Os gritos me cercaram quando o relógio marcou meia-noite, e o píer de Brighton explodiu em uma comemoração de boas-vindas ao novo ano que vinha pela frente. Busquei pelo rosto dos meus pais no meio da multidão e me senti imediatamente tonta com a ideia de que no meio de tanta gente, eu levaria no mínimo até a comemoração do próximo ano-novo para encontrá-los. Como se uma lâmpada se acendesse na minha cabeça, me lembrei de que tinha escapulido sozinha dos entediantes comemorações que eram as da empresa que meu pai trabalhava, onde todos os seus amigos se reuniam para conversar sobre qualquer coisa que realmente não se importavam e discutir a bolsa de valores. No ano novo não era muito diferente: apenas trocavam os ternos cinza e sem graça por uma roupa branca.
Quando cheguei à cobertura onde todos assistiam a queima de fogos, meus pais sorriram para mim e me envolveram em um abraço familiar, que pensando bem não era tão familiar assim se meu irmão manteve sua posição de estou-pouco-me-fodendo-para-vocês com seu celular na mão e a expressão de desconforto. Eles gritaram coisas em meu ouvido, mas a gritaria lá embaixo no píer era tão grande que suas vozes não se faziam ouvir.
- O quê? – berrei, fazendo cara de quem não entendeu.
Eles soltaram uma gargalhada gostosa de quem está num daqueles momentos de felicidade e gritaram comigo de novo, sorrindo.
- Eu não tô entendendo nada! – gritei, franzindo o cenho – Faz uma mímica, qualquer coisa, pelo amor de Deus – reclamei.
Meu pai sorriu e puxou meu braço pra uma salinha onde serviam aquelas comidas de rico cheio de mania. Esperou minha mãe nos alcançar e tomou um último fôlego antes de me dizer, todo sorridente:
- Nós vamos pra Londres.
- O quê? – Me fiz de retardada, só pra ter o gosto de ouvir a frase mais uma vez.
- Nós vamos pra Londres, querida – minha mãe repetiu lentamente, como se falasse com alguém que tinha problemas mentais. Ela sorria.
- Nós vamos pra Londres? – ecoei bobamente, sentindo um sorriso empolgado surgir no meu rosto – Londres?
- Londres – minha mãe confirmou tão cheia de si que nem ligou em tirar os confetes do seu cabelo todo arrumadinho.
- Como assim? Como... Como... Você não tinha um capital muito bom aqui? – perguntei pro meu pai, como se toda aquela história de mudança pra Londres fosse uma piadinha de ano novo e ele estivesse me fazendo de boba.
- Tinha, só que... – ele explicou, mas eu me perdi completamente no que ele estava dizendo. Londres? Ir embora da tão pacata Brighton? Parar de me sentir uma roceira toda vez que alguém me perguntava onde eu morava? Londres?
Não sei qual parte do meu cérebro exatamente deu a ordem aos meus pés, mas em seguida eu ria junto com aqueles ricos engravatados e tediosos na beirada da cobertura, encarando aqueles fogos de artifício no céu e sorrindo bobamente, sem saber que alguns meses depois eu terminaria de escrever um texto num papel manchado de lágrimas com as palavras: “(...) Eu só não conheço qualquer parte minha que não seja completamente tua. E me pergunto como é que mesmo sendo tão sua, não conheço nenhuma parte minha que possa de fato te pertencer.”
O caminhão de mudanças parou em frente à casa, mas eu me recusei a ajudar. Encarava a vista da janela do meu quarto maravilhada: o quintal lá embaixo era realmente florido e a pequena piscina dava um ar permanente de verão, mas não era nada disso que me encantava – era o Big Ben surgindo no céu, não muito longe dali.
Bateram na porta do meu quarto, arrancando-me de meus devaneios.
- Oi! – Me virei para encarar uma garota muito bonita, que imediatamente fez com que eu me sentisse deslocada – Eu moro naquela casa branca do outro lado da rua e meus pais vieram aqui dar as boas vindas... Eu não queria subir para te importunar no seu primeiro dia no bairro, mas sua mãe insistiu, já que aparentemente somos da mesma idade e tudo mais... Então...
- Você não precisa ficar nervosa – interrompi sorrindo. Ela suspirou parecendo aliviada.
- Eu acho que não sou britânica de verdade, porque você sabe como é o povo daqui... Sempre frios demais, certinhos demais e blá blá blá. Fiquei com medo que você fosse achar ruim.
Pensei em algo para dizer que fosse fazê-la se sentir mais confortável, mas nada me veio à cabeça, então decidi mudar a direção da conversa.
- Meu nome é , mas você pode me chamar de – sorri, estendendo-lhe a mão. Ela sorriu também e me cumprimentou.
- Meu nome é Megan – ela murmurou. Sem apelido, ok.
Quando eu ia abrir a boca para iniciar uma conversa decente, minha mãe apareceu na porta com aquele sorriso que parece estar prestes a rasgar o rosto.
- Vocês não querem dar um passeio e conhecer a cidade? Eu deixo seu quarto para você arrumar, .
Eu ia protestar e dizer que eu tinha minha vida inteira pela frente para conhecer Londres e que eram provavelmente muitos lugares para se ver no que nos restava do dia, quando ela me lançou um daqueles olhares não-me-faça-ser-direta-com-você, e deu meia-volta.
Soltei um suspiro longo e me voltei para Megan.
- Você se importa?
Ela balançou a cabeça e fomos fazer o tour que minha mãe nos incitou. Me deixei reparar melhor em sua aparência enquanto isso: ela era inegavelmente muito bonita. Os cabelos longos eram do tipo de castanho que se realmente vê o tom marrom claro e os olhos eram muito verdes, parecidos com os meus. Ela era alta, uma cabeça acima de mim e parecia ser muito autoconfiante, o que era extremamente contraditório, uma vez que ela tagarelou ao entrar no meu quarto.
- Aquela ali é a livraria mais famosa de Londres. Todos os dias têm uma sessão de autógrafos diferente, uma pessoa conhecida diferente cercada por uma multidão – ela apontou quando já fazíamos vinte minutos de caminhada. A fachada era rústica e em letra cursiva prateada se via um elegante “Waterstone Picadilly”. Tudo parecia ficar bem no coração de West End.
- Aqui é tudo grande demais... – murmurei, balançando a cabeça. Megan sorriu.
- Você veio de onde?
- Brighton.
Não preciso mencionar que ela fez uma careta e se segurou para não rir.
- Ha ha ha muito engraçado, sou roceira, ha ha ha – resmunguei, franzindo as sobrancelhas.
Megan riu baixinho.
- Eu não disse isso... Vamos, vamos ao Starbucks! – ela mudou de assunto rapidinho quando eu fiquei de cara fechada, me puxando em direção á tão famosa cafeteria que só para constar, tinha sim na minha cidade.
Eu não preciso dizer que a loja estava simplesmente abarrotada de gente, como era de se esperar. Em Brighton as pessoas eram educadas e faziam uma fila, mas ali todo mundo estava com pressa e gritavam seus pedidos uns sobre a cabeça do outro. Não sei quanto tempo levou, nem quantas pisadas no pé, mas nós estávamos sentadas nas mesas vazias onde todo aquele pessoal apressado se recusava a relaxar.
Fingi não sentir seu olhar sobre mim.
- Muito louco, não é? – ela perguntou como se soubesse exatamente o que eu estava pensando.
- Demais – suspirei. Esperei um segundo, encarando seus olhos, e soltei em um tom excitado: Eu amo isso.
Megan se limitou a rir educadamente.
Bebemos o café com muita calma, o que deveria ser motivo de ganhar medalhas por ali, porque todo mundo passava nos olhando estranho. Quando estávamos prestes a sair, que eu me levantei e bati o braço no pequeno encarte de propaganda, ele voou no chão, fazendo um barulho muito pesado pra um simples encarte de propaganda.
- Olha, um celular! – Megan exclamou quando me abaixei para apanhar o mesmo. Encarei o iPhone preto.
- Quem consegue perder um celular desses?
- Não sei, desbloqueia aí e olha se tem alguma coisa...
- Eu não vou fuçar o celular da pessoa, Megan. Deixa alguém ligar... Vai ver daqui a pouco a pessoa dá falta.
Ela deu de ombros quando enfiei o celular no bolso do jeans e me levantei. Eu também não ia entregar para um atendente da loja porque... Bem, porque eu me sentiria incomodada deixando algo tão pessoal com pessoas tão impessoais.
Nós caminhamos de volta para casa conversando sobre tudo o que surgia na minha cabeça, já que puxar assunto nunca era um grande problema para mim.
Aqui tem uma listinha das coisas que descobri sobre Megan:
- Ela é extremamente sensual.
- Sua personalidade também é extremamente forte.
- Nós estudamos na mesma escola (clichê, eu sei).
- Ela é bem mais calada do que parece.
- Ela também é bem observadora, logo foi dizendo que eu fico vermelha muito fácil.
E também outras coisas sobre a personalidade dela que não são tão relevantes assim.
Megan se despediu de mim e correu para sua casa do outro lado da rua com um sorriso educado.
Abri o pequeno portão e atravessei os jardins, abrindo a enorme porta de madeira com uma sensação estranha por não bater. Ia demorar a entrar na cabeça que a casa era minha.
- Oi, ... Como foi?
- Não sei porque você insistiu tanto que eu conhecesse a cidade como se eu fosse ir até tirar fotos na London Eye hoje... – comecei, jogando o meu celular e o celular achado em cima da mesinha de centro que eles já haviam montado – Nós só fomos à Waterstone Picadilly e na Starbucks.
- Pelo menos você conheceu alguma coisa e alguém – minha mãe sorriu me puxando do sofá e me empurrando em direção à mesa na sala de jantar. Parecia tudo muito bem montado se ainda não fosse as várias caixas de papelão que faltavam ser organizadas.
Me sentei ao lado de Andrew e esperei a comida.
- Gostou do que viu? – meu pai perguntou, sem tirar os olhos do livro que lia.
- Sim – respondi sem comentar nada de muito interessante. Meu irmão nem tirou os fones de ouvido.
Mamãe serviu o jantar e eu mordisquei a salada, tentando entender porque estava todo mundo tão calado.
Alguma coisa tocou na sala ao lado. Levantei da mesa com pressa, limpando a boca.
- , nada de celular na mesa! – minha mãe repreendeu, mas eu já estava a meio caminho da porta.
- Não é o meu! – exclamei como se aquela fosse uma boa desculpa. Meu pai fez cara de quem não entendeu.
Levei o aparelho à orelha.
- Alô? – murmurei.
- Oi! – exclamou uma voz grossa do outro lado, parecendo aliviada. Eu nem vi o nome que apareceu na tela.
- Oi! – respondi com uma empolgação que não sabia dizer de onde veio – Eu achei seu celular. Acho que é seu.
- É meu sim! – O garoto do outro lado riu. Que espontâneo – Obrigado por não roubar, eu acho. - Não vou roubar! – exclamei ofendida – Você pode vir buscar, se quiser. Ele caiu lá na Starbucks, se você quer saber, e não foi culpa minha – menti.
- Você quebrou meu celular? – o garoto riu.
- Eu não quebrei seu celular – respondi prontamente – E se realmente o tivesse quebrado, você não teria nada o que reclamar só pelo fato de eu estar te devolvendo.
- Você é estressada – ele observou – Mas obrigado por encontrar meu celular e não quebrá-lo, e por estar tecnicamente me devolvendo – ele riu de novo.
- Tudo bem.
- Você não mexeu em nada nele, não é? – o garoto perguntou. Fingi que não escutei sua pergunta e mudei de assunto.
- Qual é o seu nome mesmo? – perguntei.
Houve um breve momento de hesitação, algumas vozes lá no fundo e ele suspirou.
- . Paralisei no meio do meu passo.
- Que idiota! – Soltei uma risada debochada.
- O que foi? - Eu falei sério, quero seu nome de verdade.
- – ele repetiu, rindo nervosamente.
- Não tem graça – informei-o.
- Mas é o meu nome... - Você tem que procurar tratamento se fica fingindo ser outras pessoas.
- Tudo bem, você acredita se quiser – ele riu de novo – Será que posso pedir para alguém pegar meu celular com você? Me dá seu endereço? - Não! – exclamei com raiva. Ninguém ia me fazer de boba – Vem buscar você, . Ou você não pode por que irão aparecer um monte de paparazzi e você é muito famoso pra perder seu tempo buscando seu celular? – ironizei.
- É quase exatamente isso! – Por que ele continuava rindo?
- Pois venha você buscar seu celular. Eu não vou entregar pra qualquer pessoa que tenha a voz diferente da sua, e eu quero bem ver o rosto desse garoto mentiroso que fica fingindo ser pessoas famosas como se estivesse no maternal.
- Uau, você é mesmo estressada... Tudo bem. Eu só vou buscar mesmo porque preciso de coisas que tem nesse celular. - Ótimo – falei com raiva e finalizei a ligação.
O celular tocou de novo.
- O que é, ?
- Não tem como eu buscar meu celular se eu não sei onde ele está... Falei o endereço e desliguei de novo.
Pessoas fingindo ser gente famosa no telefone... Bem-vinda a Londres.
- Aonde você vai? – minha mãe perguntou toda desconfiada quando me viu arrumar o cabelo.
- Lugar nenhum – respondi sem desviar os olhos do espelho.
Na verdade, eu não tinha exatamente arrumado o cabelo. Meus fios eram muito negros, muito lisos até a metade de seu comprimento, depois ondulavam levemente, e a franja caía em meus olhos. Eu só prendi o cabelo em um rabo de cavalo alto.
Ela me encarou por um momento com aquela expressão esquisita e saiu do meu quarto, segurando uma caixa de papelão. Suspirei, revirando os olhos e balançando a cabeça.
A campainha tocou no andar de baixo.
Olhei para o espelho uma última vez, respirei fundo e desci as escadas, repassando todas as minhas respostas engraçadinhas mentalmente.
- ? – minha mãe gritou quando eu começava a descer a escada – Aquele menino da TV tá aqui...
A cabeça de Andrew apareceu no corredor, ele olhou para a porta e praguejou baixo. Comecei a subir as escadas com pressa, soltando todos os palavrões que consegui.
- ! – minha mãe exclamou quando me viu fugir.
Fechei os olhos, tentando clarear a mente e voltei a descer as escadas devagar.
Lentamente, sem em momento algum desviar meus olhos do chão, tomei fôlego e ergui a cabeça e... Ai meu Deus, ele era lindo.
Senti minhas bochechas esquentarem.
- Então, você era realmente você – comentei, cruzando os braços sobre os seios que era diretamente para onde ele olhava.
- Uma boa tarde para você também – me corrigiu, sorrindo.
Soltei um muxoxo de desagrado e passei os olhos pela rua.
- Não tem paparazzi ou repórter algum te assediando por aqui – informei-o – O que só mostra que você não passa de um preguiçoso.
- Não tem paparazzi ou repórter algum por aqui ainda – ele me corrigiu. De novo.
- Fale mais uma vez – pedi, ignorando sua sentença anterior.
- O quê?
- Fale de novo, quero ver se é a mesma voz que ouvi no telefone – expliquei sem paciência.
Ele soltou um suspiro longo e revirou os olhos.
- Oi, meu nome é , tenho dezoito anos...
- Tudo bem, pega – interrompi, estendendo-lhe o celular.
Ele pegou e me encarou com uma cara de dúvida.
- Sem chantagens? Ou choro? Ou gritos? Nada? Vamos lá!
- Não sou sua fã e não gosto de você – resolvi cortar logo seu barato.
Ele pareceu sem graça. Me virei para entrar em casa, mas puxou meu braço.
- Ei, qual é o seu nome mesmo?
Ergui as sobrancelhas.
- . Meu nome é .
- Tudo bem, . Posso te chamar de ? Eu só...
- Não, pode me chamar de – interrompi.
- O sobrenome? – ele indagou estupefato – Que coisa mais fria!
Quando me preparei para responder, minha mãe abriu a porta atrás de mim, sorrindo.
- , querida, não vai chamar seu amigo para entrar? – ela perguntou, abrindo espaço para que ele passasse – Que falta de educação.
- Ele não é meu amigo – me prontifiquei a responder, mas ela já estava na sala com o , embora ele insistisse em corrigi-la que seu nome era .
Me joguei no sofá á sua frente e cruzei as pernas, fechando a cara.
- Por que você me odeia? – ele perguntou, mas sorria. Sempre sorrindo.
- Eu não te odeio, mas não posso gostar de você se ouvia seu nome vinte e quatro horas por dia, fora os seus amigos e... Para de olhar pras minhas pernas! – exclamei com raiva.
Ele lentamente subiu o olhar pela minha barriga, meus seios e sorriu, encarando meu rosto, embora mais especificamente minha boca.
- Eu sinto muito, é o instinto! – Ele não parecia sentir muito.
- Por que você tá aqui mesmo? – lamentei – Você tem músicas para gravar, entrevistas, fotos, compromissos, fãs para... – interrompi minha própria frase, achando que dizer “comer” ia ser muito inapropriado para uma dama, mesmo que eu não quisesse causar boa impressão – Enfim... Um milhão de coisas para fazer e você está realmente na minha casa? O mundo está lá fora, você tem seu tão precioso celular, seja livre, vá para a luz, ! – falei de mau humor.
Ele gargalhou. Não baixinho ou educadamente, mas como você ri quando está com vontade. Ele gargalhou de forma gostosa e eu gostei de tal gesto, embora preferisse arrancar meus próprios olhos a admitir isso em voz alta.
- Você está me mandando embora? – ele perguntou, sem parar de sorrir.
- Sim! – respondi sem pensar, feliz que ele finalmente tivesse entendido.
Ele se limitou a me olhar nos olhos.
- Eu gostei de você.
Congelei no meio da respiração.
- Por quê? – perguntei exasperada.
Mas antes que ele pudesse responder, minha mãe me gritou na cozinha.
Lhe lancei um olhar de desgosto e fui ajudá-la.
- Traga a outra bandeja e...
Sua voz se perdeu quando ela voltou para a companhia de .
Soltei um suspiro longo e esperei. Um. Cinco minutos. O timer apitou e retirei a bandeja com os sanduíches de queijo quente. Queijo quente. Mamãe nunca me deixava comer queijo quente.
Voltei para a sala bufando de raiva.
- (...) Não hesite, tudo bem?
Ele estava de pé, o iPhone na mão e parecia muito sério.
- Tudo bem, meu amor – minha mãe respondeu, dando-lhe um sorriso doce.
- E eu sinto muito, Joanne, mas não posso ficar para comer o lanche que tenho certeza estar delicioso! – Ah, agora ele parecia sentir muito e... Joanne? Que intimidade era aquela? – Você me leva até a porta, ?
Pensei em dizer que não, que ele não era quadrado e podia muito bem se virar, ou que ele conhecia muito bem a saída, mas me limitei a sorrir falsamente na frente da minha mãe. Ela enlouqueceria se eu fosse mal educada na frente das “visitas”.
- É pra você – murmurei entre dentes quando cheguei ao seu lado.
Ele apenas sorriu e caminhou até a saída.
Quando estava do lado de fora, se virou para mim com aquele sorriso que parecia estar prestes a rasgar seu rosto.
- Te vejo em breve? – indagou.
- Não – respondi e fechei a porta na sua cara sorridente.
Eu fui obrigada a admitir para minha mãe que estava sim completamente apaixonada pela Waterstone Picadilly, já que não saía de lá devia ter umas duas semanas.
O pessoal que trabalhava na livraria estava cansado de ver minha cara e me dar informações, e a moça do café até decorou qual era o meu pedido diário. Qualquer mãe acharia isso muito legal, mas não a minha.
Ela reclamou que eu não ficava dentro de casa, e quando eu fiquei um dia dentro do quarto, terminando de arrumar tudo, ela reclamou que eu deveria fazer mais amigos. Soltei um riso abafado, me lembrando disso enquanto lia mais um livro na tão famosa livraria. Cheirei as páginas com aquele odor de material novo e nem percebi quando alguém se sentou a minha frente.
- Oi, ! – Megan exclamou, balançando uma mão em frente aos meus olhos e fechando o livro com a outra – Deve ter umas duas semanas que você não sai daqui – ela reclamou.
- Você nunca estava em casa quando eu te chamava – informei-a, bebericando o café com leite.
- Eu vi quem estava na sua porta esses dias pra trás... – Quando foi mesmo que nós tínhamos entrado naquele assunto?
- Quem? – me fingi de boba. Ela me lançou um olhar cansado.
- Você é famosa ou algo assim? Porque eu nunca nem vi aqueles caras em Londres e eles moram aqui... E de repente tem dois membros de uma boyband na sua porta?
Comecei a rir, mas voltei a ficar meio séria quando vi que ela não estava brincando.
- Não, Megan! – exclamei surpresa – O celular era do ... E só tinha um deles na minha porta.
- O outro estava dentro do carro, se você não viu – ela me informou, parecendo bem mais à vontade – E espera, o celular era de quem?
- Isso aí. Eu também não acreditei muito quando eu o vi bem na minha frente, mas ora, não é? – Ela riu junto comigo – O obriguei a buscar o telefone na minha casa e nem sabia que era ele de verdade.
- Estamos falando da One Direction. E de .
Franzi as sobrancelhas.
- Eu sei.
- E você nem tentou agarrá-lo? Sei lá, tirar a roupa? – Megan parecia realmente chocada. Me limitei a rir.
- Não! - exclamei realmente achando que ela estava tirando uma comigo – O cara se acha!
- Você percebeu de quem estamos falando? – Megan semicerrou os olhos – É o . O cara tem todo o direito de se achar.
Senti meu rosto esquentar muito depressa.
- Eu não gosto de estar errada e ele ficou rindo como se esfregasse na minha cara que eu errei quando não acreditei que ele era ele – admiti constrangida – Eu odeio isso.
- Você estava preocupada se ele estava ou não rindo de você? – Puxei meu copo de café com leite para perto quando Megan olhou para o ele como se quisesse jogá-lo em mim – Você deveria se preocupar ou não se ele ia rir da calcinha que tiraria do seu corpo.
- Minhas sinceras desculpas por não ser oferecida e histérica. E também por não ter arrancado nossas roupas e surtado porque, ó, ele era .
- Você fica o chamando pelo nome completo – Megan observou, parecendo incomodada.
- Eu não gosto do cara, nem tenho intimidade com ele – respondi com simplicidade. Ela pareceu realmente triste.
- Uma pena.
Revirei os olhos, mas sorri.
Megan caminhou ao meu lado até chegarmos a nossa rua, nunca falando muito, como eu, claro. Ela pediu desculpas e disse que tinha “algo” pra fazer quando atravessou a rua em direção a sua casa.
Balancei a cabeça lentamente, um gesto involuntário, e coloquei o outro fone de ouvido na orelha. Enquanto Ed Sheeran cantava, abri a porta e joguei as chaves na pequena mesinha. Caminhei para a sala e vi a cena mais estranha do mundo:
Minha mãe estava toda descabelada, sentada no sofá sorrindo bobamente, acompanhada por ninguém menos que o próprio . De novo? E outro menino muito bonito e com os olhos muito azuis que parecia combinar demais com seu amigo, enquanto os dois não combinavam nada com o ambiente pálido e não tão belo.
- O que ele tá fazendo aqui? – indaguei com a voz esganiçada.
- Querida, os modos.
- Boa tarde, – e minha mãe disseram em uníssono.
- É pra você – respondi automaticamente – E você é famoso, cara – falei espantada. Eu começava a entrar em desespero – Por que essa vontade louca de me perseguir? É isso, não é?
O amigo de sorriu.
O mesmo abriu a boca para responder, mas minha mãe foi mais rápida:
- Ah, querida, na última vez que esteve aqui o...
- .
- Se ofereceu para me ajudar em qualquer coisa que eu precisasse, já que somos novos na cidade. Eu fiquei meio perdida no centro com as compras e seu pai não atendia ao telefone, muito menos seu irmão ou você. Pra quem mais eu ligaria?
- Mãe! – exclamei com a voz engasgada – Ele é famoso! Ele é de uma banda, sabe? Muito famosa. Ele não falou sério com você! Você podia ter insistido em me ligar! Gente famosa não pode ficar cuidando de gente como a gente!
- Mas é claro que eu falei sério com ela! – ele exclamou parecendo estar indignado.
- Como assim gente como vocês? Nós também somos “como vocês”! – O amigo dele parecia realmente ofendido. Mas espera aí... “Nós”? Tinha dois membros da One Direction na minha casa?
- Quem é você? - perguntei, me esquecendo completamente que estava irritada com os outros dois seres humanos na sala.
- Meu nome é , prazer – ele sorriu, se levantando para me cumprimentar.
Quando fui segurar sua mão ele me puxou para um abraço breve.
Tentei não demonstrar tanta surpresa como eu realmente sentia.
- Oi, – murmurei, tentando me estabelecer – Meu nome é . Mas você pode me chamar de .
- Por que ele pode te chamar de ? – revirou os olhos.
- Vocês são famosos, sabiam? – perguntei retoricamente, ignorando-o – Isso aqui não é um livro, gente. Vocês podem nos ignorar e tudo o mais. Por favor! – Me virei para – Por favor, me ignore.
- Não vamos fazer isso – os dois responderam quase juntos.
começou a falar.
- Não sei o que é isso que você tem que não aceita...
- Você é famoso! – exclamei, fazendo gestos estranhos com as mãos bem em frente a sua cara.
- Eu sei! – Ele afastou o rosto como se estivesse com medo de mim – Não vejo nada de mais em estar aqui.
Me joguei na poltrona e coloquei a mão na testa.
- Eu desisto. Isso aqui não é verdade.
- Ah, querida, ele só queria ser gentil – minha mãe defendeu, toda inocente.
Soltei um suspiro longo e fingi que não tinha ninguém na sala. E se alguém os visse ali? O que iam pensar de mim? No mínimo que eu estava tentando procriar com algum deles. Gemi baixinho, balançando a cabeça. “Calma, .” Disse a mim mesma; “Não é tão anormal assim... Só alguns milhões de garotas queriam que acontecesse com elas o que está acontecendo com você, não reclama...”
- Vocês querem comer alguma coisa? – perguntei, sorrindo.
Minha mãe sorriu também, mas e me olharam como se eu realmente tivesse problemas mentais.
- Ela toma algum antidepressivo? Rivotril geralmente dá perda de memória – brincou, mas minha mãe não percebeu isso.
- Ah, ela...
- Eu só quero ser gentil – interrompi-a, olhando-a como mãe-vê-se-não-fala-demais e suspirando mais uma vez – Eu não vou me livrar de você, pelo visto.
sorriu.
- Não por enquanto.
Me sentei na poltrona de novo e deixei eles conversarem, dizendo para mim mesma que aquilo era perfeitamente normal.
Não sei se foi muito tempo depois para todo mundo, ou só para mim que me sentia sufocada com aquela sensação de conto-de-fadas, mas e disseram que tinham que ir, e minha mãe pareceu realmente desapontada.
- Que pena! – lamentei sem lamentar nem um pouquinho.
Minha mãe não percebeu a ironia, mas sorriu.
Acompanhei os dois até a porta.
- Eu disse que nos veríamos em breve... – ele comentou, se virando para mim. sorriu.
- Você perguntou. São duas coisas muito diferentes – corrigi.
- Nos vemos em breve?
Fechei a cara e ignorei sua pergunta.
- Posso absorver isso tudo? – pedi baixinho, com cara de quem implora – Eu prometo que vou ser gentil com você, ou vocês – Eu não podia ter certeza que ele não apareceria na minha porta com mais um coleguinha famoso.
- Tudo bem... – ele riu, me olhando de cima a baixo de novo. Reprimi com todas as minhas forças a vontade de ficar irritada e aceitei o outro abraço que me deu.
- Até qualquer dia – ele disse sorrindo. Era o único membro da One Direction que eu gostava por enquanto. E eu só conhecia dois.
deu um passo à frente como se quisesse me abraçar também, mas só acenou levemente e me deu ás costas. Que costas...
Fechei a porta um segundo depois, não antes de ouvir um “Eu não te disse que ela era incrível?” murmurado baixinho.
- Você poderia, por favor, parar de ouvir essas músicas? – meu irmão perguntou, revirando os olhos enquanto encostava-se porta do meu quarto. Era uma sexta-feira e desde a sexta passada Up All Night não parava de tocar no meu computador.
- É uma pesquisa de campo, Andrew – respondi sem me virar para olhá-lo.
- Você não poderia fazer uma pesquisa de campo com músicas boas? – ele perguntou, parecendo bem revoltado. Me virei quando ele tirava a franja negra dos olhos.
- Não fala assim das músicas que você nem escutou ainda – repreendi com uma voz ofendida.
- Ah, eu escutei sim, se você não percebeu meu quarto é bem ao lado do seu e o volume não está nada baixo. Pela semana toda!
- Você poderia ser um irmão legal.
- E você poderia ser normal.
- Só para variar! – completei minha frase em um grito quando ele virou as costas.
Quando eu disse que era uma pesquisa de campo, não deixava de ser verdade, nem um pouquinho. Eu queria ter alguma coisa concreta para criticar caso visse novamente, já que criticar algo em sua aparência era um gesto meio inválido. Não que eu quisesse vê-lo novamente.
O surto que Megan deu batendo na minha porta dois minutos depois que ele e seu amigo foram embora na semana passada fora o bastante para que eu percebesse que não gostava mesmo dele. Embora esse também fosse um argumento inválido.
Desliguei o notebook - por pura piedade a Andrew - e desci até a cozinha. Minha mãe estava no escritório com papai, e como eu estava terminantemente proibida de ouvir música pop dentro de casa, fui fazer meu costumeiro caminho até a livraria, enquanto no fundo ansiava que as férias de verão simplesmente não acabassem para que eu pudesse ter no mínimo mais uns dois anos dessa rotina. Sem as visitas de .
Estava tão concentrada em meu próprio mundo (que deixara de ser pacato, chato e entediante para conturbado e cheio de estrelas musicais) que nem percebi o carro (caro) preto andando praticamente ao meu lado.
A janela se abaixou e revelou um rosto envolto por cachos castanhos, olhos verdes e um sorriso exagerado. Lá no fundo, meio na penumbra, sorria, olhando para o banco de trás.
- Oi, gatinha – murmurou.
Ignorei sua tentativa exageradamente falha de cantada e continuei andando. O carro quase parava tentando me acompanhar, o que me fazia pensar que se eu fosse segurança/motorista deles, pediria demissão mediante uma situação dessas.
- Vai me ignorar assim? – ele perguntou, fazendo um biquinho que logo se desmanchou em um sorriso – Quanto você veste, ? Posso adivinhar? Tamanho sexy?
- Ai meu Deus, essa foi horrível! – exclamei horrorizada, esquecendo que estava em um silêncio ignorante para que ele percebesse que me incomodava e fosse embora – E é pra você – completei.
- Vamos lá, pelo menos consegui sua atenção! – Havia muitas gargalhadas dentro daquele carro – Você sentiu minha falta?
- Não.
- Tem certeza? Nem do meu sorriso?
- Não! – exclamei, fazendo cara de deboche.
- Você cheira à mentira.
- Eu não vou nem te dizer a o que você cheira porque eu sou...
- Uma princesa? – ele me interrompeu. Mais risadas – Linda? Incrível?
- Você definitivamente leva jeito com as mulheres – comentei quando virávamos a esquina – Uma pena que isso não funciona muito comigo.
Houve alguns gemidos de gozação dentro do carro e eu sorri internamente, orgulhosa.
- Você realmente não quer me dar um beijo? Ou me dar outras coisas? – ele insistiu.
- Deve ser muito difícil fazer qualquer um dos dois enquanto se está vomitando – informei-o. Seu sorriso fraquejou por um momento.
- Você disse que iria ser gentil – ele me lembrou.
- Sinto muito! – Eu não sentia muito.
- Tudo bem, eu te perdôo com uma condição.
- O que foi agora? – perguntei impaciente. Quase chegávamos à porta da Waterstone Picadilly.
- Nós deveríamos sair juntos, linda – ele disse e as risadas dentro do carro cessaram para ouvir minha resposta.
- Me deixa em paz – murmurei, entrando na loja e nem olhando para trás.
O barulho de gozação dentro do carro foi abafado quando a porta de vidro bateu atrás de mim. Sorri para mim mesma, orgulhosa.
Zapeava pelos canais da TV procurando qualquer coisa interessante em pleno sábado à noite. Não que eu fosse tão anormal assim, mas Megan não estava em casa e eu não conhecia qualquer outra pessoa em Londres que pudesse sair comigo (na verdade, conhecia sim, mas era a última pra quem eu ligaria - só se estivesse morrendo e toda a minha família já estivesse morta, afinal, alguém tinha que organizar o enterro).
- Você quer parar em um canal? Nem que seja pra assistir Hannah Montana, mas, pelo amor de Deus. – Andrew reclamou do sofá, onde eu nem tinha o visto sentar.
- O que você tem contra Hannah Montana? – Perguntei ofendida.
- É uma bosta. – Ele reclamou, fazendo uma careta.
- Por que você critica tanto as coisas? – Perguntei com as sobrancelhas franzidas, minha voz se esganiçando um pouquinho como sempre acontecia quando eu começava a me revoltar – Tira esse ódio do seu coração!
- Ai, meu Deus, como você é chata! – Reclamou de novo, olhando para o teto como que em uma súplica silenciosa para que eu fosse no mínimo abduzida.
- Por que você me trata assim? – Perguntei – Você poderia ao menos fingir que é legal e agir como alguém normal. Não dói, sabia?
Ele ficou um longo momento em silêncio, talvez refletindo se eu estava realmente ofendida ou apenas fazendo hora com sua cara. Quando quebrou o silêncio de novo, eu quis socar as palavras dele de volta pra dentro de sua boca e desejei do fundo do meu coração que ele tivesse continuado calado.
- Quem era aquele cara? – Perguntou olhando-me bem nos olhos – Eu vi, sabe, não foi só uma vez.
- É realmente impressionante constatar que você vê alguma coisa além dos seus filmes pornôs ou seu iPod. – Tentei mudar de assunto.
- Você já tá namorando? – Ele perguntou com uma surpresa ofensiva.
- E se eu estiver? – Desafiei, na defensiva.
Esperava que ele fosse me desafiar também, ou no mínimo rebater com uma resposta engraçadinha, mas meu irmão apenas riu. Isso mesmo, gargalhou que nem gargalhara quando o mandei seguir a luz, só que dessa vez eu não apreciei nem um pouquinho a risada.
- O que foi?
- Você tem um namorado? Conta uma piada pior, essa foi ótima! – Ele debochou, ficando um pouquinho vermelho.
- Pois é, ele é o meu namorado mesmo, lide com isso! – Gritei antes mesmo de pensar sobre quem estávamos falando ou sobre que consequências aquelas palavras iriam me trazer.
- O cara é famoso, ! – Ele exclamou fazendo cara de quem duvidava que sequer um mendigo fosse querer me namorar – Por favor, para de mentir.
- Isso é inveja porque você ainda nem beijou alguém além da foto da Mila Kunis que tem embaixo do seu travesseiro, ou porque você não fez sexo com ninguém além da sua própria mão? – Sibilei; a voz afiada como vidro.
Os olhos verdes de Andrew se arregalaram por um momento quando comecei a falar seus segredos em voz alta, mais uma vez quando eu disse a palavra “sexo”, mas depois sua expressão se estabilizou naquela costumeira de ironia.
- Ele fez sexo com você? – Ele perguntou baixinho, como se tivesse medo que mamãe fosse ouvi-lo falando aquilo e tomar sua foto da Mila Kunis – Ele tem mil garotas nos pés dele e fez sexo com você? Tem certeza? Não foi só seu sonho molhado?
Franzi as sobrancelhas, colocando a TV no mute e saindo da minha postura folgada na poltrona para encarar Andrew melhor.
- Nós podemos ser gêmeos, mas essa é a diferença: alguém quis fazer sexo comigo além da minha própria mão ou minha boneca inflável! – Exclamei em um sussurro venenoso.
Andrew só franziu as sobrancelhas.
- Ele é famoso. – Repetiu como quem ainda duvidava de mim – Você só quer engravidar do cara.
Deixei meu queixo cair. Andrew nunca tinha falado comigo daquele jeito.
- Isso é... Você está... Você está com ciúme? – Perguntei chocada.
Ele ficou vermelho.
- Mas é claro que não!
- Você está com ciúme de mim! – Exclamei, rindo desesperadamente enquanto via sua expressão se fechar e seu rosto ficar da cor de massa de tomate – Ai, meu Deus, Andy! Você está com ciúme!
- Eu não estou com ciúme de você e do seu namoradinho gay! – Mentiu, com raiva.
- Porque ele tocou em mim? Aqui? – Provoquei, apontando para os seios.
Andrew começou a ficar verde.
- Para com isso, . – Censurou.
- Ou porque ele me fez sussurrar o nome dele? – Continuei, me erguendo na poltrona e fingindo surpresa – Ah, Andrew, foi porque minhas unhas atravessaram suas costas? Puxaram seus cabelos? Porque eu o fiz revirar os olhos? Você nunca imaginou sua irmãzinha inocente fazendo isso e agora acha que eu estou louca?
- Você é doente. – Ele disse com cara de quem ia vomitar e subiu as escadas com pressa, batendo a porta do quarto.
Me joguei na poltrona, sorridente, e voltei a zapear pela TV, esquecendo completamente que eu tinha mentido sobre ser namorada de um ídolo teen.
Eu estava parada em frente à Picadilly, Megan rindo ao meu lado com um enorme copo do Starbucks na mão e o celular na outra, quando o meu começou a tocar. Franzi as sobrancelhas. Por que minha mãe estava me ligando se ela sabia exatamente onde eu estava?
- Funerária Santa Luzia, sua morte é minha alegria, bom-dia. – Tentei, franzindo as sobrancelhas e mordendo o lábio inferior. Megan cuspiu o café no chão.
- Ah, me desculpe, eu acho que liguei no número err...
- Não, mãe! Sou eu! – Gritei, rindo, antes que ela desligasse.
- ! Mas que coisa mais rude de se dizer!
- Tem razão... Desculpe. – Peguei fôlego para ficar séria e aguardei.
- Que história é essa que o seu irmão me contou sobre esse namoro entre você e o e essa história de proteção/gravidez que eu não entendi muito bem? - Ela disse de uma única vez. Quase deixei o celular cair.
- O quê? – Esganicei – Que mentira! O que ele te disse? Mãe? Não tô te ouvindo! – Gritei, colocando o celular apontado para a rua, a fim de que ela escutasse o barulho dos carros – Nós estamos no centro! Está muito tumultuado aqui! Não consigo te ouvir, mãe?
Megan revirou os olhos.
- Olha, querida, querida! O está... Querida? É importante! ? O quer...
Finalizei a ligação e encarei o chão em silêncio, a mão na boca. Megan me observava sem dizer nada.
- O que foi que você fez? – Ela perguntou lentamente um momento depois, como se esperasse o início da terceira guerra.
Fiz um gesto estranho com a mão e levei-a ao cabelo, sem acreditar que Andrew tinha realmente me colocado naquela.
- Eu falei algumas coisas pro meu irmão, e...
- Que tipo de coisas?
- Digamos que eu insinuei que eu e estávamos namorando e praticando coito regularmente e...
- Por que você faria isso?
- Porque ele estava me provocando, tá bom? Eu não pensei que minha mãe fosse ficar sabendo.
Soltei um suspiro longo e Megan permaneceu em silêncio.
- Bom, eu acho que nós deveríamos ir até sua casa e...
- Você vai comigo? – Perguntei, sentindo meu coração acelerar.
- É claro. – Megan me deu um sorrio cúmplice e passou o braço sobre meu ombro.
A caminhada até nossa rua foi longa, difícil dizer se era porque o clima estava tenso ou eu estava exageradamente ansiosa. Eu quase comecei a chorar pensando no que minha mãe poderia dizer, ou no que meu pai poderia estar sabendo. Por que tinha um carro preto na minha porta?
Franzi as sobrancelhas e saí do braço de Megan, me precipitando até a madeira entalhada e abrindo-a num rompante.
- Mãe! – Esganicei no momento em que Megan bateu seu corpo contra minhas costas. Eu tinha até esquecido que ela estava correndo atrás de mim.
- Olá, querida. – Ela respondeu muito séria.
Passei os olhos arregalados pela sala, sem acreditar no que meus olhos viam.
- Você! – Gritei, apontando para Andrew, que estava afundado na poltrona, o iPod na mão. – Eu vou matar você! Eu vou... Eu vou...
Decidi que era melhor parar de usar palavras e agir, então andei em passos duros até ele, e o persegui quando o mesmo começou a correr pela casa, ignorando os cinco garotos extremamente bonitos que estavam ali. parecia achar muita graça de tudo.
- Eu não fiz nada! – Andrew gritou, colocando o braço na frente quando comecei a socá-lo.
- Nem ouse repetir isso! Eu vou arrancar seus olhos! Eu vou queimar todas as fotos da Mila Kunis que você tem embaixo da cama e vou colocar formigas na sua boca enquanto você dorme! – Berrei, acertando meu punho contra todas as partes do seu corpo que eu conseguia alcançar, até que alguém finalmente me puxou para trás.
- Olha como você fala na frente de visitas! – Minha mãe censurou, sem se alterar, apenas franzindo as sobrancelhas.
- Eu contei mesmo! – Andrew provocou, arrancando os fones do ouvido e colocando uma mão no nariz, que sangrava.
- Eu odeio você! – Gritei sem pensar muito bem antes – Eu quero tanto, mas tanto que... Que...
- Que o quê? – Ele gritou de volta, erguendo o queixo.
- Tomara que a sua mão de punheteiro caia! Eu vou fazer macumba online com seu nome! – Amaldiçoei numa voz sombria e quase todo mundo na sala riu, menos Andrew e minha mãe.
- Eu...
- Andrew, some! – Gritei, fechando os olhos.
Quem me segurava fez força com os braços no meu abdômen.
Meu irmão me lançou um último olhar de ódio, e conforme ele subia as escadas em silêncio o aperto em minha cintura se afrouxava.
Quando os braços me soltaram levemente, corri até o primeiro degrau, fazendo Andrew entrar no quarto mais rápido.
- Esconde mesmo a sua boneca inflável! – Berrei.
Depois de respirar fundo por alguns segundos, me virei para encarar minha mãe, que levava uma mão à testa e balançava a cabeça levemente, e todas as outras seis pessoas ali.
Meu rosto esquentou em velocidade recorde.
- Me desculpem pela cena. – Pedi quando pensei no que faria Joanne ficar menos brava comigo. Os cinco garotos assentiram, e mordeu o lábio para segurar o riso. Megan nem olhava pra mim.
- Você pode me explicar essa história? – Minha mãe pediu, levantando a cabeça para me olhar em um gesto lento.
- Que história? – Perguntei inocentemente, passando as mãos pelo cabelo e me aproximando da poltrona, onde me sentei com a coluna reta, sem em nenhum momento desviar meus olhos dos seus. Meu rosto pegava fogo.
- Que namoro é esse que você não me informou? – Ela perguntou.
Às suas costas, balançou a cabeça levemente e os outros meninos se entreolharam.
- E-eu... Eu... – Gaguejei, buscando desesperadamente por uma explicação no meu cérebro, que resolvera pifar de repente.
- Eu já conversei com a sua mãe e expliquei que minhas intenções são as melhores. – murmurou me encarando nos olhos e rindo debochadamente sem mostrar os dentes.
- Você o quê? – Repeti, deixando meu queixo cair. A frase não tinha nexo nenhum em minha mente.
- Não queria que ela pensasse que nosso relacionamento era brincadeira. – Ele respondeu com simplicidade, sem desviar os olhos dos meus, me dizendo exatamente o que eu pensava: dessa você não vai escapar, agora você me deve não só uma, mas várias, e eu te peguei.
Megan me encarava incrédula.
- Você ligou pra ele, mãe? – Perguntei chocada – Eu não acredito! Eles são pessoas famosas, você não pode fazer isso, mãe! Pelo amor de Deus.
- Ele é seu namorado. – Minha mãe falou como se aquilo encerrasse a questão. As palavras eram como um tapa na cara. – Agora, querida, eu preciso ir para o escritório. Pode ficar aqui com o e seus amigos, mas... Ah – Ela parou a meio caminho da porta, como se estivesse se lembrando de alguma coisa – usem proteção.
Senti meu rosto passar de vermelho para roxo.
- Mãe! – Exclamei mortificada.
Ela acenou levemente, deixou um breve aviso de que conversaríamos, eu, ela e “” sobre isso mais tarde, e se retirou.
Enfiei o rosto nas mãos enquanto todos começavam a rir.
- Mentindo que estávamos namorando? Não acredito nisso, . É muito infantil até para você. – Ele debochou.
- Boa tarde para vocês. – Ergui os olhos para os outros garotos, ignorando completamente o que ele tinha dito. Eles acenaram.
- Sua mãe me tirou de um dia muito importante de trabalho, agora você tem que retribuir... – começou.
- Pensei que estivéssemos de folga. – O loirinho comentou, franzindo as sobrancelhas. Os outros dois cutucaram a cintura dele.
- Some da minha vida. – Implorei sem encará-lo.
- Sua mãe estava começando a me dar um curto sermão sobre deflorar garotas virgens quando você chegou. – Ele comentou, me fazendo soltar um gemido de lástima – Ela chegou a me oferecer camisinhas, sabe.
- O que você quer de mim, ? Me desculpa, tá legal? Eu não disse que estávamos namorando porque achei divertido, que pensei que, ó, eu enfiei minha língua na boca do , eu só queria calar a boca do meu irmão, .
- Você disse meu nome muitas vezes nessa sentença, sabia? Quer que “eu te faça sussurrá-lo” de novo enquanto você “unha minhas costas”? – Ele estava mesmo fazendo aquele sinal de aspas com as mãos?
- Pensei que você tivesse gostado mais de mim. – brincou, fazendo uma carinha triste.
- Você vai me odiar se eu bater no seu amigo? – Perguntei pra ele com uma expressão sincera.
- Só um pouquinho. – Respondeu, fazendo um gesto de indiferença com os ombros.
Soltei um suspiro longo, enfiando o rosto nas mãos.
- Volta pro seu dia de trabalho, . – Pedi.
- Não, sua mãe me pediu pra te levar pra conhecer o palácio.
- Ela o quê?
- Isso mesmo, você tem... – Ele fez uma pausa para olhar no relógio de pulso – meia-hora para se arrumar, porque a está nos esperando.
- A princesa? – Repeti incrédula.
- Você sabe que ela, tecnicamente, não é uma princesa. – revirou os olhos.
- Eu não vou!
- Vai sim, ou quer que eu desminta tudo?
- Você está me ameaçando? – Perguntei com deboche – É isso mesmo?
- Vamos, , você sabe que eu estou me esforçando aqui. – comentou, apontando para a parte traseira do corpo de .
Ignorei seu comentário homossexual e encarei todos com a boca aberta.
- 28 agora. – comentou.
Subi as escadas pisando firme.
Encarei as roupas à minha frente sem conseguir ver nada que fosse bom o suficiente para a princesa. Ri comigo mesma. Como se ele realmente fosse me levar para conhecer a Família Real. Nem ele estava vestido para tal, com aquela blusa velha dos Ramones – que eu tinha certeza de que ele não conhecia nem o ritmo de uma das músicas – e o All Star branco.
Alguém bateu à porta, abrindo-a levemente.
Fechei a cara para Andrew.
- O que você quer? – Perguntei rispidamente.
- Você não me odeia de verdade, não é? – Ele quis saber – Eu não fiz por mal, .
Tenho que confessar que ele me ganhou quando usou aquele apelido de quando éramos crianças.
- Eu não te odeio. – Garanti com um sorriso fraco.
- Eu sei que vocês não estão namorando... Eu ouvi a conversa lá embaixo. Obrigado por não me fazer passar de mentiroso ou fofoqueiro. – Ele disse um momento depois.
- Por isso não desmenti na hora. Não queria que mamãe ficasse brava com você ou que passassem vergonha na frente do .
- Ele é um cara legal, . Quando percebeu o que estava acontecendo e que mamãe iria ficar “p” da vida com você se descobrisse a verdade, ele confirmou tudo. Até disse que te achava incrível, o que foi bem legal, porque ninguém usa a palavra incrível pra falar de você.
- Por que você está fazendo propaganda do ? – Perguntei tão desconfiada que nem liguei para o insulto.
Andrew ergueu as mãos na defensiva.
- Ele e os amigos são legais, só achei que você deveria saber. Eu bem que queria que ele fosse seu namorado de verdade.
- Eu nem o conheço... – Expliquei voltando-me para minhas roupas.
- Tudo bem.
- E ele é famoso. – Continuei, erguendo as sobrancelhas. Falava mais comigo do que com o ser ali em si.
- Eu sei...
- E sério, a gente não se conhece. Ele nem deve saber meu nome todo de verdade, nem quantos anos eu tenho, nem nada. Somos tipo...
- Eu entendi, . Mas eu acho que não tem nada realmente errado em mostrar um pouco de pele se você só quer ficar presa na cabeça do cara. – Andrew comentou quando me viu levantar a blusa de mangas, em seguida sorriu cúmplice e saiu do quarto.
Fiquei estarrecida por um momento, tentando entender quando é que meu irmão aprendeu algo sobre paquera. Revirei os olhos e deixei a blusa de mangas longas de lado.
- Está bom o suficiente para você? – Perguntei dez minutos depois ao pé da escada.
Como sempre, me olhou dos pés à cabeça.
Eu usava uma calça jeans preta, um All star da mesma cor e uma blusa branca com os dizeres: “I’ll teach you how to fuck”. Preciso confessar que, sim, vesti aquela blusa justamente porque eu ia sair de casa com aquela pessoa. Seus olhos se demoraram um pouquinho na estampa.
- Você demorou esse tempo todo lá em cima e não se arrumou? – Ele perguntou maldosamente.
- Não vou me arrumar como se eu realmente quisesse sair com você. – Rebati, colocando minha melhor expressão de desprezo no rosto.
- Até parece...
- Eu não vou sair em uma revista ou algo assim, não é? – Perguntei, só para ter certeza.
- Provavelmente. – Responderam o loirinho, o garoto do topete e o mais alto de todos em uníssono.
- Ninguém pensa que vamos ao palácio de Buckinghan. – comentou.
- É, , eles sabem que nós moramos aqui, você é a única pessoa que veio da roça.
- É pra você. – Corrigi – E qualquer britânico poderia sim ir ao palácio ver de novo, é um lugar muito bonito.
- É um ponto turístico. – revirou os olhos de novo – Só turistas idiotas querem ir ver onde a rainha faz cocô.
Soltei um suspiro revoltado, me direcionando até a porta e abrindo-a de supetão.
- Vamos, vamos logo, quanto mais cedo eu sair com você, , mas rápido eu fico livre!
Os garotos riram e saíram na frente, me deixando ao lado de Megan. e vinham logo atrás.
- Qual o seu problema? – gritou em um sussurro. Uma pena eu ter uma audição muito aguçada e uma curiosidade mal-educada – “Pensei que você tivesse ido se arrumar” – Agora ele imitava a voz de como se o mesmo tivesse retardo mental – Você é retardado? A menina aparece com uma blusa escrita “eu te ensino a fuder” e você me solta uma dessas? O que aconteceu com você? Cadê aquele cara que ia dizer “você quem manda” ou “veremos” e ia dar aquele sorriso eu-sou-muito-bom-de-cama? Você virou gay?
Megan se permitiu rir pelo nariz enquanto eu continuei com a expressão impassível. sussurrou qualquer coisa.
- Vou dar um gelo nela! – imitou a voz dele de novo – Que coisa de boiola! Vira homem e canta a menina, cara! Joga ela na parede! Cadê o ?
Ergui as sobrancelhas e troquei um olhar silencioso com Megan que não era nada silencioso.
- Ela mexe comigo, cara. – sussurrou.
Quase tropecei nos meus pés. E eu devia estar realmente prestando atenção na conversa: aquelas palavras rondaram minha cabeça o dia todo.
Tomei um longo gole do Frapuccino e balancei a caneta entre os dedos.
Rabisquei algumas frases no texto, olhando-o com atenção; em seguida comecei a escrever de novo, com a frase final já em mente. Nem percebi quando o garoto sentou à minha frente.
- Boa tarde. – Ele murmurou me arrancando brutalmente dos meus devaneios. Ergui os olhos pra ele, irritada, só para ter certeza que ele era tão bonito quanto sua voz. Quando vi que sim, voltei a encarar meu texto mais uma vez, sem responder. – Escrevendo alguma coisa interessante? Que livro é esse? Harry Potter? -
Voltei a olhar seu rosto, mas dessa vez franzi as sobrancelhas. Nos encaramos nos olhos por um longo momento antes que eu revirasse os meus e voltasse a escrever.
- Hmmm, então você é meio silenciosa? Posso saber o seu nome?
- Você vai saber meu nome quando merecer. – Garanti-o sem levantar o olhar para ver sua reação às minhas palavras.
- Quanta frieza...
- Hm.
- Posso saber o que uma garota tão linda faz sozinha no Starbucks uma hora dessas da tarde, tão concentrada em um caderno e ignorando um cavalheiro tão gentil que veio lhe oferecer sua companhia?
- Muito obrigada por me oferecer sua companhia, mas eu passo. – Murmurei irritada, tentando manter o foco.
- Que equívoco.
- Uh, você engoliu um dicionário, está usando palavras bonitinhas para me impressionar? – Debochei, finalmente olhando em seus olhos azuis e erguendo as sobrancelhas.
- Equívoco não é uma palavra bonita.
- Ótimo, você não sabe o significado. – Revirei os olhos, cruzando os braços sobre os seios – Se soubesse, provavelmente não estaria dizendo isso, e aceitando o fato que um equívoco foi se sentar aqui achando que teria uma parcela do meu interesse.
- Pelo menos tenho sua atenção. – Ele deu de ombros, tirando a franja castanha dos olhos.
- Você tem uma mínima parcela da minha atenção, que no fundo só está sendo dada a você na esperança que desconfie estar me incomodando.
- Quanto rancor. Pessoas rancorosas geralmente escondem algo muito ruim do passado, sabia? O que foi? – Ele se inclinou sobre a mesa e eu imediatamente me reclinei na cadeira, tentando me manter o mais afastada possível – Tragédia familiar? Distúrbio de personalidade? Um coração frágil partido?
- Um idiota me tirando a paciência quando eu estou tentando escrever. – Respondi azeda, a voz afiada como vidro.
- Mas que adjetivo rude.
- Porque eu ainda não comecei a lista dos que aprendi com os filmes que meu irmão assiste...
- Seu vocabulário é terrível. – Ele comentou, fechando os olhos como se realmente estivesse em dor. Pensei em responder um “foda-se” à la Kristen Stewart, mas me limitei a ficar calada, encarando-o com a expressão mais irritada possível.
- Será que um beijo... – Ele começou, estendendo a mão pela mesa.
- Vocês londrinos têm essa mania de perseguir as pessoas, não é? Elas podem cuspir na sua cara que vocês correm atrás como um cachorrinho que caiu da mudança. Não encoste em mim, e se eu estou sendo grossa é porque eu certamente não aprecio a companhia que você me incita.
- Pelo visto o vocabulário melhorou. – Ele comentou com em um gesto de aprovação.
- Ah, pelo amor de Deus...
- Por que tão estressada? Meu nome é Ryan, será que agora você pode me dizer o seu?
- Não. – Respondi com simplicidade.
Ryan soltou um longo suspiro.
- Eu geralmente não dou em cima das garotas, nem corro atrás quando elas me tratam mal...
- Então faça um favor a si mesmo e se retire. – Interrompi com a expressão impassível, e indiquei a porta.
Ele ergueu as sobrancelhas, e quando se preparava para me responder, alguém o interrompeu.
- Que bom saber que seu mau humor não se restringe somente a mim. – comentou parado em pé bem atrás de Ryan com um sorriso presunçoso.
Enterrei o rosto nas mãos.
- Você não. – Gemi.
- E esse é? – Ryan me perguntou.
- O namorado dela. – respondeu em um gesto simples.
- Não é não. – Cortei rapidamente.
- É ou não é? – Ryan perguntou, na dúvida se dava o lugar ao meu “namorado” ou permanecia nele em desafio ao cara folgado que ele aparentemente parecia não conhecer.
- Sou, mas a tem um certo problema em dizer isso na frente das pessoas, principalmente em caras que ela quer dar o fora, mas se sente muito culpada em fazê-lo. – comentou com um sorriso cínico, e só naquele momento eu percebi que ele trazia consigo.
- Engraçado é que ela estava me dando foras agora...
- Ai, ele é sim meu namorado, agora, por favor, Robert...
- Ryan.
- Vai embora antes que eu morra sufocada com toda essa testosterona no ar. – Finalizei, ignorando completamente sua correção e a cara de satisfeito que fez quando viu a cara de bosta que o garoto saiu dali.
- Olá, namorada. – Ele murmurou, sentando-se ao meu lado, e tomou o lugar que o Robert ocupava.
- Eu não estou com um pingo de paciência pra você hoje. – Avisei, me afastando. Sem olhá-lo nos olhos, é claro. Eu nunca me permitia fazê-lo, talvez por medo. Tinha muito medo de olhar nos olhos dele e me encantar como minha mãe tinha feito, ou que ele visse que eu não o odiava de verdade. Nem saberia dizer a cor. – O que me faz querer perguntar: o que você está fazendo aqui?
- Sua mãe passou aqui na porta e me ligou perguntando se o cara que estava com você era meu amigo. Como todos os meus amigos que você conhece estavam comigo, decidi dar uma checada.
- Você não tem que me checar. – Afirmei com uma expressão muito séria.
- É mentira, . Quando o disse que não, sua mãe ficou gritando que, como namorado, ele tinha que ver quem era, porque, caso você fosse estuprada, a culpa seria toda dele de não tomar responsabilidades e um longo discurso que acabou nos levando à camisinha de novo.
- É isso! – Exclamei revirando os olhos – Você precisa trocar o número do seu telefone. Minha mãe tem que parar de achar que você é...
- Não vou fazer isso. – Ele riu como se minha hipótese fosse ridícula.
- Você tem que parar de fazer parte da minha vida como se se importasse com ela. – Falei cansada, olhando para o seu rosto. Não os olhos.
- Mas eu me importo com você. – Ele murmurou.
fez uma careta e eu fiquei sem saber o que responder.
- Uou. – riu quando ninguém disse nada – Desculpe, eu não queria...
- Você se importa comigo? – Ecoei bobamente.
- Eu me importo com você. – Ele repetiu, e me encarou bem nos olhos. Bam! Estava bem aí o porquê eu vinha evitando aquele gesto desde então. Não houve aquela conexão ridícula de que ele sabia tudo sobre mim, blábláblá, eu poderia ficar ao seu lado para sempre, mas era como se ele não quisesse saber de nada, e de certa forma me incitasse a deixá-lo ler minha alma. Tive que desviar os olhos muitas vezes naquele momento de silêncio e retorná-los para seus orbes verdes até me estabilizar.
- Uma pena, porque eu não quero você fingindo se importar. – Soltei antes de pensar duas vezes. Era um reflexo.
- Por que você não só aceita? – Ele reclamou, revirando os olhos para o teto.
- Porque eu odeio você! – Exclamei, pontuando as palavras para deixar bem claro.
não riu dessa vez, nem , ele apenas me encarou com as sobrancelhas franzidas.
- Tá vendo, ? – Ele começou. Sem me chamar de ... – É por isso que eu tô aqui. É por isso que não me importo quando sua mãe me liga ou quando tenho que aguentar seu mau humor e suas patadas. Você deixou claro até na sua postura corporal que não gostava de mim desde a primeira vez que nos vimos, e eu aceito muito bem críticas, mas quando alguém não gosta de mim eu tenho que saber o motivo. – Ele finalizou, falando firme comigo pela primeira vez. Eu derreti. Derreti mesmo, porque ele sempre tinha me tratado muito bem mesmo que eu ficasse fazendo dele meu saquinho de pancadas, ou sempre me respondia com um sorriso. E agora ele parecia muito sério. Tão sério que não fez nenhuma piadinha, e muito menos eu consegui fazer.
- Eu... – Tentei, mas não consegui pensar em nada para dizer. Eu tinha sido tão vadia assim? Eu não o odiava de verdade, era só gostoso implicar. – Eu não odeio você. – Murmurei, fazendo uma cara de decepção para minha própria resposta retardada.
- Mas você não gosta de mim, então eu vou sair da sua vida se você faz toda a questão de deixar claro que não sou bem-vindo, mas poderia me dizer o porquê? – Cortou bem sério.
- Me desculpa. – Sussurrei com os olhos arregalados, quase querendo chorar – Me desculpa, eu não... Me desculpa. – Gaguejei.
Ele pareceu surpreso.
- Você não vai chorar, vai? – Perguntou, analisando minha expressão. Neguei com a cabeça, sem pensar direito.
Me ergui da mesa, ainda encarando seu rosto, e caminhei até o banheiro sem conseguir me lembrar de como se fazia para subir o maxilar. Bati a porta atrás de mim e escorreguei por ela, levando as mãos à boca gradativamente.
Era por isso, no fim das contas. Por isso eu não o tinha deixado se aproximar, não é? E agora ele também queria ir embora. Bati forte em mim mesma, deixando as lágrimas escorrerem pelo meu rosto enquanto minha cabeça imediatamente me dizia que era o que sempre acontecia. Todo mundo sempre ia embora.
Afundei o rosto nas mãos, tentando me acalmar, e sequei as lágrimas antes mesmo que elas tornassem a cair de minhas pestanas. Me ergui para dar uma olhada no espelho, pensando que eu não poderia ficar tendo colapsos como aquele por coisinhas tão bobas, e limpei o delineador que havia se borrado.
Abri a porta novamente e tomei um longo fôlego antes de voltar até a mesa.
- O que você está fazendo com o meu caderno? – Meio que gritei em uma voz esganiçada, arrancando-o da mão de e sentando ao seu lado de novo. Segurei-o junto ao peito como se quisesse roubá-lo.
- Por que você escreve? – Ele perguntou como se fosse um ato ridículo.
- Já dizia uma autora aí que “escrever um texto é um jeito educado de dizer ‘me empresta seu peito, porque a dor não tá cabendo só no meu”, então...
- Que depressivo.
revirou os olhos e eu logo acompanhei seu gesto.
- O não é culto como o resto da sociedade. Ele acha que porque tem o cabelo e outras partes do corpo avantajadas não precisa ter o cérebro avantajado também. – comentou, passando a mão pelo cabelo.
Ri involuntariamente, e também.
Nós conversamos levemente por alguns minutos, até que uma garota se aproximou com o rosto banhado de lágrimas e pediu um autógrafo e uma foto. Depois mais uma. E mais uma. Então os garotos decidiram que era hora de ir antes que algum paparazzo aparecesse.
Os acompanhei até a porta do Starbucks em silêncio, sentindo um leve batuque na minha consciência.
- Tchau, . – murmurou, se aproximando para me dar um abraço, e entrou no banco do carona na Range Rover, me deixando para trás com seu melhor amigo. Fingi que ele não fez aquilo de propósito.
- Então... – começou.
- Então.
- Se você quer realmente que eu pare de...
- Eu decidi que talvez não seja tão difícil assim suportar você, ou que nem seja um grande sacrifício viver com a sua presença. – Falei, antes que ele oferecesse sair da minha vida mesmo.
- Decidiu? – Ecoou.
- Aham.
- E você decidiu isso antes ou depois de chorar? – quis saber.
Meu queixo caiu e senti o sangue fugir do meu rosto rapidinho.
Bingo.
- Eu não sei do que você está falando... – Comecei a mudar de assunto, desviando os olhos dos seus e soltando uma risada debochada.
Ele segurou meu pulso. Meu pulso. Eu quase podia ouvir o sangue martelando no meu cérebro.
- Eu sei das coisas. – Disse com simplicidade.
Sabia mesmo? Fiquei com medo só de imaginar que ele pudesse vir a fazê-lo, ainda mais segurando onde estava segurando.
- Eu não... Você não... – Gaguejei, buscando rápido por uma frase em meu cérebro.
- Tudo bem. – Ele murmurou, passando a mão livre pelo meu rosto e limpou algo embaixo dos meus olhos com o polegar – Você não tá mais sozinha.
Devo ter ficado de boca meio aberta por muito tempo mesmo, absorvendo suas palavras, porque ele sorriu e soltou meu braço, tirando a mão do meu rosto também.
- Eu acho que nós podemos fazer isso. – Ele continuou – Sabe, ser amigos. Desde que você não comece a pedir autógrafos nos seus sutiãs ou gritar toda vez que eu ou algum dos meninos bater à sua porta. Vai ter que se acostumar a ser capa de revistas também, aparecer na TV e...
- Se você continuar, eu vou acabar mudando de ideia. – Interrompi, fazendo rir.
Sorri também.
- Já mereço chamar você de ? – Ele perguntou depois de um momento.
Mordi o lábio inferior, fazendo uma dançinha meio estranha.
- Quem sabe... – Provoquei com o cenho franzido, mas a expressão logo voltou a se desmanchar em um sorriso.
olhou para os lados com as sobrancelhas erguidas, depois se voltou para mim.
- Você quer uma carona? – Perguntou.
- Ah, só porque agora somos amiguinhos? Ou porque você quer me impressionar? Pensei que viria um jantar primeiro antes da carona pra casa, mas que grande perda de tempo...
Ele gargalhou de novo, daquele jeito que me dava vontade de gargalhar junto e viver.
- O jantar a gente combina depois. – piscou pra mim, me puxando em direção a Range Rover – , acho melhor você pular logo pro banco de trás...
Eu mantinha os olhos firmemente fechados, me recusando a encarar a rua conforme dirigia.
- Você poderia, por favor, colocar as duas mãos no volante?
Ele revirou os olhos, mantendo o membro naquela posição como se ele fosse levá-la à boca, mas congelada ali, com o cotovelo apoiado na perna.
- Ele tem mania de dirigir com uma mão só. – comentou do banco de trás.
- Eu não quero morrer! – Exclamei, lhe lançando um olhar extremamente desgostoso por cima do ombro.
- Você não vai morrer. – Ele debochou – Todo mundo dirige com uma mão só.
- Mas eu não confio que o , desse tamanho, posso controlar um carro desse tamanho só com uma mão.
- Eu não controlo o carro, o carro se controla sozinho.
- Você vai continuar tentando me fazer notar que o seu carro é caro? – Perguntei irritada, encarando seu perfil com as sobrancelhas franzidas. Ele sorriu.
- Você tá meio pálida. – observou, encaixando a cabeça no meio de nossos bancos.
- Ela tá meio verde. – respondeu, se decidindo entre me olhar e prestar atenção no trânsito.
- Você tá bem?
- Eu tô ótima. – Franzi o cenho, apertando as laterais do banco até os nós de meus dedos ficarem brancos.
- Você quer que eu ligue pro meu médico? – perguntou, e como se não bastasse, retirou a única mão que estava no volante para apalpar os bolsos em busca do celular.
- Eu quero que você coloque essas mãos no volante! – Berrei em pânico.
Ele se sobressaltou, levando ambas as mãos para guiar o carro.
- Obrigada. – Suspirei, deixando meu peito subir e descer numa velocidade nada normal.
- Você é um saco. – Ele reclamou, revirando os olhos.
- Você é um idiota.
- Nossa, você fica muito sexy dizendo isso. – Provocou, revirando os olhos para o teto do automóvel.
- Acho que ela ficaria mais sexy falando outra coisa... – começou.
- Eu acho que vocês ficariam mais sexys com a boca fechada e a tensão sexual longe do meu corpo. – Reclamei com raiva.
- É, , você tem namorada, tira o olho da minha.
- Eu não sou sua namorada.
- Não é o que sua mãe pensa.
Abri a boca diversas vezes para argumentar, mas tudo o que eu conseguia pensar era que ele estava certo, e pelo visto também pensou a mesma coisa, porque logo um sorriso vitorioso começou a surgir.
- Eu estou bem aqui, obrigada. – Murmurei quando faltavam duas quadras até minha casa.
- Mas nem estamos perto...
- Eu não fui de carro até lá, não é?
- Por que você é tão estressada? – Ele perguntou, parando o carro bem no meio da avenida e se virando para mim.
- , tira esse carro daqui! – Exclamei em pânico.
- Então relaxa! – Ele reclamou bem na hora que um caminhão passou buzinando por nós.
- , tira esse carro daqui. – Repeti com a voz dura.
- Você vai se acalmar?
- , pelo amor de Deus! – Gritei em pânico, escondendo o rosto nas mãos.
Ele congelou por um momento, e ele e estavam tão surpresos que não disseram nada, apenas me encararam com a boca meio aberta. – Tira esse carro daqui. – Supliquei em um sussurro, sentindo meu desespero ficar tão intenso que começou a escorrer por meus olhos.
não disse nada, apenas arrancou e seguiu o caminho até minha casa.
- Chegamos. – murmurou. Ele tinha ficado todo o percurso em silêncio, conversando apenas através de gestos e olhares com seu melhor amigo no banco de trás. Eu nem tirei o rosto das mãos.
- Obrigada. – Murmurei sem encará-lo, abrindo a porta e pulando para o meio da rua.
Ele lançou um olhar cheio de significados para e pulou para a calçada. Esperou até que eu desse a volta no carro para caminhar ao meu lado.
Eu não disse nada, na verdade, estava tão desgastada que nem pensava em nada para dizer. Quando chegamos à porta, ele resolveu se pronunciar.
- Me desculpa. – Murmurou, apoiando a mão na madeira para me impedir de entrar.
- Você não tem pelo que se desculpar. – Desconversei, tentando passar por debaixo de seu braço. Ele entrou na minha frente.
- Não... ... Eu queria... Hm... Saber o que há de errado. – Proferiu daquele jeito lento de sempre, como se pensasse duas, três ou quatro vezes antes de usar as palavras. Encarei seus olhos.
- Você quer entrar?
Ele pareceu surpreso.
- Eu... Ah... – Lançou um olhar para o carro, onde descaradamente observava tudo pela janela – Claro.
Destranquei a porta e joguei o celular no sofá, assim como a blusa de mangas compridas, ficando só de camiseta. Assim como eu, ele subiu as escadas em silêncio, mas eu tinha a sensação de que prestava atenção em cada mínimo movimento meu.
Tirei os tênis e coloquei em um canto, sentando na cama em seguida. olhava para o quarto escorado no batente da porta, e parecia se decidir se iria entrar ou ficar plantado lá, me observando.
Bati a mão ao meu lado e encostei as costas na parede.
Ele caminhou lentamente, tirou o tênis e se sentou comigo. Ficamos em silêncio enquanto ele me olhava e eu fingia que não estava ciente do gesto, encarando o chão com tanta concentração que ele poderia começar a pegar fogo a qualquer minuto.
- Você é linda. – Ele falou bem baixo, tanto que me perguntei se era realmente sua intenção que eu ouvisse. Senti meu rosto esquentar. Ótimo, agora eu não podia fingir que não tinha escutado.
- Embora eu não concorde com você, obrigada. – Murmurei, apoiando o queixo nos joelhos.
Ele ficou em silêncio de novo, sem desviar os olhos de mim, mas mexia as mãos como se quisesse fazer alguma coisa com elas. Foi naquele momento que eu decidi que suas mãos eram minha segunda parte favorita no seu corpo.
- Você quer me contar agora? – Perguntou lentamente, escolhendo muito bem as palavras e prestando bastante atenção em minha reação a elas. Sua voz era quase um sussurro.
Mordi o lábio inferior, sem conseguir responder nada, e senti meus olhos arderem. bateu a mão em seu ombro e eu estava me preparando para soltar qualquer resposta engraçadinha, mas encostei a cabeça bem levemente ali.
- É um trauma de adolescência.
Ele riu baixinho.
- Eu nunca ouvi falar em traumas de adolescência. Só de infância.
- Porque meu ex-namorado não morreu em um acidente de carro quando eu era criança. – Falei de uma vez, fechando os olhos. Ele parou de respirar.
Sua mão se moveu muito devagar – quase como se ele tivesse medo do que estava prestes a fazer – e puxou meu rosto para encará-lo.
- Por isso você surtou?
Afirmei com a cabeça.
- Por isso você toma remédios?
- Eu não sei do que você está falando. – Desconversei, desviando os olhos dos seus. Ele não tocou mais no assunto.
Um momento depois, ele puxou o celular do bolso.
- Ótimo, agora vamos te animar um pouquinho. Eu vi você chorar duas vezes hoje e... – Interrompeu a própria frase como se tivesse acabado de se dar conta do que ia dizer. Fingi não perceber.
Ele fuçou no iPhone por um longo tempo antes de pigarrear e começar:
- Por que quando a loira pulou de um prédio junto a uma morena, a morena caiu primeiro?
- Eu não acredito que você está fazendo isso.
- Porque ela parou para pedir informação. – Ele concluiu a piada ridícula com uma voz mais ridícula ainda, continuando em seguida com a mesma voz afetada – Como a loira tentou matar seu peixinho? Afogado. Nossa, será que o ... Enfim, como você confunde uma loira?
- , para de falar com essa voz!
- Não tem como confundir, elas já nasceram assim... E...
- Ai, meu Deus! – Reclamei, saindo de seu ombro e enfiando o rosto nas mãos.
- Tudo bem... Você tem muito preconceito contra as piadas do Google. Vamos tentar outra coisa.
Ele se levantou, ficando bem à minha frente, e pegou meu colar de caveira, segurando o crânio entre as mãos.
- Ser ou não ser! – Gritou, dramatizando toda a cena.
Segurei a risada, encarando-o sem realmente acreditar no que via.
- Eis a questão!
Soltei uma risada anasalada e ele me olhou satisfeito.
- Eu acho bom você ficar feliz logo, porque eu não sei mais fala nenhuma de Romeu e Julieta, e, como podemos perceber, também não sou um bom ator.
- Isso não é Romeu e Julieta. – Tentei corrigir, mas ele nem prestou atenção.
Saiu pegando todos os meus travesseiros e almofadas no quarto, amontoando-os em cima da cama. Me empurrou para fora da mesma e tirou o lençol, amarrando-o desengonçadamente na janela. Dois minutos depois, estendeu a mão como se apresentasse uma obra prima.
- Ahá! Esse é o nosso forte. – Ele explicou, apontando para a cabaninha de lençóis. Encarei-o com descrença.
Ele pegou um caderno em cima da escrivaninha e entrou no “forte”.
- Você não vem? – Perguntou, erguendo as sobrancelhas. Sorri para mim mesma, sem noção nenhuma do que estava acontecendo, e me deitei ao seu lado.
Ele começou a rabiscar o papel.
- Você não vai me escrever uma declaração de amor, não é?
- Não. – Respondeu, sem entender a brincadeira, e continuou rabiscando.
- Nós dois e nossos filhos. – Ele apontou para o desenho com um sorriso vitorioso.
- Nossos filhos? – Perguntei em descrença – Eu não ia deixar minha filha passar pela humilhação de se chamar Darly, e ainda andar com isso escrito no vestido. E quem são os quatro lá atrás?
- São os garotos da banda.
- Por que eles estão na nossa casa? – Perguntei.
- Porque eles são meus amigos, e quando nos casarmos eles provavelmente viverão lá de verdade.
- Eu não sou magra assim. – Critiquei. Na verdade, critiquei seu ato de desenhar “bonecos palito”.
- Nem tão bonita assim. – Provocou, mas eu apenas revirei os olhos.
- Você toca? – Ele perguntou fazendo um gesto com a cabeça. Me virei para encarar o teclado.
- Não mais. – Respondi, dando de ombros. Ele se ergueu e posicionou o aparelho de frente para o “forte”.
Começou a tocar Baby, do Justin Bieber.
- Eu devia filmar você fazendo isso.
Ele me ignorou e começou a dramatizar a apresentação, mordendo o lábio inferior. Tenho que confessar que quando ele fez tal gesto, nem prestei atenção no que ele estava tocando. De Justin Bieber ele já tinha pulado para Beatles, Coldplay, a própria banda, Leona Lewis, Linkin Park, e até arriscou um Ramones, mas não deu muito certo.
Sorri para ele, balançando a cabeça.
- Eu te faria chocolate quente também, mas não me sinto muito em casa. – Ele argumentou, largando o teclado para lá e voltando para o forte.
Desviei os olhos dos seus para que ele não reparasse que não foi uma tentativa tão bem sucedida assim de me animar.
- Está tarde. – Comentei para que percebesse que estava esperando lá embaixo e eles tinham que ir embora.
- É mesmo? Não ligo nem um pouco. – Desconversou.
- ...
Ele apenas colocou o dedo indicador nos meus lábios e ficou sentado lá, em silêncio. Nunca pensei que fosse conhecer alguém assim, mas eu sempre quis ter uma dessas pessoas, que não procuram saber a razão da tristeza, mas entendem e apenas ficam lá. Sempre quis ter uma dessas pessoas que valiam a pena.
Ele me deixou ficar triste por um momento, rabiscando coisas aleatórias no caderno e me lançando alguns olhares, para ter certeza que eu não estava em prantos ainda. Mas quando de fato aconteceu, me puxou para seus braços e me deu um abraço calado, mesmo que aquilo estivesse arruinando sua camisa.
Nem percebi quando dormi.
O sol bateu forte contra o meu rosto e tive que piscar diversas vezes para desembaçar as vistas. Gradativamente, conforme minha visão voltava ao normal, minhas lembranças também. Soltei um sorriso envergonhado e senti meu rosto esquentar, mesmo que a razão para tal gesto não estivesse mais no quarto. Me ergui nos cotovelos para ver que tinha colocado o teclado no lugar, assim como arrumado a bagunça com os travesseiros que fez, não sem antes, claro, deixar um bilhete em cima da tela do meu celular.
“Sabia que você ronca? Hahah. Antes que você ligue me xingando, acho melhor olhar em volta e ver que está tudo em ordem por aí, inclusive a previsão que fiz sobre o nosso futuro. Definitivamente, em um lugar de honra... Como tenho certeza que você está pensando uma certa frase, já posso responder: você também é uma idiota. Uma pena que nosso primeiro dia de bandeira branca tenha começado com você manchando tal bandeira de delineador. Não deveria ter me deixado fazer isso. Eu preferia borrar o seu batom. Hahah. .”
Que tipo de idiota escrevia “hahah” em um bilhete feito à mão? Revirei os olhos, deixando o pedaço de papel em cima do criado e fui buscar algumas roupas para tomar um banho e ver se eu parecia tanto uma panda como me sentia. Abri a primeira gaveta e senti o sangue fugir do meu rosto. Sério, ? Um desenho de nós dois na minha gaveta de calcinhas? Peguei a folha rasgada e preguei no painel com um ímã, em seguida caminhando até o banheiro. Sim, eu definitivamente parecia uma panda. Tomei um banho e desci até a cozinha, dando de cara com Andrew.
- Bom dia. – Murmurei, franzindo as sobrancelhas enquanto caminhava até a bancada e colocava um pouco de suco amarelo no copo. Definitivamente, não tinha gosto de laranja.
- O dia só está bom pra você porque sua noite foi aparentemente ótima. – Andrew respondeu com uma careta de deboche, guardando o leite na geladeira.
- Quê?
- Seu namorado estava saindo do seu quarto bem na hora que o papai chegou. E o amigo dele ainda ficou fazendo piadinhas com insinuação sexual. – Andrew respondeu muito sério, como se estivesse me repreendendo por deixar fazer piadinhas sobre sexo ou por deixar sequer entrar no meu quarto. Mas foi a primeira frase que me fez baixar o copo com lentidão até a pedra e perder a vontade de comer um pouco de cereal, o que eu estava prestes a fazer.
- O papai? Ele viu o ? – Perguntei com a voz falha, olhando para Andrew só para garantir que ele falasse a verdade.
- Viu? Ele sentou com o seu namorado no sofá e conversou por uns quarenta minutos. Era quase uma da manhã quando ele foi embora. Uma da manhã, , já pensou no que os vizinhos vão falar?
- Você está preocupado com o que os vizinhos vão falar? – Perguntei chocada, já me direcionando para o meu quarto de novo – E depois se surpreende por não ter uma namorada.
Subi as escadas com pressa, deixando Andrew parado lá com cara de quem tinha cheirado cocô, e já fui pegando meu celular. Mas eu não tinha o número de . Como eu ia saber que ele ainda estava vivo? Que meu pai não tinha pagado um assassino de aluguel para dar um jeito em assim que seu carro virasse a esquina?
Disquei para a primeira pessoa que pensei. Por que minha mãe simplesmente não atendia?
Baixei o celular de novo e passei as mãos pelos cabelos. O que o meu pai contou pra ele? Porque meu pai certamente tinha essa mania de sair falando tudo sobre a minha vida para qualquer pessoa que ficasse mais de dez minutos dentro da nossa casa.
Troquei de roupa e saí apressada, sem avisar ninguém e sem nem saber pra onde eu estava indo. O que tinha dito aquele dia em que fomos ao palácio? Que eles viviam no estúdio... Estúdio... Qual era o nome do estúdio em que passamos para deixar , que veio no carro comigo e Megan? Dei um tapa exageradamente forte na cabeça. Abbey Road. Como eu poderia me esquecer desse nome? Eu deveria ser realmente uma britânica terrível.
Com pena do meu bolso e do que restaria da minha mesada depois de tal gesto, dei sinal para um táxi. Ele ergueu ligeiramente as sobrancelhas quando eu disse “Abbey Road Studios, por favor.” Mas não disse nada e seguiu até o centro. Engoli em seco na hora de pagá-lo, quase chorando ao entregar as três notas de vinte, mas soltei um suspiro longo e me virei para encarar a fachada. Eram três estúdios, como eu poderia saber se estava no certo? Era tarde demais para pesquisar, pensei enquanto entrava no local e o ar imediatamente se tornava agradável e o barulho lá fora era abafado. Caminhei até o balcão da recepcionista. Mas o que você vai dizer, ?, gritei comigo mesma em pensamento, sentindo meu rosto esquentar quando a garota levantou os olhos para mim. Oi, eu sou a suposta namorada do , ele está gravando hoje?
- Posso te ajudar? – Ela perguntou parando de digitar apressadamente. Lizzie, dizia o crachá.
- Ah, oi. Bom... – Olhei de esguelha para o relógio – Boa tarde, Lizzie. Eu... Ah... Hm, eu não sei como te dizer isso, mas eu preciso falar com o . Ele está gravando por aqui? – Perguntei, sentindo meu rosto definitivamente entrar em estado de ebulição.
Ela me olhou da cabeça aos seios - que era até onde ela podia enxergar de trás da bancada - e sorriu amarelo.
- E se estivesse, por que motivo eu a deixaria falar com ele?
- Ah! – Gelei – E-eu não sou uma fã! Eu na verdade, conheço ele há um tempinho, e é bem sério... Ele está aqui, não é? – Perguntei, só para confirmar, porque lancei uma olhadela lá para fora e vi seu carro estacionado do outro lado da rua.
- Eu não posso te dar essa informação, sinto muito. – Ela se lamentou, mas não parecia sentir muito coisa nenhuma.
- Olha, Lizzie, eu realmente preciso saber de uma coisa com o ... E eu sei que ele está aqui, você poderia, por favor, ao menos, sei lá, mandar um câmbio para o segurança dele e perguntar se ele não conhece nenhuma ?
- Não posso fazer isso! Não precisa insistir! – Lizzie respondeu, arregalando os olhos.
- Olha, Lizzie...
Ela desviou os olhos de mim quando as portas se abriram no nosso lado e a cor fugiu de seu rosto.
- Boa tarde, senhorita Hounsfield. – Se apressou a cumprimentar.
A menina sorriu. Uau, ela era - sem fazer nenhum jus à sua beleza com a palavra – linda. Os cabelos caíam em ondas grossas até a metade de suas costas, e os olhos eram muito, muito azuis. Ela era bem alta e marcava presença, ainda mais com aquele guarda-costas de dois metros de altura em seu encalço, mas o sorriso era simpático. Tão simpático quanto a Louis Vuitton pendurada em seu braço e a blusa Dolce Gabbana moldando seu corpo, que me parecia escultural.
- Já pedi que, se você insiste tanto em me chamar pelo sobrenome, prefiro que use o Dorgeout. – Senhorita Hounsfield/Dorgeout respondeu, caminhando em nossa direção. Ela deve ter visto alguma coisa estranha na minha cara, pois logo perguntou se tinha algo errado.
- Ah, ela queria, hm... – Lizzie pareceu bem embaraçada ao tentar dizer que eu era uma fã alucinada querendo arrancar a roupa da One Direction.
- Eu quero falar com o , mas a Lizzie parece não acreditar que não sou uma fã obcecada.
- Só estava fazendo meu trabalho, Valissia. – Pensei que a última palavra estivesse errada, mas era bem certa mesmo, pois a garota loira fez uma careta ao ouvi-la. Logo percebi ser seu nome.
Os olhos ricos e azuis se voltaram para mim e olharam para o meu rosto por uma fração desconfortável de tempo.
- Ah, eu sei quem você é! – Ela exclamou, voltando a sorrir. Largou a Louis Vuitton nos braços do segurança e me puxou pelo pulso para dentro do estúdio. – Eu vi suas fotos com o !
- Que fotos? – Perguntei com a voz esganiçada, arregalando os olhos para suas costas que caminhavam com pressa à minha frente.
- As que o TMZ mostrou. Incrível eles serem um programa americano, mas quando se fala de celebridades, estão infiltrados até aqui, não é?
- Eu não sei de que fotos você está falando. – Tentei explicar, franzindo as sobrancelhas enquanto descíamos algumas escadas. O estúdio era subterrâneo?
- Ah, você não deve ter visto, ou não deve andar muito na internet... Vocês estavam em frente ao Palácio de Buckinghan. Já era noite, eu acho. Afinal, vocês estão namorando mesmo?
- Não! – Exclamei rindo, me sentindo muito idiota por não saber que meu rosto estava estampado em várias revistas pelo país. Por isso algumas pessoas me olhavam torto, e o taxista...
- Que pena, vocês combinam muito. – Ela se lamentou, mas sorria quando se virou para mim. – Eles estão ali dentro, tá vendo aquela porta? – Ela apontou para a porta em carvalho trabalhado e uma luz vermelha acesa em cima – A luz vermelha quer dizer que estão na cabine de vozes, mas a gente pode entrar se você quiser.
- Ah, Valissia, eu realmente preciso falar com ele. – Não sabia onde enfiar a cara.
- Pode me chamar de Lissa! Meu nome é provavelmente muito estranho para os meus ouvidos. – Ela exclamou sorrindo – Vamos lá então...
Ela abriu a porta e várias pessoas se viraram para ela, com a expressão irritada. Mas ela devia ser simpática com todo mundo mesmo, porque essas expressões logo se desmancharam em sorrisinhos. Até me verem. Aí vieram os olhares maliciosos.
- Oi, Lissa! – Uma voz conhecida exclamou, e a garota à minha frente foi tomada em um abraço, o que a obrigou a largar meu pulso. – Quanto tempo faz desde que você veio nos ver gravar. Deve ter alguns meses, e um álbum em primeiro nas paradas...
.
Seus olhos azuis se voltaram para mim.
- E olha quem mostra sua ilustre presença no meu ambiente de trabalho. Já disse que nosso namoro é em casa e eu sou profissional, meu amor. – brincou, vindo me abraçar. Eu sorri e abaixei os olhos, evitando quase todos os outros garotos da banda, que estavam ali, e os devidos produtores.
- Eu preciso falar com o . – Murmurei em seu ouvido.
- O quê? – Ele gritou – Eu quebro todos os protocolos te dando um abraço em ambiente de trabalho e você já vai logo dizendo que precisa falar com o ? Que falta de sentimentos é essa dentro do seu coração?
- Você parece a Trixie dos Padrinhos Mágicos. – Comentei, revirando os olhos.
riu e se virou para o resto das pessoas.
- Essa aqui é a senhora que vocês tanto ouviram falar. – Explicou, apontando para mim. Dois dos homens ali sorriram para mim, mas o outro prestava atenção no que ouvia pelo fone e nem moveu os olhos do vidro à sua frente, que eu evitava olhar.
- Não me chama de senhora . – Repreendi ao mesmo tempo em que Lissa disse que tinha que ir. Todo mundo pareceu genuinamente decepcionado.
- Sinto muito. Ah, , eu vou pegar seu número com os meninos depois, gostei de como você fica vermelha com qualquer coisa. – Ela me deu um sorrisinho fofo e saiu andando. Cruzei os braços, me sentindo definitivamente pegar fogo.
- O tá lá dentro gravando com o . Acho que você vai ter que esperar... – comentou com um sorrisinho também. Até o outro, que eu não lembrava o nome, sorria.
- Acho que ela está permitida a ao menos ficar aqui, chegando acompanhada de quem chegou. – Um dos produtores falou, me olhando dos pés à cabeça.
- O que tem a Valissia?
- Você tá brincando? Ela é filha do senhor Hounsfield. Sabe? Dono da EMI? Que é dona do estúdio? O cara viu a gravação dos Beatles. – tentou explicar, mas acabou muito maravilhado por estar gravando no mesmo lugar que os Beatles gravaram que nem se esforçou para que eu entendesse.
O cara com fones de ouvido apertou um botãozinho naquele painel de espaçonave e disse que o podia sair, elogiando os vocais (que eu queria muito ter escutado).
Quando a porta de madeira se abriu, eu me empenhava muito em encarar o topo da cabeça de .
- No trabalho, meu amor? – Ele exclamou, sem nem ao menos fechar a porta – Já está com saudade?
Olhei para o seu rosto e imediatamente me senti culpada. Ele parecia, no mínimo, cansado. Tinha leves olheiras por baixo dos olhos.
- Oi. – Respondi sorrindo levemente.
- Quem deixou você entrar aqui? – Ele perguntou sem dar confiança a , que fazia gracinhas às minhas costas.
- A Lissa. – respondeu em um tom de reverência. Bom, agora eu ao menos entendia o porquê.
- Nossa, fazendo amizades de peso para me impressionar? – sorriu.
- Não, idiota. – Respondi.
Ele ignorou meu comentário e me deu um soquinho muito masculino no ombro.
- A que devo a honra de ter sua companhia se eu nem estou obrigando você a fazer isso? – Ele perguntou fazendo uma careta.
- A gente pode conversar lá fora? – Perguntei.
Ele franziu as sobrancelhas, mas assentiu.
- Se vocês quiserem se pegar, podem fazer aqui, todo mundo já assistiu um bom vídeo pornô na internet, nós não nos importamos! – gritou quando eu atravessei a porta. Revirei os olhos, mas ignorei a provocação.
- O que foi?
- O que você falou com meu pai? – Curta e grossa.
- Veio até aqui para me perguntar isso? Você deve ter um segredo muito sombrio que não quer que eu saiba. – observou.
- Quero saber o que ele te contou. – Expliquei.
- Ele não me contou nada, . Só falou algumas coisas sobre o nosso “namoro”. – E o sinal de aspas de novo.
- Vou ligar para ele só para confirmar. Eu não acredito que ele só te disse coisas sobre o nosso “namoro” – Imitei seu sinal de aspas com as mãos – Tem coisas que... Bem, ele realmente tem mania de contar coisas que eu não queria que nem ele soubesse para todo mundo. – Fiz uma longa pausa depois de rolar os olhos para o teto – E muito obrigado por ontem à noite. Eu não esperava isso de um popstar que usa spray para cabelo e calças coladinhas.
arregalou os olhos.
- Eu não sei do que você está falando!
Eu já me afastava no corredor.
- O desenho na minha gaveta de calcinhas? – Gritei para me fazer ouvir – Sério mesmo? Parece até que você quer uma delas.
- E eu vou ter!
- Só se for arrancá-la de mim! – Rolei os orbes sorrindo, e sabia que ele estava fazendo o mesmo.
- Mas nós já não fizemos isso?
A claridade bateu contra meus olhos como se para me lembrar de que eu fui muito tarde para a cama na noite anterior. Bem, se eu tivesse ido para a cama...
Me ergui nos cotovelos para encarar o quarto com a visão turva, sem me lembrar de ter subido as escadas e de fato feito minha cama. Olhei para baixo só para constatar que eu estava com a mesma roupa da noite anterior.
Sem me preocupar em ver como minha cara estava, rastejei até a escada, onde encontrei Andrew com cara de pouquíssimos amigos.
- Bom dia, raio de sol. – Debochou com um sorriso cínico. Meu raciocínio ainda estava começando a despertar para que eu pudesse lhe dar uma resposta engraçadinha.
- Hm... Bom dia. – Gemi, passando as costas da mão esquerda nos olhos – Alguém me colocou na cama ontem?
De repente Andrew pareceu exageradamente constrangido. Ele encarou o chão.
- Ah... É. Fui eu.
- Obrigada. Eu bem reparei que tinha adormecido no sofá e acordado na cama... – Comentei começando a realmente acordar e perceber o quão horrível eu deveria estar. Passei a mão pelos cabelos, soltando-os da fita que os amarrava e prendendo-os comportadamente em seguida. Limpei os olhos mais uma vez.
- Já estava quase amanhecendo quando eu subi com você. – Ele comentou ainda sem me olhar nos olhos.
- E o que você estava fazendo para estar acordado ao amanhecer? – Eu quis saber, terminando de arrumar o jeans no corpo para encarar seu olhar evasivo.
- Eu não estava acordado, . Na verdade, eu estava em um sonho muito bom quando você me acordou. Você estava... – Ele engoliu em seco antes de continuar, olhando para o final do corredor – Chorando. E gritando.– Andrew fez uma longa pausa antes de finalmente terminar sua sentença – De novo.
Corei mesmo que ele evitasse me encarar.
- Me desculpa... – Comecei com a voz fraquinha.
- Não está adiantando mais, não é? Você voltou a ter pesadelos. – Comentou sem me deixar terminar. Sua voz estava cheia de rancor.
- Eu não sei do que você está falando, Andrew. – Desconversei dando a volta por suas costas para terminar de descer a escada.
Ele não insistiu no assunto, apenas disse com simplicidade:
- Você tem visita.
Franzi as sobrancelhas, correndo os últimos degraus que faltavam e me precipitando para a cozinha, onde eu ouvia as vozes. ? De novo? Ele tinha que cair na real de que não pertencia ao meu mundo.
- Olha aqui, , eu não quero saber de você... – Interrompi minha própria frase ao constatar quem era a pessoa parada com a minha mãe na cozinha e senti o sangue fugir do meu rosto – o que era exatamente o contrário do que sempre acontecia.
Os cabelos castanhos. Os olhos muito azuis. A pele lívida. A alta estatura. O sorriso muito branco e bonito. Tudo me atingiu como um soco na cara.
- Lizzie? – Miei em um fiapo de voz.
- Oi, . – Ela sorriu mais abertamente, entretanto, havia um pesar que parecia ser quase palpável entre nós.
Deixei meu queixo cair e apenas abri os braços quando ela veio na minha direção. Eu encarei minha mãe sem realmente vê-la. Elizabeth não deveria estar ali. Não no dia do aniversário dele. Não quando ele deveria estar completando dezoito anos e...
Eu não saberia dizer qual de nós duas teve lágrimas nos olhos primeiro.
- Eu queria muito ver você. – Ela sussurrou – Eu queria muito estar com você hoje... Quero dizer...
- Eu sei. – Interrompi, afagando seus cabelos.
Lizzie era a típica irmã mais nova extremamente doce e amável que se tornou minha cunhada. Nós sempre fomos muito próximas devido a sua própria boa relação com o irmão, até... Bem, até o acidente. A partir daí eu não saí mais de casa e nem atendi mais o telefone. Então veio Londres. E sete meses depois ela estava parada na minha cozinha com os cabelos caindo no rosto daquele jeito inocente.
Nunca consegui deduzir se ela sofreu mais com a morte do irmão do que eu.
Lizzie passou determinadamente a mão pelos olhos, fungando baixinho. Ela era só um ano mais nova do que eu e ainda assim me parecia tão frágil...
- Não há motivos para chorar, certo? – Falou com uma força trêmula em sua voz, mesmo que eu conseguisse ver que aquilo era somente na superfície, e por baixo daquele tremor ela queria muito não dar ouvidos ao próprio bordão – Hoje deveria ser um dia feliz, de reencontro.
Eu quase acreditei no seu otimismo.
- Mas é claro. – Forcei um sorriso.
As horas pareceram se arrastar conforme passavam. Lizzie estava, como sempre, muito adorável em qualquer assunto que abordássemos para uma conversa, e até topou caminhar até a Starbucks sem reclamar.
Estávamos caladas, embora eu tivesse certeza de que para ela o silêncio não era incômodo como era para mim. Respirei profundamente e abri a porta de vidro para que pudéssemos entrar, puxando as mangas da minha blusa para baixo com a ponta dos dedos.
Ela mesma se encarregou de chegar perto do atendente e dizer nossos nomes e os pedidos – que, é claro - não havia se esquecido das vezes que os fazíamos em Brighton.
Sentei de costas para o blindex da cafeteria e tomei um longo gole do café, encarando a madeira da mesa.
- Você ficou calada assim com o tempo? – Perguntou com um sorriso brando.
Sorri amarelo e tentei me forçar a começar uma conversa decente.
- Como sua mãe está? Eu me esqueci de perguntar se veio com ela...
- Não, eu vim sozinha! – Exclamou feliz.
- Bem, esse é um grande feito, conhecendo seus pais como eu conheço! – Brinquei soltando uma risadinha nasalada.
- Eu tenho muito mais liberdade agora. Acharam que deveriam me deixar aproveitar depois que... – Ela fez uma pausa desconfortável quando se deu conta do que ia falar - Bem, resolveram que a vida é muito curta e eu não poderia ficar por baixo de suas asas para sempre.
- Isso é ótimo, Liz. – Tentei ser agradável como ela era, mas acho que nunca daria muito certo. Pelo menos minha felicidade ou empolgação nunca pareceriam genuínas.
- Você pode falar dele se quiser, . – Seu sorriso era triste – Você é humana. Ninguém precisa ser forte em todos os minutos de todos os dias.
Encarei seus olhos, considerando por um minuto, apenas um segundo, lhe dizer, mas...
- Veja só se não é minha linda namorada com uma amiga mais linda ainda. – Uma voz nada desconhecida comentou as costas de Elizabeth e, como um reflexo, eu fechei os olhos com força. Ouvi o barulho de beijos, o que provavelmente dizia que eles estavam se cumprimentando.
- Existem centenas... Milhares de cafeterias exatamente como essa ao redor de Londres. – Comecei – E, como uma dádiva, você sempre vem parar aqui.
Abri os olhos para encarar o sorriso torto de .
- Nenhuma cafeteria seria como essa. Em nenhuma cafeteria eu teria a possibilidade tão grande de encontrar você e esses olhos cinzentos...
- Oi, . – cumprimentou sorrindo para mim. Eu sorri sem mostrar os dentes.
- Namorada? – Lissa ecoou pelo que me pareceu eras depois.
Como geralmente acontecia quando minha companhia era um dos Strokes, o sangue fugiu do meu rosto.
- Não, Liz, eu...
Não consegui terminar minha frase. Elizabeth parecia estar a quilômetros de distância daquela infantilidade que era meu relacionamento com - se é que poderíamos considerar um relacionamento. E naqueles quilômetros havia metros de intensidade que eu nunca conseguiria desfazer. O que me colocava naquela situação em que ela apenas me encarava com os olhos tristes.
Ora, como eu ousava esquecer seu irmão tão rápido? Eu assisti ele morrer. Eu estava ao lado dele quando isso aconteceu. Foi propriamente por minha culpa que isso aconteceu. Eu certamente não tinha o direito de seguir em frente tão rápido.
olhou bem em nossas expressões, e a coisa mais inteligente que escapou de sua boca foi um “Oh”, acompanhado por uma careta tensa.
Mais triste que seu olhar foi quando ela sorriu.
- Tudo bem, . Eu entendo. One Direction e tudo o mais.
- Não, Liz... Não tem nada a ver. – Consertei rápido, esbugalhando os olhos – Eu conheci o por acaso. E essa mania irritante que ele tem de me chamar de namorada é só... Eu não sou a namorada dele. – Gaguejei.
Ela se levantou da mesa, mas não parecia menos decepcionada.
- Eu tenho que ir. – Ela olhou para o relógio de pulso com toda a calma do mundo – Um trem me espera para Brighton.
Lizzie sorriu mais uma vez e me abraçou.
Eu observei-a tirar fotos com os meninos sem realmente prestar atenção em seus atos. Que merda toda foi essa que aconteceu?
- Quem era? – perguntou no momento em que ela saiu da cafeteria.
- Irmã do meu... Hm... – Olhei para de esguelha sem realmente entender o porquê – Ex-namorado.
Ele pareceu entender que por ex-namorado eu queria dizer o-cara-que-seria-meu-namorado-se-não tivesse-morrido e se contentou em me encarar nos olhos daquele jeito que parecia ler minha alma.
Brinquei com o polegar na beirada do copo, franzindo os ombros para não ser obrigada a tentar conversar com qualquer um dos dois garotos ali. Eu queria muito ficar com raiva de porque ele estragara absolutamente tudo. Não que o encontro com Elizabeth estivesse sendo o melhor programa da minha vida, mas ela pareceu realmente chateada, e depois de tantos meses... Ela deveria ter muitas perguntas para me fazer. Por que Josh não estava com as duas mãos no volante quando o caminhão bateu? Por que eu me sentia tão culpada? Por que o motorista jurou de pés juntos no tribunal que nós estávamos discutindo um minuto antes do acidente, quando ele buzinou desesperadamente? Por que sequer estávamos discutindo? Ele pareceu... Feliz? Antes de toda a confusão começar? Era por isso tudo que eu não larguei a mão dele até os paramédicos chegarem e me segurarem com toda a força do mundo enquanto eu chorava e gritava que era minha culpa?
- Você está chorando de novo? – A voz de me arrancou da tortura que a minha mente fazia comigo mesma.
- O quê? – Crocitei confusa. Ele passou um braço por trás da minha cadeira e apoiou o outro esticado na mesa. Seus olhos acompanhavam cada mínimo gesto meu.
- Você está chorando de novo? – Repetiu, e foi incrível a forma como o jeito lento de falar de repente desaparecera.
- Não. – Respondi de prontidão, encarando-o bem nos olhos.
- Que péssimo... Agora não sei quando vou ter outra oportunidade de ir com você até seu quarto. Pelos menos, na segunda vez, vou me aproveitar das circunstâncias. – Falou com um sorriso decepcionado.
Ergui as sobrancelhas para ele enquanto só gargalhava.
- Você é tão ridículo que eu tenho pena de você. Alguma garota realmente já caiu na sua lábia? – Debochei fingindo exaspero. Ele não ligou para o meu insulto educado.
- Minha vida é resumida nas garotas que caem na minha lábia. – Se gabou, estufando o peito como um pombo.
- Incrível você não entrar em crise de abstinência desse seu vício quando está comigo. – Comentei baixinho, sem saber se queria ou não que ele me ouvisse.
- Outra coisa que eu não entendo na vida, como você menospreza tanto alguém que faz você molhar a calcinha.
- Todo galanteador vive nas custas de quem lhe dá ouvidos. Eu ainda tenho a esperança que você caia na real que nunca vai rolar nada e volte para o seu mundinho de capas de revistas e premiações cheias de puxa sacos. – Expliquei.
abafou outra risada, mas não pareceu se abalar.
- Eu pensei que tivéssemos uma trégua. – Comentou com simplicidade de modo que parecia estar usando seu trunfo.
- É, esqueci... – Fiz uma longa pausa enquanto encarava o copo vazio – Nunca é tarde para pensar que minha sorte pode acabar. Vamos apenas concordar que isso não acontece com qualquer pessoa.
- Isso o quê? – quis saber.
- Sério? – Duvidei erguendo as sobrancelhas – Qualquer garota pode vir a Starbucks qualquer dia e vocês dois aparecerem para importuná-la? Achar um celular e descobrir que pertence ao ó-deus-do-sexo ? Ter você na minha vida a partir disso? É difícil de acostumar. – Soltei tudo de uma vez. Ambos pareceram meio confusos de início, mas, quando engoliram tudo o que eu disse, começou a digestão.
- Algumas pessoas nascem com sorte. – comentou.
- Eu não sou uma dessas pessoas. Nunca ganhei nem mesmo na raspadinha de cinquenta centavos. E de repente uma boyband inteira faz parte do meu cotidiano? Me enlouquece.
- Então você me menospreza porque eu pareço bom demais para você. – concluiu brilhantemente.
- Não. – Debochei – Eu só não acho que eu deveria começar a gostar disso porque pode ser que nem dure. Não gosto de me aproximar das pessoas e as ver saindo da minha vida.
- Eu não vou embora. – Ele murmurou.
Foi um daqueles momentos em que eu não conseguia encontrar nada para dizer e só o encarava, pensando que eu não deveria achar sua frase de revista tão incrível.
- Isso é uma promessa? – Perguntei sem acreditar realmente não sorte que eu supostamente tinha.
- Se você quiser que seja.
***
- Bom, está relativamente tarde agora, então acho que você não precisa entrar. – Comentei para enquanto desafivelava o cinto de segurança. dormia no banco de trás há muito tempo.
- Vai me deixar ganhar um beijo de boa noite apenas do dorminhoco ali? – Ele brincou, repetindo meu gesto. Franzi as sobrancelhas.
- Não precisa soltar o cinto. Eu nem ao menos fiz um convite.
Ele me olhou como se dissesse um “sério?” bem debochado. Suspirei.
- Tudo bem, , tudo bem. É só que minha mãe acha que vou voltar para casa com Elizabeth, não um menino que ela vê na TV.
Ele continuou calado, apenas me encarando. Levou um das mãos para abrir a porta.
- Ok. Ótimo. – Fechei a cara para ele – Você quer entrar?
- Assim que eu gosto. – Debochou, rindo e pulando para fora do carro. Quando fui fazer o mesmo ele já estava lá.
- Ah, pode ir parando com isso. – Censurei. Ele me ignorou e estendeu a mão. – Você não quer que eu segure, não é? – Perguntei em choque, mas ele apenas a deixou lá. Tentei passar por ele, mas não consegui. indicou a mão com o olhar. – Ah, meu Deus. – Gemi, segurando a mesma para descer do carro. Tratei de largá-la logo, sentindo meu rosto esquentar.
- Eu não vou te morder. – Ele me assegurou quando enfiei os dedos no jeans. – Só se você quiser.
Tentei não pensar no significado da risadinha que ambos soltamos.
- Boa noite. – Murmurei quando chegamos à porta, dando as costas para a mesma. Ele permaneceu abaixo do degrau em que eu estava.
- É só isso? Não ganho nada? Um beijo na boca? Ou em lugares mais estratégicos? – Perguntou chocado. Me limitei a revirar os olhos.
- Você vai ganhar uma dentadura se ficar saidinho assim comigo.
- Eu supostamente sou seu namorado, então seus pais supostamente pensam que nós supostamente fazemos sexo. Não faria mal fazer jus à preocupação deles.
Soltei uma risadinha de novo, olhando para os lados. Ele só balançou o cabelo.
- Nós não estamos nem nos beijando ainda, não tente pular para os finalmentes.
- Mas é um problema que podemos resolver! – Exclamou exasperado. Nós rimos de novo.
- Você deveria se sentir agradecido por eu não chutar o meio das suas pernas. – Avisei. sorriu e me encarou nos olhos.
- Um abraço? Eu mereço? – E deu aquele sorriso torto mais uma vez.
Olhei para cima e abri os braços.
não simplesmente passou os braços por minha cintura, mas deu um longo passo, me empurrando para trás nos degraus e me envolvendo. Passei os braços por seus ombros e ele enfiou o rosto no meu pescoço, me apertando contra si. Era quase como se ele quisesse fazer isso há muito tempo.
- Eu sinto que esse abraço é quase tão íntimo quanto tirar as roupas para você. – Murmurei e ri de forma nervosa.
Ele tirou um dos braços das minhas costas para pousar o indicador em meus lábios.
- Shhhh... – Censurou, e voltou a me abraçar com força.
Não o afastei. Não porque ele merecia aquele abraço, mas porque eu não queria afastá-lo. Seu corpo era quente contra o meu e eu me sentia de certa forma relaxada em seus braços. Eu não queria somente não afastá-lo, como desejava arduamente que ele não o fizesse. Talvez fosse essa a razão pela qual apertei meus braços ao seu redor e passei os dedos por seus cabelos, inalando seu cheiro quase agressivamente. Eu só queria ficar ali, mas como tudo o que é bom, dura pouco, ele se afastou vários centímetros, apenas para manter as mãos em minha cintura enquanto encarava meus olhos.
Senti meu rosto esquentar e olhei para o chão.
- Foi um grande avanço. – disse, bem baixinho.
Eu não saberia dizer se ele se referia ao meu gesto de deixá-lo me abraçar ou de retribuir.
- Acho que o fato de eu gostar foi como passar por um abismo. – Respondi no mesmo tom.
- Então não foi um grande avanço, foi praticamente uma volta ao mundo. – Debochou, rindo. Sua pele tremeu contra a minha. – Eu só queria que essa volta ao mundo nos levasse até alguma parede e seus lábios até os meus.
Olhei para trás para constatar que era uma porta ali.
- Não temos uma parede por aqui. – Sussurrei observando que sua boca estava a uma distância perigosamente próxima da minha.
- Nós não precisamos de uma. – Sussurrou fazendo com que nossos lábios quase se roçassem.
Pigarreei, virando o rosto.
- Acho melhor eu entrar.
- Boa noite. – riu, tirando os braços do meu redor.
- Boa noite.
Depositou um longo beijo no topo de minha cabeça e se virou em direção ao carro.
Não o esperei virar a esquina e abri a porta, me sentindo meio tonta. Tão desnorteada que nem percebi meu pai parado na sala.
- Interessante conversa, a de vocês. – Ele comentou. Paralisei no meio do meu passo.
- Eu não sabia que você gostava de ouvir conversas alheias. Sempre me ensinou que era falta de educação. – Falei calmamente.
Meu pai me olhou bem sério.
- Acho que é uma boa hora para tentar não agir como uma vadia... Não quero que você seja falada. – Meu pai fez sinal de aspas com os dedos, lembrando-me assustadoramente de – Ele é muito para frente com você.
- Qual parte não atende às suas expectativas, pai? Eu ter quase dezoito anos e provavelmente não ser mais virgem, ou estar aparentemente aparecendo em capas de revistas com um garoto que tem fama de conquistador? Por isso estou agindo como uma vadia? – Bom, eu estava nervosa. E falar daquele jeito com ele não era algo ao qual eu estava acostumada, então minha surpresa comigo mesma tornou-se lentamente em orgulho.
Ele ergueu as sobrancelhas.
- Eu não criei uma filha durante esse tempo todo para ela simplesmente jogar tudo no lixo com um popstar. Aliás, essa é provavelmente a razão que você está com ele, não é, ? Porque ele é famoso? Ah, minha filha...
- Você realmente pensa isso de mim? – Indaguei, e não saberia dizer se meu tom pareceu irritado ou chocado. Beirava o ofendido. – Pensa que eu estaria com alguém só pela fama? – Eu tecnicamente não estava com , mas não era um fato muito relevante no momento – Você acha que esse talvez seja o único motivo pelo qual eu estou com ele, não é? Porque eu sou uma interesseira. Porque eu estou agindo como uma vadia, em suas palavras.
- E que outra razão você teria? – Eu podia ver que ele se controlava para não gritar comigo – , eu realmente não criei você para dizer essas coisas que você disse... Você nem ao menos tem idade para fazer sexo e falar...
- Não tenho idade? – Ecoei, e minha voz soou muito mais ameaçadora do que eu pretendia. E um tanto mais revoltada – Em dois meses, pai, eu posso muito bem sair dessa casa e ir morar com o , se quiser. E quando estivermos transando vinte e quatro horas por dia irei me lembrar de que eu “não tenho idade” para isso!
Ele ficou lívido. Talvez porque não esperasse ouvir algo assim da sua filha, ou porque não esperasse que de um vegetal humano, eu passasse para uma rebelde em potencial.
- Você... – Ele cerrou os dentes, e de branco seu rosto passou para vermelho. Seus punhos estavam cerrados – Sua pequena putinha. Isso o que você é... Como eu não pude ver que estava criando uma vagabunda dentro de casa. Como não percebi que a escória estava debaixo do meu próprio teto? Que decepção você é, garota... Primeiro namora qualquer um por fama, depois mostra quanto você vale...
- Eu não o namoro por fama. – Neguei, e dentre todas as coisas que ele disse, foi a única que pensei em argumentar – E ele não é um qualquer.
- Por que você está com ele, então? Não vá me dizer que a aprendiza de prostituta... Gosta do garoto?
- As coisas não funcionam assim, pai. – Sussurrei, porque estava tão estarrecida e drenada emocionalmente que não encontrei força o suficiente para sequer comandar ao meu cérebro que eu falasse com confiança. Subi as escadas e bati a porta do quarto, escorregando por ela e pensando que nunca, nem mesmo quando Josh morreu, eu me senti tão mal e tão desamparada. Eu estava sofrendo bullying dentro da minha própria casa.
O estrondo no andar de baixo me fez desistir de prender o cabelo em um rabo de cavalo e descer as escadas com pressa, pensando que provavelmente queimaria mais calorias do que o necessário nesse ritmo e me tornaria uma pseudoanoréxica.
- Mãe? – Chamei antes mesmo de chegar até a cozinha, mas acompanhando os cacos de vidro espalhados pelo caminho que levava até lá. – O que aconteceu?
Ela se virou para mim e não poderia parecer mais confusa.
- Eu escorreguei. – Respondeu sem olhar nos meus olhos – Você não tinha que estar na escola?
- Não, mãe. – Olhei de esguelha para o relógio na sala de jantar – São quase três da tarde e estamos em Julho. As aulas só começam em Setembro.
Ela voltou a me olhar daquela forma que parecia ter esquecido até seu nome e não saber como.
- Tudo bem... Você limpa isso para mim?
Assenti e me abaixei para catar os maiores pedaços de vidro quebrado, começando a ouvir os passos se aproximando pelo corredor.
- O que houve, meu amor? – A voz do meu pai perguntou, o que me fez ficar irritada. Eu ainda estava chateada com o acontecido da noite anterior, tão chateada que me peguei pensando que ele deveria estar comprando ações ou coisas do tipo, mas não ali.
- Estamos em Julho? – Minha mãe perguntou em uma voz inocente.
Meu pai se limitou a rir, respondendo de modo que minha mãe logo o acompanhou:
- Estamos, querida. A vida em Londres está te deixando louca?
Estava prestando tanta atenção na conversa que escorreguei a mão pelo braço sem perceber, abrindo um corte escarlate em uma diagonal pulsante na parte interior do antebraço. O machucado descia quase do cotovelo até o pulso. Praguejei baixinho e me chamei de burra algumas vezes enquanto o sangue começava a fluir. Só o que faltava para pensarem que eu era uma suicida em potencial.
- Você está bem? – Minha mãe perguntou quando me ergui de detrás da bancada. Eu deveria estar pálida. Bem, eu me sentia pálida.
Ela arregalou os olhos para o meu braço e se aproximou, olhando o corte com atenção.
- Eu vou tomar um banho... Lavar isso aqui, depois dou um jeito de enfaixar. – Murmurei ignorando completamente sua pergunta. Coloquei a mão sobre o corte e subi as escadas em direção ao banheiro, jogando todas as coisas que estavam no armarinho em busca da caixinha de primeiros socorros.
- Que barulheira é essa, ? – Ouvi a voz do meu irmão e imediatamente fechei os olhos. Andrew não. Andrew não. Andrew não. – Nossa... O que...
Ele interrompeu a própria frase e se aproximou, segurando meu braço e o encarando com o rosto lívido.
- Tá ardendo. – Avisei, mas Andrew abriu a torneira e colocou meu braço embaixo do fluxo de água tão rápido que só tive tempo de guinchar. Em seguida pressionou-o em uma toalha e evitou me encarar nos olhos.
- Tá doendo muito? – Quis saber, indicando uma gaze com a cabeça.
Passei-a para ele e não consegui encontrar nada para dizer enquanto ele só enrolava o corte. Quis explicar que achava fazer um curativo muito exagerado porque nem fora tão profundo assim, mas me lembrei daquela história sobre infecções e mudei de ideia.
Andrew também pareceu mudar de ideia sobre algo ao olhar meu rosto. Provavelmente sobre perguntar se eu queria mesmo me matar.
- Deveria avisar seu namorado. – Disse finalmente, depois de parecer travar uma batalha interna muito intensa. E então me deu as costas e saiu do banheiro como se nada tivesse acontecido, o que me fez achar que ele fora no mínimo irônico – afinal, Andrew foi a primeira pessoa a saber que não era meu namorado.
Ouvi minha mãe me chamar de lá de baixo e suspirei longamente, esperando ela aparecer na porta.
- Seu celular estava tocando. – Falou parecendo estar irritada por eu ter deixado o celular tocar e me estendendo o aparelho.
O levei à orelha, enquanto Joanne dava uma olhada no curativo.
- Olá?
- Oi, , é a Megan!
Franzi as sobrancelhas.
- Oi, Megan. – Lancei um olhar para minha mãe como quem perguntava se ela quem tinha passado meu número. Se para Megan, para quem mais?
Se fez de inocente e ignorou minha forma intensa de encará-la.
-...discos, talvez? – Megan finalizou do outro lado da linha e eu não tinha prestado atenção em absolutamente nada.
- Ah! – Exclamei tentando desfaçar. Soltei uma risadinha e rezei para que não tivesse sido uma pergunta.
- Então, você vai?
- Eu vou? Eu vou. Claro. – Respondi prontamente. Ela disse que me pegava às 16h e eu só pedi silenciosamente a Deus para que não estivéssemos indo fazer algo do que eu me arrependeria depois.
- Vai aonde? – Mamãe quis saber.
- Não sei. – Respondi com sinceridade, colocando a cabeça no corredor para checar as horas. Gemi baixinho – Acho melhor eu tomar banho. Você pega uma toalha para mim?
- Cuidado com o curativo. – Murmurou com simplicidade.
Deixei que ela saísse para finalmente tomar o banho.
Peguei a toalha que minha mãe pendurou na porta e me enrolei na mesma, penteando o cabelo para prendê-lo em um coque. Em seguida caminhei para o quarto tão concentrada nos últimos acontecimentos que nem cheguei a perceber ter outra pessoa lá.
- Uou. – Ouvi uma voz grave exclamar, o que logo se seguiu por uma risadinha nervosa.
Me virei tão rápido que provavelmente devo ter machucado a coluna. Se tivesse, não teria percebido: fiquei com tanta vergonha que meu rosto esquentou em milésimos e eu não perceberia a dor.
- O que você está fazendo aqui? – Miei sem saber o que fazer com os braços. Usá-los para pular da janela parecia uma boa opção.
- foi lá embaixo buscar um copo d’água. – explicou, ignorando minha pergunta.
- Eu preciso trocar de roupa. – Informei – O que significa que você precisa sair.
me lançou um olhar que me fez querer ficar bem do jeito que estava mesmo, de preferência bem próxima dele – e se afastou. Saiu do quarto com um sorrisinho sem graça e fechou a porta.
Me aproximei da mesma para ter certeza que não estava espiando e, constatando que não, deixei a toalha cair.
Vesti as roupas íntimas e a calça jeans, sem conseguir encontrar qualquer blusa que me agradasse. Só não esperava que fosse abrir a porta de uma vez.
Seus olhos imediatamente voaram para minha barriga e logo pude ver neles aquela coisa que meninos têm sobre meninas seminuas, mas sumiu bem rápido, sendo substituído pela surpresa, o constrangimento logo em seguida. Coloquei as mãos em frente o abdômen e percebi que educadamente evitava olhar para abaixo do meu pescoço lá da porta, encarando com firmeza o topo da minha cabeça.
Peguei uma blusa branca sem nada especial e vesti rápido, calçando o tênis sem dizer nada.
- Eu vim buscar informações. – murmurou um momento depois, fingindo não ter visto nada.
- Que tipo de informações?
- Eu vim saber o que aconteceu ontem que o até acordou sorrindo. – Explicou, se sentando ao meu lado na cama.
- Não aconteceu nada, como sempre.
Suas sobrancelhas se franziram.
- Tudo bem - era mentira. - Eu não vim saber sobre isso. Nós só queríamos te convidar para ver a sessão de fotos semana que vem. Não é a coisa mais legal do mundo, mas sempre nos deixam levar uma pessoa para nos fazer companhia nos intervalos. E o Ed vai estar lá. Quando o roubou seu iPod...
- Ele roubou meu iPod?
-... nós vimos que você tem milhares de músicas dele, e elas estão sempre entre as mais tocadas... Enfim, só estou dizendo, se você quiser nos acompanhar...
- Eu quero. – Interrompi imediatamente, segurando seus ombros.
e o do topete se limitaram a sorrir.
- Ótimo. Vai fazer algo agora? Poderia ir com a gente até o estúdio...
- Na verdade, sim. Vou sair com uma amiga minha... – Expliquei, feliz que não tivesse de inventar uma mentira para fugir do .
Eles pareceram realmente desapontados, mas logo disseram que tinham que ir e esbarraram numa Megan apressada na entrada. Ela nem viu quem era, mas olhou para trás e congelou naquela posição estranha quando os meninos acenaram. Ela ainda estava que nem uma estátua quando o carro virou a esquina, e só depois que eu ri que ela se deu conta do que tinha acontecido – o que só resultou em um grito histérico e uma expressão pra lá de excitada.
- Eu sei: eles tocaram em você. – Debochei revirando os olhos, mas sorria.
- Você viu os olhos do ? Você viu o sorriso do ? Você os viu? – Ela exagerou com a boca aberta em um perfeito “O”.
Fechei a porta às minhas costas e continuei sorrindo para ela, que parecia não acreditar na própria sorte – o que era completamente estranho, porque ela deu carona para um dos membros da One Direction e esteve na mesma sala que todos eles, mesmo que em tal situação ninguém tivesse, de fato, feito contato físico com ela.
Nós pegamos o metrô e descemos em uma estação perto do centro sem que em nenhum momento Megan desistisse de me lembrar que o toque da pele de na sua foi absolutamente incrível, ou parasse de me perguntar o que tinha acontecido com meu braço.
- Eu acho que ele é um dos que tem namorada. – Comentei sem querer destruir seus sonhos, ignorando sua pergunta sobre o machucado, talvez pela milésima vez.
Ela suspirou.
- E eu não sei? – Exagerou na ênfase – Eu sou uma completa fangirl quando se fala da . Ela tem aquele rosto perfeito e aquela voz maravilhosa e aquelas pernas que Deus fez para ele e para ela, de tão perfeitas... Sem falar que ainda tem a menina Hounsfield, que todo mundo diz ser louca por ele...
- A Lissa? – Interrompi surpresa.
- Quem é Lissa?
- Valissia Hounsfield Dorgeout, ou Dorgeout Hounsfield; não importa. A filha do...
- Você a conheceu? – Megan interrompeu em um fiapo de voz, me segurando pela gola da blusa. Algumas pessoas que caminhavam apressadas nos olharam estranho, e eu fiquei particularmente assustada com os centímetros a mais que Megan tinha.
- É... Eu estava na Abbey Road outro dia e... – Comecei afastando sua mão lentamente da minha blusa e soltei um suspiro aliviado quando a soltou.
- Ela é tão-adorável-que-quero-te-adotar como dizem? – Tornou a me interromper.
- Comigo ela foi bem amável. – Dei de ombros.
Megan se contentou em me encarar maravilhada por alguns segundos antes de suspirar um “Uau” meio sem fôlego.
Se as perguntas sobre Lissa ainda não haviam terminado, teriam que esperar, pois ambas eu e Megan esquecemos como se fazia para abrir a boca quando vimos a quantidade de fotógrafos em frente a um dos estúdios de filmagem na longa rua, assim que viramos a esquina. Dezenas deles. Dezenas.
Recuei inconscientemente, surpresa. Eu estava a uns quinze metros de distância, mas mesmo assim o clic-clic ininterrupto das câmeras me irritava.
- Que loucura... – Megan murmurou.
- Espero que não seja alguém que eu conheça. – Rezei em voz alta enquanto esticava o pescoço para ter um ponto de vista melhor.
- Ah, não é. Eu acho que não. – Megan logo me acalmou quando viu uma mulher sair sorrindo do meio da manada e caminhar em direção a Range Rover do outro lado da rua. Eu conhecia aquele carro de algum lugar...
- Quem é? – Perguntei, indicando a outra sendo perseguida pelos paparazzi com o queixo.
- Ela é a . – Murmurou com simplicidade – Deu uns pegas no uns meses atrás.
- Hm. – Gemi, olhando-a da cabeça aos pés. Ergui as sobrancelhas.
sorriu para as câmeras antes de acenar e finalmente entrar no banco do carona. Daquela distância eu nunca veria o motorista.
Megan me observava com atenção.
- O que foi?
- Que fofa. – E sorri com falsidade.
Estávamos no meio do jantar, comendo como uma boa família normal, sem celebridades ou namorados falsos ou chantagens emocionais, quando meu irmão (como sempre) resolveu estragar tudo.
- , eu estava pensando... – Tentei não parecer surpresa ao constatar que ele na verdade pensava – Faz muito tempo que não te vejo com seu namorado.
Ergui o olhar do meu prato de forma lenta, buscando qualquer indício de onde ele queria chegar com isso em seus olhos. Passei o olhar rapidamente por minha mãe e meu pai, que também me encaravam, até enfim voltar para Andrew.
- Quanto tempo mesmo? – Ele continuou.
Bebi um pouco de suco para ganhar tempo.
- Duas semanas.
- Você provavelmente está com saudade. – Andrew provocou, me encarando como se soubesse que eu ia odiar vê-lo dizendo aquilo quando eu, na verdade, não namorava , mas suas palavras só me fizeram perder a fome, apenas porque não passavam da verdade: era exatamente o que eu estava sentindo e me recusava a assumir até para mim mesma.
Deveríamos ter nos encontrando uma semana antes, mas não me disse onde era a sessão de fotos e aparentemente se esqueceu de que tinha me convidado, então fazia muito mais do que duas (quase três, não que eu estivesse contando) semanas desde a última vez que nos vimos. Eu não estava apenas com saudade. Eu estava morrendo para ouvir sua voz e olhar suas mãos de dedos longos e sentir seu abraço de novo. Mas não falaria nada, e, como sempre, eu iria preferir arrancar meus próprios olhos a admitir em voz alta.
- É. – Murmurei bem baixinho, sem desviar os olhos, que haviam caído para o meu prato.
- Por que você não o convida para vir jantar, querida? Ele pode passar a noite. – Minha mãe sugeriu, feliz com a ideia de dormindo na mesma casa que ela. Eu não saberia dizer se foi por ou por eu estar aparentemente livre da minha tortura mental sobre a morte do meu ex-namorado.
- Estamos quase terminando de comer, mãe. E, além do mais, ele é ocupado, é famoso. Deve estar em algum compromisso ou coisa assim. – Expliquei cansada.
- Se ele não vier vocês ao menos vão ter se falado.
Ergui os olhos apenas para confirmar que todo mundo me encarava antes de suspirar audivelmente e me erguer, largando metade da comida no prato.
- Vou usar seu celular. – Avisei.
E ela nem reclamou.
Revirei sua bolsa buscando pelo pequeno aparelho, e quando o encontrei quase o deixei cair lá dentro de novo ao constatar que o número de estava na discagem rápida.
Apertei o call ainda criando a coragem que me seria exigida para fazer aquele tipo de convite para aquele tipo de pessoa, e quando estava prestes a desistir e me contentar com o que eu tinha dele, a chamada se completou.
- Joanne? É sempre bom falar com você. – Eu quase podia sentir o sorriso em sua voz.
- Não é a minha mãe falando, seu safado galanteador de mulheres casadas! – Exclamei. Eu poderia dizer que estava irritada, mas ouvir sua voz depois de tanto tempo era tão bom que eu mal conseguia formar frases.
- Mas sempre melhor falar com você, . – riu.
- Eu deveria saber por que seu número está na discagem rápida do celular da minha mãe? Ou por que é “sempre bom falar com ela”? Ser sempre bom falar com ela quer dizer que vocês mantêm contato, sabe. – Franzi as sobrancelhas, andando em círculos em volta da mesa de centro.
- Bom, a primeira pergunta você tem que fazer para a sua mãe, não acha? E a segunda, bem, ela me liga ocasionalmente e o papo desenvolve bastante; caso não saiba, sua mãe é uma pessoa bastante agradável, ao contrário de você. – explicou pacientemente. O sorriso não aprecia ter sumido de sua voz.
Pensei em algo para lhe dizer por um longo momento antes de soltar o que eu realmente tinha em mente, e eu quis socar minha boca até não poder falar mais um momento depois:
- Têm quase três semanas...
- Que não nos vemos?
- É... – Soltei um suspiro.
- Você está com saudade?
Em vez de responder, preferi ficar em silêncio. Não queria que ele pensasse que não fazia falta, mas também não queria que ele pensasse que fazia. Suspirei de novo.
- Eu também senti sua falta. ¬– murmurou, e como sempre acontecia quando nós estávamos no telefone, houve algumas risadas ao fundo.
- Minha mãe está te convidando para jantar. – Soltei rápido, tentando mudar de assunto – Ela disse que, se você quiser, pode até passar a noite. Olha que gesto legal, ela nunca deixou um namorado meu dormir na nossa casa antes.
- Então você já está propriamente agindo como se eu fosse seu namorado? - riu mais uma vez.
- Ela está esperando uma resposta. – Desconversei revirando os olhos para o teto.
- Eu não posso... Nós estamos em uma reunião para acertar umas coisas por aqui e não acho que vou sair tão cedo. – Ele nem disse que sentia muito. Fingi que aquilo não me magoou e não consegui encontrar nada para dizer. Pela primeira vez o silêncio entre nós foi desconfortável.
- Me desculpa por ter ligado para você no meio de uma reunião, eu não fazia ideia...
- Eu estava com saudade de falar com você. Eu gosto de ouvir o som da sua voz. – Ignorei completamente a parte do meu cérebro que me dizia que eu já tinha visto aquela frase em algum filme e deixei um sorrisinho triste começar a surgir em meus lábios.
- É bom falar com você também.
- Quem sabe outro dia...
- É... Claro... Como... Como estão os meninos?
- Agindo como bebezões. – Ele riu de novo, e naquele momento eu nunca quis tanto estar perto pra vê-lo dando a risada.
- Mande lembranças...
- Pode deixar.
Eu sabia que havia milhares de assuntos para falarmos, mas eu não conseguiria dizer nada. E enquanto eu queria desligar logo o telefone, eu também não queria.
- Então... Eu acho que a gente se vê por aí.
Antes que ele pudesse responder, a ligação caiu.
Fiquei parada por um momento com o telefone daquele jeito, encarando o nada em particular, sem acreditar muito bem que eu estava com saudade de .
Balancei a cabeça e voltei para a mesa, entregando o celular para minha mãe.
- Ele está ocupado. – Expliquei, e não quis falar mais nada pelo resto da noite.
Ouvi a batida na porta, e talvez pela milésima vez a ignorei.
- , abre a porta. – Ouvi a voz de Andrew, mas em vez de atender ao seu pedido apenas aumentei o volume da música. Quando bateram novamente, só vi a porta tremer.
Meu irmão acabou por desistir e não sei quanto tempo depois, talvez minutos ou horas, ele voltou.
- , por favor. – Insistiu. Removi os fones de ouvido e encarei a porta em silêncio, sem realmente enxergá-la. O que Andrew falava era apenas um zumbido de fundo enquanto minha mente viajava a milhares de quilômetros por hora. Foi assim quando Michael morreu. Eu me tranquei no quarto e me recusei a abrir a porta para quem fosse que batesse. nem tinha morrido e estava me obrigando a fazer a mesma coisa, o que era completamente doentio. – ...
Eu estava com saudade dele. Eu ligaria para ele naquele exato segundo se eu soubesse que alguém iria atender e a chamada não seria direcionada para a caixa-postal, como nos últimos três dias. Se eu o visse na minha frente, provavelmente cairia no chão e começaria a chorar. Não que ele tivesse se tornado tão especial nos últimos meses, mas aquela saudade era como a que sentimos aleatoriamente de alguém: forte e sufocante. Eu também sentia saudade de Michael. E dos meus amigos de Brighton. Mas a saudade que eu sentia de era ainda pior. Era o tipo mais agoniante que podemos sentir: aquela de quem está por perto.
- , você poderia, por favor, abrir a porta? – Andrew falou um momento depois.
Levantei da cama aos tropeços e chaveei a maçaneta, girando-a num rompante. Andrew pareceu meio assustado ao me ver, mas minha cara deveria ser muito pior quando vi quem estava atrás dele.
- Lissa? – Ofeguei.
Ela colocou uma longa e dourada mecha de cabelo atrás da orelha e sorriu.
- Você nunca mais voltou no estúdio! – Valissia estava realmente fazendo biquinho? – Tive que tomar a liberdade de perguntar aos meninos onde você morava.
- Eu não acredito que você está aqui. – Soltei uma risada nasalada.
- Tem um tempinho, já, se você quer saber. Seu irmão me disse que tem uns bons dois dias que você não sai do quarto e pediu desculpas.
Meu rosto esquentou bem rapidamente e Lissa só sorriu diante disso.
- Me desculpa! Se eu soubesse... Eu não poderia imaginar. Eu teria aberto a porta, eu...
- Eu achei que eu poderia levar você para passear por aí, quem sabe?
Valissia olhou inocentemente para o teto e balançou para trás e para frente, segurando uma bolsa cara nas mãos. Seu biquinho logo se desmanchou em mais um sorriso e ela esperou minha resposta.
- Eu? Andando por aí com você? – Ri nervosamente, sentindo minha voz sair mais aguda do que deveria. Lissa rolou os olhos e entrou em meu quarto, começando a revirar o closet.
- Não acho que você vá achar algo que te interesse aí. – Avisei.
- Ah, não estou procurando para mim. Acho que você não deveria sair de pijamas comigo, provavelmente vai ser fotografada.
Bati a mão na testa e observei enquanto ela separava minha roupa. Como não achou alguma saia – o que eu tinha certeza que ela estava procurando –, se rendeu ao jogar um short jeans e uma blusa mais solta para mim.
- Já que você insiste. – Revirei os olhos para o teto e me prontifiquei a trocar de roupa, sem ligar que ela estivesse olhando. – A propósito, onde você planeja me levar?
Terminei de vestir a blusa e encarei seu rosto, esperando por uma resposta.
- Eu não posso dizer! Mas eu tenho certeza que você vai gostar. – Lissa piscou para mim, me puxando pelo braço para o andar de baixo. Passamos correndo pela sala em direção à porta de entrada, logo em seguida até seu carro, que tinha sim um motorista e era seguido bem de perto por outro veículo, que deveria ter alguns seguranças.
- Mas e a minha mãe? Eu nem disse...
- Ah, seu irmão a avisa! – Lissa abanou a mão em minha direção.
Ela me parecia completamente angelical naquele dia ensolarado com aquela roupa em cores vivas. Eu não poderia acreditar que uns quinze minutos atrás eu estava perdendo um bom dia de sol em Londres, o que ocorre a cada seis milênios.
- Por que você estava trancada no quarto há uns bons dois dias, segundo seu irmão? - Lissa perguntou quando o carro virou a esquina.
Corei sob seu olhar.
- Eu estou morrendo de saudades do . – Admiti, e falar aquilo em voz alta fez com que tudo saísse só da minha mente e eu tivesse consciência de que era verdade – E ele tem meio que me ignorado há quase um mês. Não nos vemos há quase um mês, quero dizer, e ele não está fazendo um esforço para mudar isso.
- O bem que me disse que o vivia atrás de você. – Lissa comentou baixinho, o que fez com que eu me lembrasse subitamente de algo.
- É verdade que você tem uma quedinha por ele? – Perguntei. Ela congelou durante um segundo e só me encarou nos olhos. – Desculpa, eu não deveria... Nós nem somos tão próximas para esse tipo de pergunta.
- Não, tudo bem! – Ela riu e corou um pouco – Mas não é verdade. A mídia que sai inventando coisas absurdas em cima de bobagens que vê.
- Hmmm... – Gemi, observando-a por um segundo. Eu poderia não ser a menina mais simpática do mundo, ou mais inteligente, mas sabia muito bem quando alguém mentia, ou dizia muito menos do que queria dizer.
O resto do trajeto foi silencioso, principalmente porque eu não sabia onde estávamos e aparentemente não tinha o direito de perguntar. Lissa nem fez questão de fazer mistério, quando havia qualquer indício de que chegaríamos a parte da conversa onde ela citaria nosso destino, ela mudava de assunto. Como uma princesa, só para acrescentar.
- Que lugar é esse? – Perguntei quando passamos por um porteiro. Cerrei os olhos, desconfiada.
Era uma área cheia de árvores, com diversos prédios (ou casas de dois andares, o que você preferir) e um ar bem agradável.
- É um complexo. Daqui a pouco você descobre porque é tão famoso.
Não entendi a parte do “famoso” porque ela não havia citado nada sobre “famoso”. Ou citado alguma coisa sobre o lugar.
- Um complexo é um lugar cheio de casas de dois andares. Tipo de aluguel, dentro de um lote só? – Tentei entender, olhando ao redor enquanto eu e Lissa caminhávamos até um gramado mais ou menos distante. Eu já podia ouvir algumas vozes cantando e um violão ao fundo. E risadas.
- Mais ou menos. Espera, acho que não tem nada a ver... Na verdade, eu não sei explicar muito bem. Enfim... – Ela parou de gaguejar e guardou o celular no bolso. Obviamente estava muito entretida nas mensagens de texto para se empenhar em me explicar.
Quando estávamos a uns quinze metros de distância da casa, a porta se abriu. E eu nunca senti tantas coisas juntas na minha vida. Os olhos dele sempre foram tão brilhantes? E a pele tão pálida e de aparência tão macia? Aquele sorriso sempre foi a coisa mais acolhedora do mundo?
Senti minha boca se abrir ligeiramente e minhas bochechas esquentarem. Como eu previra, tive vontade de chorar, mas não faria isso nem com uma arma na cabeça.
não disse nada, só deu dois passos para frente e abriu os braços, com aquele sorriso que por si parecia me abraçar.
Antes que eu pudesse prever meus passos ou sequer pensar em controlá-los, já estava correndo em sua direção com um sorriso que relutava em surgir. O impacto quase nos derrubou.
- Também senti saudade de você. – Ele riu em minha orelha.
- Nunca, nunca mais desapareça assim da minha vida, você tá me ouvindo? – Falei com raiva, mas não saberia dizer se o motivo pelo qual minha voz tremeu era porque eu queria mesmo chorar ou porque eu queria mesmo espancá-lo até a morte.
- Eu já disse que nunca iria abandonar você. – riu de novo.
- Você não disse com essas palavras.
pareceu ficar bem sério, e quando tornou a falar, foi baixinho, exatamente um cochicho:
- Eu nunca, nunca vou fazer nada para te machucar. E nunca vou abandonar você, ou ir embora ou te virar as costas. Eu prometo.
Tentei não pensar em suas palavras, porque elas eram exageradamente fortes. De certa forma, era uma promessa, e para ele não poderia ser assim, mas para mim não existia nada mais sério do que uma promessa. Que nem quando eu e Andrew éramos pequenos e ele me fez prometer que nunca roubaria os pedaços de chocolate que ele escondia na geladeira; bem, até hoje não consigo olhar para eles e realmente sentir vontade de comê-los. Pode parecer louco, mas é como meu subconsciente trabalha. Tentei não pensar em suas palavras também para não aumentar a minha vontade de chorar, então apertei meus braços ao seu redor e inalei seu cheiro como se ele me embriagasse, apertando o abraço. apertou mais forte.
- Mas que evolução nós temos aqui. – riu de novo – Eu nem implorei pelo seu abraço dessa vez.
Ri baixinho e fechei os olhos, torcendo para que ele não me soltasse. E não me soltou.
- Essa foto de você correndo para os braços dele ficou linda. – A voz de Lissa comentou às minhas costas – E essa de vocês dois cochichando abraçadinhos está beirando à perfeição. Querem escolher alguma para o Instagram? Não? Então vão as duas.
Me soltei imediatamente do abraço de e encarei Lissa com a boca aberta, sem saber o que dizer.
- Você não pode tirar fotos de mim assim, não vou autografar depois. – revirou os olhos, mas em vez de um chute no meio das pernas (o que ganharia se tivesse falado isso comigo), ganhou um sorriso e um carinho no ombro.
- Você nem me avisou! – Exclamei estupidamente.
- Mas assim saem as melhores fotos! – Valissia reclamou e revirou os olhos como tinha feito segundos atrás – E ficou realmente fofo, ninguém vai odiar sua aparência. Principalmente porque eu escolhi sua roupa, mas não queria dizer isso para não parecer rude.
- Você é a melhor versão feminina do . – abraçou Lissa por um momento e logo a soltou, se voltando para mim. – E você, os meninos estão com saudade. Bom, não na verdade, mas como não minto para amenizar a dor de ninguém, não vou mentir que estão. Quero te mostrar nossa futura casa.
- Não vamos morar aqui. – Rolei os olhos – E não sou sua namorada.
riu.
- Eu não disse que era.
- Tudo bem, esse é o último cômodo e o mais importante: é onde você vai passar os melhores momentos da sua vida. Está pronta? Desculpe a bagunça. Bem-vinda ao meu quarto. – falou rápido, tirando uma mão que estava desajeitadamente posicionada sobre meus olhos e abriu a porta.
Inconscientemente, soltei uma risada.
O cômodo era até bem limpo comparado ao quarto do meu irmão, que era apenas um ano mais novo. Peguei uma cueca da Calvin Klein pendurada na maçaneta pelo lado de dentro e girei-a no dedo indicador.
- Uau, você tem um cama de casal.
ergueu as sobrancelhas.
- Podemos estreá-la agora, se quiser.
- Nunca vou dormir com você. – Debochei, jogando a cueca em sua cara e caminhando até uma porta de vidro na parede oposta.
- Podemos apostar.
- Se algum dia da minha vida eu dormir com você, conto pessoalmente para o .
levou a mão à boca.
- Uoooooooh, eu não poderia escolher nada melhor. – E gargalhou.
Passei pela porta de vidro e encarei lá embaixo. Tinha uma piscina mediana e todos os outros garotos da banda estavam perto dela: com um violão e os outros conversando com algumas pessoas desconhecidas.
chegou por trás de mim, aleatoriamente colocando uma mão em minha cintura e apoiando a outra na grade.
- Ei, ! – Chamou. O mesmo olhou para cima (como todas as outras pessoas) e sorriu. Em seguida, apontou para mim. – Vou me dar bem agora.
Me virei de lado para socar seu braço.
- Eu vou te jogar lá embaixo! – Avisei.
fez uma careta e riu levemente.
- Brincadeira! – Gritou, me puxando para dentro do quarto mais uma vez.
Estava prestes a acompanha-lo até a porta, xingando-o de um monte de coisas que ele ignorava, quando algo me distraiu.
- Quem são? – Perguntei, esquecendo subitamente da minha raiva e apontando para o retrato em seu criado mudo.
Ele parou de andar em direção à porta e seguiu meu dedo.
- Minha mãe e minha irmã. – Falou sério.
- São lindas. – Falei com sinceridade.
Ele sorriu de um jeito doce.
- Eu sei.
- Eu não sabia que você tinha uma irmã. – Comentei após um momento de silêncio e o senti se aproximar.
- Tem muita coisa sobre mim que você não sabe, porque não pergunta. – Me lançou um olhar cheio de sétimas intenções e sorriu – Vamos lá para baixo? Tenho que terminar o almoço.
- Você cozinha? – Exclamei completamente chocada e o acompanhei.
- Muito bem, humildemente falando.
- Eu duvido! – Debochei – Aposto que vou ter que cozinhar. Você está só dando uma desculpa.
- Eu deixo você me ajudar.
- Caso contrário, morrem todos envenenados. Ou de indigestão.
Ele não respondeu, só sorriu de lado e continuou descendo as escadas. Quando chegamos à cozinha, me estendeu um avental e colocou outro sobre o pescoço, em seguida me olhando daquele jeito que me fazia sentir coisas.
- O que foi? – Perguntei bobamente, sentindo meu rosto esquentar.
Ele se aproximou um pouco, mas mesmo assim continuou muito longe. Não desviou os olhos dos meus.
- Você pode me conhecer melhor se quiser, .
Ri nervosamente e desviei o olhar.
- Tenho muito medo de te conhecer e, na verdade, gostar disso. – Admiti baixinho. Pensei que fosse se gabar ou se aproximar ainda mais, oportunista como era, mas só assentiu.
- Vamos cozinhar e causar indigestão em todo mundo. – Sorriu.
- Você não pode cortar as cenouras assim, tente fazer um pouco mais fino. – me corrigiu, talvez pela centésima vez no dia. Fazia duas semanas desde o almoço em que eu matei minha insaciável sede dele, e meus dotes culinários fizeram tanto sucesso que eu estava sendo praticamente obrigada a ajudar no jantar para o pessoal. Eu tinha que confessar para mim mesma que não era uma tarefa que eu estivesse gostando muito, pois estava tão nervoso e urgente que parecia prestes a gritar comigo.
- Tudo bem. – Murmurei, porque eu mesma estava tão irritada com suas correções que se resolvesse fazer mais do que guardar minha raiva para mim mesma eu usaria aquela faca para cortar outras coisas. Me peguei pensando em minha coleção de membros mutilados de um astro teen na parede e sorri um pouquinho, começando a cortar as cenouras mais uma vez.
parou subitamente de virar a carne e congelou. Pelo canto de olho me pareceu realmente adorável vê-lo com o avental cheio de desenhos no corpo e uma expressão educadamente surpresa. Adorável até ele começar a falar mais uma vez.
- Você nem sequer lavou essas cenouras? – Falou com a voz afiada, e eu quis enfiar todas as cenouras em seus orifícios alcançáveis.
- Sim, senhor supremo mandão insuportável, eu lavei todas as cenouras! Três vezes porque você não parava de criticar quão mal lavadas elas estavam. E, sim, eu retirei a casca delas como se estivesse cortando, e não ralando, e lavei mais umas três vezes, só para te deixar feliz. Você deseja mais alguma, senhor? Ou eu deveria te chamar de majestade? – Explodi, apontando a cenoura bem na sua cara. O que teria sido engraçado se eu não estivesse nervosa.
- Para de usar ironia dentro da minha casa. – E bateu a mão na minha cabeça.
Deixei meu queixo cair, franzindo as sobrancelhas.
- Não bate em mim! – Exclamei irritada, empurrando-o com as duas mãos, o que infelizmente não causou muito impacto, apenas o fez cambalear meio passo para trás.
- Você não pode bater em mim, olha o seu tamanho. – Debochou, batendo em minha cabeça mais uma vez. Não era forte; eu, no fundo, sabia que era brincadeira, mas teria levado mais na esportiva se ele não tivesse me levado ao limite saco cheio/loucura homicida. Fechei as mãos e as bati em todas as partes do seu corpo que podia alcançar. começou a rir, o que deu ainda mais em meus nervos e me fez bater com mais força. Ele colocou os dois braços na frente do corpo, ainda gargalhando, e momentaneamente retirava um para me dar mais um tapa.
- Você é um idiota! – Gritei com raiva, retirando o meu avental e jogando-o com força no chão.
Ele parou por um momento e gargalhou daquele jeito que eu adorava, olhando para mim com descrença. Abaixou as mãos do rosto e ficou rindo ali, daquela forma que me fazia querer agarrá-lo e nunca mais soltá-lo, mas também me fazia querer ir para o canto chorar, porque ele era... Ele.
- Ei, casal! – entrou na cozinha com a expressão irritada – Vocês sabiam que dá pra ouvir a gritaria lá da sala? E que está realmente incomodando a mim e minha concentração no jogo? Eu nunca perco uma partida de UNO. Se perder, a culpa vai ser de vocês. – Fez questão de nos dar seu melhor olhar petulante. – E não deixem minha carne queimar.
Eu e nos viramos para o fogão ao mesmo tempo, subitamente nos lembrando de que deveríamos estar cozinhando ali. desligou o fogo da carne e enfiou o rosto nas mãos, toda a naturalidade e felicidade da minha gargalhada indo embora. Se eu não soubesse que ele estava sob mais estresse do que eu, teria dito que ele provavelmente estava chorando. Mas logo soltou um suspiro pesado e ergueu o rosto, uma expressão cansada tomando conta dele.
- Vai dar tudo errado.
- Claro que não, não seja idiota. – Tentei confortá-lo, minha raiva sumindo ao vê-lo meio vulnerável.
- Você adora usar essa palavra pra se referir a mim, não é? – Comentou me dando um sorrisinho triste e me olhando de um jeito que eu quis dá-lo um sorriso triste também.
- Gosto, mas não ligo que você seja um idiota. Só às vezes...
Ele estendeu a mão, e por um segundo pareceu que ele ia tocar o meu rosto, até seu olhar dizia que ele queria fazer tal gesto, mas colocou a cabeça na porta mais uma vez. Surpreendentemente, não parecia irritado, mas hesitante.
- Ei, . – se virou para encará-lo e olhou para mim com receio antes de prosseguir. – Ela está aqui.
Até a nuca de empalideceu.
- Ela quem? – Perguntei, prendendo o cabelo em um coque desajeitado.
- Uma pessoa que eu quero que você conheça. – Murmurou misteriosamente, sem me encarar. Retirou o avental do pescoço e ajeitou o cabelo no vidro do fogão.
- Não é sua mãe, não é? – Perguntei só para ter certeza. Ele sorriu e se virou para mim, estendendo a mão mais uma vez.
Segurei-a, deixando-o me puxar para mais perto e passar o braço pelo meu ombro.
- Ainda não.
Não tive muito tempo para pensar no “ainda”, porque ele me puxou em direção à sala. E foi um gesto sutil, mas eu notei que, quando alcançávamos o cômodo, ele retirou o braço dos meus ombros e tomou uma distância consideravelmente grande.
Corei um pouco e olhei para quem o esperava ali. Sem dúvida alguma, ela era certamente linda. E realmente uma fofa, como eu havia descrito-a há muito. sorriu para e ele se apressou a depositar um beijo terno em seus lábios, enquanto eu fiquei parada no mesmo lugar com a impressão de que todo mundo esperava minha reação.
- , essa é a . – apresentou, e me apressei a cumprimentá-la. Eu sabia das palavras que viriam a seguir, sabia desde o momento que ele retirou o braço do meu ombro, mas mesmo assim, quando as proferiu, eu senti meu estômago despencar e forcei um sorriso – Minha namorada.
***
- Você tem certeza que não quer jogar? – perguntou pela terceira vez, me oferecendo sua mão de cartas de UNO.
- Eu estou bem. – Sorri, passando a mão em seu ombro. Era uma boa maneira de esconder que eu me sentia chateada. Não que fosse do meu feitio ficar chateada por um besteira como essa, ainda mais pelo ter uma namorada, mas eu tive que esperar meses para que ele me dissesse. Meses em que ele flertava comigo como se fosse só mais um solteiro em Londres. Soltei um suspiro pesado. Fazia quase uma hora desde que eles tinham saído para “comprar a sobremesa” e minha mente realmente se tornava bem pervertida quando queria - o que eu descobri, especialmente para me torturar. E imaginar fazendo sexo já não me era uma atividade muito agradável, muito menos imaginá-lo fazendo sexo enquanto eu estava sentada na sala, com seus amigos gays jogando UNO e me sentindo completamente deslocada. Como ele ousa?
- Você está meio verde. – observou, erguendo os olhos das cartas para me espiar. Os cantos de sua boca dançavam enquanto ele tentava reprimir um sorriso. Suas bochechas até começaram a inflar um pouco.
- Hm. – Gemi sem emoção alguma, tentando prestar atenção no jogo.
- Ciúme. – Cantarolou jogando um +2 para , que praguejou baixinho. Não olhou para mim ao fazer tal gesto.
- Não estou com ciúme do . – Neguei veementemente, me erguendo da pequena rodinha. me acompanhou com os olhos.
- Ah, não fique irritada, amor. – fez um biquinho que logo se desmanchou enquanto ele jogava mais uma carta – Ele é meio irresistível até para nós, da banda.
- Você é ridículo. – Informei-o, fechando a cara e cruzando os braços para causar impacto.
- Não fica preocupada com o que ele faz com a na cama? – Continuou a provocar, mas eu já me encaminhava para a cozinha.
- Não tenho nada a ver com as lixeiras onde ele enfia seu amiguinho. Se você me dá licença, vou lavar as louças do almoço, porque não posso ficar aqui.
- Por que não? – gritou quando eu já estava no corredor.
- Porque eu não quero. – Berrei de volta.
***
Enxaguei os últimos copos e os coloquei sobre o granito, me preparando para secá-los. A lava-louças estava completamente abarrotada de pratos e talheres, o que fez com tivesse de usar o bom e velho trabalho braçal. e sua namorada já haviam retornado com uma torta que eles só poderiam ter ido fabricar eles mesmos para justificar a demora, e vinha até a cozinha de cinco em cinco minutos me chamar para a sala, mas com o que usaram para comer a sobremesa tive desculpa para me enfurnar na cozinha por um maior período de tempo em que eu tentei me concentrar em não usar um garfo para furar o rosto de .
Sequei a mão nos jeans e andei até o corredor, preguiçosa demais para secar os copos também, mas mesmo que eu estivesse irritada e neurótica sem motivo algum, o choque que eu senti com a cena a qual me deparei não poderia sequer se comparar. Pisquei fortemente diversas vezes, para ter certeza que não estava vendo demais, e então a imagem entrou em melhor foco. e se agarravam no corredor. Não “se agarravam” de um jeito que seria aceitável, mas se agarravam de um jeito que deveria ser proibido assistir. Pensei em rir, pigarrear e até chegar bem perto dos dois e encará-los intensamente, mas só consegui observar.
Antes que eu pudesse formular qualquer coisa decente em minha cabeça, a cena começou a me enjoar. E enojar, aproveitando que são palavras parecidas. Ao mesmo tempo em que eu queria correr lá e separá-los, eu queria ficar ali os encarando para ver se era só uma miragem. Deveria ser o calor da cozinha, certo? Mas eu também queria fugir dali o mais rápido que meus pés conseguissem me levar, e era um paradigma desgraçado que justo naquele momento eu não conseguisse mover as pernas.
Quando as mãos dele começaram a se movimentar, meu cérebro entendeu o que estava acontecendo e forçou minhas pernas a voltarem para a cozinha, mesmo que meio trôpegas. O sangue fugiu do meu rosto – o que raramente acontecia em toda a história da minha vida.
Me joguei contra a porta da cozinha, sentando no chão e apoiando os cotovelos nos joelhos, os braços esticados. Apresentar sua suposta namorada a namorada oficial era uma coisa, mas agarrá-la abertamente no corredor era outra completamente diferente. Eu me sentia violada e agredida. Quase como se ele estivesse me estuprando ali (porque era isso que eu iria supor que ele estava fazendo, se a cara dela não fosse de prazer). Enfiei o rosto nas mãos em um gesto cansado quando entrou na cozinha. Ele buscou por mim por alguns segundos antes de me ver no chão e me encarar com uma expressão confusa. Então ele pareceu entender tudo. Pedi em palavra meio falhas e tropeçadas a única coisa que faria com que eu parasse de me sentir envergonhada por estar sentindo tanta coisa desnecessária:
- Me leva pra casa.
me encarou por um momento, então suspirou e lentamente se precipitou para sentar ao meu lado. Apoiou os cotovelos nos joelhos da mesma forma que eu e tornou a me olhar.
- Você viu o que eu vi, ou eu só acho que você viu?
- Eu vi o que você viu. – Afirmei, rolando os olhos debochadamente para a clareza com que ele formulara a frase.
Tornou a ficar silencioso antes de abrir a boca mais uma vez e me fazer querer socar suas palavras para dentro dela.
- Então você gosta dele. – Não foi uma pergunta.
- Não. – Respondi de qualquer forma.
- Você me parece muito emocionalmente instável e confusa para estar afirmando com tanta convicção.
Fechei a cara para ele.
- Cuida da sua vida.
suspirou, balançado a cabeça de um lado para o outro como se menosprezasse o que eu disse.
- Eu te olho e constantemente me parece que você precisa de alguém que cuide de você.
- Eu cuidei de mim mesma minha vida inteira.
- E parece que não deu muito certo! – Respondeu de forma meio ríspida. Franzi ainda mais as sobrancelhas.
- Acho que te pedi para me levar para casa. – Lembrei-o, esperando que ele percebesse que estava querendo ser meu psicólogo, além da minha carona.
me lançou um sorrisinho triste (daqueles bem típicos de quando falávamos alguma coisa tensa) e me olhou como se eu não tivesse a mínima noção de nada.
- Você já está em casa.
E, com sua conclusão poética, se levantou e saiu da cozinha, me abandonando com meus pensamentos de que “o lar é onde seu coração está” fazia puro sentido agora. Mesmo que eu negasse.
Devo ter ficado sentada no chão com os olhos fixos no linóleo por uma fração razoável de tempo, pois alguns segundos ou minutos depois, entrou na cozinha. Ficou de costas para mim e olhou ao redor como se me procurasse. Então seus olhos caíram até onde eu estava e ele pareceu não entender nada.
- O que você está fazendo aí? – Perguntou, usando aquela voz de que estava prestes a me dizer que eu era uma idiota. Revirei os olhos para sua pergunta e estendi a mão. Ele pareceu pensar se deveria realmente me ajudar ou deixar que eu me virasse sozinha, mas me puxou para cima. Como sempre fazia, embora nem sempre tão literalmente.
- Refletindo. – Respondi um momento depois. Não era uma mentira completa.
- E eu deveria saber sobre o quê ou...? – deixou aquele tom sugestivo no ar e me prontifiquei a responder.
- Sobre a vida. – Falei vagamente.
- Ahhhhhhhhh, sim. – Fez cara de quem tinha entendido claramente o que eu disse e cruzou os braços, se inclinando em minha direção como quem fingia interesse – E chegou a alguma conclusão?
- Que seu chão é bem confortável. – Fiz uma cara de inteligente e cruzei os braços também. Quem não estava ouvindo o que estávamos falando e visse de fora iria dizer que provavelmente discutíamos algum assunto profundo.
- Te convidei para dormir aqui para usar uma cama. Tem quatro quartos lá em cima, todos com king size, você já conhece a casa.
- Não precisa citar que as camas são king size. – Comentei, revirando os olhos e me apoiando na porta de novo – Eu já percebi que você é quadrilionário. Não precisa tentar mostrar.
- Não acho que você se importe com o meu dinheiro. – Ele murmurou com simplicidade, caminhando até o meu lado e se sentando no chão, da mesma forma que eu estava sentada antes dele entrar na cozinha.
- Não me importo. – Disse baixinho, me sentando também. Mais uma vez, como se tivesse uma leve ideia do que parecíamos ser incapazes de enxergar, ele sorriu triste para mim, me encarando nos olhos como se quisesse me dizer muitas coisas e só não conseguisse encontrar palavras para elas.
Vi seu peito subir mais que o normal quando ele respirou, como se respirar fosse difícil, então um sorriso ameaçou surgir no canto de seus lábios.
- Você não me disse que tinha uma namorada. – Sussurrei.
- Está interessada? – riu.
- Claro que não, se eu soubesse antes, teria começado a procurar pelo hospício de onde ela saiu há mais tempo.
- Pensei que você soubesse. – ignorou minha brincadeira, falando muito sério – Você nunca me deu bola, e foi esse um dos motivos pelos quais eu quis manter contato com você. Ser seu amigo. Você não me pareceu esse tipo de garota.
- Que dá em cima de caras com namorada? Ou deixa que eles deem em cima dela abertamente? – Sugeri, evitando seu rosto. Voltei a fixar o linóleo.
- Sim.
- Bom, eu não sabia que você tinha namorada. Então acho que você só não faz meu tipo.
debochou como se minha hipótese fosse ridícula.
- Eu sou o tipo de todo mundo.
Estiquei o braço para bater em sua cabeça, então o silêncio se instalou depois que terminamos de rir.
- Ela ainda está aí? – Perguntei vários segundos depois.
- Não. – respondeu, então hesitou e eu realmente quis que ele tivesse decidido não falar depois de ter hesitado – Ela quis pensar melhor sobre essa história de voltar a morar juntos.
- Vocês já moraram juntos? – Eu esperava que eu não tivesse soado tão surpresa quanto me sentia.
- Tinham umas coisas minhas na casa dela, não era como se tivéssemos todo o tempo do mundo para ficar lá, mas era um lugar que eu dormia ocasionalmente, e eu sentia como se pudesse chamar de casa, ou lar.
- Porque o lar é onde quer que seu coração esteja. – Murmurei baixinho para mim mesma.
- O quê?
- Nada...
***
- Eu odeio todos vocês! – Gritei, comendo mais oito cartas no baralho. – Não se pode confiar em mais ninguém hoje em dia.
riu para mim do outro lado da mesa e eu me rendi, jogando tudo em cima do vidro.
- Amarelou?
- Vocês estão roubando porque eu sou péssima nessa brincadeira. Não tem graça, não vou mais brincar. – Expliquei, apontando o dedo em direção a . Ele ergueu as sobrancelhas e sorriu maldosamente, jogando sua última carta no monte. Cruzou os braços sob a cabeça enquanto os outros meninos embaralhavam tudo mais uma vez.
- Cadê a Lissa? – Perguntei um momento depois, olhando para o relógio na parede distante, que já marcava onze horas – Eu estou com sono.
- Você não acha que ela vai aparecer agora, não é? São onze da noite, o pai dela provavelmente a trancou num cofre no porão. – debochou.
- Que coisa mais maldosa.
- Aquela menina vale ouro. – comentou baixinho e ninguém ousou falar nada. Eu já tinha ouvido sobre a suposta relação dos dois, o que era um complicado, porque ele tinha namorada. Eu sempre quis que alguém me explicasse direito, mas nenhum deles me parecia muito disposto a fazê-lo, então eu acabava na curiosidade e sem coragem para questionar qualquer um dos envolvidos.
- Eu estou com sono. – Repeti, cansada – Posso ir para a cama?
- Não. – Responderam em uníssono e começaram a mexer com o vídeo game.
- Eu não sei jogar isso. – Reclamei novamente, mas dessa vez me ignoraram, como vinham fazendo na maior parte da última meia-hora – Nem sei por que me querem aqui se agem como se eu não estivesse presente.
soltou um suspiro pesado e eu tinha plena certeza que ele, mentalmente, se perguntava se eu poderia ser mais chata. Se ergueu do sofá, pegando o controle da TV que acabara de ligar e a desligou. Quando todos começaram a reclamar, ele interrompeu:
- A mulher da casa falou. – E ergueu as mãos na altura dos ombros como se isso o inocentasse.
- Não vi você reclamando de nada... – comentou maldosamente, mas todos já caminhavam em direção à porta, rindo. Quando a fecharam, espreguiçou-se e apanhou os copos na mesa de centro.
- Boa noite, casal. – Murmurou caminhando para a cozinha. Houve um breve momento de tensão – eu dizia para mim mesma que não era sexual – antes de me guiar até as escadas. Ainda em silêncio, andou comigo até a porta do quarto no fim do corredor e a abriu, assistindo quando me joguei na cama, fechando os olhos. Abri-os novamente para encarar seu sorriso.
O intervalo de tempo do qual nos encaramos até ele abrir a boca para murmurar as palavras pareceu uma eternidade.
- Boa noite, princesa. – Em seguida fechou a porta.
***
Meus olhos se abriram como se alguém tivesse gritado em meu ouvido. Foi tão súbito que meu coração começou a acelerar, embora a escuridão completa do quarto pudesse ajudar nisso e eu já nem lembrasse mais do pesadelo. Tentei usar todos os meus outros sentidos disponíveis para descobrir o que estava acontecendo comigo e senti a coberta sobre meu corpo. Alguém tinha colocado ali. Da mesma forma como alguém desligou o abajur. Meus olhos se acostumaram com aquilo tudo e comecei a ver contornos de coisas, só então me lembrando de que não estava em casa. . Aquela era a casa de . Um palpitar mais forte em meu coração e minha pulsação acelerou de novo, enquanto eu reunia coragem para me erguer da cama e ignorar meus pensamentos. Quando de fato o fiz, saltei para o carpete e andei rápido até a porta, caminhando em passos pesados pelo corredor, tateando às cegas. Droga, . Senti uma maçaneta sob minha palma e a girei, descobrindo um momento e uma respiração mais tarde que era provavelmente o quarto de . O perfume não era aquele. Voltei a fechar a porta sutilmente e buscar pelo corredor. Eu podia ver o vão da escada mais a frente, e duas portas depois dele. Abri mais uma porta. Um banheiro, descobri pelo som que ela fez ao abrir. Não arriscaria acender uma luz e ficar momentaneamente mais cega do que eu já estava, então manuseei a próxima maçaneta e senti meus ombros arriarem sob um peso que eu nem sabia que esteve ali. Caminhei lentamente com as mãos e os pés em alerta, e em todo o percurso meu coração batia tão forte que alguém com certeza poderia ouvi-lo. Minhas pernas bateram contra a cama e apalpei o colchão, me certificando que aquele lado estava vazio antes de me deitar. O calor emanava do corpo próximo ao meu no vento frio que vinha da janela entreaberta e eu senti o perfume. Era o perfume certo. Estendi os dedos trêmulos para tocar e senti os ossos de sua saboneteira. Encostei na tatuagem próxima a uma delas em seu peito nu e percorri o trajeto até seu braço, delineando os desenhos em sua pele com a ponta dos dedos. Ele se moveu e eu prendi a respiração, e então parou de novo e continuei a desenhar. Eu podia sentir o relevo da tinta.
- Tem um lugar reservado para o seu nome. – Sua voz saiu quase mais baixa que um sussurro, mas me surpreendeu de qualquer forma. Minha mão paralisou em sua pele nua e arregalei os olhos para o escuro.
- Eu não queria te acordar. – Murmurei baixinho, deixando de tocá-lo. Ele passou o braço pela minha cintura e me puxou para perto.
- Você vai congelar, pode puxar a coberta... – Fez uma pausa, e a voz sonolenta pareceu despertar um pouco subitamente – Está suando frio. – Sua mão passou por minha testa e então, minha nuca. Deitei a cabeça no travesseiro enquanto ele puxava a coberta para cima de mim – O que foi? Está passando mal?
Balancei a cabeça, mas me lembrei de que ele não poderia ver, então dei de ombros, sabendo da sua capacidade de sentir tal gesto.
- Medo do escuro.
Ele ficou em silêncio por um momento, e quando quase me convenci de que tinha adormecido mais uma vez, tornou a sussurrar.
- Perdeu o sono?
Assenti e arranhei a garganta afirmativamente.
- Você quer conversar?
Repeti o gesto.
- Sobre o que você quer conversar?
- Me fale de você. – Pedi.
- Eu não sou uma pessoa muito interessante. – disse em tom divertido.
Soltei uma risada pelo nariz e o gesto me fez perceber como estávamos próximos. Eu ainda tremia.
- Você é mundialmente famoso. Eu estou na cama com você. Tenho certeza que pode bolar alguma coisa interessante para isso tudo parecer ainda mais surreal. – O tom de deboche em minha voz era tão fraco que eu mal tinha certeza se realmente queria usá-lo.
- Eu gosto de moda. – Murmurou com veemência, rindo em seguida.
Eu ri também.
- Ninguém usa calças tão coladas sem gostar de moda.
- Ninguém repara que eu uso calças coladas sem gostar do que está vendo. – Brincou, e dessa vez não consegui erguer a mão para bater nele, porque ele estava sem camisa. E sabe-se lá Deus sem o que mais.
- Na maioria das vezes gosto de você. – Soltei e imediatamente senti meu rosto esquentar com o que aquela frase parecia quando dita em voz volta.
Foi sutil, e tão rápido, que se minha acluofobia¹ não deixasse meus sentidos em alerta, eu nem perceberia – mas ele ficou tenso. E quando passei os dedos pelo seu pescoço em busca de uma referência, aquilo se foi.
- Tente dormir. – E depois dessa frase sussurrada suavemente, ele não disse mais nada. Mas eu sabia que ele estava acordado pela forma como seus dedos se moviam contra o meu cabelo e a pele do meu rosto. Eu podia sentir sua respiração de quem não está completamente relaxado. Pareceram ser horas depois, mas senti minhas pálpebras começarem a pesar. E da mesma forma suspeita com que ele construíra aquele silêncio, minha mente sonolenta não poderia ter certeza se ele o quebrou:
- Você merece alguém tão melhor...
Dizem que até mesmo as pequenas palavras são as que têm o poder de machucar você. Ou salvá-lo.
Senti meu cérebro acordar com a luz que começava a entrar no quarto e quis dormir por pelo menos mais cinco dias, mas quanto mais eu tentava entrar em coma novamente, mais meus sentidos pareciam despertar. Estiquei as pernas, espreguiçando-me fracamente, e foi quando senti as pontas de seus dedos em mim. Traçava um caminho sinuoso pelo meu peito, então minha clavícula, e voltaram para a pele nua em meu tronco. Abri os olhos e arregalei-os, tentando fazer as coisas entrarem em foco para encará-la, mas olhava para baixo. Olhava para mim.
- Bom dia, querida. – Murmurei manhosamente e sorri, encarando seus olhos quando ela se voltou para mim. Suas bochechas ficaram rosadas em tempo recorde, onde ela recolheu a mão e se afastou de mim na cama.
- Bom dia. – Murmurou constrangida. Me sentei no colchão e me virei um pouco em sua direção.
- Acordou há muito tempo?
negou com a cabeça. Observei-a por um momento, o cabelo um pouco desgrenhado e o traço negro de lápis em seus olhos levemente borrado, até a camisola desajustada. Queria que a coberta estivesse um pouco mais abaixo para eu ver o quão curta eram suas vestes de dormir, mas ela acompanhou meu olhar e fechou a cara, puxando a seda até o pescoço.
- Acho melhor encarar o outro lado do quarto antes que fique sem os olhos. E vista uma calça, pelo amor de Deus. – Acrescentou quando olhou para minhas cuecas.
Gargalhei para ela, e até abriu um pequeno sorriso antes de indicar a porta com um olhar.
- Ah, você está me expulsando do meu quarto? – Indaguei surpreso, encarando-a com descrença. Ela olhou para mim como se aquilo fosse óbvio. – Você invade meu quarto no meio da madrugada, me acorda no meu sono de beleza, me agarra a noite inteira, se aproveita do meu corpo pela manhã e ainda me expulsa dentro da minha própria casa?
- Eu quero tomar um banho! – Falou, indicando a porta mais uma vez.
- Nós não fizemos sexo, você não precisa de um banho. – Debochei.
- Mas eu estou suada e eu preciso me lavar.
- Sou muito quente para você?
tacou o travesseiro em mim e fechou a cara.
- Sai daqui! – Gritou quando eu já passava pela porta.
Gargalhei e caminhei para o andar de baixo, onde encontrei já fazendo panquecas. E mel. Ugh.
- Bom dia! – Exclamei sorrindo. Ele me olhou por cima do ombro e ergueu as sobrancelhas.
- Bom dia, raio de sol! – Respondeu sem a mesma animação. – Acordou de bom humor hoje.
- O dia está bonito. – Dei de ombros.
- Você está com uma cara estranha. – Observou, olhando por cima do ombro mais uma vez, enquanto eu me sentava na bancada. – Está feliz.
- Já disse, o dia está bonito. – Ri.
passou as mãos pela pedra, sem me encarar.
- Então...
- Sim?
- Planejam fazer alguma coisa hoje? – Tentei fingir que a pergunta não me surpreendeu tanto assim; se não convenceu, não disse nada.
- Ah. Eu não sei...
- Você não tem passado muito tempo com ela ultimamente. – Comentou enquanto servia três panquecas no meu prato.
- Ela não é minha namorada. – Argumentei, erguendo o garfo como se o que ele disse não fizesse sentido. deu de ombros.
- É sua amiga... Você quem a fez ser, pra começo de conversa.
- Essa conversa não me interessa muito.
- O quê?
- Nada. – Corrigi rapidamente.
- Eu vou me lembrar disso. – Fez questão de avisar, apontando o indicador para mim. Segurei o riso para não piorar a situação.
- Tudo bem, .
- Acho que deveria levá-la para almoçar. – Me olhou de esguelha, como se esperasse minha reação – Um passeio no parque, teatro, alguma coisa legal. Algo assim. – E deu de ombros mais uma vez.
Franzi as sobrancelhas, sem tentar esconder minha frustração: que história era aquela?
- Tudo bem. Ótimas sugestões. Vou pensar no assunto. – Falei rápido, tentando cortá-lo, mas continuou mesmo assim.
- Ela é uma pessoa muito legal, sabia? Te trata meio revoltadamente, mas nunca negou nada a você. Ela te olha como...
- Como o quê? – Interrompi, lhe dando minha completa atenção pela primeira vez.
- Nada, só... Passa um tempo com ela. Algum tempo atrás você praticamente estava ajoelhado rezando pela oportunidade. – Me lembrou e eu comecei a rir, balançando a cabeça como se a lembrança fosse embaraçosa demais.
Ficamos em silêncio enquanto eu comia e ele apenas observava, acompanhando o caminho que o garfo e o copo faziam até minha boca.
- ...
- Hm. – Tentei responder, mas minha boca estava cheia.
- Eu fui te acordar hoje de manhã e a estava com você no quarto... Eu queria saber se... – Esperou até que eu encarasse seus olhos – Vocês...?
- O quê? – Falei com a boca cheia mesmo, mas o som saiu como “wut” e então eu entendi o que estava insinuado no fim da frase. Engoli a comida rapidamente e tornei a franzir o cenho - Não, ! Claro que não!
- Você estava sem camisa, eu não estava realmente querendo conferir se a estava vestida...
- Claro que não. – Repeti, mais para mim mesmo do que para ele, e depois não quis mais tocar no assunto. Ele olhou por cima da minha cabeça e antes mesmo dele sorrir e cumprimentá-la eu já sabia quem era. Tentei me sentir confortável depois das imagens que atacaram minha mente.
- Bom dia. – murmurou, caminhando até e o abraçando.
- Eu não ganho abraço de bom dia. – Comentei debochadamente, fazendo um gesto aleatório com a mão direita.
- Você ganhou muitas coisas de boa noite... – comentou com simplicidade, se virando para o fogão.
encarou suas costas com os olhos arregalados e o rosto vermelho.
- O quê? – Exigimos ao mesmo tempo, depois nos olhamos e ela ficou mais vermelha ainda.
- Nada... – riu.
Ela o ignorou e, muito constrangida, caminhou para se sentar ao meu lado, pegando um pouco de suco de laranja.
Se remexeu desconfortavelmente na cadeira.
- O que foi, ? Não está conseguindo sentar? Está doendo muito? – Continuou a provocar, e dessa vez ela pareceu entender, porque apanhou o saleiro próximo e o jogou contra . O objeto caiu no chão com um estrondo.
- Ei! – protestou, mas sorria.
- Da próxima vez, taco a faca. – Alertou e franziu as sobrancelhas para ele.
- De manteiga? Eu não acho que vá fazer muito estrago.
- Eu acho melhor você parar. – Avisei, embora estivesse achando muita graça de tudo.
deu de ombros e saiu da cozinha, ainda rindo baixinho. Quando ele desapareceu pelo corredor, se virou para mim com veemência.
- O que você falou pra ele? – Perguntou ameaçadoramente. Recuei na bancada.
- Nada! – Ri.
- Disse sim! E é bom falar que é mentira!
- Mas eu não disse nada, meu amor! – Eu ri de novo, e talvez aquilo não tenha sido uma boa ideia. Pensei que ela fosse jogar a faca em mim, mas a porta dos fundos se abriu e e entraram.
- Bom dia! – Falaram em uníssono, animados. – Onde está o ?
- Lá dentro. – Falei – Por quê?
- Vamos jogar futebol. – explicou, bebendo do meu suco de laranja e olhando para o corredor.
- Alguém vai com vocês? – Perguntei, mas não tive certeza se eles entenderam que eu me referia à segurança.
encarava calado, mas se virou em minha direção.
- O Preston. – Assenti sem dizer mais nada e fingi não sentir a tensão entre os dois. Para o azar de , parecia desgostar mais dele do que já desgostara de mim.
- Vamos lá em cima chamá-lo. – Chamei, e me acompanhou sem entender que minha intenção era ver a cozinha explodindo. O com um olho roxo, se eu tivesse sorte. Renderia boas piadas.
Ah, eu mal poderia imaginar como estava errado.
's P.O.V
Soltei um suspiro audível e encarei o resto de panqueca em meu prato com determinação. Ele nem pensara em seguir e o outro menino que eu nunca lembrava o nome escada acima, o que eu imaginei que era para me provocar, e não em um bom sentido.
- O que você quer? – Perguntei, finalmente. Me virei em sua direção e fechei a cara.
- Nada. – Murmurou, um sorriso ameaçando surgir em seu rosto. cruzou os braços e se encostou na geladeira. Parecia se divertir com alguma piada interna.
- Encarar é falta de educação. – Comentei, cruzando os braços também. O esboço de sorriso não se desfez – E incômodo.
- Não estou incomodado. – Disse com simplicidade.
- Sim, mas eu estou.
Ele não disse nada, apenas continuou a me encarar nos olhos com intensidade. Eu começava a odiá-lo mais do que jamais odiei .
Me levantei da bancada, e pela primeira vez ele se moveu, segurando meu pulso. Os pelos em minha nuca se levantaram imediatamente.
- O que você quer? – Perguntei de novo.
- Por que você é tão mal humorada?
- Não responda minha pergunta com outra pergunta. – Falei com certa rispidez e me arrependi. Eu realmente vinha estando carrancuda.
- O não faz o serviço direito, então. – E riu. Não pude deixar de notar que ele ainda não tinha soltado meu braço.
- Meu mau humor não tem nada a ver com o ! – Exclamei irritada – Ele não é homem o suficiente para me fazer ficar de mau humor ou me fazer qualquer coisa, aliás, duvido que qualquer um de vocês... - Minha frase foi interrompida quando me jogou contra a parede, tão rápido que eu não consegui sequer pensar em um gesto para impedi-lo. Minhas costas bateram contra a construção e o impacto me fez voltar contra o seu peito, agora que ele estava tão próximo.
- Não diga uma coisa dessas. – Sussurrou asperamente, e eu sabia o que ele faria em seguida. Eu soube quando soltou seu hálito contra meu rosto e segurou minha nuca com agressividade. Se eu poderia impedi-lo? Claro que poderia. Poderia ter gritado, poderia tê-lo empurrado e até erguido o joelho para acertar o meio de suas pernas. Mas não fiz nada disso. Em vez, deixei que ele pressionasse os lábios contra os meus com força e sem cerimônia alguma sua língua se enrolasse à minha.
Quando começou a me beijar, só consegui pensar em exatas duas coisas: porra, ele era lindo. E graças a Deus eu tinha escovado os dentes antes de descer.
Com uma conclusão que me deixou feliz, não me restringi em atirar os braços pelo seu pescoço. Eu não sabia a qual parte dar atenção, certamente sua língua molhada em minha boca era interessante, mas suas mãos apertavam meu corpo com agressividade, e meus quadris certamente teriam lembranças daquilo. Me ergui na ponta dos pés e puxei seu rosto para o meu, aprofundando o beijo de uma forma que não era nada elegante. Meu corpo reagia de forma estranha aos arrepios que ele me causava, desde seus dedos passando pelo meu pescoço até a forma como o indicador e o polegar se encaixaram embaixo dos meus seios, mas eu não me importava. Passava a mão pelos seus cabelos e arranhava sua nuca como se aquilo não fosse ter nenhuma consequência. Não imaginava que teria, que a forma como ele mordia meu lábio inferior para passar a língua pelo mesmo e em seguida me beijar pudesse ter alguma consequência além de me fazer querer tirar a roupa.
Mas não tirei, e dessa parcela de auto controle me orgulhei mais tarde. Não tirei nem mesmo quando ele desceu os lábios até o meu pescoço e os pressionou lentamente, puxando o ar, o que com certeza deixaria uma marca. Nem quando voltou a me beijar ainda agressivamente. Era grotesco, certamente errado, mas eu não tinha controle sobre o meu prazer quando sua língua se movia contra a minha com selvageria, muito menos a forma como ele me apertava contra si. E quando comecei a querer que ele colocasse a mão em mim em locais que ele fora muito cavalheiro para não tocar no calor do momento, pensei em outras duas coisas que tiveram o efeito oposto das minhas primeiras conclusões. Me lembrei de que ele tinha namorada. E que além de mim, quem tinha um problema com essa namorada era Lissa. Então juntei toda minha força de vontade e física e o empurrei, batendo em seu peito com raiva. A raiva veio quando admiti para mim mesma o que eu estava negando há tanto tempo, mas ele não precisava saber.
O constrangimento veio depois, quando vi parado na porta olhando para a cena com descrença. Ele certamente tinha chegado quando as coisas ainda estavam em seu ápice. E não olhou para mim nem para ele, apenas passou pela porta e saiu.
A voz de me fez quebrar o contato ocular.
- Bem, isso é algo que nenhum de nós poderia ter previsto.
E com um calor no rosto e em outras partes do corpo, percebi que todo mundo tinha presenciado a cena. Todo mundo.
Meus olhos desviavam de para e de para como se eu assistisse a uma partida de tênis de mesa. Eu não precisava raciocinar para saber que meu rosto estava corado porque eu ainda me sentia quente, então me limitei a não dizer nada nem tentar arrumar a roupa no corpo, na esperança de que ninguém notasse que estava tudo desalinhado. Minhas vestes, meus pensamentos e com o clichê do dia, meu coração.
- Constrangedor. – tornou a comentar. – Muito constrangedor. – E olhou para o chão.
riu sem graça e correu atrás de , depositando um beijo rápido em minha bochecha, que me fez despertar.
O silêncio reinou por mais um momento onde encarei esperando uma reação além de sua cara de desnorteado e olhava para nós dois achando graça. Então o senhor conveniente resolveu se pronunciar mais uma vez.
- Isso é tão constrangedor. – E riu mais uma vez, antes de começar a andar até a porta – Tenho que ir, não quebrem a casa vocês dois. E ... – Quebrei o contato com para encará-lo. – Seu... Hm... Sutiã soltou.
Deixou mais uma risada quando bateu a porta.
Voltei meus olhos para e quis que ele dissesse alguma coisa. Não que eu não gostasse de vê-lo sem reação ou do seu silêncio. Eu gostava, mas aquele tipo de silêncio quase me machucava. Ele tinha que me olhar parecendo estar quase desapontado?
Pigarreou e desviou os olhos dos meus, saindo da porta da cozinha e caminhando até a geladeira em silêncio para pegar uma garrafa d’água.
Voltou a sentar na bancada e abriu a garrafa, bebendo um longo gole. Pousou a tampinha sobre o granito e passou o dedo mindinho pelo bico, encarando a água. Tornou a beber e fechou a garrafa em seguida. Sem dizer uma palavra.
- ? – Chamei, e não liguei que ele fosse me olhar e eu estivesse me sentindo exageradamente sexual naquele momento. Seus olhos se ergueram com certa lentidão.
- Por que você não está falando comigo? – Indaguei, dando um passo em sua direção. Pensei que ele fosse recuar, mas não o fez, o que entendi como um sinal de que eu poderia chegar mais perto.
me olhou quando eu quase o tocava. Senti sua respiração quente quando ele olhou para o meu corpo, então esticou o braço para me tocar e congelei. Seus dedos tocaram todas as partes em meu pescoço onde os lábios do seu colega de banda estavam minutos atrás.
- Acho que vai ficar uma marca aí.
Eu quis fechar os olhos quando ele acariciou meu braço de leve e desceu a mão para entrelaçar os dedos nos meus, mas não o fiz. Encarei suas orbes verdes naquele melancólico momento de confissões silenciosas e suas sobrancelhas se ergueram em surpresa quando fui em quem lhe lancei um olhar triste. E entendi o que ele passava para me olhar assim. Eu queria lhe dizer muitas coisas, mas só não conseguia encontrar palavras para elas.
se levantou da bancada demoradamente, fazendo com que nossos corpos quase encostassem. Não poderia descrever o que se passou por minha cabeça quando ele soltou minha mão e a passou por dentro da minha blusa, roçando a pele nas minhas costas. Esticou o outro braço e fez a mesma coisa, e sem em momento algum desviar os olhos dos meus, abotoou meu sutiã. Uma atitude que eu não esperaria dele, mas me lembrei que ele tinha namorada e eu tinha beijando um dos seus melhores amigos, o que eu não esperaria de mim, e entendi que nada seria como eu esperava dali em diante.
Se afastou de mim e bebeu o resto da água em sua garrafa, fazendo com que eu acordasse do intenso torpor que nos coloquei. Meu rosto esquentou de novo.
- Eu acho que vou para casa... – Murmurei mais para mim mesma do que para ele, mas se virou em minha direção mesmo assim.
- Não... Nós vamos almoçar fora. – Falou como se eu soubesse disso o tempo todo.
- Eu? Almoçar fora? Com você? – Debochei da hipótese.
- Sim. Você, almoçar fora, comigo. – Respondeu, parecendo confuso. – E é melhor trocar de roupa porque não vou sair na rua com você assim.
- Eu não quero trocar de roupa!
- Você vai ser fotografada...
- Não quero ser fotografada com você! Com o talvez, que é mais bonitinho...
- Ou o , certamente.
Ele não falou em tom de brincadeira. Encarei seu rosto e sabia que estava vermelha.
- ...
- Você não tem que me dizer nada... Tem que falar com a Lissa. Ela não é sua amiga?
- Sim, mas... Pensei que eles não tivessem nada. – E com essa eu certamente merecia a medalha de pior argumento do mundo.
- Não, mas ele está com a . – Tornou a desviar os olhos dos meus.
- Eu não sabia o que estava fazendo.
- Ah, você sabia sim. Sabia muito bem o que estava fazendo. Quase achei que era uma profissional. – O modo descontraído com o que ele disse aquilo não foi natural. Foi quase ríspido.
- Você... – Comecei, fazendo uma pausa para repetir sua frase em minha cabeça, desejando com todo o meu coração estar errada – talvez pela primeira vez na vida. – O que foi que você disse? – Me limitei para não gritar.
Ele então caiu em si sobre o que disse e pareceu se arrepender na mesma hora. Se aproximou com a mão estendida.
- , sinto muito, eu não quis dizer...
- Você quis dizer sim! Você me chamou de puta, ? – Puxei o corpo para trás quando ele me tocou. – Não encosta em mim!
- Por que não posso encostar em você, ? O melhor motivo talvez seja que eu não sou o , certo? – Ele pareceu se irritar de repente. Eu sabia que ele estava se contendo para não ser rude comigo.
- O quê? Não tente mudar o foco aqui. Você ouviu do que me chamou?
- Você assume que estava fazendo sexo com ele, aqui, na parede da minha cozinha, então? Porque nenhuma prostituta venderia um beijinho!
- Engraçado, sua namorada te vendeu um aqui, bem pertinho, no corredor, ontem! – Gritei, apontando para o corredor com agressividade. segurou meu pulso com força.
- Você está se assumindo prostituta, então. – Disse, mas não me soltou.
- Eu vou socar você! – Gritei, puxando o braço que ele prendia de supetão e tentando acertar todas as partes alcançáveis de seu corpo. – Seu idiota! Me solta, ! Me solta!
Ele ficou estático por um momento, olhando para mim com descrença. A gargalhada que ele começava a dar sumiu e seus olhos me assistiram parar de agredi-lo com uma surpresa educada.
- O que foi? – Perguntei, depois de recuperar o fôlego.
Ele começou a sorrir.
- Você me chamou de .
Encarei-o por um momento, atônita, sem entender o que ele queria dizer, então me dei conta de que nunca o chamara de . Pelo menos não em sua presença. Seus olhos fixavam os meus com intensidade, sorrindo. Me dando por vencida e sem quebrar o contato visual, sorri (à contragosto) também.
***
estacionou o carro do outro lado da rua onde ficava o restaurante, correndo para abrir a porta para mim em seguida. Encarei sua mão estendida, descrença. Ele me chamou de prostituta e eu perdoei, mas isso não queria dizer que eu andaria de mãos dadas com ele em público, muito menos deixar que alguém pensasse que eu estava caindo em suas gentilezas. Ignorei seu gesto galanteador e saí do carro, ouvindo o primeiro clique. Virei o pescoço tão rápido na direção do fotógrafo, que o ouvi estalar, um momento depois levei a mão até o local, resmungando de dor. conferiu se as portas do carro estavam trancadas e riu de mim um pouco antes de se interessar pelo que eu estava olhando. O sorriso não sumiu de seu rosto.
- Eu disse pra você trocar de roupa.
- Mas eu troquei!
- Uma camiseta e uma calça jeans são definitivamente as melhores peças no seu armário. – Debochou, batendo em minha cabeça. Soquei seu ombro com raiva.
- Se você está achando ruim, compre roupas pra mim, então.
Terminamos de atravessar a rua e ele me olhou sob as lentes escuras do Ray-Ban. Uma sobrancelha se ergueu por cima delas.
- Se você quiser, eu compro.
- Não quero que compre roupas para mim, deixa de ser idiota.
Paramos de discutir quando ele pediu uma mesa. O balconista nos guiou até a varandinha ao ar livre, completamente exposta aos cliques irritantes.
Antes mesmo do homem nos estender o cardápio, duas garotas se aproximaram para falar com . Ele momentaneamente se esqueceu que eu estava ali e deu atenção a elas, e teve que, literalmente, me cutucar para que eu desviasse os olhos dos fotógrafos e virasse para ele.
- Você tira?
- O quê?
- A foto, ! – E me estendeu o que deveria ser a câmera de uma das garotas. Soltei uma exclamação e a peguei, batendo essa foto e as outras sete das pessoas que se aproveitaram do momento oportuno. Quando o homem e a namorada se afastaram, tornou a se sentar, indicando minha cadeira.
- Até que ninguém me olhou como se eu fosse uma mendiga, não entendi a implicância com minhas roupas...
- Olharam para você com curiosidade, isso sim, porque eu deveria estar almoçando com a minha namorada.
- E eu, tecnicamente, não sou sua namorada?
Ele embolou um guardanapo e o jogou em mim.
***
- Eu já disse que eu pago a conta! – repetiu, mesmo que eu nem estivesse discutindo. Eu era três vezes mais esperta do que ele.
- Tudo bem, você é meu namorado, não é mais que sua obrigação... Vou até o balcão pedir para fecharem, ok?
Ele me olhou desconfiado.
- Eu posso muito bem chamar o atendente aqui...
- Quero ir ao banheiro, não vai fazer o cara andar isso tudo, né? O caixa é bem no meio do caminho. – Revirei os olhos e puxei minha mochila, caminhando até o banheiro. Olhei sob o ombro para ter certeza que não me encarava e corri até o caixa, pedindo a conta. Conferi onde estava sua atenção mais uma vez e puxei a carteira, entregando o cartão de crédito. A mulher me agradeceu a preferência e me desejou um bom dia.
Voltei para a mesa com o extrato em mãos.
- Vamos embora. – Chamei, jogando o papel sobre a mesa. Ele olhou de mim para o objeto com o semblante irritado.
- Eu disse que ia pagar!
- E eu não discuti!
- Mas por que você pagou?
- Porque não existe essa de que o homem tem que pagar tudo para a menina, anda logo, vamos embora!
- Não vou te levar em casa, já que você pode pagar a conta, pode pagar um ônibus! – Exclamou irritado, se erguendo e caminhando para fora sem mim.
- ! – Chamei, sem acreditar. – , volta aqui!
Ele se virou para mim com o semblante fechado.
- O que é?
- Olha o escândalo no meio do restaurante!
- Ótimo, tchau. Te vejo qualquer dia.
- ! – Exclamei, puxando sua blusa.
- Não vou te levar em casa!
- Mas eu não fiz nada!
- Você pagou a conta!
Arregalei os olhos em descrença, querendo jogar as mãos para o alto.
- Foi um almoço, não um anel de diamantes!
- Se um dia eu for te pedir em noivado vai querer comprar o anel também!
- Meu Deus, ! – Me exasperei, empurrando-o para a calçada. – Será que pode me levar embora logo?
Ele não olhava para mim. Encarava um ponto sob minha cabeça com uma expressão estranha e, quando passou por mim para caminhar até o objeto de sua atenção, eu não soube o que fazer. Ele cumprimentou o homem que sentava no chão perto do restaurante, as roupas muito sujas e um daqueles chapéus de pescador a sua frente, cheio de moedas. sorriu e conversou com o homem brevemente, gargalhando algumas vezes. Ele se agachou e, quando pensei que fosse para dar melhor atenção ao sem-teto, vi que ele mexeu na carteira. Olhei por cima dos ombros, esperando que pelo menos aquele gesto os fotógrafos irritantes também registrassem e, quando olhei em sua direção mais uma vez, ele sorria, e o homem lá atrás também. Acenei para ele, que passou os dedos pela barba desgrenhada e acenou de volta.
passou por mim e caminhou até o carro, fazendo com que eu tivesse de correr para alcançá-lo. Quando pensei que não fosse abrir a porta do passageiro para mim, ele o fez e, em silêncio, me assistiu colocar o sinto de segurança. Encarei-o sem dizer nada também, encantada. Ninguém esperaria de um garoto como ele tirar alguns minutos do seu tempo para conversar com um mendigo (embora nas conclusões de ele tivesse levado uma para almoçar). Não foi pelo dinheiro. De modo algum pelas notas que o vi colocar no seu chapéu de pescador, mas porque diante dos meus olhos ele se tornou a pessoa que meu subconsciente me dissera o tempo todo que ele era. E diante dos meus olhos ele se tornou mais humano também, fazendo com que outra coisa que meu subconsciente me dizia se tornasse verdade. Eu estava desnorteada. Mil vezes quis segurar sua mão depois que ele virou a esquina, e mil vezes não o fiz. Estava muito confusa – queria lhe dizer como eu me sentia, mas eu também não terminara de aceitar. Então encarei-o com admiração.
Um momento depois, quando meu silêncio de aceitações ainda reinava por lá, se limitou a murmurar:
- Só estou te levando para casa porque me chamou de de novo.
E eu entendi o que se apaixonar pela essência significava.
Peguei o celular que caiu no chão e não me preocupei em verificar seu estado. Comecei a descer as escadas de dois em dois degraus, tentando arrumar o cardigã no corpo e segurar a bolsa no ombro, mas minhas mãos com as chaves do carro, o telefone e a chave de casa não pareciam dar conta do recado. Quase tropecei no último degrau e Andrew passou por mim mastigando um pedaço do sanduíche que trazia em mãos.
- Onde vai com tanta pressa?
- Para a casa do ...
- Você não dormiu lá no fim de semana? O cara talvez goste de sair aos sábados...
- Cuida da sua vida.
- Passar cinco dias longe dele é tão doloroso assim?
Me abaixei para pegar as chaves que caíram e ignorei a pergunta.
- Eu sabia que você ia se apaixonar...
Fui prestar atenção nas chaves que estavam prestes a cair de novo, no meu celular que começava a escorregar mais uma vez e na pergunta de Andrew que fez meu coração palpitar, o que resultou em um pé se enrolando no outro e, dessa vez, eu caindo no chão ao invés dos meus objetos.
- O quê?
Me virei na direção de Andrew, sem sequer me preocupar como fato de que eu ainda estava no chão, esquecendo completamente do horário.
- Eu sabia que você ia se apaixonar. – Ele repetiu, como se eu tivesse algum tipo de problema mental.
- Eu não estou apaixonada. – Falei com veemência, revirando os olhos em um gesto desesperado. Comecei a respirar audivelmente.
- Ah, tá bom. – Andrew parou de mastigar o sanduíche e olhou para mim. – Olha pra você, hiperventilando, toda vermelha... Esqueceu que temos aquela conexão sinistra de gêmeos?
- Não seja idiota. – Tentei falar firme, mas minha voz saiu bem baixa e falhou, como se para me envergonhar ainda mais. – Não existe conexão alguma entre gêmeos.
- Você é tão patética. – Andrew rolou os olhos e começou a subir a escada. – Claro que não existe conexão alguma. Você só ficou do mesmo jeito quando começou a gostar do Josh...
Comecei a me levantar e encarei suas costas com ódio, olhando ao redor procurando por qualquer objeto para atirar em sua direção, mas todos os enfeites da minha mãe pareceram caros demais e talvez fosse um gesto suicida quebrar algum deles.
Finalmente arrumei o cardigã no corpo e saí, andando até a garagem, pensando que seria a minha segunda vez dirigindo desde que me mudei para Londres. Minha mãe até sorriu quando pedi o carro.
Liguei para Lissa e esperei para colocar a chave na ignição.
- Oi, já estou pronta, já estou saindo de casa... - Não! – Gritei e quase pude vê-la paralisando e arregalando os olhos azuis. – Me espera! Eu não quero chegar sozinha!
- Mas eu moro tão pertinho! Não precisa se incomodar em me pegar! - Não, Lissa! Me espera! Por favor!
- É uma festa normal! - Não é uma festa normal para mim depois do fim de semana.
Valissia ficou em silêncio por um momento, tentando entender o que significava. Quando finalmente descobriu e voltou a falar, eu não consegui decidir se seu tom era excitado ou sério.
- Vem rápido! A gente precisa conversar. Sorri e desliguei o telefone, balançando a cabeça para mim mesma. Dei partida no carro sem saber o que me esperava.
***
- Já estou indo! Já estou indo! – Lissa gritou enquanto corria até o imenso portão do seu palácio – descrever a casa como mansão não faria jus ao que realmente era.
- Você disse que já estava pronta no telefone!
- Mas eu quis arrumar umas coisinhas!
- Você é perfeita, deixa de ser idiota!
- Não seja rude, , você sempre chama as pessoas de “idiota”. – Valissia me corrigiu, lançando-me um daqueles olhares que minha mãe me lançaria. Não consegui prestar atenção porque seu cabelo parecia dourado demais. Ela parecia linda demais.
- Uau, você está incrível. – Ofeguei, me sentindo idiota. De repente quis não ter colocado jeans e camiseta para irritar , mas sim ter realmente me produzido.
- Obrigada, isso é muito gentil da sua parte, mas eu preferia ouvir da boca de um garoto bem apessoado.
- Eu paro de chamar as pessoas de “idiota” se você parar de usar palavras como “apessoado”.
Ela corou um pouco e sorriu, mas não disse mais nada, embora parecesse ter vontade de dizer muitas coisas.
- Você pode perguntar. – Murmurei, fingindo prestar atenção na direção. Diminui a velocidade para demorar a chegar à casa de .
- O que aconteceu no fim de semana? – Ela perguntou baixinho, em um tom tão suave e gentil que não me senti inclinada a esconder os fatos.
- Eu dormi na casa deles. – Comecei, sentindo minha boca seca. – No outro dia... – Parei por um momento, decidindo se seria bom lhe contar. Ela era minha amiga, não era? – No outro dia o me beijou.
Aproveitei o semáforo para encarar Valissia. Ela me olhava com uma surpresa educada, mas não parecia triste.
- Não precisa se preocupar, . Eu e o somos amigos, não sou eu a namorada dele. – E sorriu. Mas o sorriso não me fez sentir menos culpada porque logo em seguida ela olhou para baixo com um semblante impassível.
- E eu e o saímos para almoçar. – Continuei, tentando desviar o foco do meu beijo com . – E quando saímos do restaurante, tinha um homem... Um sem teto, sentado, pedindo esmolas, ou esperando recebê-las, não sei... – Lancei um olhar para garantir que ela ainda prestava atenção. Seus olhos nem se desviaram de mim. – E nós estávamos discutindo, coisa boba, essas brincadeiras que fazemos todos os dias. O parou de falar do nada comigo e ficou encarando um ponto fixo as minhas costas, e quando ele foi até lá, eu vi o cara... Lissa, ele literalmente se abaixou e conversou com ele. Ele agiu tão naturalmente, como se se conhecessem há anos e fossem velhos amigos... Ele não tinha um olhar de pena. O homem também não parecia triste para mim, mas talvez fosse o sorriso do que tivesse colocado o sorriso dele no rosto. É o que ele fez comigo... Lissa, não foi pelo dinheiro, o não vai sentir falta das notas que deixou lá, mas como é que eu posso não me apaixonar por um caráter assim? Ele é milionário. É famoso. É uma superestrela. Ele não precisava ter feito aquilo, porque os paparazzi estavam mais interessados em mim, mas ele fez. Não fez para sair em revistas, mas porque ele queria fazer o dia de alguém melhor. Ele me parecia tão humano...
Terminei de falar enquanto estacionava o carro do outro lado da rua, no portão do complexo. Não quis olhar para Lissa porque sabia que ela havia entendido o que aconteceu comigo, mas mesmo assim olhei, e – para minha surpresa – ela sorria. Era quase um daqueles sorrisos tristes que eu e trocávamos, mas sorria. Parecia tão admirada quanto eu estive.
- O que foi?
- Você deveria ver seu rosto quando fala nele.
***
nos buscou na porta do flat, dizendo que “se andasse ao lado de nós duas nos tornávamos território proibido” e nos apresentou para alguns de seus amigos. Vi Nick Grimshaw do outro lado da sala e me controlei para não tirar a roupa, mas viu minhas bochechas ficando vermelhas e sorriu. E tinha bebida naquele lugar. Muita bebida. Alcóolica. Tentei não me concentrar muito naquilo e olhei para o lado.
- Eles estão fumando maconha? – Falei em seu ouvido, arregalando os olhos.
- Não é tão surpreendente assim, por favor.
- Você usa? – Perguntei e Lissa se virou imediatamente para ver a resposta. não disse nada, apenas riu e balançou a cabeça. Chegamos à cozinha e ele abriu os braços como se fosse uma obra de arte.
- Podem beber o que quiserem.
- Tentem não sujar demais. – avisou, passando por nós duas e colocando um grande saco de lixo na máquina.
- Eu, hmm, não vou beber nada... – Murmurei, pensando no carro e meu passado com bebidas. A ficha nunca foi muito boa.
- Bem, eu, já que tenho sua carona sóbria, vou aproveitar! – Lissa exclamou, gargalhando gostosamente e pegando uma garrafa de vodka do pequeno estoque em cima da bancada. Ela tentou abrir, sem sucesso algum.
- Vai beber isso aí sozinha? – perguntou, ajudando-a.
- Sim! E pura!
- Quanta animação, menina Dorgeout! – exclamou, batendo seu quadril contra o dela. terminou de abrir a garrafa e a entregou para Lissa, que virou um longo gole. Ela fez uma careta, mas em seguida sorriu, caminhando para fora da cozinha.
- Vai, vou tomar conta de você hoje! – sorriu também e deu um leve empurrão em suas costas.
- E você? – perguntou.
- Estou com a galera da sala.
- Garota das ervas. – Debochou, abrindo um sorriso e levando uma garrafa idêntica a de Lissa para lá.
me encarou e segurou minha mão. Olhei para seus dedos e sorri, sem coragem para encarar seus olhos.
- Vamos nos juntar a um pessoal ainda mais legal lá na sala.
- Se você me disser que alguém tem cocaína, eu fico feliz. – Debochei.
Ele me ignorou e voltamos para a bagunça. O som era alto, mas não chegava a incomodar. Na verdade, a festa em si era bem controlada para as pessoas que pareciam completamente perdidas ali, com suas substâncias ilícitas e gestos sexuais. Talvez fosse para não chamar atenção ao fato de que era uma festa de famosos e tinha drogas. Talvez fosse para não incomodar tanto assim os vizinhos.
Depois que prestei atenção nesse detalhe, vi para onde me levava – para o meu terror, com os dedos ainda entrelaçados aos meus: no sofá circular em um canto da sala, estavam a namorada de e conversando animadamente com Rita Ora. Olhei desesperadamente para , que tinha uma expressão de quem se vingava, mas me apresentou como se eu nunca tivesse me agarrado com o namorado de uma das garotas ali na cozinha, ou estivesse desesperadamente começando a gostar de outro, embora só eu soubesse desse segundo fato. Talvez Lissa.
sorriu para mim e me cumprimentou simpaticamente, assim como , que pareceu não ligar para meu contato intimo com . Me virei para conversar com as outras duas estrelas enquanto eles se beijavam. A noite ia ser longa.
***
Minha cabeça rodava. Eu não tinha colocado uma gota de álcool na boca, uma grama de pó no nariz, ou fumado meio cigarro de maconha, ao contrário de todos na casa, mas minha cabeça rodava. Aquele sanduíche de queijo tinha ficado a noite inteira na mesa e eram quatro da manhã, então não deveria ser surpresa alguma que meu organismo reclamasse.
Eu nem sabia como tinha conseguido subir as escadas, mas entrei no banheiro dos meninos e bati a porta, caindo de joelhos em frente a privada e forçando o vômito. Depois de sentir nojo de mim mesma por aquilo, minha garganta começar a arder e meus olhos doerem, eu comecei a me sentir melhor. Talvez terrivelmente melhor. Pelo menos minha cabeça não rodava e eu não tinha aquela sensação estranha na garganta.
Me ergui e lavei o rosto, ainda com alguns vestígios de enxaqueca, me sentindo meio perdida; eu não sabia onde estava , eu não sabia onde estava Lissa, eu não sabia onde estava ninguém.
Saí do banheiro com os dedos pressionados na têmpora, mas me dei de cara com e minha melhor amiga. Ele a carregava no coloco com um semblante entristecido, e prestava tanta atenção nas lágrimas que corriam pelo rosto da garota, que não me viu. Me aproximei da porta do quarto para o qual ele a levava para tentar descobrir o motivo de um clima tão pesado, mas me escondi atrás da parede quando ela começou a falar. Eu tinha que parar com esse hábito.
- Olha pra mim. – Ela pediu, e inclinei a cabeça para ver a cena. Ele olhava em seus olhos. – Eu te amo tanto... Por que não podemos ficar juntos? Eu te amo tanto, . – Lissa falou em um tom desesperado e trôpego, começando a soluçar. Tentou beijá-lo por um momento, mas rompeu em soluços em seguida, parecendo derrotada. Ele puxou-a para perto, abraçando-a com força e fechando os olhos. Eu não sabia como reagir.
- Ei, não chora. Por favor, Lissa, não chora.
- Eu te amo tanto, ... Tanto. Por que as coisas tem que ser assim?
Ele beijou o topo de sua cabeça e parecia desolado. Puxou Lissa para a cama e deitou-se com ela, colocando sua cabeça dourada escondida no peito. Ela ainda chorava, mas ele começou a cantarolar baixinho, com um tom cheio de dor, acariciando seus cabelos com suavidade, enquanto ela continuava a murmurar que o amava em martírio. Olhei para seu rosto e percebi que tinha lágrimas nos olhos também.
Deixei-os sozinhos e desci as escadas me sentindo horrível por invadir a privacidade deles assim. Vi sentada no sofá com a cabeça de uma de suas amigas no colo e me sentei na poltrona em frente a ela, olhando para o nada em particular. Ouvi os passos de antes que ele falasse.
- Desculpe a demora, meu amor. O banheiro estava ocupado. – E depositou um beijo terno em seus lábios.
Passei o peso das sacolas para a outra mão, usando a deixa para ignorar o menino que passou por mim e minha mãe, me encarando fixamente. Abaixei os olhos e tentei prestar atenção no que ela falava – gesto que eu tentava não fazer nos últimos quarenta minutos.
- ...não larga o celular! Fica com aquele fone o dia inteiro! Não me surpreende que tenha que fazer dois meses de dependência em Filosofia! Aliás, como foi que os dois conseguiram fazer a mesma coisa? Era para estarem formados a essa altura!
- Conexão sinistra de gêmeos. – Murmurei baixinho, balançando a cabeça afirmativamente. Ela começou a falar de novo e eu tornei a ignorá-la, prestando atenção nas garotas que falavam entre si e apontavam para mim.
Olhei para elas, que viraram o rosto com pressa. Fãs. Eu sabia. Senti meu rosto esquentar e soltei um suspiro pesado. Quantos metros ainda faltavam até o maldito carro? Além do constrangimento, as sacolas realmente começaram a pesar.
Corri os últimos passos até o carro e esperei minha mãe me alcançar para desativar o alarme. Joguei as sacolas no banco traseiro e me direcionei ao banco do carona, esperando impacientemente enquanto Joanne ligava o carro.
Abaixei a cabeça tentando jogar a franja na frente dos olhos, mas vi um vulto correndo até nós. Houve uma batida na janela. Levantei a cabeça depressa para encarar uma das garotas, que sorriu e acenou. Minha mãe abaixou o vidro.
- Oi! Você é a ? Amiga do ?
Ergui as sobrancelhas e fiquei meio abobalhada por um momento.
- Eu... ah, é, sim, sou.
- Nossa! – Ela ficou parada, me encarando com a boca aberta por quase um minuto, então sorriu muito e parecia genuinamente animada. – Caramba, você poderia tirar uma foto comigo? E entrega isso pro ? E diz que eu amo muito o ? Diz que eu casaria com ele se ele quisesse? Na verdade, não diz isso, diz que eu amo todos demais e que eles mudaram minha vida?
Franzi as sobrancelhas para o pedido da foto, mas me aproximei dela e sorri, deixando que ela se acalmasse e tirasse várias com o celular e a câmera, garanti-a que entregaria o recado e fiquei muito vermelha quando todas as suas amigas se aproximaram para tirar foto também.
- Eu não sou uma celebridade. – Murmurei chocada, mas atendi aos pedidos. Acenei para elas e segurei os presentes no colo, garantindo que entregaria. Acho que não poderiam sorrir mais.
- Que meninas amigáveis. – Minha mãe comentou, fazendo uma curva para sairmos do estacionamento do supermercado.
- Pelo menos essas são... Acho que você terá que me levar até a casa do , mãe. – Murmurei, encarando os pacotes em meu colo. – Preciso entregar isso aqui.
- Onde é que ele mora mesmo, querida?
- East End, mãe. – Falei com uma expressão confusa. – Você me levou lá umas duas vezes, lembra? Ele veio até a guarita dar um abraço em você?
Joanne franziu as sobrancelhas, mas assentiu e concordou, embora não parecesse muito certa. Deixei para lá e tentei alcançar o celular em meu bolso, discando o número de um momento depois.
- ! - Vocês estão em casa? – Perguntei, porque havia muito barulho onde quer que ele estivesse.
- Não, estamos saindo da rádio agora, por quê? Espera algum de nós na cama de casal somente com lingerie no corpo? Especialmente meu amigo? Aliás, espera qual deles, o ou o ? Fechei os olhos e me concentrei para não soltar palavrão nenhum, suspirando para sua costumeira mania de constranger quem quer que fosse.
- Eu saí para comprar umas coisas... Acabei encontrando algumas fãs de vocês e elas me fizeram jurar com cuspe que eu entregaria tudo isso então...
- Ah! Acho que vai ter que esperar um pouco, as coisas por aqui estão meio... O disse que a está lá com a Sam, você pode ficar com elas até chegarmos. - Quem é Sam?
- Teasdale.
- Ah. – Murmurei estupidamente. – Eu só vou deixar os pacotes.
- Nós temos Starbucks. - Ok, eu espero.
***
Eu queria jogar fogo na casa. De preferência com e lá dentro, e me certificaria de jogar mais gasolina no segundo. Na verdade, não tinha ninguém lá, e eu deveria ter desconfiado porque a namorada de também é “famosa” e ela não perderia tempo vegetando na casa deles. Para ser sincera, eu deveria ter percebido que queriam que eu fosse até lá para limpar, porque metade da chave estava do lado de fora do tapete que fica na entrada. Como pareciam me conhecer melhor do que ninguém - em um curto período de tempo - provavelmente adivinharam que eu não aguentaria e me remoeria de angústia até que deixasse minha fobia de ambientes sujos vencer e limpasse a sala. E a cozinha. E só não limpei os quartos porque não deu tempo, quando estava guardando os materiais de limpeza na dispensa, ouvi a porta da entrada bater e corri até lá.
- Eu odeio você! – Exclamei, apontando o dedo bem na cara de antes que ele sequer saísse do hall. O garoto deu uma risada e tirou a blusa xadrez que vestia por cima da camisa, nos encarando e sorrindo.
- Eu avisei para ele não fazer. Poderíamos muito bem pagar uma diarista.
- É divertido olhar a irritada, olha que bochechas vermelhas mais fofinhas... – E se precipitou a apertar minha bochecha, arrancando de mim uma risadinha involuntária.
Me dei por vencida e me joguei no sofá, sem dúvida nenhuma mais cansada do que eles. se aproximou dos pacotes que deixei em cima da poltrona.
- São esses?
- Sim. – Murmurei e fechei os olhos quando sentou ao meu lado e beijou minha testa, me puxando para perto. Eu queria que ele parasse de fazer aquilo, mas não consegui achar em mim vontade o suficiente para afastá-lo.
- Não são todos para você. – Avisei, tentando não prestar atenção enquanto estava próximo de mim e no quanto eu queria poder fazer o mesmo com ele. Nem no quanto eu gostava dele.
- Eu sei, o ursinho é provavelmente pro seu namorado. – Atirou a pelúcia em nós, abrindo um livro no colo.
- Elas escreveram um livro? – perguntou encantado. assentiu, fazendo com que se virasse em minha direção. – Elas escreveram um livro! – Me disse.
- , você é tão gostoso que me faz querer chorar. – citou, rindo em seguida e me lançando um olhar significativo. Senti minhas bochechas esquentarem e fingi que não vi; uma idiotice, porque eu provavelmente estava mais vermelha do que a pelúcia de coração ao seu lado. gargalhou.
- Eu sei.
- Ai, cala a boca. – Revirei os olhos.
- Me obrigue.
- Eu vou dar um murro para quebrar todos os seus dentes! – Exclamei, mesmo com a tensão sexual que sempre se instalava com esse tipo de frase.
- Você consegue acabar com qualquer libido.
- Sai de perto de mim. – O empurrei, mas não tirou o braço dos meus ombros.
- Suas aulas começam essa segunda? – perguntou, erguendo o olhar.
- Sim, infelizmente.
- Burra. – murmurou ao meu lado.
- Suas notas deveriam ser muito boas em Filosofia para me chamar de burra. – Falei com raiva, mas tornou a beijar o topo da minha cabeça e rir. – Vai me buscar na escola como meu namorado bonitinho que é famoso e faz inveja nas meninas da minha escola?
Foi sútil, mas o corpo de ficou tenso. Repassei a frase em minha mente, tentando encontrar o que eu disse de errado, mas não consegui nada.
- O que foi? – Sussurrei.
tornou a erguer o olhar para nós, mas não disse nada. Pigarreou e se ergueu da poltrona, murmurando um “vou deixar vocês sozinhos” e saindo da sala.
Afastei meu corpo de seu peito e olhei seu rosto.
- , o que foi?
Ele umedeceu os lábios e removeu o braço dos meus ombros, apoiando os cotovelos nas pernas.
- Não vou estar aqui semana que vem.
Apenas franzi as sobrancelhas, esperando que continuasse, mas não o fez.
- E daí?
- Nem na sua formatura. E também acho que vou estar fora em novembro.
Ergui as sobrancelhas levemente, entendendo onde ele queria chegar.
- Você vai se mudar? Tem um câncer em fase terminal? Ou é só uma desculpa para parar de me ver?
- Vamos viajar às vezes para divulgar o álbum, é meio imprevisível.
- Por que toda essa tensão em torno disso? Eu vou ficar bem, não estou chorando, está me vendo chorar? – Abaixei a pele embaixo dos meus olhos e me aproximei muito de seu rosto. riu e me puxou para o seu colo, beijando todos os pontos alcançáveis em meu rosto enquanto eu gritava que aquilo era nojento. Ele parou a brincadeira e me encarou nos olhos, sem dizer nada. Eu não disse nada também.
- Vocês olham um para o outro como se estivessem prestes a se beijar. – A voz de comentou.
Nos afastamos quase instantaneamente, rindo. olhou pra mim e seu sorriso enfraqueceu um pouco, mas continuava sincero.
- Obrigado por levar numa boa. Deve ser por isso que eu gosto tanto de você.
Então eu realmente quis chorar, mas sorri para ele também.
***
- Não acredito! – Praticamente gritei quando disse que entrou no quarto quando ele estava com uma garota. Ele confirmou solenemente e riu junto aos outros garotos, exceto , que não estava lá. Comi mais um pouco de pipoca e olhei para seu melhor amigo maravilhada. – Uau.
- Uma vez... – começou, engolindo o suco. – Estávamos no hotel e o estava com alguém. Não conseguimos dormir a noite inteira.
Acompanhei a risada de todos e balancei a cabeça, me concentrando para não deixar meu rosto esquentar. Eu sabia muito bem o que ele era capaz de fazer apenas com alguns beijinhos.
- E você, , nos conte alguma coisa interessante sobre sua vida sexual... – começou com uma risadinha maldosa, colocando o canudinho na boca e erguendo as sobrancelhas.
Abri a boca para responder, mas foi mais rápido.
- Ela é virgem, não faça perguntas idiotas. – E bateu no braço de com raiva.
- Quem te disse isso? – Perguntei indignada, colocando as mãos na cintura e franzindo o cenho em sua direção.
- O quê? – Ele exclamou, arregalando os olhos para mim. começou a gargalhar. – Você não é?
- Não! – Falei com raiva. – Eu tinha um namorado, o que acha que fazíamos quando o clima esquentava, saíamos para tomar um sorvete?
- Você? – Agora praticamente gritava. – Você transou com alguém?!
- Sim! Pare de me constranger! – Gritei também.
- Eu não acredito. Você... Você sabe o que é sexo? Que o cara tem que enfiar...
- Cara, cala a boca! – gritou, correndo até e colocando as mãos em seu rosto. Eu comecei a rir.
- Sim! Eu não sou frígida, nem idiota! Muito menos virgem!
Ele me olhou chocado por mais um segundo e depois sua expressão se tornou impassível.
- Ótimo, nos conte alguma coisa interessante sobre sua vida sexual... O que eu duvido que você tenha para dizer, só para constar. Você tem cara de que só gosta da posição do missionário, seu namorado deveria...
- Deixa ela falar! – exclamou, devolvendo o tapa que lhe dera.
- Na verdade, a coisa mais interessante que aconteceu não foi com meu namorado. Foi quando nós estávamos em uma festa...
- Eles davam festas em Brighton? Pensei que a tecnologia ainda não tivesse chegado lá...
- E eu beijei uma garota da minha sala. – Finalizei como se não tivesse dito nada. Todos ficaram em silêncio por um momento e foi o primeiro a quebrá-lo, soltando uma risada debochada.
- Ah, por favor.
Eu comecei a rir.
- Eu estou falando sério!
- Você não beijaria outra garota! É muito sensual para os seus parâmetros!
- Não duvide dos meus parâmetros, eu não sou virgem e segundo você isso também é demais para os meus parâmetros!
Ele fez um gesto exasperado com as mãos.
- Se você já beijou uma garota, quero que beije uma na minha frente.
- Eu não vou beijar você.
Ri, acompanhada pelos garotos.
- Essa foi muito boa. – murmurou na dele, claramente não muito confortável com o gesto de discutir minha vida sexual.
- Claro que não vai me beijar, iríamos ter problemas para fazer você desapaixonar depois. – Tornou a provocar. começou a rir muito alto e meu rosto ficou vermelho. Quando todos olharam para ele, disse que não era nada e me encarou maldosamente pelas costas do amigo.
- Você é um idiota... – Revirei os olhos.
- Está apostado?
- E o que eu vou ganhar com isso?
- Uma noite de amor comigo, é claro. – Ele sorriu.
- Eu estou falando sério, idiota.
- O que você quiser. – E seu sorriso se alargou.
- Ótimo, me leve para uma festa e resolvemos seus problemas e confiança em mim. – Falei com simplicidade, fazendo com que ele revirasse os olhos.
- Você quem é idiota. – respondeu, mas não esperou nem que eu abrisse a boca para revidar e me deu as costas, voltando a falar com os colegas de banda.
Não tive tempo de pensar no que fazer, chamou meu nome e perguntou se poderíamos conversar a sós por um momento.
Assenti e o segui quando caminhou para fora da cozinha. Ele abriu a porta de vidro para que eu passasse para o quintal. Cruzei os braços, ouvindo-o deslizar a porta mais uma vez e senti minha barriga esfriar. Ele caminhou em silêncio até as espreguiçadeiras e sentou na beirada de uma, esperando até que eu me acomodasse ao seu lado para começar.
- Você sabe que eu não sou discreto...
- Não me diga. – Ri, mas ele me lançou um olhar sério, então tratei de desmanchar o sorriso.
- Você sabe sobre o que eu quero conversar.
- Não sei. – Desconversei.
- Eu vejo o jeito que você olha para ele. – Sua voz era mais baixa que um sussurro.
- Não sei do que você está falando, .
- Sabe sim. Sabe do que estou falando do mesmo jeito que sabe que está apaixonada por ele. – puxou meu braço, se inclinando para olhar em meus olhos.
Desviei o olhar e senti meu rosto ficando quente.
- Não fale uma besteira dessas. – Murmurei.
- Não se finja de boba, pare com isso! Você gosta dele sim, eu não sou idiota!
- , para com isso. – Pedi bem séria, começando a entrar em pânico.
- Admita, se você não admitir eu vou lá dentro agora e conto para ele!
- Você é um chantagista filho da puta. – Xinguei baixinho, puxando meu braço.
- Ele é um retardado! Você deveria ver seus olhos quando ele segura sua mão, ou como seu rosto fica quando ele olha diretamente para você. Você percebeu que tem um sorriso idiota sempre que conversa com ele? Até um cego perceberia.
- O que você quer que eu diga? – Sibilei, olhando diretamente em seus olhos pela primeira vez.
- Quero que me diga a verdade!
- Eu gosto dele, está satisfeito? – Falei com raiva. – Eu sei que fico com um sorriso idiota no rosto, e sei como olho para ele, porque eu não consigo controlar esse tipo de coisa, se conseguisse não teria me apaixonado por ele nunca, de forma alguma!
- O quanto você gosta dele? – perguntou, falando mais suave dessa vez.
- Não interessa! Não faz diferença, ele não vai gostar de mim de forma alguma, então não importa.
- Ele não é esse tipo de cara, . Ele ouviria o que você tem a dizer. Ele não vai mudar com você...
- Ele nem vai saber!
- Acho que qualquer pessoa gostaria de saber se alguém gosta dela assim...
- Você não pode dizer pra ninguém, tá me ouvindo? Ninguém sabe disso. – Eu queria chorar, mas me controlei para manter a voz firme. – Ninguém pode saber.
- Por quê? Ei, não chora.
- Porque todo mundo vai achar que sou louca. Não tem nem um ano que o Josh morreu, eu não posso gostar de outra pessoa. – Sussurrei, sem tentar reprimir as lágrimas e sem expulsar sua mão que segurou a minha. – Seria uma desonra com o nome dele. Ninguém pode saber.
- Talvez eu só conte para o ...
- , eu tô falando sério!
- Não chora!
Eu não tive oportunidade de responder porque a porta de vidro se abriu e apareceu, um sorriso no rosto.
- Ei, o que vocês estão fazendo aqui?
- Nada. – Respondi, limpando os olhos com determinação para que ele não me visse chorar.
- Sobre o que estão conversando?
Olhei para , desesperada, mas ele não olhava para mim. Sorriu para e apertou levemente minha mão antes de soltá-la.
- Nada demais, cara, só falei para a que ela deveria ligar para a mãe dela vir buscá-la, estudar Filosofia e tal. – Ele falou, se levantando e impedindo de chegar mais perto.
- Eu posso lev...
- Vamos lá para dentro e deixá-la sozinha para falar no telefone...
Mesmo desconfiado, o acompanhou, e eu entendi que queria que eu ficasse sozinha para chorar em paz e pensar em tudo o que disse. Mas não fiz isso, respirei profundamente e limpei os olhos mais uma vez, puxando o celular do bolso e ligando para Andrew me buscar. Deixei para chorar quando estava dentro do carro com ele.
- Eu sei. – Meu irmão murmurou com a voz sufocada, entregando a cartela de comprimidos. – Eu sei. – E tentou me confortar enquanto prestava atenção no trânsito.
- Não arde? – Andrew perguntou passando o esmalte no meu polegar e encarando o que estava ferido segundos atrás.
- Não, depois que você termina nem parece que cortou – Murmurei tentando pegar o controle com a mão contrária à posição onde ele estava, mas desisti minutos depois.
Andrew começou a passar o esmalte em outro dedo, o fone de ouvido pendendo em seu pescoço ainda tocando algo.
- Você é bom. – Comentei com sinceridade, ele borrava muito menos do que eu.
Ergueu os olhos verdes em minha direção e depois olhou para o que estava fazendo, voltando a me fitar com o cenho franzido.
- Se você contar para alguém, eu te mato. – Ameaçou. Gargalhei baixinho, mas não respondi, esticando o pescoço que começava a doer.
O silêncio reinou por poucos minutos, onde uma música do Snow Patrol tocava na TV, antes que Andrew começasse a me olhar suspeitamente, quase terminando de pintar minhas mãos.
- Você pode perguntar. – Revirei os olhos.
- Você brigou com alguém aquela noite? – Ele indagou sem olhar para mim, mas a pergunta me surpreendeu. Demorei um pouco para responder.
- Não. – Murmurei, olhando para a última unha que ele pintava – Não briguei.
Andrew tornou a ficar em silêncio, parecendo ponderar sobre a veracidade de minhas palavras, mas não argumentou. Fechou o vidro com o esmalte claro e o depositou na caixinha, me ajudando a remover o excesso.
- Você sabe que eu sei que você está gost...
- Eu sei. – Interrompi, encarando seus olhos pela primeira vez desde que ele começara a falar.
- Ele não sabe?
Deixei que ele terminasse uma das mãos antes de falar. Era óbvio que ele saberia. Percebeu muito antes de Lissa ou , e acho que até antes de mim.
- Não. – Murmurei um momento depois.
- E você vai contar?
- Eu não sei. – Falei com sinceridade, soprando as unhas quando terminamos tudo.
- Vai contar sobre os medicamentos? – Continuou, e dessa vez sentou direito na cama, bem ao meu lado, puxando os joelhos para o peito e escondendo parte do rosto ali atrás.
- Não acho que seja necessário...
- Mas você tem que voltar a fazer terapia.
- Eu sei.
- E não vai contar sobre isso também?
- Você quer que eu conte tudo? – Perguntei em um tom um tanto debochado, mas meu irmão não se ofendeu.
- Acho que ele gostaria de saber tudo. – Murmurou docemente, e eu me lembrei de que Andrew costumava ser meu melhor amigo antes de tudo acontecer. Esses momentos em que conversávamos sobre minha vida, e ele me confortava quase sendo deixados para lá entre minhas lembranças.
- Como foi o seu primeiro dia na escola? Não te encontrei na hora do intervalo. –Desconversei, puxando os joelhos para o peito e cruzando os braços sobre eles, pousando a cabeça meio virada para encarar Andrew.
- Foi legal. Fiquei preocupado com você o tempo todo, mas não pude sair da biblioteca antes de estudar, depois não te vi também. – Andrew não olhou para mim, mas eu sabia que era porque ele estava triste.
- Não precisa se preocupar comigo. – Sussurrei estendendo minha mão para segurar a sua.
- Não quero que você fique daquele jeito de novo.
- Eu sei. – Murmurei, e ouvimos meu pai chamá-lo no andar de baixo. – Eu sei.
Andrew saiu da minha cama, e quando já estava na porta virou-se em minha direção.
- Só para reforçar, se contar para alguém – E apontou para os esmaltes sobre o lençol – Eu te mato.
***
- , tem como você descer aqui, por favor? – Meu irmão perguntou quando eu caminhava até a biblioteca. Parei por um momento quando ele me chamou pelo nome e dei meia volta.
Desci as escadas e ignorei o calouro que passou me encarando, sentindo meu rosto esquentar. Andrew seguiu-o com os olhos e o cenho franzido.
- Oi, Andrew... – Murmurei tentando não olhar para os lados, pois sabia que olhavam para mim.
- Olha, você tem que ter mais cuidado aqui na escola...
- Do que você tá falando? – Interrompi puxando a saia do uniforme mais para baixo, me sentindo incomodada com a atenção.
Ele olhou para as pessoas que passavam por nós e se aproximou de mim para sussurrar.
- Uma garota viu você tomando remédios no banheiro... – Cochichou em um tom irritado – Depois que a ouvi comentar, outras três me perguntaram se você usava alguma coisa.
- Eu não tô nem aí. – Debochei.
- Eu sei, mas se você não quiser seu pseudonamorado sabendo dessa história, eu acho melhor você... – Ele parou por um momento e eu o vi engolir em seco – Só toma cuidado, tá legal? Não quero nenhuma fã fazendo ou falando nenhuma loucura envolvendo você.
- Andrew, eu tô bem! Não ligo para elas, entendeu? Agora vamos embora, eu ia pegar um livro de Filosofia, mas essa história me deu nos nervos e não vou estar com paciência para estudar.
- Eu dirijo. – Proclamou passando o braço por meus ombros. Eu estava prestes a dizer que queria vê-lo tirando as chaves de mim quando vi Megan nos encarando; eu sorri, mas ela logo virou o rosto.
- Uau – Ofeguei. Andrew seguiu meu olhar e depositou o seu nas costas de nossa vizinha, olhando mais para baixo por um momento e voltando a encarar seu couro cabeludo.
- Não é a vizinha da frente?
- Sim, aparentemente minha ex-amiga. – Falei com raiva, fazendo com que ele começasse a rir.
- Que pena, não é como se você realmente tivesse muitos.
- Cala a boca! – Bati em seu braço e revirei os olhos. Meu irmão continuou rindo até alcançarmos o carro.
Pulei para o banco do motorista e ele nem reclamou, apenas me puxou pelo braço, me jogou no chão e tomou as chaves.
- Andrew, eu vou socar você! – Gritei, mas ele já colocava o objeto na ignição. Começou a rir e entrei no lado do passageiro contra minha vontade.
- Você é tão injusto! Eu nem tive chance de me defender! – Me revoltei, jogando a mochila no banco de trás e olhando para cima em um tom exasperado.
- Como se você pudesse se defender de alguma forma. – Debochou, saindo dos portões da escola.
- Meu pé estava na mira certa para o meio das suas pernas. – Comentei sorrindo e puxando o cinto de segurança. Senti um frio estranho na barriga, como se estivesse passando mal com a ansiedade antecipada de algo desconhecido.
- Você tá meio branca. – Andrew comentou e eu sorri com a sensação de déjà vu.
- Já me disseram isso em situações parecidas.
Andrew não disse mais nada, apenas continuou dirigindo por um logo período de tempo em que eu me diverti olhando as pessoas passando pelas ruas desesperadamente e algumas tirando fotos até da calçada. Soltei um bocejo involuntário e ouvi um celular tocar no banco de trás.
- É o seu. – Murmurei preguiçosamente, reconhecendo imediatamente o toque da Nokia.
- Atende pra mim? Tá no bolso da frente.
Soltei um suspiro irritado acompanhando o cinto de segurança e me virei para trás, puxando o celular de Andrew e aproveitando para pegar o meu. Me voltei para frente mais uma vez, encarando o visor com o nome da nossa mãe brilhando.
- Andrew, é a mamãe... – Murmurei, mas ele apenas soltou um gemido e se virou para mim. Ergui os olhos e os senti arregalando ao mesmo tempo em que meu coração começou a acelerar. Comecei a gritar seu nome, mas não acho que o som sequer chegou aos seus ouvidos; explodiu em minha garganta junto aos vidros de sua janela e o barulho da colisão ao nosso redor. O som que projetei se prendeu ali em minhas cordas vocais e se transformou imediatamente no desespero que começou a apertar meu peito.
O tempo pareceu passar em câmera lenta enquanto eu encarava a capotaria do carro amassando a porta no lado onde Andrew estava, mas ele parecia bem, embora quando eu tentasse focar seu rosto ele se parecesse muito com Josh para mim. Eu sentia meu corpo, embora minhas pernas tremessem tanto que eu tivesse um medo irreal de cair, mas a sensação de morte que me agourou me fez começar a chorar como um bebê que passa fome – sem sequer ter noção dos meus atos, e quanto mais eu tentava olhar para Andrew e pedir ajuda, mais parecido com Josh ele ficava. Abriu a boca diversas vezes e proferiu coisas que nunca cheguei a ouvir, mas as palavras que chegavam até mim eram as de meses atrás, me rondavam todas as noites, mas naquele momento pareciam assustadoramente amplificadas.
- Você está ficando louca, ? Olha só o que você está falando! É claro que eu não faria isso! Qual o seu problema?
E meu grito do momento seguinte ecoou em meus ouvidos junto a pancada do caminhão no carro do meu ex-namorado. Mas eu não estava no carro. Alguém me arrastara para fora do automóvel e eu não estava com Josh: eu estava com Andrew, embora seu rosto fosse um borrão do cara que amei – morto, enterrado a sete palmos nesse momento.
Eu sentia as lágrimas escorrendo pelo meu rosto e eu tentava correr desesperadamente para longe – disso sabia, pois dois braços se fecharam como aço ao redor da minha cintura enquanto o medo daquele agouro horroroso e o desespero se colidiam em minha garganta, resultando nos gritos que eu soltava. Meu peito doía. Meus olhos doíam. Mas a visão do meu irmão sentado no chão me olhando sem saber o que fazer se transformando em Josh, deitado, sangrando, doíam minha alma. Tentei correr para longe de Andrew, que se transformava em Josh, e de sua voz que me implorava para parar de chorar, mas imediatamente se tornavam em Josh gritando de dor. Tentei correr para longe do meu coração, que batia tão forte em meu peito que poderia rasgá-lo, e das pessoas que eram apenas borrões e das minhas mãos e pernas que tremiam tão violentamente que o corpo que me segurava também tremia. Eu queria correr para o meu quarto e chorar até não ter energia alguma, embora tudo parecesse estar bem e o caos estivesse apenas na minha cabeça. Fechei os olhos com força tentando espantar as imagens.
- Solta ele, moço! Solta ele, ele não morreu! Josh! Josh, olha pra mim, pelo amor de Deus! Josh!
O grito de dor que soltei machucou meus próprios tímpanos, e meu irmão se ergueu correndo de perto do homem vestido em vermelho que mexia em seu braço, se apressando para segurar meus pulsos e colocar a mão no meu rosto quando comecei a me debater.
- Eu quero ir embora daqui! – Me ouvi gritar, mas minha voz parecia distante, mesmo que os braços me machucando me lembrassem de que eu gritava aquelas coisas no agora. Os olhos azuis de Josh se dissolveram no verde esmeralda do meu irmão, que me encaravam em um misto de desespero e pena. – Me tira daqui, Andrew. Me tira daqui, pelo amor de Deus. – Chorei, ainda ao longe, ainda presa na forma como minha mente oscilava entre o passado e o presente e no desespero que chegava a doer em minha garganta.
A voz do meu irmão era um sussurro que se fazia ouvir sobre os murmúrios que nos cercavam e sobre a incerteza de todos que não sabiam o que fazer comigo.
- . Olha pra mim, . – Sussurrou bem baixo, e mesmo assim sua voz tremeu. Seus olhos começavam a se encher de lágrimas – Você está tendo um ataque de pânico. Está tudo bem. , ele não está aqui. Pare de gritar o nome dele.
Soltei mais um grito em martírio, contra minha vontade, e me debati mais uma vez, também sem estar com o controle das minhas ações, olhando para ele, implorando por algo que eu nem sabia o que era. Minhas mãos não paravam de tremer, mas ele era Andrew novamente. E o Josh estirado no asfalto não parecia estar mais ali. O aperto em minha garganta não pareceu se afrouxar nem por um segundo, e descobri que todos pareciam apenas um borrão de cores para mim, porque eu não parava de chorar.
- ... Está acontecendo de novo. Controle isso. Por favor, está tudo bem. Por favor, pare de chorar.
E ele se afastou de mim enquanto eu caía sobre o corpo de quem me segurava, sem conseguir sustentar o peso do meu próprio corpo com o meu sistema nervoso que entrava em pane. Eu queria parar de chorar, mas me sentia presa longe dali e sem conseguir controlar qualquer coisa que fizesse, o que só aumentava minha angústia. Andrew tornou a falar, mas não era comigo.
- Não, é o irmão dela... Ela não pode falar. Eu... Nós sofremos um acidente. Não, ela não está machucada, mas ela não pode falar agora. Caralho, ela está branca como cal. – Houve uma longa pausa onde eu chorava tão alto que eu sabia que quem quer que fosse ao telefone poderia escutar, e quando meu irmão tornou a falar sua voz tornou a tremer – Cara, ela não tá nada bem...
- Sim, avise pra ela... – Grimmy comentou ao meu lado, sem desviar os olhos do celular. se espreguiçou e soltou um bocejo, olhando para mim com cara de tédio. Tirei o celular do bolso e busquei pelo número da .
- Ela não atende. – Murmurei frustrado quando tocou até desligar.
- Deve estar com alguém...
- Ela não namora, para de falar merda. – Xinguei, fazendo com que risse e Nick apenas revirasse os olhos.
- O que é que você tanto fuça aí?
- Temple Run. – Murmurou distraidamente, passando o dedo pela tela. No quarto toque, minha terceira tentativa deu certo.
- Oi, ? Por que não estava atendendo?
Dei as costas para quando seu olhar em mim começou a incomodar.
- Não, é o irmão dela... – Uma voz masculina falou, e por mais que eu quisesse não conseguia lembrar o nome dele. Havia muito barulho do outro lado da linha.
- Ah, dá pra passar pra ela?
- Ela não pode falar agora. – Murmurou meio tenso. Franzi as sobrancelhas e voltei a olhar para .
- Ah... Cara, que barulheira é essa?
- Eu... Nós sofremos um acidente.
Quase deixei o celular cair, o que atraiu imediatamente a atenção de Grimshaw e para mim, ambos parecendo meio assustados. A porta bateu atrás de mim, mas não quis me virar para ver quem era, quis correr até lá e socá-lo por brincar com uma coisa dessas. Mas então tornei a ouvir pessoas murmurando e um barulho estranho ao fundo, e senti minha expressão se tornar impassível ao constatar que era o que eu não queria acreditar.
- O quê? Vocês... Você tá brincando? Ela se machucou? – Falei rápido, me sentindo culpado em seguida – Vocês estão bem, cara? Deixa eu falar com ela.
- Não, ela não se machucou, mas não pode falar agora... – Sua voz tremeu. Ele hesitou por um momento, onde eu apenas coloquei os dedos sobre a boca e Nick e me olhavam esperando alguma coisa. – Caralho, ela está branca como cal...
- Onde é que vocês estão? – Falei alto, já procurando as chaves do carro no meu bolso e olhando ao redor quando não as senti – Cara, você precisa me dizer onde vocês estão!
O irmão de continuou em silêncio, e o barulho que ouvi me fez engolir em seco. Era ela. Ela estava chorando. E parecia estar chorando tanto que praticamente gritava.
- Cadê a porra das chaves? – Gritei com , que se assustou e recuou na poltrona. Grimmy guardou o iPhone no bolso e me olhou preocupado, se erguendo. O nome do garoto apareceu na minha cabeça com um clique – Andrew? Andrew? Onde é que vocês estão?
Ele não respondeu, e o choro dela ficou mais próximo por um momento. Comecei a andar desesperado ao redor da sala, procurando as chaves em todos os lugares.
- , o que é que você tá fazendo? – Ouvi uma voz às minhas costas, e segundos depois percebi ser .
- Você... Cara, ela tá chorando! – Gritei como se ele fosse idiota. segurou meu braço e me fez prestar atenção nele.
- Estamos em Barcelona. – Me lembrou.
Abaixei a mão que ia procurar as chaves na estante e o encarei, atônito, esperando cair a ficha.
- Cara, ela não tá nada bem... – Andrew murmurou do outro lado da linha e passei a mão pelos cabelos em frustração. A ligação foi finalizada logo em seguida.
- O que aconteceu? – perguntou, e mesmo que eu só enxergasse minha própria pele podia sentir seus olhos em mim.
- Ela sofreu um acidente, tá? – Falei irritado.
- Ninguém aqui tem culpa, mal educado. – Grimmy xingou do seu lugar no outro lado da sala. murmurou um “grosso” baixinho, mas pareceu se lembrar do que eu disse e perguntou se alguém me deu detalhes.
- O irmão dela não falou muita coisa, ela estava chorando demais. – Expliquei e tornei a passar a mão pelos cabelos.
- O namorado dela não morreu em um acidente de carro?
- Ex. – Corrigi com pressa, mas confirmou.
- Deve ser horrível. – Nick murmurou, fazendo com que todos ficassem em silêncio por um momento – Por isso vamos levá-la para se divertir, não é? Funky Buddah. Não ligo se estarão cansados da viagem. – Continuou com pressa.
- Ela não vai estar com humor para festejar. – Debochei.
- Tudo bem; deixe a garota sucumbir em depressão dentro do quarto em uma sexta à noite. – Ergueu as mãos acima dos ombros – Eu não me importo.
- Eu odeio estar longe uma hora dessas. Odeio ter que ouvi-la chorar. Odeio isso. – Falei com raiva, batendo as mãos nas pernas. não disse nada e Nick ficou em silêncio.
- Eu odeio esse você apaixonado. – reclamou e saiu da sala, me deixando com uma cara indignada e várias risadinhas.
's P.O.V
O homem à minha frente me encarava por cima dos óculos sem dizer uma palavra, as mãos cruzadas por cima de um tipo de caderno e a caneta batendo distraidamente ali. Eu sabia que ele esperava alguma coisa, mas eu não queria dizer nada. O doutor pigarreou, mas mantive meu olhar cansado sobre os livros na estante às suas costas.
- Sempre foi meio rebelde. – Comentou com um suspiro pesado.
Voltei meus olhos para os seus e me inclinei para frente, apoiando os cotovelos nos joelhos e cruzando as mãos. Franzi os lábios e dei de ombros como quem não podia fazer nada. O homem à minha frente olhou preguiçosamente para o relógio e tornou a suspirar.
- Fico feliz que não tenha de viajar a Brighton todos os finais de semana para que você faça sua consulta, senhorita . – O doutor falou, mas dessa vez eu soube que não esperava uma resposta – Era um terrível desperdício de recursos que seu pai sofria me pagando tão caro para tratar de um caso sem futuro.
- Eu sou um caso perdido. – Tornei a dar de ombros, mas suas palavras dessa vez me magoaram. Tentei não demonstrar.
- Eu não quis dizer isso, ...
- Ah, doutor, não se incomode com meus sentimentos. – Debochei.
Ele tornou a olhar para o relógio e suspirar.
- Sua sessão está acabando. Vamos voltar ao assunto dos remédios, sim? Com os relatos de alucinação e depois dos vícios que teve... Temo que terei de receitar mais alguns, sim? E aumentar a dose de outros...
- E vamos tornar a um poço de drogas.
- Espero que realmente as tome dessa vez, porque irão funcionar. A essa altura já deveria ter constatado que são melhores para você do que o álcool com o qual tivemos problemas.
- Sempre tive problemas com as drogas que me prescreve, doutor, mas sua eterna angústia é que, devido a tantos problemas, nunca as tomei. O álcool foi apenas uma válvula de escape.
Ele ignorou minha provocação e começou a rabiscar qualquer coisa que fosse na receita. Demorou alguns minutos para que se voltasse para mim mais uma vez.
- Estou te receitando o Apraz, mas só é para tomá-lo durante suas crises; dois comprimidos e passa rápido, entendeu? O aumento do Aropax fará o controle a longo tempo desse problema, como você já sabe, e se o estivesse tomando, senhorita, devo dizer que não teríamos a infelicidade do episódio de dois dias atrás. – Fez uma pausa para me lançar um olhar significativo e se voltou para a receita – E devido às alucinações, estou recomendando que use o Clopixol, certamente controlará despersonalização...
- Estão muito leves. – Tornei a debochar, lhe lançando um olhar cansado.
- E os próximos você já está mais do que familiarizada...
- Os valentões. Pesadões. Provavelmente pior do que crack, não são? Os que eu mais gosto.
- Efexor e Paroxetina para combatermos seu probleminha com depressão...
- Eu terei tempo para viver, doutor? Pelo que entendi, vou depender dos seus remédios vinte e quatro horas por dia...
- Como não vi nenhum indício suicida em você, o Efexor...
- Ah, tem certeza? – Ironizei.
Ele desistiu de conversar comigo e me estendeu a folha com a prescrição dos remédios. Olhei para o carimbo embaixo e minha garganta se fechou. Soltei uma risada debochada, então percebi a cor do papel.
- Receita azul, doutor? Carimbo de psiquiatria? Está me dizendo que tudo o que está aqui é tarja preta?
- Você sempre...
- São cinco tipos diferentes de remédios, doutor. Eu vou ter uma vida?
- Com os recentes...
- Eu não preciso de remédios para alucinações. Não sou louca. – Falei com raiva, atirando a receita em seu colo.
- E se o episódio voltar a ocorrer, senhorita ?
- Então me dope com a porcaria que quiser! – Gritei – Eu não vou me submeter a isso. Eu não sou esquizofrênica, doutor. – Tentei controlar a voz, mesmo que ela começasse a tremer e eu quisesse chorar – Eu tenho um histórico de depressão e crises de pânico, e é um infortúnio que durante uma dessas eu tenha visto meu namorado morto no corpo do meu irmão, mas eu não sou louca. Eu não preciso de remédios para alucinações.
- Podemos riscá-lo da receita se te incomoda tanto. – Falou com uma voz suave – Tem alguma queixa quanto a algum dos outros?
Eu encarei a receita querendo dizer que sim. Mas não tinha. Não tinha argumento para aqueles.
- Você não precisa se culpar... – Charles tentou falar quando percebeu meu silêncio, mas logo o interrompi.
- Eu não quero falar sobre isso. – Cortei seca.
- É meu trabalho fazer com que você fale sobre isso...
- Eu quero ir embora. Minha sessão não estava perto de acabar? Eu quero ir embora para casa. Talvez eu passe na farmácia e compre os venenos que você quer.
- , eu temo que...
- Você não teme nada. – Tornei a interromper, me erguendo do sofá e apontando o dedo em sua direção – Estou cansada de ter que falar com você sempre que algo acontece, de ter que tomar seus comprimidos todos os dias e não ver nada mudar...
- Ora, , os resultados vêm com o tempo...
- Seus remédios não vão trazê-lo de volta, doutor. Nem o tempo vai. Seus remédios não vão me impedir de entrar em pânico estando no banco passageiro de um carro, porque eu estava lá. Eu estava lá quando aconteceu, e seus remédios não podem mudar isso. Não podem mudar o que eu tenho consciência de que aconteceu. Que se eu não estivesse gritando com ele e se não estivesse jogando coisas na sua cara, ele teria prestado atenção no trânsito e... E... – Eu pensei que tinha perdido as palavras, que não soubesse o que queria dizer, mas não foi assim. Eu sabia o que queria que ele ouvisse, mas não conseguia forçar minha boca a se abrir e proferir as frases. Meu choro se prendeu na minha garganta, que tornou a doer. Ele me estendeu um lenço quando realmente comecei a chorar.
- Seus pais...
- Meus pais não vêm me buscar. – Falei com raiva, passando a mão determinada pelos olhos, tentando controlar tudo. – Eu vou embora.
Lhe dei as costas, porque não conseguia suportar o seu olhar calmo, de quem sabia que teria um longo trabalho. Ele tinha razão, não tinha feito nada errado, eu quem sempre fui um caso perdido.
- Eu te vejo semana que vem, ...
Quis gritar que não me veria não, que eu daria um jeito em tudo sozinha e que não precisava desabafar com ele ou tratar os meus problemas, que eu sempre dava um jeito em tudo. Mas eu me lembrei de que era um caso perdido. E eu sabia que voltaria.
***
Bati na cama com o impulso que a corrida causou e tentei levar o telefone à orelha, gritando um “alô” meio ofegante.
- ? – Ouvi a voz de e ele riu em seguida, mesmo assim parecendo nervoso.
- Oi! – Exclamei rindo também e me estabilizando – Desculpa, eu estava descendo as escadas quando ouvi o celular tocar...
- Tudo bem? – Ele perguntou com a voz fraca, então pigarreou e sua voz tremeu quando ele falou em um tom normal – ... Você está bem?
- Sim... – Murmurei confusa, me sentando no colchão com a coluna reta – Sim, eu estou bem. Aconteceu alguma coisa?
- Não. – Ele fez uma pausa onde pareceu se decidir sobre algo – Aconteceu com você?
- Não, , que história é essa? Você está bêbado? – Eu comecei a rir involuntariamente com a ideia.
- Não, estou preocupado...
- Você não tem que se preocupar comigo. – Falei confusa.
- Mas eu me preocupo!
O silêncio reinou por um momento e eu quis dizer muitas coisas para ele. Mas continuei calada, com medo do que ele pudesse pensar.
- Esse é um tipo de conversa constrangedora. – Quebrei o silêncio momentos depois, fazendo-o rir.
- Não está com saudades? Eu estou fora há muito tempo. Quase muito mais que uma semana.
- São nove dias. – Murmurei instintivamente, fazendo com que eu batesse em minha própria testa e sentir seu sorriso do outro lado da linha.
- Não que você esteja contando. – Provocou.
- Quando você fica feliz por tanto tempo, é uma coisa memorável. – Revirei os olhos – Sabe, com você longe. Não sei se deu pra entender... Seu raciocínio é tão lento quanto sua fala?
- , , ... – Repetiu meu nome parecendo se lamentar.
- para você. – Lembrei.
- O quê? O sobrenome de novo? Já passamos dessa base. Eu já estou na décima quinta base. Perto daquela onde chego nas suas calças.
- Você nunca chegou em base nenhuma. – Comentei segurando a risada.
- Mas é claro que cheguei! Nós dormimos agarradinhos! Você abusou de mim, dessa parte anda se esquecendo, não é? Acordei com suas mãos explorando meu corpo!
- Você é...
- Eu sei! Você é uma idiota também! – Interrompeu – Mas não muda em nada o fato de que estou em alguma base. Teve toque e pele exposta. Você não pode dizer que não cheguei a lugar nenhum.
- Você nem se moveu! – Exclamei, e dessa vez houve um vestígio de diversão em minha voz – E eu toquei em você, você não tocou em mim, não é exatamente um progresso.
- Isso é um convite? Se não for, eu posso mudar esse fato a qualquer momento. – Ele riu, e sua risada era ainda mais tentadora de se admirar quando ele estava tão longe.
- Não é um convite. Eu te denunciaria por estupro se tocasse em mim.
- Não é estupro se há consentimento. – Debochou – E você consentiria no momento em que eu removesse a camisa.
- Já te vi sem camisa antes e foi um pouco desapontador.
- Você está ferindo meus sentimentos.
Afastei o telefone do rosto para rir e balançar a cabeça para mim mesma.
- Eu sinto muito.
- Eu conheço formas para que você possa compensar.
- Cala a boca...
- Na verdade, tem uma festa na Funky Buddha esse sábado. Eu sei que é coisa do ir nessas boates de gay, mas é uma oportunidade. Nós temos uma aposta. E você me magoou.
- Você chega amanhã? – Perguntei, e realmente esperava que não soasse tão feliz quanto me sentia.
- Para sua felicidade, sim. Está de pé? Posso te buscar?
- Eu posso dirigir sozinha. – Murmurei me sentindo repentinamente apreensiva com a ideia de estar no banco do passageiro de alguém.
- Mas você não sabe onde... – Ele ficou em silêncio por um momento e pareceu entender alguma coisa. – Eu vou te buscar, tudo bem? Você vai? Sim ou sim?
- Isso é tão importante para você?
- Você é tão importante para mim.
Fiquei em silêncio por um momento e sorri, e sabia que ele sentia o sorriso em minha voz do outro lado da linha da mesma forma como eu sentira o seu.
- Eu não sei o que responder.
- Quantas bases eu andei com essa?
- Que tipo de roupa é essa? – Andrew perguntou enquanto se escorava na porta do quarto, fazendo com que eu desviasse os olhos do espelho para encará-lo. Tinha uma sobrancelha erguida em deboche.
- É um short de cintura alta. – Falei com seriedade, já sentindo meu tom se tornar em irônico conforme prosseguia – Jeans. Acho que são 2% de poliéster? Eu posso olhar a etiqueta.
- Você parece uma garota. – Andrew constatou com uma cara de nojo. Eu ri baixinho e pacientemente fechei o rímel, me virando em sua direção. Ele encarava com atenção, talvez se perguntando o que eu iria fazer, quando levantei a blusa e puxei o sutiã junto, mostrando os seios. Esperei por alguns segundos que eu pensei ser o suficiente para sua constatação e tornei a abaixar os tecidos, vendo seu rosto ficar pálido, gradativamente tomando uma expressão horrorizada.
- Eu sou uma garota. – Murmurei divertidamente. Ele tampou o rosto com as mãos.
- ! – Gritou sem acreditar, e levou as mãos para os olhos com pressa – Meus olhos! Meus olhos! Isso queima!
Eu gargalhei um pouco e passei a mão pelos cabelos, limpando o excesso de maquiagem nos olhos com o dedo.
- Eu não precisava ter visto isso. Eu definitivamente não precisava ter visto isso. – Repetia para si mesmo, voltando a escorar na porta; os olhos ainda arregalados em choque.
- Você também não precisava ter aberto a boca para falar tanta babaquice. – Censurei, mas ele apenas riu e parou o teatro, se aproximando para encostar à pia, bem ao meu lado e de costas para o espelho.
- Estou brincando. Você realmente está bonita. – Falou meio sério. – Embora eu pudesse ter dormido sem a parte dos seios.
- Eu sei. – Rolei os olhos. – Isso se chama “esforço”. – E fiz o sinal de aspas com os dedos.
Andrew tornou a gargalhar.
- Ele vai gostar.
- Não estou fazendo isso por ele.
- Está sim.
Foi sua vez de rolar os olhos.
- Conexão sinistra de gêmeos. – Resmunguei e ele riu, segurando minha mão.
- Não precisa tanta maquiagem.
- Mas eu não passei maquiagem! Eu só passei lápis e rímel e...
- Nossa, é meio difícil acreditar que você é bonita assim naturalmente. – Falou em um tom espantado. Puxei minha mão com raiva.
- Você é ridículo. – Murmurei, voltando para dentro do quarto. Ele me seguiu.
- Não acredito que você vai usar salto. – Tornou a usar o tom espantado e me observou com os olhos meio arregalados.
- Existe uma coisa chamada limite, Andrew, e eu definitivamente não ultrapassarei o meu para impressionar ninguém. – Comentei enquanto puxava o tênis de debaixo da cama. Meu irmão soltou um gemido em exaspero, virando as costas e saindo do quarto, não sem antes me deixar ouvir que ele “queria vomitar no meu senso de moda”.
***
- Aonde é que você vai? – Meu pai perguntou quando passei pela sala, sem nem remover os olhos do notebook.
- Vou para uma festa.
- Você pediu autorização para quem?
Parei no meio do passo e fechei os olhos, respirando fundo. Tentei me controlar para não ser muito sarcástica.
- Avisei minha mãe. – Falei em um tom petulante.
- Avisou ou pediu permissão?
- Ela não protestou, não acho que tenha sido muito contra. – Ele ainda matinha os olhos no notebook. Demorou um pouco para tornar a falar.
- Eu vou trancar a porta, caso você queria chegar de madrugada. Vai ter que dormir na entrada.
- Não se preocupe, não vou dormir em casa. – Respondi com raiva, me virando completamente em direção às suas costas. Ele não olhava para mim.
- Vai dormir na casa de alguma amiga ou vai passar a noite trabalhando? – Ironizou.
- Vou passar a noite inteira fazendo sexo sadomasoquista na casa do meu namorado. – Gritei com raiva, caminhando em passos duros até a porta de entrada. A abri num rompante e olhei para o carro preto me esperando. Não era o de , o que imediatamente fez com que meu cenho se franzisse.
À medida que caminhei até a calçada a porta do motorista se abriu e um homem bem grande saiu, abrindo a porta traseira para mim. Eu ergui as sobrancelhas.
- Mandaram buscá-la. – O homem deu de ombros.
- Mandaram? – Ecoei, encarando-o e esperando por mais detalhes. Eu parei de andar.
- Eu não sei, só estou fazendo meu trabalho. – Ele parecia sem muita paciência para garotas adolescentes.
- Nesse caso eu posso pegar um táxi, não precisava ter se dado o trabalho. Ou posso dirigir. – Murmurei sem graça, já me preparando para dar meia volta. Ele suspirou.
- Você poderia, por favor, entrar no carro, senhorita? É só o meu trabalho, eu faço isso o tempo todo.
Hesitei por um momento antes de caminhar até á porta que ele mantinha aberta, franzindo os lábios.
- Faz isso o tempo todo? – Pensei em voz alta.
O homem me olhou pelo retrovisor; não me parecia nada com o cara que seguia para todos os cantos.
- Buscar amigos. Namoradas. Família. – Ele tornou a dar de ombros – Eles não podem ficar saindo á todo momento.
Assenti para ele sem dizer nada, tornando a franzir os lábios.
- Você não parece gostar muito do trabalho. – Comentei inocentemente.
- Poupo a paciência para carregar os garotos quando estiverem bêbados em cima dos paparazzi. – Respondeu com uma pitadinha de humor. Eu sorri.
- Sim, eles já são bastante insuportáveis sem estarem bêbados e precisando de apoio físico em frente à imprensa. – Brinquei, fazendo com que ele sorrisse fracamente e ficasse calado pelo resto do percurso.
A porta da Funky Buddah estava simplesmente abarrotada de paparazzi, mas nenhum deles pareceu estar esperando por mim. Mantinham as câmeras penduradas no pescoço como se esperassem pela chegada ou saída de pessoas realmente relevantes, e quando desci do carro só dois ou três se preocuparam em tirar fotos de mim, embora não tenham conseguido muitas - meus passos apressados em direção á porta de entrada, antes que eles sequer pudessem realmente ter a reação adequada. Realmente não pareciam interessados em mim, o que me ofendeu. Mas me lembrei de quem certamente estava lá dentro e bati em mim mesma mentalmente.
Uma garota com os cabelos cacheados e volumosos se aproximou de mim, parecendo a namorada de algum dos garotos, mas eu não conseguia me lembrar de quem, e se ofereceu para pegar meu casaco e estender uma comanda. Eu mordi o lábio inferior e lhe entreguei o casaco, tentando encontrar as palavras ou o código secreto para dizer.
- Eu... Hm... Eu estou com o . – Falei com vergonha, sentindo meu rosto esquentar – Quero dizer, vim encontrar ele. – Finalizei revirando os olhos para mim mesma e enfiando as mãos nos bolsos frontais do short. O seu sorriso se fechou e ela franziu as sobrancelhas.
- Você espera um momento? Eu só preciso verificar uma coisa. – E sorriu sem mostrar os dentes. Assenti mas ela já estava de costas para mim, e eu já me arrependia de ter vindo.
Um momento depois ela voltou para mim com um sorriso e alguém em seu encalço, que reconheci ser Nick Grimshaw e também tinha um sorriso. Meu rosto tornou a esquentar e eu não sabia se deveria rir ou qualquer coisa.
- Oi! Você deveria ter dito que estava comigo! – Ele exclamou e me puxou pelo braço, me arrastando para o que era a parte principal da boate. Era escuro e tinha muitas luzes coloridas e muitas pessoas e definitivamente muitas bebidas. A estrutura era moderna, diferente de qualquer coisa em Brighton.
- Meu informante não era muito competente, não explicou sobre nenhum “protocolo”. – Debochei fazendo o sinal de aspas com as mãos.
Grimshaw riu.
- Ele não é muito competente em muitas coisas.
Alguns segundos, muitas pessoas esbarrando em nós e chamando o nome de Nick depois, ele subiu um pequeno degrau e nos direcionou para uma mesa que parecia estar na área VIP, embora a área VIP fosse só um degrau acima do nível normal do chão e fosse bem próxima do bar.
- Essa é a . – Ele me apresentou – E eu não vou dizer o nome de todos. Se apresentem. – Revirou os olhos e me largou ali, voltando para se sentar perto de . Meus olhos não foram diretamente á ele; passaram por uma garota de cabelos alaranjados, Pixie Geldof sentada ao lado da cabelereira da banda e Cara Delevingne em seguida. Tinha três caras lá que eu não me lembrava de ter visto alguma vez, então , que bebia alguma coisa em um tom laranja em degrade, me olhando maliciosamente e com um sorrisinho maquiavélico, e bem ao seu lado, . Acenei para os outros e me posicionei entre Grimmy e Cara, pegando uma bebida da bandeja que uma garota carregava.
- Você não pode beber! – gritou por cima da música, tentando me ver enquanto Nick falava com sua namorada. Ele bufou e trocou de lugar com o amigo.
- Posso sim! – Revirei os olhos, mas sabia que ele estava certo; só me sentia terrivelmente nervosa sem nada em mãos. – Onde está a Lissa?
Ele deu de ombros.
- Deve estar chegando. – Falou e pausou por um momento, encarando meu copo – Você não tem dezessete?
- Sim, não que seja da sua conta. – Falei sem educação alguma. Ele mordeu os lábios e tornou a sorrir como se soubesse de um segredo meu e estivéssemos no meio de uma piada interna – O que foi? Pode parar de me olhar assim.
- Nada, só um pensamento retórico. – E fingiu – muito mal – indiferença.
- Que pensamento retórico?
- Temos uma aposta.
Eu o encarei com a boca meio aberta, erguendo as sobrancelhas. Absorvi a informação por um momento e franzi o cenho.
- Eu não estou bêbada o suficiente. – Desconversei, mas me olhou desconfiado e se virou para entrar no meio da conversa do seu lado. Eu suspirei e já me arrependi de ter vindo, quando dois dos caras e Lou saíram para a pista de dança. Me ocorreu que um deles devesse ser seu marido, e a outra garota com o cabelo platinado era sua irmã. Sam – lembrei a mim mesma.
- É verdade? – gritou ao meu lado e voltei minha atenção a ela, que me encarava com um sorriso.
- O quê? – Perguntei idiotamente, uma vez que estava claro que esperava uma resposta de mim. Ela tornou a gritar, mas eu não entendi nada.
- Que você e o têm uma aposta! – Nick berrou e eu senti meu rosto esquentar em tempo recorde. parecia muito satisfeito consigo mesmo.
- Você já fofocou? – Perguntei com raiva, socando seu braço.
Ele riu e os outros dois também, o que só foi possível de se ouvir porque a música foi abaixada.
- Preciso de suporte para encontrar alguém para você e suas loucuras! – tornou a rir e segurou meu braço. Olhei para esperando ver qualquer indício de ciúmes, mas ela continuava com a mesma expressão sorridente como se não houvesse nada demais naquilo. Bem, para mim, tinha.
- Suporte para quê? – Cara Delevingne perguntou ao meu lado, olhando atentamente para com um sorriso. Geldof também se inclinou.
- Eu e a temos uma aposta! – explicou, fazendo uma pausa para rir – Ela tem que beijar uma garota. Bem saudável. – Concluiu com mais um sorriso de quem estava muito satisfeito consigo mesmo.
- Para! – Gritei, tampando sua boca – Deixa de ser idiota!
Ele se libertou e segurou meus pulsos, gargalhando alto junto aos outros.
- Você quem disse!
- Não disse não!
- “Para resolver seus problemas de confiança!” – Debochou, me imitando com uma voz fanha e tornando a rir.
- Não precisa espalhar pra todos os seus amigos!
- Ai, você quem tá sendo idiota!
- É embaraçoso! – Falei com raiva e tentei puxar meus braços, mas ele não soltava.
- Não é nada! – Ele não ia parar de rir tão cedo. Olhou para um ponto acima dos meus ombros e só então voltou a focar em mim – Não esquece que se você não beijar, tem que fazer o que eu quiser.
- E você tem que fazer o que eu quiser se beijar! – Rebati e ele apenas sorriu.
- Nossa, vem cá. – Alguém falou ás minhas costas e puxou meu rosto. A próxima coisa de que tive noção era de que alguém me beijava, e imediatamente soltou meus pulsos. No mesmo instante eu soube que era uma garota devido à delicadeza com que os dedos tocaram meu cabelo e traçaram um caminho suave até minha nuca. Eu afastei minhas mãos de e toquei-a também, colocando uma mão na curva entre seu pescoço e seu ombro e a outra em suas costas, dando completa atenção ao beijo e me deixando alheia ás outras pessoas assistindo. Sua língua se moveu contra a minha segundos depois e puxei seu lábio inferior com os dentes, puxando a raiz de seus cabelos perto da nuca, e mal percebendo o silêncio que se instalou ou as risadinhas nervosas. Ela levou a mão até o meu rosto e a outra subiu do meu quadril até minha cintura, perto de onde começava meu sutiã, e apertou ali. Eu fechei os olhos com mais força e desci as mãos até a lateral de seu corpo, sentindo os pelos de seu braço arrepiados quanto ela me tocava. Aquilo era quente. Era muito quente, eu podia me sentir suando se continuássemos, e também era satisfatório por diversos motivos: eu podia ver arregalando os olhos com as mãos de sua amiga em meus seios, e era difícil decidir se o que me agradava era seu toque ou a incredulidade de . Mas a forma como sua língua se enrolava á minha e seus dedos não se decidiam entre me tocar por cima da blusa e puxar levemente meu cabelo me faziam querer que ela não se separasse. Outros lábios se juntaram aos nossos, mas eu não abri os olhos.
's P.O.V
Observei estender os dedos para apertar a cintura de Pixie sem demonstrar qualquer sinal de desconforto e eu me movi desconfortavelmente. Nick me cutucou e ergueu as sobrancelhas, mas eu só conseguia olhar para a cena com uma expressão pasma no rosto.
- Elas estão se beijando! – Exclamei para , que me deu um sorriso e ergueu as sobrancelhas como se disse “sim, estão sim, meu amor” e arregalou os olhos para as duas ás minhas costas. Me virei para ver Ben entrando no meio do beijo, o que definitivamente me deixou sem reação. se separou de Pixie e o beijou por alguns segundos, antes de se virar para a garota. Elas retomaram na mesma intensidade, e não sei por quanto tempo observamos até que estivesse em seu colo, o que chamou a atenção de algumas pessoas do outro lado da fita. Ela se separou de Pixie e respirou profundamente, voltando a se sentar ao meu lado, me dando um olhar de “pronto, satisfeito?”. E sorriu abertamente.
Deixei minha boca cair e pensei em carros para controlar a excitação e a raiva por não ter entrado no meio, mas pensar em carros não me ajudou muito com a parte da excitação, então simplesmente fechei os olhos com força e me lembrei de que estava bem ao meu lado. Gemi de forma frustrada e me virei para ela já em tom de suplicada.
- Me desculpe. – Murmurei, sabendo que ela entenderia.
- Ah, não se preocupe, meu amor, até eu fiquei excitada. – Falou erguendo as mãos para o ar e rindo abertamente. Eu sorri para ela.
- Nós podemos resolver esse problema.
me lançou um olhar de censura com um sorrisinho, mas não disse nada, o que eu tomei como um “sim, nós faremos sexo mais tarde”. Me voltei para mais uma vez mas ela não estava lá, saía da área privada de mãos dadas com Cara e Pixie, e seu copo estava vazio á minha frente. Franzi as sobrancelhas.
- Ela bebeu? – Perguntei retoricamente para Grimmy. Ele assentiu com um sorrisinho impressionado.
- Vou buscar mais um. – gritou sobre a música e indicou os copos á nossa frente, caminhando até o bar. Acompanhei-a com o olhar, e quando desapareceu, tentei achar no meio da multidão.
- Foi a melhor aposta que você já fez na vida. – Nick gritou em meu ouvido.
- Eu sei. – Sorri.
- E o que vai ser a recompensa? – Me olhou maliciosamente, o que me fez revirar os olhos e procurar com o olhar mais uma vez antes de finalmente respondê-lo.
- Não sei ainda. Ela não pediu por nenhum prêmio específico, mas definitivamente será algo que me envergonhe. – Comentei com uma risada. Ele falou mais algumas coisas, mas não prestei atenção, aceitei o copo que me ofereceu alguns minutos depois, mas não bebi de verdade, abaixando-o até a mesa quando vi de relance na pista de dança. Ela sumiu mais uma vez e eu suspirei irritado, me acomodando melhor na poltrona.
- Vamos dançar? – chamou, estendendo a mão para mim.
Encarei-a com descrença.
- Você sabe que eu não danço. – Acusei.
- Nem um pouquinho? Só hoje?
- Você quer passar vergonha? Consigo encontrar jeitos mais fáceis. – Provoquei. Ela riu e se abaixou para me beijar antes de sumir no meio dos corpos também.
Nick me passou outro copo e eu olhei para o que ainda estava cheio sobre a mesa, colocando o outro ao seu lado.
- Você precisa disfarçar melhor. – Comentou no meu ouvido.
- O quê?
- Você não parou de vigiar ela por um minuto. Nos quarenta que se passaram.
Fiz um gesto para ele calar a boca quando vi correndo até nós, um sorriso animado nos lábios. Ela estava suada. E ofegante. E as cenas que vieram na minha cabeça só teriam sido agradáveis se fossem comigo.
- Onde você estava? – Exigi. Ela pegou um dos meus copos que estava na mesa e começou a beber, me olhando por cima do vidro.
- Dançando. – Fez uma pausa e tomou o outro copo de vodka também – E conhecendo pessoas.
- O quanto você bebeu? – Perguntei irritado, embora estivesse feliz que ela não parecesse nervosa como era de costume.
riu e me olhou como se não acreditasse na pergunta. Pousou uma mão no meu joelho antes de começar a falar.
- Você sabia que te dão bebidas de graça aqui? Se te veem com uma supermodelo. Ou se você abre um botão na blusa. – Seu hálito bateu contra a minha pele e eu franzi as sobrancelhas. – Assim.
Seus dedos desceram até o tecido que já era meio transparente e ela abriu um botão, aumentando o decote e mostrando um pedaço do sutiã preto. Olhei para lá por um momento e tive que buscar todo o meu esforço para desviar os olhos segundos depois.
- É melhor você manter esse botãozinho fechado. – Falei com pressa, abotoando para ela e me sentindo a melhor pessoa do mundo. Ela riu e se ergueu da poltrona, abrindo os braços e jogando a cabeça para trás.
- Está quente aqui. – Gritou para se fazer ouvir sobre a música e riu. – Eu queria tirar a porra da blusa, mas o Senhor Proteção não me deixa nem abrir um mísero botão.
- Eu não acho que seja permitido. – Comentei, já começando a sentir medo que ela realmente fizesse o que estava pensando e tentando não engasgar com suas palavras.
- Então você desabotoa para mim? – Perguntou em um tom de voz mais baixo e se aproximou, colocando-se entre minhas pernas e levando minhas mãos até os botões.
Olhei para onde meus dedos estavam e senti meus lábios se abrindo. Engoli em seco e tentei me focar no que estava acontecendo e não em como uma parte dos seus seios estava sob minhas mãos.
- O álcool faz maravilhas com você, senhorita . – Sussurrei, sem realmente conseguir fechar a boca e inspirei profundamente – Mas podemos apenas enrolar um pouco suas mangas, assim, está vendo? – Tentei desesperadamente, puxando a manga direita e começando a enrolá-la – Deve te refrescar.
riu mais uma vez e se ajoelhou entre minhas pernas, bem ali, à minha frente, erguendo a cabeça para me encarar. Apoiou as mãos em minhas coxas e seu rosto tomou um semblante pensativo.
- Sabe o que me refrescaria, ? – Perguntou retoricamente, olhando bem em meus olhos – Uma vodka bem gelada.
Eu suspirei, encarando sua posição e me imaginando fazendo as coisas mais profanas do mundo com ela, então soltei um suspiro mais pesado e ergui as mãos para chamar a garçonete. Ela segurou meu braço, inclinando-se sobre mim, fazendo com que seus seios roçassem em minha perna.
- Não. – Falou e sorriu abertamente – Eu quero que você me dê na boca.
- . – Sussurrei e abaixei o braço porque não consegui fazer mais nada. Encarei seus olhos com o desejo em cada célula do meu corpo e reprimi a tentação de levar a mão até os seus cabelos. Estiquei os dedos até o copo de vodka na mesa.
- Não, senhor . – Ela murmurou quando viu o que eu estava fazendo – Eu quero que me dê com a sua boca.
Senti minha boca se abrir de vez e apenas a encarei, ali, ajoelhada á minha frente de uma forma tão provocante e dizendo coisas tão sujas, sem saber o que fazer. Tentei cobrir a calça com as mãos, o que só atraiu seu olhar. Encarou o que eu tampava por um momento e deu um sorriso parecendo estar satisfeita consigo mesma, então se ergueu e gargalhou de verdade. Observei-a sem reação.
- Ah, . – Se lamentou – Você não pensou que eu realmente queria você, não é? – Debochou com um sorriso enviesado e bagunçou meu cabelo antes de voltar para a pista de dança, levando um copo de vodka consigo.
Minha boca permaneceu aberta e minha libido sumiu junto com seus cabelos no meio da multidão.
- Cara – Grimmy começou ao meu lado – Se ela estivesse ajoelhada na minha frente daquele jeito, com aquele olhar... – Comentou com uma gargalhada e balançou a cabeça para si mesmo. Ignorei seu comentário e continuei encarando o lugar em que ela estava segundos atrás, sem acreditar.
- Ela é boa, não é, meu amor? – riu ao meu lado, mas também a ignorei. Pisquei atônito, e franzi as sobrancelhas.
- Filha da puta. – Falei baixinho.
***
- Cadê a ? – Nick perguntou já no saguão de entrada, olhando ao redor e desviando a atenção do celular por um momento.
- Não sei, ela disse que ia ao banheiro. E cadê a ?
- Você a vigiou a noite inteira e conseguiu perder de vista na hora de ir embora? – Debochou, mas o ignorei porque apareceu na porta, trazendo uma apoiada em seu ombro. Ela sorriu e ergueu a garrafa de vodka para mim, os olhos meio fechados.
- Você bebeu essa garrafa inteira? – Perguntei chocado, tomando-a dos braços da minha namorada e arregalando os olhos.
- Ah, vamos lá, , não seja um adolescente careta! – Ela riu e cambaleou, fazendo com que eu apertasse meus braços com mais força ao seu redor.
- Ela estava sentada na pia do banheiro com isso. – falou parecendo estar impressionada – Acho melhor você levar ela para casa...
- Minha mãe não pode me ver assim. – sussurrou, parecendo preocupada de repente – , ela não pode me ver assim.
- Ela não vai...
- Você não tá entendendo, ela não pode me ver assim, ... – E puxou a gola da minha camisa com força.
- Ela não vai te ver assim. – Garanti-a, tentando tirar aquele semblante de seu rosto. se apoiou em mim e inspirou com força, entregando a garrafa de vodka para Grimmy.
- Você guarda para mim? – Perguntou bem séria.
Nick sorriu.
- Claro, meu amor. – Assegurou-a e depositou a garrafa em um canto no chão o mais rápido possível.
- ... – Comecei, me virando em sua direção e tentando encontrar uma forma de falar que eu levaria para minha casa, mas ela também poderia ir.
- Não se preocupe. – Murmurou com um sorrisinho e ergueu as mãos – Fica para a próxima.
- Tem certeza? Se você não for a pode aproveitar a oportunidade, e eu não negaria no estado em que estou...
- , nem bêbada ela quer você. – debochou fazendo com que eu franzisse as sobrancelhas. Eu só queria passar um tempo de qualidade com ela, talvez quatro ou cinco vezes seguidas, se eu tivesse energia.
- Eu não teria tanta certeza. – Resmunguei baixinho, mas não tirou um sorriso do rosto.
- ... – Um dos seguranças me chamou, abrindo a porta da boate e deixando que os vários flashes entrassem – Ela vai com você? – Perguntou indicando com a mão e eu assenti – Acho melhor passarem primeiro. Depois a Senhorita e Nick podem sair...
- Consigo ver as manchetes amanhã. – Nick suspirou às minhas costas.
- droga garota e a leva para casa, sua namorada saindo com a senhorita Grimshaw da mesma boate segundos depois. Um possível término? – Debochei, fazendo com que Nick tentasse me acertar um chute, mas não alcançou. Voltei correndo para beijar e retornei para a porta sobre olhares irritados. Os seguranças abriram os braços ao nosso redor e tampou o rosto com a mão, enfiando a cabeça no meu ombro. Franzi as sobrancelhas e tentei andar rápido, agradecendo o cara que abriu a porta do carro para nós.
- Você quer que eu dirija?
- Eu não bebi. – Respondi de prontidão, me sentando ao volante e ajudando com o cinto, e senti meu rosto esquentar. O cara não sabia que eu não havia bebido para poder manter um olho na garota ao meu lado, mas mesmo assim me envergonhei. Ele me deu um sorriso sem graça. – Tive que tirar a noite para ser babá. – Finalizei, encarando com o cenho franzido. Ela sorriu e eu decidi que me abster de álcool para poder olhá-la não era algo com que eu me importasse muito.
- Você não pode fazer barulho algum, entendeu? – Falei para em um sussurro. Ela arregalou os olhos para mim e levou o indicador aos lábios, fazendo um “shhh” e assentindo solenemente.
Passei os braços por sua cintura e a ajudei a descer do carro, colocando seu braço em meus ombros e caminhando em direção à casa.
- Por que estamos calados? – Sussurrou em meu ouvido.
- Porque meus vizinhos são chatos.
- Pensei que seus vizinhos fossem os meninos da banda.
- Não estamos no complexo. – Murmurei, sem graça.
Ela franziu as sobrancelhas e me lançou um olhar bêbado.
- Onde estamos?
- Na minha casa.
- Na roça?
Parei de andar por um momento e fechei a cara para ela.
- Olha só, minha cidade não fica na roça, é uma vila e... – Interrompi a mim mesma quando ela começou a rir, parecendo muito confusa. E bêbada. Muito bêbada. – Não, estamos em East End. É só uma propriedade.
soluçou e tornou a franzir as sobrancelhas.
- Propriedade? Quantas casas você tem?
Ignorei a pergunta e peguei a chave atrás do vaso de plantas, tentando abrir a porta com ela pendurada a mim.
Levei-a para dentro e coloquei as coisas na mesinha de vidro do hall de entrada.
- Esse lugar é enorme.
- Vamos subir? – Mudei de assunto, ajudando-a a caminhar mais uma vez – Acho que tenho algumas roupas aqui.
- Já podemos falar alto? – Ela perguntou, ainda sussurrando.
- Sim. – Respondi em um cochicho também, rindo em seguida. Ela me olhou com cara feia.
- Você me trouxe para cá para abusar de mim. – Afirmou bem séria e cruzou os braços.
- O quê? Você tá... – Interrompi minha própria frase constatando que, sim, ela estava louca, e perguntar aquilo seria mais do que idiota – Eu te trouxe para cá porque você pode fazer o que quiser aqui. Não precisa se preocupar em acordar o ou um dos meninos.
- Qualquer coisa? – Perguntou, a careta se desmanchando em um sorriso divertido. Ela me olhou dos pés a cabeça e silenciosamente rezei para que não houvesse mais provocações essa noite.
- Sim. Qualquer coisa. – Falei com um gesto aleatório, sorrindo solenemente.
- Ótimo. – Murmurou e tornou a me analisar como se estivesse tentando pensar em alguma coisa, então sorriu abertamente – Vamos brincar de pega-pega. Está com você. – Falou abruptamente e correu escada acima.
- O quê? ! Você vai vomitar! – Gritei, mas foi um gesto completamente inútil porque ela nem sequer olhou para trás.
Soltei um suspiro e revirei os olhos para mim mesmo, começando a correr para procurá-la. Nada no banheiro, no escritório, na biblioteca, ou nos três quartos que olhei. Parei no meio da passada e fui em direção ao meu quarto, abrindo a porta para vê-la rindo, um porta retrato em mãos.
Ela me olhou sem parar de gargalhar.
- Você era tão bonitinho! – Falou alto, as lágrimas começando a encher seus olhos – Olha isso! – E indicou a foto onde eu abraçava minha irmã em meus três ou quatro anos – É uma pena que cresceu!
Sorri e caminhei em sua direção tirando o porta retrato de suas mãos. Ela se levantou para pegar, exclamando um “Ei!” e cambaleando para cima de mim. Segurei seu corpo com força.
- Você está bem?
- Eu estou meio tonta.
- Você quer vomitar?
- Eu acho que sim.
A ajudei a ir até o banheiro a suíte e derrubei as escovas de dente do copo de vidro, enchendo-o de água. O pousei sobre a pia e me sentei na banheira, segurando seus cabelos quando ela se ajoelhou e colocou a cabeça no vaso rapidamente, vomitando com o corpo tensionado. Ela parou para respirar por alguns segundos e tornou a vomitar.
- Você comeu alguma coisa?
Negou com a cabeça.
- Tem certeza?
Tornou a negar. Eu suspirei.
Ela vomitou mais três vezes e seu corpo despencou no chão, embora sua cabeça ainda estivesse dentro do vaso. Ela tinha curtos intervalos de tempo para respirar antes de ser obrigada a colocar tudo para fora. Estendi a outra mão em direção ao copo de água e a ofereci.
- Você quer? – Ela empurrou-o com uma mão trêmula e um gemido frustrado, vomitando mais uma vez. Tornei a suspirar.
vomitou uma última vez antes de dar as costas para o vaso e se apoiar nele, limpando a boca com uma expressão de nojo. Respirou profundamente, sem abrir os olhos.
- Você não pode dormir. – Sussurrei e estendi o copo de água mais uma vez. Ela o pegou e lavou a boca, cuspindo no vaso e esticando o braço para dar descarga. Soltou um suspiro pesado.
- Você deve ter nojo de mim. – Murmurou e riu sem humor algum, tentando ajeitar os cabelos, mas deixando para lá segundos depois. A olhei como se fosse a constatação mais ridícula do mundo.
- Eu nunca vou ter nojo de você. – Sussurrei e estiquei o braço para secar sua boca com a mão. Ela entreabriu os lábios para que eu passasse o dedo e me encarou nos olhos, parecendo muito surpresa e triste. – Acho que precisamos de um banho. – Mudei de assunto.
Ela franziu as sobrancelhas e tentou se erguer, mas tropeçou nos próprios pés e caiu contra o sanitário mais uma vez.
- Nós? – Indagou quando a ajudei a levantar.
- Não vou deixar você entrar na banheira sozinha, você precisa de uma chuveirada.
- Não vou ficar nua na sua frente.
- Não precisa. – Comentei, colocando as mãos nas laterais de sua blusa.
- Você não vai abusar de mim. – Falou com raiva. Encarei seus olhos por alguns segundos antes de revirar os meus e puxei o tecido com força, deixando-a de sutiã. Ela não protestou, apenas soltou um bocejo cansado e abaixou a tampa do vaso para se sentar. Desci as mãos e comecei a desamarrar seus cadarços.
- Nunca vou ver você usando um vestido. – Comentei com um sorriso e ela riu pelo nariz, escorando a cabeça na parede como se doesse.
- Quem sabe um dia, quando você for especial o suficiente.
Removi o último par de meias e ergui os dedos para o fecho de seu short, sentindo-os tremer. Seus olhos estavam fechados, então ela não poderia ver a expressão em meu rosto ou como minhas mãos tremiam quando desabotoei. Ergueu a coluna quando puxei os jeans de seu corpo e permaneceu sentada naquela posição desconfortável, apenas de lingerie – que para minha surpresa, combinavam.
- Planejava levar alguém para a cama hoje? – Perguntei em um tom quase irritado e ela abriu os olhos meio desfocados.
- Do que é que você tá falando?
- Pensei que mulheres só usassem lingerie da mesma cor quando querem que alguém as tire.
Ela revirou os olhos e eu sabia que me chamava de idiota mentalmente.
- Vem. – Mudei de assunto – Vamos ver se uma água gelada tira esse álcool do seu cérebro. Depois eu te faço um café...
- Mas água gelada engravida! – Se lamentou, relutando quando tentei levantá-la.
- ! – Exclamei em exaspero e ela riu. Muito.
Deixou que eu a colocasse dentro da banheira e olhou para o chuveiro com uma expressão intrigada, só voltando a prestar atenção em mim quando me preparava para remover minha camisa.
- Você não vai tirar suas roupas. – Falou, esticando o braço para mim rapidamente, o que só fez com que ela caísse dentro da banheira no uso excessivo de movimentos. Me precipitei achando que ela tivesse se machucado mas começou a rir. Segurei meu próprio riso e a olhei num tom desaprovador. – Já temos pele exposta demais aqui.
Sim, eu tinha plena consciência disso. Tinha plena consciência de horas atrás ela estava ajoelhada no meio das minhas pernas me dizendo coisas sujas e agora estava apenas de roupas íntimas, prestes a ficar molhada. Mas eu tentava me controlar para ser um cara legal, porque ela estava muito mais do que bêbada, na verdade parecia completamente chapada, e eu não queria que ela passasse mal na manhã seguinte ou se arrependesse de algo.
- Tudo bem. Como você quiser. – Murmurei e removi o sapato, tirando as meias e colocando-as dentro dele. Entrei na banheira e fiquei de frente para ela, esticando o braço para ligar o chuveiro. A água gelada caiu sobre sua cabeça, respigando em mim e enchendo a banheira, que começava a molhar meus jeans. gemeu e começou a tremer sobre a água gelada, se abraçando.
- É tão frio. – Reclamou, puxando meu braço. Deixei que ela envolvesse meu corpo e afundasse a cabeça no meu peito, ainda tremendo, o que fez com que só me apertasse. Olhei para o topo de seus cabelos sem saber o que dizer e estiquei o braço para pegar o shampoo, jogando um pouco em seus fios em seguida. A camisa preta grudou em meu corpo.
- Feche os olhos, você não vai querer espuma neles. – Instrui, começando a massagear o produto e criar a substância branca. Ela obedeceu e franziu o nariz, cooperando quando a empurrei para enxaguar.
- Você é bom nisso. – Murmurou manhosamente e seus dedos buscaram o pano encharcado em meu peito, me apertando mais uma vez. Sorri para ela.
- Sou bom em muitas coisas. – Murmurei misteriosamente e puxei a bucha vegetal, esfregando-a por seus ombros.
- Você pode me dar banho mais vezes. – Falou com uma voz relaxada e os olhos fechados, os lábios curvados em um sorriso que não mostrava seus dentes, mas parecia feliz.
- Ah, eu adoraria dar banho em você mais vezes, senhorita . – Murmurei solenemente e ela esticou os braços para que os esfregasse também. Quando terminei de lavar seus pés e me ergui da banheira, ela me encarou com uma expressão estranha. Passou os braços por minha cintura e ergueu-se na ponta dos pés para beijar meu pescoço, se apertando contra mim. Retribui o abraço.
- Posso saber o que foi isso? – Perguntei baixinho e beijei o topo de sua cabeça.
- Eu gosto muito de você. – Sussurrou em um tom pesado e acariciou minhas costas – Desculpa se alguma vez o tratei tão mal que fez com que pensasse o contrário.
- No começo eu realmente acreditava que você não gostava de mim. Mas agora é só charme. – Eu ri, e mais uma vez ela se esticou para beijar a pele do meu pescoço. – Agora vamos passar um creme nesse cabelo para não ficar pior do que já é?
***
me encarava sentada na ilha da cozinha, as mãos cruzadas sobre o mármore e a expressão atenta, usava uma camisa branca minha sem nada demais e uma calça de moletom que ficara exageradamente grande, os cabelos molhados caíam por seus ombros e a franja quase tampava seus olhos, e embora tudo devesse me fazer pensar o contrário, eu achava que ela estava adorável.
- Não sabia que você sabia fazer café. – Murmurou quando a estendi a xícara. Pegou da minha mão e bebericou um pouco, fazendo uma careta – Embora eu ache que realmente não sabe, porque isso tá horrível. Você não quer um pouco?
Fiz uma careta também.
- Não bebo café sem açúcar. Ainda mais forte como está esse aí.
- Eu gosto de café assim. Sabe o que eu gosto de fazer tão forte quanto gosto do café? De trans...
- Nem começa. – Avisei, apontando-lhe o indicador, o que fez com que revirasse os olhos e suspirasse. Deus, o álcool realmente fazia maravilhas com ela.
- Por que eu tenho que beber essa merda? – Perguntou, e olhou para o café com nojo.
- Porque você não quer ficar com uma ressaca daquelas.
- Por que você não tem que beber?
- Porque eu não estou bêbado. – Acusei e ela me olhou e revirou os olhos exageradamente, tornando a beber do café e fazer careta.
- Quantas horas? – Me perguntou e eu olhei para o relógio em cima da geladeira.
- Cinco da manhã.
- Eu estou com sono.
- Quer dormir em qual quarto?
- Eu quero dormir com você.
Inclinei a cabeça para o lado, analisando suas palavras. Não parecia haver qualquer outro sentido além do ato de dormir nelas ou em seu rosto.
- Tudo bem. Você quer mais alguma coisa?
- Eu preciso tomar um remédio. – Falou de repente, parecendo confusa – Acho que está no bolso da minha roupa... Você pega? Eu posso ir arrumando a cama.
- Você consegue subir as escadas?
- Depois dessa xícara horrível de café? Eu acho que sim.
Reprimi o sorriso que ameaçava surgir em meu rosto e caminhei até a geladeira, pegando um copo de água. Entreguei-o nas mãos de e fui até o banheiro revirar suas roupas, encontrando a cartela de comprimidos no bolso traseiro do short. Instintivamente olhei a parte de trás da embalagem, procurando pelo nome do produto. Franzi as sobrancelhas ao ler o nome “Efexor” e uma tarja preta com um aviso do ministério da saúde embaixo, me perguntando o que diabos fazia com um remédio de tarja preta no bolso. Retirei um comprimido da embalagem e a guardei no bolso de trás dos meus jeans, fazendo uma anotação mental para procurar saber daquilo mais tarde.
assistiu enquanto eu me deitava na cama e jogava as cobertas por cima do corpo, os olhos não deixando meu rosto nem por um momento conforme ela desfazia o coque em sua cabeça. Caminhou lentamente até onde eu estava e se deitou debaixo das cobertas, o corpo afastado do meu.
- É a segunda vez. – Sussurrei.
- O quê?
- Que dormimos juntos.
- Não se sinta tão especial. – Falou amargamente e deitou de costas, encarando o teto, ainda sem tocar em mim.
Eu sorri e fiquei em silêncio. Na verdade era sim especial, dormir com alguém somente no ato de dormir, principalmente quando não havia a possibilidade disso acontecer muitas vezes, mas eu não diria isso para ela.
- É especial ter você por perto. – Murmurei com meias palavras, encarando seu rosto. Ela manteve o olhar no teto, mas seu cenho se franziu.
- Você me diz essas coisas e eu não sei o que te responder. – Falou com sinceridade, arregalando os olhos em frustração. Soltou um suspiro pesado.
- Você não precisa me responder.
Ela sorriu fracamente e estendeu a mão para tocar meu peito, movendo o polegar em círculos por alguns segundos antes de afastar a mão mais uma vez.
- Eu queria conseguir te dizer muitas coisas, mas não sei o que você pode pensar. – Falou baixinho, tão baixo que me perguntei se ela realmente queria que eu ouvisse – Eu não sei por que você me escolheu, porque eu sou essa louca com essa personalidade fodida e um milhão de problemas e você é essa pessoa maravilhosa, mas, por favor, nunca vire às costas para mim.
Franzi as sobrancelhas com suas palavras, querendo que ela olhasse em meus olhos ao invés do teto e me aproximei um pouco, passando a mão por seu braço e enlaçando meus dedos ao seu pulso. Ela fechou os olhos por alguns segundos.
- Não fale tanta besteira. – Repreendi, revirando os olhos, mas ela teimava em não olhar para mim.
- Eu não queria tratar você assim, ou qualquer pessoa, mas eu tenho medo de deixar as pessoas se aproximarem ou de ser aberta com elas. – Murmurou com a expressão impassível, encarando o teto, e meu estômago se remexeu em expectativa – Várias coisas aconteceram comigo e eu tenho medo que elas se repitam, porque como consequência eu perdi alguém muito importante para mim.
Sua voz tremeu e eu sabia em que assunto estava entrando. Ela ia falar do ex-namorado, e uma parte de mim me disse que eu não estava pronto para ouvir aquilo, mas de qualquer forma eu não conseguiria impedi-la de falar; somente naquela noite eu descobrira mais coisas á seu respeito do que em todos os meses que passamos juntos e embora minha curiosidade fosse reprimida por uma sensação de que aquilo era uma parte de sua história, que eu descobriria coisas que não gostaria quando ela falasse e que eu não estava preparado para lidar com esse tipo de situação, eu queria ouvir. Queria que ela pudesse se abrir. Que compartilhasse qualquer pedaço de dor comigo. Eu queria retirar qualquer peso que fosse de seus ombros, então engoli o receio em seco e escutei com atenção quando ela começou a contar.
- O que aconteceu? – Incentivei.
- Nós discutimos. – Falou com um sorriso amargurado – Bem antes de ele morrer. Você vê , em Brighton meu pai era um dos caras com o maior poder aquisitivo da cidade. Seu escritório tinha filas de estagiários na porta todos os dias, e que peso não teria no currículo o nome da Enterprises? Meu pai era provavelmente o maior acionista de lá, e eu sabia disso, sabia do interesse que as pessoas teriam na assim que ela abrisse a porra da boca para falar o sobrenome.
Ela fez uma pausa e parecia extremamente irritada, fechando os olhos com força.
- Com o Josh não foi diferente. Eu fui tão burra. – Se lamentou e socou a cama.
- ...
- Eu o amei de verdade. – Sussurrou; a expressão transformando-se de repente – E eu gosto de acreditar que ele sentiu o mesmo por mim. É fácil de acreditar, pensando que ficamos juntos por dois anos. Ele era praticamente parte de mim, é difícil imaginar uma pessoa sem a outra quando elas faziam tudo juntas, não é? E nosso relacionamento já era natural, sem segredos, sem qualquer coisa. E um dia eu pensei, que brilhante ideia, por que meu pai gostava tanto dele? E por que ele fazia tanta questão de seguir os parâmetros do meu pai, independente da minha vontade? E ficou óbvio demais. Ele queria estudar economia, e que melhor forma de garantir seu estágio com o maior acionista da cidade se não namorando a filha dele?
Ela falou em um tom natural, um pouco irritado, e foi mais triste do que se ela tivesse chorado o tempo todo. Acho que é o pior tipo de tristeza, aquela em que você morde os lábios e olha pra cima, depois sorri, meio que “está vendo, eu não estou triste, eu estou feliz!” porque é vergonhoso se sentir assim, querendo chorar tanto que tem vergonha que alguém possa ver. Ter que mascarar esse tipo de tristeza desoladora. É o tipo de tristeza realmente triste, e vê-la passando por isso me fez pensar que eu queria que ela chorasse.
- E ele morreu. Quando eu disse que se ele queria ter um relacionamento comigo para chegar até o meu pai, ele podia tentar se relacionar com o meu pai mesmo. Em um minuto eu fiz um simples comentário, e no outro estávamos gritando. Ele não conseguia acreditar que eu estava acusando-o de uma coisa daquelas e eu não conseguia mais acreditar no que ele sentia por mim. Nós estávamos gritando um com o outro e ele se distraiu, e não viu o sinal fechado no cruzamento. E ele morreu. – Ela tornou a rir – E eu nunca vou saber o que era verdade.
O quarto ficou em silêncio e sua respiração se intensificou. Eu queria me aproximar e virar seu rosto, e queria tocar qualquer parte de seu corpo para garantir que ela estava ali, e não com a mente presa naquele dia, mas eu não consegui fazer nada.
- Você não pode saber. Não fique pensando se ele te amou de verdade. Você não pode saber. – Gaguejei, encarando seu rosto que matinha o olhar vidrado no teto.
- Tanto tempo se passou que eu não consigo nem me lembrar de como era a voz dele. Ele não tem sido algo real e sólido para mim há muito tempo, ainda sim, quando parece que esqueci tudo isso e quando sonho que escapei e eu não sinto mais nada além das memórias, eu não consigo me recuperar direito. Há muitas coisas que me lembram de que ele existiu, e com isso tudo ele me parece mais real agora do que sequer foi algum dia. – fez uma pausa e se virou para mim, me olhando nos olhos pela primeira vez nesses minutos de pura tensão, e me pareceu genuinamente confusa – Eu ainda não sei como lidar com isso.
Engoli em seco. Era mais informação do que eu esperava - não que fosse ruim. Eu estava completamente maravilhado com sua capacidade de me contar algo assim, mas não queria vê-la o fazendo com tanto pesar. Desci minhas mãos para entrelaçar nossos dedos.
- Eu sei que é difícil, mas ele se foi e você precisa abrir mão disso tudo. Não vai adiantar ficar se remoendo pelos motivos que ele ficou com você ou por qualquer dúvida que você ainda tem. Não vai ser fácil se livrar disso, e com essa sua personalidade eu sei que já tentou, mas no final vai valer a pena. – Falei com sinceridade, encarando seus olhos e vi seus lábios se franzirem com minhas palavras. Ela me olhava com intensidade – Me mata ver alguém como você tão triste. Você não merece estar.
’s P.O.V
Minha cabeça ainda rodava um pouco, embora fosse mais fácil manter o foco no que eu olhava. E eu olhava diretamente para os seus olhos naquele momento, quando ele me disse aquelas coisas. Eu realmente amo você – pensei. Não pelo que ele me disse ou como se fosse uma constatação, porque eu tinha plena consciência de que o amava, mas porque ele estava ali, vivo, olhando para mim. E o pensamento de que eu poderia estender minha mão para tocá-lo me fez pensar aleatoriamente que eu o amava pelo que ele era naquele momento, pela sua respiração que enchia o quarto. Eu realmente amo você. De verdade. – Pensei mais uma vez, e senti meu peito se fechar com aquele sentimento.
- ... – Murmurei em súplica, apertando seus dedos. Ele manteve os olhos fixos aos meus e eu reuni a coragem para falar. – Eu decidi o que eu quero da nossa aposta.
Ele ergueu as sobrancelhas e esperou, mas eu não consegui me forçar a dizer as palavras.
- O quê?
- Eu quero que você me beije.
’s P.O.V
Encarei seu rosto por alguns segundos e senti minha expressão se tornar surpresa. Ela não parecia se arrepender do que disse e esperava que eu dissesse algo, e naquele momento eu mal pude absorver todas as coisas que se passavam por minha cabeça. Mas tive certeza de queria aquilo com tanta intensidade quanto suas palavras foram sussurradas quando me inclinei para pressionar meus lábios aos seus.
pareceu se surpreender com uma aceitação tão descarada, mas seus lábios se abriram imediatamente e ela levou uma das mãos até meus cabelos. Me virei completamente em sua direção, colocando meu corpo por cima do seu e sustentando o peso sobre a pernas, que não pareciam firmes conforme sua língua se enrolava á minha e ela passava as mãos por minha pele com força. Separou o rosto do meu por alguns segundos e seus lábios já estavam inchados, mas ela estudou minhas feições com intensidade, como se nunca tivesse tido tempo suficiente para tal gesto, e olhou em meus olhos com tanta tristeza e paixão que achei difícil respirar. Logo em seguida tomou meus lábios para si mais uma vez, e seu corpo se ergueu no colchão, pressionando-se contra o meu conforme ela me beijava com a mesma intensidade que me olhava segundos atrás. Removi minha mão de sua cintura para segurar sua nuca e ela suspirou audivelmente, tocando todas as partes do meu corpo que seus dedos podiam alcançar, respirando com dificuldade. Separou os lábios dos meus para buscar qualquer vestígio de oxigênio e desceu até o meu pescoço, beijando a pele exposta e tremendo quando ergui a cabeça, oferecendo o quanto ela quisesse explorar.
- Você está tremendo. – Sussurrei, mas sua língua se moveu da minha pele para minha boca mais uma vez e ela inalou o ar com intensidade, tornando a apertar minha nuca e nossos corpos um contra o outro, a mão livre segurando meu braço com força.
- ... – Ofeguei aleatoriamente quando minhas mãos passaram pela pele fria de sua barriga em direção a seus seios, expostos, sem qualquer lingerie para impedir meu toque.
Hesitei por um segundo, apenas por um segundo, no qual sua língua se desenrolou da minha e ela fechou os olhos em súplica.
- Por favor. – Implorou em um sussurro choroso – Por favor. – E tornou a me beijar com urgência, a própria mão guiando a minha até seus seios, os mamilos se enrijecendo com o toque. Apertei seu seio com gentileza, o que fez com que ela suspirasse e se erguesse, invertendo nossas posições na cama.
Seus dedos dançaram do meu pescoço até meu rosto, indecisos, enquanto os meus acariciavam seus seios, movendo-se de lá segundos depois para abraça-la, enlaçando suas costas de forma que uma mão pudesse tocar seus fios. Sua língua ainda enrolava-se á minha com selvageria em um beijo urgente e sem fôlego, onde tínhamos de nos separar a cada segundo para buscar por ar e sussurrar palavras desconexas, nossos lábios viajando a qualquer pele exposta em alcance.
Levei meus lábios até o seu pescoço dessa vez e os desci pelos ossos de sua saboneteira, depositando beijos que mal lhe tocavam e deixando que meus dedos descessem por sua espinha nua e proeminente conforme ela curvava as costas com os arrepios, os lábios bem perto da minha orelha soltando palavras sussurradas aleatoriamente e suspiros que me faziam querer estar dentro ela e tocá-la de todas as formas possíveis.
- Eu quero que você me machuque. – Pediu ofegante, o cenho franzido e as mãos tremendo violentamente, o corpo começando a esquentar por cima do meu. – Eu quero que você me machuque. – Repetiu, e eu não pude responder por que sua boca tomava a minha mais uma vez, e embora suas mãos arranhassem meu peito com pressa e sua respiração estivesse acelerada, a forma como ela explorou cada canto da minha boca com a língua foi lento, provocante e definitivamente intenso.
Apertei seus quadris com força e ela gemeu contra minha boca, franzindo o cenho e voltando a me beijar de um jeito desesperado, esfregando as mãos contra minha pele como se ela a quisesse sentir em uma última oportunidade. Apertei suas costas, sua nuca, seus braços e suas pernas com uma força desnecessária, o que só fez com que ela se encolhesse á cima de mim e parasse de me beijar para respirar com dificuldade. Tornou a me beijar urgentemente, e manteve o ritmo por alguns segundos, mas eu senti que ela começava a chorar.
- ... – Chamei, afastando meu rosto do seu e tentando ver se ela estava bem. – . – Chamei mais uma vez, mas ela segurou meu rosto entre as mãos com força e fechou os olhos na mesma intensidade, chorando muito.
- Por favor. – Pediu, e tornou a me beijar. Soltei seus cabelos enrolados em minha mão e toquei seu braço, sentindo que ela segurava meu rosto como se fosse sua única chance de me beijar, e aquilo me assustava. Ela continuou tentando manter o ritmo do beijo conforme os soluços apareciam, mas eles ficaram tão fortes que ela foi obrigada a desistir, soltando um murmúrio de dor, deitando a cabeça em meu ombro e chorando desesperadamente, da mesma forma que a ouvi chorar no telefone.
- ... – Sussurrei seu nome pela última vez, virando-me de lado e a jogando na cama, abraçando-a apertado. Seu corpo temia contra o meu de uma forma muito intensa e ela tinha mais dificuldade para respirar agora do que quando me beijava, mas continuava a me suplicar algo que eu parecia incapaz de lhe entregar, a voz cheia de dor tornando-se inaudível quando ela conseguiu se acalmar, quase uma hora depois, quando finalmente adormeceu, segurando minha mão com força. Eu nunca vi alguém tão triste na minha vida. Nem tão linda.
Meus olhos se abriram lentamente, voltando a se fechar conforme eu me esforçava para fazer tudo entrar em foco. Meu rosto estava melado e meus olhos doíam - além do fato de eu me sentir extremamente suja.
- Bom dia. – murmurou do outro lado da cama, abrindo um sorriso.
- Ugh. – gemi – Você está feliz.
Ele ficou confuso por alguns segundos e então ergueu as sobrancelhas para mim.
- Dor de cabeça? – neguei – Mal estar?
Balancei a cabeça afirmativamente e ele sorriu ainda mais.
- Amnésia? – perguntou e seu rosto se fechou, o que me fez erguer a cabeça dos lençóis brancos. Levei as mãos até as têmporas e arregalei os olhos para mim mesma.
- Sim! O que você fez? Você me drogou! – disparei, agarrando o travesseiro e tentando acertar seu rosto preocupado com toda a força que consegui colocar nos braços.
- Bom dia, ! Não me deu trabalho algum te trazer pra cá e cuidar de você bêbada, além de me certificar que não ficasse com dor de cabeça! Não há de que pelo café e pelo banho, também! – gritou, colocando os braços na frente quando me ergui da cama para persegui-lo.
- Você deu banho em mim? – gritei desesperada, abaixando o travesseiro e o olhando com pavor – E você dormiu comigo assim? De cueca? – Finalizei em um tom meio maníaco, tornando a socá-lo com o travesseiro. tentou me segurar.
- Para, você é louca! Doente! Para, ! Para! – Tentou, me abraçando com meus braços e o travesseiro entre nós.
- Você me viu nua! – berrei horrorizada.
- Não vi não! Eu não me aproveitaria da situação! – respondeu com uma expressão ofendida e eu encarei seus olhos, perguntando para Deus porque ele não poderia ser um canalha ao invés de ter um coração tão bom.
- Mas você dormiu comigo de cueca! – Acusei em um tom envergonhado.
- Porque você ficou me abraçando o tempo todo! E não é exatamente inverno, se você não percebeu.
Fiquei em silêncio, parando de me debater e tentando me livrar de seus braços que surpreendentemente conseguiam abraçar a mim e ao travesseiro sem qualquer desconforto para ele.
- Obrigada. – murmurei sem graça e olhei para o chão – De verdade.
- Por nada. – Respondeu em um tom cortês, embora houvesse um tom de vitória imprimido em sua voz – Se eu te soltar, vai tentar me bater de novo?
Neguei com a cabeça e ele afrouxou os braços cautelosamente, dando um passo para trás com as mãos erguidas no ar.
- Você quer almoçar? Nós podemos sair, ou encomendar algo...
- Nós podemos fazer? – sugeri, olhando para meu próprio corpo e pensando que eu ficaria feliz em roubar aquele moletom.
- Só se você lavar essa cara e pentear esse cabelo, porque sinceramente, você está horrorosa...
Joguei o travesseiro em seu rosto e fechei a cara quando ele o apanhou no ar e sorriu, me empurrando em direção ao banheiro.
’s P.O.V
Encarei a porta do banheiro se fechar às costas de e caminhei até meus jeans, removendo sua cartela de comprimidos de lá e encarando o nome impresso com receio. Aquilo era invasão de privacidade. Deveria ser direito dela me contar sobre qualquer que fosse o motivo dela tomar um remédio de tarja preta, ou sequer me contar que tomava. Mas não era exatamente uma situação que eu tinha a esperança de acontecer sem qualquer álcool envolvido, então convenci a mim mesmo que era por uma boa causa e abri o notebook sobre uma mesa no canto do quarto.
Digitei o nome do remédio na parte de busca do navegador e passei os olhos por todos os resultados que surgiram, passando um dedo pelos lábios, nervoso, e abri o segundo artigo.
“Antidepressivos: o pior de todos foi revelado!
Os antidepressivos fazem parte de uma família de medicamentos que podem se comportar mal e ser perigosos quando usados sem cuidados maiores. Recentemente, pesquisadores elegeram EFEXOR (venlafaxine) como o maior vilão de todos, dentre os medicamentos desse grupo. Os usuários são mais propensos a suicídio com uso de Efexor do que com qualquer outro antidepressivo, como aponta um estudo recente publicado na importante revista British Medical Journal , em 2010.
Essa notícia não é considerada uma verdadeira surpresa para os que já se expuseram a essa droga. Efexor é considerado dos mais potentes antidepressivos e dos mais difíceis de se tolerar, sendo uma droga muitas vezes citada como quase tão viciante quanto a morfina, droga de venda exclusiva para tratamentos hospitalares, vinte vezes mais viciante que o crack. Tão forte, Efexor é geralmente recomendado para pacientes com depressão profunda, o estágio mais avançado da doença mental, assim como para pacientes com síndrome do pânico e transtorno obsessivo compulsivo. Diversos cientistas questionam a benevolência do produto, que tem efeito tão forte sobre denominada área do cérebro que pode dopar o paciente, fazendo-o parecer estar sob efeito da própria morfina. Quando consumido junto a outras drogas, como o álcool, o Efexor tem um efeito anestesiante no paciente, muitas vezes procurado em drogas letais, como a cocaína e a heroína. Pesquisadores citam que embora possa ser o remédio mais pesado entre os de tarja preta – drogas que tem a venda controlada, pois podem causar dependência química – seu uso no tratamento em pacientes que já perderam a esperança na vida e se entregaram a depressão, é na maioria das vezes bem sucedido. A questão é: o quão destruída uma pessoa pode estar para se submeter á uma droga como essa?”
Fechei o notebook com força, encarando os comprimidos à minha frente com as sobrancelhas franzidas e um aperto no estômago. Por que ela estava tomando aquilo?
Coloquei a cartela sobre a mesa e engoli em seco, removendo o telefone do bolso.
- Você está tomando um banho? – Gritei para a porta e não respondeu. Respirei profundamente, tentando clarear os pensamentos, e abri o laptop mais uma vez para pesquisar o número.
Esperei que chamasse até o quinto toque antes de uma mulher atender, e tive que pigarrear diversas vezes antes de finalmente falar.
- Boa tarde, eu gostaria de contratar seus serviços...
***
- Com quem você está falando? – perguntou aleatoriamente, saindo do banheiro parecendo devidamente arrumada, passando as mãos pelas laterais do cabelo preso em um rabo de cavalo alto.
Interrompi a conversa por um momento e voltei meu olhar para ela, tentando buscar uma resposta rápida na cabeça.
- Sim. Entendo, obrigada. Vou esperar sua ligação. – Falei com pressa, desligando o celular e tornando a clarear a garganta. – Alguém da Modest...
- Não sabe o nome? Com certeza deve estar na sua folha de pagamento. – Debochou.
Eu revirei os olhos para ela.
- Tão agradável...
- ... – chamou, capturando minha atenção com a expressão tensa que tinha no rosto – O que aconteceu ontem à noite? – Murmurou preocupada, franzindo as sobrancelhas. Me surpreendi com a pergunta tão súbita quanto sua mudança de humor.
- Você não se lembra? – Perguntei cautelosamente, pensando no beijo, e olhando de esguelha para sua cartela de remédios.
- Eu não consigo focar em nada. Eu me lembro de estar na boate, e me lembro de tentar convencer o barman de que eu era maior de dezoito de uma forma que não me orgulho. Então eu estava com Cara na pista de dança, e depois no banheiro. Então estávamos dentro do carro, e me lembro de você olhando para mim. E depois disso só me lembro de acordar com dor de cabeça e você estava mexendo no celular, então olhou para mim e disse “Ainda é cedo, meu amor, volte a dormir.” E eu não entendi muito bem, mas o fiz e...
- Se lembra exatamente do que eu disse mas não se lembra do que fizemos a madrugada inteira? – Interrompi, tentando amenizar o clima e consequentemente a tensão que eu mesmo sentia. Ela me deu um tapa no braço.
- Não faz essas brincadeiras idiotas agora! – Exclamou com raiva e me empurrou em seguida.
- Você não fez nada, tá bom? – garanti-a, segurando o riso – Me pediu para te trazer para casa, porque sua mãe não podia te ver naquele estado, e parecia muito preocupada... Então eu trouxe. E segurei seu cabelo para que você pudesse vomitar - o que foi muito lindo da minha parte. E te dei banho. Com roupas. E depois te coloquei para dormir.
- Me colocou para dormir? – repetiu ironicamente.
- Você pediu que eu te contasse alguma coisa, e comecei a te contar uma história de quando fomos para a América e um cara...
- Deve ter funcionado maravilhosamente bem, até agora parece ter o mesmo efeito! – debochou e soltou um bocejo longo. Eu franzi as sobrancelhas e passei à sua frente.
- Ótimo. Faça seu próprio almoço, vou comer fora para não te fazer desmaiar sobre sua comida.
- , volta aqui...
Me dei um sorriso satisfeito e desci as escadas.
- Tem certeza? Não está ficando com sono?
- , eu estava brincando...
- Pode se virar para ir embora também.
- Eu nem sei que lugar é esse! Aliás, que lugar é... , volta aqui agora! - berrou quando eu alcançava a porta e correu atrás de mim - , volta aqui agora e me diz onde eu estou!
- Boa sorte tentando se lembrar! – Falei com raiva e caminhei em passos duros até o carro.
- , era brincadeira, volta aqui!
- Tá incomodando meus vizinhos. – Avisei e destravei o carro, vendo-a parada na soleira da porta sem saber o que fazer, com minhas roupas e o cabelo despenteado, me olhando como se eu fosse louco.
- , entra aqui! – sua voz se esganiçou quando ela berrou e olhou ao redor, constrangida. – , você tá exagerando.
- Tenha um bom resto de dia, .
- Não me larga aqui! Se me largar aqui eu vou matar você!
- Você está realmente perturbando a paz da vizinhança. – Censurei e entrei no carro.
- Você é uma criança, volta aqui! Me desculpa!
- Você sabe onde deixar as chaves! – Gritei quando retirava o carro de frente da casa e olhei pelo retrovisor para vê-la encarando a traseira do carro com descrença, então sua expressão se fechou e ela tentou acertar o veículo com o tapete, entrando em casa e batendo a porta quando não alcançou.
***
- E você a beijou? – perguntou quando terminei de lhe contar, dando dois passos para a esquerda na coreografia e girando o microfone nas mãos.
- Sim. – Murmurei e não quis ver a expressão em seu rosto, prestando atenção nos meus passos.
Ele ficou em silêncio por um momento, assim como à minha frente, mesmo que eu tenha certeza que ele tenha escutado a conversa.
- O que você tem na cabeça? – perguntou depois de alguns segundos, a voz baixa, mas afiada como vidro – Merda?
- Se você estivesse no meu lugar, teria feito a mesma coisa. – acusei e franzi as sobrancelhas, esperando um pouco mais de compreensão.
- Não, não teria. Não sou burro, lembra? – disse com rispidez.
- Querem compartilhar a conversa com a gente? – o coreógrafo falou bem alto, parando de se mover lá na frente e fazendo com que nossos colegas de banda também parassem e nos encarassem.
- Desculpa. – murmurei sem graça e ele soltou um suspiro antes de voltar a ensinar os passos.
Fiquei em silêncio por algum tempo, acompanhando o que ele nos mandava fazer e mordendo os lábios, me segurando para não perguntar “mas eu não fiz nada errado, não foi?” e tentando me concentrar. Era uma premiação, tínhamos que fazer tudo certo, sem palhaçadas...
- Ela é muito bonita, claro que você teria feito a mesma coisa... – falei em um tom debochado, olhando a expressão de pelo espelho. Ele arregalou os olhos e se virou em minha direção como se não acreditasse que eu ainda estava insistindo naquilo.
- Eu não beijaria uma das minhas melhores amigas, muito menos ela estando bêbada e minha namorada em casa dormindo. – Falou como se aquilo encerrasse o assunto.
soltou um suspiro audível à minha frente e virou em nossa direção, uma surpresa nada educada no rosto. Ele me encarou esperando alguma explicação e eu fingi que não vi, enquanto franziu os lábios para segurar o riso.
- Não foi assim, você sabe muito bem que não! – Tornei a acusar em um sussurro, vendo meu reflexo ficar vermelho quando tentou segurar a risada também e o coreógrafo pareceu ignorar a agitação.
- Eu não sei de nada, infelizmente estava em casa e não com as mãos dentro da blusa de alguém...
- Vocês dois querem vir aqui na frente fazer o meu trabalho? – O coreógrafo se virou para nós mais uma vez e cruzou os braços, esperando por uma resposta.
- Não, sinto muito... – murmurou ao meu lado, a voz denunciando como ele estava irritado.
- Desculpa. – Tornei a falar, abaixando a cabeça enquanto revirava os olhos para o espelho.
O homem nos mandou descer a passarela e nos explicou como deveríamos girar, soltando a música no playback e observando.
- Você precisava ver como ela olhou pra mim. Eu achei que... Achei que...
- Você pensou? Definitivamente surpreendente. – me cortou, revirando os olhos.
- Parecia que ela gostava de mim. – Comentei baixinho e tropeçou à minha frente, nos fazendo perceber que escutava a conversa. Quando todos o ignoraram, me voltei para , que tinha a expressão irritada desmanchada em seriedade.
- Por que pensou isso? – perguntou hesitante, me lançando olhares rápidos e voltando a cruzar os pés. – Ela te disse alguma coisa?
- Não, foi como ela olhou pra mim...
- Como eu estou olhando agora? – debochou em sussurro ao lado de , que tornou a segurar a risada.
- Não, ela...
- Se rendeu ao desejo pela carne, meu amigo... – Me interrompeu e riu junto de .
- E você sabe como essa carne é tentadora, não é? – Falei com raiva e parei no meio da coreografia, fazendo com que a risada de se interrompesse quando ele bateu o corpo contra o meu.
O sorriso sumiu do rosto de quando ele parou de andar lateralmente para me encarar, e todos os outros ficaram em silêncio. O coreógrafo também não disse nada.
- Não estávamos falando sobre mim...
- Sim, estávamos falando da e do dia em que você a agarrou na minha cozinha. – Cortei.
- Eu não a agarrei, não foi assim que aconteceu...
- Nunca mais falou com ela também. – Acrescentei.
- Vocês não vão... – começou.
- Eu não pretendia pedir ela em namoro.
- Sim, ah, porque você já tinha uma namorada...
- Assim como você também tinha sábado à noite, mas isso não te impediu. – me lembrou em voz baixa, finalizando a discussão.
- Eu acho que a gente deveria estar ensaiando... – lembrou, e foi a deixa para que todos nós voltássemos para a passarela.
- Aquilo foi desnecessário. – comentou ao meu lado.
- Ele precisava ouvir.
- Ele precisava ouvir da , não de você. – Corrigiu.
- Ela não falaria aquilo com ele...
- Então você também não deveria. – olhou pra mim como se aquilo encerrasse a conversa.
- Ela chorou. – falei, por fim – Enquanto nos beijávamos. Ela começou a chorar e não conseguia me beijar, mas também não queria parar. Era como se ela nunca mais fosse me ver na vida e aquilo me deixou aterrorizado.
Ele absorveu as palavras por um momento, em silêncio, cruzando os pés seguidamente na coreografia.
- Entendi...
- Ela também me falou do ex-namorado, antes. – Continuei, esperando que ele visse onde eu queria chegar.
- Foi uma noite definitivamente turbulenta.
- Você não acha que ela estava pensando nele, não é? – Perguntei, por fim, e esperava que minha voz não soasse aos seus ouvidos tão chateada quanto soava aos meus.
- Não. – respondeu com sinceridade, olhando nos meus olhos – Eu acho que ela queria te beijar de verdade, e que estava pensando em você.
- O que significaria que ela também estava chorando por minha causa...
- Você quer mesmo se aprofundar nesse assunto?
- Eu quero entender o que aconteceu.
- E eu quero que vocês calem a boca! – O coreógrafo gritou lá na frente, encerrando nossa conversa de vez.
***
’s P.O.V
- Você precisa sorrir mais. – comentou, então moveu o garfo para dar ênfase ao que ele queria dizer.
- Ainda não te perdoei por me largar naquele lugar, não fale comigo. – Falei como se aquilo fosse óbvio e ele tivesse problemas mentais.
- É um jantar adorável. Tão adorável. – Lissa suspirou na ponta da gigantesca mesa em que nós estávamos sentados na sua sala de jantar. estava ao seu lado, uma expressão impassível quando alguém o encarava, sua própria namorada logo em seguida. E eu pensando que estar ali deixava as coisas constrangedoras.
Para falar a verdade, de qualquer ângulo que eu analisasse a situação, estava desfavorecida: era a primeira vez que eu ficava cara a cara com o amigo de depois de toda a cena na cozinha e ambos estávamos sóbrios, o que fez com que ele sorrisse sem graça e me desse um abraço desajeitado quando chegou e eu já estava lá. Por outro lado, estava ali em pessoa, mas tinha a namorada ao lado para me lembrar a todo momento que eu não estava em seu lugar, e sequer saberia se poderia ter estado. Uma noite feliz. Para quem quer que fosse, mas não era para mim.
- Eu já te disse que foi para te punir. – pontuou.
- Por debochar das suas histórias? – perguntei com descrença – Elas me fazem querer morrer.
- A mim também. – comentou baixinho ao lado dele, levando uma cotovelada.
- Você é tão exagerada.
- Elas são tão entediantes que eu consigo dormir de olhos abertos.
- Agora você está roubando citações de Friends.
- Eu não estou roubando se você considera uma citação...
- Por que você não supera isso? Foi há uns dois anos atrás...
- Foi há duas semanas!
- Você me irritou!
- E você me entediou até a morte!
- Eu nem estava contando alguma história na hora!
- Deve ser por isso que ainda estou aqui.
- E você continua me ofendendo.
- Você continua sendo um chato...
- Alguém quer sobremesa? – Lissa perguntou de repente, sorrindo de forma simpática. riu, descruzando as mãos que mantinha debaixo do queixo enquanto observava o namorado revirar os olhos e me responder, como se fosse rotina. O que estava se tornando.
- Eu quero ar fresco. – Falei para mim mesma e me ergui da mesa, esquecendo dos bons modos e entrando no pequeno corredor, abrindo uma grande porta de vidro que dava para a pequena varanda, cercada por um jardim abaixo de seu nível tão lindo que não parecia real.
Respirei profundamente e apoiei os cotovelos na madeira, enfiando o rosto nas mãos. Eu tinha que parar de forçar a barra. Tinha que fazer um tratamento psiquiátrico pesado se quisesse ser alguém melhor. Soltei uma risada sem humor quando minha mente fez questão de ressaltar “mas você já está fazendo, bobinha”.
- Se eu me aproximar você vai me bater? – A voz de perguntou às minhas costas e eu ouvi a risada baixa de .
- Vou sentir uma vontade muito grande, mas prometo me controlar.
Senti seu sorriso muito antes dele se aproximar e também apoiar os cotovelos na madeira, dando as costas ao jardim.
- Eu sinto muito por ter te deixado lá. Foi estúpido e infantil, e você tem toda razão em estar brava comigo.
Ergui os olhos para seu rosto e franzi as sobrancelhas.
- Que palhaçada é essa?
Ele suspirou e sorriu para mim.
- A me falou para te dizer isso.
- Se sente melhor por tê-lo feito?
- Você se sente mais calma? – Ele perguntou como se minha resposta encerrasse a questão. Esperei alguns segundos para falar.
- Não acho suas histórias entediantes. – Murmurei baixinho, tão baixo que não tive certeza se queria que ele ouvisse. Do meu outro lado, eu sabia que tinha cara de quem não sabia o que estava fazendo ali.
- Se não estivesse olhando para os seus lábios se movendo jamais acreditaria que eles chegaram a pronunciar essas palavras.
- Gosto quando você conta suas histórias. – confessei – Você é meio simples e eu quase acredito que é inocente. Você fala como se essas coisas banais fossem muito interessantes para você e eu quase consigo acreditar que, de fato, são. Então você ri meio sem graça no meio da história e passa a mão no queixo, ou passa os dedos pelos lábios, e as coisas ficam mais lentas quando eu observo você fazer isso. Aí você decide retomar a história e conta ela com as suas mãos, que estavam no seu rosto um tempinho antes, e eu tenho que me decidir entre olhar para elas ou para você. Então você ri mais uma vez e é um dos sons mais agradáveis que eu conheço, depois balança a cabeça porque não tem mais ninguém prestando atenção. Apenas eu.
Ele ficou em silêncio por um tempo. Por um longo tempo, e sequer parecia respirar.
- Você é meio apaixonada por palavras. Sou apaixonada por você.
- Você sabe que sim.
- Então você quer ser escritora?
Ergui os olhos para ele mais uma vez e sorri.
- Você fala como se fosse algo ruim.
- É um pouco solitário, não é? Viver em um mundo que você mesma criou e se esquecer deste aqui. Por que você gosta tanto disso?
Continuei encarando seus olhos em silêncio. No mundo que eu mesma criei, ele distribuía beijos pelos meus ombros e seus dedos seguiam a linha da minha coluna quase parecendo não me tocar. E ele ainda me perguntava por que eu gostava tanto disso.
- Você quer entrar para a faculdade de literatura? – perguntou, se pronunciando pela primeira vez.
- Acho que sim... Nunca pensei realmente nisso.
- Você é meio complicada. – concluiu e riu nervosamente.
- A disse que ela parecia meio complicada.
- Ela é uma mulher inteligente. – Constatei, sorrindo melancolicamente para mim mesma. Então, ele começou a falar; não, eu realmente estou feliz por você – pensei; eu sei, ela é muito bonita. Eu tenho certeza que vocês têm bastante coisa em comum. Que ótimo.
- Eu gosto muito dela. – Finalizou com um sorriso apaixonado e o olhar baixo. Eu gosto muito de você também.
Terminei de arrumar a sala e me joguei no sofá, suspirando audivelmente e tentando alcançar o celular com a ponta dos dedos. Franzi as sobrancelhas quando não o alcancei e deixei pra lá, fechando os olhos e esperando talvez, quem sabe, tirar um cochilo. Minha mãe estava no trabalho, meu pai estava no trabalho e Andrew estava provavelmente numa boate gay, eu não me importava. Quando eles voltassem, talvez eu estivesse de bom humor depois de alguns minutinhos se sono.
O som do toque do celular invadiu o ambiente e eu abri os olhos no mesmo momento, mal acreditando que só porque eu decidi ter um momento de paz, alguém resolvia me ligar. E não que aquele fosse um número conhecido.
- Olá?
- Boa tarde, com quem eu falo?
- . – respondi, corrigindo minha postura no sofá – . – Acrescentei o sobrenome com pressa.
- Senhora...
- Senhorita. – Corrigi por reflexo.
- Sim, senhorita , aqui é da delegacia West End Central e temos um detento que deseja falar com você.
- Um detento? – Exclamei em voz alta, arregalando os olhos para o nada e pensando em e , presos e usando roupas em cores coordenadas na cadeia.
- ?
- Andrew? – Gritei para o telefone.
- escuta bem... Eu não posso demorar...
- Andrew, você está preso? – Berrei chocada.
- , por favor, eu preciso que você me escute...
- VOCÊ ESTÁ PRESO?
- ! Por favor...
- O que foi que você fez dessa vez? – Indaguei autoritariamente e pensei que ele não podia entrar em boates gays ainda e ele não poderia ter sido burro o suficiente de tentar entrar com dezessete. E perguntar o que foi que ele fez dessa vez não fazia muito sentido uma vez que ele sequer saía de casa.
- Você precisa me buscar. – Sua voz era tensa, ele parecia prestes a se desmanchar em lágrimas – Nossos pais não podem saber. Você sabe o que o papai faria e nossa mãe... Eles não podem saber.
- Andrew, você está bem? – Perguntei, amansando a voz – Eu vou te buscar.
- E você precisa pagar a fiança.
- Uma fiança? – Falei surpresa e franzi as sobrancelhas em seguida – Andrew, o que você fez?
- , vem me buscar, tudo bem? São... São seiscentas libras. Ou algo assim, eu não tenho certeza. Vem rápido, tá legal?
- Eu já estou indo... – Falei com pressa, me levantando e arrumando a calça jeans no corpo, correndo para calçar o tênis com uma mão enquanto segurava o celular com a outra. – Já estou indo.
- Não conte para o papai... – Ele murmurou e eu poderia jurar que o ouvi soluçar antes da ligação ficar muda.
Parei no meio do corredor, o celular em uma mão e os tênis desamarrados nos pés, chocada, e levei uma mão até a boca, deixando-a ali por alguns segundos antes de passá-la pelos cabelos. Respirei profundamente antes de me apressar até meu quarto, revirando a mochila e procurando pela pequena carteira. Contei todo o dinheiro que tinha lá dentro: setenta libras. Não era o suficiente para pagar a fiança, sequer para pagar o táxi! Suspirei mais uma vez e esfreguei as mãos na testa, olhando para o celular e olhando para a janela do quarto, e para o Big Ben, não muito ao longe. Não queria fazer aquilo. Minha mente até passou por Valissia, mas li em um jornal qualquer que ela estava na França, fazendo uma sessão de fotos, e também me lembrei dos comentários maldosos de como ela conseguira uma oportunidade para tentar ser modelo e fechei a cara. Suspirei, talvez pela milésima vez, e joguei a mochila no armário mais uma vez, nem notando os livros que caíram lá de dentro; corri para o andar de baixo e peguei o celular que larguei no sofá, me precipitando para a porta e pegando as chaves do carro.
Ele atendeu no quinto toque.
- Mas que surpresa agradável...
- Eu preciso de você.
- Está se declarando? Só um minuto que vou sair da sala, aqui está meio movimentado e quero ouvir tudo...
- Não, , não é hora pra gracinhas! – Censurei e entrei no carro, batendo a porta e respirando fundo diversas vezes.
- O que aconteceu?
Eu não estava no volante. Não precisava ficar paranoica porque eu não estava no volante. Não estava quando Josh morreu e nem quando Andrew se machucou, estava no banco do passageiro. Ainda sim, os pensamentos positivos não adiantaram de nada. O ar pareceu rarefeito naquele momento, e tive de me concentrar diversas vezes para não abrir a porta do carro e sair dali em pânico. Tive de me inclinar e pegar a cartela de comprimidos no porta-luvas, engolindo dois de uma vez em seco. Agarraram na garganta por um segundo, e senti o gosto deles na boca por vários minutos depois, mas por fim desceram.
- ?
- Onde você está? – Perguntei, e fechei os olhos, jogando a cabeça para trás e deitando no encosto do banco.
- Estou perto do South Park...
- Obrigada, Deus. – Agradeci – Você pode me encontrar...
- Estou no meio de uma reunião...
- É realmente importante... Eu não ligaria para você se não fosse. Mas eu não tenho para quem mais pedir e eu não posso falar com os meus pais...
- O que exatamente aconteceu, ?
- Eu preciso que você me encontre na West End Central. Eu posso ir até lá sozinha, é aqui perto e...
- Você foi presa?
- Qual parte de “eu posso ir até lá” você não entendeu? Eu preciso que você me encontre lá...
- Será que eu posso ao menos saber o que está acontecendo?
Me inclinei e bati a cabeça no volante repetida e lentamente, criando coragem para falar. E pedir.
- Meu irmão está lá... Eu não sei o que ele fez, ele não me disse. Mas ele me pediu para não contar para os nossos pais e...
- O que ele pode ter feito?
- A fiança é seiscentas libras. – Falei, por fim, e suspirei contra o volante, apertando os olhos e sentindo meu rosto esquentar.
- Ah. – exclamou surpreso por um momento e então um silêncio constrangedor se instalou – Você precisa de dinheiro.
- Eu não...
- Com esse trânsito eu te encontro lá em 25 minutos. – Falou abruptamente e finalizou a ligação.
Eu teria ficado vários minutos parada, o telefone ainda contra a orelha, encarando o nada em particular se eu não tivesse lembrado que Andrew me pediu para andar rápido, e ele não me parecesse tão tenso ao telefone. Senti os dedos tensos em torno volante e eu sabia que o remédio estava fazendo efeito; começava a me sentir mais calma.
Dei partida no carro e saí de casa, tendo de passar pelo St. James Square para pegar o caminho mais rápido. Quando parei no sinal, uma garota no carro ao lado cutucou a mãe e pegou o celular para tirar uma foto, mas estava preocupada demais para me importar. E quando enfim cheguei à West End Central, a imagem de tirando foto com um casal me acalmou brevemente.
Os dois me olharam de forma estranha e então se afastaram, dando a oportunidade de se aproximar rapidamente.
- Você está bem? – Perguntou, preocupado, e eu assenti, deixando que ele me tomasse nos braços de qualquer forma.
Passei os braços por suas costas, olhando para delegacia à minha frente assustada, a respiração começando a se estabilizar. Deslizei os dedos por seus cabelos por apenas alguns segundos antes de me afastar e o puxei pela mão lá para dentro.
A garota na recepção ergueu os olhos para mim e suas sobrancelhas se levantaram - embora eu não conseguisse deduzir o motivo, então ela olhou para e se mostrou legitimamente surpresa.
- Boa tarde. – Murmurei sem folego, apoiando as mãos no balcão.
- Sim? Em que posso ajudar?
Troquei um olhar com , que não disse nada, apenas permaneceu lá, de braços cruzados, a expressão séria.
- Meu irmão está aqui... Eu vim... – Pausei por um momento, sentindo meu rosto esquentar e erguendo os olhos para o quadro atrás dela, me sentindo envergonhada de falar aquilo com perto. Eu queria que ele se afastasse de mim – Eu vim pagar a fiança.
Ela se mostrou surpresa mais uma vez e se ergueu da cadeira, gaguejando que iria procurar o delegado e me chamaria até a sala dele. Assenti silenciosamente e me voltei para o garoto atrás de mim, encarando seu rosto, e ainda em silêncio, sustentando seu olhar. Eu queria estender a mão para que ele segurasse, e também queria apoiar a cabeça em seu peito enquanto aguardávamos, mas não tinha coragem o suficiente para fazê-lo, apesar de ter a certeza que ele aceitaria o gesto. Então apenas levei a mão até a boca e a deixei ali, até que a garota voltou e nos guiou até a sala, fechando a porta atrás de si e nos fechando lá dentro.
- Boa tarde. – O delegado, um homem que aparentava ter seus quarenta anos e um cansaço contagioso estendeu a mão para me cumprimentar, em seguida para cumprimentar , e se sentou mais uma vez. Deu uma checada nos papéis antes de se voltar para nós – Você deve ser a senhorita , eu presumo. – sorriu – E você... Não me é muito estranho. Já esteve aqui?
sorriu educadamente e até se permitiu soltar uma risada, balançando a cabeça negativamente.
- Eu sou , senhor. O... – E então ele fez uma pausa e olhou para mim, confuso, como se não soubesse que substantivo usar para completar a frase.
- Namorado dela? – O delegado sugeriu.
Nós dois rimos.
- Não...
- Do irmão? – E ergueu as sobrancelhas.
Eu teria de me segurar para não rir ainda mais se a situação não me forçasse ao contrário. tornou a negar, ainda sorrindo educadamente.
- Sou o melhor amigo.
Analisei as palavras e a forma como elas soavam para mim, então ergui os olhos para o seu rosto, mas sabia que não teria uma explicação, então me voltei para o homem atrás da mesa mais uma vez.
- Eu esperava o responsável pelo garoto atrás dessa mesa, devo confessar.
- Eles não poderiam vir. – Falei apressadamente – Viagem de negócios, fora da cidade, sabe como é...
- Sim, deve ser complicado... Bem, o garoto só precisa que paguem a fiança, senhorita , e estará liberado... Se você puder acompanhar nossa recepcionista, por favor, ela lhe explicará o procedimento.
- Sou eu quem irá pagar. – se pronunciou e se ergueu da cadeira, acenando com a cabeça e pousando a mão em meu ombro antes de acompanhar a garota para fora da sala. Não queria ter o deixado ir sozinho, porque ela era jovem e ele era atraente, e uma jovem dando em cima dele não era algo que me agradasse, apesar de eu ter de lembrar a mim mesma que estávamos em uma delegacia para buscar meu irmão e ele tinha uma namorada. Linda. E que de quem ele realmente gostava.
- Tenho que lhe pedir, senhorita , que peça seus pais para orientarem o garoto. Uma fiança para agressão e perturbação do sossego não é barata. Ele estava próximo de uma casa de repouso e temo dizer que, se não tivéssemos chegado a tempo, teríamos de leva-lo direto para o hospital...
- Ele se meteu em uma briga? – Perguntei tentando controlar a voz, e quando ele se ergueu acompanhei seu gesto.
- Sim... Ele é jovem, tem sorte que uma ocorrência assim não fique em seus registros.
- Entendi. – Murmurei e o assunto morreu ali. O homem me acompanhou até a recepção mais uma vez, e terminava de assinar alguns papéis. Chamou um dos guardas por ali e pediu para que buscassem Andrew em sua cela.
Aproveitei a deixa para me aproximar de .
- Ei... – Chamei, fazendo-o erguer o olhar das folhas de papel que acabara de entregar para a garota – Obrigada. Eu vou dar um jeito de te pagar, não posso pedir meus pais, mas tenho que arrumar um emprego, de qualquer forma. E...
- Você não precisa fazer isso. – Ele murmurou, então embolou o recibo e jogou no lixo próximo. – Eu gosto do seu irmão.
- Eu faço questão. Eu não sei como te agradecer, eu... – Interrompi minha própria frase, encarando seu rosto - e talvez pela milésima vez desde que o conhecera - querendo lhe dizer muitas coisas, mas apenas não encontrando as palavras para fazer isso.
Ele sorriu para mim e passou a mão pelo meu rosto, atraindo a atenção da garota na recepção.
- Ei, não precisa falar nada. Eles foram buscar seu irmão, vamos esperar por ele e talvez te segurar caso queira espanca-lo.
Pensei em fazer qualquer comentário sobre alguém já ter feito isso, mas não o fiz; apenas me virei na direção onde o guarda tinha desaparecido e me afastei de alguns passos, levando a mão à boca e apenas aguardando. As grades de ferro se abriram e o guarda apareceu, trazendo Andrew apoiado em seu ombro, uma mão no abdômen por baixo da blusa de estampa xadrez. Corri até ele, segurando seu rosto entre as mãos e o abraçando.
- Seu idiota. –Praguejei em seu ouvido, passando a mão por seus cabelos – Você praticamente me matou do coração.
Ele tentou me abraçar com o braço livre, mas não conseguiu fazê-lo propriamente, então apenas apoiou a mão na minha cintura.
- , você está me sufocando.
- O que fizeram com você? – Me lamentei em voz baixa, analisando seu rosto, que trazia um olho roxo, um nariz e uma boca sujos de sangue e alguns arranhados.
- Podemos falar sobre isso depois? Eu quero ir pra casa.
Eu assenti, passando a mão carinhosamente por seu rosto antes de passar seu braço por meus ombros. descruzou os braços e andou com pressa até nós, murmurando um “deixa que eu cuido disso” e ajudando Andrew a chegar lá fora.
Abri a porta do carro para que ele ajudasse meu irmão a entrar lá dentro e tentei não observar como seus músculos se tencionaram com o peso. Fechei a porta ao lado dele e me virei para encarar , ainda em silêncio.
- Você pode ir lá para casa... Eu não quero... – Gaguejei um momento depois, fechando os olhos e balançando a cabeça negativamente.
Ele sorriu para mim e tirou as chaves do próprio carro do bolso.
- Estarei logo atrás de você. – Me garantiu.
Assenti e sorri brevemente, dando a volta no carro e entrando no lado do motorista. Dei partida no veículo e, pelo retrovisor, vi fazer o mesmo, também me acompanhando quando saí da rua lateral da delegacia e peguei a avenida. Andrew estava em silêncio ao meu lado, mexendo no celular, o que logo percebi ser uma desculpa para não falar comigo.
- Não precisa fingir que tem algo interessante aí, não vou te forçar a conversar.
Ele suspirou audivelmente e guardou o celular no bolso da blusa xadrez, se arrumando no banco do carro sem dizer nada.
- Você quer passar em um hospital? Para dar uma olhada nesses machucados?
- Não, eu posso cuidar deles...
- Você mal consegue caminhar sozinho com esse ferimento na lombar. Eu posso limpar seus machucados e fazer alguns curativos, Andrew, não sou tão incapaz.
- Não foi isso que quis dizer. - Se desculpou, parecendo infeliz, então ficou em silêncio e permaneceu assim por todo o trajeto até nossa casa. Quando desci do carro vi já caminhando em nossa direção, a Range Rover estacionada a alguns metros de distancia. Abri a porta de Andrew e ele o ajudou a descer, caminhando à minha frente em direção à casa.
- Leve ele pro meu quarto, eu vou procurar a caixinha de primeiros socorros...
- Está no banheiro. – lancei-lhe um olhar questionador - Não tirei de lá depois de que... Você sabe, precisei enfaixar seu pulso.
girou o pescoço me lançando um olhar questionador, o mesmo que dei a Andrew, mas eu não tinha tempo para explicar que não sofria com qualquer coisa parecida com automutilação e nem era uma suicida em potencial, então subi as escadas à frente deles e corri para o banheiro, abrindo o armário e puxando a caixinha de lá de dentro. Quando cheguei ao quarto, Andrew estava sentado em minha cama e afastado, arrastando os dedos pelo teclado no canto do cômodo. Me ajoelhei no chão e abri a caixa.
- Vou limpar seu rosto, deve arder um pouco, mas você pode me contar o que aconteceu enquanto isso. - Falei abrindo a pequena garrafa com a água oxigenada e ignorando o olhar torturado em seu rosto.
- Um cara me viu na rua e falou umas coisas muito pouco agradáveis, eu me irritei, eu sinto muito, não vai acontecer de novo... - Desconversou, falando rápido e olhando para todos os lugares exceto meus olhos.
- Eu não sou a mamãe. - lhe lembrei, passando o algodão pelo sangue embaixo de seu nariz e olhando para seus olhos brevemente. Uma replica muito azul e exata dos meus, que parecia se acinzentar junto ao clima às vezes. - Você pode me contar o que quiser, não precisa se desculpar. Não vou punir você nem nada.
Ele suspirou e fechou os olhos, mas eu não saberia dizer se foi porque não queria me dizer a verdade ou porque passei a água oxigenada pelo ferimento em sua boca.
- Ele foi desrespeitoso. Só isso, me irritou, não consegui me segurar. Quando vi a polícia já estava lá, eu não devia ter gritado tanto.
Reprimi a vontade de perguntar se era gritar de dor.
- E o que ele disse? - Insisti.
- Não é da sua conta, , ser enxerida vai te constranger algum dia! - Se irritou, mas não afastou minha mão de seu rosto. Fiquei com vergonha por conseguir ver erguendo as sobrancelhas lá da porta do banheiro, onde estava encostado com os braços cruzados sobre o peito e uma expressão seria no rosto.
- Eu quero saber por que você levou uma surra. Se foi um motivo digno, não vou te julgar internamente. - Falei na defensiva, magoada. Andrew suspirou mais uma vez e sua expressão irritada se transformou em vergonha.
- Ele falou de você, tá legal? Agora não me enche com isso.
- O que ele falou de mim? - Exigi, parando de limpar seus machucados e me acomodando sobre minhas próprias pernas, esperando pela resposta. Andrew parecia querer sumir dali.
- Ele me chamou e disse que eu me parecia com alguém que ele já tinha visto. - Começou, então lançou um olhar para que dizia claramente que queria que ele não estivesse ali e seu rosto esquentou. Andrew suspirou, resignado, as palavras saindo como se arranhassem sua garganta - E o amigo dele disse que sabia quem era. Então ele riu e perguntou se eu era parente da... - Andrew se interrompeu mais uma vez, tornando a olhar para como se não quisesse continuar a falar na frente dele.
- Da? - Incentivei.
Andrew olhou bem em meus olhos ao falar.
- Da puta que era a amante do .
Recolhi a mão repousada em seu joelho, encarando meu irmão à minha frente sem realmente enxergá-lo. Não tive coragem de me virar e olhar para , então fiquei ali, congelada, sentindo a expressão de surpresa tomar conta do meu rosto. Andrew tomou o silêncio como uma deixa para continuar falando.
- Eu parti pra cima dele, mas não pensei que ele tinha dois amigos para me segurar. Quando a polícia chegou, ele saiu correndo e o pessoal que estava na varanda da casa de repouso disse que fui eu quem começou a briga. Então eles me prenderam e quando pediram o telefone dos meus responsáveis, eu disse que estavam viajando, mas minha irmã estava em casa. Então passei seu telefone.
Ouvi, em silêncio, e ainda evitei olhar na direção de , encarando fixamente os joelhos do meu irmão.
- Quando me viu mexendo no seu celular dentro do carro, eu não estava arrumando uma desculpa qualquer para não falar com você. Eu estava olhando na internet, e tem um artigo no The Sun, com varias fotos suas e algumas suas com o ... Aliás, como é que vocês passam tanto tempo juntos? Não importa... Falaram que você era a amante dele, e que a namorada dele - muito linda, por sinal, parabéns, cara - te odeia. Disseram que vocês duas já brigaram varias vezes, mas que ela não consegue terminar com o e muito menos ele com você ou ela, falaram que você é uma estrangeira que faz programa pra sobreviver aqui, e foi assim que o te conheceu.
Absorvi tudo e pisquei diversas vezes para clarear a mente, me voltando para pela primeira vez.
- Você sabia disso?
- Alguém comentou na reunião hoje. Oitenta por cento do que o The Sun escreve é merda, então eu não me preocupei em te contar ou... Eu não sabia o que isso poderia causar. - Confessou, olhando tristemente para mim e em seguida para Andrew como se estivesse se desculpando.
Passei as mãos pelo rosto, tentando controlar a vontade que eu tinha fé chorar, e tornei a molhar o algodão na água oxigenada, limpando um ultimo machucado em seu rosto. ,br>
- Eles seguraram você? Não te deram a oportunidade de se defender? - Perguntei e Andrew assentiu, gemendo quando tirei a blusa xadrez e a camisa branca que vestia por baixo. - Bem, agora você sabe que quando me chamarem de puta pelo menos eles têm um fundamento. - Comentei, e logo em seguida fechei os olhos e balancei a cabeça negativamente, rindo sem graça - Péssima hora para fazer piadas.
Ele riu fracamente e fechou os olhos com força quando passei os dedos pelos hematomas em seu estômago. Estendi a mão para pegar o gel para lesões e o esfreguei nas mãos.
- Bem, Andrew, fico extremamente feliz que tenha defendido minha honra, mas você tem que concordar comigo que foi muito estúpido da sua parte e se você fizer qualquer coisa parecida mais uma vez, vou ser obrigada a eu mesma te dar uma surra. - Falei, começando a massagear os hematomas - E que pela minha honra como sua irmã, não vou comentar nada com nossos pais, vou até arrumar algum lugar para você ficar...
- Ele pode ficar no complexo... Ou se ele preferir, na casa em Camden para onde levei você. - comentou de onde estava, a voz baixa. Tentei ignorar a cara que Andrew fez quando ele falou que me levou até lá - Você pode dizer para os seus pais que ele viajou comigo... Eu realmente preciso ir para a França por uma semana, de qualquer forma.
- Você vai viajar de novo? - Perguntei, e realmente esperava que não soasse tão decepcionada quanto me sentia. Ele abriu os lábios, mas não soube o que responder, então apenas assentiu e tomou a expressão seria que não era de seu costume.
Terminei de passar o gel na barriga de Andrew e me ergui, colocando a caixa em cima da cama ao seu lado.
- Obrigada. - Murmurei e me inclinei para beijar o topo de sua cabeça. Ele sorriu brevemente e acariciou meu braço.
desceu as escadas em silêncio ao meu lado.
- Você quer ficar e comer alguma coisa? - Perguntei já me encaminhando para a cozinha. Ele me puxou pelo pulso.
- Eu tenho que ir... Mas eu quero que você ande comigo até o carro.
- Não é uma caminhada muito longa. - Provoquei, tentando reprimir o sorriso.
- Quero ficar o máximo de tempo com você até que eu volte da França.
- Então fique aqui. - Murmurei, e puxei meu pulso de seu aperto. Ele pareceu analisar a situação, assim como seus olhos desceram por todo o meu corpo.
- Eu sinto muito. - Se lamentou; a expressão entristecida. Lhe lancei um sorriso triste e o acompanhei até a porta, fechando-a às minhas costas.
- Obrigada pela fiança, eu prometo que vou te pagar. E obrigado por deixar Andrew ficar na casa em Camden...
- Você podia convencê-lo a realmente viajar comigo.
Parei de caminhar, erguendo os olhos para seu rosto em busca de uma explicação.
- Você sabe... Uma semana na França, seria legal...
- Você não vai a negócios? - Perguntei por fim.
- Quero passar um tempo com a minha irmã e a minha mãe. Meu cunhado provavelmente vai e não quero que ele seja a única companhia masculina... Posso mostrar ele algumas boates e apresentá-lo a algumas francesas...
- Uma perda de tempo, Andrew não fala nem bom dia em francês. - Murmurei debochadamente.
- Ótimo, é de se esperar que ele não use a boca pra falar...
- Maior perda de tempo ainda: desconfiamos que o Andrew seja gay desde os cinco anos de idade.
riu e nós alcançamos o carro, onde ele se encostou para ficar de frente para mim.
- Tem medo do seu irmão viajar comigo?
- Eu fiz uma lista de coisas boas e ruins. E você foi o primeiro dos dois lados. - Comentei, me inclinando em sua direção para dar ênfase.
- Eu posso dar o mundo pra ele naquele lugar. Para você também.
- Eu já tenho meu próprio mundo.
- Depressivo.
- Nele você não fala, é perfeito.
fingiu estar ofendido, então tomou a expressão seria mais uma vez e voltou a me analisar, sem dizer sequer uma palavra.
- Não me olhe assim. - Censurei, balançando a cabeça.
- Como?
- Como se eu fosse a pessoa que você mais gosta nesse mundo.
- Você é uma delas.
Soltei um gemido torturado e escondi o rosto nas mãos. Ele riu, puxando minhas mãos e me puxando para si. Deixei que passasse os braços ao meu redor e afundei a cabeça em seu peito, como quisera fazer na delegacia.
- Eu tenho que ir. - Disse com pesar.
- Até semana que vem...
- Você precisa me soltar. - Comentou e riu em seguida, pois ele quem me prendia.
- Não estou te segurando. - Murmurei e apertei meus braços ao redor de sua cintura para pontuar o que dizia. riu mais uma vez, e mais uma vez deixou a conversa morrer, afunda do o rosto em meus cabelos e inspirando profundamente. Era confortável estar ali, ainda mais porque eu sabia que seria, depois de duas semanas sem vê-lo, mais uma, e eu não tive nem teria a oportunidade de abraçá-lo mais uma vez. Eu não jogaria minha dignidade no chão novamente para fazê-lo.
Os vários segundos pelos quais ele apertou meu corpo contra o seu se tornaram minutos, e começava a escurecer quando eu falei.
- Obrigada. - Sussurrei, talvez pela centésima vez naquele dia, mas não podia deixa-lo acreditar que aquela palavra resumia a gratidão que eu sentia por ele ter feito o que fez. Nem por ter oferecido sua própria casa e a casa de Camden para Andrew ficar enquanto os machucados sumiam, ou até mesmo pela viagem para a França, então apertei meus abraços ao seu redor e ergui a cabeça, ficando na ponta dos pés para beijar o ponto entre seu queixo e seu pescoço.
Ele se afastou de mim e beijou minha testa, afagando meu ombro antes de dar a volta no carro e entrar no banco do motorista. Acenei quando ele passou por mim e o acompanhei com o olhar até que virasse a esquina, tendo plena certeza que não o veria passando por lá mais uma vez por vários dias.
- ! – Minha mãe chamou do andar de baixo, talvez pela décima segunda ou décima terceira vez; eu havia parado de contar quando ela gritou pela quinta. – Você quer fazer o favor de descer aqui?
- Eu estou ocupada! – Gritei impaciente, revirando os olhos como se ela fosse obrigada a perceber isso com minha recusa de responder aos seus chamados.
- Ocupada com o quê? Desce aqui agora! – A ignorei mais uma vez e puxei a gola da blusa para mordê-la, guiando o trackpad para abaixar a página. Estava tudo devidamente preenchido. Elle , 09 de novembro de 1995, feminino, solteira, ensino médio completo, interessada em cursar... Eu não fazia ideia. Queria tentar medicina, mas tive de lembrar a mim mesma que eu nunca memorizaria diversas anatomias. Queria tentar psicologia, mas... Era psicologia, minha experiência com psicólogo algum foi boa, e me apavorava pensar que pudesse acontecer algo parecido com algum paciente. Ou pior, que algum paciente fosse igual a mim. Espantei a ideia de psicologia da cabeça. Engenharia. Publicidade. Relações Internacionais. Design. Os nomes dos cursos passaram por minha cabeça, mas me recusei a sequer cogitar algum deles, como também me recusei a sequer cogitar o único curso que eu sabia que faria – literatura.
Passei a mão pela franja, puxando-a quando passei a mão pelo resto dos cabelos e a senti voltar para minha testa quando soltei um suspiro longo e impaciente. Enfiei o rosto nas mãos e quis não ter que escolher nenhum curso em nenhuma faculdade. Queria ir trabalhar na Waterstones ou no estúdio do pai de Lissa na Abbey Road, poder viver o tempo que quisesse na livraria e depois voltar para casa em um dia nublado, os fones em meus ouvidos e a cabeça em , que me esperaria na porta de casa, encostado contra seu carro de braços cruzados e um sorriso divertido quando me visse, então ele curvaria o longo tronco para me abraçar e nós entraríamos para a casa que eu talvez pudesse chamar de minha. Até dividiria com Andrew se ele fosse legal comigo – então eu poderia ficar ali com meu laptop, meus CD’s e livros e os braços do cara que eu amava. Mas quanto mais eu pensava no assunto, mais distante essa fantasia me parecia. Eu tinha de escolher um curso porque eu tinha de fazer uma faculdade se quisesse qualquer emprego aceitável. E eu tinha de arrumar um emprego porque eu estava prestes a fazer dezoito anos. E eu tinha de censurar a mim mesma a cada vez que minha mente rodeava um terreno doloroso demais onde eu fantasiava sobre qualquer coisa envolvendo e a chance de um mundo onde ele pudesse me amar. Ou onde eu merecesse que ele o fizesse.
- Por que a demora? Eu estou te chamando! – A voz da minha mãe preencheu o quarto subitamente, fazendo com que eu me exaltasse por alguns segundos.
- Eu não ouvi, desculpa. – Menti, fechando o notebook com pressa e me erguendo da cama.
- Não ouviu? – Ela perguntou, e seu tom implicava que ela sabia muito bem que eu tinha, sim, escutado quando ela me chamou, e que ela sabia muito bem que eu tinha, sim, a ignorado todas as vezes.
- Ouvi, eu só não queria descer. – Confessei e lhe lancei um olhar cansado, parando no meio do quarto quando uma expressão facial e corporal que demonstravam claramente que eu não estava com vontade alguma de fazer mais do que nada.
- Eu te pedi para me ajudar a arrumar as flores. – Disse sugestivamente, erguendo as sobrancelhas. Franzi as minhas para ela.
- Nós fizemos isso ontem. – A lembrei, me sentindo confusa logo em seguida.
- Fizemos? – Ecoou.
- Fizemos. – Confirmei – Você fez o Andrew nos ajudar e buscar as fitas em uma loja na Piccadilly. Depois fez questão que tirássemos fotos ao lado das flores. Foi uma tortura.
Ela me encarou da porta do quarto, parecendo realmente duvidar do que eu estava dizendo. Pensei que ela fosse dizer que eu estava mentindo e fosse me obrigar a ir lá embaixo fazer mais arranjos, quando me deu as costas e seus passos sumiram no corredor. Mal tive tempo de estender a mão para o notebook quando ouvi uma batida na porta. Me virei para encarar meu pai, que olhava para o quarto como se fosse a primeira vez que o visse ali. Pigarreou nervosamente e me olhou da cabeça aos pés.
- Tem uma garota lá embaixo.
- Quem?
- Alguma coisa complicada. Depois qualquer coisa em Francês. – Falou meio confuso.
- Pode dizer para ela subir. – Falei com simplicidade e me voltei mais uma vez para o notebook.
- Não sou seu empregado. – Fez questão de lembrar e nem sequer se moveu.
- Você tem razão, eu teria ido até o Andrew e pedido para ele, mas ele está em uma viagem na França com o meu namorado. – Falei com raiva e passei por ele com pressa. Cheguei ao topo das escadas e encarei Lissa lá embaixo, sentada no sofá com a postura perfeita, os dedos longos mexendo em qualquer coisa em seu celular. Ergueu a mão para colocar os longos fios dourados atrás da orelha e olhou em minha direção, abrindo um sorriso de orelha a orelha. Como se ela não pudesse ficar mais bonita.
- Senti saudades de você. – Falei, também sorrindo e fazendo um gesto para que ela subisse. Se ergueu do sofá e caminhou até onde eu estava, me abraçando apertado por vários segundos. – Você está tão bronzeada. – Lamentei.
- Não estou bronzeada, só estou corada.
- Gosto de você branquinha. – Falei em um tom choroso, puxando-a pela mão em direção ao quarto. Ela esticou a cabeça para o fim do corredor.
- Onde está seu irmão?
- O Andrew? – Perguntei distraída, surpresa que ela se lembrasse da existência dele.
- Você tem outro?
- Não, eu... Ele está na França. – Disse, por fim. – Com o . – Acrescentei um momento depois.
Ela ergueu as sobrancelhas para mim, franzindo os lábios.
- E como você...
- Não vamos falar sobre isso. – Interrompi, me sentando de frente para ela na cama. – A que lhe devo a honra?
- Vim te buscar para sair comigo! – Exclamou feliz, abrindo mais um sorriso radiante e fingindo não querer insistir no assunto . Eu sabia que ela era muito educada para me pressionar – Senti sua falta e preciso comprar algumas coisas.
- Compras? – Sussurrei horrorizada.
- Não como nos filmes americanos. – Acrescentou rapidamente, arregalando os olhos muito azuis – É só para passar o tempo. E eu gosto de roupas.
Soltei um suspiro longo, descruzando as pernas e me preparando para ter que me erguer e trocar de roupa.
- O que eu não faço por amor...
***
Esperei Lissa tirar uma foto com uma garota de cabelos muito lisos e cruzei os braços, sorrindo fracamente. A garota me lançou alguns olhares e se afastou, parecendo muito satisfeita por ter conhecido a menina Dorgeout.
- Pareciam mais interessadas em você. – Lissa se lamentou.
- Aparentemente sou a amante do e troquei algumas bofetadas com a .
- É mesmo?
- Você fala como se não soubesse. – Revirei os olhos.
- Vi algumas coisas na internet... Mas não dei muita importância. Não sabia que as pessoas levariam a sério.
- Um rumorzinho ridículo que colocou meu irmão na cadeia. – Ironizei com desprezo, fazendo uma careta e continuando a caminhar ao seu lado pela rua enquanto os olhos muito azuis de Lissa vasculhavam as vitrines.
- Que fez o quê? – Ela parou de supetão, me puxando pelo braço e arregalando os olhos.
- Ele se meteu em uma briga por causa disso... – Desconversei, me sentindo incomodada com as pessoas que olhavam para Lissa descaradamente. – Para defender minha honra. – Exagerei.
- Isso é ridículo. – Disse com raiva, mas parecia ser mais para si mesma – Ridículo.
- Não estou chateada. De verdade...
- Ele chamou seu irmão para ir pra França e não chamou você?
- Ah, você está falando disso?
- Ora, ele levou a , não foi? Por que não acabar logo com esses rumores ridículos? – Continuou a praguejar e entrou na loja da Gucci, sendo atendida por uma mulher sorridente que nos guiou através das araras e prateleiras de vidro.
- Ele levou a ? – Perguntei um momento depois, encarando a parte de trás de sua cabeça dourada.
- Ele não te disse?
- Ele não mencionou nenhuma . – Murmurei incomodada e passei os dedos pelo pano de uma blusa branca e social, parecida com a que Lissa usava na primeira vez que a vi.
- Eu sinto muito...
Dei de ombros, ignorando seu olhar que caiu sobre mim e me inclinei sobre o balcão de perfumes, observando os vidros.
- Ei, vem aqui! - Ela censurou, me puxando pelo braço - Não adianta fingir que não está chateada.
- Não estou. - Falei com raiva.
- Está sim! - Lissa insistiu, abaixando o tom de voz quando viu os olhares das atendestes sobre nós - Mas é claro que está, . Ele chamou seu irmão e nem mencionou você?
- Ele deve ter ficado preocupado com essa história de rumores. Ele não precisa terminar o namoro mais uma vez por isso, não é? Então está tudo bem.
Ela ficou parada por um instante, absorvendo o que eu disse e me encarando com uma expressão levemente surpresa.
- Você quem sabe. - Disse, por fim - Eu não vou insistir se você diz que é assim. Não vou te dizer que ele é um idiota, também, embora ele realmente seja. - Finalizou e se virou para as araras que eu olhava segundos atrás.
- Obrigada. - Suspirei. Finalmente.
- Quando é que você vai contar que gosta dele?
Me virei para Lissa com os olhos arregalados, mal acreditando que ela iria mesmo insistir no assunto .
- Não vou contar! - Exclamei como se a possibilidade fosse ridícula.
- Mas você tem que contar. Você não pode viver com isso para sempre e não deixar que ele saiba. Ele merece saber.
- Eu não vou discutir isso com você, Lissa. Eu sei que ele não se sente assim a meu respeito, e não é justo com ele fazer isso. - Murmurei me afastando da atendestes curiosas e lhe passando um jeans claro.
- Eu gostaria de saber se fosse tão importante assim na vida de alguém. - Disse parecendo estar chateada comigo e caminhou para o provador.
Suspirei audivelmente e rolei os olhos para o teto, cansada sem nem mesmo ter andando tanto ainda. Parecia que o mundo estava nas minhas costas, o que era quase verdade e realista. Eu também gostaria de saber se alguém se sentisse assim ao meu respeito. Mas eu não poderia fazer isso com ele, colocar esse tipo de fardo nas suas costas, porque eu o conhecia e sabia como ele se sentiria se não pudesse gostar de mim também. E de forma alguma eu gostaria de vê-lo se torturando e se culpando por ter feito ou deixado que eu me apaixonasse e simplesmente não conseguir retribuir. Ele não merecia isso, por mais que ele fosse, sim, um idiota e por mais que ele tivesse, sim, me magoado quando levou meu irmão e para a França.
- Olá? - Lissa estalou os dedos, movendo a cortina dourada para que eu observasse as roupas.
- Isso é ridículo. Você fica bonita vestindo qualquer coisa.
- Não é isso que quero saber!
Revirei os olhos e suspirei talvez pela trigésima vez no dia.
- A blusa é linda e o tecido cai muito bem em você. E eu gostei bastante dos jeans também.
Ela sorriu satisfeita e voltou para dentro do provador mais uma vez.
Saímos alguns minutos depois, e a quantidade de roupas que Lissa estava levando era consideravelmente menor do que a que ela experimentara. Na verdade, só levava as roupas que eu dissera gostar.
- Você confia demais no meu gosto por moda. - Avisei e ri baixinho, acompanhando-a para dentro da... Dior. Suspirei. De novo.
- Você é simples, gosto disso.
- Ah, se você quiser consigo ser bem engenhosa também. - Comentei, fazendo com que ela risse e me abraçasse de lado.
- Daqui eu só quero um relógio. - Murmurou e beijou minha bochecha. Foi a passagem mais rápida que fizemos, pois em menos de cinco minutos Lissa escolheu o que queria e já me puxava em direção à Louboutin.
- Já pensou em frequentar um brechó? Tenho certeza que encontraria alguma coisa legal e... Por milhares de libras a menos.
Ela me lançou um olhar de "você sabe muito bem que não é pelo dinheiro" e adentrou a loja, sendo guiada até os sapatos de salto. Gemi audivelmente.
- Ela tem uma terrível aversão por sapatos de salto. Quase uma fobia. - Comentou baixinho com a garota que nos atendia e sorriu para mim.
Revirei os olhos, já me cansando do gesto, e cruzei os braços nas costas, assistindo enquanto a menina a ajudava a calçar um sapato creme, que eu tinha que admitir ser lindo, embora preferisse arrancar meus olhos com minhas próprias mãos a usar um.
- Meu Deus do céu. - Alguém suspirou às minhas costas e eu me virei de supetão.
As outras atendentes de uniforme preto e vermelho encaravam a televisão com a expressão chocada e eu demorei vários segundos para conseguir focar na tela plana pendurada na parede oposta aos sapatos, que mostrava uma cena com diversos carros de bombeiros e muita fumaça.
- Um helicóptero acaba de se chocar com um guindaste na região central de Londres. A aeronave fazia um voo fora da programação pelo bairro Tameth quando o acidente ocorreu. Vamos agora falar com nosso repórter que está no local. Boa tarde, Matthew.
- Boa tarde. - O repórter respondeu sério. - A informação que a polícia nos deu foi que a causa do acidente pode ter sido a neblina, Anne, e o piloto perdeu o controle depois da colisão. Dentro do helicóptero estavam três passageiros, e dizem que um deles é o cantor , do One Direction, embora não tenhamos confirmação do heliporto no aeroporto de Heathrow. O cantor, de dezoito anos, voltava de uma viagem da França com a família quando precisaram fazer um voo de emergência para sair do tumulto criado por fãs e fotógrafos. A polícia não tem certeza, mas há aparentemente dois mortos e diversos feridos nos arredores aqui do acidente. Anne.
A câmera cortou para a mulher mais uma vez e ela disse que assim que houvesse mais notícias, retomaria o plantão. Então a programação de um canal de entretenimento voltou para o ar.
Eu ouvi Lissa se levantar atrás de mim e ouvi a atendente perguntar a ela se ela não era amiga daquele garoto... Então Lissa ligou para alguém, mas não consegui prestar atenção no que ela estava dizendo. Ela correu para tirar o sapato e juntar sua bolsa e sacolas.
- Nós precisamos ir até lá. - Falei de repente e ela me olhou, chocada.
- E o que você acha que vamos fazer?
***
A porta do hospital estava tão cheia de fotógrafos e repórteres que quando viram Lissa foi difícil acreditar que poderiam ser tão agressivos quanto em busca de respostas, embora eu ignorasse o fato de que muitas das perguntas eram para mim. Caminhamos em direção à recepção e a mulher atrás do computador nos analisou lentamente antes de perguntar se poderia nos ajudar. E foi uma batalha muito mais difícil convencê-la que queríamos ver do que passar pela mídia lá fora; na verdade, aquele segurança que mais parecia babá dele teve que parar no meio do caminho para buscar café e dizer que nós tínhamos autorização.
- Onde está meu irmão? – Praticamente gritei com , sentindo minha garganta seca. Vi algumas partes de seu corpo cobertas por fuligem, assim como sua roupa, e diversos arranhões, mas só conseguia pensar que Andrew estava naquele helicóptero e que havia duas pessoas mortas.
- Eu sinto muito... Ele...
- Onde está meu irmão? – Eu gritei mais uma vez tentando me aproximar para socá-lo, mas impedida por Lissa, que me segurou pelo braço – Se alguma coisa aconteceu com meu irmão...
- Você quer me escutar?
- Me diz onde ele está agora, ! – Gritei mais uma vez e fez uma careta, levando a mão à cabeça.
- Ele está no quarto ao lado... Está dormindo, eu acho; se não tiver acordado com esse seu escândalo. Ele está bem. – Falou rápido, o que era raro para seu feitio, e parecia extremamente impaciente.
- O que aconteceu? Quem... Quem foi que... Sua mãe... Sua irmã... A ... Elas... Elas estão bem, não estão? – Gaguejei nervosa e passei ambas as mãos pelos cabelos.
Ele fechou os olhos com força e respirou profundamente, no mesmo momento que uma enfermeira abriu a porta em silêncio, arrastando um carrinho até onde ele estava sentado e remexendo nas coisas.
- Estão... Elas... Estão ótimas. – Gaguejou também quando a garota passou um pedaço de algodão no corte em seu supercílio. Sua voz saiu engasgada.
- Aconteceu alguma coisa? – Perguntei e dei um passo à frente. Lissa apenas murmurava “graças a Deus” e torcia as mãos.
- Olha só, , eu não preciso da sua gentileza agora. Eu preciso que você me deixe em paz e não de um desses seus ataques nervosos.
Interrompi minha passada quando estava prestes a me aproximar mais e recuei, sentindo minha boca se abrir ligeiramente e minhas bochechas esquentarem com a vergonha que senti. Lissa também pareceu surpresa e constrangida demais para dizer qualquer coisa de imediato.
- Não precisa agir assim. – Censurou alguns segundos depois e seu semblante era mais triste do que irritado.
Houve uma longa pausa e apenas a olhou com raiva, covarde demais para falar com ela daquela forma.
- Tudo bem. – Murmurei um momento depois – Eu... Eu...
- Você quer ir embora daqui? – Ele disse por fim e sua voz tremeu um pouco – Eu realmente não estou com cabeça para você.
Me afastei mais um pouco, arregalando os olhos como se ele tivesse me esbofeteado. Doeria menos se o tivesse feito.
Deixei Lissa no quarto com ele e vi Andrew ao lado de uma enfermeira, assinando qualquer coisa em uma prancheta. Ele também tinha um curativo no supercílio e alguns arranhões no braço, mas seu sorriso parecia muito bem quando ele ergueu o olhar para mim. Ergui os olhos, ainda meio confusa e estarrecida e engoli em seco as palavras que me dissera, sorrindo para o meu irmão que parecia ter envelhecido anos nas últimas semanas.
Encarei o certificado em minhas mãos e suspirei audivelmente. Depois que voltei com Andrew do hospital encontrei o notebook no mesmo lugar em que estava; o navegador ainda aberto na página da faculdade, e o campo onde eu escolhia para qual matéria prestaria a prova continuava em branco. Mas foi apenas por alguns minutos, pois fechando os olhos e tentando convencer a mim mesma de que estava tomando a decisão certa, digitei "Literatura". E o certificado em minhas mãos só queria dizer que agora eu podia, sim, ir fazer a prova. E, se passasse, literatura seria o curso que eu faria.
- Está tudo bem, meu amor? - minha mãe perguntou do banco do motorista, os olhos azuis se voltando para mim rapidamente antes de retornarem ao trânsito.
- Sim. - menti, me virando em direção à janela e encarando as pessoas lá fora.
- Sim. - ela repetiu, claramente duvidando da veracidade em minhas palavras.
- Não tenho certeza se quero cursar literatura. - falei, por fim, cruzando as mãos sobre o colo e encarando-as.
- Pensei que gostasse de escrever... - murmurou lentamente, fazendo a curva e passando em frente à delegacia onde Andrew esteve.
- Gosto, mas não sei se é algo que possa me dar estabilidade. - argumentei, falando sobre isso pela primeira vez desde que contara para o meu irmão, muito tempo atrás.
- Você não deixa de fazer o que ama porque é imprevisível.
Pensei no duplo sentido em suas palavras e lhe lancei um olhar de censura, deixando o pensamento vagar na direção de e balançando a cabeça para clarear a mente.
- Eu sei...
- Então faça o que te faz feliz. - finalizou com simplicidade, me mostrando um sorriso que não mostrava seus dentes e me olhando com seus olhos muito azuis, mais uma vez, uma réplica exata dos meus. E de Andrew.
Minha mãe desligou o carro quando adentramos a garagem, segurando a porta para que eu passasse.
Andrew estava inclinado sobre a bancada da cozinha, um copo de leite ao seu lado e a boca cheia de biscoitos. Ele sorriu para mim com a boca cheia, o que me fez olhar para quem riu à sua frente.
Lissa jogou os cabelos dourados por cima do ombro e sorriu para mim, as bochechas coradas.
- Olá, meu amor. - cumprimentou amorosamente, franzindo o nariz. – E, ah, olá senhora .
Minha mãe murmurou um "Boa tarde, Valissia" e beijou minha testa, caminhando para fazer o mesmo com Lissa e meu irmão antes de se retirar da cozinha.
- A que devo a honra? - perguntei, pegando um biscoito do prato de Andrew e enfiando na boca.
- Vim ver como seu irmão está. - respondeu olhando para Andrew mais uma vez e se voltando para mim, as sobrancelhas erguidas em inocência. Franzi as minhas, mas não comentei que ela parecia simplesmente encantada por estar com... Andrew. Nem que fosse para assisti-lo comer biscoitos. Afastei a imagem da cabeça, me lembrando de como ela suplicara para que a amasse. Nem que fosse um pouquinho.
- Estou inteiro. - meu irmão murmurou brilhantemente, limpando a boca suja de biscoito e bebendo o resto de leite em seu copo.
- Sua mãe não surtou? - Lissa me perguntou, deslizando as mãos pelo mármore e tornando a erguer as sobrancelhas.
- Quando chegamos do hospital ela parecia tê-lo assistido morrer. Demorou um tempinho para acalmá-la. Ela vasculhou cada centímetro do corpo dele procurando por machucados. - contei, dando ênfase à última frase e sorrindo.
- Constrangedor. - Andrew comentou, assentindo em sincronização comigo.
- E não tinha nenhum? Nem de... Você sabe, daquele dia?
Foi a vez de Andrew ficar com as bochechas vermelhas. Ele desviou o olhar e sorriu, sem graça.
- Não... Os hematomas sumiram bem rápidos enquanto eu estava na França.
Lhe lancei um sorriso irônico e olhei para o teto.
- Ah, a França! – suspirei debochadamente. Lissa segurou o sorriso e Andrew me lançou um olhar de censura.
- Você realmente deveria gostar dessa viagem para a França.
- Não vejo nenhuma parte que me agrade em transando com a namorada em Paris. – falei bruscamente, encarando Andrew como se ele fosse retardado. O que ele era.
- A não ser a parte que ele não transou com a namorada em Paris.
- Então ele fez com você?
Meu irmão suspirou pesadamente e me olhou como se dissesse “eu estou tentando ser legal aqui”, desistindo alguns momentos depois e passando a mão pelos cabelos.
- Ele não transou com ela porque ele terminou com ela. – esclareceu como se eu nunca tivesse dito nada. Ergui as sobrancelhas, sorrindo em expectativa.
- Suas brincadeiras não têm graça. – avisei.
- Não é brincadeira.
Me virei para Lissa como se ela fizesse parte da piadinha de mau gosto.
- É verdade isso?
Ela arregalou os olhos azuis e abriu a boca em um pequeno “O”, olhando de mim para Andrew como se ela não soubesse sair daquela situação.
- Sim... Bem, eu acho que sim.
- Você acha que sim, Lissa? – perguntei, e meu tom assustou a mim, não apenas as outras duas pessoas naquela sala. Eu não queria soar tão triste.
- Ele não tem saído muito. – falou como se sentisse culpada – Nem me ligado muito.
- Não tem ligado para você?
Ela soltou um suspiro longo.
- Ele não está muito bem, mas não quer deixar ninguém preocupado. Não gosta que as pessoas o vejam assim.
- E vocês apenas o abandonam se sentindo assim?
- ... – Andrew chamou em tom de alerta.
- O que eu posso fazer, ? Ir até a casa em Candem e arrastá-lo de lá?
- Eu vou ligar para ele. – falei decidida e me virei imediatamente para o telefone.
- Ele não vai te atender...
- E se ele estiver mal? – perguntei preocupada – E se ele estiver muito mal? E ninguém vai até lá com um ombro amigo porque ele é um garotinho mimado e idiota!
- Você não quer ir até lá como um ombro amigo. – Andrew me chamou atenção, cruzando os braços e me encarando com um olhar reprovador.
- E o que você acha que eu quero? Me aproveitar da situação? – me virei em sua direção, irritada – Você acha que eu sou esse tipo de pessoa?
- Acho que você gosta dele. – Andrew deu de ombros, parecendo magoado.
Encarei-o vasculhando meu cérebro atrás de uma ofensa ou atitude que lhe mostrasse o quanto ele estava me irritando. Balancei a cabeça negativamente e soltei um suspiro pesado.
- Você não assistiu ao comunicado que eles fizeram? – Lissa me perguntou, se erguendo e caminhando em minha direção. Pegou minha mão momentos depois.
- Eles quem?
- Os meninos da banda. – respondeu com simplicidade – Sobre o acidente.
- Não... Não vi. Teve um comunicado? – me senti extremamente idiota, me voltando para Andrew em busca de uma resposta.
- Eles precisavam explicar o que aconteceu... Ao menos o , sim. Então fizeram uma coletiva e falaram sobre o acidente. Ele estava meio abalado pelas mortes...
- Não foi culpa dele. – falei imediatamente, sentindo pena.
Embora a atitude de sobrevoar Londres fosse extremamente estúpida, a morte do piloto e do funcionário não eram culpa dele. Não nos falamos depois de toda a cena no hospital, mas eu sabia muito bem como ele se sentia quando Andrew me contou. Era um prédio alto, havia muita neblina e eles não tinham muitas alternativas, ninguém o culparia. A não ser ele mesmo. Mas meu orgulho por tudo o que ele me disse era muito maior do que minha preocupação com seu estado emocional, então não o procurei em dia nenhum, e meus planos eram de que a situação ficasse assim até que ele esfriasse a cabeça e viesse se desculpar.
- Sim, claro que não, nem mesmo as famílias o culpam...
- Foi um acidente. – Lissa concluiu com tranquilidade, fazendo carinho em minha mão.
- Eu sei que sim.
- Se você sente tanta falta de falar com ele, então deve ligar. – Andrew falou por fim, soltando um suspiro e saindo da cozinha.
- Mas eu não disse nada... – reclamei para minha melhor amiga, arregalando os olhos.
- Como se sua carinha já não dissesse o suficiente.
***
Bati a porta do táxi e acenei para o taxista, que passou boa parte do percurso me questionando sobre a vida nas revistas e como é que eu ficava tão diferente pessoalmente, além de me perguntar se os meninos da One Direction eram realmente tão bonitos e cantavam bem.
Encarei o endereço em meu celular e me voltei para a casa à minha frente, passando pelo muro baixo e pelo pequeno portão, respirando fundo antes de bater na porta. Ajeitei o casaco e a bolsa, olhando para cima e batendo o pé nervosamente no tapete de “Ah, não, você de novo?!” enquanto ouvia o barulho da movimentação dentro da casa. Os passos se aproximaram da porta e eu engoli em seco, preparando o sorriso e me perguntando por que infernos eu estava fazendo aquilo. Percebi que ela provavelmente me encarava pelo olho mágico e olhei para meus pés incessantemente batendo contra o tapete.
- ? – exclamou assim que abriu a porta, me olhando com educada surpresa. Soltei o sorriso que já planejava.
- Oi! Você se importa de conversarmos por um instante? – perguntei educadamente, encarando seus olhos claros.
- Não, claro que não, pode entrar... Espero que não se importe, acabei de chegar das gravações e não tive nem tempo de trocar de roupa...
Se ela não tivesse falado, nem repararia no vestido que usava, ou nos saltos perto da bancada na cozinha.
- Não, tudo bem...
- Quer beber alguma coisa, ? – Perguntou me olhando por cima do ombro e sorrindo. – Água? Um suco? Vinho?
- Ah! – Exclamei surpresa por ela me oferecer álcool – Não, estou bem.
- Não vou te denunciar para a polícia, se é essa sua preocupação. – constatou e riu baixinho, pegando uma taça na parte mais alta do armário e buscando por uma garrafa em seguida. Sorri-lhe espontaneamente e tornei a negar a oferta.
- Então, sobre o que quer conversar? – Perguntou, pousando a taça na bancada e a enchendo com o líquido escuro.
- Sobre você. – Falei sem rodeios, removendo a bolsa e deixando-a cair no chão. Cruzei os dedos, nervosa, e movi-os desconexamente.
ergueu as sobrancelhas, mais uma vez, educadamente surpresa. - Eu... Olha, eu sinto muito. – murmurei, suspirando e olhando em seus olhos – Eu sei que é completamente inesperado me ter aqui, na verdade nem eu sei por que estou fazendo isso, mas eu queria falar sobre o ...
A expressão no rosto de mudou sutilmente quando mencionei o nome, mas logo se recompôs. Ela também suspirou, parecendo cansada, e puxou uma das banquetas para se sentar.
- Eu não tenho mais nada a ver com ele...
- Sim, sobre isso que quero falar... , eu... Eu sinto muito que vocês terminaram. Eu não faço a menor ideia do que é que vocês passaram para ficarem juntos, tanto da primeira quanto da segunda vez, mas eu não posso deixar ficar assim.
Ela continuou a me encarar, atenta a cada palavra, realmente surpresa por tudo que escutava.
- Sei que não tenho nada a ver com isso e que eu nem deveria estar me metendo, mas é que... Ele gosta tanto de você. – Falei com sinceridade, sentindo minha voz tremer e escutando o tom dolorido que ela tomava. Pigarreei algumas vezes antes de continuar. – Você... Você não se sente assim?
Ela ergueu as sobrancelhas mais uma vez e tornou a suspirar pela primeira vez desde que a vira aparentando a idade que realmente tinha.
- Claro que sim, mas é complicado... Ele é muito novo, e mesmo que não tão novo quanto antes as pessoas continuam a falar as coisas, e ele continua se preocupando com isso e eu sei que às vezes ele sente como se devesse viver como alguém da própria idade...
- Ele vive! – Exclamei e tentei me censurar quanto ao tom apaixonado como falava – Ele é tão feliz! E você deveria saber que é provavelmente a razão disso.
suspirou em frustração, arregalando os olhos e em seguida olhando para mim aparentando estar confusa.BR>
- Por que você está fazendo isso?
Abri a boca duas vezes antes de finalmente conseguir formular qualquer coisa, encarando seus olhos.
- Porque eu quero vê-lo feliz. – Falei com simplicidade.
A expressão de se tornou impassível, seus olhos analisando cada meticuloso centímetro dos meus. Ela também abriu a boca duas vezes e tornou a fechá-la, olhando para baixo e olhando para mim mais uma vez. Parecia calcular as palavras.
- ... Eu... Eu posso te perguntar uma coisa? -
Assenti esperançosa, arrumando a coluna para ficar mais confortável, e aguardei. - Você gosta dele, não gosta? – Perguntou e observou atentamente a minha reação.
Senti minha expressão se tornar surpresa e minha boca se abrir ligeiramente.
- Eu não entendo o fundamento dessa pergunta. – Desconversei, rindo nervosamente.
balançou a cabeça, suspirando e passando as mãos pelo rosto.
- Por que você está fazendo isso se gosta dele? – exigiu, tornando a me encarar nos olhos.
- Eu quero vê-lo feliz, já te disse. – Desviei o olhar, começando a sentir meu rosto empalidecer, diferente do que geralmente acontecia.
- Isso é amor, . – O tom de se tornava carinhoso conforme ela pronunciava as palavras. Encarei seus olhos por um instante para ver que o que ela sentia era pena.
Tornei a rir nervosamente, reprimindo o sorriso triste que queria lhe lançar.
- Isso não faz sentido.
- Isso é amor de verdade. – Insistiu, erguendo a mão como se quisesse me consolar, mas deixando-a cair ao lado de seu corpo mais uma vez.
- Eu tenho que ir. – Falei de supetão, me erguendo da banqueta. Peguei a bolsa e me dirigi em direção à porta apressadamente, perguntando o que eu tinha na cabeça para estar ali.
- Não, ...
- Pensa no que eu te disse, tudo bem? Vocês se gostam tanto... – Lamentei, segurando em seu braço antes de abrir a porta e começar a caminhar, sentindo o olhar espantado de às minhas costas.
Andei em passos largos pela calçada, encarando a minha frente sem realmente enxergar alguma coisa, sentindo minhas mãos gelando com o frio. Meus pés inconscientemente me levavam para um lugar que eu conhecia muito bem, a brisa batendo contra meu rosto, mas não me importei com o clima. Não era muito longe dali.
***
Bati na porta, a sensação completamente diferente de minutos atrás. Para antagonizar ainda mais as duas situações, não houve manifestação nenhuma do outro lado da madeira, embora eu pudesse ver as luzes acesas e ouvir uma música ao fundo.
- ? – Chamei pela primeira vez, tornando a bater na porta, mas também não houve resposta.
Levei a mão à maçaneta, me surpreendendo quando ela girou com facilidade.
- ? – Repeti, adentrando a casa e mais uma vez sem qualquer resposta.
Desci os degraus do hall para a sala de estar e encarei as costas de sua cabeça, que se direcionava para a TV desligada. O computador estava ao lado, conectado ao carregador e tocando qualquer música que eu desconhecia.
- . – Falei baixo.
Sua cabeça girou lentamente e seus olhos muito vermelhos esquadrinharam meu rosto, sem demonstrar qualquer reação.
- . – Cumprimentou com um aceno leve, levando um copo com um líquido escuro até os lábios. Provavelmente uísque, se fosse considerar o quanto ele era original. Deixei a bolsa cair no chão e me aproximei em passos lentos, estendendo a mão, que ele pegou após hesitar. Ergueu-se quando o puxei e deixou o corpo bater contra o meu, suspirando.
Enlacei sua cintura e deitei a cabeça em seu peito, esperando que ele chorasse, mas não o fez. Suas mãos subiram por meus braços, em direção aos meus ombros, então ele me empurrou com força contra a parede.
- O que você está fazendo? – Perguntei assustada, colocando as mãos contra seu peito. Seus dedos subiram do meu ombro esquerdo para o meu pescoço, apertando-o. Então ele pressionou os lábios contra o meus, a força com que me enforcava me fazendo erguer os pés e me distrair do beijo que iniciava; o hálito de álcool impregnando minha boca.
O empurrei com força, passando as costas da mão pela boca.
- Você perdeu a cabeça? – Perguntei com raiva, tornando a empurrá-lo, embora sentisse o corpo mole.
- Não fale como se não fosse ser bom... – Revirou os olhos injetados de sangue.
- O quanto você bebeu? – Perguntei, olhando para o copo no chão.
- Um pouquinho. – Murmurou fazendo um gesto com os dedos e um biquinho, em seguida rindo e cambaleando levemente para o lado.
- Um pouquinho há quantos dias?
- Alguns. – Confessou solenemente.
Olhei dele para o copo mais uma vez e balancei a cabeça.
- Fica aqui, tudo bem? Vou procurar alguma coisa pra te dar na cozinha.
- De comer?
- Não... Um café... Ou veneno. – Suspirei já me direcionando ao cômodo.
Enrolei o cabelo de qualquer forma e abri a cafeteira, procurando o pó pelos armários. Removi o filtro e o coloquei sobre a bancada, tentando trocá-lo e enchê-lo, ouvindo os passos de às minhas costas.
Seus braços enlaçaram minha cintura, os dedos passando por baixo da minha blusa.
- ... – Repreendi tentando me esquivar. Sua boca murmurou qualquer coisa desconexa contra o meu pescoço antes que ele começasse a beijar o local, os dedos caminhando lentamente até meu sutiã.
- , para. – Tornei a repreender quando mordeu o lóbulo em minha orelha e voltou a beijar minha pele de uma forma que com certeza deixaria marcas. Tentei me esquivar, mas seu corpo me prendia com força contra a bancada, os dedos dentro do meu sutiã, segurando meus seios. Arregalei os olhos, tentando repreendê-lo mais uma vez, mas minha voz se tornou um sussurro sem sentido quando beijou o ponto entre meu pescoço e queixo.
Virou meu corpo com veemência, segurando minha cintura e me sentando na bancada, sem me deixar protestar, logo tratando de me beijar mais uma vez. As mãos estavam em minhas pernas, então em meus seios, depois em meus cabelos, voltando às minhas pernas e se movendo por meu corpo de uma forma que eu nunca pensei que ele fosse capaz de me tocar.
Com desejo.
- Eu não... – Tentei falar quando sua guarda baixou, mas ele logo tomou minha boca mais uma vez.
- Fica quieta. – Sussurrou um momento depois, as mãos passando para a parte interior de minhas coxas. Gemi involuntariamente quando seus dedos tocaram a parte do jeans a qual eu receava que ele o fizesse e quis que não existissem tantos pedaços de panos entre nós, puxando sua cabeça para mim e sentindo a textura de seu cabelo entre os dedos. Quando tremi com seu toque, a ficha caiu.
- Para. – Pedi em meio aos beijos, tentando afastá-lo de alguma forma – , para. – Repeti.
Ele pareceu ouvir minha voz pela primeira vez, abrindo os olhos e encarando meu rosto. Arrumei o cabelo, tentando restaurar um pouco da dignidade que ele praticamente me arrancara à força.
- Eu tenho que te fazer um café. – Murmurei frenética, saltando da bancada e arrumando a roupa no corpo – Você não pode me agarrar e se aproveitar assim...
- Eu não quero café. – Falou com simplicidade, olhando para meu corpo.
- O que você quer? – Perguntei com raiva.
- Eu quero você.
Revirei os olhos e joguei as mãos para o alto, gemendo em frustração.
- Olha... Você se vira com seu café... Eu posso dormir aqui? Não to me sentindo bem pra voltar pra casa.
Ele demorou um pouco para entender, assentindo em seguida.
- Você sabe onde é o quarto. – Murmurou, parecendo perdido.
Caminhei até o quarto de hóspedes, removendo os sapatos e me enfiando sobre a grossa camada de colchas, respirando fundo e pensando em tudo o que tinha acontecido hoje, desde minhas decisões estúpidas até o que fez comigo. Como se o pensamento o atraísse, ele bateu na porta momentos depois, chamando meu nome baixinho. Quando a abriu, me olhava com o rosto choroso, esperando que eu dissesse algo. Gesticulei para que ele se deitasse ao meu lado.
- Não quero me sentir assim. – Sussurrou um momento depois, olhando para mim.
- Quer conversar sobre o que é isso? – Perguntei com gentileza, me sentindo cansada. Ele negou com a cabeça, se aproximando para que eu o abraçasse. Quando o fiz, seus dedos pousaram em meu rosto puxando-o para si, e ele me beijou mais uma vez, com mais intensidade, mas também mais delicadeza. Não me afastei dessa vez, deixando que me beijasse se era o que queria, e correspondendo ao beijo também.
- , não... – Suspirei, me separando dele novamente quando seus dedos começaram a levantar minha blusa.
- Por favor. – Suplicou, fechando os olhos e colando a testa na minha – Por favor, .
- Eu...
- Eu preciso. Por favor...
- ...
- Só por essa noite, por favor.
Não o respondi, que era o que ele esperava, e fiquei imóvel na cama com suas palavras. Vários segundos se passaram até que ele perdesse a paciência, se erguendo apressadamente.
- Vou te levar em casa. Vamos embora...
Levou a mão até o bolso da calça, retirando a chave do carro e caminhando até a porta.
- ! – Chamei, me erguendo contra os lençóis, sem saber o que fazer.
Ele parou com a mão na maçaneta, atento ao que eu tinha a dizer. Eu tinha de me decidir rápido, mas a batalha entre o que era certo e errado dentro da minha cabeça estava árdua. Ora, pensei, como o disse uma vez, fiz uma lista do que era certo e errado e ele era a primeira coisa em ambos os lados. E eu queria. Queria tanto que sentia seus dedos em mim, sua boca na minha. E ele, como em meus sonhos mais otimistas, me queria também. E só esse pensamento me deixava feliz de uma forma que eu não conseguia completar meu raciocínio.
- Eu quero que você fique. – Disse, por fim – Eu quero que você fique pela noite.
Houve um baque surdo quando a chave caiu de sua mão e atingiu o carpete, seu corpo paralisado. Sua mão permanecia na maçaneta, mas eu podia ver sua respiração se acelerando. Meu coração batia tão rápido que eu tinha certeza de que ele podia ouvi-lo, e quando pensei que ele não iria mudar de ideia seus dedos desceram até a chave que estava na porta, girando-a.
Então ele apagou a luz.
Meu coração estava disparado conforme os passos de se aproximavam da cama, meus olhos fixos em seu rosto, que demonstrava uma expressão impassível, no entanto intensa. Os olhos verdes esquadrinharam a parte da colcha branca onde estava meu corpo e eu sabia o que ele estava imaginando, tal conhecimento fez com que eu começasse a suar frio, embora sem saber se pela antecipação ou pela forma como ele curvou os joelhos e esticou os dedos para puxar colcha. Meu corpo já estava quente, tão quente que a brisa vinda da janela entreaberta me fez estremecer, o que arrancou um sorriso torto de seus lábios.
- Não pense que é porque você está tão perto assim. – falei envergonhada, a voz saindo em um sussurro cansado. Excitado.
Dessa vez ele sorriu abertamente, engatinhando mais alguns centímetros sobre meu corpo, se abaixando para beijar a pele exposta entre minha camiseta e a calça jeans.
- Eu tenho certeza que é. – respondeu, lançando-me um olhar malicioso antes de subir um pouco mais a blusa com uma mão, a outra sustentando o peso de seu corpo. Fechei os olhos com o toque de seus lábios contra minha pele sensível mais uma vez e respirei fundo, pensando por um minuto que eu deveria ter tirado toda a roupa antes de dormir e facilitado o seu trabalho.
Subiu o tecido branco até onde estava meu sutiã e tornou a encarar meus olhos, a boca se abrindo ligeiramente quando ele paralisou. Por um momento pensei que fosse dizer alguma coisa, mas apenas me encarou, os olhos esquadrinhando meu rosto e a expressão denunciando que ele não acreditava no que estava acontecendo. Não desviei os olhos dos seus, mas me ergui contra a cabeceira e terminei de tirar a blusa por ele, cansada de apenas esperar que ele fizesse e puxando seu rosto para o meu. Ah, agora sim terminaríamos o que ele tinha começado na cozinha!
Seu corpo pesava por cima do meu, os olhos fechados em concentração conforme sua pele suava. Ambas as mãos de dedos longos seguravam minha cintura, o lábio rosado repuxado sob seus dentes. Soltei qualquer palavra desconexa por entre os lábios, tentando manter os olhos bem abertos para gravar toda e qualquer expressão que passasse por seu rosto. Também queria que ele abrisse os olhos e olhasse para mim, que suas mãos me apertassem mais forte e que seu corpo se encaixasse ao meu, ainda mais profundamente.
estendeu uma das mãos, os dedos removendo os cabelos que se pregavam em minha testa. Sorriu levemente, inclinando o tronco para depositar os lábios nos meus, ainda se movendo lentamente contra mim.
- Hmmmm... – murmurou perto do meu ouvido, os lábios traçando um caminho sinuoso em meu pescoço, quando abracei sua cintura com as pernas.
- Não... – tentei, mas sua mão soltou minha cintura e viajou até minha boca, me silenciando.
- Deus, eu adoro isso. – sussurrou bem baixo, a voz falhando um pouco até que ele terminasse sua sentença.
Levei ambas as mãos até a cabeceira da cama, segurando a madeira com força e esticando o pescoço, lhe oferecendo a pele exposta. tornou a rir e esticou o tronco para continuar a me beijar. Eu saberia que haveria marcas ali amanhã, mas a única coisa que eu tinha plena consciência no momento era que ele estava dentro de mim e sussurrando meu nome, e Deus, eu imaginei aquilo tantas vezes...
- Eu te quis assim esse tempo todo... – falou baixo, perto da minha orelha, então passou os lábios pelo meu lóbulo e me penetrou com mais força. Minha boca se abriu involuntariamente, assim como meus olhos. Ofeguei, buscando por ar.
Fechei os olhos, tentando reprimir um sorriso e acariciei seus cabelos, descendo a mão até suas costas sentindo seus músculos se contraírem conforme ele se movia. Retirou seu membro de mim, descendo os beijos que distribuía por meu pescoço para minha clavícula, meus seios e minha barriga, as mãos acompanhando as curvas da minha cintura. Como ele podia passar de sussurrando coisas sujas para mim para me acariciar daquela forma? Continuou a descer os beijos, até a parte mais baixa do meu abdômen. Ergui o quadril da cama com a sensação de frio na barriga, o que lhe arrancou outro sorrisinho.
- Eu sei o que você quer... – sua voz permanecia um sussurro rouco e excitado, o que me fazia querer que ele continuasse falando até o dia amanhecer.
- Fale comigo... – ofeguei em uma súplica involuntária.
- Me diga o que você quer que eu faça...
Me contorci quando suas mãos apertaram minhas coxas, querendo socar sua cabeça. Ele estava me torturando.
- Você sabe o que eu quero. – implorei.
- Eu quero que você diga. – falou maliciosamente, ainda sorrindo.
Encarei seus olhos, as pupilas tão dilatas que quase desapareceram com o verde. Deus, ele estava gostando.
- Eu quero que você me toque.
sorriu mais uma vez, antes de colocar o rosto entre minhas pernas. O toque gelado de sua língua fez com que eu sugasse o ar audivelmente, o que fez com que tornasse a apertar minhas coxas, sem mover sua boca. Deus sabia como eu queria que ele não movesse. Fechei os olhos com força, me concentrando na forma como ele movia a língua e os lábios contra o meu lugar mais sensível e como tocava meu corpo.
Levou as mãos até onde sua boca trabalhava, substituindo sua língua por seus dedos e trazendo o corpo para depositar os lábios nos meus. Ele sorriu, suspirando.
- Nunca pensei que você fosse uma menina tão... Doce. – ofegou, antes de me beijar, segurando minha cabeça com a mão que não utilizava. Ignorando o sabor incomum em sua boca, levei ambas as mãos até seu rosto e o segurei, separando nossas bocas quando minhas pernas começaram a bambear. Fechei os olhos mais uma vez, me concentrando no que seus dedos faziam e sentindo como se cada nervo em meu corpo estivesse congelando. Quando tornei a encará-lo, tinha um sorriso nos lábios e afastava a mão de mim.
- Se você soubesse... – começou, aproximando o rosto do meu e roçando os lábios em meu nariz. - Quantas vezes eu imaginei essa expressão no seu rosto, ...
Coloquei ambas as mãos contra o seu peito e o afastei de mim, jogando-o na cama e colocando-o entre minhas pernas.
- Você está... – comecei, mas tive de parar por um momento para recuperar o fôlego – Você está irritantemente falante hoje, . – finalizei, esticando o braço para guiá-lo para dentro de mim mais uma vez.
Os minutos seguintes foram desconexos para mim, tinha consciência de poucas coisas: que ele tinha uma das mãos em meus cabelos e a outra em meu quadril, e mais do que isso, seus lábios estavam entreabertos conforme eu me movia, e seus olhos nunca se desviaram dos meus. Quando minhas pernas começaram a doer e eu não conseguia mais sustentar o peso do meu corpo, agradeci mentalmente por ele inverter nossas posições e tornar a ficar por cima.
Tornei a passar a mão por suas costas e de uma maneira doentia e completamente fora de contexto, quis chorar. Não acreditava que ele estivesse ali, comigo. E que ele estivesse gostando.
E quis me socar por ter um pensamento tão garota-de-colegial-apaixonada, mas eu já sentira prazer antes. Meu Deus, eu amava Josh, mas com ele não fora essa adrenalina emocional.
prendeu a respiração mais uma vez e acordei de meus devaneios, beijando a pele de sua clavícula, tão próxima do meu rosto.
- Eu te amo. – sussurrou e eu paralisei por um momento, perdendo noção do seu corpo contra o meu e do que estava acontecendo. – . – ofegou, apertando meu pescoço com força e fechando os olhos quando atingiu seu clímax. - Eu te amo, . – repetiu, se abaixando para me beijar e caindo ao meu lado na cama em seguida.
***
Terminei de amarrar meu tênis e me virei para encarar dormindo. O corpo já não estava mais suado, a expressão era tranquila, sua boca estava entreaberta e o braço esticado no lugar que eu ocupava na cama. Suspirei, enfiando o rosto nas mãos e tentando não chorar bem ali. Puxei a franja para cima e respirei profundamente algumas vezes antes de descer para o andar de baixo e pegar minhas coisas na sala. Excelente, . Dorme com o cara e sai no meio da noite, que tipo de pessoa você está se tornando?
Quando fechei a porta da casa o vento frio bateu contra minhas costas, me fazendo suspirar mais uma vez para clarear a mente. Continuei de costas para a rua, no frio, e senti as lágrimas começarem a escorrer. Bati o pé algumas vezes contra o chão e levei as mãos trêmulas até o rosto, tentando me acalmar, ou eu sabia o que ia acontecer.
Respirei fundo, limpando as lágrimas e fingindo que nada tinha acontecido, começando a caminhar em direção à minha casa. Tudo o que eu conseguia pensar era em como ele falava como se me quisesse em seus braços o tempo todo, como seus olhos esquadrinhavam meu corpo e meu rosto, como se ele não acreditasse que eu de fato estava ali, e quando ele atingiu o máximo de seu prazer, deixou transparecer que em sua cabeça aquilo acontecia com a mulher que ele amava. Deus, e eu pensando que ele estava dizendo que amava a mim. Como você é idiota, . Como você é estúpida. Como se em qualquer mundo, justo alguém como ele, fosse amar você. Como se em qualquer mundo, justo alguém como ele, fosse merecer o fardo que é te carregar nos braços. Balancei a cabeça, atravessando a rua, correndo quando o sinal estava vermelho para pedestres, fazendo com que a buzina do carro em alta velocidade ressoasse em meus ouvidos por vários metros depois, e me trouxesse a memória outra buzina: da noite que Josh se foi. Menina estúpida. Quando aceitei me deitar com ele eu sabia que iria doer, e doía. Mas doía da mesma forma que a luz muito forte machuca seus olhos. Mas eu precisava ver.
- Você está bem? – um homem que passava apressado por mim me perguntou, parando sua semicorrida para segurar meu braço. Olhei para seu rosto e ele me lembrava terrivelmente o sem teto que conversara meses atrás, depois do nosso almoço. Arregalei os olhos, balançando a cabeça e tentando seguir meu caminho.
- Você tem olhos bonitos demais para estarem tristes assim. – gritou quando continuei a caminhar apressadamente pela rua.
Avistei a entrada da minha casa há alguns metros de distância e corri até lá, pensando que, mesmo onde eu era tão infeliz, naquele momento, fosse haver algum conforto. Quando fechei a porta com cuidado atrás de mim, vi que as luzes estavam apagadas e não se ouvia qualquer ruído, então caminhei até o banheiro, abrindo a torneira e deixando que a banheira enchesse. Quando havia alguns minutos que estava lá dentro, tentando me limpar, Andrew apareceu na porta, esfregando os olhos e parecendo confuso. Não liguei de estar nua na frente na dele, sentia que se desviasse minha atenção do que estava sentindo, ia ter mais um ataque de pânico, e vinha fugindo deles por tanto tempo...
- ? – Andrew chamou com a voz cansada – Eu ouvi você chorar... O que aconteceu? – perguntou, aproximando-se de mim.
Balancei a cabeça negativamente, sem ter a mínima ideia de como responder, e continuei a chorar, esfregando os braços.
- ... – chamou mais uma vez e segurou meu braço, olhando para o meu pescoço. – Ah, .
- Eu preciso terminar meu banho. – chorei, lançando-lhe um olhar torturado – Meu Deus, eu me sinto tão suja...
Meu irmão ficou calado, parecendo estar completamente acordado naquele momento. Levou minhas mãos até os lábios e depositou um beijo ali, acariciando-a depois e esfregando minhas costas quando coloquei a cabeça entre os joelhos e comecei a chorar, fazendo dos meus soluços e o barulho da água as únicas coisas audíveis no banheiro.
- Seu corpo nu só deveria pertencer àqueles que se apaixonam pela sua alma nua. – sussurrou, colocando uma mexa do meu cabelo para trás, erguendo-me da banheira para cuidar de mim. Mais uma vez.
Os três pares de olhos se ergueram para me encarar quando entrei na sala de jantar, cada um me mostrando uma emoção diferente. Andrew parecia legitimamente surpreso por me ver, minha mãe estava terrivelmente feliz e a expressão nos orbes do meu pai demonstrava a mesma que sua voz, quando ele resolveu falar:
- Ah, a que devemos a honra da sua companhia? – perguntou ironicamente. Abri a boca ligeiramente, pensando em alguma resposta engraçadinha para lhe dar, mas o ignorei e me sentei do lado do meu irmão e encarei o jantar na mesa.
- Você pode me dar um prato? – perguntei para minha mãe, que tratou de esconder a surpresa e caminhou para a cozinha, trazendo um prato e talheres para mim.
- Bom ver você depois de apenas vislumbres. – Andrew comentou baixinho e mastigou um pedaço de brócolis – O que comeu por um mês inteiro?
- Starbucks. – respondi e queria não soar como a filha riquinha que ia ao Starbucks todos os dias, mas era o que eu havia me tornado.
No último mês evitei qualquer possível contato com meu irmão. E principalmente com , que eu carinhosamente apelidara de “defunto”. No dia seguinte ao que foi provavelmente a segunda pior noite da minha vida, meu telefone não parou de vibrar e eu sabia muito bem quem era. Depois de muito insistir, ele desistiu de me alcançar por aquele número, então resolveu ligar para minha mãe. Mas eu sempre tinha uma desculpa para não poder atender assim que ouvia o telefone. Logo, depois de ser ignorado por uma semana inteira, ele desistiu. E três semanas depois, como a internet era a última coisa que eu gostava de fazer para me entreter – o que tornava impossível ter quaisquer notícias dele - o declarei como morto, e transformei seu nome em tabu. Então o chamava de defunto, embora para falar comigo mesma, porque não falava com ninguém. Lissa estava viajando a trabalho, o que fez com que não tentasse falar comigo de qualquer forma, ou apenas estivesse ocupada demais. Assim como , qualquer um dos seus outros amigos também foram ignorados; como meu irmão e o resto da minha família, que só me via quando eu passava apressada pela sala de estar, para ir até a Waterstone ou para a Starbucks comer com o dinheiro que me restou. Mas nos planos de me isolar, eu não tinha considerado que uma hora ficaria sem dinheiro, e que uma hora teria que descer para comer com todos, incluindo meu irmão, que sabia muito bem o que eu tinha feito e quem eu sequer conseguia encarar nos olhos. Deus, eu era patética.
- Então, seu dinheiro acabou. – meu pai concluiu, erguendo uma sobrancelha para mim e fazendo com que minha mãe soltasse um suspiro ao me servir um pouco de comida.
- Não é tão incrível quanto parece, eu preferir sua companhia a morrer de fome. – falei atrevidamente e encarei seus olhos cinzentos, tão diferentes dos da minha mãe. – Embora seja um belo impasse. - ele se ergueu da cadeira abruptamente e Andrew arregalou os olhos, mas sequer se moveu. Minha mãe paralisou e meu pai caminhou até o meu lado, me erguendo pelo braço e me arrastando até a sala. Eu sabia o que ele ia fazer, e olhei para o marco de passagem, esperando que minha mãe aparecesse ou que Andrew se intrometesse, mas nenhum dos dois o fez.
- Acho que passou da hora de corrigir essa sua atitude arrogante e acabar com essa sua boca atrevida.
Engoli em seco e ele me jogou contra o sofá, levando as mãos para desafivelar o cinto.
- Então essa é a sua solução? – perguntei atrevidamente e encarei seu rosto. Ele ajustou os óculos e me encarou de volta.
- Vire de costas. – mandou, mas mantive minha posição.
- Vire de costas agora, ! – berrou e eu fechei os olhos, lentamente dando as costas para ele. Eu queria fugir, mas eu sequer tinha para onde ir. Não tinha qualquer emprego e não tinha como pagar a faculdade.
Ouvi passos adentrando a sala e momentos depois a voz da minha mãe saiu trêmula.
- John? O aniversário dela é em duas semanas. – ela soltou um soluço. – Ela pode querer usar um vestido decotado nas costas, alguma coisa...
- Então é melhor que ela não tenha qualquer plano para festas. Saia da sala, Joanne. – ele mandou, e eu quis que minha mãe ficasse, que entrasse na frente dele, mas ela o obedeceu.
Houve um momento de silêncio e ele voltou a falar comigo.
- Levante a blusa. – mandou e hesitei por um momento, fechando os olhos com força. – Eu mandei levantar a blusa.
Obedeci e o mundo ficou em silêncio por um momento. Eu não conseguia ouvir nada além da sua respiração e meu coração batendo forte em meus ouvidos, e sem que eu entendesse o porquê, Josh veio a minha cabeça. E veio a minha cabeça. E eu disse mentalmente para mim mesma que não iria chorar, não iria derramar uma lágrima sequer, ou soltar qualquer palavra que fosse.
- Eu tenho nojo de você. – falei e eu sabia que ele sentiu o que estava em minha voz. Puro ódio.
Então o primeiro golpe me acertou.
***
Me encarei no espelho. Meu rosto estava branco, e embora eu esperasse olheiras profundas, elas não eram tanto assim. Apesar de estar lívida, meus olhos estavam muito vermelhos, assim como meu nariz e meus lábios. Também a ponta dos meus dedos, mas aquilo eu sabia que era sangue. Removi a blusa e tornei a passar a mão pelas costas, vendo mais sangue em meus dedos. Não vi quando Andrew entrou, porque não tinha fechado a porta, mas não me importei.
- Meu Deus, ... – suspirou – Eu vou pegar um... – Começou a falar apressadamente, segurando meu braço e tentando me fazer olhar para ele.
- Não encosta a mão em mim! – gritei, empurrando-o para longe. – Não ouse... Não toque em mim. Sai daqui. Some daqui!
Ele me olhou assustado, ficando um pouco pálido também, e saiu do banheiro sem falar nada.
Minhas costas ardiam, Deus, aquilo doía mais do que eu me lembrava, e eu tive que respirar devagar diversas vezes para não desmaiar. Era um castigo comum do meu pai e sua cabecinha doentia, me bater até que abrissem algumas feridas, para que eu ficasse com cicatrizes e não me esquecesse do que tinha feito e as consequências que minhas ações tiveram. Mas ele nunca tinha me machucado tanto. Ou tinha, fazia tanto tempo desde que ele fizera aquilo, que eu não me lembrava, mas também não lembrava de estar prestes a cair no chão de dor. Não era como se eu tivesse opção, de qualquer forma. Conseguia ouvir as coisas que ele falava de mim lá embaixo, apontando cada defeito que eu sabia que existia, gritando cada uma das minhas inseguranças e lamentando o momento que eu nasci, sem sequer uma palavra de outra pessoa para me defender.
Me encarei no espelho, sentindo pena de mim mesma e sentindo meu peito doer, mas sem conseguir chorar. Quando você está sendo perseguido na escola ou no trabalho, sempre há a quem recorrer. Você pode ir até o seu diretor e dizer o que estão fazendo. Pode ir até seus pais e pedir que tomem uma providência. Pode relatar ao seu patrão e fugir para onde você mora. Mas para quem você corre quando sofre esse tipo de coisa dentro da própria casa?
’s P.O.V
Estava sentado numa daquelas cadeiras desconfortáveis, da sala de espera do aeroporto, o cotovelo apoiado no apoio de braço e a bochecha enfiada em uma das mãos, enquanto na outra segurava o celular, encarando a foto de contato de . passou pelas minhas costas e me entregou uma banana, olhando de relance para o meu celular.
- Se você sente tanta falta é só apertar o “ligar”. – falou, revirando os olhos e sentando-se na segunda cadeira depois da minha.
ergueu os olhos para nós, mas não falou nada. estava com fones de ouvido e concentrado em seu iPad, enquanto estava esparramado em três das cadeiras, os óculos escuros tortos na cara e a boca escancarada, soltando um ronco baixo.
- Ela não quer falar comigo. Liguei para ela ao menos umas dez vezes por dia na primeira semana, mas ela sequer falou um “nunca mais fale comigo”. Ela deve ter se lembrado que me beijou e está com vergonha demais para olhar para mim. Ou com raiva demais por eu ter me aproveitado da situação. – falei, tentando não soar desesperado, mas soando extremamente desesperado.
- Ou você deve ter dito alguma coisa muito horrível pra ela na sua depressão bêbada. – disse sombriamente.
- Eu não sei dizer.
- Você tem certeza de que não se lembra? – perguntou incrédulo, olhando para mim como se eu estivesse mentindo.
- Você espera que eu lembre depois de uma garrafa e meia de conhaque? Só me lembro dela ter chegado porque não bebi mais. Se não tivesse chegado, eu estaria em coma alcóolico até hoje.
- Então ela provavelmente lembra que vocês se beijaram. E você beija muito mal, e ela se lembrou disso também, e passou uma semana inteira vomitando e agora está constrangida demais para falar com você porque não quer dizer na sua cara que seu beijo é horrível. – constatou solenemente, me dando um sorriso satisfeito e arrancando uma risada de , que olhou para nós por um momento e depois voltou a encarar o próprio celular.
- Você é muito engraçadinho. Mas, de qualquer forma, não beijo mal. Ela só deve estar realmente constrangida.
- Porque você beija muito mal.
- Eu não beijo mal! – praticamente gritei, fazendo Tom soltar uma risada e Lou se remexer em seu sono. Um dos nossos seguranças também riu.
- Então você deve ter falado que ela é feia. Provavelmente falou mal do cabelo ou do namorado morto.
- Ex-namorado. – corrigi. – E eu não disse nada disso! – exclamei como se fosse ridículo. – Primeiro porque ela não é feia, iria rir na minha cara se eu dissesse isso, porque ela é bonita demais até pra acreditar que alguém a ache feia. E o cabelo dela é melhor que o meu, ela também iria rir de mim se eu disse qualquer coisa a respeito.
- Então você beija mal. – concluiu, soltando uma gargalhada quando bufei audivelmente e joguei a cabeça para trás, derrotado. – Brincadeira, cara. Ela deve achar que você não gostou dela ter falado com a .
- Por que ela não falaria isso comigo? E ela ter falado com a fez com que nós voltássemos, não foi? Por que eu estaria bravo com ela?
- Ela é mulher! – exclamou, como se fosse óbvio. – Eu lá vou entender as neuroses delas?
- Ela só deve querer que você vá atrás dela. Não que fale pelo telefone, pelo amor de Deus. – Lou murmurou com a voz irritada, do ombro de Tom, onde estava encostada, mas eu não sabia se era porque a tínhamos acordado ou porque aquilo era muito óbvio.
- Viu? – apontou para Lou, como se quisesse provar seu ponto de vista. – É assim que elas pensam. Como você espera que eu te diga esse tipo de coisa?
Soltei um suspiro, fechando os olhos e massageando as têmporas.
- Eu tenho que ir atrás dela de qualquer forma. A mulher daquele escritório me ligou e eu tenho que buscar a ficha dela, lembra? Eu te contei que pedi para investigarem. E eu também preciso devolver os remédios...
- Então vai atrás dela. – se intrometeu, me encarando com a expressão neutra. – É o que ela quer, e você tem que fazer de qualquer forma, não é?
Mas eles não conheciam . Eu sentia que ela não queria me ver, mas eu tinha que contrariar a vontade dela.
- É isso que vou fazer. Assim que chegar em casa, vou tomar banho e buscar o arquivo. E vou atrás dela. – falei com convicção.
- Se nos liberarem para sair desse aeroporto ainda esse ano. – falou baixo, surpreendendo a todos, porque eu não tinha a mínima noção de que ele estava ouvindo.
- Você está tão apaixonado por ela. – debochou, abrindo um sorriso. – Meu Deus.
- Eu amo ela. – respondi um pouco irritado. – Não desse jeito. Sou apaixonado por ela, mas não assim. Ela é minha amiga, e é uma pessoa maravilhosa, então sou louco por ela. Só não assim.
Ele não debochou de novo, apenas disse um “entendi” e eu sabia que ele tinha entendido mesmo. O segurança voltou e disse que já podíamos sair, então eu suspirei e me preparei para seguir meus planos. Ir para casa. Tomar um banho. Buscar seu arquivo. E encará-la.
***
Encarei o prédio a minha frente e suspirei. Waterstone... Claro. A moça na recepção sorriu para mim e eu retribuí, perguntando se ela tinha visto uma garota mais ou menos “desse” tamanho,
os olhos muito azuis e o cabelo preto. Uma franja assim. E a expressão geralmente fechada.
- Ah, ela vem aqui quase todos os dias. Está no terceiro andar, provavelmente.
- Obrigado. – agradeci, tornando a sorrir e me virando em direção às escadas.
- Ei! – chamou, e me virei para encarar sua expressão curiosa. – Você não é aquele da One Direction?
Ri mais uma vez e balancei a cabeça, mas não a respondi, invés disso comecei a subir os degraus.
estava sentada sozinha em uma mesa grande, os fones nos ouvidos e os olhos em um livro grosso. Quando me sentei em sua frente, não olhou para mim, de início, então seus olhos se ergueram e ela ficou um pouco mais pálida do que já estava. Por incrível que pareça, sorriu para mim. Apertei o pacote no colo.
- Quanto tempo, . – ela riu, removendo os dois fones de ouvido. – Sentiu saudade?
- Onde você esteve no último mês? – perguntei sério.
- Último mês? – ela repetiu, olhando distraidamente para o livro. – Por quê? Você realmente sentiu minha falta?
- Tem algo errado com você, não tem? – perguntei, encarando seus olhos. Queria estender a mão e segurar a sua que estava apoiada na mesa, mas não o fiz.
- Comigo? – ela ergueu as sobrancelhas, mas percebi que soltou uma risada meio nervosa. – Comigo sim. E definitivamente com você. – debochou, tornando a desviar os olhos para o livro. – Está meio carrancudo. Você normalmente não é assim...
- Eu não estou tentando ser engraçado aqui, ... – continuei, mantendo a expressão séria e me inclinando em sua direção.
- Odeio ser quem te diz isso, , mas você nunca foi engraçado, para começar. – tornou a debochar.
- Por que você não me atendeu? – perguntei, ignorando suas provocações. – Foi algo que eu te disse aquela noite? Eu não me lembro de nada, . Se for, eu sinto muito... Você... Você esteve depressiva, ou coisa assim?
Vi que em seus olhos que ela ficou surpresa por um momento, então aliviada, mas tornou a debochar.
- Depressiva? Ah, claro. Caras como você adoram garotas deprimidas para que possam correr e salvá-las, não é?
- Eu estou falando sério, . – murmurei, começando a me irritar.
- Por quê? – quis saber, o tom ainda sarcástico. – Isso nunca funciona.
Respirei profundamente e coloquei as cartelas de remédio em cima da mesa.
- Então me explique. – exigi.
Ela encarou os remédios por um momento, engolindo em seco, e tornou a rir nervosa.
- O quê? Te explicar o quê?
Tornei a me inclinar, apoiando os braços na mesa de madeira.
- Você está com problemas? – perguntei, encarando seus olhos.
Ela riu mais uma vez, fechando o livro com um baque e pegando as cartelas em cima da mesa.
- Você não sabe nem da metade. – debochou, se erguendo e começando a caminhar.
Me apressei a acompanhá-la, alcançando-a em poucos passos e puxei seu braço.
- Você acha que isso é uma piada, não é? – perguntei estressado, fazendo-a se virar para me encarar.
- Eu não sei. – ela riu, e o som me pareceu meio desesperado. – Eu não sei de mais nada.
- Por que você não me atendeu, ? – meu tom de voz aumentou perceptivelmente, mas não consegui me controlar. – Foi alguma coisa que eu disse? Não vem com essa merda desse seu deboche agora, eu estou realmente preocupado aqui.
- Uau, você está realmente fora de si. – ela riu de novo, mas não havia humor algum, e puxou seu braço da minha mão.
- Por que você está agindo assim? – praticamente gritei e me vi crescer para cima dela.
- Você precisa se acalmar, ? – ela perguntou, a expressão irritada. – Precisa de um alívio? Porque eu tenho uns remédios bem pesados que você pode usar. Mas tenho certeza que já sabia disso.
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