a pergunta que com certeza você vai fazer. Não, eu nunca traí ninguém e eu gostava muito de todas as minhas namoradas. – responde, lendo meus pensamentos.
- Eu sei. – digo, algo dentro de mim sabia que ele não era esse tipo de cara. Ele sorri singelamente. É hora das perguntas mais indelicadas, mas que a Bianca me fez prometer que eu faria. Inspiro e expiro antes de perguntar:
- Primeira vez. – digo e meu coração bate mais rápido, mas está tão escuro que eu mal consigo ver sua expressão. Me sinto mais aliviada, por que assim é muito melhor de perguntar.
- Cara Delevigne. Nós éramos grandes amigos e foi quando eu tinha quatorze anos. Fomos ao parque com alguns amigos nossos e depois para uma festa. Ela tropeçou e caiu. Eu a carreguei, sem segundas intenções, até um dos quartos do segundo andar e estava tocando Radiohead. Ficamos conversando durante horas e tomando a champagne que ela havia pegado dos pais escondido... Eu não me lembro de muita coisa. – responde e eu tenho uma leve impressão de que suas bochechas estão vermelhas.
- Quantas você já beijou? – pergunto e acho que vou ter um chilique se ele falar Taylor Diva do Country Pop Swift.
- Todas as minhas namoradas, claro. A pessoa que não pode ser dita – dou risada dessa parte, mas por dentro estou chorando. – Selena Gomez, Taylor Swift, a Cara, Gigi Hadid, Bella Hadid, Hailee Steinfeld, Sarah Hayland... e só. Espera, a Halston Sage. Acabou.
- Uau... – expresso minha reação em voz alta e lembro da minha lista ser bem menor e menos interessante. – Primeiro: EU NÃO ACREDITO QUE VOCÊ JÁ BEIJOU A TAYLOR SWIFT! – digo e ele começa a rir. - Segundo: CARAMBA, VOCÊ JÁ BEIJOU METADE DO SQUAD DA TAYLOR...
- Tirando a Taylor, a Selena, a Cara e a Halston as outras foram em um jogo da garrafa depois de uma festa no apartamento da Taylor com muito vinho... Você ia ficar surpresa com as combinações da garrafa.
- Uau... – repito pela terceira vez. – Eu tô com inveja de você. – acrescento com um tom brincalhão e ele ri em resposta. – Mas as perguntas não acabaram e eu definitivamente quero saber sobre seu caso com a Taylor e a Selena, pelo visto. – acrescento.
- Quando eu vou saber de você? Eu tô curioso. Tenho certeza que você já beijou um super-herói. – lembra e eu estava ficando nervosa por ter que contar minhas histórias trágicas. Eu não queria mentir sobre esse aspecto da minha vida.
O DJ começa a tocar “Toothbrush” do DNCE e eu podia perceber algumas mulheres da nossa idade, mais novas ou mais velhas olhando para o Pedro com interesse, mas o olhar dele estava focado apenas em mim. Eu não sou de fazer isso, mas me aproximo mais dele com a desculpa do som está muito alto apenas para mostrar as outras que ele era meu, apesar de não ser nem um pouco. Imagino se um dia ele for meu de verdade e essa sensação é mais que boa. Lembro quando éramos crianças e de uma forma diferente ele já fora meu, eu já ocupei aquele coração durante uns doze anos e agora ele está de volta, eu posso ocupar de novo. Nossa eu sou uma pessoa horrível, penso lembrando-me da minha conversa com Bianca esta manhã e que eu estava agindo exatamente como a Clara agiria.
Me afasto alguns centímetros e decido só aumentar o volume da minha voz:
- Faltam apenas duas perguntas e você vai finalmente saber os caras da minha vida super glamorosa. – respondo sendo irônica na minha última frase. Tiveram apenas três famosos.
- Pode perguntar, Marvel. – responde e ao contrário de mim, ele não estava desconfortável como antes.
- Com quantas você já dormiu? De novo, nomes. Ah, quero saber se foi só por uma noite ou não. Não vou te julgar... Na verdade, não tem nem como, sua lista é impecável. – digo, tropeçando nas palavras, por que odiava tocar nesse assunto, mas como a Bianca mesmo disse “Vá que ele seja um galinha de sexo casual e você não saiba. Quer ficar na amizade colorida, puritana?”. Se eu estava nervosa com a resposta? Sim. Muito. Eu queria ser importante na vida dele de verdade. Eu queria marcar, apesar de ter percebido durante nosso quiz ping-pong sobre relacionamentos que ele não é esse tipo de cara, mas aí me lembro novamente de que eu já marquei a vida dele. Fui a primeira paixão. Nunca vou me esquecer disso. Vou repetir quantas vezes quiser.
- Okay. A Suki, a Nicola, a Barbara, a Clara, a Katherine. Tive uma amizade meio estranha com a Cara durante três anos quando ficávamos solteiros, mas hoje ela gosta de garotas e há pouco tempo eu não estava solteiro. A Selena, mas eu já a conhecia há dois anos e ficamos juntos durante um mês, então eu não considero algo banal, ou seja, nunca dormi com alguém por uma noite. Pra mim tem que significar alguma coisa. – responde e ele não podia se sair melhor.
Não consigo me decidir se isso é algo bom ou ruim. A resposta mexeu comigo (ruim), mas isso significava que ele ainda era o mesmo Pedro que eu conhecia e não se tornara um cachorro galinha para minha surpresa (bom), já que ele podia ter literalmente qualquer uma que quisesse. Chego à conclusão de que ambos os lados se encaixam e que é algo bom.
- Acho que é a minha vez. – respondo e eu sinto que vou vomitar.
(se a música não acabou até aqui, pode dar pause ou continuar escutando, se quiser)
+++++++++++++++++++++
Saímos do clube e agora estamos andando a pé por uma praça perto daqui. Estávamos conversando sobre nenhum assunto relevante, mas que mesmo assim era bom de se falar. O vento não estava gelado ao ponto de sentir que eu estava congelando, apenas ao ponto de me manter acordada e sentir aquele frescor do inverno no meu rosto. O céu estava limpo, sem nuvens, só com estrelas brilhantes e prateadas, que combinavam com a gola da minha blusa. Havia quatro balanços no playground e nós sentamos ali, era minha vez de responder.
- Você não é o único que teve o primeiro beijo com alguém da nossa turma. – digo assim que ele pergunta e eu já previa sua reação. – Foi com o Pedro Leonardo. – respondo, fechando os olhos para não ter que ver a cara que ele iria fazer.
- Eu não acredito que você beijou o garoto que te fez chorar durante a segunda série inteira e foi o responsável pela minha única suspensão. – diz e eu abro os olhos novamente. Ele parecia ofendido.
- Eu tinha quinze anos. Tinha tirado o aparelho, engordado uns quatro quilos e comecei a fazer hidratação no cabelo. Ele não me fazia chorar e havia cantado comigo no show de calouros. Eu me senti igual Troy e Gabriella. – defendo-me e ele ri da minha comparação. – Você não pode me julgar. Beijou a minha arquirrival. – acrescento na defensiva.
- Tem razão. – concorda ficando vermelho. – Primeiro namorado. Com a mesma condição que você estabeleceu. – continua.
- O Pedro. – respondo com uma expressão de “ops” e ele faz uma cara de “tá brincando?”. – Mas ele me traiu com praticamente todas as meninas da nossa classe... Não foi nada Troy e Gabriella. Na verdade, um verdadeiro pesadelo para meu primeiro namoro. Eu só não posso reclamar de uma coisa: graças a ele eu descobri minha paixão por roupas. A mãe dele tinha uma loja para vestidos de noivas e eu lembro de ter passado a tarde inteira lá e quando cheguei em casa, comecei a desenhar vários vestidos, então não foi lá uma experiência tão ruim. – continuo dando de ombros.
- Eu nunca imaginei que você gostasse de moda. Para mim você seria cantora. Você cantava muito bem... Ainda canta? – pergunta e eu fico comovida por ele ter lembrado.
- Digamos que é minha segunda coisa favorita. E sim, eu ainda canto. Na escola de música da minha m... – me interrompo ao me lembrar da mentira. – mentora de canto quando eu era adolescente. Dou aula para a turma de cinco a oito anos quando estou aqui no Brasil. – respondo e sinto meu peito doer, estava prendendo a respiração devido a adrenalina. Inspira e expira...
- Eu ainda lembro da primeira música que você me ensinou. – diz olhando para baixo com um sorriso no canto dos lábios. Eu acabo sorrindo também.
- “Big Yellow Taxi” da Joni Mitchell. – recordo-me.
- Eu pensava que nunca mais ia te ver de novo. – diz com um certo pesar olhando para mim com aquela imensidão de verde brilhando como as estrelas acima de nós (sou uma péssima poeta também).
- Eu também. – me lembro da tristeza que senti quando cheguei à sala de aula e não o vi. A gente não se falava, mas nossos olhares sempre se batiam e eu sabia que ele estava lá, pensava que era apenas uma questão de tempo até a gente se resolver e voltar a nossa amizade... Os dias que se seguiram foram ainda piores, porque era certeza de que ele não voltaria. – Eu não quero dizer adeus de novo. – deixo escapar e quando percebo era tarde de mais, ele escutara. Ai, droga, tenho que ficar quieta.
- Eu senti sua falta, Ali. – diz e eu fico feliz por ter falado. Viu? Nem sempre é ruim você não me controlar, consciência.
Me balanço feliz e me dou conta que não tem nenhum apoio quando caio na areia. É, talvez eu precise de você, consciência.
+++++++++++++++
Resolvemos continuar andando até o lago artificial e eu sinto a areia me pinicar em lugares que não deveria estar pinicando. O vento agora está mais frio, minhas mãos estão no bolso da minha jaqueta e eu continuo respondendo as perguntas. O Pedro não parece estar com frio igual a mim e percebo que o vento continua o mesmo de antes, apenas refrescante, e que eu estou nervosa. As perguntas que eu não tenho a resposta não irão demorar muito.
- Eu tive três namorados: o Pedro, que você já sabe, o garoto que eu conheci na viagem para Porto Seguro com a escola quando eu tinha dezessete anos. O nome dele era Pedro Henrique e ele era do Rio, tinha cabelos pretos e olhos bem azuis. Ele era lindo e surfava. Ah, e era fã do Coldplay. Nos conhecemos no luau e ficamos vendo o dia nascer sentados na areia até dar o horário de voltarmos para o hotel. O procurei por todos os cantos no outro dia para saber onde ele estava hospedado. Era bem no hotel da frente e marcávamos de nos ver sempre no mesmo horário perto do ponto de ônibus. Namoramos durante toda a viagem, nossos passeios sempre se batiam... No último dia, nós saímos escondidos e fomos até o ponto de ônibus. Eu perguntei se ainda manteríamos contato, mas ele disse “eu gostei muito de você, Alicia. Você é muito bonita e muito legal, mas eu tenho uma namorada no Rio e blá, blá, blá”. Eu dei um murro nele e saí correndo e chorando. Foi bem trágico. – digo rindo no final. Hoje é engraçado, na época foi horrível.
- Dois Pedros? – indaga com uma expressão confusa. Ai, preciso me lembrar de que os neurônios dele não funcionam como de uma pessoa normal. Ah, e de que ele é extremamente observador igual a mim.
- Coincidência, não? – tento disfarçar, mexendo nos cabelos com um tom descontraído.
- O último também se chamava Pedro? Quando a gente se reencontrou você disse...
- Não,onomedeleéThomaseeumenti. – o interrompo tropeçando nas palavras e sentindo meu diafragma doer novamente. Estava falando como se tivesse cometido um crime. – Eu tenho um karma com Pedros, tá? Um karma muito ruim, que por acaso você começou!
- Eu?
- Você foi o primeiro karma. Depois tudo desandou e todos os Pedros que eu conheci terminaram em tragédia. – respondo por fim, soltando todo o ar e sentando na calçada com uma expressão de criança quando deixa cair o sorvete.
- Então eu sou um karma que gerou má sorte com todos os outros Pedros? – pergunta retoricamente sentando ao meu lado e eu faço que sim com a cabeça com um leve beicinho. Minhas mãos estavam abraçando minhas pernas e meu rosto afundado nos meus joelhos. Ele simplesmente ri. – Tá brincando, né?
- Não zoa de mim! – retruco, empurrando-o com as mãos e levantando a cabeça. Ele ri ainda mais e eu acabo rindo também. Me sentia bem patética.
- Me desculpa... E me desculpa por te trazer má sorte. – diz com uma voz mais séria e uma certa tristeza.
- Sei lá, talvez tenha sido só o universo conspirando contra mim... – por que raios eu falei que ele era azar? Você tá maluca, Alicia? - Você não é má sorte... – continuo falando no automático, encarando o asfalto. - Você é o Pedro que me carregou até em casa quando eu caí de skate e que eu dividia Passatempo, que agora tá crescido e bem ao meu lado. Ah, e tem zilhões na conta bancária, uma lista invejável de namoradas e um sotaque fofo. – digo e eu acabo de sentir como é ele estar de volta, ele estar aqui. Ele ter feito parte da minha vida e voltar a fazer de novo. – Acho que minha ficha caiu... Isso é tão estranho. Nós dois crescidos e independentes. – observo em voz alta. Olho para ele e ele está me observando.
Seus dedos da mão direita vão em direção a minha franja e a tira do caminho.
- Mas você ainda continua se batendo por aí. – diz com um sorriso de lado, me mirando com aqueles olhos que eram tão familiares para mim.
- E você continua com as mãos geladas iguais à de um zumbi. – digo também com uma risada e ele me acompanha. Tudo mudou e ao mesmo tempo tudo continuava igual.
+++++++++++++++
Agora estamos no carro e digamos que o aquecedor e os bancos confortáveis de couro estão me deixando com sono. Minha cabeça está apoiada na porta e estou olhando os postes das ruas ficarem mais brilhantes conforme a noite fica mais noite e menos dia. O relógio do carro marcava onze e meia. A rádio estava desligada enquanto ele me fazia perguntas. Na verdade, nem precisavam ser perguntas, era mais uma conversa, e ele ia contando sobre ele também.
- Ainda é obcecado pelo James Taylor? – pergunto retoricamente, abrindo o porta-luvas e vendo todos aqueles CD’s que eu sabia que ele tinha mais.
- É um dos meus bens mais valiosos. – responde com um tom brincalhão, mas que eu sabia que era verdade.
- Como foi seu primeiro encontro com a Taylor? – pergunto, eu queria ter certeza antes de falar besteira.
- Foi em um café. Eu me lembro de vê-la vindo em minha direção e pensar “nossa, é a garota mais bonita que eu conheci”. Eu tinha só dezoito anos e ela era uma mulher. Ela usava saltos e um vestido azul. Era muito mais alta do que eu imaginei... Ela era engraçada e tinha mais CD’s do James Taylor do que eu... Eu nunca me apaixonei tão rápido por uma pessoa. Quando eu cheguei em casa, eu só conseguia pensar nela. Só parei de pensar quando eu conheci a Barbara.
Fico vidrada enquanto ele me conta. Aqueles olhos mirando a estrada e de relance me mirando, seus pensamentos em um lugar distante, o sorriso discreto no canto dos lábios ao relembrar. Nunca havia conhecido nenhum rapaz que falasse assim das ex-namoradas, com tanta verdade e sem esconder a sensibilidade. Era impossível não sorrir também conforme ele contava.
- James Taylor, encontros com Taylor Swift, você é quatro anos mais novo que ela, abre a porta do carro... – penso em voz alta. – Meu Deus, você foi Swifitado!
- O quê? – pergunta confuso.
- A Taylor escreveu uma música para você. – respondo com um sorriso de ponta a ponta e virando no banco para fitá-lo, apesar dele estar focado na estrada.
- Em minha defesa, eu não me lembro de ter feito nada idiota... Na verdade, somos amigos até hoje. – responde, ficando apreensivo.
- É uma música boa. – digo, voltando a sentar direito. – Minha música favorita. Quer ouvir?
- Você já sabe a resposta.
(assistir https://www.youtube.com/watch?v=a5MIB4kazQA)
++++++++++++++++
Como tudo em São Paulo sempre é longe e com trânsito, ficamos conversando o caminho inteiro. Calculo mentalmente quanto tempo ainda falta para chegar em casa, aproximadamente meia hora e embora eu pudesse sentir meus olhos pesarem, não queria que essa noite acabasse.
O som do carro estava ligado e tocava o CD do The Lumineers que eu achara no porta-luvas e dissera “eu não acredito que você escuta The Lumineers”. Meus antigos namorados nunca deixavam eu escolher a música, eles diziam que eram muito calmas e que os deixavam com sono.
- Eu não acredito que você beijou o Tom Holland... Quantos anos ele tem? Quinze? – diz com um tom irônico.
- Olha só quem fala, você beijou a Hailee Stenfield... E ele tem vinte, tá. – defendo-me.
- Ela também. – retruca. – Quem mais?
- O Taylor Lautner, sem piadas, - acrescento antes que ele diga alguma coisa. – O Logan Lerman. Ele foi o cara mais gentil e doce com quem eu me envolvi, mas assim que comecei a ficar apaixonada por ele, me apavorei e terminei tudo... Que arrependimento, se eu não tivesse sido tão medrosa, nunca teria conhecido o Thomas. – penso em voz alta, sentindo ódio de mim mesma.
- Qual foi a justificativa? – pergunta. - A minha foi “a gente tinha brigado e eu estava com tanta raiva de você. Fiquei bêbada e ele estava bem ali. Não significou nada”. – diz com um tom amargo e os olhos escuros. Se ele não estivesse com as duas mãos ao volante, eu seguraria uma delas.
- Ele nunca foi um bom namorado. Era sempre frio e cínico... mas ele era tão bonito. Beijava super bem e era envolvente, irresponsável... me levara para lugares que eu nunca tinha ido antes em Nova York. A maioria dos restaurantes que eu conheço, ele que me levara. Gostava de viajar, já tinha ido para tantos lugares, conhecido tantas pessoas... Foram poucos os momentos que ele era romântico, mas esses momentos significavam tanto e assim arrastei por oito meses. É mais fácil acreditar nas coisas bonitas, já percebeu? Nem parei para pensar quando não usava minhas roupas porque ele dizia que eu parecia uma boneca dos anos 60 e que eu devia usar algo mais ousado, escutava outros tipos de música, comecei a beber whisky todos os dias sem motivo nenhum e eu odeio álcool... Fiz até uma tatuagem... Talvez ela não tenha sido a única... Ele dizia que ia esperar o meu tempo, mas sempre ficava bravo quando eu dizia que eu não estava pronta e sumia durante dois dias... Eu me culpei durante muito tempo, mas se ele gostasse de mim de verdade, iria esperar o tempo que fosse e não ligaria, porque ele me amaria mais que isso... Eu só quero que seja com alguém que me faça sentir o que eu nunca senti por ninguém. Alguém que só de segurar minha mão já é o bastante. Alguém que goste das minhas roupas, das minhas músicas, ria das minhas piadas, que não se incomode com o meu jeito desastrado... Alguém de goste de mim por completo, com todos os defeitos... É tolice. – respondo mais do que devia, mas havia guardado isso tempo demais. Uma lágrima solitária desce pela minha bochecha e a enxugo rapidamente.
- Você sabe que não é tolice, Alicia. Ele é só um idiota. – diz, me acordando dos meus devaneios. – Se ele te conhecesse pelo menos um pouco do que eu te conheço, ele esperaria o tempo que for. – continua e eu me lembro de quando sempre tentava me fazer sentir bem quando eu era criança.
Apoio minha cabeça em seu ombro e fecho os olhos. Parecia que ele sempre estivera aqui.

Capítulo 4


“Do ya, do you think about me? (você, você pensa sobre mim?) Do ya, do you feel the same way, babe?” (você, você se sente do mesmo, querido?)
Ruin – Shawn Mendes

- Patrícia, você sabe que consegue alcançar notas maiores. – chamo atenção da garotinha de cabelos cacheados e castanhos. – Tenta comigo. Segure bem aqui com as mãos – abaixo-me para ficar do seu tamanho e guio sua mãozinha até o diafragma. – Vai te ajudar – mentira, era só algo psicológico, mas que acabava ajudando. – e tente continuar em si até três segundos, dando tudo o que você tem... Isso, muito bem. – elogio quando ela consegue.
Já faz dois anos que eu dava aulas de música para eles e eu realmente havia me apegado a cada um. Eles eram tão fofos, dóceis, elétricos e criativos, que inspiravam e animavam todas as minhas quartas-feiras.
Sinto meu celular vibrar no meu bolso e lembro-me de que está quase na hora do almoço. Como todos os dias, eu iria almoçar com o Pedro.
Faz três semanas que eu o reencontrara. Minha mãe Helena o reconheceu assim que o viu e se apaixonou por ele novamente, Bianca não parava de dizer o quanto ele era perfeito e que devia ter jogado charme quando tinha tempo, Marcelo também conhecia o Pedro durante todos esses anos e agora, toda sexta eles jogam tênis pelos velhos tempos. Tudo estava indo a mil maravilhas e eu morrendo de medo que isso acabasse, já que eu ainda não havia contado a verdade sobre minha conta bancária. Minha família e minhas amigas enlouqueceram quando eu contei, disseram que eu ia machucá-lo e estragar tudo, e eu sabia que isso era verdade, mas eu não conseguia contar. A Clara havia o machucado e eu faria exatamente a mesma coisa. Eu ia perder todas as coisas que nós reconstruímos nessas últimas semanas. Você é burra, Alicia. Muito burra.
Pego meu celular no bolso e abro minhas mensagens, era Karen, minha outra melhor amiga e minha cunhada. Isso mesmo que vocês estão pensando, meu irmão é casado com a minha melhor amiga.
Karen: Tenho um programa maravilhoso para você e o Pedro está noite.
Continuo a ler, estou curiosa:
Karen: Cuidar dos gêmeos!!!! Eu e o Marcelo vamos para aquela degustação de vinhos que eu tenho falado há meses, lembra? E eles adoram vocês dois.
Eu: Tá brincando, né?
Karen: Você ia ter algo melhor pra fazer? Tenho certeza que não.
Eu: Eu nunca fiquei com os gêmeos sozinha. Eu só brinco com eles. E tenho certeza que o Pedro também não tem experiência com crianças.
Karen: Você não vai tá sozinha. Tem o Pedro e eu chamei a Bianca também. Três adultos e dois bebês, é fácil.
Karen: Por favor, vocês duas me prometeram que iriam me ajudar...
Eu: E as minhas mães, os seus pais?
Karen: Você sabe que eles vão para o teatro... Por favor, Alicia, larga de ser chata. Prometo cuidar dos seus filhos.
Eu: Tudo bem e eu vou me lembrar disso, mocinha.
Karen: Te amo, Hermione.
Karen: ?
Eu: Também te amo, insuportável
+++++++++++++++
Estamos no Marie-Madelaine Boutique, que era uma confeitaria muito famosa, muito boa e cara. Sério, um doce e eu podia comer uns dez Mc Chicken’s, mas tudo bem, ele que paga (uma das vantagens de não ter dinheiro).
- Vai fazer algo essa noite? – pergunto antes de soltar a bomba, surrupiando um pedaço do seu bolo de chocolate.
- Não. – responde com uma expressão de tédio, surrupiando um pedaço do meu mil folhas.
- Ótimo, porque eu e você temos a tarefa de cuidar dos gêmeos hoje à noite. – digo de uma vez. – Mas eles chegarão as dez e o Marcelo vai fazer o jantar. – acrescento, tentando dar um up. – Ah, a Bianca também vai.
- Tudo bem, mas eu já vou dizer que nunca cuidei de uma criança antes. Quer dizer, eu brinco com a minha sobrinha e a coloco para dormir, apenas isso. – diz e eu fico surpresa.
- Eu não sabia que você tinha uma sobrinha. Qual dos irmãos? – pergunto curiosa, tentando me lembrar do rosto deles, mas é apenas um borrão bem borrado na minha mente. A única coisa que eu me recordava era que ele tinha um irmão e duas irmãs.
- Paula, que é um ano mais velha que eu. Ela guardava nosso lugar na cantina. – responde com o intuito de me fazer lembrar e eu me lembrei.
- Nossa, a gente cresceu mesmo... – observo.
+++++++++++++++
Saímos da doceria e estamos andando pela rua em direção ao carro. O tempo hoje estava tenebroso. O céu era triste em sua cor cinza, o vento era cortante e começo a sentir uns pingos de chuva até que começa a chover de verdade.
Corremos até o primeiro toldo que achamos e mais pessoas também estão se protegendo. Não sei se é porque estou um pouco molhada que começo a sentir mais frio. Meus dentes estão batendo e eu me espremo no meu casaco rosa bebê.
Sinto mãos segurarem as minhas e olho para ele. Ele seguras as minhas ambas mãos e seus lábios tocam os meus dedos, aquecendo-os. Preciso dizer como me senti?
- Depois eu que tenho mãos geladas iguais à de um zumbi. – ironiza.
+++++++++++++++
São sete horas da noite e chegamos à casa do Marcelo e da Karen. Fico um pouco apreensiva, porque eles tinham uma casa enorme em Moema, mas tento coletar todas justificativas que eu sabia que não teria que dar, era apenas medo. 1) Marcelo tem um restaurante gourmet e foi chefe com dezenove anos no Maní 2) Karen era modelo famosa aqui e no exterior 3) ele não vai ficar se perguntando toda hora o que você está pensando, larga de ser maluca, Alicia!
Como não é surpresa, Bianca ainda não havia chegado e assim que a Karen e o Marcelo abriram a porta, saíram por ela mesma e apenas Karen disse:
- Todas as instruções estão na geladeira e por enquanto eles estão dormindo. Vai ficar tudo bem... Tchau, tenham uma boa noite.
Fomos até o quarto e os gêmeos pareciam bem tranquilos enquanto dormiam. Decidimos passar o tempo com um jogo de tabuleiro com tema de pirata escrito com a letra da mamãe Emília “Acho que vocês ainda não estão prontos para isso, mas seus filhos vão adorar”, porque se a televisão estivesse ligada não escutaríamos nada. As duas babás eletrônicas estavam em cima da mesa bem ao nosso lado e no último volume. A mesa posicionada para uma visão perfeita do corredor do primeiro andar (eles optaram não correr o risco de fazer o quarto no segundo andar, tinham medo de escorregarem e acontecer uma fatalidade), a lista de instruções lida, o aquecedor em uma temperatura agradável e tapetes fora do caminho (eu podia tropeçar neles), ou seja, tudo em ordem.
- Que droga. – murmuro quando caio na casa “Volte duas ilhas, rá”, olho para o Pedro e ele está com um sorriso cínico no canto dos lábios. – Quer apostar quanto que eu ganho de você no jogo dos piratas?
- Você tem certeza que quer apostar? Esse é um jogo de sorte. – diz destemido com uma expressão sexy que me faz perder o controle dos meus pensamentos por um segundo.
- Tá com medo, Garoto da Maça? Não vou apostar nada que te ofenda moralmente, apenas seu ego. – retruco, fazendo a mesma expressão.
- O que você tem em mente? – pergunta, estreitando levemente seus olhos verdes hipnóticos.
Escutamos o interfone tocar e eu dou graças a Deus, porque não fazia a mínima ideia do que apostar, apenas odiei o sorriso cínico. Tenho que trabalhar a minha obsessão por ganhar.
O Pedro foi até a porta abrir para Bianca enquanto eu dava mais uma olhada nos gêmeos.
- Onde você tava? – pergunto quando volto à mesa. – São oito horas. – continuo com a minha bronca.
- Eu te disse que tinha um encontro hoje à tarde com o cara da academia. Eu apenas confundi o horário das sessões, mandona. – responde me mostrando a língua.
- Nossa, que garota madura. – comento com um tom irônico.
- Então, que coisa inadequada vocês ficaram fazendo enquanto eu não chegava? – pergunta, pegando o mapa do tesouro e lendo enquanto se concerta na cadeira. Chuto sua perna por debaixo da mesa. – Ai! – ela olha pra mim com um biquinho.
- Não podemos dizer. As crianças podem escutar. – Pedro responde dirigindo uma piscadela pra mim e com um sorriso torto.
- É por isso que você sempre foi meu Pedro favorito. – diz Bianca dirigindo uma piscadela para ele. Eu só fico vermelha feito um pimentão.
+++++++++++++++
Voltamos à concentração ao jogo e Bianca se juntou a gente. Por enquanto, ela estava na frente e para minha surpresa, era um jogo bem legal.
Jogo os dados e consigo passar na frente do Pedro, dirijo-lhe um olhar provocativo e suas bochechas estão vermelhas.
- Se eu ganhar, pago pra vocês a suíte máster do motel que vocês quiserem. – diz Bianca, rompendo o silêncio. Nem eu e nem o Pedro dizemos nada justamente porque escutamos a babá eletrônica emitir um som de choro.
Nós três nos entreolhamos com a mesma expressão de “sujou”. No final das contas, fomos eu e o Pedro pegar a Elisa e o Téo, e Bianca cuidando das mamadeiras.
GÊMEOS POV ON
“Ei, olha quem tá aqui! O moço engraçado e a titia doida”, pensa Elisa.
“Continua chorando pra assistir O peixinho Gold”, pensa Téo.
- Checa a frauda. – diz Alicia para Pedro.
“Faz cócegas...”, pensa Elisa.
- Tudo limpo com a Lis. – diz Pedro aliviado.
- Bom pra você. – diz Alicia decepcionada. – Não é engraçado, Téo.
“Pra mim é”, diz Téo ainda rindo.
- Tá com fome, Lis? – pergunta Pedro.
“Sempre tô com fome, bonitão”, diz Elisa.
- Você não pode me deixar aqui sozinha. – diz Alicia indo em direção ao corredor.
“Ei, eu sou o quê? Invisível?”, diz Téo.
GÊMEOS POV OFF
- Você me paga, Pedro! – digo com raiva.
Deito o Téo no lugar destinado a trocar as fraudas e eu não faço a mínima ideia do que fazer. Ele me olha com aqueles olhinhos amendoados e aquele sorriso apenas com dois dentinhos e eu não consigo sentir raiva.
- Vamos lá. – digo em voz alta para me preparar, abrindo as abas da frauda. – Téo, o que o seu pai te deu? As lagostas dele? – agora eu sei por que eles odiavam essa parte e fiquei com pena deles, mas aí me lembro de que um dia serei eu e penso na possibilidade de não ter filhos por um segundo, mas observo aqueles pezinhos gordos, as dobrinhas e as mãozinhas e desisto dessa possibilidade.
- Vim para te ajudar. – escuto Bianca se aproximar de mim e nunca senti tanto alívio na vida.
- Não faço a mínima ideia. – digo com um suspiro cansado.
- Então somos duas... Mas ele não pode ficar nessa situação, não é, coisa linda da tia Bianca? – diz com um tom bobo, brincando com os pezinhos do Téo.

Finalmente conseguimos deixar o Téo limpinho e cheiroso, mas acabei deixando cair o pote com os contonetes e tive que pegá-los e trocá-los por outros. Vou em direção à sala novamente e vejo Bianca parada atrás da porta com o Téo no colo. Escuto também música e me aproximo curiosa.
- Com certeza você vai se apaixonar perdidamente por ele agora. – comenta Bianca ainda olhando para o mesmo lugar.
O Pedro dançava com a Lis no colo ao som de “Twist and Shout” dos Beatles. Fico atônica por alguns segundos observando a maravilha daquela cena. Posso ouvir as batidas do meu coração acelerarem e eu voltar a sentir aquele fogo no peito que eu tentava lutar contra. Estou me apaixonando por ele.
++++++++++++++++
A Karen e o Marcelo chegaram no horário combinado. A experiência não foi tão ruim assim. Até nos divertimos com os gêmeos e nem vimos a hora passar.
- Acho que vamos chamar vocês mais vezes. – diz Marcelo observando os bebês dormirem na sala.
- Já tá tarde, né. – diz Bianca mudando de assunto e empurrando eu e Pedro para fora.
- Boa noite. – dizemos em uníssono enquanto saímos.

O Pedro leva Bianca para casa e depois dirige até o apartamento da minha amiga inexistente. Dei a desculpa de que ela viajara e eu cuidaria do hamster dela.
- Então boa noite, Marvel. – despede-se Pedro assim que abre a porta do carona. – Eu te pego amanhã às duas? – pergunta com um sorriso infantil.
- Sim. Não esquece de levar o violão. – lembro-o. Ele iria me ajudar nas aulas de música. – Boa noite. – despeço-me com um sorriso e entro no prédio. Mesmo eu o vendo amanhã, as despedidas eram sempre dolorosas.
Subo de elevador até o terceiro andar e o prédio estava movimentado hoje devido a uma festa de uma garota que completava doze anos. Eu me lembrava dessa época e meu coração se aperta, as coisas eram muito mais fáceis. Pra ser sincera, nunca quis crescer.
Chego ao terceiro andar e abro a portas do fundo do meu apartamento, dia de jogar o lixo fora. Percebo algo errado, havia uma certa claridade vindo do corredor. Pego o guarda-chuva nas garras douradas em formato de rosas e sigo em direção aos quartos.
Meu coração parece que vai saltar pela boca e sinto minha garganta fechar à medida que me aproximo. A luz do closet está ligada e eu tento não fazer nenhum barulho, prendendo o choro de medo. Pego no caminho o vaso de flores de vidro e troco com o guarda-chuva para mão direita.
O closet tinha uma vantagem, a porta não ficava de frente ao corredor e eu me escondo detrás da parede. Fico surpresa quando vejo o Nick mexendo nas minhas coisas e sem pensar grito:
- EU NÃO ACREDITO NISSO!
Ele leva um susto e me olha espantado.
- Eu posso explicar, Alicia. – diz chegando mais perto de mim. Observo suas mãos e elas estão vazias, mas em posição para me segurar. Sorte minha eu ter feito um ano de defesa pessoal na academia, pois antes que ele consiga me segurar, acerto o meio de suas pernas com o guarda-chuva e com a outra mão acerto seu pescoço com o vaso de flores que quebra.
Ele está desacordado no chão, não há uma poça de sangue e nem um ferimento grave, mas mesmo assim não deixo de ficar aflita.
- Liga pra polícia, Alicia! – digo em voz alta ainda perplexa.
+++++++++++++++
Estou na entrada do prédio empolada no meu casaco de lã e as pessoas do aniversário e outros moradores me fazem companhia na calçada (não diria companhia, mas que eles estavam ali por curiosidade). Eu estava triste, não conseguia parar de pensar no Nick ser o ladrão.
- Não se preocupe, senhorita Alicia, ele vai ficar bem longe da senhorita esta noite e eu garanto que nos outros dias. – diz o policial em um tom gentil, mas eu estava muito focada no rosto de Nick dentro do porta-malas.
- Obrigada. – agradeço, tentando mudar meus pensamentos.
- O que aconteceu aqui? Você tá bem? – pergunta Pedro preocupado, me surpreendendo. – Você deixou a sua pasta no carro. – responde ao meu olhar confuso.
- Senhorita Alicia, fico feliz de que ele não tenha conseguido roubar nada. Não faço a menor ideia de como o Nicolas conseguiu as chaves do seu apartamento, nenhum dos porteiros tem sequer uma cópia. Novamente, mil perdões. – desculpa-se o síndico do prédio.
- Tudo bem, Leandro. Não aconteceu nada. – respondo sendo gentil.
- Seu apartamento? – pergunta Pedro com uma expressão séria que eu nunca vira antes. Droga, droga, droga, droga!
- Pedro, eu posso explicar... Eu não devia ter mentido... – tento achar palavras, mas eu não consigo. Estou vendo tudo borrado devido às lágrimas que corriam pelo meu rosto de repente. – Me desculpa... Você me achava parecida com ela e eu não quis ter mais nenhuma semelhança. Eu só queria que você gostasse de mim por ser eu mesma não porque eu pareço com outra pessoa... E eu não queria que você lembrasse dela, porque eu sei que ela te magoou. Eu pensava que podia te ajudar a esquecer. Eu não queria me afastar de você de novo. – digo e eu estava tentando me convencer de um motivo egoísta enquanto o verdadeiro motivo era que eu só queria protegê-lo e isso me surpreende.
- Se você não quisesse ser parecida com ela, não teria mentido. – retruca com raiva. – Você acha que eu não iria gostar de você por ser rica? A gente se conhece desde dos três anos! Alicia, você é parecida com ela, mas é muito diferente... Você não tem nada a ver com a Clara... Mas você mentiu igual a ela.
- Me desculpa... – digo com a voz falha. Ele vira as costas para mim e eu consigo visualizar ele indo embora e nunca mais voltar, mas ele se vira para mim novamente:
- Você não precisa me proteger o tempo todo. Essa é minha tarefa, lembra? – pergunta retoricamente com o rosto mais sereno e eu sorrio involuntariamente. – Eu também não quero me afastar de você de novo. – acrescenta com um sorriso de lado.
- Então você me perdoa? – pergunto com o coração na mão.
- Como se eu conseguisse fazer o contrário.
+++++++++++++++++
Estamos no meu apartamento e o Pedro está fazendo macarronada enquanto eu procuro algum filme para assistir.
- Homem de Ferro 3 ou Capitão América e o Soldado Invernal? – pergunto em uma voz mais elevada para que ele escute da cozinha.
- Qual dos dois você participou? – pergunta de volta e eu fico toda boba.
- Capitão América. – respondo.
- Então a minha resposta é Capitão América. – diz indo em direção a sala com dois pratos de macarronada.
Sentamos no sofá e eu estava morrendo de fome, não penso duas vezes em atacar o prato.
- Nossa, isso é incrível. Quando você aprendeu a cozinhar desse jeito? – pergunto, me preparando para a próxima garfada.
- Moro sozinho por muito tempo e tenho muito tempo vago do trabalho. – responde. – Eu me lembro que você fazia um coockies incríveis, ainda cozinha?
- Só doces. Sou péssima pra comida salgada, sempre coloco sal de mais e faço umas combinações horríveis. – respondo lembrando dos meus desastres na cozinha. – Eu sei, é bem controverso já que minhas mães cozinham e o meu irmão é chefe, mas em minha defesa, o cheesecake que você adorou é receita minha... É bom que agora eu tenho mais uma pessoa para cozinhar pra mim. – acrescento com um sorriso infantil.
- Só porque é rica quer me transformar em mordomo... – brinca.
- Eu não preciso de mordomo, você é muito bonzinho para dizer não. – retruco. – Só fazer charme que você cai de joelhos.
- Convencida. – diz ficando vermelho e eu acabo ficando também.
+++++++++++++
Acordo na minha cama coberta pelo cobertor grosso e florido e não me lembro de como vim parar aqui, mas tenho uma vaga impressão de que acabei caindo no sono na metade do filme, pois não me lembro do final.
Levanto em um pulo, vou em direção ao banheiro da suíte, escovo meus dentes, penteio os meus cabelos, que ainda acordavam igual ao da Hermione, e sigo em direção à sala. Lá estava ele, dormindo solenemente no sofá. Me aproximo e me ajoelho, ficando de frente para seu rosto. Ele era tão magnificamente lindo. Passo meus dedos por seus cabelos ruivos dourados e digo em um sussurro:
- Eu estou completamente apaixonada por você.

Capítulo 5


“Nobody asked to get me attached to you (ninguém pediu para me apegar a você)
In fact you tricked me (na verdade, você me enganou)
And I wasn't trying to fall in love but boy you pushed me (e eu não estava planejando me apaixonar, mas, garoto, você me puxou)
So all that I'm asking (então tudo o que peço)
Is that you handle me with caution (é que lide comigo com cuidado)
Cause I don't give myself often (porque eu não me cedo facilmente)
But I guess I'll try today (mas acho que tentarei hoje)
Cause I've had my heart (porque já tive meu coração)
broken before (partido antes)
And I promised I would never let me hurt anymore (e eu prometi que não deixaria me magoar novamente)
But I tore down my walls (mas eu derrubei minhas paredes)
And opened my doors (e abri minhas portas)
And made room for one (e fiz uma exceção)
So baby I'm yours” (então, querido, eu sou sua)

I’m Yours – Alessia Cara

- Ai. – reclamo quando minha mãe Emília me espeta com a agulha.

- Pare de se mexer então. – retruca.

Hoje era um dia propício para essa frase ser a mais idiota de todas. Já fazia um mês que eu conhecera o Pedro e uma semana que eu admiti para mim mesma que estava apaixonada por ele. Não movemos nenhum nível da nossa relação, mas o mundo já parecia bem mais bonito e colorido. Fazia tempo que eu não me sentia mais assim.

- Prontinho. – diz minha mãe me olhando com aqueles olhos azuis e um sorriso que fazia tudo na vida ser fácil como tomar sorvete derretido.

Me olho no espelho grande do meu closet e fico surpresa de como eu estava bonita, mesmo usando apenas um vestido. Ele era bem rodado, batia um pouco abaixo dos meus joelhos, acinturado e tomara-que-caia. Era azul cor do céu com aplicações de flores douradas e brilhantes.

Nesse final de semana é o casamento do irmão do Pedro, Rafael, e claro que eu fui convidada. A mãe dele, que eu costumava chamar de tia Jú, estava ansiosa para me ver de novo e eu ansiosa para ir para Paraty com ele. O casamento ia ser em um hotel chalé, que a avó do Pedro alugara só para o evento... Eu realmente quis dizer que ela alugara o hotel todo.

- É lindo, mãe. Por que escondeu esse vestido tanto tempo? – pergunto ainda embasbacada.

- Estava guardando para a hora certa. – responde, ajeitando a saia e eu conseguia imaginá-la com seus cabelos dourados presos em coque elegante, lábios vermelhos, pérolas, saltos brancos (ela era bem vintage também) e com um sorriso enorme entrando no cartório para casar com minha outra mãe.

- Nossa, que linda meu pão de mel está. – eu sei, apelido ridículo. – O Pedro seria um tolo se não se apaixonasse por você. – acrescenta, aproximando de nós e passando os braços em torno da minha outra mãe.

- Tomara. – murmuro baixinho, desejando com todas as forças que isso fosse verdade.

- Ah, adivinha o que eu achei. – diz minha mãe Helena me entregando um papel dobrado do caderno da Barbie com um brilho infantil em seus olhos amendoados.

Abro o papel e fico surpresa por ainda ter guardado e as memórias me invadem assim que leio cada número:

Coisas que eu gosto no Pedro:
Ele divide comigo o chocolate
Suas sardas
Seus olhos
Ele me acha engraçada
Ele não penteia o cabelo
Ele come pipoca com doce
O jeito que ele me defende
Ele constrói robôs
Ele cheira bem
Ele é o meu melhor amigo

Coisas que eu não gosto no Pedro:

Quando ele franze o nariz quando eu prendo o cabelo
Ele é muito organizado e limpo
Ele não demonstra como inteligente ele é
Ele assiste I-Carly comigo sem reclamar por ser o mesmo episódio
Ele é exageradamente educado
Ele é apaixonado pela Hermione
Ele não gosta da Hannah Montana
A voz dele é muito rouca, parece que tá sempre com dor de garganta
Ele tem medo de abelhas
Ele faz meu coração bater muito rápido
+++++++++++++++++

Fomos de helicóptero para Paraty e eu quase enfartei durante toda a viagem. Morria de medo de altura. Mas logo sinto pousarmos e solto todo o ar que segurava nos meus pulmões. Abro a porta rapidamente e sinto a brisa salgada do mar e a terra debaixo de mim.

- Se eu soubesse que você tinha tanto medo, teríamos ido de carro. Desculpa. – diz Pedro com uma expressão fofa e com seus cabelos ruivos mais desgrenhados que o normal.

- Tudo bem. – digo forçando um sorriso e andando em direção ao chalé/hotel.

O lugar era lindo. As gramas eram verdes vivas e bem podadas, com árvores pomposas e arbustos com formatos diferentes. No meio daquele cenário verde, se estendia uma casa feita de madeira e pedras com janelas largas de vidro e pequenas varandas nos quartos. Era enorme e lustrosa, perfeita.

Entramos e logo uma garotinha de cabelos bem ruivos, cacheados e cheios, enfeitados com uma coroa dourada com pedras vermelhas sai correndo de um dos quartos. Ela usava um tutu rosa, meia-calça branca, um casaco vermelho e sapatinhas brancas estilo boneca. Sua pele era clara como porcelana assim como a do Pedro, as sardas nas bochechas eram mais abundantes e mais escuras, suas bochechas eram gordinhas e bem rosadas, ela era linda.

A menina corre em direção ao Pedro com os braços abertos e ele a pega no colo com o sorriso mais bonito do mundo.

- Alicia! – escuto alguém me chamar e volto minha atenção para frente. Era Júlia com sua beleza intacta de modelo. Seus cabelos bem loiros com ondas perfeitas batiam nos ombros, seu corpo esguio e gracioso bem definido em um jeans colado escuro e uma blusa transparente branca com laço na gola. Usava scarpin Manolo cor nude e brincos de diamantes. Seu rosto era o mesmo que eu vira na capa de uma revista ano passado, jovial e perfeito. Seus olhos azuis claros destacados com um leve delineado preto e seus lábios finos e bem desenhados rosados naturalmente. Ela estende os braços em minha direção e me abraça apertado. Era uma sensação confortante e familiar, principalmente pelo cheiro do perfume Channel que ela sempre usara. – Olha só para você... Está lindíssima! – elogia-me e eu sinto minhas bochechas corarem. Ela olha nos meus olhos e me abraça novamente. – Fiquei tão feliz quando o Pedro me contou que vocês se reencontraram. Ele não para de falar nisso. – acrescenta ainda me abraçando e eu fico toda boba com a sua última frase.

- Ela parece uma princesa. – diz uma vozinha infantil, dócil e bem baixinha ao meu lado.

Fico ainda mais vermelha e me lembro da roupa que eu estava usando: um vestido rosa tubinho de mangas que batiam nos cotovelos da Burberry, meia-calça branca transparente estampada com pequenas bolinhas e oxford branco com bege escuro. Meu cabelo estava meio preso com um leve topete na frente. Usava brincos de pérolas e um colar dourado com uma florzinha delicada que era da minha mãe biológica.

- Eu também acho. – diz uma voz completamente diferente da outra e extremamente familiar, me fazendo sorrir.

++++++++++++++

Estamos no quintal e como o inverno no Rio não podia ser mais perfeito, o vento era uma leve brisa gelada e o céu estava azul com o sol a pino. Estou sentada na mesa de ferro adornada com a Estela, avó do Pedro (que por acaso disse “finalmente você tem carne para pegar” e apertou as minhas bochechas como antigamente), a Júlia e a pequena Louisa no meu colo (ficamos amigas bem rápido). O Pedro estava com o irmão e mais alguns rapazes bonitos perto da piscina. Ele estava tão lindo usando um sweater cinza da Tommy Hilfiger por cima de uma blusa de botões estampada da Gucci, uma gravata preta da Armani, uma calça vinho, relógio Cartier, sapatos italianos e seus cabelos ruivos dourados dessa vez penteados com as ondas emoldurando seu rosto perfeito. Meu coração palpita quando seu olhar encontra o meu e ele me lança um sorriso mostrando aquelas covinhas que eu tanto era apaixonada. Sorrio também mais inconscientemente do que de propósito.

- Então, Alicia, como anda a Emília e a Helena? – pergunta Júlia depois de um gole de chá.

- Estão ótimas. Minha mãe Emília agora tem uma casa de sopa e a minha mãe Helena comanda a escola de música da minha mãe biológica. – respondo. – Ah, e elas agradeceram muito pelo convite. Meu irmão agora tem gêmeos e eles ainda não sabem muito bem como manter tudo no controle. – acrescento, lembrando da minha mãe Helena me fazer prometer de que iria agradecer o convite.

- Eu lembro do Marcelo. Ele casou e agora já tem filhos? Estou ficando velha... – brinca e era só olhar para ela para ver que os números não afetaram em nada sua beleza.

- Minhas mães quase enlouqueceram quando ele e a Karen contaram. – digo me lembrando da cena no ano novo do ano passado.

- Sei bem como é. A Paula nos deu uma surpresinha há três anos. – diz, passando os dedos pelos cachos laranjas da Louisa, que estava bem distraída com seu desenho.

- E como vai a Rosa? – pergunta Estela que havia saído para pegar mais chá de jasmim. A Rosa era a minha avó, mãe da minha mãe Helena.

- Ela morreu ano passado. – respondo com pesar. Eu gostava bastante dela. Ela era a minha maior inspiração de moda.

- Sinto muito, Ali. – consola-me Júlia, segurando minha mão.

- O que aconteceu, minha querida? – pergunta Estela com um olhar triste.

- Mamãe! – repreende Júlia.

- Não tudo bem... Câncer de mama. – respondo.

- Esse maldito câncer, vive tirando as pessoas de nós. – comenta Estela com um tom revoltado.

- A senhora já perdeu alguém assim? – pergunto curiosa.

- Minha única paixão. – diz com um sorriso de saudade. A Estela era uma senhora muito bonita, o que não podia se esperar menos vindo de sua filha e seu neto. Tinha cabelos loiros iguais à filha, olhos dourados como mel, pele branca e bem cuidada. As rugas acrescentavam apenas uma consequência da idade. Ela também era fina e elegante. Trajava calças sociais azul turquesa e um xale estampado. As unhas pintadas de vermelho fogo e um anel de esmeralda no anelar.

- Mamãe... – repreende Júlia novamente desviando a atenção dos desenhos de Louisa para a conversa.

- Júlia, já te disse que a única coisa boa que seu pai me trouxe foi você e consequentemente o Pedro... Seu pai era um imbecil. – diz a última frase em minha direção com um sorriso divertido. Eu dou risada em resposta. – Vem, Alicia, vou te contar uma história. – acrescenta se levantando.

Júlia pega Louisa, e eu sigo com os braços entrelaçados com Ester até um lugar afastado do quintal, que parecia ser um jardim.

- Ele se chamava Fernando. Era tão bonito... Tinha ombros largos e braços fortes, olhos castanhos e cabelos escuros. Aquele sorriso que te faz perder o ar... Fiquei perdidamente apaixonada assim que eu o vi pela primeira vez. – observo como seu olhar vaga por entre as flores do jardim. – Eu tinha apenas quinze anos. Nunca havia saído do Brasil... Fui para Itália aprender a língua e estudar arte. Meu pai dizia que homens gostavam de mulheres inteligentes com quem pudessem conversar... Eu estava caminhando pelos vinhedos de Veneza. Era verão e já passava das quatro da tarde. O vi a poucos metros depois da primeira fazenda, montado em um cavalo. Ele parou e perguntou se eu estava perdida e eu percebi na hora que eu realmente não sabia onde estava. – ela diz com uma risada boa de se ouvir. - Ficamos cavalgando pelos campos e eu o via nos dias seguintes sempre no mesmo lugar... Dois meses depois, eu recebi a carta aonde ele me dizia que estava muito doente... Fiquei desolada e fui correndo para onde ele morava... Passava meus dias lendo para ele na cama, tocando piano... Ele partiu quatro meses depois... – diz com os olhos cheios de lágrimas e eu sinto um nó na garganta. – Aqueles foram os melhores seis meses da minha vida. – acrescenta, olhando para mim.

- É uma história muito bonita. – digo.

- A vida algumas vezes faz coisas que a gente não entende, mas tem tudo um motivo, Alicia. – diz com um tom dócil. – Sei que você não voltou para vida do meu neto por nada. Sempre peço para ele conhecer uma garota que o ame do jeito que eu amei o meu Fernando... Vejo o jeito que você olha para ele e o jeito que ele olha para você. Viver com medo é viver pela metade, se arrisque, Ali. – continua e parece que ela havia lido minha mente. Eu tinha tanto medo de dar errado, que já previa o pior, mas eu não queria viver mais assim.

++++++++++++

Eu, Pedro, o Rafel e a noiva, Julieta, Paula e mais outros amigos deles fomos até a cidade de Paraty aproveitar o resto do dia. Estamos na praia. Havia tirado minha meia-calça e meus oxfords. Podia sentir a areia entre os meus dedos e aquela brisa bagunçando meus cabelos, mas não me importava.

Pedro caminha ao meu lado e ele havia tirado o sweater, usando apenas a blusa de botões abertos até o peito e a gravata afrouxada. Seu cabelo estava bagunçado como usualmente e eu não consigo parar de repetir o quanto ele era lindo e o quanto eu estava perdidamente apaixonada.

- A Lou me mandou entregar isto para você. – diz me estendendo um enfeite de cabelo em formato de baleia com pedrinhas verdes incrustadas. – Disse que é para usar no seu cabelo amanhã. – me lembro do dia no Starbucks e do seu comentário sobre minha presilha de borboleta.

- É lindo. Eu me apaixonei pela Lou. Ela é incrível. – digo comovida com a lembrança.

- É mesmo... – murmura com um sorriso de lado e mirando o chão.

- E o pai dela? – indago, apesar de ter uma ideia da resposta.

- Era um ex-namorado da minha irmã que sumiu no mundo quando descobriu... Ele não era uma boa pessoa, mas a Paula era maluca por ele. – responde com os olhos sérios mirando o horizonte.

- A Lou tem muita sorte de ter você. – digo e deu para perceber como eles dois eram próximos.

- Ela é a minha pessoa favorita no mundo. – diz, olhando para mim dessa vez com um sorriso que me faz sorrir também.

- Eles são bonitos juntos. – comento sobre Rafael e Julieta. Eles pareciam tão apaixonados e tão felizes.

- Eles eram melhores amigos desde quando me entendo por gente. – diz, olhando para a mesma direção que eu.

- Ela é a Julieta que tinha uma mecha vermelha no cabelo e escutava Avril Lavigne? – pergunto surpresa por reconhecê-la. A cena dela e de Rafael com mais ou menos onze anos (na época eu devia ter uns oito) jogando Super Mario na sala de TV da mansão de pedras ecoa na minha mente. A Julieta, na época, vestia bermudas, blusas largas e tênis de skatista, completamente diferente da Julieta de cabelos compridos e castanhos com luzes ligeiramente claras e vestido estampado da Juicy Couture.

- Essa mesmo. – confirma. – Eu achei tão estranho quando eles começaram a namorar. Pra mim era como se eles fossem irmãos. – diz franzindo o nariz e eu sinto algo bom no coração ao lembrar da minha lista. Eu acho fofo agora. – Mas depois não pareceu mais estranho. Parecia algo que sempre esteve lá, só que ninguém enxergava.

- Meu tio sempre diz que os melhores casais são os melhores amigos. – comento e não sei por que falei isso, ele vai achar que eu estou flertando com ele.

- Eu também acho. – diz e seu olhar estava no meu. Ficamos assim por alguns segundos.

- Ei, achamos a igreja! – avisa Rafael para nós há alguns metros de distância. – Vamos entrar!

Seguimos até uma igreja simples pintada de branco com alguns detalhes dourados.

Estava aberto e Paula sugeriu que eles ensaiassem para cerimônia:

- Não quero que vocês se beijem de língua na frente da minha filha, então vamos ensaiar para nada nojento acontecer. – diz com uma expressão de desdém.

- Ali, o Pedro disse que você toca piano perfeitamente. Será que pode me fazer esse favorzinho? – pede Eliza com um sorriso fofo.

- É claro. – respondo sem pestanejar.

Vou em direção ao piano, que ficava em frente a uma porta entreaberta, e consigo ver pela figa um caixão marrom brilhante e gelo. Havia flores ao redor e escuto um barulho de pessoas conversando... Era um velório.

- Tá tudo bem, Marvel? – pergunta Pedro com um tom preocupado, mas eu não conseguia responder, morria de medo dessas coisas. – Se importa se eu ficar aqui com você? – pergunta, fechando a porta e sentando ao meu lado no banco.

- Tenho medo de muita coisa agora. – explico já mais tranquila.

Paula faz um sinal para começarmos a música e começo a tocar as primeiras notas. Sinto o olhar de Pedro sobre mim, mas tento focar apenas na música. Eu não o ensinara a tocar apenas violão, mas um pouco de piano. Recordo-me das minhas mãos sobre as suas, guiando seus dedos pelos teclados. Só agora percebo que estou tocando a mesma música que o ensinara. Pego sua mão e tocamos juntos.

Sinto o tempo congelar e como se não houvesse mais ninguém ali. Me sentia infinita. Sentia todos os sentimentos que ele me trazia em um só instante. “Quando você encontrar a pessoa certa, vai saber”. Eu sabia.

++++++++++++++++

Voltamos para o chalé e o céu era uma transição de cor entre azul, laranja, roxo e vermelho. Os passarinhos não cantavam mais e tudo era solene.

Estamos todos no quintal e o toca discos toca um disco de vinil dos Beatles.

- Dança comigo? – pergunta Pedro se levantando do meu lado.

- Eu sou uma péssima dançarina, tipo, catástrofe. – digo me lembrando dos fiascos e micos que já paguei.

- Eu te ensino. – insiste, pegando minhas mãos e me levantando. Não luto contra.

Sua mão esquerda vai até a minha cintura enquanto sua mão direita segura as minhas na altura dos ombros. Fico nervosa.

- Um passo para frente. – diz e eu obedeço. Nenhuma catástrofe. – Um para atr... ai. – reclama assim que piso no seu pé.

- Eu disse, sou uma catástrofe... – digo com voz de derrota.

- Fecha os olhos. – obedeço. Sinto sua respiração no meu pescoço e sua mão na minha cintura me puxar para mais perto, me fazendo ficar arrepiada. – Viu, você tá dançando.

Abro os olhos e me deparo com aqueles olhos verdes translúcidos que me faziam sentir feita de pequenas galáxias.

Continuamos dançando e escuto o zumbido de algo que parece ser uma abelha e o Pedro reclamar e colocar as mãos inconcientemente no pescoço. Fico apreensiva e com medo ao me lembrar do motivo pelo qual ele tinha tanto pavor de abelhas.

- Júlia! – grito seu nome assim que o corpo do Pedro caí nos meu braços.

++++++++++++++++++

Estamos todos no hospital, lotando a sala de espera. Tivemos que ir para o Rio e o chalé ficava no meio do nada. Paraty ficava à 258 quilômetros da capital, já pode imaginar o estado que ele ficou até chegar aqui. Estou sentada ao lado da Estela, suas mãos apertando as minhas. Me lembro de quando achei que perderia o Pedro, que eu iria viver em um mundo onde ele não estava. Faz doze anos e eu me sentia exatamente igual e na mesma situação.

- E então, como ele está, mãe? – pergunta Rafael para Júlia aflito.

- Está bem. – responde com um sorriso dócil e sinto as pessoas na sala suspirarem aliviadas. – Ali, eu vou pegar um café, você pode ficar com ele um pouco? O médico disse que ele chamou por você antes de dormir. – diz e de novo aquela sensação de deja vú me invade.

- Claro. – respondo, me levantando e segurando o impulso de sair correndo até o quarto.

Sigo até o corredor e logo vejo a porta branca com o número quatro prateado. Abro a porta e sigo até a cama.

Ele dormia sonelemente, perfeito como uma escultura. A agulha espetada em seu braço esquerdo acoplada a um cano e uma bolsa com um líquido tranparente dentro. Deito ao seu lado, minha cabeça aninhada cuidadosamente ao seu peito. Escuto seu coração bater calmo e aquele som me acalma e eu confesso que eu não estou apenas apaixonada pelo Pedro, eu o amava como nunca amei ninguém.


Flashback: Outubro de 2006

Eu, mamãe Helena, mamãe Emi e o Marcelo estamos assistindo a um filme chamado “O Diabo veste Prada”. Hoje era um dia triste, pois estava chovendo e eu sempre fico triste em dias de chuva, principalmente quando é sábado.

O celular da mamãe Emi toca e ela atende bem rápido.

- Alô? – pergunta e eu olho para ela automaticamente. Sua expressão fica atônica por um momento e seu rosto derrete igual a um sorvete. – Tudo bem, estamos indo para aí. – diz com uma voz séria. Seus olhos parecem tristes. – Helena, pode vir aqui por um segundo.

Mamãe Helena dirige um sorriso para Marcelo e para mim e vai para a cozinha junto com mamãe Emi.

Conto os minutos. Um minuto certinho e as duas aparecem na sala novamente. Sinto meu peito doer e eu estava prendendo a respiração. Minha mão direita dói e eu olho, havia me machucado com a unha. As marcas das quatro unhas na palma da minha mão jorrava sangue.

- Ali! – repreende mamãe Helena, mas não necessariamente com um tom de bronca. Ela se abaixa até a mim e pega minha mão machucada, depois olha para mamãe Emi.

Agora, as duas estão abaixadas na nossa frente com uma expressão triste. Prendo a respiração de novo e sinto um nó na garganta. Meu coração está acelerado e eu sinto que vou vomitar a qualquer momento.

Mamãe Emi fala primeiro:

- A tia Jú ligou e disse que o Pedro sofreu um acidente e que ele ainda não acordou... – sua voz falha e ela consegue dizer.

Marcelo segura a minha mão, mas eu simplesmente não conseguia me mover... Parecia que meu mundo havia desmoronado de vez.


Acabamos de chegar no hospital. Durante o caminho, todo mundo ficou quieto. Marcelo segurou a minha mão até chegar. Embora ele tenha escondido, seu rosto estava vermelho e seus olhos cheios de lágrimas. Ele chorava às vezes, mas dessa vez, ele queria ser forte por mim. Ele não disse, mas eu sabia.

A porta de vidro se abre automaticamente e mamãe Helena vai até a recepção. Mamãe Emi está com a mão direita apoiada no meu ombro e a esqueda no ombro do Marcelo. Elas estão geladas, embora seja primavera.

Mamãe Helena chega e a gente vai de elevador até o segundo andar. Eu estou com medo e sinto meu corpo formigar. Meu peito dói.

Na sala de espera, vejo o Rafa sentado ao lado de Julie. O rosto dela é triste e os olhos azuis do Rafa estão vermelhos e inchados. Paula está com o tio Ed e ele a acalma enquanto ela não para de chorar. Não vejo Amélia e penso que ela está com a mãe que não gosta do Pedro e nem da tia Jú. Vejo tia Jú com a vovó Estela. Sua cabeça apoiada no ombro da vovó. Ela olha para mim e se dirije na nossa direção. Minhas mães a abraçam e o tio Ed acena pra mim com um sorriso sem muito humor, aceno também. Tia Jú abaixa até mim com os olhos azuis cheios de lágrimas, o nariz e a bochechas vermelhos como se estivesse com insolação. Ela olha nos meus olhos só por alguns segundos e não diz nada, mas não precisava, eu sabia. Ela me abraça forte e eu consegui senti o peso que ela sentia. Eu choro pela primeira vez.


Estou sentada com a Paula, o Rafa, a Julie e o Marcelo na cantina. Tio Ed está com a gente. Não estou com fome. O machucado da minha mão agora dói bastante ao ponto de não conseguir fechá-la. Meu peito continua a doer e eu sinto que não vai passar. Já são oito da noite e ele ainda não acordou. Eu penso na possibilidade do Pedro não acordar, mas é díficl conseguir imaginar. Chego a conclusão que não há a possibilidade do mundo ser o mesmo sem ele. Meu mundo vai ficar triste e eu vou ficar sem o meu melhor amigo. É como se tivessem arrancado uma parte de mim... Minha mãe Emi disse uma vez que o amor é uma coisa muito forte. Você sabe que ama alguém quando a vida parece não fazer sentido sem a pessoa... Eu amava o Pedro.


Nova York – Novembro de 2017

Estou caminhando pelo parque em Nova Jersey, não faço a mínima ideia de como vim parar aqui. Não fui para a revista hoje, minha chefe deve estar uma fera e não dei notícias a ninguém, só peguei o carro e comecei a dirigir sem rumo pela madrugada. Penso no quanto estou sendo irresponsável em simplesmente faltar o trabalho pra ficar andando sem rumo por aí e sem nem ter voltado para casa.

Minha mente era um turbilhão no momento e eu não entendo o motivo de tudo isso estar acontecendo justamente quando as coisas parecem entrar no trilho.

Sento em um dos bancos de madeira branca do parque debaixo da sombra de uma árvore. A brisa do verão bate em meu pescoço nú e acrescento na minha lista as vantagens de ter cortado o cabelo Chanel. Olho para frente e um casal de velhinhos estão sentados no banco de mãos dadas conversando. Por que as coisas simplesmente não continuaram do jeito que estava? Por que eu fui voltar pra São Paulo? Por que eu fui embora e nem escutei? Dirijo meu olhar para minha mão direita e o diamante brilha no meu anelar. Há uma semana eu tinha certeza de tudo, minha vida finalmente entrara nos eixos, tudo o que eu queria, eu havia encontrado, agora tudo está uma bagunça e eu me pergunto se eu realmente havia encontrado tudo o que eu queria. Sim, eu havia encontrado, só não sabia qual das duas coisas.

Escuto um bipe vindo da minha bolsa bege e decido apenas escutar as mensagens, não dava para fugir para sempre.

“Você têm quatro mensagens:

Justin: Amor, pode me dizer onde está? Tá todo mundo preocupado. A Emília está prestes a chamar a polícia... Seja lá o que estiver acontecendo, eu vou estar aqui por você... Eu te amo.

Mãe Helena: Alicia, onde você está, minha filha? A Emi está quase tendo um troço e eu estou muito preocupada... Eu entendo tudo o que está acontecendo, mas você não pode simplesmente dar as costas pra tudo... Pro Justin! Ele está desolado... Tudo bem, eu vou acalmar sua mãe e seu noivo, mas pelo menos me liga para saber se está tudo bem. Eu te amo, pãozinho de mel.

Octavia: Alicia, eu espero que você tenha um bom motivo para não ter aparecido no trabalho e nem ter ido a reunião com a Banana Republic... É a edição de verão e eu preciso de você! Se não tiver um bom motivo, pode dar adeus ao seu trabalho na In Style.

Marcelo: Ali, eu tô tentando manter tudo sob controle aqui. Se tá dando certo? Nem um pouco... Olha só, eu tô com você nessa, se quiser desistir de tudo, eu te levo bem longe daqui ou te apoio em qualquer decisão... A Bi e a Karen também estão com você! Fica bem, maninha.

Pedro: Alicia, eu nem sei por onde começar... Não foi uma boa ideia todo mundo esconder coisas da gente... Nunca foi minha intenção te deixar confusa, mas eu não posso desistir de você tão simples assim... Eu vou entender e respeitar se escolher o cantor irlandês. De verdade... Eu só quero que você saiba que eu ainda continuo mantendo a nossa promessa... Eu só não quero perder você de novo... Prometo esquecer a noite passada, desaparecer da sua vida ou então ser o melhor amigo que faz um discurso no casamento da melhor amiga e não soa nada estranho... Alicia, eu... Eu só quero te ver feliz.

Não há mais mensagens”

FIM



Nota da autora: Sem nota.




comments powered by Disqus




Qualquer erro de script nessa fic e reclamações, somente no e-mail.

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS AO SITE FANFIC OBSESSION.