O homem dirigia sem prestar atenção à estrada. Um erro, sim, mas a irritação que sentia fazia com que ele olhasse para frente sem realmente enxergar. Por sorte, poucos carros passavam ali naquele momento.
- Estava tudo bem até você dar aquele ataque ridículo de ciúmes, Allison! - exclamou, olhando rapidamente para a garota sentada no banco ao seu lado e depois voltando os olhos para a estrada.
- Ataque ridículo de ciúmes, ? Não é fácil aguentar aquelas garotas te agarrando o tempo todo sem fazer nada! - Ela gritou de volta, bufando em seguida. Ele rolou os olhos antes de se virar para ela novamente.
- Ally, por Deus, elas são só fãs! E é completamente normal elas fazerem tudo isso! Tudo bem, algumas exageram, mas não é motivo pra todo esse ciúme! Já se tocou da dimensão do problema que você tá criando em cima de uma coisa tão... Insignificante?! Nós somos casados, daqui a poucas semanas teremos nossa filha e estamos super felizes, pra que complicar tudo agora? Pior ainda, por besteira? - Ele suspirou e abriu a boca para continuar, mas parou ao ver a expressão assustada que se formava no rosto da garota. - Ally... O que foi?
- , o carro! - Allison gritou e então ele se virou para olhar a estrada onde o carro ainda andava. Uma luz forte, proveniente dos faróis de outro carro, vinha em sua direção. Pisou no freio e girou o volante, tentando evitar a batida, porém, a fina camada de gelo que existia na pista fez com que o carro deslizasse e depois capotasse. Uma, duas, três... Várias vezes. ainda podia ouvir o barulho que o carro fazia ao bater no asfalto, ainda podia sentir dor em várias partes do corpo, podia sentir sangue lhe escorrendo pelo rosto, ainda podia ouvir o grito de sua mulher, ao seu lado, embora não conseguisse vê-la nitidamente, graças à sua visão que ia ficando cada vez mais turva. Ouviu pessoas chegando perto do carro e, mais ao longe, o barulho de sirenes. Tudo foi ficando mais distante e, então, a escuridão tomou conta de .
Um
Os olhos continuavam fechados, embora ele já estivesse acordado. As pálpebras pareciam pesadas demais para que ele conseguisse levantá-las, enquanto o corpo ainda teimava em não lhe obedecer. No entanto, ouvia a máquina ao seu lado apitar repetida e rapidamente, anunciando que ele já não dormia mais. Com algum esforço, conseguiu mexer os dedos, fechando uma das mãos lentamente. Ainda mais devagar, abriu os olhos, mas fechou-os assim que a claridade exagerada, somada ao quarto branco demais, atingiram-os. Continuava ouvindo os bipes da máquina, mas eles passaram a ser intercalados com o barulho de passos adentrando o cômodo.
Finalmente conseguiu manter os olhos abertos e os pousou sobre sua própria perna direita, podendo finalmente entender o motivo dela pesar tanto. Uma camada de gesso a envolvia, o que o fez concluir que provavelmente estava quebrada. Buscou na memória algo que pudesse lhe dizer como aquilo havia acontecido e como chegara até ali. Allison, fãs, ciúmes, briga, acidente.
Assustou-se. Virou a cabeça rapidamente na direção do médico que ouvira entrando no quarto poucos minutos antes. Rápido demais, constatou, quando sentiu uma leve tontura o atingir.
- Onde... Ally, onde ela está? - Sua voz saia fraca e falhada, pelo fato de não ser usada há algum tempo. O homem, parado ao lado da cama, parou de fazer as anotações em sua prancheta e encarou , deitado na cama.
- Você tem que se acalmar, Sr. . - Ele falou, calmo. - Ainda estamos monitorando a sua situação para termos certeza de que a concussão não causou nada além da perda de consciência.
- Não, Doutor... Eu quero... Eu preciso ver a minha mulher! E minha filha! - Exclamou, ouvindo a máquina ao seu lado apitar freneticamente com seu medo ao pensar no que poderia ter acontecido com o bebê. - Está tudo bem com ela, não está?
- Sr. , por favor, se acalme. Vamos fazer assim: observamos você até o horário do almoço, se estiver tudo bem, você pode ver sua esposa. - O médico continuava calmo, na esperança de que aquilo acalmasse também.
- Mas elas estão bem? - Ele insistiu mais uma vez.
- A situação de Allison é mais complicada, . - Dr. Blake, como ele agora conseguia ler bordado no jaleco branco, confidenciou, após respirar fundo. - Ela foi mais afetada no acidente, teve muitas fraturas e também uma hemorragia muito forte. Tivemos que fazer uma cesária de emergência para salvar a criança. - Fez uma pausa, mas logo voltou a falar, quando viu o paciente arregalar os olhos, amedrontado. - Acalme-se, garoto. Ela está bem, só ficará na UTI neo-natal por alguns dias por ter nascido prematura. Você também poderá vê-la mais tarde. - Finalizou, percebendo que finalmente ficava um pouco mais calmo, embora ainda se sentisse preocupado com a situação de Allison.
- Tudo bem. - murmurou, ainda perdido nos pensamentos que rodavam por sua cabeça. O medo era o sentimento mais presente naquele momento. Medo de algo dar errado e que sua filha acabasse não sobrevivendo. Medo de que a situação de Ally piorasse e ela também não sobrevivesse... Ele mal suportava a idéia de cogitar aquela possibilidade.
Pouco tempo depois, uma enfermeira adentrou o quarto para trocar o curativo existente em sua cabeça, onde batera durante o acidente. Após isso, ela apenas avisou que o remédio que estava lhe dando o faria dormir por mais algum tempo, para que pudessem monitorá-lo sem que sua agitação atrapalhasse nos resultados.
Horas mais tarde, já se encontrava acordado outra vez e esperando pela volta de seu médico, ansioso para poder finalmente ver sua filha e Allison. Dr. Blake adentrou o quarto alguns minutos depois, sério, o que provocou um certo medo no paciente.
- Está tudo bem com você, já vou deixar que você vá ver suas garotas. - Um fraco sorriso apareceu no rosto do homem, mas não foi o suficiente para que se acalmasse.
- E como elas estão, Doutor? - Ele perguntou, ansiando pela resposta, mas, ao mesmo tempo, com medo. - Alguma novidade?
- Bom... - Uma pausa foi feita, apenas piorando a preocupação de . - Sua filha continua como estava pela manhã. Como eu disse, só precisará permanecer lá por ter nascido prematura.
- E Allison? - Ele simplesmente não conseguiria se acalmar nem mediante a notícia de que seu bebê estava bem se não soubesse que sua esposa também ficaria. Há tanto tempo estava com ela, esperavam por aquele momento, quando finalmente começariam a formar a própria família, que ele não podia nem pensar em perdê-la. Não conseguia suportar a idéia de se ver sozinho com o bebê. Tinha medo, não só de não aguentar uma perda, mas também de não saber como cuidar da filha. Logo ele, que sempre se viu como uma eterna criança, como saberia se estava fazendo tudo do jeito certo?
- Infelizmente, não conseguimos reverter a situação dela. Não há nada que nós possamos fazer. - O médico novamente tinha a expressão sentida no rosto, mostrando que não gostava de dar a notícia. - Só podemos mantê-la viva com a ajuda dos aparelhos por algum tempo, até que você possa... Se despedir. - Ele teve certeza de que havia entendido antes mesmo de terminar a frase, quando viu as lágrimas caírem pesadamente dos olhos dele. - A hora que quiser ir vê-la... É só chamar. - Dr. Blake apontou a pequena campainha existente ao lado da cama do paciente e saiu do quarto, deixando que o homem continuasse chorando copiosamente, em silêncio.
Todos os momentos que ele havia passado com Ally agora eram como um filme em sua mente. Ele lembrava do momento em que a conhecera, ainda na faculdade; o primeiro dia em que saíram juntos; quando a pedira em namoro, poucos meses após o primeiro beijo; o dia do casamento dos dois, a lua de mel... Tudo voltava à sua cabeça e ele já não controlava os soluços roucos que escapavam de sua garganta. Respirou fundo, tentando se recompor. Não podia se entregar naquele momento, tinha sua filha, tão pequena, indefesa e, agora, completamente dependente dele. Por mais que doesse, por mais que se sentisse vazio com a perda que não havia mais como negar, sabia que não era a hora de desistir. Se não teria mais Allison, ela lhe deixara o melhor presente que poderia ter deixado. Era como uma lembrança viva da mulher, uma parte dela que continuaria sempre presente com ele.
Ajeitou-se sobre a cama, passou as mãos no rosto, tentando secar as lágrimas que ainda rolavam por seu rosto, mas todo esforço era inútil já que, por mais que tentasse controlá-las e já conseguisse fazer com que os soluços fossem raros, elas simplesmente pareciam saltar de seus olhos por vontade própria. Esticou o braço e tocou a campainha, esperando então que ou o médico ou a enfermeira voltassem para levá-lo até o quarto onde Ally estava. Dr. Blake aproximou-se dele com um par de muletas, para que ele conseguisse andar sem muitos problemas pelo hospital. Apoiando-se no homem, ficou de pé e usou as muletas para permanecer daquele jeito. Ainda um pouco sem jeito com os objetos, vacilou nos primeiros passos, mas se acostumou lentamente.
- Por aqui, Sr. . - O médico se pronunciou pela primeira vez desde que voltara, caminhando devagar em direção à porta. Em silêncio, o seguiu pelo corredor até parar em frente ao quarto para onde Allison havia sido transferida após terem a certeza de que ela já não acordaria outra vez. Abaixou a cabeça quando ameaçou entrar no cômodo e sentiu o rosto úmido outra vez por novas lágrimas. Respirou fundo, novamente pensando em sua filha, em algum outro lugar daquele hospital, buscando as forças que precisava para encarar aquilo de vez. Mais um passo e já havia passado da porta. Levantou os olhos devagar, vacilando sobre suas pernas quando enxergou o rosto pálido de sua esposa, tão diferente de como costumava ser. Já parecia sem vida, as grandes e fundas olheiras abaixo de seus olhos, que antes estavam sempre expressando tudo o que ela sentia; aqueles olhos que ele procurava encarar quando se sentia perdido, por saber que era lá que encontraria o seu lugar. Aproximou-se da cama, ainda sem querer acreditar que tudo aquilo era real. No fundo, ainda tinha uma esperança - fraca, mas ainda existente - de que acordaria, talvez na mesma cama de hospital em que estivera antes, mas descobriria que nada havia acontecido com sua esposa, que ela ainda estava viva e feliz, com sua garotinha ainda protegida dentro de si e perceberia que tudo aquilo não passava de um sonho muito ruim. Balançou a cabeça, obrigando-se a aceitar que sua vida mudaria completamente dali pra frente.
Sentindo que não aguentaria sustentar seu corpo por muito tempo sozinho, sentou-se na beirada do colchão, ao lado do corpo imóvel da mulher. Reunindo o resto de coragem que ainda existia em seu corpo, esticou a mão trêmula até alcançar a dela e segurá-la. O toque já não era tão macio quanto costumava ser, muito menos lhe passava o mesmo calor de antes. Já não se importava ao sentir as lágrimas deixarem seu rosto e acabarem tocando sua mão, ainda junto da dela. Deixando a perna quebrada para fora da cama, debruçou-se sobre Allison, voltando a soluçar sem se importar com qualquer outra coisa. Levantou o rosto e voltou a encarar o da esposa, ainda que lhe doesse vê-la daquela maneira. A imagem já lhe parecia embaçada, mas ele sequer se dava o trabalho de tentar secar os olhos, pois sabia que seria inútil.
- Ally... Por quê, Ally? Não sei se fiz alguma coisa tão ruim pra merecer um castigo desses. Droga, eu não quero acreditar. Eu sei que você não me ouve, mas eu ainda espero que você abra os olhos e me diga que vai ficar tudo bem. Logo agora que as coisas estavam dando certo e estávamos completando nossa família... Nosso sonho, lembra? - Sua fala era pontuada por soluços incessantes e a voz saía falhada, fraca, entrecortada. - Mas eu vou continuar... Eu não posso desistir, né? A gente tem a nossa filha agora. Eu tenho que cuidar dela, não tenho? Ela depende de mim... E eu vou cuidar dela, porque ela é um pedacinho de você... E desse jeito você vai estar pra sempre comigo. - Fez outra pausa, buscando fôlego pra terminar. Não mudaria nada, ela não voltaria, mas ele precisava desabafar. - Mas e se eu não souber cuidar direito dela, Ally? Se eu fizer algo errado, quem é que vai me ajudar? E se eu acabar machucando nossa filha? Eu to sentindo tanto medo... Eu me perco sem você. Você sabe disso, não sabe, Ally? Sempre foi você. Agora eu estou sozinho... Vazio. Pela metade. Eu não... - Os soluços já eram altos o suficiente para que quem passasse no corredor ouvisse e mais nada que fizesse sentido saia de sua boca. Eram apenas murmúrios, palavras soltas que tentavam demonstrar e colocar pra fora a dor que sentia, sem sucesso. Sentiu uma enfermeira segurá-lo pelo braço e tentar retirá-lo dali, mas simplesmente agarrou-se mais ainda ao corpo inerte de Allison. Dr. Blake foi chamado e obrigou a sair do quarto, mesmo que praticamente arrastado, mais apoiado no médico do que nas muletas que havia recebido antes. O homem ainda tentou fazer com que voltasse ao seu quarto para se acalmar e então, mais tarde, visse a filha, mas ele não aceitou. Respirou fundo, encontrando outra vez a voz e insistiu para que visse a menina naquele momento. Após se acalmar, seguiu o médico até a UTI neo-natal. Sabia que não poderia entrar, nem tocá-la ou segurá-la em seu colo, mas apenas vê-la através do vidro seria o suficiente para confirmar que ela realmente estava bem. Passou os olhos por todos os bebês que se encontravam ali, cada um em uma das incubadoras. pôde imaginar a preocupação dos pais de cada uma daquelas crianças, algumas talvez sequer saíssem dali... Mas, por mais que tentasse, não conseguia fantasiar uma situação pior que a sua. Talvez fosse apenas a dor do momento, da perda, mas não pensava em nada mais trágico do que acabar perdido do jeito que ele estava. Sentiu a vista embaçar outra vez quando leu o nome na plaquinha pendurada em uma das incubadoras e logo lágrimas já molhavam seu rosto outra vez. Levantou os olhos até poder vê-la. Parecendo tão pequena e frágil em meio a todos aqueles tubos que a ajudavam a respirar e se manter viva, lá estava sua filha. Como se soubesse que estava sendo observada pelo pai, o bebê mexeu de leve as perninhas, fazendo com que, em meio ao choro, abrisse um sorriso. Fraco, mas, ainda assim, era um sorriso.
- Qual o nome dela? - Dr. Blake perguntou, parado ao lado dele.
- Nós... Ainda não tínhamos decidido. - respondeu, uma lembrança de alguns meses atrás vindo à sua mente.
Flashback
Allison estava sentada no sofá, as pernas encolhidas sobre ele, os braços cruzados em frente ao peito e, no rosto, uma expressão emburrada. estava ao lado dela, um sorriso brincando em seus lábios, mas ele fez questão de escondê-lo quando a mulher o encarou. Os hormônios da gravidez a deixavam muito mais sentimental e ele não queria irritá-la ainda mais.
- Meu amor... Desse jeito nunca vamos chegar a um nome definitivo. - Ele disse, aproximando-se dela e passando um braço por seu ombro, mantendo-a perto de si.
- Mas você nunca aceita o que eu quero. - Ela resmungou, a voz chorosa.
- Ally... Temos tempo pra decidir isso ainda. - respirava fundo. Achava até engraçado a forma como ela agia desde que a gravidez começara a chegar próxima dos últimos meses, mas também se cansava. - Podemos ter essa conversa outro dia, quem sabe até lá...
- Eu não vou mudar de idéia! - Allison exclamou, descruzando os braços e o encarando diretamente. - Eu quero Sophie! - Insistiu.
- Quem sabe até lá um de nós tenha mudado de idéia. - Ele concluiu, como se não tivesse sido interrompido. Viu que ela continuava com a cara fechada e deixou seus lábios encontrarem a pele do pescoço da mulher, arrepiando-a. Sorriu, sem se afastar, e sussurrou. - Por favor, podemos deixar isso pra depois?
Como em tantas outras situações entre eles, não precisou que ela respondesse com palavras. O sorriso que começava a aparecer nos lábios de Ally era suficiente pra lhe dizer que a pequena discussão havia acabado e, mais uma vez, nada havia sido decidido. Ele não se importaria se, no final, tivesse que ceder. Qualquer nome seria ótimo pelo simples fato da criança ter nascido da união dos dois.
Fim de Flashback
- Sophie. - Murmurou, mais para si mesmo do que para responder o médico, que o encarou sem entender. - O nome dela. Vai ser Sophie. - Explicou, decidindo naquele momento mesmo que daria à filha o nome que Allison queria. Era como se estivesse realizando o último desejo dela, já que ela não tivera a chance de lhe fazer realmente um último pedido.
Ouviu passos apressados no corredor e uma voz esganiçada chamar por seu nome, fazendo-o virar imediatamente na direção de que vinha o som. Sua mãe se aproximava dele, os olhos inchados e vermelhos, denunciando que ela estivera chorando. Lógico que haviam ligado para seus pais, devia ter esperado aquilo. Provavelmente a família de Allison também estava a caminho. Sentiu o vazio dentro de si outra vez ao pensar em ter que dar a notícia às outras pessoas. Os braços de sua mãe o envolveram e se deixou desabar em lágrimas outra vez, abraçando-a de volta com força, mantendo-se em pé apenas com a perna que não estava quebrada enquanto ouvia a voz fraca da mulher mais velha murmurar que tudo ficaria bem.
- , acho melhor vocês conversarem em seu quarto. - Dr. Blake interviu, fazendo com que eles se separassem. concordou com a cabeça e rumou de volta para o quarto, sendo seguido por sua mãe e seu pai, que mantia uma das mãos em seu ombro, como se quisesse lhe dar forças. Já no quarto, deitou-se outra vez na cama e seus pais sentaram nas cadeiras ao seu lado. Ele contou todo o acontecido, mesmo que entre soluços e novas lágrimas. Doía ter que reviver todo o acidente e falar em voz alta que Allison nunca voltaria fazia tudo parecer muito mais real. Obrigava-o a aceitar a perda, por mais que não quisesse.
A volta pra casa não fora das mais fáceis para . Entrar outra vez na casa que havia abrigado todos os seus momentos com Ally nos últimos quase dois anos fazia com que todas as lembranças viessem à tona e lhe machucassem mais do que ele pensava ser possível. A dor não o deixava nunca e seu sono à noite era pontuado por sonhos nos quais ele revivia o acidente, ou via Allison o culpando por sua morte, já que ele não prestava atenção à estrada na hora da batida.
Acordou mais uma vez sem se sentir realmente descansado, mas levantou assim mesmo, usando a muleta de apoio, já que ainda tinha o gesso na perna. Era um dia especial para ele. Duas semanas após o acidente, já passados o velório e enterro de Ally, era dia de buscar Sophie no hospital. Todos os dias ele passava por lá para vê-la, pedia que seu pai, que estava em sua casa até que a menina tivesse alta, o levasse até lá, já que ele próprio não podia dirigir com a perna daquele jeito e, além disso, estava sem carro. Em algumas das vezes, encontrou algumas fãs na porta do hospital, mas desconversou quando perguntaram sobre Allison e sua filha. Já era difícil demais aguentar a perda sem ter que ficar repetindo tudo para todos que perguntavam e Sophie, em sua opinião, ainda era pequena demais para ser exposta à mídia.
Após o banho, foi até a cozinha, onde sua mãe havia preparado o café da manhã do jeito que ele sempre gostara. Sorriu fraco com isso e beijou o rosto da mulher. Ela aceitara ficar ali, assim como seu pai, por pelo menos alguns dias, mas ele tinha uma idéia diferente do que fazer.
- Mãe... - Chamou, esperando que ela se sentasse à mesa, em sua frente, para continuar. - Estive pensando... Não sei se quero ficar nessa casa. - Fez uma pausa e viu a expressão de sua mãe murchar, percebendo a dor que ele sentia por continuar ali. - Pelo menos por agora.
- Entendo que não queira ficar por aqui. - Ela assentiu com a cabeça, sem tirar os olhos dele. - E o que pensou?
- Ainda tenho meu quarto na casa de vocês, em Bolton, não? - Sorriu de canto. Não o sorriso que tinha antes do acidente, não aquele que chegava aos olhos, mas, ainda assim, já não eram só lágrimas, como havia sido nos primeiros dias.
- Claro que sim, ! - Sua mãe exclamou, sorrindo. - Podemos ir assim que você tirar o gesso, então, pra você não fazer esforço nenhum com a perna desse jeito.
- Tudo bem. - Ele concordou, servindo-se de um copo de suco. Logo depois seu pai se juntou a eles na mesa e, algum tempo depois, estavam no carro, indo em direção ao hospital.
mal podia acreditar que finalmente ia poder levar Sophie pra casa. Sua filha, sua menininha. Já era apegado a ela de uma maneira que nunca imaginou que seria. Estava inquieto dentro do carro. Não só pela perspectiva de buscá-la, mas toda vez que entrava naquele hospital se lembrava de seu último momento com Ally ainda viva e sentia outra vez aquele aperto no peito, o vazio incontrolável. Os olhos voltaram a arder quando o carro parou em frente ao grande prédio, mas já havia se acostumado a controlar as lágrimas. Não se permitia mais chorar em frente aos pais, sabia que eles já sofriam demais por vê-lo abatido como estava, não queria piorar a situação. Desceu do veículo com a ajuda do pai e apoiou-se nas muletas para adentrar o hospital. Sua mãe ia mais à frente, tão ansiosa para pegar a neta no colo quanto ele. Quando se aproximaram do local onde Sophie se encontrava nos últimos dias, já podiam ver uma enfermeira segurando-a nos braços, um sorriso no rosto. teve que se sentar no banco que havia no corredor para poder segurar a filha, por culpa da perna quebrada, mas aquilo era o de menos. Tinha sua garotinha em seus braços, definitivamente. O sorriso bobo em seu rosto entregava a felicidade que, mesmo com toda aquela situação, conseguia atingi-lo naquele momento. Aproximou a menina de seu rosto, tocando sua testa com os lábios, carinhosamente. Sophie se mexia em seu colo, parecendo querer se aconchegar a , como se estivesse reconhecendo que aquele era seu pai. tocou com o dedo as delicadas mãozinhas da menina enquanto reparava no quão pequena ela era e como parecia frágil, como se pudesse quebrar ao menor toque. Surpreendeu-se quando sentiu os pequenos dedos da menina envolverem o seu, apertando-o de leve. Ainda mais bobo, ele sorriu mais abertamente e sussurrou:
- Somos nós dois agora, Sophie. Nós dois.
Dois
Onde estará ?
Quase dois anos após a morte de Allison , sua esposa, continua com o hiatus em sua carreira. Após o acidente do qual ele e sua filha, Sophie, escaparam com vida, o cantor deixou Londres, indo passar um tempo na casa dos pais, em Bolton. Na única entrevista que deu desde então, tudo o que disse é que sua carreira solo seria paralizada até que ele conseguisse se estabilizar outra vez.
Depois de tanto tempo, estamos esperando que ele volte logo, não é? E, de preferência, que nos apresente sua filha, que até agora só conhecemos por nome.
fechou o notebook e girou a cadeira para encarar a pequena garotinha que brincava em seu cercadinho, para que não acabasse se machucando ao tentar subir as escadas da casa. Sophie já tinha quase dois anos e segurá-la era impossível. se via cada vez mais bobo por ela e não deixava que ela saísse de sua vista nem mesmo por um minuto. Tinha sido complicado no começo, quando não fazia idéia nem de como trocar uma fralda direito, mas se acostumara com o tempo e hoje nem mesmo precisava da ajuda de sua mãe para cuidar da menina. Percebendo os olhos do pai sobre ela, Sophie se levantou, apoiando-se no cercado. Sorriu para e estendeu as mãozinhas na direção dele, chamando-o. Sorrindo, levantou-se e caminhou até onde ela estava, pegando-a no colo e sentindo os bracinhos delicados envolverem seu pescoço.
- O que foi, pequena? - Perguntou, encarando a filha, que esticou-se em direção ao violão, murmurando alguma coisa que ainda não havia aprendido a entender. De qualquer jeito, já sabia o que ela queria. Há algum tempo, havia se tornado rotina ele tocar algumas músicas no violão e Sophie adorava ouvi-lo tocando. Às vezes compondo novas canções e fazendo a menina rir quando errava, às vezes apenas relembrando as antigas. Pensava em logo voltar com a carreira, afinal, não ficaria com os pais pro resto da vida. Recomeçaria, voltaria à Londres, tinha uma nova música que pensava em lançar como single e talvez voltasse a fazer shows logo.
- Quer ouvir o papai tocar? - Sorriu para a garotinha, que bateu palmas, animada. pegou o violão e caminhou até o sofá, colocando Sophie ali e sentando-se em frente a ela. Ajeitou o violão no colo e dedilhou as primeiras notas de In My Life, dos Beatles, vendo a menina abrir um sorriso, mostrando os dentinhos perfeitos que já possuía. Distraiu-se enquanto a observava e se perdeu nas notas que tocava antes mesmo de começar a cantar. Ouviu a gargalhada de Sophie e não se segurou, rindo junto a ela. Pôs o violão de lado e a chamou para que sentasse sem seu colo. A menina ameaçou chorar, querendo a música. então começou a cantar, somente sua voz, sem instrumento algum.
- There are places I remember, all my life though some have changed. Some forever, not for better. Some have gone and some remain. All these places had their moments with lovers and friends I still can recall. Some are dead and some are living, in my life I've loved them all. But of all these friends and lovers, there is no one compared with you, and these memories lose their meaning when I think of love as something new. - Via os olhos de Sophie, que lhe lembravam os de Allison tanto quanto a música que cantava, prestando total atenção em si e sorriu com isso, continuando com a música. - Though I know I'll never lose affection for people and things that went before, I know I'll often stop and think about them, in my life I'll love you more. - Os olhos arderam e não pôde evitar deixar uma lágrima solitária escorrer de um de seus olhos. A voz embargada o impediu de terminar a música e a pequena mão de Sophie lhe tocando o rosto para secá-lo o deixou completamente sem reação. Abraçou-a contra si com força, perguntando-se o que teria sido dele após o acidente se Soph não tivesse sobrevivido. Não teria tido força alguma para continuar se não fosse ela. Era quase irônico quando a menina é que era completamente dependente dele, mas tinha o sentimento de que era dela que tirava toda a força para que conseguisse levantar todos os dias e seguir em frente. Percebia, naquele momento, que Sophie era seu porto seguro e que talvez fosse a hora de voltar à Londres e à rotina que tinha antes de tudo acontecer. Finalmente recomeçar a viver.
- Acho que precisamos ter uma conversa com a sua avó. Que tal nos mudarmos? Vamos ser, realmente, só nós dois agora. Mas ela não vai gostar disso. - Ele disse, colocando a garotinha de pé em suas pernas e segurando apenas as mãos dela, para segurá-la. Sophie apenas o observava, os olhos curiosos, como se quisesse saber para onde iriam. sorriu, pegando-a nos braços e levantando. - Você conta, ok? Você é pequena e ela não vai brigar com você. - Riu, fazendo a menina rir junto, o que o fez se perguntar se ela realmente o entendia. Tinha criado o hábito de conversar com a pequena, mesmo que só às vezes ela respondesse. Parando pra pensar, ultimamente ela quase sempre o respondia algo que ele entendia. Sorriu bobo, lembrando-se da primeira vez em que ela falara, a primeira palavra.
Flashback
, seu produtor e melhor amigo, havia ido visitá-lo em Bolton, também para conversar sobre sua carreira, que continuava paralizada por conta do acidente. Enquanto conversavam e lhe propunha algumas coisas para quando ele estivesse em condições de voltar a tocar, Sophie brincava pela casa em seu andador, carregando uma boneca consigo. Adentrou a sala apertando alguns dos botões, iniciando uma músiquinha calma e suave e balançando-se no ritmo do som.
- Cara, é muito tua filha mesmo. Olha só, desde pequena na música. - riu, observando a garotinha, tão bobo quanto . Soph esticou os braços para o pai, que a tirou do andador, colocando-a sentada no colo enquanto voltava a discutir com sobre uma das músicas que havia composto nos últimos dias. Distraído na conversa, não percebeu que a menina se esticava, tentando alcançar a boneca que deixara sobre o brinquedo.
- Papai! - Ela exclamou, espalmando uma das mãozinhas no braço de que a segurava em seu colo, o cenho franzido, como se estivesse irritada. Ele a encarou extremamente surpreso, um sorriso imenso aparecendo em seus lábios enquanto observava a expressão fechada da filha, como se estivesse braba com ele.
- Ela falou, cara! - ria, abobalhado, sem tirar os olhos dela. - Ela me chamou!
Fim de Flashback
Duas semanas após decidir que voltaria à Londres e ainda ouvindo as recomendações de sua mãe sobre como agir com Sophie, prendeu a menina na cadeirinha, no banco de trás do carro, vendo-a resmungar, incomodada em ter que ficar ali parada. A mulher continuava falando sobre os remédios que a garotinha podia ou não tomar e virou-se para ela, um sorriso no rosto. Deu alguns passos e segurou o rosto da mãe entre suas mãos.
- Mãe. Eu juro que eu vou cuidar direito da minha filha e qualquer coisa eu ligo pra você. Satisfeita? - Perguntou, olhando-a nos olhos e os vendo se encherem de lágrimas.
- Eu só acho que ela ainda é tão pequena, . Vocês podiam ficar mais um tempo aqui. Sabe que não estão incomodando... - Ela disse, quase implorando para que ele ficasse. A verdade é que havia se acostumado com o filho e a neta na casa e agora tinha medo de que tudo voltasse a ser tão quieto quanto antes. Uma criança sempre traz vida à casa, não se pode negar.
- Mamãe, por favor. - Ele pediu, passando a segurar uma das mãos dela entre as suas próprias. - Não é questão de incomodar, você sabe. Eu só preciso continuar minha vida, minha carreira. Nós viremos até aqui sempre pra visitá-los, certo? - Sorriu, um pouco fraco por vê-la daquele jeito. Ela tinha ajudado tanto naquele ano, não gostava de saber que as lágrimas que ela tanto segurava eram por culpa dele.
- Só não deixe de nos ligar se acontecer qualquer coisa, tudo bem? Não importa a hora. - Ela disse, abraçando-o, e ele apenas retribuiu o gesto, assentindo com a cabeça e beijando o topo da cabeça da mãe. Afastou-se dela e foi se despedir do pai, que repetiu toda a história de que ele poderia ligar caso precisasse de alguma coisa, enquanto a mulher estava com Sophie, provavelmente se despedindo, mesmo que a menina não entendesse tudo o que ouvia. Após isso, voltou ao carro e sentou em frente ao volante. Tirou o celular do bolso e discou o número que conhecia tão bem. A ligação foi atendida logo no primeiro toque.
- ? Marque uma coletiva pra essa semana, estou voltando pra Londres hoje. Diga a eles que vou falar sobre a volta da minha carreira e apresentar Sophie. - Disse, observando a filha pelo espelho retrovisor assim que ouviu a voz do melhor amigo do outro lado da linha.
Algumas horas depois, estacionou o carro na garagem do prédio que visitara alguns dias antes e onde comprara o loft em que passaria a morar com Sophie. Havia resolvido se mudar, pois não queria continuar vivendo no lugar que abrigara toda uma história entre ele e Allison; se era pra recomeçar, recomeçaria de verdade, do zero. Saiu do carro, abriu a porta traseira e soltou o cinto que prendia a menina à cadeirinha, podendo vê-la sorrir aliviada e erguer os bracinhos, como se comemorasse.
- Pronto, chatinha. Soltei você. - Riu, tirando-a dali e colocando-a no chão para poder pegar as malas no bagageiro do carro. Viu quando Sophie ameaçou ir para longe e chamou-a de volta. - Soph! Fica aqui perto do papai. - Pediu, vendo-a fazer um bico. - Só um pouquinho, já vamos subir e você vai conhecer sua nova casa.
Pegou as duas malas que não haviam vindo para o novo loft com a mudança e segurou na mão de Sophie, encaminhando-se para o hall do prédio e, então, para o elevador. comprara a cobertura do prédio simplesmente por achar que a filha adoraria poder ter a vista de grande parte de Londres, à noite, completamente iluminada, do terraço. Apaixonara-se pela visão quando estivera ali pela primeira vez e no mesmo momento decidira que era ali que iria morar.
Assim que saiu do elevador e abriu a porta do loft, deixou que Sophie entrasse em sua frente, quase correndo. Sorriu, largando as malas ao lado da porta e indo até ela, que tinha as mãozinhas espalmadas no vidro da grande janela da sala, que ocupava toda a extensão da parede, desde o chão até o teto. Abaixou-se ao lado da garotinha, que virou o rosto para ele.
- Alto! - Ela exclamou, fazendo rir, colocando-a sentada em uma de suas pernas, flexionadas, sentindo os pequenos e delicados braços dela o abraçarem um pouco desajeitadamente, devido à posição em que se encontravam.
- Tem muito mais coisas pra você ver, pequena. Acho que você vai gostar. - Levantou-se, mantendo-a no colo e caminhando em direção à escada que levava ao segundo andar do loft. Subindo-as, logo parou em frente a uma porta onde havia uma plaquinha com o nome da menina. Abriu a mesma e colocou Soph no chão, deixando que ela admirasse o cômodo todo em tons de lilás e branco. Os pequenos olhos da garotinha brilhavam intensamente enquanto observava cada canto do quarto, então ela voltou a olhar para o pai, um enorme sorriso nos lábios. Agarrou as pernas de , abraçando-o onde alcançava, em agradecimento. Tomou-a em seus braços outra vez e foi mostrar o resto do loft para a filha, feliz por finalmente estar sentindo que estava recomeçando, de verdade.
Sophie chorava em seu quarto, o celular tocava na mesa de cabeceira ao lado da cama e mal conseguia abrir os olhos, ainda com sono. Coçou os olhos e pegou o celular, vendo o nome de piscando no visor. Atendeu ao mesmo tempo em que levantava e quase corria em direção ao quarto da filha.
- Por favor, não me diga que ainda está acordando. Você tem dez minutos pra chegar aqui antes da nossa reunião e sua coletiva é amanhã, . - O outro resmungou, sabendo que com certeza chegaria atrasado.
- Estou e ainda preciso arrumar Sophie pra poder ir. Desculpa, . Mas, se algum dia eu chegar no horário, saiba que é um impostor. - Riu fraco, parando ao lado do berço de Sophie e a pegando no colo, apoiando a cabeça dela em seu ombro e tentando acalmá-la.
- Sempre assim, mesmo depois de tanto tempo parado. - riu. - Tudo bem, só venha o mais rápido possível. - Pediu, antes de desligar, sabendo que o amigo estava ocupado e ainda meio perdido com a história de cuidar sozinho de Sophie.
- Acho que temos um problema com essa sua fralda... - Disse, vendo que a menina parava de chorar aos poucos. Colocou-a deitada sobre o trocador, tirando a parte de baixo do pijama que ela usava. - Sabe, nessas horas eu sinto falta da sua avó e penso que nós devíamos ter ficado algum tempo a mais na casa dela. - Ele conversava, enquanto trocava a fralda de Soph, mesmo que tudo que tivesse como resposta fosse algumas risadas. - Não que eu ache ruim ter que te trocar, sabe? Mas também não é algo que eu adore fazer... - Deu de ombros, colocando uma limpa, fechando-a e recolocando a calça na filha. - Agora nós temos que escolher sua roupa, porque você vai sair comigo. Vamos ver o tio , Soph!
- Tio! - Ela exclamou, sorrindo e batendo as mãos uma na outra. sorriu, deixando-a sentada ali em cima e caminhando até a cômoda onde guardara as roupas dela. Tirou de lá um pequeno vestido rosa com detalhes brancos e outro completamente branco, com alguns bordados, mostrando-os a Sophie.
- Sua avó me mandou colocar um desses dois em você no dia da coletiva. Mas hoje, provavelmente, vamos ser fotografados... Qual você quer usar pra sair em todas as revistas e sites de fofoca? - Riu com o que dissera e deixou ao lado de Soph o branco, que ela havia apontado. Trocou a roupa da filha e a colocou no cercadinho com brinquedos que havia no quarto. - Fique aí um pouquinho, ok? Papai vai só tomar um banho e aí vamos tomar café e voar pra produtora antes que tio resolva realmente me bater. - Ouviu a menina murmurar um "Tá!" despreocupado enquanto já pegava as bonecas e se distraia com as mesmas. Encarou-a durante um tempo, o mesmo sorriso bobo de sempre presente em seu rosto. Era incrível como, mesmo depois de mais de um ano convivendo com ela, ainda se encantava com a filha. Balançou a cabeça, lembrando-se de que estava atrasado e saiu do quarto, caminhando até o banheiro. Depois de um banho rápido, tanto por estrar atrasado quanto pela preocupação exagerada que tinha em deixar Sophie sozinha em algum lugar, vestiu-se rapidamente e passou no quarto da menina outra vez, encontrando-a ainda brincando. Soph ouviu quando ele entrou no quarto e se levantou, apoiada no cercado, logo depois estendendo as mãos na direção dele.
- Tá com fome, é? - Observou-a enquanto ela concordava com a cabeça. Desceu as escadas ainda com ela em seus braços e foi até a cozinha, abrindo a geladeira e virando o rosto para encará-la. - O que quer comer?
- Danoninho. - A mãozinha da menina esticou-se em direção aos vários potes vermelhos empilhados na prateleira e pegou um deles, junto a um iogurte que seria o seu café da manhã. Em seguida, deixou a menina sentada em sua cadeira, próxima à mesa.
- Estamos atrasados, deixe o papai ajudar você a comer, ok? - Disse, ao ver que ela ameaçava pegar a colher para comer sozinha. Sophie fez cara feia, mas não discutiu e poucos minutos depois já estavam saindo de casa quando se lembrou de que faltava algo. A bolsa de Soph. Deixou-a na sala do apartamento e correu escada acima, até o quarto da menina. Juntou algumas peças de roupas extras, fraldas e tudo que eventualmente fosse precisar e colocou em uma das grandes bolsas que sua mãe comprara e, até ali, ele não tinha entendido a finalidade. Definitivamente, devia haver um curso de formação de pais solteiros antes do nascimento das crianças. Voltou até a sala correndo e a tomou em seus braços outra vez.
- Acho que não esqueci de nada, né? - Encarou-a, recebendo um resmungo de "Não sei" como resposta e saiu, indo em direção ao elevador.
Não demorou muito mais que meia hora para estacionar em frente à produtora que costumava ser praticamente sua segunda casa, quase dois anos atrás. Desceu do carro, indo até a porta traseira para pegar Sophie e, no momento em que a abriu, percebeu que estava sendo observado e, provavelmente, fotografado. Pegou a filha no colo, apoiando a cabeça dela em seu próprio ombro, tentando fazer com que ela escondesse o rosto em seu pescoço. Achava que ela ainda era pequena demais pra ser exposta a tanta coisa, mas também tinha consciência de que, de volta à Londres, seria impossível mantê-la longe daquilo tudo. Caminhou rapidamente até adentrar o prédio e se ver livre de qualquer fotógrafo que estivesse na rua. Cumprimentou a secretária que ele já não conhecia, pois não era a mesma de quando estivera ali pela última vez, antes de se ausentar. Entrou no elevador e esperou pacientemente até que o mesmo parasse no sexto andar. Enquanto atravessava o corredor até a sala de , Sophie olhava tudo ao seu redor, os olhos curiosos observando cada detalhe, já que era a primeira vez que passava por ali. Entrou sem ao menos bater e viu levantar da cadeira onde estava sentado para cumprimentá-lo e tirar Soph de seu colo, beijando de leve o rosto da menina.
- Já aprendeu a cantar com seu pai? - Riu, quando voltou a pegá-la no colo e sentava-se na cadeira em frente à de , que já havia sido ocupada por ele outra vez. - Seria uma ótima dupla.
- Quem sabe um dia, não é, pequena? - Sorriu para a menina, que lhe devolveu um sorriso ainda maior e se deixou escorar no peito do pai, brincando com os próprios dedos, sem prestar atenção alguma à conversa dos dois.
Junto a , decidiu que na coletiva do dia seguinte liberaria a informação de que um novo single já estaria sendo gravado em breve e que talvez fizesse um show para concretizar sua volta antes de entrar em estúdio para gravar o próximo disco. Finalizavam a reunião quando algumas batidas na porta foram ouvidas. fixou os olhos na mesma, por cima dos ombros de , e murmurou um "Entre".
Uma garota adentrou a sala e pôde ver que ela tinha os olhos um pouco vermelhos e inchados. Reconheceu-a como sendo , a irmã mais nova de , que ele costumava encontrar sempre nos tempos de escola, quando vivia na casa dos .
- Oh, ... Desculpe, eu não sabia que estava ocupado. Posso voltar outra hora. - Disse, já se preparando para se retirar, mas a interrompeu, percebendo que o amigo estava preocupado com a irmã e também querendo afastar uma certa lembrança que viera à sua mente ao vê-la.
- Não, eu já estou indo. - Levantou-se, com a filha no colo e a bolsa com as coisas dela pendurada desajeitadamente no ombro.
- realmente está de volta? - A mulher esboçou um sorriso, cumprimentando-o. - E essa é a tão falada Sophie? - Estendeu os braços para a menina, que automaticamente ameaçou se jogar no colo dela, mesmo sem conhecê-la. sorriu, deixando que a segurasse.
- Quanto tempo, . - Disse, lembrando-se de que não a via desde que ela fora fazer a faculdade de medicina na Austrália, alguns anos atrás. A garota estava realmente diferente, no seu ponto de vista. Não que antes fosse feia, mas os anos fora realmente haviam lhe feito bem.
- Verdade... , Sophie é a sua cara! Bem que o falou mesmo. - Ela sorriu, devolvendo a menina ao pai, já que ela ameaçava chorar; nunca ficava muito tempo nos braços de outra pessoa mesmo, era apegada demais a .
- Só não pode ter herdado a falta de pontualidade, né, ? - riu, levantando e se aproximando dos outros dois.
- Pelo menos vai ser bonita. - revidou, também rindo, enquanto Sophie apenas passava os olhos sobre os três, sem realmente prestar atenção a eles.
- E convencida também... - disse, quase gargalhando ao ver a expressão indignada no rosto de .
- ! - Exclamou enquanto rolava os olhos, mas riu em seguida, ajeitando Soph em seus braços e sentindo a fralda da menina mais pesada que o normal. - Opa, acho que temos um problema aqui, né, pequena? De novo. - Suspirou, sabendo que teria o mesmo trabalho que havia tido pela manhã, enquanto Sophie apenas ria.
- Posso trocá-la enquanto você termina de conversar com o . - se ofereceu e deixou que ela levasse Soph e a bolsa com as coisas da menina para fora da sala, agradecendo com um sorriso. Não percebeu que ficara tempo demais a observando sair até ouvir o pigarro de , ainda parado em sua frente. Coçou a nuca, sem graça.
- Ela tá... Diferente. - Deu de ombros enquanto abria um meio sorriso amarelo, sem graça.
- Seu safado! Ela ainda é minha irmã, . - riu, espalmando uma das mãos no braço de .
- Eu nunca disse que não era. - Riu, voltando a se sentar, mas ainda encarando o amigo. - Tudo certo pra amanhã, então?
- Desde que você chegue no horário! - rolou os olhos, largando-se em sua cadeira outra vez. imitou o gesto, sem se importar. Alguns minutos de atraso não matariam ninguém, muito menos a imprensa que esperava ansiosamente sua volta. Não demorou muito para que adentrasse a sala outra vez, com Sophie em seu colo.
- Sua filha é uma das crianças mais adoráveis que eu já vi, . - Sorriu, entregando-a ao homem que já havia se levantado ao vê-la voltando. - Pagaria pra vê-la amanhã na coletiva, em frente às câmeras.
- É só aparecer. - Ele retribuiu o sorriso, recebendo a bolsa com as coisas de Soph e pendurando-a no ombro.
- Meu dia de plantão na maternidade do hospital. Esse meu irmão não serve nem pra marcar a entrevista no meu dia de folga. - Disse, mostrando a língua para e fazendo rir.
- Bom, fica pra próxima. - Ele disse. - Acho que é hora de irmos, certo, pequena? - Encarou Sophie, vendo-a balançar a cabeça, negando, e sorrir para , que estendeu os braços, tirando-a do colo de .
- Acho que perdeu sua filha, . - A mulher riu, junto com a garotinha, que deitava a cabeça em seu ombro.
- Vai trocar o papai pela ? - Abriu a boca, fingindo indignação. - Tudo bem. Vou embora sozinho, então. - Foi em direção à porta, ouvindo Sophie chorar quando o viu colocar a mão sobre a maçaneta. Riu, girando nos calcanhares e aproximando-se dela outra vez, abraçando-a e sentindo seus bracinhos enlaçarem seu pescoço e ela esconder o rosto ali, segurando-se a ele.
- Ah, pequena... Era brincadeira, você sabe disso. Papai não vai deixar você, nunca. - Beijou-lhe o topo da cabeça e, despedindo-se rapidamente de e , saiu da sala, podendo ouvir o início da conversa dos dois assim que fechou a porta atrás de si.
- Agora me conte, o que aconteceu? Vi seus olhos quando entrou aqui, .
- Acabou, . Acabou. - Os soluços da garota foram a última coisa que ele ouviu antes de sair em direção ao elevador.
Três
O último paciente do dia havia saído da sala e se deixou cair sentada na cadeira, retirando as luvas e jogando-as no lixo. Estava cansada, mas em momento nenhum se arrependia da profissão que escolhera, ainda mais por ter conseguido se especializar em pediatria, seu objetivo desde o início, e, melhor ainda, trabalhar em sua própria clínica. O único dia mais puxado era quando fazia o plantão na maternidade do hospital, mas era apenas uma vez por semana, então não tinha o mesmo problema da maioria dos médicos, de praticamente não ter tempo para si mesma. Respirou fundo e sorriu, lembrando que tinha um jantar com Richard naquela noite. Sentia falta dele, mas percebia que mesmo quando estavam juntos, o homem parecia distante. Com certeza precisavam de uma conversa sincera e talvez fosse naquele jantar que ela puxaria o assunto.
Levantou-se, pegou a bolsa e saiu da sala, encontrando sua secretária na recepção também já ajeitando as coisas para ir embora. Despediu-se dela e saiu da clínica, apenas querendo chegar logo em casa.
A campainha tocou no momento em que finalizava a maquiagem, em frente ao espelho. Observou uma última vez sua imagem, satisfeita com o resultado, pegou a bolsa de cima da cama e então caminhou o mais rápido que os saltos finos de seu sapato deixavam até a porta, abrindo-a e sorrindo ao ver Richard ali parado. Ele inclinou o rosto na direção do dela, beijando-a rapidamente, para então observá-la por completo.
- Linda. Como sempre - o homem sorriu, enlaçando a cintura dela com um dos braços, puxando-a para fora do apartamento. - Vamos?
assentiu e entrelaçou a mão na dele após trancar a porta, indo com ele em direção ao elevador. Richard começava a falar alguma coisa sobre sua empresa, sócios ou qualquer assunto que ela simplesmente mal entendia e, pra falar a verdade, não se interessava, mas ainda tentava prestar atenção. Naquele dia, porém, era mais difícil. Ele novamente parecia longe, distante, como se alguma coisa não estivesse certa e aquilo continuava a incomodando. O caminho até o restaurante escolhido por Rick não era longo e foi preenchido pelas conversas de sempre, sobre o dia a dia de cada um... Mas ela sentia que o relacionamento parecia estar caindo na rotina e já não sabia o que fazer para mudar a situação. Sentiu quando o carro parou e saltou do mesmo, entrelaçando o braço no de Richard enquanto entravam no local, dirigindo-se para a mesa que ele havia reservado mais cedo. Sentaram-se e fizeram os pedidos e, antes que eles chegassem, tocou a mão do namorado, sobre a mesa, encarando-o nos olhos.
- Rick... Aconteceu alguma coisa? - Perguntou, mordendo o canto do lábio, incerta. Tinha medo do rumo que aquela conversa poderia tomar, pois sabia que ele não gostava de ser confrontado.
- Claro que não, . Por quê? - Richard respondeu, após algum tempo a observando, a voz um pouco fraca, como se tivesse se surpreendido com a pergunta. Como se estivesse escondendo alguma coisa.
- Não sei. Você parece distante... - Fez uma pausa, respirando fundo e balançando a cabeça de um lado para o outro. - Richard, conheço você. Sei que tem algo acontecendo, que quer falar alguma coisa. Toda vez que nos encontramos você parece distante, nervoso... Realmente achou que eu não perceberia? - Sua mão, que continuava sobre a dele, fechou-se, exercendo uma pequena pressão, como se quisesse dizer que estava ali para qualquer coisa, em qualquer momento.
- ... - Foi a vez dele de respirar fundo, procurando palavras para continuar. - Eu sei que talvez eu esteja pedindo demais, mas... Eu tive uma proposta de emprego. Na sede oficial da empresa, em Nova York - ele recolheu a mão, juntando-a a outra e escondendo o rosto nelas. Seus olhos voltaram a encarar a mulher em sua frente quando ela abria a boca para responder, mas aparentemente não encontrava a voz pra isso. Ele sabia, olhando em seus olhos, o que ela queria perguntar. - Sim. Eu aceitei.
- Richard! Como assim? Como você pôde? - tentava manter a voz num tom normal, mas ela falhava em alguns momentos. - Quero dizer... Podia ao menos ter me contado! O que você ia fazer? Ir embora sem sequer me avisar?
- , não é isso... Eu... Eu ia... - Fechou os olhos por um momento. - Te pedir pra ir comigo - encarou-a a tempo de ver sua reação, mas sem realmente saber o que ela estava pensando. Só percebeu que talvez tivesse escolhido as palavras erradas quando a viu derramar algumas lágrimas que antes segurava com tanto custo.
- Eu não posso largar tudo o que eu conquistei aqui pra ir com você, Richard! - Ela exclamou, passando uma das mãos pelo rosto, secando-o.
- Você pode conquistar o mesmo lá! - Rick contrapôs, já um pouco alterado também. O egoísmo dos dois era a principal barreira do relacionamento e a única que ainda não havia sido quebrada.
- Não, não posso! Eu tenho toda a comodidade do mundo trabalhando aqui! Não vou pra lá com um emprego incerto que talvez me faça passar noites e mais noites em claro. Desculpe, Richard - finalizou, apoiando-se na mesa para levantar ao mesmo tempo em que já pegava a bolsa de cima da mesa, pronta para ir embora. Rick levantou-se também, segurando de leve no braço da mulher.
- Eu não posso perder essa oportunidade. Por favor, não faça tudo ficar ainda pior, - seu tom de voz era quase uma súplica, o que apenas aumentava a dor que sentia. Ela fechou os olhos por alguns segundos, respirando fundo antes de responder.
- Eu acho que não há nada que nós possamos fazer - sentiu a mão dele escorregar por seu braço, soltando-o.
- Posso pelo menos te levar até em casa? - Perguntou, simplesmente por não saber o que falar ou que reação esboçar.
- Não precisa, eu pego um táxi - disse, antes de caminhar a passos largos até a saída, parando o primeiro táxi que passou por ali. Adentrou o mesmo, deu o endereço de casa e deixou de controlar as lágrimas e soluços, mesmo quando sentia o olhar do motorista sobre si. Mal percebeu o tempo passar enquanto o veículo se movia rapidamente pelas ruas sem muito trânsito àquela hora e só notou que já estava em frente ao prédio onde morava quando o homem ao volante pigarreou de leve. Tirou uma nota qualquer de dentro da carteira, entregando-a ao taxista, sem se importar em pegar o troco e já descendo do carro. Passou direto pela portaria e apertou o botão do elevador inúmeras vezes, fazendo o mesmo com o botão com o número sete assim que as portas metálicas se abriram, como se aquilo fosse fazê-lo subir mais rápido. Esperou impaciente que chegasse ao seu andar e, no mesmo momento em que entrou no apartamento e fechou a porta, deixou-se desabar por completo.
se apoiou na superfície lisa da parede logo na entrada e não teve forças pra impedir que o corpo escorregasse por ela até ir de encontro ao chão. As mãos esconderam o rosto, tentando inutilmente secá-lo, pressionando os olhos, como se daquela maneira fosse conseguir estancar as lágrimas que escapavam deles, sem sucesso algum.
Perdeu a noção do tempo enquanto estava ali, apenas revivendo todos os momentos com Richard... Um relacionamento de tantos anos, desde que voltara da Austrália após se formar, já haviam falado em casamento uma porção de vezes, planos feitos para uma vida inteira... Tudo acabado em uma única noite, com uma única notícia, uma oportunidade boa demais para ser desperdiçada, no ponto de vista dele. Não era o suficiente pra que ela largasse sua comodidade por algo incerto. nunca abandonaria tudo o que tinha em Londres por uma oferta de emprego. Já havia sido difícil demais deixar a família por alguns anos para estudar, mesmo que sempre tenha sido seu maior sonho se formar em medicina naquela faculdade, não os deixaria outra vez. Era muito apegada a todos, principalmente a . Mesmo quando estava longe, não passava um dia que fosse sem falar com o irmão, fosse por telefone ou mesmo pela internet. Seu irmão mais velho, mas, ao mesmo tempo, seu melhor amigo.
.
Precisava dele naquele momento.
Procurou dentro da bolsa pelo celular, encontrando-o rapidamente. Já ia discar os números tão conhecidos quando percebeu que já era tarde demais e ele provavelmente estaria dormindo. Ficara quase duas horas ali escorada, sentindo o rosto molhado pelas lágrimas e relembrando tudo o que passara com Rick.
Respirou fundo e, com algum esforço, levantou dali, encaminhando-se lentamente para o banheiro. Deixou os sapatos ainda no meio do caminho, irritada pelo barulho que os saltos faziam em contato com o chão. Terminou de se despir, prendeu os cabelos em um coque frouxo, pra que não molhasse, e entrou debaixo da água quente, esperando que o banho a fizesse relaxar um pouco. Depois de um bom tempo ali, desligou o chuveiro, secando-se rapidamente e vestindo uma calça de um pijama qualquer e um moletom largo que encontrou no armário, sorrindo fraco ao lembrar que roubara aquela peça do quarto de e ele sequer sentira falta. Deitou-se na cama, puxando o cobertor por sobre a cabeça e adormeceu em seguida.
O sol a atingia em cheio nos olhos e se xingou mentalmente por não ter fechado as cortinas na noite anterior. A noite anterior. Os olhos arderam ao lembrar-se dos acontecimentos e ela os fixou no teto, não querendo deixar as lágrimas caírem outra vez. Se começasse, sabia que não conseguiria controlá-las outra vez. Encarou o relógio, assustando-se ao ver os números indicando quase dez e quarenta da manhã, até lembrar-se de que aquele era seu dia de folga. Aliviada, decidiu ir até a produtora de ; precisava do irmão naquele momento. Levantou da cama, vestiu-se com a primeira calça jeans que encontrou, uma blusa simples de mangas compridas e calçou um tênis, caminhando em direção a cozinha. Sem fome, apenas pegou um iogurte na geladeira, bebendo-o enquanto pegava as chaves do carro e saía do apartamento. Não levou mais do que vinte minutos para chegar até lá, estranhando a quantidade de paparazzi na entrada do prédio, estava acostumada a ver apenas um ou outro nas vezes em que fora até ali, tanta gente aglomerada ali não era normal. Deu de ombros e desceu do carro, passando direto por todas as pessoas ali paradas e entrou no local, parando na recepção.
- está aí? - perguntou à moça, que pousou o olhar sobre ela calmamente, sorrindo de leve ao reconhecê-la como sendo a irmã do homem.
- Está sim, pode subir - disse, indicando os elevadores com um gesto. agradeceu e encaminhou-se até lá, entrando em um deles e esperando pacientemente até que atingisse o andar da sala de . Ensaiava em sua cabeça o que diria para . Sabia que ele nunca havia realmente gostado de Richard e que ficaria extremamente revoltado ao vê-la daquele jeito por causa dele. Repassar todos os acontecimentos, entretanto, fez com que as lágrimas voltassem aos seus olhos sem que ela pudesse evitar. Respirou fundo antes de sair do elevador quando as portas se abriram e caminhou devagar pelo corredor até parar em frente à sala de . Secou a pequena lágrima que havia escorrido de seus olhos e bateu de leve na porta, ouvindo um "entre" na voz de . Abriu a porta, surpreendendo-se ao ver quem fazia companhia ao irmão. estava de costas para a porta, uma linda menininha brincando em seu colo.
- Oh, ... Desculpe, eu não sabia que estava ocupado. Posso voltar outra hora - ela disse, já perdida na última memória que tinha de , na última noite que passara em Londres antes de se mudar para a Austrália. Mesmo enquanto conversava com ele e com seu irmão, lembrava-se daqueles momentos.
Flashback
A música tocava no volume máximo, a casa estava lotada de pessoas dançando, bebendo e se divertindo. Era impossível andar por ali sem esbarrar inúmeras vezes em pessoas diferentes. avistou de longe a melhor amiga, , com e sorriu. Seria bom se os dois se acertassem de vez. Durante todo o colegial os dois ficaram naquele relacionamento enrolado, nunca realmente namorando, mas sempre juntos de alguma forma. Desviou os olhos deles e foi até a cozinha, encontrando um grupo de pessoas junto à bancada, uma garrafa de tequila pela metade, alguns limões cortados em quatro e o pote de sal sobre ela. Parada na porta, viu quando a encarou e abriu um meio sorriso já um pouco bêbado, fazendo sinal para que ela se aproximasse e ela foi até ele.
- E então, pequena - riu fraco, abraçando-a de lado, pelos ombros. virou o rosto para encará-lo. - Austrália, huh? Parabéns.
- Obrigada, - ela sorriu, corando de leve. Não gostava quando prestavam tanta atenção assim nela, não importando quem fosse.
- Acho que devia comemorar juntando-se a nós - apertou mais o braço que estava em volta dela, fazendo-a recostar a cabeça em seu ombro.
- , é sua vez! - Outro garoto da rodinha chamou e voltou sua atenção a eles, encarando quem ia desafiá-lo daquela vez. Juntou uma pequena quantidade de sal entre o indicador e o polegar e pegou o copo que lhe ofereciam. O mesmo garoto que o chamara antes fez a contagem e, após ter colocado o sal na boca, virou todo o líquido de uma vez só, batendo o copo na bancada ao terminar e já colocando o quarto de limão na boca, acabando antes do outro garoto.
- Ah! Ganhei! De novo - riu, voltando-se para a garota, que continuava ali o observando. - Vamos, ! Sua vez agora - exclamou, fazendo-a rolar os olhos, mas se aproximar da bancada.
As vozes das pessoas já estavam longe demais pra que ela realmente as ouvisse. Simplesmente alternava o olhar de seu copo para , rindo alto, ainda disputando quem viraria o shot de tequila primeiro. Bateu o copo sobre a bancada apenas alguns segundos antes dele fazer o mesmo e gargalhou.
- Seu fraco! - Exclamou, ainda rindo. Observou a cozinha à sua volta e não viu mais o grupo que estava ali antes, apenas algumas pessoas isoladas, conversando. Estranhou, pois sequer sentira o tempo passar, muito menos todos indo embora. Pegou a garrafa, a fim de colocar outro shot pra ela e , mas viu que já estava vazia. - Opa, acabou.
- Você é a única que consegue me ganhar nisso aqui. Não é justo! - O garoto cruzou os braços, os lábios se projetando para frente em um bico emburrado, fazendo rir ainda mais. - Será que conhece esse lado da irmãzinha dele? - deu um passo para a frente, fazendo com que a garota desse um para trás, escorando-se à geladeira, sem saída.
- não precisa saber de tudo - abriu um sorriso de canto, percebendo quando apoiou as duas mãos na porta da geladeira atrás dela, encurralando-a de vez.
- Ah, é assim? Então ele não vai precisar saber disso também - o sorriso e os olhos do garoto deixavam transparecer toda a malícia daquele momento, enquanto ele aproximava o rosto do dela, quebrando qualquer distância que houvesse entre os dois no momento em que deixou que sua boca encontrasse a dela. As mãos de automaticamente foram de encontro aos cabelos dele, ao mesmo tempo em que ele a segurava próxima a si pela cintura, sem querer deixá-la se afastar. Ambos já estavam bêbados o suficiente para não se importarem com nada além dos dois, dos seus corpos em completo contato e nas sensações que cada um proporcionava ao outro. mordeu o lábio dela de leve, quebrando o beijo quando sentiu suas mãos o tocando por baixo da camiseta, arrepiando-o. Puxou o ar com força, tentando voltar a respirar no ritmo normal e baixou o rosto até alcançar o pescoço da garota, traçando um caminho de leves beijos até alcançar seu ouvido, soltando a respiração pesada ali de propósito, sabendo que a arrepiaria.
- Acho que devemos ir pra outro lugar, - sussurrou, deixando os lábios tocarem a pele dela enquanto falava. Ouviu quando concordou em um murmúrio e entrelaçou seus dedos aos dela, puxando-a em direção à sala, onde a aglomeração de pessoas era ainda maior. A garota puxou a mão dele com um pouco mais de força, chamando sua atenção para si mesma e apontando com a cabeça em direção às escadas quando os olhos de pousaram sobre ela. Um novo sorriso malicioso apareceu em seu rosto quando ele iniciou a subida, levando consigo. Abriu a segunda porta do corredor, que sabia ser o quarto da garota, e entrou, prensando-a contra a porta após fechá-la e girando a chave enquanto voltava a beijá-la. Sentiu as mãos de espalmadas em seu peito, empurrando-o devagar na direção da cama e sorriu entre o beijo. Deixou o corpo cair sobre o colchão, sorrindo enquanto observava a garota tirar lentamente cada uma das sandálias de salto que usava, praticamente o torturando com cada movimento. Esticou um dos braços para puxá-la de vez para cima da cama quando ela ameaçou dar um passo para trás, provocando-o ainda mais. se deixou cair sobre ele, sentindo as mãos apressadas de tatearem suas costas até encontrarem o zíper de seu vestido e sorriu com os lábios contra o pescoço dele, levando as mãos até a barra da camiseta que ele usava e a levantando devagar. Uma a uma, as peças de roupa que usavam foram se amontoando no chão, ao lado da cama. Tarde demais para desistir, cedo demais para se arrepender.
Fim de Flashback
balançou a cabeça de um lado para o outro, afastando as memórias. Havia sido apenas consequência de uma festa com bebida demais. Sempre vira como o melhor amigo de seu irmão e não havia sido aquela noite que mudara aquilo. Sequer sabia por que a lembrança voltara à sua mente naquele momento, talvez fosse o choque de revê-lo depois de tanto tempo, já mais velho e tão mudado. Não podia culpá-lo, uma perda como a que ele tivera e uma filha, com certeza mudariam qualquer um. Aquele , tão preocupado e dedicado à filha não parecia em nada com o irresponsável que ela conhecera no colegial.
- ! - Ouviu exclamar, rindo logo em seguida, enquanto ajeitava Soph em seus braços. - Opa, acho que temos um problema aqui, né, pequena? De novo - ele suspirou, fazendo abrir um sorriso fraco. trocando fraldas era algo que ela realmente nunca imaginara.
- Posso trocá-la enquanto você termina de conversar com o - ofereceu e viu a gratidão nos olhos do homem enquanto pegava a menina em seus braços, pegando também a bolsa que carregava. Saiu da sala, sentindo o olhar dele pesando sobre suas costas. Olhou para Sophie assim que fechou a porta, sorrindo.
- Quer dizer que anda dando trabalho pro seu pai, é? - Riu, fazendo a menina gargalhar junto a ela enquanto caminhava em direção ao banheiro feminino. - Você tem sorte... Digo, ele é legal, não é? - Viu Soph bater palmas, sorrindo e mostrando os dentinhos bastante brancos.
- Muito! - Exclamou, enrolando-se nas letras, ainda sem saber falar corretamente. a abraçou com mais força, achando-a extremamente fofa. Adorava crianças, achava todas adoráveis, bem por isso havia se especializado em pediatria. Cuidar das crianças e bebês que eram seus pacientes era um prazer, lógico que em alguns dias acabava voltando para casa cansada, mas na maioria deles sequer sentia o tempo passar. Empurrou a porta do banheiro com a ajuda de Soph, rindo ao ver a felicidade da menina com tão pouca coisa e a curiosidade dela observando tudo ao seu redor. Aproximando-se do trocador de fraldas existente ali, largou a bolsa sobre ele, retirando de lá uma pequena mantinha para cobri-lo antes de colocar Sophie deitada. Falava com a menina o tempo inteiro enquanto a trocava, sorrindo e recebendo de volta algumas risadinhas que ela adorava ouvir. Muitas vezes, por trabalhar tanto com crianças, não via a hora de ter seus filhos. O pensamento a fez lembrar-se de Richard e pôde sentir os olhos ardendo outra vez. Balançou a cabeça, afastando aquilo de sua mente, enquanto terminava de fechar a nova fralda, deixando Soph pronta. Colocou-a no chão enquanto lavava as mãos para então pegá-la no colo outra vez e levá-la de volta ao escritório de .
Voltou à sala, devolvendo a menina ao pai assim que ele levantou da cadeira e foi na direção das duas.
- Sua filha é uma das crianças mais adoráveis que eu já vi, . - sorriu, entregando-a a ele. - Pagaria pra vê-la amanhã na coletiva, em frente às câmeras.
- É só aparecer - ele retribuiu o sorriso, fazendo com que a mulher realmente pensasse naquela possibilidade e se irritasse com por ter marcado no único dia da semana que ela não poderia ir.
- Meu dia de plantão na maternidade do hospital. Esse meu irmão não serve nem pra marcar a entrevista no meu dia de folga - mostrou a língua para o irmão, fazendo todos na sala rirem.
- Bom, fica pra próxima - ele disse. - Acho que é hora de irmos, certo, pequena? - Sophie, para a surpresa de todos, balançou a cabeça, sorrindo sapeca e olhando para , que a pegou no colo outra vez.
- Acho que perdeu sua filha, . - Ela riu, junto à garotinha, que deitava a cabeça em seu ombro, levando uma das mãos até a boca.
- Vai trocar o papai pela ? - abriu a boca, fingindo indignação e fazendo a mulher se lembrar de como ele sabia ser dramático. - Tudo bem. Vou embora sozinho, então. - Ele foi em direção à porta de saída e parou com a mão sobre a maçaneta, ouvindo Sophie chorar alto e chamá-lo de volta. riu e voltou até ela, abraçando-a carinhosamente enquanto ela escondia o rosto ainda um pouco molhado pelas lágrimas no pescoço do pai, fazendo encará-los abobalhada por todo o carinho existente entre os dois.
- Ah, pequena... Era brincadeira, você sabe disso. Papai não vai deixar você, nunca - ele a beijou no topo da cabeça e despediu-se de e com um aceno de cabeça, enquanto ainda acalmava Sophie, saindo da sala em seguida.
Assim que ouviu a porta fechar, sentou na cadeira antes ocupada por e baixou os olhos, focando-os nas próprias mãos, tudo o que pensara em dizer a havia sumido de sua cabeça no momento em que notara que ele percebera que algo tinha acontecido.
- Agora me conte, o que aconteceu? Vi seus olhos quando entrou aqui, - ela ouviu a voz do irmão soar um tanto preocupada enquanto os olhos dele não deixavam de encará-la. Respirou fundo antes de forçar a própria voz a sair.
- Acabou, . Acabou. - As lágrimas caiam com força sobre as mãos que ela ainda mantinha sobre o colo enquanto soluçava, tentando explicar a o que acontecera na noite anterior.
Levou algum tempo até terminar de contar tudo e tinha medo de levantar os olhos e encarar o irmão, por saber que ele teria uma expressão agressiva no rosto. Não percebeu quando ele se levantou e sentou na cadeira ao lado dela, passando um braço por seu ombro, abraçando-a. Apoiou a cabeça em seu peito, pouco se importando se molharia a camisa que ele usava.
- Vai ficar tudo bem, - ele sussurrou, apertando-a mais contra si; odiava vê-la daquele jeito. - Você vai ver. Vai dar tudo certo.
Quatro
Sentado em sua cama com a filha ao lado, assistindo a um programa infantil qualquer, ele viu sua foto na entrada da produtora, com Sophie no colo, estampando a página do site de fofocas que havia recebido de , por e-mail. A menina tinha os bracinhos em volta do pescoço de e o rosto escondido por ele, que tinha a cabeça abaixada, justamente pra evitar os fotógrafos. Desviando os olhos da televisão por um breve momento, Soph viu a foto e se esticou até que sua mão tocasse a tela.
- Papai! - Levantou o rosto e encarou , com um sorriso no rosto, diferente dele.
- É, o papai e você - ele disse, balançando a cabeça de um lado para o outro. Pôs o notebook de lado e colocou Sophie em seu colo, ajeitando o cobertor sobre os dois. - Não queria que você tivesse que aguentar isso tão cedo, pequena. É tão chato.
- Não! Eu gosto - exclamou, franzindo o cenho e parecendo um pouco irritada. riu, colocando-a de pé sobre suas pernas e a beijando no rosto.
- Se você diz - fez com que ela sentasse outra vez, encarando o relógio e percebendo que precisava começar a se arrumar logo. - Sua avó vai brigar comigo, mas não vou colocar aquele vestido em você hoje.
- Frio - Soph murmurou, fazendo um bico que fez rir e ter vontade de apertar a menina.
- Isso mesmo - colocou-a ao seu lado outra vez, levantando da cama. - Vamos nos arrumar logo. Ainda precisamos almoçar antes que o tio ligue pra reclamar que estamos atrasados.
Sophie riu e ficou de pé, apoiando-se no pai, que permanecia ali ao lado, pedindo que ele a pegasse no colo, como sempre.
- Você tá me saindo uma filha muito folgada, Sophie. - Ele resmungou, tomando-a em seus braços e indo em direção à cozinha.
Após muito trabalho e sujeira, já que Soph brigou pela posse da colher, querendo comer sozinha, agora lutava com a filha, tentando dar um banho nela sem sair do banheiro também completamente encharcado. Tentava mantê-la quieta dentro da banheira, mas tudo o que ela fazia era rir e bater as mãozinhas na água, molhando tudo à sua volta.
- Droga, Soph! Papai já tá ensopado também, olha só! - Exclamou, protegendo os olhos da menina enquanto despejava uma pequena quantidade de água em sua cabeça, retirando a espuma deixada pelo shampoo com cuidado. Sophie gargalhava e simplesmente continuou mergulhando os brinquedos que havia levado para o banho na água, por vezes voltando a molhar , que simplesmente balançava a cabeça e se conformava com o fato de que teria que se trocar outra vez antes de sair.
- Pronto. Chega. - Deixou a menina sentada na banheira enquanto buscava a toalha para secá-la. Enrolou-a na toalha e a retirou da água, carregando-a até o quarto, onde a colocou deitada sobre o trocador de fraldas. Depois de secar a filha cuidadosamente e vesti-la de modo a não deixá-la desprotegida contra o frio, a deixou no chão outra vez.
- Não se suje, tudo bem? Só vou colocar uma camiseta seca - rolou os olhos, embora estivesse sorrindo, e Sophie gargalhou, sabendo que era a culpada por aquilo. - Tá rindo, é? Vai ver só. - Ele saiu do quarto da menina, já tirando a camiseta molhada que usava. Em seu quarto, tirou uma camiseta qualquer de dentro do armário e vestiu uma jaqueta por cima. Voltou a caminhar em direção ao quarto de Soph e a encontrou no corredor, indo atrás dele. Tomou-a em seus braços e conferiu o relógio, percebendo que estavam em cima da hora.
- Quase atrasados. Vou mandar brigar com você por ter me dado um segundo banho - disse, buscando a bolsa com as coisas necessárias para trocá-la e desceu as escadas rapidamente. Parou no meio do caminho para a porta, procurando as chaves do carro, e as encontrou próximas a um porta-retratos com uma foto dele e Allison. Era a única lembrança material dela que ele tinha exposta no loft. Todas as outras fotos estavam guardadas no armário, assim como sua aliança, que ele retirara do dedo ao voltar para Londres. Curiosa como sempre, Sophie estendeu a mão na direção do objeto.
- Mamãe? – Indagou; os olhos vagando da foto para o rosto do pai, que tinha o lábio inferior preso entre os próprios dentes. Era óbvio que aquele momento chegaria um dia. Não podia esperar que a filha crescesse sem se perguntar por que não tinha uma mãe, ou, se tinha, onde ela estava. Agradecia muito por, até ali, ela não ter sido o tipo de criança que perguntava demais, tanto que nunca perguntara sobre Allison. Infelizmente, aquilo estava mudando.
- Sim. É sua mãe - respondeu, tentando manter a voz firme, apesar dela estar claramente embargada. Afastou-se dali, levando as chaves consigo e logo saindo do apartamento. Esperava que a filha não insistisse no assunto, mas sabia que era burrice acreditar naquilo. Enquanto entrava no elevador, ela voltou a falar.
- Cadê? - Soph o encarava, séria, sem realmente parecer uma criança de quase dois anos. Sem saber o que responder, ele continuou em silêncio durante todo o trajeto do elevador até o carro, estacionado na garagem do prédio. Enquanto a prendia na cadeirinha, no banco de trás, percebeu que não podia ficar calado pra sempre.
- Ela não está mais aqui - fechou os olhos quando os sentiu arder. Falar sobre Allison ainda era um problema para , não podia negar. Não era como se tivesse realmente superado... Na verdade, tinha basicamente ignorado toda a dor que sentia, uma vez que colocara em sua mente que não podia parar a vida, principalmente porque tinha uma vida dependendo de si agora. Seguira em frente por causa de Sophie e, de certa forma, deixara seus sentimentos de lado, focando toda sua atenção apenas nela.
Respirou fundo e terminou de prender o cinto da cadeirinha, fechando a porta do banco traseiro. Sentou-se ao volante e baixou a cabeça, deixando algumas lágrimas solitárias caírem de seus olhos. Secou-as discretamente enquanto ouvia a filha se manifestar outra vez.
- Papai? - Soph chamou e, pelo retrovisor, ele conseguia ver que ela tentava observá-lo, porém, sem sucesso, devido ao fato de estar atrás do banco que ele ocupava. - Tá bem?
Um sorriso bobo apareceu em seu rosto e girou o corpo a fim de conseguir enxergar a filha, que tinha o cenho franzido, como se tentasse entender o que estava acontecendo. Balançou a cabeça de um lado para o outro antes de responder.
- Tudo certo - forçou um sorriso. - Pronta pra ser vista pelo mundo? - Riu quando a viu assentir com a cabeça e bater palmas animadamente enquanto praticamente gritava um "Siiim!". Virou-se outra vez para o volante e girou a chave na ignição, dando a partida.
Parou o carro em frente ao mesmo prédio onde estivera no dia anterior, porém, como era de conhecimento geral que ele estaria ali naquele momento, a aglomeração de pessoas era muito maior. Entre fãs, fotógrafos e repórteres, ele mal conseguia ver a porta de entrada da produtora. Ainda dentro do veículo, viu um dos seguranças sair de lá e abrir caminho em sua direção. Agradeceu mentalmente por isso e desceu assim que o homem chegou perto o suficiente pra não deixar nenhuma fã maluca alcançá-lo. Abriu a porta traseira e pegou Sophie no colo, percebendo que ela parecia um pouco assustada com tanta gente quando sentiu sua cabeça deitada em seu ombro, escondendo o rosto em seu pescoço, do mesmo jeito que ele havia a forçado a fazer no dia anterior.
Atravessou aquela espécie de corredor que havia se formado, ouvindo gritos histéricos das adolescentes ali presentes, sentindo os flashes das inúmeras câmeras que tinham ele como único foco. Esticou um dos braços, tocando a mão de algumas meninas, rindo ao ver o quanto aquilo significava pra elas. Em outras situações, teria parado próximo a elas e distribuído autógrafos, tirado fotos e tudo o mais. Porém, com Soph em seu colo, não queria arriscar. Tinha medo que acontecesse algo a ela, uma vez que sabia bem que algumas fãs eram até um pouco... Descontroladas. Entrou no prédio, finalmente, e olhou para a filha, que o encarou de cara fechada.
- Muita gente - o lábio inferior da menina se projetou para frente, formando um bico que fez rir.
- Você disse que gostava. - Continuou rindo, sem receber resposta de Sophie. Balançou a cabeça levemente e entrou no elevador, indo até o último andar, onde ficava a sala onde seria feita a coletiva.
Assim que entrou no local, já cheio de jornalistas e, pra variar, mais alguns fotógrafos, sentiu todos os olhares pousarem sobre ele. Caminhou lentamente até o lugar reservado a ele, em frente a todas aquelas pessoas, ao lado de , que já se encontrava lá. Sentou-se e se virou para ele.
- Na hora, viu? E, não, não sou um impostor - riu junto ao amigo, que rolava os olhos.
- Pelo menos uma vez na vida, né? - respondeu, sorrindo e passando a encarar Sophie. - Parece assustada. Vai levar algum tempo pra se acostumar a essa loucura, tadinha.
- Ela gosta de toda essa atenção. - deu de ombros, ajeitando Soph, que permanecia quieta e tímida em frente a tantas pessoas desconhecidas, em seu colo.
Em poucos instantes, a entrevista começou. A maioria das perguntas era sobre sua vida desde o acidente, o que o deixava, de certa forma, desconfortável por ter que falar em Allison sem ter realmente explicado a verdade a Sophie antes, mas não deixou de responder nenhuma das perguntas. Começaram então a questionar quando voltaria a fazer shows, sobre novos projetos e tudo o mais, o que o animou um pouco mais, falando do novo single, já prestes a entrar em fase de gravação e do show que ainda estava por ser agendado, mas concretizaria sua volta antes de entrar em estúdio para o novo disco.
- Pode nos dar uma prévia dessa nova música, ? - Uma das jornalistas pediu e, antes de respondê-la, virou-se para , como se pedisse uma espécie de autorização. Ele deu de ombros e pediu que alguém trouxesse um violão para que a música pudesse ser tocada.
tomou Sophie no colo para que o outro pudesse tocar sem maiores problemas assim que o instrumento chegou, trazido por algum funcionário do local. Algumas notas foram tocadas antes que a voz de pudesse ser ouvida.
- In a blink of an eye, I never got to say goodbye. Like a shooting star, flying across the room, so fast so far, you were gone too soon. - Cantou um pequeno trecho da canção, a primeira que havia escrito após o acidente, claramente falando sobre sua perda. Após mais algum tempo falando sobre a música, as perguntas se voltaram para sua filha, que já estava outra vez sentada sobre suas pernas, as pequenas mãozinhas apoiadas sobre a mesa à frente, observando curiosa tudo em sua volta.
- Então, essa é a tão falada Sophie ? - Outra jornalista ali presente sorriu simpática para a menina. - Ela não falou conosco ainda.
Envergonhada ao perceber que todas as pessoas no local prestavam atenção em si, Soph apenas girou o corpo, escondendo o rosto no peito do pai, que riu, ajeitando-a melhor, impedindo que ela continuasse se escondendo.
- Vamos, pequena. Você disse que ia gostar de estar aqui. - Ainda ria, vendo que agora ela colocava as mãos sobre o rosto, balançando a cabeça de um lado para o outro, como se negasse o que ele dizia. - Vamos lá. Tire as mãos do rosto. Todos estão ansiosos pra ouvir sua voz linda, assim como a minha. - Fez graça, ouvindo as risadas preencherem a sala. Lentamente, Sophie cedeu aos pedidos de e abaixou as mãos. Percebendo isso, ele aproximou o microfone da filha, também curioso pra saber o que ela diria.
- Oi - Ela falou, rapidamente se escondendo outra vez no corpo do pai, que sorria, abobalhado, em seguida lhe beijando no topo da cabeça. Após mais algumas poucas perguntas, a entrevista foi encerrada e, visando não expor ainda mais Sophie, que continuava parecendo assustada com toda aquela gente, pediu que alguém levasse seu carro até a saída dos fundos da produtora para só então sair de lá.
O som, inicialmente distante, fez com que ele abrisse os olhos lenta e preguiçosamente, ainda tentando entender o que estava acontecendo. Rolou na cama e ficou em silêncio algum tempo até perceber que o som que havia o acordado era o choro de Sophie no quarto ao lado. Automaticamente, despertou por completo, levantando-se de um salto e indo até o quarto da filha, que chorava alto. Preocupado, aproximou-se do berço e a pegou no colo, tentando acalmá-la e já checando se o problema seria a fralda, mas percebendo que, daquela vez, estava errado. Encarou Sophie, tentando entender o que estava a incomodando.
- Está com fome, pequena? - Perguntou, ainda mais preocupado por simplesmente não saber o que ela tinha. Viu a menina balançar a cabeça, negando. Sentou-se na poltrona ao lado do berço, com ela ainda em seus braços. - Onde tá doendo? Diz pro papai, Soph.
Sophie levou uma das mãos até a cabeça, próxima ao ouvido, ainda chorando alto. levou uma das mãos até a testa da filha, percebendo que ela estava mais quente do que o normal. Mantendo-a em seu colo, caminhou até o banheiro, procurando pelo termômetro que sabia ter guardado em uma daquelas gavetas. Encontrou o objeto e voltou ao quarto enquanto tentava acalmar Sophie, esperando até que ela parasse de soluçar para colocar o termômetro em sua boca.
- Calma, vai passar, tá bom? Não chora. - Secou as lágrimas dela enquanto a via afirmar com a cabeça. Quando o aparelho apitou, pegou-o de volta e observou os números no visor marcarem quase 39 graus. Arqueou as sobrancelhas, já completamente sem saber o que fazer. Pelo visto, além da febre, também havia a dor no ouvido e ele não sabia que tipo de remédio poderia dar à filha, que sequer tinha dois anos ainda. Pensou em ligar para sua mãe, perguntando como agir, mas sabia que a preocuparia demais e talvez nem fosse nada sério.
- Doendo, pai. - Sophie resmungou, com a voz chorosa, e ele a abraçou, vasculhando sua mente em alguém a quem pudesse recorrer.
. O nome martelava em sua mente, como sua única opção no momento.
Foi até seu próprio quarto e pegou o celular da mesa de cabeceira, passando toda a agenda em busca do nome de , sem sucesso. Bufou, mas, sem hesitar, ligou para . Sabia que seria xingado pelo amigo, mas pouco se importava naquele momento.
- , eu realmente espero que seja algo urgente, porque são quase quatro horas da manhã. - A voz sonolenta de soou do outro lado da linha, levemente irritada.
- Sophie tá doente, cara. Eu não sei o que eu faço - disse, deixando a preocupação transparecer em suas palavras. A filha voltou a resmungar, com a cabeça escorada em seu ombro, fazendo com que ele acabasse quase desesperado.
- Ligou pro errado, cara - disse, fazendo rolar os olhos. Odiava que brincassem quando a coisa era séria.
- Se eu tivesse o número da sua irmã, não teria te ligado, idiota. - Falou rápido, sabendo que o outro perceberia que era melhor passar o número logo.
- Ok, calma. Anota aí. - Ditou os números, que anotou e discou logo em seguida, sequer pensando que ia incomodar àquela hora. Esperou algum tempo até que a ligação fosse atendida.
- ? - Perguntou, antes mesmo que ela dissesse algo, e a ouviu confirmar. - É o . - Disse.
- Ah... Oi, - além de deixar claro que havia sido acordada, havia uma ponta de curiosidade em sua voz.
- Desculpa te ligar a essa hora, mas é que... Bom, Sophie está com febre e chorando. Acho que tem algo no ouvido dela. - Mordeu o lábio, nervoso, percebendo o quão inútil estava parecendo. Sequer sabia como cuidar de sua filha doente. - Eu não sei o que fazer. - Completou.
- Calma. - Ela pediu, fazendo uma pausa. - Quantos graus de febre?
- Quase trinta e nove.
- Eu acho que devia examiná-la, mas não seria uma boa ideia tirá-la de casa agora se ela está com dor de ouvido - falou, parecendo pensar em uma solução.
- Se importa de vir até aqui? - pediu, esperando que ela aceitasse, simplesmente porque não aguentaria ver sua filha daquele jeito por mais muito tempo. Ouviu apenas a respiração de do outro lado da linha durante algum tempo até que ela finalmente se pronunciasse.
- Me passa o endereço.
Desligou o telefone, já jogando a coberta para o lado e calçando as pantufas que estavam no chão, ao lado da cama. Caminhou devagar, ainda sonolenta e coçando os olhos, até o banheiro. Lavou o rosto, encarando sua imagem no espelho, os olhos pesados quase se fechando sozinhos outra vez. Balançou a cabeça, querendo acordar. Não podia deixar na mão naquele momento, ele era o melhor amigo de seu irmão, afinal, e a salvara várias vezes no tempo de colégio. Voltou ao quarto, onde trocou o pijama por uma calça jeans e uma camiseta de mangas compridas, vestindo um casaco leve por cima, a fim de se proteger do vento frio da noite. Colocou o celular no bolso, pegou as chaves do carro e saiu do apartamento.
Levou cerca de vinte minutos até parar em frente ao prédio indicado pelo endereço que havia lhe passado. Desceu do veículo e deu a volta no mesmo, abrindo o porta malas para retirar a maleta com todos os aparelhos que talvez precisasse para examinar Sophie.
Tocou o interfone e percebeu o alívio na voz de quando ele atendeu e deixou que ela entrasse no prédio. Entrou no elevador e esperou pacientemente que ele chegasse até o último andar, para encontrar o homem já parado à porta de entrada de seu apartamento, claramente nervoso, com a filha no colo.
- Obrigado por vir, . De verdade. - Ele disse, assim que ela se aproximou, já abrindo espaço para que ela entrasse e fechando a porta em seguida. - E desculpe por ligar tão tarde, é que... Eu realmente não sabia o que fazer, nem a quem recorrer.
- Tudo bem, . Sério. - abriu um sorriso, querendo acalmá-lo. Imaginava o quanto devia ser desesperador para ele, ver a filha, normalmente tão agitada e ativa, abatida daquele jeito, tudo piorado pelo fato de se sentir impotente diante daquilo. Ele respirou fundo, forçando um sorriso sem mostrar os dentes. tomou Sophie em seus braços, imediatamente sentindo que a temperatura dela realmente era mais alta que o normal. Colocou-a sentada no sofá, vendo que já se aproximava também, o que a fez sorrir, percebendo o quanto ele estava preocupado.
- Soph, o que tá doendo? - A mulher perguntou, observando a menina com atenção.
- Aqui - colocou a mão sobre uma das orelhas, a voz ainda manhosa.
assentiu com a cabeça e abriu a maleta, retirando de lá o aparelho que precisaria para examinar seu ouvido. Testou a pequena luz existente nele e então aproximou-o de Sophie, já encontrando o problema de primeira. Por segurança, resolveu examinar também a garganta da menina.
- Abra a boca, Soph - pediu e a viu obedecer. Felizmente, não encontrou nada errado por ali. Virou-se para .
- Ela está com uma pequena inflamação no ouvido, por isso a febre. Nada sério - explicou, sorrindo ao ver o homem respirar aliviado pela primeira vez desde que entrara ali.
- E o que pode ter causado isso? - Ele perguntou, sentando-se no sofá, colocando Sophie, que imediatamente escorou a cabeça no peito do pai, em seu colo.
- Pode ter sido por causa do frio mesmo. Principalmente se ela saiu no vento hoje - disse, remexendo na maleta que trouxera, à procura do bloco de receitas que carregava consigo. Anotou a dosagem e o nome do remédio que Soph deveria tomar e entregou o papel a . Ele rapidamente foi até o banheiro, procurando-o na caixa de remédios que trouxera da casa de sua mãe, por sorte encontrando um frasco ainda pela metade.
- O remédio provavelmente vai fazê-la dormir rapidamente e é bom que ela não saia de casa até amanhã, por segurança - falou enquanto já fazia a filha tomar as poucas gotas que haviam sido receitadas.
- Tudo bem - ele assentiu, deitando Sophie em seus braços para que ela dormisse confortavelmente. - Quanto te devo pela consulta? - Perguntou, vendo as sobrancelhas de se arquearem.
- O quê? - Uma risada saiu dos lábios da mulher enquanto ela ainda o encarava em dúvida. - Como assim, ? Não vou te cobrar nada!
- Ah, não, - meneou a cabeça, sem tirar os olhos dela. - Eu te tirei da cama às quatro da manhã depois do seu dia de plantão, não tem essa de não me cobrar nada!
- , sério - ela ainda ia argumentar e insistir, mas percebeu, pela expressão dele, que ele não desistiria. Tão típico dele. - Tudo bem - rolou os olhos diante do sorriso presunçoso que apareceu nos lábios dele. - Eu quero que você toque uma música pra mim.
- Escolha a música, então - ele disse, percebendo que a filha já dormia em seu colo e levantando do sofá para levá-la até o quarto, fazendo um sinal para que o seguisse.
- Alguma que te faça se lembrar de mim - deu de ombros, caminhando atrás dele. Subiram as escadas e entrou no quarto de Sophie, beijando-a na testa antes de colocá-la deitada no berço e cobri-la cuidadosamente, sem querer piorar a situação dela. ainda estava parada à porta, sorrindo com a cena.
- O que foi? - Ele perguntou quando se virou para sair do quarto, aproximando-se dela.
- Sei lá - a mulher deu de ombros, rindo em seguida. - É fofo. Você com ela - explicou, vendo que imediatamente levou uma mão à nuca, sem jeito e sem saber o que responder. Ele apenas passou por ela, puxando-a pelo braço para que ela fosse junto. Entrou na pequena sala onde guardava todos os seus instrumentos, pegando um dos violões existentes ali e saindo outra vez.
- Vem - puxou outra vez, dessa vez em direção ao terraço. Assim que chegaram lá, pôde ver a mulher extremamente surpresa com a vista noturna de grande parte de Londres. O terraço era todo envidraçado, tanto para proteção de Sophie como para poder aproveitar o local mesmo em dias chuvosos. Sentou-se em um dos banquinhos que havia colocado ali quando se mudara e esperou que se sentasse em sua frente.
- Que música vai tocar? - Ela perguntou, curiosa.
- Somewhere Only We Know - ele respondeu, um sorriso aparecendo em seus lábios. Tocaria aquela música, mas esperava que ela não resolvesse perguntar o motivo de se lembrar dela quando a escutava. Não era algo que queria trazer à tona.
sorria fraco enquanto ele tocava a música, percebendo o quanto sua voz era gostosa de se ouvir daquele jeito, confortante. Infelizmente, seus olhos começavam a arder conforme se lembrava de quando Richard a pedira em namoro e aquela música tocava no restaurante em que estavam. Olhou pra cima, querendo controlar as lágrimas que se acumulavam ali.
alternava seu olhar entre a mulher e o braço do violão, mas foi em um dos momentos em que a encarava que viu uma lágrima escorrer de um de seus olhos e franziu o cenho, em busca de uma resposta. Ela deu de ombros e passou a mão pelo rosto, retirando dali aquela única gota teimosa que lhe escapara. Ele repetiu o gesto de com os ombros e inclinou seu corpo para frente, aproximando-se dela.
- And if you have a minute why don't we go talking about that somewhere only we know? This could be the end of everything. So why don't we go somewhere only we know? - Cantou o trecho da música que era o responsável por fazê-lo se lembrar dela quando a ouvia e deixou os lábios se curvarem em um sorriso. movia a boca, também cantando, porém mais baixo do que ele.
Assim que terminou a música, deixou o violão de lado e arrastou seu banquinho para mais perto da mulher. Tinha a expressão mais séria e tinha certeza de que ela sabia por quê.
- Vai me contar por que essa cara depois da música? - ele perguntou, sem tirar os olhos dela. - Canto tão mal assim?
- Claro que não, - ela riu fraco, espalmando de leve uma das mãos no braço dele. - É só que me lembra... Algumas coisas - respirou fundo, tentando não deixar mais nenhuma lágrima cair. O homem baixou a cabeça, lembrando-se do que ouvira ao sair da sala de no outro dia.
- Hey - ele chamou, fazendo com que ela virasse o rosto para olhá-lo. - A culpa não é sua se ele é um idiota - passou um dos braços pelos ombros de , abraçando-a de lado. Mesmo que não soubesse o que havia acontecido entre ela e seu ex-namorado, mas querendo fazer sentir-se melhor. - E ainda pode contar comigo pra te salvar dessas coisas - deu de ombros e sorriu ao ouvir a risada da mulher ao seu lado, provavelmente se lembrando do tempo de escola, onde ele a ajudara a se livrar de algum ex-namorado que não saia de seu pé. simplesmente passou um braço por trás do corpo de , também o abraçando de lado, em um agradecimento silencioso. Não se preocupou em perguntar como ele sabia, simplesmente agradecia por ele não ter mudado tanto e, em alguns aspectos, ainda ser o mesmo que ela conhecera, que nunca perguntava o que realmente acontecera, simplesmente tentava fazê-la escolher.
- Por que escolheu tocar Somewhere Only We Know? - perguntou, após alguns minutos em silêncio, virando para observá-lo, mas sem soltar daquele abraço um tanto desajeitado. mordeu o lábio inferior e abaixou a cabeça, um sorriso torto aparecendo em seu rosto.
- Posso passar essa? - Perguntou, rindo fraco, querendo descontrair e realmente fugir da pergunta.
- ! - Ela exclamou, deixando de abraçá-lo e cruzando os braços em frente ao peito, numa atitude infantil que o fez rir. - Eu quero saber.
- É que... - balançou a cabeça, fixando o olhar nos próprios pés e se sentindo incomodado ao sentir que ela não deixava de observá-lo. - Acho que nós temos um lugar só nosso. Meio que um segredo, que só nós sabemos - levantou os olhos até o rosto da mulher por breves segundos apenas para ter certeza de que ela entendera a que ele se referia. Foi a vez dela desviar o olhar, enquanto sustentava o silêncio entre os dois por alguns instantes.
- É, faz sentido - murmurou, dando de ombros. - Faz tanto tempo - comentou, ao ver que ele não respondia. - Achei que talvez nem lembrasse mais.
- nunca esquece de nada - ele piscou, rindo junto a ela em seguida. - Por mais bêbado que estivesse, foi a última imagem que eu tive de você por muitos anos... - Fez uma pausa, antes de continuar, com um sorriso sacana no rosto e uma das sobrancelhas arqueadas. - Não era uma imagem ruim - gargalhou, protegendo-se com os braços dos tapas que lhe dava.
- Você e seus comentários desnecessários de sempre - ela riu, mas tinha o rosto vermelho e escondido nas mãos.
- Algumas coisas não mudam, - riu e permaneceu em silêncio depois, observando o relógio em seu pulso que já marcava quase cinco e meia da manhã. - Acho que te tirei o resto da noite de sono, né?
- Não é como se fosse algo ruim. - Ela disse, mesmo que não tivesse a intenção de deixar as coisas tão claras assim. Sentia-se bem ali com ele, mas não achava que fosse necessário dizer com todas as letras, como fizera.
- Bom saber que minha companhia não é tão ruim assim - ele sorriu discretamente, levantando-se e pegando o violão nas mãos ao ver que ela também ficava de pé. Deixou o instrumento no lugar onde o pegara antes e acompanhou a mulher até a porta de saída do apartamento.
- Muito obrigado por vir, . Sério - agradeceu outra vez quando ela já ia saindo, fazendo-a se virar para ele. - Eu realmente não saberia o que fazer.
- Eu que agradeço você por ter me tirado a noite de sono. - Ela riu, descontraída. Viu abrir os braços, como em um convite para um abraço, e não pôde negar ao ver a cara infantil que ele fazia. Sorrindo, entrelaçou seus braços no pescoço dele, ficando na ponta dos pés, já que era relativamente mais baixa que ele. Sentiu os braços do homem enlaçarem sua cintura e a tirarem brevemente do chão, o que a fez rir. Percebeu que sua respiração próxima à pele dele havia feito com que ele se arrepiasse, mas logo em seguida foi a sua vez de sentir um arrepio, quando sentiu os lábios dele tocarem seu maxilar, em um beijo curto.
sabia que havia percebido a reação dela e isso só fez com que o sangue se acumulasse em suas bochechas, corando-as. Quando soltaram do abraço, ela simplesmente acenou com a cabeça, murmurando um "Até mais" tão baixo que nem ela pôde ouvir direito. Entrou no elevador e o viu ainda na porta do apartamento, observando-a com um sorriso enviesado no rosto. Ainda teve tempo de sorrir de volta antes das portas metálicas se fecharem e a tirarem dali.
Cinco
As duas semanas seguintes foram bastantes corridas para e, consequentemente, para Sophie também, já que ele não a deixava em momento algum, sempre a levava consigo. Uma vez que o show para realmente marcar sua volta depois de tanto tempo estava agendado para dali a mais duas semanas, os ensaios eram cada vez mais constantes e a proximidade do aniversário de dois anos de Soph o deixava ainda mais atarefado. Saiu do estúdio onde estivera ensaiando, encontrando a filha na sala ao lado, que ele havia requisitado para que pudesse deixá-la ali enquanto ensaiava. A menina sorriu abertamente quando o viu e levantou, correndo até ele e agarrando as pernas do pai.
- Pra casa? - Ela perguntou, quando a pegou nos braços.
- Não - ele respondeu, rindo ao ver o bico que Sophie fazia, ameaçando reclamar. - Shopping agora. Comprar o presente de uma menina muito chata que faz aniversário amanhã. Sabe quem é?
- Não sou chata - ela cruzou os bracinhos, semicerrando os olhos, como se estivesse brava. gargalhou, beijando-a no rosto antes de sair daquela sala, encontrando no corredor.
- Qualquer dia você afunda a bochecha da menina, . - Ele riu, aproximando-se e dando um beijo na testa de Sophie. rolou os olhos, encarando o amigo.
- Calado, . - Respondeu, mostrando a língua. Soph o imitou, fazendo com que fingisse indignação e resmungasse um "Vejo vocês amanhã" antes de entrar em sua sala. Rindo, caminhou até o elevador, colocando a filha no chão e segurando apenas em sua mão. Saíram calmamente do prédio, já que, passada a fase de alvoroço por ter voltado à ativa, a entrada da produtora não ficava mais lotada de fãs nem nada do tipo. Colocou Sophie na cadeirinha, no banco traseiro, e sentou-se ao volante. Dirigia calmamente pelas ruas nem tão movimentadas de Londres naquele momento, por vezes encarando a filha pelo retrovisor, sorrindo ao vê-la distraída observando o lado de fora do veículo, mesmo que quase tudo se transformasse em um borrão por conta da velocidade.
- Já sabe o que vai querer? - Perguntou, voltando a atenção para a rua quando o sinal, antes fechado, tornou a abrir e ele colocou o carro em movimento outra vez.
- Não. - Ela virou o rosto para o pai, como se pedisse a ele alguma sugestão.
- Eu queria te dar um violão - disse, provavelmente mais pra si mesmo do que para Soph. - Mas acho que ainda é cedo... Ele seria maior que você. - Riu, vendo a menina fechar a cara para ele.
Foi conversando com a filha pelo resto do caminho, que durou mais cerca de quinze minutos, até chegar ao shopping. Estacionou o carro, tirou uma Sophie cada vez mais inquieta e animada da cadeirinha e caminhou com ela até adentrar o local, onde a garotinha acabou se distraindo totalmente com as vitrines das lojas de brinquedos. apenas ia atrás, sugerindo vez ou outra algo que pensava que talvez a filha fosse gostar, mas nada parecia ser bom o suficiente para satisfazê-la. Percebeu então o quanto havia mimado a menina naqueles dois anos e riu sozinho, lembrando-se de quando ainda estava em Bolton, que toda vez que saia de casa, voltava com algum presente para ela, por mais simples que fosse.
- Aqui, pai - Sophie puxou pela mão ao passar em frente a outra loja cheia de brinquedos na vitrine que, aparentemente, continha algo que chamara a atenção dela.
- O quê? Achou algo legal? - Perguntou, indo atrás da filha, que praticamente correu até parar em frente à prateleira com alguns personagens de desenhos animados em pelúcia.
- Tasha! - Ela exclamou, apontando o boneco amarelo da personagem dos Backyardigans. sorriu, tirando-o dali e o entregando à filha, que abraçou o brinquedo, assustando-se quando ouviu uma voz, vinda do brinquedo, dizer "Eu sou a Tasha!", como na abertura do desenho na televisão. A menina largou o boneco no chão enquanto gargalhava. Soph cruzou os braços em frente ao peito, a expressão fechada.
- Não tem graça - continuava encarando o pai com o cenho franzido.
- Nossa, que irritadinha - ele sorriu, abaixando-se para recolher o brinquedo e observá-la mais de perto. Ela descruzou os braços, passando a apoiar as mãos na cintura enquanto batia o pé direito no chão repetidas vezes.
- Bem braba assim, oh - ela disse, inclinando levemente o corpo para a frente, mas simplesmente continuava rindo, achando a coisa mais fofa do mundo. Ia levantar e levá-la até o caixa da loja para comprar o presente escolhido quando viu uma mulher chegando por trás de Sophie, sorrindo.
- Meu Deus, que braba essa sua filha, - riu enquanto se levantava para cumprimentá-la com um curto abraço e um simples beijo no rosto. Lembrava-se da última vez em que a vira, na noite em que ela estivera em sua casa, e do momento ligeiramente constrangedor na despedida.
- Pois é, quase fiquei com medo. - Ele riu junto, segurando uma das mãos de Soph para que ela não saísse correndo e ele acabasse a perdendo de vista dentro da loja. Às vezes pensava que talvez fosse muito superprotetor em relação à filha, mas havia sido assim desde o início, não mudaria tão cedo. Era sua menininha, não suportava pensar na possibilidade de ficar longe dela ou que qualquer coisa acontecesse a ela. - Que coincidência te encontrar aqui - disse, apenas por não saber o que falar para quebrar o silêncio que começara a se instalar entre os dois.
- Estava passando pela frente da loja e vi vocês dois, resolvi entrar - um sorriso tomou conta dos lábios de , sendo espelhado no rosto de .
- Papai comprou presente! - Sophie exclamou, retirando o brinquedo que escolhera das mãos do pai e estendendo-o na direção de , também sorrindo. - Ele fala! - Apertou o boneco, fazendo com que ele falasse novamente, mas, dessa vez, sem se assustar.
- Ah, eu quero um também. Você me empresta? - A mulher se abaixou, ficando da altura da menina, sem tirar o sorriso do rosto. A meiguice de Soph era algo fora do normal, era impossível não sorrir ao vê-la sorrindo, era simplesmente contagiante demais.
- Não. Meu - agarrou o brinquedo, fazendo bico.
- Oh, pequena. Pode dividir com a , ela é legal. - riu, pegando a filha nos braços enquanto a mulher voltava a se levantar. Virou o rosto para observar Soph. - Não convidamos pra ir amanhã. Acho que você devia convidá-la - falou baixo, mas não o suficiente para que não ouvisse.
- Posso saber pra que eu não fui convidada? - Ela fingiu estar indignada, mas sua expressão divertida a entregava.
- Meu aniversário! - Sophie exclamou, animada.
- E como assim eu não fui convidada para o aniversário da minha paciente favorita? - A falsa indignação ainda era presente na voz, mas riu em seguida.
- Estamos convidando agora, ué - deu de ombros, um sorriso maroto aparecendo em seu rosto.
- Tudo bem, farei o possível pra ir - ela respondeu, confirmando o que falava com um aceno de cabeça. - Acho que vou aproveitar que estou aqui e comprar um presente pra essa menina, então, né?
- Vai ficar mais mimada do que já é, desse jeito - riu, balançando a cabeça e recebendo um olhar feio de Sophie. - Bom, acho que já vamos indo. Minha mãe chega hoje...
- Vovó! - Foi interrompido pela voz estridente da filha, que batia palmas, animada com a possibilidade de ver a avó.
- É, acho que Soph quer mesmo ir pra casa. - sorriu, aproximando-se dos dois para se despedir de com um beijo no rosto, assim como se despediu da menina.
foi até o caixa, onde pagou pelo presente de Sophie e logo já estavam dentro do carro, a caminho de casa. Soph estava inquieta em sua cadeirinha, que, como já ficara claro, ela odiava. Não via a avó desde que se mudara definitivamente para Londres com o pai, então, estava, de certa forma, ansiosa. Afinal, Louise fora a única figura materna que tivera no primeiro ano de sua vida.
Em pouco tempo já adentravam o apartamento e Sophie se sentava no tapete felpudo da sala, onde havia deixado alguns brinquedos largados na noite anterior e não havia feito questão de juntá-los. Nunca fora do tipo organizado e essa era uma das únicas características que a chegada da filha não mudara.
O som estridente da campainha soou alguns minutos depois, fazendo vir correndo da cozinha, onde estivera preparando um lanche qualquer para ele e Soph, a fim de abrir a porta. Assim que o viu, sua mãe exclamou um "!" que provavelmente os moradores do primeiro andar haviam escutado também. Adentrou a casa, sendo seguida por seu marido, logo tomando o filho em um abraço apertado, antes de soltá-lo e encará-lo com a expressão bastante séria.
- Você disse que iria me visitar sempre, seu filho desnaturado! - Acertou um tapa estalado no braço de , relaxando e rindo em seguida, com a feição assustada que ele tinha no rosto.
- Vovó Ise! - Sophie veio correndo, salvando o pai no momento em que agarrou as pernas da avó, que logo a tomou em seus braços, abraçando-a e enchendo seu rosto de beijos, fazendo-a rir escandalosamente.
cumprimentou seu pai antes de ameaçar voltar à cozinha, mas foi liberado da árdua tarefa de fazer algo comestível, já que sua mãe deixara Sophie com o avô e o expulsara da cozinha alegando que seria mais fácil ele colocar fogo na casa do que conseguir fazer algo que mantivesse sua própria filha viva.
- Que calúnia! - Resmungou, sentando-se emburrado no tapete, ao lado de Soph, que apenas riu dele, deitando-se sobre suas pernas, aparentemente cansada do dia cheio de compromissos que o pai tivera.
O despertador ao lado de sua cama tocou e no mesmo momento ele o desligou, já que não havia necessidade de acordá-lo. Seus olhos simplesmente haviam se recusado a fechar durante toda a madrugada. Não se sentia surpreso por isso, pois realmente esperava que o sono desse seu lugar às lágrimas, assim como no mesmo dia do ano anterior.
Aniversário de Sophie.
O que significava, também, mais um ano da morte de Allison. Mais um ano sem a mulher que mais amara na vida.
Lágrimas que pensava já não existirem mais voltaram aos seus olhos e ele não as impediu de caírem outra vez. Com a visão embaçada, viu os números do relógio marcarem 6:30 am e decidiu sair logo da cama pra fazer o que tinha que fazer fora de casa sem que ninguém notasse sua ausência. Não queria que soubessem que ainda sentia tudo aquilo, que aquela dor ainda voltava a ele toda noite, quando se deitava em sua cama e se sentia tão vazio quanto o espaço ao seu lado, que permanecia quase intocado. Tinha tido sucesso até ali em esconder de todos que a imagem que via quando fechava os olhos era a de Ally, que seus sonhos na verdade eram pesadelos, todos pontuados por uma Allison extremamente raivosa que ainda refletia a culpa que ele sentia por conta do acidente que a havia matado.
Deixando os pensamentos de lado, levantou da cama e adentrou seu banheiro. Ligou o chuveiro, deixando que a água caísse por algum tempo antes de se despir por completo e entrar no box, sentindo a temperatura morna aquecer seu corpo rapidamente.
Saiu do banho, enrolando-se na toalha e, como sempre, pouco se importando se estava molhando o quarto inteiro por onde passava. Foi até o guarda-roupas, retirando de lá uma boxer qualquer, uma calça jeans de lavagem escura, uma camiseta simples e uma blusa de lã azul escura. Vestiu-se rapidamente, o corpo já arrepiado pelo frio que fazia naquela manhã. Quando fechou as portas do armário, encontrou Sophie entrando no quarto, as pequenas mãozinhas coçando os olhos, ainda semicerrados por estarem se acostumando à claridade, procurando pelo pai. Era uma cena que havia se tornado comum desde que ele trocara o berço dela por uma cama, algumas semanas antes, mas certamente esperava que não acontecesse naquele dia. Na verdade, tudo o que não queria naquele momento era ver sua filha; estava torcendo para que ela continuasse dormindo até que ele estivesse de volta, mas, claramente, não era o que estava acontecendo. Mordeu o lábio, respirando fundo enquanto buscava a toalha que largara sobre a cama e passando-a sobre os cabelos, bagunçando-os ainda mais e impedindo que as gotas de água continuassem escorrendo e molhando sua roupa.
- Olha quem está aqui! - Sorriu, mas praticamente forçava a animação em sua voz e se sentia culpado por isso. - Feliz aniversário, meu amor - largou a toalha outra vez em cima da cama e a pegou no colo, sendo abraçado pela filha, em um agradecimento silencioso. - Mas ainda é muito cedo, por que não volta a dormir?
- Papai tá acordado - ela deu de ombros, como se aquilo fosse motivo suficiente para que não voltasse à cama. Ele permaneceu em silêncio por algum tempo, sem saber o que dizer para convencê-la a ficar em casa. Às vezes achava que Soph era esperta demais para sua idade e aquilo nem sempre era bom. Deixava-o sem resposta mais vezes do que ele podia contar.
- Papai tem que ir a... Um lugar antes da sua festa - disse, simplesmente, torcendo para que ela não insistisse.
- Pode ir junto? - A menina perguntou, fazendo-o suspirar e sentar na cama antes de pensar no que dizer a seguir. Levá-la ao cemitério, onde iria para visitar a lápide de Allison, estava fora de cogitação. Balançou a cabeça negativamente.
- Não é um lugar legal para você ir, Sophie. - Viu a filha encará-lo, visivelmente curiosa. Se a levasse junto, aquilo o obrigaria a explicar toda a história do acidente que tirara a vida de Ally. Dizer que ela não estava mais ali era uma coisa, outra bem diferente era contar a uma criança de dois anos recém-completados que sua mãe havia morrido.
- Onde é? - Soph continuava insistindo. - Meu aniversário. - Fez um bico ao ver que o pai demorava a responder, querendo dizer que, naquele dia, deveria ficar o tempo todo com ela. Não que não fosse assim nos outros dias, mas seu aniversário era um dia especial.
- Sei que é seu aniversário, pequena - respirou fundo mais uma vez. Quando é que negar algo para Sophie ficara tão difícil? - Vamos combinar assim: você volta a dormir e, quando acordar, eu já vou estar aqui outra vez. Você nem vai ficar sozinha, vovó está aqui, lembra? - Sorriu, querendo que ela aceitasse. Não queria deixar pra arrumar as coisas para a festa de Soph na última hora e, por isso, não podia se demorar ali, ou acabaria atrasado.
- Não - cruzou os bracinhos, o bico ainda presente nos lábios. - Ir junto. - fechou os olhos e então assentiu com a cabeça. Talvez realmente fosse a hora de contar a verdade. Não poderia adiar muito a entrada da filha na escola e, uma vez lá, vendo todas as crianças com suas mães, as perguntas seriam cada vez mais frequentes. Soph era uma criança esperta, nunca se contentaria com apenas um "Ela não está mais aqui".
- Tudo bem. Vamos trocar de roupa. - Levou-a até seu quarto, trocando-a rapidamente e, em pouco mais de dez minutos, já estava saindo do apartamento com ela em seus braços, em silêncio, para não acordar sua mãe.
Sabia o que ela diria; que não concordava com a ideia de contar tudo à Sophie, que ela ainda era pequena demais e tudo aquilo com que, em parte, ele até concordava, mas também achava melhor se livrar daquilo de uma vez. Talvez doesse menos nele mesmo se soubesse que a filha ainda não entenderia completamente o acontecido e, sendo assim, o impacto seria menor do que se contasse alguns anos depois, quando ela fosse maior e compreendesse, independente da forma, simbólica ou não, que ele dissesse, apenas as palavras "Ela está morta".
Cerca de meia hora depois, estacionava o carro em frente ao cemitério onde Allison havia sido enterrada. Não aqueles tradicionais, com túmulos de mármore e tudo o mais. Ela sempre deixara claro que não gostaria daquele tipo de "luxo" após a morte. Era um grande campo, a grama extremamente verde contrastando com a cor clara das lápides, que estavam todas abaixo - ou, no caso das mais recentes, à frente - de uma árvore, de escolha da família, que era plantada no dia do enterro.
Antes de tirar a filha da cadeirinha, ele se sentou no banco traseiro, ao lado dela, e segurou as pequenas mãozinhas de Sophie entre as suas próprias, tentando, por aquele toque, transmitir uma calma e segurança que nem ele mesmo tinha.
- Soph... Lembra quando me perguntou sobre Allison? - Balançou a cabeça de um lado para o outro quando percebeu como havia se referido à mulher e se apressou em corrigir. - Sua mãe.
- Ver mamãe? - Os olhos da menina brilharam com a possibilidade, o que fez os de arderem com mais lágrimas que, mesmo tentando a todo custo segurar, não conseguiu. Sentia o olhar curioso da filha sobre si, enquanto abaixava a cabeça, secando o rosto com a manga da blusa de lã que usava, antes de voltar a falar.
- Naquele dia, eu disse que ela não estava mais aqui e... Ela realmente não está. - Mordeu o lábio, observando Sophie e se odiando, xingando-se internamente ao ver o brilho nos olhos dela sumir, assim como a esperança de ver a mãe. - Bom... Mais ou menos - respirou fundo, fazendo uma pausa, decidindo que só explicaria quando já estivesse dentro do cemitério, simplesmente por não ter forças pra continuar a falar naquele momento. - Vamos lá - soltou o cinto que a segurava ali e a retirou do carro, adentrando o cemitério com ela ao seu lado.
Andou pelo caminho já bastante conhecido por ele, que visitara o local quase todos os meses do ano que se passara. Mesmo estando em Bolton, ia a Londres pelo menos uma vez por mês, levava flores e ficava ali por algum tempo. Entretanto, quando voltou à cidade definitivamente, com Soph, não podia mais fazer aquelas visitas. A filha estava sempre com ele, de forma a impedi-lo de aparecer ali pelo simples fato de que ele não queria ter que explicar nada tão cedo.
Parou em frente à lápide com os dizeres "Allison Clairmore , amada filha, esposa e mãe", logo abaixo de um pequeno ipê que, sabia, quando florisse, iria colorir a área de amarelo. Fora por insistência dele que, na lápide, haviam colocado a palavra mãe. Era o sonho dela e ele simplesmente não podia deixar de fazer referência àquilo; Ally jamais o perdoaria. Fora escolha dele, também, o ipê, simplesmente por ser uma árvore que o lembrava da mulher e da adoração que ela tinha pelas flores daquela árvore.
Flashback
O universo parecia estar conspirando a favor de naquele dia. O sol havia vencido a grossa camada de nuvens que cobria Londres normalmente e brilhava não tão forte, mas também nem tão fraco. O suficiente para que as pessoas saíssem na rua sem os habituais casacos pesados. Antes que Allison saísse do banho, colocou a cesta que preparara dentro do carro, junto a uma toalha xadrez vermelha e branca. O clichê de sempre dos piqueniques, mas ele sabia que a namorada adorava aquelas coisas.
Voltou para dentro de casa e sentou-se no sofá, displicentemente, como se estivesse simplesmente a esperando para um passeio comum, como os que sempre faziam aos domingos. Mas nada naquele dia seria como os outros. Não se tudo saísse como o planejado. Ally apareceu na sala, parada à porta, vestindo uma calça jeans skinny, uma camiseta branca de mangas compridas, com alguma estampa que ele não prestou atenção na frente e um par de All Star de couro, branco, nos pés. No ponto de vista de , estava linda, como sempre.
- Podemos ir? - Ele perguntou, sorrindo, enquanto se aproximava dela, unindo seus lábios aos dela por alguns segundos antes de entrelaçar sua mão à dela e puxá-la para fora de casa.
Após alguns minutos dentro do carro, estacionou em frente ao parque onde costumavam ir apenas para passar o tempo, quando não tinham o que fazer. Certo que muitas vezes eram parados por fãs dele, o que causava pequenas crises de ciúme em Allison, mas que eram contornadas rapidamente por algumas palavras vindas de . Antes de descer do carro, porém, ele se virou para a garota, com um pedaço de tecido preto em mãos.
- Vira, Ally! - Pediu, um sorriso sapeca aparecendo nos lábios enquanto ela rolava os olhos e abria a boca para reclamar, mas ele foi mais rápido. - Vamos, amor. Por favor? - Pediu e, como sempre, Allison não resistia. Virou-se de costas e deixou que seus olhos fossem vendados. Então, abriu a porta e saiu. Retirou a cesta e a toalha do porta-malas e deu a volta no veículo, abrindo a porta do lado da garota e segurando em seu braço para guiá-la até o local que ele escolhera.
- Quase pronto. Só mais um minutinho, tá? - Ele ria da expressão impaciente da namorada enquanto estendia a toalha abaixo da árvore que ele sabia ser um ipê amarelo, o tipo preferido de Ally. Estava completamente florida, deixando tudo à sua volta em um bonito tom de amarelo. Colocou a cesta sobre a toalha e fez com que a garota se sentasse ali, sentando-se ao seu lado logo em seguida. Aproximou seu rosto do dela, colando seus lábios e iniciando um curto o beijo, durante o qual desamarrou a venda dos olhos dela, sorrindo ao se afastar minimamente, apenas o suficiente para retirar o pedaço de pano e deixá-la enxergar novamente. Allison abriu um sorriso largo quando viu o local para onde ele a levara e mais ainda quando pousou os olhos sobre a cesta de piquenique.
- ! - Ela exclamou, unindo seus lábios mais uma vez, em um agradecimento silencioso. Às vezes se perguntava o que havia feito de tão bom pra ter um daquele jeito em sua vida. - Adorei a surpresa - disse, sem tirar o sorriso do rosto.
- Eu espero que você adore a segunda parte da surpresa, também - mordeu o lábio, incerto, enquanto apalpava discretamente o bolso da calça que usava e conseguia sentir a pequena caixinha ali. Sentia-se nervoso, suas mãos começavam a suar e ele tinha certeza que não era por causa do sol discreto daquele dia.
- Como assim? Tem mais ainda? - Ally franziu o cenho, desconfiada. Não que tivesse medo, pois sempre adorava tudo o que fazia pra ela, mas por curiosidade. Percebia que o namorado estava ansioso e aquilo só a deixava ainda mais curiosa.
- Acho que... - Ele fez uma pausa, nervoso demais para encontrar as palavras que julgava serem corretas. - Acho que eu sou um músico frustrado, por não ser tão bom com as palavras em momentos como esse - riu, vendo Allison adquirir uma expressão confusa. - É só que, bom... Estamos juntos há tanto tempo, você passa mais tempo lá em casa do que na sua... Talvez fosse a hora de só... Tornarmos isso oficial - baixou os olhos, percebendo que as palavras pareciam muito menos patéticas antes de serem ditas em voz alta. Viu Ally abrir e fechar a boca várias vezes, sem emitir som algum. - Faltou a pergunta certa, né? - Retirou a caixinha do bolso e a abriu, revelando um anel prateado, com um único e grande brilhante. - Casa comigo? - Os olhos da garota marejaram enquanto ela tentava encontrar sua voz outra vez no meio de tanta emoção. Abraçou o, agora, noivo e sussurrou:
- Ainda tinha alguma dúvida?
Fim do Flashback
Abaixou-se e apoiou as mãos nos joelhos flexionados enquanto observava Sophie mais de perto, pensando em como poderia lhe dizer aquilo.
- Meu amor... No dia que você nasceu... - Fez uma pausa, ainda incerto, procurando as palavras corretas.
- Mamãe foi embora? - Ela perguntou, olhando em volta, como se a procurasse. Pousou os olhos sobre a foto colocada em frente à lápide e apontou. - Mamãe!
- Sim, pequena, é a mamãe. Mas, bom... - Engoliu em seco, prestes a finalmente dividir aquela dor com a filha. - Os anjinhos precisaram dela lá em cima - disse, observando a feição da menina, que inclinou a cabeça levemente para o lado, como se tentando entender por que alguém precisaria da sua mãe. Se era mãe dela, era ela quem precisava da mulher, não era? - Agora a mamãe é uma estrelinha.
- No céu? - Soph perguntou, os olhinhos levemente marejados por saber que não poderia ver a mãe.
- Sim, aquelas que a gente vê de noite, do terraço lá de casa. Uma delas é a mamãe. E agora ela cuida da gente, de lá de cima - pressionou os lábios um contra o outro, transformando-os em uma linha fina, numa tentativa de segurar as lágrimas que já queriam lhe escapar outra vez e mostrar à filha que estava tudo bem, mas falhando terrivelmente no momento em que Sophie o abraçou, escondendo o rosto, já molhado, no pescoço do pai. Ficaram ali por algum tempo, os dois chorando silenciosamente, compartilhando, agora, a mesma dor.
Ao soltá-la, lhe entregou uma das tulipas vermelhas que trouxera, enquanto depositava as outras em frente à lápide, sendo imitado por Sophie logo depois.
Alguns minutos mais tarde, quando saíam do cemitério, lembrou do pingente em formato de coração que Allison costumava usar, que tinha uma foto dos dois dentro e agora ele carregava no carro, onde quer que fosse.
- Tenho mais um presente pra você, pequena - disse, enquanto prendia a filha na cadeirinha e, em seguida, esticava-se até alcançar o porta luvas do veículo e retirar de lá a fina corrente dourada com o pingente na ponta. Colocou-a no pescoço de Soph e sorriu para a menina, que olhava curiosa. Abriu o coração, também dourado, revelando a foto dele com Allison, ambos sorrindo.
- Era da mamãe. Agora você vai nos carregar sempre com você - beijou a testa de Sophie, que permaneceu observando a pequena foto durante todo o caminho até em casa, enquanto ele sentia que tinha feito a coisa certa.
Seis
O terraço do loft onde morava com a filha estava completamente tomado por balões brancos, lilases e alguns em um tom claro de azul. O sol fraco que fazia naquela manhã passava pelos vidros que fechavam o local, deixando-o mais aconchegante que o normal, no ponto de vista do homem. Ele pendurava os balões em um arco, em volta do painel de decoração que ficava atrás da mesa, na qual sua mãe colocava a decoração, deixando espaço para o bolo que ele buscaria mais tarde. Toda a festa teria o tema de um dos filmes preferidos da filha, Alice no País das Maravilhas.
Sophie corria entre os balões que o pai ainda não havia amarrado, chutando-os e gargalhando quando os via voar, principalmente quando acabavam se chocando contra .
- Vou deixar você sem festa, sua chatinha - ele ria junto à menina que, por saber que era mentira, não parava, apenas continuava com a brincadeira.
Ao terminar de pendurar todos os balões, exceto um que Soph se recusara a entregar, correndo do pai por todo o terraço com o mesmo em mãos, observou o trabalho bem feito, sorrindo ao ver que, visto da frente da mesa, o painel, que continha vários personagens do filme, como o Chapeleiro, o Coelho, a Rainha de Copas e o Gato de Cheshire, parecia realmente se fundir à decoração da mesa, dando a impressão de que Sophie, que estaria vestida de Alice, realmente estaria tomando o chá com as personagens.
Pôs o braço na frente da filha, que passava correndo por ele, e a tomou em seus braços, ouvindo alguns protestos enquanto ela se debatia, querendo voltar a brincar.
- Gostou? - Perguntou e ela finalmente parou de tentar escapar do pai. Observou a decoração de sua festa e abriu um sorriso largo, que fez sorrir junto.
- Lindo! - Abraçou o pescoço dele, que logo a colocou no chão outra vez. Olhou o relógio que carregava no pulso e viu os ponteiros marcarem quase onze horas da manhã.
- Preciso buscar seu bolo. E os docinhos. E os salgadinhos. - Fez uma pausa, franzindo o cenho para Soph, que o encarava. - Como você me dá trabalho, pequena. - Riu, balançando a cabeça levemente de um lado para o outro.
- Enquanto isso, ela vai comigo buscar o vestido - Louise apareceu ao lado dos dois, após terminar de arrumar a mesa, já com as chaves do carro em mãos e viu Sophie se animar, correndo para perto da avó.
- Tudo bem, então. Vamos. - sorriu e desceram todos juntos até a garagem do prédio, onde se separaram e cada um adentrou seu próprio carro, mas não antes que insistisse em passar a cadeirinha de seu carro para o dos pais, por mais trabalho que isso fosse lhe dar. Depois de alguns minutos a prendendo no banco traseiro do outro veículo, finalmente deixou que as duas saíssem, saindo depois, para buscar as coisas para a festa da filha.
Voltou carregando as várias caixas de docinhos e salgadinhos para a festa empilhadas nos braços e o bolo equilibrado em cima delas. Deixou tudo sobre a bancada que dividia a sala e a cozinha e subiu, procurando sua mãe e Sophie no quarto da pequena, mas não as encontrou. Deu de ombros e subiu até o terraço, onde encontrou seu pai, lendo o jornal do dia, sentando-se ao seu lado.
- Como está se sentindo, ? - A voz grave do homem chegou aos seus ouvidos. mordeu o lábio inferior, sabendo a que o pai se referia, mas sem querer tocar no assunto.
- Bem - disse, simplesmente. O mais velho fechou o jornal e o pôs de lado, virando-se completamente para o filho.
- Eu lembro bem de que dia é hoje, . Vi quando você saiu hoje cedo e, curiosamente, Soph foi com você - fez uma pausa, deixando que pensasse um pouco.
- Ela acordou quando eu estava no banho. Insistiu pra ir junto. Não consegui convencê-la a ficar aqui. Levei-a comigo e contei... Tudo. - Suspirou, lembrando-se daquele momento, horas mais cedo, com a filha.
- Tem certeza de que era a hora? - O tom de sua voz demonstrava toda a preocupação que sentia, tanto por , quanto por Sophie.
- Acho que sim - abaixou a cabeça, sem sustentar o olhar do pai. - Melhor saber agora e ir se acostumando aos poucos - ouviu as risadas altas de Soph no andar de baixo e a conversa se encerrou ali.
O lugar já estava cheio com as conversas e risadas dos convidados; algumas pessoas da produtora, alguns amigos, assim como , da época de colegial, nada muito exagerado.
observava, com um sorriso de satisfação no rosto, Sophie brincando com uma sobrinha de , noiva de , que viera à festa com os dois.
- Parece que elas se entenderam - sorriu quando deixou que seu olhar seguisse o de e viu as duas meninas, que tinham aproximadamente a mesma idade, entretidas em suas próprias brincadeiras.
- Com certeza - ele respondeu, ainda sorrindo, e levantou logo em seguida. - Vou buscar algo pra beber. Vão querer?
- Uma cerveja - e responderam juntos, fazendo-o assentir com a cabeça antes de descer os dois lances de escadas que o levavam de volta ao primeiro andar do loft. Abriu a geladeira, tirando de lá três latinhas de cerveja, no mesmo momento em que a campainha se fazia ouvida. Largou-as sobre a bancada e caminhou até a porta, sorrindo ao ver, pelo olho mágico, parada do lado de fora. Abriu e deu espaço para que ela entrasse, aproximando-se dela em seguida pra cumprimentá-la.
- Já estava pensando que você não viria - riu fraco. - Normalmente, o atrasado sou eu.
- Talvez eu tenha pego esse costume de você - ela respondeu, também rindo, após beijá-lo no rosto. - Onde estão os outros?
- Lá em cima. Vim pegar umas cervejas pra mim, e - ele disse, caminhando até a bancada e pegando uma das latinhas. - Aliás, fique com essa - entregou a mesma para a garota enquanto abria a geladeira, em busca de mais uma lata, e então virou outra vez, para finalmente observá-la. A mulher usava um vestido tomara que caia colado ao corpo até a cintura, soltando no início da saia, que ia até pouco acima de seus joelhos. Era de um azul escuro, completamente estampado por lacinhos brancos; uma meia calça preta cobria suas pernas e, nos pés, calçava uma sapatilha, completando com um cardigã em um tom claro de verde por cima do vestido.
- Eu vou começar a ficar realmente sem graça se você continuar me olhando desse jeito, - falou, rindo fraco em seguida, fazendo com que o homem levantasse os olhos até seu rosto, percebendo de imediato a coloração avermelhada das bochechas dela. Levou uma mão à própria nuca, desconcertado e sem graça. Raramente deixava que percebessem quando ficava tempo demais observando algo ou alguém, mas com aquilo acontecia com mais frequência do que ele gostaria de admitir.
- A culpa é sua se meus olhos se prendem em você - piscou um dos olhos, curvando o canto dos lábios em um meio sorriso. Com um aceno de cabeça, indicou as escadas para que ela o seguisse de volta até o terraço.
Caminhou até e outra vez, sentando-se junto a eles e entregando uma latinha de cerveja a cada um, abrindo a sua própria logo depois.
- Vejam só quem eu encontrei perdida lá embaixo - riu enquanto ela se sentava ao seu lado, após cumprimentar o irmão e a melhor amiga, ainda com um pacote em mãos.
- Onde está Sophie, ? - perguntou, passando os olhos pelo local, à procura da menina.
- Brincando com Audrey. Eu e a trouxemos conosco - sorriu, respondendo à pergunta antes que o homem tivesse a chance de pensar em falar.
- Pode colocar o presente ali, ao lado da mesa do bolo, - apontou para a pilha de pacotes com a mão que segurava sua bebida, após dar um gole na mesma. A mulher assentiu e se levantou, depositando o presente no lugar indicado e logo depois indo ao encontro das duas meninas, que brincavam com algumas bonecas que Soph havia ganhado de alguém e já haviam sido retiradas dos pacotes.
O olhar de acompanhava cada movimento dela e, prestando atenção, quase conseguia ouvir o que ela dizia, sobre o barulho da música e das conversas dos demais presentes.
- Hey, Soph. - chamou e a garotinha logo se virou para ela, com um grande sorriso nos lábios. - Feliz aniversário - sorriu, após abraçá-la e então a observou, notando a roupa que ela usava. Um vestido azul clarinho, com as mangas curtas, sobreposto a uma camiseta branca de mangas compridas e com uma espécie de colete branco por cima do mesmo, trançado na frente por uma fita preta.
- ? - A voz de o chamou, fazendo-o voltar seu atenção ao amigo, sentado em sua frente.
- Você costumava ser mais discreto antigamente, - comentou, rindo em seguida da expressão dele. - Só tenha cuidado. Não quero curar outro coração partido de tão cedo.
- Oi? - se fez de desentendido, arqueando uma das sobrancelhas. - Não estou saindo com a - deu de ombros, fixando seu olhar na latinha que ele girava distraidamente sobre a mesa, em seguida virando o resto de seu conteúdo na boca.
- Ainda - falou, um sorriso sacana surgia em seu rosto apenas por saber que deixaria desconcertado com aquele jogo. voltou logo depois, sentando-se outra vez junto aos amigos, e o assunto foi parcialmente esquecido, mas deixando pensando naquilo. Estava tão estampado assim em seu rosto que estava interessado nela?
e permaneciam sentadas na mesma mesa enquanto e conversavam com alguns colegas do colegial, algum tempo depois de todos terem cantado os parabéns para Sophie, que já voltara a brincar com Audrey, sem nem mesmo perder tempo para comer do bolo.
- Como você tá? - perguntou, observando a amiga, que, distraidamente, cutucava a fatia de bolo à sua frente com o garfo, comendo lentamente. - Sobre Rick.
- Bem - deu de ombros e ouviu a outra bufar. Levantou os olhos até ela, respirando fundo, em sinal de rendimento. - Ele vai essa semana. Sexta-feira, eu acho.
- E você? - A outra insistiu, pouco se importando se a irritaria. Odiava vê-la daquele jeito e, principalmente, odiava não poder fazer nada.
- E eu o quê, ? - aumentou o tom da voz, mas não o suficiente para passar a gritar. - Sabe que não há nada que eu possa fazer. Eu e Richard sempre tivemos um único problema: o egoísmo de cada um. Eu não largaria minha estabilidade aqui para ir com ele, do mesmo jeito que ele jamais desperdiçaria a chance que teve - fez uma pausa, fechando os olhos por alguns segundos. Dizer aquilo em voz alta doía, era como se estivesse aceitando tudo aquilo, por mais que tivesse certeza de que não estava, nem aceitaria assim, tão cedo. - É o ponto final pra nós - passou os dedos pelo rosto, limpando uma única lágrima que havia lhe escapado, sentindo o silêncio cair sobre elas por algum tempo.
- E ? - arriscou falar outra vez e viu a amiga arquear as duas sobrancelhas, surpresa pela pergunta. - Ah, por favor, ! Não me venha com desculpas, até percebeu o jeito que ele olha pra você.
- O que quer que eu diga? - Um fraco sorriso tomou seus lábios enquanto ela abaixava a cabeça, voltando a fixar os olhos sobre seu prato.
- Sabia! - A risada alta fez com que risse junto, mas ainda sem saber o que responder.
- Ah, não sei, - os dentes prenderam levemente o lábio inferior, comprovando sua incerteza e receio sobre aquele assunto. - Não acredito que tenha superado a perda de Allison ainda, tanto que não se pode ver nenhuma notícia dele com alguém nas revistas de fofoca, desde o acidente. E você sabe como ele era, antes dela - fez uma pausa, observando a mulher em sua frente assentir com a cabeça. - E ainda tem Sophie - sorriu, deixando seu olhar vagar sobre o ambiente já não tão cheio, encontrando a menina próxima ao parapeito do terraço, com Audrey ao seu lado, provavelmente conversando com a outra à sua maneira. - Não sei, mesmo.
- Se você diz - deu de ombros, encerrando a conversa ao ver, atrás de , se aproximar. Ele pôs as mãos no ombro dela, fazendo com que a outra garota se esforçasse para conter um sorriso.
- Preciso buscar mais alguns salgadinhos lá embaixo, vocês querem algo? - Perguntou, seu olhar vagando de uma para a outra.
- Está fazendo um ótimo papel como anfitrião, - riu, vendo-o mostrar a língua como resposta. - Ok, quero um refrigerante, só.
- Eu também - concordou e logo ele se afastou, indo em direção às escadas, enquanto o olhar da garota permanecia focado nele.
- ! Trás mais uma cerveja pra gente - quase gritou, indicando os outros homens junto a ele.
- Claro, porque eu tenho cinco mãos pra trazer tudo pra todos vocês, né? - rolou os olhos, ouvindo apenas risadas como resposta. Com o canto dos olhos, viu se levantar e ir até ele.
- Eu ajudo você, . Vamos - ele sorriu, agradecido, e desceu, sendo seguido por ela. Seguiram em silêncio enquanto venciam os dois lances de escada que os levavam direto à sala do apartamento. buscou, na bancada que dividia a sala da cozinha, os salgadinhos, enquanto abria a geladeira, retirando várias latinhas de lá e depositando-as também sobre a bancada. Encontrou com os cotovelos apoiados ali, inclinado em sua direção, um sorriso singelo nos lábios.
- O que foi? - Ela perguntou, inclinando de leve a cabeça para o lado, franzindo o cenho.
- Me diga você o que foi. Vi você tristinha enquanto falava com , e agora está assim, calada - ele deu de ombros, alargando o sorriso em seu rosto e dando a volta na bancada, aproximando-se de .
- Não foi nada, - disse, encarando-o enquanto ele dava mais um passo, tornando a distância entre eles ainda menor. - Sério - tentou concluir com firmeza, mas sua voz falhou com a proximidade de . Abaixou a cabeça; o olhar era intenso demais para que ela conseguisse sustentar. Os dedos dele alcançaram seu queixo, obrigando-a a pousar seus olhos nos dele outra vez, enquanto a outra mão tocava de leve sua cintura. O rosto de inclinou-se na direção de , tornando o espaço que separava seus lábios ainda mais diminuto. A respiração da mulher contra sua pele o inebriava, do mesmo jeito que ela se sentia entorpecida por qualquer mínimo toque dele em seu corpo.
- Tudo bem, então. Só... Fica bem - sorriu de leve, vendo-a retribuir o gesto. A mão que antes estava no queixo de passou a delinear seus lábios com os dedos antes de uni-los aos seus por um breve momento, causando inúmeros arrepios nela, que involuntariamente deixou sua mão erguer-se até tocá-lo carinhosamente no rosto, o polegar lhe acariciando a bochecha enquanto seus outros dedos se perdiam entre os curtos fios de cabelo que cobriam a nuca de . abriu levemente os lábios, permitindo que ele aprofundasse o beijo, no mesmo momento em que o barulho de passos na escada se fez ouvido.
- Vovó vai buscar um casaco no quarto, tudo bem? - Era a voz de Louise, em um tom quase maternal; com certeza estava com Sophie.
- Cadê o papai? - A menina perguntou, fazendo sorrir ainda com a boca colada à de . Ela afastou o rosto minimamente do dele e ameaçou falar algo, mas ele colocou o dedo indicador sobre seus lábios, fazendo sinal de silêncio. A mão do homem que repousava no rosto dela desceu para a cintura, junto à outra, segurando-a próxima a si.
- Deve estar na cozinha, meu amor - a mulher mais velha respondeu e seus passos se afastaram da cozinha, enquanto passinhos leves se aproximavam de onde os dois estavam. colou os lábios rapidamente aos de outra vez antes de dar um passo para trás, apenas esperando que a filha chegasse ali.
- Me sinto de volta à adolescência, como se tivesse que me esconder por estar com algum garoto - ela sussurrou, abafando o riso, mas ele não teve o mesmo sucesso e acabou rindo alto.
- Papai! - Soph exclamou ao ouvir a risada de e apareceu correndo, agarrando-se às pernas dele, que logo a pegou nos braços e colocou-a sentada sobre a bancada.
- Me trocou a tarde inteira pela Audrey e agora vem me abraçar, é? - Ele fechou a cara, gargalhando em seguida ao ouvir a risada da filha.
- Saudade - ela disse, simplesmente, jogando-se nos braços do pai, que a abraçou com força, beijando-a no topo da cabeça, vendo um sorriso se abrir no rosto de ao vê-los daquele jeito.
- Mas eu tô aqui! - Sorriu, colocando Soph no chão outra vez e pegando o prato com salgadinhos em uma mão, enquanto segurava algumas das latinhas que havia tirado da geladeira na outra. Ela pegou as restantes e o seguiu escada acima outra vez. Ao alcançarem o terraço, Sophie correu em direção a Audrey, que estava no colo de , chamando-a outra vez para brincar.
- Acontece que eu não sou algum garoto - disse, chamando a atenção de antes que ela fosse em direção à melhor amiga. - Sou - riu, roubando-lhe outro selinho enquanto ainda estavam fora do alcance da vista de qualquer um ali e indo em direção a e os outros homens, entregou uma das latinhas a um deles e esperou que uma um tanto avermelhada entregasse as outras, saindo logo dali e caminhando até onde ainda se encontrava sentada.
- Que demora pra buscar só algumas cervejas e refrigerantes, . E por que está vermelha? - A amiga riu, provocando-a.
- Cale a boca - foi tudo o que saiu de sua boca antes que ela se sentasse, já rindo também.
Pouco tempo depois, tentava conversar com a amiga, que insistia em tocar no assunto apenas para irritá-la, pois sabia que ela não queria falar sobre aquilo ali e naquele momento.
Não que se arrependesse, longe disso, era algo que ela também queria e nunca negaria isso; a atração entre os dois era mais do que óbvia. Porém, simplesmente queria evitar criar qualquer tipo de esperanças; tinha acabado de sair de um relacionamento longo e ainda não se sentia preparada para realmente se envolver em algo sério, assim como tinha certeza de que, mesmo tendo passado dois anos, também não havia superado o fim trágico e traumático de seu casamento.
O celular de começou a tocar e a mesma observou a tela, já sabendo o que aconteceria.
- ! Se prepare pra irmos embora, Kim está ligando! - Praticamente gritou para que o noivo, do outro lado do terraço, escutasse. Então, atendeu a ligação e passou algum tempo conversando com a irmã. Ao desligar, virou-se outra vez para . - O pai de Audrey está lá pra buscá-la pra passar o dia de amanhã com ele, precisamos levá-la agora - suspirou, levemente irritada com o ex-namorado da irmã. - Sei que tínhamos prometido que te daríamos carona na volta, mas a casa de Kim fica totalmente fora do caminho. Me desculpa? - fez um bico que fez rir.
- Tudo bem, eu pego um táxi de volta. Sem problemas - sorriu, levantando-se para abraçar a amiga, despedindo-se dela, que logo foi de encontro a , que já havia pego Audrey e sumiram de vista escada abaixo, assim como os outros amigos de fizeram alguns minutos depois. Observou de longe, apenas bebendo sua Coca-Cola, enquanto Sophie pedia ao pai que a deixasse abrir os presentes ali mesmo, batendo os pezinhos no chão, fazendo birra.
- Filha, eu levo os presentes para o seu quarto e lá você abre, pode ser? É mais fácil de levá-los ainda empacotados - passou as mãos pelos cabelos, tentando convencê-la. Viu com o olhar fixo neles e fez um sinal com a cabeça para que ela se aproximasse.
- Tá bom - ela concordou, mas logo o encarou outra vez, enquanto a mulher ainda caminhava naquela direção. - Agora!
- Vem, meu amor, desça com a vovó que o vovô logo leva os presentes - Louise, ao perceber que ainda era a única ali com exceção deles, pegou a neta pela mão, seguindo escada abaixo e sendo seguida pelo marido, que descia cuidadosamente, carregando a caixa lotada de pacotes.
O sol fraco que brilhara o dia inteiro agora começava a se pôr, colorindo o céu com tons que variavam desde o rosa até um roxo escuro, em uma paisagem que gostava de admirar, ainda mais dali, de onde conseguia ver grande parte de Londres, sendo, lentamente, acesa. Havia parado no meio do caminho até onde o homem estava antes, observando-a, e não percebeu isso até que ele se aproximou, abraçando-a pelo ombro.
- Bonita vista - ela comentou, olhando-o por alguns segundos antes de voltar a atenção ao horizonte.
- Comprei esse aqui por causa dela, sabia? - Disse, os olhos também fixos em sua frente. - Da vista - ele explicou, percebendo que ela o encarava outra vez, sem entender. - Achei que Soph fosse gostar. Acho que acertei.
- Ela gostaria até se você comprasse um cubículo de um único quarto, . Ela nunca vai poder reclamar de você - falou, mantendo os olhos fixos nos dele para que ele soubesse que estava sendo sincera. - É realmente de admirar o quanto você se dedica a ela.
sentiu o rosto ficando vermelho e não respondeu, apenas assentiu com a cabeça, como que em um agradecimento mudo. Afastou-se dela, puxando dois banquinhos para perto deles, para que se sentassem. O silêncio passou a dominá-los e aquilo começava a incomodar o homem, que passou a batucar de leve com os dedos na própria perna. pôs a mão sobre a dele, fazendo-o parar. Ele sorriu, virando o rosto para observá-la.
- E agora? - soltou a pergunta que estava entalada em sua garganta. Definitivamente havia algo acontecendo entre os dois e ele não sabia direito como agir. Claro que ela não o fazia esquecer Allison, mas, por alguns instantes, fazia com que ele se sentisse menos vazio, como era durante todo o restante do tempo. Também sabia que ela acabara de terminar um namoro de anos e não queria machucá-la. Não se preocupava daquele jeito com os sentimentos de uma mulher desde Ally, agora era quase como se fosse um adolescente outra vez, com medo do que aconteceria se desse um passo em falso.
- Agora... - repetiu, entendera perfeitamente a que ele se referia. Brincava com os dedos da mão dele que segurava, fingindo estar distraída, mas na realidade tentando encontrar as palavras que devia usar no momento. - Acho que vamos com calma - mordeu o lábio, incerta sobre o que falava.
- Com calma - foi a vez dele de repetir o que ela dissera, fixando os olhos em suas mãos, agora entrelaçadas. - Tem razão - sorriu fraco e levou uma das mãos até o queixo da mulher, virando seu rosto para si e juntando seus lábios aos dela, dando início a um beijo calmo, deixando-os sentir lentamente cada uma das sensações que aquele gesto provocava em ambos.
Afastou-se dela ao finalizar o beijo com um selinho, sem conter um sorriso, que foi refletido no rosto de .
- Preciso ir, . Essa madrugada o plantão na maternidade é meu - sua voz demonstrava sua insatisfação com o fato de não poder ficar ali.
- Tudo bem - ele concordou, levantando-se e estendendo a mão para ela, que a segurou. - Veio de carro?
- Não. Eu voltaria com , mas a casa de Kim fica muito fora do caminho pra minha... - Murmurou em resposta, sem encará-lo diretamente. - Eu pego um táxi.
- De jeito nenhum, . Eu te levo - disse, firme, sem deixar que ela contestasse, puxando-a pela mão escada abaixo. Foi até o quarto de Sophie, ainda com a mulher atrás de si, e parou à porta, escorado no batente da mesma. Observou a mãe tentando convencer a menina de primeiro tomar um banho e depois abrir os presentes. Sorriu bobo ao ver o jeito da filha, toda irritadinha por não conseguir o que queria, na hora que queria; aquilo era culpa dele por tê-la mimado tanto, ele admitia, mas ela era tão adorável que, para ele, era impossível negar algo a ela. Pigarreou, chamando a atenção das duas, presentes no quarto.
- Vou levar em casa - avisou, recebendo um sorriso significativo da mãe, mas apenas riu, fingindo ignorar. - Soph... - Entrou no quarto, abaixando-se em frente a ela. - Tome um banho com a vovó, quando eu voltar nós abrimos os presentes juntos, que tal?
- Mas... Tá - concordou, ainda que de cara fechada e com os braços cruzados.
- Quero ver uma carinha melhor quando eu voltar! - Disse, beijando o rosto da filha e levantando em seguida. adentrou o quarto para se despedir de Soph, abraçando-a e desejando outra vez um feliz aniversário à menina, que já sorria outra vez. achava incrível o quanto Sophie gostava dela.
- Boa noite, Sra. - se despediu da mulher mais velha, sorrindo e saindo atrás de .
O silêncio recaiu sobre os dois enquanto desciam pelo elevador até a garagem. Ainda calados, entraram no carro dele, deixando que apenas a música que vinha do rádio, ligado logo em seguida, dominasse o lugar.
- Soph gosta de você - disse, de repente, sua voz mais alta que a canção na qual ele não prestava atenção.
- Ela é uma criança adorável, gosta de todo mundo - sorriu e o homem a olhou por breves segundos, antes de voltar a encarar a rua movimentada de Londres, por onde transitavam.
- Nem sempre - ele disse, baixo, mas não o suficiente para que a mulher não o escutasse. Referia-se às mulheres com quem saíra em Bolton, a maioria não havia passado de uma noite, mas, as que haviam encontrado com Sophie ao deixar a casa, no outro dia pela manhã, nunca tiraram um sorriso da menina. o encarou curiosa, sem entender, com o cenho franzido. Ao parar o carro em um sinal vermelho, inclinou-se sobre ela, beijando-a nos lábios. - Nada. Foi só um comentário.
E voltou a sentar direito em seu próprio banco, colocando o veículo em movimento outra vez quando o sinal voltou a ficar verde. Não demorou muito mais que dez minutos até que indicasse o prédio onde morava e ele estacionasse em frente a ele. Desligou o carro e virou-se para ela, que também o observava.
- Obrigada, - sorriu, retirando o cinto de segurança e inclinando-se um pouco na direção dele. Ele fez o mesmo, tocando os lábios da mulher com os seus próprios. Sentiu a mão dela em seu pescoço, em um carinho gostoso, no mesmo momento em que sua língua tocava a dela. Sua mão deslizou por todo o braço de , sentindo-a arrepiada com seus toques e isso o fez sorrir, quebrando o beijo e descendo a boca até o pescoço dela. Plantou um beijo ali, sentindo o perfume doce lhe invadir as narinas.
- Não precisa agradecer, sabe disso - sorriu, ainda contra a pele dela. Mantinha o rosto escondido ali, sentindo os dedos de perdidos em seus cabelos. Logo depois, sentiu os mesmos dedos lhe tocarem o rosto, levantando-o. - Posso te ligar amanhã?
- Terá muita sorte se me encontrar acordada, depois de um dia de plantão - ela fez careta, como se estivesse descontente, fazendo-o rir. – Segunda-feira, depois de amanhã.
- Tudo bem, eu ligo - concordou, selando seus lábios outra vez antes de vê-la abrir a porta do carro e sair. Ainda permaneceu ali, parado, apenas a observando adentrar o prédio e sumir lá dentro. Virou-se para frente outra vez e girou a chave na ignição, sentindo-se, de alguma forma, diferente. O sorriso parecia fixo em seus lábios. Algo dentro de seu peito parecia satisfeito.
Havia algo novo dentro de si próprio. Algo que o estava mudando.
Sete
A chuva fina que caía ia manchando o para-brisas do carro de enquanto ele dirigia com atenção pelas ruas de Londres. O sol fraco do fim de semana havia simplesmente sumido por trás de tantas nuvens acinzentadas que dominavam o céu naquele dia. A noite já ameaçava cair e, depois de ensaiar algumas horas, estava a caminho da clínica onde trabalhava. Porém, não havia avisado nada. Resolvera aparecer de surpresa, uma vez que não sabia a que horas sairia do estúdio e não gostaria de se atrasar ou ser obrigado a desmarcar por conta de segurá-lo lá por muito tempo. Riu fraco, lembrando-se do amigo.
Quando estava saindo, passou pela sala dele, que tinha a porta aberta, e ouviu sua voz chamá-lo. Voltou alguns passos no corredor e escorou-se no batente da porta.
- Diga. - Murmurou, observando-o mexer em alguns papéis que se encontravam sobre sua mesa.
- Entra - pediu, e assim fez, sentando-se na cadeira livre, estranhando a expressão séria de . - Não pense que eu não sei sobre - falou, rindo, deixando que o outro se aliviasse.
- O quê? - Ele deixou uma gargalhada escapar de seus lábios, olhando falsamente desacreditado para o amigo.
- Eu podia estar um pouco alto pelas cervejas, mas ainda conheço minha irmã e meu melhor amigo - balançou a cabeça de um lado para o outro, ainda rindo. - Todo aquele tempo pra buscar as cervejas? vermelha daquele jeito quando voltaram? , , você não me engana - completou, vendo se entregar apenas pela feição que mantinha no rosto, enquanto ainda ria.
- Certo. E daí? - Mordeu internamente a boca, sabendo que provavelmente viria um discurso digno de irmão mais velho. Às vezes, ele parecia esquecer que a irmã já tinha seus bons vinte e tantos anos.
- Nada - o surpreendeu. - Vá logo, ela sai da clínica em quarenta minutos. Você não vai querer chegar atrasado e ter que adivinhar pra onde ela foi - riu, deixando completamente sem reação.
- Se você quer assim - deu de ombros e levantou, retirando-se da sala. Parou quando alcançou a porta e girou nos calcanhares. - Sobre o que falou no sábado... Eu sou um cara cuidadoso, você sabe - sorriu e finalmente deixou o local.
E, assim, pouco mais de meia hora depois, ele estava com o carro estacionado em frente ao prédio onde trabalhava. Pensou em ficar ali e esperar que ela saísse, mas não teve paciência para tanto e, então, pegou o celular em mãos, procurando o número dela na agenda e iniciando a ligação. Após alguns segundos ouvindo apenas o barulho irritante que indicava que estava chamando, finalmente foi atendido.
- Hey, - a voz dela soou do outro lado da linha, parecendo animada.
- Falei que ligaria - ele disse, sorrindo, mesmo que ela não pudesse vê-lo.
- Quase pensei que tivesse esquecido - riu e ele, novamente esquecendo-se de que ela não estava ao seu lado, fechou a cara.
- Até parece - fez uma pausa, na qual o silêncio predominou, antes que ele voltasse a falar. – Tô aqui fora - mordeu o lábio, notando que a deixara sem fala.
- Mas... ! - Ela exclamou e pôde imaginar perfeitamente a expressão em seu rosto naquele momento. Surpresa, mas sorrindo. soltou a respiração em um suspiro. - Chego aí em cinco minutos.
Largou o telefone no painel do carro após desligar e ligou o rádio, agoniado pela falta de barulho. Uma música qualquer começou a tocar, distraindo-o por alguns minutos, até ouvir algumas batidas em sua janela. Virou-se e pôde ver ali parada.
- Entra - pediu, após abaixar o vidro para que ela pudesse ouvi-lo. Ela assentiu com a cabeça e deu a volta no veículo, entrando e sentando-se no banco do carona em seguida.
- Posso perguntar o motivo dos óculos escuros? - A mulher sorriu, ainda fechando a porta.
- Fugir dos fotógrafos, só - respondeu, retirando o objeto do rosto e inclinando-se na direção dela, roubando um selinho no momento em que ela se virou para ele.
- Claro, - ela rolou os olhos, ironizando. - Da próxima vez tente nascer de novo. Seria mais eficaz - deixou uma risada escapar e viu o homem cruzar os braços, fingindo irritação. - Tem certeza de que deixou Sophie em casa? Estou vendo a versão masculina e mais velha dela bem aqui, na minha frente.
não aguentou e deixou que a gargalhada que estava segurando soasse alta, fazendo-a rir junto a ele. Parou, apenas sorrindo e observando enquanto ela ria. Aproximou seu rosto do dela outra vez, tirando alguns fios de cabelo que escapavam do rabo de cavalo alto em que ela havia o prendido, colocando-os atrás da orelha da mulher. Deixou seu nariz tocar a bochecha dela, deslizando-o delicadamente por ali, provocando um sorriso nela.
- Sophie não te beijaria assim - falou, sentindo seus lábios tocarem infimamente os dela com o movimento. Ela riu fraco, junto a ele, com o que ele havia dito, mas logo foi calada pelos lábios do homem que cobriram os seus, iniciando mais um beijo ao qual ela se entregou completamente. Afastou-se dela pouco depois, quando seus pulmões pediram por ar outra vez, prendendo levemente o lábio inferior dela entre seus dentes. Deixou que seu olhar finalmente a observasse por completo, sorrindo.
- De jaleco - comentou, arqueando uma das sobrancelhas. - Interessante. Gostei.
- Se você me disser que tem qualquer tipo de fetiche por médicas, enfermeiras, ou qualquer coisa do tipo, eu juro que saio do seu carro agora - falou séria, mas rindo em seguida. Ele mostrou a língua, voltando a se sentar direito no banco.
- Não tenho, tá? - Ignorou o fato de que continuava parecendo uma criança enquanto ela tirava o jaleco branco que vestia por cima da roupa. - Pra onde vamos?
- Não sei - deu de ombros, após pensar algum tempo. - Achei que você tivesse algo em mente, já que veio até aqui.
- Tudo bem. Que tal um café e depois... Uma volta por... - Parou de falar, pensando em algum lugar para levá-la, mas sem pensar em nada que o agradasse. - Tá, aí eu já não sei mais.
- Certo. Aceito o café, o dia na clínica foi cheio hoje. Não tive tempo nem pra um lanche - ela suspirou, parecendo cansada, enquanto ele ligava o carro, colocando-o em movimento em direção à Starbucks mais próxima.
No caminho até lá, falava de seu dia, seus pequenos pacientes, sempre com um sorriso adorável no rosto, que fazia ter vontade de desviar o olhar da rua para a mulher ao seu lado. Não demorou muito até que ele novamente estacionasse o veículo próximo a uma Starbucks em uma rua até bastante movimentada. Pôs os óculos outra vez, ouvindo a risada abafada de e rolando os olhos, virando-se pra ela com um sorriso mal contido nos lábios.
- Me deixe ser iludido, tudo bem? - Riu, abrindo a porta logo após vê-la dar de ombros e fazer o mesmo. Estendeu a mão em sua direção e logo os dedos delicados estavam entrelaçados aos seus próprios. Apertou sua mão em torno da dela e a puxou em direção à porta da cafeteria.
O cheiro do café misturado ao do chocolate invadiu suas narinas, fazendo-o respirar fundo, sentindo o estômago dar sinal de vida. Caminharam até uma mesinha próxima à grande janela de vidro do estabelecimento e se sentou. , porém, permaneceu de pé.
- O que vai querer? - Perguntou, enquanto retirava os óculos, largando-os sobre a mesa. Ali dentro seria até estranho se continuasse o usando.
- Um cappuccino, um muffin de baunilha e um de chocolate - ela respondeu, fazendo menção de abrir a bolsa, mas antes que pudesse fazê-lo, sentiu a mão do homem sobre a sua, segurando-a.
- Você não vai pagar nada – disse sério. Selou seus lábios aos dela rapidamente ao vê-la abrir a boca para contestar. - Sem direito de resposta - deu as costas, indo até o balcão para fazer os pedidos. Poucos minutos depois, voltou à mesa, atrapalhado ao carregar as duas xícaras, juntas aos muffins. Colocou tudo sobre a mesa e se sentou ao lado de , dando um gole em seu café e se arrependendo em seguida, quando sentiu o líquido quente quase queimar sua língua. Fechou os olhos com força, sentindo-os quase lacrimejarem enquanto ouvia a mulher rir descaradamente. Abriu-os novamente, conseguindo engolir a bebida, ainda que sentindo a garganta reclamar.
- me chamou na sala dele hoje mais cedo - comentou, como se não fosse nada demais, e percebeu que apenas arqueava uma sobrancelha, incapaz de dizer qualquer coisa por ter acabado de dar um gole em seu cappuccino. - Pra falar de você... E de mim - completou, abrindo um sorriso de canto ao vê-la tão surpresa a ponto de quase engasgar-se com a bebida.
- Oi? - Ela perguntou, encarando-o, séria. - Só pode ter sido coisa de - balançou a cabeça de um lado para o outro, sorrindo timidamente.
- Acho que é que nos conhece bem demais - deu de ombros, pegando um de seus muffins e dando uma mordida.
- Talvez - se distraia mexendo na forminha de papel onde estava seu muffin, como se aquilo fosse a coisa mais interessante do mundo, pensando se devia ou não verbalizar os pensamentos que estavam rodando em sua cabeça após aquela informação. Tinha certeza que seu irmão e melhor amiga iriam interferir na relação dos dois; provavelmente querendo que desse certo, mas, como eram simplesmente atrapalhados demais, acabariam por apressar as coisas, o que era tudo que ela e não queriam. - Com e sabendo, vai ser difícil conseguirmos continuar com nossa ideia de ir com calma - não arriscou desviar o olhar para o homem ao seu lado. Sentiu a mão dele sobre a sua própria, num toque carinhoso, e manteve os olhos fixos ali, enquanto o polegar dele lhe acariciava.
- - chamou, a voz calma e doce, quase o mesmo tom que usava ao tentar convencer Sophie de algo. Esperou que ela o olhasse pra voltar a falar. - Esquece isso. Vamos fazer do nosso jeito, tudo bem? - Uniu seus lábios aos dela após vê-la assentir, em silêncio. Sentiu quando, ao se afastarem, ela deitou a cabeça em seu ombro e a abraçou de lado, deixando que sua mão se perdesse entre os cabelos de enquanto a outra permanecia entrelaçada à dela. A mulher virou o rosto, tocando o pescoço de com os lábios e sorrindo ao vê-lo se arrepiar. Permaneceram mais algum tempo em silêncio até que ela o quebrasse.
- Vamos? - Perguntou, sentando-se direito e dando um último gole em seu cappuccino, franzindo o cenho ao perceber que ele já se encontrava quase frio.
- Pra onde? - Ele devolveu a pergunta, notando quando ela a encarou rolando os olhos enquanto ele levantava. - O quê?
- Nada, . Vamos, no caminho a gente descobre pra onde - riu, caminhando para a saída com ele em seu encalço. Entrelaçaram suas mãos outra vez antes de saírem e logo que colocaram o pé pra fora, um garoto entregou um panfleto à , mas, antes que pudesse lê-lo, os dois foram abordados por uma garota de aproximadamente dezessete anos, com uma câmera, um bloquinho de papel e uma caneta em mãos. fez menção de soltar a mão de e voltar alguns passos, mas ele a segurou mais firmemente, lançando um olhar para acalmá-la.
- ! Ah, eu nem acredito que te encontrei assim, do nada – a menina parecia não conseguir parar quieta em um mesmo lugar e o homem apenas sorriu, simpático.
- Coincidências acontecem - disse, dando de ombros, soltando da mão de para pegar o bloco e a caneta que a garota estendia em sua direção. - Qual seu nome?
- Jess - ela respondeu, mal contendo a empolgação. sorria observando a cena, lembrando-se do seu tempo de adolescente, quando encontrara alguns de seus ídolos após shows dos mesmos e ficara quase da mesma maneira. autografou o bloquinho e o devolveu à menina, que direcionou o olhar à . - Pode tirar uma foto pra mim, por favor?
- Claro - ela respondeu, simpática, pegando a câmera e se posicionando de frente para os dois. abraçou Jess pelo ombro, abrindo um sorriso que, por um momento, tirou sua atenção e quase a fez esquecer que precisava tirar a foto. Após isso, devolveu a câmera à garota, que beijou o rosto de mais uma vez.
- Estou tão feliz que você tenha voltado! - Ela exclamou, abraçando-o outra vez. - Mas sinto muito... Pela sua perda - pareceu um pouco constrangida ao tocar naquele assunto, quase como se tivesse se arrependido após falar.
- Bom... Obrigado - ele respondeu, sem saber exatamente o que falar naquela situação. Lançou mais um sorriso e logo a menina seguiu seu caminho, quase saltitando. percebeu o quanto ele havia se sentido incomodado quando a fã mencionara Allison, mas não comentou nada, apenas esperou, notando que ele respirava fundo antes de virar novamente pra ela.
- Depois de quase dois anos parado, quase esqueci como era sair e ser parado na rua desse jeito - ele forçou o riso, segurando a mão de outra vez, indo em direção ao carro. Assim que entraram, ela pegou o panfleto que havia recebido na saída da Starbucks. Uma foto de um filhote de Pug ilustrava o folheto e, logo acima, em letras coloridas, estava o título: Feira de Filhotes.
Ela observou as palavras durante algum tempo, imaginando todos aqueles animaizinhos pequenos e fofos, esperando por alguém que lhes desse um lar, latindo e fazendo bagunça, querendo chamar a atenção de todos, nem que fosse ao menos por um minuto. Virou-se para , que a observava com o cenho franzido. Abriu um sorriso, entregando-lhe o panfleto, sem dizer nada. Ele o pegou em mãos, lendo o que estava escrito ali com atenção. Ergueu os olhos para a mulher outra vez, com as sobrancelhas arqueadas, como se perguntasse "Você quer mesmo ir até lá?".
- Por favor? - piscou várias vezes seguidas, juntando as mãos sobre o colo e inclinando a cabeça minimamente pro lado, como uma criança que tenta convencer os pais a comprarem algum brinquedo que quer muito. - Ah, vamos, ! Imagina que coisa mais fofa, todos esses cãezinhos querendo sua atenção... Você pode até comprar um pra Sophie! Tenho certeza que ela adoraria.
- Não sei quem é mais criança. Você ou ela - riu, fazendo uma careta em resposta à língua que ela lhe mandou. - Tudo bem, vamos lá. Mas não vou levar cachorro algum pra fazer ainda mais bagunça na minha casa.
- Que pecado, ! - A mulher exclamou, espalmando uma das mãos no braço dele, enquanto o carro voltava a se movimentar em direção ao endereço impresso no panfleto.
Em dez minutos, ambos entravam no local onde estava acontecendo a exposição, já ouvindo os latidos incessantes que fizeram pensar em voltar atrás. parecia uma criança ali, olhando encantada para todos os animais, um sorriso quase maior que o rosto enquanto passava pelos canis. Cada um cheio de cães de diferentes raças, um mais encantador que o outro, na opinião dela. nunca fora muito fã de cães, mas, ao passar por alguns filhotes de Husky, não pôde se conter e parou, sorrindo.
- Tá vendo? E você nem queria vir - alfinetou ao ver a expressão no rosto dele, que agora tocava o topo da cabeça do cão enquanto este tentava lhe lamber a mão, em retribuição ao carinho.
- Tudo bem, você venceu - ele riu, dando de ombros. - Se pudesse, levava um desses. Sempre os adorei. Pena que são grandes demais pra morar em apartamento - entortou a boca, desgostoso.
- Onde está o que, minutos atrás, disse que não compraria cachorro algum pra fazer bagunça em casa? - Ela riu, vendo-o se virar para encará-la, com uma das sobrancelhas arqueadas.
- Onde está a que fica quietinha? - Tentou segurar o riso ao ver a expressão no rosto da mulher, mas não teve sucesso algum. Juntou a boca à dela, ainda em meio aos risos, simplesmente pra não deixá-la retrucar. Sentiu as mãos dela se espalmarem em seu peito, empurrando-o delicadamente, e entendeu o pedido silencioso em seu olhar. Em público não. E não podia reclamar, afinal, em parte, ele pensava como ela. O lado ruim de ser conhecido mundialmente era aquele. Quase sempre tudo o que fazia era de conhecimento geral e, naquele momento, tudo o que não precisava era da mídia em cima de sua relação recém-iniciada com . Tanto para o seu próprio bem, quanto para o dela. Respirou fundo, assentindo com a cabeça e entrelaçando seus dedos aos dela outra vez, puxando-a para continuar a ver a exposição.
- ! - exclamou, algum tempo depois, dando um pulinho e apontando para um dos canis. - Olha, que amor. Você devia levar um pra Sophie! - Observava, encantada, os cães que, para , eram estranhos por terem o focinho todo enrugado. Olhou para a plaquinha na frente do cercado, descobrindo, então, que eram Pugs.
- Ah, não. Olha só, ele é todo estranho - franziu o cenho, olhando para ela. - Afinal, qual é o pacto que você tem com a minha filha? - Outra vez, foi obrigado a rir junto a ela, ao ouvir sua risada.
- Que horror, seu insensível - ela projetou o lábio inferior pra frente, formando um bico que quase o fez esquecer-se de segurar o impulso de beijá-la novamente. - E não tenho pacto nenhum, tá? Só tenho certeza de que ela ia gostar de um cachorro em casa.
- Quem sabe, ok? Vou pensar nisso - deu de ombros, seguindo o caminho por entre os canis.
Pouco mais de meia hora depois, saía da exposição com um pequeno filhote de Beagle em um de seus braços. , ao seu lado, só faltava saltitar de felicidade por tê-lo convencido de levar o animal. Tudo bem que grande parte do mérito ia para o próprio cãozinho, que encantara o homem de tal maneira que ele sequer hesitou ao comprá-lo. Sentiu quando o cachorro, inquieto, se contorceu, tentando escapar. Resmungou algo, mandando-o ficar parado antes que caísse dali.
- Preciso de um nome pra ele - comentou, virando-se pra , como se esperasse que ela surgisse com uma ideia brilhante e o ajudasse. Entrou no carro e, quando ela fez o mesmo, largou o filhote em seu colo, livrando as mãos para que pudesse dirigir.
- Deixe Soph escolher. Crianças adoram dar nome aos animais de estimação - ela deu de ombros, acariciando a cabeça do mais novo mascote. apenas assentiu e sorriu, percebendo o quanto a mulher parecia gostar de sua filha. Podia parecer bobo, mas ele achava que aquilo seria fundamental, caso levassem a relação a sério.
- Vai pra lá comigo ou quer que eu te deixe em casa? - Ele perguntou, antes de ligar o carro.
- Vou até lá com você, se não seu cachorro não chega vivo, visto que ele prefere a mim - sorriu, convencida, olhando para o animal, que se aconchegava a ela e se deitava, quietinho, em seu colo. O homem balançou a cabeça, inconformado.
- No meu colo ele não parou quieto. Vou mandá-lo pra sua casa - riu, dando a partida no veículo.
Quando já entrava na garagem do prédio, seu celular tocou. Sua mãe, perguntando onde ele estava e dizendo que Sophie não parava de perguntar por ele.
- Diga a ela que estou chegando, com uma surpresa - sorriu e, assim que desligou, o cachorro latiu, como se soubesse que era dele que estava falando. Desceram do carro e o homem pegou o cão nos braços, esperando que ele não se agitasse como antes. Abriu a porta do apartamento lentamente e segurou o cachorro nas duas mãos, escondendo-as atrás de suas costas, ouvindo a risada abafada de , que o seguia de perto. Soph correu até ele e o abraçou pelas pernas assim que o viu, mas o soltou logo depois, levantando a cabeça para observá-lo.
- Surpresa? - Perguntou; a curiosidade quase palpável em seus olhos o fez sorrir, encantado. Quando abriu a boca pra responder, um latido se fez ouvido e a garotinha em sua frente franziu o cenho. Agora, além de curiosa, estava confusa. riu, trazendo o animalzinho para o campo de visão da filha, que arregalou os olhos, surpresa, mas logo esboçou um grande sorriso. Estendeu as mãozinhas para o cachorro, segurando-o desajeitadamente em seus pequenos braços e gargalhando quando ele tentou lambê-la. se abaixou, aproximando-se dela.
- Agradeça à - sussurrou, para que só a menina escutasse. Ela colocou o cachorro no chão e foi até a mulher, que se abaixou, recebendo o abraço da pequena. olhou para , lhe lançando um sorriso enquanto pegava Soph no colo.
- Não sei o que seu pai te disse, mas foi ele quem comprou, tá? - Ela disse, fazendo-o rir. Louise passou pela sala logo depois, estranhando ao ver o animal já explorando a casa.
- Ai, - balançou a cabeça de um lado para o outro. - Não quero nem ver a bagunça que esse cachorro vai fazer no seu apartamento, que já não é o mais organizado - saiu dali, entrando na cozinha, e gargalhou, assim como , que se aproximou dele, ainda com Sophie nos braços.
- Então, qual vai ser o nome do seu cachorrinho? - Virou-se para a menina, que observava o pai, como se esperasse que ele desse alguma sugestão. Algo na televisão chamou a atenção dela, que desviou o olhar até lá, abrindo um sorriso com a abertura do programa que começava.
- Clifford! - Exclamou, batendo uma mão na outra. arqueou uma das sobrancelhas.
- Você vai mesmo dar esse nome pro cachorro, Sophie? - Riu com a expressão dela, que não gostara do comentário do pai. - Tudo bem. Não falei nada. Que seja Clifford, então. - Ergueu as mãos, em sinal de desistência.
- Bom, eu preciso ir - falou, beijando o rosto de Soph e a deixando no chão, vendo-a correr para se sentar no tapete felpudo da sala, em frente à televisão, os olhos vidrados no desenho animado que, agora, tinha o mesmo nome de seu cachorro.
- Quer que eu lhe leve em casa? - perguntou, segurando as mãos delas entre as suas, simplesmente por querer ter algum tipo de contato com ela.
- Não precisa. Eu vou de táxi - disse, sem deixá-lo contestar. - Sophie já estava perguntando por você, não quero te tirar dela - tinha aquela sensação de que estava atrapalhando e dando trabalho a ele e realmente não se importava em ir de táxi.
- Bom, tudo bem, mas então eu te levo até lá embaixo e conseguimos um táxi lá mesmo - sorriu ao vê-la assentir e a puxou pela mão até a porta. – Soph - chamou, vendo a filha desviar os olhos da televisão para encará-lo -, papai vai levar a lá embaixo e já volta, tá?
Fechou a porta após vê-la assentir com a cabeça e voltar a ignorá-lo por conta do desenho. Aproximou-se da mulher outra vez e a abraçou por trás enquanto esperavam o elevador, beijando-a de leve no pescoço, sentindo-a encolher os ombros em seguida. Entraram no elevador, ainda abraçados daquela maneira e, escorando-se a uma das paredes do cubículo, fez com que ela se virasse para ele.
- Obrigado pela companhia - ele sorriu, mantendo suas mãos na cintura da mulher, querendo segurá-la próxima de si.
- Sabe que não precisa agradecer - retribuiu o sorriso, levando as mãos aos ombros dele antes de beijá-lo, sentindo as mãos do homem apertarem de leve sua cintura, como se quisesse mantê-la ainda mais perto. Separaram-se quando chegaram ao térreo e deixaram o prédio, indo em direção ao ponto de táxi que havia logo em frente a ele. Infelizmente, não havia nenhum carro ali parado.
apoiou as costas no pilar que sustentava o telhado sobre os bancos colocados ali para quem desejasse esperar um táxi e encaixou entre suas pernas, encostando suas testas uma na outra. Uniu seus lábios em mais um beijo, sem sequer perceber que um dos carros amarelos acabara de passar vazio, na rua nem tão movimentada assim. As unhas de faziam um carinho gostoso em sua nuca enquanto sua língua relutava em se separar da dela; sentia-se livre de qualquer outro pensamento enquanto a tinha consigo e aquilo o surpreendia; era algo que não esperava sentir novamente tão cedo assim. prendeu o lábio inferior de entre seus dentes, cortando o beijo, no mesmo momento em que um segundo táxi passava por eles. Ele riu baixo.
- Podemos esperar o próximo, ou posso te levar pra casa - deu de ombros, vendo-a balançar a cabeça negativamente.
- Acho que podemos esperar mais algum tempo - abriu um sorriso de canto antes de beijá-lo outra vez, pouco se importando com quantos outros táxis perderia daquela maneira. O homem à sua frente era infinitamente mais interessante.
Alguns - muitos - táxis depois, finalmente deixou que se soltasse de seus braços. Pressionou seus lábios contra os dela uma última vez e olhou fundo nos olhos dela, sendo outra vez tomado pelo sentimento de que, na presença dela, deixava de ter o peito vazio. Afastou-se depois de fechar a porta do carro onde ela acabara de entrar, mas continuou a observando pela janela do mesmo, assim como seu olhar continuou preso ao veículo em movimento, até que ele se perdesse entre os outros.
O perfume da mulher ainda impregnava suas narinas naquele momento, mesmo que ela já tivesse ido, e de certa forma conseguia aliviar a dor que ele carregara por dois anos. A culpa que ainda o tomava a cada vez que fechava os olhos e se lembrava das imagens do acidente simplesmente não era mais tão presente. E, mesmo que já não a visse mais, a dor e a culpa continuavam parcialmente longe. Seus pensamentos agora tinham outro lugar para onde vagar, além das dolorosas lembranças de Allison.
Com um sorriso no rosto, voltou para dentro do prédio. Finalmente se sentia como se estivesse dando o primeiro passo para a superação que tanto buscara nos últimos anos.
Oito
O táxi pareceu levar bem menos tempo do que o de costume para chegar ao prédio onde morava. Talvez pelo fato de seus pensamentos estarem vagando longe dali, distraindo-a, sem deixarem que ela se preocupasse com mais nada. Seus olhos encaravam o lado de fora da rua sem realmente enxergar as luzes que pareciam apenas borrões, devido à velocidade do carro enquanto as imagens de todo o dia vinham à sua mente, uma após a outra. Suspirou, com um sorriso bobo se fazendo presente em seu rosto, quando o carro estacionou e ela entregou algumas notas ao motorista antes de sair dali. Em poucos minutos já estava entrando no apartamento e sentiu o celular vibrar no bolso assim que fechou a porta. Tirou-o do bolso e o sorriso voltou aos seus lábios ao ver o nome de na tela, indicando uma nova mensagem dele. Chegou bem?
Eram as duas únicas palavras que ele havia digitado. Riu fraco, começando a responder, mas o aparelho piscou novamente, em outro aviso de nova mensagem. Ok, esqueça. Acho que Sophie me deixou desse jeito, preocupado demais com tudo.
Boa noite. Durma bem.
mordeu o lábio inferior, contendo um sorriso enquanto digitava e enviava sua resposta. Deu alguns passos pela sala do apartamento e notou a secretária eletrônica piscando insistentemente. Franziu o cenho, curiosa por saber quem havia ligado enquanto estivera fora, e apertou o botão para ouvir o recado enquanto retirava as sapatilhas que usara o dia inteiro e agora a incomodavam minimamente.
- - foi feita uma pausa na qual ela só pôde ouvir a respiração nem tão calma do outro lado da linha. - Sou eu, Rick - outra pausa. A mulher fechou os olhos, sentando-se no sofá que havia ao lado do telefone para ouvir o resto da mensagem. - Bom, eu... Acho que você sabe que eu vou pra Nova York no final da semana e... - mais alguns segundos de silêncio nos quais ela tinha certeza de que ele estava engolindo em seco. Conhecia Richard bem até demais. - Eu só queria te ver uma última vez antes disso. Sabe, poder conversar com você. Almoça comigo amanhã? Se você puder, é claro. Me liga quando ouvir, pra me avisar. - Ouviu o sinal da secretária eletrônica, avisando que a mensagem havia terminado. Respirou fundo, esticando o braço pra alcançar o telefone. Discou os números que conhecia tão bem e esperou até que ele atendesse. Não estendeu muito a conversa, afinal, estava cansada e sentia seu corpo inteiro pedir por uma boa noite de sono, ainda que o relógio mal marcasse dez horas. Simplesmente disse que poderia almoçar com Richard e combinou que ele a buscaria na clínica para o almoço, uma vez que o carro que ela costumava usar era dele e já não estava mais em sua posse. Não que ele tivesse pegado de volta, mas ela simplesmente se sentiu melhor devolvendo o veículo; poderia sobreviver alguns dias andando de táxi ou de ônibus, até que comprasse seu próprio carro.
Recolocou o telefone na base e foi até o quarto, prendendo o cabelo em um coque frouxo no caminho. Separou o primeiro conjunto de pijamas que encontrou no armário e se encaminhou para o banheiro. Depois de um banho rápido, tudo o que conseguiu foi cair na cama, adormecendo quase que instantaneamente.
- Até mais, Adrian - sorriu para o pequenino, que saía de seu consultório após terminar a consulta com um sorriso no rosto e uma das mãos entrelaçada à da mãe enquanto a outra segurava um balão verde, que ele balançava sem parar. Fechou a porta e se sentou na cadeira atrás de sua mesa, que, no momento, se encontrava entulhada de papéis e alguns exames do garotinho. Encarou o relógio, pregado à parede do outro lado da sala, e os ponteiros pareciam zombar de sua cara, movendo-se mais rápido do que ela gostaria. Já marcavam quase meio dia, indicando que, a qualquer momento, a presença de Richard na sala de espera seria anunciada por sua secretária. Respirou fundo, a cabeça cheia de pensamentos que pareciam confundi-la ainda mais. Não tinha mais certeza de que deveria ter aceitado o convite; talvez tivesse sido um erro e aquilo só piorasse a situação de ambos. Talvez acabassem brigando outra vez, e aquilo, definitivamente, não era o que queria. Fechou os olhos, massageando a têmpora com as pontas dos dedos. Depois de algum tempo, aceitou que não havia mais como escapar. Faria o possível para conversar civilizadamente com Rick, querendo que a relação acabasse o mais amigavelmente que a situação permitia. O celular vibrou sobre a mesa, fazendo-a abrir os olhos, um pouco assustada. Nova mensagem de era o que ela podia ler na tela. Sorriu timidamente, simplesmente por não estar acostumada com tanta atenção. Richard não era exatamente o tipo de cara romântico como , nitidamente, era. Porém, o sorriso murchou assim que leu as palavras dele. Desculpa. Sério, eu realmente sinto muito. Não queria que fosse assim.
Se quiser conversar, só me liga. Xx
E havia uma imagem anexada à mensagem. Franziu o cenho, um pouco receosa de abri-la. Fechou os olhos por alguns segundos, enquanto abria a tal foto, ainda sem entender direito o sentido do que enviara. Abriu-os novamente, observando a tela do celular e entendendo tudo.
Era uma foto do dia anterior, quando estavam saindo da Starbucks, de mãos dadas. Ele tinha o rosto virado pra ela, um sorriso encantador no rosto enquanto ela ria de algo que ele havia dito. Sentiu o coração acelerar, sabendo o que acontecera. Um paparazzi qualquer havia flagrado o momento e agora a mídia com certeza cairia em cima. Afinal, era a primeira mulher vista com desde o acidente que tirara a vida de Allison.
Seus pensamentos sobre como as coisas mudariam dali pra frente foram completamente tirados de sua mente quando a figura claramente irritada de Richard adentrou seu consultório, batendo a porta com um estrondo. levantou seus olhos até o rosto do homem, que estava completamente vermelho. Arqueou uma das sobrancelhas, como se perguntasse o motivo daquilo e, principalmente, o que ele fazia ali dentro, sendo que devia ter avisado que havia chegado e então ela sairia. O que aconteceria se ainda estivesse com algum paciente ali? Pensar naquilo a deixava quase tão irritada quanto ele, que, ela tinha certeza, sabia o quanto ela odiava aquelas atitudes.
- Que diabos, ! - Ele jogou uma revista que tinha em mãos sobre a mesa, fazendo um barulho alto que só conseguiu irritar ainda mais a mulher. Ela pousou os olhos sobre o papel e entendeu a revolta de Rick. A mesma foto que acabara de receber de estampava a capa daquela revista. - Bom saber que já conseguiu me substituir.
- Richard, cale a boca - cuspiu as palavras por entre os dentes, irritada. - Sabe que as suas conclusões precipitadas nunca foram corretas - rolou os olhos, tirando a revista e jogando-a dentro de uma das gavetas, decidindo que leria as besteiras que haviam escrito sobre ela e depois.
- Claro, porque qualquer uma é fotografada andando de mãos dadas por aí com , semanas depois de terminar um namoro, certo? - Foi a vez dele revirar os olhos, passando as mãos pelos cabelos, nervoso.
- Rick, preste atenção. Ele é melhor amigo do meu irmão. Nós éramos amigos no colegial e nos reencontramos esses dias, nada mais normal do que sairmos como amigos - soltou a respiração pesada por entre os lábios, sentindo-se mal em mentir para seu ex-namorado, mas tendo consciência de que seria muito melhor do que contar a verdade.
- Não parece em nada com uma foto de amigos, ! - Rick continuava visivelmente irritado, mas a mulher à sua frente não se encontrava tão diferente assim. levantou, batendo as mãos sobre a mesa.
- Tudo bem, Richard. O que você quer ouvir? - Perguntou, elevando o tom de voz em algumas oitavas, sem conseguir controlar. - Que eu estou com o ? Porque eu posso dizer isso também - balançou a cabeça de um lado para o outro, respirando fundo e tentando se acalmar. - Aliás, e se estivesse, qual seria o problema pra você? Até onde sei, não temos mais nada.
Rick silenciou por alguns minutos, apenas a encarando, incrédulo. Ele abaixou a cabeça, mordendo o lábio inferior, visivelmente afetado pelas palavras de .
Ele levantou o rosto, deixando que a mulher visse que agora, além do rosto vermelho de raiva, os olhos também se encontravam com aquela coloração, pelo esforço de segurar as lágrimas que se acumulavam ali. Não esperava ouvir nada daquilo. sentiu um aperto no peito ao vê-lo daquele jeito e sentou-se outra vez, respirando fundo. Encarou as próprias mãos sobre seu colo por alguns segundos antes de encará-lo outra vez.
- Rick, desculpa - sua voz falhava, demonstrando que o arrependimento era real. Sentia-se uma completa idiota por não ter pensado antes de falar. Onde fora parar toda a ideia de conversar direito com Richard para que ele não fosse embora ainda brigado com ela? - Eu não queria ter dito isso.
- Mas disse, não é? - Ele fungou alto, virando-se de costas para . Sem sequer olhá-la outra vez, aproximou-se da porta, parando com a mão sobre a maçaneta. - Acho que nosso almoço acabou, né? - O silêncio que veio a seguir foi resposta suficiente para que ele afirmasse com a cabeça e saísse da sala.
apoiou os cotovelos sobre a mesa, enterrando o rosto nas mãos e deixando que as lágrimas viessem aos olhos outra vez. Não era pra ter acabado daquele jeito. Sabia que ela e Richard eram maduros o bastante pra seguirem mantendo contato, como amigos. Porém, a tal matéria na revista, adicionada à tensão do término ainda recente, ao ciúme exagerado do homem e à irritação que ela sentira pelas acusações dele, havia acabado com tudo aquilo. Respirou fundo, passou as costas da mão nos olhos, secando-os para que não continuasse com a visão embaçada, e abriu a gaveta onde antes havia jogado a maldita revista. Encarou a foto e pousou os olhos sobre o texto logo abaixo. : Finalmente seguindo em frente?
Abriu a revista, folheando rapidamente até encontrar a página em que havia outra foto dos dois entrando no carro e, no canto inferior, em um tamanho um pouco menor, ela aparecia tirando a foto de com a fã que os parara na rua. Abaixo da primeira foto havia as baboseiras de sempre, perguntando quem seria a tal mulher junto a ele e especulando o que os dois teriam. Rolou os olhos e prestou atenção na pequena frase que havia ao lado da segunda imagem. E parece que a nova garota do nem se importa com as fãs. Olha só que simpática, até tirando foto do affair com uma delas!
Bufou, jogando o amontoado de papéis diretamente na lata de lixo que estava ao seu lado. Pegou o celular de cima da mesa e decidiu só mandar uma mensagem para ; não tinha muita certeza de que queria falar naquele momento, sua voz provavelmente a trairia. Estava irritada, apesar de saber que a culpa não era dele e justamente por isso optara por nenhum contato direto. Tudo bem, . Bom, não exatamente, mas você entendeu. Nos falamos mais tarde, pode ser? Xx
Jogou o aparelho dentro da bolsa, colocando-a no ombro logo depois e saindo do consultório. Percebeu o olhar confuso que sua secretária lhe lançou, mas apenas acenou com a cabeça e forçou um sorriso, sem querer explicar nada. Saiu do prédio e apenas atravessou a rua, decidindo que almoçaria no restaurante que havia ali, simplesmente por não querer ir muito longe.
No fundo, tinha medo de que, depois do dia anterior, fosse fotografada mais vezes, só não queria admitir aquilo para si mesma.
O barulho da bolinha quicando repetidamente pelo chão do apartamento era irritante, mas conseguia distraí-lo. O som das patinhas apressadas de Clifford correndo atrás do pequeno objeto também chegou ao seus ouvidos. Juntos, formavam quase uma melodia, sempre igual. Balançou a cabeça, rolando os olhos. A que ponto havia chegado? Enxergando músicas onde só existiam sons aleatórios.
Abriu a mão quando o cachorro se aproximou dele com a bolinha na boca, para recebê-la, mas logo a deixou cair outra vez, fazendo uma careta de nojo.
- Eca, Clifford! - Sentou-se no sofá onde antes estava deitado, encarando a palma da mão que agora se encontrava molhada pela saliva do animal. Ouviu a risada de Sophie e voltou o olhar até ela. - Vai ver só, quando ele te lamber - deu língua para a filha, que apenas continuou rindo e brincando com os blocos de montar que a distraiam antes.
se levantou dali, caminhando até o pequeno banheiro que havia no andar inferior do loft e lavando as mãos. Encarou sua imagem no espelho acima, mal se reconhecendo por baixo dos cabelos completamente bagunçados, já que nem se dera o trabalho de arrumá-los depois que saiu da cama.
Acordara com uma mensagem de em seu celular. Tudo o que ela dizia era "Mas já? Vocês dois já foram mais discretos." e a foto dele e de anexada. Sentiu o coração apertar observando aquela imagem que, àquela hora, provavelmente já estava em todos os cantos da internet. Com um pouco de azar, em revistas também. Havia sentado na cama, somente pensando em como ficaria chateada e, talvez, até irritada por aquela foto. Sabia que a culpa não era totalmente sua, mas, ainda assim, sentia-se culpado. Depois de quase uma hora pensando no que fazer, resolveu que devia avisá-la. Melhor saber por ele do que por outros meios. Enviara a imagem a ela, assim como um breve pedido de desculpas. Esperava que ela entendesse, mas entenderia também se ela quisesse tirar algum tempo para ela. Tinha certeza de que, se não havia sido estragado por e antes, o plano de seguir com calma estava, definitivamente, danificado. Tudo o que não precisava era da mídia em cima dos dois. Em cima dela. Ele estava acostumado com isso, convivia com toda aquela loucura há anos, não. E, por isso, pensava que devia ter tomado mais cuidado. Mas não, se esquecera de tudo isso nos momentos em que estivera com a mulher ao seu lado, e agora não adiantava mais se lamentar.
E era por isso que, horas depois, ele continuava em casa. Havia decidido que não sairia naquele dia, simplesmente por saber que o seguiriam o tempo todo e não estava nem um pouco a fim de aguentar tudo aquilo. Passara o resto da manhã e o início daquela tarde com Sophie, já que seus pais haviam ido embora antes do almoço.
Voltou à sala e deixou o corpo cair sobre o sofá outra vez, sentindo algo incômodo em suas costas. Sentou-se e encontrou o celular jogado ali. Apertou uma tecla qualquer, na esperança de que ele tivesse tocado e passado despercebido durante o tempo em que estivera no banheiro, mas não encontrou nenhuma ligação perdida, nem mesmo uma mensagem não lida. A única notícia que tivera de fora a mensagem que recebera algum tempo depois de enviá-la a foto, mas não era nada animador. Dizia que conversariam mais tarde, mas... Quando seria esse mais tarde? Eram quase três horas e ela ainda não havia ligado, estava cansado de esperar, mas também não queria incomodar, sabia que devia dar o espaço que ela queria, mas se sentia inquieto demais.
Ouviu um resmungo de Sophie e a encarou, vendo-a reclamar com o cachorro, que aparentemente havia passado correndo por sua frente e derrubado a torre de blocos que ela havia montado antes. Riu fraco e ela se virou, irritadiça, os braços cruzados em frente ao peito. Ele levantou os braços, em sinal de rendição, mas assim que ela se sentou novamente de costas pra ele, voltando a montar os blocos, continuou rindo, dessa vez silenciosamente.
Ligou a televisão em um canal de videoclipes qualquer, apenas pra ter alguma música tocando no ambiente, e deixou o braço pender ao lado do sofá, tocando o chão. Clifford se aproximou e ameaçou lamber a mão do homem, que a retirou dali rapidamente.
- Sai, seu nojento - riu fraco, baixando a mão outra vez para acariciar o cão entre as orelhas, vendo-o se deitar preguiçosamente.
O tédio o dominava cada vez mais e ele já perdera a conta de quantas vezes encarara o celular nos últimos dez minutos. O clipe na televisão era chato demais para que ele prestasse atenção, o cachorro já dormira ao seu lado, os olhos estavam fixos no teto e os pensamentos vagando longe. Deitou de lado e pousou o olhar na estante logo à frente, onde guardava alguns álbuns de fotos de Sophie. Costumava ter alguns com fotos dele e de Allison em sua antiga casa, mas eles se encontravam em uma caixa no fundo do armário agora. "Lembranças sempre machucam, as boas mais ainda", era o que ele pensava.
Levantou dali e sentou no tapete, próximo a onde Sophie ainda brincava, ao lado da estante. Pegou um dos álbuns em mãos e sorriu. Alguns diziam que ele era ultrapassado por ainda revelar fotos e guardá-las daqueles jeito, mas era algo de que ele gostava. Tinha várias delas ainda no computador, mas algumas, especiais, gostava de ter assim, em mãos. Abriu, vendo uma foto de Soph ainda bebê, provavelmente irritada com o pai que não saía de cima dela com a câmera, os olhos fechados com força e as mãozinhas ao lado do rosto.
- Pequena, vem cá. - Chamou a filha, que o olhou curiosa antes de chegar mais perto para observar o que ele tinha em mãos.
- Eu? - Ela perguntou, apontando a foto e observando enquanto ele concordava com a cabeça e virava a página, revelando uma foto onde Sophie devia ter menos de um ano, um sorriso enorme aberto no rosto, mostrando os poucos dentinhos que tinha na boca, enquanto apoiava o pé na perna do pai, como se estivesse dando um impulso para se livrar do braço dele, que a segurava pela barriga.
- Tá vendo? Você nunca ficava quieta. - Riu, olhando para a filha, que riu junto, esticando o braço para passar para as próximas fotos. As próximas imagens mostravam Sophie já um pouco maior, as mãozinhas apoiadas em uma mesa cheia de objetos para os quais ela olhava com os olhos extremamente curiosos e um sorriso contido nos lábios, como se soubesse que não devia mexer ali, mas ainda assim não conseguisse se conter. A foto ao lado mostrava a menina já olhando pra câmera, novamente um grande sorriso em seu rosto e um brinquedo que encontrara entre os objetos na mão. Algumas fotos depois, no final do álbum, havia a fotografia dos primeiros passos de Sophie. gargalhou encarando aquela imagem. Ele aparecia atrás dela, segurando os pequenos bracinhos da filha acima da cabeça dela, apoiando-a enquanto ela dava alguns passos ainda inseguros.
- Quê? - Soph levantou o rosto para observá-lo outra vez, sem entender as risadas do pai.
- Você quase caiu, depois dessa foto. E eu me desequilibrei e quase caí junto - ele continuava rindo, agora acompanhado da filha, que se sentou em suas pernas logo em seguida. A garotinha abriu um sorriso sapeca antes de virar-se de frente para ele.
- Caiu assim? - Gargalhou, forçando seu peso sobre o peito de , que perdeu o equilíbrio e acabou deitado sobre o tapete, com a filha deitada sobre si. O som das risadas dos dois invadiu o apartamento e acabou por acordar Clifford, que decidiu se juntar à bagunça, também indo parar sobre , latindo alto.
Um momento daqueles em família. Definitivamente, era o que estava precisando.
Nove
A xícara de chá em suas mãos conseguia esquentá-las tanto quanto o edredom que a enrolava da cintura pra baixo aquecia suas pernas. Exceto os pés. Eles permaneciam gelados o tempo inteiro, por mais que estivessem cobertos por uma meia grossa e também debaixo do edredom. Mas aquilo não a surpreendia mais, então ela apenas ignorava. Levou a xícara à boca, sorvendo um pouco do líquido quente, fechando os olhos enquanto sentia-se aquecer por dentro. Os olhos estavam presos na televisão, onde as últimas cenas de Across The Universe ainda passavam. Algumas poucas lágrimas causadas pelo filme escorriam por seu rosto. Fungou baixo, deixando a xícara sobre a mesinha de centro e ajeitando-se melhor no sofá. Puxou o edredom até quase o pescoço, o olhar agora vagando pela sala do apartamento. O relógio marcava quase cinco horas da tarde. A janela se encontrava completamente tomada pelas gotas da chuva que caía insistentemente do lado de fora. Desviando os olhos dali, encarou o celular, na mesa de centro, onde acabara de largar a xícara vazia. O aparelho continuava imóvel e silencioso.
Era sábado e ainda não falara com desde o dia em que brigara com Richard. Na verdade, mandara uma mensagem pelo celular, naquela noite, mas não dizia nada além de "Não se preocupe. Vai ficar tudo bem... Né?". Tinha sido tudo o que ela conseguira pensar no momento. Ele respondera um simples "Claro que vai." e ela não soubera o que mandar de volta. Ficaram assim por todos aqueles dias. não ligava, pensando que ela queria espaço. não ligava por não saber o que dizer. Afinal de contas, sabia que não havia motivo para tanto, que sua reação havia sido exagerada e tudo o mais, e agora a vergonha falava mais alto do que a saudade que apertava em seu peito.
Vendo pelo lado positivo, ao menos tivera tempo para pensar. Pensar em Rick e na falta que ele faria, mesmo que estivessem brigados. Em um estalo, lembrou que o avião dele com destino a Nova York devia estar partindo naquele momento. Tivera tempo pra pensar em também, e no quanto se sentia bem ao lado dele. Respirou fundo e deixou o olhar parar no celular outra vez. Esticou o braço e o alcançou. Buscou na agenda o número dele e posicionou o dedo sobre o botão que iniciaria a ligação. Àquela altura, sabia que, se não ligasse, também não o faria. Porém, o que diria quando ouvisse a voz dele do outro lado da linha? Não tinha uma desculpa coerente para o sumiço.
No momento em que decidiu finalmente ligar, sentiu o nariz arder e, em seguida, um espirro. Bufou, irritada. Maldita chuva que pegara no dia anterior. Agora sentia o corpo inteiro dolorido e pesado, sem contar os espirros constantes. Definitivamente, precisava comprar seu carro logo. Não sobreviveria ao inverno londrino daquele jeito.
Sem mais nem um segundo de hesitação, finalmente ligou. Ouviu a linha chamar uma, duas, três vezes até que pudesse escutar a voz do homem atender.
- Hey - o tom que ele usava ao falar era sério, nada descontraído como o usual. Estava ressentido e ela tinha certeza daquilo. Respirou fundo antes de ter coragem de respondê-lo.
- Como está, ? - Perguntou, ainda incerta. Sua voz saía estranha, devido à gripe; aquilo nunca passaria despercebido por ele.
- Bem - fez uma pausa, ponderando entre continuar com a seriedade ou tentar mudar a situação. - Você é que não parece tão bem assim - o tom mais leve que havia adotado ao falar fez com que a mulher pudesse respirar aliviada. Talvez ele não estivesse com raiva, como ela havia pensado antes.
- Peguei chuva ontem, saindo da clínica. Essa gripe tá me derrubando - resmungou, fazendo bico, sem lembrar de que ele não a veria. Um silêncio incômodo tomou conta da ligação, mas nenhum dos dois sabia o que dizer para quebrá-lo. ouviu um latido do outro lado da linha e riu baixo.
- , um minuto - pediu, afastando o aparelho logo depois. Ainda assim, a mulher pôde ouvir o que veio a seguir. - Clifford, não! Droga! Volta aqui com essa toalha. Larga!.
Ela gargalhou ao ouvir os ruídos que indicavam que ele estava correndo atrás do animal, imaginando também a cena, assim como podia ouvir as risadas de Sophie. Alguns minutos depois, ele voltou ao telefone.
- Esse cachorro vai me deixar louco - estava levemente ofegante e ainda não havia parado de rir. - Vou devolvê-lo.
- Que horror, ! Não vai nada - ela exclamou, mesmo que soubesse que era apenas uma brincadeira do homem.
Mais silêncio. mordeu o lábio, decidindo-se entre dizer ou não o que estava em seus pensamentos. Enquanto isso, a falta de assunto incomodava , que só conseguia ouvir a respiração regular da mulher.
- Quero te ver - as palavras saíram da boca de antes que ela conseguisse segurar ou acabasse pensando demais naquilo. Queria sim vê-lo, era ótimo tê-lo por perto, ter alguém ali ao seu lado que a fizesse se sentir confortável, assim como ele fazia. Não sabia exatamente como aquilo tudo podia ter acontecido em tão pouco tempo; havia sido surpreendida pela volta repentina de à sua vida, mas não via problema algum naquilo. Era algo de que ela precisaria; um apoio, alguém para suprir a ausência de Rick, que havia sido presente durante anos e, querendo ou não, estando brigados ou não, faria uma falta imensa. Não se sentia culpada por pensar em como um "substituto" de Richard, pois sabia que exercia mais ou menos o mesmo papel na vida dele, naquele momento. Tinha plena consciência de que não ocuparia o lugar de Allison tão cedo, mas aquilo não a incomodava tanto.
Ainda.
Pensar naquilo tudo fazia certo sentimento de medo se apossar de . Ela balançou a cabeça, querendo tirar aquilo tudo de seus pensamentos. Afinal, era algo que os dois necessitavam no momento. Uma relação que surgia, inesperadamente, de onde menos imaginavam ser possível, num momento, de certa forma, bom para os dois.
- Quer que eu passe aí? - A voz de se fez ouvida depois de algum tempo em silêncio, recuperando a atenção dela. Um sorriso tomava conta dos lábios dele ao ouvir as palavras dela. Era bom saber que não era o único a sentir vontade de vê-la outra vez, depois de alguns dias sem ao menos se falarem. Aliás, sabia que precisariam conversar sobre aquilo, mas tinha medo de tocar no assunto por telefone. Talvez fosse melhor esperar que ela se manifestasse, quando estivesse com ela.
- Se não for te atrapalhar - disse, timidamente. - Traga Soph também.
- Com certeza. Deixá-la sozinha em casa não dá, né? - riu fraco. - Mas tudo bem. Vou ajeitar Sophie e passo aí.
- Até daqui a pouco, então - ela falou, desligando o telefone depois de ouvir um "Até" vindo dele.
Largou o aparelho no sofá mesmo, ao seu lado, e colocou o edredom de lado. Calçou as pantufas que estavam ao lado do sofá e foi até o quarto. Se ia receber , não podia estar de pijamas, como havia ficado o dia inteiro. Não exatamente pijamas, mas o seu pijama, que consistia, como sempre, no moletom velho de e uma calça larga qualquer. Trocou o que vestia por uma calça jeans e uma camiseta simples de mangas compridas. Prendeu o cabelo em um coque frouxo e voltou à sala, sentando-se novamente em frente à televisão para esperar ansiosamente que a campainha tocasse logo.
Não demorou muito pra que ouvisse algumas risadas infantis do lado de fora do apartamento, no corredor. Segundos depois, o som estridente anunciou a chegada de e sua filha. Abriu a porta, com um sorriso involuntário tomando conta de seus lábios.
- Demorei? - Ele perguntou, também sorrindo, enquanto Sophie se jogava nos braços abertos de . A mulher a segurou, sentindo os bracinhos enlaçarem seu pescoço.
- Quase nada - deu de ombros, colocando Soph no chão e vendo quando ela correu para a sala, curiosa, parando perto do aquário que existia ao lado da janela, encarando os peixinhos coloridos. deu um passo para a frente, a fim de cumprimentar , mas a mesma sensação de estar de volta à adolescência e sem saber como agir tomou conta dele. Enfiou as mãos nos bolsos traseiros da calça, encolhendo os ombros, apenas a observando. Depois de fechar a porta, timidamente se aproximou dele e o abraçou, passando os braços pelo pescoço dele e aconchegando a cabeça em seu ombro. Sentiu quando ele passou os próprios braços por sua cintura, aproximando a lateral de seu rosto do dela; o perfume o inebriava, como de costume, enquanto ele a apertava contra si.
- Obrigada por vir - a voz da mulher era tão baixa que ele quase não ouviu. Ele assentiu em silêncio, depositando um beijo no rosto dela. Afastou-se minimamente e sentiu as mãos de em suas bochechas, uma de cada lado. Os lábios dela cobriram os seus por alguns segundos antes que ela desse um passo para trás, sorrindo outra vez. devolveu o sorriso e segurou a mão que ela estendia a ele, sendo guiado até a sala, onde Soph ainda encarava os peixinhos. Alguns deles, pretos, seguiam os dedinhos dela pelo vidro, fazendo-a rir alto.
Os dois se sentaram lado a lado no sofá, ainda em silêncio e com os dedos entrelaçados uns aos outros. Ele virou o rosto minimamente para encará-la, encontrando o olhar dela o observando. Levantou uma das mãos, levando-a até a bochecha de e fazendo um carinho de leve. Ela fechou os olhos, apenas aproveitando o toque.
- Precisamos conversar, né? - sussurrou, agora segurando o queixo dela entre o polegar e o dedo indicador, para que ela não desviasse os olhos dele, ao abri-los. A mulher fez um gesto discreto em direção à Sophie, querendo dizer que não achava prudente terem aquela conversa, que ela sabia do que se tratava, na presença da menina.
- Podemos ir lá pra dentro - ela falou, ponderando as opções e realmente percebendo que precisavam mesmo conversar direito. Não era algo que se podia enquadrar como insignificante. levantou e mudou o canal da televisão para qualquer um que passasse algum programa infantil que fosse prender a atenção de Soph por mais tempo que os peixinhos coloridos no aquário. também levantou do sofá e se aproximou da filha.
- Hey, pequena. Papai precisa conversar com a tia lá dentro, pode ficar aqui por alguns minutos? - Perguntou, a voz no tom extremamente paternal que sempre adotava quando se dirigia a ela e que fazia sorrir ao ver o carinho dele com a menina. Ela assentiu com a cabeça, saindo de perto do aquário e sentando-se em frente à televisão, onde passava algum desenho infantil qualquer.
Acompanhou pelo corredor, adentrando o quarto que ela indicou ao abrir a porta, dando espaço para que ele passasse, e que ele julgava, pela cama de casal colocada junto a uma das paredes, ser o dela. A mulher caminhou devagar e sentou na beirada da cama, encolhendo os joelhos para cima da mesma e abraçando-os. Ele a observava, notando o quanto ela parecia apenas uma garotinha frágil daquela maneira. deu alguns passos até a cama, sentando-se ali também, mas mantendo os pés para fora dela. Mordeu o lábio, sem saber como tocar no assunto e, no fundo, esperava que ela o fizesse primeiro. E que o fizesse logo, porque aquele silêncio que, infelizmente, estava se tornando constante, incomodava.
- Desculpa - disse, de repente. Ele virou o rosto para olhá-la, ainda sem falar nada. - Por ter sumido.
- Tudo bem - assentiu com a cabeça, os olhos fixos nos dela. - Quer dizer... Você precisava de um tempo, eu não ia te tirar isso - deu de ombros, voltando a encarar os pés.
- Eu não liguei antes porque... Bom, eu não sabia o que dizer - a mulher se explicou, sentindo o rosto queimar de leve com a confissão. Que diabos aquele homem tinha pra fazê-la se sentir como uma garotinha idiota saindo com o popular do colégio?
- Achei que estivesse... Sei lá, brava comigo. Pela foto - fechou os olhos, receando o que viria a seguir. Queria saber como ela se sentira ao ver aquelas imagens, mas realmente tinha medo de que ela o culpasse.
- Eu... Não tinha achado tão ruim. Até que Richard entrou no meu consultório, aos berros, jogando uma revista com nossa foto de capa em cima da minha mesa - foi a vez de baixar os olhos, mas por conta das lágrimas que ameaçavam surgir. Ele se aproximou dela, o cenho franzido em curiosidade, sem entender. Richard? O que ele tinha a ver?
- Como assim? - Perguntou, segurando uma das mãos dela entre as suas próprias.
começou a contar o que havia acontecido naquele dia à tarde, desde a parte em que aceitara almoçar com Rick para tentar se entender com ele antes da viagem, até o momento em que ele deixara sua sala, tomado por raiva e ciúme. Em algum momento que ela praticamente não percebeu, estava desajeitadamente abraçada a , a cabeça escondida na curva entre o pescoço e o ombro do homem, deixando o casaco de moletom que ele usava parcialmente úmido naquele local. O braço dele envolvia o corpo ligeiramente pequeno com relação ao dele, deslizando uma das mãos por toda a extensão do braço dela, tentando acalmá-la.
Algo em seu peito parecia se encolher; parecia estar sendo comprimido por algo maior, causando uma dorzinha incômoda, e ele sabia que a culpada era . Era óbvio que ela ainda não teria superado o ex-namorado e, mesmo sabendo daquilo e sabendo que ele estava na mesma situação - envolvido com ela, mas ainda preso ao passado -, era incômodo vê-la chorando por outra pessoa. E, pior, saber que tinha uma parcela de culpa no que causara a confusão que, agora, causava o choro. Respirou fundo, apertando mais o abraço, ainda que continuasse meio desajeitado. Ela se sentou direito, mas sem se afastar muito dele, e passou uma das mãos, cobertas pela manga da camiseta, pelo rosto, secando-o.
- Vai ficar tudo bem, ok? - arriscou um sorriso, que foi retribuído, mesmo que fracamente. - Só precisamos tomar cuidado.
balançou a cabeça, concordando, e logo depois a descansou no ombro do homem ao seu lado. Ele a segurou pela cintura e jogou o corpo para trás, deixando-se cair sobre a cama, derrubando-a junto a ele. Ela riu fraco, deitando-se de lado para observá-lo. Encarou-o por algum tempo, não conseguindo conter o riso quando ele piscou um dos olhos e mandou um beijo no ar, numa tentativa ridícula de seduzi-la. Abaixou o rosto até estar à altura do dele, aproximando seus lábios até que eles quase se tocassem, mas desviou quando ele fez menção de finalmente beijá-la. Tocou o pescoço dele com o nariz, deslizando-o por ali enquanto via se arrepiar com a respiração lenta que batia em sua pele, beijando-o levemente logo depois. Ela pôde sentir as duas mãos fortes dele segurando-a pela cintura momentos antes de perceber estar deitada abaixo dele. A boca dele foi de encontro à sua, promovendo novamente o encontro de suas línguas, trazendo de volta todas as sensações a que os dois já estavam começando a se acostumar. Nenhum deles sentia a mínima vontade de se afastar, mas ela o fez, quando sentiu um arrepio percorrer todo o seu corpo, ao sentir o choque térmico da mão fria de em sua pele, mais aquecida, por baixo da camiseta. Ela desceu as mãos, que antes se perdiam entre os fios do cabelo dele, pelos ombros, até alcançar o peito dele e empurrá-lo delicadamente, quebrando o beijo.
- Soph - foi tudo que ela disse, levemente ofegante, mas com um sorriso de canto no rosto. Ele fechou os olhos, rolando para o lado, com a respiração acelerada.
- Da próxima vez, deixo Clifford cuidando dela - riu, ouvindo a risada dela acompanhá-lo. - Ele tem que servir pra alguma coisa, não tem?
- Que pecado, . Ele é um amor. - contestou, virando-se de lado para observá-lo, ainda de perfil, já que ele tinha os olhos fixos no teto. Passos leves foram ouvidos no corredor e logo Sophie entrava no quarto. Correu até a cama, pulando em cima de .
- Fome, pai - ela reclamou, fazendo um bico e cruzando os bracinhos.
- Também tô com fome - a mulher curvou os lábios em um sorriso, permitindo que , que agora tinha o rosto virado para ela, percebesse que alguma ideia que provavelmente não o agradaria. - Acho que você devia cozinhar pra gente.
- Como? - A voz do homem saiu uma oitava acima do tom normal, enquanto ele se sentava bruscamente na cama, segurando Soph quando ela quase se desequilibrou. - , você tem uma pequena noção de que eu sou quase pior que na cozinha, não tem?
- consegue queimar até o que não vai pro fogo, . Duvido que você seja assim tão ruim. - Ela riu, também se sentando. - Por favor? Estou doente, poxa - ela fez um bico, assim como Sophie havia feito momentos antes.
- Tudo bem - rolou os olhos, saindo da cama. - Mas vai ter que comer sem reclamar.
- Seu pai é muito chato, Soph. Como você o aguenta? - sussurrou, aproximando-se da menina, que continuava sentada na cama, quando ele já se encontrava na porta do quarto.
- Eu ouvi isso! - Exclamou, rindo e em seguida se dirigindo à cozinha.
se encontrava sentada no tapete da sala, com as pernas cruzadas, de frente para a mesinha de centro, onde montava um quebra cabeças da Cinderela que achara perdido pela casa, a fim de distrair Sophie enquanto ainda estava na cozinha, preparando a janta, que ela ainda não tivera coragem de perguntar o que seria. Soph estava de pé ao seu lado, tentando encaixar algumas das peças que faltavam.
- Aqui, Soph, acho que essa vai ali - estendeu uma das pecinhas para a menina, que a pegou e colocou no lugar apontado. - Vou ver se seu pai ainda não destruiu minha cozinha, já volto, tudo bem?
Sophie riu alto e concordou com a cabeça enquanto voltava a encarar o desenho agora quase completo em sua frente, tentando terminá-lo. A mulher adentrou a cozinha e abriu um sorriso ao ver em frente ao fogão, de costas para ela, mexendo em alguma coisa dentro de uma panela e, aparentemente, a julgar pelo tecido amarrado em um laço mal feito em suas costas, vestindo um avental. Ela se aproximou, em silêncio, fazendo com que ele só notasse sua presença quando lhe beijou de leve o pescoço.
- Posso saber qual é o cardápio da noite? - Perguntou, com um sorriso doce em seus lábios, quando ele a olhou.
- Macarrão - respondeu, devolvendo o sorriso. - E está pronto - virou o conteúdo da panela na travessa que já havia deixado ao seu lado, sobre a pia.
- Vou arrumar a mesa, então - disse, virando-se para o armário, pegando os pratos e copos. Colocou-os sobre a mesa e foi até à sala, voltando alguns segundos depois, trazendo Soph pela mão. se sentou à mesa enquanto servia o macarrão em todos os pratos e se sentava em seguida, colocando a filha no colo, para que ela alcançasse a mesa. Depois de se certificar que estava tudo cortado em pedaços bem pequenos, para que não corresse o risco da filha engasgar, entregou-lhe uma colher, fazendo a felicidade dela por poder comer sozinha.
- Você sabe o perigo que estamos correndo de sair com macarrão até nos cabelos deixando-a comer sozinha, não sabe? - riu fraco, observando-o.
- Sei bem - ele assentiu com a cabeça, também rindo. - Mas ela sempre quer fazer tudo sozinha.
- E você deixa! - rolou os olhos, levando o garfo à boca enquanto sentia o olhar do homem sobre si, como se esperasse algum tipo de aprovação. - É. Não está tão ruim - riu, recebendo uma careta de em resposta.
Já haviam terminado de jantar havia algum tempo e se encontrava limpando a boca de Sophie com um guardanapo, com certa dificuldade, porque a menina não gostava daquilo e virava o rosto o tempo inteiro. Assim que conseguiu terminar de limpá-la, sentiu-a apoiar a cabeça em seu peito, sonolenta.
- Ih, acho que tem alguém com sono - a olhou, sorrindo. Soph assentiu com a cabeça lentamente, coçando os olhos.
- Vamos pra casa, então, princesa? - perguntou, vendo quando ela confirmou. Levantou o olhar para a mulher em sua frente, em um pedido mudo de desculpas por não poder ficar mais tempo. Ela apenas abriu um sorriso de canto, mostrando que entendia, antes de se levantar.
- Vou acompanhar vocês até a porta - foi em direção à saída, sendo seguida por , que levava a filha no colo. Parou quando chegou à porta, abrindo-a, mas ele parou em sua frente, antes de sair. Pôs a mão em um dos bolsos e retirou de lá um pequeno pedaço de papel. Entregou a ela e sorriu.
- Te vejo lá? - Perguntou, mordendo o lábio inferior, ansioso pela resposta. pousou os olhos sobre o que agora estava em sua mão, surpresa. Uma foto em preto e branco de estava no centro do ingresso e, logo abaixo, o nome dele em letras grandes. Abaixo, a data; era na sexta feira seguinte.
- Com certeza - ainda confirmou o que dissera com um aceno de cabeça. - Obrigada. Por vir aqui hoje, e pelo convite.
- Obrigado você, por ligar e por ir ao show - ele piscou um dos olhos, aproximando-se dela e unindo seus lábios por um breve momento antes de se afastar. - Até sexta.
foi se afastando da porta, mas andando de costas, ainda com os olhos fixos na mulher ali parada, que tinha um sorriso no rosto. Só desviou o olhar quando chegou ao elevador e precisou entrar. Foi quando voltou-se para dentro do apartamento.
Enquanto ele se escorava na parede do cubículo metálico, pensando no quanto se sentia bem com aqueles poucos momentos com a mulher, ela fazia o mesmo, escorada à porta do apartamento.
A sensação de bem estar, agora, passava a ser constante nos dois. O que aquilo significava, nenhum deles realmente sabia, mas também não faziam questão, no momento. Era bom demais apenas sentir, sem se preocupar com mais nada. Sem pensar sobre, sem deixar que razão alguma interferisse naqueles sentimentos. Sentir com razão era, para ambos, sentir pela metade. O que não era nem de perto o que queriam para si.
Dez
- Desculpa, querido, realmente não dá - a voz da mulher mais velha era pesarosa, demonstrando que realmente sentia muito. O homem respirou fundo, passando pelos cabelos a mão livre, que não segurava o aparelho próximo ao ouvido.
- Tudo bem. Sem problemas, mãe. Obrigado. - Ele disse, desligando o celular logo em seguida. Escondeu o rosto nas mãos, mantendo os cotovelos apoiados nos joelhos, irritado por não ter pensado naquilo antes. Tinha mesmo que ter deixado tudo pra última hora?
A verdade é que estivera tão ocupado com ensaios cada vez mais longos na semana que antecedeu o show, que sequer tinha se lembrado da questão mais importante que devia tratar sobre a noite do show. Onde deixaria Sophie?
O relógio marcava duas da tarde. Dali a três horas ele tinha a passagem de som e ainda não tinha com quem deixar a filha. Respirou fundo outra vez, encarando a parte da cidade que conseguia ver através da parede de vidro da sala, como se daquele jeito alguma ideia brilhante fosse surgir em sua mente. Pousou o olhar sobre a menina, que corria pelo apartamento atrás do pequeno filhote de cachorro, que parecia ficar mais elétrico a cada dia. Uma babá. Era isso, precisava de uma babá.
Mas como conseguiria uma assim, de última hora? E como saberia que poderia confiar em tal pessoa para deixá-la a noite inteira com Soph? Nunca se perdoaria se algo acontecesse a ela enquanto ele estivesse longe.
Pegou o celular e passou os olhos pela agenda do mesmo, procurando alguém que talvez pudesse ajudá-lo. Parou quando passou pela segunda vez pelo nome de . Ela tinha a sobrinha que viera à festa de aniversário de Sophie, Audrey. Com sorte, talvez conhecesse alguma babá que tivesse cuidado da menina e pudesse ficar com Soph.
- ? - Perguntou, assim que a ligação foi atendida, sem ao menos dar tempo para que ela falasse algo.
- Meu Deus, , quem morreu? - A mulher perguntou, rindo em seguida.
- Ninguém ainda, mas eu vou, se você não me ajudar - disse, o tom sério, apenas para fazê-la pensar que algo realmente sério estava acontecendo.
- Que merda você fez com ? - A voz de ficou séria também, de repente. O homem gargalhou, fazendo-a respirar aliviada, mas irritada por ter sido enganada.
- Sabe sua sobrinha, Audrey? - Fez uma pausa, continuando a falar apenas quando ouviu um resmungo de concordância do outro lado da linha. – Lembra-se de alguma babá que tenha cuidado dela? Preciso de alguém pra ficar com Sophie hoje à noite. Na verdade, preciso de alguém que possa vir antes das cinco.
- Calma, respira! Vou ligar pra Kim, ela deve ter o telefone de Dak. É ela quem sempre fica com Audrey e você pode ficar tranquilo, ela é um amor de pessoa - respondeu.
- Tá. Me liga de volta com o número, então. Obrigado, . Sério - finalmente respirava aliviado por saber que tinha resolvido o maior dos problemas. Desligou e deixou o celular ao seu lado, esperando que ela retornasse logo.
Em poucos minutos, já havia ligado para a tal Dakota e combinado que ela chegaria as quatro, para que ele pudesse lhe dar todas as instruções antes de sair. Foi atrás de Sophie, que agora estava sentada encostada à bancada que separava a sala da cozinha, Clifford tinha as patinhas sobre o peito dela, que esticava o pescoço para se manter longe e tentava afastá-lo de si enquanto ele tentava alcançar seu rosto. bateu o pé, assustando o cachorro, que saiu correndo no mesmo momento, sumindo corredor adentro. Abaixou-se em frente a ela, sua expressão era séria e ele se preparava para um pequeno conflito. Sabia que a filha iria querer ir ao show, mas levá-la consigo era loucura.
- Soph... Hoje à noite, papai tem um compromisso, mas você tem que ficar em casa. A Dakota, amiga da tia , vai vir ficar com você. - Ele disse, cauteloso, observando atentamente os olhos curiosos que, naquele dia, estavam em um tom mais claro de verde do que o normal. Aquele tom de verde que constantemente ele via nos olhos de Allison. Balançou a cabeça, tirando aqueles pensamentos da cabeça. Sabia que já ia lembrar demais dela durante o show, uma vez que a música que fizera após o acidente seria, pela primeira vez, tocada por inteiro.
- Não! - A menina exclamou, já cruzando os braços e fechando a cara. suspirou; não sabia por que esperara que ela aceitasse logo no começo, mimada do jeito que era.
- Meu amor, papai não pode te levar junto pro show - ele manteve a seriedade na voz. - Muito barulho, muita gente, não é legal pra você.
- Mas... - Ela tentou dizer mais qualquer coisa, mas a interrompeu.
- Sophie. Não. - O tom de sua voz agora era duro e ele percebeu quando a filha se encolheu minimamente, como se tivesse sentido medo ao ouvi-lo falar de outra maneira que não fosse com aquele tom paternal de sempre. Ele fechou os olhos, sentindo-se incomodado por ter sido obrigado a, de certa forma, assustar a menina, mas sabia que fizera o certo; precisava começar a dar limites a ela. Antes tarde do que nunca. - Vem cá - estendeu a mão para Soph, puxando-a até colocá-la sentada sobre uma de suas pernas, flexionadas. - Quando você for maior eu te levo, tudo bem?
Sophie assentiu minimamente, escondendo o rosto no peito do pai.
- Demora? - A voz, ainda que abafada, era chorosa, fazendo-o sentir um aperto no peito. Não conseguia deixar de sentir medo de passar tanto tempo longe dela.
- Um pouco. Quando eu voltar, você provavelmente já vai estar dormindo. - Disse e a ouviu resmungar, em protesto, ameaçando chorar. Fez com que ela afastasse o rosto dele, apenas o suficiente para que pudesse olhá-lo outra vez, antes que ele voltasse a falar. - Amanhã podemos passar o dia inteiro juntos, passeando. O que acha? - Soph esboçou um sorriso, levando uma das mãos até os olhos, secando as lágrimas que haviam se formado ali.
- Tia também? - foi surpreendido por aquela pergunta, feita de forma tão inocente e natural pela filha. Um sorriso apareceu em seus lábios sem que ele conseguisse impedir.
- Talvez. Por que não? - Foi o que ele disse, dando de ombros, vendo a expressão de Sophie se iluminar, tomada novamente pela alegria de antes.
Quase uma hora depois, o interfone tocou, anunciando a chegada de Dakota. Após permitir a entrada da mulher no prédio, repassou mentalmente tudo o que tinha que falar, pra que não esquecesse de nada importante. Abriu a porta no momento em que ouviu o barulho do elevador no corredor, observando enquanto a ruiva se aproximava com um sorriso no rosto.
- Olá - cumprimentou-a com um aceno de cabeça, dando espaço para que ela entrasse. Soph estava sentada no sofá, assistindo à televisão. Ela sorriu, retribuindo o cumprimento.
- Essa é Sophie? - Dakota seguiu até a sala, aproximando-se da menina e a observando, sorrindo enquanto ela se encolhia, envergonhada. - Tenho certeza que vamos nos divertir muito - a pequena abriu um sorriso tímido, ainda com as mãozinhas escondendo parcialmente o rosto. levantou dali, chamando a atenção da mulher.
- Bom, Soph ainda usa as fraldas pra dormir, então, todo o necessário está no quarto dela. O segundo a esquerda, lá em cima - fez uma pausa, vendo enquanto Dakota assentia com a cabeça. Fez questão de mostrar onde estaria tudo que eventualmente ela precisasse e, quando finalmente teve certeza de que não havia se esquecido de nada, despediu-se de Soph, prometendo que ela nem perceberia o tempo passar. Pegou a mochila com a roupa do show e foi em direção à porta. Antes de sair, porém, parou e virou-se para Dak outra vez. - Qualquer coisa, ligue no meu celular. Ou no do , ele dá um jeito de me avisar - sorriu quando ela concordou e saiu dali, sabendo que tinha deixado Sophie em boas mãos.
O nervosismo que o tomava somente naqueles momentos que antecediam sua entrada no palco se fazia completamente presente outra vez. Depois de mais de dois anos, novamente ali estava ele, prestes a voltar aos palcos e sentindo toda aquela ansiedade pré-show da qual ele até sentia falta. Conseguia ouvir, ao longe, a gritaria dos fãs, expressando toda a expectativa que tinham para aquele dia, que concretizaria sua volta. Esfregou as mãos na calça jeans, querendo se livrar do suor que se acumulava ali. Respirou fundo, passando-as pelos cabelos, bagunçando-os ainda mais. Estava inquieto. Precisava subir logo naquele palco e colocar em prática tudo aquilo que ensaiara durante semanas. Não estava com medo, estava simplesmente nervoso por ser seu primeiro show depois de tanto tempo parado. Trocava algumas palavras apressadas com os amigos de sua banda de apoio, mas não prestava realmente atenção. Ouviu alguém adentrar o camarim e levantou os olhos para a porta. passava por ela, sorrindo.
- Nervoso? - Perguntou, sentando-se ao lado dele, que apenas concordou com a cabeça, em silêncio. - Qual é, ? Você faz isso há anos, sabe que vai dar tudo certo.
- Eu sei, - ele comprimiu os lábios, novamente movimentando a cabeça em concordância. O outro o encarava em dúvida, como se esperasse que ele dissesse algo mais. - É o primeiro sem ela aqui - verbalizou aquilo que estava em seus pensamentos desde o momento em que saiu de casa. Allison sempre estivera em todos os seus shows na cidade. Estava acostumado a levantar os olhos até os camarotes e vê-la lá, com um sorriso no rosto, admirando-o. não disse nada, apenas levantou dali e se aproximou da porta, deixando sozinho com suas memórias. Sabia que nada que dissesse poderia ajudá-lo naquele momento. Parou antes de sair, virando-se para ele.
- Quer que eu peça a pra vir até aqui? - Indagou, pensando que talvez ela pudesse fazê-lo esquecer-se aquilo por pelo menos alguns momentos.
- Acho melhor não... Agora - balançou a cabeça e deu de ombros. Não queria que o visse daquele jeito, não queria demonstrar o quanto Ally ainda lhe fazia falta, por medo de machucar a única pessoa que estava conseguindo ajudá-lo a superar a perda, ainda que muito lentamente. assentiu e deixou o local, apenas para dar algum tempo a mais ao amigo antes que ele tivesse que subir ao palco.
tinha um sorriso enorme no rosto enquanto ouvia todos os fãs cantando junto a ele aquela que era a penúltima música do show. A energia que sentia do público era algo inexplicável e, se perguntassem, diria que era uma das melhores sensações do mundo; não saberia dizer como passara tanto tempo sem aquilo, sem ouvir aquela multidão gritando suas músicas, seu nome. As garotas na grade se esticavam o máximo que podiam, tentando diminuir a distância entre elas e o palco, e aquilo o fazia sorrir. Sorriso que, ao ser notado por elas, gerou ainda mais gritos. deu alguns passos à frente, sem deixar de cantar, e estendeu a mão livre do microfone na direção das meninas, que a seguraram no mesmo momento. Um sentimento bom tomava conta dele ali, apenas por ver o quanto fazia bem àquelas pessoas que ele nem sabia o nome. Nunca conseguiria entender como elas se dedicavam tanto a ele, como se esforçavam de tal maneira apenas por um toque dele, uma palavra, uma foto, talvez, para as mais sortudas. Finalizou a música que cantava e, antes de voltar ao centro do palco, pousou os olhos sobre a setlist, colada no chão. Observou as letras que formavam o nome da próxima canção. A última; aquela que lhe traria inúmeras lembranças. Gone Too Soon.
Recolocou o microfone no pedestal e pegou o violão que alguém da equipe lhe entregava. A banda de apoio havia se retirado do palco e a plateia inteira parecia ter adivinhado o que viria a seguir.
As notas iniciais foram tocadas e pouco depois a voz dele se fez ouvida.
- Hey there now, where'd you go? You left me here, so unexpected. You changed my life I hope you know, cause now I'm lost, so unprotected - mantinha os olhos em seus dedos, que brincavam com as cordas do violão, dando a melodia à canção. Levantou o rosto, vendo vários fãs levantarem seus celulares e alguns até mesmo isqueiros, iluminando a plateia, já que, no palco, a maior parte das luzes estava apagada. Não pôde evitar e acabou erguendo ainda mais seu olhar, para os camarotes. Mais precisamente, fixou os olhos naquele que era mais próximo do palco. Percebeu o observando com um sorriso no rosto, a cena lhe parecendo ligeiramente familiar. Franziu o cenho quando a viu dar as costas e sair dali, mas voltou a encarar o público. - In a blink of an eye, I never got to say goodbye. Like a shooting star, flying across the room, so fast so far, you were gone too soon. You're part of me, now I'll never be the same here without you, you were gone too soon - comprimiu os lábios, sentindo os olhos arderem e percebendo que a vista embaçava. Fechou-os com força por um momento, voltando a abri-los quando seguiu com a música. - You were always there, like a shining light, on my darkest days, you were there to guide me. Oh, I miss you now. I wish you could see, just how much your memory will always mean to me - reiniciou o refrão, percebendo que algumas pessoas do público já se arriscavam a cantar junto, mesmo que a única vez que tivessem escutado, além do show, tenha sido a entrevista coletiva, semanas atrás.
Ao finalizar a música, seu rosto se encontrava levemente molhado por algumas lágrimas que ele simplesmente não havia conseguido segurar. Agradeceu ao público pela presença ali, prometendo que logo as novas músicas estariam disponíveis para que eles escutassem e que não demoraria muito para voltar à correria de shows mais frequentes, como costumava ser antigamente. Jogou a toalha que usara para secar as gotas de suor que surgiam durante o show na direção da plateia, lançando um sorriso para a garota que conseguira, após muito esforço, ficar com ela. Fez o mesmo com a garrafa de água que acabara de esvaziar e então, agradecendo mais uma vez, deixou o palco. Assim que deu as costas àquela multidão, novas lágrimas escorreram de seus olhos e, enquanto caminhava pelo corredor que o levaria ao camarim, não tentou impedi-las de caírem. Adentrou o cômodo pequeno, onde só havia um sofá, uma mesa ao canto, com algumas garrafas d'água adicionais e outras coisas que ele pudesse comer caso quisesse, além de uma divisão ainda menor, que era o banheiro.
Era isso que ele esperava, quando abriu a porta. No máximo, a presença dos componentes da banda de apoio, mas nada além disso.
Surpreendeu-se, entretanto, quando viu uma mulher parada próxima ao sofá de couro escuro, observando-o entrar, um sorriso tímido curvava os lábios dela. Imediatamente, prendeu a respiração, esperando que aquilo o ajudasse a conter as lágrimas, ao mesmo tempo em que abaixava a cabeça e, discretamente, secava o rosto com as costas de uma das mãos. Mais sentiu do que viu quando se aproximou e parou em sua frente. Levantou o olhar até encontrar o dela, forçando um sorriso. Os braços dela enlaçaram seu pescoço em um abraço carinhoso, que ele retribuiu, afundando o rosto na curva do pescoço da mulher.
- O show foi ótimo, . Parabéns - ela disse, a voz abafada pela pele do homem, que fechava os olhos com força, incapaz de impedir aquelas lágrimas tão teimosas. A familiaridade da cena ela dolorosa demais pra que ele não percebesse. Porém, sabia, era totalmente diferente. O perfume não era o mesmo e, no momento em que se afastasse, veria olhos completamente diferentes daqueles verdes que ainda eram tão vivos em sua memória. Obrigou-se a manter os olhos fechados quando procurou a boca de com a sua, pressionando seus lábios contra os dela, em um agradecimento mudo. Apertou ainda mais seus braços em volta da cintura dela, levantando-a a alguns centímetros do chão. Deu um passo para trás quando se afastou de vez dela, secando o rosto outra vez. Levou uma das mãos à nuca, coçando-a, sem jeito.
- Eu devia ter me trocado antes de te abraçar - torceu os lábios, em uma careta engraçada, enquanto encarava a camiseta vermelha completamente colada ao corpo, devido ao suor. riu, balançando a cabeça e fazendo um gesto com a mão, como se dissesse que não importava. - Vou dar um jeito nisso. Me espera? - Perguntou, vendo-a concordar e então pegou a mochila sobre o sofá, caminhando até o pequeno banheiro existente ali. Fechou a porta e escorou-se nela, novamente com lágrimas brotando em seus olhos. Levou as duas mãos à cabeça, deixando que seus dedos se perdessem entre os fios úmidos pelo suor, agarrando-os como se pudesse arrancá-los. Quis gritar, mas sabia que não estava sozinho e, novamente, não queria demonstrar nada na presença de . Respirou fundo, querendo clarear os infinitos pensamentos que rodavam em sua cabeça, confundindo-o. O que estava fazendo? O que queria, afinal? Sentia-se bem junto à mulher que o esperava do lado de fora, que estava ali por ele mesmo sabendo que havia algo muito maior dentro dele ainda vivo, por mais que, na realidade, já tivesse partido há mais de dois anos. Mas era justamente essa parte dele que gerava toda essa dúvida. Não conseguia superar aquele vazio que o acompanhava desde o acidente e às vezes se perguntava se queria mesmo superar.
- Óbvio que sim - murmurou para si mesmo, como se falando em voz alta aquilo fosse se tornar mais real, fosse fazê-lo entender que precisava deixar Allison para trás, ou viveria o resto de seus dias com aquela sensação horrível. Não era certo, não era normal sentir como se estivesse traindo Ally. Não estava. A imagem da mulher veio à sua mente quando fechou os olhos outra vez, com força. Enxergava-a exatamente do jeito que ele se lembrava. Ela sorria e aqueles olhos nos quais ele havia se perdido incontáveis vezes brilhavam. Brilhavam da maneira que faziam quando ela estava feliz.
Ela não o culpava. Ela não o julgava.
Ela estava feliz por vê-lo tentar seguir em frente. Ela queria vê-lo daquele jeito também. Feliz. Queria vê-lo voltar a ser o homem que era antigamente; que sorria e fazia piada de qualquer coisa, não aquele que ainda sofria com a chegada de cada noite, uma após a outra.
respirou fundo, abrindo os olhos e alcançando a toalha pendurada à parede, usando-a para secar o rosto. Abriu a mochila, retirando de lá uma roupa limpa e ponderou entre tomar uma ducha ou não. Encarou o corpo ainda suado e decidiu que podia esperar um pouco mais. Ligou o chuveiro e entrou debaixo da água, sentindo o choque térmico pela temperatura baixa da mesma. Não ficou ali mais do que cinco minutos e saiu, secando-se e vestindo as roupas que separara antes. Saiu do banheiro ainda passando a toalha pelos cabelos, observando a mulher que agora estava sentada no sofá, olhando à sua volta simplesmente por não ter outra coisa pra fazer. sentou-se ao lado dela, em seguida deitando a cabeça sobre suas pernas, mantendo as pernas pra fora do sofá, com um sorriso no rosto. Surpresa, ela riu baixo e entrelaçou os dedos no cabelo dele, fazendo-o fechar os olhos para apenas aproveitar o carinho.
- e já foram? - Perguntou, voltando a observá-la. Ela assentiu com a cabeça e ele sorriu ainda mais. - Vou ter que te levar em casa então?
- Eu posso ir de táxi, sem problemas - mordeu o lábio inferior, dando de ombros. O homem rolou os olhos, sentando-se direito e aproximando seu rosto do dela.
- Eu acho... - Ele fez uma pausa, enquanto deslizava o nariz pela bochecha da mulher, vendo-a se arrepiar. - Que você podia ficar lá em casa - sugeriu, a voz baixa próxima demais ao ouvido dela, causando um novo arrepio. Viu quando ela abriu a boca para responder e, por sua expressão, soube que ela contestaria. Porém, não deixou que ela proferisse nem mesmo uma única palavra antes de fazer com que ela se calasse, com um beijo. Afastou-se minimamente dela, fazendo com que seus lábios ainda se tocassem levemente enquanto ele falava. - E então, o que me diz?
- E eu tenho escolha? - Ela perguntou, um sorriso no rosto enquanto sentia a respiração dele bater em seu rosto, quando ele riu baixo.
- Ainda bem que sabe que não - a beijou rapidamente outra vez, antes de se levantar e estender a mão em sua direção, para que ela fizesse o mesmo. a segurou e levantou, saindo do camarim atrás do homem. Saíram pelos fundos da casa de shows e alcançaram o carro dele sem interrupções por fãs, o que agradeceu internamente. Tudo o que não precisava era de mais boatos sobre ela e em revistas de fofocas.
A música que saía do rádio era o único som que preenchia o veículo enquanto as casas e prédios do lado de fora mais pareciam borrões devido à velocidade em que estavam. Já passava da meia noite e não havia tanto movimento.
- ... - A mulher chamou, a voz baixa, como se ainda tivesse incerta por ter aceitado a proposta. - E Sophie? - Ele tirou os olhos da estrada por alguns segundos, encarando-a com o cenho franzido, sem entender.
- Provavelmente está dormindo - arqueou uma das sobrancelhas, voltando a prestar atenção à rua. Ouviu um suspiro de , mas não falou nada, apenas esperou.
- Ela não vai achar tudo isso... Estranho? - Os dentes dela prendiam o lábio inferior com certa força, causando uma dorzinha incômoda, mas ela mal percebia. riu fraco, balançando a cabeça. Parou o carro em um sinal vermelho e inclinou-se para ela.
- , preste atenção. Soph te adora e, mesmo sem entender o que está acontecendo, ela vai adorar ter você lá em casa - olhava diretamente nos olhos dela, que não expressava reação alguma. - Combinei com ela que sairíamos amanhã, já que eu passaria a noite de hoje longe dela e... - Ele abaixou a cabeça por alguns segundos, um sorriso curvando seus lábios levemente. - Ela perguntou "Tia também?" - Imitou a voz fina e infantil da filha, provocando uma risada em , que agora também sorria de leve. - Mas se você quiser ir pra casa, sabe que não tem problema nenhum, eu te levo.
- Não, tudo bem - ela assentiu com a cabeça. - Eu só...
- Se preocupa demais, eu sei - completou. - Relaxe, . Só por alguns momentos - sorriu e lhe deu um selinho antes de voltar a dirigir.
A chave foi girada na porta com um cuidado exagerado, simplesmente pra não correr o risco de acordar Sophie, caso ela estivesse dormindo na sala. Sabia que a menina havia se acostumado a dormir assistindo televisão quando estava agitada e tinha quase certeza de que ela não era a criança mais calma do mundo naquela noite, por não estar acostumada a ficar sem ele por perto. entrou no apartamento ainda em silêncio, fazendo um sinal para que viesse atrás. A luz fraca da televisão era a única coisa que iluminava a sala, que tinha todas as outras luzes apagadas, enquanto Dakota estava sentada no menor sofá, fazendo companhia à menina que dormia no outro, um pouco maior. Uma manta cobria o corpo pequeno dela, que respirava tranquilamente. Ele sorriu com a cena. Dak notou sua presença e se levantou.
- Deu muito trabalho? - perguntou, ainda sem tirar os olhos da filha.
- Ela só insistiu em querer ficar acordada te esperando, mas acho que o sono foi mais forte - a ruiva riu, alcançando sua bolsa sobre a mesinha de centro enquanto o homem retirava algumas notas da carteira.
- Muito obrigado, Dakota - ele sorriu, entregando o pagamento a ela e acompanhando-a até a porta.
- Sempre que precisar - ela piscou, saindo pelo corredor. voltou-se para a sala, desligando a televisão e aproximando-se do sofá onde Soph dormia. observava de longe, admirando-se com o ar paternal que ele adquiria toda vez que estava com a menina.
Ele se abaixou, beijando de leve a testa da pequena, antes de pegá-la em seus braços, levantando-se com certa dificuldade.
- Pode trazer a manta pra mim, ? - Pediu, em um sussurro, com medo de acordar Sophie. A mulher concordou e o seguiu escada acima, a caminho do quarto da menina.
a colocou na cama, logo depois pegando o cobertorzinho das mãos de e cobrindo Soph cuidadosamente. Acendeu o abajur colocado ali ao lado, iluminando levemente o cômodo. Ainda tinha o sorriso no rosto quando saiu do quarto, puxando pela mão e encostando a porta. Virou-se para a mulher, pegando-a de surpresa ao segurá-la próxima a si pela cintura. Suas mãos eram firmes, como se tivesse medo de que ela se afastasse. Sentiu as mãos dela espalmadas em seu peito, mas não com o intuito de afastá-lo, e sim procurando por qualquer possibilidade maior de contato. Os olhos dele a encaravam profundamente, com um quê de malícia que a fazia sorrir. Ela deslizou as mãos do peito de até os ombros, apertando-os entre seus dedos enquanto quebrava a distância restante, promovendo o encontro de suas bocas, assim como suas línguas imediatamente se encontraram também.
Ele a empurrava lentamente em direção à última porta do corredor, sem quebrar o beijo em momento algum, exceto quando sentiu que precisava respirar e desceu os lábios até o pescoço dela, provocando suspiros dela. Finalmente alcançou seu próprio quarto e entrou, fechando a porta atrás de si com um dos pés. Seus dedos tocaram a pele da mulher por baixo da blusa que ela usava, fazendo-a se encolher em um arrepio. sentiu a cama atrás de si e deixou que o corpo caísse sobre ela, trazendo o homem consigo. Suas mãos invadiram a camiseta dele, levantando-a e partindo o beijo apenas para que ele conseguisse retirá-la por completo e largá-la ao lado da cama.
Era outra cena bastante familiar, porém, dessa vez, para os dois, não apenas para . Ele deixou que um sorriso surgisse em seus lábios em meio ao beijo que havia retomado segundos antes, fazendo-a franzir o cenho, sem entender.
- Isso não te lembra de nada? - Ele sussurrou, agora contra a pele do pescoço dela, onde distribuía seus beijos, descendo em direção ao colo de . Ouviu um riso baixo escapar pelos lábios dela.
- A diferença é que estamos sóbrios - ela respondeu e fez uma pausa, como se pensasse no que diria a seguir. Sua língua foi mais rápida do que seu cérebro, entretanto, e as palavras saíram antes que pudesse refreá-las. - E eu não vou embora pela manhã.
Um pouco surpreso, se deixou sorrir ainda mais. Percebeu, ainda que estivesse no escuro, que o rosto dela adquiria um tom mais rosado. Beijou-a outra vez antes de se livrar das outras peças de roupa que ainda estavam entre eles enquanto as últimas palavras dela ainda ecoavam em sua cabeça. Eu não vou embora pela manhã.
Onze
O movimento da mulher, ainda dormindo, sobre seu corpo fez com que ele acordasse, mas, ao lembrar-se da noite anterior, um sorriso tomou conta de seus lábios. Ela realmente não havia ido embora como naquela outra manhã, tantos anos atrás. Abriu os olhos lentamente, ainda que pouca luz invadisse o quarto, já que a janela, assim como a porta, se encontrava totalmente fechada, fazendo com que o sol só entrasse por algumas mínimas frestas da mesma. Observou a figura ligeiramente menor que ele, deslizando a mão pelo braço descoberto de , ainda sorrindo. Ela tinha a cabeça deitada sobre seu peito, uma das mãos espalmadas logo ao lado e o resto do corpo parcialmente coberto pelo lençol azul claro, assim como o seu. O braço que passava por baixo dela, abraçando-a, começava a ficar dormente, mas ele não se importava. A feição dela, dormindo profundamente com os lábios entreabertos, deixando a respiração bater em seu peito, era tão calma que ele sentia como se pudesse ficar observando durante dias e dias inteiros. aproximou o rosto do dela, beijando sua testa de leve, sem querer acordá-la. Viu quando ela se mexeu outra vez, resmungando durante o sono, e deixou que seus dedos enrolassem a ponta de uma mecha dos cabelos dela, ainda sem desviar os olhos de seu rosto e desmanchar o sorriso. Alguns minutos depois, os olhos de se abriram leve e preguiçosamente, encarando-o ainda sonolenta. Ele alcançou os lábios dela com os seus, em um longo selinho.
- Bom dia - sussurrou com a voz meio rouca, ainda contra a boca dela. Sentiu-a rolar para o lado, saindo de cima de seu corpo e deitando-se virada de lado, sem deixar de observá-lo.
- Bom dia, - ela sorriu, estendendo uma das mãos até o rosto dele, retirando os fios de cabelo que caíam sobre os olhos que não a perdiam de vista. O homem a puxou de volta para perto, beijando-a outra vez, lentamente. - Eu podia acordar assim todos os dias.
- Eu também não reclamaria - ele respondeu, fechando os olhos enquanto sentia os dedos dela continuarem perdidos em seus cabelos. Porém, um barulho na porta do quarto chamou a atenção dos dois; a maçaneta se movia insistentemente, mas sem sucesso em abri-la. Um resmungo e uma ameaça de choro foram o suficiente para que levantasse da cama em um salto. Olhou para , que tinha uma pergunta clara em sua expressão assustada: O que dizer a Sophie? Era uma criança, obviamente que não entenderia o que estava acontecendo ali, mas, como toda criança, era curiosa até demais. Ele buscou no armário a primeira camiseta de botões que encontrou e jogou para , agora sentada, escorada à cabeceira da cama. Ela a vestiu enquanto o homem caminhava até a porta, agradecendo a si mesmo internamente por ter se lembrado de trancar a porta na noite anterior, e a destrancava, vendo a filha ali parada, uma das mãozinhas ainda segurava a maçaneta enquanto a outra coçava os olhinhos ainda sonolentos. Pegou-a no colo, secando as poucas lágrimas que molhavam o rosto dela.
- O que foi, pequena? - Perguntou, entrando no quarto de volta.
- Tava fechado - Soph fez bico, a voz ainda chorosa, escondendo o rosto no pescoço do pai. Ele balançou levemente a menina em seus braços, acalmando-a.
- Pronto, papai tá aqui - disse e a viu levantar a cabeça, pousando os olhos diretamente em . mordeu o lábio, contendo um sorriso. - Vai lá dar um abraço na tia - colocou-a no chão, deixando que ela praticamente corresse na direção da mulher, abraçando-a e sorrindo abertamente. Enquanto a colocava sentada sobre a cama, lançou um olhar divertido a ele.
- Por que a titia nanou aqui, pai? - Soph perguntou, virando-se sobre o colchão e os lençóis enrolados pra encará-lo. trocou um olhar rápido com , balançando a cabeça.
- Tio Seb foi embora do show mais cedo e papai tava muito cansado pra levar tia em casa. Aí ela ficou aqui - ele respondeu, prendendo o riso, assim como .
- E o quarto da vovó? - A menina perguntou, referindo-se ao quarto de hóspedes, onde sua avó ficara nos dias que passara ali. deixou o corpo cair sobre a cama, escondendo o rosto no travesseiro, abafando a gargalhada que não conseguiu mais segurar. escondeu o rosto nas mãos, também rindo, enquanto Sophie olhava de um para o outro, sem entender. Ele se sentou direito outra vez, tentando voltar a manter a expressão séria.
- É que... Ela não tava bem, tava dodói. Aí papai ficou cuidando dela de noite - abaixou a cabeça, novamente controlando o riso, enquanto via levantar e adentrar o banheiro. Não se conteve mais. - ? Tá se sentindo mal de novo? - Voltou a rir, recebendo o barulho da porta sendo fechada como resposta. - Viu? Por isso ela ficou aqui.
- Ah. Não vai passear hoje? - Soph novamente ameaçava chorar e ele a colocou sentada sobre suas pernas.
- Ela vai ficar bem e vai com a gente sim, pode deixar - sorriu para a filha, que escorou a cabeça em seu peito. A porta do banheiro foi aberta outra vez, revelando uma com o rosto um pouco avermelhado, mas também sorrindo. Ela voltou a se sentar na cama, notando o olhar de preso às suas pernas, já que a camisa dele ia apenas até a metade de suas coxas. - Está melhor? - Ele perguntou, um sorriso sacana em seus lábios.
- Cale a boca, - A mulher rolou os olhos, mas o tom de sua voz era divertido. Ele abriu a boca, em uma indignação fingida, antes de colocar Sophie ao seu lado e levantar.
- Tudo bem, já entendi. Vou trazer algo pra gente comer, esperem aí - disse, deixando o quarto enquanto sentia o olhar de em suas costas e sorria com aquilo. Era bom saber que ela aproveitava tanto aqueles momentos quanto ele.
Passados alguns minutos, voltou com uma bandeja em mãos. Sobre ela, duas canecas de chocolate quente, algumas torradas e frutas e a mamadeira de Soph. Sentou-se junto às duas, colocando a bandeja sobre o colchão e entregando a mamadeira à filha, que logo a segurou entre as duas mãos e levou à boca. pegou uma das xícaras, assoprando cuidadosamente o líquido dentro dela antes de bebê-lo.
- Até que você não é tão ruim assim na cozinha - ela comentou, deixando um riso baixo escapar em seguida, devido ao olhar que ele lhe lançou, com os olhos semicerrados.
- Da próxima vez te mando fazer o café da manhã - resmungou em resposta, enquanto mordia uma das torradas. fechou a cara, fazendo-o rir. esticou o braço até alcançar um dos morangos que trouxera da cozinha e estendeu até a boca dela, simplesmente para fazê-la sorrir antes de morder a fruta. - Aonde vamos hoje? - Perguntou e, ao ver a mulher dar de ombros, virou-se para a filha. - Soph?
A menina tirou a mamadeira já vazia da boca, encarando-o sem falar nada por algum tempo, como se estivesse pensando.
- Não sei - levantou os ombros, imitando o gesto que fizera momentos antes.
- Tudo bem, vou mudar a pergunta - falava agora diretamente com a mulher. - Podemos ficar em casa, tranquilos e assistindo a desenhos animados com Sophie, ou podemos sair pra levá-la a qualquer lugar, mas sabemos no que isso pode resultar.
suspirou, sem saber exatamente o que dizer. Sentia-se bem com ele e gostava do rumo que os dois estavam tomando, percebia que, aos poucos, a relação ia ficando mais séria, principalmente agora que estava lidando muito mais com Sophie. O problema era que tinha certeza de que não saberia agir sob a pressão gigante que a mídia colocaria sobre os dois. Mordeu o lábio, demonstrando a incerteza que sentia. já tinha demonstrado inúmeras vezes que não se deixava abalar por aquilo, talvez fosse a hora dela retribuir e aproveitar o tempo que tinha ao lado dele, sem se importar com o que quer que fossem falar. Ignorar a opinião alheia nunca fora o seu forte, mas talvez fosse o momento de mudar isso. Se pensava mesmo em continuar com - e não ia negar que andava pensando naquilo -, teria que realmente se acostumar à toda aquela atenção, a ter o mundo sabendo sobre tudo o que fazia. Assentiu com a cabeça antes de responder.
- Podemos sair - agradeceu a si mesma pela decisão tomada no momento em que viu o sorriso que se formou no rosto do homem à sua frente ao ouvir as palavras dela. Ele inclinou-se até ela, dando-lhe um selinho, como se em agradecimento; não precisava ouvir mais nada para entender o que aquela escolha significava.
- Então... O que acham de irmos ao zoológico? - Perguntou, intercalando o olhar entre e Sophie. A filha abriu um grande sorriso, concordando com a cabeça enquanto pegava um dos morangos da bandeja e mordendo-o aos poucos.
- É uma boa ideia - respondeu, terminando de beber o chocolate quente que havia em sua xícara. - Mas preciso passar em casa pra me trocar antes.
- Talvez... - se aproximou dela outra vez, mantendo a boca quase colada ao seu ouvido. - Nós pudéssemos ficar em casa mesmo. Essa minha camisa caiu bem em você - riu fraco quando sentiu o tapa leve que ela deu em seu braço, enquanto balançava a cabeça, fazendo-o se afastar. - Tudo bem. Vem, pequena, vamos deixar tia se arrumar - levantou da cama e pegou a mão de Soph, levando-a até seu quarto para ajeitá-la.
Quando voltou ao próprio quarto, com a filha, para que ela não descesse sozinha, já não encontrou a mulher lá; presumiu, então, que ela já estivesse pronta e esperando-o no andar de baixo do loft. Aproximou-se da janela do cômodo e afastou a cortina, podendo ver o tempo fechado do lado de fora, com o céu completamente coberto pelas nuvens acinzentadas, mesmo que não chovesse. Buscou no armário uma calça jeans escura e uma camiseta branca, lisa, vestindo por cima uma jaqueta de couro. Calçou os tênis que encontrou próximos aos pés da cama e desceu as escadas, segurando uma das mãozinhas de Soph, temendo que ela pudesse cair.
Encontrou na cozinha, terminando de colocar as xícaras e o resto das coisas que ele sujara ao fazer o café da manhã na máquina de lavar louças e fechando-a. Aproximou-se da bancada, apoiando-se nela.
- Não precisava ter tido esse trabalho. Sabe disso, não sabe? - Perguntou, vendo-a se virar rapidamente e dar de ombros.
- Não é trabalho algum - disse, simplesmente, indo na direção dele, que apenas concordou com um aceno de cabeça. Sophie chamou sua atenção, puxando-o pela barra da jaqueta.
- Pode levar o Clifford? - A menina perguntou, mas logo desviou os olhos do pai para sorrir para o cachorro, que estava parado ao lado dela, recebendo o carinho que ela lhe fazia.
- Pode sim, pequena - ele direcionou um sorriso à filha, feliz ao ver o quanto ela havia gostado do animalzinho. Ela correu até o pequeno armário na cozinha, ao lado de onde ficavam as tigelas de água e comida de Clifford, retirando de lá a coleira que sabia que o pai usava quando saía para passear com ele.
- Oh - entregou a , que agradeceu e se abaixou, colocando-a no cãozinho, por mais que esse relutasse e tentasse escapar; odiava a coleira, gostava de poder correr livremente, sem nada o prendendo. Assim que conseguiu vencer o animal, olhou para .
- Vamos? - Viu quando ela assentiu e, pegando as chaves do carro, pegou Clifford em um dos braços, e segurou a mão de Soph com a mão livre, deixando o apartamento.
Os três caminhavam pelo zoológico calmamente, parando a cada animal pelo qual passavam. mostrava todos à Sophie, que observava tudo com um sorriso no rosto e os olhinhos brilhando, encantada. Já estavam rodando por ali havia algumas horas e o sol fraco que ameaçara surgir já se fora, também, voltando a deixar aquela tarde meio cinzenta. Porém, nada que os desanimasse. Pararam em frente ao espaço onde ficavam alguns leões e ele a pegou no colo, para que ela enxergasse melhor os animais. Clifford continuava agitado e parecia odiar a cada vez que paravam, quando começava a tentar puxar o homem que segurava sua coleira para frente.
- Quieto - resmungou para o cachorro, que latiu em resposta, fazendo Soph rir. Um dos leões rugiu alto, fazendo a menina se encolher no colo do pai, em um susto, e foi a vez dele rir, vendo-a fechar a cara e se virar para , que a pegou no colo.
- Esse seu pai é muito bobo, não é? - A mulher disse, gargalhando quando Sophie concordou com a cabeça.
- Ah, é? - Ele se fez de ofendido, dando de ombros em seguida. - Vou tomar sorvete sozinho, então - deu as costas, ouvindo as duas protestarem e irem atrás dele. Riu e balançou a cabeça enquanto caminhavam, os três juntos, em direção à pequena sorveteria que havia dentro do zoológico.
Alguns minutos depois, terminou seu sorvete e encarou Sophie, que estava sentada ao seu lado e tinha o rosto sujo pelo sorvete. Pegou um guardanapo de cima da mesa e tentou limpá-la, mas ela desviava, irritadiça.
- Soph, vem cá - chamou a menina, que logo se virou para ela, curiosa. Com toda a calma e o cuidado que só ela tinha, convenceu a menina a ficar parada enquanto ela se curvava sobre a mesa e passava o guardanapo em volta de sua boca. cruzou os braços em frente ao peito.
- Minha filha prefere minha... - Fez uma pausa, notando que não sabia como devia se referir a ela, e lhe lançou um olhar incerto. - Amiga a mim - a expressão infantil de irritação fingida voltou ao seu rosto, fazendo a mulher sentada à sua frente abrir um sorriso tímido, tanto por achar engraçada a reação dele quanto por ter percebido a dúvida naquele olhar que ele lhe direcionara antes. Sabia que aquilo significava que ela não era a única a se importar com o rumo que a relação dos dois estava tomando e, de certa forma, era algo que lhe passava segurança.
Soph voltou a olhar para o pai, ficando de pé sobre o banco onde estava e lançou os bracinhos em volta do pescoço dele.
- Mas eu amo o papai - ela disse, encolhendo os ombros e sorrindo abertamente, assim como , que, como sempre, achava a relação dele com a filha algo admirável. abraçou a menina, beijando-a na bochecha.
- Papai também ama você, pequena - respondeu, apertando-a com mais força contra si. Era naqueles momentos que ele tinha certeza de que estaria perdido e sem saber o que fazer da vida se ela não tivesse sobrevivido ao acidente. Afrouxou o braço que a segurava próxima de seu corpo e a encarou. - Aonde quer ir agora?
- Panda! - Sophie exclamou, batendo uma mão na outra, empolgada. Ele riu da animação dela por conta dos animais e se levantou, segurando-a em uma das mãos enquanto entrelaçava seus outros dedos aos de , ao passar por ela. Soph largou a mão do pai que segurava e se colocou entre os dois, separando-os. Agarrou a mão da mulher e, do outro lado, a de . Ele abaixou a cabeça, contendo um sorriso ao mentalizar a imagem que as pessoas à sua volta veriam, ao observarem a cena. Quase pareciam uma família comum, em um passeio de fim de semana, daquela maneira. Sentiu o olhar de sobre si e o retribuiu, sabendo que ela tinha o mesmo pensamento que ele.
Chegaram à jaula onde três ursos panda se encontravam e Soph deixou escapar um gritinho animado.
- Olha, pai! - Apontava para aquele que estava mais distante, em um dos cantos do espaço reservado a eles. Estava meio curvado sobre os braços que repousavam em seu colo, como se escondesse algo. sorriu e se abaixou, ficando da altura da filha.
- Eu acho que é uma mamãe panda. Ela tem um filhotinho ali - sussurrou, como se contasse um segredo, e viu Soph arregalar os olhos. Ela desviou os olhos do rosto do pai, encarando , que estava atrás de si.
- Tia, papai disse que ela tem um pandinha! - Exclamou, fazendo-a sorrir. girou o corpo e encarou o animal no momento em que ele levantava a cabeça, deixando visível um animalzinho tão pequeno que quase sumia junto à mãe.
- E tem mesmo, olha lá - ela apontou e Sophie pousou os olhos sobre os dois animais, sorrindo. - , você já pode trocar o Clifford por um filhote de panda, Soph ia adorar.
gargalhou com o comentário dela e o cachorro, como se entendesse que estavam falando dele, latiu alto, em protesto.
- Claro. Clifford já não dá trabalho o suficiente, né? - Balançou a cabeça, ainda rindo. Observaram os pandas por mais algum tempo até voltarem a andar.
- Está escurecendo... Podíamos levar Soph aos pedalinhos antes de irmos embora, - sugeriu, mas ele via em seus olhos o quanto ela queria ir também. Realmente, o lago com os pedalinhos era um lugar bonito; uma pena que o dia estivesse tão nublado, caso contrário, o pôr-do-sol daria uma beleza diferenciada à cena.
- Vou fingir que não percebi que você está usando Soph como uma desculpa pra ir até lá - ele comentou, rindo em seguida da expressão dela. Entregou a coleira de Clifford a ela, que apenas segurou, impedindo que o animal saísse correndo. surpreendeu a filha ao pegá-la por debaixo dos braços e colocá-la sentada em seus ombros. Ouviu-a protestar no início, mas depois sentiu quando ela segurou levemente em seus cabelos, enquanto ele ainda segurava suas pernas, para que ela não caísse.
- Tudo certo aí em cima? - Perguntou, sem vê-la, mas ouvindo enquanto ela ria, gostando de estar ali. Atravessaram calmamente todo o zoológico, chegando ao outro lado, próximo ao lago. Havia uma pequena fila ali, mas nada que tomasse mais de dez minutos de espera. Soph parecia inquieta e achou melhor que a colocasse outra vez no chão enquanto esperavam a vez de pegar o pedalinho.
Ao chegarem até o início da fila, vestiram os coletes salva-vidas obrigatórios para o uso do brinquedo. esperou que subisse no pedalinho, que lembrava um cisne branco, com Clifford em seu colo, e colocou Sophie sentada ao lado, entrando em seguida, deixando, assim, a filha entre os dois. Posicionou os pés sobre os pedais e forçou o movimento deles, fazendo com que o pedalinho também se movimentasse. Ouvia a risada de Soph, que tinha os olhos curiosos completamente indecisos, sem saber se olhava para o pai, que após algum tempo já parecia cansado pelo esforço de mover o brinquedo, ou se encarava, na água, os peixes coloridos que viviam ali, além de algumas tartarugas que repousavam na beira do lago.
- , você anda muito sedentário - implicou ao vê-lo ofegar enquanto pedalava, pouco menos de dez minutos depois. Ele a encarou, franzindo o cenho, fingindo estar indignado pelo comentário.
- Fácil falar quando tudo que você tem que fazer é segurar o cachorro - ele replicou, mostrando a língua e ouvindo a risada dela em resposta.
Ao pararem o pedalinho de volta na beira do pequeno lago, quando decidiu que já estava cansado demais para continuar navegando por ele, desceram cuidadosamente e devolveram os coletes, em seguida voltando a caminhar pelo local. Ele encarou o relógio, notando que os ponteiros já marcavam quase seis horas da tarde.
- Quando é seu plantão essa semana? - Perguntou, virando-se para , que deixou o sorriso desaparecer do rosto no mesmo instante.
- Essa noite - entortou a boca, cansada só de pensar em passar a madrugada inteira no hospital. O pensamento de que preferia repetir a noite passada foi automático e a fez sorrir brevemente. Antes que ele pudesse responder, Sophie estendeu os bracinhos em sua direção, a voz manhosa quando o chamou, pedindo colo.
- Acho que é melhor irmos, então. Tem alguém aqui bem cansada também, né? - Sorriu, encarando a filha, que concordou levemente com a cabeça.
- Não precisa me levar... - começou, mas se calou com um sorriso ao vê-lo encará-la seriamente depois de rolar os olhos. - Tudo bem. Esquece - disse, entrelaçando seus dedos aos dele enquanto andavam em direção à saída do zoológico.
O trânsito um pouco mais intenso do que o normal fez com que levassem algum tempo a mais até chegarem ao prédio de . Sophie estava distraída com algumas bonecas que havia deixado dentro do carro e só passou a prestar atenção no que acontecia à sua volta quando sentiu que o carro havia parado. Olhou pela janela, estranhando a paisagem que via, uma vez que não era a que ela conhecia.
- Errado, pai. Não é aqui - ela murmurou; os olhos curiosos agora tentavam fitar o pai, que deixou uma risada escapar antes de se virar para trás.
- Aqui é a casa da tia , pequena. Viemos aqui mais cedo, lembra? - Sorriu, mas não a viu retribuir o gesto.
- Por que ela não vai lá pra casa? - Fez bico, agora pousando os olhos na mulher, que, depois de tirar o cinto de segurança, também havia se virado para observá-la.
- Tenho que trabalhar hoje de noite, Soph - respondeu, com um leve sorriso nos lábios.
- Mas... Eu queria - a menina havia largado as bonecas com que brincava antes sobre o banco do carro, sem se importar se seriam mastigadas pelo cachorro que, no momento, estava quase adormecido sobre ele, e cruzado os braços.
- Queria o quê? Que ela fosse lá pra casa? - perguntou, sorrindo ainda mais. Era bom que visse o quanto Sophie simpatizava com ela, talvez a fizesse ficar mais segura para levarem a relação adiante.
- É - ela respondeu, confirmando com a cabeça e fazendo a mulher rir baixo, balançando a cabeça.
- Outro dia eu prometo que volto lá, tudo bem? - Falou calmamente, vendo-a assentir, mesmo que ainda tivesse os braços cruzados em frente ao peito. virou-se para , que já tinha o rosto virado em sua direção, tocando os lábios dele com os seus, despedindo-se silenciosamente. Ele cortou o beijo, mas não se afastou.
- Vê como ela não vê nenhum problema? - Sussurrou, antes de beijá-la outra vez em meio ao riso que havia provocado nela. Ouviram Sophie resmungar no banco de trás e os dois se afastaram, vendo a expressão no rosto da garotinha. Ela encarava os dois como se achasse o beijo a coisa mais nojenta do mundo. riu, balançando a cabeça, mas não disse nada. , também rindo da reação tão previsível de Soph, murmurou um "Até mais" direcionado aos dois, antes de sair do carro e adentrar o prédio onde morava.
- Por que o papai tava com a boca na dela? - Sophie perguntou, fazendo-o gargalhar e precisar de algum tempo antes de se recompor e virar-se para a filha. Pensou em milhares de motivos que talvez pudesse dar a ela, mas apenas um foi verdadeiro e sutil o suficiente para que ele dissesse em voz alta.
- Porque papai gosta dela. Muito.
Doze
Era mais um fim de semana que passava na casa de ; o segundo desde o fim de semana do show, quando ela passara o sábado com ele e Sophie. Ele tinha a mão sobre a dela, o polegar acariciando-a de leve enquanto os olhos, embora semicerrados pelos raios de sol que os atingiam em cheio, fitavam a filha, logo à frente, brincando com outras crianças no parque onde estavam. Momentos como aquele, quase como se estivessem em família, estavam cada vez mais frequentes, o que o agradava bastante. Sentia que, aos poucos, assim como ele mesmo, estava aceitando e se entregando à relação. deitou a cabeça sobre o ombro dela, que estava sentada ao seu lado, também observando Soph. A mulher virou o rosto na direção dele, com um sorriso, e soltou a mão da dele, em seguida levando-a até seus cabelos, em um carinho que o fez fechar os olhos, também sorrindo.
- Sophie vai te dar trabalho. Olhe a quantidade de garotinhos em volta dela. - riu ao ver o homem ao seu lado abrir os olhos, encarando-a com a expressão séria, logo antes de observar Soph outra vez. Ela se encontrava entre um pequeno grupo de crianças, brincando. Dois menininhos realmente estavam mais próximos dela e ele balançou a cabeça.
- Talvez ela tenha herdado o charme natural do pai. - Ele respondeu, dando de ombros e rindo quando ela revirou os olhos. - Não negue.
- Eu não ia negar. - Ela replicou, voltando a observar Sophie. Ficou algum tempo em silêncio, antes de se afastar um pouco dele para que pudesse olhá-lo nos olhos. Ele a encarou, com o cenho franzido. - ... Já pensou que talvez fosse a hora de Soph entrar na escola? - Ele abriu a boca, mas não emitiu som algum, então se sentiu na obrigação de se explicar. - Não que eu queira me meter, só...
- Tudo bem. - a interrompeu, um sorriso rápido aparecendo em seus lábios antes que ele voltasse a falar. - Eu já pensei sim. Mas... - Suspirou, balançando a cabeça, com os olhos fechados. - Ela é tão pequena, . E ela nunca fica longe de mim por muito tempo, então...
- Ela que não fica longe de você ou você que não quer ficar longe dela? - A mulher indagou, com um sorriso compreensivo no rosto. Ele deu de ombros e abaixou a cabeça, sem jeito. - Vai ser bom pra ela, . Conviver com crianças da idade dela, pra variar um pouco.
- Mas e se algo acontecer a ela na escola? - deixava claro em seu tom de voz o quanto relutava em finalmente levá-la a escola, mesmo sabendo que era necessário. Claro que não precisava ser tão cedo, mas, como já havia dito, ela precisava conviver com crianças também, não só adultos, como havia sido até ali.
- Aí eles vão te ligar, seu bobo. - Ela riu, aproximando-se dele e segurando uma de suas mãos. - Você não pode prendê-la pra sempre. - Novamente ele abaixou a cabeça, com medo de verbalizar o que estava pensando e acabar machucando com as palavras. Não queria correr o risco de que ela entendesse errado o que ele queria dizer. Podia perceber que ela, por mais que tivesse saído de um relacionamento pouco tempo atrás, tinha por ele os mesmos sentimentos que ele tinha por ela. Caso contrário, não estaria ali naquele momento. Mas, se estava ali, era porque se importava. Talvez devesse confiar um pouco mais na mulher, pensou.
- Eu tenho medo. - Ele finalmente decidiu expressar o que o incomodava há tanto tempo. cerrou os olhos, sem entender o que ele estava dizendo. respirou fundo antes de olhá-la nos olhos e continuar. - Sabe, depois do acidente... Tudo foi muito difícil pra mim e a única coisa que me fez continuar, me fez levantar todos os dias durante esses dois anos, até pouco tempo atrás, foi Sophie. - Mordeu o lábio, sem saber se ela havia entendido quando ele, indiretamente, insinuara que ela era um desses motivos agora. Estava incerto sobre como continuar e já sentia os olhos arderem, como sempre acontecia quando tocava no assunto. Era inevitável. - Eu tenho medo de algo acontecer de novo...
- ... - o interrompeu, já um pouco arrependida de ter levado a conversa até aquele ponto, mas talvez fosse necessário. Talvez aquilo o ajudasse a superar o que havia acontecido. Duvidava muito que ele algum dia tivesse se aberto daquela maneira sobre o que sentia e sentia-se bem por saber que ele confiava nela o suficiente para estar falando todas aquelas coisas. - Eu não faço ideia do que você passou, mas eu sei que não foi fácil. Mas não vai acontecer nada com Sophie só porque você vai sair de perto dela por uma tarde. Vai ser até melhor pra você, agora que vai entrar em estúdio outra vez. Não vá me dizer que ela gosta de passar o dia inteiro lá.
Ele assentiu com a cabeça, erguendo os olhos para que as lágrimas acumuladas ali não escorressem por seu rosto. Não sabia exatamente o que devia responder, apenas tinha a certeza de que Sophie não era mais a única coisa que o faria continuar. Agora ele tinha ao seu lado também. Sentiu os braços dela o envolverem em um abraço que confirmava o que ele pensara antes e apenas retribuiu, segurando-a contra si, pela simples vontade de senti-la ali, perto.
- Obrigado. - Ele sussurrou ao pé do ouvido dela, afastando-se minimamente em seguida. Tocou os lábios dela com os seus, em um agradecimento mudo, no momento em que Sophie se aproximava correndo do banco onde eles estavam sentados. Apoiou as mãozinhas nos joelhos do pai, encarando-o.
- Algodão doce! - Ela exclamou, apontando o vendedor logo à frente, que tinha algumas crianças em volta querendo as nuvenzinhas coloridas e doces. sorriu, assentindo com a cabeça antes de se levantar, murmurando um "Já volto" para e pegando na mão de Soph, indo na direção do homem.
- Qual você quer? - Perguntou ao se aproximarem dele. A menina esticou a mão na direção do algodão doce cor de rosa e o vendedor lhe entregou o mesmo, em troca de algumas notas que ele tirara da carteira. Voltou ao banco onde ainda se encontrava sentada e tomou seu lugar ao seu lado novamente, dessa vez com a filha no colo. Abriu o doce e tirou um pedaço, aproximando-o da boca de Sophie. Ela ameaçou levar a mão até o algodão doce, mas ele a impediu.
- Sua mão tá suja, pequena. Deixa que o papai te dá. - Beijou-a no topo da cabeça e tirou outro pedaço, colocando-o na boca dela, que já a mantinha aberta, esperando. Riu quando ela ameaçou morder seus dedos, brincando. Ofereceu a também, gargalhando ao ver Sophie resmungar, com ciúmes. - Ai que ciumenta, Soph.
- Meu. - Ela respondeu, escorando-se no peito de e virando-se para , como se a provocasse, já que ela é que estava ali.
- Nós podemos dividir seu pai, Sophie. - A mulher deu de ombros, rindo em seguida, junto a ele, que apenas balançou a cabeça de um lado para o outro, feliz ao ver o quanto as duas se davam bem. Tinha os olhos fitando qualquer coisa ao longe enquanto seus pensamentos ainda vagavam em volta de tudo o que havia lhe dito. Quando a menina terminou o algodão doce e voltou a correr em direção às outras crianças, um sorriso voltou ao seu rosto. Decidiu, então.
- Tem alguma escola que você possa me indicar pra colocar Soph? - Perguntou, vendo sorrir em sua direção.
Uma porta ali perto se fechou e ele resmungou, rolando na cama, sem abrir os olhos. Não fazia ideia de que horas eram, mas sabia que era cedo demais para que ele levantasse. Esticou o braço, tateando o lado da cama que, aos finais de semana, passara a ser ocupado por . Encontrou apenas o travesseiro e respirou fundo. Claro, era segunda-feira pela manhã, a mulher devia estar se arrumando para ir trabalhar. Abriu os olhos apenas quando ouviu a porta do banheiro se abrindo outra vez e pôde enxergar a figura dela, parada à porta, a calça e a camiseta de mangas compridas completamente brancas que usava na clínica, unidas à claridade que vinha da janela, praticamente ofuscando sua visão. Desviou os olhar rapidamente para o relógio que ficava na mesinha de cabeceira, ao lado da cama, e viu os números marcarem 7:50am. Muito cedo, como já esperava.
- Não queria te acordar, desculpa. - murmurou, aproximando-se e se sentando ao lado dele, o lábio inferior preso entre seus dentes, sem jeito por tê-lo acordado. esboçou um sorriso, balançando a cabeça de um lado para o outro.
- Sem problemas. - Disse, com a voz ainda rouca. Ficou algum tempo apenas a observando, sorrindo por poder, pelo menos em alguns dias, acordar com ela por perto. - Já está saindo? - Ele perguntou, intimamente esperando que ela negasse e se deitasse outra vez ao lado dele, embora soubesse que aquilo não aconteceria. Viu quando ela assentiu com a cabeça, entortando os lábios em uma expressão de desgosto. Curvou-se sobre ele, selando seus lábios por um momento, antes de se levantar. segurou a mão dela, querendo impedi-la de ir.
- Cada vez mais eu vejo Sophie em você, . - riu, soltando a mão da dele, que riu junto. - Falando nisso, me ligue quando voltar da escola hoje, tudo bem? - Ele fechou os olhos, ainda relutante quanto àquilo, mas assentiu com a cabeça. - Vai dar tudo certo.
Ele assentiu novamente, demonstrando que sabia daquilo e que, apesar de ainda não gostar muito da ideia, concordava. mandou um beijo no ar antes de sair do quarto, deixando-o sozinho, deitado na cama onde tudo o que ele conseguia sentir, antes de adormecer novamente, era o perfume dela impregnado em todo lugar.
Quando voltou a acordar, graças ao latido insistente de Clifford, o relógio já marcava dez e meia da manhã e desistiu de ignorar os chamados do cão, rendendo-se, levantando dali para ver o que o cachorro queria, no andar de baixo. Encontrou-o logo aos pés da escada, calado ao ver o dono finalmente se aproximar. O animal saiu andando em direção à cozinha, virando-se a cada certa quantidade de passos que dava para se certificar de que não havia sido deixado sozinho novamente. Ele bateu com a patinha na tigela que devia conter a ração dele, mas que se encontrava completamente vazia, fazendo com que entendesse por que havia sido acordado.
- Tudo bem, amigão. Vamos achar seu café da manhã. - Riu baixo, sentindo-se idiota por falar com um cachorro. Abriu o pequeno armário ali ao lado, retirando de lá o pacote da ração de Clifford, abrindo-o e despejando dentro da tigela uma quantidade suficiente para que o cão se acalmasse por bastante tempo. Afastou-se, rindo quando ele enfiou o focinho dentro da mesma com tanta vontade que até deixou que alguns grãos saltassem pra fora. Voltou a subir as escadas, parando à porta do quarto de Sophie apenas para ter certeza de que ela continuava dormindo, antes de se encaminhar para o banheiro.
Saiu do banho com uma toalha enrolada na cintura e passando uma outra, menor, pelos cabelos. Encarou o lado de fora do apartamento através da janela, apenas para ver o mesmo sol fraco do fim de semana brilhando, mas percebendo também que o vento era mais forte que o comum e, provavelmente, mais frio também. Decidiu por vestir uma calça jeans, uma camiseta e um casaco de moletom qualquer e deixou o quarto, a fim de acordar Soph. Já se passavam alguns minutos das onze horas e, se ele bem conhecia a filha, levaria quase uma hora para conseguir dar um banho nela e ajeitá-la para que pudessem almoçar fora antes de levá-la até a escola que havia indicado. Iria até lá naquele dia apenas para conhecer e, com sorte, matricular Soph.
abaixou-se ao lado da cama dela, sorrindo ao ver a expressão calma que ela tinha no rosto enquanto ainda dormia. Beijou-a no rosto, tocando-a no braço com leveza.
- Hey, princesa. - Sussurrou, vendo os olhos verdes se abrirem devagar e preguiçosamente, fitando-o, ainda que um pouco sonolentos. - Vamos acordar? - Inclinou a cabeça para o lado, observando-a enquanto ela levava as mãozinhas até o rosto, como se estivesse se escondendo enquanto rolava para o outro lado do colchão, passando a ignorá-lo. O pai riu, tocando o braço da menina outra vez, a fim de virá-la para si novamente. - Sua preguiçosinha. Já está tarde, sabia?
- Sono. - Sophie respondeu, um bico emburrado se formando em seus lábios.
- Lembra aonde vamos hoje? - Ele perguntou, sentando-se ao lado dela, na beirada da cama, e passando a mão pelo rosto da filha, colocando uma pequena mecha de seu cabelo para o lado. Ela resmungou, negando com a cabeça. - Conhecer sua escola. - Soph rolou outra vez, escondendo o rosto no travesseiro, relutando em levantar. suspirou; naquilo ela com certeza havia puxado a ele. - Não vai levantar mesmo? - Perguntou e não obteve resposta alguma. Um sorriso quase infantil tomou conta de seus lábios quando ele levou as duas mãos à barriga da menina, que imediatamente gargalhou e se encolheu, sentindo cócegas.
- Paaara, pai. - Ela conseguiu pedir, entre risos. Sentou na cama e bateu as mãozinhas no colchão, irritadiça.
- Boa menina. Hora do banho, então vamos almoçar fora, passar na produtora porque papai tem uma reunião com tio e veremos onde você vai estudar. - Disse, vendo-a assentir com a cabeça, ainda que a contragosto.
A mulher à sua frente continuava falando, como fazia há quase dez minutos, explicando as políticas da escola e tudo o mais, enquanto ele tinha parte de sua atenção virada para Sophie, que se encontrava ali perto, em um canto da sala que continha alguns brinquedos para distraí-la. Voltou a pousar os olhos sobre a loira, que finalmente parara de falar. Por Deus, toda escola era igual e ele ainda lembrava como as coisas funcionam em uma, aquele discurso interminável era completamente desnecessário.
- Certo. Então, ela pode começar ainda essa semana? - perguntou enquanto preenchia os documentos necessários que ela havia lhe entregado.
- Assim que quiser trazê-la, senhor . - Ela respondeu, aceitando os papéis que ele lhe entregara, junto ao pagamento da matrícula. - Querem conhecer a escola agora?
- Por favor. - Ele concordou com a cabeça, levantando-se e indo até onde a filha brincava, chamando-a para ir com eles. Segurou-a pela mão e seguiu a diretora pelo pátio da escola. A mulher ia apontando conforme iam passando. O refeitório, o ginásio, algumas salas de aula, o parquinho, o auditório usado para apresentações... Pararam à porta de uma das salas e a loira virou-se para eles, dizendo que aquela seria a sala onde Sophie estudaria, abrindo a porta e pedindo permissão para a professora pra que entrasse por alguns instantes. Chamou para que ele levasse a filha até lá também. Ela falava algo sobre apresentar a nova coleguinha a eles e o homem sentia que Soph segurava com as duas mãos a mão dele, tentando puxá-lo para fora, como se estivesse envergonhada. Todas as crianças agora tinham os olhos sobre ela, que desistira de tirar o pai da sala, mas agora se encontrava agarrada à perna dele e escondida atrás da mesma. Ele riu fraco, abaixando-se para poder olhá-la.
- Não precisa ter vergonha, pequena. Eles vão ser seus amiguinhos. - Falou, segurando na mão dela, que encarou todos por sobre o ombro dele, ainda com vergonha. Ele levantou outra vez, ainda segurando a mão dela, mas sem deixar que ela se escondesse. Assim que Sophie terminou de passar os olhos curiosos e ainda meio amedrontados pela sala, um sorriso apareceu em seu rosto. seguiu o olhar da filha e encontrou o motivo. Ela reconhecera Audrey, a sobrinha de , que estudava ali. Ele sabia disso, é claro, havia lhe dito ao indicar a escola, mas não sabia que as duas acabariam na mesma turma. Sorriu junto a ela, que, afinal, já estava mais à vontade com a ideia de passar os dias em um lugar desconhecido.
Ao saírem da sala, o pátio já se encontrava cheio de pais, mães e babás esperando pelas crianças, além dos alunos maiores que saíam de suas salas ao final das aulas. Pegou Sophie no colo e se dirigiu rapidamente à saída, mas foi parado por um grupo de alunas que provavelmente sequer haviam entrado no ensino médio ainda.
- Com licença, você não é ? - Uma delas perguntou enquanto as outras permaneciam um passo atrás, em meio a risadinhas envergonhadas. Os olhos das garotas pousaram sobre sua filha e ele respirou fundo, desconfortável com a situação. Odiava ter que lidar com fãs quando estava com Soph, era pequena demais pra toda aquela exposição.
- Sim, sou eu. - Abriu um sorriso simpático que, percebeu, fez com que elas sorrissem ainda mais. Notou que uma delas retirava algo de dentro da mochila e esticou a mão pra ela, recebendo um caderno e uma caneta. Assinou ali, assim como no caderno das outras meninas, que seguiram o exemplo da primeira. Depois de abraçar cada uma delas, voltou a falar. - Bom, me desculpem, mas eu preciso ir, tudo bem? - Acenou pra elas com a cabeça antes de sair, sentindo o olhar das pessoas sobre si e ouvindo os murmúrios de algumas delas também.
Dentro do carro, Sophie retirava a touca de lã que o pai havia colocado em sua cabeça, alegando que não queria que ela tivesse outra infecção no ouvido, como da última vez que saíra desprotegida no vento frio de Londres. Largou-a sobre o banco do carro, sob o olhar repreensivo de , que balançou a cabeça negativamente.
- Você vai ter que colocá-la de novo depois, sabe disso. - Disse, encarando-a pelo retrovisor ao se sentar em frente ao volante. - Vamos contar a que você vai entrar na escola? - Sorriu e a viu assentir, animada. Ligou o carro, checando o relógio e torcendo para que chegasse à clínica de antes dela sair, ou perderia a viagem.
Cerca de vinte minutos depois, estacionava em frente ao prédio e descia do carro, convencendo a filha a recolocar a touca e retirando-a da cadeirinha. Colocou-a no chão, segurando-a pela mão enquanto entravam no prédio. Encarou o quadro ao lado do elevador, encontrando o nome ao lado dos dizeres 5° Andar. Ao alcançar o andar do consultório dela, adentrou a sala de espera e foi até o balcão da recepcionista, enquanto Soph ia direto na direção dos brinquedos colocados próximos à porta do consultório, para que as crianças se distraíssem enquanto esperavam sua vez de serem atendidos.
- Desculpe, senhor, mas Doutora já está de saída e não pode atender mais ninguém hoje. - Ela disse, automaticamente, ao perceber sua presença, sem sequer tirar os olhos da tela do computador à sua frente. balançou a cabeça, sorrindo.
- Bom, eu não vim pra uma consulta. - Deu de ombros, vendo-a arquear as sobrancelhas ao levantar o olhar até ele e reconhecê-lo. - Será que ela se importa se eu entrar?
- Não, claro que não. O último paciente acabou de sair. - A recepcionista disse, sorrindo, como se estivesse se desculpando pelo o que tinha dito anteriormente. Ele assentiu com a cabeça, mostrando que não havia problemas, e foi em direção à porta do consultório, chamando Sophie antes de abri-la.
Cuidadosamente, colocou-se pra dentro da sala, vendo a mulher distraída, a cabeça abaixada sobre alguns papéis nos quais ela mexia, sobre a mesa. Virou-se para a filha, pedindo silêncio com um dedo sobre os lábios, que estavam curvados em um sorriso infantil, como o de uma criança que sabe que está prestes a fazer algo errado, mas, ainda assim, faz. A presença dos dois só foi notada quando se aproximaram alguns passos na direção dela, no mesmo momento em que ela levantou a cabeça, afastando a franja que lhe caía sobre os olhos. A expressão de surpresa era óbvia em seu rosto, enquanto ela apenas abria a boca, sem dizer nada por alguns segundos.
- Não sabia que eu ainda tinha uma consulta hoje. - riu, guardando os papéis em que mexia antes dentro de uma pasta, levantando-se dali. Aproximou-se do homem, unindo seus lábios por um breve momento antes de se abaixar e receber um abraço de Sophie.
- Vi a Aud! - A menina contou, segurando-se nos ombros de , que a segurava enquanto voltava a se colocar de pé.
- Soph caiu na mesma turma de Audrey. - explicou, com um sorriso.
- Está mais tranquilo, então? - Ela perguntou, deixando que Sophie, que tentava descer de seu colo, voltasse ao chão e fosse direto ao canto onde mais brinquedos estavam.
- É, vai dar tudo certo. - Ele deu de ombros, por mais que ainda se sentisse meio incerto sobre aquilo. - Bom, só viemos até aqui pra te avisar sobre a escola de Soph, já que era caminho pra casa. - Estendeu uma mão na direção dela, tocando sua cintura e a puxando para perto de si. Aproximou o rosto do dela, deixando que suas testas se tocassem enquanto ela apoiava as mãos nos ombros dele, um sorriso se fazendo presente.
- Fico feliz que tenha vindo. Confesso que é muito melhor que uma ligação. - Cobriu os lábios dele com os seus, deixando que sua língua os contornasse, aprofundando o beijo enquanto ele a segurava com mais força contra si. Sentia as mãos geladas dela em uma carícia leve em sua nuca, fazendo-o arrepiar um pouco pelo choque térmico. Cortou o beijo, prendendo o lábio inferior da mulher entre seus dentes, e abriu os olhos, podendo olhar diretamente dentro dos dela. O contato visual dava a ambos a certeza de que estavam fazendo a escolha certa. Definitivamente, havia algo a mais ali que nenhum dos dois queria perder, nem mesmo correr o risco.
- Posso te levar em casa? - Perguntou, sem se afastar, mantendo os dedos em sua cintura, acariciando inocentemente o local, apenas por querer a sensação do toque da pele dela na sua.
- Fiquei de passar na hoje. - Ela respondeu, deitando a cabeça no peito dele, os olhos fechados enquanto a mão dele passou a se envolver em seus cabelos.
- Estou te atrasando, então? - riu fraco, vendo-a se afastar para encará-lo por alguns segundos antes de responder, dando de ombros.
- É por um bom motivo.
entrou no loft meio atrapalhado, carregando algumas sacolas cheias do material escolar de Sophie. o lembrara daquilo antes que ele saísse da clínica, fazendo-o pensar no quanto ainda tinha que se acostumar com aquilo. Ria sozinho ao pensar que tinha conseguido se esquecer dos materiais que a menina precisaria para ir à escola. Por fim, depois de gastarem um bom tempo na papelaria, fizeram a última parada em um restaurante perto de casa, já que ele não estava realmente a fim de cozinhar. Subiu as escadas com a filha em seu encalço, deixou as sacolas no quarto dela e, então, virou-se para olhá-la.
- Está com sono? - perguntou e Soph imediatamente negou com a cabeça. - Vem cá, então. Tá frio, podemos ficar debaixo das cobertas, assistindo algum desenho que você goste, até a hora de dormir. - A menina sorriu, seguindo-o até o quarto em seguida. Assim que adentrou o cômodo, jogou-se sobre a cama, gargalhando quando o pai tirou um cobertor de dentro do armário e o jogou sobre ela, que demorou algum tempo até se desenrolar dele e conseguir enxergar outra vez. Ele estava abaixado, encarando o que parecia um álbum de fotos que caíra do guarda roupas junto ao cobertor; uma das mãos tocava o objeto, mas parecia relutante em segurá-lo. Ele nem lembrava mais que aquele álbum estava guardado ali, mas sabia por que estava naquele lugar; no fundo do armário, onde ele provavelmente não o veria. Infelizmente, estava ali agora, em sua frente. Conhecia aquelas fotos todas, saberia descrever uma por uma, por mais que fizesse meses desde a última vez que as tinha visto. Curiosa como sempre, Sophie desceu da cama, aproximando-se dele e tomando o álbum em mãos. ainda tentou evitar, mas a filha foi mais rápida e já estava encarando a primeira foto.
Ele e Allison, na casa que a família dela tinha na praia. O sol se punha atrás do mar, que se estendia à frente deles, visível da sacada do quarto onde eles estavam. De costas para o fotógrafo - que ele não conseguia lembrar quem havia sido -, ele tinha um braço envolvendo a cintura dela e o rosto virado em sua direção, provavelmente tocando o rosto dela com os lábios. Ela o tocava no ombro com uma das mãos, os olhos fixos na linda imagem do pôr do sol. Ao lado daquela foto, havia uma outra, tirada do mesmo lugar, talvez apenas alguns minutos depois; o sol ainda era parcialmente visível e os dois ainda se encontravam de costas para a câmera, mas agora sentados, e a mulher tinha a cabeça apoiada no ombro dele. Abaixo das duas fotos, na caligrafia fina e delicada de Ally, ele podia ler as palavras "De todos os mitos, esse nós sabemos que é verdade - o sol sempre voltará amanhã.". Uma lágrima escorreu de seus olhos ao se lembrar daquela frase; quase podia ouvir a voz dela dizendo aquilo, quando acabavam brigando por algum motivo bobo. Dizia porque sabia que, assim como o sol, tudo voltaria ao normal no dia seguinte.
Na página ao lado, outras duas fotos dos dois. Essas, ele tinha certeza, eram da viagem que haviam feito nos primeiros meses da gravidez de Allison. Na primeira delas, a mulher estava sorrindo, sentada em uma das pernas dele, que pousava uma das mãos em sua cintura, como se fosse para apoiá-la. O queixo descansando no ombro dela e um meio sorriso no rosto, que estava um pouco mais vermelho que o normal, devido à exposição ao sol. Na outra, logo ao lado, dentro de uma piscina, apoiava as costas de Ally, deixando-a quase deitada enquanto tinha as pernas apoiadas na borda da mesma, ficando fora da água. Ele tinha os olhos cerrados por causa da luminosidade exagerada, mas esboçava um sorriso, assim como ela.
Sophie o encarava curiosa, provavelmente se perguntando se aquela era sua mãe. Ele assentiu com a cabeça e deixou que mais lágrimas escorressem por seu rosto enquanto ela passava as outras páginas, que ele não prestou atenção. Preferiu manter os olhos longe das fotos, já que não podia fazer as lembranças, que agora o atingiam em cheio, pararem. Porém, ao ouvir a filha exclamar, surpresa, sabia em quais fotos ela havia chegado. As últimas. Na última página do álbum, estavam duas fotos da sessão que eles haviam feito quando Allison se aproximava do sétimo mês da gravidez. O local onde haviam fotografado, cercados por árvores e alguns arbustos, unido à figura da mulher, que vestia apenas um top e uma saia, deixando a barriga já crescida visível, além de ter uma delicada headband na cabeça, dava um visual meio hippie às fotos. Naquela que ficava à esquerda, apoiava uma mão na cintura dela e inclinava-se em sua direção, beijando-a no rosto. Ambos tinham os olhos fechados e ela tinha um sorriso singelo nos lábios. Na outra, algumas folhas de um dos arbustos havia ficado em frente à lente, mas ainda se podia ver Allison com a cabeça baixa, observando as mãos de , que tocavam com delicadeza em sua barriga. No rosto dele, a expressão que se tornara constante após o nascimento de Soph: a de pai dedicado. Como se nada mais no mundo importasse a ele, além da mulher à sua frente e da criança que ela carregava dentro de si. Abaixo daquelas duas fotos, também havia uma pequena legenda, escrita por Ally. Você só vive uma vez, mas se fizer direito, uma vez é suficiente.
Infelizmente, ele pensou, por mais que os dois tivessem feito direito, pelo menos no ponto de vista dele, não havia sido suficiente. Ela não estava mais ali.
balançou a cabeça e pegou o álbum das mãos da filha. Ela o encarou, percebendo o rosto dele molhado e se aproximou dele, sentando-se ao seu lado e escorando o corpo no dele. Ele fechou o álbum e o colocou de lado, olhando para Sophie.
- Acho que chega por hoje, né? Vamos deitar e ver o seu desenho animado. - Disse, tomando-a nos braços e a levando até a cama. Estendeu o cobertor por cima dela e deitou-se ao lado, ligando a televisão e deixando seus pensamentos voarem para longe. aparecia em sua mente, às vezes, e ele se sentia, de certa forma, culpado por tudo o que estava sentindo naquele momento. As fotos e as lembranças não haviam vindo em uma boa hora, definitivamente. Sentiu Soph se aconchegar a ele, já praticamente dormindo, e deixou seus dedos se perderem em meio aos cabelos da filha, que sorriu em agradecimento antes de fechar os olhos, lentamente adormecendo.
Ally não estava ali, mas deixara Sophie pra ele.
Talvez, só talvez, se pudesse ver de outro ponto de vista por alguns instantes, uma vez teria, sim, sido suficiente.
Treze
Meu último paciente hoje é às cinco. Passa aqui? Xx.
Tinha sido a mensagem que recebera de , enquanto deixava Sophie na escola no início daquela tarde. Era sexta-feira e o terceiro dia de aulas da filha, que depois do primeiro dia, no qual ele tivera que ficar no local por um bom tempo até que ela se acostumasse, mal o olhava antes de entrar na sala. Quase parecia gente grande, ele dizia, ao vê-la caminhar a sua frente com a mochilinha nas costas, vestindo a camiseta branca de mangas compridas, a pequena saia plissada, em um tom escuro de vermelho, quase vinho, que ia até os joelhos; as meias compridas que quase encontravam a barra da saia e a sapatilha escura completavam o uniforme, deixando-a praticamente uma miniatura das garotas que ele via todos os dias durante o colegial.
Então, enquanto o relógio marcava pouco mais de cinco da tarde, finalizava a gravação das vozes de uma das músicas, depois de uma tarde inteira no estúdio. Retirou os fones do ouvido e saiu da sala isolada acusticamente, encontrando do lado de fora, junto ao homem que coordenava as gravações daquele dia.
- Só falta a bateria e a guitarra dessa aí. - Comentou, sentando-se na cadeira livre ao lado dos dois, feliz por ter finalmente começado a gravar. - Acho que conseguimos terminar essa música na semana que vem.
- Falei com Derick, ele vem gravar as baterias na próxima semana, também - informou e assentiu com a cabeça, concordando. Conhecia o músico e sabia que era um ótimo baterista e faria um bom trabalho em suas músicas.
- Certo. Posso ir, então? - Perguntou, encarando o amigo, que arqueou uma sobrancelha enquanto encarava o relógio no pulso, como se dissesse que ainda estava cedo demais para buscar Soph na escola. - Preciso passar na clínica de - explicou e viu um sorriso de canto aparecer no rosto de , que se levantou e indicou a porta, indo até ela também. Ao saírem, ele sentiu o olhar pesar sobre si.
- Posso fazer uma pergunta? - parou no meio corredor, virando-se para , que apenas concordou com um movimento de cabeça, com o cenho franzido. - O que você sente?
mordeu o lábio inferior, questionando-se a mesma coisa que o amigo havia perguntado. O que sentia? Nunca tinha realmente parado pra pensar naquilo; sabia que se sentia bem, mas não sabia definir o que era aquele sentimento que se instalara em seu peito desde a festa de aniversário de Sophie, e só parecia crescer com o tempo que passava. Fechou os olhos por alguns segundos, ainda sem saber o que responder. As imagens dos dias que haviam passado juntos passavam em sua mente; do dia do show, em seu camarim; o último domingo, no parque, lembrando-o do quanto ela o apoiara quando ele finalmente verbalizara tudo o que ainda sentia em relação ao acidente... Ela lhe passava a sensação de segurança, mas, mais que isso, conseguia fazê-lo genuinamente feliz, como há muito tempo ninguém conseguia.
Encarou durante mais alguns segundos, sabendo que ele não o apressaria.
- Felicidade - um sorriso sincero ilustrou o que ele dizia, fazendo-se presente em seus lábios. - Vontade de estar junto, mesmo que pra não fazer nada - deu de ombros, sentindo-se um pouco ridículo por não saber explicar o que sentia; novamente, parecia estar de volta à adolescência. Tinha a impressão de que o fazia se sentir daquele jeito frequentemente, mas não julgava aquilo como algo ruim.
- Minha irmã está te tornando um idiota de novo, - riu, balançando a cabeça e tocando o amigo no ombro.
- Do mesmo jeito que fez contigo - respondeu, rindo e voltando a caminhar em direção ao elevador. Deixou no sexto andar e continuou ali até chegar ao térreo.
Não demorou muito para que estivesse dentro do carro, a caminho da clínica de . Assim que estacionou em frente ao prédio que agora ele já reconhecia de longe, pode ver a mulher, esperando-o na frente do mesmo, um sorriso aparecendo em seu rosto ao ver o veículo parando próximo a si. Ela se aproximou e deu a volta no carro, entrando e sentando-se no banco ao lado do dele.
- Está atrasado - disse, o tom divertido de sempre marcando presença em sua voz, deixando-o saber que ela não falava sério. Ele virou-se para ela, observando-a por alguns segundos antes de responder, pensando no que havia dito a antes de sair e tendo a certeza de que não havia mentido. O sorriso surgia automaticamente ao olhar a figura ao seu lado; era algo sobre o qual ele já não tinha mais controle, aquela sensação de estar sendo aquecido internamente e que aumentava exponencialmente a cada vez que a via sorrindo de volta pra ele.
- Seu irmão me atrasou - entortou a boca, inclinando-se na direção dela e deixando seus lábios roçarem os dela, provocando-a até que ela finalmente os unisse em um beijo que demonstrava a saudade que sentia dele, mesmo que não fizesse nem uma semana desde a última vez que o vira. Era estranho, mas frequentemente se pegava sentindo falta da presença dele, dos seus braços a envolvendo, do perfume dele impregnando suas narinas; falta dele, de forma quase sufocante, às vezes. Era algo que simplesmente não ia embora, nem mesmo enquanto estava junto a ele. Saudade, no significado mais puro da palavra.
- Vou lembrar de reclamar com ele por isso, da próxima vez que encontrá-lo - disse, ainda contra a boca dele, ao cortarem o beijo. riu, selando seus lábios mais uma vez antes de endireitar-se sobre o banco e ligando o carro novamente. - E aí, o que Sophie está achando da escola?
- Adorando - ele respondeu, mas em seguida cruzou os braços em frente ao peito, infantilmente. - Ela nem olha mais pra trás quando eu a deixo lá! To sendo trocado - tentou formar um bico com os lábios, mas não segurou o riso ao vê-la rolar os olhos. - Já parei - levantou as mãos, em sinal de rendição, e pôs o carro em movimento outra vez, seguindo até a escola da filha.
Parou em frente à escola e encarou a mulher ao seu lado.
- Quer pegá-la lá dentro? - Perguntou, sorrindo. - Ela vai gostar - percebeu que a mulher ponderava se devia ou não ir, mas, que mal havia? Já convivia com a menina durante quase todos os fins de semana, depois que passara a escolher deixar seus plantões na maternidade do hospital durante a semana. Ela assentiu com a cabeça, soltando o cinto de segurança e saindo do carro.
A mulher adentrou o local e caminhou pelo pátio em direção à sala de Soph. Sabia qual era, já havia estado ali algumas vezes com para buscar Audrey. Algumas crianças já estavam correndo por ali, brincando enquanto esperavam alguém vir lhes buscar, mas a turma da menina ainda estava dentro da sala. Parou próxima à porta, notando Sophie sentadinha em uma das cadeiras, em uma mesa junto à Audrey e mais dois colegas, curvada sobre a mesma, desenhando algo em uma folha de papel. A professora virou os olhos para , um sorriso simpático no rosto.
- Pois não? - Perguntou, aproximando-se e chamando a atenção de algumas crianças; entre elas, Soph, que levantou e veio praticamente correndo em sua direção, assim como Aud. Abaixou-se, recebendo um abraço das duas garotinhas, levantando-se em seguida para responder à professora.
- Vim buscar Sophie - explicou, e sentiu Audrey puxar a barra de sua camiseta. Sorriu para ela, carinhosa. - Hoje não vou te levar, pequena. Sua mãe logo deve estar chegando.
- Ah, você é mãe dela? - A mulher à sua frente perguntou enquanto entregava a mochila que Soph, na pressa para vir abraçá-la, esquecera. ficou sem saber o que dizer. Não esperava aquela pergunta. - É que é sempre o Sr. que vem buscá-la...
- Não. - Ela interrompeu a professora, talvez rápido demais, mas ela simplesmente não queria que pensassem nada daquilo. - Eu sou só... Amiga do - deu de ombros, segurando a mão de Soph, que se despedia de Audrey enquanto agradecia à mulher depois de pegar a mochila de sua mão e saindo dali, levemente constrangida com a pergunta dela, apesar de saber que não havia sido feita por mal. Havia sido uma pergunta inocente, ela sabia disso, mas ainda assim a incomodava.
- E então, como foi seu dia na escola? - Perguntou, observando Sophie enquanto caminhavam em direção à saída. A menina ergueu o rosto para observá-la, com um sorriso.
- Brinquei de massinha! - Ela exclamou, como se aquilo fosse a coisa mais divertida do mundo. Bom, para uma criança com pouco mais de dois anos, com certeza era, pensou, enquanto se aproximava do carro de . Abriu a porta traseira, fazendo o homem virar-se de sobressalto, meio assustado, já que não as tinha visto se aproximando. Sorriu ao ver a filha, que resmungava, como sempre, ao ter os cintos da cadeirinha a prendendo ali. logo adentrou o veículo novamente, enquanto continuava virado para o banco traseiro, conversando com Soph.
- Fiz um desenho pro papai - ela contou, fazendo-o sorrir ainda mais.
- Lá em casa você me mostra, tá? - A filha assentiu com a cabeça e ele voltou a se sentar direito em frente ao volante. - Sabe onde vamos hoje? - Perguntou, observando a menina pelo espelho retrovisor, mas a pergunta era destinada à mulher ao seu lado. Não havia falado nada a ela ainda, mas sabia que ela não veria problemas em sair naquela noite.
- Que bom que decidiu por nós duas o que fazer - riu, empurrando-o de leve pelo ombro, fazendo-o rir junto a ela.
- Você vai gostar, é quase tão criança quanto Sophie - ele estirou a língua, provocando-a. Recebeu outro empurrão e olhou-a falsamente indignado por alguns segundos. - Vamos ao cinema. Ver os Smurfs.
Ouviu Soph e exclamarem em concordância e balançou a cabeça de um lado para o outro, voltando a prestar atenção ao trânsito enquanto dirigia em direção ao seu apartamento.
Mal entraram no loft e Sophie já foi abrindo a mochilinha, tirando uma folha de papel dobrada de dentro dela. Correu até o pai, entregando o desenho que havia feito na escola e ele o pegou, observando-o. Sorriu ao ver os rabiscos ainda sem forma definida da filha e sentou-se no sofá, fazendo um gesto para que ela se sentasse ao seu lado e se aproximou também, sorrindo assim como ele.
- Esse é o papai - a menina apontou um conjunto de rabiscos coloridos, fazendo-o rir fraco. - Essa, eu. - Apontou os riscos ao lado, sorrindo pra ele. havia se sentado do outro lado dela, apenas olhando, sem se manifestar.
- Ficou muito bonito, princesa. Parabéns! - Beijou-a na testa, sentindo-a se escorar no corpo dele. Pousou os olhos no desenho outra vez, reparando em alguns outros rabiscos que ela não havia apontado. Colocou o dedo indicador sobre eles. - E aqui, quem é?
- Tia ! - Soph exclamou, virando-se para a mulher e agora apoiando o corpo pequenino sobre ela, que tinha uma expressão levemente surpresa no rosto, enquanto os olhos continuavam pousados sobre o desenho da menina. deixou um sorriso divertido curvar seus lábios enquanto passava a observá-la, sem dizer nada. Sem que percebessem, Sophie estava incluindo em sua família; sem saber, ela estava dando o impulso que faltava para que os dois finalmente assumissem a relação de forma mais séria. Ele apenas se manteve encarando as duas, enquanto colocava Soph sentada em seu colo, beijando-lhe o rosto enquanto repetia as palavras de , parabenizando-a pelo desenho.
Os três caminhavam apressadamente pelos corredores do shopping, com medo de acabarem perdendo a sessão do filme que Soph estava pedindo para assistir há dias, que começaria dentro de alguns poucos minutos. Chegaram à bilheteria do cinema e se afastou pra comprar as pipocas enquanto e Soph se colocavam no final da pequena fila existente para comprar os ingressos. Em menos de cinco minutos, ele estava com a filha no colo e os bilhetes nas mãos, encontrando carregando os dois pacotes de pipoca e o refrigerante, um pouco atrapalhada. Riu, colocando Sophie no chão e pegando um dos pacotes de pipoca, segurando a mão da menina com a mão livre e, então, os três adentraram a sala do cinema quando os trailers já eram projetados na grande tela à frente. Subiram cuidadosamente as escadas até o fundo da sala, por sorte encontrando três poltronas livres no canto direito da sala. Com Sophie sentada entre eles, tinham os olhos fixos no filme, que agora já tinha as primeiras cenas passando.
Poucos minutos depois, ouviu a filha resmungar e inclinou-se para ela.
- O que foi, pequena? - Perguntou, baixo, percebendo que tinha o olhar sobre eles também.
- Não consigo ver - projetou o lábio inferior pra frente, em um bico emburrado. Antes que o pai respondesse, sorriu para ela, colocando a pipoca sobre o suporte no braço da poltrona.
- Vem cá, Soph. Você senta no meu colo e aí consegue ver - a menina assentiu, levantando-se e esperando que a mulher se sentasse na poltrona onde ela estava antes, ao lado de , e então sentou-se sobre as pernas dela. O homem sorriu com a cena e voltou a prestar atenção no filme, assim como as duas fizeram logo depois. Ele colocou a mão sobre a dela, entrelaçando seus dedos em seguida, deixando que o polegar desenhasse círculos imaginários sobre a pele dela, em uma carícia leve. Soph logo colocou a pequena mãozinha sobre as duas maiores, lançando-lhes um grande sorriso logo depois, como se dissesse, silenciosamente, que aprovava aquilo.
Ao final do filme, estava caminhando pelos corredores do shopping outra vez, dessa vez com mais calma, enquanto ouvia e Sophie falando sobre o filme e rindo de alguma cena que haviam achado engraçada e ele olhava em volta, pela praça de alimentação, pensando qual seria o escolhido para jantar naquela noite. Ao passar em frente ao McDonald's, a filha chamou sua atenção, apontando para os brindes que estavam dando naquele dia.
- Quero, pai! - Ela exclamou, apontando a pequena boneca azul, dos Smurfs, que estava sobre o balcão. - Smurfete!
- Tudo bem, papai vai pedir o lanche que vem com a bonequinha e depois achamos outra coisa pra você comer, tudo bem? - Sorriu e a viu assentir com a cabeça. chamou a menina para se sentar enquanto pedia os lanches e escolhia a Smurfete de brinde. Sentou-se ao lado de Soph, de frente para , e abriu o hambúrguer que vinha com o kit para comer, afinal, Sophie não comeria e ele não jogaria fora. Ofereceu uma das batatinhas à filha, que a colocou na boca e comeu, mas sem muita vontade; parecia estar muito mais entretida com o brinquedo, bagunçando os cabelos loiros da boneca.
- Não tá com fome, princesa? - Ele a encarou com o cenho franzido. A menina mal tocara nas pipocas durante o filme e ainda não havia comido nada depois da escola, o que o fez estranhar a falta de apetite dela. Sophie apenas balançou a cabeça, ainda entretida com o novo brinquedo, falando baixo como se estivesse conversando com o mesmo. deu de ombros e logo entrou em uma conversa com , que havia ido buscar algo para comer também, terminando o pequeno lanche em pouco tempo. Não gastaram mais do que meia hora depois disso dentro do shopping, resolvendo voltarem logo pra casa.
Estavam os três na sala, assistindo a algum desenho animado com Sophie, quando ela virou-se para o pai.
- Papai, toca? - Pediu, apontando o violão que ele havia esquecido encostado à parede, ao lado da televisão.
- Posso tocar, mas você tem que prometer que não vai dormir enquanto isso - ele riu, acostumado ao fato de que várias das vezes que ele começara a tocar à noite pra ela, a filha acabava adormecendo enquanto o ouvia.
- Lá em cima - Soph disse, levantando uma das mãozinhas, mostrando que queria ir ao terraço. Havia se tornado meio que um costume dos dois, passar algum tempo lá nas noites em que o céu estava pontilhado por milhares de estrelas. Era uma visão que a menina adorava e ele se sentia feliz por poder proporcioná-la a ela.
- Tudo bem, vamos. ? - Chamou a mulher, que tinha a cabeça deitada sobre suas pernas, percebendo que ela havia praticamente cochilado ali, sentindo a carícia dele em seus cabelos. - Opa, desculpa, te acordei.
- Não, tudo bem. Não cheguei a dormir. - Ela abriu um sorriso, sentando-se ao lado dele enquanto passava uma das mãos pelo cabelo, tentando ajeitá-lo, já que havia o bagunçado completamente.
- Soph quer ir lá pra cima, pra que eu toque algumas músicas pra ela. Vamos? - assentiu com a cabeça e levantou, no mesmo momento em que a menina já ia em direção às escadas. Ele pegou o violão do outro lado da sala e foi atrás das duas, até o terraço. Sentou-se no chão mesmo, as pernas cruzadas, e esperou que elas fizessem o mesmo, próximo a ele. Dedilhou algumas notas aleatórias enquanto pensava em que música tocaria.
- Toca a nova, pai - Sophie pediu e se sentiu um pouco desconfortável. Sabia a que música nova ela se referia; era a única do próximo disco que já estava totalmente gravada e pronta. A que tocara no show, algumas semanas atrás. A música de Allison. Porém, respirou fundo, comprimindo os lábios enquanto iniciava a música.
o encarava com um sorriso no rosto enquanto ouvia a voz dele manter os tons corretos da canção, sem ameaçar falhar. Os olhos dela observavam atentamente os dele, que, pela primeira vez, ao cantar aquela música, não estavam nem mesmo úmidos ou marejados. Claro que todo o sentimento implícito nas palavras e na melodia ainda era óbvio, mas ela podia ver que já não o machucava mais. Ao tocar as últimas notas, ele descansou o violão e fez o gesto a que já estava acostumado fazer após terminar aquela música: passou as costas da mão pelo rosto, a fim de secar as lágrimas; entretanto, naquele dia, elas não estavam presentes. Seu rosto estava seco; seu peito não se encontrava apertado ou contraído; tudo o que ele sentia era uma sensação boa, o sentimento por Ally ainda presente, como sempre seria, ele tinha certeza, mas não mais algo que o ferisse e o fizesse se sentir mal.
E então sorriu. Sorriu porque finalmente percebera que não precisava esquecer Allison ou sequer deixar de amá-la para superar a perda. Simplesmente precisara de alguém que despertasse nele um novo sentimento, que acabaria com aquele vazio que o assolara durante tanto tempo. Saber que tinha ao seu lado havia curado o buraco dentro de seu peito. Era esse vazio que o machucava, nunca fora o amor que tinha por Ally. E agora sim ele entendia isso. Ainda amava Allison? Sim, e isso nunca mudaria. Ela fora uma parte importante de sua vida, mãe de sua filha, ele nunca a esqueceria, tinha essa certeza. Mas amava também. E sabia que a queria por perto, sabia que a presença dela havia sido o que o salvara e o libertara daquela dor constante.
- Obrigado - sussurrou a ela, com um sorriso no rosto, mas sem explicar ao vê-la franzir o cenho, sem entender. Apenas deu de ombros, decidindo imediatamente que outra música ia tocar. Sophie deitou a cabeça nas pernas cruzadas de e ele olhava diretamente para os olhos da mulher, expressando a curiosidade, tanto pelo agradecimento de antes quanto pela música, que ela não reconhecia ainda.
- He's never been lonely, she takes his hand and all his troubles step aside. He's never felt like this before, but he'd like to try. "Let yourself in", it's all he's thinking about. "Let yourself in", now he's singing out loud. - Soube que ela entendera que ele não estava cantando aquela música apenas por cantar quando a viu abrir um sorriso e baixar o olhar, o rosto levemente corado. Ele continuou com a canção. - I'm feeling like my life has just begun and I'm feeling fine. So fine, fine, fine. She lightens up his morning, all of his plans seem so damn easy to decide. It's not about just feeling lonely, it's more, just give it a try. - Ela levantou o rosto, olhando-o outra vez quando ele iniciava o refrão outra vez, sem deixar que o sorriso se desfizesse. A música só seria mais certa para o momento se ele mesmo tivesse escrito. - I can't wait to find my way home. I can't wait to get to start, it will not be done, until it's all begun. - Então repetiu o refrão mais algumas vezes e finalizou a canção, colocando o violão de lado e aproximando-se dela para selar seus lábios por um breve momento e então apenas entrelaçou seus dedos aos dela, apoiando a cabeça em seu ombro, apenas pela sensação de estar perto.
Sophie, que tinha os olhos fixos no céu estrelado, levantou uma das mãozinhas, apontando os pontinhos brilhantes que apareciam por entre algumas nuvens.
- Tia - chamou a atenção de , que a encarou e depois olhou na direção que ela apontava. - Papai disse que a mamãe tá lá - cisse, abaixando o braço depois, deixando-o cair ao seu lado. sentiu os olhos arderem, mas não deixou que as lágrimas caíssem. Não entendia por que a filha havia dito aquilo naquele momento. ficou em silêncio por alguns segundos antes de responder.
- Ela está sempre cuidando de você, mesmo lá de cima - falou, com um sorriso carinhoso no rosto e passando uma das mãos pelos cabelos escuros da menina, vendo-a fechar os olhinhos.
- Por que a tia não pode ser minha mamãe também? - Abriu os olhos outra vez para encará-la, procurando a mão de para segurá-la. deixou um sorriso aparecer em seu rosto com as palavras de Soph, discretamente pousando os olhos sobre a mulher.
- Porque... - Ela começou a responder, mesmo sem saber exatamente o que dizer. Não havia nada que pudesse falar naquele momento.
- Eu queria - Sophie disse, simplesmente, coçando os olhos e bocejando em seguida, com sono. viu o quanto a pergunta da filha havia surpreendido , então simplesmente levantou e pegou a menina no colo.
- Acho que tem alguém aqui com sono, sim? - Sorriu, chamando para segui-lo com um gesto de cabeça, e desceu os poucos degraus que o levavam até o corredor onde ficava o quarto de Soph. Colocou-a na cama e a observou. - Vou buscar sua mamadeira, tudo bem? - A menina assentiu e ele se afastou da cama.
- Eu fico aqui com ela - disse, com um sorriso, sentando-se na poltrona ali ao lado e vendo Sophie estender os braços na direção dela. Arrastou um pouco a poltrona, deixando-a mais próxima da cama.
- Tia, você gosta do papai? - Soph perguntou, novamente surpreendendo a mulher que estava ao seu lado. Ela comprimiu os lábios, outra vez sem saber o que dizer. Por que crianças eram tão curiosas mesmo?
- Muito - respondeu, sorrindo. Era óbvio que gostava, prova disso eram as sensações que só ele provocava nela; coisas que nem mesmo Richard, em todos os anos de namoro, conseguira provocar.
- Então o que a titia é dele? - A menina perguntou, franzindo o cenho e fazendo rir fraco da situação em que se encontrava. Ela não sabia, mas naquele momento voltava da cozinha com a mamadeira da filha já pronta. Ao ouvir a pergunta que Soph fizera, parou à porta, curioso para ouvir a resposta de . A mulher respirou fundo, decidindo que não podia ficar em silêncio e ignorar a pergunta.
- Somos amigos, Soph. Bons amigos - deu de ombros e soltou uma risada nasalada, sabendo que eram muito mais do que grandes amigos; mas não era hora de explicar tudo aquilo a uma criança pequena como Sophie. adentrou o quarto naturalmente quando o silêncio se instalou entre as duas, como se não estivesse ouvindo a conversa delas momentos antes. Sentou-se na beirada da cama e entregou a mamadeira a Soph, que havia se sentado e a levou à boca imediatamente. Sorveu o líquido sob o olhar atento do pai, mas deixou sobrar quase a metade do conteúdo, devolvendo-a ao pai em seguida.
- Não quero mais - torceu a boca, fazendo franzir o cenho.
- Mas você não comeu nada, pequena. Toma, só mais um pouquinho. - Pediu, levando a mamadeira à boca dela outra vez, mas a menina só deu mais um gole, a contragosto, e a largou na mão do homem outra vez. Ele suspirou, mas não insistiu. Lançou um olhar preocupado a , como se perguntasse o que estava acontecendo, mas ela balançou a cabeça de um lado para o outro, sem saber o que dizer.
- Deita, pai - Sophie pediu e ele deitou ao lado da filha, acariciando os cabelos lisos enquanto a via adormecer pouco a pouco. Algum tempo depois, levantou e saiu do quarto, deixando os dois ali sozinhos. Mais alguns minutos e percebeu, pela respiração calma e regular da filha, que ela já estava dormindo. Saiu cuidadosamente da cama, para não acordá-la, acendeu o abajur ao lado da cama e deixou o cômodo, encostando a porta, deixando apenas uma pequena fresta aberta.
Foi até o próprio quarto e encontrou escorada ao parapeito da janela, os olhos fixos na vista noturna de Londres, muitas luzes acesas e alguns carros passando na rua lá embaixo. Aproximou-se dela, abraçando-a por trás e apoiando o queixo no ombro dela. Deixou seus lábios tocarem de leve o rosto dela, com um sorriso.
- Talvez você devesse pensar no pedido de Sophie - riu fraco, fazendo-a se arrepiar com sua respiração na pele dela. virou o rosto para encará-lo, o cenho franzido, como se não tivesse entendido.
Na verdade, ela entendera perfeitamente o que quisera dizer com aquelas palavras, apenas queria que ele fosse claro, pedisse com todas as palavras.
- Namora comigo? - sussurrou, fazendo-a abrir um largo sorriso, virando-se de frente para ele e imediatamente levando as mãos aos ombros dele. Deixou seus lábios tocarem infimamente os dele, mas afastando milimetricamente quando ele ameaçou iniciar um beijo.
- Eu já aceitei há muito tempo - sorriu ainda mais, finalmente cobrindo os lábios dele com os seus, enquanto suas mãos se perdiam em meio aos seus cabelos, bagunçando-os mais que o normal. Ao finalizar o beijo, sem afastar seu rosto do dela, a olhou fundo nos olhos. Sentia-se completamente bem, pela primeira vez em muito tempo.
- Se eu fosse definir o que acabei de fazer, só haveria uma forma - sussurrou, levando uma das mãos ao cabelo dela e colocando uma mecha dele atrás de sua orelha, acariciando o rosto da mulher no percurso.
- E o que foi que você fez? - tinha a curiosidade expressa nos olhos e uma sobrancelha arqueada, esperando aquilo que tinha certeza que a faria sorrir e se sentir imensamente feliz.
- Encontrei a fórmula da felicidade, e dei a ela o seu nome.
Catorze
Havia uma mala aberta sobre a cama de , que organizava algumas roupas ali dentro. Sophie estava sentada, quietinha, ali perto, com os olhos fixos na televisão. As roupas dela já estavam todas guardadas dentro de uma outra mala, desde o dia anterior. Faltavam apenas algumas de suas coisas e, então, esperariam chegar para irem passar o fim de semana na fazenda dos , junto à , e Audrey, que estava com naqueles dias, uma vez que Kim havia ido viajar à trabalho. Respirou fundo, focando os olhos na filha, um pouco preocupado, assim como se encontrava no fim de semana anterior. Ela não havia voltado a comer direito e parecia meio abatida, às vezes. dissera que talvez apenas estivesse se acostumando à nova rotina, com escola e tudo o mais, mas ele simplesmente não conseguia se acalmar; era quase como se esperasse que algo ruim acontecesse, querendo estar preparado, nesse caso. Talvez aqueles dias longe de casa a fizessem melhorar, pensou. Era o que ele esperava, pelo menos.
Fechou a mala após ter certeza de que não havia esquecido nada e sentou-se ao lado de Soph, puxando-a para seu colo.
- O que foi, pequena? Você tem estado tão quietinha. - Os olhos atenciosos ainda deixavam transparecer toda a sua preocupação, observando atentamente cada detalhe dela, em busca de algo errado. Sophie sempre fora uma criança ativa, não era comum vê-la daquele jeito.
Sentiu, quando ela deu de ombros e negou com a cabeça, como se dissesse que estava tudo bem. fechou os olhos por algum tempo, tentando relaxar e acreditar no que dissera. Talvez fosse apenas a nova rotina, mesmo. Beijou o rosto da filha, apertando-a contra si. Sequer conseguia pensar no que faria se alguma coisa acontecesse a ela.
- Se sentir algo, me avise, tudo bem? - A menina o fitou por um breve momento com seus olhos extremamente verdes um tanto curiosos, provavelmente sem entender o motivo daquilo tudo. Ela sorriu, quase como se soubesse que aquilo o acalmaria um pouco, e voltou a encarar o desenho animado que passava na televisão, soltando uma risada em seguida, achando algo que passava ali muito engraçado.
Não demorou muito para que a campainha soasse, anunciando a chegada de . Desceu as escadas, levando Soph consigo e a vendo ficar a meio caminho da porta, divertindo-se com Clifford, que se aproximara dela, enroscando-se em suas pernas. abriu a porta e retirou a mala da mulher de suas mãos enquanto unia seus lábios em um curto beijo. Sorriu contra a boca dela, puxando-a para dentro do apartamento.
- Demorei muito? - Ela perguntou, torcendo os lábios; odiava deixar as pessoas esperando. - Meu último paciente de hoje me atrasou um pouco.
- Tudo bem. Só terminei as malas agora há pouco mesmo. - Ele deu de ombros. - e já estão indo pra lá?
- Acho que sim. me ligou há algum tempo, pedindo que não nos atrasássemos. - riu baixo. - Não sei por que tanta pressa, podíamos ir só amanhã de manhã, não gosto de viajar à noite. - Ela fez um bico por ter sido contrariada pelos amigos.
- Relaxe, vamos chegar lá com vida, tudo bem? - Foi a vez de ele rir baixo, beijando-a outra vez. - Vou pegar as malas lá em cima. - Ela assentiu com a cabeça e ele subiu as escadas rapidamente, voltando menos de dois minutos depois, com sua mala e a de Sophie nas mãos. Deixou-as ao lado da porta, junto à de , e caminhou até onde a mulher estava sentada no sofá, com a menina ao seu lado, ambas sorrindo, fazendo-o sorrir também.
- Soph estava me contando que você estava perguntando sobre ela estar bem... De novo. - Ela se levantou e abaixou o tom de voz, para que a pequena não os ouvisse. Tocou-o no braço, de leve, antes de deslizar os dedos até a mão dele e puxá-lo para mais perto, abraçando-o pela cintura em seguida. - Se vai se sentir melhor, podemos levá-la pra fazer alguns exames de rotina na segunda-feira de manhã. - Deixou que sua mão escorregasse pelas costas dele, esperando conseguir relaxá-lo. Sabia que ele estava com aquela preocupação toda havia uma semana, desde o dia em que haviam ido ao cinema. E o dia que ele a pedira em namoro. Sorriu com a lembrança daquele momento, mas logo o encarou outra vez, esperando uma resposta.
- Tudo bem. - Ele concordou, abraçando-a de volta enquanto a sentia aconchegar a cabeça em seu peito.
- Se acalme, só por alguns momentos. Vamos aproveitar esse fim de semana, certo? - ergueu o rosto para esboçar um sorriso em sua direção e o viu assentir com a cabeça. desfez o abraço e chamou Sophie, que quase correu até ele, levantando os braços para que ele a pegasse no colo. Assim que ele o fez, ela o abraçou pelo pescoço.
- Ver o tio ! - A menina exclamou, animada, fazendo os dois adultos sorrirem.
- Viu? Está tudo bem. - sussurrou no ouvido dele e o viu assentir outra vez. Tentando manter os pensamentos preocupados e ruins longe de sua mente, apenas caminhou para o corredor, carregando as malas após passar a filha para o colo da mulher.
Tinha mesmo que se desligar do mundo por alguns dias e nada melhor do que fazê-lo junto aos seus amigos e sua namorada. Namorada. Sorriu ao pensar em daquela maneira.
Talvez as coisas realmente estivessem certas e ele apenas estivesse acostumado demais aos problemas dos últimos anos e, por isso, procurasse por mais acontecimentos ruins.
A estrada não tinha movimento, possibilitando que acelerasse um pouco mais que o permitido, querendo chegar logo. Estava escuro, a única luz que iluminava o caminho à sua frente provinha dos faróis acesos do carro e ele tinha toda a sua atenção voltada para o percurso, esperando não passar direto pela entrada que os levaria à uma pequena e estreita rua de chão batido, que ia até a propriedade dos . Fazia um bom tempo desde que estivera ali pela última vez, ele pensou. Costumavam ir até lá praticamente todos os fins de semana e feriados no tempo de colégio e faculdade, mesmo depois de largar os estudos, após um ano, alegando que o que queria mesmo era fazer música. Algumas vezes, iam apenas entre amigos, em outras, dava o que grande parte das pessoas dizia serem as melhores festas.
O celular tocou e ele encarou o visor, vendo o nome do amigo piscando ali. Típico. poderia apostar que estava impaciente, já que, como sempre, provavelmente chegara mais cedo do que o combinado e não aguentava mais esperar. Conferindo o relógio, teve certeza. Não estava atrasado. Havia dito que chegaria antes das nove horas e os ponteiros diziam que ainda faltavam dez minutos.
- Atende pra mim? - Pediu à , que concordou e pegou o aparelho, avisando ao irmão que já estavam quase chegando, no exato momento em que via a conhecida entrada para a fazenda e a apontava, para que não passasse despercebida por . Não demoraram mais que cinco minutos depois daquilo para estacionarem em frente ao lado do carro de , no gramado extenso à frente da grande casa. Desceram do carro e retirou Sophie da cadeirinha, deixando-a subir os poucos degraus que levavam à varanda na entrada da construção. Seus olhos notaram um banco de madeira ao lado da porta e um sorriso de canto surgiu em seu rosto. Virou-se para , abraçando-a de lado pela cintura. Ela o encarou, o cenho franzido, sem entender o motivo daquele sorriso.
- Você lembra? - Indicou com a cabeça o banco na varanda, soltando uma risada baixa ao vê-la assentir com a cabeça, levemente envergonhada da lembrança que invadia a mente dos dois.
Flashback
Era o último ano de e no colegial e faltava uma semana para a formatura dos dois. Haviam chamado alguns amigos para os rotineiros fins de semana passados na fazenda dos , um pouco afastada de Londres. Além deles, estavam lá , e Zack, seu namorado, Mike e Jason, cada um com uma das cheerleaders do colégio agarrada ao pescoço. havia levado uma garota que conhecera havia algumas semanas, Lauren, mas que já o estava chateando; nunca passava tempo demais com a mesma pessoa, nunca encontrara alguém que realmente o prendesse, como havia feito com há meses.
Estavam todos sentados no meio da sala, falando sobre qualquer besteira enquanto a garrafa de vodka passava de mão em mão, ficando cada vez mais vazia. Lauren ria escandalosamente e perto demais do ouvido de , fazendo-o respirar fundo, em uma tentativa de não ser indelicado e mandá-la ficar quieta por alguns minutos que fossem. Passando os olhos pela pequena rodinha de amigos, notou que fazia o mesmo, mas com o olhar levemente preocupado. Reparando mais uma vez em cada uma das pessoas presentes ali, entendeu o motivo. não se encontrava ali, assim como Zack. era o típico irmão super protetor quando se tratava de , tanto que nem mesmo gostava quando ela vinha a esse tipo de encontros com os amigos. "Ela mal tem quinze anos!", era o que ele exclamava, irritado, quando ela o contrariava e os acompanhava até ali. Outra coisa que ele odiava era Zachary, o namorado da garota. Dizia que, por ser mais velho, só queria se aproveitar dela. percebeu o olhar de sobre si e ele pôde perceber a pergunta clara nos olhos do amigo: Onde está ?
apenas deu de ombros e fez um gesto com a mão, como se dissesse que não havia motivos para preocupação.
No segundo andar da grande casa, atrás de uma das portas, que guardava o quarto onde ficava quando dormia por ali, um casal estava deitado sobre a cama. Zack tinha o corpo sobre o da garota, impedindo que ela se levantasse. O cheiro do álcool que saía por entre seus lábios a deixava saber que ele estava bêbado. Uma das mãos dele invadia a camiseta de , tocando sua pele por debaixo do tecido, enquanto ela tentava, inutilmente, empurrá-lo com as mãos que se encontravam espalmadas em seu peito. Ele ameaçou levantar a camiseta e ela se remexeu, conseguindo segurar a mão dele e tirá-la dali.
- Zack, sai. - Resmungou, virando o rosto quando ele tentou unir seus lábios com força. - Para, Zachary. - Exclamou, a voz alguns tons mais alta. Ouviu quando ele bufou, mas ainda sem deixá-la livre pra se levantar e sair dali, escapando dele.
- Qual é, ? - Sua voz era grave e demonstrava sua irritação pela hesitação da menina. - Vamos lá, relaxe. - Deixou que seus lábios encontrassem a pele do pescoço dela, a língua deslizando por toda a sua extensão, só conseguindo deixar ainda mais enojada.
- Eu. Não. Quero. - Praticamente cuspiu as palavras por entre os dentes, voltando as mãos ao peito dele com o intuito de afastá-lo, sem conseguir. - Sai de cima de mim.
Zack a ignorou, forçando um novo beijo, ao qual ela não retribuiu, levando a mão que antes tentava levantar sua camiseta até um de seus seios, apertando-o sem se importar com o fato de ela não querer levar aquilo pra frente. prendeu o lábio inferior dele entre seus dentes, mas não com o propósito de provocá-lo, e sim mordendo-o com força, sem se importar se iria machucá-lo ou não. Ouviu-o gemer de dor ao mesmo tempo em que sentiu o gosto metálico do sangue dele em sua boca. Conseguiu empurrá-lo para o lado e rolar para fora da cama, deixando o quarto, mas parando à porta e virando-se para observá-lo, agora sentado sobre o colchão.
- Não volte a me procurar. E não faça questão de esperar até amanhecer pra ir embora. - Ainda pôde ver a expressão um pouco surpresa nos olhos dele, a boca aberta, mas talvez fosse por não conseguir assimilar o que estava acontecendo no momento.
bateu a porta do quarto e desceu as escadas devagar, sem querer chamar a atenção dos amigos que estavam na sala, logo ao lado. Saiu pela porta da frente e a fechou delicadamente, sem fazer barulho, sentando-se em seguida no banco de madeira que estava na varanda desde que ela se entendia por gente. Encolheu as pernas sobre ele, abraçando-as e apoiando o queixo sobre os joelhos. Fechou os olhos, algumas lágrimas involuntárias escorrendo por seu rosto. O pensamento de que quase havia sido forçada a transar com o cara a quem chamava de namorado, o garoto que devia respeitá-la, não deixava de rodar em sua mente. Viu quando um Zachary saiu apressado da casa e entrou em seu carro, ligando-o e deixando a propriedade em menos de cinco minutos. Pelo menos, ele não havia encontrado com no meio do caminho, ela pensou. Não queria confusão, muito menos ter que admitir que seu irmão sempre estivera certo sobre ele. Não soube quanto tempo ficou por ali, mas também não fazia questão de tentar adivinhar. Talvez tivesse sido melhor escutar e ter ficado em casa. Poderia passar a noite ali fora que ninguém a perceberia, já que estavam todos em casais.
A terceira garrafa da noite já se encontrava abaixo da metade quando decidiu que pararia. A partida de strip poker havia deixado praticamente todos apenas em suas roupas íntimas, exceto ele. Como costumava dizer, era preciso muito mais do que um jogo pra conseguir vê-lo completamente nu. Levantou-se, sem se preocupar, em buscar sua camiseta no sofá ao lado, e, sem dizer nada, saiu da sala. Estavam todos bêbados demais pra notar que ele havia saído. Talvez Lauren notasse, mas ele não estava com paciência pra inventar uma desculpa qualquer. Foi até a cozinha e abriu a geladeira, pegando uma latinha de refrigerante, cansado da ardência do álcool em sua garganta. Abriu-a enquanto ia em direção à porta de saída e sentava-se nos degraus da varanda, apoiando os cotovelos nos joelhos enquanto dava um gole em sua coca-cola. Fechou os olhos, sentindo o ar levemente gelado da noite lhe causar um arrepio, em contato com a pele mais quente dele.
fungou um pouco mais alto, ainda sentada no banco ao lado da porta, e só então notou sua presença ali. Girou o corpo para trás, franzindo o cenho ao pousar os olhos na figura pequena encolhida naquele canto. A garota arregalou os olhos, como se não quisesse ter chamado a atenção dele. Automaticamente, passou as costas da mão no rosto, secando as lágrimas que ainda escorriam. levantou e caminhou até ela, sentando-se ao seu lado e olhando-a curiosamente.
- O que aconteceu? - Perguntou, o tom de voz mais baixo que o normal. Colocou a latinha ao seu lado e encarou o gramado à frente deles. Quatro carros; o dele, o de , o de Mike e o de Jason. - Cadê o Zachary?
Percebeu que tinha dito a coisa errada no momento em que viu o queixo de tremer e ela ameaçar chorar outra vez. Balançou a cabeça, sentindo que tinha tocado justamente no motivo que a levara até ali.
- Ele... Estava bêbado e quis me forçar a... - Ela parou, sem continuar, mas já tinha entendido o que ela quisera dizer. Aproximou-se dela, acolhendo-a num abraço um tanto desajeitado, mas que tentava passar algum tipo de conforto a ela. Sentiu quando ela voltou a chorar, molhando seu ombro descoberto, mas não se importou. Conhecia a garota desde a infância, muitas vezes a via como uma irmã mais nova, sentia-se na obrigação de protegê-la. Não tanto quanto , mas, ainda assim, cuidava dela como se ela fosse uma criança.
- Hey, olha aqui. - Pediu, fazendo com que levantasse o rosto ainda molhado pelas lágrimas e o encarasse, com os olhos marejados. - Vai ficar tudo bem. Não aconteceu nada e você tem a mim e . - Sorriu, vendo-a retribuir o gesto, ainda que fosse um sorriso triste.
- Não conte ao . - A voz dela ainda estava levemente trêmula, mas ele não entendeu o motivo do pedido. - Por favor. Sabe como ele é, vai querer ir atrás do Zack e arranjar confusão. Por favor, .
- Tudo bem. - Ele assentiu com a cabeça, ainda que pensasse que devia contar a e que o tal Zachary merecia alguns bons socos. - Vamos lá pra dentro, então, ok? - o olhou apreensiva, como se tivesse medo de que alguém percebesse que algo havia acontecido. balançou a cabeça, rindo. - Estão todos bêbados demais pra perceber qualquer coisa. Não vão nem notar que Zack foi embora. - Levantou-se e esperou que ela fizesse o mesmo, acompanhando-a pra dentro de casa outra vez.
Fim de Flashback
O sábado amanhecera nublado, mas aquilo não era desculpa para que perdessem o fim de semana. Estavam todos nos fundos da casa, Audrey e Soph corriam pelo gramado, que também se estendia ali atrás, sob o olhar atento de , sempre preocupado demais. Uma de suas mãos repousava na cintura de , que estava sentada sobre suas pernas, enquanto a outra segurava uma lata de cerveja, pela metade. Respirou fundo, fechando os olhos e apoiando a testa no ombro de . Sentia-se cansado e com sono; os quatro tinham ficado acordados madrugada adentro enquanto conversavam e relembravam alguns fatos dos anos que haviam se passado, na última noite. Percebeu quando a mulher virou o rosto para encará-lo, com um sorriso no rosto.
- Devia ter ficado dormindo mais algum tempo, se está tão cansado assim. - Ela disse, passando uma das mãos pelo rosto dele, carinhosamente. Ele riu, balançando a cabeça.
- A fome foi maior que a preguiça. - Deu de ombros, levando o olhar até , que parecia ter se entendido com os hamburguers que tentava fazer pro almoço, já que quis comprovar que não era assim tão inútil na cozinha. - Acelera isso aí, ! - Exclamou, recebendo um revirar de olhos em resposta.
- Vem você fazer, então. - O amigo resmungou, mas antes que pudesse responder, o fez.
- Ele só cozinha pra mim e Sophie, . Esqueça. - Ela deu língua, fazendo-o gargalhar enquanto bufava e dava as costas ao casal. , que até então estivera dentro de casa, acabara de chegar ali e tinha o cenho franzido.
- Façam o favor de deixar o fazer as coisas com calma? Se assim já é complicado, imaginem se estiver sob pressão. - Falou e recebeu um olhar indignado do namorado, que só fez com que todos rissem ainda mais.
- Você devia me apoiar, . Sabe, é isso o que as namoradas costumam fazer. - Ele resmungou outra vez, cruzando os braços em frente ao peito infantilmente.
- Se algum dia eu estiver chato como seu irmão, por favor, me avise. - falou baixo para , que gargalhou, chamando a atenção de e , mas não respondeu quando perguntaram o motivo, apenas abanou a mão e respirou fundo, deixando seu corpo se apoiar no peito de enquanto controlava o riso.
distraiu-se com a conversa dos amigos por algum tempo, mas logo notou Soph parar em meio à brincadeira com Audrey e sentar-se no gramado, aparentemente cansada. Não fazia muito tempo que estavam ali, então não fazia sentido que ela já tivesse se cansado. Franzindo o cenho e com toda a preocupação da noite anterior vindo à tona, encarou , que levantou, deixando que ele caminhasse a passos largos até a filha. Abaixou-se ao lado dela, os olhos atentos a encaravam cuidadosamente, como se procurasse algo que mostrasse o que ela estava sentindo.
- O que foi, pequena? - Perguntou, sentindo a preocupação aumentar ao ver que ela respirava com certa dificuldade. Girou o corpo para trás, lançando um olhar urgente à , que já vinha caminhando em sua direção. A menina balançou a cabeça de um lado para o outro.
- Cansei. - Disse, mas sua voz saiu num sussurro. a pegou no colo, observando-a mais de perto, desesperando-se ao passo em que a respiração de Sophie não voltava ao normal. se ajoelhou ao lado dos dois, visivelmente tão preocupada quanto .
- Soph? Querida, o que você está sentindo? - A voz da mulher tinha um tom quase maternal, mas Sophie não respondeu. Os olhos verdes reviraram antes de se fecharem, exatamente no momento em que sentiu o pequeno corpo amolecer em seus braços.
A sala branca demais o irritava. O movimento constante de pessoas entrando e saindo o deixava cada vez mais ansioso, procurando o tempo inteiro por alguém completamente vestido de branco que viesse lhe trazer notícias de Sophie. Fazia uma hora que estava ali, naquela sala de espera. Era o hospital onde trabalhava, havia algum tempo que ela entrara pela porta por onde sua filha havia sumido antes e ainda não voltara com nenhuma notícia, o que somente aumentava sua agonia. Tudo o que sabia era que a menina estava fazendo alguns exames pra saber o que havia acontecido, mas aquilo não era o suficiente. Enterrou o rosto nas mãos, subindo-as em seguida até o topo de sua cabeça e entrelaçando os dedos em seu próprio cabelo, puxando-o com certa força, como se aquilo fosse aliviar a preocupação que sentia. Levantou o olhar até a porta, que fora o foco de sua atenção durante quase todo o tempo em que estivera ali, e viu sair, a expressão nada animadora ou calmante, caminhando a passos largos até ele. Sentou-se ao seu lado e, delicadamente, tomou as mãos dele entre as próprias, seus olhos fixos nos dele enquanto pensava exatamente no que falar.
- Saíram os resultados dos exames de Soph, . - Ela suspirou ao vê-lo ficar ainda mais apreensivo. Antes que ele pudesse perguntar qualquer coisa, prosseguiu. - Ela está doente.
- É grave? - A voz de falhou no final da frase, esganiçada, embargada, como se sua garganta estivesse se fechando, em uma reação adiantada pelo o que viria a seguir. Sua vista ficou completamente embaçada pelas lágrimas ao ver fechar os olhos e assentir com um movimento de cabeça; não as segurou. Deixou que elas caíssem livremente, sentindo os braços da mulher o envolverem, em uma tentativa de confortá-lo. Comprimiu os lábios um contra o outro, tentando conter os soluços antes que eles ficassem altos demais. Levantou o rosto para encarar .
- O que ela tem? - perguntou, cerrando os olhos em seguida, preparando-se para o pior. A palavra formada pelos lábios de logo em seguida o atingiu em cheio, como se cada letra proferida fosse uma faca lhe atravessando o corpo. Seu mundo estava desmoronando. Outra vez.
- Leucemia.
Quinze
Os olhos castanhos estavam completamente opacos, expressando todo o cansaço que ele sentia. Tinha os fixado em um ponto ao longe, do outro lado do grande cômodo branco, como tudo dentro daquele hospital, que tinha algumas mesas e cadeiras espalhadas, além de uma lanchonete anexa. A lanchonete de onde viera o copo de café que agora se encontrava pela metade, sobre a mesa à sua frente, mas o líquido já estava tão frio quanto suas mãos; essas, porém, não só pela baixa temperatura, mas também pelo nervosismo. Há quanto tempo já estava ali? Não sabia dizer ao certo, só sabia que fazia algumas horas desde que vira Sophie pela última vez. E não havia sido uma imagem animadora.
Encarar sua filha deitada em uma cama de hospital, com todos aqueles aparelhos ligados ao seu corpo, tão pequeno e agora tão mais frágil, pálido daquele jeito, não era algo que ele conseguisse suportar facilmente. Cerrou as mãos em punhos, sentindo as unhas curtas em sua pele, causando uma leve dor que não conseguia incomodá-lo naquele momento. Respirou fundo, sentindo algumas lágrimas surgirem em seus olhos e os fechou, deixando-as escorrerem livremente; quentes, contrastando com seu rosto gélido. Comprimiu os lábios, forçando-se a controlar o choro antes que não conseguisse conter os soluços que ameaçavam sair de sua garganta.
Abriu os olhos, fixando-os sobre o copo de café em sua frente, balançando-o entre seus dedos apenas por não ter mais no que prender sua atenção. Percebeu a aproximação de alguém, mas sequer levantou o olhar; continuou encarando o líquido rodopiar dentro do copo. Uma mão tocou a sua, fazendo-o pousar o copo sobre a mesa outra vez. Um leve choque passou por sua pele e não só pelo novo choque térmico, mas porque ele sabia quem era. Não quis encará-la naquele momento, por medo do que veria em seus olhos e do que ela poderia lhe falar em seguida. Finalmente ergueu os olhos até o ponto onde suas mãos estavam juntas, sobrepostas, observando as duas alianças prateadas que o fariam sorrir por saber que era um objeto que ilustrava o fato de estarem realmente juntos, se não fosse numa situação tão ruim. Sophie já tinha lutado contra a doença por dois anos, mas tudo estava piorando naqueles dias e ele já não aguentava mais. Ainda sem conseguir olhá-la diretamente nos olhos, desviou-os para a janela ao seu lado, encarando os flocos de neve que caíam insistentemente desde a hora que ele entrara naquele hospital, naquele mesmo dia, mais cedo.
- ... - sussurrou, sua voz mais fraca que o comum enquanto acariciava a mão dele, demonstrando o quanto ela também estava afetada com tudo aquilo. Esperou que o homem voltasse seu olhar a ela, mas ele sentia algo em seu peito se contrair em agonia. já sabia que as esperanças estavam se esvaindo aos poucos, claro que sim, mas ainda assim ele relutava em aceitar a última delas. Por mais que garantisse que não haveria riscos para ninguém e que as chances de funcionar eram maiores, por haver laços sanguíneos entre eles. Respirou fundo ao ver a dor que os olhos dele transmitiam, quando ele desistiu de fugir e resolveu finalmente encará-la, mas não perdeu a coragem. Segurou a mão dele entre as suas antes de se pronunciar. - Eu sei que você praticamente não pensa nessa hipótese, mas o transplante de células tronco é uma de nossas maiores chances. Por favor, me escute. - Pediu, ao vê-lo abrir a boca para contestar. assentiu, fechando os olhos. Estava desesperado; não via a situação da filha melhorar e era a única pessoa em quem ele ainda conseguia buscar apoio. - Nosso filho tem o dobro de chances de ser compatível com Sophie, por você ser o pai dos dois, então... Bom, ele nasce dentro de um mês, . - Um sorriso se esboçou em seus lábios por alguns segundos enquanto ela levava uma de suas mãos até a barriga, já crescida, acompanhando com o olhar antes de encarar o noivo outra vez. - Não custa nada fazermos o teste de compatibilidade. Eu sei o quanto tudo isso é difícil, eu tenho estado com você durante esses dois anos e, acredite, está sendo difícil pra mim também. Confie em mim, por favor? Nada vai acontecer, eu prometo. - Apertou a mão dele, como se esperasse transmitir confiança e certeza por aquele gesto.
- Tudo bem. - Aceitou. Não tinha mais forças pra contestar, e nem queria. Só queria que sua filha finalmente se livrasse daquela doença. Manteve a cabeça baixa, deixando as lágrimas caírem livremente, agora que ele já não mais as segurava. A mulher ao seu lado se inclinou em sua direção, envolvendo-o com seus braços, em um abraço que, ela esperava, transmitiria o conforto que ele precisava. retribuiu o abraço cuidadosamente, procurando não machucar seu segundo filho, que estava por vir. Escondeu o rosto no pescoço de , sentindo quando ela apoiou a cabeça em seu ombro e também se deixou chorar, sem mais precisar se fazer de forte. Os soluços dele ficavam cada vez mais fortes e faziam com que seu corpo chacoalhasse de leve. Apertou-a contra si ainda mais, sentindo-se minimamente melhor. Era aquela sensação a qual ele tinha se acostumado durante aqueles dois anos; tinha alguém o apoiando o tempo inteiro e, por mais que aquilo não o deixasse totalmente bem, fazia com que ele acreditasse que havia uma saída, uma solução. Os olhos dele ardiam, ele tinha a impressão de que nos últimos tempos já havia chorado mais do que era possível, mas todos os dias lá estava ele, derramando mais lágrimas que ele não fazia idéia de onde vinham.
Seus sonhos, nos raros momentos em que conseguia dormir, eram completamente pontuados por imagens onde Soph, já mais velha, o acusava de não ter sido um bom pai, de ter deixado que a doença se espalhasse e a deixasse daquele jeito; a menina, antes vívida e inquieta, que estava sempre sorrindo e brincando com todos ao seu redor, hoje mal se levantava da cama, seu sorriso não tinha mais tanta vida, muito menos seus olhos, que haviam adquirido um tom de verde opaco, sem brilho algum, como se fosse esforço demais apenas abri-los para encarar a figura do pai, nem tão diferente dela; a doença o estava destruindo também.
Nas poucas vezes em que conseguia ir pra casa, principalmente nos últimos meses, quando ela tivera de ser internada, a única coisa que conseguia pensar era em estar de volta. Raramente dormia em casa, já estava acostumado à poltrona do quarto do hospital, que agora nem parecia mais tão desconfortável assim.
- Vai ficar tudo bem, . As coisas vão melhorar. - sussurrou e ele assentiu de leve com a cabeça. Era aquela voz que o fazia se esquecer de tudo de ruim que estava acontecendo por alguns instantes. A voz que o acolhia, sem deixá-lo negar o amparo que ela lhe dava.
Durante dois anos, Sophie havia sido submetida a vários tratamentos; alguns deles até esboçaram alguma melhora no quadro, alcançando certa remissão da doença, mas nada definitivo. Sempre acabava voltando àquele hospital, com a filha nos braços, muitas vezes tomados por algumas marcas arroxeadas, que surgiam a partir do menor trauma, denunciando que a maldita doença estava de volta. Nos primeiros meses, quando o tratamento era mais ameno e não a afetava tanto, Soph continuara indo à escola, via o quanto aquilo a fazia bem, de certa forma. Mas lhe doía chegar para buscá-la ao final da tarde e vê-la sentadinha em um dos bancos, normalmente acompanhada por Audrey, que ficava ao lado dela, já que, pela doença, ela não podia correr como as outras crianças. Caso caísse, qualquer mínimo corte, ou batida mais forte, poderia desencadear um quadro complicado de hemorragia. Doía vê-la parada, só observando os outros colegas brincando. Mas, naquele tempo, pelo menos o verde dos olhos dela ainda era uma cor vívida e o sorriso que ela abria ao vê-lo chegando ainda o fazia sorrir junto.
Tão diferente do que acontecia no momento, quando ele entrava no quarto de hospital onde ela estava. Sophie ainda demonstrava o quanto ficava feliz ao ter o pai ali, ao seu lado, mas não podia controlar o quanto a doença a enfraquecia. Não tinha como trazer de volta a vida que a doença a estava roubando.
Soltou-se do abraço de , respirando fundo e secando as lágrimas que ainda deixavam seu rosto molhado, e afastou minimamente o corpo do dela, apenas para poder pousar uma mão sobre a barriga dela, delicadamente. Fechou os olhos e balançou a cabeça ao lembrar que tinha um ultrassom marcada para aquele dia. Xingou-se mentalmente por ter esquecido daquilo. Sentia-se culpado por não estar sendo realmente presente na gravidez dela, mas andava sem cabeça para nada naqueles dias. Na verdade, não só naqueles dias. Desde que a doença de Sophie fora descoberta, praticamente vivia para a filha. Havia deixado sua carreira de lado novamente, logo depois de lançar o CD, que terminara ainda nos primeiros meses da doença, que tinham sido mais fáceis. Um ou dois shows haviam sido feitos, mas nada que o tirasse de casa por muito tempo. Nada que o obrigasse a ficar longe de Soph por mais de algumas horas.
- Você teve um ultrassom hoje, não teve? - Perguntou, mantendo uma das mãos na barriga dela enquanto a outra acariciava seu rosto; em seu olhar, um nítido pedido de desculpas por, mais uma vez, não ter estado presente.
- Tive. - respondeu, com um sorriso. - Está tudo bem com ele. - Disse, antes que ele perguntasse, colocando uma de suas mãos sobre a dele, que ainda repousava em sua barriga. se deixou sorrir ao aproximar o rosto do dela, tocando-a na bochecha com os lábios e deslizando-os até tocar infimamente os dela.
- Eu devia ter estado lá. Desculpa. - Sussurrou, mas não obteve resposta além da boca dela pressionada contra a sua, em um beijo curto, que foi quebrado quando, ao deixar os dedos acariciarem a barriga dela, sentiu algo bater contra sua mão e sorriu abertamente; também sentira, com certeza, e sorriu junto a ele.
Era bom perceber que, mesmo em meio a tantos acontecimentos ruins, ainda conseguia encontrar a felicidade, em momentos como aquele.
pensava no mesmo que ele, uma lembrança atingindo sua mente.
Flashback
A mulher rolou incomodada entre os lençóis e respirou fundo, sentindo o perfume já conhecido impregnado neles. Esticou os braços pelo outro lado da cama, ainda que soubesse que não encontraria ninguém ali. não dormia em casa havia três dias e ela sentia falta de acordar com o corpo dele ao seu lado, mas entendia que Sophie precisava de mais atenção do que ela, no momento. deixou o quarto em passos lentos e preguiçosos, ainda dominada pelo sono. Desceu as escadas e se encaminhou diretamente à cozinha, buscando algo que pudesse lhe servir de café da manhã. Sentia o estômago levemente embrulhado, por isso escolheu apenas um iogurte, mas, ao aproximá-lo da boca, sentiu a sensação piorar, acompanhada de uma forte ânsia. Correu escadas acima outra vez, após largar o iogurte sobre a bancada da cozinha, e adentrou o banheiro, ajoelhando-se em frente ao vaso sanitário e colocando pra fora o que havia comido na noite anterior. Fechou os olhos, respirando fundo enquanto esperava seu estômago voltar ao normal.
Ouviu a porta do loft fechar no andar de baixo e levantou de um pulo, acionando a descarga e se colocando em frente à pia, escovando os dentes como se nada tivesse acontecido. Não queria preocupar com algo que com certeza não era nada de mais; provavelmente tinha comido algo estragado e isso a fizera mal, não lhe daria mais uma coisa na qual pensar.
Percebeu pelo canto do olho quando o homem parou à porta, observando-a com um leve sorriso no rosto e se curvou sobre a pia para enxaguar a boca antes de se virar de frente para ele, devolvendo o sorriso.
- Tão cedo em casa? - perguntou, aproximando-se dele e sentindo-o envolver sua cintura com as mãos e esconder o rosto em seu pescoço, fazendo-a se arrepiar ao sentir a barba por fazer arranhando-lhe de leve a pele.
- chegou lá pra ficar com Sophie, então eu vim tomar um banho. - explicou, unindo os lábios aos dela por um momento, sorrindo contra a boca dela em seguida. - Que bom que cheguei a tempo de te ver antes que você fosse trabalhar.
- Você me veria de qualquer jeito. Hoje fico no hospital o dia inteiro. - Lembrou, vendo-o assentir com a cabeça e murmurar algo em concordância. - Preciso me arrumar logo, antes que acabe me atrasando. Aproveite hoje pra descansar, tudo bem? - A mão de deslizou pelo rosto de delicadamente, fazendo-o fechar os olhos para aproveitar a carícia.
- Tudo bem, mãe. - Ele rolou os olhos, rindo fraco em seguida e sentindo quando ela lhe deu um leve tapa no ombro. Os lábios dela encontraram os dele mais uma vez antes que se afastasse em direção ao chuveiro.
Ao sair do banho e voltar ao quarto, encontrou deitado sobre os lençóis ainda desajeitados, do jeito que ela havia deixado ao se levantar. Sentou-se à beirada da cama, ao lado dele, apenas observando-o por alguns minutos; os lábios entreabertos, o movimento do peito subindo e descendo graças à respiração calma e compassada e os cabelos levemente bagunçados a fizeram sorrir. Não o acordou para se despedir, ele merecia algum descanso de verdade, que não fosse dentro do hospital. Inclinou-se sobre ele, beijando-o na testa antes de se levantar e deixar o quarto.
O sol brilhava forte na rua, surpreendendo os moradores de Londres, já que não era algo comum de acontecer. Várias pessoas pareciam felizes por ter um dia sem o tempo nublado, cinzento e chuvoso de sempre, porém, não era uma delas. O calor a fazia se sentir cansada, e podia jurar que sua pressão estava mais
baixa que o normal naquele dia, e mal havia caminhado cinco minutos sob o sol naquela manhã, do lugar onde havia estacionado o carro até entrar no hospital. Estava na maternidade do hospital, fazendo os exames em alguns recém nascidos, quando ouviu uma enfermeira chamá-la.
- Dra. ! Temos um paciente na emergência. - assentiu com a cabeça, pegando a ficha do paciente em mãos e passando os olhos rapidamente sobre ela, apenas para saber qual era o problema. Caminhou a passos largos até a emergência, mas sequer chegou a ver o tal paciente. Sua visão escureceu rapidamente e tudo que conseguiu fazer foi se apoiar no balcão da recepção, sentindo o corpo amolecer e então um par de mãos a segurarem, sem deixar que seu corpo se chocasse contra o chão, antes que perdesse de vez a consciência.
Abriu os olhos lentamente, encarando o teto branco do quarto sem entender direito o que havia acontecido. Lembrava-se de ter sido chamada na emergência do hospital e então... Nada. Por que estava deitada ali?
- ! - Ouviu uma voz feminina chamá-la e reconheceu como sendo de . Virou o rosto para encontrar o da amiga parada logo ao lado da cama. - Que susto que você me deu.
- O que aconteceu? - perguntou, com a voz um pouco fraca, sentando-se e alcançando um copo d'água que estendia a ela.
- Você desmaiou. Dr. Luke foi quem te segurou e disse que sua pressão estava um pouco baixa. Acho que é bom chamá-lo aqui pra te ver. - Disse, tocando a campainha instalada no quarto. Não demorou muito para que o colega de trabalho de aparecesse, a expressão indecifrável.
- , você sentiu algum mal estar ou algo assim por esses dias? - Perguntou, aproximando-se da cama com passos largos. As duas mulheres ali presentes franziram o cenho, sem entender o motivo da pergunta dele.
- Eu... Estava um pouco enjoada hoje de manhã. Até por isso não comi, pensei que talvez esse fosse o motivo do desmaio. - Ela deu de ombros, não percebendo a importância do que dissera para descobrir o que realmente estava acontecendo. , por outro lado, parecia ter começado a juntar as peças e tinha um sorriso ameaçando se abrir em seu rosto.
- Bom... Eu pedi um exame de sangue quando você desmaiou, só por precaução e... Tá aqui. - Luke deu de ombros, um sorriso torto curvando seus lábios e fazendo com que ela ficasse ainda mais desconfiada. Pegou o envelope das mãos dele e logo o abriu, deixando uma exclamação escapar de sua garganta ao ver o que o resultado dizia. Grávida. Estava grávida.
Fim do Flashback
- ? - Ela ouviu a voz de chamá-la e soube que tinha ficado tempo demais perdida em seus pensamentos. Olhou-o, com um sorriso brincando em seus lábios. - Onde estava?
- Mais ou menos sete meses atrás, quando fiquei sabendo da gravidez. - Sorriu, vendo-o retribuir o gesto.
- Acho que tenho que passar a noite aqui hoje. - Ele disse, apoiando a testa no ombro dela por um momento.
- Eu posso ficar, se você quiser... - falou, recebendo imediatamente um olhar repreensivo dele. Abriu a boca para contestar, mas ele foi mais rápido, interrompendo-a.
- Nada disso. Você vai pra casa, descansar, e eu vou amanhã pela manhã, quando minha mãe chegar pra ficar com Soph. - Ele disse, sério, fazendo com que ela respirasse fundo, mas aceitasse. Já havia se acostumado com a preocupação excessiva dele desde que soubera que ela estava grávida.
- Eu estou grávida, não doente, . - Reclamou, projetando o lábio inferior para frente, formando um bico infantil que o fez sorrir minimamente.
- Eu sei, meu amor. - Afastou-se um pouco dela, para poder olhá-la nos olhos enquanto a tocava delicadamente no queixo, com as pontas dos dedos. - Mas, de verdade, não precisa. Eu vou ficar bem aqui. - Esboçou um sorriso antes de selar seus lábios aos dela.
- Tudo bem. - Ela deu de ombros, sabendo que não adiantaria de nada insistir. - Vamos voltar pro quarto, então. Me despeço dela e vou pra casa. - Viu quando assentiu com a cabeça e levantou, entrelaçando os dedos aos dele quando ele também se colocou de pé. Caminharam em silêncio pelos corredores tão brancos quanto o cômodo onde estavam antes, em direção ao quarto onde Soph estava.
abriu a porta lentamente, sem fazer barulho, para o caso de a menina estar dormindo, já que o relógio em seu pulso lhe dizia que já eram quase nove horas da noite. Porém, viu Sophie virar o rosto na direção dos dois quando se colocaram para dentro do ambiente.
- Hey, pequena. - Aproximou-se da cama, sentando-se na beirada da mesma e segurando uma de suas mãos delicadamente. Esboçou um sorriso e Soph retribuiu, ainda que fosse um sorriso meio abatido. - Como está se sentindo?
- Normal. - A voz fraca da menina se fez ouvida e ele assentiu com a cabeça, respirando fundo. Doía vê-la daquele jeito e não poder fazer nada. - Vai ficar hoje, papai?
- Sim, papai vai ficar com você. - Inclinou-se sobre ela, beijando-a carinhosamente na testa. se aproximou e sentou do outro lado da cama, um leve sorriso curvando seus lábios; apesar de conviver com os dois há mais de dois anos, ainda se pegava sorrindo bobamente ao observar aqueles momentos dele com a filha, principalmente depois de descobrir estar grávida, frequentemente imaginava agindo do mesmo modo com o filho que ela estava esperando.
- Tia, vai ficar também? - Sophie perguntou, estendendo a mão que o pai não segurava na direção de , que a segurou, negando com a cabeça.
- Não, seu pai me mandou pra casa. - Disse, olhando feio para e fazendo a menina rir fracamente. - Mas eu venho ver você de novo amanhã, tudo bem? - Sorriu, vendo Soph concordar silenciosamente e aproximou-se mais dela, para beijá-la no rosto antes de dar a volta na cama, enquanto se levantava também. Ele deixou que suas mãos pousassem na cintura dela e a puxassem para perto de si antes de unir seus lábios.
- Me liga quando chegar em casa. E se precisar de alguma coisa também. Se cuide, e cuide desse pequeno aí dentro. - Sorriu ainda contra a boca dela, deixando sua mão acariciar de leve a barriga de sobre a camiseta que ela usava.
- Tudo bem, . - Rolou os olhos, rindo com toda aquela preocupação exagerada. Beijou-o mais uma vez antes de se soltar dos braços dele e sair do quarto, acenando novamente para Sophie antes de fechar a porta. puxou a poltrona que estava um pouco afastada da cama, deixando-a ali bem próxima, sentando-se em seguida.
- Papai... - Soph chamou e ele a encarou, esperando que ela continuasse. - Quando que eu vou poder ir pra casa? - Perguntou, e o homem fechou os olhos por alguns segundos antes de responder.
- Logo, meu amor... Logo você vai ficar melhor. - Proferiu as palavras tentando demonstrar confiança, embora segurasse as lágrimas enquanto tentava acreditar no que estava dizendo. Era o que ele esperava que acontecesse.
Era tudo o que queria.
Dezesseis
Um barulho agudo fez com que seu sono fosse interrompido e ele levasse as mãos aos olhos, abrindo-os lentamente. Havia movimento demais dentro do quarto para que fosse uma situação normal. Vozes falavam o tempo inteiro ao seu redor, mas ainda estava sonolento demais para entender o que diziam. Três pessoas vestidas com os costumeiros jalecos brancos se inclinavam sobre a cama; sobre o corpo de... Sophie?
Com um pulo, o homem se levantou da poltrona onde estivera dormindo, aproximando-se da cama, o desespero já tomava conta de si. O rosto de sua filha estava mais pálido que o normal, uma máscara de oxigênio cobria seu nariz e sua boca e as máquinas ao lado dela indicavam que seu coração... Não batia.
- Outra vez! - Um dos médicos exclamou e o aparelho que outro deles tinha em mãos foi colocado sobre o peito da menina, emitindo um choque em seguida, mas o barulho da máquina não mudava. A linha no pequeno monitor continuava sem oscilações e ainda se ouvia um barulho agudo e contínuo, sem os bips tradicionais.
- NÃO! - Encontrou a voz quando percebeu o que estava acontecendo. Sua visão já estava embaçada pelas lágrimas que ele não podia segurar, mas ainda assim empurrou um dos médicos pra longe e segurou a mão de Soph enquanto seus olhos estavam fixos nos dela... Fechados. - Pequena, acorda. Olha pro papai, Sophie, abre os olhos pra mim. - Sentiu duas mãos puxando-o para trás e sacudiu o corpo, tentando se soltar, sem sucesso algum. Mais um grito se desprendeu de sua garganta enquanto era arrastado pra longe.
Já no corredor, uma mão mais leve e delicada lhe tocou o braço, fazendo com que ele se sentasse em um banco que ele sequer havia percebido antes. simplesmente o abraçou, sem ter o que dizer. Chorava copiosamente junto a ele, que por vezes voltava a emitir sons sem sentido algum. não conseguia sequer formar palavras em sua mente, tudo o que via era a imagem de Sophie, o corpo inerte sobre aquela cama de hospital.
- ? - Uma voz preocupada chamou e sentiu que o tocavam no ombro, acordando-o. Abriu os olhos, assustado, e se sentou direito na poltrona. Sua primeira reação foi direcionar o olhar à cama ao seu lado, vendo Soph dormindo tranquilamente, seu peito subindo e descendo lentamente de acordo com a respiração regular dela. Respirou fundo e relaxou o corpo, só então encarando , ao seu lado. - Tá se sentindo bem?
Ele assentiu com a cabeça e levou as mãos ao rosto, sentindo-o molhado por lágrimas que havia derramado durante o sono. Secou-o com as costas da mão e voltou a olhar para a mulher.
- Só tive um sonho ruim. - Deu de ombros, esticando o braço na direção dela e puxando-a para se sentar sobre uma de suas pernas. - Que horas são?
- Quase dez. - disse, passando a mão pelos cabelos dele, úmidos pelo suor. - Tem certeza de que está bem?
- Estou, eu... - balançou a cabeça de um lado para o outro, negando. - Foi só um sonho, mesmo. - Esboçou um sorriso fraco, tentando acalmá-la. - O que te traz aqui tão cedo?
- Esse pequeno projeto de não me deixou dormir direito, e ficar em casa sozinha não é algo que tem me agradado. - Ela deitou a cabeça no ombro dele, sentindo-o apertar o braço que estava em volta de seu corpo.
- Eu queria não precisar passar tanto tempo aqui. Você sabe. - Ele sussurrou, deslizando a ponta do nariz pela bochecha da mulher, em um carinho bobo, apenas para vê-la se arrepiar com a respiração quente dele batendo em sua pele, fazendo-o sorrir. - Quer dizer que o mais novo aí dentro está agitado? - Riu fraco, recebendo um olhar repreensivo dela.
- Você ri porque não é você que passa toda noite sendo chutado. - resmungou, cruzando os braços e fazendo com que o homem risse ainda mais.
- Ele só está ansioso pra conhecer a mãe linda dele. - Disse, percebendo que havia conseguido fazer com que ela desfizesse a feição emburrada e sorrisse docemente na direção dele antes de unir seus lábios.
- ... Não acha que está na hora de decidirmos o nome dele? - perguntou, o rosto ainda próximo ao dele. pensou durante alguns segundos e balançou a cabeça afirmativamente.
- Eu estive pensando esses dias... Eu gosto de Matt. - Disse, mas viu imediatamente em seu olhar que ela não concordava. - Tudo bem, sua vez.
- Eu queria... Adam. - falou, entretida com os dedos da mão de que não a abraçava pela cintura. Levantou os olhos até o rosto dele, esperando uma resposta que ainda demorou alguns momentos para vir.
- Adam . Tá aí, gostei. - Ele respondeu, com um sorriso. Ela retribuiu o gesto, descansando a cabeça outra vez sobre o ombro dele, mas os olhos fixos em Sophie, que ameaçava acordar. Respirou fundo, desejando internamente que o transplante com as células tronco de Adam finalmente a curasse. Lógico que um transplante de medula teria muito mais chances de funcionar, mas o teste de compatibilidade feito com dera negativo e ainda não havia surgido um doador compatível. A compatibilidade no caso das células tronco não precisava ser tão grande, portanto, as esperanças estavam todas colocadas no bebê que estava para nascer. Havia passado uma semana desde que ela o convencera de que nada ruim aconteceria ao bebê e que deviam pelo menos fazer o teste quando Adam nascesse, e não tocara mais no assunto, o que era um sinal de que realmente aceitara, e não apenas concordara naquele momento para encerrar a conversa.
- Papai? - A voz fraca de Soph se fez ouvida e virou-se para observá-la. Arrastou a poltrona para mais perto da cama, estendendo uma das mãos na direção dela, que a segurou, esboçando um sorriso.
- Bom dia, princesa. - Ele também sorriu, embora os olhos ainda expressassem a preocupação de sempre. O horário da sessão de radioterapia da filha se aproximava, e ele sabia que logo depois ela precisaria tomar a dose diária dos medicamentos que tinham uma série de efeitos colaterais que a deixavam mais abatida; odiava vê-la nesses momentos, mas odiava ainda mais deixá-la sozinha. - Tudo bem hoje?
A menina assentiu com um movimento de cabeça, fazendo-o relaxar um pouco. Os três passaram algum tempo conversando e distraindo Sophie até que a enfermeira chegasse para levá-la à sala onde acontecia a radioterapia, que auxiliaria em uma nova remissão da doença. Agarrada ao ursinho de pelúcia que ela levara ao hospital e que a acompanhava desde a primeira sessão do tratamento, Soph deixou o pai e no quarto, saindo com a enfermeira.
Flashback
Era um dia completamente nublado. As nuvens acinzentadas cobriam completamente o céu de Londres enquanto o carro cortava as ruas, em direção ao condomínio fechado que havia começado a ser construído ali há poucos meses, onde e estavam pensando em comprar uma casa, já que, com o nascimento do segundo filho, o loft ficaria pequeno. Era um dos poucos dias em que Sophie havia sido liberada para passar em casa, ainda que tivesse recebido inúmeras recomendações, já que, graças à quimio e à radioterapia, seu sistema imunológico estava afetado.
O carro foi estacionado em frente ao escritório da construtora, que havia sido instalado na única casa já totalmente construída dentro do condomínio. desceu e abriu a porta traseira, para que Soph pudesse sair. Ajeitou a touca de lã que ela usava em sua cabeça e a máscara que lhe cobria a boca e o nariz, segurando-a pela mão em seguida e aproximando-se da porta de entrada.
- Sr. . - O corretor o cumprimentou com um aperto de mão quando ele adentrou o escritório, sendo acompanhado de Sophie e . - Bom vê-lo por aqui outra vez.
- Se essas duas aprovarem, nos verá muito por aqui. - Sorriu divertido na direção de e da filha. O homem saiu de trás da mesa onde estivera sentado antes da chegada deles e fez um sinal para que o seguissem para conhecer a casa, dizendo que todas as construções do condomínio seguiriam aquele padrão. Depois de algum tempo, estavam de volta à entrada da casa e tinha um sorriso satisfeito no rosto.
- O que achou? - envolveu a cintura dela com um dos braços, enquanto a olhava, também sorrindo.
- Ótimo. Por mim, nos mudávamos agora mesmo. - Ela riu, fazendo-o acompanhá-la. - E você, Soph, o que achou? - Perguntou à menina, que a olhou por alguns segundos antes de abrir um sorriso, notável apenas pelo movimento que a máscara fazia.
- Gostei. - Ela disse, confirmando o que falava com um aceno de cabeça, animada. sorriu, despedindo-se do corretor e saindo dali. De volta ao carro, Soph chamou a atenção dos dois outra vez. - Papai, por que a gente vai mudar de casa?
Uma risada escapou dos lábios de quando ele olhou para , que já o encarava, esperando que ele desse a explicação. Fazia pouco mais de um mês que ele havia descoberto sobre a gravidez dela, mas ainda não haviam contado a Sophie. A barriga de ainda não havia começado a aparecer, já que estava de aproximadamente dois meses e meio, então Soph sequer desconfiava ainda. virou-se para o banco traseiro, encarando a filha, com um sorriso curvando seus lábios.
- Porque... Nós vamos precisar de mais espaço daqui algum tempo. - Disse, vendo a menina franzir o cenho, sem entender. - Você vai ganhar um irmão, ou irmã, pequena. - Ele alargou o sorriso quando viu o verde dos olhos dela ganhar um brilho que há tempos ele não via. Era bom vê-la animada de vez em quando, e aquilo praticamente só acontecia quando ela estava fora do hospital, o que estava ficando cada vez mais raro.
- O que acha de passarmos na casa de Audrey e ver se ela pode passar o dia lá em casa, Soph? - Perguntou, observando-a pelo retrovisor enquanto já entrava em outra rua, mudando o caminho para que passasse na casa da irmã de .
- Eu quero! - Sophie exclamou, fazendo-o sorrir com sua animação e acelerando o carro, em direção à casa da menina.
Sentado no terraço do loft, as pernas cruzadas, o violão nos braços e os dedos cuidadosamente sobre as cordas certas, via as duas meninas à sua frente sorrirem, ouvindo as músicas que ele tocava. Ao fim da música, pôs o instrumento de lado e esperou que uma das duas lhe dissesse qual seria a próxima canção. Porém, antes que uma delas escolhesse, voltou juntando-se aos três.
- Kim disse que Audrey pode passar a noite aqui. - Anunciou, ouvindo gritinhos de comemoração vindos das duas garotinhas, que sorriam ainda mais agora. Desde que Soph fora internada, as duas não se viam muito, mas e podiam perceber o quando as visitas de Aud faziam bem à Sophie, que parecia se esquecer do fato de estar doente nos dias que passava em casa.
- Então temos tempo para mais algumas músicas! - O homem pegou novamente o violão e dedilhou algumas notas aleatórias, mantendo os olhos fixos nas três pessoas à sua volta. - Eu só toco, vocês é que escolhem o quê. - Disse, ainda esperando que alguém se pronunciasse.
- Eu pediria a minha música, mas... Eu não tenho uma! - exclamou, a voz no falso tom de indignação que ela sempre usava para implicar com . Ele riu, balançando a cabeça de um lado para o outro.
- Só porque você não sabe da existência dela, não quer dizer que não tenha uma, sabia? - Arqueou uma sobrancelha, observando atentamente a expressão surpresa dela, que abria e fechava a boca repetidas vezes, sem emitir som algum.
- E por que eu ainda não estava sabendo disso? - Ela cruzou os braços em frente ao peito, agindo feito criança e o fazendo rir novamente, assim como Sophie e Audrey.
- Porque era pra ser surpresa. E ainda não está completa. - deu de ombros, um sorriso infantil curvava seus lábios, sabendo que sua resposta não a convenceria.
- Toca, pai! - Soph o interrompeu, fazendo-o decidir tocar a música de , mesmo que incompleta. Assentiu com a cabeça, fechando os olhos enquanto tentava buscar na memória as palavras que havia escrito algumas semanas atrás.
- Take your time, walk away, but there’s nothing I won’t do. Separate, know your fate, 'cuz I will run after you. - Deixou que apenas o violão fosse ouvido durante alguns segundos, já que não havia encontrado as palavras certas para colocar ali ainda. - You’ll always be the girl I will never forget, you’ll always be the girl getting stuck in my head, you’ll always be the girl haunting me everyday, you’ll always be the girl… Go to sleep, take your pills, but there’s no way you’re alone. Think of me, think of us, in a moment it’ll be gone. - Viu um sorriso aparecer no rosto dela e retribuiu, em seguida vendo Sophie e Audrey se balançando levemente no ritmo da melodia. Voltou à atenção para as cordas do instrumento e sua voz se fez ouvida novamente. - You’ll always be the girl I will never forget, you’ll always be the girl getting stuck in my head, you’ll always be the girl haunting me everyday, you’ll always be the girl… - Finalizou a canção e inclinou-se na direção dela, unindo seus lábios por um breve momento.
- Obrigada. - A voz de era um sussurro, junto ao seu ouvido, fazendo-o encolher os ombros levemente para conter um arrepio. largou o violão ao seu lado e passou um braço ao redor dela, apenas querendo mantê-la próxima a si. Soph se levantou e aproximou-se dos dois, sentando sobre as pernas do pai, enquanto Audrey se apoiava no corpo de . A cena os fez sorrir, mas tudo o que pensava no momento era se demoraria pra que pudessem finalmente constituir uma família realmente feliz, e não apenas com alguns momentos como aquele.
Fim de Flashback
O relógio captava a atenção do homem a cada dois minutos, deixando claro o nervosismo dele. Uma de suas mãos se embrenhou em seus próprios cabelos, bagunçando-os ainda mais e puxando-os com certa força. Sua outra mão se encontrava apoiada em sua perna, entrelaçada à de , que tinha os olhos fixos no rosto preocupado de enquanto acariciava levemente a pele dele, numa tentativa um pouco falha de acalmá-lo. Ele sempre se sentia daquele jeito enquanto esperava a filha voltar das sessões do tratamento.
- Quer voltar pro quarto dela? - A voz calma de perguntou, fazendo-o tirar o olhar do relógio e encará-la. Assentiu com a cabeça e se levantou, deixando a lanchonete do hospital e caminhando devagar pelos corredores já tão conhecidos, com a mulher ao seu lado. Sentou-se na poltrona ao lado da cama assim que adentrou o cômodo e puxou para se sentar sobre uma de suas pernas, apoiando o queixo no ombro dela.
- Eu só queria que tudo isso passasse logo. Nada muda há dois anos, eu... Não aguento mais. - Suspirou, fechando os olhos e ouvindo-a respirar fundo também.
- Vai dar tudo certo, . Você vai ver. - Ela disse, virando levemente o rosto na direção dele, para observá-lo enquanto ele tinha o olhar fixo na porta do quarto, por onde Sophie acabara de entrar com a enfermeira. Pálida, parecendo ainda mais abatida que o normal, ela foi colocada sobre a cama outra vez e ele imediatamente se inclinou na direção dela.
- Tudo bem? - Perguntou, atencioso como sempre, mas sabia a resposta antes mesmo que ela dissesse algo. Era óbvio que não. A radio e quimioterapia a deixavam ainda mais fraca, fazendo-o se perguntar, ainda que soubesse que era um pensamento idiota, se aquilo realmente a ajudaria. Soph negou com a cabeça, tossiu fracamente algumas vezes e ele soube o que viria a seguir. A enfermeira já havia colocado um recipiente de alumínio do outro lado da cama e a tosse da menina continuou, mais forte e sendo seguida de uma ânsia. Ela fechou os olhos, inclinando-se sobre o objeto enquanto o líquido viscoso que saía de sua boca se chocava com o alumínio. se levantou assim que também o fez e se sentou na beirada da cama da filha, segurando a pequena mãozinha entre as suas, querendo passar a ela uma força que nem ele mesmo sabia se tinha. Quando ela voltou a se sentar direito, ele a estendeu um copo com água que havia entregado a ele momentos antes. beijou a testa de Sophie carinhosamente, os olhos fechados deixando que algumas lágrimas rolassem por seu rosto. Sentiu a mão de em seu ombro, apertando-o de leve, apenas para demonstrar que estava ali.
- Isso vai passar, meu amor. Eu prometo.
Dezessete
O som das risadas das duas mulheres tomava conta da sala enquanto assistiam a um episódio qualquer de um seriado que passava na televisão. estava parcialmente deitada no sofá, uma almofada apoiava suas costas para diminuir a dor que sentia nas últimas semanas graças à gravidez, e os pés repousavam sobre as pernas de , que estava sentada na outra ponta do sofá.
- Acabou. - resmungou, encarando o pote de Nutella já vazio, mas ainda tentando raspar o resto com a colher que tinha em mãos. A amiga pousou os olhos sobre ela por alguns segundos antes de rolar os olhos, deixando uma risada escapar por entre seus lábios.
- , você tá pior que criança. - Disse, e viu estirar a língua em sua direção como resposta. - Toda grávida fica chata como você?
- Sim, coitado do quando for a sua vez. - alfinetou, sentando-se melhor e alcançando o controle da televisão, que estava sobre a mesinha de centro, passando os canais à procura de outra coisa pra assistir, já que o programa que passava antes havia acabado. Depois de passar por quase todos os canais disponíveis, largou o controle ao seu lado, bufando, irritada. - Não tem nada legal pra assistir. - Cruzou os braços em uma atitude infantil que fez rir. Sentiu uma dor incômoda e aguda nas costas e prendeu a respiração por alguns segundos, soltando-a apenas quando a dor passou.
- O que foi? - a olhou um pouco preocupada, com o cenho franzido.
- Nada de mais. Só uma dor um pouco mais forte, já passou. - Esboçou um sorriso, acalmando a amiga e levantando do sofá em seguida. - Vou tomar um banho, pede algo para o jantar?
- , você acabou de comer um pote inteiro de Nutella, não pode estar com fome ainda. - arqueou as sobrancelhas, recebendo um revirar de olhos como resposta.
- Agora não, mas até sair do banho e a janta chegar, vou estar. Eu como por dois agora, ué. - deu de ombros, ouvindo a outra rir enquanto ia em direção às escadas.
- Vou pedir comida chinesa! - Ouviu a voz de vindo da cozinha no mesmo momento em que sentiu outra pontada de dor, tão aguda quanto a primeira. Respirou fundo novamente e respondeu qualquer coisa em concordância, subindo os degraus lentamente, sentindo a dor diminuir aos poucos. Chegou ao quarto que dividia com e se encaminhou diretamente para o banheiro, onde logo em seguida entrou debaixo do chuveiro, deixando que a água caísse sobre seu corpo por algum tempo, mas precisou se apoiar à parede fria quando sentiu, outra vez, a mesma dor que havia sentido antes, porém, mais forte ainda. Prendeu o ar em seus pulmões, soltando lentamente enquanto esperava a dor passar.
Mal havia recomeçado o banho quando sentiu uma nova pontada, ainda mais intensa, e percebeu que algo além da água que caía do chuveiro escorria por suas pernas. Um outro líquido, um pouco mais viscoso. Desligou o registro, interrompendo o fluxo da água e puxou a toalha que estava pendurada próximo dali, secando-se o melhor que pôde antes de gritar pela amiga e ouvir os passos apressados dela enquanto se aproximava do banheiro.
- ? - A voz de se fez ouvida enquanto ela adentrava o cômodo, arregalando os olhos ao ver com os olhos fechados, algumas lágrimas, talvez de dor, escorrendo pelo rosto, mas ainda assim um sorriso estava curvando seus lábios. Assim como os seus próprios, ao entender o que estava acontecendo.
- Preciso ir para o hospital. - Foram as palavras que saíram da boca de antes que ela comprimisse os lábios um contra o outro, reprimindo um grunhido causado pela dor das contrações, cada vez mais fortes e mais frequentes.
A sala de espera do hospital parecia pequena demais naquele momento, se sentia quase como se estivesse sufocando; odiava qualquer tipo de espera, mas aquela era insuportável. Desde que recebera a ligação de , avisando que estava levando , em trabalho de parto, para o hospital, deixara Sophie dormindo no quarto e estava ali, esperando que as duas chegassem logo. Quase correu na direção da porta do prédio quando viu amparando , caminhando devagar. Conseguiu uma cadeira de rodas na entrada e levou até elas, o olhar fixo em enquanto a ajudava a se sentar e murmurava um agradecimento à outra mulher, que assentiu com um movimento de cabeça e pegou o celular, provavelmente a fim de ligar para . Uma das enfermeiras a reconheceu e se aproximou, com um sorriso singelo no rosto.
- Então chegou a hora? - A garota, alguns anos mais nova que , perguntou, recebendo como resposta um sorriso e apenas um aceno com a cabeça, seguidos de uma careta de dor. - Você vai acompanhar o parto? - Agora ela se dirigia à , que, inicialmente, não soube o que responder. Encarou , como se perguntasse o que devia fazer, e ela lhe abriu um leve sorriso, fazendo-o entender que gostaria se ele fosse junto.
- É, vou. - Respondeu, ainda meio incerto e nervoso. Sangue nunca fora sua visão preferida, mas simplesmente não pôde negar. Veria seu filho nascer; seus lábios se curvaram em um sorriso de pura felicidade enquanto acompanhava e a enfermeira para dentro da sala onde ela seria preparada para o parto.
Não muito tempo depois, estava ao lado dela, dentro da sala de cirurgia, vestido com todo o tipo de proteção que era obrigatório para que pudesse estar ali. A mão da mulher segurava firmemente a sua, por vezes causando uma leve dor, mas ele não reclamava; tinha certeza de que a dor dela era inúmeras vezes maior. Acariciava a pele dela com o polegar enquanto inclinava-se na direção dela para tocar sua testa com os lábios, lançando um sorriso a ela em seguida.
- Vai dar tudo certo. - a ouviu sussurrar e soube que ela não falava apenas do nascimento de Adam. Concordou silenciosamente, e não demorou mais muito tempo até que o médico de adentrasse a sala, aproximando-se de onde ela estava deitada e iniciando o parto. Ele já havia a examinado antes, confirmando que a dilatação era suficiente para que o bebê nascesse normalmente, sem a necessidade de uma cirurgia.
Ouvia quase gritar de dor e fechava os olhos, sem querer vê-la sofrer daquele jeito, mesmo sabendo que era por um bom motivo. As unhas dela começavam a machucar sua mão, mas, novamente, ele apenas ignorava. Escutou o médico dizer alguma coisa para incentivá-la, qualquer coisa como "Só mais um pouco, !" e, em seguida, ouviu; o choro agudo que, ele sabia, por mais que fosse acordá-lo inúmeras noites dali pra frente, nunca o incomodaria.
A lembrança do dia em que descobrira sobre a gravidez de atingiu sua mente, fazendo-o voltar alguns meses no tempo.
Flashback
O corpo de se encontrava parcialmente sobre a cama, sentado com as costas apoiadas na cabeceira; um dos bracinhos de Sophie sobre si, em um abraço desajeitado, enquanto sua cabeça se apoiava no peito do pai. Ele tinha os dedos de uma das mãos entre os cabelos dela, em uma carícia que fazia a menina fechar os olhos, talvez quase adormecendo.
Era assim que passava a maior parte de seus dias, quando Soph estava internada. Dentro de um quarto de hospital, fazendo companhia à filha, agora com pouco mais de três anos, que ainda lutava contra a doença que havia sido descoberta pouco mais de um ano atrás. O primeiro tratamento por que ela passara, conseguira uma pequena remissão da leucemia, porém, havia algum tempo, a doença voltara, e Sophie novamente estava internada. Há duas semanas, estava sendo submetida a sessões de quimioterapia, com a esperança de se livrar de vez do câncer. Observou a filha, o rosto pálido, tão frágil. Respirou fundo, deixando que sua mão, antes nos cabelos dela, passasse a acariciar seu rosto. Entretanto, teve algo pra chamar sua atenção. Em seus dedos, percebeu alguns fios do cabelo escuro da filha. Não poucos, não uma quantidade normal, não algo que não o preocupasse. Sabia que aquilo aconteceria a qualquer momento, uma vez que a quimioterapia já tinha sido iniciada, mas não queria nem imaginar o quanto aquilo atingiria Sophie quando ela notasse. Fechou os olhos, já sentindo grossas lágrimas escorregarem por seu rosto, enquanto deixava a cama da filha, cuidadosamente, para que ela não despertasse. Encarou o relógio, notando que já passavam das oito e meia da noite; devia estar a caminho, ele ficaria com Soph naquela noite. Inclinou-se sobre o corpo dela, depositando um beijo na testa da menina antes de sair do quarto, fechando delicadamente a porta atrás de si. Encontrou chegando ao quarto e esboçou um sorriso, encolhendo minimamente os ombros enquanto recebia um abraço e um olhar penoso do amigo.
- Obrigado por ficar aqui hoje. - Disse, baixo, a voz falhando levemente.
- Sabe que não precisa agradecer, . Você está dormindo aqui há dias, vá pra casa e descanse um pouco. - sorriu e viu assentir com um movimento de cabeça. Despediu-se silenciosamente e o viu adentrar o quarto, vislumbrando outra vez a filha adormecida.
Já não controlava o choro enquanto andava de cabeça baixa pelos corredores, em direção à saída. Precisava de um banho e algum tempo longe daquela atmosfera ruim que tomava todo o prédio do hospital; precisava passar pelo menos uma noite em casa.
Em pouco mais de meia hora, já estava chegando ao apartamento. Tinha certeza de que encontraria ali; ela havia se mudado para o loft algumas semanas antes e aquilo era algo bom. Não sabia o que faria se tivesse que ficar sozinho em casa nas noites que não passava no hospital. Fechou a porta, girando a chave na fechadura em seguida, e subiu as escadas, até o quarto. estava deitada na cama, assistindo a alguma coisa na televisão. Esboçou um sorriso fraco para a mulher, deixando-se cair sobre o colchão; deitou-se de atravessado na cama, a cabeça sobre as pernas dela, encarando-a dali debaixo. baixou o rosto para olhá-lo, uma das mãos deslizando pelo rosto dele em um gesto carinhoso. fechou os olhos, aproveitando a carícia enquanto esperava a pergunta que ele sabia que viria; a mesma de sempre.
- Como ela está? - Ele esperou algum tempo antes de voltar a abrir os olhos e fixá-los nos dela. Respirou fundo, esperando que a voz não falhasse enquanto se lembrava da situação da filha.
- Disseram que ainda não podem dizer com certeza se a quimioterapia está fazendo a doença regredir. - Deu de ombros, um suspiro escapando por entre seus lábios. Odiava se sentir impotente daquele jeito; era doloroso pensar que em um momento tudo estava aparentemente bem e, no outro, as coisas poderiam sair do controle. - Ela está abatida, pelos efeitos colaterais da quimio. - Fez uma nova pausa, percebendo o olhar curioso de o encarando, como se não entendesse o motivo dele ter parado de falar de repente. se sentou direito ao lado dela, os olhos expressando a dor que sentia por dentro. - Os cabelos dela começaram a cair, . - Todo o esforço que fizera pra manter a voz firme e demonstrar algum tipo de força foram inúteis naquele momento. Quase se sentia sufocado com as lágrimas que em seguida saltaram de seus olhos. Viu o sorriso que antes ela tinha no rosto murchar, passando os braços em volta do corpo de , enquanto tentava se mostrar forte em frente a ele, por saber que ele já estava desamparado demais e tudo o que menos precisava era mais alguém chorando à sua volta. Ele percebia o que a mulher fazia e se sentia culpado por estar sendo tão fraco em seu próprio ponto de vista.
- Eu estou aqui por você. - sussurrou, próximo ao ouvido dele, beijando-o no rosto em seguida, ainda com os braços ao redor dele. assentiu com a cabeça, respirando fundo e controlando, pela milésima vez no dia, o choro. Afastou-se minimamente dela, apenas o suficiente para desfazer o abraço e selar seus lábios por um breve momento, em um agradecimento silencioso. Sentiu as mãos delicadas da mulher tocarem seu rosto, secando-o, e sentiu-se grato por tê-la consigo.
- Vai ficar em casa hoje? - Ela perguntou, ajeitando-se sobre o colchão e deixando que ele deitasse a cabeça em seu peito, os dedos se perdendo entre os fios do cabelo macio dele.
- Vou. Soph estava dormindo quando saí, e tinha acabado de chegar. - Disse, segurando a mão dela que não estava ocupada com seus cabelos e fixando os olhos ali, nas duas mãos juntas.
- Você precisa mesmo de um descanso. - Ela falou, tocando a testa de com seus lábios por alguns segundos.
- E de um banho pra relaxar. - Ele resmungou, rindo fraco em seguida, antes de sair da cama preguiçosamente. - E preciso me alimentar também. - Encolheu os ombros, o rosto tomado por uma expressão infantil, antecipando o que ela diria, após ouvir a risada dela.
- Folgado! - exclamou, atirando um dos travesseiros na direção dele, fazendo-o rir enquanto desviava do mesmo. Ela sorriu; ouvir a risada dele não era mais algo tão frequente. - Vai logo. Vou preparar algo pra jantar. - Também se levantou, saindo do quarto enquanto adentrava o banheiro.
fechou a porta atrás de si, já despindo a camiseta e largando-a no canto do cômodo. Ligou o chuveiro, deixando que a água caísse por algum tempo antes de finalmente entrar debaixo dela, deixando que as gotas quentes tocassem seu corpo com força. Não se demorou muito ali e logo estava girando o registro, interrompendo o fluxo da água e enrolando-se em uma toalha para que não molhasse o quarto inteiro ao voltar; sabia que aquilo lhe renderia alguns minutos escutando um sermão de . Alcançou outra toalha, passando-a desajeitadamente pela cabeça, fazendo os fios pararem de escorrer e voltou ao quarto. Largou as duas toalhas sobre a cama e abriu o armário, retirando de lá uma boxer qualquer e uma camiseta antiga, que usava apenas pra dormir. Ao retirar a camiseta da pilha onde ela se encontrava, notou algo escapando debaixo da pilha de roupas de que estavam ali. Franziu o cenho, curioso, e puxou o envelope dali. Fixou os olhos no que estava escrito ali, percebendo que eram exames de . Não se conteve e abriu, retirando de lá algumas folhas. Sequer leu o que falava, apenas algumas palavras na segunda página chamaram sua atenção. Na verdade, uma em particular. O resultado de um dos exames. Positivo.
Desceu as escadas quase correndo e com um sorriso enorme no rosto; aquele sorriso que se fazia presente até em seus olhos e que há muito tempo não marcava presença ali.
- Por que não me contou? - As palavras voaram de sua boca assim que a viu, sentada no sofá da sala, uma das mãos acarinhando Clifford, que estava esparramado ao seu lado. o encarou, com o cenho franzido. - Fez os exames sem nem me avisar. - explicou, mostrando os papéis que tinha em mãos. Ela abriu e fechou a boca algumas vezes, sem saber o que dizer. Levantou, fazendo o cachorro a encarar como se pedisse para que ela voltasse a acariciá-lo, e caminhou até o homem, que ainda sorria.
- Eu estava esperando um dia... Melhor. - Disse a verdade, mas mordeu o lábio, ainda um pouco incerta, sem saber o que ele pensaria daquilo.
- . - Chamou, encarando-a diretamente nos olhos enquanto enlaçava sua cintura com um dos braços. Ela fixou o olhar no dele, esperando que continuasse. - Isso fez o meu dia ser um dia melhor.
Fim de Flashback
Desviou os olhos do pequeno bebê por alguns segundos, passando a observar , que ainda não conseguia tirar o olhar do filho. Os olhos dela estavam cheios de lágrimas, não mais causadas pela dor, mas sim de felicidade. Apertou os dedos em volta da mão dela, chamando sua atenção para si, e novamente inclinou o corpo na direção dela, dessa vez unindo seus lábios por alguns segundos, sem precisar dizer ou ouvir qualquer palavra para saber que compartilhavam do mesmo sentimento naquele momento. Voltou a observar a enfermeira que tinha seu filho nos braços e percebeu que, enquanto ela limpava o máximo possível do sangue que cobria o pequeno bebê, outros médicos colhiam o sangue que ficara no cordão umbilical. Fechando os olhos por um momento, pediu em silêncio que aquela fosse a cura para a doença de Sophie. Não queria nem pensar no que faria caso o teste de compatibilidade não desse certo. Balançou a cabeça, afastando aquele pensamento; não era hora para pensar naquilo. A enfermeira se aproximou com Adam enrolado em uma pequena manta, listrada de azul e branco, e o entregou a , que o aninhou cuidadosamente em seus braços, vendo-o se aconchegar ao peito dela, como se soubesse que estava, finalmente, junto de sua mãe. Ela deixou algumas lágrimas rolarem pelo rosto, enquanto seus lábios tocavam de leve e carinhosamente a testa de Adam. aproximou uma das mãos, cobertas pela luva branca, do rosto do filho, acariciando-o enquanto o sorriso em seu rosto se alargava ainda mais. Um curto flashback veio à sua mente, lembrando-lhe da cena de pouco mais de quatro anos atrás, no dia em que buscara Soph no hospital e de como assim que a pegara no colo, mesmo ainda tão pequena, ela havia lhe segurado o dedo com certa força. Lembrou-se de como aquilo havia lhe dado um motivo pelo qual continuar, ainda que sentisse como se seu mundo estivesse desmoronando, e, ao tocar a mão de Adam e senti-lo repetir o gesto de Sophie, os pequenos dedinhos fechando-se em volta do dedo do pai instintivamente, teve certeza de que ali estava mais um motivo pelo qual ele tinha que ter forças para continuar. Não só Soph precisava dele agora, mas também Adam e .
Naquela noite, teve um motivo a mais para dormir no hospital. Ainda que e tivessem se oferecido pra ficarem ali, ele simplesmente negou, não conseguiria ficar sozinho em casa, sendo que seus dois filhos e sua mulher estavam ali. Dormiu na poltrona com a qual já estava acostumado, ao lado da cama de Sophie, mas só depois de se assegurar de que, se qualquer coisa acontecesse a e a Adam, ela faria com que ele fosse chamado.
Talvez fosse a preocupação natural com um filho recém-nascido, ou talvez fosse apenas o nervosismo por saber que, em algumas horas, receberia o resultado do teste de compatibilidade de Adam e Sophie. Fosse o que fosse, fizera com que ele acordasse mais cedo que o normal. Encarou o relógio, percebendo que não passava das nove horas da manhã. Balançou a cabeça, sorrindo fracamente do próprio nervosismo. Certificou-se de que Soph ainda estava dormindo e deixou o quarto, com a intenção de ver como e Adam estavam. A cena que viu ao entrar no quarto onde ela estava fez com que um sorriso curvasse seus lábios; tinha um olhar extremamente maternal enquanto segurava Adam cuidadosamente em seus braços, amamentando-o. se aproximou da cama, inclinando-se sobre os dois para unir seus lábios aos de antes de beijar carinhosamente o topo da cabeça de Adam, que imediatamente abriu os olhos, como os de , observando-o por alguns segundos antes de voltar a atenção ao peito da mãe.
- Ele tem seus olhos. - disse, com um sorriso, enquanto se sentava na cadeira ao lado da cama. Ele assentiu com a cabeça, devolvendo o sorriso, passando a fixar os olhos nela.
- Está tudo bem com você? E com ele? - Perguntou, ouvindo uma risada escapar pelos lábios da mulher e vendo-a revirar os olhos.
- Estamos bem, você já pode relaxar um pouco. - Ela respondeu, estendendo uma das mãos na direção dele, que a segurou entre as suas, revezando o olhar entre ela e o filho, que agora tinha os olhos fechados, adormecido.
- Só quis ter certeza. - Ele deu de ombros, estirando a língua em um gesto infantil. - Quando acha que vão poder ir pra casa?
- Talvez amanhã... Dr. Chase deve passar por aqui mais tarde pra levar Adam pra fazer alguns exames, mas já me falou que está tudo certo, então não tem por que ficarmos mais muito tempo aqui. - respondeu e o viu concordar com um movimento de cabeça, mas não ouviu nada em resposta. Respirou fundo; sabia perfeitamente qual era o motivo daquela preocupação tão explícita nos olhos dele. - O resultado ainda não saiu, não é?
- Não. - A resposta veio junto a um suspiro pesado enquanto os olhos se perdiam em um ponto qualquer da parede extremamente branca do outro lado do cômodo. O silêncio pairou entre eles até que resolvesse que não era hora para pensar naquilo e balançasse a cabeça, deixando o pensamento de lado. Tirou o celular do bolso e o posicionou de frente para Adam, sorrindo e acionando a câmera do aparelho.
- Ele mal nasceu e você já está o incomodando com essa sua mania de fotografar tudo. - alfinetou, rindo, quando , depois que ele observou a foto por um momento e guardou o aparelho no bolso da calça outra vez.
- Sophie vai querer vê-lo, e não tenho certeza de que ela pode vir até aqui, então... - Explicou. Os olhos buscaram o relógio e sabia com o que ele estava preocupado. Soph ficava muito agitada se acordasse e estivesse sozinha no quarto.
- Você a deixou dormindo no quarto, né? - Ela perguntou, deslizando os dedos delicadamente pela mão dele, em uma carícia. a olhou, sorrindo ao perceber o quanto ela o conhecia, sentindo-se bem por saber que tinha alguém como ela ao seu lado.
- É. Vim aqui só ver como vocês dois estavam, ela deve acordar daqui a pouco. - Ele disse, levantando-se da cadeira onde estivera sentado antes e inclinando-se outra vez sobre ela, beijando-a por um breve momento antes de passar sua atenção ao filho. Encarou-o por algum tempo e então levantou o olhar até o rosto de mais uma vez. Abriu um sorriso torto e estendeu as mãos na direção de Adam, tirando-o do colo de e aninhando-o em seus braços, o sorriso agora era extremamente bobo enquanto ficava por alguns segundos apenas observando-o. Conseguia imaginá-lo já crescido, correndo pela casa junto de Sophie; conseguia ouvir as gargalhadas dos dois preenchendo a casa onde estariam morando dali a alguns meses enquanto ele e aproveitavam mais uma tarde sem fazer nada, apenas juntos, trocando carícias e rindo de qualquer besteira que fosse dita. De repente, sentia falta daqueles momentos que passaram a ser cada vez mais raros desde que a doença de Soph havia se agravado. Percebeu que, por mais que tivessem se aproximado, levado o relacionamento em frente ao ponto de se mudar para o loft, sempre havia alguma preocupação que o perturbava o tempo inteiro; nunca mais tivera realmente algum momento daqueles, sem preocupações, sem nada pra fazer, apenas aproveitando a presença dela. Fechou os olhos, aproximando o rosto do de Adam, apenas para deixar que seus lábios o tocassem na testa outra vez, com cuidado, para não acordá-lo. Tudo aquilo estava perto de terminar, ele sabia. Apesar de todo o nervosismo e inquietação que sentia, no fundo, tinha certeza de que, dessa vez, as coisas começariam a dar certo.
Devolveu Adam aos braços de , já que a enfermeira ainda não viera buscá-lo para levá-lo de volta à maternidade, e deixou o quarto, caminhando pelos corredores quase vazios àquela hora em direção ao quarto de Soph. Sentou-se ao lado da cama e não demorou muito para que a visse se remexendo e abrindo os olhos devagar, lentamente se acostumando à claridade do cômodo.
- Papai. - Ela abriu um sorriso fraco, assim como sua voz, que falhara ao final da palavra. devolveu o sorriso enquanto trocava a poltrona pela beirada da cama, sentando-se ao lado dela.
- Bom dia, pequena. - Sentiu-a apoiar a cabeça em seu ombro e passou um de seus braços em volta do corpo pequeno da filha, aconchegando-a contra si. - Sabe, eu tenho uma boa notícia pra você!
- O quê? - Soph se sentou melhor sobre o colchão fino, colocando os olhos curiosos sobre o pai.
- Adam nasceu! - Contou, prestando total atenção à reação dela. Primeiro a surpresa estampada claramente nos olhos verdes que ganharam um leve brilho; então, a felicidade quase palpável quando ela não conseguiu segurar um gritinho de animação que o fez rir.
- Quero ver! - A menina exclamou, sorridente. tirou o celular do bolso e encontrou a foto que tirara alguns minutos atrás, prevendo exatamente o que ela havia acabado de pedir.
- Ele ainda é muito pequeno e não pode vir aqui, então eu tirei uma foto pra te mostrar. Mas logo você vai poder ir até lá vê-lo de perto, tá? - Sorriu, entregando o aparelho à filha, que o segurou, encarando a imagem por alguns segundos, deixando que o sorriso em seu rosto se alargasse ainda mais.
- Que pequenininho! - Sophie riu, entregando o celular de volta ao pai e escorando-se nele novamente, ainda sorrindo. virou o rosto para beijá-la no topo da cabeça, também sem conseguir deixar de sorrir.
Depois de cerca de meia hora ali, fazendo companhia à Soph, falando sobre qualquer coisa e lendo algumas histórias dos livros que trouxera na última vez que estivera em casa, o médico da menina adentrou o quarto com um envelope em mãos. sentiu todos os músculos se contraírem de nervosismo. Tinha certeza do que estava naquele envelope e, ao mesmo tempo em que não via a hora de abri-lo e finalmente ter o resultado do exame, sentia medo de que fosse apenas mais uma tentativa que dera errado. O homem foi se aproximando da cama e ajeitou-se sobre a cama, soltando aos poucos o ar que havia prendido em seus pulmões.
- Eu não abri. - Ele disse, entregando o envelope nas mãos trêmulas de . Ele encarou o pedaço de papel por algum tempo antes de abrir e retirar de lá uma folha, dobrada ao meio, enquanto sentia o olhar curioso de Soph sobre si. Ele não havia contado a ela sobre aquela possibilidade; não queria que ela criasse esperanças apenas para se decepcionar outra vez, caso não desse certo. Desdobrou a folha e passou os olhos rapidamente pelos dados impressos nela; alguns números que ele não fazia ideia do que significavam, mas as palavras abaixo dele lhe diziam o suficiente para fazer um sorriso curvar seus lábios.
A compatibilidade do sangue de Sophie e Adam era suficiente para que o transplante fosse feito, com boas chances de sucesso.
Teve vontade de gritar, mas conseguiu se controlar e, ao invés disso, apenas virou-se para a filha.
- Estamos mais perto de tirar você daqui.
O sorriso mais sincero e cheio de vida que vira no rosto da filha nos últimos meses surgiu, fazendo-o sentir algumas lágrimas brotarem em seus olhos. Tudo ficaria bem, sim. Agora, mais do que nunca, ele tinha esperanças naquilo.
Dezoito
O movimento no corredor do hospital parecia maior do que o normal naquele dia. Apenas para deixá-lo ainda mais nervoso, era o que pensava. Cada vez que ouvia passos se aproximando da porta, os olhos ansiosos se fixavam sobre a mesma, esperando ver o médico de Soph adentrar o quarto, pronto para levá-la para fazer o transplante que, se tudo desse certo, deixaria a menina livre da doença.
Havia se passado uma semana desde o nascimento de Adam; nesse meio tempo, alguns exames foram refeitos em Sophie, apenas para ter certeza de que ela poderia receber as células do irmão mais novo. Nos mesmos exames, os médicos constataram uma remissão na doença, o que aumentava as chances do transplante dar certo. Tudo isso só havia servido pra deixar todos ainda mais confiantes naquilo, por isso, naquele dia, antes mesmo dos ponteiros do relógio marcarem oito horas da manhã, já estava acordado e inquieto, por vezes caminhando de um lado para o outro dentro do quarto, mesmo sabendo que ainda teria algum bom tempo antes de levarem Soph.
Levantou da poltrona mais uma vez, os passos ecoando levemente pelo cômodo silencioso enquanto ele caminhava até a janela e observava a rua do lado de fora. A neve parara de cair naquela manhã de Novembro, mas um vento frio ainda se fazia presente, ele podia notar, graças aos casacos pesados e cachecóis que as pessoas lá embaixo vestiam. Percebeu pelo canto dos olhos quando a filha se remexeu na cama e virou-se rapidamente para observá-la. O sorriso no rosto dela, por saber que seus dias ali dentro provavelmente já estavam contados, fez com que retribuísse involuntariamente o gesto, enquanto se aproximava da cama.
- Falta muito? - Foram as primeiras palavras que ela disse, antes mesmo que ele pudesse falar algo. deu de ombros enquanto pousava os olhos sobre o relógio, que marcava quase nove horas.
- Não, logo seu médico deve passar aqui. - Sorriu, vendo-a assentir com a cabeça, em silêncio, parecendo pensar em alguma outra coisa. Ele franziu o cenho, esperando que ela falasse.
- Dói? - A voz de Soph soou fraquinha, demonstrando o medo que ela estava sentindo no momento. abriu um sorriso na direção dela, lançando-lhe um olhar paternal antes de segurar a mão da filha entre as suas e responder.
- Não. Você nem vai sentir nada, eu prometo, tudo bem? - Novamente ela concordou com um movimento de cabeça, e ele continuou. - Você vai dormir e, quando acordar, já vai estar aqui de novo. Aí só precisa ficar mais uns dias aqui pros médicos terem certeza que deu tudo certo e podemos ir pra casa.
Foram interrompidos logo em seguida pelo médico de Sophie, que entrou no quarto acompanhado de uma enfermeira. Após ser informado de que, infelizmente, não poderia acompanhar o procedimento, ele se encaminhou para a lanchonete, sentando-se em uma mesa qualquer depois de pegar o copo de café, exatamente como fazia em todas as manhãs; porém, nos outros dias, o café tinha a função de mantê-lo acordado, uma vez que normalmente estava cansado e sonolento o tempo inteiro. Naquele dia, apenas pedira a bebida para se manter ocupado com alguma coisa que não o fizesse encarar o relógio a cada dois minutos, esperando que o transplante terminasse. Tudo o que queria era voltar àquele quarto do hospital, ver sua filha abrir os olhos e proferir qualquer conjunto de palavras pra lhe dizer que ele estava certo, que não havia sentido um toque sequer. Queria vê-la sorrir e, dali a mais ou menos duas semanas, queria vê-la deixar o hospital, daquela vez, definitivamente. Queria mudar logo para a casa que havia comprado - e que, por sinal, já estava quase totalmente construída; talvez, em algumas semanas, já pudessem se mudar - e sorrir ao tê-la preenchida pelas risadas dos filhos, que correriam por ela inteira, deixando os brinquedos espalhados pelo caminho, mas ele não se importaria, porque, depois de tanto tempo, finalmente poderia dizer que tudo estava bem outra vez.
O dia amanhecera nublado em Londres. As nuvens pesadas e cinzentas ameaçavam deixar a chuva cair a qualquer momento sobre as ruas cheias de gente que provavelmente haviam deixado pra fazer as compras de Natal de última hora... Assim como e haviam feito. A verdade era que, depois do transplante, Soph ainda havia ficado duas semanas em observação, para que pudessem ter certeza de que seu organismo não ofereceria qualquer tipo de rejeição às células novas e, então, na semana que se seguiu, com sua volta pra casa, estiveram ocupados demais aproveitando aqueles momentos em família para sequer se lembrarem do feriado que se aproximava.
já tinha os olhos abertos havia algum tempo, mas permanecia em silêncio, apenas pensando no peso que saíra de suas costas por finalmente estar em casa outra vez, finalmente poder estar mais presente na vida de Adam e e sem mais tantas preocupações. Respirou fundo e virou o rosto para fixar os olhos no rosto de , ainda adormecida ao seu lado. Deitou-se de lado, o corpo apoiado sobre um dos braços, elevando-se um pouco para observá-la melhor. Um leve sorriso curvou seus lábios enquanto ele levava a outra mão até o rosto dela, acariciando-a de leve. Não demorou muito para que ela sorrisse de volta e colocasse a mão sobre a dele, abrindo os olhos preguiçosamente para encará-lo.
- Quanto tempo pretendia ficar me observando, ? - Perguntou, uma risada cortando sua voz ao final da frase. resmungou algo em resposta, deixando seu corpo cair inteiramente sobre o colchão outra vez.
- Você devia parar de acordar e me deixar feito idiota te olhando. - Disse, virando-se de costas para a mulher em uma atitude infantil que a fez rir outra vez. também se deitou de lado, porém, virada para ele. Deslizou as mãos lentamente pelos ombros descobertos dele, aproximando seu rosto da nuca de , tocando-a com seus lábios e fazendo-o se arrepiar. Ela continuou com a leve provocação até que ele virasse outra vez, encarando-a com um sorriso no rosto. Quebrou a distância entre eles, colando sua boca à dela enquanto os dedos delicados de embrenhavam-se em seus cabelos, em uma leve carícia. Ela se impulsionou contra ele, deixando que seu corpo ficasse sobre o de , sem separar os lábios dos dele. sorriu entre o beijo, fazendo-a imitá-lo.
- Posso pensar no caso de continuar sendo pego te observando se você for pedir desculpas desse jeito toda manhã. - Ele disse, os lábios ainda tocando os dela ao falar. rolou os olhos, unindo seus lábios aos dele mais uma vez antes de rolar para o lado e levantar da cama. resmungou, fazendo-a encará-lo, parada à porta do banheiro.
- Você devia levantar também. Sabe, já tá muito em cima da hora pra fazer as compras de Natal. Se você ficar enrolando aí, preguiçoso do jeito que é, não vamos terminar tudo hoje. - franziu o cenho, encarando-o como se estivesse realmente braba com ele, mas só conseguindo fazer com que ele risse e se sentasse na cama, fixando o olhar nela.
- Mas só temos que comprar os nossos. E os das crianças. Não é tanta coisa assim. - Ele rebateu, coçando os olhos e desviando o olhar para o travesseiro, que parecia gritar seu nome para que ele deitasse outra vez; não por sono, mas por pura preguiça. - Podíamos ter o típico sábado sem fazer nada hoje...
- Claro. Não precisamos comprar os presentes dos meus pais, dos seus pais, do , da , da Kim e da Audrey, que você sabe que passam o Natal conosco desde que se separou do pai de Aud? - A mulher rolou os olhos e entortou a boca, finalmente se dando por vencido e levantando.
- Vou acordar Sophie e arrumá-la, depois acordamos Adam. - Ele disse, vendo-a assentir e entrar definitivamente no banheiro enquanto ele ia até o quarto que os filhos dividiam até que a casa que haviam comprado ficasse pronta para que pudessem se mudar.
Quem os olhasse de longe, nunca imaginaria tudo pelo que haviam passado nos últimos anos. Os sorrisos que não desapareciam do rosto de nenhum deles em momento algum, as risadas que podiam ser ouvidas por aqueles que passassem por eles, tudo transmitia uma felicidade quase que tocável. empurrava o carrinho onde Adam estava deitado na direção do estacionamento do shopping, enquanto carregava as várias sacolas em uma mão e tinha a outra segurando a mão de Sophie, que o acompanhava animadamente, segurando o pacote que ela insistira para levar, já que era o presente de Adam e ela é que havia escolhido. Chegaram até o carro e, depois de colocar Adam e Soph em suas cadeirinhas, as compras e o carrinho no porta malas, e adentraram o veículo, rindo de alguma coisa que Sophie havia dito. O celular de tocou, fazendo com que ele deixasse de prestar atenção na filha e o atendesse. continuava conversando com a menina, que tentava se soltar da cadeirinha onde fora colocada para brincar com o irmão, que a encarava com os olhos curiosos.
- Por que ele não fala? - Soph cansou de tentar conversar com Adam e cruzou os bracinhos em frente ao peito, emburrada.
- Porque ele é muito pequenininho ainda, meu amor. - respondeu, um sorriso doce estampado em seus lábios, causado pela inocência de Soph. Saber que ela não havia relutado ao aceitar Adam lhe dava um imenso alívio. Sabia que muitas vezes os filhos mais velhos acabavam por sentir ciúmes dos bebês e tinha medo de que isso acontecesse, até pelo fato de que ela tinha o emocional ainda afetado pela doença da qual se livrara poucas semanas antes. Sophie concordou com a cabeça, mas ainda parecia inconformada com o fato de que Adam não a respondia.
desligou o telefone e virou-se para , com um sorriso no rosto, fazendo-a franzir o cenho em curiosidade.
- Era o cara da construtora. Eles conseguiram terminar as casas mais cedo do que o previsto. Podemos nos mudar semana que vem, antes do Natal! - Contou, vendo retribuir o sorriso na direção dele e Sophie bater palmas, animada, virando-se outra vez na direção de Adam.
- Viu? Agora você vai ter um quarto só seu. - Disse, animada, encarando o irmão, mas deixou que o lábio inferior se projetasse pra frente em um bico emburrado logo em seguida, quando percebeu que não receberia resposta outra vez, estirando a língua na direção de quando ouviu uma risada escapando por entre os lábios dele.
Não demorou muito pra que chegassem ao apartamento e, tão logo largou as sacolas de compras em um canto da sala, Soph correu até elas, procurando pelo pacote de seu presente. parou ao lado dela, impedindo-a de encontrá-lo e abri-lo.
- Nada disso, mocinha. - A mulher riu fraco, puxando-a pela mão e afastando-a dali. - Só vai poder abrir no dia de Natal.
- Mas... - Ela ameaçou reclamar, já franzindo o cenho e pronta para insistir, virando-se na direção do pai, que descia as escadas após ter levado Adam, adormecido, para o quarto. - Pai!
- está certa, pequena. - Ele se aproximou dela, rindo brevemente enquanto se inclinava para beijá-la na testa, carinhosamente. - Pense só, se você abrir agora, no Natal, todo mundo vai receber os presentes e você não! - Sorriu quando a viu assentir com a cabeça, ainda um pouco emburrada, depois de pensar durante alguns segundos, em seguida ligando a televisão e colocando diretamente no canal de desenhos animados que gostava.
- Não me deixe te deixar mimar Adam como você fez com Sophie. - riu, recebendo um rolar de olhos como resposta. Aproximou-se de , que estendeu os braços na direção dela, abraçando-a.
- Você é que vai mimá-lo, certo? - Ele provocou, apertando mais os braços em volta dela quando a sentiu tentando se afastar. Colou os lábios aos dela, fazendo-a esquecer o que iria responder e apenas corresponder ao beijo. Ele sorriu, sem separar a boca da dela, fazendo-a retribuir o gesto enquanto deixava os dedos de uma das mãos se perderem entre os fios do cabelo dele e a outra mão acariciava o rosto à sua frente, sentindo a barba por fazer que começava a aparecer lhe arranhar de leve a pele. Ele se afastou minimamente dela, olhando-a nos olhos.
- Sabe... É tão bom estar em casa outra vez. Com você, Adam, Sophie... Sem preocupações. - Disse, ainda sorrindo, levando uma das mãos até o rosto dela para retirar os fios de cabelo que o cobriam. sorriu de volta, unindo os lábios aos dele mais uma vez por alguns segundos.
- E as coisas ficarão assim por um bom tempo, pode ter certeza. - Ela falou, apertando os braços em volta dele em seguida. Porém, soltou do abraço quando ouviu, ao longe, o choro de Adam.
- Sua vez. - Foi o que disse, rindo fraco, antes que ela assentisse com a cabeça e saísse em direção às escadas para atender o filho. caminhou até o sofá, sentando-se nele e observando Soph, que se encontrava sentada no tapete felpudo da sala. A televisão estava ligada, mas ele podia perceber que o olhar da filha estava fixo na grande parede de vidro do loft, como se observasse algo do lado de fora, mas não havia nada para ver além do céu escuro da noite, pontilhado por algumas estrelas brilhantes. Franzindo o cenho, ele deixou o sofá e se sentou junto a ela, que virou o rosto para ele com um leve sobressalto ao senti-lo tocando-a no bracinho.
- Tudo bem, pequena? Está sentindo alguma coisa? - Perguntou, o tom atencioso de sua voz soando mais preocupado que o normal. Sentia-se daquele jeito toda vez que ela agia de modo diferente, com medo de que a doença pudesse estar voltando. Com cuidado, colocou-a sentada em seu colo enquanto a menina pousava os olhos sobre ele.
- Eu sonhei com a mamãe. - Soph disse e pode ver o lábio inferior dela tremer rapidamente, como se ela estivesse prestes a chorar. Ele franziu o cenho, sem tirar os olhos do rosto dela, e ela continuou. - Um dia no hospital e ontem de novo.
- E o que você sonhou? - Perguntou, curioso, e em seguida a menina começou a contar o que havia sonhado.
Era um campo enorme, a grama alta e extremamente verde quase tocava a cintura de Sophie enquanto ela corria por entre as flores também existentes ali. Os olhos passavam por toda a extensão do lugar, procurando alguém além dela; estar sozinha em um lugar desconhecido começava a assustá-la. Ouviu alguns passos às suas costas e virou-se, abrindo um sorriso imediatamente. Allison retribuiu o gesto, uma expressão extremamente maternal tomava conta de seu rosto, sem conseguir desviar os olhos da direção da filha. A menina correu na direção da mãe, que se abaixou para ficar da altura dela, com os braços abertos para recebê-la.
- Mamãe. - A voz de Soph soava abafada, já que ela tinha o rosto escondido no pescoço de Ally, enquanto os bracinhos a envolviam com força.
- Oi, meu amor. - Allison fez com que a filha afastasse minimamente o rosto, para que ela pudesse observá-la com mais atenção, ainda sem desfazer o sorriso. - Tudo bem com você e o papai? - Perguntou, passando os dedos delicados pela franja da menina, que só naquele momento pareceu perceber que seus cabelos estavam crescidos outra vez e levou a pequena mãozinha até os fios, puxando-os até onde pudesse vê-los e olhando-os com um leve brilho no olhar.
- Ele tá feliz, agora. Ele disse que eu vou poder ir pra casa logo, mamãe! - Ela sorriu abertamente, fazendo com que uma risada escapasse por entre os lábios rosados da mulher. - E meu maninho nasceu. Papai disse que mesmo sendo de outra mamãe, ele é meu maninho, e ele que vai me ajudar a sair do hospital.
- Claro que ele é seu irmãozinho, pequena. E sabe o que mais? - Ally começara a andar por entre o gramado florido, carregando Soph, que não desviava os olhos de seu rosto, em seus braços. A garotinha franziu o cenho em curiosidade, como em um pedido silencioso para que a mãe continuasse o que falava. - Tia é como uma mamãe pra você também. Ela esteve sempre lá esse tempo todo, não foi?
- Então eu tenho duas mamães agora? - Sophie perguntou, enquanto Allison se sentava à sombra de uma grande árvore existente ali e a colocava sentada sobre uma de suas pernas. A menina deitou a cabeça no ombro da mãe, que deixou os dedos se perderem entre os cabelos dela, em uma leve carícia. Ally riu com a pergunta da filha e levou alguns segundos até respondê-la.
- Sim. Uma mamãe lá com você e outra cuidando de você de longe. - Ela disse, e sentiu os olhos lentamente ficando úmidos com algumas lágrimas que insistiam em surgir.
- Eu queria que você pudesse ficar lá com a gente. - Soph disse, a voz um pouco mais baixa e cruzando os bracinhos em frente ao peito, fazendo um sorriso singelo surgir nos lábios de Ally. - Ou que o papai viesse pra cá, também.
- Ele não pode, meu amor. - A mulher falou, a voz com o mesmo tom extremamente maternal de sempre. - Você disse que o papai estava feliz agora, não disse? - Olhou para a garotinha, que assentiu com a cabeça. - Então, ele tem que ficar lá. E é por isso que você tem que ir com ele também. - Allison tocou a testa da filha com os lábios durante alguns segundos antes de indicar, com um movimento de cabeça, o homem que observava a cena de longe com os lábios curvados em um sorriso doce.
- Mas... - Soph começou a reclamar, mas Ally não deixou que ela terminasse a frase.
- Vai lá, pequena. Ele está esperando. - Delicadamente, fez com que a menina levantasse de seu colo. - A mamãe vai estar sempre com você, tudo bem? - Sorriu e a viu caminhar na direção de . As lágrimas que segurara enquanto Sophie estava por perto finalmente rolaram por seu rosto, mas ela ainda conseguiu esboçar um novo sorriso quando ela virou para observá-la mais uma vez, ao segurar a mão do pai e caminhar para longe.
- Oh... Não foi um sonho ruim, então. - disse, após alguns segundos de silêncio, enquanto processava o que a filha estava lhe dizendo. Fixou os olhos no rosto dela, que balançou levemente a cabeça, assentindo.
- Eu quero ir lá ver a mamãe, pai. - Soph pediu e imediatamente o homem entendeu a que lugar ela se referia; o cemitério. Finalmente entendeu, então, o que o sonho dela podia significar. Era como se só então estivesse aceitando o fato de que não tinha a mãe com ela. Estava lidando com a falta que Allison havia feito em sua vida, ainda que conseguisse, de certa forma, supri-la. viu, nos olhos de Sophie, que naquele momento ela finalmente entendera, da forma que não havia feito há dois anos, quando ele a levara ao cemitério, o que realmente havia acontecido com Ally.
- Nós podemos ir até lá amanhã, tudo bem? Hoje já está muito tarde. - Ele disse, mordendo o lábio inferior enquanto sentia uma incerteza tomar conta de si, com medo de que ela fosse insistir, como sempre fazia. Porém, ela apenas concordou com um novo movimento de cabeça e esboçou um sorriso, levantando-se para contornar o pescoço do pai com os braços, em um abraço de agradecimento.
Dezenove
Os pequenos pés, cobertos por pantufas de coelhinhos cor de rosa, tocavam leve e cuidadosamente os degraus que compunham a escada da casa de campo dos , onde haviam passado a noite de Natal, enquanto a mãozinha delicada segurava fortemente o corrimão de madeira, buscando apoio enquanto lentamente alcançava o andar de baixo. Ao descer o último degrau, a menininha correu em direção a árvore de natal, colocada ao lado da lareira que continha apenas as cinzas deixadas lá na noite passada. Sentou-se sobre o tapete felpudo da sala e esticou-se até alcançar os pacotes que estavam ali e que ela sabia serem seus. O primeiro a ser aberto foi o grande pacote cor de rosa, que ela queria abrir desde o momento em que chegara em casa, após o dia de compras, pois já sabia o que continha: a boneca que tanto pedira ao pai pra ganhar. Com um largo sorriso no rosto, colocou a boneca ao seu lado e pegou outro pacote, lilás, dessa vez; um pequeno cartão preso à fita que o decorava dizia que aquele era o presente que comprara a ela, embora ela ainda não soubesse ler pra saber daquilo. Abriu, encontrando um vestidinho florido, certamente escolhido por , que a fez sorrir ainda mais, imaginando-se vestida com ele. Outros dois pacotes ainda se encontravam fechados ao seu lado quando ela ouviu passos mais pesados que os seus descerem a escada e virou-se para ver quem estava chegando. Um sorriso sapeca e genuinamente infantil curvou os lábios de Sophie quando ela reconheceu a figura do pai, que logo apareceu na porta da sala. nitidamente havia acabado de sair da cama: tinha os cabelos bagunçados e o rosto marcado pelos lençóis, coisa que a fez rir, deixando-o sem entender.
- Papai tá engraçado. - Ela disse, deixando outra gargalhada escapar, e voltando-se aos presentes, abrindo o terceiro deles. aproximou-se dela e sentou-se no sofá, observando-a enquanto ela tirava um macaquinho de pelúcia lilás, presente de , que a fez lembrar que havia insistido para que levassem um exatamente igual, porém azul, para Adam.
- E você, hein? Acordando antes de todo mundo só pra abrir logo seus presentes. - Ele riu e a filha estirou a língua em sua direção em resposta. - O que tem no presente da vovó e do vovô?
- Ainda não abri! - Soph disse, esticando-se para alcançar o último pacote. Sem paciência para abrir cuidadosamente como havia feito com os outros, ela simplesmente rasgou o papel que embrulhava dois DVDs. sorriu ao ver os olhos da filha brilharem enquanto reconhecia os filmes que os avós haviam lhe dado: Os Smurfs e Enrolados. Dois dos preferidos da menina. - Quero assistir! Agora, pai, assiste comigo!
- Soph, não são nem dez horas da manhã. - Ele disse, rindo fraco. - Vamos fazer assim, nós ficamos aqui até o almoço, depois vamos pra casa, e lá nos assistimos os dois, pode ser? Eu, você, e o Adam!
- Tá bom. - A menina deu de ombros, satisfeita, após pensar por alguns segundos. se curvou sobre ela, beijando-lhe a testa antes de ir em direção à cozinha da casa, mas parou quando a voz dela lhe chamou outra vez. - Onde você vai?
- Fazer o café da manhã pra gente. - Ele abriu um sorriso quando a viu levantar, deixando os presentes todos sobre o tapete, e correr na direção dele.
- Posso ajudar? - Pediu, juntando as mãozinhas abaixo do queixo e inclinando a cabeça levemente para o lado, quase como se implorasse para que o pai permitisse. Uma risada escapou dos lábios dele antes que ele assentisse com a cabeça, pegando-a no colo inesperadamente, fazendo-a gargalhar alto, e voltando a caminhar em direção à cozinha enquanto fazia um "Shhh!" para a filha, esperando que ela não acordasse a casa inteira com suas risadas.
Depois de cerca de meia hora e uma cozinha bastante bagunçada que sabia que resultaria em algumas reclamações de sua mãe mais tarde, ele e a filha andavam silenciosamente e com cuidado pelo corredor do andar superior, em direção ao quarto onde ainda se encontrava dormindo. Ao pararem em frente à porta, Sophie levantou o olhar para o pai e o viu assentir com a cabeça, sorrindo e a encorajando a abri-la, ainda em silêncio. A menina empurrou a porta de madeira e adentrou o cômodo, sendo seguida por , que carregava a bandeja com o café da manhã. O homem sorriu quando Soph correu em direção à cama e praticamente pulou sobre o colchão, fazendo abrir os olhos instantaneamente, parecendo assustada.
- Bom dia! - Sophie exclamou, abrindo os bracinhos e em seguida se jogando em cima de em um abraço desajeitado que fez a mulher rir. gargalhou junto ao ver a cena, enquanto se aproximava da cama lentamente, sentando-se na beirada da mesma em seguida. Deixou a bandeja sobre a mesa de cabeceira e inclinou-se na direção de , depois que Soph já havia se sentado ao lado dela outra vez, selando seus lábios rapidamente.
- Tanto tempo e eu ainda não me acostumei a acordar com vocês dois pulando na cama nas manhãs de Natal. - Ela riu, sendo acompanhada por e Sophie.
- No próximo Natal, seremos três. - Ele disse, sorrindo abertamente e vendo o gesto refletido no rosto dela antes de se esticar pra buscar a bandeja na mesa de cabeceira, colocando-a sobre a cama, um pouco afastada de onde os três estavam, para que não corresse o risco de derrubar qualquer coisa.
- A gente fez o café pra mamãe! - Sophie falou, tão naturalmente que sequer percebeu o que havia dito. Mamãe. Dois pares de olhos se fixaram nela naquele momento, bastante surpresos. encarava a filha, uma expressão abobalhada no rosto e um sorriso singelo nos lábios. Desviou o olhar para , que ainda olhava fixamente para a menina ao seu lado sem sequer tentar esconder as poucas lágrimas que marejavam seus olhos e deixavam sua visão levemente embaçada. Mamãe. Já estava acostumada ao carinho que Sophie tinha por ela, depois de todos aqueles anos convivendo com ela, mas nunca havia sido chamada de mamãe por ela. Deixou o rosto ser molhado pelas lágrimas que rolaram lentamente e logo se perderam no largo sorriso que curvara seus lábios enquanto ela abria os braços, chamando Soph para um novo abraço. A menina não hesitou antes de se aconchegar ao peito de , retribuindo o abraço.
- Obrigada, pequena. - A mulher falou, logo em seguida depositando um beijo no topo da cabeça dela.
aproximou-se das duas em silêncio, também as abraçando, fazendo com que Sophie reclamasse por ficar presa entre o corpo de e o de , enquanto tentava inutilmente empurrá-lo para trás. Ele riu e se sentou direito sobre a cama novamente, sentindo a filha largar o corpo sobre ele, rindo em seguida da expressão dele.
- Folgada. - Ele resmungou, ouvindo uma nova risada vinda dela e de . Sorriu involuntariamente, sentindo-se incrivelmente bem por estar ali. Não havia, para ele, sensação melhor do que ver que as coisas realmente estavam voltando aos seus lugares.
Os flocos de neve caíam sobre o carro em movimento e capturavam a atenção de Sophie, que tinha o rosto quase colado à janela fechada para observar as ruas quase que completamente brancas graças à neve que se acumulava lentamente. Adam resmungou alguma coisa durante o sono e a menina se afastou do vidro para observar mais de perto o irmão, que se encontrava deitado na cadeirinha especial para bebês. Percebeu que ele ameaçava chorar e imediatamente pegou o macaquinho azul claro que ela havia escolhido como sendo um dos presentes dele de Natal, que estava sobre o banco do carro, e entregou-o a Adam, como se aquilo pudesse fazê-lo parar de chorar. , que tinha se virado sobre o banco da frente, observava a cena com um sorriso curvando seus lábios.
- Não chora. - Soph falou baixinho, mas ainda assim e puderam ouvir e trocaram um olhar abobalhado, esperando que a menina continuasse. - A gente já vai chegar em casa. Na casa nova! - Ela continuava falando, animada, e os olhos curiosos de Adam haviam se fixado no rosto dela. - Aí a gente pode assistir o filme que a vovó me deu. Né, pai? Você disse que a gente ia ver! - Desviou sua atenção do irmão para , vendo-o rir brevemente e assentir com a cabeça. Sophie voltou a falar com Adam, mesmo que ele não respondesse; tinha a mão apoiada na beirada da cadeirinha dele e, em certo momento, o bebê esticou a mãozinha para segurar a da irmã, que sorriu com o gesto.
Pouco menos de dez minutos depois, estacionava o carro no espaço da garagem da casa recém construída que não estava ocupado por várias caixas. Haviam levado a mudança para lá menos de uma semana atrás e ainda não haviam colocado tudo em seu devido lugar, já que cada vez que começavam a arrumar, decidia agir como uma criança, usando qualquer coisa que encontrasse para brincar com os filhos, resultando em uma frustrada por não conseguir ajeitar tudo, nem permanecer brava com o homem; sempre acabava rindo junto a ele e as crianças.
Desceram do carro e, enquanto pegava Adam nos braços, retirava a pequena mala que haviam levado para a casa de campo, apenas com algumas roupas de cada um deles, afinal, só haviam passado um dia lá. Sophie já corria para dentro da casa, pela porta interna da garagem, os DVDs que ganhara mais cedo nas mãos, ansiosa para assisti-los, quando virou-se para .
- Tá tudo certo, já? - Ele perguntou, um sorriso sapeca aparecendo em seus lábios enquanto a via confirmar com um aceno de cabeça.
- Só distraia ela por algum tempo pra eu colocar tudo no lugar. - A mulher sorriu e foi a vez dele confirmar, em silêncio, antes de apressar o passo para alcançar a filha, que já se encontrava sentada no sofá em frente à televisão. Sentou-se ao lado dela, observando-a atentamente até que ela percebesse sua presença e se virasse para ele, ao mesmo tempo em que encolhia as perninhas para cima do sofá, entregando o filme para o pai antes de abraçá-las.
- Quero ver, pai. - Pediu outra vez, inclinando a cabeça levemente para o lado, sem desviar o olhar, que ainda permanecia fixo nele. pensou por algum tempo, decidindo que a maneira mais fácil de distraí-la seria colocar o filme e, assim, ela ficaria entretida o suficiente para que não visse o que estava fazendo pelo resto da casa.
- Tudo bem, sua chatinha. - Ele riu, levantando-se e beijando-a na testa antes de alcançar o aparelho de DVD e colocar o filme, voltando a se sentar ao lado da menina logo em seguida. Soph prontamente se deixou cair sobre o pai, deitando a cabeça sobre as pernas dele, os olhos fixos na televisão, que agora tinha Os Smurfs passando e prendia totalmente sua atenção. apenas observava Sophie com um sorriso no rosto, sem realmente assistir ao filme. Às vezes, ela levantava os olhos até o rosto dele por alguns breves segundos e abria um sorriso que o deixava completamente bobo, como sempre fizera. Era incrível a sensação que tinha quando a via tão bem outra vez.
Cerca de meia hora depois, viu, pelo canto dos olhos, quando adentrou a sala, com um sorriso infantil no rosto. Ele alcançou o controle do DVD e pausou o filme, fazendo com que Sophie imediatamente se virasse para ele, quase indignada. parou em frente aos dois, chamando a atenção da menina. Ela se abaixou, ficando na altura do sofá, segurando as mãozinhas delas entre as suas próprias.
- Nós temos uma surpresa pra você, pequena. - Ela disse, vendo Soph arregalar os olhos e, com um pulo, se sentar, a curiosidade completamente expressa nos olhos verdes que tinham um brilho diferenciado agora, como se milhares de ideias passassem por sua cabeça, querendo saber o que era a tal surpresa. - Vem cá. - Puxou Sophie por uma das mãos, fazendo-a pular do sofá, e a levou até a porta da sala onde se encontravam, enquanto as seguia, em silêncio, mas sorrindo abertamente.
- O que é?! - A garotinha perguntou, olhando de para em busca de uma resposta, mas tudo que os dois fizeram foi balançar a cabeça de um lado para o outro, sorrindo cúmplices um para o outro, sem pronunciarem uma palavra.
- Está vendo essas patinhas aqui? Você vai segui-las, elas vão te levar até a sua surpresa. - disse e soltou a mão de Soph, que imediatamente saiu praticamente correndo, seguindo as marcas de patas de cachorro que estavam espalhadas por toda a casa, até chegarem ao quartinho onde Sophie costumava brincar, com todos os seus brinquedos espalhados pelo cômodo. Ao fundo, entretanto, estava um Clifford vestido de dálmata, preso à coleira, que estava presa em algum outro lugar que Soph não conseguia ver. Da boca do cachorro, pendia uma mochila com estampa dos 101 Dálmatas, um dos filmes da Disney preferidos de Soph. A gargalhada alta da menina ecoou pelo quarto ao ver Clifford, e então ela se aproximou, pegando a mochila em suas mãos e ouvindo um latido do cachorro em resposta. Ela abriu a mochila, a boca aberta em completa surpresa enquanto os olhos verdes se tornavam extremamente brilhosos conforme ela retirava o conteúdo de dentro da mesma.
- O vestido da Cinderella! - Sophie conseguiu dizer, com a voz falhando, tamanha era a sua felicidade ao ver o vestido azul claro, praticamente idêntico ao da princesa que era a sua preferida dentre todas as outras princesas da Disney.
- Tem mais, pequena. - falou, sentando-se no chão mesmo, ao lado dela, um sorriso enorme no rosto apenas ao ver o quanto a filha estava feliz. o acompanhou, sentando-se ao seu lado enquanto observava a cena, também sem deixar de sorrir.
A menina voltou a abrir a mochila, soltando mais um gritinho animado ao ver um par de sapatinhos que imitavam os sapatos de cristal da Cinderella, combinando com o vestido que ela acabara de largar sobre a poltrona ao seu lado. Ela olhou para o pai, mas ele nada disse, apenas indicou a mochila com um aceno de cabeça, fazendo-a entender que ainda não havia acabado. Largou a mochila ao seus pés quando retirou de lá uma pequena coroa, para que completasse a fantasia de princesa da menina. Soph fez menção de correr na direção de , mas abriu a boca para falar, fazendo-a parar.
- Antes, Soph, conte pra gente... Onde você gostaria de usar essa fantasia linda? - Perguntou, lançando um rápido olhar cúmplice a . A garotinha franziu o cenho, como se não entendesse o motivo da pergunta.
- Na Disney. - Ela disse, depois de pensar por alguns segundos, dando de ombros enquanto sorria sapeca, percebendo quando o pai deixou uma gargalhada curta escapar por entre os lábios.
- Tem uma última coisa na sua mochila, meu amor. - Ele disse, vendo-a se voltar à mochila e virá-la de cabeça para baixo, pois tinha quase certeza de que não vira mais nada ali dentro. Porém, ao fazê-lo, percebeu que alguns papéis caíam de dentro dela. Abaixou-se, observando-os por alguns segundos, tentando entender o que eram. Não sabia ler direito ainda, mas com certeza entendia uma palavra que estava presente na maior parte deles. Disney.
Com os olhos ainda mais brilhantes, agora por conta das lágrimas que se formavam neles, Soph praticamente se jogou contra , fazendo-o se desequilibrar e deitar no chão, rindo alto, com ela sobre si. Ela olhava do pai para , que ainda tinha um grande sorriso no rosto, como se não soubesse a quem agradecer. Com algum esforço, sentou novamente, mantendo a filha em seu colo, e se aproximou, recebendo um abraço de Sophie também.
- Vai ser, definitivamente, um ano novo, pequena. - Ele sussurrou no ouvido da menina, que parava de chorar e sussurrou um "Obrigada, pai" de volta.
A brisa fraca que viera com o entardecer, algumas horas atrás, era o suficiente para causar uma leve sensação de frio na família que andava pelo Magic Kingdom. A garotinha, que insistira em vestir o lindo vestido que ganhara na semana anterior, imitando a Cinderella, ia sendo carregada nos ombros do pai. Sorria abertamente, toda a felicidade que sentia em estar ali nitidamente expressa em seu rosto enquanto tentava colocar na cabeça do pai uma tiara com as orelhas do Mickey. balançava a cabeça, rindo, mas finalmente se rendeu e deixou que Sophie firmasse o objeto em sua cabeça. ergueu o olhar para ele e gargalhou, fazendo-o estirar a língua em sua direção como resposta.
- Papai é o Mickey. Agora a mamãe tem que ter orelhinhas também, pra ser a Minnie! - Soph exclamou, fazendo com que, dessa vez, gargalhasse.
- Eu acho que nós temos um par de orelhas sobrando. - Disse, com um sorriso brincalhão estampado nos lábios, enquanto colocava Sophie no chão por alguns momentos, apenas para poder buscar na mochila um par de orelhas exatamente igual ao que ele usava. Ignorando os protestos de , ele colocou o objeto na cabeça dela, beijando-a em seguida, entre risos, enquanto Soph batia palmas, animada por ver os pais como os personagens que ela tanto adorava.
- Feliz agora, pequena? - a olhou sorrindo e a menina assentiu, gritando quando, de surpresa, a pegou nos braços, colocando-a sobre seus ombros outra vez.
- Ai, que susto, pai! - Ela fez bico, segurando com força os cabelos do pai até se acostumar novamente com a altura, fazendo-o resmungar com um pouco de dor.
- Ouch, Soph, quando foi que você começou a ter tanta força? - rolou os olhos, mas o tom brincalhão em sua voz entregava que na verdade ele pouco ligava para aquilo. Estar ali com sua família, ver Sophie feliz daquele jeito, sorrindo e brincando o tempo inteiro... Aquilo era tudo o que ele queria. Não precisava de absolutamente nada além daquilo.
O vento bateu com mais força, fazendo aconchegar Adam, que mal tinha dois meses de vida, em seu peito, protegendo-o para que ele não acabasse doente, enquanto a observava sorrindo. Mesmo depois de todo o tempo juntos, aqueles pequenos gestos ainda o faziam sorrir encantado. O modo como ela sempre demonstrara se preocupar com Sophie e, agora, com o pequeno Adam também. Ele percebeu quando ela se encolheu, sentindo um arrepio, ainda por conta do frio, e, com alguma dificuldade pelo fato de ter uma mão ocupada segurando a perna de Soph, apenas para garantir que ela não cairia, jogou o casaco que carregava pendurado no braço sobre os ombros de , vendo-a sorrir em sua direção em agradecimento. Ela procurou a mão dele, entrelaçando seus dedos enquanto continuavam andando pelo parque, que já se encontrava lotado de pessoas que estavam ali pra ver a queima de fogos da virada do ano.
- Papai, onde a gente vai ficar pra ver os fogos? - Soph perguntou, tentando enxergar mais à frente pra saber onde estavam indo; apesar de estar sobre os ombros do pai, não conseguia ver muita coisa, uma vez que se tornava cada vez mais difícil se mover por ali sem esbarrar sem querer em outra pessoa.
- Em um lugar que você vai adorar. - Ele sorriu, por mais que ela não pudesse ver, e apressou o passo ao ver, no relógio, que já eram quase onze horas da noite. Esperava que ainda conseguisse algum espaço onde queria, apesar de estar um pouco em cima da hora. Mesmo faltando uma hora para a virada daquele ano, estava, sim, em cima da hora; era o que acontecia com quem escolhia os parques da Disney para passar aquele momento: precisavam se adiantar caso quisessem conseguir um bom lugar. Desde que o sol começara a se pôr, as pessoas haviam começado a chegar, lotando o local. Mais cinco minutos caminhando e parou, ainda segurando a mão de , observando o lugar em que havia pensado anteriormente: a pequena praça em frente ao castelo da Cinderella. Ouvira dizer que era um dos melhores lugares para assistir aos fogos, dali do Magic Kingdom. Deixou que os olhos vagassem por todas aquelas pessoas, procurando um espaço onde pudesse ficar com sua família, ainda que não parecesse que conseguiria sequer se mover ali no meio. Encontrou, porém, um pequeno espaço entre um casal, provavelmente alguns anos mais novo que ele e , e uma família constituída por um casal e um pequeno garotinho, talvez um ano ou dois mais velho que Sophie, sendo carregado nos ombros do pai, assim como ela.
- Ali. - Apontou o espaço vazio, com a mão que estava entrelaçada à de , dando alguns passos largos e apressados naquela direção, desviando de algumas pessoas e murmurando um rápido pedido de desculpas quando esbarrava em alguém. Parou quando chegou ao lugar exato que vira anteriormente e girou o corpo na direção do castelo da Cinderella. - Gostou, pequena?
Sentiu as pequenas mãozinhas se soltarem de seus cabelos rapidamente e segurou com mais firmeza a perna da filha, sentindo-a se mover animada sobre seus ombros enquanto batia palmas, sorrindo maravilhada para o castelo. soltou da mão de , tirando uma câmera do bolso e tirando uma foto sem que ou Soph percebessem. Ela tinha um grande sorriso aberto e os olhos brilhando, fixos na construção que se erguia alguns metros à frente dela, enquanto o homem erguia o rosto para encarar a filha, o sorriso dela espelhado em seus lábios, sua expressão abobalhada deixando claro o quanto a felicidade da filha o encantava.
Passaram toda a hora restante até a meia noite entre conversas, risos e mais fotos inesperadas, inclusive de Adam, que em certo ponto acordara, com fome, fazendo com que tivesse que amamentá-lo ali mesmo, no meio de toda aquela gente. observava sorrindo e registrando a cena em fotos, novamente abobado com todo o carinho que ela tinha ao cuidar do bebê.
Faltavam poucos minutos para a meia noite quando a voz de alguns personagens da Disney se fez ouvida, mesmo sobre todo o barulho de conversas e risadas proveniente de todas as pessoas presentes ali. Começou, então, a contagem regressiva, que fez Sophie praticamente gritar os números junto a todos os outros, mas de uma maneira tão animada que fez gargalhar ao invés de contar também.
- Dez... Nove... Oito... - As inúmeras vozes contavam juntas, e procurou a mão de , entrelaçando-as mais uma vez e puxando-a para mais perto de si, então largando a mão da mulher para abraçá-la de lado, passando o braço por sua cintura, sentindo-a aconchegar-se ao seu peito.
- Sete... Seis... Cinco... - Ele virou o rosto para , tocando a testa dela com seus lábios, em um beijo carinhoso, quase como um agradecimento em silêncio, mas logo proferiu algumas palavras próximo ao ouvido dela, enquanto ainda ouvia as pessoas contando ao fundo. "Quatro... Três..."
- Obrigado por tudo que você fez esse ano. Por mim, por Sophie. Você sabe... Eu não teria conseguido sem você. - Sussurrou, mas soube que ela ouvira quando a viu assentir com um mínimo movimento de cabeça e a ouviu sussurrar de volta para ele.
- Não tem por que agradecer, . - Ela disse, ao mesmo tempo em que as pessoas gritavam os últimos números na contagem regressiva e os fogos explodiam no céu em diversas cores e formas, encantando Sophie, que sequer prestava atenção no que acontecia abaixo de si, enquanto e trocavam um beijo rápido antes que ele o cortasse, com um novo sussurro, dessa vez um simples "Eu te amo" que a fez sorrir.
Adam chorou, assustado com o barulho dos fogos de artifício. Ele sorriu, enquanto o envolvia melhor em seus braços, tentando acalmá-lo. Sophie ainda não tirara os olhos do céu, tão colorido naquele momento. levantou a cabeça, encarando Soph, ainda que meio desajeitado. Seu movimento chamou a atenção dela, que baixou os olhos para o pai.
- Feliz ano novo, meu amor. E esse vai ser muito melhor, eu prometo.
Vinte
O espelho à sua frente já começava a irritá-lo. O nó em sua gravata parecia apertado demais, de forma que não conseguia parar de mexer no mesmo, agoniado. Respirou fundo e passou as mãos pelos cabelos, ajeitando-os mais uma vez.
- Relaxe, . Você vai casar, não está indo pra forca. - adentrou o quarto, rindo do melhor amigo e sentando-se na cama. virou-se para encará-lo, torcendo os lábios e levantando o dedo do meio na direção dele.
- Cale a boca. - Resmungou, cruzando os braços em frente ao peito, apenas para não dar ao amigo o prazer de ver suas mãos trêmulas.
- Vocês já moram juntos, não vai mudar praticamente nada. - Seb deu de ombros e riu ao ver fechar ainda mais a expressão em seu rosto. - Sério, com o que está preocupado?
- Não sei. Vai que ela decide não aparecer? - Arqueou uma das sobrancelhas, virando-se outra vez para o espelho e voltando a mexer na gravata que, só com aquele pensamento, parecia estar sufocando-o outra vez. Pelo reflexo de no espelho, ele o viu rolar os olhos e jogar-se de costas no colchão.
- Até parece que você não conhece minha irmã, . - Disse, levantando-se e parando ao lado do amigo. - Vamos de uma vez, que é ela que tem que se atrasar, não você.
Desistindo de mexer na gravata, deixou o quarto atrás de Seb, que o levaria até a igreja.
Uma chuva fina resolvera cair justamente no momento em que adentrou o carro de seu pai, junto a Adam e Sophie. O menino parecia incapacitado de ficar parado, mais animado do que a própria mãe. Sentado no banco traseiro do automóvel, ao lado de , ele praticamente saltitava, enquanto a irmã tentava segurá-lo pelo braço para que ficasse quieto.
- Ad, para. - Ela pediu, mas foi inútil. - Mãe! - Reclamou, cruzando os braços em frente ao peito e franzindo o cenho.
- Adam, querido. - chamou e ele a olhou rapidamente, os cabelos exatamente da mesma cor dos dela caindo sobre os olhos tão quanto os de , fazendo-a sorrir. - Pare só um pouquinho, sim?
O menino assentiu com a cabeça e sentou direito, os pés balançando sem tocar no chão do carro quando jogou o corpo para trás, apoiando-se no encosto do banco. Sophie rolou os olhos, mas sorriu para , que observava os dois com um sorriso bobo no rosto.
Soph, com o vestido de dama de honra lilás, até parecia gente grande, como costumava dizer. Ela riu baixo com o pensamento e voltou os olhos para Adam, vestido no minúsculo terno que haviam mandado fazer especialmente para que ele entrasse na igreja com a mãe. O menino era uma miniatura de , não havia como negar.
Naquele momento, olhando para as crianças e a caminho da igreja, teve mais certeza do que nunca de que estava fazendo a coisa certa.
Em cima do altar, entrelaçava os dedos de uma mão na outra, por vezes estalando-os por conta do nervosismo. Passou os olhos por todos os convidados presentes ali, reconhecendo praticamente todos. No máximo desconhecia a mulher de um colega da produtora ou outro, e alguns amigos de que ele ainda não havia conhecido. Até mesmo Richard se fazia presente, com sua mulher, sentado no fundo da igreja. Respirou fundo, andando de volta para o lado onde estavam seu irmão, Jay, e a mulher dele, Crystal, seus padrinhos de casamento. Do outro lado, encontravam-se e , os padrinhos por parte de . Seu irmão sorriu de lado para ele, tentando tranquilizá-lo, sem ter mais sucesso do que Seb havia tido antes de levá-lo até ali.
- Ela já deve estar vindo, . Se acalme. - Crystal falou, tocando-o no ombro e ele assentiu com a cabeça, ainda nervoso. Ouviu, de longe, o celular de tocar e virou-se naquela direção, atravessando o altar em três passos e parando à frente dela.
- Ela chegou. - sorriu, assim que desligou o aparelho, antes mesmo que tivesse a chance de perguntar alguma coisa. Virou-se para a porta da igreja no momento em que as primeiras notas da marcha nupcial invadiu seus ouvidos. Enquanto esperava que ela aparecesse, tinha uma única memória tomando conta de sua mente; do dia em que, mais de dois anos atrás, a pedira em casamento.
Flashback
As gotas grossas de água se chocavam com força contra o vidro da janela enquanto continuava com os olhos fixos em Sophie, que dormia sobre a cama de hospital. Havia sido internada novamente naquela semana e ele passara os últimos quatro dias ali, saindo apenas por algumas horas por dia, de forma que se encontrava estupidamente cansado e precisando de uma noite de sono em uma cama de verdade, não na poltrona do quarto de hospital. Sua mãe adentrou o quarto em silêncio, para não acordar a menina, e sentou-se no braço da poltrona onde ele estava sentado. Estendeu um dos copos de café que segurava na direção dele, que aceitou, agradecendo com um meio sorriso forçado e um leve aceno de cabeça. Com a mão livre, Louise abraçou o filho pelos ombros, deixando que ele descansasse a cabeça em seu peito. Deixou os dedos se perderem entre os fios do cabelo dele, como costumava fazer quando era apenas uma criança e ela ia colocá-lo na cama para dormir.
- A chuva está diminuindo. Vá pra casa, querido. - Ela falou baixo, enquanto ele sentava-se direito sobre a poltrona outra vez, dando um gole em seu café ainda quente. levantou o olhar até o rosto da mãe.
- Não precisa ficar aqui, mãe. Eu to bem. - Ele disse, por mais óbvio que fosse que não estava. Não gostava de incomodar a mãe com aquilo, fazê-la perder noites de sono em um quarto de hospital. Ainda mais em noites como aquela; sabia que ela tinha certo receio de tempestades como a daquela noite.
- , por favor. Está escrito na sua testa que você precisa de uma noite de descanso de verdade. - Ela rolou os olhos, fazendo-o rir fracamente com seu jeito de mãe, que ela não perdia, por mais que ele já estivesse crescido. levantou-se e abraçou a mãe, dando-lhe um beijo na testa.
- Obrigado. Eu volto amanhã. - Disse, vendo-a assentir com a cabeça. - Qualquer coisa me ligue, tá? - Ela concordou outra vez e ele se aproximou da filha, ajoelhando-se ao lado da cama. Passou os dedos de leve pelo rosto calmo, beijando-a em seguida.
- Papai volta amanhã pra ficar com você, meu amor. - Falou, a voz extremamente baixa não passava de um sussurro. Sabia que ela não o ouvia por estar dormindo e não queria acordá-la, mas simplesmente não podia sair sem lhe dar uma explicação. Sentiria-se culpado depois. Sentia o olhar de sua mãe sobre si e podia jurar, mesmo sem olhar, que ela tinha um sorriso bobo no rosto observando a cena. Confirmou o pensamento quando se levantou e apenas sorriu para Louise em resposta, deixando o quarto.
A chuva forte de antes havia se transformado em um leve chuvisco, de forma que não se incomodou de ter que caminhar alguns metros sentindo as pequenas gotas molhando aos poucos o casaco de moletom que ele vestia. Os passos eram lentos e ele até gostava da sensação da água caindo em seu rosto. Pelo menos disfarçava as lágrimas que ele não conseguia segurar por continuar com a imagem de Sophie na cama de hospital em sua mente. Colocou as mãos no bolso do casaco e fechou os dedos da mão direita em volta da pequena caixinha que havia ali. Um sorriso apareceu em meio às lágrimas, antes que os soluços começassem, ao se lembrar do que havia dentro da caixinha de veludo vermelha que agora ele segurava com mais força; as duas alianças que ele comprara mais cedo naquele dia. Adentrou o carro quando finalmente alcançou o lugar onde o havia estacionado, agora ansioso para chegar ao apartamento, onde sabia que estaria o esperando, pensando em algo que pudesse fazer rapidamente tornar aquele momento em algo especial.
Entrou no apartamento silenciosamente, encontrando as luzes apagadas. Franziu o cenho, estranhando, mas subiu as escadas devagar, encontrando apenas a luz fraca do abajur ao lado da cama acesa em seu quarto. estava deitada, o cobertor cobrindo-a até o pescoço, a aparência um pouco pálida. Preocupado, ele retirou o casaco de moletom úmido e deitou-se ao lado dela. Passou a mão pelos cabelos da mulher, beijando-a delicadamente nos lábios em seguida. Pôde vê-la abrir os olhos devagar e abrir um pequeno sorriso ao finalmente conseguir enxergá-lo nitidamente.
- Boa noite. - Ela sussurrou, tocando o rosto dele com os dedos, em um gesto de carinho que, por mais simples que fosse, demonstrava a saudade que sentia. Não o via desde a manhã do dia anterior, já que ele havia ficado com Soph e ela tivera dois dias cheios na clínica.
- Dormindo tão cedo? - Ele perguntou, desviando o olhar para o relógio ao lado da cama e vendo que mal eram nove horas da noite. se mexeu sobre a cama, aconchegando-se em seu peito enquanto ainda tinha os olhos fixos no rosto dela.
- Essa gripe tá me derrubando. - Ela respondeu, com uma expressão infantil que fez rir baixo.
- Não posso te deixar dois dias por conta própria que você fica doente? Esperava mais de uma médica, ... - Ele disse, ainda rindo, recebendo um tapa fraco no peito como resposta. - Já jantou?
- Já. Mas eu aceitaria um chocolate quente... - levantou os olhos para o rosto dele, arqueando as sobrancelhas sugestivamente, fazendo-o gargalhar.
- É só ficar doente pra começar a me explorar, né? - levantou-se da cama enquanto a ouvia rir. - Escolha um filme, então. - Disse, antes de sair do quarto.
Poucos minutos depois, ele voltou, com duas canecas fumegantes nas mãos. Ajeitou-se ao lado dela, debaixo dos cobertores, percebendo que já havia colocado o filme no aparelho de DVD. A imagem que tinha em mente para aquele momento era outra, mas a havia imaginado em outras circunstâncias, também. De qualquer forma, não deixaria que nada atrapalhasse. Entregou uma das canecas à e envolveu a sua com as duas mãos, sentindo o líquido dentro dela aquecer sua pele. Deu um curto gole no chocolate quente antes de fixar os olhos na mulher ao seu lado outra vez.
- Qual filme vamos assistir? - Perguntou, já imaginando que seria alguma comédia romântica que ele não prestaria atenção, mas estava disposto a assistir apenas para passar alguns momentos com ela.
- La Délicatesse - Ela respondeu, forçando um sotaque francês que não tinha apenas para fazê-lo rir e, não resistindo, gargalhando junto. - Não custa nada treinarmos nosso francês pra quando formos visitar Paris.
- Bom saber que vamos viajar pra lá. - Ele riu, vendo-a estirar a língua em sua direção. - O quê?! Não disse que não íamos, só que não sabia. Nós podemos ir, vou adorar. - Sorriu, unindo seus lábios brevemente.
- Eu vou cobrar. - disse, rindo com a expressão de falsa indignação dele. - Até lá, nós podemos treinar nosso francês com o filme. - Ela o viu rolar os olhos e deu início ao filme, antes que ele respondesse.
Os créditos do filme passavam na televisão, que era a única fonte de luz no quarto, deixando-o quase que completamente escuro. tinha o braço em volta da cintura de , que repousava a cabeça no ombro dele. Com o final do filme, por algum motivo, sentia-se um pouco nervoso. Sabia que tinha dado a ideia do filme apenas para adiar um pouco mais aquele momento, por mais que tivesse quase certeza da resposta dela. Sempre havia uma pequena dúvida que fosse para deixá-lo, de certa forma, com medo. Percebeu quando ela levantou o rosto para olhá-lo, mesmo tendo os olhos ainda fixos na televisão.
- ? Tá tudo bem? Você parece nervoso. - tinha o cenho franzido e ele quase deixou uma risada fraca escapar por entre seus lábios ao perceber quão bem ela o conhecia. Com a mão que não a abraçava, ele alcançou a gaveta no criado-mudo, onde havia colocado a caixinha antes, sem que ela percebesse.
- É que... - Fez uma pausa, incerto sobre o que dizer. Era estupidamente irônica a forma com que ele sempre sabia as palavras certas para suas músicas, mas quando precisava falar, todas as palavras do mundo pareciam fugir; até mesmo as erradas. - Bom... Você já tá praticamente morando aqui e... Eu só queria ter certeza que, depois que tudo passar, nós ainda vamos ter isso aqui. - Fez um gesto com a cabeça, apontando para seu corpo junto ao dela, deixando claro ao que se referia. Trouxe a caixinha de veludo para o campo de visão dela e percebeu quando a respiração dela falhou por curtos segundos. Abriu-a, revelando as duas alianças. Aproximou o rosto do dela, quase deixando seus lábios se tocarem ao sussurrar: - Casa comigo?
A resposta que teve foi a leve pressão dos lábios dela contra os seus, que diminiu à medida que um sorriso surgiu.
Fim de Flashback
Seus olhos se fixaram primeiramente em , totalmente perfeita aos seus olhos, dentro daquele vestido branco e de braços dados com seu pai. sorriu e viu o gesto ser refletido nos olhos dela, enquanto ela caminhava calmamente em sua direção, seguindo Adam e Sophie. Ele passou a observar os filhos e seu sorriso alargou-se ainda mais, se é que isso era possível. Sophie vinha caminhando devagar, soltando algumas pétalas de rosas pelo caminho, enquanto Adam vinha ao seu lado, a caixinha com as alianças em suas mãos, e ele parecia concentrado em não andar rápido demais; sabia que aquilo era difícil para o menino, sempre tão agitado.
Quando chegou ao altar, já havia falhado em conter algumas poucas lágrimas que se acumulavam em seus olhos e que já haviam escorrido pelo seu rosto. Com os olhos também marejados, ele envolveu o rosto dela com uma das mãos, secando-o. Sorriu na direção do pai de , que lhe lançou um olhar significativo, como se lhe dissesse "Cuide bem dela, rapaz". entrelaçou os dedos nos dela e pôde sentir que a mão da mulher estava tão trêmula quanto a sua própria. Deu um beijo carinhoso nas costas da mão dela e então os dois viraram para o padre, que logo deu início à cerimônia.
As palavras dele acabavam passando despercebidas pelo casal, que se ocupava em lançar discretos olhares de canto um para o outro, sorrindo o tempo inteiro. Quando chegou o momento de fazerem os votos, respirou fundo, virando-se para ao mesmo tempo em que ela também virava-se para ficar de frente a ele. Adam, apressado para ir logo até os pais, com as alianças em mãos, acabou tropeçando de leve nos próprios pés, fazendo com que todos os presentes rissem. balançou a cabeça, rindo, e bagunçou os cabelos do menino, que agora, com as bochechas coradas, tentava se esconder atrás do pai. Por fim, o garotinho entregou uma das alianças a , que fixou os olhos nos de e respirou fundo outra vez, tentando se livrar do nervosismo.
- Bom... Acho que é agora que eu falo tudo o que devia ter ensaiado por dias na frente do espelho, certo? - Uma risada fraca e nervosa escapou por entre seus lábios enquanto ele segurava a mão esquerda dela sobre a sua e posicionava a aliança em seu dedo. - Só que... Você sabe. Nunca fui muito organizado e acabei sem ensaiar uma palavra. Não que eu não tenha tentado, mas, de novo, você sabe como as palavras sempre fogem de mim quando eu tenho algo importante pra falar. Então, se eu acabar falando algo sem muito sentido agora... Eu sei que você vai entender. - Riu novamente, encolhendo os ombros enquanto a via rir de sua expressão; aquele sorriso o deixou um pouco mais calmo e o fez continuar. - Sabe, quando eu te conheci, como a irmã do meu melhor amigo... Nunca pensei que nós íamos acabar aqui. Na verdade, acho que nenhum de nós imaginava isso. E quando finalmente nos aproximamos... Você se mudou pra fazer a faculdade. Tanta coisa aconteceu então, até que você voltasse e, quem diria, foi Sophie que, de certa forma, nos juntou. - Desviou o olhar rapidamente para a filha, que abriu um sorriso na direção dele. - E agora, eu acho que não consigo mais acordar sem te ver do meu lado, ou acordar de outro jeito que não seja com você reclamando porque estou atrasado. Os meus domingos assistindo filmes e desenhos animados com as crianças não seriam os mesmos se você não estivesse lá. - Ele deslizou a aliança pelo dedo anelar de e levantou os olhos novamente até os dela, percebendo que algumas lágrimas já se acumulavam neles outra vez. - Eu acho que não to fazendo sentido nenhum, mas o meu ponto é que... Eu quero você comigo. Sempre. - Finalizou, com um sorriso, e levantou a mão da mulher à altura de sua boca, beijando a aliança de leve.
Foi, então, a vez de estender a mão até a caixinha de veludo nas mãos de Adam, buscando a aliança que, em seguida, colocaria no dedo de , selando aquela cerimônia e o compromisso com ele.
- Minha vez, então... Acho que os vários dias em frente ao espelho foram bastante inúteis, depois de ouvir essas palavras. Mas eu só queria dizer que, quando te vi depois de anos na sala de , naquele dia, não imaginava que mais alguns anos depois estaríamos aqui, frente a frente, no altar. Quando Sophie se recusou a voltar pro seu colo naquele dia, eu não esperava ver essa cena se repetindo tantas vezes. – Abriu um sorriso ainda maior do que o anterior, intercalando seu olhar entre o homem à sua frente e a menina parada ao lado dos dois, que também sorria, infantilmente, com a típica expressão de criança brincalhona no rosto. – Não pensava que seria mãe tão cedo, mas quatro anos atrás, além de ganhar um amigo e namorado, ganhei de brinde uma filha. Também nunca imaginei passar por tudo o que passamos, e fico feliz de poder ter estado ao seu lado em todos esses momentos, tanto os bons e alegres quanto os difíceis. Não fico feliz por muitos deles terem acontecido, mas ao menos os tempos difíceis serviram pra nos unir ainda mais, deixando-nos mais fortes. E eu sei que agora, independente do que vier pela frente, continuaremos assim. Juntos. – fechou os olhos por alguns segundos, deixando lágrimas escorrerem enquanto ela deslizava a aliança pelo dedo anelar de .
O Padre os declarou casados e, ouvindo todos os convidados levantarem-se batendo palmas, recebeu o primeiro beijo do, agora, marido.
Epílogo
A noite avançava cada vez mais rápido e, parados à porta do salão onde ainda acontecia sua festa de casamento, e se encontravam abraçados, os olhos fixos nos pontos brilhantes espalhados pelo manto negro que era o céu daquela madrugada.
- Tá fazendo uma noite bonita, né? – comentou e o homem assentiu com a cabeça, deslizando as mãos pelos braços dela, gelados pelo vento leve que começava a aparecer.
- Como na primeira noite que ficamos juntos. – respondeu e ela levantou o olhar para o rosto dele, o cenho franzido em confusão. Se estavam falando da mesma noite, ela não conseguia se lembrar de muita coisa e imaginava que ele também não. Um sorriso fraco curvou os lábios de antes de começar a explicar. – Eu acordei no meio da noite, aquele dia. Já que tinha demorado tanto tempo pra tomar uma atitude e você ia embora no dia seguinte, quis aproveitar o tempo que ainda tinha... Fiquei algumas horas só te olhando dormir. – Parou de falar ao ver a expressão indignada dela e soltou uma gargalhada, vendo-a acompanhá-lo logo em seguida. Sabia que ela reagiria daquele jeito, já que odiava que a observassem enquanto dormia. – Tava estrelado assim, igual hoje. Você fica linda à luz das estrelas, sabia?
balançou a cabeça de um lado para o outro, mas sorriu contra os lábios dele quando a beijou de leve. Ela ainda estava sem graça por saber que ele passara horas a observando dormir, mesmo que tivesse sido anos atrás, mas aquela sensação passou quando ele apenas apoiou o queixo no ombro da esposa, apertando mais os braços em volta do corpo dela.
De dentro do salão, e apenas observavam a cena, sorrindo um para o outro.
- Sempre soube que esses dois acabariam assim. Desde o colégio. – disse, sentindo o namorado passar um dos braços por sua cintura e ouvindo-o murmurar alguma coisa em concordância, porém, o álcool tornara difícil para ele a atividade de falar, e a mulher não conseguira entender o que ele havia dito. Sophie e Adam passaram correndo pelo casal, em uma brincadeira qualquer, e ela se livrou do abraço desajeitado de para alcançá-los.
- Soph, Ad, venham aqui. – Chamou, abaixando-se para ficar da altura das crianças enquanto eles se aproximavam e paravam à frente dela, ambos rindo e com os cabelos bagunçados de tanto correr de um lado para o outro. – Vocês tem que se despedir do papai e da mamãe. Eles vão viajar, lembra? – Sorriu docemente para os dois pequenos, que imediatamente projetaram o lábio inferior pra frente e cruzaram os bracinhos em frente ao peito, emburrados. – É por pouco tempo. E até parece que vocês não querem ficar comigo e com Tio ! – franziu o cenho e pôs as duas mãos na cintura, fingindo estar brava. Sophie e Adam riram, ambos se jogando nos braços da mulher em um abraço coletivo.
- Queremos sim! – As duas crianças quase gritaram, em uníssono, antes de saírem correndo novamente, dessa vez em direção aos pais. Adam puxava a saia do vestido da mãe para chamar sua atenção enquanto Sophie havia passado os dois braços em volta das pernas do pai, abraçando-o. O casal riu alto, pegando as duas crianças no colo.
- Tia falou que vocês já vão viajar. – Soph falou, a voz manhosa, deitando a cabeça no ombro do pai. ajeitou-a em seus braços, os olhos fixos no rosto dela.
- Vamos daqui a pouco. Achamos que vocês nem iam se despedir da gente! – Ele exclamou, fingindo uma expressão triste logo em seguida, que fez Adam gargalhar e Sophie rolar os olhos, mas também rindo.
- Vai demorar? – Adam perguntou, as palavras ainda meio confusas pela pouca idade que tinha. Por mais que a irmã tentasse ensiná-lo a falar com mais clareza, o pequeno sempre acabava se enrolando nas letras.
- Não, meu amor, são só alguns dias. – respondeu, sentindo o menino passar os dois bracinhos em volta de seu pescoço, em um abraço meio desajeitado.
- E vocês vão ficar na casa do Tio . Talvez vocês possam brincar com Charlie e Audrey também. – falou, referindo-se aos filhos do irmão de , Jay, e de Kim, irmã de . – Só não façam bagunça demais!
- Até parece que você não conhece seus filhos, . – A mulher disse, rindo junto à Sophie, que estirava a língua na direção dos dois, como se dissesse “Nós somos comportados, sim!”. Depois de mais alguns minutos conversando e convencendo as crianças de que aquela semana passaria em um piscar de olhos, além de promessas de que voltariam com presentes, deixaram os filhos com e e adentraram o carro.
Acenando para o casal de amigos e para os filhos uma última vez, ligou o veículo e se afastou alguns metros do local onde estavam antes, indo em direção à estrada que os levaria ao aeroporto.
- Finalmente, um tempo só nosso. – Ele disse, sorrindo na direção da esposa, que assentiu com a cabeça e buscou a mão direita dele, entrelaçando seus dedos aos do marido.
Haviam se juntado e passado a morar juntos quando Soph estava no hospital. Quando finalmente a menina se curou, Adam era pequeno demais para que o casal pudesse – e quisesse – deixá-lo com os amigos para uma viagem a sós. Na verdade, a pouca idade de Ad foi o motivo que os fizera esperar mais dois anos para finalmente oficializar o casamento. Realmente era hora de terem algum tempo para si.
- ... Acho que estamos atrasados. O avião sai em uma hora e meia. – comentou, os olhos fixos no relógio no painel do carro. Ele deu de ombros e ligou o rádio, pisando mais fundo no acelerador do carro. Who cares? If there’s trouble tonight, a voz de Stephen Christian cantava alto, e gargalhou com a ironia daquelas palavras, naquele exato momento.
- Who cares? - Ele cantou junto, desviando o olhar da estrada por alguns minutos para observar a mulher ao seu lado, que ria da expressão infantil no rosto dele.
‘Cause the kids are alright, tonight we’ll take this town. ‘Cause we’re old enough to know, but too young to care.
Nota da Autora: Eu acho que to sentada na frente do computador faz uma meia hora pensando em como começar essa N/A. Porque eu acho que ainda não caiu a ficha que que A Safe Place To Fall acabou. Sabe, essa história é meu bebê, foi a primeira longfic que eu realmente levei pra frente e finalizei, e e e agora não tem mais. :(
Mas eu realmente espero que vocês tenham gostado da história, apesar de eu achar que poderia ter deixado o final melhor. Aliás, foi por isso que demorei pra mandar. O capítulo tava pronto há meses, mas eu reli e achei que podia melhorar, mexi aqui e ali, mas ainda assim não fiquei totalmente satisfeita. Só que to sofrendo de um bloqueio gigante e não quis deixar vocês esperando ainda mais, então... Tá aí.
Queria agradecer a cada uma que leu, gostou, comentou aqui, no twitter, no tumblr, no facebook ou em qualquer outro lugar. Cada uma de vocês que indicou A Safe Place pra outra pessoa, que veio me dizer que queria atualização, que adora a fic e tudo o mais. Se não fossem vocês, eu não teria chegado até o final da história.
Um muito obrigada também à Leeh e à Benny, as duas betas lindas que eu tive, heheh <3 e à todo mundo que em algum momento leu os capítulos antes de eu mandar pra me dar opinião porque eu não sei lidar com a insegurança AUIHAUIHAUI.
Como eu disse, fiz uma página com algumas curiosidades sobre a fic, então quem quiser dar uma olhada é só clicar aqui. Se você quer saber de alguma coisa sobre a história/personagem que não tá citado ali, é só perguntar que eu respondo e acrescento à página.
Acho que é só, sigam o tumblr de fics pra saber quando eu postar o extra de Natal que eu prometi e pra ficar por dentro das minhas outras fics.
Qualquer coisa, vocês sabem onde me encontrar.
Fiquem bem, e espero ver vocês nas minhas outras fics em andamento! hahah :D
xx
Lara
Outras fics em andamento:
Summer Paradise - Outros (/fanfics/s/summerparadise.html)
Aproveite Sua Estada - Outros (ffobs.com.br/fics/a/aproveitesuaestada.html)
Outras fics finalizadas:
Bloody Valentine - Especial dia dos namorados (/fanfics/b/bloodyvalentine.html)
Just Around The Memories - Especial da equipe (/fanfics/j/justaroundthememories.html)