Os sinos tocavam na matriz da cidade. Nove badaladas soavam.



Não muito longe dali, um tiro acontecia. Uma porta se batia. Passos ágeis desciam as escadas do prédio estreito, e iam em direção a rua. Onde as nuvens negras da noite mandavam uma leve garoa.
- Eu vou querer um número 2, por favor. – Falava em frente ao caixa.
- Certo, são 7,80.
Ele pagava e ia se sentar em uma mesa. Como sempre, sozinho. E sim, por opção.
“Pessoas não são confiáveis”. Era sua definição para qualquer pessoa.
Qualquer pessoa.

Já havia matado antes. Pássaros, gatos, ou até mesmo pequenos roedores. Ele agitava a perna. Havia matado novamente. Mas agora... Agora era um ser humano.
Mais especificamente . E mais especificamente, novamente, sua namorada – ou ex.
Ele já não acreditava muito nas pessoas. E achava que seria diferente.Mas, constatou que sua teoria era concreta. Ficou com tanta raiva, depois de ver a namorada aos beijos com outro garoto do colégio, que a matou. Estava com os olhos vermelhos. Passara a noite pensando em como faria tudo, nada poderia dar errado. Um simples erro e ela poderia chamar a polícia e ele acabaria preso. Na realidade, nem estava ligando para o sanduíche apetitoso e gorduroso a sua frente. Não estava nem ali, sentado naquela praça de alimentação movimentada. Estava isolado. Completamente fora de qualquer dimensão conhecida. A não ser para quem já tenha matado alguém. Só eles sabem como é, e como ficam após acabarem com uma vida. Mandando-a para o céu, o inferno ou quem sabe, o desconhecido.
Levantou-se, e saiu apressado. Todos ali, todos desonestos.Estava cada vez pior viver entre eles.

caminhou apressadamente até seu esconderijo. Sempre olhando bem em cada direção. Nunca se sabe quando uma alma penada pode resolver vir te perturbar. Essa era outra preocupação dele. O sobrenatural. O desconhecido.
Era um condenado, e sabia disso. Subiu as escadas de seu prédio – em um bairro pacato de Londres – e abriu a porta do apartamento 302. Era um bom número.
- Oi Trust. – Ele cumprimentava seu gato peludo e laranja. Sim, até o nome do gato tinha relação com os pensamentos de . – É eu sei que você está com fome. – Ele ia em direção a dispensa, colocar alguma ração para o gato. Depois disso, foi até seu quarto onde deitou e ficou. Somente respirando.Tentando preencher o vazio.
Era como quando você não consegue respirar direito, quando parece que falta ar, mas você está aspirando o máximo que pode de oxigênio.
E nessa agonia adormeceu.
Não teve bons e nem maus sonhos. Não sonhou.

E assim dez horas se arrastaram. Até o sol voltar a brilhar por detrás das nuvens.
“Bom dia! São oito e meia da manhã, o sol brilha e aquece a nossa Londres, com vocês agora o novo som do Blink 182, ‘Miss you’!”
calou a boca do rádio relógio com uma batida pesada de sua mão.
“Belo dia”. Foi o que logo pensou. Rolou na cama, suspirou, e abriu os olhos devagar. Um milésimo de segundo depois disso, gelou, e todos os seus pêlos se arrepiaram.
estava deitada ao seu lado, sorrindo. Fechou os olhos com força. E ela havia desaparecido.
se sentou pasmo. Suspirou, e voltou a olhar em volta. Nenhum sinal, ou gosma verde pelo quarto.
“Vou acabar num hospício”. Falou levantando-se e indo até a cozinha.
Qualquer mente ficaria abalada. Deve ser por isso que muitos assassinos em série devem acabar loucos.
Alimentou o gato, ligou a tevê e foi até atrás do balcão da cozinha, preparar um cereal.
“Olhem, é o super-man!...”, sorria com o desenho – era um mundo muito falso, mas pelo menos não fazia questão de mentir sobre sua completa mentira – e ia até o sofá, para assistir melhor.
Logo, Trust ia até o seu lado para dormir. E os desenhos se cessavam. Começava então um pequeno noticiário matinal.
“Bom dia”. A apresentadora loira se apresentava. “Mais um rosto bonito pra informar tragédias” foi o que pensou.
“ Um homicídio aconteceu ontem, por volta das nove horas da noite em Mayfair. Policiais encontraram o corpo de uma jovem, chamada . Os legistas acreditam que a estudante cometeu suicídio, pois deixara um bilhete e suas digitais foram encontradas com a arma que estava no local...” parou de mastigar.
“Como assim um bilhete? Eu não escrevi nada” Foi a primeira coisa que se passou por sua mente.
Algo estava errado.
E a vida dele, dependia do que estava nesse bilhete agora.
Vestiu o primeiro casaco que encontrou pela frente, e desceu as escadas de seu prédio. Correu – literalmente – até o local do assassinato. Arfava, e seu
peito subia e descia rapidamente.
Parou alguns segundos nas portas do prédio e olhou para todos aqueles andares que descera tão rapidamente dias atrás.
Subiu e foi até o oitavo andar. Estava escuro ali. E a porta do apartamento onde morava estava com faixas que diziam “local interditado”.
Mesmo assim, aproximou-se da porta, tão cautelosamente quanto um gato. E mais concentrado na mesma do que em qualquer outra coisa. Estendeu a mão, estava quase lá...
- O que você pensa que está fazendo? – Um policial aparecera do nada, acendendo as luzes do andar.
quase morrera de susto.
- Viu um fantasma? – O policial ria - Vamos, diga algo!
- E-eu... Eu a conhecia. – Foi o que respondeu quando finalmente recuperou-se do susto.
- E quer invadir? – O policial parecia debochar.
Flashes se passaram pela cabeça de . “Eu a conhecia...” e viu alguns momentos bons que tivera com ela. Até esses momentos se tornarem sangue pelo chão. Olhou suas mãos como se o sangue estivesse nelas. Estaria ficando louco?
- Você esta bem? – Finalmente o policial parecia falar sério.
- Eu vou indo. – procurou a porta de saída mais próxima com os olhos, e desceu pelas escadas correndo. Foi um alivio sair daquele prédio.
- Não vai escapar assim tão fácil . Não vai escapar de você mesmo. – Uma voz feminina ria atrás dele.
Era ela. tinha certeza. Virou-se, mas tudo o que viu foi o prédio novamente.
Voltou para casa, a fim de bolar outro jeito de entrar. Suava frio. “O que ela quer de mim? O que ela quer?” Eram as palavras que passavam em sua cabeça um tanto perturbada.
O cabelo bagunçado era agitado pela leve brisa que entrava pela janela.
Procurou um maço de papéis qualquer, e começou a rabiscar o prédio dela, e o oitavo andar. Fez até mesmo a distancia entre o prédio dele até o dela. Pegou alguns papéis antigos - dos antigos planos - e lembrou-se de que conseguiria entrar, pegar o bilhete e sair de lá em vinte e três minutos.
Ele iria à noite. No meio da madrugada, às três da manhã exatamente.
Esta hora, provavelmente qualquer policial ou vigia estaria cochilando. Era a chance dele.
Pegou uma mochila velha e enfiou nela uma lanterna, uma furadeira e alguns panos.
Tomou um banho e em seguida deitou-se. Estava tenso. Precisava descansar pela longa noite que viria.
Três da manhã.
O relógio despertava. levantou, pegou sua mochila e saiu.
Dois minutos e dezessete segundos.
Andou calmamente até o edifício. Dessa vez, entrou pela porta dos fundos, que dava direitamente nas escadarias do prédio.
Subiu oito andares silenciosamente, até sair naquele corredor escuro e alto novamente.
- Vamos lá – Falou para si mesmo. A porta estava aberta devido às investigações incessantes. Era fácil demais invadir.
Dezesseis minutos.
Pegou a maçaneta, depois de envolvê-la com um pano para não deixar nenhuma digital no aço frio, e girou a mesma.
Para a sua sorte, a porta não rangeu como de costume. A sorte estava ao lado dele.
Pisou cautelosamente como se o chão estivesse coberto de cacos de vidro que poderiam estalar e acordar cães ferozes. Andou e observou aquele apartamento tão familiar. O cheiro, o jeito, estava tudo igual. Tirando algumas faixas, e números que podiam indicar pistas aos policiais.
Foi até o quarto dela. Estava bem escuro. Acendeu a lanterna.
E quase morreu – literalmente – quando ela apareceu sorridente na frente dele.
Não conseguiu evitar um tombo. Isso era ruim.
Dezenove minutos e trinta e sete segundos.
- Ora, ora , ora... Mas olhe quem veio me visitar! – batia palmas.
recuperou-se, e abaixado começou a procurar o bilhete.
- Não me ignore! – Ela gritava. – Você merece isso, seu cretino! Eu era jovem e feliz! Você não tinha esse direito, agora eu é quem vou te matar! – Ela gritava – Como se alguém pudesse a ouvir, além dele.
- Eu quero que você saia! Agora! – Ela continuava.
ignorava, e continuava a sua procura, estava tentando enganar a si mesmo pensando que era tudo coisa de sua cabeça. Mas a sua própria cabeça o estava fazendo acreditar no que ouvia.
- Vamos ! Você não está feliz?! – Ela agitava as mãos.
Ele não conseguiu conter as lágrimas, estava aflito. Entrar ali foi completamente a pior idéia que tivera. Enfiou o braço embaixo da cama, e ali havia um papel, que logo agarrou.
Vinte e dois minutos e cinqüenta e sete segundos.
havia sumido. E o silencio voltava a ser o único som ali.
tremia, precisava ficar calmo.
Re-acendeu a lanterna, e olhou o bilhete. Mas ele estava em branco.
Não podia ser. Não podia.
A luz do quarto foi acesa. Era isso, era o fim.
- Você é, definitivamente, a pessoa menos discreta que eu conheço. – Era um policial. Mas não o mesmo da tarde daquele dia, era um bem mais sério. – Vamos. – Ele disse puxando pelo casaco.
não viu mais nada dali em diante. Estava tão pirado que desmaiou.


Flashback

“- Ah , relaxa! Você deveria confiar mais nas pessoas! - sorria, era tão linda. Especialmente sob a luz do pôr-do-sol.
- Certo, eu vou tentar... – sorria para ela.
- Ou você tenta ou eu te obrigo, mocinho! – Ela ria e rolava para cima dele, envolvendo-o num abraço quente, apertado, e ao mesmo tempo macio dela.”


/Flashback.

Acordou com uma luz forte em seu rosto.
- Acorde! – Uma voz masculina e grossa falava. – Você não quer um balde de água fria, quer? – A voz repetia.
- O Trust... Ele, ele precisa comer... – sentia a cabeça girar.
- Mas hein? Olhe, escute bem, você foi pego invadindo uma propriedade, está certo? – O homem falava.
assentiu com a cabeça.
- O que estava fazendo lá?
- Fui eu... Eu a matei... – falava baixo demais.
- O que? Você pode repetir? – O policial abaixava um pouco a luz.
abriu os olhos, e viu que estava em uma sala típica de interrogatório. Haviam três policiais, era tarde demais.
- Eu a matei. Matei , minha ex-namorada. – encarava o policial agora.
- Ótimo, poupou-nos um grande trabalho. Levante-se.
E assim o fez. Levantou-se e foi levado até uma pequena cela.
Um julgamento foi agendado. E confessou frente a um juiz. Que lhe deu uma pena de vinte anos em regime fechado.
Os anos se passaram. estava cada dia mais louco.
“PARE DE ME PERTURBAR!” e “Trust, ele precisa comer” eram as únicas frases que dizia.
Até que alguns anos depois, ele foi levado a um internato.
Oito e meia da manhã.
- Bom dia senhor , visita para o senhor. – Uma doce enfermeira deixava uma carta sob a mesa onde tomava seu café da manhã.
- Olá - uma voz doce soava. – Achei que ficaria feliz em me ver viva, sabe?
O sangue que corria nas veias de gelou. E nesse momento ele soube.
Ele não havia matado ninguém. Era tudo um jogo. Tudo pra ele acreditar, nem que fosse só nele mesmo.
Mas agora, quem acreditaria nele?
Era como se todos fossem ele agora, e ele não tivesse feito nada. O corrupto e falso, o assassino e sujo, era ele agora.
E tudo isso era uma chave.
Ele sabia da verdade, era a chave da sua salvação. O único problema era os outros.
- É , te fiz acreditar realmente. Te fiz confessar, por algo que nem aconteceu, algo que você criou. Consegui morrer e fazer você acreditar nisso, consegui acabar com a sua vida, não é incrível? – Ela ria. – Ah, o bilhete? Sim, não havia nada nele mesmo. Iria perder totalmente a graça se a policia encontrasse algo nele, e te prendessem em casa. Eu queria ver você sofrendo, enlouquecendo, e admitindo num tribunal.
Era isso, descanse em paz.
E assim ela se foi. A sua única chave. Como se nem tivera estado ali realmente.
E num susto, misturado com medo e alivio, ergueu a cabeça. Olhou em volta, estava em seu apartamento.
- , você acordou! – pulava em cima dele.
- Tive um péssimo sonho - Ele a apertava contra ele. – E era tão real...
- Relaxa garoto, vem, vamos ao parque hoje. - Ela se levantava.
- Mas hoje? É domingo, aaah qual é! – Ele se espreguiçava, o sol brilhava na manhã londrina.





N/A: Um final feliz, finalmente! Sonhos podem mudar muitas coisas hein? Nesse caso, começou a acreditar mais nas pessoas, sabendo que algum dia precisaria delas. Ninguém é uma ilha no mundo – ainda mais com a globalização! – era essa a moral da história, bem, curta, mas espero que tenham gostado e entendido a moral!E só mais uma coisa, era pra terminar nela falando, lá em cima, não era pra ser um sonho, mas eu pensei ‘poxa, nunca faço finais felizes’ então, tive que meter um clichê básico de sonho aí HUASHUAS espero que tenham gostado mesmo assim!

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