Escrita por: Daniella
Betada por: Lara




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"Acredite, você veio à Terra por algum motivo."
N.a.: Inspire-se aqui.

O cansaço tomava conta de seu corpo agora. Sua coluna doía muito, por ficar tempo demais em pé desenhando numa mesa grande e quadrada. Dentre folhas pequenas, folhas grandes, réguas de vários tamanhos, lápis de cor e canetas, seu celular tocou. Demorou para achar, já que sua mesa estava uma bagunça. Quando achou, fitou bem o visor e entortou os lábios em dúvida: atendia ou não?
Decidiu atender:
- Oi, Grace - atendeu fitando um ponto qualquer de seu escritório, colocando as mãos na cintura. Grace sabia que não gostava quando ela ligava em seu horário de trabalho. Tirava completamente sua atenção.
- Oi, amiga! Como estão as coisas por aí? - quis saber com a voz animada.
- Tudo normal e aí? - retribuiu a gentileza, mas com indiferença na voz. Agora fitava seu trabalho sobre a mesa, analisando o que ela tinha acabado de fazer.
- Bem... Só tenho uma notícia para te dar. E não é muito boa - imediatamente, ficou em alerta.
- O que houve? - quis saber, suspendendo a sobrancelha.
- Bom... Eu conversei com meu advogado agora para saber mais sobre a papelada que precisamos ter para que possamos adotar uma criança e tudo mais. Poxa, estamos há um ano e meio esperando! Ele disse que falta pouco para ficar tudo certo, e que só está faltando a gente apresentar um documento, provando que somos casadas. Já falei com meu marido, e ele vai ver isso para mim. Só falta você decidir o que vai fazer.

Capítulo 1


Os sonhos estão ali, esperando que você tome a atitude de realizá-los.

O som alto parecia que a ensurdecia. Naquele dia, ela não estava com mínima vontade de estar ali, sentada sobre uma banqueta do balcão de um pub. Seus pensamentos estavam longe, seu semblante numa mistura de tristeza e preocupação. Olhou para trás devagar e ainda dançava com uma mulher na pista de dança. De longe, pareciam um só, de tão grudados que eles estavam. Embalançou a cabeça negativamente, voltando seu olhar ao balcão. Levantou a cabeça e pediu mais um drink ao garçom, ao notar que o seu havia acabado. Não era muito de beber, mas nesse dia preferiu parecer um pouco com : bebeu para esquecer.
Seus pensamentos ainda rondavam sua cabeça, até que ouviu uma voz praticamente gritar:
- Hey, não vem dançar hoje, não?! - ela virou a cabeça para onde vinha a voz e avistou , com o rosto marcado de batom, os cabelos mais arrepiados que o normal. Ele sorria, mas ela sabia que ele já não estava tão 'na real' assim.
- Hoje, não... To a fim de ficar sentada e beber um pouco. - deu um sorriso de lado, pedindo em pensamentos para ser compreendida.
- Você não é de beber... - estranhou, franzindo o cenho. Ele sentou na banqueta ao seu lado, ainda se virado para ela. - Sei que não somos tão íntimos assim hoje em dia, - soluçou, devido à bebida - mas aconteceu alguma coisa grave? - perguntou, arrastando o copo de para ele e tomando um gole em seguida. Ela rolou os olhos.
- Não aconteceu nada demais, . Relaxa, só é o estresse do trabalho - e sorriu, tentando ser convincente.
- Bom, você quem sabe. - sorriu após beber quase todo o drink - Para relaxar mais ainda, vamos dançar, vai... - fez cara de cão sem dono, e ela riu fraco.
- Tudo bem... - concordou. Quem sabe, ela não relaxava realmente.

fazia umas danças esquisitas, ele realmente não estava muito sóbrio. apenas ria, dançando também. Mas ao mesmo tempo em que dançavam, ela reparou que uma loira tentava se aproximar com discrição. Ele dançava tão animadamente que não percebeu quando deu lugar à loira. Disfarçadamente, ainda dançando, ela foi saindo da pista de dança. Deu um suspiro e foi em direção à saída, pegando seu celular na bolsa preta de mão. Futucou e mandou mensagem para , saindo do pub:
'Curta a loira. To indo embora, acho que por hoje já deu...'
E foi embora, cruzando os braços e tentando se esquentar. Sua cabeça estava dando voltas ainda, pensando no seu maior sonho ter sido jogado por água abaixo. Ela não era casada, nunca pensou nessa possibilidade, mas seu maior sonho era adotar uma criança. Agora estava perdida, sem ter o que fazer. E, novamente, sua amiga Grace seria aquela que 'roubaria seus sonhos'.

Flashback - 's POV On.
1990. 5 anos.

- Pai, vamos naquela loja legal que tem perto da nossa casa? - perguntei, interrompendo minha 'tia-avó' que conversava com ele. Meus olhos estavam radiantes só de pensar na tal loja.
- Vamos. Mas vou logo avisando que não comprarei nada, porque papai está sem dinheiro. - ele avisou, mudando nosso rumo, já que íamos para casa após sair do clube. Tanto este quanto a loja eram próximas de casa, mas em ruas diferentes. Íamos à pé, todos os domingos, para relaxar enquanto mamãe preferia relaxar em casa, já que ela trabalha a semana inteira no caos da cidade.
Chegamos à loja e papai parou em frente a ela, segurando minha mão. Olhei para a vitrine e meu sorriso aumentava ao fitar cada detalhe de um urso de pelúcia. Ele era grande e marrom e era capaz de eu não conseguir segurá-lo direito, pois o bicho era maior que eu!
- Vó Sophie, - não tirei meus olhos da vitrine - meu pai tá me olhando? - eu só ouvi umas risadas, as quais eu não entendi o motivo.

- É, Grace! Você precisava ver, ele era lindo! - falei com gestos exagerados, animada, na hora do recreio do colégio. - Mas meu pai disse que não vai poder comprar pra mim agora, porque ele tá sem dinheiro. - e murchei, pensando na possibilidade de nunca ter aquele ursinho lindo. Ela me olhou, entortou os lábios, mas não disse nada. Aliás, nem deu tempo, já que o sinal que avisava o início das próximas aulas acabou de tocar.
No dia seguinte fui à escola, passando de carro em frente à loja, e o ursinho não estava lá. Fiquei triste, pois, na minha cabeça, já não o venderiam mais.
Quando cheguei ao colégio, Grace estava sentada na mesma carteira de sempre e sentei ao seu lado, como de costume. Ela sorriu e me deu um beijo na bochecha.
- Vamos lá pra casa hoje? - ela ainda sorria, virando-se para mim para saber a resposta.
- Tá bom! - sorri de volta.
Liguei para meu pai no recreio para avisar que iria para casa de Grace no final das aulas e tanto ele quanto minha mãe concordaram.

- Tenho uma coisa pra te mostrar! - ela dizia enquanto andávamos pelo corredor de sua casa, puxando nossa mochila de carrinho. Eu sorri e ela abriu a porta de seu quarto. - Eu comprei um ursinho para mim! - e lá estava o ursinho que eu queria, fazendo eu murchar meu sorriso. Eu via que o que eu mais queria, agora era da minha amiga.

Fim do Flashback - 's POV Off.

Acordou um pouco tonta, devia ser a bebida que não estava acostumada a ingerir. Olhou o relógio na parede de ser quarto branco e aconchegante: 10h.
Levantou com preguiça e decidiu que não tomaria café, já que estava quase na hora do almoço; e então ouviu seu telefone apitar (ele soava toda vez em que tinha uma mensagem não lida ou uma chamada não atendida). Resmungou e foi andando devagar, coçando os olhos, em direção à sala, procurando seu aparelho. Estava sobre o sofá, próximo da bolsa em que usou na noite anterior, e viu que era uma chamada de . Entortou os lábios e decidiu retornar. Chamou várias vezes, até que ele atendeu:
- Oi... - atendeu arrastando a voz. Não devia nem ter visto quem era.
- Que voz é essa? - perguntou, rindo um pouco, já sabendo a resposta:
- Ãw,- gemeu - ressaca. Maldita ressaca! - soltou uma risada, indo em direção à cozinha americana. - , me liga daqui a uns dois minutos. O outro telefone tá tocando e eu estou sem crédito. - ele soltou uma risada, enquanto ela abria a geladeira e sorria fraco, concordando. Ele desligou e ela ficou alguns segundos fitando o interior da geladeira, escolhendo o que fazer. Batendo uma preguiça, decidiu que não faria nada: almoçaria fora.
Foi dar uma geral em seu escritório e lembrou que deveria retornar a ligação de . Pegou seu celular novamente. Ligou, mas não foi ele quem atendeu:
- Oi... Quem está falando? - ela perguntou, simpática, mas estranhando a voz.
- Oi, é Cheryl - ela disse, sua voz mostrando um pouco de desespero.
- Aconteceu alguma coisa? Cadê o ? - perguntou, sentando em sua cadeira confortável do home office.
- Você é amiga dele? Pelo amor de Deus, venha para cá porque eu to sem saber o que fazer, ele está muito nervoso! - o semblante de ia mudando aos poucos, ficando confusa e sem entender nada. Ela chegou a olhar o visor do celular, verificando se discou certo.
- Calma. - disse, tentando acalmar a garota do outro lado. - Primeiro me fala quem é você e o que aconteceu.
- Certo - suspirou. - Eu sou uma garota que ele conheceu ontem, e eu... Bom, eu dormi aqui. Agora o recebeu uma ligação de alguém, e depois que desligou, ele não para de chorar. Eu estou ficando desesperada!
Tudo bem. - ainda estava confusa, apesar de achar a garota do outro lado da linha um pouco tapada. - Fala pra ele não sair enquanto eu não chegar, ok?
- Certo. - desligaram.

Estava nervosa, mesmo sem saber o que tinha acontecido. Tinha seu problema para se preocupar e agora, mais um.
Chegou ao apartamento de e se identificou na portaria, subindo pelas escadas mesmo: ele morava no segundo andar. Tocou a campainha e não demorou muito para que uma loira abrisse a porta. A mesma loira que ela havia dado espaço para dançar com . sorriu de lado, a menina usava um vestido curtíssimo.
- Er, cadê ele? - perguntou entrando, um pouco tímida, não sabia o porquê.
- Foi tomar um banho, está um pouco mais calmo agora. Ele ligou para os amigos, daqui a pouco estão chegando. - dizia com pressa, andando rápido em direção ao sofá - Não se importa se eu for embora? Eu acho que não tem nada a ver eu aqui e... - pegou sua bolsa no sofá e olhou para . - Bom, até mais - foi em direção da porta, após ter acenado. A loira saiu e continuou sentada no sofá, esperando que saísse do banho.
Ela olhou em volta e o apartamento era uma bagunça! Não, ela nunca havia entrado em seu apartamento.
Seu celular vibrou na bolsa. Era uma mensagem de Grace:
', o nosso advogado precisa dos papéis para sexta feira que vem. E agora?!'
Ao ler, sentiu um frio na barriga. Não teve tempo nem de pensar no que fazer. Apenas pensou em desistir do seu maior sonho, apesar de não ser uma pessoa que desiste assim, tão fácil. Mas não havia nada que ela pudesse fazer. A voz de a tirou do transe:
- ... - ele chamou, a voz fraca e os olhos vermelhos e inchados. Ela nunca o tinha visto assim. Ela levantou e foi em direção a ele, o rosto contorcido em confusão.
- O que houve? Você estava tão bem! - disse, aproximando-se, ficando de frente a ele. Tentou olhar em seus olhos, apesar de ele ser bem alto.
- Cadê a Cheryl? - perguntou, olhando em volta.
- Bom, ela foi embora. Disse que não queria ficar - ela apenas o encarava.
Ele abaixou a cabeça e foi em direção ao sofá, sentando-se e colocando a cabeça entre as mãos. Ele começou a chorar baixinho. entortou os lábios, e, sem saber o que fazer, sentou ao lado dele e fez um carinho em sua nuca, esperando a hora que ele quisesse dizer o que estava acontecendo.
Ele a abraçou e ficaram naquele abraço uns 3 minutos. Até que ele a soltou e a olhou, ainda com os olhos inchados e vermelhos.
- Minha mãe faleceu, . - ele sussurrou. Ela ficou assustada, até piscou os olhos para a ficha cair. Nunca a conheceu, mas sabia que era bastante grudada com ela. Sobre o pai, ele nunca comentou.
- Eu... - estava sem ter o que dizer - Eu sinto muito, - ela disse, ainda desconcertada, enquanto ele se virava para frente e encarava os dedos.
- E agora, o que eu faço? - ele questionou mais a si mesmo do que para ela. - Para onde eu vou?! Eu... Eu a amava demais, . - disse triste, ainda fitando seus dedos.
- , eu... Eu não sei o que te dizer. Eu...
- Tudo bem, eu não quero ouvir nada agora. Eu só quero pensar. E começar a me preocupar sobre o que farei da minha vida agora. - ela o abraçou mais uma vez. Estava sentida por ele. não trabalhava, quem pagava suas contas era a mãe dele.
A campainha tocou, fazendo com que ela o soltasse.
- Posso atender? - perguntou baixinho.
- Pode. O porteiro não avisou, devem ser os caras. - comentou, levantando-se e indo à cozinha beber uma água.
Ela foi em direção da porta e a abriu, sorrindo de leve para os três caras que a encararam de sobrancelha suspensa.
- Podem entrar. O está na cozinha... - disse, dando-lhes passagem.
Eles foram em direção ao amigo e ela fechou a porta, indo para o sofá e pegando sua bolsa. Foi para a cozinha, dizendo da porta:
- Hey... - chamou a atenção de todos - Eu estou indo, er... , se precisar, pode me ligar. À cobrar, eu atendo. - sorriu de lado, enquanto este vinha em direção a ela.
- Obrigado mesmo, ... - ele sorriu fraco.
- Imagina. - sorriu também. - Fica bem, e me dê notícias. - sorriu mais uma vez, acenou para os meninos e deu as costas, indo em direção à porta.
Saiu nas ruas frias ainda chocada. Só que ela não poderia fazer nada por ele.
Pensou e pensou, agora no seu problema, e teve uma ideia. Deu meia volta e voltou ao apartamento do amigo. Era muito impulsiva, nem pensou na hipótese de dar errado. Só tinha uma coisa na cabeça: ajudaria a ela, e a ele.

O porteiro a deixou subir, e foi correndo em direção ao apartamento novamente. Tocou a campanhia, ansiosa e esperançosa. A porta se abriu com um confuso, com um copo d'água na mão. O que ela estava fazendo ali novamente?
- Tenho uma proposta pra você. - disse, sorrindo. A cara confusa dele foi reforçada. Ela o puxou pelo braço para fora do apartamento e o pediu para encostar a porta.
- E então... - incentivou, bebendo um gole da água.
- Assim, por acaso... Você quer casar comigo? - ele cuspiu toda a água em cima dela.


Capítulo 2


Não prometa quando você estiver feliz, não responda quando você estiver com raiva e não decida quando você estiver triste.

Alguns meses depois.

- , essa é a miléssima vez que vou te dizer isso: Não molhe o chão do banheiro. Tá legal? - ela saia apressada com seu roupão, indo em direção ao seu lado do armário enquanto ele calçava seus sapatos.
Ela havia conseguido um cargo de mensageiro para ele na empresa onde ela trabalhava, mas ele precisava ser pontual e seu horário era flexível, como o de . Eles precisaram fazer uma reforma no apartamento, já que havia apenas dois quartos. O quarto com suíte, que era o de antes, continuou sendo somente dela até conseguirem adotar a criança. O que era o home office, passou a ser o quarto de . Com a chegada de mais um, precisou dormir na sala por uns tempos, mas depois deu um jeito: vendeu a cama grande e comprou duas de solteiro. Uma em cada lado do quarto. poderia dormir no outro quarto, com o bebê, ou até melhor: ficaria com o outro quarto, enquanto a criança dormia com ela. Mas ele se recusava a dormir num quarto azul bebê com decoração infantil. Ela não se importou, afinal, ela sempre foi compreensiva e não se estressava à toa.
- Desculpa de novo... - ele disse, automaticamente. Dizia isso toda vez que ela reclamava do banheiro molhado. Praticamente todas as manhãs.
- Tudo bem... Vai tomar café? - perguntou, escolhendo sua roupa no armário.
- Não dá tempo - ele estava apressado, pegando suas coisas e enfiando tudo de qualquer maneira na mochila.
- Qualquer dia você vai precisar comprar outra mochila... - comentou, já sabendo perfeitamente o que o amigo fazia. Ela jogou uma camisa de banda na cama e uma saia jeans.
- Até lá, essa aqui aguenta - ele soltou uma risada baixa, colocando a mochila nas costas. - To indo - foi até e a deu um beijo na testa.
- Beijos, bom trabalho - disse após receber o beijo, voltando sua atenção às roupas. Precisava ser rápida. Daqui a pouco Bernardo acordava com fome.
Vestiu-se e foi preparar seu café. Apesar de não ter parido um filho, ela estava de licença maternidade. Conseguiu com seu chefe.
Ela lia seu jornal tranquilamente sobre a bancada da cozinha americana, enquanto a TV estava num volume baixo, num canal de clipes.

Flashback

Eram 14h50 quando deixou a cliente no shopping, já que a deu uma carona e deixou o carro por lá mesmo, indo à pé à Starbucks. Abriu a grande porta e logo avistou , sentado no canto, fitando a rua. Nem tinha visto que ela havia chegado, já que estava de costas para ela.
Ela pôs a mão em suas costas e o deu um beijo na testa quando ele se virou para olhá-la. Deu a volta e sentou-se de frente para ele.
- E aí, como foi? - ele puxou assunto, sem ter o que dizer.
- Tranquilo. Apesar de ter cliente mulher é péssimo, já que elas querem tudo de uma vez e acha que temos todo tempo do mundo para mudar tudo de um dia para o outro - gesticulava, arrancando risos fracos de . - Não vai almoçar?
- Não, não. Comi no Subway, eu to legal - sorriu de lado.
- Então, - ela suspirou e fitou a mesa. Era agora - eu sei que somos amigos, mas, como você sabe, nossa amizade é um pouco distante, e penso até que eu não tenha tanta intimidade para te pedir isso. Mas não vejo outra saída, e esse é meu maior sonho! - ela atropelava as palavras, gesticulando muito. Respirou fundo. - Eu queria que você se cassasse comigo, só no papel, porque eu gostaria de adotar uma criança, e... O advogado da minha amiga disse que só falta apresentar os papéis do casório. Nossa, meu mundo caiu quando ela disse isso. Eu estou há quase dois anos esperando e eu não queria desistir disso agora... - mordeu o lábio, esperando uma reação do cara à sua frente. Mas os pensamentos dele estavam enrolados, quase um quebra-cabeça.
- , calma - a vez dele respirar fundo. - Então você não me ama, você quer casar por causa de um sonho, é isso? - ele só queria entender.
- Exato - confirmou.
- Desculpa perguntar, mas como eu seria ajudado nisso? - suspendeu a sobrancelha.
- Bom, eu vou te convidar a morar lá em casa. Eu sei que seus amigos moram com os pais ainda, e que sua mãe pagava suas contas. Posso te arrumar um emprego temporário lá na empresa e você mora lá até você organizar sua vida - ela sorriu de lado, ainda com uma esperança. Ele ficou pensativo, fazendo com que ela desanimasse aos poucos.
- , isso não é arriscado? - perguntou após alguns minutos - Sei lá, você já está acostumada a morar sozinha e tudo mais...
- , adotar uma crian...
- Em relação a casar, tá tudo bem pra mim, contanto que eu não precise ter obrigações de marido. Você sabe como eu sou - deu uma risada baixa, fazendo-a rir também.
- Não, . É só casar e pronto. Eu só preciso mostrar que sou casada, nada mais.
- Certo - sorriu confiante. - Agora, morar na sua casa, eu já acho abuso... - coçou a nuca.
- Eu estou te convidando, . É como forma de agradecer - ela torcia para que ele aceitasse. Não conseguiria continuar, sabendo que ele a ajudou a realizar um sonho, mas que o deixou desamparado.
E, novamente, ele ficou pensativo.
- Por favor, aceita... - ela sussurrou.
- Tudo bem, eu aceito - ele sorriu, sentindo uma alegria enorme por dentro por saber que não ficaria abandonado. - Mas nem pense que você fará tudo sozinha. Eu vou te ajudar com tudo o que você precisar e com a criança também - ele sorriu de felicidade, mas por dentro ainda incerto se aquilo daria certo.

Fim do Flashback

Estava sentada no sofá, pensativa. No dia seguinte ela teria uma palestra importante para ir pela manhã. Levantou-se e foi até o criado mudo de , pegando seus horários: no dia seguinte ele não trabalharia pela manhã, só depois das duas da tarde. Sorriu aliviada e pediria a ele para ficar com Bernardo, já que ele tinha apenas 8 meses. Em falar nele, ouviu a porta da sala bater e foi correndo em direção a sala. a olhou com cara de poucos amigos:
- Mochila arrebentou - e jogou esta no sofá, entortando os lábios em tédio. soltou uma risada.
- Eu avisei! - ela ainda ria, indo em direção a mochila e vendo o estrago. - Amanhã eu compro outra, é seu dia de folga, né?! - largou a mochila pra lá e jogou-se no outro sofá. Olhou-o com cara de criança pidona, enquanto ele pegava água na geladeira.
- É... por quê? O que você está aprontando? - ele conhecia aquele sorriso.
- Fica com o Ben pra mim? Vou precisar ir a uma palestra, mas eu juro que não demoro! - piscou os olhos repetidas vezes. Ele bebeu sua água tranquilamente, enquanto desviava seu olhar para televisão.
- Uau, que gostosa! - comentou alto demais, fechando a garrafa d'água.
- ! - repreendeu-o, sentando no sofá e fazendo um bico.
- Não faça esse bico, sabe que sou insensível. Tá fazendo à toa... - disse, indo em direção ao seu quarto com ela atrás.
- Ah, ! O que te custa, vai... - implorava. Sentou na cama e o assistia escolher sua roupa na gaveta.
- Ai, tá bom, tá bom! Só porque é pra você... Mas... - ele se virou - Eu não sei cuidar de criança, - contorceu o semblante, realmente confuso e preocupado.
- Eu te ensino! - falou animada, dando um ataque foquinha enquanto ele revirava os olhos e ia em direção à suíte. - E NÃO DEIXA O BANHEIRO MOLHADO, ENTENDEU?
Ele não respondeu. Apenas fechou a porta na cara dela, fazendo-a rir baixo; esperava essa reação.
Levantou correndo quando ouviu o choro de Bernardo, indo em direção ao quarto, dizendo coisas que só mãe consegue dizer.
- Acordou, meu amor? - ela fazia caretas idiotas para o filho, pegando-o no colo. - Cadê o bebê mais lindo de mamãe?! - é claro que ela não dizia nessa clareza toda. Quem tem irmão pequeno, sabe exatamente como sua mãe fala com ele.
Ela o colocou no chão forrado de vinil e brincou com os brinquedos que estavam ali por perto, por um tempo. Depois o colocou no berço novamente, voltando a fazer caretas e falar coisas sem noção, como se o bebê fosse entender.
- Bem que meus amigos disseram que uma mulher quando vira mãe, vira palhaça também - ouviu a voz de e não pôde deixar de rir baixo, virando-se e jogando nele um lenço que estava pendurado no berço. Ele se encolheu, mas continuou apoiado no batente da porta, com os braços cruzados.
- Idiota - ela ainda ria fraco, voltando seu olhar para o berço novamente e voltando a brincar com Bernardo.
- O que tem para jantar? - quis saber, virando-se após analisar e sorrir com isso.
- Pode voltando aqui! - ela se virou para ele, puxando-o pela camisa. - Antes de comer, - ela o virou para si - vou te ensinar a dar banho no bebê - e sorriu, radiante com a ideia.

- Se você continuar assim, você vai afogar meu filho - disse, de braço cruzados, vendo , sem jeito algum, segurar Bernardo pela barriga, deixado o bebê escorregar na banheira.
- É assim, oh... - e o tirou dali, ensinando-o a segurar a criança. Ele apenas observava com os braços cruzados, morrendo de fome.
- Já entendi... - resmungou. - Agora, eu posso ir?
- Claro que nã... - ia dizendo alto, olhando-o nos olhos, mas desistiu. - Tudo bem, vai. Isso não é obrigação sua, mesmo - disse, cabisbaixa, voltando a dar banho em Bernardo. E foi. Estava realmente com fome.
Ela terminou de dar banho em Bernardo, com milhões de pensamentos rondando sua mente. Após trocar o bebê, levou-o para o quarto e, após dar de mamar, colocou-o para dormir. Quando ele adormeceu, ela saiu devagar e passou pela sala, vendo sentado no sofá, comendo tranquilamente enquanto assistia a um filme qualquer.
Pensou, pensou, pensou. Não deixaria seu filho com , ainda não se sentia segura para isso. Para quem ela poderia ligar? Todos trabalhavam de manhã. Mas tentaria ligar para mesmo assim.
- Alô, ? - sentou-se na cama, fitando um ponto qualquer do quarto.
- Oi, amiga! Quanto tempo... Como está meu futuro afilhado lindo? - perguntou manhosa, fazendo a mãe sorrir.
- Ele está bem... É sobre ele mesmo que eu gostaria de falar - mordeu o lábio.
- O que houve? - sua voz agora demonstrava preocupação.
- Ah, eu queria saber se você poderia ficar com ele amanhã, pela manhã... Tem uma palestra para eu assistir, e não posso deixá-lo sozinho, mas também não posso levá-lo. Essa palestra é importante para mim, é sobre o meio ambiente e... - ela foi interrompida.
- Hey, - chamou, recebendo atenção - pode desmarcar com sua amiga. Eu fico com o Bernardo - ele deu um sorriso fraco, dando as costas e voltando para sala em seguida.
- , depois eu te ligo - e desligou, jogando o telefone na cama e seguindo . - Você não precisa ficar com ele se não quiser - dizia, parando próximo ao sofá onde ele sentara. - Eu só pedi porque vi que amanhã é sua folga, então achei que não fosse se importar...
- Ok. Mas eu fico com ele, tá legal? - disse, sem olhá-la. Seus olhos estavam mais preocupados com a TV.
- Tudo bem, então - disse, indo jantar um pouco incerta.

's POV On

Olhando assim, eu não sei o que se passa na cabeça de um cara para sentir tanto calor ao ver a bunda de uma mulher na TV. Eu queria nascer homem, só para saber qual a sensação. Eu estava ali, deitada no sofá ao lado do dele, enquanto este não piscava nem desgrudava os olhos da TV. Estava sentindo em enjôo só de olhar aquelas mulheres de biquíni bem cavadão, mas como eu não me interessava por outro canal naquele momento, deixei-o se divertir olhando. Estava sem sono algum, mas precisava dormir, já que no dia seguinte eu teria que acordar cedo.
O celular de tocou em cima da bancada da cozinha americana, mas ele nem se deu ao trabalho de levantar, simplesmente disse:
- Pega ali, por favor - ele nem me olhou!
Resmungando, eu levantei, mas só porque eu não tinha nada mais interessante para fazer. No visor estava escrito '', então joguei o telefone no sofá onde ele estava, ouvindo-o resmungar qualquer coisa e fui em direção ao meu quarto. Eu já tinha levantado mesmo, não ousaria a voltar a ver aquela coisa na TV.
Peguei meu notebook no armário, fui para a varanda e sentei na cadeira de ferro. Eu não ligava em ficar ali só porque estava de camisola. Era um lugar fresquinho, era isso que importava. Deixei a babá eletrônica em cima da mesa e liguei meu notebook, cruzando minhas pernas e sentindo um ventinho gostoso bater em meu rosto. Pelo canto do olho, vi que foi para o banheiro; bom, eu poderia ir para sala agora, mas ali estava muito bom.
Passaram uns 30 minutos e eu estava tão ligada nos sites de moda abertos que eu não percebi o cheiro de perfume que chegava à varanda. Só me toquei quando ouvi a voz de :
- , - olhei-o, suspendendo a sobrancelha por vê-lo de camiseta, calça jeans e cabelos arrepiados. Ele ignorou minha provável cara de confusa - vou ao pub com os caras... Mas daqui a pouco eu estou de volta - e sorriu, colocando um pé na varanda e dando-me um beijo na testa. Eu apenas concordei.
- Mas não esque... - ia dizendo, mas ele me interrompeu.
- Já sei, já sei... - disse alto e sem olhar para trás, indo em direção a saída. Dei de ombros e voltei minha atenção às sandálias lindas na tela do computador.

1h30. Apesar de ele dizer que 'daqui a pouco' estaria de volta, eu sabia que ele chegaria lá pelas 3, 4 horas. Ele sempre chegava esse horário. Preparei minha cama - só desforrei a dele - e fui dormir, deixando a babá eletrônica sobre o criado-mudo.

Acordei com o sol iluminando meu quarto. Olhei meu celular que estava ao lado do travesseiro: 7h. Hora de levantar. Enquanto eu me espreguiçava e levantava, fui enumerando, em mente, o que eu tinha que fazer: preparar o café, dar de mamar ao Bernardo, deixar o almoço pronto, tomar ban... Ué, cadê o ?! A cama estava do mesmo estado em que eu havia deixado. Fui até a sala, de repente ele dormiu por lá. Mas nada... Decidi adiantar o que eu tinha para fazer. Provavelmente ele dormiu na casa dos amigos.
Olhei o relógio e já eram 9h. Pensei em ligar para ele, porque, além de já estar preocupada, eu já estava atrasada - tinha que estar no centro às 10h. Bernardo já estava alimentado, já tinha feito o almoço e tomado café, estava de banho tomado, só faltava calçar os sapatos porque eu sempre deixo por último. Até que a porta batendo chamou minha atenção, e sim, era ele.
- Hey, - ele disse com uma dificuldade absurda. Seus olhos estavam vermelhos, seus cabelos bagunçados (bagunçados, não arrepiados), ele não conseguia trancar a porta da sala. Fui até ele.
- Chegou tarde hoj... - ia dizendo, mas... que cheiro! - Puts! Que horror! - eu abanava o ar, ele fedia a cerveja e cigarro juntos.
- Que foi, gatinha? - ele me olhou, os olhos estavam quase se fechando. Arranquei a chave da mão dele e o dei um leve empurrão para trancar a porta, mas foi o suficiente para ele esbarrar na pia e derrubar copos de plásticos e talheres. - Ops! - soltou, se abaixando para pegar o que tinha derrubado. Respirei fundo. Não acredito que ele chegou bêbado. Estava ficando, aos poucos, fula da vida.
- Deixa que eu pego, , vai tomar um banho, vai - falei, meio sem paciência, mas me agachando para catar tudo.
- N-não, deixa que eu pego - ele insistia, e aquele cheiro estava me enojando.
- Sai, ... - eu aumentei um pouquinho o tom de voz, mas foi por impulso.
- Tsc, tá bom - resmungou, se levantando e - tentando - caminhar até o quarto, mas, acredite, ele bateu de cara na parede. - PUTA QU... - já ia gritando.
- Ei! - repreendi. Ele continuou dizendo alguns palavrões, mas baixo, enquanto eu o observava passar a mão no rosto. Voltei minha atenção ao que estava fazendo.
- ... - chamou baixinho, ainda com dificuldade em falar. Soltei um 'que é?', lavando o que tinha caído. - Me leva no banheiro ai... - bufei e lavei as mãos, indo em direção a ele após secá-las. Ele ainda esfregava a testa.
- Eu não acredito que você chegou nesse estado, ! - eu o puxava pelo braço, arrastando-o para o banheiro.
- Ei, não fala assim comigo! Você não é minha mãe! - disse, na defensiva, soluçando de vez em quando.
Ignorei o que ele disse e o sentei no vaso. Eu não sabia como agir com um bêbado. Para não perder tempo, fui ao registro e liguei o chuveiro, levantando-o pelo braço em seguida e o empurrando de roupa e tudo para dentro do box. Ele reclamou, claro, mas eu estava sem tempo. Estava atrasada e... Perai! Eu não deixaria meu filho com um semi-bêbado!
- Não acredito! - falei por impulso, dando um soco na parede, senti o olhar de em mim. - Caramba, essa palestra era importante pra mim! - comentei mais para eu mesma, não me interessava se ele me ouvia ou não. Bati com a cabeça na parede de raiva. Antes tivesse falado com .
- Mas, , eu posso cuidar dele... - ele disse me fazendo olhá-lo de rabo de olho. Ele engolia água que caia da sua cabeça.
- Fala sério, olha seu estado! Não vou te deixar com meu filho! - fui aumentando o tom de voz aos poucos. Eu, realmente, estava com raiva. Poxa, ele tinha prometido. - Quem mais precisa de cuidados especiais hoje é você, e não ele! - seu rosto foi ficando vermelho. Ele desligou o registro do chuveiro.
- Eu já disse que estou bem, e que posso ficar com ele...! - ele também aumentou o tom de voz, mas ainda arrastava as palavras.
- E eu já disse que não! E é não! Você bateu com a cabeça na parede, , porque não tá conseguindo andar direito e você ainda quer que eu deixe meu filho com você?! Nunca! Se eu soubesse, teria te ignorado ontem e veria se a poderia ficar com ele pra mim - à essa altura eu não sabia nem que timbre tinha minha voz.
- Quer saber? - seu rosto estava coberto por ira. - Foi ótimo! Eu não tenho obrigação nenhuma com essa criança e, aliás, por que diabos você não se casou e teve seu próprio filho como uma mulher normal, ao invés de me alugar com essas idiotices?
Ele gritou, e eu fiquei sem reação. Minha respiração estava pesada, muito pesada. Eu estava com uma mistura de sentimentos dentro de mim. Eu queria esganá-lo ali mesmo, ele não sabia o que estava dizendo. E não fazia ideia do quanto aquilo me machucou.

Capítulo 3


Não julgue as minhas escolhas se você não entender os meus motivos.



Fechei meus olhos vagarosamente, tentando acalmar minha respiração falha devido à raiva que eu sentia naquele momento. Me recompus e dei as costas a ele, saindo da suíte praticamente marchando. Sem pensar muito, fui em direção ao quarto de Bernardo e me aproximei do berço, olhando-o com carinho. Essa criança ainda não sabia o quanto eu a amava, mesmo ele não sendo biologicamente meu. Sorri por vê-lo acordando e conversei com ele, como toda mãe faz. Peguei-o no colo, ele me passava uma energia positiva.
Continuei a brincar com ele em meus braços, mesmo ainda estando sentida com as palavras de . Eu perdi a noção do tempo, pensando na minha infância e pensando em quão mal-agradecido ele foi ao dizer 'me alugar com essas idiotices'. Respirei fundo e preferi deixar a raiva passar; era o que eu sempre fazia.
Dali a uns tempos, ele dormiu novamente. Coloquei Bernardo no berço e apaguei a luz. Voltei ao meu quarto e estava jogado na cama, de cueca samba canção com os olhos fixados no teto. Ignorei-o completamente e peguei um short e uma camiseta qualquer, indo para o banheiro trocar de roupa.

***


Passei o resto do tempo no quarto de Bernardo, tentando distrair minha cabeça com o notebook em meu colo. Até que a porta abriu, fazendo-me olhar para esta impulsivamente, mesmo sabendo quem era. Um descabelado com rosto amassado apareceu.
- Não vai almoçar? - ouvi-o perguntar com a voz arrastando, mas eu já tinha minha atenção no notebook novamente.
- Não agora. Só esquentar seu prato no microondas - disse-lhe num tom normal, porém baixo, ouvindo a porta bater de leve em seguida.
Encontrei uma apostila de meu interesse e de graça, então não perdi tempo para clicar em 'download', colocando o notebook no criado-mudo em seguida. Eu me deitei, sentindo meu corpo pesado e cansado, apesar de não ter feito nada de mais nos últimos dias. Ficava em casa o dia inteiro e Bernardo não me dava trabalho, mas acabei caindo no sono, mesmo com os pensamentos rondando sem parar. Só acordei com meu filho chorando.
Acordei assustada e me levantei, aproximando-me do berço com um bico enorme por vê-lo chorar. Sussurrei algo como 'mamãe esqueceu de você, uh?' e o peguei no colo, fitando a janela atrás do berço. Só então eu percebi que já haviam estrelas no céu. Suspirei e voltei minha atenção à criança em meu colo. Ele deveria estar com fome, então me virei para a porta, indo em direção a cozinha e o colocando na cadeirinha azul de bebê, preparando uma mamadeira rápida em seguida. Eu podia ver a TV ligada, mas de onde eu estava era impossível ver se um certo alguém estava assistindo, apesar de o volume estar bem baixo. E eu tinha certeza de que ele tinha faltado ao trabalho. Balancei a cabeça negativamente com este pensamento e fui preparar meu prato após Bernardo estar satisfeito. Sentei na banqueta, de frente ao meu filho e de costas para a TV, comendo sem a menor vontade, mas conversando baixinho com Bernardo. E, distraída, vi uma sombra pelo canto do olho e pude ver sentar-se na banqueta ao meu lado. Fingi que não vi e continuei a remexer a comida em meu prato.
Passaram-se alguns minutos, eu sabia que ele me olhava.
- Podemos conversar? - ele sussurrou bem próximo, mas seu jeito receoso não me fez hesitar.
- Se for pra me questionar novamente por que eu não...
- Não é nada disso! - ele me interrompeu com a voz cansada, bufando em seguida. Olhei-o rapidamente e ele mantinha as mãos sobre a bancada, com o rosto amassado e contorcido em confusão.
- Então o que você quer? - eu ainda estava sem paciência com ele, mas minha voz saiu baixa e firme.
- Só quero pedir desculpa por ter reagido daquela maneira - seu olhar não deixava de me analisar e pude notar um sorriso pequeno no cantinho de seu lábio, mas continuei com um tom forte, beirando o raivoso:
- Deixa eu te falar uma coisa... - deixei meu prato de lado, mas com a cara virada para ele. Eu queria que ele gravasse bem o que eu estava prestes a dizer e queria olhá-lo nos olhos para ter certeza de que ele me entendeu. - Eu não fiquei chateada com sua reação, não. Eu também gritei com você, então você podia gritar comigo o quanto quisesse. O que me chateou foi o que você disse - disse essas últimas palavras com ênfase, como se eu falasse com uma criança.
- Mas...
- Eu não terminei de falar - interrompi e ele murchou. - Você não sabe nem metade da minha história, então você não tinha o direito de me perguntar aquilo. Poderia perguntar em outra ocasião, mas não naquele momento - ele suspirou, concordando de leve. - Você lembra? Você tinha prometido que ficaria com ele para mim e eu confiei em você, . Eu deixei de chamar minha amiga para confiar em você para ficar com ele. E mais: eu ainda ia te lembrar antes de você sair e você disse que já sabia! - soltei um riso pelo nariz, nervosa. Eu tentava controlar minha voz para não assustar Bernardo, que assistia a tudo. - Mas, pelos menos, em uma coisa você tinha razão: você não tem obrigação nenhuma com ele. Então, pode relaxar que agora eu não vou te pedir absolutamente nada - deixei bem claro - em relação a ele. - terminei, parecendo aliviada e ele mantinha uma expressão derrotada. Não o encarei por muito tempo, apesar de seus olhos não se desgrudarem de mim, e voltei minha atenção ao meu prato. Peguei-o e levantei, indo em direção a pia em silêncio. Se eu não estava com fome, agora menos ainda.
Ele não disse mais nada e, enquanto eu lavava minha louça, pensei em contratar uma babá. Eu voltaria a trabalhar em dois dias e não poderia contar mais com . Ele, realmente, tinha razão em relação a não ter obrigação quanto a isso. Ouvi o barulho da banqueta se arrastando de leve, mas o ignorei, secando minhas mãos e me guiando para perto de Bernardo, pegando-o no colo. Levei-o para o quarto e o fiz dormir, voltando para a sala em seguida com meu notebook. havia deitado no sofá e a TV continuava ligada, mas ele olhava o teto. Preferi ir para meu quarto, procurar alguma empresa de babás. Deitei em minha cama e pesquisei bastante. Até que achei uma, que é afiliada à empresa em que eu trabalho.
O custo era um pouco alto, mas eu tentaria. Afinal, ela não trabalhará aqui por muito tempo, já que quando ele tiver um 1 ano e meio, terei coragem de colocá-lo numa creche.
Era possível ver informações sobre a babá e tinha até algumas estrangeiras. Me interessei por uma que, pela foto, parecia ter uns 19 anos. Um pouco mais nova que eu. Cliquei em seu perfil e pude ver que ela era de Dublin, mas veio para Inglaterra para tentar crescer aqui. Não tinha filhos e possuía carro. Cliquei no campo indicado para entrar em contato com ela e deixei claro que seria por pouco tempo. Agora era torcer para que desse certo.
Entrei em outros sites até eu pegar no sono. E dali a uns minutos, eu recebi um email. Era a resposta da tal babá.
Mas já?

"Olá, ! - posso chamá-la assim, né?
Estou disposta a trabalhar sim, mesmo que seja por curto tempo. Isso conta muito para mim. Só gostaria de saber se é trabalho somente com criança, ou é geral, tipo, faxineira também.
Obrigada pela oportunidade e gostaria de começar o quanto antes, pois, apesar de gostar de sair à noite e me divertir, eu preciso me sustentar. Espero que me entenda.
Atenciosamente,
Jane."


Respondi:

"Oi, Jane! Claro, fique à vontade para me chamar de . Não sou tão velha assim, ha!
Bom, se você quiser, podemos nos ver amanhã para combinar tudo direitinho, e se você começasse a trabalhar na segunda, seria ótimo.
Beijos."

"Então amanhã na Starbucks próximo ao shopping, às 10h. Pode ser?"

"Perfeito! Vou estar de calça jeans, blusa roxa e tênis vans jeans.
Até amanhã!"


Fiquei feliz por ter conseguido isso rápido e não precisar mais perturbar ninguém. Levantei e aproveitei o calor que eu sentia para tomar um banho rápido, deixando meu notebook sobre a cama.
Aquele banho me fez bem, eu relaxei meus músculos até dos dedos dos pés. Sentia-me leve e já ia me preparando psicologicamente para a mudança de vida: voltaria a trabalhar, mas teria uma babá desconhecida dentro de casa, um amigo mal humorado na maior parte do tempo - e trabalhando na mesma empresa que eu - e um bebê me esperando.
Sai do banho enrolada na toalha e os cabelos presos num coque. E levei um leve susto ao ver sentado na minha cama, olhando para meu notebook.
- O que está fazendo aí? - perguntei, num tom de voz razoável. Ele me olhou rapidamente ao ouvir minha voz. Parecia que não tinha me visto ali. E ficou me observando, seus olhos foram descendo até meus pés. Bom, eu estava ficando sem graça. Eu odeio que me olhem. - Estou falando com você, ! - chamei-lhe atenção, andando em direção a ele, sentindo minhas bochechas coradas.
- Ér, desculpa, eu... - ele desviou o olhar, enquanto o meu permanecia sobre ele. Fechei meu notebook sem me importar com o que ele olhava, colocando-o em meu armário de qualquer maneira. - Você... - o ouvi gaguejar e me virei para olhá-lo - Vai contratar uma babá? - perguntou, com um semblante enigmático. Eu não sabia bem se era tristeza, confusão... Mas raiva ou ódio é que não era.
- Vou, por quê? - a resposta saiu automática. Virei para o armário novamente, ouvindo-o dizer:
- Bom, acho que... Se eu pedir para não contratar, seria inútil, né? - sua voz era receosa. Mas não pude deixar de olhá-lo, só para checar se ele estava falando sério.
- Com certeza - fiz cara de poucos amigos, o que se passava na cabeça daquele cara?
Ele baixou os olhos, entortando os lábios. Voltei a escolher minha roupa no armário, meio desajeitada e sem paciência, e ouvi sua voz novamente.
- Está fazendo isso por quê? - sua voz ainda tinha receio.
- Porque segunda eu volto a trabalhar e não posso deixar meu filho sozinho - respondi como se fosse óbvio. Aliás, era óbvio.
Ele, simplesmente, respirou fundo e ficou quieto por um tempo. Fui ao banheiro trocar de roupa e, quando voltei, ele já estava na cama dele, com as mãos sob a cabeça com os olhos fixados no teto. Parecia que essa era sua posição favorita para pensar. Fiz uma trança e deitei, cobrindo-me em seguida. Dei um 'boa noite' de costume e fechei meus olhos, tentando me concentrar no sono. Eu dormi o dia inteiro, ele não viria tão cedo. Tentei não pensar em nada, mas ele decidiu falar novamente:
- Não vai ficar chateada se eu fizer uma pergunta? - eu abri os olhos, assustada com a pergunta.
- Sei lá, não sei qual é a pergunta... - respondi com a voz embargada. Eu estava de costas para ele, então me virei na cama, para olhá-lo. Ele ainda olhava o teto com a cabeça em cima das mãos, as pernas cruzadas.
- Então, posso fazer? - dei de ombros, e soltei um 'arrãm' baixinho, mas ele ouviu. - Por que preferiu adotar?
De certa forma, eu esperava essa pergunta, mas não agora. Demorei um pouco para responder, eu não tinha ideia de como organizar meus pensamentos e transmiti-los a ele.
- Tudo bem, descul...
- Quando eu era pequena, minha mãe faleceu no parto - engoli em seco, pensando em como continuar. Ele me olhou de soslaio, depois voltou sua posição inicial. - Tanto ela quanto meu pai eram jovens ainda. E isso foi um choque para ele, porque ele não tinha ideia de como cuidar de uma criança. Aí ele pediu para meus avôs cuidarem de mim, mas ele queria continuar me vendo. Eu cresci com eles e meu pai me pegava de mês a mês para passar o final de semana na casa dele - eu parecia uma robô falando: minhas palavras não passavam emoções, elas simplesmente saiam; parecia que eu dizia tudo aquilo só para eu mesma. - Quando eu estava um pouquinho maior, me colocaram no psicólogo para me fazer entender que eu não sou filha dos meus avôs, apesar de eu sempre chamar a vovó de 'mãe'. E então me contaram que eu era adotada por meus próprios avôs. Acho que foi daí que surgiu essa vontade de criar uma criança que não fosse minha, entende? - vi-o assentir de leve. - E mais para frente, eu descobri que eu tinha um problema no ovário - engoli em seco novamente, tentando tirar algumas imagens indesejadas daquela época terrível. - Minha médica disse que era capaz de eu não poder engravidar e então eu não quis nem tentar. Eu preferi seguir no caminho do meu desejo e adotar uma criança. Eu não fiz testes nem nada para comprovar o que ela disse, porque eu não queria. Nem quero. Eu to feliz, sabe? É um sonho realizado pra mim, e tenho que agradecer a você também - sorri fraco por ter conseguido contar isso a alguém que não fosse ou a Grace. Eu pude vê-lo sorrir, e então ele me olhou ainda mostrando os dentes.
- Me desculpa perguntar, eu só queria entender... - ele permanecia a me olhar de lado e eu sorri fraco como resposta. Eu sentia a raiva passando vagarosamente e o sono chegando aos poucos.
- Era só isso? - perguntei, num tom risonho, não querendo ser grossa.
- Era... - ele riu baixo e fraco, ajeitando-se com os travesseiros. - Boa noite, - sussurrou, fechando seus olhos com o corpo virado para mim.
- Boa noite, - mas, dessa vez, não foi um 'boa noite' de costume.

's POV Off.

Capítulo 4


Ei, você não conhece as pessoas; você conhece a parte que elas permitem que você veja.


Como toda madrugada, Bernardo acordou chorando de fome. Levantou sem fazer barulho para não acordar e fechou bem a porta, com cautela. Foi em direção ao quarto do pequeno, pegando-o no colo. Essa hora da noite, ela prefere dar mamadeira. Com ele em seus braços, foi até a cozinha e o sentou na cadeirinha azul de bebê. Preparou a mamadeira, provando em seguida e dando para Bernardo em silêncio. Estava morta de sono, tanto que nem percebeu que estava sendo observada. Quando faltava pouco para acabar, uma mão quente segurou a mamadeira, mesmo que por cima de sua mão, fazendo-a levar um leve susto.
- Pode voltar a dormir, eu termino de dar a ele - tinha um sorriso pequeno no rosto, mesmo com a cara toda amassada.
- Não, . Pode ir lá, já está acabando - falou, com a voz falha e arrastada, lutando com as próprias pálpebras.
- Por favor... - pediu baixinho, sem soltar a mamadeira.
Ela demorou, mas aceitou a oferta. Soltou a mamadeira, mas continuou ali em pé, observando de braços cruzados.
- Até que não foi tão mal... - comentou, arrastando a voz quando o amigo terminou. Ele riu fraco, dando a mamadeira para e pegou Bernardo no colo. Ela ficou um pouco tensa, pois era a primeira vez que ele fazia isso.
- Eita, que moleque pesado! - comentou baixinho, caminhando em direção ao quarto, mas com o seguindo como um segurança - ou por segurança.
- Segura as costas dele, ! - ela instruía, enquanto ele rolava os olhos, mas não deixava de fazer o que ela dizia.
Ele colocou Bernardo no berço, sorrindo sem nenhum motivo aparente.
- E agora? - se virou para , que estava ao seu lado. Ela bufou e pegou o bebê de novo no colo:
- Você tem que colocar ele para arrotar... - pôs as mãos nas costas dela e balançou a criança lentamente. cruzou os braços em tédio, vendo se mexer.
- E isso é até quando? - quis saber impaciente após alguns minutos, já que fechava os olhos sem querer.
- Oras, até ele arrotar! - respondeu sem se importar com o tom de voz, fazendo-o bufar. Soltou um muxoxo. - Vai dormir, .
- Não, quero ficar aqui olhando! - para parecer um zumbi, ele estava faltando muito pouco.
- Então pare de reclamar! - ralhou, ouvindo um arroto baixinho.

***


Fazia frio naquela manhã e lutava contra sua vontade de ficar na cama. Mas precisava acordar cedo para encontrar a provável futura babá.
Ela corria de um lado para outro, fazendo o café e ao mesmo tempo o almoço. O relógio batia quase 9h e ela agradecia a Deus por Bernardo não ter acordado ainda, ou então ela se atrasaria. Teria que sair de casa, no máximo, 9h. Mas ela ainda fedia a comida, não havia tomado nem café e queria deixar Bernardo, pelo menos, alimentado.
Até que ele começou a chorar. Ela murchou, sabendo que teria que parar o que estava fazendo para dar atenção a ele. Ia se dirigindo ao quarto, mas um descabelado e com cara de sono passou na frente:
- Deixa que eu vou lá, termina de fazer o café - ele disse ainda com sono e ela sorriu de lado, voltando a fazer o café, tentando confiar nele novamente.
Quando se viu com tudo pronto, suspirou aliviada. Mas ao olhar o relógio, voltou a se desesperar: 8h42.
Gemeu baixo e foi em direção ao quarto do bebê, mas parou na porta ao ver apoiado no berço, olhando Bernardo com um sorriso. Isso a fez sorrir também, mas não podia perder tempo. Estava muito atrasada.
Aproximou-se do berço e pediu licença a ele, percebendo que este estava num pequeno transe olhando para o pequeno. Enquanto ela pegava o bebê, a olhava com cara de sono e pensativo ao mesmo tempo.
- , er, você, hoje... - ele coçava a nuca, um pouco nervoso. Ela tinha pressa, muita pressa.
- Estou atrasada, - avisou-lhe, fazendo-o assentir.
- Só queria saber se você confia hoje em mim para deixá-lo comigo - esse comentário a fez ficar quieta por uns segundos. Não esperava isso dele agora, mas seus pensamentos foram altos demais:
- Não apela - e arregalou os olhos ao notar o que tinha dito. Ele entortou os lábios, bufando.
- Não estou apelando. Só quero que confie em mim - mantinha sua voz calma, não queria que ela se chateasse novamente, apesar de não estar fazendo nada errado.
Ela pensou, ainda com Bernardo no colo.
- Tudo bem, - suspirou, entregando Bernardo a ele com receio. - Como prova, quero que dê banho nele - ela dizia, virando-se para a cômoda ao lado do berço, à procura de fraldas, toalhas, pomadas, shampoo... - Mas não esqu... - ela se virou novamente para ele, um pouco desajeitada com tudo em mãos. - ? - mas ela não percebeu que ele já havia saído do quarto após ter rolado os olhos, como sempre. Ele sabia que ela começaria um discurso sobre como dar banho em Bernardo. - ! - e foi atrás dele, carregando tudo que havia pegado na gaveta.
Ele estava preparando a banheira do bebê, enquanto tirava, um pouco sem jeito, a roupa de Bernardo. Este sorria para , mas ele nem prestava atenção neste sorriso.
- Eu não terminei de falar, ! - ela entrou no banheiro choramingando, colocando tudo de uma vez sobre a bancada onde a banheira estava.
- Mas já sei o que você vai falar: cuidado com a água, porque não pode ser muito quente nem muito fria; tem que segurar ele pelas costas; ter cuidado para ele não se afogar; não deixar cair shampoo nos olhos, apesar de o shampoo não ter álcool; não esquecer de passar pomada entre as pernas para não assar; e blábláblá... - ele dizia numa tentativa ridícula de imitá-la. Ela cruzou os braços, emburrada, e se virou para ela ao notar que esta não disse nada. E riu ao vir o bico da garota. - Vem cá, você não está atrasada, não? - perguntou num tom risonho, voltando sua atenção ao bebê.
- Estou, mas quero me certificar se você não irá matar o Bernardo - ela ainda estava emburrada, mas por dentro sorria por saber que havia prestado atenção em todos os seus movimentos quando ela dava banho no pequeno.
riu, colocando Bernardo na banheira.
- Eu vou sair, não quero ver isso - e ela saiu do banheiro, indo para o seu e tomando um banho rápido.

Flashback - 's POV On.

Minha cerveja me fazia companhia, meus olhos rondavam o local enquanto aquela música, que ainda não estava tão alta, me fazia querer dançar.
Eu esperava meus amigos naquela mesma mesa de madeira próximo ao bar, não controlando minha vontade de olhar aquelas mulheres hot passando por mim. Quando vi os caras, levantei a mão para que me vissem, e logo eles vinham em minha direção, rindo de alguma coisa que o idiota do deve ter dito.
Eles me cumprimentaram com um tapinha macho nas costas e eu apenas sorri, bebendo um gole da minha cerveja.
- E aí, como vai a vida de esposo? - tinha um tom divertido na voz, mas aquela pergunta não me agradou nem um pouco. Apesar de esse ser exatamente o assunto que me perturbava. suspendeu o braço, ainda rindo da pergunta de enquanto eu esperava os palhaços terminarem de rir para eu começar meu discurso.
Assim que o fizeram, o garçom chegou à mesa e eles pediram mais cervejas, e me olharam em seguida aguardando minha reação, mas todos ainda pareciam querer rir.
- Vocês não têm noção do quanto eu estou arrependido dessa merda toda - comecei com um tom de voz normal, mas fazendo alguns gestos para dramatizar. Ao contrário do que imaginei, eles não riram ainda mais de mim; cada um formou sua expressão de susto, com olhos arregalados e queixos caídos.
- Peraí... - após notar que eu esperava pacientemente por alguma reação, decidiu falar: - O que quer dizer com isso?
- Caras, ela é muito chata! - eu disse no meu melhor tom cansado e eles soltaram uma risada baixa, mas ainda tinham as expressões confusas e curiosas. - Tipo, ela reclama de tudo, ela quer dar opinião em tudo, ela fala muito... - fui enumerando, agora sim, fazendo-os rir por conta da minha desgraça. Eu estava sendo sincero, queria sugestões inteligentes e compreensão em exagero, mas eu só recebia risos. - Galera, eu estou falando sério - disse-lhes num tom firme, esperando que eles parassem de me sacanear. E eles pararam, mas demorou alguns minutos. Eles perceberam que eu não estava com humor para tanto.
- Tá ok, tá ok - se rendeu, passando a língua pelos lábios, ajeitando-se no banco. - Mas você já disse isso a ela?
- Eu não posso! - essa pergunta era desnecessária. Mas tratei de explicar ao perceber seu rosto contorcido em confusão: - Prestem atenção. Minha mãe me dava tudo, eu nunca precisei trabalhar - eles me olhavam, ainda perplexos. - Mas agora que ela não está mais aqui, a única pessoa que pode me sustentar sem eu ter trabalho é a - meu sorriso ia se alargando, meus olhos brilhavam, mas eu não sabia bem qual era o motivo dessa reação de meu corpo. Apenas continuei: - Aliás, como eu disse, foi ela quem se ofereceu... - deixei bem claro, levantando sutilmente o dedo indicador. - Eu não posso jogar tudo pro alto assim, porque eu não tenho como me sustentar - entortei os lábios, um pouco pensativo.
- Cara, - chamou-me atenção - sabe que, se precisar, pode passar alguns dias lá em casa... Mas você conhece meus pais, não vão querer que passe de duas semanas - ele soltou uma risada pelo nariz, cruzando os braços sobre a mesa e formando uma expressão de como quem pede desculpas.
- Ué, você pode morar comigo e com - olhei para e ele bebia sua cerveja, mas mantinha seu olhar em mim, esperando minha resposta.
- Vocês não conseguem se sustentar, imagina só com mais um morando com vocês - eu tinha uma vontade de rir pelas caras de ofensas que me encaravam agora, mas eu estava falando sério.
- Ôh, seu folgado, você ajudaria a pagar as contas, oras! - acho que ficou realmente ofendido, já que ele me fuzilava com o olhar. - E agora eu também não quero mais que você more lá - ele emburrou feito uma mocinha, nos fazendo rir e ele aumentar sua ira.
- Ai, caras - pigarreei, perdendo a risada aos poucos -, valeu mesmo pela oferta, mas acho que vou continuar aturando a - ri baixo, bebendo mais um pouco da cerveja e desviando meu olhar, que estava num emburrado, e indo direto para o corpo de uma morena que passava rebolando os quadris ao lado de nossa mesa. - Caralho, que gostosa!

Fim do Flashback - 's POV Off.

- Então já sabe... O telefone da pediatra está na geladeira, - começou, andando de um lado para o outro, catando suas coisas correndo e colocando dentro da bolsa - assim como o telefone dos bombeiros, o telefone da Grace e da , o telefone da polícia, e meu celular - parecia nem prestar atenção no que ela dizia, deitado em sua cama jogando uma bolinha de Bernardo para o ar. - Qualquer emergência, liga para o porteiro primeiramente, e depois para mim. Não esquece de me ligar, ! - ela disse tão alto que ele chegou a levar um susto de leve. - Tchau, ! - saiu porta à fora com pressa.
- Ninguém merece... - resmungou para si, virando-se na cama.
Passou alguns minutos deitado, pensando sobre nada, até que algo o perturbou. Arregalou os olhos, pretendendo ser rápido e levantou depressa, à procura do celular. Assim que o encontrou, discou os números de , indo para a sala e jogando-se no sofá, ouvindo-o atender:
- O que houve, ? Aconteceu algo com o Bernardo? O que ele tem? - ela não deu tempo nem para respirar, fazendo-o rolar os olhos e virar-se no sofá de barriga para cima.
- Calma, - ele disse impaciente com sua preocupação desnecessária e tratou de continuar antes que ela começasse a tagarelar: - Só quero saber se... Bom, se a nova babá já vai vir para cá - ele dizia baixo, provavelmente tinha medo do que ela pensaria sobre sua pergunta.
- Não sei, ... - mas, ao contrário do que ele pensou, ela respondeu com a voz suave. - Eu ainda estou no carro, nem conversei com ela para saber como ela realmente é.
- Então, se ela for começar hoje, me liga para eu colocar a mesa para mais um - disse-lhe ainda receoso, mas com um tom mais firme, mordendo o lábio e torcendo para que ela acreditasse em suas palavras.
- Tudo bem, - ele, agora, tinha um sorriso pequeno no lábio. - Mas por que essa preocupação? - ela quis saber curiosa, enquanto ele pensava rápido, sem ter resposta para dar a ela.
- , preciso desligar... O Bernardo está chorando, te ligo depois - e desligou antes mesmo de terminar a frase, jogando o celular em qualquer lugar.

***


Ela pôs o celular dentro da bolsa, entrando na lanchonete e logo avistando Jane, que estava de pé próxima ao balcão. De longe, ela sorriu para , que retribuiu da mesma forma. Aproximou-se, parando diante dela e estendendo a mão.
- Prazer, Jane - sua voz era fina, mas de agrado aos ouvidos. Ela era uma moça bonita, com seus cabelos negros que batiam na cintura. Seus olhos tinham uma leve camada de lápis, e apenas isso era sua maquiagem, já que ela era bonita naturalmente. Vestia um vestido florido, não muito justo ao corpo, mas que deixava visível suas curvas. Tinha as pernas torneadas e calçava uma rasteirinha qualquer. De longe, aparentava ter mais idade do que realmente tinha.
apertou com fimerza a mão da sua futura empregada, indicando uma mesa próxima. Guiou-a até lá, sentando-se e colocando sua bolsa pendurada na cadeira, sendo observada por Jane.
- Então - começou, voltando sua atenção para a garota à sua frente, que já havia se sentado - pode me falar um pouquinho sobre você, sua família e tudo mais - e sorriu confiante, cruzando os braços sobre a mesa.
- Bom, - ela suspendeu seu olhar, pensando em como começaria. Mas logo voltou a fitar - eu moro sozinha e preferi vir para cá para aprender novas culturas e tentar procurar algo novo e que eu goste aqui. Eu gosto de sair bastante, sabe? - concordou de leve. - Mas sou responsável, adoro crianças, e acho que ser babá enquanto eu procuro novas coisas é perfeito para mim! - ela dizia aparentemente contente, seus olhos brilhavam e um sorriso não saia de seu rosto. Até que seu celular em sua bolsa tocou. Ela estranhou, já que não costumavam ligar. Impulsivamente, pegou o aparelho dentro da bolsa, constatando que era uma sms. Soltou um muxoxo, caindo em si: - Perdão, eu... Achei que fosse urgente - tratou de dizer, ao notar que a analisava com a sobrancelha suspensa.
- Tudo bem - mas ela sorriu, sem mover um músculo após isso. Discretamente, Jane guardou seu celular novamente na bolsa.
- Acho que é só isso... - Jane tinha um sorriso amarelo, esperando que lhe dissesse alguma coisa.
- Então tá ok. De acordo com o custo que eu vi na agência, acho que o justo é você trabalhar de segunda a sexta, com finais de semana livre. Mas que chegue em casa cedo, lá pelas 8h, e saída às 20h. Pode ser que você saia mais cedo, mas nunca chegue depois das 8 da manhã. Ou então terá hora extra, e quando não for necessário que você trabalhe, eu ligo avisando. Sua responsabilidade é somente com Bernardo, eu vou sempre deixar tudo pronto - como sempre, ela dizia correndo e enumerando, sem tempo para Jane dizer ou perguntar nada. Deu um tempo para respirar, olhando para os lados, tentando lembrar se havia dito tudo. - Ah! - e, sim, ela havia esquecido de um detalhe. - Meu amigo mora comigo, espero que não se importe - sorriu, alargando-o ao ouvir Jane responder:
- Sem problemas. Quando começo? - quis saber, ainda com aqueles olhos grandes e brilhantes.
- Hoje mesmo!

dirigia, enquanto uma música de fundo tocava e as duas conversavam sobre qualquer coisa. Até que em determinado momento, Jane lembrou-se da tal mensagem que havia recebido. Mesmo achando que era algum engano, ela decidiu olhar por curiosidade. Mas não, não era engano. Era uma mensagem de . Ela estranhou o conteúdo, mas guardou o celular e conversaria com ele sobre isso depois. Voltou a conversar e, quando chegaram ao destino, entrou no estacionamento do prédio, ouvindo Jane comentar ao como 'Bonito lugar'. Sorrindo pelo elogio, ela estacionou, descendo junto a Jane do carro. Foram em direção ao elevador, com os olhos de Jane observando com animação cada canto do local.
- Então, aqui estamos - abria a porta do apartamento, enquanto a outra tinha um sorriso enorme no rosto. Adentraram o local, dando de cara com um com a rosto amassado, descabelado, mas dando mamadeira a um Bernardo contente, que ficou ainda mais quando viu sua mãe entrar. - Oi, meu amor - ela se dirigiu a um Bernardo babão, pegando-o no colo e ignorando completamente a presença de .
- Esse moleque come pra cacete - comentou, levantando-se da banqueta onde estava e se virando, dando de cara com uma Jane quieta. - Essa é a nova babá? - ele quis saber com a voz incrédula, olhando para , mas apontando para Jane, que teve seu rosto coberto de confusão.
- É... - se virou para olhá-lo. - Por quê?
- Ah, qual é, cara! - sua voz transformou-se irritada, assim como sua expressão. Cruzou os braços, quase emburrado.
- Eu que ainda não estou acreditando nisso, - Jane dizia ao seu lado, mas com um tom impaciente. encarava os dois com o cenho franzido, querendo entender o que se passava ali.
- Peraí, então vocês já se conhecem?! - bom, ela não sabia se ficava feliz ou não com isso. rolou os olhos, enquanto Jane resmungou um 'pois é'. - De onde? - e se engasgou com a própria saliva. Jane tentou ajudá-lo, dando socos fortes em suas costas, enquanto estranhava aquilo tudo.
- Para, porra! - ele disse-lhe quando se recompôs, olhando furioso para ela.
- Da próxima vez eu deixo que você morra, me faria um grande favor... - ela disse despreocupada, mas encarando-o com o semblante irritado.
assistia a tudo, perplexa. Mas uma coisa ela tinha em mente: aquilo daria merda.

Capítulo 5


Ele planeja tudo antes ou vai improvisando pelo caminho?


- Eu fui contratada para ser babá do Bernardo e não sua - Jane dizia irritada a , enquanto permanecia com os olhos presos em seu caderno verde limão, sentada sobre o sofá da sala.
A babá se virou para o pequeno, que sorria para ela, e voltou a dar comida a ele, ouvindo bufar com força atrás de si.
- Mas não custava você fazer chocolate quente pra mim também - ele reclamou, abrindo a geladeira, indignado com a má vontade dela, que deu de ombros e continuou a sorrir para Bernardo.
- Pronto - sussurrou para si, levantando-se do sofá e fechando seu precioso caderno.
Ela foi para seu quarto, jogando o caderno dentro do armário e escolhendo sua roupa depressa. Estava começando a ficar atrasada, como sempre.
Correu para o banho e saiu mais apressada ainda, pegando sua roupa sobre a cama de qualquer maneira e a vestindo dentro do banheiro. Quando saiu novamente, esbarrou em , que gemeu.
- Eita, que pressa - comentou, ouvindo um 'desculpa' quase inaudível, já que ela nem olhou para o cidadão, apenas continuou apressada, escolhendo qualquer bolsa no armário. - Hm, vai voltar que horas? - ele quis saber, sentando-se sobre a própria cama, olhando , que permaneceu de costas para ele.
- Não sei, . Você sabe que não tenho hora para sair - sua voz corrida saiu abafa de dentro do armário. Ele suspirou, deitando-se na cama. - Por quê? - ela quis saber, mas para puxar assunto. Ou saiu automaticamente. Na verdade, seu corpo estava ali, sua mente estava em outro lugar.
- Curiosidade - respondeu, com os olhos grudados no teto, ouvindo-a murmurar um 'hmm'.
- Bom, - virou-se para a cama, ajeitando suas coisas dentro da bolsa - estou indo. Arruma a comida da babá pra mim? - perguntou enquanto fechava a porta do armário com o pé e jogava seus estojos dentro da bolsa de couro bege.
- Tá legal - deu de ombros, ainda fitando o teto e pensando no que fazer até a hora do trabalho.
- Tá ok. Beijos, - ela saiu tão rápido que não deu tempo nem de se despedir. Ele não ligou para isso, apenas continuou ali, relaxado, curtindo sua falta do que fazer.
Passados alguns e poucos minutos, ele ouviu um barulho parecido com o toque de um celular. E então suspendeu a sobrancelha, sentando-se e procurando de onde o som vinha. havia esquecido o celular em casa, então ele foi até a cama dela, onde estava o aparelho, e o pegou, sabendo que não daria tempo de ir atrás dela para entregar. Abriu um sorriso: já tinha o que fazer.
Voltou à sua cama e jogou-se nela, futucando até achar o menu de jogos. Mas, antes mesmo que pudesse jogar, ele tocou novamente, interrompendo o que fazia com um alerta: 'Você tem duas mensagens'. Xingou um palavrão baixinho, quem era o idiota que tinha o atrapalhado?
Decidiu clicar para abrir a mensagem, somente para o celular não vibrar de novo. Mas sua curiosidade foi maior:

, cadê você? Precisamos conversar, é urgente.
Paul.


Passou para a segunda mensagem:

'Talvez possamos nos encontrar hoje à noite.
Paul.


Suspendeu a sobrancelha em confusão. Ela nunca havia lhe dito que tinha um amigo chamado Paul, ele era desconhecido para . Suspirou, decidindo dar de ombros e voltou a futucar o aparelho, procurando um jogo legal.
Só se deu conta que já era tarde quando uma Jane entrou no quarto com Bernardo no colo.
- Vai dar onze horas e você ai jogado na cama - disse-lhe, parada ainda na porta, balançando o corpo com uma toalha sobre o ombro.
- Caralho! - e se levantou correndo, indo em direção ao banheiro e jogando o celular de de qualquer maneira sobre a cama.

Ela chegou exausta, encontrando Jane no chão da sala, brincando com Bernardo.
- Olha quem chegou! - a babá disse num tom infantil, olhando para Bernardo com o semblante feliz. Ele sorriu, mostrando que seu dentinho já crescia, e então foi de encontro ao filho, pegando-o no colo e dizendo algo como 'que saudades, meu amor'.
- Tudo bem por aqui, Jane? - virou-se para a moça que levantava com um sorriso.
- Tudo sim, - ela respondeu, ficando próximo à patroa. - Chegaram algumas contas, eu coloquei no seu criado-mudo.
- Vou dar uma olhada, obrigada - sorriu em agradecimento. - Vou tomar um banho e aí você pode ir embora - avisou, entregando seu filho para a babá, que assentiu.
Foi para seu quarto e, ao jogar sua bolsa sobre a cama, avistou seu celular. Aproximou-se, para checar se havia recebido alguma mensagem, já que havia esquecido o telefone em casa, mas o visor estava apagado, indicando que não, ele não havia ligado.
Decidiu tomar banho para relaxar e saiu de lá como outra pessoa, fisicamente. Mas sua cabeça ainda estava cansada.
Pôs uma roupa fresca e pegou seu notebook em seu armário, junto com algumas contas que estavam sobre o criado-mudo e seu celular, indo para sala em seguida. Constatou que Bernardo havia dormido, já que Jane estava sentada sobre o sofá, assistindo alguma coisa na TV.
- Pode ir para o banho, eu cuido do resto - e sentou sobre o outro sofá, abrindo seu notebook. Tinha muita, muita coisa para resolver.
Ainda distraída, ouviu o barulho da maçaneta da porta de entrada e olhou de soslaio, mesmo sabendo quem era, e voltou a sua atenção ao notebook quando a porta se abriu.
- E aí - ele disse naturalmente, fechando a porta atrás de si.
- Oi - ela respondeu distante, digitando algo enquanto folhas e folhas ocupavam o sofá. Ele se aproximou, jogando a mochila num canto e deu um beijo de costume na testa de , fazendo-a se encolher.
- Chegou cedo - comentou, virando-se e indo com pressa à cozinha.
- Pois é - parecia que sua voz saía automaticamente. Ele resmungou qualquer coisa enquanto destampava as panelas, com seu estômago revirando de fome.
- A babá já foi? - ela o ouviu perguntar, mastigando alguma coisa em seguida.
- Não, está no banheiro trocando de roupa para ir embora... - balançou a cabeça lentamente para a resposta dela e foi em direção à bancada com um pedaço de carne fria nas mãos, ainda mastigando outro pedaço.
- Aposto que nem banho ela vai tomar - e riu, sentando-se sobre a banqueta, de frente para a TV. não viu graça nenhuma no comentário, olhando com o semblante fechado para ele. Este, no entanto, não se importou e continuou rindo baixo, sentindo o cheiro de sabonete entrar no ambiente aos poucos. Perdeu a risada ao perceber que Jane saía do banheiro, com uma toalha sobre o ombro. Ela fechou a porta, entortando os lábios por ver a encarando com o semblante enigmático.
Respirou fundo e ignorou ali, caminhando à procura da patroa.
- , - chamou-a, parando diante do sofá com o olhar de em suas costas. a olhou vagarosamente, já que sua atenção no notebook era intensa - já estou indo. Quer mais alguma coisa? - ela sentiu um olhar sobre si, mas tentava ignorar ao máximo.
- Não, obrigada. Você pode ir - e sorriu fraco, voltando sua atenção ao notebook, fazendo com que Jane lhe desse as costas e fosse em direção ao quarto de Bernardo para pegar suas coisas. E levou um leve susto com seu celular escandaloso tocando. Pegou-o sobre o braço do sofá e constatou que era Grace. Por que ela sempre ligava quando ela estava concentrada? - Alô? - atendeu, fingindo não ter visto quem era e logo uma voz animada surgiu do outro lado da linha:
- Amiga! Que saudades! Como estão as coisas por aí? - ela dizia rápido enquanto uma não estava com muita paciência para conversas, apesar de a amiga estar fora por um tempo.
- Está tudo certo. E aí? - ela tentou não transparecer seu cansaço pela voz, encostando-se ao sofá e fitando um ponto qualquer, enquanto os olhos de um não desgrudavam do corredor ao lado. Ela percebeu isso, mas preferiu ignorar.
- Está tudo ótimo! Estou voltando mais ou menos daqui a um mês - avisou, voltando agora com o tom de voz normal, para a alegria do ouvido de . Esta sorriu de lado, mas sua cabeça estava tão agitada que não tinha ideia do que dizer naquele momento.
- Que bom - foi o máximo que conseguiu, tentando passar animação para a amiga.
- Mas vou logo avisando que quero que você vá me buscar na rodoviária - e mudou seu tom de voz para brigão, mas de forma brincalhona, arrancando uma risada fraca de .
- Sim, irei te buscar... Só me avisar com antecedência - ela fechou os olhos, com a mente cansada.
­ Então tá, amiga - ouviu uma risada vir do quarto de Bernardo. Estranhou, mas permaneceu com os olhos fechados e a cabeça relaxada. - Você está com a voz cansadinha... Aconteceu alguma coisa? - ela quis saber, e sorriu com a preocupação. Mas abriu os olhos, arregalando-os por ouvir um barulho forte vir da parede do quarto de Bernardo. E logo pôde ouvir a voz de dizer algo como 'Sua idiota!'.
- Não, só estou cansada do trabalho - comentou, desencostando do sofá, ainda assustada por não saber o que estava acontecendo. Pretendia contar que havia conseguido adotar a criança, mas não deu tempo:
- Problema é teu, não me culpe por isso - a voz de Jane saiu mais alto do que a de , e logo ela ouviu o choro de Bernardo.
- Tenho que desligar, depois eu te ligo - e nem esperou a resposta de Grace: jogou o celular sobre o sofá de qualquer maneira, indo ao quarto do filho com o semblante confuso e irritado.
- O que está... - ia dizendo, mas parou ao vir as coisas de Bernardo jogadas pelo chão.
- Eu posso explicar - Jane disse, olhando assustada para . Ela ignorou e passou pelos dois, indo em direção a um Bernardo que ainda chorava, fingindo não perceber a troca de olhares que Jane e haviam dado. Pegou-o no colo, e o balançou, tendo cuidado com os pés para não pisar em nada.
- Jane, - olhou-a, dando leves tapas nas costas de Bernardo - você pode pegar suas coisas e ir embora - viu-a assentir e dar às costas. - E você, , - virou-se para ele, que a olhou assustado - vá trocar de roupa porque eu quero conversar com você - ele arregalou ainda mais os olhos. Seus pensamentos e seu coração foram a mil, mas não deixou de fazer o que ela havia dito.

Bernardo dormiu de novo e então ela voltou para a sala, fechando a porta e saindo devagar. Foi até o sofá, pegou todas aquelas folhas jogadas, arrumou, uma por uma, e fechou o notebook, ouvindo o barulho da porta de seu quarto se fechar. fingiu que não a viu, mesmo sendo algo impossível, já que o apartamento era pequeno, e foi em direção à cozinha. Mesmo sem saber o assunto da conversa, faria de tudo para adiar, pois, se fosse o que ele estava pensando, era melhor ele correr.
- Vai fazer alguma coisa ou já podemos conversar? - ele ouviu a voz de , fazendo seu coração pulsar forte. Passou a língua pelos lábios, suspirando fundo.
- Bom, - começou, fazendo com que o olhasse de onde estava - marquei com os caras no pub daqui a uma hora. Acho que dá para conver...
- É sobre isso que quero conversar - apesar do cansaço, tinha o tom de voz sério, intrigando-o ainda mais. Ele engoliu em seco ao notar que ela se aproximava, mas sua expressão era suave, apesar das palavras firmes.
- E então...? - ele incentivou. Agora ele tinha curiosidade, já que não podia mais adiar a conversa.
- Então, - ela suspirou e ele estranhou, já que quase não o chamava pelo nome - eu estou tendo muito gastos aqui em casa agora com a nova babá e acho que não vamos ter mordomias por muito tempo... Eu até não estou achando justo você entrar só com o mercado... Mas olha isso aqui - e então seus olhos desviaram para as folhas que só agora ele percebeu que ela tinha nas mãos. - Você passa horas no telefone com 'não-sei-quem', ! - ele ainda tinha os olhos na conta telefônica, não querendo encarar os olhos dela por achar que estariam furiosos.
- Como sabe que eu que ligo? - ele perguntou impulsivamente, querendo se safar, mas ela bufou, abaixando o braço que estavam as folhas, fazendo com que ele olhasse para ela instantaneamente.
- Você está de brincadeira, né? - ela começava a sentir, então, seu sangue ferver. Ele cruzou os braços, esperando uma resposta, apesar de saber que era ele mesmo quem fazia as tais ligações. - Se eu passo cinco minutos no telefone, é muito, ! Eu ligo direto do meu celular - sua voz aumentava vagarosamente.
- E o que você quer que eu faça? - descruzou os braços, elevando o tom de voz também. - Pare de fazer ligações?! - o deboche que restou de sua voz, ele o pôs todo em sua expressão, fazendo gestos exagerados com as mãos.
- Seria um grande favor, já que não é você quem paga! - se irritou com a ousadia e petulância do rapaz que a encarava.
- Ah, agora vai jogar na cara?! - ele já não media suas palavras, jogando-as sem pensar sobre .
- Claro que não! - seu rosto era tão raivoso, que ele sabia que ela poderia surtar ainda mais se continuasse, mas ele não se importava. - Eu só quero que você tome vergonha, e se for usar o telefone do mesmo jeito que você troca de roupa, pelo menos ajude a pagar as contas!
- Pagar com que dinheiro, garota? - ele voltou a cruzou os braços, irritado e egoísta, sem lembrar que ele trabalhava e poderia sim ajudar a pagar as contas.
- Você não trabalha? Se você pode ajudar a consumir, você pode ajudar a pagar! Eu não sou sua mãe, eu não vou te sustentar pro resto da vida, não. E tem mais: o acordo era você morar aqui até você conseguir resolver sua vida e o que você faz? Senta no sofá e assiste televisão, como se eu fosse sua empregada que paga suas contas, que faz sua comida e te coloca para dormir! - ela não pensou no que estava dizendo, as palavras saiam sem sua permissão. Mas se ela disse, era exatamente o que ela queria dizer, mesmo que ela não refletisse antes sobre como dizer.
- Então é isso? Você quer que eu pegue minhas coisas e vá embora? - o que ela disse não o tocou nem um pouco, ele ainda tinha raiva na voz.
- Deixa de drama, ! Eu não disse isso, mas estou quase dizendo! Eu só quero que, ou você pare de abusar da minha boa vontade, ou você ajuda a pagar as contas, ou então, sim, eu te digo para você pegar suas coisas e sair - dizia tão rápido, que nem ela mesma conseguia entender o que estava falando.
- Tudo bem, - ele acalmou seu tom de voz, mas suas palavras eram firmes, pesadas, carregadas de ódio - eu só te digo uma coisa: se eu for embora... - pensou bem, mas era sua moradia que estava em jogo. Continuou: - Eu peço o divórcio.
Ele deu as costas, indo em direção à saída. Saiu sem olhar para trás, batendo a porta com força atrás de si.


Com os olhos baixos, ele puxou a cadeira com a força que sua raiva permitiu e sentou-se, ainda com os olhos grudados na mesa. Os três que ali estava, olharam-no confusos.
- O que foi, cara? - foi o primeiro a perguntar, sabendo que o amigo não estava de bom humor. o olhou, ainda tinha raiva em seus olhos.
- Tsc, - soltou um muxoxo - briguei com aquela... - e grunhiu, sem saber que adjetivo dar a ela. uniu as sobrancelhas, nunca tinha visto o amigo tão bravo.
- Mas por que brigaram? - tinha curiosidade, mesmo estranhando seu estado não muito normal.
- Ah, ela reclamou que eu falo muito no telefone, que eu tenho que ajudar a pagar as contas, que eu não faço nada da vida e blábláblá - ele tinha gestos exagerado, com a voz levemente afetada pela ira. - Aí ela disse que era para eu ajudar ou então ela ia mandar eu sair - bufou com força, vendo que os três arregalaram seus olhos.
- E o que tu vai fazer? - a pergunta de saiu imediatamente, sem ideia de como ajudar .
- Sei lá, eu não tenho dinheiro para ajudar, não - disse, mas logo reajustou a frase ao vir a cara de poucos amigos dos três em sua frente: - Ah, o dinheiro que eu ganho na empresa é pouco, cara. Eu ajudo com o mercado, o que sobra é para eu me divertir! - dizia indignado, ainda com a voz alterada.
- Hm, você pode, sei lá, dar um jeito de ela mudar de ideia... - disse, pensativo, passando a língua pelos lábios.
- De que jeito?! - quis saber sem paciência, não vendo nenhuma solução para seu problema.
- Ah, você podia provocá-la, sei lá, fazer com que ela sinta vontade de te ter por perto - continuou com seu pensamento, recebendo olhares incrédulos de e .
- Você tá louco, né, não? - também estava incrédulo, olhando-o com o semblante fechado. - Meu caso é com mulheres hots e gostosas, e não com uma mulher solteira, que decidiu adotar e me meter nisso - ele dizia ainda impaciente.
- Mas você aceitou, - acusou prontamente, fazendo-o olhar.
- Eu aceitei porque eu não tinha para onde ir! - aumentou o tom de voz, que foi abafado pela música que tocava. - Mas eu não sabia que ela me colocaria como babá do filho adotado dela - olhou para o lado invocado, levantando a mão quando avistou o garçom.
- Então, cara, não sei como te ajudar - tinha a voz derrotada, realmente sem nenhuma ideia a mais.
- É, vou pensar em alguma coisa - e voltou a olhar os amigos, vendo o garçom se aproximar. - Uma cerveja, por favor.

***


's POV On

Durante alguns minutos, eu fiquei estática, ainda com os olhos na porta. Meu coração pulsava forte, minha cabeça girava e minha respiração continuava ofegante.
Eu estava confusa.
Por um lado, estou arrependida por ter pedido a ele para me ajudar, casando comigo. Por outro, não estou porque tenho Bernardo. Se não fosse , quem me ajudaria?
Se ele fosse embora, se ele pedisse o divórcio, como seria? Eu não sabia se isso prejudicaria a adoção, eu estava muito confusa.
O que me tirou do transe foi meu celular tocando. Balancei minha cabeça negativamente, indo em direção ao aparelho sobre o sofá com pressa.
No visor estava escrito 'Paul'. Sorri.
- Alô?! - ele, finalmente, ligou e eu tiraria aquele peso nas costas.

's POV Off

Não estava muito tarde, ainda. Mas a porta principal abria devagar, fazendo , que estava arrumando suas coisas na bolsa sobre a bancada da cozinha, tomar um leve susto por ver entrar. Ele não chegava a essa hora. Entortou os lábios e, dentre todas as informações que rondavam sua cabeça, uma dizia que ela deveria voltar ao assunto com . Mas seu coração pediu para ignorá-lo. E assim ela fez.
Ele entrou em silêncio, fechando a porta devagar. Virou-se para e coçou a nuca, enquanto ela já tinha sua atenção voltada para suas coisas na bolsa e Bernardo babava na cadeirinha azul ao lado dela.
- Boa, - soluçou - noite.
Vagarosamente, parando seus movimentos na bolsa, ela o olhou. Os olhos dele estavam vermelhos e caídos e ela sabia o que aquilo significava.
- Ai, - gemeu - eu não acredito - sussurrou para si, suspirando em seguida.
- O que foi? - ele quis saber, com a expressão confusa, ainda coçando a nuca.
- Não faz nem três horas que você saiu. Se você é fraco pra beber, então por que bebe? - ela fez essa pergunta mais para ela, não esperando resposta nenhuma.
- Tsc - soltou um muxoxo, voltando a sua expressão normal e caminhando para o sofá, passando por ela, que suspirou novamente.
- Estou de saída, não sei que horas eu volto - avisou naturalmente, fechando o zíper da bolsa e colocando-a sobre o ombro.
- Aham - ele soltou após se jogar no sofá, pegando o controle remoto.
- Outra coisa, pare de comprar payperview de filme para maiores, porque não to a fim de pagar mais um no mês que vem - dizia sem pensar, enquanto guiava seu corpo para próximo de Bernardo, pegando-o no colo.
- Fala sério, então o que tem pra fazer? - ele se irritou novamente com o tom mandão que ela tinha, jogando o controle de qualquer maneira na mesa de centro. Ela foi até seu campo de visão, fazendo-o olhá-la furioso.
- Você veio para casa cedo para quê, mesmo? - novamente, ela não esperava resposta, apenas dizia para tirar o nó que tinha na garganta. - Se for para me irritar, eu preferia que você continuasse lá, bebendo, fumando, transando, sei lá o que você faz, só que... - e, para ele, a voz dela foi ficando inaudível. Seus olhos estavam mais preocupados em fitar seu corpo.
Ela vestia um vestido preto que moldava seu corpo, com um decote não muito ousado, mas provocador ao mesmo tempo. Usava um salto médio, enquanto um lado do corpo tinha a bolsa bege sobre a bolsa branca de Bernardo. Usava uma maquiagem leve, que só agora ele pôde perceber. Seus cabelos estavam soltos, o que é raro, jogados em seus ombros. Ele nunca tinha a visto tão linda, vestida deste jeito.
- ... Então não me venha me perguntar o que tem para fazer, porque você tem sim, várias coisas para fazer, - mesmo com o tom de voz aumentando aos poucos, falando correndo, ela não se importou quando levantou com o olhar longe - mas você não faz. A única coisa que você sabe fazer depois que chega do trabalho é procurar por comida e assistir televis... - e ele a beijou sem se importar com o que ela dizia. Aliás, ele não prestou atenção em uma palavra, apenas colocou a mão na nuca dela, ouvindo Bernardo dar uma risadinha infantil.

's POV On

Eu não saberia explicar o calor em minha nuca se alguém ousasse a me perguntar. Sua boca era tão macia que me deixou entorpecido, mas isso não passou de quatro segundos, já que sua mão pesada me estapeando me tirou do leve transe. Gemi, ouvindo sua voz baixa:
- Como chegamos até aqui? - eu não sabia que expressão ela tinha, apesar da sua voz ter falhado em algumas vogais. Meus olhos permaneciam fechados, enquanto passei a língua pelos lábios discretamente. Não sei, mas meu corpo pedia sua boca novamente.
- Só assim você cala a boca - eu não estava mentindo, mas respondi de má vontade ao abrir os olhos, ainda sentindo uma pequena ardência pelo tapa que ela havia me dado. Seu rosto estava ruborizado, mas eu não sabia ao certo se ela corava ou se ela sentia raiva, apesar de sua voz dizer que era a primeira hipótese.
Ouvi seu muxoxo baixo e então seu celular começou a tocar dentro da bolsa. Enrolada com Bernardo que brincava com seus cabelos soltos, ela se guiou para próximo da bancada. Decidi me virar antes que eu cometesse algo que eu, com certeza, me arrependeria depois.
Joguei-me no sofá e fechei meus olhos, só então percebendo que meu coração pulsava forte.
- Oi, Paul - meus olhos abriram instantaneamente só por ouvir esse nome. Não sei ao certo, mas eu tinha curiosidade de saber quem era e, me sentindo um idiota, direcionei meu olhar a ela, prestando atenção na conversa: - Sem problemas, eu ainda não sai de casa - ela tentou um sorriso fitando um canto qualquer da sala. Suas bochechas ainda estavam rosadas. - Tá ok, estarei lá - e então sorriu, desligando o aparelho e o guardando na bolsa. Se virou para mim: - Estou indo - sua voz ainda falhava e então ela se virou para a porta, indo em direção a esta com o olhar assustado.
Quando eu dei por mim, eu estava de pé, indo às pressas até a porta que havia acabado de bater e a abri novamente, encontrando-a ainda no corredor, andando de um lado para o outro com os olhos baixos. Bernardo ainda brincava com seus cabelos e, sem meu consentimento, ouvi minha voz perguntar:
- Você... Precisa mesmo ir? - ela teve uma pequena reação de susto, mas me olhou perplexa. Eu permaneci estático, ainda digerindo o que eu havia acabado de lhe perguntar.
- Não estou entendendo - sua voz saiu baixa, quase inaudível. Piscou algumas vezes e então eu me toquei no que eu estava fazendo.
Virei lentamente e fechei a porta. Eu não queria explicar que, supostamente, eu a queria ali comigo e que esse poderia ser o início da perda de controle que eu tinha indiretamente sobre ela.

Eu não sabia muito bem o porquê, mas eu não conseguia sentir sono naquela noite. Essa da sair agora à noite levando Bernardo junto para se encontrar com o tal do Paul, não me digeriu muito bem. Eu ainda sentia meu coração pulsar forte e eu não tinha a mínima ideia do que se passava na TV. Minha cabeça tinha várias perguntas que queriam ser respondidas: Quem é esse Paul? Ela tá saindo com ele? Ela tá gostando disso? Ela gostou do beijo? Eu gostei do beijo? E a mais importante de todas: por que diabos eu não consigo parar de pensar nisso?
Balancei a cabeça levemente para afastar pensamentos e ouvi a porta se abrir. Meus olhos foram diretos ao aparelho de DVD abaixo da TV: já haviam se passado três horas desde a hora que ela saiu. Ou seja: minha mente estava a mil, pensando nela durante três horas.
- Oi, - ouvi sua voz embargada e me virei para ela, que passava neste exato momento atrás do sofá onde eu estava, indo para o quarto de Bernardo, com ele no colo. Ela não esperou eu responder, apenas continuou andando e sumiu cômodo a dentro.
Soltei um suspiro pesado, me levantando e indo para meu quarto. Joguei-me na cama, pensando, agora, sobre o assunto de mais cedo. Eu sabia que um clima tenso ia se instalar ali, já que discutimos duas vezes pelo mesmo motivo num dia só e a única atitude que eu tive para amenizar a situação - ou fazê-la calar a droga da boca - foi beijá-la. De início, achei essa ideia ridícula. Mas dizem que você só sabe os prós e os contras de algo quando você tenta. Se a ideia é chula ou não, não interessa; ela vai te dar um resultado. E pode ser que esse resultado não seja lá o esperado por você. Eu não acreditava, achava que eu podia julgar um plano por parecer idiota sem ao menos tentar. Mas estou começando a discordar do meu próprio pensamento.
O barulho dos passos de me deixou em alerta. Deitei a cabeça na cama e pude vê-la entrar no quarto com os olhos no chão, coçando a nuca. Sua expressão estava cansada e então ela se sentou na própria cama e tirou os sapatos.
Meu coração disparou quando ela virou o rosto para mim, dizendo com a voz baixa:
- Precisamos conversar - e voltou a sua atenção ao que fazia antes.
Mesmo sem saber o assunto, isso já me deixava nervoso. Eu não sabia se era sobre eu pegar minhas trouxas e dar o fora dali, não sabia se era sobre o beijo, não sabia se era sobre o tal Paul, eu não sabia e não tinha nem uma mínima dica. Ela se movimentava rápido no quarto, separando suas roupas enquanto eu a observava sem expressão, sem emoção. Eu estava muito ocupado tentando acalmar o coração e criando mil desculpas para qualquer coisa que ela fosse dizer, mas todas eram esfarrapadas. era esperta, se eu dissesse que eu a beijei porque eu quis, ela jamais acreditaria em mim. Não que isso fosse uma verdade, mas eu conhecia bem a pessoa que eu estava lidando. Ela entrou no banheiro e, alguns segundos depois, o barulho do chuveiro me fez relaxar um pouco, sabendo que eu teria mais alguns minutos para pensar numa saída, tanto para o tal beijo, tanto para o assunto sobre ajudar em casa.
Sentei com as costas encostada na cabeceira, cruzando minhas pernas esticadas sobre a cama e me ajeitei com um travesseiro no colo. Apertei-o, sabendo que mais cedo ou mais tarde ela sairia de lá e recomeçaríamos aquela discussão.
Levantei meu olhar vagarosamente de acordo com sua aproximação e ela sentou na ponta da minha cama, praticamente ao meu lado, olhando-me com o semblante enigmático. Não sei por quanto tempo ficamos nos encarando, mas sua voz que me fez sair do transe:
- Você pode me explicar que beijo foi aquele? - ela tinha a voz receosa, apesar de não ela não mover um músculo da cara, quase não pude ver sua boca se mexer. Seus olhos me passavam dúvida, e sabe aquelas desculpas que fiquei preparando? Todas elas simplesmente sumiram.
- Er, eu... Bom, eu... - e o idiota aqui começou a gaguejar, sem ter ideia do que dizer a ela. Eu disse que era para ela calar a boca no momento, mas provavelmente ela não me ouviu. Eu diria novamente, mas ela parecia que li pensamentos:
- Se você me disser que era para calar a boca novamente, - ela levantou uma das mãos, fechando o punho - juro que eu... - e deixou a frase no ar, fechando os olhos e suspirando pesado. - Quero que me explique, também, por que pediu para eu não ir - dessa vez ela disse assim, na lata. Por essa eu não esperava, aliás, eu não me lembrava disso, já que eu o fiz por impulso, não estava nos meus planos. Alguns minutos se passaram e enquanto eu a encarava com cara de cão sem dono, ela permanecia com o olhar dentro de meus olhos, fielmente, sem piscar, deixando-me constrangido.
- , eu não tenho o que te dizer - eu disse, sincero, tentando ao máximo não gaguejar, o que consegui com êxito, já que isso não se passava da verdade.
- Hoje, mais cedo, você me disse coisas que seria legal que eu esquecesse, mas o meu amor próprio não vai deixar me esquecer - ela tinha a voz tão mansa, tão serena, que quem via de longe não conseguiria acreditar que ela estava reclamando comigo. - E, depois, quando você volta, você simplesmente me beija e pede para ficar? - sua expressão transformou-se confusa, provavelmente traduzindo o que estava em sua cabeça. - Você não precisa me dar explicações do que aconteceu, eu vou tentar fingir que esse beijo nunca rolou. Mas tenta colocar na sua cabeça que todas as suas ações têm suas consequências. Não brinca com os sentimentos dos outros, , não mexe no que está quieto. E, saindo um pouco do seu caso, por mais que você esteja arrependido, você sempre vai ter de pagar pelo o que você fez - e sorriu. Sim, ela sorriu! Mas não era um sorriso debochado, não era um sorriso maléfico. Era um sorriso verdadeiro, o que raramente eu via em seu rosto. Quando eu dei por mim, eu estava sorrindo junto.
Ela se aproximou, fazendo com que meu coração disparasse forte novamente e fechei meus olhos instantaneamente, mas uma onda de alívio percorreu meu corpo por seu beijo ter sido dado em minha testa.
- Boa noite, - ela se levantou e meu olhar a seguiu indo para a sua cama, ajeitando-se com o edredom.
- , - ela se virou para mim antes de se deitar - não se preocupa. Eu vou te ajudar a pagar as coisas de casa, eu só... Preciso de um tempo - tentei meu melhor sorriso, alargando-o quando ela assentiu, fechando seus olhos.
Mesmo sem pensar na consequência das minhas atitudes dos próximos dias, eu estava decidido. Eu me arriscaria a pagar se não desse certo.

Capítulo 6


Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração?


[N.a.: Se quiser, coloque essa música para carregar: She Will Be Loved - Maroon 5.]

's POV On.

Fazia frio e esse era um dos raros sábados em que eu ficava em casa. Acredite, normalmente aos sábados, eu estava visitando obras. Aproveitei para relaxar um pouco e ver desenhos junto à Bernardo. passou o dia inteiro quieto no quarto, sem muitas palavras, e eu não quis puxar assunto, já que eu não sabia exatamente o que se passava na cabeça dele, agora.
No final da tarde, eu dei o que comer para Ben e ele acabou dormindo, enquanto eu estava sentada sobre o sofá, assistindo aos desenhos que ele assistia antes.
Dizem que mulher é precipitada. Até agora, eu não me considerava parte desse grupo, até olhar no calendário mental e ver que ainda estamos no início de Novembro e eu já estou me programando para o Natal.
Eu amo essa época do ano. Nos anos anteriores, eu e meu pai íamos para a casa de e lá fazíamos uma grande mesa de Natal com os parentes dela. Cada um levava uma coisa e, no final, estava todo mundo feliz, independente dos problemas. Mas, este ano, vai ser diferente. Meu pai está morando com a nova mulher desde os meados do ano passado, e lembra que tem filha de vez em quando. Meus avós faleceram, e , bom, é provável que ela viaje, já que dentro de quatro ou cinco semanas ela vai se casar. Não digo que ela passe o Natal em lua-de-mel, mas é por aí.
E pensando nisso, acabou que minha preocupação caiu em .
Seus amigos deverão passar com os pais, e ele... Provavelmente, comigo.
Meus pensamentos foram interrompidos pelo próprio, que sorria para mim no meu campo visão, com uma caneca de chocolate na mão, oferecendo-a para mim. Ainda sentada sobre o sofá, sorri de volta em agradecimento, pegando a tal caneca. Beberiquei um pouco para saber se estava quente, sentindo o sofá afundar-se.
- Deixei um envelope com dinheiro no seu criado-mudo, tá? - ouvi sua voz e me virei para ele, assentindo com um sorriso. - Se importa se eu sair hoje à noite? - seus olhos brilhavam enquanto me mostrava um sorriso amarelo e sem graça.
- Ué, - exclamei espantada - desde quando você me pergunta isso? - eu quis saber sincera, mas com um tom de voz brincalhão. Nada estragaria meu final de tarde de sábado. Achei que ele fosse bufar, como sempre fazia quando eu o questionava desse jeito, mas ele riu brevemente pelo nariz.
- Só achei que não quisesse ficar sozinha - ele se levantou após beber o restante de seu chocolate.
- Por quê? - suspendi a sobrancelha, estranhando aquela atitude, seguindo-o com o olhar. Ele abria a geladeira após colocar a caneca sobre a pia.
- Você não gosta de trovões, , eu sei disso - ele disse naturalmente, assustando-me de início. Eu não sabia que ele sabia desse meu lado medroso. Me vi gaguejando, sem saber o que dizer. Na verdade, eu queria agradecer por ter notado. Mas estava fora de cogitação afirmar meu medo. - Não precisa gaguejar. Se quiser, eu fico aqui com você - ele dizia sem me olhar, servindo-se de leite.
Pensei bem, eu poderia fazer alguma coisa para distrair. Não queria privá-lo de algo por conta do meu medo.
- Não, você pode ir, - disse-lhe tentando passar confiança, mas ele me olhou. Tentei ser mais convincente: - Eu brinco com Bernardo, eu arrumo algo para fazer até você voltar - ele sorriu com minha resposta, voltando sua atenção ao que ele fazia.
- Vou tentar não demorar - e riu sozinho, vindo em minha direção com seu chocolate.
- Tudo bem - eu sorri para ele, agarrando a almofada em meu colo. - Acho que, na verdade, eu vou acabar dormindo, de tão cansada que eu ando - ele me olhou com os lábios tortos, se encostando ao encosto do sofá.
- Anda complicado lá na empresa? - quis saber, e novamente eu estranhei. nunca foi preocupado em saber o que se passava na empresa, mesmo trabalhando nesta.
- A empresa não é nada. O maior problema é o cliente. Alguns me tiram do sério! - ele soltou uma risada com meu tom raivoso, relaxando a cabeça para trás. Quando dei por mim, eu estava fitando sua boca e sua risada gostosa escapar por esta e acabei rindo junto a ele, mesmo sem ter um motivo exato para isso.
- Sorte que eu não trabalho nessa área - ele disse, voltando seu olhar para a TV ainda com um sorriso pequeno no canto do rosto.
- Por falar nisso, - ele me olhou, acabando com o sorriso devido ao tom sério que usei - você não pensa em fazer nada, não? Tipo, faculdade e derivados? - tentei usar um tom risonho para ele saber que eu não falava por mal.
- Sei lá, - ele desviou seu olhar para um canto qualquer da sala. Continuou num tom baixo: - Minha pretensão era ser músico, mas o tempo foi passando e eu não tive ninguém para me dar um impulso, sabe? - assenti, demonstrando que eu estava prestando atenção. Tomei mais um gole do chocolate. - Mas eu desisti, eu vou pensar em outra coisa - e sorriu triste.
- Mas você ainda conserva esse seu dom de cantar? - perguntei num sorriso beirando ao infantil e ele riu, pude ver suas bochechas tomar a cor rosada instantaneamente.
- Faz muito tempo que eu não canto - disse, ainda rindo um pouco.
Inclinei-me para colocar a caneca sobre a mesa de centro, sentindo que me observava. Joguei a almofada no outro sofá e me levantei, estendendo a mão para ele.
- Me faz um favor? - ele olhou para minha mão e depois para meus olhos, com a sobrancelha suspensa. Assentiu, tocando minha mão e dando impulso para levantar, enquanto eu continuava: - Pega um pano úmido ali no banheiro, depois vem para o quarto.
Mesmo sem entender, ele não questionou nada, apenas soltou meus dedos e foi em direção ao banheiro, enquanto eu ia para a varanda de meu quarto, pegando a cadeira de ferro, arrastando-a até a porta de meu armário. Subi na cadeira e, com um pouco de dificuldade, eu peguei o violão que estava um pouco afastado da ponta, quase encostado na parede. Ouvi os passos de enquanto eu arrastava o violão.
Virei para ele e este me olhava com os braços cruzados, com um pano numa das mãos.
- Segura pra mim - e praticamente joguei o violão para ele.
- Você não vai fazer isso comigo - ouvi sua voz enquanto eu pulava da cadeira. Aproximei-me rindo um pouco, pegando o pano de sua mão.
- Já estou fazendo - peguei o violão e fui em direção à varanda, sentindo que ele vinha atrás.
- Mas eu acabei de dizer que faz muito tempo que eu não canto, - ele dizia emburrado, eu pude ver seu corpo parar ao meu lado com a cadeira enquanto eu já estava passando o pano pelo violão preto, que, por acaso, estava cinza.
- Vai me deixar na mão? - eu parei de fazer o que fazia para encará-lo, ouvindo um trovão que me fez arrepiar.
- Você e suas chantagens... - apesar de ele ter bufado, eu sabia que ele estava falando brincando, pois, ainda assim, ele tinha um sorriso no cantinho do lábio. Ri um pouco e voltei a limpar o violão, ouvindo o barulho da cadeira arrastar-se até meu lado.
Ele já estava sentado e eu me apressei a chegar a cadeira mais para dentro da varanda, para não ter riscos de nos molharmos caso a chuva aumentasse, colocando-a ao seu lado. Empurrei mais a mesa para frente e pus o violão em seu colo, ouvindo-o resmungar algo que eu não me dei ao trabalho de procurar entender.
Peguei em sua mão, sentindo-as suadas. Devia ser por causa do pano úmido que antes ele segurava. Um pouco sem jeito, eu pus seus dedos no braço do violão. A outra eu pretendia levar até às cordas, mas bufou:
- Eu ainda lembro como se segura um violão, tá ok? - ele disse e eu ri baixo, me tocando que eu estava praticamente ensinando a ele a segurar o meu bebê.
Eu subi na cadeira e sentei no braço desta, ficando de lado e de costas para . Apesar de o sol estar escondido dentre as nuvens, o céu estava num tom laranja acinzentado. A brisa que passava por nós era fraca e gostosa, balançando levemente nossos cabelos.
- Quer que eu faça o que, agora? - ouvi sua voz e não perdi a oportunidade de me virar um pouco para olhá-lo com minha melhor cara de poucos amigos.
- Comece a cantar, que ideia - eu lhe disse num tom óbvio, virando-me para a posição inicial.
- Quer que eu cante o quê? - ele questionou confuso, fazendo-me suspirar por sua falta de iniciativa.
- Hm, escolhe você - eu disse, sincera, mas um pouco aérea, admirando a paisagem.
Em alguns segundos, ele dedilhou algumas notas e logo pude ouvir sua voz:

[N.a.: Pode dar play :D]


Beauty queen of only eighteen, she had some trouble with herself
Rainha da beleza de apenas 18 anos, ela não aceitava muito bem

He was always there to help her, she always belonged to someone else
Ele sempre estava lá para ajudá-la, ela sempre pertenceu a outro

Sorri comigo mesma, sentindo a brisa bater em meu rosto e ouvir sua voz tão suave chegar em meus ouvidos. Não sei como eu poderia descrever aquela sensação.

I drove for miles and miles and wound up at your door
Eu dirigi por quilômetros e vim parar em sua porta

I've had you so many times but somehow I want more
Eu tive você tantas vezes, mas, por algum motivo, eu quero mais


Virei e pus uma de minhas mãos em seu ombro, sorrindo quando ele me olhou.


I don't mind spending everyday out on your corner in the pouring rain
Não me importo de ficar todo dia na sua esquina sob a chuva

Look for the girl with the broken smile, ask her if she wants to stay awhile
Procure a menina do sorriso partido, pergunte se ela quer ficar um pouco


Puxei o ar pelos pulmões fechando meus olhos, cantando junto com ele:


And she will be loved, she will be loved
E ela será amada, ela será amada


Abri meus olhos e ele me olhava com um sorriso, fazendo um sinal com a cabeça para que eu continuasse.


Tap on my window, knock on my door. I want to make you feel beautiful
Toque na minha janela, bata na minha porta. Quero fazer você se sentir linda

I know I tend to get so insecure, It doesn't matter anymore
Eu sei que eu tendo a ser inseguro, isso não importa mais

E voltou a cantar comigo:

It's not always rainbows and butterflies, it's compromise that moves us along, yeah
Nem tudo é sempre arco-íris e borboletas, as concessões que nos impulsionam

My heart is full and my door's always open, you can come anytime you want
Meu coração está cheio e a porta está aberta, você pode vir quando quiser

Fechei meus olhos novamente, concentrando-me em memorizar aquela sensação incomparável.

I don't mind spending everyday out on your corner in the pouring rain
Não me importo de ficar todo dia na sua esquina sob a chuva

Look for the girl with the broken smile, ask her if she wants to stay awhile
Procure a menina do sorriso partido, pergunte se ela quer ficar um pouco

And she will be loved, and she will be loved. And she will be loved, and she will... Be loved
E ela será amada, e ela será amada. E ela será amada, e ela será... amada


's POV On.

Dedilhei as últimas notas, sentindo meu corpo anestesiado pelos últimos minutos. Mas tomei um leve susto com seus braços finos envolvendo-me o pescoço:
- Muito bom, ! - seu hálito em minha bochecha me fez fechar os olhos e tentar controlar um leve arrepio que senti. Ela me deu um beijo na bochecha e, em seguida, afastei meu rosto, virando-me para ela, um pouco sem graça. Meu sorriso amarelo se formava sem eu perceber em meu rosto.
- Nossa, - desviei meu olhar para a chuva que aumentava aos poucos - muito tempo que eu não fazia isso - meus olhos estavam levemente marejados, por sentir saudades da época em que eu e os caras cantávamos num domingo à noite pela falta do que fazer. Esses tempos foram passando, até que nenhum deles se interessou mais pela música.
- Não sabia desse teu dom para cantar e tocar, não - ela dizia num tom risonho. - Se prepara porque eu vou te explorar mais - soltei uma risada breve, ouvindo-a rir em seguida pela própria frase.
- Mas eu não sabia que você tinha um violão - falei sincero, tentando lembrar de alguma vez que ela tenha me mostrado tal instrumento. - E você nunca me deixou mostrar esse meu lado - eu senti minha voz sumir aos poucos enquanto eu encostava o violão na parede. Entrelacei as mãos na barriga, sentindo, agora, seu olhar sobre mim. - Digo, er... - gaguejei sem motivo nenhum e acho que sua falta de palavras estava me deixando mais nervoso. Não sei, mas acho que eu sentia medo de ela brigar comigo. Eu só não entendia o motivo desse medo.
Fechando meus olhos rápido, tentei me concentrar no que eu queria dizer. Mas antes eu queria ter certeza de que ela não daria mais um de seus escândalos, apesar de que, para mim, não era nada demais. Virei para ela e continuava a me encarar com a expressão confusa.
- Não me leva a mal se eu disser uma coisa? - e, novamente, aquele sorriso sem graça deu o ar da graça sem minha autorização. Ela simplesmente deu de ombros, assentindo. Continuei, então: - Mesmo estando perto, muito perto, você sempre foi distante, eu acho que eu não te conheço de verdade... E acho que você... Aliás, você não me conhece de verdade - eu engoli em seco. Estranhamente, senti uma onda de culpa passar por meu corpo, causando-me um embrulho no estômago e um arrepio estranho. Eu não sabia o porquê de eu estar dizendo aquilo para ela, mas eu sentia necessidade de ser sincero, seus olhos me pediam isso e meu corpo, como se ela fosse meu controle, correspondia a seu desejo. - É, , você nunca me deixou mostrar nada - eu tentava manter meu olhar no dela, esperando sua reação, mas eu podia sentir minha bochechar corar.
- Me desculpa, mas... , eu sou muito egoísta - ela começou e eu franzi a testa, sem entender o que ela queria dizer. - Muitas vezes eu só penso em mim e em mais ninguém. Eu vivo para o meu trabalho, que é uma das coisas que mais me faz feliz. Eu gosto do que eu faço, é uma distração para mim. Eu tenho muitas coisas guardadas aqui, - ela apontou para o próprio peito.
- Ér, e... Você quer falar sobre elas? - eu perguntei por educação, sabendo qual seria sua resposta.
Ela sorriu de lado, levantando e se pondo entre minhas pernas. pôs as mãos na lateral de minha cabeça e me deu um beijo na testa demorado e eu fechei meus olhos, sentindo um choque por meu corpo ao sentir sua boca em minha pele.
- É melhor não, - ouvi sua voz ao se afastar, mas me limitei a assentir, ouvindo outro trovão. Suas mãos, que ainda estavam na lateral da minha cabeça, me arranharam levemente pelo susto, e dessa vez foi muito, muito difícil não deixar transparecer que estremeci. Apesar de estar confuso com essas reações do meu corpo, eu estava gostando de sentir aquilo. Era puro e sincero, eu não me forçava a sentir.
Ela se afastou e pude sentir seu cheiro deixado para trás. Abri meus olhos e senti meu coração bater forte, fazendo-me suspirar para tentar acalmá-lo e me levantei ao som de mais um trovão.

Eu não conseguia me concentrar direito no banho, eu pensava apenas em sua boca encostando em minha pele e na sensação que aquilo me dava. Eu pensava em sua voz doce cantando próximo ao meu ouvido, eu pensava no som baixo de sua risada... E só de lembrar que essas reações se despertaram graças a um beijo não planejado, soa até patético.
Pensei em desistir de tudo que eu havia planejado para ajudar , mas eu tinha certeza de que, uma hora ou outra, eu ia acabando mudando de ideia, já que eu ajo por impulso. Se o momento pedir uma atitude, eu vou ter tal atitude independente do que aconteça depois.
Decidi me apressar ao ouvir o barulho de mais um trovão.
Pensei, até, em não ir e ficar essa noite com , mas meu corpo e meu desejo falavam mais alto. Eu precisava daquilo o quanto antes, ou então eu surtaria.


's POV On.

- O que é isso? - a voz esganiçada de interrompeu minha checagem para ver se estava tudo nos conformes. Meus olhos, que antes estavam sobre o material de limpeza no canto da cozinha, foram para seu rosto confuso.
- Vassoura, balde, água, rodo, pano - apontei para os objetos à minha frente - - e apontei para o dito cujo. Rolei os olhos por sua ignorância e pude ouvir a risada baixa de . Ele arrepiou o cabelo com as mãos, passando por mim e indo para a cozinha. - Está cheiroso - arregalei meus olhos quando notei que meus pensamentos acharam o caminho da voz.
- Obrigado - ele agradeceu e eu me limitei a sorrir amarelo, mesmo sem olhá-lo. - Já estou indo - avisou, mastigando alguma coisa. Virei para ele e percebi que era uma maçã.
- Tudo bem, vai lá - eu sorri, vendo-o vir em minha direção, mas ele parou de repente e contorceu o rosto. Voltou a andar, fazendo-me contorcer o meu, dessa vez. E parou de novo. Suspendi a sobrancelha. - Algum problema? - apesar de minha voz ter saído mais afetada do que eu pretendia, eu estava realmente preocupada com aquele anda e para.
- Não, eu... - ele veio em minha direção diretamente e então me deu um beijo na testa, fazendo-me fechar os olhos. Como um instinto, eu segurei em seu cotovelo, já que ele suspendeu uma das mãos para afagar meus cabelos. Senti meu corpo dar uns choques estranhos, indo da cabeça até os pés. Devia ser porque sua boca estava gelada devido à maçã.
Soltei um suspiro pesado, sem realmente saber o que fazer e então ele me soltou, ao som de outro trovão. Sem mais delongas, ele se virou sem nem me olhar, indo em direção à porta com pressa.
- Ei, ei - chamei, cruzando os braços e me abraçando ao ouvir mais outro trovão. Ele se virou com o cenho contorcido em confusão. - Pega ali minha chave, te empresto o carro.
- Não, não. Fica tranquila, eu to bem - ele dizia, coçando a nuca. Dei um suspiro, não concordando que ele fosse nessa chuva à pé ou de trem, ônibus, sei lá. Fui em direção ao chaveiro próximo à porta e peguei a chave, sentindo seu olhar em minhas costas.
- Toma - disse-lhe, entregando o molho de chaves.
- Não, não precisa - ele disse, mas estendendo a mão, fazendo-me rir fraco.
- Sério, . Se você acha que vou te deixar sair nessa chuva, tá enganado - mas eu lhe disse séria e ele entortou os lábios, pensativo.
- Seu carro é complicado, eu não sei dirigir ele - rolei meus olhos, não acreditando que ele me dizia aquilo.
- Fala sério... Vai logo, - eu disse, sem paciência, praticamente o expulsando de casa. Ele acabou concordando, saindo porta afora com seu cabelo desarrumado.
E eu? Bom, tinha um apartamento inteiro me esperando.

Tá ok que eu estava acostumada a fazer isso, mas minhas costas doíam. E, bom, eu já sabia o que aquilo significava: TPM.
Joguei-me no sofá, exausta. Sim, claro. Além de limpar o apartamento inteiro, arrumar a bagunça que só conseguia fazer na casa, eu precisei me dedicar à Bernardo, que vem dormindo menos com o passar dos dias. De acordo com o livro que ganhei de , isso é normal. Mas é cansativo ter de dar mamadeira, ter de brincar, ter de separar roupas, ter de limpar, tudo ao mesmo tempo.
Dei um longo suspiro, tentando relaxar meu corpo sobre o sofá e sentindo a preguiça chegar aos poucos. Outro trovão e abri meus olhos arregalados, ouvindo chaves ao lado de fora. Virei para a porta e entrava um . Todo encharcado.
Enquanto ele fechava a porta, eu me aproximava um pouco assustada.
- Por que está todo molhado assim? - eu perguntei, sentindo minha sobrancelha arquear levemente. Ele suspirou, virando-se após trancar a porta.
- A vadia do segundo andar estacionou na sua vaga - sua voz saiu com uma pitada de raiva. se abraçou, com o rosto um pouco vermelho. - Tive que estacionar na puta que pariu e vir andando à pé - bufou, espirrando em seguida.
- Você precisa de um banho quente, - eu me aproximei, puxando-o pelo braço e ouvindo seus resmungos. Pelo amor, eu já tinha uma criança para cuidar. - Vá tomar um banho que eu pego uma toalha e uma roupa pra você - eu o soltei, indo para o armário e esperando que ele fosse para o banheiro. Mas eu senti a presença do cara em minhas costas. Virei para olhá-lo: - Eu não disse para você tomar banho?
- Quer me ver pelado? - ele cruzou os braços, suspendendo a sobrancelha com malícia. Limitei-me a rolar os olhos, já que essa ideia nem havia passado por minha cabeça.
Voltei a minha atenção ao armário, ouvindo a risada baixa de e pegando a primeira toalha que eu havia visto. Virei brevemente e joguei-a para ele, voltando-me para o armário novamente para procurar uma roupa agasalhada. Peguei seu casaco cinza fofo e longo de capuz, minha calça de moletom preta e uma meia que eu não lembro se é dele ou minha. Enrolei tudo e o entreguei, suspirando com outro trovão.
Espirrando novamente, ele foi para o banheiro. Aproveitei e peguei minhas meias, indo para a cozinha ver se ainda tinha chá. Devia ter, apesar de eu me viciar neles quando estou naqueles dias.
Abri o armário próximo à geladeira e vi que restava uns três sachês, ainda. Peguei um e coloquei a água para ferver.
Após me espreguiçar, fui catando os materiais que sempre deixo espalhados pela casa, catando vassoura, panos, balde... Até ouvir Bernardo chorar. Olhei para o fogão e a água estava fervendo, mas eu não deixaria meu filho chorando. Lavei a mão no banheiro e fui até o quarto, formando um bico por ouvi-lo gritar daquele jeito manhoso e o peguei no colo. Conversei com ele por alguns segundos, até que me lembrei da água no fogão. Apressei-me em ir para a cozinha com Bernardo, que já havia parado de chorar, e o coloquei na cadeirinha, pegando uma caneca grande e terminando de preparar o chá de .
Voltei-me para Bernardo, que brincava com os botões luminosos de sua cadeirinha e acabei com sua diversão, pegando-o no colo. Ele, sem motivo nenhum aparente, sorriu por isso e eu retribui, pegando a caneca sobre a bancada. Fui para o quarto e pude sentir o cheiro de sabonete, já que saia do banheiro.
- Por que você me deu sua calça pra eu vestir? - ele quis saber, com o semblante confuso. Só então eu olhei para baixo e notei que minha calça estava um pouquinho apertada, nada demais. Voltei a olhá-lo nos olhos, rindo um pouco por sua cara emburrada.
- Tá sentindo frio? - ele negou com a cabeça. - Então está ótimo - sorri, entregando-o a caneca. Ele deu de ombros, pegando-a.
- Obrigado, - sussurrou, um pouco enrolado com a caneca, tentando segurar no braço desta para não se queimar, já que o chá estava bem quente.
- De nada - respondi, vendo que ele já havia se entendido com a tal caneca. - Mas toma logo, chá frio é ruim e não faz efeito - dizia-lhe, indo em direção a minha cama e tentando colocar Bernardo sobre ela, mas este se divertia com meus cabelos. - Você quer me soltar? - perguntei a ele num tom risonho após colocá-lo na cama, mas, mesmo assim, inclinada sobre ele. Tentei tirar suas mãozinhas de meus fios, mas quanto mais eu me esforçava, mais ele ria. Quando consegui, eu ouvi a risada baixa de , fazendo-me olhá-lo: ele nos observava, sentado em sua cama, virado para nós com as duas mãos na caneca. Aquela calça apertada com o casaco quase o engolindo o deixava um pouco engraçado.
- Tá rindo do quê, Cinderela? - ele rolou os olhos, enquanto eu ouvia Bernardo balbuciar alguma coisa.
Voltei minha atenção para meu filho, brincando de morder sua barriga e me sentindo boba por vê-lo rindo, uma risada muito gostosa. Até que a energia acabou junto a um trovão, fazendo-me bufar.
- Ninguém merece - ouvi a voz de irritada e eu suspirei, murchando por não poder mais brincar com Bernardo. Levantei e o peguei no colo, ouvindo a voz de novamente: - E agora?
- Não estou com sono, por enquanto. Vou esperar a luz voltar - eu lhe avisei, indo para a varanda. Não tinha problema, pois Bernardo estava muito bem agasalhado, até toquinha ele usava. Sentei na cadeira que ainda estava bem afastada da grade da varanda e coloquei Bernardo de frente para mim, percebendo que nos prédios mais à frente havia luz. Resmungando pela injustiça, mas agradecendo por ter um pouco de iluminação mesmo distante, ouvi a cadeira ao lado se arrastar.
- Vou te fazer companhia - ele disse num tom suave, inclinando-se para colocar a caneca sobre a mesa à nossa frente.
- Acho que esse vento não vai te fazer bem, - eu tinha minhas mãos entrelaçadas com a de Bernardo, balançando-as, mas meu olhar estava sobre .
- Eu estou de casaco, - ele disse manhoso, arrancando-me um sorriso.
- Tudo bem, mas se você ficar gemendo por aí dizendo que está com isso, que está com aquilo, eu vou te deixar sentir dor, tá ouvindo bem? - eu dizia num tom brincalhão, ouvindo Bernardo rir e bufar, mas com um sorriso pequenino.
- Insensível - resmungou, me fazendo rir pelo nariz. Impulsivamente, aproximei-me e lhe dei um beijo na bochecha, como demonstração de que eu estava apenas curtindo com a cara dele. Eu sei que eu não o deixaria sentindo dor.
Achei que ele fosse sorrir ou se encolher, sei lá. Mas ele ficou estático, apenas fechou os olhos. Não tive tempo de tentar decifrar aquela atitude, já que outro trovão arranhava o céu, fazendo-me assustar e Bernardo soltar um gemido. Já virado para este, ouvi a voz de :
- Não acha que está muito nua, não? - franzi o cenho, reparando em mim mesma: short de moletom e uma regata.
- Vou tomar coragem para ir para o banho, daqui a pouco - eu disse distante, realmente tentando criar coragem, já que o banho seria gelado.
- Você não vai tomar banho frio, - ele praticamente decidiu por mim, fazendo-me olhá-lo incrédulo. Ele me encarava sério.
- Por mais que eu não queira tomar banho frio, eu tenho que tomar banho, - eu disse com um sorriso, querendo que ele não interpretasse mal.
- Espera a luz voltar, aí você toma - ele dizia, ainda sério, sem levar meu tom risonho em consideração. Bufei, voltando-me para Bernardo, que agora estava quieto, apenas nos observando.
- Já terminou seu chá? - perguntei, querendo puxar um assunto qualquer, mesmo que fosse sobre o chá.
- Já - sua voz saiu tão baixa que se não fosse pelo esforço que eu fiz para entender duas míseras letras, eu não teria ouvido devido ao barulho da chuva que ainda caia forte.
Ele espirrou novamente e eu suspirei pesado, percebendo que ele não estava a fim de papo e então senti seu braço passar por minhas costas. Senti um arrepio estranho, mas gostoso, quando ele relaxou a mão em meu ombro. Ele me puxou mais para perto e pude sentir, segundos depois, sua boca em meus cabelos, dando-me um beijo.
- De verdade, vá trocar de roupa. Já basta eu de resfriado aqui - bom, eu não prestei atenção no que ele dizia, na verdade. Eu estava preocupada em memorizar o que eu senti quando sua voz suave chegou em meu ouvido, muito próximo.
Fiz o retrocesso e aí consegui entender o que ele havia dito. Mesmo um pouco perplexa com a sensação, eu concordei com a cabeça, soltando minhas mãos das de Bernardo.
- Segura ele, por favor - pedi, colocando-o no colo de , que se ajeitou na cadeira para recebê-lo.
Levantei e fui para meu guarda roupa, bocejando quando vesti meu casacão. Me achando nojenta por não ter tomado banho, eu pus minha calça de moletom e calcei minhas meias, voltando para a varanda com um bocejo novamente. Sentei e Bernardo estava encostado no peito de , com os olhinhos quase se fechando por causa do balanço das pernas deste.
- Se saiu bem, - disse-lhe admirada, recebendo um sorriso pelo elogio.
- Já te vi várias vezes fazendo isso - não sabia exatamente o motivo, mas eu senti minhas bochechas corarem um pouco. Bom, pode ser por saber que ele reparava em mim... O que estou dizendo?! Desde quando isso importa?
- Quer me dar ele? - eu tentei disfarçar minha cor rosada, já erguendo os braços. Ele negou com a cabeça rapidamente. Dei de ombros e me encostei, abrindo a boca para um bocejo. Pus minhas mãos entrelaçadas entre as pernas, protegendo-me do frio e então eu senti o braço de novamente me envolver, puxando-me para ele.
- Pode dormir, - ele disse simplesmente, enquanto eu sentia novamente aquela sensação de arrepio pelo meu corpo. Deitei minha cabeça em seu ombro, sentindo seus dedos me acariciarem bem lentamente. Mesmo confusa com uma vontade de sentir aquela onda de choque percorrer meu corpo, eu sentia minhas pálpebras pesarem lentamente.

's POV On.

cochilava em meu ombro, enquanto Bernardo babava em meu peito. Estávamos ali há três horas e a luz havia voltado há dez minutos. Tê-la ali tão perto era raro e eu não sairia daquele abraço tão fácil. Deitei minha cabeça na sua e fechei meus olhos, apertando Bernardo por segurança.
Eu deveria acordá-la, mas meu corpo já não agia mais racionalmente; ele agia com o coração. E isso era perigoso, no meu caso. Muito perigoso.


''Tudo acontece no seu tempo. Tudo acontece, exatamente, quando deve acontecer. ''


's POV On.

Nas últimas duas noites, não parava de tossir e espirrar. Não que isso estivesse me incomodando, de fato. Mas eu tive uma noite mal dormida. Quando eu acordei, às 7 da manhã, levantei cansada, com a lombar doendo um pouco. Eu precisava correr, já que eu teria que preparar a comida da babá e sair às nove e trinta, no máximo. Espreguicei-me, reprimindo um gemido para não acordar . Mas quando me levantei e olhei para sua cama, ele não estava lá. Entortei os lábios, um pouco confusa: que eu saiba, ele não precisava estar na empresa tão cedo. Aliás, a empresa abria somente às 10. A porta do banheiro estava aberta, tirando a cogitação de ele estar tomando banho. Fui até à sala com cautela. Bom, eu não sabia se eu ria ou se eu sorria, ou se eu chorava. Chorava?
A mesa de centro estava afastada do sofá, estava deitado (vulgo: jogado) no chão, com Bernardo sob seus braços, ambos de barriga para baixo. Metade da perna do maior estava para fora da cama improvisada com lençóis e um edredom.
Aproximei-me, eu não queria acordá-lo. Mas eu faria barulho na cozinha e ele podia piorar com o pé no chão frio. Quando estava bem ao seu lado, eu me agachei, e o chamei bem próximo ao ouvido para não acordar Bernardo:
- Ei, acorda - ele nem se mexeu. - Vamos, . Vai para a cama - eu insistia, ainda com a voz baixa em seu ouvido. - ? - chamei de novo e ele tremeu, abrindo os olhos um pouco assustado. Com a luz que entrava pela janela, seus olhos se fecharam novamente. Afastei-me um pouco, vendo-o virar sua cabeça para mim.
- O que foi? - sua voz saiu num sopro, enquanto eu reparava que eu tinha um sorriso.
- Vai para a cama, - eu disse ainda com aquele sorriso, vendo-o resmungar e virar a cabeça.
- To cansado, - ele sussurrou com a voz embargada, ainda de olhos fechados, relaxando a cabeça no travesseiro.
- Eu sei, mas você vai piorar se continuar dormindo com a perna no chão - eu dizia num tom baixo, cansada de estar naquela posição.
Ele tossiu e eu me sentei com as pernas cruzadas, esperando pacientemente que ele levantasse. Eu teria que fazer o café, mas não queria incomodar o sono dos dois.
Levei minhas mãos em seus cabelos, insistindo para que ele levantasse:
- Vai, , levanta - eu mexia meus dedos, olhando-o respirar lentamente.
- Hm, só mais uns cinco minutos, - sua voz ainda era baixa.
Dei um suspiro, tirando minhas mãos de seus cabelos e me levantei, deixando-o ali nos cintos minutos de glória. Fui para meu quarto, arrumar minhas coisas para que eu não o acordasse novamente quando eu tivesse que voltar ao quarto. Escolhi minha roupa depressa e tomei meu banho também, mesmo sabendo que eu ficaria com cheiro de comida depois.
Quando eu estava saindo do banheiro, quase pronta, eu ouvi o choro de Bernardo vir da sala. Dirigia-me para lá, mas parei na porta, vendo acordar com a cara amassada, olhando Bernardo. Fiquei quieta e esperei a reação de . Ele tentou pôr a chupeta na boca de Bernardo, mas este continuava a chorar. Ele sentou-se, colocando Bernardo no colo, tentando dar-lhe a chupeta novamente. Aos poucos, Bernardo foi parando de chorar e abriu um sorriso para ele, fazendo-me sorrir de onde eu estava. Fui até os dois ainda sentindo o sorriso em meu rosto e me agachei.
- Por que veio para a sala, ? - questionei, esticando meus braços para que ele me desse Bernardo.
- Eu não queria te acordar com os espirros - ele me disse, mas seus olhos estavam em meu filho, que passava a mão pelo rosto abarrotado de .
- E o que Bernardo está fazendo na sala? - perguntei, sentando-me de frente a eles. me olhou com cara de poucos amigos, deixando-me confusa.
- Esse moleque chorou demais agora de manhã e a mãe estava roncando no quarto - ele disse sério, mas riu brevemente, provavelmente por notar o olhar raivoso que eu o mandei.
- Eu não ouvi a babá eletrônica, - disse-lhe emburrada, inclinado-me para o lado em seguida para ligar o som.
- É, pode ter quebrado - ele disse e 'I Do' da Colbie Caillat tocava num volume baixo. - Depois dá uma olhada, se eu não tivesse vindo dormir na sala, ele ficaria horas chorando até um dos dois ouvir - ele disse com os olhos em meu filho. Isso me trazia uma felicidade, pois não era normal segurar Bernardo assim, sem motivo, nem se preocupar com ele.
- Vou ver o que aconteceu, depois. Agora eu já estou atrasada - comentei me levantando, esticando, novamente, os braços para que me desse Bernardo, mas ele me olhou com aquela cara de sono e os olhos pequenos.
- Deixa que eu fico um pouquinho com ele - sorriu e eu concordei, sabendo que estava atrasada mesmo.
'Everything' de Michael Bublé tocava e eu corria com o café e a comida, ouvindo Bernardo balbuciar alguns sons. A campanhia tocou e eu corri para abrir, sabendo que era Jane. Voltei ao que fazia antes, ouvindo-a dizer 'Bom dia' e a porta batendo em seguida.
- Olha quem chegou, pequeno! - ouvi a voz fina de Jane dizer, animada enquanto o cheiro de café começava a exalar pelo apartamento.
- Sai, eu vou ficar um pouco com ele - tinha irritação em sua voz.
- Mas eu que tenho que ficar cuidando dele, não você - a voz de Jane começava a transformar-se em impaciente e eu estava um pouco enrolada com a comida.
- Mas eu que sou... - e sua voz calou-se de repente. Não sei, mas eu fiquei numa vontade incrível de saber o que ele diria em seguida. Mas eu estava sem tempo para isso.
- Anda, me dá ele - ouvi a voz de Jane ainda irritada e aquela cebola me ardia os olhos.
- Já disse que agora, não. Vai procurar outra coisa para fazer - ele dizia indiferente.
- ! - Jane disse alto e Bernardo começou a chorar, assustado. Bufei, indo até a bancada, olhando-os: estava com Bernardo no colo ainda, balançando-o, e Jane de pé, com os braços cruzados, mas nenhum dos dois parecia ter ira no olhar.
- , dá o Bernardo para ela e vem me ajudar aqui - praticamente ordenei, com o tom de voz cansado, o vendo bufar e levantar. Jane deu um sorriso vitorioso, erguendo os braços para pegar Bernardo.
Voltei minha atenção no que eu fazia e eu pude ouvir a voz de aproximando-se:
- Eu não sei fazer comida, - ele disse ainda com sono, parando ao meu lado.
- Você sobrevivia como? - perguntei, com os olhos na panela que tinha molho, no fogão.
- Comia qualquer porcaria na rua ou eu pedia comida em casa, ou comia congelados, ou ia para casa da minha mãe - ele disse numa naturalidade absurda, como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo. Balancei a cabeça negativamente, não concordando.
- Não sabe nem fazer arroz? - olhei-o, mas com a mão na colher, mexendo o molho. Ele negou com a cabeça, sorrindo amarelo em seguida. - Então pode deixar que eu corro aqui - eu disse sincera, mas ainda com pressa.
- Ué, me ensina - ele disse virando o rosto para um espirro e eu ri, concordando por olhar o relógio e notar que já era quase oito e trinta.

Sem contar que achava que devia fritar o sal também, ele até que se saiu bem. Mostrei a ele onde ficava meu livro secreto de receitas, deixado por minha avó e ele riu, achando isso patético. Dei de ombros, sabendo que homens são insensíveis, principalmente ele.
Fui para o banheiro trocar de roupa rápido e, quando eu ia saindo com a cabeça baixa, ia entrando, dando-me um esbarrão. Gemi, já que ele havia pisado em meu pé, e quando eu levantei meus olhos para lhe dar um esporro, seus olhos tão próximos me fizeram esquecer da dor que eu sentia. Fiquei por alguns segundos fitando seus olhos tão intensos, que tinham um brilho diferente, e tentando entender aquele monte de sensações estranhas em meu corpo, tipo a respiração que descompassava aos poucos. Vi que, um pouco receoso, mas com o olhar parecendo estar distante, ele levou sua mão em minha cintura e aproximou seu rosto, ainda com aquele semblante sem emoção, parecia que estava fora do ar. Fechei meus olhos quando ele apertou minha cintura e logo senti sua testa encostar-se a minha. Precisei abrir um pouco a boca, já que o nariz já não era suficiente para eu respirar. me puxou um pouco mais para ele e, sem perceber, eu já tinha minhas mãos em seu pescoço. Eu sentia sua respiração forte tocar minha boca e isso me deixava com leves tonturas. Lentamente, abri meus olhos e percebi que os de estavam fechados. Ele não movia nem um músculo do rosto, apenas estava de olhos fechados, respirando com dificuldade com o nariz encostado ao meu.
Minhas bochechas começavam a corar e, apesar de não estarmos fazendo nada, estar ali era uma sensação gostosa.
- Você precisa ir - ele sussurrou e, instantaneamente, apertei sua nuca, sem saber onde descontar o arrepio que eu havia sentido. Senti-o estremecer junto a mim e eu assenti quando caiu a ficha do que estava acontecendo, vendo-o abrir os olhos lentamente quando me afastei, passando por ele com as bochechas coradas.
Um pouco anestesiada, saí do banheiro, ouvindo a porta bater atrás de mim. Em seguida, um estrondo na parede junto a um grunhido alto de me fez assustar, mas eu não voltaria para perguntar o que tinha acontecido. Eu não confiava no meu autocontrole, agora. Cambaleei até Bernardo, que comia com um sorriso a comida que Jane o dava, sentado em sua cadeirinha na sala. Dei-lhe um beijo na testa, despedindo-me de Jane em seguida, e eu guiei meu corpo para fora daquele apartamento.

Dirigindo com o rádio ligado num volume razoável, meu celular tocou. Dividi a atenção entre a estrada e o visor, vendo que era . Levei meu dedo até o botão de viva-voz.
- Oi, amiga - atendi, com a atenção voltada para o engarrafamento que eu via de longe.
- ! Como tá, amiga? - ouvi sua voz animada, enquanto bufava discretamente pelo congestionamento.
- Eu to bem, eu acho. E aí, como estão os preparativos para o casamento? - perguntei, parando o carro aos poucos.
- Está tudo certo, já escolhi meu vestido. Ele é lindo, ! - sua alegria era contagiante, menos para quem estava prevendo que ficaria parada durante um bom tempo no trânsito.
- Ah, que bom, amiga - eu disse sincera, apesar da voz cansada. Isso não passou despercebido por ela.
- Aconteceu alguma coisa? - sua voz tinha preocupação, enquanto eu soltava um suspiro. Acontecer, aconteceu, mas eu estava confusa, então não diria nada a ela agora.
- É só cansaço. Final de ano me consome, você sabe - tentei ser convincente, apesar de não ser mentira, descansando meu braço na janela do carro, que estava aberta.
- Sei bem, amiga... Mas, para animar, o que você pretende fazer no seu aniversário? - se ela não dissesse, eu não lembraria que meu aniversário estava chegando.
- Ah, , você sabe que eu nunca faço nada de mais... Esse ano eu ainda não pensei em nada, acho que vou ficar em casa mesmo. É o primeiro ano com Bernardo - comentei, encostando a cabeça no encosto do banco, mas ainda com os olhos nos carros à frente.
- Eu sei, amiga. Mas vamos sair, dar uma volta. Sabe que passar aniversário em branco não está na tradição - ela riu, fazendo-me rir fraco por lembrar que ela tinha suas manias esquisitas e ainda me metia nisso.
- Então vou pensar em algo e ai te aviso, tá ok? - perguntei, entrando em alerta por ver que o carro da frente havia andado, mas apenas alguns centímetros. Brochei.
- Tá, mas não demora! Eu sou ansiosa, você sabe - ela tinha a voz risonha.
- Está bem - disse-lhe com um sorriso, voltando a encostar a cabeça no encosto do carro.
- Eu só liguei para saber se estava tudo bem, tenho que desligar. Se o chefe me pega no telefone, ele me mata - soltou uma risada escandalosa, fazendo-me rir por seu escândalo.
- Tá legal, amiga. Beijão, a gente se fala - ela se despediu e desligamos.
Fechei meus olhos, sabendo que chegaria tarde na empresa, mesmo saindo com uma margem de atraso.
Sem ter o que fazer, eu tinha medo de meus pensamentos. Tentei distrair a mente, batucando o volante no ritmo da música que tocava. Meus olhos percorriam o carro, pensando no meu projeto atual, que era um quarto de 52m². Bom, isso é mais ou menos 4 vezes o meu apartamento. Eu tinha várias ideias, mas a cliente não se decidia e... O que era aquilo brilhante no chão do carro, em frente ao banco do carona? Contorci o cenho, inclinando-me para tentar pegar, sendo impedida pelo cinto de segurança. Afrouxei-o e aí consegui chegar até lá, pegando o objeto e percebendo que era uma pulseira. Bonita, até. Entortei os lábios, sabendo que até o meu último dia de trabalho aquela pulseira não estava ali e que fazia umas duas semanas que eu não dava carona para cliente algum.
A pulseira era de prata, era delicada, fininha. Olhei-a por alguns segundos, mas quando senti uma dor na lombar, acordei do transe e me toquei que eu estava no trânsito. Coloquei a pulseira no porta-luvas e voltei minha atenção à estrada, pensando de quem poderia ser aquilo.

Chegando em casa, minha vontade era de me jogar no sofá e não levantar de lá para nada. Queria ter uma massagista naquele exato momento. Doce ilusão... Suspirei só de pensar e joguei a pulseira sobre a bancada, na intenção de perguntar a de quem era aquilo.
Gritei um 'cheguei' para a babá ouvir e fui para meu quarto, vendo minha cama me chamar de forma tentadora. Mas eu tinha coisas para fazer. Eu me sentia irritada, suja, cansada... Meus pensamentos foram interrompidos pela voz de Jane, que entrava no quarto.
- , - virei para olhá-la, ela permanecia parada na porta - a gente pode conversar? - fiquei um pouco confusa, mas assenti, vendo-a adentrar o quarto por completo. Ela se aproximou com os olhos baixos. - Assim, na última semana, você deixou dinheiro a menos. Se você estiver sem condições, você pod...
- Como é? - eu não sei bem porque, mas meu sangue subiu rapidamente. Eu sempre contava o dinheiro de Jane várias vezes, porque eu detestava ser desonesta com as pessoas. - Jane, se você quiser que eu aumente seu salário, eu prefiro que você me diga, ao invés de chegar pra mim e dizer que eu dei a menos - eu dizia correndo, enquanto ela assistia calada, com os olhos esbugalhados. Ela demorou para responder.
- , você deixou cento e oitenta a menos, eu tenho certeza, eu sempre conto quando eu saio - ela também estava um pouco alterada, aumentando o tom de voz.
- Eu não deixei, Jane. Eu não deixei. Eu detesto mentiras, você podia ser sincera comigo ao invés de inventar essa desculpa - eu tentei falar mais alto do que ela. Aliás, quem ela pensa que é para gritar comigo?
- E eu detesto que me...
- Ei, ei... O que tá acontecendo aqui? - ouvi a voz de e eu passei a língua pelos lábios, suspirando para acalmar minha raiva. De verdade, eu odeio, não suporto a ideia de me fazer de idiota.
- Ela está dizendo que eu deixei dinheiro a menos semana passada, sendo que, você sabe, eu sempre conto o dinheiro, . Eu sempre conto! - eu o olhava com súplica, fazendo gestos exagerados enquanto ele cruzava os braços.
- Jane, você pode nos deixar sozinhos, por favor? - ele se virou para ela, que assentiu e saiu. Olhei-o incrédula, enquanto ouvia a porta bater.
- Qual o... - eu ia começar, mas ele me impediu.
- Calma, . Na boa, eu não quero discutir com você - ele disse com a voz suave, sem descruzar os braços, enquanto eu bufava de raiva. - Olha só, eu não gosto muito da ideia de concordar com a Jane, não... Essa garota me tira do sério, mas já pensou de ela estar certa? - e, novamente, eu o olhei incrédula. Continuou: - Você já percebeu que você só chega cansada? Você pode ter feito sem culpa, você pode ter se distraído - e ele continuou naquele tom de voz baixo, formando uma expressão que me obrigava a pensar sobre. Suspirei e acabei concordando, sabendo que eu estava uma pilha de nervos, tentando me acostumar com a nova rotina e que poderia sim ser uma distração minha.
- Tá certo, - eu disse derrotada, passando a mão pelos cabelos presos num coque mega mal feito, sentindo a dor na lombar voltar junto com dores nos seios. - Dispensa a babá pra mim? Estou louca por um banho - eu disse, mas sem olhá-lo, virando para o armário e escolhendo uma roupa fresca. Ouvi sua voz dizer um 'claro' e, segundos depois, a porta bater levemente.
Fui para o banheiro e tomei meu banho, passando uns bons vinte minutos lá dentro. Eu queria relaxar meu corpo inteiro e tirar aquela carga negativa que eu sentia. Estava louca para tomar um remédio para dor, mas eu sempre tentava me controlar, não gostava de viciar meu corpo com remédios.
Quando sai de lá, eu fui para a sala, sentindo minha cabeça doer e uma vontade de chorar sem motivo nenhum. Bernardo estava sobre o sofá que ficava em frente à TV, dormindo com a barriga para a baixo e estava sentado no chão, encostado nesse mesmo sofá, com os joelhos suspensos e o controle numa das mãos. Fui até a cozinha para pegar água e notei que a pulseira não estava mais onde eu havia deixado.
- Você pegou uma pulseira que estava aqui, ? - perguntei escolhendo um copo para por minha água.
- Não vi pulseira nenhuma, - ele disse simplesmente e eu suspirei pesado, tentando controlar o pensamento de que a babá havia pegado.
Bebi minha água e guardei a água na geladeira, vendo levantar. Mas ele se inclinou, colocando-se ereto novamente com Bernardo ainda dormindo no colo. Ele foi para o quarto com meu olhar em suas costas e então eu fui para o sofá, sentando no sofá com as pernas cruzadas.
Alguns minutos depois, eu continuava de pernas cruzadas sobre o sofá, minhas mãos abraçando a almofada enquanto minha vontade era de chorar por motivo nenhum. A televisão estava ligada, mas eu não saberia responder se perguntassem o que está passando. Minhas costas doíam, meus seios doíam, minha cabeça doía... Eu sabia que eu estava de TPM.
- Ei, - meus pensamentos controladores foram interrompidos pela voz de , que me causou um leve arrepio. Pode ter sido devido ao pequeno susto que levei. Direcionei meu olhar para onde a voz vinha e ele estava próximo a bancada da cozinha, com um saquinho preto pendurado no dedo. Sussurrei um 'oi', sem tirar meus olhos da tal sacolinha e ele percebeu, dando uma risada baixa. - Isso é para você - disse-me, mas seu tom de voz era receoso, como se tivesse medo de mim. Tudo bem que em dois ou três dias eu poderia menstruar, mas ele não precisava ter medo de mim, afinal eu nunca fiz nada demais, apesar de ele nunca ter presenciado minha TPM por estar sempre num pub qualquer nessa época do mês.
Ele ergueu o braço, tirando de dentro do saco uma caixinha... DE BOMBOM!
- Oh my... Oh, my go... OH MY GOD! - eu sabia que minha voz estava saindo esganiçada devido à emoção, mas eu não perdi tempo e levantei do sofá com pressa, jogando a almofada para qualquer lugar. Meus olhos não desgrudavam da caixinha, que ele ainda tinha nas mãos, mas afastadas do corpo, em minha direção. - EU NÃO ACREDITO! - eu peguei a caixinha e impulsivamente me debrucei nele, contornando sua cintura com minhas pernas e seu pescoço com meus braços, dando-lhe beijos de agradecimento por todo o rosto. Ele não tinha noção do quanto ele me fez feliz naquela noite, só com uma caixa de bombom.
- Meu Deus, precisa isso tudo?! - ouvi sua voz brincalhona e então eu ri, soltando-o e levando minha atenção para a caixinha em minhas mãos. Abri de qualquer maneira, jogando-me no sofá e meus olhos brilharam só de abrir a caixa. Escolhi o primeiro mentalmente e comi feito uma criança, sem me importar se engordaria, se não me faria bem ou se tinha muita caloria. - Se caso você surte à noite, tem outra caixa na geladeira - ele espirrou enquanto eu assentia freneticamente, mas sem tirar meus olhos do bombom sobre meu colo. Fechei meus olhos, sentindo cada sensação que aquele doce podia me proporcionar. Tá, eu não deixaria de sentir dor por isso. Mas, pelo menos, eu tinha com o quê me distrair.

***


jantou vendo um filme idiota na televisão. E eu me revirava no sofá, controlando minha vontade de ir à geladeira e pegar mais chocolate. Mas pus minha mão na boca, mordendo meu dedo toda vez que essa vontade surgia e então olhei para o relógio e vi que já estava ficando tarde. Eu teria que acordar um pouco mais cedo no dia seguinte (de novo), pois teria que preparar a comida da babá, já que não tive disposição de prepará-la agora à noite.
Despedi-me de com um beijo na bochecha e fui para meu quarto, fitando a geladeira de longe. Mordi meu dedo novamente: eu não comeria isso agora, eu não vou comer isso agora.
Deitei ainda sentindo dores nos seios, mas a dor de cabeça havia passado. Tentei me concentrar no sono e logo ele veio, fazendo-me sonhar com coelhinhos de páscoa idiotas.

Acordei na madrugada por sentir uma pontada forte na lombar e então eu gemi baixinho instantaneamente, tapando minha cabeça com o travesseiro em seguida, com medo de acordar . Eu sabia que dali em diante eu demoraria para pegar no sono, já que, quando eu acordo de madrugada, eu demoro um pouco para voltar a dormir, pois eu penso em milhões de coisas, sendo que nenhuma delas é em prol do meu sono.
Senti que minha dor de cabeça voltava, era quase insuportável. Ela latejava de um lado da testa e não me deixava pregar os olhos. Minha pretensão era xingar internamente, mas meus pensamentos encontraram o caminho da voz e, quando percebi, eu havia resmungado algo como 'droga', porém baixo.
Ainda pensando em como os dias antes de menstruar são terríveis como o fim do mundo, eu senti minha cama se mover e eu arregalei meus olhos, mesmo sabendo que era . Instantaneamente, virei meu corpo para o lado oposto, onde ele estava, e o encarei com o semblante confuso e o travesseiro na cara, esperando que ele me dissesse o que ele faria ali, na minha cama.
Mas ao invés de abrir a boca para dizer algo, ele me puxou para perto pela cintura. E aí sim, ele decidiu falar:
- Isso dói mesmo? - acho que o que me fez estremecer de leve foi seu hálito fresco batendo em meu rosto e não seus olhos me fitando ou sua voz baixa, quase próximo ao meu ouvido. Em meu estado normal, eu lhe daria um tapa que nunca mais me perguntaria isso novamente. Mas, quando dei por mim, eu soltava uma risada baixa.
- Você precisa agradecer por ter nascido homem - eu não imaginei que minha voz sairia tão doce como saiu.
- Eu o farei - ele riu pelo nariz também, apertando minha cintura levemente. Novamente, acho que seu hálito me fez tremer dos pés à cabeça.
- Você pode me explicar o que você está fazendo na minha cama? - dei ênfase em 'minha', fazendo-o rir novamente.
- Vim te fazer companhia, até essa dor passar - aí sim meus olhos se inundaram. Tenha em mente que eu estou quase 'naqueles dias', releve isso. - Ah, , não começa a chorar, por favor, se não eu não sei o que fazer - ele dizia rindo um pouco, mas não perdi a oportunidade de dar-lhe um tapa no peito, já que minhas mãos estavam juntas e encolhidas encostadas em seu corpo.
Encolhi-me ainda mais pelo vento que entrava agora pela porta da varanda, e então ele se levantou com sua samba-canção e sem camisa. Achei que ele fosse fechar a tal porta, mas ele foi em direção a saída do quarto, encostando a porta com cautela sem me olhar. Fiquei confusa com aquela atitude, mas eu o esperaria voltar para perguntar por que diabos ele me abandonou lá com aquele vento frio.
Virei para o outro lado e fitei o armário, pensando em nada, já que agora, minha cabeça doía um pouco mais. Eu queria levantar e fechar a entrada de vento, mas minha preguiça falava muito mais alto. Até que tal vento parou de repente, fazendo-me sorrir e me encolher de novo na cama e logo eu pude ver os pés de no meu campo de visão. Ele abaixou o corpo e pude ver minha caixinha de bombom, fazendo-me sorrir feliz. Eu tinha certeza que esse sorriso mal cabia no meu próprio rosto. Sentei depressa e peguei a caixinha de sua mão, vendo-o rir de leve. saiu de meu campo de visão, mas eu não me importei, já que eu tinha mais interesse em abrir a outra caixa. Pude sentir a cama afundar de leve e me virei para trás, colocando um bombom delicioso na boca em seguida. Suspendi minha sobrancelha ao ver que ele estava deitado de barrigada para baixo, as mãos sobre metade do meu travesseiro e sua cabeça sobre elas, olhando-me com o rosto amassado.
- Você quer um pedacinho? - eu perguntei, querendo que sua resposta fosse 'não'. Ow, chocolate nesses dias valem ouro!
- Fica pra você - ele disse com um sorriso. Levantei os calcanhares, segurando os bombons e me deitei de barriga para baixo, colocando a caixa sobre o travesseiro. Fiquei deliciando aquelas bolas de chocolate e fechei meus olhos para sentir melhor a sensação. Não demorou dois segundos, a cama mexeu novamente e então eu senti o edredom cair sobre mim. Abri meus olhos, olhando para o lado e ainda estava lá, deitado sob o edredom também, olhando-me com a expressão enigmática. Eu só conseguia identificar um sorriso no canto de seus lábios.
Voltei minha atenção aos bombons, pois eu já sentia minha bochecha pinicar. Isso sempre acontece quando qualquer um me olha por muito tempo, que fique claro.
Comi mais dois e coloquei a caixa no criado-mudo, sentindo que, se eu comesse mais, eu poderia até arrotar chocolate. Ajeitei-me, sentindo que a dor na cabeça já estava indo embora, só permaneceu a dor nos seios e nas costas. Olhei-o de soslaio e ele ainda me fitava, então me encolhi, sentindo seus dedos, agora frios, tocarem minha cintura novamente.
Rolei meus olhos, cansada de sentir meu corpo estremecer e, com uma risada baixa e sem sentido, ele me puxou para ele até nossos corpos se encostarem por completo. Ele se virou de lado e começou a fazer um carinho na minha barriga. Sério, aquilo estava me torturando sem eu ao menos saber o porquê!
Sem mais pensar, fechei meus olhos e eu sentia o peso de seu olhar sobre mim, mas eu ignorava, tentando buscar o sono que, agora, estava difícil vir.

Nós dois estamos procurando por algo que nós estamos com medo de encontrar. É mais fácil estar mal, é mais fácil se esconder. Olhando pra você, segurando meu fôlego. Pela primeira vez na vida, estou muito assustado. Estou dando uma chance, deixando você entrar. Estou me sentido vivo de novo, mais fundo do que o céu sob a minha pele. [...] O mundo que eu vejo dentro de você, esperando vir para a vida, me despertando do sonho, a realidade em seus olhos. Nós estamos colidindo no grande desconhecido. Estamos perdidos nisso, mas me sinto como estar em casa. Sempre que estou sozinho com você à noite, é como estar apaixonado, se apaixonar pela primeira vez. - First Time, Lifehouse.

- Posso te mostrar um segredo? - um pouco assustada com a pergunta, abri meus olhos, assentindo em seguida. Esperava que ele fosse levantar e pegar alguma coisa que quisesse me mostrar faz algum tempo, mas não tive nem tempo de pensar em outra hipótese, já que eu apenas vi seu rosto se aproximar. Seus olhos estavam fechados e isso me fez fechar os meus inconscientemente e nos segundos seguintes, eu apenas dei passagem para sua língua, sentindo minha barriga dar cambalhotas. Eu ignorei essa reação de meu corpo e minha única atitude foi pôr uma de minhas mãos em sua nuca, o que foi fácil, já que seu corpo estava sobre o meu completamente agora. Sua mão que estava em minha cintura foi em direção ao topo de meus cabelos, fazendo um carinho de leve naquela região.
Sua língua macia envolvia a minha, dando-me leves choques no corpo e descompassando minha respiração aos poucos. Eu já não sabia se era aquele beijo mesmo que eu queria, mas meu corpo dizia que sim, que talvez eu quisesse aquele beijo novamente faz tempo. Em poucos segundos, fazia pressão do seu corpo sobre o meu, causando uma leve dor gostosa em minha cintura e me fazendo querer mais daquilo.

's POV On.

As mãos de em minha nuca me arranhavam de forma carinhosa, mas me dizendo para eu continuar, que ela não queria que eu parasse, e eu não pararia, mesmo com a respiração falhada como estava. Eu estava completamente sobre ela, somente uma das minhas mãos sobre a cama que me sustentava para não colocar o peso de meu corpo no dela, e então entrelacei nossas pernas. Nesta altura, eu já podia sentir a adrenalina vir aos poucos, só por sentir seu corpo quente roçar ao meu. me causava uma sensação que eu não poderia definir, já que eu nunca havia sentido isso antes, mas era bom, era muito bom. Meus dedos foram descendo de seus cabelos por seu rosto, passando por seu ombro e descendo por seus braços até chegar em sua cintura novamente. Arranhei levemente aquela região, sentindo-a estremecer. Parecia que ela teria um ataque cardíaco, de tão ofegante, e então decidi cortar o beijo, mas não me afastei demais, apenas fiquei ali, sentindo sua respiração em meu rosto, deixando claro que eu voltaria a beijá-la. Fiquei alguns segundos naquela posição, acalmando minha respiração ainda de olhos fechados.
- , e se...
- Shh - pedi, não querendo que ela acabasse com o momento. Se ela não quisesse aquilo tanto quanto eu, ela já teria se levantando e me dado um tapa.
Passei a língua pelos lábios, caindo de lado sobre a cama, mas ainda com metade do corpo sobre ela e voltei a aproximar meu rosto ao dela, apenas encostando nossas bocas entreabertas. Abri meus olhos e fitei os brilhantes de , e eles me mostravam desejo; talvez, os mesmos desejos que os meus mostravam a ela. Voltei a beijá-la, agora, tendo certeza de que ela me queria do mesmo jeito que eu a queria, naquele momento, mesmo eu sabendo que o preço disso poderia sair caro. Muito caro.
[N.a.: Se quiser, você pode ler o resto em: /fanfics/e/entorpecido.html Mas atenção: a fic é restrita.]
Capítulo 7


Explicar o que eu sinto é como explicar as cores a um cego.


[N.a.: Algumas músicas vão aparecer. Elas são importantes, mas não é necessário colocar para tocar. Só saber que elas estão na fic, é o suficiente: Lullaby - Jack Johnson, She Loves Me Not - Papa Roach e Thunder - Boys Like Girls.]


's POV On.

Ao acordar naturalmente, percebi que eu tinha um peso em minhas costas levemente doloridas. Abri meus olhos, fechando-os em seguida por conta da claridade que adentrava meu quarto. Notei que o peso se tratava dos braços pesados de . Ele dormia praticamente em cima de mim, já que só metade de seu corpo estava sobre a cama.
- , acorda - eu chamei com a voz embargada, minha tentativa de se mexer era quase em vão. Ele era pesado e não se movia. - Anda, . Já deve ser tarde - eu disse um pouco mais alto, e então o ouvi resmungar.
- Que foi, ? - ele dizia baixo, tropeçando nas sílabas.
- Sai de cima de mim! - eu reclamei, mas ainda com a voz baixa. se arrastou para o lado, quase me levando junto e então ele percebeu que estávamos nus.
- Meu Deus! - ele se levantou rápido, carregando parte do lençol entre os dedos. - O que eu fiz?! - seus olhos assustados estavam em meu corpo, mas somente minhas nádegas estavam de fora, já que eu tinha a barriga para baixo, olhando-o sem entender.
Antes que eu dissesse alguma coisa, ele saiu com meu lençol nas mãos e eu o segui com os olhos, virando minha cabeça para o outro lado, percebendo que ele ia até o lado de sua cama e procurava sua samba-canção com os olhos baixos. Se agachou, enquanto eu achava que ele estava tentando ignorar minha presença.
Ainda sem me olhar ou me explicar que reação foi aquela, ele se afastou e foi para o banheiro, arrastando meu lençol branquinho pelo chão.
Bufei e levantei, indo em direção ao armário e procurando uma roupa. Aproveitando que eu ficaria em casa nesse dia, eu escolhi uma roupa fresca e vesti minha camisola jogada ao lado da cama. Arrumei-a e esperava pacientemente que saísse do banheiro para eu tomar meu banho matinal. Sentei na cama e esperei, mas ele estava demorando muito. Achei que ele estava tendo seu momento íntimo, mas, sei lá, acho que ele não faria isso sabendo que eu estava dentro do quarto.
Me levantei e me aproximei com receio da porta, e bati de leve.
- , está tudo bem ai? - minha voz saiu baixa, e encostei minha orelha na porta para tentar ouvir algum ruído. Mas a porta abrindo me assustou de leve. Me afastei com os olhos assustados, ele me encarava com o rosto ruborizado.
- Nunca... - ele levantou o dedo, mas se recompôs e suspirou pesado, relaxando o braço - , nunca mais me deixa fazer isso - ele disse e não me deixou perguntar nada, apenas saiu de meu campo de visão com o lençol nas mãos.
Fiquei alguns segundos pensando e digerindo o que ele havia me dito. Tentei entender, mas nenhuma hipótese se passava por minha cabeça. O barulho da campanhia me tirou do transe e, um pouco atordoada, eu fui atender.
- Bom dia - Jane entrou com os olhos baixos.
- Bom dia, Jane - eu disse, fechando a porta. - Er, sobre ontem... Mesmo eu achando um pouco estranho, quero te pedir desculpa - mesmo com a voz baixa, eu disse-lhe sincera. Ela assentiu. - Eu perdi a cabeça, eu não sei me controlar quando acho que estou certa e que não estão sendo honestos comigo - tentei um sorriso fraco, e novamente ela assentiu, abrindo, aos poucos, um sorriso. - Agora você pode ir, talvez você saia mais cedo hoje porque vou trabalhar em casa - cocei a nuca, sentindo-a doer um pouco e me virei, indo para a cozinha um pouco tensa.
Comecei a preparar a comida, mas eu me sentia tão cabisbaixa, que poderia jurar que aquilo era contagioso. Sei, deve ser a TPM... Mas as últimas palavras de me deixaram perplexa.
Tentei distrair minha cabeça com planos para meu aniversário, que é amanhã, mas esse ano eu não queria nem podia fazer nada. Eu não queria entrar o próximo ano com dívidas.
O toque do meu celular com a voz de , causou um leve arrepio de susto por meu corpo:
- É o tal do Paul - ele disse, estendendo a mão para mim. Sua voz baixa não me deixou saber o que ele pensava sobre isso. Peguei o aparelho de sua mão, vendo a foto de Paul no visor, e atendi ao telefone pensando por quê eu me importava.


's POV On.

Não que eu esteja completamente arrependido, mas uma onda de culpa estava estacionada em mim agora. Eu queria pensar no que dizer a ela, mas sua conversa com Paul era mais importante:
- Eu não vou fazer nada, Paul. Eu só preciso ligar para porque ela insistiu em dizer que eu precisava fazer alguma coisa porque aniversário não se passa em casa e aquela palhaçada toda. Eu não estou com ânimo pra isso, mas se vocês querem... - sua voz era tão sem vida, tão sem emoção, que eu diria que ela estava falando automaticamente, as palavras saiam sem ela perceber. - Não, Paul. Meu aniversário é amanhã. Bom, eu vou à empresa, mas saio lá pelas três da tarde, só preciso entregar o que eu vou fazer hoje. Então ok. Beijos - e desligou. Ela se virou para jogar o telefone sobre a bancada, mas parou seus movimentos quando me viu ali, olhando-a na cara de pau. Tentei disfarçar, pigarreando falso.
- Quer ajuda? - sorri amarelo, vendo-a negar com a cabeça e deixar seu aparelho por ali. Ela se virou e eu suspirei, indo para meu quarto me arrumar para trabalhar.

***


Eu não tinha ideia do que fazer para alguém num dia de aniversário. Para mim, ninguém nunca fez nada, então eu não sei exatamente como se prepara alguma coisa. Entrei no prédio com algumas ideias, e sem saber se daria certo, eu adentrei o apartamento. estava sentada no sofá, com as pernas cruzadas, o notebook no colo e algumas folhas ao seu lado. Fechei a porta ouvindo a risada de Bernardo, e ao adentrar mais, eu vi Jane brincar com o pequeno no tapete da sala. Me aproximei e dei um beijo na testa de , e só então ela percebeu que eu havia chegado. Ela me olhou com um sorriso fraco, quase invisível, e depois voltou sua atenção à tela do notebook. Me agachei e dei um beijo na cabeça de Bernardo. Ignorei a presença de Jane ali, e levantei, indo para meu quarto. Eu tinha muito o quê pensar, eu precisava fazer com que esse aniversário fosse inesquecível para , e, talvez, para mim.
Entrei no banheiro para um banho e minha mente havia se transformado completamente, deixando-me pensar na última noite com ela. Por mais que eu tentasse mudar, eu não conseguia desviar esse pensamento. Ele vinha sem eu pedir.
O que eu senti naqueles poucos minutos, não se compara a nenhuma das sensações que eu sentia com outras mulheres. Era como se com a fosse especial, como se com ela houvesse algo a mais que sexo. Eu não sei descrever nem igualar, é apenas emocional e diferente.
Meu auto-controle já estava se esgotando quando sai do banheiro com minha bermuda e uma camisa qualquer, arrepiando os cabelos com as mãos. Fui até a cozinha, abrindo a janela para tomar uma água e aí eu avistei o caderno de receitas de . Após colocar a água em meu copo, eu fui em direção ao caderno, que estava encostado num vão que havia no armário, e o peguei. Abrindo-o com curiosidade, e, sem notar que ela estava ali, ouvi a voz de :
- O que está fazendo? - ouvi sua voz baixa e receosa.
- Posso fazer o jantar? - me virei para ela e sorri sem graça, a vendo suspender a sobrancelha.
- Tudo bem - ela concordou, se virando e voltando para onde estava.

- Tem comida reserva, ? - olhei para a dona da voz com os olhos cerrados, vendo-a rir em seguida e , que permanecia no sofá, a olhar sem entender. Jane já estava pronta para ir embora e eu estava no sofá de frente à TV, com Bernardo pisoteando minhas pernas.
- Como assim? - quis saber, ainda com aquela expressão confusa.
- Se o fez o jantar, seria bom que tivesse algo reservado caso não saia lá como o esperado - ela continuava rindo, e sua frase arrancou uma risada baixa de , me fazendo olhá-la incrédulo.
- Não acredito que você vai cair na pilha dessa garota, ! - eu reclamei com a voz esganiçada, recebendo seu olhar risonho, mas confuso. - Achei que fôssemos cúmplices! - eu continuava incrédulo, vendo que ela não me deu confiança e voltou a olhar para seu trabalho. Fechei o cenho, estranhando aquela atitude. A voz de Jane não me fez olhá-la:
- Estou indo, tchau gente - meus olhos permaneciam em , que apenas acenou para a babá.
Esperei que a porta batesse, para que eu pudesse conversar com .
- Ei, aconteceu alguma coisa? - perguntei sem delongas. Esperei que, pelo menos, ela me olhasse com cara de poucos amigos, mas nem isso ela fez. Apenas negou com a cabeça, parecendo ter mais atenção no que fazia. - Então por que está assim? Você nem me olhou, trocou poucas palavras comigo... Não estou te entendendo - eu tentava, ao máximo, deixar minha voz calma, apesar de estar desesperado para saber sua resposta.
Vagamente, ela me olhou, fechando o notebook. Não sei porque, mas esse ato fez com que meu estômago virasse de cabeça para baixo. Talvez por saber que ela diria algo que, com certeza, eu não queria ouvir.
- Eu só não sei como agir, - ela disse baixo e sem emoção. - Primeiro você acorda em cima de mim, e quando percebe que estávamos na mesma cama e lembra do que fizemos ontem, você se assusta, vai para o banheiro sem me dar explicações, e fica lá sem dizer o que está acontecendo. Quando eu bato na porta para saber se está tudo bem, você me olha com o rosto vermelho e me diz que é para eu nunca mais deixar você fazer 'aquilo' - formou aspas no ar. - Me desculpa, mas quem não está entendendo sou eu - e cruzou os braços, provavelmente esperando que eu dissesse alguma coisa. Mas eu sentia minha boca abrir e fechar e nenhum som saia dela. Fechei os olhos e respirei fundo, me concentrando no que eu devia falar.
- Perdão, ... Mas eu só disse o que eu acho certo - e mordi o lábio, me castigando por dizer aquilo, vendo que suspendia a sobrancelha vagarosamente.
- Então você não queria que acontecesse? - e ela fez a pergunta que eu mais temia; não por medo ou algo do tipo. Mas eu não tinha ideia da resposta. De um lado eu afirmava, mas do outro, no lado da razão, eu negava. - Responde - ela insistiu sem paciência, me tirando do transe.
- E-eu não sei, ! Você me deixa confuso! - respondi perdendo a paciência, também, com aquela confusão toda, passando a mão pelos cabelos.
- E o tal segredo? Era isso? Me beijar, a gente transar e me deixar sem saber o que fazer no dia seguinte? - e ela também gritava. Ela já havia descruzado os braços para gesticular.
- Não! - exclamei incrédulo. - Claro que não, ! Eu só queria te mostrar um beijo que eu queria faz alguns dias, mas, como sempre, você interpretou tudo errado! - suspirei pesado, ela permanecia quieta. Tentei controlar o tom de voz nas próximas palavras: - A transa foi... só uma consequência que eu não quero que repita - mas eu controlei tanto que ela saiu baixa, quase inaudível. Mas me ouviu, já que ela assentiu com a expressão triste. Eu sabia que eu estava me expressando mal, e, com certeza, a deixando confusa e irritada com aquele suspense, mas não dava para dizer mais do que aquilo. Eu não tinha coragem, não tinha coragem com ela. Parecia que eu me castigava por dentro só de pensar em dizer o motivo de não querer que se repetisse - , não me leva a mal, por favor... - eu tinha súplica na voz, realmente, querendo que ela me entendesse, mesmo eu não dizendo absolutamente nada.
- Tudo bem - ela respondeu num sussurro, desviando seu olhar. Ela voltou a abrir o notebook, sentindo o peso do meu olhar sobre ela.
Fiquei alguns segundos olhando sua expressão confusa, analisando como ela fica linda mordendo o canto do lábio, quando ela passa a mão pela nuca... Só quando a mão de Bernardo tocou em minha perna, eu percebi que eu a fitava por tempo demais.
Me virei para o pequeno e o peguei no colo, e, sem saber de onde saia aquela vontade, eu brinquei um tempo com ele, até este começar a chorar, provavelmente de fome. Eu não sabia o que fazer, mas em segundos, estava ali, pegando Bernardo pelos braços e o levando de mim. Ela contornou e sumiu do meu campo de visão. Me levantei, sem ter muito o que fazer, e me sentei na banqueta da bancada, cruzando meus braços sobre ela. tinha tanto cuidado com Bernardo, que me fazia sorrir. Ele parecia que sorria de volta para ela, mas eu tinha quase certeza que eu estava vendo o que eu queria ver e não o que realmente estava acontecendo.
Ela esperou o micro-ondas apitar com a mamadeira, encostada na bancada, mas de costas para mim. O filho a chamava com os braços, mas, pela primeira vez em meses, eu via que não o dava a mínima atenção. De onde eu estava, eu percebia que seus olhos estavam presos em algum lugar a sua frente, seu olhar parecia distante. Mas não me atrevi a falar nada, talvez eu piorasse o clima tenso. Eu apenas esperaria o dia de amanhã chegar, e, junto com o que eu prepararia para ela, talvez eu dissesse o que realmente estava acontecendo.

***


Apesar de acordar naturalmente, fazia barulho no quarto, andando depressa de um lado para o outro. Me virei na cama, louco para dormir novamente. Mas se eu quisesse que tudo desse certo, eu teria que levantar assim que ela saísse. Eu não sabia que horas eram, mas devia ser ante de oito, já que Jane ainda não havia chegado. Sim, pois Bernardo dormia sobre a cama de . Ela fechou a porta do armário, aparentemente pronta, com seu coque de sempre com alguns fios soltos, e então desci meus olhos por seu corpo. Ela usava um vestido florido, bem arrumado, que eu nunca havia visto usar.
- Ah, que bom que acordou - sua voz me fez sair do transe, me causando um leve arrepio e eu subi meu olhar até seus olhos. - Já estou saindo para a empresa, achei que você fosse mais cedo para te dar carona - ela dizia correndo com os braços suspensos por estar colocando um brinco. Ela nunca usava brinco, vale citar - A babá não vem porque eu to levando Bernardo comigo. Tem comida pronta, só esquentar no micro-ondas e qualquer coisa me liga - ela disse por fim, abaixando seus braços para pegar a bolsa de Bernardo, colocando-a no ombro em seguida. Depois ela se inclinou para pegar Bernardo e, com um suspiro, ela se virou para mim novamente - Tchau, - e se guiou para porta, sumindo pela sala.
Senti que ela havia ficado triste por eu 'esquecer' do seu aniversário, mas isso seria relevado quando ela chegasse em casa e visse o que eu faria para ela. Esperei a porta bater para levantar.
Eu precisei ir à rua comprar algumas coisas, e voltei correndo, vendo que eu já estava atrasado para trabalhar. Deixei tudo pronto e arrumado e fui me arrumar apressado.
Ansioso pela chegada de , eu fui para empresa.

Eu tinha um sorriso em meu rosto, podia sentir a excitação correr por minhas veias, e meu estômago embrulhar por recear a reação dela. Apesar de fazer tudo com carinho, eu não sabia se ela gostaria, se aquilo fazia o estilo dela. No segundo andar do prédio onde eu trabalhava, havia uma floricultura. Eu fui até lá e comprei flores azuis, tirando base por sua roupa de cama, que era sempre dessa mesma cor. Fui para o elevador, ansioso, eu desci.
Andava rápido, pois eu queria chegar primeiro que , mesmo sabendo que ela chegaria lá pelas 4 da tarde. Ainda eram três e meia.
Até que meus olhos bateram numa mulher com vestido florido e coque mal feito sentada em uma mesa quadrada, no restaurante do primeiro andar no prédio. Minhas pernas pararam de se movimentar instantaneamente. Ela mexia em alguma coisa na bolsa de bebê, enquanto Bernardo estava no colo de um homem. Eu cerrei meus olhos, tentando enxergar quem era. E era Paul. Por reconhecê-lo, eu engoli a seco. Eu sentia o suor descer por minha testa, meu coração batia forte. Não sei se era ciúmes, se era raiva, se era ódio... Suspirei fundo, pensando em ir lá. Mas quando meu pé deu o primeiro passo, voltei a ficar estático por vir uma outra garota chegar com um outro cara e sentar ao lado de , abraçando-a forte com um sorriso imenso. Embalancei a cabeça negativamente; eu não estragaria aquele momento. Se ela não me chamou, é porque ela não me queria ali. Dei às costas, indo pelo lado oposto para casa. As flores? Bom, joguei na primeira lata de lixo que eu vi.

's POV On.

- Obrigada mesmo, gente! - eu dizia com emoção, vendo os três a minha frente sorrir. - Mas eu tenho que ir, amanhã é mais um dia de trabalho - entortei os lábios, realmente não querendo ir. suspirou, concordando juntamente aos dois homens e eu me levantei, colocando a bolsa de Bernardo no ombro. Fui até Paul e peguei Bernardo.
Me despedi de todo mundo e fui para a garagem do prédio, procurando meu carro. Cansada, entrei e, sem vontade nenhuma, eu fui para a casa.
Bernardo conversava comigo enquanto eu tinha meus pensamentos longes. Eles insistiam em cair justamente em . Soltei um muxoxo, querendo pensar em outra coisa, mas antes que eu pudesse ter outra coisa para pensar, eu já estava com o dedo no elevador de meu prédio.
Descalça, com Bernardo tagarela no colo e sua bolsa em meu ombro, eu adentrei o apartamento.
Uma onda de felicidade e confusão passava por meu corpo naquele exato momento. Eu fechei a porta automaticamente, mas meus olhos estavam pregados em cada detalhe.
Bolas de gás coloridas por todo o lado, tanto penduradas no teto quanto espalhadas pelo chão. Sobre a bancada, usou o meu jarro para refresco para colocar rosas brancas, e, ao lado, havia dois pratos com fitas vermelhas embrulhando-os. Havia um papel sob o primeiro prato e então eu me aproximei engolindo em seco. Com um pouco de dificuldade, eu peguei-o e abri.

"Não sou um cara sensível, você sabe. Isso é o melhor que eu posso fazer, não sei se te agradou. Mas te desejo um feliz aniversário, você merece.
"


Sorri comigo mesma, e levantei meus olhos, à procura dele. Decidi adentrar mais o apartamento, tendo cuidado para não pisar nas bolas. Quando me aproximei mais da sala, meus olhos foram direto para a mesa de centro, me fazendo rir por vir bolinhos em formas de papel, mas com um palito segurando um papel quadrado e pequeno, com uma montagem de foto minha, onde eu tinha um chapéu de aniversário. Virei para o lado e eu o vi jogado no sofá de frente à TV. Ri baixo por vê-lo naquele jeito, com a cara virada para o encosto, um braço sob o corpo e o outro jogado para fora do sofá. Voltei à cozinha e coloquei Bernardo na sua cadeirinha. Deixei a bolsa dele num canto e fui em direção ao sofá, olhando o pulso e vendo que já eram dez da noite. Ele já devia estar cansado de esperar.
Me ajoelhei ao lado do sofá e o sacudi de leve pelas costas.
- ? Acorda - mesmo com uma vontade imensa de pular em cima dele, eu continuava a sacudi-lo, até que ele se mexeu e se virou para mim. Tirei minha mão de seu corpo e tentei um sorriso. - Levanta, - eu pedi com a voz baixa, o vendo contorcer a cara amassada. Ele se revirou e sentou, passando a mão freneticamente pelo rosto. Ele me olhou com o semblante triste, tirando o meu sorriso. - O que foi? - eu permanecia de joelhos, com a cabeça levantada para poder olhá-lo. Ele suspirou baixo, embalançando a cabeça negativamente.
- Nada - entortou o lábio. Me levantei, o vendo me seguir com o olhar e abri os braços.
- Vem cá me dar um abraço, vai - pedi com um meio sorriso, ainda com seu bilhete na mão e ele se levantou cabisbaixo, me abraçando em seguida.
Aos poucos, me apertava as costas enquanto minha mão subia para sua nuca. Eu não queria sair daquele abraço, era uma coisa boa, me passava energias positivas, além de seu perfume ser cheiroso e seus braços muito confortáveis.
- Obrigada, - minha voz saiu abafada por eu ter meu rosto afundado em seu peito. Senti suas mãos acariciar minhas costas, e logo minhas mãos apertavam sua nuca. Instantaneamente, ouvi seu coração acelerar, mas antes que eu pudesse continuar ali, sentindo-o bater forte, me afastou com as duas mãos. Ele apenas sorriu de lado, mas ainda parecia triste. - Tem certeza que não aconteceu nada? - eu perguntei preocupada. Aquela sua expressão pra baixo me doía, mesmo sem saber o motivo. - Você trocou poucas palavras comigo, não estou te entendendo - eu tentei reproduzi sua voz na frase que ele havia me dito mais cedo, arrancando-o uma risada baixa.
- Não, eu... Só achei que você fosse chegar mais cedo - ele manteve seus olhos baixos, sua voz num sopro.
- Já jantou? - minha vontade era de colocar minha mão em seus cabelos e lhe fazer um cafuné até essa cara melhorar.
- Não, estava te esperando - ele respondeu, e pude ver a sombra de um sorriso, mesmo com sua cabeça baixa.
- Não precisava, - eu disse sincera, o puxando pelo braço em direção à cozinha. - Você deve estar cansado... - eu o soltei e indiquei a bancada com o dedo. Ele entendeu e sentou-se lá.
- É seu aniversário, . Queria fazer uma surpresa - ouvi sua voz ainda sem vida enquanto eu destampava as panelas após colocar seu bilhete no bolso.
- Achei que tivesse esquecido... - comentei, vendo que havia feito macarronada, meu prato favorito. Me virei para ele: - Como sabia que eu gostava disso? - cruzei os braços, o vendo sorrir de lado.
- Bom, eu vi no seu caderno de receitas - e riu baixo. Eu ri junto, o vendo levantar e ir em direção ao Bernardo, o pegando no colo com um sorriso.

Apesar de eu sentir o clima tenso instalado ali, nós conversamos sobre diversas coisas, indo da embalagem da lasanha até a bunda do Johnny Depp. No final, parecia que ele já estava mais feliz, e que aquele rancor que eu sentia por ele mais cedo por não me contar o que estava acontecendo, sumiu misteriosamente.
- Estava muito bom, - eu comentei, me sentando no sofá de frente à TV com Bernardo quase dormindo em meu colo.
- Fala verdade, não quero que seja só para agradar - ouvi sua voz risonha, sentindo o sofá afundar-se ao meu lado.
- Estou falando! - o olhei - Sabe que se não estivesse, eu falaria mesmo - dei de ombros, o vendo encostar e rir baixo.
- Então obrigado - com a cabeça relaxada no encosto, ele me olhou com um sorriso.
- Eu que agradeço, eu nunca tinha recebido um aniversário surpresa - eu ri um pouco, o vendo me acompanhar.
- Dormiu - ele apontou para Bernardo, olhando-o ainda com um sorriso. - Me dá ele aqui - se desencostou e estendeu o braço, pegando Bernardo no colo mesmo sem eu dar autorização. Ele foi em direção ao quarto de Ben, enquanto eu levantava e ia para o meu.
Abri meu armário e peguei meu caderno verde limão, e coloquei o bilhete de ali dentro, deixando-o na ponta para eu fazer minhas anotações quando dormisse. Peguei meu short jeans e o coloquei. Quando eu ia tirar meu vestido, entrava como um trovão no quarto, indo direto para sua cama e se jogando nela.
- Qual o seu problema, garoto? - eu perguntei após fitá-lo e ele ria, pulando na cama.
- Estou feliz, agora - ele ainda ria, e essa era contagiosa. Eu ria com ele sem motivo, apesar de sua expressão infantil ser um pouco engraçada.
Deixando meu armário de lado, eu fui até sua cama e o fiz sinal para sentar. Ele o fez um pouco confuso, sentando de pernas cruzadas. Sem perceber, eu sentei de frente para ele, também de pernas cruzadas.
- Por que estava triste? - eu sabia que eu tinha um sorriso, enquanto sua expressão, agora, era enigmática. Ele apenas me olhava.
- ... - sussurrou - Nem eu consigo entender, quanto mais te explicar - ele tentou um sorriso. - Vamos deixar isso pra lá.
Me aproximei, o vendo fechar os olhos, e com uma mão, eu inclinei sua cabeça, dando-lhe um beijo na testa. Desci minha mão até seu pescoço, e iria me afastar, mas sua mão me segurou pela nuca, me forçando a ficar bem próximo. Ele permanecia de olhos fechados, e eu ouvia e sentia sua respiração tocar meu rosto. Ele encostou seu nariz no meu e sua testa na minha, mas eu não fechava meus olhos, apenas analisava sua expressão. Ele mordeu o canto do lábio.
- Você gostou? - ele perguntou num sopro, eu apenas assenti, fechando meus olhos. Ele havia entendido já que sua mão ainda estava em minha nuca. - Não sabe como isso me faz feliz - e segundos depois eu senti seus lábios encostarem-se ao meu. Ficamos naquele selinho, um sentindo a presença do outro, até ele inclinar mais a cabeça, abrindo sua boca ao mesmo tempo em que arranhava minha nuca. O arrepio já era esperado. pediu passagem com a língua e eu cedi, levando lentamente minhas mãos do seu rosto até sua nuca, fazendo um carinho por onde meus dedos passavam. O puxei mais para mim, querendo sentir mais de seu corpo. Ao mesmo tempo em que ele colocava sua outra mão em minha nuca, também, eu me vi entrelaçando minhas pernas em seu corpo. Percebendo, ele descruzou suas pernas com dificuldade, e me pegou pelas nádegas, se arrastando até a ponta da cama. Ele pôs seus pés no chão, e aí sim eu pude contornar seu corpo com minhas pernas. Ele voltou com suas mãos para minha cintura e me apertou ainda mais, como se quisesse grudar nossos corpos. Apesar do beijo ser calmo, eu sentia ar me faltando aos poucos, mas eu não ligava para isso. Eu estava mais interessada em guardar na memória aquelas sensações, aqueles arrepios, aqueles choques consecutivos que eu estava sentindo. Apertei mais minhas pernas em seu corpo, e, após estremecer por isso, cortou o beijo, mantendo sua cabeça encostada a minha. Ele roçou nossos narizes lentamente, depois nossos lábios. Ele arranhou mais uma vez a unha dentre meus cabelos, e abri meus olhos após alguns segundos. Ele abriu a boca para dizer, algo, mas a voz não saia. Tentou de novo: - Vamos dormir - disse assoprando em meus lábios devido a respiração descompassada. Eu concordei, um pouco entorpecida, e me soltei de seu abraço, me levantando de seu colo, e indo, sem olhar para trás, até meu armário. Peguei minha camisola e fui para um banho gelado, tentando relaxar cada músculo de meu corpo.
Quando voltei para o quarto, estava deitado em sua cama, com as mãos sob a cabeça.
Tentei ignorar sua presença, com a lembrança daquele último momento em minha mente. Pus minha roupa dobrada dentro do armário, e me virei para a cama, preparando meu edredom. Deitei e me ajeitei, mas suspendi a sobrancelha ao sentir alguém deitando em minha cama. Eu não tive tempo de dizer nada, ele logo colocou sua mão em minha cintura e me puxou.
- Voltou a ficar chateada comigo? - ouvi sua voz receosa, e em seguida sua mão soltar meus cabelos, colocando-os para cima sobre o travesseiro.
- Não, - eu tentei passar segurança, apesar de estremecer com seus dedos próximos a minha orelha.
- Boa noite, - senti que ele relaxou a cabeça no meu travesseiro, e eu sabia que eu não conseguiria pregar os olhos tão cedo.
- Você tem certeza, ? - perguntei, me referindo a ele dormindo na mesma cama comigo. Eu não queria ter de acordar e ele ter a mesma reação de hoje de manhã.
- Absoluta, - e senti sua boca encostar na parte de trás da minha orelha, me fazendo engolir em seco. - Boa noite - disse de novo, e eu não encontrava o caminho da voz para responder, apenas apertei sua mão que continuava em minha cintura e fechei os olhos, tentando me concentrar no sono.

"Você me ganha (ou me perde) nos detalhes. E aposto que nem desconfia."


's POV On.

Era feriado e todos estávamos em casa. Eu não tinha absolutamente nada para fazer, mas achava que também não tinha. Eu não conseguia entender o tanto que ela andava de lá para cá dentro do apartamento, fazendo coisas que eu, sinceramente, não via necessidade em fazer. Bernardo estava brincando no chão do nosso quarto, e eu jogado em minha cama desde a hora em que terminamos de almoçar. Aquela correria da estava me irritando, e então eu me levantei, sentindo o olhar de Bernardo em mim e fui até a sala. Confesso que achei que estaria limpando as janelas, mas ela estava no sofá, com seu notebook no colo, o cabelo num coque e folhas ao seu lado. Fui em direção a ela, me sentei de frente, sobre a mesa de centro. Entrelacei meus dedos e, vagarosamente, ela me olhava com as sobrancelhas unidas.
Antes que ela dissesse alguma coisa, eu comecei:
- Hoje é feriado. Você precisa mesmo trabalhar? - eu dei ênfase em 'mesmo'.
- , eu preciso en... - ao me vir levantar, ela parou de falar.
- Sério, curte o feriado - eu dizia, me inclinando para arrumar aquelas folhas ao seu lado. Peguei para analisar uma delas, mas não consegui entender metade do que estava ali. - Se precisar, - eu coloquei as folhas na mesa de centro e voltei-me para ela - eu te ajudo amanhã. Mas esse seu anda pra lá e pra cá estava me irritando - cruzei os braços, após gesticular levemente e ela riu pelo nariz, fechando o notebook. Ela o pôs ao seu lado e se levantou com um sorriso pequeno.
- Eu só vou fazer o que você está dizendo porque eu não estou tão atrasada assim. Posso terminar algumas coisas amanhã - e me lançou um olhar cínico, me fazendo rolar os olhos.
- Tá bom, senhora orgulhosa - descruzei meus braços, me virando de costas para ela - Agora vamos, vamos procurar alguma coisa pra fazer - eu sabia que ela me olhava, e então ouvi sua risada atrás de mim, tendo certeza de que ela me seguia.
Entramos no quarto, e lá estava Bernardo tentando ficar em pé, segurando na cama de . Parei onde eu estava, assistindo sua performance e em seguida, bater com o corpo nas minhas costas. Suspendi a sobrancelha, a ouvindo gemer.
- Porra, ! - reclamou, aparecendo em meu campo de visão passando a mão pelo nariz.
- O que eu fiz? - perguntei confuso, a vendo me fuzilar com o olhar em seguida.
- Você parou de repente! - dizia emburrada, me fazer rir fraco. Ela se virou para Bernardo com aquele bico emburrado e tentador, e então sorriu, me fazendo olhar para onde ela olhava. - Ow, meudeuso! - foi em direção ao Bernardo, abrindo os braços para ele. Ela se agachou e então começou uma conversa de maluco com o bebê. Rolei meus olhos e fui em direção à minha cama, me jogando lá.
Fiquei virado para eles, com a cabeça em cima das mãos e quando notei, eu sorria por ver sentar-se para conversar com Bernardo.
- Está com sono, meu anjo? - ela dizia para ele com uma voz terrível, na tentativa de imitar uma criança. Como ela sabia que essa criança estava com sono, eu, realmente, não sei, já que Bernardo estava elétrico, tacando seus brinquedos no chão.
Quando percebi, eu me sentava ao lado de Bernardo, pegando um de seus brinquedinhos idiotas e luminosos, enquanto ouvia a voz melosa de :
- Olha quem veio brincar com você enquanto mamãe vai tomar banho, meu amor! - me virei para ela rapidamente, a encarando com minha melhor cara de poucos amigos. Ela deu uma risada, se levantando. - Fica com ele um pouquinho - e sorriu amarelo, me fazendo rir por sua expressão engraçada.
- Tá, vai lá - concordei, me voltando para Bernardo, que caiu sentado. Ouvi os passos de se afastar e Bernardo coçava os olhos, mas rapidamente voltou a destruir seus brinquedos. Fiquei ali, olhando cada um, que ia de um mordedor macio até uma miniatura do Nemo. Quando a mão de Bernardo tocou minha perna, eu voltei a olhá-lo: ele tinha os olhos pequenos, apesar de balbuciar algumas coisas, e então eu o peguei pelos braços e o coloquei no colo, com a cabeça virada para meu peito. Coloquei as mãos em suas costas e comecei a cantar a primeira música calma que veio na cabeça: [N.A.: Pode dar play em 'Lullaby', se quiser :D]

When you're so lonely lying in bed
(Quando você estiver sozinho, deitado em sua cama)

Night's closed its eyes but you can't rest your head
(A noite fecha seus olhos, mas você não consegue descansar)

Minha voz saia baixa e lenta, enquanto eu sentia meus braços abraçando-o. Eu não tinha ideia do por quê de eu estar fazendo aquilo, mas eu me sentia bem em fazê-lo.

Everyone's sleeping all through the house
(Todos estão adormecidos em casa)

You wish you could dream but forgot to somehow
(Você queria poder sonhar, mas esqueceu como)

Sing this lullaby to yourself, sing this lullaby to yourself.
(Cante esta canção de ninar para você mesmo, cante esta canção de ninar para você mesmo)

Eu repetia apenas essa parte, enquanto eu embalançava levemente o corpo.
- Ele dormiu - ouvi a voz de , e então tentei controlar meus batimentos cardíacos para não acordar Bernardo. Me virei para onde a voz vinha e estava apoiada no batente da porta do banheiro, com os braços cruzados e um sorriso contagioso. Sorri de volta, e ela veio em minha direção, se agachando para pegar Bernardo. Ela se levantou e sumiu do meu campo de visão com ele no colo. Me levantei e fui para a sala, me jogando no sofá com a cara para a TV. Mas não deu tempo nem de digerir o que estava passando, já que uma séria se pôs em minha frente.
- Que foi? - eu perguntei confuso, enquanto ela cruzava os braços, sentada sobre a mesa de centro.
- Achei que fôssemos aproveitar o feriado! - ela reclamou com gestos e eu levantei o rosto para rir de sua expressão. - Anda, levanta desse sofá - ela disse num tom raivoso, mas tinha a sombra de um sorriso no canto do lábio.
- Como vamos aproveitar? - eu quis saber, me sentando de frente a ela.
- Sei lá, você que deu a ideia - ela deu de ombros, entortando os lábios.
- Eu dei porque estava me irritando você arrumar a casa e trabalhar num feriado - dizia sincero, a vendo rolar os olhos. - Tudo bem, eu tenho uma ideia - me levantei, e antes que ela pudesse dizer algo, eu já me virava e ia para o quarto, ouvindo os passos de em minhas costas.
Fui até a varanda e peguei a cadeira de ferro, a arrastando até o armário de . Esta me olhava com os braços cruzados, parada na porta do quarto. Subi na cadeira e me inclinei para pegar seu violão.
- Ah, que ótimo! Você vai cantar para mim! - ela dizia contente enquanto eu descia da cadeira num pulo. Entreguei o violão a ela, que tinha os olhos brilhantes, tamanha sua excitação. Mas acabei com ela rapidinho:
- Hoje vai ser diferente: você vai cantar para mim - eu dizia com um sorriso de satisfação.
- É o que?! - sua voz esganiçada me fez rir leve enquanto ela estava com o queixo levemente caido. - Nem vem com essa, . Não consigo cantar sozinha. E além do mais, eu não me recordo de nenhuma música para tocar - estava emburrada, e segurava o violão com cuidado.
- Mas quem disse que você vai tocar? - dei ênfase, a vendo transformar sua expressão em confusa.
- Então para quê você me deu isso? - ela quis saber incrédula, levantando levemente o violão.
- Para você limpar - me virei para a varanda - Me encontra em dois minutos ali - e fui em direção a mesa, me voltei às cadeiras e as coloquei lado a lado, me sentando numa delas em seguida. Soltei um suspiro, inquieto por sua demora e alguns segundos depois, apareceu, colocando o violão sobre a mesa. Me inclinei para pegá-lo enquanto sentava-se ao meu lado.
- O que você quer cantar? - perguntei ao mesmo tempo em que posicionava o violão em meu colo, a ouvindo bufar.
- Por mim, eu não cantaria. ! - eu a olhei com o susto por ela ter praticamente gritado em meu ouvido. - Eu não vou conseguir cantar sozinha! - ela me olhava suplicante e então eu ri de leve.
- Tudo bem. Escolhe uma música que eu canto com você - automaticamente, ela abriu um sorriso.
- Ai, não sei, - ela disse num tom cansado, levando o dedo até a boca. - Eu não lembro de nenhuma música que mostre o que eu estou sentindo agora.
- Como assim? - eu quis saber, confuso por suas palavras.
- Hãn, bom. Eu gosto de músicas que reflitam no que estou sentindo - eu mantinha minha sobrancelha suspensa, reforçando meu semblante confuso. - Tipo, como se uma música fosse a tradução de um dia da minha vida. Quando eu a escutar no futuro, eu vou lembrar desse dia, e das sensações que eu senti. Entendeu?
- Um pouco - sorri amarelo, sendo sincero. Eu não havia entendido muito, mas tudo bem. Um dia eu eis de entender.
­ Tudo bem - ela olhou para um canto qualquer, voltando a pôr seu dedo na boca, mordendo-o. Ela não tinha ideia do quanto ela ficava sexy daquele jeito. - Ah! - ela me olhou, os olhos alegres e um sorriso imenso, me tirando do leve transe. - Pode ser... Não - e murchou de repente, me fazendo olhá-la com cara de poucos amigos. - Ah, não sei, ! - ela emburrou de novo, me fazendo bufar.
- Vamos deixar o violão de lado hoje, então. Te mostro as músicas que tem no meu I-phone. Outro dia a gente canta essas músicas. Está bem, senhorita indecisa? - eu dizia lento, como se eu estivesse falando com uma criança, e ela me deu um tapa no braço por isso.
- Idiota - ela se levantou - Tudo bem, contanto que não venha com músicas chatas e sem sentido... - e ela sumiu pelo quarto.
Pus o violão sobre a mesa e me levantei, me direcionando para meu criado-mudo e pegando meu celular na gaveta. Fui para a sala e estava na cozinha, abrindo a geladeira. Me joguei no sofá de barriga para baixo, mexendo no aparelho à procura de uma música. Ainda com os olhos no visor, vi sentar-se no chão. Olhei-a, e ela comia uma maçã, de pernas cruzadas e os olhos no meu celular. Voltei atenção a este e escolhi a primeira música da lista: How To Save A Life.
- The Fray! - ela deu um gritinho, falando de boca cheia e eu a olhei de soslaio.
- Por que não quis cantar essa, então?! - eu perguntei incrédulo e ela soltou uma risadinha, terminando de mastigar a maçã. Lembrou que educação existe.
- Ela não me significa nada, no momento - disse simplesmente, seus olhos presos em mim. Voltei minha atenção ao celular, procurando por outra música, até que eu achei She Loves Me Not, Papa Roach. Não que eu goste dessa música. Na verdade, eu nunca escutei direito, já que foi que pôs aqui, dizendo que eu deveria ouvir. Coloquei, só para descarrego de consciência. [N.a.: se quiser, pode colocar para tocar.]

When I see her eyes, look into my eyes, then I realize that she could see inside my head
(Quando vejo os olhos dela olhando dentro dos meus, então eu percebo que ela pode ler meus pensamentos)

Lentamente, eu a olhei: mirava a borda do sofá, cantando discretamente. Continuei a fitá-la.

So I close my eyes, thinking that I could hide. Disassociate so I don't have to lose my head, this situation leads to agitation
(Então eu fecho meus olhos, achando que eu poderia me esconder, desassociar para não ter que perder a cabeça, esta situação me dá uma agitação

Will she cut me off? Wll this be amputation?
(Se ela me cortasse da vida dela, seria uma amputação?)

Ela me olhou rapidamente, parecendo que já sabia o resto da música.
- Isso significa alguma coisa para você? - ela perguntou num sussurro, e eu suspirei, sem saber o que responder. Na realidade, eu não sabia o resto da música.
- Não sei o resto da música - eu disse sincero, mas sentindo minhas bochechas mudarem de cor.
voltou a olhar a borda do sofá, mordendo outro pedaço da maçã.

I don't know if I care. I'm the jerk. Life's not fair. Fighting all the time. This is out of line, she loves me not
(Eu não sei se eu me importo. O babaca sou eu. A vida não é justa. Bringando o tempo todo, isso não é certo. Ela não me ama

Do you realize I won't compromise? She loves me not
(Você não percebe que eu não quero me comprometer. Ela não me ama)

Na verdade, eu estava detestando aquela música. Essa parada de 'Ela não me ama' é muito...muito... Sei lá, não era muito ''.
Ela voltou a me olhar.

- E agora, tem? - seu olhar não me dizia nada, não dava nenhuma pista do que dizer. Ela estava simplesmente séria.
- Tirando a parte do 'babaca sou eu', pode ser - então eu sorri de lado, minhas bochechas dando sinais de vida.
- Pode ser ou significa? - ela não deu importância a minha suposta insegurança.
- Sei lá, ! - me sentei, tentando desviar o olhar. - Por que quer saber? - me vi olhando-a de novo.
Ela não me respondeu, apenas se levantou e foi em direção ao seu quarto com sua maçã.
Engoli em seco quando ela voltou com seu celular, sentando-se ao meu lado. Mordendo mais um pedaço da fruta, ela mexia em seu celular. Me inclinei um pouco para bisbilhotar o que ela fazia. Mas me afastei com o coração acelerado quando ela se virou para mim.
- Porque essa significa para mim - e então começou a tocar uma música que eu não conseguia.

POV's

Today is a winding road. That's taking me to places that I didn't want to go, whoa.
(Hoje está uma estrada ventosa. Que está me levando a lugares que eu não queria ir)

Today, in the blink of an eye, I'm holding on to something and I do not know why, I tried
(Hoje, num piscar de olhos, estou me segurando em algo que eu não sei por quê, eu tentei)

I tried to read between the lines, I tried to look in your eyes
(Tentei ler entre as linhas, tentei olhar em seus olhos)

I want a simple explanation what I'm feeling inside
(Eu quero uma explicação simples para o que estou sentindo por dentro)

I gotta find a way out, maybe there's a way out
(Eu tenho que encontrar uma saída, talvez tenha uma saída)

Eu o olhava, e ele me olhava. Sustentávamos o olhar, e eu não sei porque eu estava mostrando aquela música a ele. Eu gostava, eu sabia o que significava... mas eu não conseguia levar o dedo no aparelho e apertar 'pause'. Talvez eu quisesse saber algo a mais, queria saber a reação dele, mesmo sem saber porque eu queria tanto isso.

Your voice was the soundtrack of my summer
(Sua voz foi a trilha sonora do meu verão)

Do you know you're unlike any other?
(Você sabe que você é diferente dos outros?)

You'll always be my thunder, and I said: your eyes are the brightest of all the colors
(Você sempre será meu trovão, e eu disse: seus olhos são os mais brilhantes de todas as cores)

I don't wanna ever love another, you'll always be my thunder
(Eu não quero amar mais ninguém, você sempre será meu trovão)

So bring on the rain, and bring on the thunder
(Então traga a chuva, traga o trovão)

Quase sem eu perceber, se arrastou para mais perto e tão rápido quanto foi em colocar as mãos na minha nuca, ele encostou sua testa na minha. O celular permanecia em minha mão, sobre o colo.
- Por que ela significa tanto para você? - sua voz em meus lábios me fez fechar os olhos. Engoli em seco antes de responder:
- Eu ainda não sei - ele arranhou minha nuca, me fazendo estremecer. Eu não me atreveria a abrir os olhos, sabendo que ele estava com os deles em mim, ainda.
- Quando souber, - ele desencostou sua testa da minha e deu um beijo nela - você me avisa - e soltou suas mãos do pé de meus cabelos.
Eu apenas assenti, tendo coragem de abrir os olhos. Ele se levantou, e ainda pude ouvir sua voz:
- Vou fazer o jantar.

Não é que não estava com fome, mas eu não conseguia comer nem um grão de arroz. Parecia que eu tinha um nó no estômago que nada descia. Eu estava muito confusa sobre tudo.
- Não vai comer? - e parece que a voz de aprofundou mais esse buraco. Respirei fundo e o olhei, que estava ao meu lado na bancada:
- Não sei, perdi a fome - eu voltei minha atenção ao prato, afastando-o de mim.
- Que foi? Está ruim?! - voltei a olhá-lo e seu semblante triste me fez formar um bico manhoso.
- Não é isso, você sabe... - eu dizia sincera, me levantando. - Eu, realmente, perdi a fome - tentei um sorriso, e ele não perdia aquela cara tristonha. - , você sabe que se tivesse ruim eu jogaria o prato longe, não sabe? - ele riu de leve, mas concordou, voltando sua atenção ao prato. - Então - me aproximei e o dei um beijo na testa - vou dormir - soltei um suspiro, e dei as costas, indo para meu quarto, sabendo que ele me olhava.

Aproveitei que ele não estava ali e fui ao armário, abrindo meu caderno. Eu precisava colocar aquilo para fora.

's POV On.

Não sei se foi a coisa a certa a se dizer a ela, nem a melhor ideia sobre as músicas, mas eu me sentia cabisbaixo, mas ao mesmo tempo feliz. Não que o que aquela música dizia fosse modificar algo do que eu estava sentindo, algo que eu não conseguia definir nem entender. Mas me deixava ansioso pela reação dela. é muito misteriosa, e eu tenho certeza de que ela não dirá nem mostrará nada se não for exatamente aquilo que ela quer. Suspirei, perdendo a fome também, afastando o prato de mim, assim como ela havia feito. Desliguei a TV e apaguei as luzes, indo para meu quarto.
Ela estava enfiada dentro do armário, mas tentei ignorar sua presença, indo direto para minha cama. Me ajeitei lá, e dessa vez eu não queria dizer nada. Eu não queria que ela percebesse que eu estava ali, talvez fosse a forma mais fácil que eu achei de desviar o que, provavelmente, o destino estava preparando para mim.

***


Cheguei cansado, mas não fisicamente. Minha cabeça doía muito mais. Eu percebia que os dias iam passando e, ao invés de meu relacionamento com melhorar, estava ficando cada vez mais tenso. Parecia que os dois tinham receio, medo.
A babá estava no quarto de Bernardo, brincando com o mesmo, e , bom, fui ao meu quarto e não a vi por ali. Joguei a mochila na cama e fui até o banheiro, colocando a cabeça para dentro do cômodo. Ela estava lá, mexendo nas roupas sujas. Quando ela me viu, ela sorriu de lado e veio até mim. Dei um beijo em sua testa de costume, e ela se afastou depois. Sem dizer nada, voltei à minha cama, tirando minhas roupas sujas da mochila.
O barulho do celular de me fez olhar para a cama dela, onde o barulho vinha.
- ! Seu celular - eu chamei alto e logo ela veio com uma trouxa de roupa no colo, e a jogou sobre a cama, pegando o aparelho. Ela entortou os lábios e fitou o aparelho por alguns segundos. Decidiu atender:
- Alô? - ela se jogou na cama, de barriga para cima, e eu voltei minha atenção a minha mochila, mas meus ouvidos permaneciam na voz da garota da cama ao lado. - Tudo, e aí? - era visível que ela não estava com a mínima vontade de falar. - Que horas?... Está bem, vou dar um jeito e já vou para lá - não posso negar que minha barriga contorceu por pensar que fosse Paul. Eu estava louco para saber quem era. Olhei para trás discretamente e ela levantava, jogando o aparelho na cama.
- Quem era? - eu perguntei por impulso e ela se virou para me olhar, com as mãos na cintura. Sorri amarelo.
- Era a Grace - ela se inclinou sobre a roupa e a pegou novamente. Mas soltou a trouxa de roupa por vir algo cair. Voltei a minha posição inicial. - Ué... - ouvi sua voz exclamar e voltei a olhá-la: ela se levantava, já que deveria estar de joelho, com alguma coisa na mão, o rosto contorcido. - O que isso estava fazendo no meio da trouxa de roupa? - ela levou seu olhar para mim, mostrando-me uma pulseira fina e prateada. Graças aos céus, não precisei responder, já que Jane entrava no quarto.
- , - eu e voltamos a atenção para ela - será que eu... - e ela parou de repente, olhando confusa para a pulseira na mão de . Arregalei meus olhos, indo em direção a , me posicionando atrás dela. - Onde você achou minha pulseira? - ela perguntou, meia contente, meia confusa, enquanto eu tentava fazer sinais discretos para ela calar a boca.
- Sua? - aparentemente, estava mais confusa do que Jane. E eu desesperado. Fiquei mais ainda quando se virou para mim, mesmo sem esperar a resposta de Jane. - O que a pulseira dela estava fazendo no meu carro? E o que essa pulseira estava fazendo no meio das suas roupas? - ela começava a ficar vermelha, enquanto eu olhava para a cama e via que a trouxa que ela tinha trazido para o quarto, eram roupas minhas. Merda!
- E-eu, ér... Bom, ... Acontece que... - eu não conseguia olhar em seus olhos. - Droga, ! - fechei os olhos e suspirei pesado, sem saber por que diabos eu não conseguia mentir para ela. Tentei me concentrar e abri os olhos, me virando para Jane. - Me deixa sozinha com ela, por favor? - continuava na mesma posição, com a mão suspensa, nos mostrando a tal pulseira. Jane assentiu e saiu. Com muita coragem, olhei para a , e seus olhos estavam furiosos e confusos. Antes que eu pudesse dizer alguma coisa, ela se pronunciou:
- Você me disse que não sabia de pulseira nenhuma! - ela disse baixo, porém firme, beirando ao raivoso.
- Calma, - pedi nervoso, passando a mão pelos cabelos. - Acontece que no dia em que você me emprestou o carro para ir me encontrar com os caras, bom, eu encontrei com Jane e ela me pediu uma carona e... A pulseira dela deve ter caído - eu sabia que ela estava impaciente, de tanto que eu gaguejava.
Ela me pareceu não muito convencida, mas se aproximou e suspendeu uma das minhas mãos com a mão que não estava segurando a pulseira, e me entregou.
- Você entrega a ela - e se virou, pegando minha trouxa de roupa e saindo do quarto.
Suspirei aliviado, e fiquei alguns minutos pensando no que fazer. Só me restava entregar a pulseira à Jane. Guiei meu corpo para a sala, mas parei na porta ao vir conversando com Jane na cozinha. Esta estava de frente para mim, mas parecia não me ver. estava com minhas roupas no colo, e de costas para mim. Me encolhi, querendo ouvir a conversa.
- ... Então, tem como repor o dinheiro? - Jane sorriu sem graça, e a voz de eu não consegui ouvir. - Duzentos - engoli em seco, por notar que, pela resposta dela, devia ter perguntado quanto tinha faltado. Novamente, a voz de não estava a meu favor, só pude vir Jane assentir e as duas irem para o corredor. Jane entrou no quarto de Bernardo e no banheiro, onde tinha a máquina de lavar. Suspirei pesado e tomei coragem de ir ao quarto devolver a pulseira de Jane. Mas antes que eu pudesse chegar lá, saia do banheiro, fazendo minha barriga revirar. Arregalei meus olhos instantaneamente, e ela suspendeu a cabeça, olhando em meus olhos. Ela parou e cruzou os braços, com o semblante enigmático.
- De onde saiu aquele dinheiro que você deixou no meu criado-mudo? - pisquei algumas vezes, eu não esperava que ela pedisse explicações assim, tão rápido.
- Bom... ér... Do... Meu trabalho? - tentei um sorriso, mas este foi meio em vão. Ela continuava a me olhar séria.
- Engraçado, antes você não tinha dinheiro para ajudar. Continuou indo aos pubs, e agora, do nada, aparece? - ela tinha um leve deboche na voz, apesar de esta estar saindo bem baixa. - Conta outra. Eu espero mesmo que não tenha saído de onde estou pensando, - e passou por mim, me fuzilando com o olhar, descruzando os braços.
- Droga! - murmurei, socando o ar. Bufando, fui em direção ao quarto de Bernardo.

's POV On.

Eu tinha muitas coisas para refletir, mas eu não tinha tempo para parar. Eu gostava de pensar quieta, sem ninguém me perturbando, mas isso era impossível no momento. Eu terminei de arrumar o quarto, e quando olhei no relógio, percebi que já fazia quase uma hora desde a hora que Grace havia me ligado, pedindo para eu ir ao aeroporto buscá-la. Me apressei e fui para o banho, tentando não pensar em nada e me arrumei depressa, pegando meu celular, minha bolsa e meu keds. O calcei e fui para sala, vendo que assistia TV. Ignorei minha vontade de refletir e fui para o quarto, vendo que Jane brincava com Bernardo.
- Estou dando uma saída, não sei que horas eu volto - avisei, me agachando para dar um beijo em meu filho. - Caso dê oito da noite, você pode ir que consegue dar conta até eu chegar - e me levantei, a vendo assentir com um sorriso leve. Dei as costas e sai, batendo a porta de leve. Murmurei um 'tchau' para , e logo ele se virou para mim, com os pés em cima do meu sofá branco, limpinho.
- Onde está indo? - ele quis saber, e eu me apressei em sair.
- Aeroporto - e antes que ele pudesse fazer qualquer pergunta, eu sai.

Grace vinha em minha direção correndo, com os braços abertos, enquanto eu tentava dar o meu melhor sorriso. Ela me apertou, e eu me encolhi, tentando retribuir o abraço.
- Ai, amiga! Não sabe como estou feliz em te ver aqui! - eu não sei se era a voz fina dela, mas eu estava começando a sentir uma leve tonteira. - Como vai a vida?! - ela me apertava os ombros, me olhando feliz.
- Vai bem... Eu consegui adotar - eu tentei um sorriso leve, apesar de parecer que eu estava vendo duas Graces vagarosamente.
Mesmo sem entender, eu via o sorriso de Grace sumir aos poucos.
- Ah, sério? - sua voz saiu num sussurro, e antes que eu pudesse responder, ouvi uma voz masculina:
- Oi, ! - virei meu olhar para o lado, sentindo as mãos de Grace me soltar, e eu vi Robert, marido de Grace, segurando um menino no colo.
- Oi, Rob - eu tentei um sorriso novamente, e meu olhar ainda estava fosco. - Quem é esse? - eu perguntei apontando para o dito cujo, mesmo sabendo que era filho deles.
- Peter - o pai disse com um sorriso imenso, virando um pouco o corpo para que eu pudesse ver seu filho. Este sorria, olhando em volta. Era tudo novo para ele.
- Amor... Ela conseguiu adotar também - ouvi a voz de Grace lhe dizer, me virei para ela e esta estava séria. Fitei os dois, e eles se entreolharam, mas não consegui entender o que aquilo significava.
- Que bom! - Rob me olhou com um sorriso fraco, e eu pisquei os olhos algumas vezes. Eu estava sentindo fome.
Sorri de volta, e então eu dei a ideia de irmos comer. Muito distante, Grace disse que não podia e que precisaria ir porque estava cansada. Estranhei, já que eu fui preparada, sabendo que ela queria me contar todos os detalhes da viagem. Concordei, me sentindo fraca, querendo logo comprar algo para comer e nos despedimos, indo cada um para um lado.
Eu estava me sentindo tão estranha, minha nuca começava a suar, eu tinha um pressentimento estranho. Não digo ruim, mas estranho. Decidi ligar para enquanto eu ia para o estacionamento, mas ele não atendia ao celular, me deixando mais atordoada.
Fui em direção ao elevador após estacionar na garagem de meu prédio. Subi embalançando levemente a cabeça, a fim de relaxar e tirar a tensão presa em meu pescoço e ombros. Cheguei ao meu andar, e procurei a chave na bolsa, e mesmo do lado de fora, eu podia ouvir o choro de Bernardo. Suspirei, conseguindo abrir a porta.
A sala estava vazia, o choro vinha do quarto dele, então guiei meu corpo até lá, tirando meu tênis e o soltando num canto qualquer. Após abrir a porta do quarto, o choro parecia ter aumentado. Me aproximei do berço e Bernardo estava de pé, segurando a grade do berço, vermelho de tanto chorar. Parecia estar berrando por horas. Mas cadê a babá?!
O peguei no colo, embalançando meu corpo para acalmá-lo. Vi, sobre o criado-mudo, sua mamadeira. Meio sem jeito, experimentei - no pulso - para checar se estava, pelo menos, morna para dar a ele. E, sim, estava. Isso quer dizer que a babá não tinha preparado aquilo há muito tempo.
Cuidei de Bernardo primeiro, depois eu trataria de saber com Jane o que estava acontecendo, para ela ter a capacidade de deixá-lo sozinho.
Ele se acalmou, então o coloquei de volta no berço após colocá-lo para arrotar. Eu podia ver um sorriso de agradecimento no rosto de meu filho, mas isso é coisa de mãe. Me limitei a sorrir de volta, e me virei para a saída do quarto. Caminhei até meu quarto, onde a porta estava fechada. Suspirei, pegando fôlego para dar uma bronca na babá, que com certeza estaria ali dentro - já que o apartamento era pequeno, e só faltava o meu quarto para conferir. Mas eu, ao abri a porta, eu não cheguei a falar nada.
Eu não saberia definir a sensação que eu sentia naquele momento. É claro, eu estava num transe. Eu só sabia que o que estava dentro de mim era algo ruim, continha raiva e rancor, com certeza. Minha mão permanecia na maçaneta, enquanto meus olhos não desgrudavam de uma Jane e tendo relações (sexuais) na cama deste. Só o que me acordou do transe, foi o grito alto e estridente que ela deu ao me vir ali, fazendo com que , que até então não tinha me notado, levasse um susto e olhasse para onde ela fitava. Ele tomou outro susto e se cobriu com o lençol rapidamente, assim como ela. Pude perceber que minha respiração estava descompassada, meus olhos se embaçaram. Eu podia sentir meu rosto pinicando; ele também pinicava quando eu sentia raiva.
Demorando alguns segundos, consegui achar o caminho das cordas vocais para dizer alguma coisa:
- Saiam do meu quarto - disse-lhe com os dentes cerrados, dando espaço para que os dois passassem, apesar de nenhum deles se moverem um centímetro de onde estavam. Eu olhava de um para o outro, vagarosamente.
- , eu posso lhe explic...
- Eu não quero explicações, . Eu só quero que saiam do meu quarto - disse-lhe, controlando meu tom de voz. Meu apartamento era pequeno, portanto os vizinhos não precisava saber o que estava rolando ali dentro. - Agora! - mas eu aumentei apenas um pouquinho, tendo em vista que, novamente, os dois estavam sem reação.
Jane foi a primeira a se tocar, se inclinando para pegar sua roupa no chão, atrás da cama de . Ele continuou imóvel, me fitando com uma expressão indecifrável.
- Você está esperando o que, ? - perguntei, e era possível perceber a raiva que eu tinha nas minhas palavras. - Eu quero que você saia do meu quarto. Continue o que você estava fazendo em outro lugar - ainda baixo, eu disse dando ênfase em algumas palavras.
Ele engoliu em seco, finalmente se levantando e caminhando para o banheiro com o lençol cobrindo o corpo. Jane havia terminado de se vestir. Tão rápido quanto provavelmente ela se despiu.
- Eu posso ex... - ela tentaria as mesmas palavras que . Mas eu não permiti. Não queria ser tachada de idiota por esses dois.
Ela veio em minha direção, com as mãos à frente do corpo.
- Você está demitida, Jane - disse-lhe, a olhando nos olhos. Ela encolheu os lábios, seus olhos estavam úmidos.
- Mas...
- Sem "mas". Passe aqui amanhã que deixarei com o porteiro um envelope com o seu dinheiro. Mas nunca mais volte a me olhar. Se me ver passando na rua e eu não lhe ver, me poupe da sua presença, me poupe de suas palavras, e gostaria até que você mudasse a direção, ou passasse para o outro lado da calçada. Eu não quero olhar novamente para aquela que deixou meu filho chorando no outro quarto enquanto tinha relações na minha casa, no meu quarto e com o meu... - pensou - amigo.
A cada palavra que eu dizia com toda a sinceridade, a garota a minha frente engolia a seco, e era notável que ela segurava as lágrimas. Ela poderia chorar o quanto quisesse, porque eu jamais perdoaria essa atitude.
Silenciosamente, ela foi até a sala, enquanto eu percebia um parado e quieto, me observando da porta do banheiro de meu quarto. Seu olhar, agora, tinha súplica, mas receio ao mesmo tempo. Passou a língua pelos lábios antes de tomar fôlego para dizer alguma coisa. Mas não o deixei nem começar.
- Eu quero que você saia do meu quarto nesse exato momento - minhas palavras saiam ásperas, enquanto minha vontade era de voar no pescoço dele e sufocá-lo até a morte.
- A gente não pode con...
- Saia, ! - ele não tinha entendido que eu não queria assunto naquele momento?
Derrotado, ele veio em minha direção com a cabeça baixa, passando por mim e saindo do quarto. Suspirei, cansada, e tranquei a porta, me prevenindo caso ele tentasse entrar.
Me joguei na cama, e só neste momento eu pude entender o que eu estava sentindo. Uma mistura de ciúmes, com raiva e confusão. Mas, com certeza, um sentimento de traição.
Capítulo 8


Eu não sou uma pessoa perfeita, há muitas coisas que eu gostaria de não ter feito.


Fiquei por horas deitada em minha cama, sem tomar banho, sem nem tirar minha roupa. Eu não me atreveria a olhar nem tocar na cama ao lado, eu apenas fitava o teto, e, acredite, eu não sabia exatamente o que eu estava pensando, mas aquela cena não saia da minha cabeça. Por várias vezes, eu ouvi a maçaneta do quarto mexer-se, ouvindo a voz de ao lado de fora dizer algo como 'Por favor, vamos conversar' ou 'Eu preciso te falar algumas coisas'. Mas eu fingia que não ouvia e nem me movia da minha cama.
Até que meu celular, que estava em meu bolso, começou a tocar. Me levantei para tirá-lo de onde estava e fui para a varanda ao vir no visor escrito ''.
Atendi. Se não fosse por ela ter respondido, eu teria certeza que minha voz não havia saído.
- O que houve, amiga? Que voz é essa? - ela me conhecia muito bem para saber que tinha algo errado só em eu dizer um 'Alo' espontaneamente baixo. Eu não saberia começar.
- Você não tem noção do que aconteceu... - e eu lhe expliquei tudo, ouvindo seus xingamentos ao outro lado da linha. Aos poucos, fui me sentindo mais leve. Disse-lhe tudo o que eu pensava e sentia.
- E agora? O que você vai fazer? - fiquei em silêncio, eu ainda não tinha pensado em nada. continuou: - Eu, no seu lugar, já o teria expulsado daí - disse naquele seu tom sincero, me fazendo suspirar.
- Mas para onde eu vou mandar esse garoto, ? - agora minha voz continha uma mistura de pena com cansaço. Passei a mão pela testa suada, a colocando na cintura em seguida, sabendo que não era exatamente cansaço que eu sentia.
- Ele que se vire! - ela continuou no tom sincero e sem paciência.
Suspirei mais uma vez, e decidi lhe dizer o que eu pensava sobre isso.
- Amiga, eu não posso - era complicado explicar tudo o que estava acontecendo, já que eu não havia comentado sobre as sensações que eu sentia quando era beijada, ou quando ele estava muito próximo. Eu não havia dito, ao menos, que havíamos transado. E eu não estava com a mínima vontade de contar agora. Não mesmo. - Não vou me sentir bem em fazer isso. Foi ele quem aceitou a se casar comigo no papel para me ajudar com a adoção. Acho que seria injusto eu deixá-lo por ai, sabe? Não, eu não posso... - eu dizia, mas eu estava pensativa ao mesmo tempo, sabendo que além desse meu pensamento, tinha o que pensamento de que não era nada meu, eu ainda estava confusa e se ele tivesse feito sexo com outra pessoa, eu não tinha o direito de interferir.
- É, você está certa - ela voltou com seu tom calmo. - Então, o que te resta é conversar com ele.
- Conversar... o que? - dei bastante ênfase. - Já não está claro que eu estou com uma puta raiva?
- , para ele continuar morando ai, você precisa ter a certeza de que não vai se repetir. Já imaginou, se isso vira rotina? - suei ainda mais só de imaginar.
- Acho que ele não faria de novo... - tentei convencer mais a mim mesma do que a ela.
- Pois é, você acha. Do mesmo modo que você achava que ele jamais faria isso. E fez - a sinceridade dela me fazia bem, mas às vezes, me machucava. Ela falava tudo o que achava, assim, na lata.
Ouvi, novamente, o barulho da maçaneta e novamente a voz de ecoou abafada:
", o Bernardo está chorando!"
- Amiga, vou desligar. O Bernardo está chorando, vou ver o que houve.
Ela concordou e nos despedimos. Coloquei o celular sobre a mesa de ferro da varanda e me virei, indo em direção a porta, abrindo-a.
continuava lá, em pé, com aquele olhar de súplica e receio. O olhei significantemente e ele me deu passagem. Quando eu estava próximo ao quarto de Bernardo, engraçado, eu não ouvia choros. Ele me segurou pelo braço, me fazendo parar. Eu senti um arrepio estranho com seus dedos frios. Mas não foi isso que me fez parar. Não foi só isso.
- Me solta - disse ríspida, sem nem mesmo olhá-lo, sentindo borboletas no estômago. - Tenho que olhar meu filho.
- Ele está bem, está dormindo - disse o que eu já esperava por não ouvir seu choro. Fechei meus olhos, tentando controlar a respiração. Eu sentia que o sangue subia fervorosamente, minha raiva voltando vagarosamente. - Eu só sabia que essa seria a única coisa que te faria sair do quarto - e mesmo não o olhando ainda, eu sabia que ele tinha um meio sorriso nos lábios.
Relaxei os ombros, me virando para ele. Ele me soltou e sim, ele tinha aquele sorriso no canto da boca.
- Eu não quero conversar agora - cruzei os braços. - Acho que o que eu sinto está bem claro, não está? - minha voz era baixa e firme, e meu rosto começou a pinicar quando o vi embalançar a cabeça negativamente.
- Por favor, vamos conversar... - ele insistiu, e por conta da raiva que voltou neste instante, eu aumentei meu tom de voz.
- Eu não quero conversar, ! Eu não quero ouvir suas desculpas esfarrapas e nem quero que você me ache idiota, porque não sou! - descruzeis os braços. - Você não se deu conta do que você fez? Você transou com a babá no horário de trabalho dela! Ao invés de ela cuidar do meu filho que estava vermelho de tanto chamar por alguém, ela estava sentindo prazeres com você - à essa altura meus olhos estavam umedecidos, apenas me analisava. Eu sabia que aquelas palavras estavam o machucando, ele tinha o semblante contorcido, como se algo estivesse o apunhalando. - Com você, . Logo com você... No meu quarto... Ao lado da minha cama - minha voz começara a falhar, meu nariz coçava e eu não sabia o porquê. Eu já não tinha controle do que eu dizia, as palavras saiam, simplesmente. Ele passou a língua pelos lábios.
- É, eu... - se calou e olhou para baixo. Meu olhar era frágil nesse momento. - Eu vacilei, desculpa. Eu só queria saber o que você estava sentindo, mas... - e me olhou, os olhos brilhavam. Eu nunca vi aqueles olhos desta maneira, tão intensos. - Presta atenção, e me promete que não vai me perguntar nada sobre isso que vou te dizer agora.
Eu estava confusa. Aquilo era uma brincadeira?
- Que isso? Resolveu brincar agora? - perguntei impulsivamente.
- Não - respondeu prontamente. - Apenas me promete. - e eu assenti, curiosa e confusa. Ele tocou em meu braço, me puxando com calma até a banqueta da cozinha americana. Me pôs sentada ali, enquanto eu ficava ainda mais perplexa. Ele demorou um pouco para olhar em meus olhos, mas quando o fez, ele mordeu o canto do lábio, ficando de pé a poucos centímetros de meu rosto. Seus olhos brilhavam cada vez mais. - Não é uma desculpa, e não é brincadeira. Eu nunca falei tão sério na minha vida... - ele soltou um suspiro baixo, e logo meu corpo reagiu com um arrepio leve por ele estar muito próximo ao meu rosto. - Sabe, tem coisas que são muito mais fortes do que a gente; a gente acaba fazendo sem perceber. Tem muitas coisas que só quem passa, consegue entender. E tem algo que você ainda não consegue ver. Eu demorei para conseguir enxergar, mas eu quero que você enxergue quando for o momento certo. E quando você entender, eu saio por essa porta - e apontou para a saída, próxima a nós, com o dedo indicador - se for necessário e se você quiser. Desculpa te magoar, , mas esse sou eu - e sorriu triste, baixando seus olhos. Se eu estava confusa, agora estou ainda mais.
- Não estou entendendo, . O que isso quer dizer? - ele levantou os olhos rapidamente.
- Você prometeu não perguntar - respondeu baixo, entortando um pouco os lábios. - Posso entrar no... nosso quarto, agora? - sua voz saia num sussurro e eu quase não pude ouvir a palavra nosso. Ainda entorpecida, eu apenas assenti. Senti seus lábios tocar minha testa e eu fechei meus olhos ao senti-los. E novamente aquele arrepio percorreu meu corpo.
Ele se afastou e passou por mim, indo para o quarto e me deixando lá com meus pensamentos confusos.

***


Os dias seguintes foram difíceis para mim, e sei que para ela também. Eu evitava me olhar no espelho, por conta das olheiras que insistiam em permanecer em torno de meus olhos. Bom, também tinha, mas ela resolvia com maquiagem. Aliás, ela pouco saia ultimamente. Ela não está sabendo que eu sei, mas nosso chefe comentou na empresa que ela pediu que alguém pudesse substituí-la lá até ano que vem, já que ela conseguiria colocar Bernardo numa creche. Enquanto isso, ela trabalhava em casa, e eu não vou saber explicar o quê, exatamente, ela fazia, já que era muito reta, muito desenho, e muitos números.
Aos poucos, nossa relação foi voltando razoavelmente ao normal. Não que tenha sido um mar de rosas, mas, apesar de passar a maior parte do tempo pensativa - principalmente quando sabe que estou por perto -, ela já deixa, por exemplo, eu lhe dar um beijo de costume na testa. Não é muita coisa para quem é leigo, mas eu sei que isso é sinal de respeito. Ela andava estressada, também, já que, como não tinha mais babá, ela precisava olhar Bernardo, fazer seu trabalho, e os trabalhos de casa. Eu tentava ajudar, mas não é a mesma coisa.

Era domingo à tarde e o sol já ia embora. Eu assistia desenhos, enquanto Bernardo ensaiava uns passos no chão da sala. estava sentada no outro sofá, com o notebook no colo e, como sempre, várias folhas ao seu lado. Ela suspirava diversas vezes, e em todas eu a olhava, querendo entender o que aquilo significava, mas deveria ser cansaço.
- - senti um embrulho no estômago ao ouvir sua voz me chamar baixo, e, instantaneamente, eu a olhei, um pouco assustado, confesso. Ela continuou: - Hoje à noite é o casamento da , e... Bom, eu vou ser a madrinha. Eu vou à Igreja, mas não pretendo ir à festa... Estou muito cansada pra isso - ela coçou a nuca, parecia um pouco tensa, mas eu já havia relaxado o rosto, sabendo que o que ela diria, provavelmente, não me afetaria, de certa forma. - Se você quiser, hm, me acompanhar, eu consigo roupa pra você. Eu não disse antes porque, bom, eu sei que esse tipo de coisa não faz seu estilo - sorriu amarelo, quase forçado.
- Hm, ... Obrigada por avisar, mas, como você disse, isso não faz meu estilo - me vi sorrindo da mesma maneira que ela, e logo ela assentiu, voltando sua atenção ao notebook. Pode ter sido impressão minha, mas eu pude vê-la suspirar aliviada.
Voltei minha atenção aos desenhos, embora meus olhos queriam continuar olhando-a, e em alguns minutos depois, ela se levantou, sem me dar explicações. Eu a seguia com o olhar, enquanto ela deixava seu notebook de lado, juntando aquelas folhas e a ajeitando no braço do sofá. se virou para Bernardo e inclinou-se, o pegando no colo. Pude ouvir sua voz baixa e melosa:
- Vamos tomar banho - e, apesar de aquilo ser o que ela dizia sempre, eu pude sentir sua voz triste.
Com um suspiro, me levantei, e a segui, que foi para o banheiro com Ben no colo. Me encostei no batente da porta, a vendo tirar a roupa do pequeno. E quando dei por mim, eu ouvi minha própria voz:
- Deixa que eu dou banho nele, vai se arrumar - pude sentir um sorriso em meus lábios, enquanto ela me olhava vagarosamente. sorriu de lado, parando os movimentos que faziam em Ben e passou por mim, indo para o cômodo oposto. Me aproximei de Bernardo, e o dei banho. Eu estava pegando prática!

Ok, eu não sabia que roupa colocar numa criança de quase um ano para ir a um casamento. Enrolei Bernardo numa toalha e deixei isso por conta da mãe dele, me sentando junto a ele na minha cama. Eu não sabia muito bem brincar com uma criança, mas me vi deitando sobre ele e arrumando seus cabelos molhados. Eu sabia que eu estava sorrindo, já que Ben sorria de volta, quase rindo. A voz de que me tirou do leve transe:
- Hm, está cheiroso - sua voz melosa me fez perceber que ela se referia ao próprio filho. Sim, claro. Eu nem havia tomado banho. Me virei, não querendo perder a oportunidade de sorrir para ela, mas eu nem cheguei a sorrir.
usava um vestido tomara que caia azul turquesa na altura do joelho, com pedrinhas brilhosas e discretas em algumas partes do vestido. Como este era grudado ao corpo, podia-se perceber que ela estava com um pouco de barriga, nada demais. Descuidado de ela usar um vestido apertado sendo que estava acima do peso, mas ela continuava linda. Seu cabelo estava preso, mas não num coque, como estava acostumada a usar. Ela havia prendido com presilhas, e feito tipo uma cascata. Eu não sei explicar essas coisas, mas estava... legal. Ela usava pouca maquiagem. Mas sempre achei que ela sem maquiagem, é muito mais sexy. Ela tinha a beleza dela, e isso a diferenciava de outras mulheres.
- ! - ouvi sua voz gritar e só então eu percebi que eu a olhava descaradamente.
- Oi! - respondi alto, um pouco nervoso sem motivo. - Desculpa, eu... - pigarreei falso, voltando meus olhos para baixo.
- Tudo bem - ouvi sua voz calma, e soltei uma risada baixa quando Bernardo riu. Parecia que ele tinha entendido tudo, e que aquela risada era cumplicidade. Eu pude sentir seu cheiro aproximando-se e, quando ela se inclinou, sua barriga parecia maior do que eu havia visto. Mas uma luz vermelha piscou na minha mente: ela não tinha um problema... no ovário? - Você me ouviu? - eu tinha saído do ar de novo e nem havia percebido que ela já tinha tirado Bernardo de perto de mim, já que ela o segurava, me olhando enigmática.
- Não - sorri amarelo, sendo sincero. Ela soltou um suspiro cansado.
- Bernardo vai ficar na casa da Dona Lizete, no apartamento debaixo. Vou deixar seu celular com ela, caso qualquer coisa aconteça e meu celular esteja desligado, tudo bem por você?
- Eu... Achei que ele fosse com você - eu disse-lhe sincero, me sentando na cama.
- Não é uma boa ideia - ao perceber que Bernardo começava a brincar com seus cabelos impecavelmente arrumados, ela afastou a cabeça dele.
- Se quiser... Deixa ele comigo - tentei um sorriso, sabendo que eu não pretender sair essa noite. Eu estava legal, não precisava disso.
baixou os olhos, pensando um pouco e não respondeu nada. Apenas o pôs de volta na minha cama, dando um beijo na testa de Bernardo. Ela foi em direção ao seu armário, escolhendo um sapato qualquer, e eu não conseguia tirar meus olhos dela. Eu coloquei uma mão na beirada da cama para que Bernardo não caísse, e continuei a seguir com o olhar os movimentos de . Ela sentou-se na cama, e calçou as sandálias que havia escolhido, se levantando em seguida, após pegar uma bolsa pequena e preta sobre o criado-mudo.
- Bom, - suspirou, se virando para mim - estou indo. Qualquer coisa me liga, a comida está pronta e a do Bernardo está na geladeira - ela deu um sorriso de lado e veio em minha direção, dando-me um beijo na testa. Como normalmente, fechei meus olhos e ainda assim, ouvi sua voz: - Se cuida.
Abri meus olhos, me virando para Bernardo, ouvindo a porta principal bater. Ele sorria para mim, e então eu sorri de volta, o pegando no colo e indo para seu quarto. Coloquei a primeira roupa que eu vi e fui para a sala, o colocando no tapete junto àqueles brinquedos sem noção. Peguei o notebook da , e percebi que ele estava apenas hibernando. Enquanto o Windows abria normalmente, eu encostei a cabeça no encosto do sofá, tentando lembrar qual era o nome do problema que ela disse que tinha no ovário. Não consegui me lembrar, talvez ela nem tivesse me dito. Voltei minha atenção ao notebook, e eu pesquisaria sobre qualquer doença de ovário, mas minha expressão de tornou confusa quando eu vi que já havia uma página aberta. Estava na seguinte parte:

O cisto no ovário é encontrado em praticamente em todas as mulheres antes da menopausa, mas poucas apresentam sintomas, que, na maioria das vezes, são eles:
- sensibilidade dos seios;
- náusea ou vômito;
- infertilidade;
- abdômen cheio ou pesado, inchado e com pressão;
- ganho de peso.
Mas atenção: há mulheres que não apresentam nenhum sintoma.


Meu corpo amoleceu ao ler, e uma sensação ruim estava instalada em meu corpo agora. Eu estava triste por ela, eu tinha certeza disso, apesar de não saber por que, já que eu sou egoísta demais para isso.
Não era somente esta página que estava aberta; tinha mais 4 que diziam praticamente a mesma coisa. Eu não precisei pesquisar mais nada, estava tudo ali. Suspirei pesado, e eu não sabia se eu contava a ela que eu sabia, ou se eu deixava ela me contar. Parecia que eu tinha medo da reação dela, qualquer que fosse esta. Deixei o notebook de lado e me joguei no chão próximo a Bernardo, que havia parado de brincar com seus brinquedos para assistir desenhos. Eu queria assistir também, mas meus pensamentos não deixavam.

's POV On.

A cerimônia foi linda, e, não que eu achasse casamentos a coisa mais legal do mundo. Eu achava até chato, para falar a verdade. Mas era a minha amiga quem estava se casando. Isso já muda um pouco as coisas. Mas às vezes eu me pegava pensando no meu problema no ovário, e o que isso está me causando. Minha médica não havia me dito que ele poderia crescer, e nenhum dos sintomas que eu havia visto mais cedo na Internet.
Após todo mundo se cumprimentar, eu chamei num canto, aproveitando que todos se dirigiam para a festa.
- Você está tão linda, amiga - eu disse sorrindo, sentia meus olhos brilhando enquanto minha mão ia em seu rosto, fazendo um carinho de leve abaixo de seus olhos.
- Ah, fico tão feliz que você esteja aqui - ela disse manhosa, quase chorando. Sorri. - Pena que meu afilhado lindo não veio - e fez um bico, me fazendo rir de leve.
- Eu tenho uma coisa para te contar - mordi o lábio, sentindo meu estômago revirar por conta do que eu estava prestes a dizer. Sua expressão foi de brincalhona à preocupada rapidamente.
- O que houve? - ela uniu as sobrancelhas, enquanto eu já tinha meu braço relaxado ao lado do corpo.
- Amanhã eu tenho que ir ao ginecologista porque... Bom, eu acho que meu cisto está crescendo - minha voz sumia aos poucos e a única reação que ela teve foi a de me abraçar. Eu tentei controlar a vontade de chorar, já que um abraço para mim vale muito mais do que qualquer palavra, do que qualquer beijo. É a melhor demonstração de carinho que uma pessoa pode receber. É troca de energias e me passava positividade.
Quando soltamos desse abraço, ela sorriu levemente.
- Eu vou com você, se quiser, amiga - ela disse sussurrando.
- Não, não precisa. Eu preciso ficar sozinha - meu tom era baixo, igualmente ao dela.
- Tudo bem, sei que é isso mesmo que você quer - ela ainda me sorria. Assenti.
- Eu tenho que ir agora. está sozinho com Ben, e eu tenho medo disso - ela riu um pouco, me fazendo rir também, ignorando o frio na barriga que senti ao pronunciar aquele nome.
Nos despedimos e eu fui para meu carro um pouco cabisbaixa, admito. Na verdade, eu tinha medo do que eu poderia descobrir. Eu estava nervosa ao mesmo tempo.
Para distrair os pensamentos, deixei o rádio ligado e fui batucando o volante até em casa. Tirei os sapatos, e subi sentindo meu corpo cansado.
Ao adentrar o apartamento, eu pude vir a TV ligada no volume baixo. O prato de e de Bernardo estavam sobre a pia, sujos. Deixei meus sapatos num canto, e quando fui até a sala, sorri ao ver deitado ao lado de Bernardo, com a cara virada para ele. Ben dormia também, com uma das mãos no rosto de , como se estivesse empurrando-o. Não sei quantos minutos eu fiquei ali, fitando-os, sentindo uma meia alegria em meu corpo. Até que o cansaço falou mais alto. Quando ia me virando para lavar a louça, pude vir meu notebook aberto. Não, eu não tinha deixado ele assim. Me aproximei, sentindo meu rosto contorcer em confusão, e sentei no sofá, vendo que nenhuma página a mais estava aberta. Murmurei um 'Droga!' baixo instantaneamente por lembrar que eu apenas havia fechado, sem desligar. Estava na cara que havia visto aquilo, mas o que eu não entendia era a vontade de saber o que ele pensava sobre aquilo.
Me levantei, decidindo deixar que ele me dissesse alguma coisa, já que este era meu ponto fraco; eu não conseguiria dizer tão facilmente. Lavei a louça e fui para um banho, tirando a pouca maquiagem e soltando meus cabelos. Queria poder molhá-los, mas eu ficaria com uma puta dor de cabeça, caso eu o fizesse. Deixei pra lá, e apenas o soltei após o banho, fazendo um coque mega mal feito e escovando meus dentes. Arrumei minha cama, e joguei os travesseiros na cama de , indo para a sala e apagando a TV. Me agachei, pegando Bernardo no colo e o levando para o quarto. Quando voltei para sala, senti um frio percorrer meu corpo ao pensar que eu teria que acordar . Mas senti uma onda de alívio por vê-lo acordando sozinho. Com isso, eu sorri. Bom, ele sorriu de volta quando virou seu rosto para mim, e se sentou, esfregando o rosto freneticamente.
- Chegou agora? - ele quis saber com a voz num sussurro.
- Cheguei - eu respondi da mesma forma, sem saber muito com agir. Não sei, parecia vergonha ou algo do tipo.
- Foi legal, lá? - ele se apoiava na beirada do sofá, dando impulso para se por de pé.
- Normal - tentei meu melhor sorriso, indo em direção ao meu quarto. Eu ia voltar para agradecer, e me virei bruscamente, dando de cara com o peito de . Senti meu nariz doer, mas não foi mais forte do que o tremor em meu corpo. Vagarosamente, sem notar em meus atos, eu suspendi meus olhos até chegar nos de . Ele tinha um meio sorriso nos lábios, mas o olhar me mostrava dúvida.
- O que foi? - ele sussurrou, ainda com um sorriso pequeno.
- Eu... - bom, parecia que seus olhos me chamam e me deixavam tão retardada que eu não conseguia me concentrar no que eu diria. Fechei os olhos, impaciente, e embalancei a cabeça rapidamente, formulando a frase que eu deveria dizer. Quando abri meus olhos, ele ainda me olhava, mas perdia seu sorriso. - Só queria agradecer... por ficar com Bernardo pra mim - e, novamente, eu forcei um sorriso. Ele assentiu lentamente, inclinando-se um pouco em seguida para dar-me um beijo no nariz. Eu sorri com isso, ele nunca havia feito.
- De nada - ele sussurrou próximo aos meus lábios, e, sem eu esperar, me deu um abraço, apoiando seu queixo em meu ombro. Ele me puxou tanto para ele, que eu podia jurar que sua intenção era me tirar do chão. - Isso vai passar, . Eu prometo que você vai melhorar - ele disse, e eu estremeci em seus braços. No momento, minha cabeça não tinha ideia do que ele estava falando, mas me limitei a assentir, dando um suspiro e retribuindo o abraço. Ficamos alguns segundos assim, e por mais que eu não estivesse com vontade de sair daquele abraço, ele me soltou, e me olhou com carinho, o que eu nunca havia visto ele fazer. - Boa noite - ele sorriu torto, me dando um último beijo na testa. Pos sua mão em meu ombro e me fez virar, indo para o quarto.
Eu tentei dormir, juro que eu tentei. Mas na minha cabeça se passavam um milhão de coisas.

***


Tudo bem que eu havia saído de casa um pouco tarde devido ao pouco sono que eu tive. Mas aquela demora estava me irritando, definitivamente.
Quando, finalmente, chegou a minha vez, eu entrei na sala um pouco nervosa.
Para resumir, a médica disse que era possível sim que meu cisto tenha crescido, já que eu parei com o tratamento, tendo em vista que minha menstruação havia se normalizado. Achei que estivesse tudo bem comigo. Então, agora, ela pediu que eu fizesse ume exame para checar o que estava acontecendo com o cisto, porque se fosse caso de cirurgia, quanto antes seria melhor.
Bernardo, no carrinho, estava quieto. Deitei na maca, e aquela mulher de branco me olhava graciosamente. Ela fez todos os preparativos, e então fechei meus olhos; eu não queria ver nada do que aparecesse na tela. Ela pôs o aparelho gelado em minha barriga, e eu apertei meus olhos. Ela começou a movimentá-lo, e então sua voz preocupada me despertou:
- ... - eu abri os olhos assustados, a olhando de rabo de olho. Seu semblante estava tão preocupado, que estava me preocupando também.
- O que foi? - minha voz falhara, devido ao nervosismo, mesmo sem saber o que estava acontecendo.
Seu olhar veio em minha direção vagarosamente, e então ela entortou os lábios.

's POV On.

Ao chegar do trabalho, eu estava sem ter o que fazer e naquele momento, eu juro que eu não sabia exatamente o que eu estava fazendo. Era uma força que dominava todos os meus movimentos, e lá estava eu vendo programas restritos novamente. Sei, havia me dito para parar, mas eu, simplesmente, não conseguia quando eu estava a fim. Nem o barulho da chave na porta conseguiu me tirar do transe que eu tinha por ver aquela cena bem à minha frente, na TV.
A única coisa que realmente me fez despertar foi a voz cansada de :
- Eu já te disse para parar de comprar isso - e logo eu me assustei, mas sentindo um alívio por, dessa vez, não estar fazendo nada de errado. Meio desajeitado, eu peguei o controle e digitei qualquer número, ouvindo os passos de rondar o apartamento. Eu tentava acalmar minha respiração olhando a janela, e só então eu percebi que era noite.
- Oi, Paul - a voz de me fez ficar alerto. Eu não sabia de onde, exatamente, ela vinha mas permaneci quieto, e prestei atenção na conversa. Sei bem que é falta de educação, mas era o tal do Paul que estava falando com ela. - É, a gente precisa conversar... Aconteceu uma coisa e eu queria me encontrar com você ainda ho... Co-como assim, 'sair do país'? - seu tom triste, me fez contorcer o rosto em confusão. - Tá ok. Eu... Eu dou meu jeito - continuei quieto, apesar da excitação em meu corpo. E logo pude ver o telefone voar em direção ao outro sofá. Ouvi seu grunhido, e, na boa, eu não queria saber o que estava acontecendo. Ouvi seus passos novamente, e então minhas pernas me fizeram levantar sem eu querer, e eu fui para minha cama, me jogando nela enquanto tomava banho. Eu tentava me controlar, eu tentava ter controle sobre meu próprio corpo, mas nada me fazia mudar de ideia. Assim que ouvi a porta do banheiro de nosso quarto abrir, eu me levantei apressado, indo para um banho rápido.

"Não me olhe pensando que vai continuar encontrando sinceridade e confiança . Não me cobre mais o que você nunca deu."


's POV On.

Enquanto eu tinha minhas pernas abertas, Bernardo brincava entre elas, apertando-me as bochechas. O barulho da porta abrindo, me fez olhar para esta instantaneamente, sentindo o cheiro do perfume de adentrar o quarto. Ele se agachou ao meu lado e deu um beijo na cabeça de Bernardo com um sorriso, se virando para mim.
- Eu... Eu tenho que te falar uma cois... - eu tentei dizer, mas ele me interrompeu, apressado:
- Pode ser quando eu voltar? Eu... Estou um pouco atrasado - ele dizia com a voz falha, seu perfume me deixava levemente tonta. Me vi assentindo, concordando com a ideia de deixar aquele assunto para depois. - Já sabe, vou ao pub com os caras - eu assenti novamente, recebendo seu beijo na testa e ouvindo Bernardo balbuciar. - Qualquer coisa me liga - e se levantou, saindo quarto a fora. Voltei a brincar com meu filho, tentando fazer com que ele andasse, mas ele ainda estava desequilibrado. Minha atenção foi cortada por um celular tocando. Eu tinha certeza de que aquele toque não era o meu. Fui à sala com Ben no colo, procurando o celular que ainda insistia em tocar. Até que notei que o som vinha do sofá. Me dirigi a ele, me inclinando com dificuldade em seguida. No visor estava escrito '', então atendi.
- Oi, - disse num sorriso, sentindo a mão pequena de Bernardo tocar minha boca.
- ?! - sua voz disse num espanto. Ri comigo mesma, respondendo prontamente:
- É, o já saiu... Ele esqueceu o celular em casa - disse ainda num tom risonho, fazendo careta para Bernardo.
- E para onde ele foi? - essa pergunta me fez estremecer de leve, acabando com meu sorriso. - Pô, cara. Faz tempo que ele não sai com a gente, ia falar para ele nos encontrar aqui na Starbucks - ele dizia num tom decepcionado, enquanto meus pensamentos já estavam embaralhando-se, mas olhei minha roupa brevemente: estava de pijama.
- Pois é... Eu digo que você ligou assim que ele chegar... - minha voz estava sem emoção, já que essa frase saiu automaticamente. Meus pés já estavam calçando o chinelo que estava no canto da sala e minhas mãos iam de encontro às chaves sobre a bancada, ouvindo a voz de :
- Tá, . Está tudo bem aí? - eu respondi um simples 'arrãm', um pouco enrolada com a tarefa de abrir a porta, segurar as chaves e segurar Bernardo. Ele se despediu e eu não lembro nem qual foi sua última palavra, já que eu pensava em aonde aquele garoto dizia que ia. Mas se ele pensa que vai me fazer de idiota, ah... Ele está muito, mas muito enganado.
Eu não tinha tempo para esperar o elevador, e, perigosamente, eu descia as escadas com Bernardo em meu colo. Cheguei na portaria e perguntei ao porteiro se ele havia visto . Ele respondeu que sim com um sorriso, e então pedi informações para que lado ele havia ido, inventando a desculpa que ele esqueceu o celular em casa e isso era importante para ele. Cheguei a mostrar o aparelho para ajudar na mentira e logo ele apontou o lado esquerdo da rua, me vendo assentir apressada. Dei meia volta e corri para a garagem, colocando Bernardo na cadeirinha, abrindo a porta do motorista depressa. Eu não estava raciocinando direito, admito. Mas quando eu me sentia ser feita de idiota, eu já não conseguia controlar o que eu fazia, o que eu dizia, o que eu acusaria.
Resmunguei, já que a porta da garagem demora anos para abrir. E quando ela, finalmente, me mostrava a rua, eu arranquei com o carro.
Mas, em poucos segundos, precisei ter cautela. conhecia meu carro, a rua estava praticamente deserta e ele podia perceber que eu estava ali, o perseguindo. De longe, eu podia vê-lo caminhando com certa pressa. Ele seguia reto, parecia ter um destino certo.

's POV On.

Minhas pernas pareciam se movimentar automaticamente enquanto eu sentia a adrenalina ainda percorrer meu corpo, desde os dedos dos pés, até cada fio de cabelo. Eu não ouvia nada, eu não via nada, apenas estava ansioso, com meus passos aumentando mais a mais, a medida que eu chegava mais perto. Entrei naquela mesma rua de sempre e então eu pude sentir o sorriso de excitação em meus lábios, me parecia que a adrenalina anestesiou meu corpo, eu já não sentia mais nada.
De longe, pude ver aquela garota com seu casaco de couro preto e sua saia, encostada na parede com um dos pés encostados nela, já que sua perna estava suspensa. Ela mascava um chiclete, enquanto seus olhos percorriam a rua, à procura de caras como eu.
Me aproximei, ainda com aquele sorriso, e logo ela me olhou. Seu olhar tarado me deixava ainda mais 'ansioso'. A puxei pela cintura, olhando o que ela tinha de maior.
- E ai, mesmo preço da última vez? - eu não desgrudava meus olhos de seus seios apetitosos.
- O mesmo preço de sempre - sua voz rouca me deixava com mais pressa.
Ri comigo mesmo e aproximei meu rosto de seu cangote, mordendo seu pescoço, a ouvindo soltar uma risadinha baixa.
- Primeiro as notas - ela disse, me afastando com as mãos em meu peito. Concordei, colocando minha mão bolso de trás. Quando levantei meus olhos até o dela, ela não me olhava com um ar safado, como imaginei. Ela fitava algo sobre meu ombro, com os olhos apertados, como se quisesse enxergar algo. Instantaneamente, mas com as notas dentre meus dedos, eu olhei para trás ainda sorrindo. Mas eu engoli em seco quando eu vi do outro lado da rua entrar com pressa em seu carro alto e cinza. A anestesia que estava em minhas veias parecia ter perdido a validade e eu sentia meu coração bater forte, parecia que eu tinha me transformado. Quando dei por mim, minhas pernas me levavam para frente do carro que estava prestes a arrancar. Fiz sinal para que ela parasse, mas ela fez menção de me atropelar sem dó nem piedade. Aproveitando que o carro morreu, eu corri até a porta do carona, entrando de vez. Bernardo estava ali no banco de trás, mas meus olhos voltaram a fitar .
- Sai, sai do meu carro, - ela gritava, me olhando com a raiva estampada em seu semblante. Seus olhos e seu rosto estavam vermelhos.
- Por que você trouxe Bernardo? - eu questionei automaticamente, sabendo que, mesmo ele sendo pequeno, ele não precisava assistir àquilo tudo.
- Não te interessa, sai do meu carro, ! - ela ainda berrava, ela parecia muito descontrolada.
- Calma, vamos co... - eu mal terminei a frase e pude sentir seus dedos darem um tapa forte em meu rosto. Arregalei meus olhos, levando minha mão automaticamente onde ela havia acertado, ouvindo sua voz baixa e firme, carregada de ira:
- Não tente me enganar de novo, como você me enganou todo esse tempo - algumas lágrimas de raiva começavam a escorrer por seu rosto. - Não tenta me fazer mais uma vez de idiota. Sabe o que eu sinto por você nesse exato momento? Pena, , pena - Ela não tinha ideia do quanto aquilo estava me apunhalando. Mas parecia que ela estava descarregando todo seu ódio, suas lágrimas se misturavam com suas palavras. - Eu tenho pena de você, e o mais importante: nojo - estranhamente, minhas narinas foram se dilatando, meu estômago dava voltas, eu não sentia mais dor no rosto; doía muito mais no coração - Sinto nojo por você ter me tocado, me beijado, sinto nojo por você ter encostado num só fio de cabelo meu, depois de ter trocado beijos e carícias com essas prostitutas. Eu não sou mais seu brinquedinho, , eu não quero ser só mais uma pra você. Agora, saia do meu carro, antes que eu perca a cabeça - eu sentia meus olhos marejados piscando lentamente, meu corpo tremia. - Anda, ! - ela aumentou o tom de voz, fazendo com que Bernardo chorasse e me fazendo acordar do transe, e, derrotado, sair do carro. arrancou, saindo desgovernadamente pela rua deserta.
Eu não sei, eu estava confuso. Eu não sabia se ela estava certa, nós não tínhamos um relacionamento de fato, mas eu esperaria para conversar com ela quando estivéssemos em casa, sem ter a necessidade de assustar Bernardo novamente com nossa nova discussão.
Eu me sentia um cara sujo naquele momento. Eu sentia vergonha, como eu nunca senti em toda a minha vida. Sem pensar direito, guiei meu corpo para casa, sabendo que ela chegaria primeiro por estar de carro. Meus passos eram lentos, minha cabeça estava a mil. Quando eu percebi, eu estava com as mãos na maçaneta da porta do apartamento, fazendo meu coração disparar por prever que eu a encararia novamente. Eu estava sem saber se ela me ouviria, se ela me entenderia, se ela me aceitaria, e essa duvida me arrasava por dentro.
Era uma dor forte, como se eu estivesse perdendo algo valioso, como se eu perdesse uma parte de mim.
Olhei para os lados, mas não havia nenhum sinal dela. Fui para o quarto de Bernardo, e seus brinquedos estavam lá jogados, no mesmo lugar onde estavam quando sai. Fui ao outro quarto, e a luz estava apagada. Banheiro: ninguém. Varanda estava fechada, então nem me aproximei.
Suspirei confuso e tenso, me jogando na cama com um grunhido.

's POV On.

Eu não dormi àquela noite, eu não entendia porque eu chorava tanto. Nunca fui de chorar, nunca senti essa dor tão intensa que estava sentindo aqui, dentro de mim.
acariciava meus cabelos, enquanto eu estava deitada sobre sua cama confortável e espaçosa. Ela não dizia nada, apenas ouvia minha dor. Em momento algum ela saiu de lá. Eu dizia que ela podia ir dormir, que eu ficaria bem e que eu não queria incomodá-la mais do que já estava incomodando. Mas ela se recusava a deitar e dormir ao meu lado, sabendo que eu estava confusa sobre o que eu estava sentindo.
Bernardo dormia tranquilamente no restante da cama, e eu podia sentir meus olhos encharcados; as lágrimas saiam tão intensamente que meus olhos ardiam.
Eu não tomaria decisão alguma naquele momento, apenas aceitei o chá de Camomila que o marido de me trouxe, e deixei meu corpo relaxar, querendo, mais que tudo, cair num sono profundo.

***


Ter de voltar para casa não foi uma decisão fácil, sabendo que eu sentiria àquela dor voltar à tona por ter de encarar novamente. Mas eu precisava, já que Bernardo havia sujado suas fraldas e na casa de minha amiga não havia crianças.
Com um suspiro, eu dei partida no carro e percorri aquele caminho que eu já sabia de cor, pensando em tudo. Um milhão de coisas se passavam por minha cabeça, um milhão de expressões de apareciam nas lembranças, me corroendo por dentro. Como eu nunca desconfiei disso? Por eu lembrar de seus beijos eu sentia nojo, uma sensação completamente diferente do que eu sentia quando era beijada.
Tirei meu filho do carro ao estacionar e fui para o apartamento descalça, vestindo as roupas que havia me emprestado. Bernardo dormia tranquilamente em meu ombro, enquanto eu percebia que eu tentava retardar ao máximo minha chegada em casa.
Quando pus minhas mãos na maçaneta para abrir a porta, meu estômago revirou. Entrei com um suspiro pesado, vendo a cabeça de , já que ele estava sentado no sofá da sala. Tentei agir normalmente, embora minhas pernas bambas não ajudar muito e fechei a porta, colocando a chave sobre a bancada. Ouvi-o se mexer, mas continuei meu caminho para o quarto de Bernardo, colocando-o no berço. Dei mais um suspiro ao sair do quarto e fechar a porta, e permanecia lá, calado e quieto. Passei para o quarto em movimentos cautelosos, e quando adentrei, eu levei um susto por dois simples motivos: duas mochilas sobre a cama arrumada de , e sua mão me segurando pelo punho. Eu senti meu sangue ferver aos poucos, por ele me encostar com aquelas mãos e me soltei bruscamente, me virando para ele.
- Não quero que me toque nunca mais! - avisei-o, vendo seu rosto contorcer-se. Bom, a marca de meus dedos ainda estava em seu rosto, mas bem fraquinha. O que mais sobressaia, além da sua expressão derrotada, eram as olheiras.
- Não me bate novamente, mas vamos conversar, por favor - ele pedia, aliás, suplicava.
- Não temos nada para conversar, meus olhos viram o suficiente - eu estava impaciente, não queria ouvi-lo, apesar não conseguir me mover dali. Seus olhos pareciam que me chamavam, que me imploravam.
- , você não sabe nem metade da minha história - repetiu o que um dia eu disse a ele. - Os olhos nunca vêem o suficiente - ele disse convicto, mas aumentando o tom de voz.
- Mas os meus vêem. Eles viram o quão mentiroso você é - aumentei a minha voz também, mostrando que não importaria o quanto ele achasse que intimidaria, eu sempre revidaria.
- Não fui mentiroso, eu apenas omiti. Mas você nunca escuta, você nunca quer ouvir! - e lá estava ele gritando, fazendo meu sangue borbulhar de vez.
- Como você tem coragem de me dizer isso assim, na cara dura? , você se aproveitou de mim esse tempo todo! Tudo que você queria era sexo, ! Sexo! Vai procurar outra para fazer de idiota, porque a mim já deu. Eu quero que você... - e antes que eu pudesse terminar minha frase, ele já havia me abraçado. Seu gesto foi tão rápido que eu não tive tempo de perceber que ele me tocaria novamente. - Me solta, ! Me solta - eu pedia, tentando me afastar dele, mas era muito mais forte do que eu. - Anda, ! Me solta, eu vou me irritar com você, me solta! - não adiantava eu gritar, ele continuava me apertando. Continuei tentando dar-lhe tapas, mas saiam em tapinhas muito mal dados, e isso não o fazia me soltar. Ele me apertava mais e mais, e, sem entender, eu senti lágrimas descer por meu rosto. Era de raiva, talvez. Eu perdi a força e a vontade de afastá-lo de mim, e quando eu me dei por vencida, encostando meu rosto em seu peito, senti seus braços me afrouxando. Ele se afastou, mas eu não conseguia levantar a cabeça para encará-lo, eu não tinha mais forças para tal.
- Você está bem? - ouvi sua voz receosa, e me vi assentindo, mesmo sem vontade. Após suspirar, ouvi sua voz novamente: - Eu vou falar agora, eu só preciso que você me escute, está bem? - encontrando forças, eu assenti novamente. Foi o que me restou, já que eu sabia que não adiantaria eu estapear, bater, xingar: ele nunca sairia dali. - Eu sei que errei com você mais uma vez, eu sei que isso te magoou, mas, , eu só queria que você me entendesse e não me julgasse pelo o que eu vou falar agora - lentamente, eu ergui minha cabeça até seus olhos e eles brilhavam, brilhavam demais. - Lembra que eu te disse que eu tinha demorado para enxergar uma coisa e que eu iria embora, se você quisesse, quando você conseguisse enxergar também? - sua voz saia num sussurro, enquanto eu estava confusa demais para dizer alguma coisa. Assenti - Então, . Eu to saindo, e você ainda não conseguiu enxergar. Eu ainda não entendo, mas eu não quero que você enxergue... Eu não quero que você... enxergue e, como consequência, sentir essa mesma dor que eu estou sentindo agora. É muito mais forte que a gente, , é algo que consegue dominar todos os nossos movimentos, parece que isso que nos controla. E quando alguma coisa ruim acontece, parece que isso que está dentro da gente some de repente. Como se estivesse nos induzindo a sentir dor - suspirou, abaixando os olhos. Parecia que escolhia como me dizia alguma coisa. Eu não tive coragem nem vontade de falar. Ele voltou a me olhar, com os olhos molhados. - É difícil te dizer, mas eu... eu acho que eu tenho compulsão sexual, . É outra coisa que é mais forte do que minha vontade de não fazer, é um desejo que eu não sei, nunca consegui e nunca aprendi a controlar. Eu sei que estou te magoando agora por não ter te contado antes, mas eu nunca tive coragem de te encarar e admitir que sou fraco, e acho que era por um único motivo: medo de você achar exatamente o que você está achando agora. Nunca foi minha intenção te usar, . Eu nunca quis que... nossa transa se repetisse porque eu não queria que você fosse mais uma das que alimentam meu vício, eu não queria que você fizesse parte da minha sujeira, apesar de sentir com você algo completamente diferente do que eu sentia com outras. Eu preciso de ajuda, . E, por mais que eu quisesse que você fosse minha ajuda, você só me atrapalha - suspirou, rindo de nervoso - Eu espero que você nunca entenda o porquê - ele pausou, e eu sentia que, naquele momento, eu não tinha ideia de como respirar. - Eu estou indo embora, eu espero que você fique bem. E não se preocupa, porque não vou pedir o divórcio. Eu sei que o Bernardo, apesar de bebê, é e sempre será o único homem a te fazer feliz - por fim, ele sorriu, deixando uma lágrima escorrer, vindo de encontro a minha testa. Eu estava estática, mesmo tentando controlar a respiração. Ele se afastou e meu corpo não obedecia ao comando de seguir seus passos. Só o vi passar por mim segundos depois, com a cabeça baixa e a mochila nas costas, saindo do quarto.
Capítulo 9


"Talvez você não chore, mas dói. Talvez você não diga, mas você sente. Talvez você não mostre, mas se importa."


's POV On.

O que eu sentia era muito parecido com o que senti quando perdi minha mãe. Eu estava começar a entender tudo aquilo, e só fui me dar conta quando eu a perdi. Eu não queria ficar só por conta das mordomias materiais, não. Agora era mais do que isso: eu queria poder ter a mordomia de ser a primeira pessoa que ela sorri quando acorda, de ser o único cara que lhe faz o jantar ou lhe faz um cafuné. Eu poderia ser o único que podia lhe dar um beijo na testa em sinal de respeito ou dormir na mesma cama que ela sem levar um tapa. Deus, eu tinha tudo em minhas mãos e joguei tudo fora em segundos!
Eu sabia que ela não confiaria em mim novamente, era como se ela me pedisse para pegar um prato e jogasse no chão; eu pedisse desculpas e esperasse ele deixar de estar quebrado. Sei lá, eu não consigo me por no lugar dela, porque eu sei que a magoei, mas não foi porque eu quis e essa era a parte mais oculta da história inteira.
Eu pedi à para ficar em sua casa até, pelo menos, ele viajar com os pais e eles concordaram, me deixando dormir no quarto de hóspedes. Eu prometi ajudar com as despesas e, dessa vez, eu ajudaria de verdade. Eu não tinha cara nem coragem de fazer a mesma burrada de novo. Deixei de ir à pubs, mas estava muito, muito difícil controlar o desejo por sexo.
Sim, eu a via às vezes na empresa, mas era algo muito raro. Muito raro mesmo. Ela não costumava trabalhar em escritório, eu sabia disso. Mas eu não me atrevia a chegar perto, apesar de esse ser o maior desejo de meu corpo. Eu não sabia qual seria sua reação, e eu não queria que ela pensasse que eu estava a seguindo, ou que ela se chateasse comigo; pelo contrário, por mais que isso doa em mim, eu queria que ela me esquecesse por completo, porque seria terrível saber que ela está sentindo essa dor que eu sento a cada dia, sem, ao menos, saber o que é isso.
Já quase na quarta semana de hospedagem, eu ainda tinha pensamentos que me culpavam o tempo inteiro e tentei pensar num jeito de ajudar com Bernardo. Sei lá, eu não fazia muita diferença na vida dela, mas agora ela estava sem mim e sem uma babá para ajudá-la. Ela estaria sozinha com Bernardo e eu não tinha ideia de como seria dali para frente. Eu pedi a para usar seu computador que ficava em seu quarto e ele concordou. Pesquisaria sobre duas coisas: a doença de e a adoção.
Sobre a doença, eu não descobri nada além do que eu já havia visto, e tentei lembrar se algum momento eu olhei para sua barriga; mas não. Eu não tinha nenhuma lembrança se ela tinha a barriga maior devido ao tal cisto. E sobre a adoção... Bem, eu descobri que ela não precisaria estar casada para adotar. E isso passou a martelar minha cabeça por um bom tempo.

Flashback - Narração em terceira pessoa.

- Qual o seu problema? - Grace jogou sua bolsa sobre o balcão da lanchonete, sem se importar com o estrondo que esta fez. O homem a sua frente a olhou, assustado.
- Grace, a culpa não é minha se sua amiga é esperta! Eu não esperava que ela fosse conseguir alguém para se casar - ele disse um pouco impaciente com seu estresse. Odiava quando gritavam com ele sem motivo.
- Você tinha que dar um jeito, eu te contratei para isso! - estava tão furiosa com o descuido dele, que seu rosto estava ruborizado.
- Mas uma hora ou outra ela ia acabar descobrindo que não era preciso casar para adotar - ele rolou os olhos, incrédulo com sua pouca vontade de ver isso.
- Agora não importa mais! Eu quero que você ligue para ela e diga que... - pensou, ainda irritada - Que você não vai mais trabalhar para ela porque... Você vai viajar á negócios! Isso! - ela dizia encantada com a própria ideia.
- Grace, eu não posso fazer isso. Não dá para abandonar ela agora - ele tentava convencê-la, mas Grace já estava decidida.
- Não só pode, como vai fazer. E agora! - ela praticamente gritou, pegando o celular dele que estava sobre o balcão, e o entregando rapidamente.
Bufando, ele acabou ligando para .

Fim do Flashback

's POV On.

Mesmo um pouco desanimada, eu preparei a mesa de Natal, já que eu havia vendido uma cama e comprado uma mesa para isso. Enfeitei as almofadas, passando fitas por elas como se fossem presentes; coloquei alguns pisca-piscas pela casa, junto com bolas brilhantes e prateadas. Já era noite e minha dor no peito apertava ainda mais, por saber que eu não teria nenhum (a) amigo (a) ali comigo. Até que lembrei da fonte dos desejos. Eu nunca deixava de ir naquele lugar no Natal, e briguei comigo mesma mentalmente por ter esquecido.
Toda noite de 24 de Dezembro, meu pai me levava para essa tal fonte num parque da cidade para que eu fizesse um desejo, que ele se realizaria em breve. Como eu era criança, eu não tinha ideia que meus pedidos eram atendidos no dia seguinte porque meu pai era o Papai Noel. Mas cresci com o costume de ir lá, porque minha crença permanecia. Eu sempre acreditei que meus desejos eram realizados por conta daquele momento especial que eu tinha naquela fonte.
Eu ia dirigindo, ouvindo Bernardo falar 'mama'. Ele havia aprendido isso e não parava de falar, desde então. A psicóloga disse que é porque esse é o primeiro som que eles aprendem. Me achando boba, eu conversava com ele e parecia que ele me entendia, mas isso era só na minha cabeça.
Estacionei próximo ao parque que estava bem iluminado, com enfeites de Natal por todo lugar, e tirei Bernardo da cadeirinha. Peguei sua bolsa dentro do carro e tranquei-o, indo em direção à fonte com pressa. Eu não pretendia passar muito tempo ali, já que as ruas estavam vazias.
Me aproximei da fonte, e fechei meus olhos, fazendo um único desejo: entender e definir o que eu sentia.
Pela primeira vez na minha vida, eu pedia algo emocional e não material. Pus a mão no bolso, sentindo o braço de Bernardo enrolar-se aos meus cabelos e peguei a única moedinha. Joguei na fonte, acreditando que um dia eu conseguiria compreender aquela mistura amarga que eu tinha dentro de mim.
Sorri comigo mesma e levantei a cabeça. Perdi o sorriso por ver uma cabeça muito conhecida. A pessoa estava sentada num banquinho do parque, de costas para mim, parecia fitar as próprias mãos. Tentando reconhecer, eu estava me aproximando e sim, era quem eu pensava que fosse.
Contornei o banco, me sentando ao lado oposto onde estava sua mochila. E, sim, olhava os próprios dedos.
Ouvi a risada baixa de Bernardo, e só então ele percebeu que tinha alguém em seu lado. Vagarosamente, parecendo receoso, ele me olhou. E quando seus olhos estavam completamente sobre mim, seus olhos e seus lábios sorriram. Eu nunca tinha visto tão feliz, seu rosto chegava a ser infantil. Mas eu ainda o olhava, quieta e séria; não sentia meu músculo mover. Seus olhos foram para Bernardo, e então o ouvi dizer 'papa', erguendo seus braços para . Este ficou confuso, não sabia se sorria, não sabia se ficava sério. Sua expressão me passava medo, e então ele ergueu o braço para pegar Bernardo, mas me fitava, pedindo permissão com o olhar. Eu o entreguei, mas meus olhos não desgrudavam do rosto de , e eu não conseguia movê-lo para lugar algum. Parecia que eu estava num transe.
- Que saudade de você, moleque - ele disse, aparentemente feliz, levando Bernardo ao ar, que soltou uma risadinha.
- Por que... O que está fazendo aqui? - ouvi minha voz perguntar sem eu perceber. colocou Bernardo sentado em seu colo.
- Eu estou aqui há a alguns dias, mas estou pensando se faço ou não um pedido para a fonte dos desejos - seus olhos no chão não me deixavam saber o que ele sentia, apenas sua voz baixa me mostrava insegurança.
- Como assim 'há dois dias?' - eu estava confusa, e eu sabia que eu poderia estar assustando-o com as perguntas.
- Eu estava morando por um tempo na casa de , mas há dois dias ele foi viajar com os pais e eu precisei sair - vi seus lábios entortarem.
- E os outros garotos?
- Foram junto, mas com os pais também - ele insistia em fitar o chão. - Quando eles compraram as passagens, eu disse que não iria... Porque eu tentaria passar meu primeiro Natal em paz, mas seria com você - e me olhou quando finalizou, com um sorriso torto e sem graça.
- Em paz? - perguntei e ele contorceu o cenho, algo havia o machucado.
- Sabe, , desde que me conheço por gente, eu nunca passei um Natal em família - vagamente, ele me olhava. Bernardo estava quieto, com a cabeça encostada no peito de .
- Por que?

Flashback - Narração em terceira pessoa.
1990. 5 anos.

Tudo estava enfeitado para mais um noite de Natal. A iluminação mais chamativa era dos pisca-piscas que havia em todo lugar, junto com Papai Noel, árvores em miniatura, bolinhas brilhantes. descia as escadas sem jeito, devido ao degrau ser um pouco maior que suas pernas curtas.
- Mãe! Será que o Papai Noel já deixou o meu presente?! - ele gritava, correndo para a cozinha quando alcançou o último degrau.
- Não sei. Você já olhou lá, meu filho? - ela lavava a louça, mas fitava com os olhos brilhantes. Negando com a cabeça, ele foi até a sala correndo. Olhou e seu brinquedo ainda não estava lá, o fazendo emburrar a cara. Mas havia um papel no chão, que parecia ter voado. Ele foi até ele.
- Mãe! Papai Noel deixou uma carta! Vou chamar meu pai para ler - ele ia em direção às escadas, mas foi impedido por sua mãe, que tinha a expressão confusa. Ela sabia que Papai Noel não havia deixado carta alguma.
- Que história é essa de carta do Papai Noel? - ela perguntou, vendo lhe entregar o papel que havia achado no chão.
À medida que ela lia, seus olhos se enchiam mais de lágrimas.

"Estava ficando insuportável, fui embora antes que fosse tarde. Conviver com uma mulher sem amá-la e um moleque que não é meu filho, tem que ter muita coragem. Não me procure, mesmo que você saiba onde eu estou."

- Que foi, mãe? - ele perguntou com os olhos tristes, vendo sua mãe derramar algumas lágrimas. Ela se agachou até a altura de seus olhos.
- Seu pai foi para um lugar longe, agora, meu filho - ela tentou um sorriso, querendo mostrar que ficaria tudo bem, mesmo não tendo tanta certeza disso.
- Mas e agora, mãe? - ele quis saber com um bico, um pouco confuso sobre o que ela dizia.
- Vem, eu vou cuidar de você - e ela o pegou no colo, o levando para sala com um aperto no coração.

Flashback

's POV On.

- E desde esse dia, minha mãe nunca mais fez mesas de Natal, porque lembrava dele - ele tentou um sorriso, mas triste, pegando nas mãos de Bernardo, brincando com elas um pouco enquanto eu tentava ter alguma reação.
Todas aquelas informações estavam num quebra-cabeça em minha mente.
- , você está sentado aqui há dois dias? - eu quis saber, ainda incrédula, dando bastante ênfase em 'dois dias'. Eu apenas ouvi sua garganta soltar um 'arrãm' muito baixo, quase reprimido. Eu pensei, pensei bem. Mas quando eu percebi, eu já havia soltado:
- Hm, você quer... Passar o... Natal comigo? - e embora muitas coisas não estivessem bem entendidas sobre ele, no fundo, eu sabia que esse era o meu maior desejo. tinha os olhos brilhantes em mim, mas seus lábios não sorriam. Ele piscou algumas vezes.
- Você... vai me aceitar de volta? - ele quis saber com a voz falha, demonstrando um pouco de receio. - Você vai me aceitar do jeito que eu sou? - ele ainda estava incrédulo, mas eu podia ver um sorriso aparecer vagarosamente.
- , eu não sou ingênua. Eu sei que existem dois tipos de mulheres: aquelas que você pega para transar e depois larga, e aquelas que servem para cuidar e dar carinho. Que ama independente dos problemas, que está lá sempre contigo. E, com certeza, eu não me comporto como a do primeiro tipo - suspirei pesado e soltei um muxoxo, me levantando e indo até o outro lado de seu corpo. Peguei sua mochila e a coloquei no ombro onde não estava a bolsa de Bernardo e estendi a mão para o cidadão que me olhava um pouco feliz, um pouco indeciso. - Vamos, . Vamos para casa.

ia brincando com Bernardo no banco de trás, e todas aqueles acontecimentos estavam confusos dentro de mim.
Até que a voz de me acordou de leve, mas me trazendo aquele arrepio tão gostoso que eu não sentia faz tempo.
- Eu posso te fazer uma pergunta? - ele perguntou gaguejando. O olhei pelo retrovisor, e ele me olhava por ele também, mas mordendo o canto do lábio. Assenti, voltando minha atenção à estrada vazia. - Eu fingi não notar, mas... sua barriga está grande, e... você não...
- Eu estou grávida, - eu sabia que ele falaria do cisto, então antes que ele dissesse, eu o cortei.
- QUE? - sua voz esganiçada me assustou de início, mas me fez rir de leve. - Quero dizer... Hm, parabéns, eu... Bom, já falou com o... Paul? - olhei novamente para o retrovisor, e agora ele tinha um sorriso sem graça, o rosto levemente vermelho. Eu estranhei sua pergunta, então ele sabia que eu ligava para Paul sempre... nesses casos?
- Bom, ele saiu do país e... Ele não sabe que estou grávida - eu tentei ser firme no que eu dizia, embora tenha sido muito difícil.
Ele ficou quieto de repente, mas alguns segundos depois, ele se pôs ao meu lado.
- Eu posso substituí-lo, se você quiser - ele disse muito próximo, apesar de sua voz ter saído falsamente galanteadora, ela me causou quase um colapso, mas não pude perder a oportunidade de rir. Ele não sabia o que estava dizendo.
- Você vai sempre estar ao meu dispor quando eu ligar? Vai me ajudar com meus problemas com Bernardo? Vai saber quando uma coisa vai me prejudicar? - eu perguntei, praticamente fazendo hora com a cara dele.
- Sim. Sim. E... bom, sim - ele respondeu num tom brincalhão, e então eu sorri.
- Tudo bem, você pode substituir o Paul - disse-lhe simplesmente, vendo, de longe, o nosso prédio.

- Uau... você arrumou tudo sozinha? - ele quis saber com o tom de voz abobado, enquanto eu fechava a porta e guardava as chaves. Ele segurava Bernardo, que estava quase dormindo.
- Foi... Bom, minhas amigas estão viajando. Preparei tudo para eu e Bernardo - dei um sorriso triste, mesmo ele não o vendo e fui para a cozinha, colocando a bolsa de Ben sobre a bancada e a mochila de no chão.
- Você quer ajuda em alguma coisa, ? - ouvi sua voz perguntar enquanto eu abria a geladeira, à procura de água.
- Não, está tudo pronto - respondi me inclinando para pegar a jarra.
Ele soltou um suspiro alto e cansado eu me servi da água. Bebi, pensando um pouco sobre conversar com agora ou deixar rolar e no dia seguinte nós conversaríamos.
Pus o copo na pia, e fui para a sala, me sentando ao lado dele.
- Podemos conversar? - tá ok, ele lê pensamentos?
- Bem, eu estava pensando nisso - ri anasalado, nervosa, eu acho. Senti meu estômago revirar, mas devia ser o bebê. - Me dá ele aqui - estiquei o braço para Bernardo, que brincava com os cabelos arrepiados de .
- Não, tudo bem. Ele está pesado, mas consigo segurar - ele riu fraco, me fazendo assentir e relaxar o braço.
Suspirei, antes de começar:
- , olha...
- Deixa eu começar? - ele pediu, me deixando um pouco confusa. Mas acabei assentindo. Ele ajeitou Bernardo em seu colo, colocando-o sentado e virado para mim. - Eu não quero que você me aceite de volta por pena ou algo parecido. Eu sei que errei muito com você, mas eu fiz por impulso, e você precisa acreditar em mim, - ele dizia num sussurro, e eu acompanhava cada movimento de sua boca, cada expressão, cada sinceridade em suas palavras. - Eu sou sozinho, acho que você percebeu isso e você e o Bernardo eram tudo o que eu tinha... Eu não via isso no início, mas apesar de brigarmos de vez em quando - ele fez uma careta, me fazendo rir baixo - vocês... eram minha família - agora ele sorria triste, e eu soltei um suspiro. - Percebi isso quando... Bom, quando... - ele desviou o olhar, parecia pensar.
- Quando? - incentivei, tentando achar seus olhos.
- Quando eu te vi com Paul num restaurante no seu aniversário - ele disse tão baixo, que eu quase não consegui ouvir. - Eu... Eu queria que, na verdade, eu estivesse ali segurando Bernardo, tipo uma família que eu nunca tive - ele continuava com o tom baixo, e eu não sei porque diabos aquelas palavras estavam me machucando por dentro.
- Eu quero muito, muito mesmo acreditar em você - eu lhe disse sincera, num sussurro. Vagarosamente, ele me olhou, o semblante triste.
- Não confia? - quis saber, entrelaçando suas mãos nas de Bernardo.
- Eu tento, mas tenho medo, muito medo de me machucar de novo - entortei os lábios, o vendo suspirar.
- Eu não sei, , eu sou parecido com você, eu sou egoísta, só me importo comigo, mas... Te machucar era a última coisa que eu queria, e eu comecei a entender o porque agora que estive longe. Não te machuquei porque eu quis - minha barriga soltava fogos, e meu cérebro estava preocupado em memorizar o que ele dizia.
Pensei um pouco, soltando o ar que estava preso em meus pulmões pelo o que ele estava dizendo.
- Eu tenho um desafio pra você - lhe disse, esperando qualquer reação. Mas ele ficou me olhando, confuso. Rolei os olhos por sua lerdeza e demora. - Eu te ajudo a superar esse... problema.
- Como? - ele continuava confuso, porém seus olhos brilhavam mais intensamente, agora.
- Ah, . Eu te ajudo a procurar um tratamento. Eu sei que tem, eu... - sorri amarelo - eu pesquisei sobre isso - sorri mais amarelo ainda, vendo um sorriso cativante abrir em seu rosto. Instantaneamente, senti minha bochecha corar.
- Eu topo - ele respondeu ainda com aquele sorriso. - Acho que isso... Seria a maior prova de que me importo - ele deu um sorriso tímido, mordendo o lábio.
Não pude deixar de sorrir com ele por isso. Sorriso que fitei por alguns segundos, e o qual eu sentia saudades. Fitei seu seus olhos, cada detalhe. Sua sobrancelha, sua testa, seu nariz, seus lábios... Só agora eu percebia que eu sentia falta de tudo aquilo. Talvez fosse a hora certa de eu dizer o que achava, mas eu tinha medo de não ser recíproco, de eu estar me precipitando, de ele não estar sendo sincero da mesma forma em que eu estou.
- Ah! - exclamou, me tirando do transe. Me assustou de leve, me fazendo arregalar os olhos. Ele não ligou, apenas continuou: - Sabe o que eu te disse sobre uma coisa que eu não conseguia ver... Nem você?
- Sobre isso eu também queria falar - sorri leve.
- O que você tem para me dizer... é muito grande? - ele suspendeu a sobrancelha, me fazendo refletir.
- Não, são três palavras - ' que eu nunca disse a ninguém' pensei em acrescentar, mas deixei quieto. Eu mordi o canto do lábio, e ele notou, fitando-o.
- O que eu tenho para te dizer também são três palavras, mas acho que traduz tudo o que eu estou sentindo - sorriu de lado, ainda fitando meus lábios. - No três, você diz e eu digo ao mesmo tempo - ele disse num sussurro, subindo seus olhos vagarosamente para meus olhos.
- Tudo bem.
- Um - apertei os lábios. - Dois - meu estômago e minhas bochechas deram sinais de vida. - Três!
- Eu te amo.
- Eu te quero. Droga!
- !
- O que?! - ele me olhou rindo, enquanto eu lhe dava um tapa no ombro.
- Você não seguiu o script! - reclamei rindo de sua risada.
- Desculpa - ele ainda ria. - Perai, o que você disse? - ele ficou sério de repente, me olhando perplexo.
- Eu te amo - sussurrei. Eu também estava séria agora, temendo sua reação.
- Juro que você fosse dizer 'Eu te perdôo' - ele dizia confuso, me fazendo rir. - Repete? - ele pediu, suas bochechas rosadas. Coisa linda!
- Eu te amo - repeti, como se eu estivesse descobrindo algo novo. Aquilo soava tão bom.
- Repete? - pediu de novo, mas eu já dizia:
- Eu te amo!
- Rep... - ele parou a graça quando dei um tapa em seu ombro. - Está bem, desculpa - se encolheu.
- E suas três palavras? - perguntei, mordendo o lábio novamente. Ele desviou o olhar, parecendo pensativo. No mesmo instante, me castiguei por dentro por ter concordado com tudo aquilo.
- Eu... - ele se virou para mim, sorrindo tímido - te amo.
Suspirei aliviada, abrindo um sorriso imenso. Ele me encarava, e eu sustentava seu olhar, sentindo meus músculos ficarem cansados de sorrir. Vi seu rosto se aproximar lentamente, mas com cautela, devido a Bernardo que ainda estava em seu colo, quieto. Me vi me aproximando, querendo que a distância entre nossos corpos acabassem de vez, e fechei meus olhos quando ele encostou seu nariz ao meu, causando-me quase um ataque cardíaco só por sentir sua respiração tocar meus lábios depois de tanto tempo.
Pude senti-lo engolir em seco, antes de grudar seus lábios aos meus. Pus minha mão em sua nuca, lhe fazendo um cafuné, e ficamos naquele selinho alguns instantes, somente sentindo a presença um do outro. Eu queria acreditar em suas palavras, queria acreditar que aquilo daria certo e queria acreditar que eu não me magoaria dessa vez.
- Let's start over, I'll try to do it right this time around (Vamos recomeçar, eu tentarei fazer tudo certo dessa vez) - começou cantarolando, e eu abri meus olhos, fitando seus lábios bem próximos a minha boca. - It's not over cause a part of me is dead and in the ground. This love is killing me, but you're the only one... It's not over (Vamos recomeçar, eu tentarei fazer a coisa certa dessa vez. Não está acabado, porque uma parte de mim está morta e no chão. Este amor está me matando, mas você é a única. Não está acabado) - apertei sua nuca, e sorri por vê-lo engolir em seco instantaneamente.
- I've taken all I can take and I cannot wait. We've wasted too much time, being strong and holding on, can't let it bring us down (Eu suportei tudo que posso suportar e eu não posso esperar. Nós perdemos muito tempo. Temos de ser forte e aguentar firme. Não podemos deixar isso nos derrubar) - prossegui no mesmo tom, sussurrando como ele.
- My life with you means everything, so I won't give up that easily. I'll blow it away, blow it away, can we make this something good? (Minha vida com você significa tudo. Então eu não desistirei tão facilmente, eu superarei isso, superarei. Nós podemos fazer disso algo bom?) - sorri, sentindo-o seus lábios me dando outro selinho. - O dinheiro que eu tirei da Jane... - respirei fundo, temendo o rumo da conversa - Eu só queria te mostrar que... Eu poderia ser útil para alguma coisa. Só que eu não tinha ideia de como - o senti embalançar a cabeça negativamente, ainda com a testa encostada na minha. Seus olhos permaneciam fechados. - Me desculpa, tem coisas que você só vai entender com o tempo - ele suspirou pesado, e dessa vez seu beijo foi em minha testa.
Dei um sorriso, começando a achar que o meu desejo na Fonte dos Desejos estavam começando a se realizar.

***


- Eu senti, ! - ele disse contente quando pôs sua mão em minha barriga e sentiu chutes.
O olhei sorrindo. Ele se ajeitou no sofá, se encostando, e deu dois tapinhas nas pernas, indicando que eu poderia deitar ali.
- Já decidiu o nome, amor? - ele perguntou com um sorriso enquanto eu me ajeitava com um pouco de dificuldade com a cabeça em suas coxas.
- Mas, , não sabemos nem o sexo! - eu ri de sua ansiedade, e ele fez bico, mas logo sorriu quando relaxei em seu colo, colocando minhas mãos sobre a barriga.
- Mãe, eu quero ver desenhos - ouvi a voz de Bernardo tropeçando nas vogais, e inclinei a cabeça para tentar vê-lo, mas minha barriga não deixava.
- Senta aqui, pirralho - disse-lhe apontando para o tapete. Aí sim pude ver Bernardo vir, com a cara amassada de sono, sentando-se onde havia dito, e cruzou suas pernas, encostando-se ao sofá. Ele pegou o controle sobre a mesa de centro e colocou no seu canal de desenhos favorito.
- Quer comer alguma coisa, meu amor? - me dirigi à Bernardo. Ele negou com a cabeça, sua atenção estava focada nos desenhos.
- Se for menina, - começou, chamando minha atenção para ele - qual vai ser o nome? - ele me olhava sorrindo, enquanto senti sua mão pousar sobre a minha.
- Pensei em Carmen, eu adoro esse nome - ele entortou os lábios, parecendo pensar.
- Eu pensei em Laura - ele sorriu sem graça, me fazendo rir fraco por sua expressão.
- Tudo bem, então... - levei meu olhar ao teto, pensando um pouco. - Pode ser Lauren! - comentei animada, voltando a olhá-lo, contente por conseguir juntar os nomes e não ter ficado uma coisa ridícula.
- É, eu gostei! - ele abriu um sorriso imenso. - Mas e se for menino? - ele desfez o sorriso, desviei o olhar para um ponto qualquer, tentando lembrar o nome de menino que eu havia visto num site da internet.
- Hm, eu gosto de Charlie - ele embalançou a cabeça, como quem diz 'tanto fez, tanto faz'.
- Pode ser - ele abriu um sorriso estonteante.
- É, vou ter de passar por isso novamente - dei um suspiro pesado, voltando meu olhar para teto, relembrando de como é bom ser mãe.
- , - ele chamou suave e eu o olhei vagarosamente - se você tropeçar nas suas escolhas... - entortou os lábios, piscando lentamente. Mas continuou: - eu vou estar com você - sorriu fraco. Abri um sorriso imenso, e fechei os olhos quando ele se inclinou para dar-me um selinho. - Apesar de ser cansativo, , - ele voltou a se encostar e eu não desgrudava meus olhos dos seus - eu sei que você gosta de cuidar do que é seu.
- É, eu gosto... - concordei, sentindo seu dedo começar a fazer um carinho em meus dedos. - , obrigada mesmo, eu... Eu acho que não conseguiria sem você, ainda mais com dois - eu ri de leve, e senti um calor repentino pela última parte.
- Que isso, não precisa agradecer - ele insistia com aquele sorriso de perder o fôlego. - Eu aprendi muita coisa com você.
- Mãe, estou com fome - Bernardo disse ao se levantar, nos olhando emburrado.
- Você não cansa de comer, moleque? - ouvi a voz de e deu-lhe um tapa no braço. Ele riu, vendo Bernardo dar-lhe língua.
- Mamãe vai te fazer uma lanche, está bem? - eu disse, me preparando para levantar quando eu senti uma pontada terrível no estômago.

's POV On.

- Ai, droga - ela resmungou enquanto tinha uma mão na coluna, e a outra na barriga, sentada mas com os pés sobre o sofá.
- Que foi, que foi? - minha voz saiu mais preocupada do que eu esperei, enquanto eu tentava achar seu olhar que estava sobre a barriga.
- , está doendo tanto... - sua voz saia falha.
Me levantei e me pus ao seu lado, segurando em seu braço.
- O que foi, pai? - ouvi a voz de Bernardo preocupada, mas baixa.
- Senta ali no outro sofá, Ben - eu dizia sem olhá-lo, me agachando para olhar nos olhos.
- Eu quero ir ao banheiro - assenti, dando a mão para ela levantar. Ela pôs os pés no chão enquanto eu acompanhava seus movimentos atentamente.
- Ai! - ela gemeu alto, amolecendo o corpo.
- ! - chamei assustado, vendo seu corpo jogado sobre o sofá. Automaticamente, senti meu corpo suar, uma sensação estranha tomou conta do meu estômago. Me inclinei sobre ela, a vendo respirar calmamente, mas, ao contrário, eu não estava nem um pouco calmo. - Pelo amor de Deus, acorda. Eu não sei lidar com essas coisas, . Acorda! - eu implorava, dando leves tapas em seu rosto. Eu não estava pensando direito, meus movimentos eram impulsivos.
- O que a mamãe tem, pai? - ouvi Bernardo perguntar e logo o vi no campo de visão, mordendo o dedo, olhando sua mãe.
- Não sei, filho. Senta lá aonde eu mandei - eu disse correndo, sem ao menos olhá-lo, nervoso.
Ele sumiu do meu campo de visão e eu continuei chamando . Logo lembrei de ligar para alguém. Corri até o quarto, procurando seu celular com os olhos. O vi sobre o criado-mudo, e fui correndo pegar, procurando na agenda o número de . Ela poderia me ajudar.
- Pai, pai! A mamãe, pai! - Bernardo entrava no quarto, apontando para a sala com urgência. Corri até lá com o celular na mão, e se contorcia sobre o sofá, com as mãos na barriga.
- O que foi? O que você está sentindo? - eu perguntei me abaixando ao seu lado, tentando um cafuné em seus cabelos.
- Uma coisa estranha na barriga - ela tinha a voz falha, a respiração descompassada e seu olhar me mostrava a provável dor que ela sentia.
- Calma, está bem? - pedi, voltando minha atenção ao aparelho em minhas mãos. Achei o telefone de e pedia silenciosamente para que ela não demorasse a atender.
- Oi, amiga! - ouvi sua voz e senti uma onda de alívio.
- ?! , me ajuda! Eu não sei o que fazer... está sentindo dor na barriga e Bernardo está assistindo tudo, eu to nervoso, ele está nervoso, ela não para de sentir dor, eu não sei o que fazer, ela já desmaiou, eu...
- Ei, calma! - ela me intorrompeu e então eu percebi que eu dizia rápido e sem parar. - Ela só está sentindo as dores do parto, . Já tem nove meses - sua voz calma e suave não me ajudava nem um pouco. Perai, 9 meses?
- , essa garota vai ter um filho na sala e você nessa calma?! O que eu faço?! - eu continuei desesperado, meus olhos rondavam a sala inteira.
- Tudo bem, olha, eu vou ligar para o médico dela e você a leva para o hospital. Deixa o Bernardo na portaria que eu vou passar em cinco minutos para buscá-lo - ele disse e eu concordei, desligando o aparelho e jogando-o sobre a mesa de centro.
- , você está me ouvindo? - perguntei, olhando diretamente em seus olhos pequenos. Ela apenas assentiu. - Eu vou te levar para o hospital, e vem buscar Bernardo - ela assentiu novamente.
Suspirei pesado, a puxando com cuidado para não machucar e ela estava mole, ela parecia meia tonta. Pedi para ela esperar em sussurros e fui até o chaveiro, apanhei as chaves do carro e do apartamento. Aproveitei para abrir a porta, e voltei de encontro a ela. Decidi pegá-la no colo, e ela escondeu seu rosto em meu peito.
- Ben, pega o celular da sua mãe em cima da mesa, o meu celular no sofá e vem comigo. Conseguiu entender? - eu o olhava com dificuldade, já que a barriga de estava imensa e eu não o conseguia vê-lo, mesmo sabendo que ele estava sentado no outro sofá como eu havia dito. Ele se levantou, assentindo, e fez o que eu pedi enquanto eu ia em direção à porta. Sentia Ben me seguir e eu sabia que ele estava confuso, mas eu não tinha tempo para explicar o que estava acontecendo, apesar de nem eu mesmo estar entendendo tudo aquilo. Era novo para mim.
- Fecha a porta - pedi enquanto ia em direção ao elevador e apertava o botão, chamando-o. Ouvi o barulho da porta, sentindo morder minha camisa. Baixei meus olhos para olhá-la, e então ela pôs sua mão em minha nuca, ajeitando a cabeça, de modo que sua orelha estava grudada em meu peito.
O elevador chegou e eu entrei, chamando Bernardo, que veio até mim com os olhos confusos. Ele grudou em minha perna, apertando-a.
- , não fica nervoso - ouvi a voz de baixa e eu baixei os olhos novamente. Só então percebi que ela havia dito isso por conseguir ouvir o quão meu coração estava descompassado. Suspirei pesado com um sorriso.
A porta do elevador abriu, nos mostrando a portaria. Bernardo saiu primeiro, e eu sai mais rápido.
- Ei, me ajuda aqui - eu me digeri ao porteiro, que me olhava confuso. Guiei meu corpo até a garagem, vendo Bernardo ao meu lado no campo de visão.
Pedi ao porteiro para apertar no botão onde destrava o alarme do carro de , e ele foi rápido em abrir a porta.
- Droga, outra contração - ela disse irritada enquanto eu colocava ela no banco detrás do carro. - Obrigada, amor - ela agradeceu ainda com o rosto contorcido por dor, olhando sua barriga. Ela se ajeitou, já que ela teria de ficar sentada pois a cadeirinha de Ben estava do outro lado e era impossível ela deitar ali. Fechei a porta com uma força desnecessária e me virei para o porteiro, que me olhava assustado.
- O Ben vai ficar na portaria até a chegar, ela vem buscá-lo.
- Não, pai! Eu quero ir com minha mãe - ele disse com dificuldade no vocabulário, mas consegui entender.
- Bernardo, você não pode - eu me agachei para olhá-lo nos olhos, do jeito que havia me ensinado para ele saber que eu não estava brincando. - Quando eu voltar, prometo explicar o que está acontecendo, mas agora você precisa ir com a , tá ok? - ele suspirou relutante, mas concordou, me fazendo sorrir por não arranjar mais nenhum problema. Dei um beijo em sua testa, como sua mãe fazia e me levantei, estendendo a mão para ele me entregar os celulares.
- ! - a voz de saiu abafada junto a um barulho vir do vidro do carro e me virei. Ela devia estar socando o vidro. - Eu vou ter esse filho aqui, hein! - ela disse irritada e então fui em direção à porta do motorista, abrindo a porta com rapidez. Mais rápido ainda, eu fui para o hospital. Meu coração parecia sair pela boca, eu parecia estar mais nervoso do que a própria .

Narração em terceira pessoa

Assim que avistou o médico de longe, ele levantou correndo. Estava cansado de esperar, não aguentava mais aquela agonia que percorria seu corpo. Não deixou nem que o Doutor Robert abrisse a boca, ele não hesitou em perguntar:
- E ai, como a está? E o bebê? - suas palavras saiam rápidas. O médico apenas sorriu, suspendendo uma das mãos e encostando levemente no ombro do rapaz desesperado a sua frente.
- O bebê está bem. É uma menina, nunca vi mais saudável - sua voz saiu serena. Apesar de já trabalhar na profissão há anos, ele sentiu um arrepio percorrer seu corpo, já sabendo da próxima pergunta.
- E a ? - sussurrou, os olhos brilhando por saber que Lauren estava bem, mas curioso por saber notícias de .
Ele relaxou as mãos ao lado do corpo, suspirando.
- Bom, meu amigo, - sentiu uma sensação estranha, já que o homem que lhe falava não tinha mais um sorriso confiante no rosto. - está na UTI. Ela... Bom, tivemos problemas na hora do nascimento, faltou oxigênio e... Ela entrou em coma - o corpo de estava dormente, por pouco ele não conseguia ficar de pé. Em segundos, várias coisas passavam por sua mente. Isso, definitivamente, ele não esperava. - Você pode me ouvir?
- E... quando ela sai do coma? - ele não tinha noção de quão estúpida era aquela pergunta. Ele a fez sem nem perceber, já que sua ansiedade era muito maior do que sua força para raciocinar.
- Infelizmente, não sabemos - o médico entortou os lábios, suspirando em seguida.
se sentia arrasado, pôs as mãos no rosto, esfregando-o. Sua vida tinha virado do avesso em segundos, e ele não tinha ideia do que fazer. Sem nem notar que ele havia se afastado, o médico voltou com um copo d'água na mão, entregando-o a , que recebeu com um sorriso fraco como agradecimento.
- Descansa a cabeça, eu vou lhe manter informado. Te aconselho a ir até o cartório registrar o bebê - ele sorriu, acenando com a cabeça e dando-lhe as costas.
Bebeu sua água ainda em transe. Lentamente, ele foi em direção ao sofá, jogando-se lá após jogar o copo no lixo.
Ele pegou o celular no bolso e ligou para . Só de pensar de que teria de dar a notícia a ela, ele sentiu um arrepio.
Chamou, chamou, chamou.
- Oi, ! - ela atendeu ansiosa e ofegante.
- ... - ele sussurrou, mas sua voz saiu tão baixa, que ela não conseguiu ouvir:
- ? - chamou e ele suspirou, criando forças para dizer mais alto dessa vez.
- , ela... - ele sentiu um nó na garganta, e em seguida, lágrimas desceram por seu rosto, o assustando de início. Ele não havia chorado desde sua infância. - Merda, ! - exclamou irritado.
- O que aconteceu, ?! - a menina do outro lado da linha começara a ficar impaciente com a demora, mas ele não conseguia prosseguir.
- Vem, . Vem pra cá - ele pediu, desistindo de tentar falar com ela, apesar de achar bem mais fácil dizer por telefone. Ele encostou a cabeça no sofá, e fechou seus olhos, tentando acalmar seus batimentos.
Tentou imaginar como seria sua vida dali para frente, e pedia em silêncio para que ela voltasse logo, porque, mesmo não sabendo qual seria a sensação de tê-la longe todos os dias, ele sabia que seria o pior momento da vida dele. sempre estivera ali com ele para ensinar o que devia fazer com uma criança, mas agora ele estava sozinho, e ninguém o ajudaria. E não era só isso: ele sabia que o que ele sentia era amor. não tinha filhos, não poderia contar com ela sempre. Seus amigos nem sonhavam como era segurar um bebê. Só percebeu que a hora havia passado quando ela ouviu a voz de :
- O que aconteceu, ? - ao mesmo tempo em que ele abria os olhos, sentava ao seu lado, olhando-o preocupada.
Ele não respondeu nada, apenas a abraçou. Ele deixou algumas lágrimas derramar.
- Uma vez me disse que o abraço é troca de forças e energias - ele dizia com a voz embargada, ainda com o queixo sobre o ombro da menina. - E nós vamos precisar compartilhar essa força, porque... Eu sozinho não vou conseguir, e sei que você também não - ele continuou, apertando-a.
- Me conta, - ela pediu ansiosa.
Ela teve a mesma reação de , ambos choravam confusos no sofá da recepção. Eram únicos ali, o único barulho eram seus soluços e o zumbido da televisão baixa.
Ao se acalmarem, decidiram levantar e registrar Lauren. Parecia ridículo, mas talvez distraíssem um pouco a cabeça com isso. Juntos, o médico deu autorização para que vissem Lauren. Quando o fizeram, ambos pareciam duas crianças chorando por vê-la: seus olhos eram perfeitamente iguais aos de , os cabelos eram um pouco louro, um pouco castanho, não tinha definição. A boca pequena, a bochecha enorme, gordinha e pesadinha.
Voltaram para a recepção com a notícia de que Lauren poderia voltar para casa dentro um dia. Sem hesitar, perguntaram à atendente quando é que poderiam visitar . Como era horário de visitas, o médico permitiu que eles entrassem na UTI, mas com a condição de que não demorassem muito. Concordaram, claro.
Seria impossível dizer qual dos dois estava mais nervoso. apertava os dedos com força, e passava o mão no cabelo de cinco em cinco minuto. Ambos suavam exageradamente. Antes de entrar no quarto, o médico os alertou:
- Não sabemos ainda como é o estado dela, ela fará exames mais tarde. Apesar de não ver, ela está ouvindo vocês - e sorriu, tocando a maçaneta do quarto e abrindo a porta após vir os dois assentirem, nervosos.
Se entreolharam ao fechar a porta, decidindo quem chegaria próximo a cama primeiro. Suspiraram juntos e foram andando lado a lado até lá.
Ela parecia estar dormindo serenamente, a única diferença é que tinha alguns fios conectados em seu corpo e este estava pálido.
- ... - começou, levando sua mão vagarosamente até a dela, e a pegando com certo cuidado. - Nunca passei por isso... Mas o médico disse que você me ouvindo - ele sorriu consigo mesmo por saber que ele a ouviria. - Ela nasceu, . É uma menina. Ela é parecida com você, os olhos idênticos aos seus. A boca também me lembra a sua, mas a dela é muito pequena e... Ela tem uma bochecha muito grande - o observava atentamente, encolhendo os lábios para reprimir a vontade de chorar. - Ah, o Bernado. Ele está... - ele tornou-se confuso, olhando para .
- Ele está na minha casa, - ela se pronunciou, tocando a outra mão da amiga. Sorriu por sentí-la quente. - O Bernardo está tão confuso... Ele me fez muitas perguntas que eu não consegui responder - ela baixou os olhos tristes. - Ele está louco para te ver, e está adorando a ideia de ter um irmão - ela riu de leve, dando de ombros. - Acho que ele vai ficar decepcionado ao saber que é menina - ela pôde ouvir a risada de leve de , também. - , é muito difícil te ver aqui, amiga. Muito mesmo... Mas, acredita em mim, isso vai passar muito rápido. Mais rápido do que a gente imagina - ela sorria tentando acreditar nas próprias palavras.
- Ei. Acho que já podemos deixá-la descansando, certo? - eles olharam para porta ao ouvir a voz do Dr. Robert, que sorria para eles.
Com um suspiro, eles assentiram, soltando as mãos de . Cada um deu um beijo em sua testa, e, relutantes, sairam do quarto.

4 meses depois

Era mais um dia em que eles iam visitar . Bernardo vestia sua bermuda correndo e de qualquer maneira. riu quando viu, e foi tentar ajudá-lo.
Cantando uma música qualquer, eles foram até a garagem, Bernardo em seus ombros. Apesar de estar triste por dentro, ele sabia que Bernardo era uma parte de , e cuidar dele o deixava inteiramente feliz, por ter certeza de que ficaria feliz também. Ele o considerava filho, até então.
Chegaram no hospital, e Ben corria para a entrada que já sabia de cor.
pôs suas mãos no balcão da recepção, sorrindo para o rapaz que lhe atenderia.
- Bom dia. Nós viemos visitar - ele já sabia a quem os dois visitaria, iam lá quase todos os dias, quase sempre no mesmo horário.
Ele virou-se para o computador após pedir para aguardar. Pesquisou, pesquisou, pesquisou. E então olhou triste para .
- Bom, foi... Transferida para outro hospital á pedido da prima - contorcia o rosto a medida que ia ouvindo àquelas palavras.
- Que prima?! - ele não se lembrava de prima alguma. - E para onde ela foi transferida?
- Desculpe, senhor. Mas a parente pediu para manter em sigilo - e, novamente, ele sorria triste, enquanto estava confuso demais para dizer mais alguma coisa.
Ele permaneceu no balcão pensando por alguns minutos.
- Você pode, pelo menos, dizer o nome da prima? - sua voz falhava, tamanho nervosismo. E ele sentiu seu corpo amolecer ainda mais quando viu o homem negar com a cabeça, apertando os lábios.
Suspirando pesado, ele pegou Bernardo no colo. Em sua cabeça não se passava nada. Até porque, ele não tinha o que pensar, ele não tinha hipóteses a fazer.
Ben fazia um monte de perguntas a , mas ele nem as escutava. Parecia que seus ouvidos estavam tapados, sua corda vocal estava presa.
Colocou o pequeno na cadeirinha do carro de e arrancou-o para a casa, sentindo seu sangue borbulhar aos poucos. Tentava manter a calma, já que ele tinha certeza de que descobriria que isso era um mal entendido.
Ao chegar em casa, mandou Bernardo assistir TV, ainda não ouvindo as perguntas deste e foi direto em direção à gaveta do criado-mudo de , onde havia sua agenda telefônica. Procurou por alguma prima, mas não havia nenhuma. Então decidiu ligar para .
Chamou algumas vezes, até que ela atendeu com a voz chorosa:
- Alô?
- ? Por que essa voz? - ele quis saber, temendo a resposta da garota.
- A , ... Ela... Ai, Deus... Eu não sei para que hospital ela foi, eu... to confusa, eu não sei de prima nenhuma! - parecia estar em prantos a cada palavra, enquanto suspirava, tão confuso quanto ela. - O que vamos fazer agora?
- Liga para todos os números que você encontrar na agenda dela, principalmente os familiares - sua voz falha quase não deixou entender o que ele dizia.
- Tudo bem - ela concordou, ainda chorosa. - A Lauren está bem?
- Está, está dormindo - fungou, e então, para não perder tempo, decidiram desligar e começar a caça à .
Ele ligou para todos os amigos, mas a maioria já sabia do sumiço de . Ligou, até para Paul. Mas este não atendia ao telefone. Ligou para Grace, mas um tal de Robert disse que ela estava viajando à trabalho. Ligou para os colegas da empresa, mas ninguém sabia sobre ela.
Até que ele cansou. Suspirou pesado, e seu corpo parecia estar dormente. Seu coração pediu para continuar ligando para Paul, e ele aproveitaria para xingá-lo e dizer que, como pai, ele foi péssimo em abandonar na hora em que ela mais precisava. Mas seu celular continuava sem atender. Até que a campanhia tocou. Ele foi depressa atender, vendo Bernardo no chão, assistindo aos desenhos sem piscar.
Abriu a porta receoso, já que o porteiro não avisou quem era, dando de cara com uma , com algumas folhas em mãos. Um sorriso triste no rosto. Quando fez menção para que ela entrasse, ela apenas sussurrou:
- Não, . Não vou entrar. Eu estou tão confusa quanto você, mas... acho que vai ficar mais confuso com isso aqui - e lhe deu algumas folhas grampeadas que estavam em suas mãos. Ele tinha o semblante perplexo, e ela tratou de explicar ao notar: - Bom, tinha deixado comigo e eu nunca me atrevi a ler. Agora, que achei necessário, eu tomei coragem e isso é um testamento - ambos engoliram em seco. - Se... se estiver morta... - ela fechou os olhos por sentir uma dor forte no peito ao dizer essa palavra, mas acrescentou: - deixou o apartamento para você, e a guarda do Bernardo é sua, caso acontecesse alguma coisa com ela - e sorriu, por fim, feliz pela escolha da amiga. Não, não se sentiu traida por isso. Ela sabia de tudo que passou com . E sabia que a vida de também era corrida, e estava fora de cogitação morar duas crianças com ela. - As crianças vão receber pensão pela empresa dela por algum tempo, e ela deixou dinheiro para emergência na poupança de vocês.
Ele engoliu em seco novamente.
acenou e deu as costas indo em direção ao elevador, não querendo prolongar aquilo por conta da imensa vontade de chorar. fechou a porta, um pouco tonto, mas sorriu ao ver Bernardo se aproximar com sua cara de sono. Coçando os olhos, ele quis saber:
- Era minha mãe, pai? - perguntou com um bico. - Ela já acordou? Ela está dormindo muito! - se agachou até ficar na altura dele e poder olhar em seus olhos.
- Sua mãe foi para um lugar longe agora... - e deu um beijo demorado na testa de Bernardo. Sentia-se amargo pode dentro.
- E agora, pai? - ele quis saber, sorrindo triste.
Ele se via na mesma situação de quando era criança. A única diferença é que, bom, ele não sabia onde procurá-la.
- Vamos, - o pegou no colo, enrolado com as folhas que havia lhe entregado. Ele ajeitou Bernardo em seu tronco - eu vou cuidar de vocês.

Capítulo 10


"Você passa um tempão tentando arrumar sua vida até que vem alguém e bagunça ela toda de novo."

3 anos depois

's POV On.

- Pai, o Benado pegou minha bola. - Lauren me disse com sua voz manhosa, enquanto eu tinha uma preocupação enorme de terminar de cortar aquelas cebolas.
- Lauren, você tem suas bonecas. Vá brincar com elas - eu lhe disse, um pouco impaciente, confesso.
Emburrada, ela me deu as costas e foi para o quarto e ainda pude ouvir os gritos de Bernardo implicando com a pirralha. Tudo bem, eu não tinha tempo para pensar. Queria preparar o almoço antes de ir às compras. Mas de cinco em cinco minutos um dos dois vinha me fazer fofocas. Era impossível continuar quando os dois estavam em casa.
Quando terminei, lutei com Bernardo para ele tomar banho e Lauren não parava de correr pela casa inteira, ela parecia que era ligada na tomada e isso me lembrava a mãe dela.
Equipei-me e saí com os dois; Bernardo levando seu boneco do Homem-Aranha e Lauren sua boneca... Hm, bom, eu não sei que boneca era aquela. Eles se implicavam o tempo todo, mas não demorava cinco minutos e estavam de abraços. De certa forma, Bernardo protegia a irmã e eu sentia que ele tinha um ciúme incrível.
Com os dois gritando feito idiotas no banco de trás, chegamos ao mercado que não estava muito lotado para um dia de sábado. Tirei os dois da cadeirinha e tranquei o carro. Agachei-me, de frente a eles.
- Nós vamos fazer compras e eu não quero gritos, não quero berros, nem nada do tipo. Estamos entendidos? - eles assentiram, sabendo que eu estava falando sério. Dei um beijo na testa de cada um e eles sorriram enquanto eu me levantava. Cada um tinha um brinquedo na mão em que não estava segurando a minha e então Bernardo me pediu permissão com o olhar para ir em direção aos carrinhos. Olhei para os lados, e como não vinha nenhum carro, eu soltei sua mão e o deixei-o ir. Me aproximei, vendo-o colocar seu boneco dentro do carrinho e depois se pendurar nele. Lauren ergueu os braços para mim e eu a peguei no colo, colocando-a dentro do carrinho junto a Bernardo, que tinha a bunda levantada por não conseguir entrar. Eu ri, ajeitando-o ali dentro e então eu parti para as compras.
Estava tudo indo bem, como sempre, as crianças não fizeram escândalos nos corredores e nem sumiram de repente.
Na fila do caixa, esperando nossa vez, Ben se virou para mim.
- Pai, nós vamos no shopping hoje?! - Bernardo perguntou enquanto Lauren se segurava na lateral do carrinho. Ele estava de frente para mim, com a doce ilusão de que seu boneco voava.
- É, você prometeu, pai! - e ela se virou com uma tromba do tamanho do mundo.
- Mas hoje o papai tem que colocar as compras no lugar, não vai dar tempo - dramatizei com os lábios tortos. Na verdade eu estava cansado e passear com aqueles dois no shopping, acredite, não é uma tarefa fácil.
- Poxa, pai! - Bernardo resolver mostrar sua tromba emburrada também, cruzando os braços.
- Só se papai ganhar beijinho. - eu fiz biquinho para ele, segurando a risada por saber sua reação.
- Eca, pai! - ele reclamou enquanto eu ria e empurrava levemente o carrinho, já que a fila andara.
- Eu quero beijo, pai! - Lauren, toda carinhosa, esticou os braços e eu me inclinei para ela me abraçar.
- Ela vai no shopping comigo, e você não. - eu dei língua para ele que nos olhava com um bico enquanto Lauren me apertava. É claro que ele me deu língua de volta.
- Para quem não sabia trocar fraldas, você está indo bem, . - ao ouvir meu nome, fechei meu sorriso e soltei Lauren. Virei para o lado de onde a voz vinha e pude ver Jane na fila ao lado. Suspendi a sobrancelha. - Tudo bem? - quis saber com um meio sorriso, enquanto eu estava tentando entender por que o mundo é tão pequeno.
Ela havia mudado bastante desde a última vez que eu havia a visto. Ela parecia mais mulher agora, seus cabelos não eram tão longos e seus lábios não tão provocantes de como eu lembrava. Seus olhos tinham um brilho diferente, e seu corpo, bom, continuava a mesma coisa, com a diferença que ela, aparentemente, ganhou um pouco mais de peso. Mas continuava, hm, hot?
- Tudo... Indo. - eu lhe disse, ainda confuso por não esperar encontrá-la. - E você?
- Tudo certo. - ela ainda tinha um sorriso enquanto eu não via nem a sombra do meu.
- Está... Aí há muito tempo? - ela soltou uma risada pelo nariz por minha pergunta.
- Antes de você chegar... - deu de ombros. - Sei lá, achei tão carinhosa a forma que você trata as crianças.
- Quem é ela, pai?! - Lauren perguntou me olhando carinhosamente, abraçando sua boneca.
- Ér... Bom, ela é uma amiga do papai. - disse um pouco confuso, um pouco gaguejando.
- Não me diga que esse é o Bernardo? - ouvi a voz de Jane e pude ver seu dedo pelo campo de visão apontar para ele. Assenti, olhando-o com um sorriso leve.
- É sim...
- Como ela sabe meu nome, pai? - empurrei o carrinho, já que a fila andara mais uma vez.
- Ela era sua babá quando você era pequeno - expliquei sem cerimônias, e ele ficou me olhando confuso. - Ela cuidava de você, Ben - tentei mais uma vez, mas ele cruzou os braços.
- Quem cuidava de mim era minha mãe - arregalei meus olhos pelo que ele disse e abri a boca para retrucar, mas não saia nada além de sílabas mal formadas.
- Eu cuidava quando sua mãe não podia ficar com você - ouvi a voz de Jane e, mesmo sem olhá-la, eu acabei abrindo um sorriso por ela ter se explicado melhor que eu. Bernardo, aparentemente, havia entendido, já que ele sorriu também, voltando a pegar seu boneco.
- O que é 'mãe', pai? - Lauren agora quem estava confusa, e eu não acredito que eu estava tendo aquela conversa com eles dentro de um mercado. E, novamente, me vi gaguejando.
- E minha mãe não voltou até hoje. - Bernardo se meteu, voltando a fechar a expressão.
- Quando a gente chegar em casa, a gente fala sobre isso. - dizia, perdendo um pouco a paciência com o rumo da conversa.
Eles concordaram, voltando a brincar com seus brinquedos e eu dei um suspiro aliviado. Pelo campo de visão, pude ver Jane dar um passo a frente, ficando ao meu lado na fila novamente.
- Se quiser, eu converso com eles - ela me disse e eu virei para olhá-la, perplexo.
- Conversar o quê? - uni as sobrancelhas instantaneamente.
- Sobre a mãe deles, . - ela disse como se fosse óbvio. - Tomei conta de crianças por muito tempo, e sei como lidar com essas coisas.
- É, - entortei os lábios, um pouco pensativo - você pode tentar. - dei de ombros, achando que seria muito mais fácil alguém explicar o que estava acontecendo. Eu ia acabar inventando uma história absurda e não ia dar certo.
- Ainda está morando lá no apartamento? - assenti para sua pergunta e ela soltou um 'tá ok' bem baixo.

Férias é uma delícia. Mas não para quem é pai. Essas crianças não param, elas correm pela casa inteira, elas tropeçam em tudo.
Bernardo pôs papel de presente no vaso e quase alagou o banheiro inteiro. Ainda me disse na sua melhor cara sapeca 'Pai, o vaso está cheio d'água!'. Lauren tenta se pendurar na grade da varanda toda hora; Bernardo ameaçou jogar a Barbie da irmã no lado de fora caso eu não lhe desse o que comer; Lauren pisoteou o vídeo game do irmão por ele passar canetinha no rosto da sua boneca favorita.
E isso é todo dia.
Joguei-me no sofá e contei até 10 enquanto eles gritavam sem motivo no tapete da sala.
Até que a campanhia tocou. Levantei preguiçoso e fui até a porta, ouvindo Lauren mandar o irmão soltá-la, e abri a porta.
- E aí, cara. - um abusado entrou sem ser convidado e eu resmunguei, fechando a porta com meu olhar em suas costas. Ele sentou no sofá.
- Tio ! - eles gritaram ainda mais e por pouco eu não tapava meus ouvidos. De verdade, eles têm um pulmão de dar inveja.
- E aí, pirralhada. - ele disse alto e eu me joguei no sofá de frente à TV, vendo Bernardo dar um tapa na mão de e Lauren o abraçar em seguida. - Como é que tu tá? - se sentou ao meu lado, olhando-me de soslaio. As crianças voltaram a brincar enquanto eu coloquei minhas pernas sobre a mesa de centro.
- Tô legal, tô legal. - dei um suspiro por voltar a pensar no que estava confuso em minha cabeça. - Só estou sem coragem de mexer na papelada dela, ainda - dei um sorriso triste, realmente sem coragem de abrir seu armário e sentir seu perfume.
- Eu posso te ajudar, se quiser. - recebi um sorriso confiante e concordei com a ideia. - Apesar de eu ter vindo aqui para te arrastar para outro lugar. - ele começou com um tom malicioso e eu o fuzilei com o olhar.
Não deu tempo de responder, já que a campanhia tocara novamente. Bufei e me levantei, morrendo de vontade de dormir e então abri a porta, dando de cara com uma Jane, aparentemente tímida, já que ela tinha sua mão na frente do corpo e um sorriso leve.
- Atrapalho? - ela deu um sorriso sem graça e eu dei espaço para passar.
- Não, entra. - eu tentei um sorriso, apesar da preguiça.
Ela entrou, visivelmente tímida, e então esperou que eu fechasse a porta.
Assim que o fiz, indiquei com a mão o sofá e que ela poderia ficar à vontade.
- Obrigada. - agradeceu, entrando com a cabeça baixa.
- Bom, esse é o ... , essa é a Jane. - eu apontei respectivamente. Eles se cumprimentaram com a cabeça. Aliás, somente Jane. desceu os olhos pelo corpo dela e não subiu mais. - Crianças, a Jane veio conversar com vocês, - virei-me para ela - né? - e dei um sorriso amarelo.
- É. - ela assentiu, olhando sorrindo para os dois que a encaravam tímidos também.
- , vamos no meu quarto, quero te mostrar uma coisa. - eu fui andando em direção para o quarto, mas ao notar que ele ainda tinha os olhos no corpo de Jane, eu voltei e dei um tapa em sua nuca. - Bora, seu idiota. - ele tomou um leve susto, mas me seguiu.
Entrei no quarto e me joguei na cama de casal que eu havia comprado, já que, de vez em quando, Lauren vinha para o meu quarto, reclamando que Bernardo a assustava dizendo que era um mostro e que iria puxá-la pelo pé. E Bernardo vinha junto, já que não conseguia dormir sozinho no quarto.
ficou sentado na ponta, enquanto eu pus minhas mãos embaixo da cama, fitando o teto.
- Quem é essa? - ele perguntou visivelmente excitado. Olhei-o de soslaio: os olhos arregalados e a boca entreaberta.
- Ex babá do Bernardo. - respondi simplesmente, voltando meu olhar para o teto.
- Essa é a Jane que você pegava? - ele perguntou alto.
- Shhh! - pedi, levando rapidamente um dedo até a boca. Ele concordou freneticamente. - É ela sim.
- Caralho! Ela é muito gostosa! - apesar de sussurrar, ele estava bobo.
- Ela já foi mais gostosa. Agora ela está com cara de mulher. - disse-lhe simplesmente, relaxando sobre a cama.
- E isso é problema desde quando? - eu o fuzilei com o olhar e ele ria baixo. - Tá legal, tá legal... Agora eu entendi o motivo de você não ter resistido a ela. - ele tinha um tom risonho e eu ri debochadamente. - Aqui, - o olhei - vou te fazer uma pergunta. Mas quero que você seja sincero. - agora ele falava sério, assustando-me de início. Mesmo sem saber a pergunta, ele ter pedido sinceridade já me deixava tenso. Assenti, desviando o olhar.
- Você sente falta da vida de antes? - quis saber na lata e eu contorci o rosto em confusão. - Digo, se você não se arrepende de ter aceitado se casar com a e ela ter deixado duas crianças com você. - apesar do tom curioso, eu sabia que ele estava receoso.
Eu pensei bem antes de responder. Pensei tanto, que havia esquecido que ele estava ali, esperando minha resposta. Já haviam se passado três anos e eu sentia, sim, muita falta da , minha vida havia se transformado completamente, algo que eu nunca sonhei para mim, mas...
- Não, não me arrependo. - pude sentir um sorriso nos meus lábios. Pude ouvir seu suspiro aliviado. Acrescentei: - Eu tô muito confuso, . Eu não sei que prima é essa que mudou de hospital e não quis saber das crianças. Eu não sei se está viva, se ela está... Morta. - engoli em seco por pensar. - E... Mesmo meu coração dizendo que ela está viva, por que ela nunca me procurou? Por que ela nunca procurou as crianças? - olhei-o, querendo ter certeza de que ele estava me ouvindo. - , o que eu estava sentindo por ela, era tão... Bom... - engoli em seco novamente, sentindo um nó se formar vagarosamente na minha garganta. - Eu queria muito que ela estivesse viva, mas... Se fosse para viver com uma mulher que não está nem aí para os filhos, por que eu teria certeza de que ela se importaria comigo?
- Ela pode estar em coma ainda, . - suas palavras me fizeram voltar a olhar o teto e refletir. Eu não tinha pensado nessa possibilidade.
- Se ela estiver em coma, quais as chances de ela estar viva? - ouvi minha voz perguntar bem baixa.
- Sinceramente... Eu não sei. - ele respondeu no mesmo tom que eu, mas foi quase inaudível. Ele suspirou e eu continuei em silêncio, pensando. - ... Eu acho que você precisa viver sua vida. - olhei-o perplexo. - Eu acho que você não sai, você não vive.
- Eu tenho o Bernardo e a Lauren, . Sair com esses dois não é fácil. - eu lhe expliquei calmo, vendo-o assentir.
- Eu posso... Ir com você, se quiser. - eu ri fraco.
- Adoraria. Vão achar que somos um casal gay. - comentei e ele gargalhou, fazendo-me voltar a rir.
- Você continua com o seu tratamento? - ele quis saber após encerrar os risos.
- É difícil ir agora nas férias. Mas quando as crianças estão na creche, eu consigo ir. Meu chefe sempre me deixa sair mais cedo - dei um sorriso de canto.
- E acha que está melhorando? - parei para refletir um pouco, mas não demorei para responder:
- Quase 100%. - sorri de lado, orgulhoso.
- Então por que não contrata uma babá? - e novamente eu me via contorcendo o rosto. - É um desafio pra você mesmo, . E ainda vai te ajudar, você não vai ficar sobrecarregado. - ele ia dizendo e eu ia pensando. Concordo que era um desafio para mim, mas não sabia ao certo se eu estava preparado para receber uma mulher em minha casa, mesmo não sabendo se esta seria hot ou se seria de idade.
- Vou pensar nisso. - eu agradeci com um sorriso e ele assentiu.
- O que a Jane veio fazer aqui?
- Conversar com as crianças sobre a ... Encontramos com ela no mercado, e as crianças decidiram falar sobre a mãe. Como eu não tinha ideia de como me explicar, ela se ofereceu para tentar explicar. - eu dizia vagarosamente, sentindo minhas pálpebras ficarem lentamente pesadas.
- Vamos lá ver como ela está se saindo. - ele se levantou e eu sabia que, por trás disso, havia certa malícia. Com esse pensamento, eu acabei rindo fraco, colocando-me atrás dele, que tinha o corpo escondido na parede e a cabeça para fora, olhando a sala, encolhido.
Jane estava sentada no tapete de pernas cruzadas e Lauren sentada em seu colo arrumando o cabelo da sua boneca, enquanto Bernardo estava em pé, de frente a ela, mostrando-a como seu boneco do Buzz Lightyear voava. Ela sorria para ele, enquanto ele tagarelava sem parar.
- Acho que ela já disse tudo. - sussurrei para e ele concordou levemente, saindo do quarto. Fiz o mesmo, seguindo-o e ele se jogou no sofá, recebendo olhares sobre si, enquanto eu ia para a cozinha, pegar uma água na geladeira.
- Paiê! - ouvi Lauren gritar, e logo a vi em minha frente. - A gente pode comer pizza com a tia? - ela perguntava com os olhos brilhando, um sorriso que mal cabia no próprio rosto.
- Mas ela convidou vocês? - eu quis saber enquanto pegava a jarra de água e colocava em cima da bancada.
- Convidou! - ela assentia freneticamente. Soltei uma risada por sua animação.
- É verdade, Jane? - perguntei num tom alto propositalmente e ela entendeu:
- É, ! - respondeu alto também, e eu terminei de beber minha água.
- Então tá, vocês podem ir. - eu confiava em Jane, sabia que ela não faria nada com aquelas crianças. Pelo contrário, eu sabia que ela amava estar com crianças.
- Eba! - ela saiu correndo. Sua alegria era tanta que ela jogou sua boneca para o alto. Após guardar a jarra e colocar meu copo na pia, peguei sua boneca e fui para a sala.
brincava com Bernardo e Jane prendia os cabelos de Lauren com um coque. Essa criança ficava a cópia da mãe quando prendia os fios desse jeito.
- Vão agora? - perguntei a Jane, devolvendo a boneca para Lauren, sentando-me no sofá e cruzando minhas mãos sobre as pernas.
- Se não for incomodar. - ela me olhou sorrindo, terminando de prender os cabelos de Lauren.
- Problema nenhum. - sorri de lado, me levantando. - Vou aproveitar para arrumar a bagunça que eles conseguem fazer.
Tudo bem que eu deixei a bagunça para depois e fiquei jogando no vídeo game de Bernardo junto com . Mas isso não vem ao caso, agora. O importante é que eu tive uma trégua.

***


Tomei um susto de leve com a campanhia tocando. Limpei a baba da boca e levantei coçando os olhos, indo atender a porta.
- Vruuum! - Bernardo entrou como um trovão, arrastando um carrinho que eu nunca havia visto antes. - Olha o que a tia me comprou! - ele se levantou, enfiando aquele carrinho na minha cara.
Eu ri de sua alegria, vendo uma Lauren toda maquiada entrar com uma asa rosa de fada e Jane de trancinhas, com alguns balões de gás.
- Vocês foram... Aonde? - eu perguntei, fechando a porta ainda rindo do estado daquelas crianças.
- Num evento para crianças que teve no Parque da cidade... - Jane dizia, indo em direção ao sofá, sentando-se lá. Pude ver que seus cabelos estavam trançados. E muito mal trançados. Não que eu entendesse disso, mas, puts, qualquer um podia entender que aquilo estava um nó sem fim. - Tinha vários brinquedos, mini salão, jogos com brindes...
- E esse carrinho? - apontei para o brinquedo que Bernardo havia me mostrado antes. - Pelo amor de Deus, não me diga que você pediu a ela para comprar. - eu dizia um pouco envergonhado para Bernardo.
- Não, . Ele disse que gostou quando estávamos voltando, e aí eu comprei pra ele. - ela disse sorridente, enquanto Bernardo assentia ao que ela dizia.
- Não precisava, Jane. Ele tem brinquedo demais, daqui a pouco já não sei mais aonde enfiar tanto carrinho, tanta bola...
- Tudo bem, . Depois é só separar e dar o que ele não usa mais. - concordei, sentindo as mãos de Lauren tocar minhas pernas.
- Estou com fome. - ela reclamou, passando a mão nos olhos, se colocando entre minhas pernas.
- Vamos tomar um banho e depois você come, combinado? - sorri quando ela assentiu, e então eu lhe dei um beijo na testa. Levei meus olhos ao DVD e só então percebi que já eram nove e vinte da noite e eu não havia preparado o jantar.
- Eu já vou, mas... Você quer ajuda em alguma coisa? - eu a olhei enquanto eu levantava e decidi ser bem sincero:
- Não vou te enganar, não... Mas essa aqui, - apontei para Lauren que estava agarrada em minha perna - quando sente fome, fica uma criança chata. - eu ri, levando-a junto comigo. - Se não for pedir demais... Dá um banho neles rápido enquanto eu faço o jantar? - sorri um pouco amarelo.
- Sem problemas, . - ela se levantou, estendendo a mão para Bernardo.
- Vai lá com a tia tomar banho, Lauren. - eu disse, fazendo um esforço para ela soltar minha perna. Ela bocejou, dando a mão para Jane também e eu fui para cozinha, vendo a fadinha e Bernardo indo tomar banho com a ex babá.
Claro que eu não ia deixar Jane ir embora sem comer. Ela ficou o dia inteiro com aquelas malas que eu amo, vai dar banho e não vou oferecer jantar?
Enquanto eu arrumava a mesa, ouvi a voz de Bernardo se aproximar:
- Tô cansado, pai. - ele disse enquanto sentava-se no sofá.
- Não vai dormir, não, hein. - avisei, arrumando os pratos sobre a mesa.
- Sei, pai. Eu sei... - resmungou. Alguns minutos depois, Lauren veio cabisbaixa para a sala, sentando-se ao lado de Bernardo, quieta. Em seguida veio Jane.
- Que tipo de droga você deu para eles? - eu perguntei incrédulo. Ela riu, enquanto eu analisava e curtia meu momento de glória.
- Só gastei a energia acumulada deles... - ela ia em direção ao outro sofá, onde estava sua bolsa, e eu a seguia com o olhar, parado com dois pratos na mão. - Se gastar durante o dia, à noite eles ficam cansados e vão querer comer e dormir. - ela ajeitou a bolsa no ombro.
- Farei isso mais vezes. - comentei bobo em como eles estavam quietos, assistindo TV sem implicar um com o outro.
- Estou indo nessa, . Está ficando tarde. - ela deu um sorriso triste.
- Você vai ficar para jantar, Jane. - afirmei, fuzilando-a com o olhar. Ela sabia que eu estava falando sério.
- Não, . Está ficando tarde. De verdade, eu preciso ir. - ela me disse tão convicta e tão séria, que acabei concordando. Afinal, ela deveria estar cansada também.
- Tudo bem, então. - coloquei os pratos sobre a mesa enquanto ela se inclinava para dar um beijo em cada um. Fui em direção a porta, ouvindo a voz de Lauren:
- Amanhã você vem me buscar pra gente fazer biscoitos? Você prometeu outro dia. - ela cobrou, e pude ver Jane rir para Lauren.
- Venho sim. - ela sorriu, vindo ao meu encontro.
- Nunca na sua vida prometa nada a essas crianças, porque elas vão te cobrar eternamente. - recomendei enquanto ela ria, saindo do apartamento. - Se quiser, não precisa vir buscá-la para fazer biscoitos, você saiu com eles quase a semana inteira, Jane. - disse-lhe sério. Eu quem deveria estar fazendo esse papel, e não ela, que não tinha nenhuma ligação com eles.
- Que isso, ... Eu faço com carinho. Sei lá, é como forma de me desculpar com a . - ela sorriu de lado, dando um suspiro longo em seguida. Perdi a palavra por sua última frase, e eu tinha certeza de que essa de 'forma de me desculpar com a ' não sairia da minha cabeça tão cedo. - Amanhã eu passo aqui. - sorriu. - Tchau, .
- Tchau. - dei um aceno de cabeça, fechando a porta.
Dei jantar às crianças, um pouco em transe com aquele carinho que Jane tinha com elas. Já fazia um mês desde que ela sempre vinha pegá-los para fazer alguma coisa, e aquilo estava se tornando frequente. Apesar de estar me fazendo um bem imenso por não estar me sobrecarregando, sinto que ficaria bem em eu estar fazendo isso por ela, e acho que é por isso que a frase de Jane não parava de ecoar em minha mente.
Não é que eu não tivesse condições, mas eu ainda não estava preparado para sair tantas vezes seguidas com os dois. Quando Bernardo era pequeno e passeávamos, sempre esteve comigo para me dizer o que era certo e o que era errado, e agora eu tinha medo de estar fazendo somente o errado. Eu reclamava que ela vivia me criticando e reclamando, mas isso é porque eu não sabia como era péssimo não ter ninguém para te indicar um caminho para ir.
Com um suspiro, levantei da mesa. Os dois haviam terminado de comer e coçavam os olhos de cinco em cinco minutos.
Levei Lauren no colo, que, por pouco, não dormia com o rosto em meu ombro, e Bernardo me deu a mão. Esperamos ela se ajeitar com seu urso, e ele ficou com a cabeça perto do ouvido da irmã. Eu a cobri, enquanto Bernardo sussurrava para ela:


When you're so lonely lying in bed
(Quando você estiver sozinho, deitado em sua cama)

Night's closed its eyes but you can't rest your head
(A noite fecha seus olhos, mas você não consegue descansar)

Bernardo cantava da mesma forma que eu sempre cantei para ele todas as noites. Desde o primeiro dia, eu peguei o costume de cantá-la para ele dormir, e então, agora, depois dos quatro anos, ele aprendeu a letra e pediu para cantar para Lauren toda a noite.

Everyone's sleeping all through the house
(Todos estão adormecidos em casa)

You wish you could dream but forgot to somehow
(Você queria poder sonhar, mas esqueceu como)

Sing this lullaby to yourself, sing this lullaby to yourself
(Cante esta canção de ninar para você mesmo, cante esta canção de ninar para você mesmo)

***


Narração em terceira pessoa.

Ele havia pensado muito. Estava ali sua chance de provar a si mesmo de que era capaz de conseguir superar aquilo. Afinal, ele não tinha mais ninguém para magoar.
Faltava pouco para o horário combinado de Jane trazer as crianças, e não sabia por que, mas sentia-se nervoso. Talvez com receio de amarelar na hora, ou que não desse certo. Ou, também, descobrisse que não estava tão bom assim. A campainha tocando o assustou, fazendo seu coração disparar. Levantou com um suspiro e foi abrir a porta, mesmo sabendo que era Jane.
- Pai! - uma Lauren sorridente adentrou o apartamento com sua típica animação, fazendo agachar-se automaticamente para receber o abraço que ele já sabia que viria. Bernardo entrou comendo um cachorro quente e, por isso, não deu muita atenção ao pai. Jane sorria, ainda ao lado de fora, as duas mãos entrelaçadas na frente do corpo.
- Como foi lá? - ele quis saber, olhando Lauren com carinho. Este carinho que ele sentia por eles parecia que era algo instantâneo, mesmo eles sendo apenas parte de .
- Foi legal, pai! O Benado comeu dois cachorros-quentes! - ela contava, esperando que o pai lhe desse uma bronca, mas ele sorriu.
- Dois? - ele disse num espanto infantil, vendo a pequena assentir. - Então ele vai ficar sem jantar. - ele ainda sorria e Lauren o soltou, indo em direção a Bernardo, que estava sentado sobre o sofá comendo seu sanduíche, gritando algo como 'Ahá, vai ficar sem comê-ê!'. - Entra, Jane. - ele disse ao se levantar, sorrindo de lado para ela, que suspirou.
- Não, já estou indo, . - ela disse um pouco cabisbaixa, sorrindo como ele.
- Eu... Preciso conversar - pigarreou - com você.
Instantaneamente, ela fechou o cenho.
- Hm... Aconteceu alguma coisa? - em sua mente veio rapidamente o nome ''.
- Na verdade, não. - ele tentou um sorriso, apesar de estar um pouco enrolado com o que deveria dizer. - Entra rapidinho? Prometo não demorar.
- Tudo bem. - ela acabou concordando, ficando um pouco preocupada com o que ele queria dizer.
Ele indicou a bancada e ela sentou-se enquanto ele fechava a porta com um suspiro.
- Bom, - ele não a olhou diretamente, apenas sentou-se na bancada ao lado dela - eu não sei como está sua vida agora e... Não sei no que você trabalha, mas... - ele, finalmente, a olhou - Você ainda trabalha como babá? - ele sorria amarelo, enquanto ela soltava uma risada anasalada.
- Desde a última vez que nos vimos, muitas coisas aconteceram... - começou, olhando para o alto na tentativa de controlar os olhos já marejados por tocar naquele assunto. - Então eu decidi que eu viveria minha vida... Eu não trabalho mais, . - ela o olhou, sorrindo triste enquanto ele tinha a expressão confusa.
- E... É algo de grave? - ele mordeu o lábio levemente, receoso.
- Desculpa, mas... Não quero falar sobre isso. Não agora. - ele assentiu, concordando enquanto ela tentava um sorriso. - Mas o que você tem em mente?
- Minhas férias acabam amanhã e... - mordeu o lábio - Um amigo me deu a ideia de te contratar novamente como babá. - ele disse correndo, apertando o cenho com certo medo da reação dela. Jane riu de leve, embalançando a cabeça positivamente.
- E quando começo? - ele arregalou os olhos, surpreso.
- Está falando sério? - ele, realmente, estava chocado com a decisão rápida de Jane.
- , eu não preciso nem de contrato nem de salário. Você sabe que eu adoro crianças, e ficar com Bernardo e Lauren... Sei lá, é uma dívida que eu tenho com ela. - ela tentou um sorriso novamente.
- Então tudo bem. Mas, por favor, você precisa aceitar o salário. - ele avisou logo, tornando seu tom de voz sério, quase forçadamente.
- Você quem sabe. - ela sabia que não ia adiantar discutir isso com ele, não daria em nada.
- Combinado, então. Amanhã você pode aparecer por aqui? - ele levantou, contornando a bancada indo em direção a geladeira, sendo seguido pelo olhar de Jane.
- Claro. Eu não tenho feito nada, eu não posso fazer muita coisa. - ele abria a geladeira, enquanto ela levantava.
pegou uma garrafa d'água e se servia enquanto Jane voltava seu corpo para o sofá. Estava muito silêncio, então decidiu inclinar-se: Bernardo dormia jogado de um lado do sofá, enquanto a sua irmã fazia carinho, que era confundido facilmente com tapas, nos cabelos deste, com os olhos grudados na televisão. Ela sorriu, chamando com a mão, que foi de encontro a ela, sussurrando um 'O que foi?'.
Ele levou seu olhar para onde ela mirava e sorriu instantaneamente quando viu os dois naquele jeito.
- Nem parecem que são irmãos - ele soltou sorrindo impulsivamente e então parou para refletir na confusão que aquela frase havia causado em sua cabeça.
Não que eles sejam verdadeiramente irmãos, mas foram criados como tal.
- Eu vou indo. - Jane sussurrou para , não querendo acordar Bernardo, e distrair a atenção de Lauren. Ele concordou, bebendo um gole d'água e seguindo-a, que ia em direção à porta. - Até amanhã.

"Basta não mentir para quem te escuta, nem decepcionar os olhos de quem te vê."


- Olha quem chegou, Lauren! - Jane dizia de forma infantil, ajudando-a colocar seu pijama rosa favorito para dormir. Bernardo, que antes jogava vídeo-game, já ia em direção ao pai, agarrando-o em sua perna.
- E aí, moleque. - ele se inclinou para pegar Bernardo no colo. - Tu tá pesado pacas. - reclamou, colocando-o no chão de volta.
- Pai! - Lauren foi de encontro a ele, quase tropeçando nas próprias pernas, e abriu os braços.
- Oi, pequena. - ele sorriu, pegando-a no colo, e abraçando-a mais forte do que ela. - Se comportou?
- Eu sempre me comporto. - ela riu, recebendo uma mordida no pescoço, causando-a risadas descontroladas.
Ele a pôs no chão de volta, enquanto Jane estava numa espécie de transe, fitando-os. Ela se levantou quando seu olhar cruzou com o de , e então ele foi em direção a ela, dando-lhe um beijo na bochecha.
- E aí, tudo certo? - ele quis saber, sentindo-se cansado.
Era chefe de cozinha, agora. Nem ele mesmo acreditava quando parava para pensar. Cozinhar nunca foi seu forte, mas quando Lauren era pequena, ele precisou pesquisar sobre comidas infantis e teve que aprender bastante sobre elas. Lembrou-se do caderno de receitas de e então começou a pegar gosto por cozinhar. Com a vida um pouco atribulada, decidiu entrar para um curso de Gastronomia e uma vizinha ou outra cuidava das crianças enquanto ele estava ausente, até conseguir colocá-los numa creche.
- Tudo em ordem. - ela respondeu sorrindo, acompanhando-o com o olhar, que se jogou no sofá.
- Nossa, estou pra morrer. - ele resmungou, passando as mãos no rosto, ouvindo a risada baixa de Jane.
- Imagino. - sorriu. - , eu deixei comida pronta. Eu já vou, mas, antes, eu tenho que conversar uma coisa com você. - vagarosamente, ele a olhava confuso. Ela perdeu o sorriso ao decorrer da frase e já tinha o semblante completamente sério.
- O que foi? - ele quis saber em alerta, suspendendo uma das sobrancelhas.
Ela olhou em volta: Lauren brincava com sua boneca sobre o sofá em frente à TV, ao lado de Bernardo que já tinha sua atenção voltada para o videogame. Ela se inclinou até a mesa de centro e pegou uma das folhas discretamente. seguia-a com o olhar minimamente.
- Vem comigo. - ela disse sem ao menos olhá-lo, indo com os olhos baixos em direção ao quarto.
Ele a seguiu, ainda perplexo, e então ela indicou a cama para ele, que sentou-se ainda olhando-a.
- Olha isso. - ela entregou a folha que estava em sua mão.
analisou bem: era um desenho muito mal feito. Mas qualquer um podia perceber que a intenção era desenhar uma mulher ali. Ao lado tinha um rabisco, parecendo querer copiar ao rabisco maior, e então ele notou que aquele seria um homem. suspirou, levando seu olhar vagarosamente à Jane novamente.
- Quem desenhou isso? - sua voz falhou, ele não esperava isso.
- Os dois. - ela respondeu, cruzando os braços. Tratou de explicar ao perceber que ele não diria nada: - Lauren voltou com o assunto de sua mãe hoje à tarde. Eu a ouvi perguntando a Bernardo quem era a mãe dele. Ele disse que iria desenhar pra ela e pegou uma das folhas no quarto dele. Eu não tive coragem de fazer nada. Ele desenhou isso e mostrou pra Lauren... - ela soltou um suspiro, descruzando os braços. - Ela pegou o lápis da mão dele e desenhou alguma coisa correndo. Depois ela perguntou por que ela não tinha mãe, - suspirou novamente - e Bernardo olhou para mim.
estava muito anestesiado para dizer alguma coisa. Ele não sabia como reagir, ele apenas continuava olhando-a, na esperança de ela dizer mais alguma coisa que ele pudesse responder.
- Ela está crescendo e ficando confusa. - comentou, se aproximando para sentar-se ao lado dele. - Acho que temos que levá-la ao psicólogo, ou, sei lá, dar um jeito.
- Eu não sei o que fazer, Jane. - ele soltou cabisbaixo, os olhos presos no desenho em sua mão.
- Nunca pensou em ir à polícia e procurá-la? - ela perguntou, assustando-o. a olhou com as sobrancelhas unidas.
- N-não... - ele respondeu ainda entorpecido com a pergunta.
- E o pai de Lauren, nunca a procurou? - ela quis saber, e num misto de raiva e dor, ele respondeu seco:
- Nunca.
- Quem é ele? - ela perguntava, na tentativa de desvendar tudo aquilo.
- É um tal de Paul... Ela nunca me falou sobre ele, eu não sei quem é ele, eu não sei onde ele mora, eu não sei nada. - ele dizia, seu rosto ruborizando-se vagarosamente devido a irritação que percorria sua veia, por pensar que um pai não era capaz de procurar um filho. Caso um pouco semelhante ao dele, mas parecia que ele empurrava isso para o fundo de sua consciência.
- Já tentou ligar pra ele?
- Eu liguei quando soube que sumiu, mas... Ele nunca atendeu minhas ligações. - Jane prendeu a respiração instantaneamente pelo pensamento que acabara de passar por sua mente. Fechou olhos, tentou manter a calma.
- Me desculpa por pensar isso, mas... - mordeu o lábio, se culpando. Calou-se de repente, fazendo-o olhá-la.
- Fala, Jane. - ele pediu, ainda com as sobrancelhas unidas.
Ela o olhou, assustada. Temia a reação dele.
- E se... Ela fugiu co-com... Ele? - parecia que o coração dele havia parado de bater.
Ele entrou num transe e sentiu uma fúria subir lentamente por suas veias. Num flashback rápido e confuso, veio à mente toda aquela farsa de quando era criança: uma família que não era verdadeiramente sua. Um pai que nunca deu as caras e um pai falso que abandonou sua mãe e ele quando eles menos esperavam.
- Filha da...
- Ei! - ela o interrompeu, apesar de ele dizer impulsivamente. Não estava pensando direito, provavelmente. - Isso pode ser uma hipótese, . Não podemos julgá-la assim, sem ter provas! - ela disse num tom alto, para ver se ele acordava.
- Eu sei. - ele disse nervoso após suspirar. Passou a mão pelo rosto e voltou a mirar aquele desenho em sua mão.
- Eu posso tentar ligar pra ele do meu celular, se quiser. - ela deu a ideia, e ele a olhou depressa. Como não tinha pensado nisso?
Ele deixou a folha de lado e levantou-se, sendo seguido pelo olhar confuso de Jane, e pegou seu celular sobre o criado-mudo do outro lado da cama. Voltou e sentou, procurando o telefone de Paul. Ela havia entendido e pôs a mão no bolso para pegar seu celular.
Ele ditou os números e ela digitou, conferindo com ele se estava correto em seguida.
Chamou, chamou, chamou. Ambos apreensivos.
Ninguém atendia. Tentou novamente, e nada.
- Amanhã tentamos de novo.
- Eu não acredito que ela fez isso comigo. - ele ignorou o que ela disse; ele, ao menos, havia prestado atenção. estava inconformado com a ideia, embora fosse a mais óbvia. Ele não queria aceitar, mas, ao mesmo tempo, era o que estava parecendo. Ele tentou acalmar a respiração.
- Relaxa, ... Ainda não temos prova de nada. - ela repetiu, levando sua mão até a nuca dele, apertando-a levemente. fechou os olhos ao sentir seus músculos relaxarem e tentou aproveitar ao máximo aquela sensação.
Sorrindo, ela subiu na cama e se pôs de joelhos atrás dele, fazendo-o abaixar a cabeça. Ela, então, começou a fazer uma massagem no pescoço, sentindo-o muito tenso. Ele permanecia de olhos fechados, mas soltou um resmungo baixo quando ela foi parando seus movimentos lentamente.
- ... - ela chamou visivelmente com a mente distante. - Ai, meu Deus...
- O que houve? - ele abriu os olhos em alerta. Com os olhos arregalados e engolindo em seco, ela desceu da cama e o olhou.
- Vem cá. - ela o puxou pelo braço e o levou em direção a sala, indo direto ao sofá. Soltou seu braço e suas mãos foram aos cabelos de Lauren. - Deixa a Jane mostrar uma coisa para o seu pai. - ela dizia, já mexendo nos cabelos da criança, afastando um monte de fios na nuca. Ela chegou o corpo um pouco para lado, deixando espaço para , que se aproximou ainda confuso. - Está vendo aqui? - ela o olhava, receosa.
- Estou. - respondeu simplesmente, sem entender aquele drama todo.
Ela soltou os cabelos de Lauren e, novamente, puxou pelo braço, levando-o para o banheiro. Ela o colocou de frente ao espelho e abriu uma das gavetas, tirando um espelho médio. Fez aproximar-se mais deste e pôs o espelho recém pego próximo a nuca de com um suspiro.
- Consegue segurar? - ela se referia ao espelho, e, sim, ele conseguia deixá-lo ainda na altura da nuca.
Ela fez os mesmos movimentos que havia feito nos fios de Lauren.
- E agora, consegue ver?
piscou os olhos várias e várias vezes, querendo acreditar no que estava vendo e traduzir o que aquilo significava.
Ele tinha uma mancha marrom na nuca. Idêntica à de Lauren.

Capítulo betado por Nathália K.

Capítulo 11


Mas eu não virei a página; eu a rasguei, por medo de sentir vontade de lê-la de novo.


- Po-positivo - ele respondeu, sentindo um torpor instalado em seu corpo. Não sabia se chorava, se ficava sério, se sentia raiva, se sentia rancor... Ele estava confuso e Jane não sabia o que dizer a ele.
Após e Jane o convencerem, eles decidiram fazer um exame de DNA para, de uma vez por todas, a ficha de cair de que Lauren era realmente sua filha.
Mas ele ainda não conseguia entender o porquê daquilo tudo.
- Eu... Eu vou enlouquecer, estou falando sério - ele dizia, ainda distante, parado estático na porta do consultório onde haviam acabado de pegar o resultado dos exames. Jane e trocaram olhares cúmplices e, cada um de um lado, guiaram para fora dali, indo em direção ao estacionamento.
- Quer... Hm, tentar ligar para o Paul... De novo? - Jane dizia cautelosa, sentada no banco de trás, enquanto ia dirigindo. As crianças haviam ficado com . Era sábado e ela adorou a ideia de ficar com seus 'sobrinhos', apesar de estar se corroendo de curiosidade por dentro.
engoliu em seco ao ouvir. Até então estava fitando a janela do carro, o rosto vermelho e os olhos marejados.
O que sentia por dentro era tão forte que ele jurava que era capaz de destruí-lo em pouco tempo.
- Qual a diferença, agora? - ele não esperava que sua voz saísse tão áspera. Resultado do que ele sentia no momento. - Eu já sei que o Paul não é pai da Lauren, então n...
- Você quer ou não saber onde ela está? - o interrompeu, tentando por o máximo de autoridade em sua voz. Sabia como o amigo era, só assim ele perceberia que ele estava falando muito sério.
Balançou a cabeça negativamente, respondendo num sussurro:
- Eu tenho medo do que eu possa descobrir - Jane se esforçou para ouvir e entortou os lábios por não ter nada em mente no momento.
Deixaram a poeira baixar até chegarem em casa.
Ao adentrar o apartamento, sentiu que a notícia não era a das melhores. Lauren assistia televisão, quieta; e Bernardo brincava com seus carrinhos no chão enquanto a mais velha preparava um lanche.
Fecharam a porta, recebendo um olhar receoso sobre si. Suspiraram e, ao ouvir a voz de Lauren, todos esqueceram como se respirava:
- Pai! - Jane e não tinham a mínima ideia de qual seria a reação dele desta vez.
Como sempre, ela veio saltitando em direção a ele com os braços abertos. Mas, ao invés de se agachar como sempre fez, ele a olhou com os olhos marejados, sentia seu nariz dilatando vagarosamente. Cansada de esperar, Lauren perdeu o sorriso e abaixou um de seus braços, mas levou um dedo à boca:
- O que foi, pai? - ela perguntou, ingênua, enquanto ele a olhava com desprezo.
- Isso aqui - apontou para ela, olhando de soslaio para os amigos - foi fruto de uma coisa suja.
E saiu em direção ao quarto, sendo seguido por Jane e rapidamente. também foi rápida em pegar Lauren no colo, tentando distraí-la, embora seus pensamentos estivessem no quarto ao lado.
- Quando disse que você enlouqueceria, - ia dizendo alto, adentrando o quarto com Jane atrás - eu não imaginei que fosse tão rápido!
- Me deixa em paz, - reclamou, abrindo sua parte do armário, à procura de uma toalha.
- , você não tem noção do que você está dizendo - Jane tentou, colocando-se ao lado de .
- Eu sei muito bem o que está acontecendo - ele disse com o tom carregado de ira - Ela me enganou esse tempo todo, vocês não vêem isso?! Ela mentiu pra mim, ela disse que não poderia engravidar e lá estava ela com uma barriga enorme depois de meses. E o que ela resolveu fazer? Me esconder esse tempo todo que a criança era minha. Me deixou, até, a guarda desse pirralho que ela adotou!
- Ele é seu...
- Ele não é meu filho! - gritou tão alto, que os dois à sua frente poderia jurar que o prédio inteiro havia escutado. - Tudo pra quê? Pra arruinar ainda mais a minha vida! - seu rosto já tinha lágrimas de ódio misturando-se à suas palavras. Balançou a cabeça, tentando controlar sua voz nas próximas frases: - Eu tentei. Eu fui o mais sincero que eu pude, eu contei a ela todo o meu problema, ela não precisava esconder isso de mim, mas ela não merece o mínimo de respeito meu, a partir de agora - após dizer correndo, aos berros, ele ia passando para o banheiro, mas Jane foi mais rápida e o segurou pelo braço com força.
- , - olhou-o de lado - me deixa sozinha com ele, por favor.
Ele assentiu, olhando muito feio para , que desviou o olhar.
Assim que a porta fechou-se, ela afrouxou a mão e soltou-o.
- Senta ai - ela abusou da autoridade em suas palavras, apontando para a cama com a cabeça. Sentindo-se intimidado, ele sentou-se, mesmo de má vontade. - É melhor você parar para pensar no quanto sua atitude foi idiota e imatura. Achei que você fosse mais inteligente - ele bufou, enquanto ela falava alto, apesar de tentar controlar o tom de voz. - Se foi embora ou ainda está em coma, a Lauren não tem nada a ver com isso, . Não a culpe por um erro teu - ela cruzou os braços e ele a olhou incrédulo.
- Erro m...
- Erro seu, sim! Se você e a transaram e resultou na Lauren, ela não tem nada a ver com isso. E, quanto a Bernardo, se você aceitou se casar com ela desde o início, deveria pensar nas consequência antes de aceitar. E, novamente, Bernardo não tem nada a ver com isso, - ela dizia agora num tom cansado, querendo que ele entendesse o que ela queria dizer. Suspirou, sentando-se ao lado dele. Fitou qualquer ponto que não fosse seus olhos. - Às vezes a gente sonha coisas que talvez nunca nos aconteça... - sua voz era calma e mansa agora. Entortou os lábios e esperou um segundo. - E às vezes coisas acontecem na nossa vida que a gente nunca imaginou... E pode ser que a gente demore para entender, sabe, ? - ela o olhou, carinhosa. Ele não correspondeu o olhar. Estava preocupado em fitar seus dedos sobre o joelho. Mas ele a ouvia atentamente. Continuou: - Veja, você nunca se deu bem com crianças, e o destino te mandou duas de uma vez só - ela sorriu, voltando a fitar qualquer lugar. - Você passou a gostar de Bernardo, você aprendeu a gostar dele... E passou a gostá-lo como filho por causa da . Já eu, ... - riu anasalado, de nervoso. - Sempre sonhei em ter filhos, ter uma família, com várias crianças correndo pela casa inteira. Elas são puras, são ingênuas, elas nunca vão te desejar o mal, mesmo que você a odeie, . Mas, infelizmente, não foi isso que o destino quis pra mim - riu de novo pelo nariz, sentindo o olhar do cara ao lado pousar vagarosamente sobre ela. Dessa vez, ela quem não correspondeu.
- O que quer dizer com isso? - ele gaguejou, sentindo-se um pouco tonto.
- Eu também queria sexo por diversão. Nunca tive o mesmo problema que você, mas... Sei lá, eu continuei a transar com outros caras sem compromisso e... Acabei pegando AIDS - ela sorriu triste, sem coragem alguma de olhá-lo nos olhos. - Aproveita sempre o que a vida está te dando, . Porque você nunca sabe quando vai perder - ela embalançou a cabeça levemente. - Eu sei que já se passaram quase quatro anos sem notícias dela... Mas não julgue os outros se está errada, se ela fugiu ou não com Paul, se ela se importa ou não com os filhos. Se importe você, . Você não vê? Quem era sua família, até então? Com quem você passaria o seu aniversário e o Natal ou o Ano Novo? te deu duas coisas preciosas, que te amam sem interesses, sem se importar com o que você vai dar a eles. Aproveita isso agora, - ela levantou-se e deu um beijo no topo de sua cabeça. - Quando eles crescerem, talvez você volte a ficar sem uma parte de você se os desprezar logo agora, que precisam tanto de você.
Ele não tinha força para levantar a cabeça ou lhe agradecer. Jane sorriu de lado por ter conseguido dizer aquilo tudo e então deu as costas, estando certa de que ele não falaria nada.
Foi em direção ao sofá, recebendo olhares ansiosos sobre si. Mas a campainha tocando fez com que todos olhassem para ela, confusos.
Já que Jane estava em pé, ela decidiu ir, ainda estranhando a campanhia tocar àquela hora. Abriu, e sorriu aliviada ao constatar que era o porteiro.
- Isso é para o senhor - ele a entregou um envelope branco e pequeno. - Um homem deixou na portaria, agora há pouco - Jane agradeceu e fechou a porta, olhando para o papel em suas mãos.
- O que é isso? - perguntou com Lauren adormecida em seu colo, enquanto Bernardo ainda estava no vídeo-game, e ao lado de .
- Deixaram para o agora - ela iria até o quarto entregá-lo, mas ele mesmo foi até a sala saber quem era, ainda com o rosto vermelho, inchado e marcado por algumas lágrimas.
- Quem era? - ele quis saber, evitando olhar para as crianças. Seus olhos estavam diretamente em Jane, ainda parado na porta do quarto.
- Um homem deixou na portaria agora pra você - ela dizia, indo em direção a ele um pouco medrosa.
Estranhando, porém com pressa, ele abriu o envelope.
Numa caligrafia que ele havia visto poucas vezes, mas que sabia que era de , borrada e sem muita precisão, estava escrito:

"As chances de você encontrar uma pista de onde estou são 70 em 100. Não me procure mesmo sabendo onde me procurar."


- Tem alguma coisa muito mal contada aí, galera - disse desconfiado após ouvir o que leu no bilhete.
- Você já mexeu nas coisas dela? - dizia enquanto colocava Lauren adormecida deitada sobre o sofá.
- Ai não está escrito para não procurá-la? - Jane questionou.
- Mas isso está estranho, Jane - lhe disse. Ela acabou concordando, assim como .
pensava, ainda com o bilhete em mãos.
- Dentro do armário dela! - arregalou os olhos, excitado. - Por que não procuramos lá?
- É isso que você quer, ?
- Não tenho certeza do que está acontecendo... - ele dizia, parecendo distante. - Essa letra... - olhou o bilhete novamente para se certificar - Essa letra é dela, mas... Eu não consigo entender. E se isso for uma brincadeira de mau gosto? E se tudo que estamos pensando ser estúpido diante do que pode ser a verdade?
- Dentro do armário dela pode ter a resposta - disse calmamente.
Ele pensou, pensou. E seu coração acabou concordando. Virou-se, adentrando o quarto.
- Tudo bem, vamos lá - dizia num suspiro, sentindo o mesmo medo e receio que os outros sentiam.
Ele passou a frente de , que tinha o semblante mais triste e confuso que alguém poderia ter, e então abriu a parte do armário de .
O cheiro que saiu lá de dentro era quase estonteante: uma mistura do perfume dela com mofo. fechou os olhos lentamente, e tentou controlar seus batimentos cardíacos só por sentir, bem fraco, aquele cheiro que não sentia faz tempo.
- Bom, - a voz de surgiu em seus ouvidos, tirando-o do transe que ele tinha consigo - eu tiro as folhas e vou te dando. Você coloca na cama e aí vemos o que é importante - disse com a voz baixa, mas firme, entrando de vez dentro do armário após ver assentir.
Jane e estavam sentadas na cama, quietas. Ele foi passando réguas, estojos, folhas grandes, folhas minúsculas, e, lá no fundo do armário, quase por último, achou um caderno verde limão médio, decorado e encapado. Ele fitou aquele objeto por alguns segundos, tomando coragem para pegar. E quando o fez, já tinha seus olhos sobre o ombro do amigo, analisando o objeto com curiosidade.
- O que é isso? - perguntou, unindo as sobrancelhas numa expressão confusa. Jane e se entreolharam.
- A esposa era sua e você não sabe? - dizia com a voz falha, mas ainda com os olhos no caderno em suas mãos.
- Eu nunca vi a usar isso, - ele respondeu com uma pitada de medo e confusão. se virou, indo em direção à cama com atrás. Sentaram-se ao lado das meninas, no único espaço que não havia nada e, engolindo a seco, abriram o caderno. Logo na primeira página, estava escrito em caneta preta grossa o nome inteiro de .
Passaram a página ainda sem entender.
- É um diário? - suspendeu a sobrancelha, confuso. não era do tipo de mulher que escrevia em diário.
- É! - os olhos do amigo brilhavam. - Tem coragem? - ele olhou para de lado, mordendo o canto do lábio.
apenas assentiu, ajeitando-se sobre cama.

Capítulo 12


"Procure me respeitar, desista de tentar me entender e nunca tente me mudar."


[N.a.: Galera, pode se tornar repetitivo. Mas, com certeza, tem certas coisas que não aparecem no restante da fic. Aconselho a ler, mesmo tendo a sensação de já ter lido rs.]

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Janeiro, 2008


Mesmo eu não estando com a mínina vontade de escrever, aqui estou eu, relatando o que estou sentindo. Não que isso vá diminuir o medo e a ansiedade dentro de mim. Mas é como forma de colocar para fora, mesmo que ninguém mais leia.
As palavras de Grace dizendo que Paul, nosso advogado, precisava dos papéis de casamento para adotar, martelava minha cabeça.
Ontem, depois de muito tempo, eu aceitei ir ao pub com , na tentativa de amenizar, ou esquecer por um tempo essa confusão. Quem me conhece, sabe que eu tento de todas as formas, só me dou por vencida quando não tem mais saída. Mas com a lei não se brinca.
E lá fui eu para casa novamente, sabendo que eu não aproveitaria a noite. Aquela saída foi em vão, tudo permanecia em minha cabeça, meu desespero era intenso. Eu não queria tocar no assunto do passado, eu não queria ir ao médico e, por ventura, descobrir que eu não poderia engravidar. Aliás, engravidar de quem?
Sem contar com o meu problema, eu precisei ir à casa de . Uma garota um pouco tapada ligou do número dele desesperada, dizendo que ele estava chorando e, na boa, se estava chorando, acredite: o negócio é muito sério.
Confesso que fiquei em estado de choque quando soube que sua mãe havia falecido. Apesar de minha mãe biológica ter morrido no meu parto, eu tinha minha mãe de criação e esta, bom, ela já era de idade. Ela morreu doente e por meses eu já esperava isso. Mas uma morte de repente, como aconteceu com a mãe de , eu não tenho ideia de como ele deveria estar se sentindo, ainda mais quando este era grudado e só dependia dela. Devia ser uma dor terrível, já que eu nunca vira chorar tanto, nem quando éramos crianças. Bom, ele chorou algumas vezes, quando ele reclamava que seus sonhos não eram realizados pela 'Fonte dos Desejos', que íamos toda noite de Natal.
Limitei a me despedir quando seus amigos chegaram, já que eles eram capazes de cuidar melhor de do que eu, que era apenas uma amiga de infância, mas distanciada.
Mas, enquanto eu caminhava pelas ruas, parecia que o destino me piscava uma luz vermelha, dizendo que eu estava fazendo tudo errado, que ele me deu a brecha certa para eu realizar meu sonho. Minha chance estava ali e eu não tinha notado.
Eu negava a todos quando diziam que eu era impulsiva, eu respondia que eu pensava muito antes de tomar qualquer atitude. Mas quando dei por mim, eu estava na porta do apartamento de de novo. E, sem pensar muito, eu o pedi em casamento; é, eu estava abrindo os braços para receber um cara que eu desconhecia e conhecia ao mesmo tempo, só para realizar um sonho, um sonho que poderia virar minha vida de cabeça para baixo. Mas eu não ligava, sua moradia em minha casa seria temporária, e não sou uma pessoa que se apega a ninguém. A não ser que ela signifique muito para mim. E isso, ah... Eu acho que não era bem o caso de .


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Fevereiro, 2008


Eu poderia gritar para o mundo o quanto homens são porcos e anti-higiênicos. Mas eu seria tachada de chata e neurótica. Tudo bem que isso não importa tanto numa relação, mas eu estava acostumada a viver numa casa limpa e organizada, e lá estava bagunçando tudo o que eu arrumava. Fora que ele é mal humorado na maior parte do tempo. Eu nem tentava ter uma conversa com ele, já sabendo que ele bufaria ou rolaria os olhos se eu dissesse alguma coisa que não fosse de seu agrado. Eu tentava ignorar isso, apesar de não gostar de gente emburrada perto de mim.
Porém, no dia seguinte, teria uma palestra sobre meio ambiente na Universidade onde estudei e, nossa, como eu adoro coisas sobre sustentabilidade! Apesar de estar ciente de que deixar meu filho sozinho com não seria uma boa ideia, eu agia sem perceber, em prol da vontade de ir à tal palestra. Não que eu seja interesseira, mas eu sabia que para conseguir que ele ficasse com Bernardo por algumas horinhas, eu precisaria ser sorridente e educada, para tentar amolecer aquele carrancudo que morava comigo. Ele disse que não sabia cuidar de crianças, e eu tinha isso em mente. Contudo, a tonta aqui foi tentar ensinar, pelo menos, a dar banho, já que eu não demoraria e Bernardo dormia na maior parte do tempo.
Mas quando eu digo que é mal humorado e com má vontade, eu digo sério. Estava me dando enjôo só por vê-lo segurar Bernardo errado, quase o afogando. Ele nem se deu ao trabalho de ficar ali enquanto eu terminava, apenas para me analisar. Quando eu disse que ele poderia ir, eu esperava mesmo que ele fosse, mas não tão rápido. Ele sumiu como um foguete do banheiro, deixando-me cabisbaixa. Decidi ligar para minha amiga e perguntar se ela poderia ficar com ele, mesmo sabendo que ela trabalhava. E, antes que eu terminasse de falar com ela no telefone, um rabugento entrou no quarto, dizendo que eu podia desligar porque ele ficaria com Bernardo. Aquele garoto tem problema?!
Apesar de insistir, dizendo que ele não precisaria ficar com meu filho, ele me disse da forma mais severa que ele ficaria de babá por algumas horas. Suas palavras, apesar de duras e cheias de má vontade, me passaram firmeza, então decidi contar com para isso.
Só que, além de porcos e anti-higiênicos, os homens são esquecidos e não se ligam nos detalhes. Esse cara me chegou em casa (no dia seguinte!) tonto, sem saber nem o que estava dizendo, de tanto que bebeu, e soluçando. Seu hálito era impossível decifrar se era de cigarro ou de cerveja.
Eu o arrastei para o banheiro, mesmo com uma vontade imensa de enforcá-lo, e o empurrei para dentro do box, com o chuveiro gelado. Minha vontade de esganá-lo por ter chegado bêbado no dia seguinte era tanta, que eu havia esquecido que eu tinha uma palestra para assistir. Quando lembrei, resmunguei impulsivamente, porém baixo, e ele percebeu. Querendo concertar a burrada, ele disse que ficaria com Bernardo. Mas que tipo de mãe ele acha que eu sou para deixar meu filho nos cuidados de um cara que, com certeza, não saberia soletrar o próprio nome, e que ainda bateu com a cabeça na parede?
Não suportando meu tom brigão, ele acabou dizendo o que eu mais temia que
qualquer homem dissesse a mim. E aquilo doeu, doeu tanto que eu não sabia se eu estava com raiva por ele ter dito ou se era apenas revolta por ele não ter direito de dizer aquilo. Mas uma coisa eu tenho certeza: se o que ele me disse me tocou, é porque, lá no fundinho, tem um pouco de verdade.

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Março, 2008


Eu sei que sou chata quando estou com raiva, mas eu não consigo mudar. Eu fico séria, de poucas palavras, mal consigo olhar as pessoas nos olhos, de tanto rancor que eles possuem. Mas, vamos, combinar: ele merecia isso. Mesmo sem saber sobre o pai dele, eu nunca chegaria para ele, numa briga, e perguntaria 'por que não vai procurar teu pai?' ou algo do tipo. O que ele fez foi o cúmulo da ignorância, porque ele poderia sentar e conversar comigo sobre eu não ter filhos ou ser casada. Eu responderia suas perguntas na boa, mas escancarar a boca, assim, sem saber de nada?
Enquanto ele fazia qualquer merda na sala, lá estava eu procurando no site da empresa alguma outra empresa afiliada, que tem como serviço os de babá. Eu sabia que o que eu tinha era raiva mesmo, mas eu também sabia que eu não poderia contar sempre com , já que vou voltar a trabalhar em poucos dias e ele continuava com seu serviço de mensageiro lá na empresa. E no dia em que nossos horários não se encontrarem, quem ficaria com meu filho?
Ah, claro, sem esquecer da parte em que ele mesmo pediu para conversar, eu lhe disse tudo o que eu achava. Na verdade, achei que ele fosse surtar e começaríamos uma nova discussão. Mas ele não disse nada, apenas seus olhos me pediam desculpas.
Ao sair do banho, ele olhava a tela do meu notebook, que deixei aberto com o perfil da provável futura babá, e então ele me olhou e perguntou se pedisse para não contratar a babá, se seria em vão. Seus olhos estavam frágeis e culposos, mas, mesmo sem entender, eu lhe respondi sincera.
Surpreendendo-me pela segunda vez, ele perguntou, antes que eu dormisse, o motivo de eu ter preferido adotar. Eu demorei para processar o que estava acontecendo, mas lhe contei como se quem estivesse ali fosse um melhor amigo. Eu podia, na verdade, estar me desabafando. Mas só de ter alguém para me ouvir sem me julgar e me dizer que o que eu estava fazendo não era normal, eu me sentia feliz. Ele me disse que era apenas curiosidade quando lhe perguntei sobre sua vontade repentina de saber sobre isso.
E eu já comentei que eu adoro que me surpreendam?


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Abril, 2008


E, novamente, me surpreendeu, perguntando se ele podia ficar com Bernardo enquanto eu iria me encontrar com a nova babá. De início achei que ele estava apelando e comentei isso alto demais, fazendo-o mostrar seu lado mal humorado. Tá ok que fui precipitada, mas meu coração pedia para confiar nele dessa vez.
Fiquei feliz por ele, aparentemente, ter reparado quando dei banho em Bernardo em alguma vez, já que ele disse tudo o que eu diria a ele. Tudo bem que sua tentativa de me imitar foi ridícula, mas eu sabia que minha vontade era de sorrir. Ele não tinha muita prática, apesar de saber a teoria, então eu decidi sair do banheiro para não assistir ao banho suicida que dava em Bernardo.
Aparentemente, a babá era uma pessoa responsável e limpa. 'Aparência engana', tentei colocar na cabeça enquanto me sentava de frente a ela.
Sua conversa comigo fluía e, apesar de eu estar sendo mega severa, eu estava gostando, pois ela estava tranquila e confiante. Gosto de pessoas assim, apesar de ela ter vacilado em olhar o celular no meio da nossa conversa. Relevei isso, não foi nada demais, já que logo ela percebeu que eu a encarava.
No caminho para casa, conversávamos sobre qualquer coisa e ela me dizia sobre como sua cidade era, e as diferenças das civilizações. Até que ela voltou a pegar em seu celular. Como estávamos paradas no sinal, olhei de rabo de olho, e franzi a testa ao vir escrito '' bem grande no visor de seu BlackBerry. O único que eu conhecia era o que estava morando lá em casa, e quando fui me inclinar mais um tiquinho para ler o resto da mensagem sem que ela percebesse, ouvi buzinas atrás de mim e logo entrei em alerta, vendo que o sinal havia aberto.
Com um suspiro, voltei a dirigir, tendo em mente que aquilo era idiota, já que existem vários '' pela cidade.
Quando chegamos em casa, alimentava Bernardo, então fui em direção a este, pegando-o no colo. Ow, eu já estava com saudades!
Mas eu senti o estômago revirar quando os dois disseram que se conheciam. Um ignorava o outro e, se no início foi assim, a convivência desses dois tendia a ser muito pior.


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Junho, 2008


A implicância de e Jane me irritava, fazendo-me ignorá-los para não me aborrecer. Eu tinha muitos problemas para ter mais dois crianças mutantes para me preocupar. Quando cheguei exausta do trabalho, eu ainda tive que ter paciência para ouvir Grace me dizendo que já voltaria de viagem, e que era para eu ir buscá-la, e mais uma briguinha chula de e Jane. Mas, dessa vez, estava tudo jogado no chão quando adentrei o quarto de Bernardo. Eu tentei ignorar o zíper da calça aberta de e a roupa abarrotada de Jane, e disse para esta que ela poderia ir embora, e avisei ao outro que eu precisava conversar com ele. Eu não tinha ideia da reação de , já que assunto de contas e gastos nunca fora discutido aqui em casa. Mas eu teria que dizer ou, então, iríamos à falência.
Porém, o que achei que fosse de fácil compreensão, tornou-se uma discussão séria. Tanto que ele disse algo que eu não esperaria, mas que meu corpo tremeu só por pensar nas consequências. Parecendo que lia pensamentos, Paul me ligou assim que bateu a porta. Ele queria falar sobre a chegada de Grace. Aproveitei e pedi para ele me encontrar dentro de algumas horas no segundo escritório, que ficava na segunda rua à direita, após a Starbucks perto do shopping principal. Era o mais próximo de casa. Como era um assunto sério, eu estaria conversando com um advogado - minha mãe me ensinou que devemos estar sempre bem vestidas quando formos conversar com um advogado ou juiz, para que não se passe má impressão -, pus um vestido que, literalmente, estava escondido no fundo do armário. Deixei, milagrosamente, meus cabelos soltos, deixando ondas devido a marca do coque, e arrumei Bernardo. Quando a porta de entrada se abriu lentamente, eu estranhei. não havia demorado como das outras vezes, mas eu senti a raiva voltar à tona quando ele soltou um 'boa noite' junto a um soluço. Eu o olhei para checar se o que eu pensava era realmente o que estava acontecendo e, sim, ele estava bêbado de novo. Seus olhos vermelhos e sem vida me diziam isso.
Devido à revolta, eu recomecei a mesma discussão de mais cedo, dizendo-lhe que ele precisava parar de comprar programas restritos, já que sou eu quem pago, no final das contas. Ele surtou, dizendo que não tinha nada para fazer e blábláblá. Eu não queria dar muita confiança, mas acabei falando, falando e falando, e quando percebi, estava com os lábios encostados aos meus. Metade do meu cérebro funcionava, e essa metade tratou de dar um tapa bem dado no braço dele para deixar de ser folgado, mas minha voz, comandada pelo lado entorpecido do cérebro, fez questão de mostrar que eu estava sentida com aquele beijo, deixando que minha voz falhasse. Sem perceber, eu perguntei como aquilo aconteceu e ele me disse que era para eu calar a boca. Se bem conheço , para não ouvir o que eu dizia, ele teria bufado e dado o fora dali, deixando-me falando com as paredes.
Meu celular tocando parece que me despertou do transe e então eu o peguei, notando que se afastava. Tentei me concentrar no que Paul diria, mas confesso que foi muito difícil. Minhas respostas aos seus avisos de que se atrasaria saiam automaticamente e quando desliguei, decidi sair logo do apartamento, antes que ele me surpreendesse de novo. Dessa vez, eu não queria surpresas.
Mas, esperando o elevador, ele apareceu na porta do apartamento com um olhar suplicante, o qual eu nunca havia visto, perguntando se eu precisava ir. Aquilo me deixou levemente tonta, mesmo eu não sabendo o motivo, e minha boca acabou traduzindo meus pensamentos, soltando um 'não estou entendendo'. Sem sentido, ele se virou e fechou a porta, deixando-me ainda mais confusa.
A conversa com Paul não foi tão longa, eu apenas queria saber se, caso pedisse o divórcio, isso afetaria minha adoção. Ele ficou um pouco tenso, de início. Dizendo que precisaria consultar seu assistente, porque não sabia muito bem a resposta, ele se afastou com o celular nas mãos, ligando para alguém. Voltou em alguns minutos, olhando-me com o semblante derrotado. Ele disse que sim, que eu poderia perder Bernardo se caso houvesse divórcio. E eu estava perdida em pensamentos. Tentei me distrair, conversando sobre coisas aleatórias, quando, infelizmente, deu a hora de ele ir. Já estava tarde, realmente, e então eu fui para casa, com uma vontade incontrolável de conversar com . Não, não, eu não estava com vontade de brigar com ele, eu apenas queria saber sua explicação para a reação de mais cedo. Eu não falaria nada sobre a conversa que tive com Paul, eu deixaria rolar. Eu não queria parecer falsa, ou forçá-lo a fazer o que eu queria apenas para não perder Bernardo.
Avisei que queria conversar e ele concordou na boa. Perguntei sobre o beijo e ele gaguejou, fazendo-me perder a paciência e logo dizer-lhe que não era para repetir a frase sobre me fazer calar a boca. Isso seria me fazer de idiota e eu não suporto isso. Eu disse a ele que eu não conseguiria esquecer o que ele disse, porque tenho amor próprio e deixei escapar tudo o que eu achava. Dei um sorriso sincero, esperando que ele pensasse bem nas suas últimas atitudes confusas e, quando estava prestes a dormir, ele disse que me ajudaria a pagar as contas, mas precisava de um tempo. Se isso vai funcionar, eu não sei; mas que já é um bom começo, isso é.



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Agosto, 2008


Não que eu não confie no . Acontece que ele anda menos rabugento do que quando ele veio morar aqui. Como consequência, ando com mais vontade de conversar com ele. Tenho descoberto que ele não é uma pessoa chata, pelo contrário, lá no fundo, bem lá no fundo, ele me parece ser realmente legal. Não que eu não percebesse isso quando brincávamos antigamente, na rua ou quando íamos a um bar. Mas, como minha avó dizia: você conhece uma pessoa mesmo quando você mora com ela, quando convive. Ele tem se preocupado comigo, também; preocupação era uma coisa que ele não tinha 5 meses atrás. Ele, ontem, até prometeu que voltaria cedo do pub. E ele voltou. Tremendo de frio, mas voltou. Emprestei meu carro a ele, mas ele alegou que minha vizinha estacionou na minha vaga e ele precisou estacionar na esquina e veio andando a pé. Bom, meu guarda-chuva vive dentro do carro e as vagas dentro do prédio são contadas, por mais que a vizinha estacionasse na minha vaga... Eu poderia estacionar na dela. Deixei isso quieto, eu não queria brigar com ele, e estava precisando mesmo de um banho por estar muito molhado.
Depois faltou luz e precisamos ficar na varanda. E, novamente, sua preocupação me fez sentir importante. Não que isso seja grande coisa, mas eu sentia que era especial, já que ele não se ligava nisso antes. Seus braços eram tão aconchegantes, que eu acabei dormindo com seu sorriso (que eu comecei a notar que era estonteante, veja bem, seus dentes são brancos e certinhos) em mente.
-
[EDITADO] Tá ok, eu gostaria de consultar alguém que não fosse minha amiga para me explicar o que significa essas coisas no estômago, que sobe pelo peito e parece que vai sair pela boca, mas que fica somente no coração. É uma coisa tão gostosa, mas que nunca senti, ou que nunca fui capaz de perceber. O que me assusta é que sinto somente quando está próximo, muito próximo. Ou quando eu consigo olhar em seus olhos profundamente, ou quando seus lábios me chamam para um beijo novamente; quando eu sinto sua respiração em meu nariz ou misturando-se com a minha, quando ele me aperta a mão, ou arranha minha nuca. Eu tenho medo de tomar decisões precipitadas, e mais: ele sente essas mesmas coisas?
Tenho receio de estar sendo patética, de estar vendo o que eu quero ver e não o que existe. Não, isso não tem nada a ver com ser mãe solteira. Tudo que um marido pode fazer, eu sei que eu posso fazer e tenho a sensação de que faço melhor. Mas essa de sentir mão suada e arrepios com o timbre de voz muito perto do ouvido é coisa de menininha, e, ow! Eu já passo dos vinte e nunca senti essas coisas. Agora que meu corpo vai achar de reagir? Logo com uma pessoa enigmática como o ?
Não tenho explicações para o quase beijo que aconteceu no banheiro. Meu corpo pedia, mas minha coragem não deixava. E, apesar de não ter encostado em seus lábios, eu lembro que minha respiração ofegava só de estar perto. Na hora não temos nem noção do que estamos fazendo, mas agora, depois de refletir, eu começo a achar que isso se chama desejo.
[/EDITADO]
-
[EDITADO 2]Mais uma observação aqui: eu preciso de um psicólogo para me fazer entender porque eu senti coisas mais que especiais noite passada. É, eu e transamos. Esquece o psicólogo. Não posso me consultar se eu não consigo contar isso nem para minha amiga. Era como se fosse a primeira transa, tinha um desejo recíproco ali. Era mais que uma vontade de fazer sexo, era vontade de lhe fazer carinho e receber carinho; era algo em especial, que eu não consigo explicar. Eu vou deixar o tempo me mostrar se o que eu sinto faz sentido ou não.
Eu preciso lembrar de apagar essa última observação.
[/EDITADO 2]


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Novembro, 2008


Esse foi o mês mais confuso da minha vida. Primeiro, após acordamos na mesma cama, se assusta quando percebe que estamos nus. Ele não sabe, e nem nunca vai saber, mas, naquele momento, senti-me a pessoa mais terrível do mundo. Eu esperei ele sair do banheiro para perguntar se estava tudo bem. E ele me disse que era para eu nunca mais deixá-lo fazer 'aquilo'. Tentei me recordar, mas não me lembro de ele ter bebido. Então fiquei confusa e furiosa, por achar que se fizemos, não era só a minha vontade que estava imposta ali; eu não o forcei a nada e, pelo o que eu lembro, ele quem começou a me provocar, mostrando-me que eu poderia me entregar, porque ele queria do mesmo modo que eu. E, novamente, estava eu chateada, tornando-me uma pessoa chata e sem palavras. Cheguei em casa mais cedo e foquei na minha pesquisa sobre adesivos 'cheios de vida' como minha cliente queria [que eu acho ridículo], e quando ouvi a porta abrindo, confesso que senti novamente meu estômago me lembrando que eu estava nervosa.
Tentei continuar com a cara no notebook, achando os mais variáveis adesivos, cada um mais feio que o outro, até que a babá decidiu soltar uma piadinha sobre a comida de . Bom, eu ri por educação; na verdade, eu não estava prestando muita atenção no que ela disse. Lembro de ter dito algo sobre cumplicidade para mim, mas eu não entendi muito e nem me dei ao trabalho de entender. Quando a babá foi embora, eu acenei um pouco distante, e assim que a porta bateu, a voz de me fez acordar. Ele quis saber por que eu estava tão quieta e não conversei com ele nenhuma vez. Tudo bem que eu senti vontade de sorrir por
achar que ele queria conversar, agora, sempre comigo. Mas nada acalmava meu sangue borbulhando. Fechei o notebook e ele já devia saber que quando deixo uma coisa de lado e olho nos olhos, eu estou falando muito sério. Resumi, sem cerimônias, o que estava acontecendo e o quanto minha cabeça estava confusa. Ele disse que o segredo que ele queria me mostrar era o beijo que ele queria que acontecesse faz tempo. E senti vontade de sorrir de novo, mas nem deu tempo, já que em segundos ele disse que a transa foi uma consequência que ele não queria que se repetisse. Senti-me terrível novamente, como se a transa não significasse nada para ele, como se 'fizemos ou não, tanto faz'. Eu esperei por um momento, na esperança dele dizer que ele estava errado ou enganado, que não era exatamente aquilo que ele queria dizer... Mas não, ele não disse nada.
Respondi qualquer coisa e voltei ao meu trabalho, tentando esquecer que ele estava ali.

-


Fiquei mais velha ontem, e não tive tempo de escrever já que decidiu dormir ao meu lado. Sim, eu estava brigada com ele até a manhã de ontem. Mas ele resolveu me fazer uma festa surpresa. Vamos refletir: podia parecer que era interesse da parte dele, fazendo uma coisa dessas depois de ter dito o que disse, mas vamos aos pontos positivos: primeiro que desde que o conheço por gente, ele não é do tipo criativo; segundo, que poderia ser a forma mais fácil que ele achou de pedir desculpas, terceiro que eu amei aquilo tudo. Ele tentou, e eu sabia o quão receoso ele estava por dentro; além de seus olhos me dizerem isso, eu estava começando a entender o cara que morava comigo.
E também estava começando a perder o controle quando ele estava bem perto. Eu o questionei por que ele estava com aquela cara triste, apesar de ter preparado uma festinha surpresa e jantarzinho com minha comida favorita e eu memorizei bem sua resposta:
'Nem eu consigo entender, quanto mais te explicar.'
Lembro de ter sorrido por dentro por ele ter dito exatamente o que eu queria dizer; eu estava no mesmo barco que ele. Ele disse que eu ter gostado do que ele preparou, o fazia feliz. E foi ai que eu perdi o controle quando ele me beijou. Eu esqueci completamente o que ele havia me pedido um dia antes: para não deixá-lo fazer novamente, e eu não deixaria se eu estivesse pensando racionalmente. Seu gosto era tão viciante, que por mais que um lado do cérebro me dissesse que eu deveria me afastar, o outro lado não queria soltá-lo.
Mas, por sorte, ele mesmo cortou o beijo, dizendo que deveríamos dormir. Eu concordei, entorpecida com aquilo tudo e fui trocar de roupa, tentando ignorá-lo ali antes que eu perdesse o controle. E então ele decidiu deitar em meu lado. Eu queria ali, mas eu perguntei se ele tinha certeza do que estava fazendo. Eu não queria, que, mais uma vez, ele acordasse e desse um grito de mulherzinha no dia seguinte, mesmo que dessa vez não rolasse nada.

-


Eu não quero comentar sobre as músicas que decidimos mostrar um para o outro. Isso foi extremamente confuso, então deixarei para refletir e aí sim, vou expor o que penso. O que importa agora é a confusão que duas coisas me causaram: achei a pulseira que tinha dito que não havia visto no meio das roupas dele. Devia estar dentro do bolso de alguma das calças. Eu tentei me controlar, apesar de ter me sentido extremamente furiosa por ele ter mentido para mim. Mas o que me causou um impacto maior foi descobrir que a pulseira era da Jane. Ele me explicou que foi no dia em que eu havia emprestado o carro e que deu carona à Jane e a pulseira dela caiu. Na boa? Não acreditei nisso, tinha alguma coisa muito mal contada aí. Deixei para pensar depois e entreguei a pulseira a ele. que entregasse a ela.
Fui para a sala e Jane me parou, perguntando se eu poderia repor o dinheiro que havia faltado. Ah, claro. O dinheiro. Eu tinha me esquecido disso. Eu perguntei quanto era, e uma onda de desgosto passou por meu corpo quando ela disse que eram 200. Exatamente a quantia que deixou no meu criado-mudo alguns dias atrás. Tentei manter a postura e lhe disse que iria repor. Fui para o banheiro com duas coisas na cabeça: a tal pulseira e o dinheiro do criado-mudo, então quando eu estava indo para o quarto, estava na sala, e me olhou com os olhos arregalados. Quando eu lhe perguntei de onde ele havia tirado o dinheiro, eu quis voar no pescoço dele quando me disse que foi do trabalho.
Fui ao aeroporto buscar Grace tentando esquecer os últimos acontecimentos. Na verdade, eu fui mesmo para esquecer. Grace era o tipo de pessoa que você precisa manter longe para não se irritar. Suas palavras soam invejosas, às vezes, e por um tempo eu pensei que ela não fosse lá tão minha amiga, embora ela me quisesse sempre por perto.
Eu fingi não ver a troca de olhares entre ela e Robert quando eu disse que eu havia conseguido adotar. Voltei para casa, por um lado estranhando que ela não quis prolongar minha ida, já que ela sempre arranjava um jeito de ficarmos mais tempos juntas. 'Robert deveria estar de plantão à noite', pensei. E do outro lado eu agradecia, já que eu estava louca para chegar em casa, tomar meu banho e refletir em paz.
Mas, não sei como estou conseguindo escrever, ao chegar em casa, eu tive mais um problema para refletir e, como os outros, isso incluía : ele e Jane na cama tendo relações. Com certeza, é uma das cenas que eu não vou conseguir esquecer tão facilmente.
E, como flashes, cinco cenas vieram em minha cabeça:
1) Ele me perguntando se pedir para não contratar a babá era em vão, sendo que ele tinha visto a foto da provável babá;
2) Quando me ligou enquanto eu ia de encontro a ela, dizendo que era para colocar mais uma mesa para ela; Ele não me respondeu quando eu perguntei o motivo de sua preocupação;
3) Quando eu estava no carro, levando a babá para conhecer o apartamento e vi escrito '' no visor no celular dela;
4) se engasgando quando perguntei de onde eles se conheciam;
5) dizendo que encontrou com a babá e deu carona a ela quando eu achei a pulseira dela no meio das coisas de dele.
Bingo!




Flashback
3 anos atrás.

Ele estava sentado no sofá, seus pensamentos o torturavam, ele sabia o que o esperava. Sua mochila sobre a cama já estava feita, mesmo com uma vontade imensa de desfazê-la toda e ficar, mas sabia que não era o certo, já que ele tinha certeza de que o expulsaria dali o quanto antes. O sentimento de culpa estava preso em seu corpo e ele não podia fazer nada quanto isso. Ele sabia que um dia isso iria acontecer, mas se sentir um fracasso era a pior parte para ele. Sentia um enorme buraco no estômago e um nó terrível na garganta, quando sua maior vontade era a de chorar; chorar de raiva de si mesmo. Ele não conseguia entender como foi tão insano em deixar acontecer perto de casa, como foi tão bobo em achar que ela nunca descobriria. Para os outros poderia ser nada demais, mas somente ele sabia o quanto era horrível ter um vício daquele. Era uma coisa suja.
A campainha tocou e isso o tirou do transe. Seus olhos foram até o relógio do DVD: quase dez da noite.
Levantou, um pouco tranquilo por saber que não era , já que ela não tocaria a campanhia.
Quando abriu a porta, seus olhos pareciam esbugalhar.
- Como você se atreve a vir aqui? - ele quis saber, ainda com a mão na maçaneta. Jane ignorou sua pergunta, adentrando o apartamento com os olhos de em suas costas. Ele não conseguia entender como ela havia conseguido subir. Ah, claro. não devia ter dito ao porteiro que ela não trabalhava mais lá. - Eu te fiz uma pergunta, garota! - estava impaciente com sua petulância em entrar sem ser convidada, mas, mesmo assim, ele fechou a porta. Jane rolou os olhos, virando para ele com os braços cruzados.
- Deixa de ser mal agradecido, eu vim saber como você está! - ela tentou controlar a voz, mas esta saiu mais alto do que ela pretendia.
- Sua preocupação não me interessa - ele cruzou os braços também, encarando-a irritado.
- Você fala como se só eu tivesse culpa, né?! Eu sou culpada, mas você também, - ela gesticulava, controlando a vontade de avançar nele por sua cara de deboche estar irritando-a.
- Já disse tudo o que queria? Então pode ir. - ele virou levemente para o lado, apontando a porta com uma das mãos. Ela suspirou fechando os olhos e tentou controlar sua ira.
- Eu sei que você é grosso, mas, nesse momento, você não precisa mostrar esse teu lado. - ela dizia, porém calma agora. - Eu vi que ela descobriu que você pega prostitutas. Eu estava no pub do outro lado da rua, aquele que fomos da última vez. - ela suspirou cansada, realmente querendo que ele entendesse que ela não foi lá para provocá-lo.
engoliu em seco por lembrar dessa tal última vez que haviam ido ao pub. Foi aí seu desleixo em não contar para que iria num pub perto de casa e que, portanto, não precisaria dirigir; desleixo de levar a babá para o carro, ter rolado algo mais que apenas beijos dentro deste e não ter visto a pulseira dela cair. Nem ela viu.
- Tudo bem, desculpa. - ele se deu por vencido, soltando o ar preso nos pulmões por lembrar desse tal dia. - Jane, eu estraguei tudo. - ele dizia, enquanto caminhava cabisbaixo, um pouco mais calmo, para o sofá, sentando-se lá com o olhar de Jane em suas costas.
- Vamos, . - ela tentava animá-lo, sentando-se ao seu lado - Você sabe que isso não é culpa inteiramente sua...
- Claro que é! - ele a olhou, tentando mostrar de que ele estava certo. - Eu não sei me controlar, Jane, ela nunca vai entender nem me perdoar por isso. - sua voz sumia aos poucos. Sentiu uma pequena pontada no peito por suas últimas palavras.
- Bom, não sei se vai te ajudar, mas... Eu tenho culpa também por ela ter descoberto... Sobre nós. - ela olhava o nada, sentindo-se um pouco culpada, também. Mas isso não era nem 10% do que o outro ao seu lado estava sentindo. - Sei lá, eu devia ter tentado te parar, ou, sei lá, contado a ela. - rapidamente ele a olhou.
- Está louca?! - ele estava incrédulo com aquela ideia. - Ela teria te demitido e me expulsado de casa. - Jane o olhou descrente.
- Então a gente só adiantaria o que acabou acontecendo, né? - ela entortou os lábios e, mesmo contra vontade, ele concordou, voltando seu olhar para os dedos sobre as pernas. Ela continuou, fitando o nada: - Então, a única saída era ter fugido de você, mas, mesmo sabendo, eu continuei... - ambos suspiraram juntamente. - Sério, me desculpa mesmo... Eu não queria causar tudo isso. O meu caso era igual ao teu: diversão, só isso. - ela encostou-se ao sofá, na mesma posição que ele estava. - E agora, o que vai fazer? - ela o olhou de lado.
- Não sei... Vou esperar ela chegar e... Droga, vou contar a ela o... Meu problema. - ele disse, num sussurro, mas se amaldiçoando por dentro.
- Você acha que ela já desconfiava, hm, de alguma coisa? - ela perguntou receosa, mas querendo saber a opinião dele sobre isso.
- Nem diga uma coisa dessas! - ele a olhou assustado, tentando se convencer de que não, ela não desconfiava de nada. - Já basta ela ter encontrado as coisas do Ben no chão quando tentamos daquela vez. - seu tom de voz sumia vagarosamente e a cada palavra ele se sentia cada vez mais culpado. - E, bom, seu vestido amassado e minha calça deram muito sinal, mas... Acho que ela não desconfiou. - ele voltou seu olhar para baixo, balançando as pernas freneticamente. - Acho que ela diria...
- É, essa tua ideia de fingir que a gente se odeia não deu muito certo. - ambos riram fraco, mas logo ela retomou seu tom sério. - Posso te fazer uma outra pergunta? - ela quis saber e aquilo o assustou de início, mas ele deixou que ela continuasse. Assentiu. - O dinheiro que estava faltando no envelope... Foi você quem pegou, não foi? - vagarosamente, ele a olhou, engolindo em seco. Tentou buscar alguma pista do que dizer a ela em seus olhos, mas eles só lhe demonstravam curiosidade, os lábios levemente tortos. Voltou seu olhar para baixo, mas respondeu num sussurro:
- Foi.
- Sabia! - ela bateu com a mão na perna, fazendo-o olhar assustado para ela.
- Como sabia? - ele uniu as sobrancelhas, confuso.
- , as mulheres podem ter todas as evidencias, mas elas vão sempre esperar que vocês confessem... Eu ouvi quando a te perguntou de onde você havia tirado o dinheiro que você colocou em cima do criado-mudo... Eu estava no quarto do Bernardo, dava para ouvir, só não ouvi sua resposta, mas isso foi o suficiente... Você mesmo me disse que o que você ganhava quase não dava pra nada. - ela entortou os lábios novamente, sentindo um pouco de dó do cara que a fitava com o semblante cada vez mais triste.
- Eu não acredito que uma garota de 19 anos está me dizendo isso. - ele riu de leve junto a ela, balançando a cabeça negativamente.
- Para onde você vai, agora? - ela permanecia com a cabeça encostada, apenas o olhava de lado.
- Sei lá, vou ver com meus amigos se posso ficar por lá. - ele deu de ombros, sem nem raciocinar direito.
- Seja o que for, boa sorte. - ela se levantou, sendo seguida pelo olhar de .
- Mas por que se deu ao trabalho de vir aqui me dizer tudo isso? - ele quis saber, ainda perplexo, seu olhar sobre ela.
- Ah, sei lá, . Apesar de termos transado só algumas vezes sem compromisso, você é grosso, mas não é uma pessoa ruim... Sei lá, acho que você não merecia isso. E se você está desse jeito por ela... Bom, você deve respeitar muito a . - ela sorria, apesar das palavras sinceras. - Eu te conheço há pouco tempo, mas você tem seus motivos, . Não se culpe tanto, eu sei que você não fez por mal. - sorriu fraco de novo, recebendo o mesmo de . - Tchau, . Boa sorte, e até qualquer dia. - ele acenou para ela, com a mínima vontade de levantar para abrir a porta. Ela já sabia o caminho, não precisava ser cavalheiro agora.

Fim do Flashback



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Dezembro, 2008

Honestidade era tudo o que eu sempre quis que você me mostrasse e tudo que eu sempre precisei // Agora você está longe de mim // E como isto foi acontecer depois de tanto tempo? // Finalmente, se pudermos ter um tempo para conversar... // Você não vê que nós não temos tempo para desperdiçar nossas vidas? // E eu não tenho todas as respostas // Então eu fecho meus olhos // E espero estar fazendo a coisa certa.
Você e eu // Na sua cabeça, sempre seríamos felizes // Portanto, agora não somos nada mais do que apenas uma memória // Então limpe essas lágrimas e seja forte // Hesito em dizer o que eu estou sentindo // Baby, eu tenho medo de dizer.


PS.: Lembrar de terminar essa música.


Depois de muito tempo, eu tomei coragem para escrever alguma coisa aqui. Não quero que eu perca esse costume, escrever para mim é uma das melhores coisas do mundo e então não quero que esse momento da minha vida passe em branco, mesmo eu desejando que tudo não passe de um sonho.
Eu descobri que estou grávida e, bom, o filho só pode ser dele. Eu, na verdade, não esperava por isso. Eu lembrei sim da camisinha, confesso. Mas, pra mim, eu não poderia engravidar. Sei que me arrisquei, poderia pegar outras doenças, mas experimenta ter relações com um cara como ele sem perder o juízo. É difícil, é muito difícil.
Eu havia perdoado pela transa no meu quarto, ele não tinha compromisso comigo então ele poderia ter relações com a garota que quisesse e eu não poderia lhe cobrar explicações. De certa forma, ele não tinha culpa pelo o que eu estava sentindo. Mas acontece que agora, ele está longe. Ele não mora mais aqui. Eu estou completamente perdida, eu já não sei o que fazer sem ele e eu não esperava por isso. Eu não esperava sentir tanta falta dele, eu não esperava sentir uma dor imensa aqui dentro, eu não esperava que teria de passar o Natal sem ele e eu não esperava que isso fizesse diferença. Ele me disse coisas que eu prefiro deixar só na minha cabeça, mas que parece que me tocou, que me fez vê-lo de forma diferente. Ele disse coisas sobre sentir algo que o controlava e o impulsionava; disse sobre uma dor que sentia, que eu acredito que seja a mesma dor que eu sinto nesse exato momento, como se eu perdesse uma parte de mim; falou sobre sua compulsão sexual, uma doença que eu nunca havia ouvido falar, mas que me fez pesquisar sobre ela. Eu descobri que, assim como a minha doença no ovário, a doença dele causa efeitos que pode ser o que não é esperado por você. Descobri que Compulsão Sexual tem tratamento e consegui entender que, como o nome diz, a pessoa faz por simples vontade de fazer, não pelo ato em si. Ela não consegue controlar e não entende de onde surge esse desejo de repente.
Ontem eu pensei comigo mesma que se eu soubesse onde ele está, eu iria atrás. Eu fui completamente precipitada, não passou por minha cabeça que ele me enganava dizendo que iria a pubs por apenas vergonha de dizer que ele iria
'alimentar seu vício'. Ele trabalha na mesma empresa que eu, sei bem. Mas como eu pedi para trabalhar em casa por minha barriga começar a crescer, eu não tinha tempo para procurá-lo. Talvez fosse o destino, que não me quisesse tão próxima dele assim, mesmo meu corpo desejando o dele aqui.
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Maio, 2009


Aqui está a última folha do mês que minha filha nascerá. Escrevo como se fosse minha vontade de passar o tempo. Eu não tenho vontade nenhuma de comentar com ele sobre essa criatura que está crescendo dentro de mim, nem sei por que não tenho coragem de contar a ele que esse bebê também faz parte dele. Parece que o conheço o suficiente para saber que ele não reagiria da melhor forma ao saber que essa criança foi fruto de algo que ele nunca quis, de verdade; que aconteceu por ele não saber se controlar e não por vontade de ser pai, mesmo.
Deixei de escrever por vários dias aqui por falta de vontade e até preguiça, confesso. Mas, como se fosse instinto, sinto que minha filha pode nascer a qualquer momento, já tem 9 meses e minha barriga está gigante. Eu omiti o sexo de , disse-lhe que ainda não sabia, mas lá no fundo eu queria que ele me ajudasse a escolher um nome, tanto de menino quanto de menina. Eu queria ver seus olhos brilhando por saber que era menina, eu sabia que eles brilhariam. E quando minha filha nascer, eu lerei todos os livros de Conto de Fadas que nunca leram para mim, mas, assim como ensinei Bernardo que ele não voa como o Super-Homem e não escala como o Homem Aranha, vou ensiná-la que príncipes existem, sim. Mas não como nas histórias em que lerei a ela toda a noite. Ele existe, e está esperando por ela, um dia. Vou lhe dizer que ele, o príncipe, não precisa se vestir sempre formalmente, ele não precisa ser o homem mais bonito do mundo. Não, necessariamente, precisa ter um carro ou um cavalo branco, ou uma espada. O príncipe encantado pode até magoá-la, machucá-la no início sem você entender o motivo, mas depois ele se arrepende, te pede desculpas e, como promessa, te diz fazer as coisas certas dessa vez. E cumpre com a promessa. Ela poderá perdoá-lo, se souber que é de coração, porque seu príncipe terá defeitos também, assim como ela. Ele não precisa dizer que a ama a todo instante, não; se ele
provar que a ama, ela sempre poderá confiar nele. Ele não vai aparecer do nada, nem será fácil conquistá-lo. Vou lhe mostrar que nem sempre tudo vai dar certo, porque a princesa e o príncipe podem ser o casal mais perfeito do mundo, mas são diferentes, ao mesmo tempo. Eles, simplesmente, se completam, mesmo que demore bastante tempo para perceber isso. E se no final da minha explicação ela perguntar se um dia eu encontrei um príncipe, eu vou responder sorrindo que encontrei depois muito tempo, mesmo sem sequer procurá-lo. Vou contar que ele estava comigo desde pequena, brincando nos parques da cidade, só que nunca percebi que seria ele. E se ela perguntar quem é, vou lhe dizer que ela pode continuar chamando-o orgulhosamente de pai.

Capítulo 13


Quando é para acontecer, tempo e distância não conseguem destruir.


tinha cabeça baixa, relendo alguns trechos milhões de vezes, enquanto andava de um lado para o outro com um cigarro aceso entre os dedos. O quarto estava escuro, dando um ar mais dramático do que o necessário. Jane distraia as crianças na sala, embora fosse quase a hora de dormir. , ao lado de , tinha os olhos no diário, ansiosa.
- Pega uma caneta. - ela mostrou a ele que já segurava uma - Anota o que eu vou dizer - pediu e ela assentiu, pegando uma outra folha sobre a cama.
Ela deu sinal de que ele poderia começar, então ele ditou. Ela escreveu da seguinte forma:
1) Paul é o advogado; ele tem dois escritórios, aparentemente. Um deles fica na segunda rua à direita após a Starbucks, perto do shopping principal.
2) Grace é uma amiga;
3) Robert deve ser amigo ou marido de Grace, e deve ser um médico ou enfermeiro;
4) Divórcio pode afetar a adoção;
- Deve ter mais alguma pista, não é possível - dizia, apreensiva, enquanto mordia a tampa da caneta.
- Mas não consigo achar mais nada agora - ainda tinha seus olhos sobre as folhas em suas mãos. Ele suava, sua mente estava cansada de tanto ler. - ? - chamou, levando seus olhos até o amigo, que parou de andar pra lá e pra cá para olhá-lo. Seus olhos distantes, numa mistura de tristes e ansiosos. - O que acha de irmos lá nesse escritório amanhã? - ele quis saber, um pouco receoso em relação à reação do amigo. Ele baixou os olhos, contorceu o rosto. Não sabia se seria uma boa ideia, não sabia o que poderia encontrar lá.
- E se... A gente não encontrá-la? E se lá não for um escritório ou se não der certo?
- Por que você está tão inseguro, ? - levantou com um suspiro. Aproximou-se, sendo seguido pelo o olhar de atentamente. - Cara, - ele pos uma mão no ombro dele - só vamos saber se tentarmos. E se a estiver correndo perigo e você não sabe? Tem muita coisa estranha - ele tinha calma, apesar de estar louco para ir para casa e deitar em sua cama.
- É, tem razão - ele concordou, baixando seus olhos novamente com um suspiro. - Amanhã eu tenho uma palestra, não posso faltar - ele deu uma tragada no cigarro, consultando sua agenda mentalmente. - Hm, - levantou seus olhos novamente para , enquanto este relaxava o braço ao lado do corpo - você e poderiam ir enquanto Jane fica com as crianças?
- Por mim tudo bem - ouviu-se a voz de . - Contanto que seja depois das cinco - ela sorriu sentada sobre a cama.
- Então, beleza. Amanhã aqui, às cinco.

Cansado do dia, Bernardo já havia adormecido. Não cantou para sua irmã essa noite, mas ela já dormia no sofá também.
Jane colocou primeiro Ben na cama. Em seguida Lauren, e enquanto a tinha no colo, a olhou com um sorriso, achando incrível como Lauren era parecida com .
Quando estava voltando à sala para apanhar sua bolsa deixada sobre o sofá, os outros três saiam do quarto de , fazendo-a sorrir.
- E ai, novidades? - ela quis saber, mas virando-se para o sofá para continuar a fazer o que faria antes.
- Te contamos no caminho - sorria para ela, torcendo para que esta entendesse aquele olhar que ela lhe lançava. Sabia que precisava descansar, então prefeririam ir embora.
- Está ok, então - ela sorriu de lado, ajeitando a bolsa no ombro.
Foi até a porta junto aos outros e saíram, enquanto apagava seu cigarro no lugar apropriado sobre a bancada.
- Tchau, - Jane se despediu junto a e e então foram para o elevador, enquanto ele fechava a porta com um sorriso triste.
Deu um suspiro longo e profundo, passando a mão no rosto com a esperança que sua agonia e tristeza desaparecesse. Sentou-se no sofá e pensou por alguns minutos. Obviamente, pensava em Lauren. Como nunca desconfiou de que ela era sua filha? Como nunca passou por sua cabeça que Paul era advogado e como nunca pensou na possibilidade de ela sentir por ele exatamente o que ele sentia por ela?
Agora ele sentia-se arrasado por dentro, culpava-se por pensar uma vez que ela fosse culpada de tudo, que ela teria fugido, que ela teria o abandonado. No diário estava mais do que claro que ela nunca faria isso.
Estava tão confuso, aquilo voltou à tona. Mas no fundo ele sabia que esse era seu maior medo: acabar descobrindo algo que o faria voltar a refletir sobre , algo que já estava quase cicatrizado dentro dele.
Sem ter muito controle das pernas, ele levantou-se e foi ao quarto das crianças. Ansiava por vê-las novamente.
Abriu a porta com cautela, embora suas mãos estivessem um pouco trêmulas e pôs a cabeça para dentro. Bernardo e Lauren dormiam tranquilamente. Não sabia explicar, mas seus olhos permaneceram sobre Lauren sem ele perceber, então adentrou o quarto com o mesmo cuidado para não fazer barulho e fechou a porta. A única luz ali era a que adentrava pelas frestas da cortina que ainda iluminavam a cidade lá fora.
Ele se aproximou da cama de Lauren, ao lado esquerdo do quarto, onde era o berço de Bernardo antigamente, e sentou-se com pernas cruzadas no chão frio. Ele podia vê-la perfeitamente, já que a cama era baixa, para que ela pudesse subir sozinha e sem problemas. Lauren dormia exatamente como a mãe dela costumava dormir: de lado, uma das mãos sob a cabeça e a outra entre as pernas.
Ele ficou olhando-a por minutos que pareciam segundos, sentindo seu coração acalmar-se aos poucos. Seus cabelos ralos caiam por sua testa e ele parecia ver um sorriso nos lábios pequenos e rosados.
Um pouco receoso, ele levou as mãos até os cabelos dela, querendo senti-la, agora, pela primeira vez após saber que era sua filha.
Quando seus dedos quentes tocou em seus fios, ele sentiu o corpo arrepiar. Era seu psicológico, ele sabia. Mas sorriu com isso.
Ele soltou um suspiro, quase reprimido por medo de acordá-la.
- Mesmo se você estivesse me ouvindo, eu sei que não ia entender nem metade do que eu queria que entendesse... - mordeu o lábio, ainda com um súbito medo correndo em suas veias. - Me desculpa... Pela minha reação - piscou algumas vezes, antes de continuar: - Aliás... Me desculpa pelo o que eu disse - lembrou-se da vez em que brigou com , onde ela lhe disse que o que chateava eram as palavras. Prosseguiu, com a voz baixa e arrastada: - Sabe, faz três anos que não sabemos da sua mãe e parece que eu ainda não sei lidar com vocês, eu ainda não me acostumei. Eu tenho medo de estar sendo um péssimo pai, Lauren - sua voz saia num sussurro, falha e lenta, quase trêmula enquanto suas mãos acariciavam os cabelos daquela que parecia estar num sono profundo. - Aliás, vou te confessar uma coisa: eu nunca quis ser pai - riu baixo, achando essa situação irônica - É, eu sempre gostei de beber, sair por aí sem ter hora pra voltar, sabe, filha, mas... Sua mãe me mostrou que existe coisa melhor do que isso, que é ter pessoas que estão sempre comigo, que pode até ser que a gente brigue, que nos xinguemos de vez em quando e que tenha vontade que elas sumam. Mas que você não imagina sem - ele riu fraco, bem baixo. - Eu não sei de onde estão saindo essas palavras, sua mãe me deixou meloso demais - ele baixou os olhos, tentando se lembrar de alguma imagem dela. - Ela era tão parecida com você... - suspirou, fitando cada traço da pequena menina. - Mas vou ser sincero: você me parece ser mais carinhosa do que ela. Sua mãe era estressada e braba. Ela vivia brigando comigo, sabe? - parou um instante e refletiu, dando de ombros. - Tudo bem, eu aprontei muito, também - riu fraco novamente, ainda acariciando os cabelos de Lauren - Era muito difícil eu ver um sorriso no rosto dela. Mas quando eu via, era como se não existisse nada melhor do que aquilo, sabe? Eu acho que essa era a graça de nunca vê-la sorrindo: eu nunca sabia quando ela ia sorrir de novo e isso me motivava a querer fazer sorrir - ele sorriu consigo mesmo, fechando os olhos quando conseguiu reconstituir o rosto dela na lembrança. Mas abriu os olhos rapidamente. - Ah, esse era o nome dela: - ele continuava a sorrir, mas ele pôde ver os olhos de Lauren mexerem-se rapidamente, mesmo com a quase escuridão, fazendo-o inclinar um pouco a cabeça, mais para baixo, e paralisar suas mãos. Ele soltou uma risada pelo nariz ao perceber que ela estava acordada, apenas forçava os olhos a ficarem fechados. - Te acordei, não foi? - ele perguntou, não esperando resposta; foi impulsivamente. Mas ela abriu um olho, depois o outro, fazendo-o sorrir e tirar a mão de seus cabelos.
- Pai, essa história você nunca me contou - ela reclamou, ajeitando-se para olhá-lo nos olhos.
- Um dia eu te conto detalhadamente. Agora você tem que dormir. Amanhã você acorda cedo e papai também - ele dizia, preparando-se para levantar, mas foi interrompido:
- Promete? - ela quis saber, entortando os lábios.
- Prometo. Assim eu conto para seu irmão também - sorriu, inclinando-se para dar um beijo na testa dela. - Boa noite, Lauren.

***


Restaurante, 4h35 da tarde:

Após sair da creche para resolver com os outros professores o que seria no dia seguinte, ela enrolou seus cabelos ruivos num coque e pôs sua bolsa no ombro, caminhando para um restaurante que ela estava acostumada a comer, já que ficava perto de onde trabalhava agora. Mas este estava lotado, fazendo-a murchar por dentro e por fora. Não que ela estivesse atrasada, mas sua fome fazia seu estômago revirar.
Dentre tantas lanchonetes e restaurantes na Avenida principal, ela procurou por um que não estivesse cheio e que ela pudesse comer em paz.
Finalizando sua procura, ela sorriu com ela mesma por encontrar um restaurante aparentemente requintado, que sua especialidade era Macarronada. Era justamente o que faltava para ela escolher aquele restaurante.
Adentrou o estabelecimento ainda sorrindo de orelha a orelha e então sentou-se numa das mesas próximo a entrada, onde não tinha janelas, nem paredes de concreto; era um grande vidro, onde você podia ver perfeitamente o movimento caótico da rua.
Chamou o garçom e pediu sua macarronada favorita após olhar o cardápio.
Como não havia absolutamente nada para fazer, ela continuou fitando o movimento apressado e estressante das pessoas ao lado de fora, mas ela não se incomodava, nem aquilo a atingia. Depois que saiu do hospital, ela tinha consciência de que estava muito mais calma, não tinha problema algum para resolver, apesar de sempre achar que estava sentindo falta de alguma coisa. Talvez de algumas pessoas.
Seu pedido foi entregue à mesa, fazendo-a sorrir para o garçom e engolir em seco por sentir tão próximo o cheiro daquele tempeiro.
Após o homem jovem de aparência boa se afastar, ela abriu os pacotes que acompanhavam o prato para salpicar sobre a macarronada e então provou a primeira colherada.
Mastigou bem, querendo saber se ela estava achando aquele tempero uma delícia, ou se era efeito da fome que a fazia querer comer mais daquilo.
- Gente, que delícia! - ela disse a si mesma, fitando o prato com intensidade, levando em seguida mais uma garfada à boca.
Estava tão bom que ela conseguiu terminar de comer em pouco tempo. Não que macarrão fosse uma comida que precisasse comer lentamente, mastigando cuidadosamente cada pedaço; mas ela comeu mais rápido que uma pessoa normal comeria aquele prato.
Gostou tanto, que pensou seriamente em duas coisas:
A primeira, que aquele restaurante bem decorado e aconchegante entraria para sua lista de restaurantes de favoritos, a partir de então;
A segunda, é que ela chamaria o Chefe de Cozinha para parabenizá-lo pelo ótimo trabalho.

Starbucks, próximo ao shopping principal. 5h23 da tarde:

Andavam tão rapidamente que esqueciam que tinham um ao outro ali para conversar. Era visível a ansiedade estampada na cara de e , apesar de não ter ligação alguma com ; ele fazia isso pelo amigo.
Pararam em frente a um prédio, na segunda rua após a Starbucks, como descrito no diário. Ali tinham vários prédios e então se entreolharam, suspirando.
- E agora? Como vamos descobrir qual deles tem um escritório de Advocacia? - quis saber um pouco triste, achando que não seria dessa vez que encontrariam uma pista.
- Calma, vamos perguntar - ele respondeu animado, indo em direção à qualquer portaria. Avistou um segurança e foi até lá, correndo com atrás. - Ei, você pode me informar aonde fica um escritório de Advocacia?

Restaurante, 5h20:

- , - um homem, aparentando não mais que 40 anos apareceu, chamando atenção do homem - tem uma mulher lá fora que gostaria que você fosse até lá.
- Eu já vou - ele respondeu baixo, jogando a toalha que estava em seu ombro sobre a pia. - Espero que não seja para reclamar da comida - comentou, já saindo da enorme cozinha.
O homem lhe indicou a mesa e ele pôde avistar uma mulher de cabelos vermelhos com a cabeça baixa, procurando algo em sua bolsa.
Ele foi lá, respirando fundo. E então pôs sua mão sobre a mesa, chamando-lhe atenção.

Elevador do prédio indicado, 5h30:

- É esse o andar - comentou com , esperando pacientemente a porta abrir-se.
Saíram e então deram uma volta em torno de si e constataram que o andar era exclusivo para o escritório. Era um lugar pouco iluminado, mas com um balcão ao fundo, uma porta de vidro à direita, que não dava para enxergar para onde levava e algumas cadeiras aparentemente confortáveis de frente ao balcão. Foram direto a este, onde havia uma mulher de cabelos louros digitando algo em seu computador de tela LCD. Então ela notou que havia duas pessoas ali.
- Bom dia - ela disse automaticamente, sorrindo da mesma forma.
- Bom dia - sorriu de lado, com a mínima vontade de fazê-lo. - Esse escritório... - começou, demonstrando dúvida em suas palavras - só tem o Paul de advogado, ou podemos contratar outros? - o olhou de lado.
- Não. Este escritório pertence ao Paul, todos os assistentes trabalham para ele. São estagiários, normalmente. O que você gostaria? - ela continuava com a aparência robótica.
- Conversar com Paul - ele foi direto, com um tom de voz até óbvio, beirando ao arrogante. fechou o cenho, ainda encarando-o.
- Mas o senhor tem hora marcada? - não será necessário descrever o sorriso daquela atendente.
- Não - respondeu simplesmente.
- Somente com hora marcada, senhor - ela entristeceu o semblante.
- Será que amanhã ele pode me atender? - a loura assentiu, soltando um 'Espere um momento' baixo e voltando seu olhar para o monitor.
Lentamente, virou seu olhar para .
- O que foi? - ele perguntou, confuso, ao notar que ela o fuzilava.
- O que pensa que está fazendo?! O que vai conversar com esse cara? - ela perguntava em desespero, mas em sussurros, de modo que somente ele a escutasse.
Ele não teve tempo de responder, já que uma voz grave vinha do corredor gradativamente:
- Eu já disse que se ela morrer, a culpa pode vir pra cima de nós dois. Além do... - ele parou de dizer de repente ao chegar na recepção e notar que e estavam ali. Sorriu de lado para os dois que os encarava. - Olá?
- Oh, Paul! - a atendente virou para o homem rapidamente. Outra mulher permanecia quieta atrás de Paul - Eles gostariam de marcar um horário com você amanhã, pode ser?
- Qual o assunto? - ele ainda sorria de lado.
começou a gaguejar, mas foi mais rápido:
- Adoção - ele apoiou-se no balcão. - Eu e ela - apontou para , que o encarava incrédula - queremos adotar uma criança.

Restaurante, 5h22:

Lentamente, com um sorriso contagiante, ela levantou o rosto por ver que as mãos do provável Chefe estavam sobre a mesa.
Mas seu semblante fechou-se rapidamente numa expressão de medo. Apesar de o estômago estar revirando neste momento, ela não conseguia parar de olhá-lo.
- ... ? - ele sentia que suas pernas poderiam vacilar. Seus olhos estavam levemente marejados.
Ela sentia um medo dentro dela que ela não era capaz de explicar, apenas demonstrar através de seus olhos e sua face. Ele, ao mesmo tempo, queria tocá-la, saber se era real, mas estava confuso com aquela reação. tremia, ela tentava colocar sua mão dentro da bolsa, mas ela não tinha controle de seus dedos.
- ... - ele chamou novamente, levantando o braço para tocar seu rosto, mas ela se levantou, assustada, mas ainda com a mão dentro da bolsa, pronta para pegar qualquer nota que fosse superior ao que ela havia consumido. Automaticamente, ele recuou o braço. - Eu não estou en...
Ele calou-se de repente quando ela jogou uma nota sobre a mesa e saiu apressada. Impulsivamente, ele foi atrás.
- Hey, volta aqui! - ele chamou, enquanto ela já tinha saído, seus cabelos balançando devido ao vento ao lado de fora. Ela continuou a correr, na calçada, com o peito doendo e receando o que ele pudesse fazer.
Ele correu, até perdê-la de vista e sentir seus pulmões reclamando por falta de ar. Pôs suas mãos no joelho, tentando acalmar a respiração descompassada devido a corrida e por vê-la novamente depois de tanto tempo tão perto, tão real.

Seus olhos brilhavam tanto que sua visão estava embaçada, ela podia jurar que sentiu borboletas no estômago quando esteve perto daquele homem, mas agora que estava segura, ela estranhava aquela vontade de voltar e o olhar por mais tempo, apesar de já tê-lo visto por uma foto.
Quando percebeu, ela já estava no prédio onde ela se hospedava desde que saiu do coma. A imagem da boca daquele rapaz pronunciando seu nome permanecia em sua cabeça enquanto ela levava seu dedo trêmulo até o botão que chamava o elevador.
Andava de um lado para o outro, esperando, até que o barulho que anunciava que o elevador já havia chegado a alertou. Mas ao mesmo tempo em que ia para a entrada deste, ela já estava com o rosto baixo, olhando para dentro da bolsa em suas mãos, à procura do celular que começara a tocar.
- Se o meu marido descobre, , eu to fodida! - reclamava, saindo do elevador na frente, gesticulando enquanto continuava: - Me explica: qual o seu problema?! Como é que você me põe num negócio desses sem me consultar? - é óbvio que não prestava atenção nem nas vogais ditas por ela. Ele saia do elevador, mas foi cavalheiro em segurar a porta para a mulher de cabelos vermelhos que ainda procurava seu celular dentro da bolsa. Distraída e histérica, continuou andando, sem perceber que havia parado.
- Obrigada - percebendo o cavalheirismo, ela sussurrou, adentrando o elevador mesmo sem olhar para ele.
Sorriu em resposta e então soltou a porta. Levou seu olhar ao redor à procura de e notou que ela já estava lá na frente, falando com gestos, achando que ele estava caminhando ao lado dela, fazendo-o rir.
Dentro do elevador ela vibrou internamente quando achou seu celular, colocando-o na orelha rapidamente.
- Já estou chegando, Grace.

Grace esteve com ela o tempo todo, visitava todos os dias no hospital e servia como acompanhante.
Seu marido, Robert, também ficava de olho em , fazendo de tudo para mantê-la viva.
O cenário, agora, era um pequeno quarto dentro de um escritório com paredes brancas e decoração quase nula. se conformou com aquilo, já que, na sua cabeça, Grace não tinha nada melhor para lhe oferecer. Nem ela tinha nada de gratificante para dar a si mesma. Ou era isso, ou era isso.
Sentada sobre a cama de , Grace penteava seus cabelos como se penteasse os cabelos de uma princesa pequena e frágil, enquanto estava sentada num banco pequeno e forte, vestindo sua camisola branca de seda.
- E por que ninguém nunca me procurou? - ela quis saber, sentindo um aperto dentro do peito por achar que estava abandonada.
- Algumas pessoas são egoístas, . E eu não entendo porque ninguém da sua família veio te procurar... - Grace olhava fixamente os cabelos médios e recém pintados de . - Mas, veja, você tem a mim - ela sorriu de lado, mesmo que a amiga não visse esse sorriso gracioso, mas malicioso.
- Eu sei, mas eu ainda não entendo porque eu entrei em coma, também - estava com os olhos confusos pairando sobre o chão, escondendo seu semblante tristonho.
- Eu já te contei, . Foi num acidente de carro, quando íamos viajar - Grace dizia num tom cansado, já que lhe contara essa história mil vezes, antes.
- E essas pessoas das fotos que você mostrou? Você não me explicou porque elas são tão perigosas...
Com a última frase, Grace soltou um suspiro.
- O homem da foto era um amigo nosso. Como você passou muito tempo desacordada, receio que você não lembre de nada do que aconteceu e onde ele está envolvido - ela dizia e pôde sentir a voz da amiga trêmula, mas ignorou este fato, já que sua curiosidade em desvendar e relembrar o passado era muito maior.
- Eu, realmente, não consigo lembrar... Eu só... - parou um instante, contorcendo o rosto para tentar traduzir o que ela sentia.
Mas num súbito medo da reação da amiga, ela calou-se de repente.
- Olha, - suspirou - Para o seu bem, eu quero que você se mantenha longe desse cara - Grace disse num tom firme, fazendo a amiga assustar-se.
- Mas você não vai me contar o que ele fez de tão ruim? - ela queria poder adicionar à pergunta o que ela sentiu quando esteve com ele tão próximo. Ela sentiu dentro dela algo muito caloroso, mas que não foi mais forte que o medo, acovardando-a.
Cansada de tantas perguntas, Grace parou de penteá-la e rapidamente se levantou, pondo-se de joelhos de frente a .
- Ele é realmente perigoso, . Sua vida estaria em jogo se você se aproximasse dele - ela disse, ainda com as palavras firmes e decididas, como se tudo o que ela dissesse fosse verdade.
- O que ele tem de tão ruim? - ela ficava cada vez mais confusa e isso era perceptível tanto em seu olhar quanto em suas palavras quase mal pronunciadas.
Grace olhou para a esquerda e pensou. Se entendesse de sinais corporais, saberia perfeitamente que ela estava pensando numa mentira para contar a ela. Mas Grace sabia que a pessoa à sua frente não tinha lá tanta paciência, precisava ser rápida e convincente.
Ela soltou um suspiro, a aguardava.
- Ele abusou de você.
Capítulo 14


Eu nunca irei me acostumar com a sua ausência, e você não sabe o vazio que deixou em minha vida quando partiu sem ao menos avisar.

Andando distraído de carro, não percebeu que dois conhecidos caminhavam com o mesmo destino na calçada.
Perigoso, ele mal sabia, mas seu corpo funcionava em 'piloto automático', com os pensamentos na garota de cabelos meio vermelho e meio castanho que ele fitara e não conseguia esquecer desde então.
Apertou o botão que abria as portas da garagem e entrou, ainda com aquele semblante sério e distante.
Enquanto do outro lado da rua uma ainda tagarelava, mas não prestava atenção. Tanto é que a cortou, sem ao menos saber o que ela dizia:
- Ei, aquele não é o carro do ? - ele estava um pouco assustado, apontando para as portas da garagem que, agora, fechavam vagarosamente.
- Cadê?! - mas ela não conseguiu ver, pois demorou um pouco para assimilar o que ele disse, já que mudou de assunto de repente.
- Vamos lá - ele ainda tinha os olhos na garagem do prédio e então olhou para os dois lados, atravessando com pressa quando teve certeza de que não passaria nenhum carro.
foi atrás, entortando os lábios em tédio por ter sido ignorada. O porteiro, ao ver os dois se aproximando, tratou de abrir o portão que dava acesso ao prédio em si, já os conhecendo o suficiente para deixá-los subir sem avisar.
Cumprimentaram-se e foram para o elevador. Ela apertou o botão, enquanto ele já andava para um lado e para o outro, tentando achar uma desculpa decente para o encontro com Paul no dia seguinte.
Até que o elevador chegou, e junto com ele um adentrava o Hall, vindo da porta à esquerda, a qual dava acesso à garagem.
já se encontrava dentro do elevador, nem percebera a presença de ali.
- Que cara é essa? - , que ainda segurava a porta, olhando confuso para , quis saber.
Então ele levantou os olhos, que até então estavam no chão, e sorriu triste para . Engoliu em seco, antes de sussurrar:
- Eu a vi, - ele voltou a baixar os olhos.
- É o quê?! - deixou sua voz subir alguns décimos, colocando a cabeça para fora do elevador. Conseguiu chamar atenção somente de , que levantou a cabeça para olhá-la. continuava com os olhos presos no amigo.
- Como assim? Aonde? - ele estava curioso, mas fez gesto com a mão para que ele entrasse no elevador. Assim ele fez, fazendo com que chegasse para o canto, mas com o olhar curioso sobre .
- No restaurante - sussurrou. fechava a porta para que o elevador subisse. - Ela estava tão diferente, ela tinha os cabelos vermelhos, mas... O brilho no olhar era o mesmo, eu... Eu tentei correr atrás, mas ela parecia ter medo de mim. Medo, cara. De mim! - parecia dizer isso para ele mesmo, subindo o tom de voz às vezes, com alguns gestos.
e se entreolharam, estranhando aquilo tudo.
- Tem certeza, ? - tinha receio, mas a pergunta saiu num impulso.
- Absoluta... - ele não conseguia encarar os amigos, sua mente estava preocupada em memorizar seu rosto, embora este tenha lhe mostrado medo.
Novamente, os dois se entreolharam.
- O que ela estava fazendo no restaurante? - foi a vez de testar para ver se o amigo não estava tendo alucinações.
- Ela pediu para chamar o Chefe de Cozinha... - começou enquanto abria a porta do elevador novamente, já que agora estavam em seu andar. - Mas ela não disse nada, ela... Só ficou assustada quando me viu, eu chamei seu nome, ela começou a tremer... Não sei, ! Ela correu e eu fui atrás, mas não consegui alcançá-la.
Os outros dois não sabiam o que dizer. Queria acreditar nele, mas tinham em mente que poderia estar perdendo o controle com tudo que estava acontecendo. Ambos não disseram, mas no fundo só acreditariam em tudo o que ele disse, caso vissem com os próprios olhos.
- Você tem que descansar, - comentou, enquanto este abria a porta do apartamento.
- Vocês resolveram alguma coisa lá no escritório? - queria saber, já ouvindo os gritos de Bernardo e Lauren por saber que era .
- Pai! - Lauren, sempre a primeira, vinha de encontro a ele, fazendo inclinar-se e abrir os braços para pegá-la e calar-se de repente. já ia de encontro a Jane, cumprimentando-a no sofá, e fechava a porta. deu um beijo no rosto de Lauren, sentindo as mãos de Bernardo contornarem suas pernas. A pôs no chão e pegou Bernardo.
- E ai - ele disse num tom tristonho, mas o pequeno não notou isso; ainda sorria para o mais velho enquanto era abraçado.
Colocou-o no chão de volta, então voltaram a brincar no meio da sala com seus carrinhos, bolas e bonecas.
- Oi, Jane - foi até ela e a deu um beijo na bochecha. - Vou tomar um banho, galera. Fiquem à vontade aí - ele dizia, já se afastando pelo corredor.
- O que houve com ele? - Jane quis saber com os olhos arregalados em , que ganhava um abraço de Lauren.
- Ele viu a .

Voltou à sala um pouco mais calmo. Sentia-se fresco, agora.
Os fios molhados e arrepiados pingavam pelo rosto, mas ele não se importava com isso.
Sentou ao lado de e soltou um suspiro.
- Você não me respondeu - ele sabia que o clima estava tenso e também sabia que falavam sobre ele antes de chegar à sala. Virou-se para , sentado no outro sofá ao lado de Jane. - O que resolveram no escritório? - sua voz rouca estava quase inaudível, mas seu amigo conseguiu entender.
- Marcamos uma reunião amanhã... Talvez a gente descubra quem esse cara realmente é - concordou com a cabeça.
- Tenho que ir, galera - disse após um suspiro. - Eu só vim saber como as crianças estavam, e - fuzilou com o olhar - contar a vocês a ideia desse aí - ele, por sua vez, rolou os olhos.
- Que ideia? - Jane e perguntaram ao mesmo tempo, variando o olhar nos dois.
- Disse ao Paul que eu e ela somos casados... - , agora, ria por saber que não havia gostado nem um pouco dessa ideia.
Com isso arrancou algumas, mas poucas, risadas de Jane e .
- Ninguém merece! Espero que meu marido não saiba disso... - ela dizia cansada, levantando. - Bom, minha hora.
- Vou contigo - se levantou também, virando-se para . - Se cuida, qualquer coisa me liga - ele olhava para ele com uma mistura de dó e compreensão.
Ele apenas assentiu e então ambos se despediram de todos, inclusive das crianças.
Ao ver a porta bater, Jane se virou para :
- , - chamou sua atenção, que antes pairava em Lauren sem ele mesmo perceber. Vagarosamente, ele a olhou. - Amanhã começam as aulas de Bernardo - com isso, bateu com a mão levemente na cabeça.
- Esqueci disso - ele disse, decepcionado com si mesmo.
- Eu sei... - Jane soltou uma breve risada pelo nariz. - Eu passo aqui mais cedo para levá-los - sorriu.
- Não. Eu levo, sem problemas - ele tentou um sorriso também.
- Posso ir com você, se quiser - ela permanecia com os dentes à mostra.
- Tudo bem, então - ele passou a mão pelo rosto, sentindo-se um bagaço.
- Quer que eu faça alguma coisa por você?
- Não. Você pode ir, se quiser... - ele, novamente, tentava um sorriso forçado e mal expressado.
- Então ok. Eu sei que você precisa descansar - ela dizia pegando sua bolsa no braço do sofá, que já havia separado para ir embora.
Ela foi até ele e lhe deu um beijo na testa.
- Fica bem.

***


's POV On.

O dia mal começara e eu já me sentia cansada. Claro, se deve a noite de sono mal dormida.
As palavras de Grace na noite anterior me faziam tremer dos pés à cabeça só de relembrá-las. Mas, de alguma forma, eu sentia que não era exatamente isso. Eu apenas não conseguia decifrar o que tinha além do que ela me disse.
Minha cabeça têm andado confusa. O médico disse que é normal, já que passei muito tempo 'fora do ar'. Ele mesmo disse à Grace para ela me ajudar a lembrar de algumas coisas, embora eu me lembre do rosto de algumas pessoas. A única coisa que não consigo entender é o quanto elas significam para mim, nem por quanto tempo elas permaneceram em minha vida. É como se você não se lembrasse de um filme que viu quando era criança. E, agora, quando o rever, você se lembra de partes dele, mas não tudo. Você se lembra de alguns personagens, você se lembra de algumas paisagens presentes no filme; mas pode ser que você não se lembre das falas ou de quão ruim ou bom aquele personagem possa ser. Você vai lembrando com o tempo, no decorrer do filme.
E é exatamente desse jeito que minha cabeça se encontra.
Ao lembrar do rosto daquele homem naquele restaurante, minha memória diz que ele não é uma pessoa desconhecida, meu cérebro o reconheceu. Mas não consigo lembrar nem recapitular de onde nos conhecemos, como nos conhecemos.
Senti receio, sim. Mas estava balanceado com uma vontade inexplicável de tocá-lo, seus olhos me chamavam. Ainda assim eu sentia medo. Pois sim, Grace havia me explicado que ele não era uma pessoa confiável quando saí do hospital.
Nesse momento eu não podia ficar pensando nem pedindo para voltar no tempo. Veja, eu tenho um monte de crianças me encarando e esperando que eu me apresente a elas. Nada demais, mas eles estão me olhando confusos e ansiosos, ainda do lado de fora da sala.
- Oi... Crianças - eu disse, um pouco insegura, sorrindo de lado, apesar de sentir que eu já havia lidado com crianças antes.
- Bom dia, tia - eles responderam em coro, e aí sim eu abri mais o sorriso.
- Bom, eu sou a tia . Vamos espe... - e de repente parecia que eu tinha perdido o ar e a fala ao mesmo tempo.
De longe eu via uma mulher descer de um carro cinza e grande com uma menina adormecida em seu ombro. Mas não, não foi a mulher que me chamou atenção, claro que não.
Prendi mais a respiração quando eu o vi.
Como em câmera lenta, eu via aquele cara contornar o carro com uma mochila preta nas costas, usando um Ray-Ban preto e uma camisa social aberta no peito. Ele se pôs ao lado da mulher e deu a mão a um pequeno garotinho, já que este já havia saído do carro e provavelmente estava esperando por ele. Ele apertou algo em sua mão que percebi ser o alarme, já que o carro fez aquele típico barulho irritante junto com os faróis piscando.
E então ele se virou a meu favor. Pisquei lentamente meus olhos, querendo acreditar que eu estava o vendo novamente.
- ! - só o grito esganiçado de Rachel, outra professora, me fez acordar dos transes, fazendo-me piscar algumas vezes.
Virei-me lentamente para ela, com uma vontade incontrolável de continuar fitando aquela família, e sussurrei um 'que foi?'
- As crianças - ela disse num sussurro, indicando-os com a cabeça.
- Oh, sim. Eu... - não me contive e voltei a olhá-los agora, e o homem fitava o menino com um sorriso enquanto a menininha ainda dormia no colo da mulher, que vinha ao lado deles com os olhos sobre o pequeno, também, rindo de algo que ele havia dito. - Preciso ir ao banheiro - virei-me para Rachel novamente com os movimentos lentos, e então me afastei sem lhe dizer mais nada.
Sabe aquele frio na barriga que pode causar uma tragédia caso você não tome uma providência?
Era isso que eu estava sentindo. Decidi não olhar para trás e continuei pisando fundo em direção ao banheiro, que ficava entre as salinhas infantis, bem próximo de onde eu estava.
Entrei numa das cabines e me sentei no vaso. Não, ele não estava aberto. Eu queria refletir. Eu não era o tipo de pessoa que fugia assim dos problemas, mas me vi colocando a mão na frente dos olhos com o cotovelo apoiado nos joelhos, querendo forçar a mente a lembrar se eu conhecia aquela família. Sobre aquela mulher, eu lembro vagamente, mas Grace não havia me dito se ela era perigosa, como aquele homem que olhava e segurava tão carinhosamente a mão daquele pequeno tagarela.
Não sei, eu estava confusa demais para estar tão perto. Eu me sentia num lugar desconhecido, onde eu não sabia lidar com ninguém.
10 minutos depois e eu ainda estava lá dentro, sentindo as borboletas no estômago cessarem vagarosamente.
Até que o barulho da porta do banheiro rangindo me fez acordar e lembrar que eu tinha uma turma inteira esperando que eu brincasse ou lhe ensinasse o som das vogais.
Soltei um suspiro ao mesmo tempo que eu me levantava e sai da cabine, dando de cara com aquela mesma mulher. Bom, ela sorria. Mas quando me viu, ela ficou pálida, perdeu o sorriso e parecia que via um fantasma.
- Ai, meu Deus... - eu sussurrei, vendo que ela poderia desmaiar, já que ela piscava lentamente, com o olhar fixo em mim.
- ... ? - eu só consegui entender que ela pronunciou meu nome porque eu li seus lábios.
Espera um minuto, como ela sabe meu nome?
Não tive tempo para refletir, já que ela desmaiou bem ali, no chão do banheiro e na minha frente.
- Santo Pai! - arregalei meus olhos, agachando-me e indo direto ao seu rosto, dando leves tapas. Eu não sabia como acordar uma desmaiada.
Senti que ela suava frio e ela continuava pálida, dando muito contraste com seus cabelos negros.
- Moça, acorda...! - eu dizia em pânico, indecisa se eu esperava ela acordar enquanto 'lixava as unhas' ou tomava uma atitude de sair e procurar ajuda.
- Socorro! - eu gritei, tendo em mente que era o único meio que eu tive para chamar alguém.
Continuei dando tapinhas em seu rosto após pegar sua cabeça e colocá-la em minhas pernas dobradas no chão. Ela tinha muita sorte em desmaiar no chão do banheiro limpinho, já que limpeza era essencial naquele lugar.
Tudo bem, a moça desmaiada em meu colo e eu preocupada em lhe dar os parabéns por ela ter desmaiado num lugar não muito apropriado, mas que não seja infectado de bactérias.
A porta rangeu de novo, e junto a esta ouvi uma voz:
- O que houve, Jan... - levantei meu olhar e lá estava ele novamente, me olhando com aqueles olhos confusos, como os da primeira vez.
Eu esqueci completamente que tinha uma mulher desmaiada em meu colo e perdi a noção de quanto tempo eu o encarei, embora uma voz irritante dizia na minha cabeça: 'Ele abusou de você, ele abusou de você, ele...'
- O que aconteceu? - a voz rouca da mulher em meu colo nos chamou atenção, fazendo-me olhá-la e cair na real.
Ela abriu os olhos pequenos, enquanto eu me ajeitava para ajudar a levantá-la.
- Ei, não desmaia de novo! - eu pedi com os olhos arregalados, já que quando ela me olhou pela segunda vez, ela fez menção de voltar a amolecer em meu colo.
Tão rápido quanto um foguete, eu vi aquelas mãos grandes e grossas se aproximarem dela e pude ouvir um sussurro provir de seus lábios:
- Se controla... - ele repetiu isso umas três vezes enquanto tirava a mulher, que deveria ser esposa dele, de meu colo. Seu hálito fresco batia na lateral de meu rosto, deixando-me levemente tonta sem motivo nenhum aparente.
Ele a ajudou a levantar e eu seguia os movimentos dele minuciosamente com o olhar.
- Você está bem? - ele perguntou se virando para a mulher, embora os olhos pequenos e confusos da moça ainda pairavam em mim, que permanecia que nem jaca sentada no chão frio do banheiro.
- É ela... - ela dizia, como se eu não estivesse ali, mas sua frase de poucas palavras me fez bater uma leve curiosidade.
Ele já tinha seus olhos sobre mim.
- Como... Como vocês sabem meu nome? - eu perguntei, demonstrando toda a minha franqueza e dúvida na expressão enquanto me levantava.
- , você... Perdeu a memória? - ele me olhou tristonho, fazendo menção de me tocar. Fui mais rápida, dessa vez, e dei um passo para trás.
- N-não... - respondi, sentindo aquele medo voltar à tona.
Como assim, 'perdeu a memória'? Eu lembro, eu lembro da Grace, lembro... De mais o que eu lembro?!
- Então como você não sabe quem é a gente? - a voz dela saiu num sussurro. Dei mais um passo para trás.
- Vocês... devem estar me confundindo - eu lhes disse, levando meus olhos para os braços fortes, mas não muito, daquele homem que ainda me encarava.
'Ele abusou de você, ele abusou de você...'
Sem mais esperar, eu dei as costas e fui em direção a porta com passos firmes e decididos. Sei me controlar, não permaneço em transe por muito tempo.
Eu ainda ouvia duas vozes me gritando, mas eu continuava a caminhar com os olhos baixos e sem destino em mente.
Até que esbarrei em alguém.
- , onde esteve?! - Rachel me encarava furiosa, bufando em seguida.
- Me desculpe, eu... - dei uma olhada para trás e eles se aproximavam, fazendo meu estômago revirar. - Já vou para minha sala - eu disse sem ter certeza se ela me ouviu, já que eu voltei a caminhar, indo para onde eu disse que iria.
Quando cheguei na porta, dei mais uma olhada para trás e eles já não me seguiam como antes, fazendo-me suspirar aliviada.
Entrei em sala e fui em direção a Loren, que já me esperava com uma expressão preocupada, agachada ao lado daquele menino que eu vira chegar com ele.
- O que houve?! - ela quis saber, variando seu olhar em mim e no desenho que ele fazia numa folha de papel branco sobre a mesa. - Você está pálida! - ela comentou e quando abri a boca para dizer algo, o menino de cabelos ralos me olhou, deixando de lado seu desenho.
Contorceu o cenho, levantou enquanto eu acompanhava seus movimentos. Sem pestanejar, ele subiu na cadeira e então ele pôs a mecha de cabelos que estavam sobre meus ombros para trás.
Sorriu.
- Meu pai tem uma foto sua na carteira dele.

Narração em terceira pessoa.

- E se não der certo? - Jane o questionava sobre o que havia acabado de falar. Ele estava encostado na lateral do carro enquanto ela o encarava de braços cruzados, de frente a ele.
- Eu preciso vê-la de novo, Jane! É tão difícil entender isso?! - estava impaciente, e então acabou descontando toda a agonia nela.
Suspirou pesado, olhando para os lados, enquanto ela continuava naquela mesma posição: braços cruzados, o encarando incrédula.
, no entanto, apertava seus dedos de cinco em cinco minutos.
- Me desculpa - sussurrou, não querendo que ela se chateasse com ele por culpa de algo que ela não tem nada a ver.
- Tudo bem - ela disse num sussurro também. - Não está mais aqui quem falou - , que tinha seu olhar pairando pelas ruas, olhou-a instantaneamente.
- Não, Jane... Desculpa mesmo, eu não queria ser gros...
- , você sabe o que está fazendo - ela cortou seu discurso sobre grosseria ser a marca registrada dele. - Você quer algo para comer ou beber? - ela tinha o tom de voz calmo, embora ele mesmo soubesse que a vontade dela era esganá-lo ali mesmo.
- Não, estou bem - tentou um sorriso, vendo-a assentir.
Ela fez um gesto com a mão, olhando para a porta do carro que, por sinal, era onde ele estava encostado.
Entendendo o que ela queria, ele se afastou, destravando o alarme e então ela abriu a porta, pegando sua bolsa.
- Aonde você vai? - suspendeu a sobrancelha em sinal de descrença, embora soubesse exatamente o que ela queria.
- Para casa, ué - ela disse, ainda inclinada para dentro do carro.
Foi muito difícil se concentrar em não olhar para a bunda dela. Difícil mesmo.
Fechou os olhos e balançou a cabeça negativamente:
- Já que o "super papai" vai entrar em ação, - dizia, saindo do carro e ajeitando a bolsa no ombro - não preciso ficar aqui, não é? - ela deu um sorriso.
- Bota a bolsa de volta aí - disse, já começando a caminhar para contornar o carro. - Vou te levar em casa.
Enquanto ele entrava com ela já dentro, na mesma calçada caminhava uma mulher com sua pior cara de sono, segurando fortemente a mão de um pequeno garoto, que parecia estar mais acordado e acesso do que sua babá.
Apesar das pernas desenvolvidas por aparentar ter, no máximo, 5 anos, ele não conseguia acompanhar os passos da mais velha, que andava rapidamente.
Adentraram a creche, e o menino sorriu, feliz por poder rever os amigos.
Foram caminhando, até que uma hora ele desparou na frente dela, soltando sua mão sem mesmo falar com Diana, sua babá, que o olhava sem se preocupar por ele ter se soltado.
- Bom dia, Adam! - Loren, que estava na porta, abriu os braços ao vir o menino se aproximar com um sorriso do tamanho do mundo.
Ao perceber que seria correspondida, ela abaixou-se ainda sorrindo e então recebeu o abraço do menino.
- Você está muito abusadinho, Adam - Diana, que aproximou-se rapidamente, lhe disse. Bem, era para ser uma bronca, mas sua voz saiu tão sem emoção, que Adam foi capaz de ignorá-la e entrar na sala sem ao menos olhá-la, fazendo-a rolar os olhos.
- Crianças... - deu um risinho sem graça, embora não quisesse causar impressão alguma àquela mulher que apenas cuidava de Adam enquanto ela se divertia às escondidas da patroa.
Loren deu o mesmo risinho, beirando ao falso, e então lhe deu as costas, adentrando a sala.
- Bernardo! - Adam corria em direção a ele com sua mochila enorme embalançando em suas costas.
- Adam! - Ben deixou seu desenho de lado para ir abraçar o amigo que acabara de chegar.
Deram um abraço forte, que de tão forte, poderiam jogá-los no chão se continuassem.
- Posso ir na sua casa jogar vídeo-game hoje?! - Adam pediu após soltar-se do amigo.
- Vou falar com meu pai - Ben estava animado, enquanto sorria.
De longe ela o analisava, sorrindo sem perceber.

's POV On.

Decidi deixá-la em meu apartamento, já que vou voltar para casa mais cedo pois não fui ao trabalho.
Voltei e parei numa lanchonete que havia próximo a creche; do outro lado da rua, praticamente.
Tomei um café do jeito que eu gostava e fiquei fazendo uma horinha por ali mesmo. Aproveitei para ligar para o restaurante e dizer que eu não iria; não hoje.
Seu rosto não saia da minha mente e eu não tinha ideia do que eu realmente estava sentindo por dentro.
Eu estava confuso; não sabia se ela havia perdido a memória, não sabia por que ela havia pintado o cabelo, não sabia por que ela nunca nos procurou após acordar do coma, não sabia como ela vivia a partir de então. E o mais importante: eu não sabia se ela era realmente a mesma que eu me refiro.
Se não for, ela tinha uma semelhança incrível, mas meu corpo dizia que sim; era ela.
Dei um longo suspiro, dando uma olhada pela vigésima vez no relógio. Era quase meio-dia e então voltei meu olhar para a creche. Já saiam algumas crianças com seus pais.
Levantei com outro suspiro e tentei manter meu foco, concentrando-me ao máximo. Eu não podia perder meu controle.
Pus meus óculos escuros ao sair de lá e atravessei após perceber que não vinha nenhum carro. Notei que meu coração estava a mil e meu estômago revirava só de pensar na possibilidade de vê-la novamente.
Até que eu a vi. O sorriso nos lábios foi incontrolável e nem tive vontade de desfazê-lo. Apenas parei onde estava, já dentro do pátio da creche, e continuei fitando-a, ainda sentindo meu sorriso. Ela conversava com alguma mãe, que já segurava a mão de uma das crianças que não me preocupei em reparar como era. Meus olhos fitavam seus lábios, seus olhos sempre sorrindo, seus gestos... E minha cabeça me mostrava o quanto eu sentia falta daquilo tudo.
Um estalo em minha cabeça me lembrou que eu estava ali não só para olhá-la, mas para levar meus filhos para casa.
Mordi o lábio pelo descuido e então comecei a caça por eles, olhando para os lados, mas não perdendo a oportunidade de olhar em sua direção também.
Não os vi em lugar algum, nem no parque que havia próximo a uma das salas.
A ideia que surgia em minha mente nesse momento, era tanto quanto coisa de adolescente. Mas quando reparei, meu cérebro já tinha enviado o comando para minhas pernas me levarem até ela.
Quando me viu aproximando pelo campo de visão, ela me olhou. E quando nossos olhos se cruzaram, eu percebi que ela paralisou por completo, parando de falar instantaneamente. Notei a mulher se afastando de sorrindo, mas sem perceber que eu me aproximava; então essa foi minha brecha.
Aproximei-me, vendo seu rosto ruborizar-se e seus olhos assustarem-se, fazendo-me contorcer o cenho. Eu ainda não entendia essa sua reação quando me via. Era a terceira vez, mas em todas elas demonstrou ter receio. E isso me agoniava.
- Oi... - tentei um tom calmo, embora eu tenha conseguido gaguejar ao pronunciar apenas duas letras.
Ela não me respondeu, apenas continuou a me encarar. Concentrei-me e continuei:
- Você... Hm, pode me informar onde fica...
- Refeitório - ela disse no automático, ainda me encarando assustada.
- Obrigado - tentei sorrir novamente, embora seus olhos me deixassem estáticos, com vontade de somente admirá-los. - Outra coisa... Será que eu posso conversar com vo...
- Não, não... - ela disse, também, no automático, dando passos para trás. Ela parecia estar agindo por impulso, com o olhar distante e sem ter controle algum dos gestos. - Não - ela continuou repetindo, e de repente ela deu as costas para correr.
Eu corri atrás, e dessa vez meu pulmão não ia me vencer.
- , espera! - eu pedi, mesmo sabendo que era em vão. Então ela entrou no banheiro, na esperança de conseguir se esconder lá dentro.
Só que ela esqueceu que o banheiro era unissex.
Parei na porta que acabara de se fechar com força e dei um suspiro, tirando meu óculos e o colocando na gola da camisa. Ela não fugiria de mim dessa vez.
Adentrei o banheiro, já me pronunciando:
- , eu só quero conversar contigo - fechei a porta, embora esta fechasse sozinha, e fui em direção às cabines, começando pela primeira da ponta. Abri a porta, e ela não estava lá. Abri a segunda, e nada. A terceira, e estava trancada.
Sorri de lado, achando irônico o medo que ela sentia. Completamente o oposto da que conheci.
- Olha só, eu tenho uma pergunta para você - ela ficou em silêncio, então continuei: - Você acha que se eu fosse te fazer mal... Eu viria até você ou esperaria uma oportunidade pra te pegar de surpresa? - encostei-me na porta da cabine ao lado e cruzei os braços e depois as pernas, esperando pacientemente que ela me respondesse.
Mas nada.
Alguns minutos depois.
- Só acho que a diretora não vai gostar de saber que, ao invés de você estar entregando as crianças para os pais, você está presa dentro de uma das cabines do banheiro, com um medo desnecessário... - continuei naquela posição, sorrindo para o espelho. Eu sabia que quando o assunto é o 'trabalho', reage. Ela o leva a sério, independente da profissão.
Passado alguns segundos, eu ouvi o seu suspiro, fazendo-me alagar o sorriso.
- Pode falar o que você quer - ela disse com a voz trêmula.
Rolei meus olhos: ela não sairia mesmo dali?
- Eu quero olhar em seus olhos e sentir sua reação - de onde eu estava tirando aquelas palavras?!
- Saio com uma condição - ela disse uma pouco mais convicta, dessa vez.
- Até duas.
- De você não me tocar - rolei novamente os olhos e bufei.
- Tudo bem - concordei, apesar de não saber se eu poderia me controlar.
Pelo espelho pude ver a porta se abrindo e então me virei para ela. Mas ficou na defensiva, levantando as mãos na altura dos ombros.
- Que fique claro que se você me tocar, eu grito - sua voz ainda estava trêmula. Mas eu não estava lá tão preocupado em prestar atenção no que ela estava dizendo. Meus olhos estavam mais preocupados em analisar seu rosto.
A ansiedade voltou à tona.

's POV On.

- Por que você... Não me procurou? - ele quis saber antes mesmo de eu terminar meu aviso de que eu não queria que ele me tocasse.
Tentei manter meu olhar fixado em seus olhos, embora seu nariz parecesse ser esculpido e seus lábios um pouco convidativos.
- Que mulher em sã consciência proc... - o que eu estava fazendo, Deus?!
Não, eu não poderia continuar.
Veja, aprendi com Paul que quando estamos diante de alguém perigoso, é sempre bom que nos façamos de idiota. Mostrar que não sabe de nada é sempre a melhor saída, então podemos agir pelas costas.
Caso a pessoa considerada perigosa saiba que sabemos de algo, nossa vida estará correndo risco três vezes mais.
Ele me olhou com as sobrancelhas unidas, mostrando não entender porque parei de repente.
- Eu estive... Preocupado, , como nunca me preocupei... Tive medo de você estar correndo riscos, e só meus amigos sabem quantas hipóteses idiotas se passaram por minha cabeça, mas... - ele baixou os olhos, contorcendo o rosto. Vagarosamente, baixei minhas mãos, inclinando um pouco a cabeça para baixo. Ele não me parecia tão perigoso assim. - Cara, eu não sei se o que to sentindo agora é raiva por você nunca ter vontade de me procurar; se é felicidade por te ver de novo... Se é... Mágoa por você não lembrar de mim - quase não pude ouvir a palavra 'mágoa', ele continuava a fitar o chão, contorcendo o rosto em cada frase.
- Qu-quem é você? - senti minhas pernas bambas, meu corpo inteiro tremia e isso afetou minha voz.
Ele levantou o rosto, ainda com as sobrancelhas unidas. Eu podia ver, e por pouco sentir, a dor em seus olhos. Eu só não conseguia encaixar as peças.
- Vou te fazer uma pergunta que é importante eu saber - suspirou pesado, desviando o olhar para qualquer lugar que não fosse meu rosto - Sei que você vai ter receio em responder, mas - ele voltou a me olhar - é a única maneira de eu saber se você é quem eu estou pensando que é - ele passou a língua pelos lábios, e eu não pude evitar olhá-los. Voltei meu olhar para seus olhos brilhosos quando ouvi sua voz novamente: - Posso perguntar?
Eu apenas assenti.
- Qual seu nome inteiro?
Aff. Que pergunta mais idiota. Porém, eu não tinha certeza se eu poderia responder. Fitei bem seus olhos, e eles me passaram a coragem suficiente para lhe dizer:
- - eu ainda tinha meus olhos confusos, enquanto eu notava que ele parecia soltar todo o ar que antes havia prendido. Ele fechou os olhos, e então percebi que eu já analisava seu rosto; seu queixo, seu nariz, seus cabelos arrepiados, sua boca...
- Você... - começou num sopro, abrindo os olhos vagarosamente - Você pode contar o que você se lembra de mim? - ele queria saber, mas eu não tinha ideia do que responder.
Ele continuou me encarando, esperando respostas enquanto eu me perdia em seus olhos.
- Eu... - pigarreei - Bom, eu acho que você está me confundindo - tentei ser convincente, embora meu corpo ainda estivesse trêmulo.
- Não, não estou, - ele levou suas mãos ao meus ombros e eu estava tão confusa com sua convicção, que não lembrei que eu havia pedido para não me tocar. - Eu não esqueceria o olhar de uma pessoa que... Amei e que... Convivi por quase dois anos - pude perceber que ele engolia a seco. - Seus olhos, - ele variou o olhar entre um e outro - eles são inconfundíveis, ... São únicos, eu não os confundiria. E... Sua boca - levou seus olhos até ela, mas mantive meu olhar em seus olhos, enquanto sentia que suas mãos eram macias - Que eu beijei... Tantas vezes, eu... Não seria capaz de esquecer - ao morder o lábio, eu não evitei em fitá-lo. Então, acompanhando-o, eu voltei a olhá-lo nos olhos. - Eu não sei o que aconteceu com você, se você perdeu a memória ou qualquer merda do tipo, mas eu quero que você olhe bem pra mim, . Eu quero que me diga do que se lembra - ele tinha a voz baixa, quase num sussurro enquanto eu sentia que suas mãos me traziam mais para perto.
Como ele havia dito, eu forcei minha memória a lembrar quem era ele. Eu lembrava sim, de algumas coisas que estavam em minha cabeça, mas embaçadas e sem nexo, mas nada decente e coerente. Balancei a cabeça negativamente.
- Não consigo - disse-lhe com os lábios tortos, vendo-o soltar outro suspiro.
- Meu nome é - ele disse, sorrindo torto e amarelo. Engoli em seco quando percebi que aquele sorriso era familiar, poderia dizer que era um dos meus favoritos se eu tivesse certeza de que eu já havia admirado antes.
E eu engasguei com minha própria saliva quando eu voltei a fita e reparei no nome que ele havia acabado de pronunciar.
- O que houve? - ele quis saber com o tom de voz preocupado, enquanto eu sentia meu rosto ruborizar, sem eu conseguir controlar minha tosse.
Ele tentou ajudar, dando leves tapas em minhas costas.
Quando me senti bem, eu piscava sem parar.
- , Bernardo... - me vi repetindo baixo aqueles nomes, que parecia que eu estava acostumada a pronunciar.
- O que foi que você disse?!

's POV On.

- Eu... - ela me olhou, ainda perplexa - Eu sinto que eu tenho que confiar em você. Mas isso é estranho, porque não lembro por completo de onde eu conheço você - ela piscava, parecendo incomodada.
Sem nem perceber, eu engoli em seco enquanto eu aproveitei que estava com as mãos em seus ombros e a pus na parede da cabine que, por sinal, era bem espaçosa. Ela me olhou sem entender, então me aproximei bem de seus olhos.
- O que aconteceu com você? Do que você sabe, do que você lembra? - eu perguntei baixo e firme, começando a criar hipóteses que a tiravam completamente de qualquer culpa.
Ela me olhou por alguns segundos, e então decidiu falar:
- Eu fiquei em coma - ela disse e essas poucas palavras fizeram meu estômago dar voltas: eu estava falando com a pessoa certa. - Foi... Devido a um acidente de carro com uma amiga - ela dizia lentamente, contorcendo o cenho como se quisesse lembrar de detalhes. Não, seu olhar não estava fitando o meu - Quando eu voltei... Eu precisei fazer fisioterapia e, bom, uma amiga me ajudou a reconstituir minha vida - então ela baixou os olhos - Ela me disse que minha família nunca veio me procurar. Eu acreditei nela, porque durante dois anos e alguns meses, eu só ouvia a voz dela no quarto onde estive - pude ver um sorriso quase forçado esboçar-se em seus lábios - Apesar de não conseguir ver, nem me mover... Eu conseguia ouvir, às vezes. E me lembro de todas as vezes ela ter ficado comigo... Mas era a voz dela - ela passou a língua pelos lábios. Eu engolia a seco de cinco em cinco segundos. - Não me recordo de outra pessoa estar presente tirando ela - ela mordeu o lábios e eu soltei um suspiro.
- De ninguém? - eu perguntei descrente, minha voz baixa e falha não deixou demonstrar a pitada de mágoa que havia nas palavras.
- Ninguém - ela entortou a boca, em sinal de tristeza.
- Eu estive lá - eu comentei, a vendo piscar mais um pouco, confusa. - Só que te mudaram de hospital e nunca me deixaram saber de nada...
- Não, não! Você está enganado - ela disse, mudando sua expressão para convicta rapidamente. E, de repente, ela voltou com o semblante perplexo. - Você esteve lá? - eu apenas assenti, reparando que seu hálito batia em minha boca, já que eu me aproximava sem perceber. - Não, não pode ser! - ela desviou o olhar. Mas não demorou dois segundos para me olhar novamente. Analisou-me, desde o pescoço até os fios de cabelos. - Eu... Eu me lembro de você, mas pouco, muito pouco - ela não tinha ideia do quanto aquilo me machucou por dentro.
Mas sorri por saber que ela não estava mais tão apavorada com minha presença.
Aproximei-me mais, colocando meus lábios bem próximo de sua orelha. Sentir seu cheiro tão próximo não foi fácil, mas me concentrei e sussurrei:
- Eu preciso de duas coisas.
Sorri novamente de lado por sentir, sob minhas mãos em seus ombros, ela estremecer.
Ela assentiu e eu continuei com os lábios próximos a sua orelha. Prossegui:
- A primeira é que você confie em mim pra te ajudar a lembrar de vez o que aconteceu antes - sussurrei, a vendo engolir a seco. - E a segunda, é que ninguém pode saber que você teve contato comigo. Pode ser?
Vi-a assentindo novamente e então eu afastei minha cabeça.
Ela continuou de olhos fechados.
- Sua voz... Ela também é familiar, mas parece que... Parece que não escuto há muito tempo - ela dizia, forçando seus olhos a permanecerem fechados.
- Eu quero te apresentar uma pessoa e... E te mostrar uma outra pessoa - eu dizia, vagando meus olhos por qualquer lugar, pensando se isso seria uma boa. Passei a língua pelos lábios, e continuei: - Sábado, às sete - olhei-a - Em frente ao shopping principal, tudo bem pra você?
Ela abriu os olhos instantaneamente, fazendo-me rir fraco por seus olhos esbugalhados.
- C-como?
- Você não pode recusar, - sorri - Agora você não precisa entrar em pânico com minha presença.
- E-eu não... Eu não fico presença em pânico! Quero dizer, eu não fico em pânico com sua presença, eu... Só...
Ela atropelava as palavras, fazendo-me rir mais uma vez.
bufou.
- Que seja. Me encontra na porta do shopping às sete, combinado?
Um pouco contrariada e distante, ela concordou.
Aproximei-me, dando um beijo em sua testa com um pouco de receio da reação dela, confesso. Mas ela continuou estática.
Soltei minhas mãos de seus ombros e sorri fraco, dando-lhe as costas contra vontade.
Sai do banheiro, tendo em minha cabeça que aquilo não se tratava de perda de memória.
Poderia ser bem mais sério que isso.

Narração em terceira pessoa.

Sorria de orelha a orelha enquanto dirigia sem prestar atenção no caminho. Novamente.
Lauren estava quieta, espirrando algumas vezes, e Bernardo tagarelava, mas preferiu parar de falar quando percebeu que seu pai não lhe dava muita atenção.
Mas ele lembrou de algo, fazendo-o ofegar só de pensar em contar para o pai.
Não pensou duas vezes, desatou a falar:
- Pai! - chamou, fazendo variar seu olhar entre a estrada e ele. Continuou sem esperar respostas: - Sabe a foto daquela menina que você tem na sua carteira? - arregalou os olhos, ainda variando seu olhar entre seu filho pelo retrovisor e o que caminho que percorria.
- Como você tá sabendo disso? - ele quis saber com a voz corrida e os batimentos cardíacos batendo depressa por lembrar se dela. Não que tivesse esquecido.
Bernardo rolou os olhos. Ato que copiava perfeitamente ao pai.
- Porque você guarda as moedas do nosso cofre lá - Lauren se intrometeu, respondendo ao seu pai como se fosse óbvio.
não entendeu o que ela quis dizer com aquilo, mas decidiu concordar, já que a curiosidade por saber o que seu irmão diria estava o deixando ansioso.
- O que é que tem a menina da foto? - tentou passar indiferença, mas sua voz tremera.
- Ela é minha tia na creche - ele disse sorrindo, numa tranquilidade que fez suspirar.
Ele não sabia mesmo a ligação que eles dois tinham. E mesmo se soubesse, não entenderia agora.
- É? - apesar da surpresa por ela ser logo a professora dele, ele se fez de desentendido. - E ela é legal?
- É... - ele deu de ombros. Para Bernardo todo mundo era legal, desde que lhe desse atenção ou carinho. - Ela parece com minha mãe, pai - isso quase fez bater com o carro, mas ele se manteve no controle. E decidiu não dizer mais nada sobre aquilo. Ele não tinha coragem de negar, mas também não saberia concordar. Tinha certeza de que viria perguntas, as quais não era o momento certo para respondê-las.
sorriu triste, apesar de não ter sentido emoção nenhuma na voz do garoto e então ele virou a direção do carro para entrar na garagem de seu prédio.
Com os olhos marejando de felicidade e o estômago embrulhando de ansiedade, ele tirou Lauren do cadeirinha enquanto Bernardo já se soltava e pulava do carro alto.
Trancou o carro, colocou as chaves no bolso e deu a mão livre para Lauren, já que Ben foi pulando na frente para o Hall de entrada.
- Consigo ver um sorriso nesse teu rosto - ouviu a voz de seu amigo , que já estava no hall junto a , e então se virou mostrando os dentes pra ele.
- Cara...! - estava tão contente por dentro que não sabia nem como começar.
A cara confusa de e o fazia querer rir, mas seu cérebro estava formulando como começaria a lhes dizer.
Enquanto pensava, agachava-se para dar um abraço duplo em Ben e Lauren, dando-lhes um beijo com saudades, embora tivesse visto os dois no dia anterior.
fez o mesmo, mas sem o beijo em Bernardo. Para o sexo masculino, apenas um tapinha nas costas bastava.
Agora o casal voltava seu olhar para , que estava inquieto por demais. Saltitando, Bernardo foi apertar o botão do elevador insistentemente, apesar de já tê-lo feito antes.
- Que que tá acontecendo, ? - quis saber, contorcendo o rosto. Inclinou-se para o lado de , sussurrando com os olhos ainda em : - Seu amigo realmente está enlouquecendo.
concordou vagarosamente enquanto ainda viajava.
O barulho do elevador os chamou atenção, fazendo-os virar para adentrar.
- Vocês não vão acreditar - ele tinha a voz levemente esganiçada, fazendo os amigos se entreolhar enquanto apertava o botão para levar o elevador ao seu andar. Bernardo estava mais preocupado em se ver no espelho junto a irmã, levantando-se na ponta dos pés para alcançar uma altura que desse para ver, pelo menos, seus olhos.
- De repente, se você contar, a gente pode acreditar, sim... - cruzou os braços, rolando os olhos pela demora desnecessária aos olhos dele.
- É um caso a se pensar...
- Eu a vi de novo! - ambos sentiram a excitação em . Ele gesticulava as mãos no ar, inquieto. - E melhor que isso: eu falei com ela! - suspirou.
- Como assim? Aonde?! - estava começando a acreditar nas palavras de . Soavam tão reais, que sua mente estava tirando de cogitação a possibilidade de ele estar ficando louco.
- Na creche, ! - passou a mão pelos cabelos, nervoso.
Ambos arregalaram os olhos para ele, que se virou para sair do elevador que acabara de chegar, puxando seus filhos pelo pulso.
- Isso só pode ser um sonho, só pode ser um sonho... - ele repetia, soltando Bernardo e Lauren para colocar as mãos no bolso da calça à procura das chaves enquanto era seguido pelos amigos até a porta do apartamento.
- Quer explicar essa história direito?! Eu vou até lá v...
- Não! - se virou para ela instantaneamente. Ao vir seus olhos arregalados pelo susto e o semblante confuso de , ele suspirou fechando os olhos, tentando se acalmar. - Não sei se seria certo, tenho mais coisas para contar - então ele se virou para a porta do apartamento, finalmente abrindo-a e adentrando com os outros perplexos atrás. Ambos entraram como um foguete, indo direto para o quarto com as mochilas imensas pulando em suas costas.
Após sentarem-se no sofá - e num, e no outro -, esperaram pacientemente pela explicação.
Mas antes de ele começar a falar, Jane saiu do quarto das crianças e, sorrindo, cumprimentou cada um, sentando-se ao lado de em seguida.
- Pai! - uma Lauren afobada chegou à sala novamente.
- Oi, pequena - respondeu, tirando uma mecha de cabelo que caia em seus olhos.
- Vem brincar comigo, pai - ela dizia atropelando as palavras, já o puxando pelas calças.
- Papai tem que conversar com seus tios, depois eu vou lá - ele sorriu. - Eu tenho uma história pra te contar - deu uma piscadela.
A novidade fez com que ela levantasse os bracinhos pequenos para o alto e gritasse um 'Eba' - ou algo parecido com isso -, com um sorriso que mal cabia no rosto.
- Posso contar pro Bernardo?! - ela quis saber, insegura.
- Claro! - ele ria de leve de sua animação. E riu ainda mais juntos aos outros quando ela deu outro gritinho.
- Beeen! - ela saiu afobada para o quarto, sem nem falar com os outros dois.
- Nem falou comigo - fez um bico, levando um cutucão de .
- Ai, que sensível - rolou os olhos, voltando seu olhar para , que ria da implicância dos dois.
- Você está muito risonho, posso saber o que houve? - Jane sorria de leve.
- , sua demora está me irritando - comentou, com o tom de voz afetado.
Suspirou, desviando o olhar para pensar em como começar.
- Eu encontrei com a na creche... - voltou a olhá-los, querendo saber a reação de cada um. Menos de Jane, que já sabia o que ele diria. - Ela, por sinal, - se virou para a babá - é professora do Bernardo...
- E como ela estava? - interrompeu-o, aflita. - Por que não me deixa ir vê-la?! Eu sinto tanta falta da minha amiga...
- Eu sei, ... Eu também sinto, mas eu conversei com ela quase forçado e, bom, temos só um probleminha.
- Mais um?! - e disseram ao mesmo tempo, incrédulos.
- Pois é, ela perdeu a memória... - Jane continuava na mesma posição: braços cruzados, fitando o nada.
- Quê?! - novamente e abriram a boca no mesmo instante.
- Não, Jane... - se virou para ela, mordendo o canto do lábio. - Suspeito que seja pior que isso - entristeceu-se por lembrar.
- Então o quê? - ela o olhou confusa, assim como os outros.
- Acredito que ela tenha passado por algo como lavagem cerebral... - ele variava seu olhar nos três que o encaravam em dúvida.
- Não é possível, ... - Jane começou com o cenho contorcido em confusão. - ficou desacordada por pouco tempo pra ela ter passado por uma lavagem cerebral tão fácil assim.
- Eu pensei nisso enquanto vinha pra cá - ele concordava com ela com a cabeça, passando a língua pelos lábios rapidamente. - Mas nós não sabemos realmente o que aconteceu com ela, sabe? - assentiram.
- Estou começando a captar... - comentou, pensativa, atraindo olhares sobre si. Ela vagava seu olhar pelo chão, pensando. - Como ela entrou em coma, ela pode ter tido algo a mais que tenha feito perder a memória parcial e com isso vem a tal lavagem cerebral...! - dizia contente por tentar quase conseguir desvendar aquele caso, mas infeliz por saber que isso pode ser uma verdade.
- Isso que eu quis dizer!
- Isso tá muito confuso... - comentou, a sobrancelha unindo-se em uma só. - O que ela disse a você?
contou a eles detalhe por detalhe do que houve no banheiro da creche, arrancando sorrisos e suspiros de esperança.
Então lembrou de algo:
- E o que vocês resolveram hoje no escritório?
Antes de responder, embalançou a cabeça levemente.
- Você sabia que não era necessário estar casado pra adotar?
Aquela questão havia voltado à tona pra ele, fazendo-o refletir. Mas já havia uma que estava pensando muito antes dele:
- Espera, - o chamou atenção novamente. - Que amiga é essa que a ajudou a reconstituir a vida dela?
levou seus olhos para qualquer lugar, pesquisando na memória se ela havia mencionado o nome da amiga. Mas não, não encontrou nenhuma lembrança.
- Ela não disse... - ele voltou a olhá-la, alerto com essa nova questão.
- ... - Jane também estava pensativa ao seu lado - Você tem certeza que é ela mesmo?
- Absoluta, Jane! Você viu com seus próprios olhos e eu não me enganaria.
- Você está recebendo alguma pensão, ? - a voz de soou.
- Não... - respondeu simplesmente, apesar de não entender a pergunta.
- Então só pode ser ela! - confirmou a pergunta de Jane.
- Como sabe? - a olhou de lado.
- Lembra do testamento, ? - ela variou o olhar entre os três.
- Lembro... - ele continuava a responder, sem entender.
- Se não entregassem o atestado de óbito, você não ia receber pensão alguma...
- Ou seja...
- Só pode ser ela! - Jane completou , com um sorriso.
- E o que os estagiários de Sherlock Holmes vão fazer, agora? - cruzou os braços, deixando bem claro ele estava incrédulo com aquilo.
- Passo 1: descobrir quem é a amiga - enumerou com o dedo indicador.
- Passo 2: não deixar que a tal amiga descubra que temos contato com ela - disse, arrancando mais olhares perplexos.
- Por quê? - os três quiseram saber ao mesmo tempo.
- Por Deus, gente, isso não está claro?! - disse um pouco alterado, esperando que todos entendessem o que ele queria dizer. Soltou um suspiro, na tentativa de se acalmar. - Olha... Ligando os pontos: se ela me disse que só a amiga a ajudou e que em nenhum momento ninguém esteve com ela, é porque a tal amiga é a prima que a trocou de hospital depois que ela entrou em coma, certo? - perguntou pacientemente. Assentiram. - Então se ela não entrou em contato, é porque ela não queria que nós soubéssemos que a estava viva.
- Mas quando eu souber quem é essa mulher, eu mato. Juro que mato! - começara a ficar nervosa, seu rosto ruborizado pelo rumo da conversa.
- Calma lá, isso é só uma suposição - a alertou, fazendo com que os outros concordassem.
- Tudo bem - ela repetiu o ato que havia feito anteriormente: suspirou com seus olhos fechados.
- E se ela recusar a confiar na gente? - Jane quis saber, de repente.
- Eu já consegui a confiança dela, só temos que chegar aos poucos - sorriu de lado, com os olhos baixos sobre o chão.
O telefone tocando chamara atenção de todos, os fazendo se entreolhar.
- Vai lá, atende, Jane - lhe cutucara com o braço, já que ela estava cabisbaixa e pensativa.
- Hãn? - ela o olhou, confusa, e então percebeu que o telefone havia tocado.
- Atende e fala que eu não to, não quero falar com ninguém - avisou, encostando-se ao sofá.
Ela assentiu, levantando-se e indo em direção ao telefone um pouco distante.
- Alô? - os três sobre o sofá a fitavam apreensivos. Sem necessidade, claro. - Oh, sim. Você quer deixar recado? É a babá de Bernardo, ele não está no momento... Ele não comentou nada... Sem problemas, pode vir... Ok... Até mais.
Assim que ela desligou o aparelho, ela pôde ouvir:
- Quem era?
- Por que ligou?
- Era ela?
Jane entortou os lábios em tédio e foi em direção ao sofá, sentando-se lá.
- A babá do Adam vai trazê-lo aqui com a irmã daqui a pouco porque disse que o pequeno havia combinado de jogar vídeo-game com Bernardo - ela dizia sem emoção, fitando a mesa de centro com as mãos jogadas ao lado do corpo.
- Quem é Adam, meu Deus do céu? - quis saber com a voz esganiçada, fazendo Jane olhá-lo incrédulo.
- Amigo do teu filho - ela deu ênfase.
- Ah, não gravo nomes, você sabe...
- Então nós já vamos - pigarreou, levantando. Mas somente o deu atenção, tanto quanto Jane mantinham seus olhos fixamente na mesa de centro, pensativas. e se entreolharam, confusos.
- O que tá havendo, gente? - quis saber, cauteloso.
- Estou pensando na minha amiga, sabe... - comentou, mas parecia dizer no automático. Seu corpo estava ali, mas seus pensamentos em outro lugar. - Sei lá, ela poderia não precisar por isso sozinha, como melhor amiga era meu dever está com ela e tudo mais... Mas eu fracassei - deu de ombros, tentando segurar um pouco das lágrimas repentinas. - É, eu fracassei...
soltou um suspiro após trocar olhares com novamente.
- ... - ele começou, gesticulando sutilmente. Ela não o olhou, mas ele continuou: - Eu não sou um cara de palavras bonitas e essas coisas... Mas a culpa não é sua se sua amiga conseguiu arrumar uma amiga da onça, sabe? - ele sentou-se ao lado dela, enquanto suspendia a sobrancelha para aquela cena. Jane? Nem prestava atenção em nada do que estava acontecendo. - Você deveria ter a consciência limpa por ter feito tudo que você podia... - ele não percebia, mas a expressão da garota ao seu lado mudava de triste para contente vagarosamente. - E você sendo melhor amiga, com certeza vai conseguir conquistar a de novo. Não fica assim, isso tudo vai passar e... - quando ele estava prestes a abraçá-la em consolo, levantou-se depressa. Ela havia parado de prestar atenção no que ele dizia após o 'consciência limpa'.
Ela foi em direção ao quarto de , sem ao menos pedir licença, fazendo bufar e rir.
- Eu aqui tentando ser sensível e ela nem presta atenção...
levantou-se, ainda rindo, e foi atrás de , sem perder a oportunidade de dar um tapa na testa de .
- O que está fazendo? - quis saber ao adentrar o quarto e dar de cara com revirando a parte do armário de .
- Cadê, cadê, cadê?! - ela nem havia dado muita atenção à .
- Me fala o que tá procurando que eu posso te ajudar - ele disse, sentando-se na cama com os braços cruzados.
- O diário, cadê? - ela quis saber, ainda mexendo naquela papelada.
- No fundo do armário - ele respondeu simplesmente, ainda um pouco confuso.
Quando achou, ela deu um sorriso, pegando-o e o abrindo depressa.
Leu linha por linha e passou página por página, com o coração batendo forte.
Quando achou finalmente o que queria, ela mostrou um sorriso maldoso.
- Grace!
- Hãn? - um confuso quis saber do que ela estava falando.
- Essa é a prima! - rapidamente, entrou em alerta, sentindo uma pontado no estômago. Levantou-se rapidamente.
- Como você sabe? - ele quis saber, levando seus olhos ao diário aberto nas mãos de .
- Está escrito: Grace era o tipo de pessoa que você precisa manter longe para não se irritar. Suas palavras soam invejosas, às vezes, e por um tempo eu pensei que ela não fosse lá tão minha amiga, embora ela me quisesse sempre por perto. Só pode ser ela, !
- Tudo bem, só temos um problemão - comentou, a fazendo olhá-lo.
- O que?
- Eu nunca vi essa Grace na minha vida.
suspirou.
- Nada nos ajuda... - ela entristeceu, fechando o diário e o colocando no lugar enquanto ouvia a voz de :
- Eu marquei de me encontrar com ela sábado e...
- Posso ir junto?! - se virou, os olhos brilhando só de pensar na ideia.
- E o que eu disse sobre ir devagar? - isso a fez murchar.
- Está certo, a gente pode assustá-la, né? - ela soltou outro suspiro, ele assentiu. - Bem, . Eu vou pra casa. Faltei hoje o trabalho e se meu marido descobre, eu to frita... - ela tentou uma risada, mas saiu sem emoção.
Deu um beijo na bochecha do rapaz.
- Se tiver mais alguma novidade, me liga - ela disse com um meio sorriso, saindo do quarto com ele atrás.
Passou pela sala e Jane continuava fora do ar. se virou para trás, olhando confusa para , que devolveu o olhar e então olharam para . Ele suspendeu os ombros, mostrando que não sabia de nada, mas que estava assustado com aquela falta de palavras.
- Jane? - tomou a iniciativa, fazendo-a olhá-lo vagarosamente. - O que houve?
- Só estava pensando - ela sorriu fraco. E voltou a fitar o tapete a sua frente.
Com um suspiro, foi em direção a ela e a deu um beijo na bochecha, despedindo-se.
- Tchau, gente - ela disse alto, indo em direção a porta.
- Vou contigo - levantou-se, foi em direção a Jane e fez o mesmo que havia feito, enquanto sentava-se no sofá que antes e estiveram.
Despediram-se novamente e foram ao quarto das crianças, despedindo-se outra vez.
Quando foram embora, finalmente, decidiu se pronunciar:
- Quer conversar? - ele perguntou receoso e cuidadoso.
Ela o olhou aos poucos, e quando seus olhos estavam um compenetrado no outro, ela sorriu fraco.
- Você não me entenderia - ela desviou o olhar, sentido-os marejados.
- Eu posso tentar...
Com a frase, Jane sorriu novamente. Mas hesitou olhar em seus olhos para não mostrar o que realmente estava sentindo.
- Acontece que... Vendo você lutar assim pela ... - ela o olhou carinhosa - Bate uma invejinha, sabe? - contorceu o cenho, confuso. Mas ela foi rápida em explicar: - Por favor, não entenda mal! Estou dizendo no lado bom... Aliás, não sei se existe lado bom - deu de ombros - Mas eu tenho tantas coisas guardadas, sabe, ? - ele podia sentir a dor que aparecia repentinamente nos olhos daquela mulher. - Lembra que eu te disse sobre ter uma família, e filhos e tudo mais? - ela o olhou novamente, e sorriu quando o viu assentir. - Eu tenho meus motivos, nem sempre a gente pode o que a gente quer e, naquele momento, vendo você desprezar a Lauren daquele jeito, sei lá, me revoltou porque você tinha tudo o que eu queria e estava quase jogando fora, entende?
- Jane, por Deus, foi reação do momento, eu... Eu amo minha filha - ele disse, a voz trêmula e fraca na última frase.
- Eu sei, , eu acredito em você - ela tentou um sorriso, fazendo-o sorrir por saber que ele havia passado a segurança que tanto queria.
- Você... Você quer me contar o que tá acontecendo? - ele perguntou, novamente voltando com o tom receoso.
Ela pensou um pouco, entortou os lábios. Mas sorriu triste.
- Eu ainda vou te contar... Mas não agora.
- Sem problemas - sorriu, se levantando. - Quer um café?
- Bem quente, por favor.

Capítulo 15


Eu acredito em nosso destino


O relógio digital na parede marcava sete da noite.
estava perdido em pensamentos desde que Jane fora embora, carregando consigo uma ansiedade enorme dentro do peito.
Lauren brincava de boneca com Clair, irmã de Adam, em seu quarto bege.
Já seu irmão, jogava vídeo game com Adam na sala enquanto tentava arrumar a bagunça que eles faziam. Claro, aproveitou que não havia ido trabalhar.
Minutos depois, Bernardo pediu ao pai para fazer pipoca.
Ele olhou o relógio.
- Ben, se eu fizer pipoca, você não vai jantar - ele dizia enquanto carregava roupas sujas do quarto das crianças para o banheiro onde havia a máquina de lavar.
- Eu prometo que vou jantar, pai! - ele gritou da sala, convicto.
sorriu, ajeitando as roupas dentro da máquina e a colocando para funcionar.
Foi em direção a sala, parando ao lado do sofá com as mãos na cintura.
- Se você não jantar, vai acontecer duas coisas: primeira, eu vou ficar chateado com você. Segunda, eu não vou contar a história que te prometi - ao ouvir a frase inteira, Bernardo olhou para seu pai instantaneamente.
- Pai, não é justo você quebrar a promessa! - reclamou, formando um bico enquanto ainda encarava . Aproveitara que estava na vez do seu amigo jogar.
- Se você não jantar, você também vai estar quebrando sua promessa - suspendeu a sobrancelha, em sinal de que ele estava certo.
- Tudo bem - Bernardo respondeu derrotado.
Na verdade, não ligava se ele não jantasse essa vez. Estava com os amigos, não via problema algum em lhe dar pipoca para se divertir e ficar uma vez, apenas, na semana sem comer à noite.
- Então faço a pipoca e você janta, combinado? - mas não havia mal algum se ele quisesse comer depois.
- Está bem, pai - ele ainda dizia com a derrota visível, fazendo balançar a cabeça negativamente com um sorriso.
Preparou a pipoca do jeito que eles gostavam: com manteiga, mas de forma moderada. Afinal, ainda eram crianças.
Entregou um pote de plástico escrito 'Popcorn' para ele e depois levou um para Lauren, fazendo-a prometer que jantaria também. Essa era gulosa; comeria a pipoca, o jantar, e até um pouco de sorvete depois.
Quando o relógio bateu exatos 9h20, a campanhia tocou, fazendo - que antes estivera deitado no sofá maior, dando opiniões não pedidas a Adam e Bernardo em relação ao jogo - levantar-se e atender, mesmo sabendo que era a babá de Adam e Clair.
- Oi, vim buscar meu pequenos - a babá de cabelos loiros sorria para quase de maneira provocativa.
Ele assentiu, deixando a porta aberta e indo em direção ao quarto das crianças. Chamou Clair junto a Lauren e depois Adam e Bernardo.
Se despediram e foram embora.
Tomaram banho, deixando o banheiro molhado e escorregadio. Mas o mais velho não ligava para isso mais; estava de bom humor, então ele mesmo limpou enquanto Lauren e Bernardo trocavam de roupa.
Antes de servir o jantar, ele separou um remédio para Lauren, já que ela continuava espirrando, e então pôs a comida favorita dos dois nos pratos: macarrão instantâneo com feijão refogado em tempero.
- Uhul, minha comida favorita, pai! - Bernardo comentou salivando, enquanto observava seu prato do Batman ser posto na mesa.
- Eu sei - ria da alegria dele, colocando o prato da Barbie para Lauren também sobre a mesa.
- Agora você vai contar a história pra gente, não é? - ela dizia tropeçando nas letras, os olhos presos no macarrão que parecia estar muito bom.
- Não é melhor na hora de dormir? - ele quis zombar com a cara deles, indo em direção a cozinha para apanhar seu prato com carnes e saladas.
- Ah, nem vem, pai! - Bernardo reclamou, fazendo rir por já esperar essa reação.
- Tudo bem, eu conto - ele sentou-se, suspirando enquanto separava seus talheres. Lauren já se lambuzava ao seu lado.
- Eba! - soltaram um gritinho de excitação, preparando-se para comer.
- Então, - ele ajeitou o garfo e a faca para começar a comer - muito tempo atrás, existia uma moça que ela conheceu um homem quando ela ainda era pequena, da idade de vocês, mais ou menos - ele pôs um pedaço de carne na boca. Mastigou um pouco, enquanto seus ouvintes se divertiam com o macarrão, aguardando-o. Após engolir, ele continuou: - Eles eram diferentes, mas se gostavam muito...
- Diferentes como? - Bernardo quis saber, unindo suas sobrancelhas ralas numa só.
pensou um pouco, passando a língua pelos lábios.
- Ela era certinha demais, com manias diferentes das dele - falou cauteloso, não queria que entendessem errado. - Ele não ligava para nada, gostava de sair na rua e fazer coisas que vocês só vão entender e - deu ênfase - fazer, talvez, quando estiverem do meu tamanho, que fique claro - ele disse num tom de bronca, mas voltou ao tom normal quando continuou: - Aí a moça precisou da ajuda do moço para fazer uma coisa que ela sempre quis, porque eu acho que ele era o único que podia ajudar a ela - ele gesticulava levemente, começando a suar por se lembrar daqueles tempos.
- Ele ajudou ela, pai? - Bernardo perguntou distraído com seu macarrão, mas seus ouvidos estavam atentos.
- Ajudou, mas aí vieram muitas coisas boas e vieram muitos problemas também - neste momento ele se amaldiçoava por dentro por ter tido essa maldita ideia. Ele sentiu seu corpo pedindo, implorando para parar, já que ele estava mexendo no que estava quieto, no que estava guardado às sete chaves lá no fundo dos seus sentimentos.
- Por quê? - vez de Lauren questionar, olhando-o com curiosidade.
- Exatamente por eles serem diferentes - ele disse vagarosamente. Agora sua comida no prato já não tinha mais interesse nem para seu estômago, que antes roncava.
- E o que ele tinha que fazer pra ajudar ela? - Bernardo já estava quase acabando, de tão feroz que comia aquela refeição.
refletiu.
Mesmo que dissesse que ele teria que casar com ela, eles não entenderiam.
Tentaria de outra forma:
- Ele tinha que prometer a ela que a amaria para sempre. E ela tinha que fazer a mesma coisa - ele não disse rápido e facilmente, pelo contrário: cada letra, cada palavra fora dita com dificuldade, seus olhos fitando o nada.
- E eles conseguiram? - Lauren pegava a última garfada de seu macarrão banhado com feijão.
- É proibido quebrar uma promessa, pai - Bernardo lembrou, confuso com o que ele dizia.
- Não se pode quebrar uma promessa, Ben - o mais velho se concentrou e olhou Bernardo nos olhos. - Mas algumas coisas não dá para evitar... Você só vai entender quando estiver um pouco maior - ele tentou um sorriso. Este saiu mais para uma careta.
- E, Lauren - virou para ela, ainda com aquele sorriso murcho -, ninguém sabe se eles conseguiram ainda - ele voltou seu olhar para o prato com sua comida quase fria. Apanhou o garfo novamente, tentando se distrair e se alimentar. - A moça foi embora e deixou ele. Ele não entendia porque ela foi embora sem falar com ele. Então o moço achou que eles não conseguiram manter a promessa - ele remexia insistentemente em seu jantar. - Até que a moça apareceu para ele de novo... Ele achou que tinha esquecido dela, porque ficou muito tempo sem vê-la.
- E aí sim eles viveram felizes para sempre, não é? - Lauren sorria, esperando que seu pai assentisse, tirando base nos contos de fadas que ele lia para ela de vez em quando.
- Não é bem assim, Lauren - ele disse rouco, um bolo se formando na garganta. Mas ambos eram ingênuos demais para perceber que contar àquela história estava acabando com ele por dentro. - A história ainda não chegou no final... - deu de ombros, realmente sem acreditar muito que aquilo chegaria num fim. - Você lembra... - engoliu em seco - Aquela moça? Aquela que... Eu prometi te contar a história? - Lauren assentiu sorrindo. - Ela é uma pessoa que queria te mostrar que final feliz nem sempre existe - ele sentiu seu estômago revirar por pensar na possibilidade de sua história não ter um final feliz. - E ela não está... Errada.
- Mas ela existe? Eu não me lembro dessa moça, papai - ela comentou, os olhos confusos sobre o mais velho.
- Nem eu... - Bernardo se intrometeu, abismado do mesmo jeito que a irmã.
- Eu vou mostrar vocês a ela no sábado, combinado? - ele aproveitou a deixa, tentando sorrir quando eles gritaram de animação. Esqueceu, até, que a dita cuja era a professora de Bernardo.
- Aonde a gente vai? - como sempre, Lauren estava animada. sabia que ela o encheria de perguntas.
- No shopping - ele respondeu enquanto se levantava, apanhando os pratos vazios.
Levou para a cozinha, ouvindo os pequenos comemorarem de onde estavam.
abriu a geladeira, pegando um pouco de suco e colocando uma quantidade razoável nos copos decorados com animais selvagens.
Deu a eles e aproveitou para pegar seu prato, levando-o quase cheio para a cozinha.
- Termina de contar a história, pai - Bernardo pediu após tomar um gole do seu suco de uva.
- Ela ainda não tem um final feliz, Bernardo - ele comentou, lavando a louça com vontade alguma.
- Você não disse que nem todas as histórias tem final feliz? - Bernardo o olhava ainda sentado em sua cadeira da mesa.
- Mas essa história ainda não chegou no final.
- To confusa, pai - Lauren comentou, bebendo um pouco de suco depois.
terminou de lavar a louça com um suspiro. Enxugou as mãos e foi para o corredor, vendo que os pequenos haviam terminado de tomar sua bebida.
- Venham lavar a boca - ele apontava para o banheiro, já próximo ao cômodo, esperando pelas crianças.
Após escovarem os dentes, um implicando com o outro, foram para o quarto saltitando - embora estivessem com sono, realmente.
Lauren deitou-se coçando os olhos pequenos, enquanto Bernardo se colocava sentado ao lado da cama da irmã, esperando ansioso para cantar para ela. sentou-se no chão ao lado de Bernardo, esperando sua filha ajeitar-se com as cobertas.
- No que você está confusa? - ele retornou ao assunto, não ia ignorá-la.
- Essa moça que ainda não teve final feliz, - começou falando embolado, mas seu pai já conseguia entendê-la - ela é a aquela mesma daquela outra noite? - seus olhos pequenos não passaram apenas confusão, mas sono também.
- É a mesma. Você lembra o nome dela? - ele quis saber com um sorriso, enquanto ela procurava na memória boa o nome da mulher que ele havia dito.
- ? - ele enrolou a língua ao pronunciar o nome, mas tanto quanto Bernardo entenderam o que ela quis dizer.
- É o nome da minha tia! - Bernardo comentou contente, pendurando-se na cama de Lauren - mesmo esta sendo baixa.
Instantaneamente, olhou para ele ao seu lado.
- Depois a gente conversa sobre isso... - ele não sabia se era preguiça ou falta de vontade de falar para eles essa confusão toda. Talvez achasse que não era a hora certa. Ainda.
- Eu já posso cantar? - Bernardo perguntou em dúvida, olhando para com os olhos pesado. - Estou com sono - ele piscou os olhos diversas vezes, na falha tentativa de mostrar que estava realmente com sono.
- Tudo bem - sorriu. - Boa noite, crianças.

's POV On.

Acho que não preciso comentar quantas vezes me ligou para tentar me convencer de que poderia ir à creche buscar as crianças. Alegou que Jane parecia cansada nos últimos dois dias e que talvez ela precisasse descansar. Em todas as vezes Jane ria das minhas tentativas de explicar a ela que talvez isso não fosse uma boa ideia, já que eu mostraria a primeiro às crianças. Eu sabia que o impacto ao ver Lauren seria imenso, já que ela lembra a mãe até nos fios de cabelo. Então eu não queria que ela ficasse perdida ao reencontrar a amiga... Eu não sabia qual seria a reação dela, e se isso seria realmente bom.
suspirou derrotada na última tentativa, na sexta feira.
Lauren tossia ao extremo e eu quis levá-la ao médico. Mas Jane disse que poderia levá-la enquanto Bernardo estivesse no colégio, e assim ela fez.
Ao chegar em casa, ela me contou que Lauren estava apenas resfriada mesmo e que, dando os remédios recomendados e nos horários corretos, ela melhoraria dentro de alguns dias. Já era de esperar, não era a primeira vez que ela ficara resfriada, claro.
Jane não me disse mais nada se conseguiu rever , ou se conseguiu falar com ela. Eu também não tentei, já que Jane parecia estar incomodada, ou algo parecido com isso. Não que eu me importasse tanto. Mas podendo evitar, eu evitaria falar sobre com Jane.

No sábado, acordei nervoso e ansioso. Na verdade, eu não consegui dormir a madrugada inteira, pensando em como seria e me xingando por marcar com ela tão tarde. Quero dizer, podíamos sair pela tarde; ai teríamos mais tempo e eu não olharia para o relógio de cinco em cinco minutos, desejando que a hora passasse logo.

Nervoso, arrepiei o cabelo pela vigésima vez, já dentro carro, vestindo minha camiseta cinza e minha calça jeans.
Eu não entendia muito de moda infantil nem nada do tipo, mas Lauren estava apresentável com seu vestido lilás que ela gostava. Coloquei uma daquelas faixas quase da mesma cor em seus cabelos molhados e em Bernardo eu pus sua bermuda marrom clara. É, eu sei, mas ele insistiu para que eu pusesse sua camiseta do Ben 10. Como eu não estava com vontade de me irritar, eu suspirei e acabei colocando a camiseta verde que ele tanto queria.

Eu podia sentir o suor descer por minha testa, fazendo-me sentir um adolescente ridículo e não um homem de 25 anos.
Desci do carro ao estacionar no shopping e tirei os pirralhos da cadeirinha do banco de trás.
- Você vai me comprar um Milk Shake? - Lauren me perguntou enquanto eu desabotoava o cinto de Bernardo. Ela já estava do lado de fora, bem atrás de mim. Claro, eu ri com a pergunta.
- Você não vai aguentar a tomar aquilo sozinha, Lauren - eu lhe disse ainda num tom risonho, colocando Bernardo no chão.
- Claro que vou, papai - ela fez um biquinho, juntando as mãos na frente do corpo.
- Ah, Lauren, não faz essa cara... - eu também formei um biquinho, fazendo Bernardo rir por entender que eu estava imitando-a.
- Você me compra um também?! - Bernardo chamou minha atenção, fazendo-me olhá-lo com a sobrancelha suspensa.
Virei-me para o carro, trancando-o.
- Vamos fazer o seguinte: - voltei para eles, mostrando-lhes minha mão para que eles a segurassem, um de cada lado - Eu compro um Milk Shake e vocês dividem - comecei a andar na velocidade deles, carregando-os comigo. Bernardo saltitava, enquanto Lauren me olhava, esperando pelo final da minha proposta. - Se não for o suficiente, aí eu compro outro e vocês dividem novamente.
- Tá bom - responderam juntos e Lauren voltou seu olhar para frente.
Dei um suspiro, meu cérebro me lembrando que eu a reencontraria.
Não que eu estivesse esquecido disso, mas eu relaxei nos minutos anteriores. Agora eu podia sentir meu maxilar ficar tenso e meu semblante meio preocupado.
Soltei outro suspiro, parando próximo a entrada do shopping.


Flashback - Narração em terceira pessoa.
Alguns meses atrás.

Seus cabelos foram postos pelo médico delicadamente atrás da orelha, deixando à mostra suas olheiras tanto quanto os lábios ressecados. Uma criança diria facilmente que ela estava dormindo tranquilamente, enquanto seu peito subia e descia lentamente. Os olhos fechados e sob as pálpebras nenhum vestígio de que estava sonhando ou delirando.
A porta branca e pesada foi aberta e Grace pôs sua cabeça para dentro, mesmo sabendo que não havia ninguém ali e que não estaria acordada. Ela entrou de vez no quarto, fechando a porta com cautela, embora a paciente sobre a maca não fosse acordar com o simples barulho da porta sendo batida. Quem dera que fosse apenas isso para fazê-la acordar.
Deixou sua bolsa sobre o sofá de couro marrom próximo a janela de vidro fechada e então se aproximou de lentamente com um sorriso.
- Eu cheguei, minha flor - ela dizia enquanto levava uma das mãos à cabeça de . Ela massageou os cabelos da amiga num carinho gostoso, olhando-a como se estivesse acordada, recebendo aquele olhar carinhoso que estava sendo lhe lançado. - Você não sabe o que eu preparei para você! - disse num sussurro, mas animada ao mesmo tempo. - Separei aqueles álbuns fotos da nossa infância! Isso não é um máximo, ? - ela continuava a alisar os fios sem vida de . - Assim que você acordar, amiga, eu serei a primeira a te mostrar... Eu não vou te abandonar, sabe? Vou mostrar as fotos da nossa juventude feliz, só você e eu, amiga... - ela dizia lentamente, seu sorriso preso na face como se fosse parte dela. - E será sempre assim, somente eu e você... Mais ninguém para nos atrapalhar como antigamente - suspirou, fazendo uma força tremenda para segurar suas lágrimas que resolveram aparecer, igual aos dias anteriores. - Lembra que costumávamos ir ao shopping? Somente eu, você, Peter e Rob? - ela voltou seu olhar para o nada, criando em sua cabeça imagens que nunca aconteceram, realmente. Grace estava sonhando acordada, dizendo a sua ouvinte tudo o que ela desejaria que acontecesse e não o que houve, de fato. Mas ela não percebia isso, ela não ligava para isso; simplesmente dizia. - Estou com saudades desses tempos, estou louca para que você saia desse hospital pra que possamos voltar a ser como era antes - voltou seu olhar a ela, piscando lentamente. E, finalmente, aquela lágrima presa nas pálpebras havia sido derramada. - Eu sinto tanto sua falta... Não tem ninguém aqui na Terra que possa substituir você, sabe? - sorriu para ela mesma, sabendo que, como nos dois anos anteriores, não teria resposta. - Eu vou me sentar ali no sofá e esperar que você acorde hoje. Você pode me chamar, se precisar, está bem? - disse quase de forma doentia, agachando-se sobre ela e lhe dando um beijo demorado na testa.

Fim do Flashback


Alguns minutos se passaram e nada. Olhei o relógio novamente: sete e vinte.
Eu já estava tenso, sabendo que ela estava vinte minutos atrasada me deixava mais tenso ainda. Não que eu estivesse chateado por ela atrasar. Mas eu já estava colocando na minha cabeça que ela não viria mais quando eu a vi vindo com sua calça jeans escura, uma camiseta preta caindo pelos ombros - e aquilo era extremamente sexy, eu diria - e sua sapatilha. Soltei o ar pelos pulmões, aliviado.
- Olha lá, pai! - ouvi a voz de Bernardo e ele apontava descaradamente para .
Ao ver para onde Ben apontava, instantaneamente Lauren grudou em minha perna, colocando seu dedo na boca.
- Que foi, pequena? - apesar de querer fitar , eu olhava para a criatura que segurava forte minhas pernas, querendo se esconder dentre elas.
Eu sabia que ela não responderia, e nem houve tempo de responder, já que vi pelo campo de visão Bernardo se afastar depressa.
Já tinha o ar nos pulmões para gritá-lo, mas perdi a fala quando eu o segui com o olhar e percebi que ele ia de encontro a , que abria os braços para ele com um sorriso. Ponto pra mim! Meio caminho andado.
o beijou no rosto, como se fosse íntima de Bernardo e isso me fez sorrir, já que ela não demonstrou ter nenhum receio quanto a ele. Só preciso rezar para que sua reação seja a mesma ao saber quem é ele de verdade.
Acordei dos devaneios quando ela o soltou e olhou em minha direção. Senti o estômago revirar, novamente me lembrando que eu não to na adolescência. Mas era inevitável.
Eu sabia que suas bochechas estavam quentes, era a única parte do corpo que ficara levemente vermelha agora, enquanto ela colocava uma mecha de cabelo para trás da orelha ao mesmo tempo que Bernardo tagarelava e a puxava pelos pulsos em minha direção.
Soltei um suspiro pesado e me agachei, fazendo Lauren me olhar.
- Ela é a moça que eu te contei a história. Não quer dar um abraço nela? - Lauren me olhou insegura e receosa, ainda com um dedo na boca.
- Minha tia da creche! - Bernardo tinha uma animação fora do normal, parado diante de mim.
Soltei uma risada anasalada, de nervoso, e me levantei.
Ao olhar em seus olhos, senti minhas mãos suarem. Eles brilhavam da mesma forma que brilhavam em três anos atrás.
- Oi... - sua voz foi quase inaudível e sorri instantaneamente ao cair a fichar e perceber que ela estava ali, na minha frente.
Aparentemente, ela não havia percebido que Lauren estava ali, já que quando ela abaixou seu olhar para analisá-la melhor, ela arregalou os olhos e pôs a mão na testa. Fechei a expressão.
- Ei, você está bem? - foi difícil me aproximar, já que Lauren ainda estava me segurando.
Ela não respondeu, apenas fez um sinal com a mão me pedindo para esperar. Como assim, 'esperar'?
- Quer ir ao médico? - eu perguntei visivelmente preocupado e me aliviei quando pude ver um sorriso no canto de seu lábio.
Ela negou com a cabeça, ainda com os olhos presos em Lauren. Esta me agarrava mais a cada segundo, sentindo que não parava de lhe olhar.
- Ca... Carmen? - ela disse baixo e confusa, e Lauren me olhou mais confusa do que sua mãe.
Eu também estava confuso. Quem era Carmen?

Flashback
3 anos atrás

- Se for menina, qual vai ser o nome?
- Pensei em Carmen, eu adoro esse nome.
- Eu pensei em Laura.
- Tudo bem, então (...) Pode ser Lauren!
- É, eu gostei! Mas e se for menino?
- Hm, eu gosto de Charlie.
- Pode ser.

Fim do Flashback

Soltei um gemido quando voltei no tempo e percebi que sua cabeça deveria estar num quebra-cabeça.
- Calma - eu disse cuidadoso - Eu sei que essa não deveria ser a melhor forma de começar isso tudo, mas eu vou te explicar daqui a pouco - avisei, procurando seu olhar, já que ela ainda estava estática, com a mão na testa e os olhos em Lauren.
Quando voltei um pouco mais a fita, abri um sorriso do tamanho do mundo: ela havia lembrado alguma coisa.
Agachei-me, tendo em mente que eu estava no comando da situação.
- Vai dar um abraço nela. Provavelmente, ela deve estar esperando por isso - sussurrei próximo em seu ouvido e ela fez uma careta manhosa. - Vai, Lauren... - disse-lhe calmo novamente e, quando me levantei, Bernardo me pedia colo e já havia se recomposto.
Peguei Bernardo, reclamando em seu ouvido:
- Tu tá pesado à beça pra me pedir colo, moleque - ele riu, agarrando meu pescoço.
Mesmo receosa, Lauren se aproximou de . Ela olhou para mim, seus olhos pequenos e claros me pediam permissão para abraçá-la. Pôs um dedo na boca, insegura, e então se virou para a mais velha novamente.
Não era só ela que estava se sentindo insegura. me olhou, um pouco abismada, assustada e, sem dúvidas, maravilhada com a criança em sua frente.
Quando se abaixou para apanhá-la no colo, eu estremeci. Sabia que era meu psicológico, mas era irresistível o gostinho de saber que elas estavam, depois de tanto tempo, se conhecendo pela primeira vez.
Eu tinha em mente que não seria fácil explicar toda a situação para , muito menos para Lauren, mas isso era apenas questão de tempo.
Eu vi a boca de pronunciar algo para Lauren que eu não consegui entender nem ouvir; o sorriso começando a nascer em seu rosto me deixava confortável por saber que agora ficaria tudo bem. Estava, ao poucos, tudo voltando ao normal.

Lauren ainda estava incomodada com a presença de . Não por vergonha, mas eu sabia que ela achava estranho o fato de ter o rosto parecido com o dela. Mesmo ela sendo ingênua pra perceber isso, eu sabia que ambas sentiam. Tinha algo dentro delas que era mais forte que o contato físico e eu já passei por essa experiência com Lauren também.
Com o passar dos minutos, ela foi se soltando ao notar que Bernardo conversava com normalmente e feliz. Ela, provavelmente, confiou no irmão para poder ter confiança na sua própria mãe.
Andávamos pelo shopping com as crianças no meio, Lauren me dando a mão e ela dando a mão a Bernardo, que dava a mão a .
Não trocamos muitas palavras de início, elas se resumiam a respostas dadas às crianças.
Após tossir e espirrar, Lauren se animou em dizer a o que eu havia dito a ela:
- Meu pai me contou sua história ontem pra gente! - ela disse ingênua e eu quase cuspi minha saliva.
Senti as bochechas esquentarem e olhei para , visivelmente assustado.
- É? - ela me olhava com um sorriso, e então abaixou os olhos para a pirralha tagarela e x9 novamente: - E o que ele contou?
- Eu posso contar, pai? - Lauren me olhou, e isso era dela: sempre me pedia permissão, até pra ir ao banheiro. Mas ela não sabia o quão mal educado aquilo soou.
- Hum, pode... - eu tentei não gaguejar, mas foi um pouco em vão.
Minhas bochechas ainda esquentavam enquanto a mini- olhava para a mãe novamente.
- Vamos nos sentar ali - apontei para um mesa vazia na praça de alimentação, bem no canto, onde tinha aquelas poltronas de couro marrom embutidas.
As crianças soltaram nossas mãos e foram correndo até lá. Segui-os sem olhar para , mesmo a vontade sendo enorme.
Eles sentaram na poltrona, os pés balançando, e eu sentei de frente para Lauren, enquanto Bernardo quis sentar de frente para .
- Olha, - ela começou, apoiando os braços na mesa - meu pai contou que você conheceu um moço quando tinha a minha idade e disse que você era diferente dele... - olhei para de soslaio rapidamente, e ela tinha o rosto contorcido, tentando entender o que Lauren dizia, já que seu vocabulário ainda não era claro.
- Ele disse que você fazia coisas legais e ele não fazia - Bernardo lembrou, nos chamando atenção.
- É! Ele falou que você pediu ajuda pro tio pra... Hm - Lauren se enrolou e tentei ajudá-la:
- Conseguir, Lauren... Conseguir o que ela queria - sorri, sentindo o olhar de em mim.
- Ai ele disse que pra eles con...seguirem, ela tinha que prometer que ia amar ele pra sempre - Lauren levantou os braços, animada com o que ela dizia. Poderia ver em seus olhos o sonho que ela estava tendo, achando que se tratava de príncipes encantados e carruagens em forma de abóbora.
- Ele tinha que prometer que ia amar ela pra sempre também - Bernardo se intrometeu novamente, debruçando-se na mesa enquanto encarava , que sorria de lado.
- Mas, papai, você não disse o que ela queria conseguir - Lauren me olhou tristonha, e eu não tinha ideia do que dizer a ela.
Engoli em seco.
- Um dia eu converso com vocês sobre isso...
- No mesmo dia que vai contar pra gente se a história teve final feliz pra sempre? - Bernardo quis saber com os olhos brilhando, mesmo não gostando muito de contos de fadas. Bom, se ele gostasse tanto quanto a irmã, eu ia achar, no mínimo, estranho.
- Pode ser - dei de ombros, soltando uma risada nervosa pelo nariz.
- Você também não disse quem era o moço - novamente, eu quase cuspi minha saliva com as palavras de . Não que eu não tivesse pensado nisso; mas eu não esperava isso vir dela e naquele momento.
- É mesmo, pai! - os dois em minha frente disseram em coro, fazendo-me fuzilá-los com o olhar.
Tudo bem, eles não tinham culpa de nada.
Soltei um suspiro, sentindo que minha vontade era de ir ao banheiro e disse:
- Bom, er, o moço era eu - eu demorei quase dez segundos para pronunciar essa simples oração.
Sorri torto e amarelo, ainda sentindo o olhar de em mim junto as crianças. Olhei-a e ela possuía a expressão confusa, embora tivesse um sorriso no rosto.
- Você só complica tudo, pai - Bernardo resmungou, olhando-me com sua expressão cansada.
- Pode ir tirando esse olhar da cara... - avisei, vendo-o rolar os olhos tipo eu.
- Vamos ver se eu entendi - ouvi a voz de ao meu lado e olhamos para ela instantaneamente, que tinha os braços cruzados sobre a mesa, debruçando-se de maneira infantil, quase igual a Bernardo - Então eu e seu pai nos conhecemos quando era do tamanho de vocês. Eu queria algo que o pai de vocês ainda não revelou, e eu precisava da ajuda dele. Ele aceitou, prometeu me amar pra sempre e eu prometi amá-lo pra sempre e eu consegui o que queria... É isso?
Ela dizendo naquelas palavras, soava tão romântico... Que chegava a ser patético.
As crianças assentiram, convictas.
- Que tal mais uma volta? - eu me vi dizendo.
Dei um sorriso amarelo, um pouco desconfortável com a situação e então eles levantaram sem nem responder.
também se levantou e então voltamos na posição inicial: uma correntinha caminhando pelo shopping quase cheio.
Eu estava muito ocupado pensando se ela conseguiu lembrar alguma coisa com o que as crianças disseram e eu rezava para que sim, ela tivesse lembrado.
Até que uma Lauren parou na minha frente de repente, fazendo-me parar também.
- Me deixa ir?! Por favor, pai! - Lauren pedia, as mãos grudadas uma na outra.
Ela se referia àquele espaço com brinquedos e, por um instante, pensei em deixá-los ir depois para ficarem um pouco mais com .
Mas pensei bem: eu poderia aproveitar a oportunidade e conversar com ela e esclarecer o que estava acontecendo.
- Tudo bem - eu disse num tom derrotado para colocar mais drama.
- Eu também quero ir! - Bernardo disse antes mesmo de eu ter concordado.
- Mas depois vamos comer alguma coisa, tá legal? - avisei enquanto rodopiava o indicador no ar, fazendo-os entender e se virar para irmos em direção ao tal 'Descanso para os pais'.
- Eu posso pagar de um e você paga do outro? - ouvi a voz de e me virei para negar veemente, mas ela me olhava com uma expressão manhosa que eu não via faz muito, muito tempo. Desse jeito eu não resisto...
- Por que você e a Lauren tem essa mania?... - resmunguei, soltando uma risada anasalada e a ouvindo rir também.

As crianças entraram felizes da vida e nem me deram beijo nem nada do tipo. Quando a atendente deixou-os passar pela roleta, eles sequer me olharam.
- Credo, nem pra me mandar tchauzinho - resmunguei, fitando-os subir numa escada que dava para dentro de um tobogã.
Ouvi a risada de e a verdade era que eu não estava com coragem para olhá-la nos olhos novamente estando sozinho.
Soltei um suspiro, perdendo o sorriso, e abaixei a cabeça para me concentrar. É, muito drama, mas a adrenalina também era muita.
- Vamos... Ao McDonalds? - ouvi sua voz e soltei uma risada anasalada, finalmente a olhando.
- Vamos - eu dei as costas, controlando-me para não ter contato físico para não assustá-la.
Pigarreei, antes de começar:
- Me desculpa pelo o que eles disseram, eu...
- Que isso, sem problemas - ela não me olhou: tinha a cabeça baixa, uma mecha de cabelo atrás da orelha e as bochechas levemente ruborizadas.
- Mas... Você conseguiu se lembrar de algo? - começou a tossir com minha pergunta, fazendo-me parar no meio do shopping e lhe dar uns tapas nas costas.
Aos poucos ela foi parando.
- Quer uma água? - ela não ignorava as pessoas que a olhavam como eu estava fazendo.
- Não - deu uma última tossida - Estou bem.
Assenti, voltando a ficar ao seu lado, mas aproveitei para ficar mais perto, o suficiente para sentir seu novo perfume.
Voltamos a andar.
- Então, - pigarreou - eu não quero falar sobre isso agora, eu... Desculpa, ... Quando for o momento certo, eu falo com você sobre o que eu lembro, - ela me olhou - está bem?
- Não se preocupa - tudo bem, por dentro eu queria me matar pela curiosidade em saber o que ela estava pensando.
- Quero o maior sanduíche e você? - eu percebi o tom de desafio que ela usou nas palavras enquanto nos aproximávamos da lanchonete.
- Os dois maiores sanduíches - sorri em resposta. - E vou terminar, com certeza, mais rápido que você.

Eu não me sentia daquele jeito há muito tempo.
Já tinha ficado com outras mulheres, claro. Mas não muitas, para não atrapalhar meu tratamento da minha Compulsão. Durante 7 meses, eu tinha ali para me ajudar e me apoiar, mas quando Lauren nasceu e tudo mudou, eu lutava por mim, apenas por eu mesmo e por meus filhos. Eu não podia abandoná-los; em minha cabeça passavam-se as piores hipóteses e uma delas era a de que havia os abandonado. Não, eu não poderia fazer o mesmo que meu pai fez comigo, eu não permitiria que meus filhos sentissem a mesma dor de ser abandonados e por minha culpa.
Então nos meses seguintes decidi me manter firme com minha recuperação por causa deles, e somente eles.
Não queria fazê-los sofrer.

Então era ótimo tê-la de volta, mesmo tendo a sensação de que ela nunca havia me visto na vida. Sim, ela age como se fosse um primeiro encontro de um casal que se conheceu pela internet. Mas eu consigo ganhar a confiança dela com o passar dos minutos.
Nosso assunto não girava em torno de pessoas, mas ela me contava o que gostava de fazer, o que gostava de assistir quando estava em casa e o que tem feito ultimamente. E eu adorava ouvir, mesmo sabendo exatamente o que ela tinha para me dizer.
Não vou negar que minha vontade era de beijá-la, sentir seu gosto que eu não sentia por muito tempo, mas sabe quando você tem muito mais vontade de estar ali com uma pessoa, e somente isso basta? Era o que estava acontecendo ali.
Só de ver sua boca se movendo ao pronunciar meu nome, mesmo que em poucas vezes, me satisfazia.
Era desejo de estar com ela, nada mais.

A hora de pegar as crianças havia chegado e com ela a lembrança que já estava ficando tarde.
Fomos até lá, ainda conversando sobre "Friends".
Quando Lauren nos viu, ela acenou de lá de dentro, sorrindo de orelha a orelha.
- Está na hora, pequena - pude vê-la assentindo às minhas palavras e logo ela saiu de lá.
Nenhum dos dois eram crianças desobedientes, embora muito atentadinhos.
Eles vieram suando e saltitando após calçarem os sapatos com uma das recreadoras e saíram feito foguete lá de dentro.
- Benado caiu de bunda na piscina de bolinhas! - Lauren ria escandalosa, levando eu e junto mais por sua risada que era contagiante.
- E você que ainda usa fraldas?! - ele implicou, emburrado.
Não, Lauren não usava fraldas. Era só prazer de implicar com ela.
- Uso nada, tá?! - ela formou um biquinho, realmente sentida com o que ele havia dito.
- Está bem, chega - prendi a risada, na tentativa de mostrar moral. - Vamos comer que está na hora de ir para casa.
- Podemos ir no McDonalds? - Lauren quis saber enquanto me dava a mão e Bernardo fazia o mesmo com .
- Eu e acabamos de comer lá... Comemos um hambúrguer que aposto que você não ia conseguir comer tudo - ela me olhou incerta, mas disse:
- Vamos ver, pai.

Lauren me forçou a comprar o Milk Shake que eu havia prometido. Eu disse que ela era gulosa. Por isso aquelas bochechas enormes, me lembrando o Fofão. Mas a culpa era minha mesmo, eu que dava essas porcarias a eles. Eu não sou nutricionista, mas sou um mal exemplo de Chefe de Cozinha.
Em seguida fomos para o estacionamento. devia estar cansada também, como eu. Menos as crianças, que ainda saltitavam. A bateria deles demora para acabar, impressionante.
- Vai uma carona? - perguntei casualmente no estacionamento, colocando as mãos no bolso da calça para achar as chaves.
- Não, não precisa... Eu... Bom, eu moro aqui perto - ela disse com um sorriso.
- Ah, vai... Eu te levo até lá - insisti, abrindo a porta do carro.
Lauren não perdeu tempo e entrou no carro antes de Bernardo, ajeitando-se na cadeirinha.
Quando me aproximei para trancar o cinto, ouvi sua voz:
- Pode deixar, eu faço sozinha - ela me afastou com as mãos pequenas e fiquei ali observando sua tentativa.
Ninguém pode saber desse meu lado sentimental, mas era emocionante vê-la daquele jeito. Minha pequena estava crescendo.
- Hm, está ficando inteligente, filhota - impliquei e ela me deu língua.
Bernardo quase me atropelou para subir no carro:
- Agora é minha vez! - era óbvio que ele estava com ciúmes, mas fiz com ele o mesmo que havia feito com Lauren e fechei a porta.
- Vamos, entra - sorri para ela, que tinha os braços cruzados com um sorriso enigmático no rosto.
- Sério, não precisa - aproximei-me, sendo contagiado por seu sorriso e peguei em seu pulso, sentindo-os úmidos.
- Por favor... Eu não vou te deixar ir por essas ruas, sozinha - afirmei, bem próximo a seu rosto, ainda a segurando.
- Tudo bem, você venceu pelo cavalheirismo - ela disse, com o indicador suspenso sutilmente.
Tratei de baixar aquele dedo para olhá-la melhor nos olhos e ela foi perdendo o sorriso aos poucos, assim como eu.
Eu fitei seus lábios que agora pareciam bem mais convidativos do que quando ela pronunciava meu nome e mordi os meus por estar desejando aquela boca na minha exatamente agora.
Subi meus olhos por seu rosto, percebendo que não havia mudado nada, nem a ponta do nariz. Fitei e analisei cada pedaço de seu rosto, lembrando-me de quantas vezes nos três anos anteriores eu desejei estar tão perto assim.
Quando meus olhos fitaram o dela, eu senti que ela me desejava do mesmo jeito que eu a desejava. Foi a minha deixa para me aproximar, mesmo meus pensamentos estando longe, e meus atos não sendo mais controlados. Quando a vi fechar seus olhos, fechei os meus também, querendo trazê-la mais para perto. Naquele momento não havia mais nada em torno de nós, era só eu e ela.
Devagar, encostei meus lábios nos dela e meu corpo reagiu com um arrepio rápido junto à brisa que começara a correr em nossa volta.
Levei minha mão a sua nuca dentre seus cabelos e a trouxe para mais perto, finalmente juntando nossas bocas de vez. Eu não queria nada mais que sentir gosto, relembrar o quão ele era viciante.
Ouvi soltar um suspiro ao sentir minha língua na dela ao mesmo tempo que eu fazia carinhos dentre seus cabelos. Parecia que eu estava em outro mundo, outra dimensão. Meus pensamentos sumiram e eu podia sentir meu corpo pedindo por mais.
Nosso beijo não durou muito, já que eu ouvi alguém socar a janela do carro atrás de nós.
Então lembrei que meus filhos me esperavam dentro do carro. Suguei seus lábios antes de me afastar, ainda de olhos fechados.
Passei a língua pelos meus lábios, querendo sentir seu gosto pela última vez e então abri os olhos. Mas ela ainda estava com os dela fechados, sorrindo para ela mesma.
- É hora de ir - minha voz saiu num sussurro, fazendo-a abrir os olhos lentamente enquanto concordava com a cabeça.
Puxei-a pelo pulso, abrindo a porta para ela entrar e ela agradeceu, parecendo estar distante, mas ainda com um sorriso no cantinho do lábio.
Dei a volta no carro e me apressei a entrar.
- Eu vi, tá bom! - Bernardo deixou claro, constrangendo-me por esquecer que eles estavam bem atrás de nós.
Soltei uma risada nervosa, ouvindo fazer o mesmo e dei partida no carro.

Surpreendendo-me, ela anotou meu celular num pedaço de papel após eu ditar e guardou dentro da bolsa, mudando de assunto depois.
Aliás, quando disse que morava perto do shopping, eu não imaginava que fosse tão perto assim. Estranhei por, naquela rua, só haver prédios comerciais, mas eu não comentei nada com ela.
Estávamos parados diante do prédio que ela diz ser onde ela mora e ela me olhou, sorrindo de lado:
- Então a gente se vê - isso não foi uma pergunta.
Ela pôs a mão na maçaneta, pronta para sair. Mas eu fui mais rápido, puxando-a de volta pelo pulso enquanto Bernardo dizia para Lauren que ela era bunda suja.
- Ainda consegue confiar em mim? - mordi o canto do lábio, realmente receando a resposta.
Ela apenas assentiu, perdendo o sorriso.
- Não sei quem está com você, mas... Quero te mostrar que essa pessoa está errada, eu... Eu posso te mostrar que eu estou certo, , que eu estive lá com você, que eu...
Antes de eu terminar de falar, ela pôs o dedo indicar em meus lábios.
- Olha só, eu ainda estou confusa... Mas eu sinto que posso confiar em você. Eu decidi seguir meus instintos e não as instruções - sorriu fraco, deixando-me confuso com essa última frase. - Me pega num dia desses. Se você for perigoso... - deu de ombros - Tudo bem em arriscar.
Após sorrir fraco novamente, ela abriu a porta do carro e desceu.
- Tchau, crianças - ela acenou timidamente, inclinada para eles e após receber acenos e beijos de volta, ela se virou para mim. - Tchau, .
Um pouco entorpecido, eu acenei com a cabeça, vendo-a contornar o carro para entrar no prédio.
tirou a sapatilha, prendeu os cabelos num coque mal feito e entrou no prédio.
Sorri comigo mesmo: eu, realmente, estava falando com a pessoa certa.


"De tanto se repetir uma mentira, ela acaba se transformando em verdade."
Joseph Goebbels



Flashback - Narração em terceira pessoa.
Aproximadamente 6 meses atrás.

Segurava uma caneca enorme com leite quente enquanto tinha um livro de romances sobre o colo, deitada sob a manta.
Ao mesmo tempo em que colocava sua bebida sobre o criado-mudo, a porta se abria lentamente.
- Posso entrar?
sorriu para Grace e esta levou isso como um 'sim'. Entrou, fechando a porta atrás de si. Após caminhou até a cama com pressa e ansiosa.
- Já viu as fotos, amiga? - ela quis saber, sentando-se sobre a cama.
Após verificar a página em que havia parado, fechou o livro, dizendo:
- Ainda não... Se quiser, pega ali para vermos - sorriu, embora seu sono estivesse pesando em suas pálpebras.
Assentindo, Grace foi até o armário pequeno de e pegou o álbum que ela mesma havia deixado ali.
Sentou-se no mesmo lugar que anteriormente e abriu o que tinha nas mãos.
- Olha, que saudade dessa época - comentou, virando o álbum para que pudesse ver o sorriso no rosto estampado em ambas, uma abraçada a outra.
- Aqui foi quando? - ela analisava, buscando na memória falha alguma lembrança daquele dia, mas era vão. Por enquanto.
- Seu aniversário de 19 anos... Foi ótimo, esse dia... - comentou sorrindo, os olhos fixados na foto. - Foi num pub aqui perto, você lembra? - olhou para ela, esperando respostas. E, para sua surpresa, assentiu.
- Foi ai que você conheceu o Rob, não? - a ruiva estava contente por se lembrar desse episódio.
- Isso! - Grace soltou um gritinho de excitação, passando para uma próxima página.
Em cada foto, ela contava uma história diferente. Algumas ela até exagerava, dizendo que tinha uma idade quando, na verdade, ela tinha outra. Mas não contestava, ela não tinha certeza da sua idade em nenhuma daquelas fotos. Porém ficava extremamente feliz em revê-las.
Esse ato de ver fotos à noite se repetia cada vez mais, tornando-se frequente, quase uma rotina. Até que Grace tomou o hábito de dizer quase sempre 'Você se lembra da vez em que...?'
E isso não era bom quando repetido inúmeras vezes para uma mesma pessoa.

Fim do Flashback


Dias depois

Eu andava de um lado para o outro, olhando o relógio de pulso e de parede a cada segundo.
Jane estava atrasada pela primeira vez.
Isso implicava em duas coisas:
Primeira: eu chegaria atrasado no restaurante; Segundo, as crianças chegariam atrasadas na creche.
Eu poderia levá-las, mas ainda assim chegaria atrasado no trabalho e eu não sossegaria enquanto não soubesse o que aconteceu, para Jane chegar pela primeira vez na vida atrasada.
Com um espirro, Lauren acordou novamente deitada sobre o sofá da sala.
Ela me olhou confusa:
- A gente não vai pra escola, pai? - ela sentou-se ainda me encarando, que estava entre a porta e a cozinha, inquieto.
- Estamos esperando a tia Jane - disse, sorrindo fraco, vendo-a assentir e se levantar.
Ela sentou-se ao lado do irmão, no outro sofá, que assistia desenhos.
Impaciente, decidi pegar o celular no bolso e ligar para ela, pelo menos para saber o que aconteceu.
Chamou uma, chamou duas, três...
- A...Alô?
- Jane? - minha voz subiu alguns décimos, assustado com aquele timbre de voz rouco e fraco. - O que houve? Por que ainda não chegou? - apesar das palavras sugerirem bronca, eu tinha o tom de voz preocupado.
- , me... Me descul...pe, mas eu não vou hoje, eu... - e ela se calou de repente.
Ouvi um estrondo no chão segundos depois, fazendo-me gritar por ela no telefone.
Eu podia sentir o suor descer por minha testa. Que porra estava acontecendo?
- Jane, por Deus, me responde! - eu já estava nervoso, agora eu estava ainda mais, já que nem ela respondia e nem o aparelho desligava. - Droga!
Desliguei o aparelho com força desnecessária.
- Vem crianças - eu disse alto e irritado, assustando-os de início. Mas eu não tinha tempo para pensar.
Eles vieram com os olhos arregalados após Ben desligar a TV.
Peguei as chaves e tranquei a porta enquanto pedia para um deles chamar o elevador.
Tudo bem que eram 7 da manhã e tudo mais, mas eu sei que idoso tem mania de acordar cedo, então eu não pensei duas vezes antes de deixá-los na Dona Lizete, no apartamento debaixo.
Eles estranharam, claro. Mas olhando nos olhos deles, eu disse que quando eu voltasse conversaria com eles sobre eles não terem ido à creche. Eles assentiram, Lauren mais ainda, já que queria continuar dormindo.
Então eu fui direto para o estacionamento e peguei o carro, saindo da garagem quase atropelando os outros carros.
Ainda suando um pouco, eu tentei ligar para Jane novamente, mas o celular dava ocupado.
Segui direto para a casa dela, tentando ligar novamente para o celular. Mas só dava ocupado.
Lá no fundo, uma luz vermelha piscava na minha mente. Mas eu, definitivamente, me recusava a ver.

***


- Jane? - ainda suando, adentrei a UTI.
Lentamente, com a cabeça pesada, ela me olhou e puxou os lábios para lado - uma tentativa mal sucedida de um sorriso.
- O que está sentindo? - engoli em seco, aproximando-me mais da maca.
A cena de Jane desmaiada no chão do apartamento era inapagável.
- Agora nada, ... - sua voz era fraca e rouca, mais baixo que um sussurro. - Como estão as crianças? Me descu...
- Shh - murmurei, não querendo ouvir seu pedidos de desculpa. Afinal, ela não teve culpa. - Jane, por Deus, por que você não me lembrou que você não podia ficar tão perto da Lauren quando ela começou a ficar doente? - perguntei baixo, mas eu estava mesmo lhe dando uma bronca.
- Eu achei que fosse ficar tudo bem - ela dizia tão ingênua que parecia uma criança se desculpando por uma merda que tenha feito. - Eu não queria atrapalhar você e seu trabalho - ela tentou novamente dar um sorriso com os lábios ressecados.
Soltei um suspiro, sem ter o que dizer a ela.
- Ah, - lembrei da conversa que tive com o médico há poucos minutos atrás - o médico quis saber quem é sua família e essas coisas...
- Eles moram em Dublin, não perderiam tempo vindo para cá me ver - ela disse tão despreocupadamente como se dissesse que quer ir ao banheiro. Eu a olhei incrédulo e perplexo.
- Como assim, Jane? - tentei controlar a voz, já que não éramos os únicos ali. - Digo, que você não é daqui eu já sei... Mas nem dar uma ligadinha você quer?
- Tem tempo para me ouvir? - ela quis saber com dificuldade em falar.
- Se não for demorar muito, tudo bem... Você precisa descansar - avisei, vendo-a assentir.
- Da última vez que conversei com você sobre as crianças, eu te disse que te contaria, e sinto que agora é a hora certa... - ela tossiu leve, enquanto eu sentia meu estômago dar voltas, mesmo sem saber o que estava por vir. - Não que isso vá mudar alguma coisa na minha vida, mas eu te prometi contar, então... - suspirou - Acontece, , que na verdade eu "fugi" - ela formou aspas com os dedos - de Dublin para não ser descoberta por meu pai. Eu tinha 18 anos quando tive relações com um cara, que nem lembro a rosto, na festa de formatura... - passou a língua pelos lábios e a cada frase eu me sentia cada vez mais rígido. - Como você pode imaginar, eu acabei engravidando desse cara e quando meu pai soube, ele quase quis me matar - ela riu fraco, um pouco nervosa - Minha mãe me mandou para cá para eu ficar livre do meu pai. Mas ainda assim ele me infernizou... Ele disse que se eu não abortasse... - ela parou de repente, desviando o olhar. Seus olhos marejados me faziam sentir um arrepio estranho e uma vontade louca de fazê-la não chorar. Seria em vão, já que ela deixou escorrer as lágrimas que ela mesma prendia.
- Vai ficar tudo bem - levei uma de minhas mãos aos seus cabelos e ela assentiu, continuando:
- Ele disse que se ele não abortasse, ele faria isso com as próprias mãos - ela concluiu com dificuldade para respirar devido aos soluços que começavam a surgir.
- Isso... Foi há quanto tempo? - perguntei cuidadoso, ainda massageando seus cabelos.
- Uns quatro, cinco anos atrás - ela disse após raciocinar. - Mas eu não tive coragem de abortar, ... Era meu filho, mesmo sendo indesejado - mordeu o canto do lábio, pensando mais um pouco. Pelo meu olhar, ela entendeu que eu queria que eu continuasse. - Eu deixei ele na porta de um orfanato assim que sai do hospital. Foi tão difícil, sabe? - ela fungou e eu assenti brevemente, ainda com o maxilar rígido e o cenho contorcido. - Eu nunca vou me perdoar por isso, nunca mesmo... E acho que ele também não - com essas palavras, eu tive uma ideia, que no momento da excitação, eu não via que poderia dar completamente errado.
- "Não se culpe tanto, eu sei que você não fez por mal" - eu sorri após repetir o que ela havia dito para mim no dia em que eu estava arrasado por ter descoberto o que eu fazia nas noites londrinas.
Jane sorriu confortável, virando a cabeça para o lado e me fazendo tirar os dedos de seus cabelos.
- Eu tenho que ir trabalhar e deixei meu telefone como o referencial. Não vou te abandonar, Jane - eu ainda sorria fraco pra ela. - Se precisar de mim, por favor, peça pra me ligarem, tudo bem?
Ela assentiu e eu dei as costas, sabendo que eu deveria evitar muito contato físico - mesmo eu já tendo posto minhas mãos em seus cabelos.
Assim que pus meus pés fora da UTI, meu celular vibrava em meu bolso. Estranhei o número, mas atendi do mesmo jeito.
- ? - pude ouvir aquela voz conhecida e então sorri ao sentir um arrepio na descer da minha nuca até a ponta dos pés.
- ? - eu só queria me certificar que era ela mesma enquanto caminhava pelos corredores do hospital.
- O que houve? As crianças não vieram hoje, eu... Bom, eu fiquei... Preocupada - pude ouvir sua risada nervosa ao outro lado, fazendo-me sorrir ainda mais, mesmo sem motivos aparente.
- A... - pensei bem antes de dizer o nome, mas decidi de outra forma: - babá das crianças passou mal e eu as deixei no apartamento debaixo enquanto a trazia pra cá... Não vai dar tempo de levá-las ainda hoje - olhei o relógio de pulso: 10h15 - Ainda preciso ir trabalhar.
- Oh, sim... E como a babá está? - sua voz realmente demonstrava preocupação.
- Está mais ou menos, eu te conto depois, você deve estar trabalhando - tentei ser educado, já saindo do hospital e indo à procura de meu carro.
- Não, tudo bem... - eu podia senti-la sorrir do outro lado da linha - Se for necessário, me ofereço para ficar com as crianças amanhã. Eu não sei como estão as coisas ai e... Enfim, é isso - ela dizia correndo, atropelando as vogais, me fazendo rir por seu nervosismo.
- Eu agradeço, . Eu adoraria - sorri para mim mesmo, caminhando em direção ao meu carro.
- Vou desligar, meu horário de intervalo terminou - comentou e eu assenti, mesmo que ela não visse.
- Está bem - destranquei o alarme e abri a porta. - Bom trabalho aí - nos despedimos e desligamos.
Eu vou mesmo precisar de você amanhã.

Capítulo 16


Não desista de mim.


[N.a.: Se quiser entrar no clima, coloque para carregar: For The First Time - The Script]

Não acredito que eu seja demitido do restaurante, afinal, lutei muito para chegar lá e meus assistentes sabem fazer perfeitamente cada prato; deixei-os preparados para isso. Mas essa é a terceira vez que eu falto num mesmo mês.
Veja bem, questão de necessidade.
Não que eu não quisesse incomodar Dona Lizete outra vez, mas achei a ideia de ficar com as crianças boa, já que ela pode se lembrar de alguma coisa, embora o apartamento esteja um pouco - mas não muito - diferente.
Um pouco desconfortável, eu liguei no mesmo horário para o número que ela havia me ligado no dia anterior, e pus no viva voz, enquanto terminava de me vestir.
- Alô? - ela atendeu, a voz baixa e receosa.
- ? É o - sorri comigo mesmo e não resisti a pegar o aparelho sobre a cama para ouvir melhor sua voz.
- Ah, oi - seu tom de voz tornou-se aliviado. Mas, ao mesmo tempo em que eu sorria, ela quis saber com preocupação: - Aconteceu alguma coisa?
- Bom, eu queria saber se está de pé você ficar com as crianças... Eu sei que é estranho, você ainda deve estar confusa, mas eu achei que...
- Não, tudo bem, ... Eu só preciso esperar meu turno terminar, não posso sair agora.
- Claro, sem problemas - soltei um suspiro, ajeitando minha camiseta no corpo ainda molhado. - Eu passo aí no horário de saída, e trago você junto com eles - avisei, caminhando para a porta do banheiro do meu quarto. - Tudo bem por você? - fui cauteloso, olhando-me pela última vez no espelho. Arrepiei os cabelos com as mãos, ouvindo-a concordar:
- Combinado!
Nos despedimos - com muita dificuldade da minha parte, já que minha vontade de continuar ouvindo sua voz era maior do que simplesmente desligar - e então eu joguei o aparelho na cama, procurando pelo computador dentro do armário.
Eu colocaria meu plano em ação antes mesmo de ir ao hospital.


Flashback - Narração em terceira pessoa.
Alguns dias atrás

- Dá pra você se acalmar e falar direito o que está acontecendo? - pedia impaciente, sentada no sofá maior enquanto o anfitrião permanecia no sofá pequeno, ao lado de . Este tinha os braços cruzados, bufando pela demora de .
- Certo, - suspirou, acalmando-se - eu conversei ontem com um médico - automaticamente, a expressão de clareou-se. - Ele me disse que, pelo o que relatei a ele, temos 95% de chance da memória da voltar ao normal - ele fazia gestos. - Ele acredita que ela tenha tido algum derrame ou algo do tipo que tenha afetado um lado do cérebro dela - antes mesmo de terminar de falar, foi até a estante da sala e pegou dois potes com balas que ele, normalmente, dava às crianças após o jantar. Colocou-os sobre a mesa de centro e tornou-se a sentar. Ele despejou as balas do pote de tampa vermelha sobre a mesa e deixou as balas do pote de tampa verde sem mexer, enquanto e se entreolhavam confusos. - Imaginem que essa é a memória de longo prazo de - ele pôs a mão sobre o pote de tampa vermelha enquanto olhava cauteloso para os amigos. - E essa é a memória imediata - agora ele tinha a mão sobre o outro pote, sem balas. - É como se essa memória aqui, - ele deu um tapa de leve sobre o pote cheio - estivesse desativada. E essa outra, - mostrou o outro pote novamente - fosse enchendo com o passar dos anos - ele pegou algumas balas e foi depositando ali dentro, enquanto dizia a cada bala colocada: - Lembrança de aniversário dos pais; lembrança de formatura; lembrança do colegial; lembrança da casa; lembrança da faculdade, lembrança de onde ela viveu... - e ele foi ditando até o pote encher novamente com as balas.
abriu o outro pote cheio, e pegou algumas balas.
- Quando esse lado da memória for ativado, olha o que acontece - ele colocou mais balas no pote vermelho, e todas as novas foram caindo em cima da mesa. Ele foi pegando mais balas e tentando depositar ali, mas elas não ficavam; tudo caia. O pote vermelho estava completamente cheio. Lentamente, os olhares na sala se cruzaram. - Conseguiram entender?
- Então é como se ela lembrasse do que aconteceu há muito tempo, mas o que aconteceu pouco antes do coma ela não consegue lembrar direito... É isso?
- Pois é, a memória dela teria que funcionar assim.... Mas não está. E, infelizmente, o Doutor disse que a gente está no pote verde da memória dela.
- E isso pode melhorar, não é? - quis saber, ainda com o cenho contorcido e preocupado.
- Ele disse que podemos ajudá-la mostrando fotos, vídeos, tentar usar sempre o mesmo perfume que usávamos antes e tentar levar a vida com ela como era antigamente. Ela tem que sentir o que ela sentia antes, ver o que normalmente via antes. Como se o agora fosse continuação de antes de Lauren nascer e que esses três anos que se passaram nunca existiram - ele largou as balas sobre a mesa. - Mas ele disse que se houver mais de uma versão de uma mesma época, - ele sorriu triste - ela não vai saber em quem confiar e ficará perdida.

Fim do Flashback


's POV On.


Eu estava sentada num sofá branco de couro, assistindo à televisão preta próxima a janela. Na mesa de centro, aquele livro de suspense que eu ainda não havia terminado de ler durante o dia por me faltar vontade. Meus olhos cansados, minha mente do mesmo jeito.
Ouvi uma voz do banheiro gritar a mim que estava com fome, então lembrei que
ela estava lá, tomando banho.
Levantei-me com um suspiro por me sentir exausta, mas não reclamei em momento algum, já que eu adorava fazer comida pra mim e para ela.
Caminhei para a cozinha americana, com pia de mármore e abri a geladeira branca à procura da salada que ela havia pedido para o jantar. Mas tive vontade de ir ao banheiro, então fui correndo para voltar o quanto antes e fazer a refeição.
Adentrei o quarto com paredes cinzas e duas camas de solteiro, sentindo a brisa bater em meu rosto por a porta de vidro da varanda estar aberta, embalançando levemente as cortinas de seda.
Entrei no banheiro depressa, olhando-me no espelho e rindo ao ver meu cabelo bagunçado, mas minha bexiga me avisava que eu precisava urinar.
Ao terminar, eu lavei a mão na pia de mármore branco e sai do banheiro, voltando à cozinha. Mas passei direto e fui ao banheiro onde ela estava, dando leves tapas na porta.
- Que tal batata frita com hambúrguer?! - eu perguntei animada, sorrindo ao colocar a orelha na porta para ouvir sua resposta.
- Tudo bem, vai ficar me devendo uma travessa de salada, hein! - ela disse brincalhona, fazendo-me rir. - Pega minha roupa na cama aí do quarto?! Eu me esqueci de apanhar - ela pediu, e eu assenti, ouvindo a porta sendo destrancada.
Fui ao quarto em frente e peguei seu vestido florido junto a suas roupas íntimas e retornei ao banheiro, vendo a porta se abrir.
Ela pôs somente metade do corpo para fora para apanhar a roupa de minhas mãos. Mas ao suspender os olhos para lhe sorrir, eu larguei a roupa ao chão, minha respiração parecia descontrolada com os olhos arregalados.
Era um rosto conhecido.



Levantei assustada, ainda sentindo meu coração bater forte. E por mais que eu tentasse lembrar quem era a pessoa, eu não conseguia.
Cocei os cabelos, virando o rosto para olhar o relógio: 6h30.
Pois é, era hora mesmo de levantar.


Quanto mais eu olhava para Bernardo, mais familiar ele me parecia. Não sei explicar ao certo, mas olhá-lo me trazia flashes estranhos e ainda desconexos, mas que me fazia sentir bem e confortável.
Eu tinha vontade de estar com ele, e era recíproco. Desde o dia no shopping, ele não desgrudou de mim nem um segundo sequer, até para ir ao banheiro ele queria que eu fizesse companhia a ele.
Num dos horários de refeição, ele me olhou por alguns segundos e eu perguntei o que estava acontecendo, se ele estava sentindo alguma coisa. E ele me pareceu convicto ao dizer que eu lembrava a irmã e a mãe dele. Eu confesso que fiquei mais confusa e perplexa do que já estive antes, mas aquilo não era possível, já que Grace nunca citara nada sobre eu ter um filho. Aliás, um casal de filhos. Sim, já que, mesmo eu tentando ignorar, era impossível negar que os olhos daquela criança eram idênticos aos meus. O modo dela falar me lembrava alguém, mas eu ainda não conseguia identificar quem.
Estava tudo misturado na minha cabeça, eu queria perguntar a o que realmente aconteceu, mas viria um problema, o qual seria difícil resolver:
Confiar na minha amiga, que me mostrava fotos para comprovar o que ela estava dizendo; ou confiar num homem que eu lembrava vagamente, mas que carregava consigo duas miniaturas lindas, que eu não conseguia encaixar as peças?
Eu tinha medo de ele estar mentindo pra mim, que Lauren fosse consequência de algo que aconteceu no passado e de que não consigo me lembrar. Mas ele era tão agradável pra mim, ele me passava uma tranquilidade absurda; Ah, o beijo. Sua boca foi a coisa mais gostosa que eu já senti na vida. Durante aquela noite em que nos beijamos, Grace chegou a perguntar o que eu havia feito para estar tão atônica e inquieta. Eu não tive coragem de respondê-la, me lembrando que havia me pedido para não contar. E esse pedido que me trazia receio. Ele não me deu mais explicações sobre isso, mas eu confiava nele. Confiava com um pé atrás, mas ainda assim eu confiava.
Eu não estava mentindo quando eu disse que valia a pena arriscar, mesmo se ele fosse perigoso, mas eu sabia que o medo me consumia por dentro por ainda não descobrir de verdade quem ele era.
Acordei dos devaneios com o sinal da saída, já que eu pintava uma folha de papel branca sem nem prestar atenção nos traços que eu fazia.
Eu me sentia perdida.
- Você está bem? - ouvi a voz de Loren e olhei para alto, a fim de olhá-la. Assenti com um sorriso pequeno.
- Estou sim...
- Você ficou fora do ar o dia todo - ela deu um sorriso amarelo, enquanto me levantava ainda sorrindo forçado.
- Temos alguma reunião por hoje? - perguntei enquanto ajudava Clair, uma aluna, a arrumar suas mochilas nas costas.
- Não. Aliás, vou almoçar com aquele cara que eu lhe disse - ela me cutucou com o cotovelo, maliciosa. Eu tentei seguir seus passos, rindo da mesma maneira enquanto Clair me agradecia com um sorriso e saía saltitando.
- Bom almoço para vocês! - tentei passar animação. - Agora preciso ir, vou falar com a Grace antes de ir embora... - comentei, caminhando para fora da sala antes que Loren decidisse dizer alguma coisa.
Fui até a sala da diretora e dei dois toques na porta. Ao ouvir a voz dela me pedindo para entrar, mexi na maçaneta e entrei.
Fechei a porta atrás de mim e fui em direção a sala, sentando-me na poltrona confortável de frente à mesa.
- Só vim para avisar que vou passar a tarde fora... Eu... - pensei em alguma coisa, vendo Grace desviar os olhos do computador para mim, lentamente. - Bom, preciso fazer umas compras. Minhas roupas estão precárias, você sabe - tentei uma risada, mas saiu sem humor. Mesmo assim, Grace riu junto a mim.
- Quer que eu vá com você?
- Não! - a resposta imediata a assustou. E eu pensei em outra coisa rapidamente: - Quero dizer, eu quero te fazer uma surpresa - mesmo eu gaguejando, ela acreditou em mim, juntando as mãos na frente do corpo, animada.
- Adoro surpresas! - dizia excitada, fazendo-me sorrir por, aparentemente, ela não desconfiar de nada.
- Preciso ir, - após suspirar, eu me levantei - ainda tem criança esperando pelos pais.
- Tchau, amiga. Qualquer coisa me liga - ela me disse e eu assenti, já caminhando com certa pressa e ansiedade para a porta.

Restava apenas Lauren e Bernardo, esperando pelo pai.
Ele estava atrasado, e rapidamente veio um alerta em minha mente: e se Grace me ver saindo com essas crianças e , de carro?
Suspirei aflita, acenando para Bernardo, que me dava 'tchauzinho' antes de escorregar num brinquedo com sua irmã atrás.
Sentada num banco branco de ferro, ainda na área de recreação da creche, peguei meu celular na bolsa ao meu lado e procurei pelo número dele. Meu coração bateu um pouco mais descompassado ao saber que eu falaria com ele novamente, e isso estava ficando muito menininha pro meu gosto, aliás, eu tenho...
- Alô? - ouvi sua voz e dei um pulo, saindo do transe. - , me desculpa atrasar, já estou chegando. Eu me distraí olhando algumas coisas na internet, mas juro que era importante e que já estou cheg...
- Calma, - pedi junto a uma risada por seu desespero desnecessário. - Não estou te ligando para cobrar nada. Só quero apenas te pedir pra que você venha buscar as crianças, mas me encontre na próxima esquina. Tem uma pessoa que não pode nos ver, entende? - eu olhava para os lados, me certificando de que Grace nem ninguém estava por perto.
- Hãn... acho que entendi - seu tom de voz estava decepcionado, mas não quis entrar em detalhes agora. - Em cinco minutos estou aí - ele disse, e antes que ele desligasse, pude ouvir sua respiração forte tocar o telefone.

Dez minutos e vi seu carro estacionar no outro lado rua. Instantaneamente, olhei ao redor e só havia algumas professoras saindo para almoçar, outras conversando pelos corredores que davam nas salas e algumas próximas ao banheiro. Estavam distraídas demais para notar que vinha em minha direção. Percebi-o tenso, mas tentei ignorar.
Levantei-me, apanhando minha bolsa e indo em direção aos brinquedos onde os pequenos estavam.
- Ei, seu pai chegou! - falei por alto, tentando sorrir e eles vieram correndo, sorrindo e parecendo apostar corrida para ver quem abraçava primeiro.
Fala sério, aquela cena era linda: inclinado para baixo, recebendo beijos exagerados de cada lado do rosto.
Recompus-me, eu tinha que parecer séria.
Fui em direção ao banco novamente e peguei as mochilas, entregando-as ao mais velho com um sorriso.
- Se comportaram? - ele quis saber, pegando as mochilas de minhas mãos. Mas eu ainda podia perceber seu rosto tenso e preocupado.
- Sempre me comporto - olhamos para Lauren, que ria da sua própria afirmativa.
Ri junto a , que parecia já conhecer aquela frase há muito tempo.
- Vamos nessa, crianças? - ele deu uma mão para cada um, após ajeitar as mochilas nos ombros.
- Tchau, tia - eles acenaram para mim, dando as costas junto a , que antes sussurrou:
- Te encontro na outra esquina.
Era ridículo, eu sei, mas antes eu fui ao banheiro, retoquei a maquiagem e ajeitei meus cabelos - que quase tive um ataque cardíaco ao ver que estava alvoroçado.
Lavei a boca e então saí, indo para fora da creche casualmente.
Andei alguns passos e então vi o carro de longe, me aproximando mais rapidamente mesmo olhando para os lados, um pouco atenta.
Entrei no lado do carona, e logo ouvi a voz de Bernardo:
- A tia vai com a gente?
- Ela vai ficar com vocês, porque a tia Jane não pode ficar. Tudo bem? - ele quis saber enquanto eu colocava o cinto e ele dava partida no carro.
- Eba! - ouvi-os comemorando e senti um alívio enorme percorrer meu corpo. Pois sim, se eles se recusassem, seria mais um problema a ser resolvido.
Estava pensando em pedir para colocar uma música enquanto não chegava ao nosso destino, já que as crianças conversavam sobre alguma coisa que eu não prestava atenção e aquele silêncio entre eu e ele estava me matando.
Mas antes mesmo de eu falar algo, ouvi sua voz:
- Está saindo com mais alguém?
Ele disse tão rápido, que eu demorei alguns segundos para entender o que ele havia perguntado. E quando entendi, eu soltei uma risada anasalada.
- Por que?
- Ah, me desculpe, saiu sem querer. Eu...
- Respondendo sua pergunta: - eu tinha o tom de voz risonho. Era por isso que ele estava tenso? - eu não estou saindo com ninguém. Agora me responde.
- Você disse que alguém não podia te ver e tal... - olhei-o, e ele fazia gestos, aparentemente nervoso. Suas bochechas rosadas me faziam querer apertá-las.
- Você não me falou para não contar a ninguém que eu estava me encontrando contigo? - eu franzi a testa vagarosamente, e logo ele aliviou a expressão.
- Entendi - ele soltou aquela risada sem graça.
Até que ele ficava agradável quando estava sem jeito.
Ri baixo com o pensamento.
- Posso colocar uma música? - pedi cautelosa, não querendo parecer intrometida ou algo do tipo.
- Claro, à vontade - ele sorriu então tomei liberdade para levar meu dedo ao botão que ligava o rádio.
Deixei na estação que estava e tocava She Will Be Loved, do Marron 5. Eu adorava aquela música.

...not always rainbows and butterflies, it's compromise that moves us along, yeah
...nem tudo é sempre arco-íris e borboletas, as concessões que nos impulsionam

Cantei baixinho para eu mesma, enquanto batucava os dedos nas pernas de acordo com a música.

My heart is full and my door's always open, you can come anytime you want
Meu coração está cheio e a porta está aberta, você pode vir quando quiser

Mas eu senti um olhar em mim, fazendo-me olhar para baixo e sorrir, ouvindo-o cantar junto comigo:

I don't mind spending everyday out on your corner in the pouring rain
Não me importo de ficar todo dia na sua esquina sob a chuva

Look for the girl with the broken smile, ask her if she wants to stay awhile
Procure a menina do sorriso partido, pergunte se ela quer ficar um pouco

Fechei o cenho ao me sentir um pouco tonta, como se eu estivesse tendo um Déjà vi. Aquele perfume entrando em minhas narinas, me fazendo perceber que era o perfume de , que eu já havia sentido antes, mas nunca analisado o suficiente. Dessa vez, a sensação que eu tinha era a que eu já tinha cantado essa mesma música, com a mesma pessoa e sentindo esse mesmo cheiro.

And she will be loved, and she will be loved. And she will be loved, and she will... Be loved
E ela será amada, e ela será amada. E ela será amada, e ela será... amada

Minha voz foi inaudível no final da estrofe, eu cantava automaticamente apenas para forçar minha mente a entender porque eu sentia que já tinha visto aquela cena antes.
- Você está bem? - ouvi a voz de e dei um pulo leve no banco, me assustado de início. - Não quis te assustar.
Levantei meus olhos e o olhei vagamente, sentindo meu rosto um pouco quente.
- Eu já vi essa cena antes, - essa simples frase o fez dar um sorriso de orelha a orelha.
- Isso é bom, - ele comentou, variando o olhar entre o caminho e meu rosto. - Isso é muito bom.
Fiquei quieta o resto do caminho, e ele também preferiu não falar mais nada. De vez em quando, eu o olhava de rabo de olho e ele ainda sorria.
Quando o carro foi parando aos poucos, eu analisei mais o lugar e novamente aquela tontura voltou, me fazendo sentir que eu já estivera naquele lugar antes.
Ele estacionou na portaria de um prédio, desligou o carro e se virou para mim:
- Se importa se eu te deixar aqui? - ele me pedia desculpas com o olhar.
Dei de ombros, mesmo sem entender.
- Eu tenho que fazer uma coisa e... - olhou o relógio de pulso - Estou um pouco atrasado.
- Tudo bem - sorri. - Qual o andar?

Ele me explicou como chegava no apartamento - não que fosse difícil, mas -, falou sobre os remédios para tosse de Lauren e tagarelou sobre a comida das crianças, recomendando-me a não dar nenhum tipo de fritura. Me pediu um milhão de desculpas enquanto tirava as crianças do banco de trás, e eu preferi não discutir isso com ele, já que seria em vão. Mais cedo ou mais tarde ele ia acabar me pedindo desculpas novamente.
Ao adentrar o apartamento, eu senti que minhas pernas podiam vacilar a qualquer momento.
Era ali, o lugar que eu havia sonhado.
Eu tinha o rosto franzido, concentrada demais em reparar nas mudanças que havia entre o sonho e aquela realidade, e confesso que perdi a concentração nas crianças, ainda fitando cada ponto e inspirando fundo, sentindo aquele cheiro amadeirado e gostoso.
Não estava do mesmo jeito que eu tinha guardado na mente: as paredes brancas estavam rabiscadas em alguns lugares com canetinhas, o sofá tinha uma capa listrada de branco e amarelo, os objetos que eu lembrava estarem espalhados por cada canto, agora estavam sobre um estante, que eu não me recordava, ao lado da janela, onde ficava a TV, um vídeo-game, o som que parecia ser de alta potência, e alguns porta-retratos. Na cozinha americana, nada havia mudado, estava tudo do jeito que eu sonhei, apenas tinha alguns desenhos em folha de papel ofício grudadas na geladeira.
Eu ainda podia sentir meus olhos brilhando quando ouvi a voz de Lauren:
- Tia, estou com fome - então percebi que eles já haviam se jogado no sofá grande, de frente a TV.
- Já vou providenciar - dei uma piscadela, indo para a cozinha esquentar o almoço que já havia preparado.

Após eles comerem aquele monte de vegetal - sério, vai colocar essas crianças vegetarianas -, eu fui lavar a louça para dar tempo de fazer a digestão e poder dar banho neles, já que eu havia esquecido de dar antes do almoço.
Quando terminei, me sentei no sofá junto a eles. Estavam quietos assistindo televisão, até que minha vontade de olhar o resto do apartamento tomou conta de mim.
Me levantei, e antes mesmo de eu começar a caminhar, meu celular tocou.
Inclinei sobre a bolsa no sofá e o apanhei, vendo que era .
- Oi, - atendi, e instantaneamente os olhos dos dois menores vieram até mim.
- ? Como estão as coisas ai? - ele tinha a voz baixa, o silêncio era completo onde ele estava.
- Está tudo bem... O que houve?
- Eu sei que estou ficando chato, mas preciso de outro favor seu...
- Pode mandar - sorri, mesmo ele não podendo ver.
- Estou indo para casa e vou buscar Bernardo para fazer um exame. Dá banho nele, e o faça escovar bem os dentes. Tudo bem?
- Hm... Está bem, mas o que aconteceu?
Ele demorou para responder, me deixando mais aflita. soltou um suspiro antes de dizer:
- Depois eu explico melhor. Por enquanto eu só preciso do Bernardo com a boca limpa, tá ok?
- Está bem, então - acabei concordando, ainda perplexa.
Desligamos e me virei para Bernardo:
- Bernardo, - chamei-o atenção de volta, já que ambos já tinham se virado para o desenho novamente - seu pai vem te buscar. Ele quer você cheiroso e com os dentes escovados. Vem comigo - estendi a mão para ele, que assentiu, levantando-se.
Pelo que eu me lembrava, aquela porta de frente ao quarto era o banheiro onde a pessoa que eu não me recordava havia tomado banho - e eu esperava mesmo que ainda fosse um banheiro. Então entrei com Bernardo e lhe pedi para tirar a roupa, ouvindo-o me ensinar onde ficavam suas roupas e avisando que não queria nada rosa, para eu não confundir com as blusas horríveis da irmã dele.
Eu não tinha lembranças do quarto da frente, mas ele havia se tornado um playground reduzido, com bonecas espalhadas por todo o lado, bolas, carrinhos, duas camas separadas e baixas e um armário ao fundo, no canto esquerdo do quarto.
Fui depressa escolher uma roupa ao sair do transe, sabendo que Bernardo me esperava nú e escolhi a primeira roupa que eu havia visto.

Lauren estava quase dormindo no sofá, e Bernardo o mesmo, com a diferença que ele estava com a boca entreaberta, quase babando na almofada.
Cautelosamente, como quem faz algo errado, eu fui caminhando até a porta branca fechada ao outro lado do corredor entre a sala e cozinha.
Abri a porta lentamente, e sorri comigo mesma ao sentir o cheiro dele novamente.
Adentrei, reparando que ali não havia mudado muita coisa, também: agora tinha uma cama de casal bem arrumada ao invés de duas camas, como eu recordava do sonho. Meu armário continuava no mesmo lugar, as paredes cinza e a cortina branca de seda ainda na entrada da varanda, que estava fechada com aquela mesmíssima porta de vidro.
Me virei para a porta do banheiro aberta e ele continuava da mesma maneira: as paredes com azulejos brancos, a pia com mármore da mesma cor, um espelho grande sobre ela que ia de uma parede até o início do box no canto direito do banheiro, o vaso branco e impecavelmente limpo.
Eu me senti acolhida e aconchegante ali dentro, como eu não me sentia desde que saí do hospital.
Me virei sobre os calcanhares e fui até o armário.
Abri uma parte dele sem pensar muito e uma onda de arrepio percorreu meu corpo ao sentir o cheiro: perfume e mofo juntos. Havia papéis arrumados, embora parecesse que foram entulhados ali de qualquer maneira. Tinha lápis de cor, réguas, canetinhas, esquadros... Espera. Esquadros?
Fechei os olhos com força, franzindo o cenho para puxar na lembrança o que aquilo significava.
Soltei um gemido de alívio quando eu abri os olhos ao lembrar que eu queria ser Designer quando estivesse madura. Mas eu não tinha certeza se eu cheguei a cursar, ou se aquilo guardado era apenas material para meu lazer.
Remexi um pouco naquelas folhas, procurando por mais alguma coisa que eu pudesse relembrar o passado, e eu achei um caderno verde limão no fundo do armário.
Sorri comigo mesma, apanhando e abrindo com ansiedade.
Achei que fosse um álbum de fotos, mas logo na primeira página tinha apenas meu nome inteiro escrito com a minha própria letra.
Fechei o semblante enquanto ia sentar-me na cama, ouvindo barulho de chaves na sala. Mas eu estava ocupada, pronta para passar para a próxima página quando um pedaço de papel caiu em meu colo; havia caído de dentro do caderno.
Deixei-o de lado sobre a cama e peguei o papel branco e dobrado algumas vezes.
Engolindo em seco, eu abri. Com a minha letra, eu li:

"As chances de você encontrar uma pista de onde estou são 70 em 100. Não me procure mesmo sabendo onde me procurar."


Com o susto, eu joguei rápido aquele papel no chão e logo a voz de me assustou ainda mais:
- O que foi?! - com a respiração descompassada, eu o olhei. Ele se aproximava com pressa, e se sentou ao meu lado.
Enquanto eu tentava me recompor e pensar no que aquilo significava, ele passou os olhos pela pequena bagunça que eu havia feito - inclusive no tal caderno sobre a cama - e sorriu.
- Como eu não havia pensado nisso antes?
Não dei muita atenção ao que ele disse, minha mente ainda estava presa naquele papel.
- ... - miei, olhando do papel para ele, que agora tinha o cenho confuso. Entendendo, ele apanhou o papel jogado no chão e o virou dentre os dedos para que pudesse ler. Após, ele me olhou enigmático, mas sério.
Passei a língua pelos lábios e, confusa, lhe disse:
- Não fui eu quem escreveu isso.

Era a terceira vez que me perguntava quem estivera comigo o tempo todo.
Eu não respondia, por temer o que ele quisesse fazer. E por temer quais seriam as consequências disso.
- Vamos deixar do jeito que está, ... Por favor, não mexe nisso - lhe pedi, apertando os dedos uns contra os outros, ainda sentada em sua cama de casal grande e confortável.
- Tudo bem, ... Mas só porque você está me pedindo - ele deixou claro, e pelo seu tom de voz eu percebia que ele estava irritado. Irritadíssimo, aliás.
Sorri desconfortável.
- Eu tenho que ir, mas... - ele desviou o olhar para o caderno verde limão ao meu lado, me fazendo olhá-lo também. Continuei ouvindo sua voz: - Eu prefiro que você leia quando estiver aqui - sussurrou e imediatamente eu o olhei: seus olhos brilhavam, sua cabeça levemente inclinada para baixo esperando uma compreensão minha.
Soltei um suspiro e acabei concordando.
- Tudo bem - ele abriu um sorriso estonteante, vindo em minha direção vagarosamente. Fechei meus olhos, mesmo sem saber o que ele faria e sorri comigo mesma ao sentir seus lábios quentes tocarem minha testa.
- Eu tenho que levar Bernardo, vou estar de volta o quanto antes - ele avisou enquanto se afastava. Assenti ao que ele disse, vendo-o se levantar ainda com os olhos em mim.
- Mas o que há com ele? - eu quis saber um pouco preocupada.
- Com ele, nada. Eu só quero esclarecer uma dúvida. Espera só mais um pouco, , você vai entender - ele deu um sorriso mínimo, mas ainda assim quase forçado e acenou com a cabeça. - Fica bem, qualquer coisa me liga.

Fiquei uns bons minutos fitando aquele caderno ao meu lado, com a curiosidade tomando conta de mim.
Mas as palavras de me pedindo para esperar por ele me martelavam a cabeça, me fazendo desistir e levantar com um suspiro. Arrumei a bagunça que eu havia feito e depositei o caderno lá dentro, indo para a sala em seguida.
Como imaginei, Lauren estava dormindo no sofá ainda, enquanto a TV estava ligada num canal de desenhos.
Sabe, eu queria brincar com ela, eu tinha essa vontade. Eu só não tinha coragem de acordá-la; ela parecia um anjo dormindo daquela maneira, mesmo jogada e com as pernas abertas feito um homem.
Aproximei-me e a peguei no colo com cuidado, levando-a para o quarto. Coloquei-a na cama com lençol rosa e a ajeitei nos travesseiros, saindo do quarto em seguida e deixando a porta entreaberta. Sentei-me no sofá e zapeei os canais à procura de alguma série ou filme legal, mas não passava nada. Deixei nos desenhos mesmo e, após bocejar pela quinta vez, eu peguei no sono.

Acordei sonolenta e preguiçosa, dando uma olhada ao redor: ninguém ainda. A casa estava silenciosa, então levei meus olhos ao relógio no DVD: 5 da tarde.
Bocejando, me sentei e pensei no que eu podia fazer. Até que meus olhos inquietos pousaram sobre o porta-retratos na estante.
Me levantei ainda com os olhos presos naquele mesmo ponto e me aproximei, engolindo em seco com medo que eu pudesse ver dessa vez.
No primeiro havia uma foto preta e branca de Lauren e Bernardo pendurados no pescoço de enquanto davam risadas num lugar de fundo branco. Eles pareciam se divertir e aquela foto deveria ter sido feita recentemente, já que os pequenos estavam do mesmo tamanho que atualmente.
No segundo porta-retrato havia uma foto... minha. Pisquei os olhos algumas vezes, na tentativa de focar e digerir o que eu estava vendo. Era eu e , sentados na bancada da cozinha. Eu passei as mãos pelos cabelos instantaneamente ao notar que na foto eu tinha os cabelos de outra cor. Eu podia notar o topo de um vestido ou uma bata florida, e ele usava camiseta cinza. Ele quem havia tirado a foto, sorrindo. Eu fitei aquele sorriso por inúmeros segundos e era tão espontâneo, tão feliz, tão... Sei lá, estonteante?
Embalancei a cabeça negativamente, afastando alguns pensamentos e passei para a foto do lado. Aí sim minha respiração quase parou.
Era a mesma mulher do meu sonho, e ela estava agarrada a mim, mordendo-me a bochecha enquanto eu ria tanto que tinha os olhos levemente fechados.
Engoli em seco novamente, sentindo minhas narinas dilatarem vagarosamente por sentir uma emoção aqui dentro muito forte, como se eu sentisse saudades ou vontade de abraçar aquela mesma pessoa que estava ali só em retrato.
Passei para a próxima foto, mesmo querendo continuar fitando a anterior, e novamente prendi a respiração: duas crianças. Um menino de cabelos ralos, uma menina de cabelos de cor indefinidos - castanhos, talvez; Se abraçavam de lado, sorrindo como se a presença um do outro fosse a coisa mais importante do mundo. Um parque no fundo, com balanços e casinhas de madeira.
Levei minhas mãos à boca lentamente, sentindo o choro vir aos poucos: era eu e .

Estamos sorrindo, mas estamos prestes a chorar.
Mesmo depois de todos esses anos, só agora temos a sensação de que estamos nos vendo pela primeira vez.
For The Fist Time - The Script


's POV On.

Bernardo me fez quinhentas perguntas do caminho da clínica até em casa.
Eu não respondi quase nenhuma, já que eu não tinha certeza de nada. E mesmo se eu tivesse, ele não ia entender metade do que eu dissesse a ele.
Enquanto subíamos o elevador, ele reclamou de fome e eu lhe disse que lhe faria um sanduíche enorme para recompensar o bom comportamento de hoje. Já prevendo, ele soltou um gritinho excitante e então saímos do elevador.
Procurei minhas chaves no bolso da calça e abri a porta, esperando ver brincando com Lauren na sala.
Mas não foi exatamente isso que eu vi; Eu escutava choros incontroláveis junto a soluços, parada diante da estante e já com o cenho contorcido, eu olhei para onde ela fitava. Aí sim minha mente clareou: ela havia visto as fotos.
- Ben, vá lavar as mãos que eu vou fazer seu lanche - sussurrei a ele, mas meus olhos fitando que parecia nem perceber que eu havia chegado.
Aproximei-me, ouvindo a porta do banheiro bater e ela realmente chorava, com uma das mãos tapando metade do nariz e a boca.
Eu a puxei pra mim pelos ombros e quando vi seu rosto inundado por lágrimas, eu senti minhas pernas bambas. A fiz afundar a cabeça em meu pescoço, enquanto lhe fazia carinho nos cabelos presos num coque.
- Shhh - ela tinha as mãos juntas encostada em meu peito, ainda soluçando sem controle. - Me desculpa, eu não sabia que isso te faria tão mal...
Ela não respondeu nada e nem eu esperava uma resposta.
Quando ela se acalmou, eu a afastei pelos ombros e voltei a olhar em seus olhos que ela mantinha baixos, fitando o chão.
- Está bem? - eu quis saber preocupado e ela assentiu, levando os olhos até os meus.
Ela não disse nada, apenas levou uma das mãos aos meus cabelos, colocando-os para trás lentamente. Enquanto isso eu soltava seus ombros, um pouco confuso com o que ela realmente queria e então ela sorriu triste.
- Meu... amigo de infância? - ela sussurrou, ainda sorrindo e ela não imagina o quão feliz eu fiquei em ouvir aquilo.
Sem eu esperar, ela me abraçou e eu ainda estava entorpecido pelo o que ela havia acabado de dizer.
- Me desculpa... - ela disse sussurro próximo ao meu ouvido. Meu corpo estremeceu enquanto ela apertava minhas costelas contra ela.
Eu estava confuso.
- Você... Lembrou de alguma coisa? - eu acordei dos transes e retribuí o abraço, entrelaçando minhas mãos na base de suas costas.
- Não muito, mas - fungou - Eu sei, eu tenho certeza que vou lembrar.
Eu a apertei ainda mais, sentindo o cheiro suave de seus cabelos me trazer tranquilidade por estar ali novamente com ela, corpo a corpo.
- Eu quero muito te ajudar, - ela afundou o rosto no meu pescoço. - É por você e... Pelas crianças que eu ainda to aqui.
Alguns segundos sem dizer nada, ela afastou a cabeça e levantou o rosto, embora ainda estivesse com os braços em meu pescoço.
- O que... - ela engoliu em seco, os olhos medrosos e, ao mesmo tempo, ansiosos - Essas crianças têm a ver comigo?
Sorri.
- Vem comigo - escorreguei minhas mãos por seus braços e a puxei para o quarto, fazendo-a sentar-se sobre a cama.
Eu abri o armário e peguei o diário, sentando-me ao seu lado. Entreguei-lhe e ela me perdia permissão com o olhar.
Ela abriu quando assenti, e meus olhos foram a Bernardo parado na porta, encolhido entre ela e o armário.
Abri meus braços e ele veio em nossa direção confuso.
o olhou sorrindo, enquanto ele se sentava em meu colo.
- Mesmo eu não estando com a mínina vontade de escrever, aqui estou eu, relatando o que estou sentindo.... - sua leitura foi interrompida por Lauren, que vinha em nossa direção coçando seus olhos.
abriu os braços para ela e esta se sentou no colo da mais velha, encostando sua cabeça em seu peito.
- Não que isso vá diminuir o medo e a ansiedade... - ela continuou sua leitura, o diário aberto entre as mãos na frente do corpo sonolento de Lauren.
De onde eu estava, eu via nosso reflexo no espelho do banheiro.
Eu havia mudado.

Capítulo 17



Seus problemas são reflexos das lições que precisa aprender.

- Eu odeio suspenses - reclamava no banco do carona, um bico enorme e os braços cruzados, fazendo rir ao olhá-la.
- Calma, já estamos chegando - ele dizia, num tom risonho, com uma vontade de morder aquele bico.
- Mas onde que a gente tá indo, pai? - Lauren perguntou do banco de trás, confusa. Bernardo estava muito ocupado com seu DS.
- Eu também queria saber - resmungou.
- Você não conhece aquele prédio, Lauren? - apontou com a cabeça um edifício com aproximadamente 6 andares, com revestimento de pastilhas coloridas em verde a branco.
- Tia ! - Lauren levantou os braços, animada, enquanto franzia a testa por achar aquele nome familiar. Tanto quanto os outros que ela já havia escutado até então.
Vagarosamente, olhou, insegura, para , que retribuiu o olhar, sorrindo.
Estacionou com um sorriso grande de satisfação e desceu, fazendo com que fizesse o mesmo.
abriu a porta do lado de Bernardo enquanto seguia seus passos no lado oposto, ajudando Lauren a descer, embora ela alegasse que estava grande o suficiente para fazer isso sozinha.
sentia seu corpo suar, mesmo tendo ideia de que iria rever a tal de , a qual ela tinha a ligeira desconfiança de que era a mesma em que estava em seus sonhos alguns dias atrás.
Deram as mãos numa correntinha e, de acordo com o guia nomeado Bernardo, chegaram ao apartamento.
Ela soltou um suspiro preguiçoso diante da porta branca de madeira enquanto a campanhia era tocada por Lauren. A porta abriu-se, revelando uma descabelada, uma careta de sono e um olhar contente. Sussurrou um 'Oi, meus pequenos' animado, mas quando seu olhar foi à , parecia que ela havia desaprendido a respirar.
De prache, as crianças adentaram a casa da madrinha como se fosse a própria, gritando palavras desconexas enquanto o silêncio ao lado de fora era confortável. tinha um sorriso no canto do lábio, fitando cuidadosamente a reação de : um olhar inseguro, as mãos nervosas juntando-se umas às outras e, quando ele menos esperava, invadiu sua visão, abraçando com toda a força que a saudade proporcionava.


Aproximadamente um mês depois

Embora estivesse feliz por estar com de volta, sua vida estava de cabeça para baixo: Jane continuava num hospital, seu estado piorava a cada dia, deixando preocupado e aflito. O resultado não saia.
Sua rotina era levar as crianças para o colégio correndo e ir direto ao trabalho.
Um pouco acanhada, pediu a que ela levasse as crianças para casa e que não seria problema algum para ela, já que seu turno era somente na parte da manhã. Uma vez ou outra ela levava as crianças para o restaurante do pai, o fazendo uma surpresa. E cada vez que ela fazia isso, pra ele era sempre como a primeira vez.
Mas assim que chegava em casa no início da noite, ia embora.
Os papéis inverteram dessa vez: ela tinha medo da amiga e não de . Não medo de ser morta, mas ela não tinha ideia da reação de Grace ao saber que ela andava saindo com e os filhos. Ela era dona da própria vida, sim, mas enquanto ela não se sentisse segura para começar tudo de novo, ela não contaria à amiga o que estava acontecendo. Para ela era mais fácil resolver suas coisas às costas dela. Seguindo o pensamento de , ela não entendia por que Grace não queria que ele soubesse que estava viva. Na verdade, seu cérebro se recusava a pensar como : inveja. Mas também não contestava, nunca chegou para perguntar. agia como se nada estivesse acontecendo, continuava a tratar Grace bem. Não faria ao contrário até ter uma prova de que ela estava agindo por maldade. Apesar de tudo estar confuso de um lado, do outro ela tinha se descoberto em , Bernardo e Lauren. Ela encontrava neles a felicidade e o aconchego que estava faltando para ela seguir em frente após o coma.

Como todas as manhãs, ele levou as crianças à creche.
E como todas as manhãs, ansiava ver sorrindo de longe para ele. Aquele sorriso que ele admirava e nunca esquecera.
Mas dessa vez ele não a viu esperando por ele na porta de uma das salas, para lhe acenar com a cabeça e pôr uma mecha atrás da orelha, como das vezes anteriores.
Fechou a expressão, estranhando. Mas não contestou, apenas deu um beijo na testa de Lauren e Bernardo e os deixaram seguir para suas salas.
Esperou mais um pouco, talvez ela estivesse no banheiro ou precisasse se ausentar somente hoje.
Olhou no relógio e dez minutos haviam se passado e nada de aparecer em lugar algum.
Supirando pesado, ele decidiu ir embora; estava na sua hora. Contornou o carro e entrou, indo para o restaurante ansiando, agora, pela hora em que ele encontrasse com ela no final do dia. Ou, quem sabe, ele não teria uma surpresa na hora do almoço? Antes de ir ao hospital, visitaria Jane como todas as tardes.

Saindo para seguir para o hospital, seu celular tocou no bolso de trás, fazendo-o levar às mãos para atender enquanto adentrava o carro na garagem.
- Pronto - ele pôs o aparelho no viva voz enquanto batia a porta.
- Senhor ? - ele ouviu uma voz robótica ao outro lado. Ao ouvir murmurar um 'sim', ela continuou: - Hum, é sobre seus filhos... - a mulher mal terminou e entrou em alerta:
- O que tem eles? Aconteceu alguma coisa? - ele quis saber, pegando o aparelho e colocando-o no ouvido. Mas, claro, se arrependeu ao ouvir a voz da mulher soar novamente:
- Não, não! - ela soltou uma risada anasalada, contorcia o rosto ao mesmo tempo em que deu um pulo dentro do carro por estar com o aparelho no viva-voz tão perto da orelha. Pôs o aparelho no banco novamente. - Acontece, senhor , que já passou da hora das crianças irem embora e não chegou ninguém para buscá-los. Quero lembrar que a mensalidade que o senhor paga para Lauren e Bernardo são meio turno, o que quer dizer que...
- Tá, tá, já entendi - ele a cortou, irritado, mas pensativo. Então não havia ido, como ele imaginou.
pôs a chave na ignição, girando-a.
- Mas se o senhor desejar, podemos duplicar o horário - ela continuou naquele tom sorridente e robótico.
- E quanto daria? - ele quis saber em dúvida, manobrando para sair da vaga em que estava.
- O dobro do preço para cada criança - ela disse cautelosa, ainda sorridente.
- Tudo bem, deixe-os aí que vou buscá-los mais tarde.
- Como quiser. Tenha um bom dia, senhor - ele formou um 'blablabla' com os lábios, inaudível a ela, e desligou.
Estava sem paciência, enrolado e irritado para ser educado agora.
Enquanto seguia para o hospital, pensou em ligar para para saber o que havia acontecido. Mas antes mesmo de pegar o aparelho, este tocou no banco ao lado. Ele olhou enquanto dividia sua atenção na estrada e no visor, e contorceu o rosto por ser um número desconhecido a ele.
Aproveitou o sinal fechado e atendeu, colocando-o no viva voz novamente.
- Pode falar - disse encostando-se ao banco estofado e fechando os olhos.
- Senhor ? - novamente uma voz robótica falava ao telefone. Ele murmurou um 'sim', como da última vez. A mulher continuou: - Aqui é do laboratório. - abriu os olhos instantaneamente. - O resultado está pronto.
Ele sorriu. Mudaria seu rumo sem nem pensar duas vezes.

Ele suava, mas ainda assim sorria.
Se identificou na portaria e subiu de escadas, ansioso demais para esperar o elevador.

's POV On.

Era estranho o fato de eu não saber definir o que eu estava sentindo naquele momento. Digo, eu não conseguia acreditar que era aquilo mesmo.
Eu não tinha ideia da reação dela, mas seja lá qual for, eu acho que ela deveria saber da verdade. Não que Jane já esteja em seu leito de morte, mas sempre acho que quanto antes, melhor.
Após me identificar novamente, mas no andar em que ela estava, abri o biombo com um sorriso nervoso nos lábios. Colocando a cabeça para dentro, pude vê-la respirando calmamente, a cabeça jogada para o lado e seus olhos fechados. Jane estava com a aparência acabada, como se ela fosse muito mais velha do que ela realmente era.
Me aproximei da cama com passos calmos, embora eu estivesse louco para mostrar a ela os papéis que eu tinha nas mãos. Eu só não tinha ideia de como começar.
- Jane? - chamei, minha voz falhou.
Abrindo um sorriso de canto, ela virou o rosto em minha direção e abriu seus olhos.
- Você nunca falta, não é? - ela disse com a voz embargada, quase inaudível.
Sorri em resposta. Sem delongas, molhei os lábios e continuei:
- Eu tenho que te contar uma coisa - automaticamente, ela contorceu o cenho. - Acho que não é uma notícia ruim... Na verdade, eu não perguntei sua opinião sobre isso, mas achei que você deveria e gostaria de saber - eu gesticulava, visivelmente nervoso para deixá-la nervosa também.
- O que tem de errado? - ela quis saber, ainda com a expressão preocupada.
Suspirei, me aproximei mais.
- Então... Depois daquele dia que você me contou que tinha vindo pra cá pro seu pai te dar uma trégua, e que tinha engravidado de um cara, eu tomei uma decisão por mim e não pensei muito se você queria ou não saber tanto quanto eu... Digo, eu estava curioso, entende?
- Vá direito ao ponto, - Jane me conhecia o suficiente para saber o quão ansioso eu estava e ainda soltar uma risada pelo nariz por achar, talvez, engraçada a forma que eu falava quando estava numa situação como esta.
- Ok, ok. Depois de alguns dias, eu tive uma ideia louca, e passei a agir por impulso dessa minha curiosidade e da ansiedade pra saber sua reação. Nessa cidade existem cinco orfanatos. Sendo que somente dois são próximos a hospitais. Você não disse qual hospital você teve seu bebê e nem em que orfanato deixou seu filho... Então esses dois foram os primeiros que eu fui.
- Você não fez isso... - ela disse de uma forma dramática, a voz falha, mesmo aparentando querer acreditar nas próprias palavras.
- E-eu... Jane, se você não quiser, eu paro por aqui, eu só achei que...
- Me conta logo! - eu pude ver um sorriso no cantinho do lábio, então sorri também e continuei:
- Bom, um desses orfanatos era misto, e o outro era para meninas - mordi o lábio, começando a me sentir bem com o olhar animado que Jane me lançava. - Eu fiz uma série de perguntas a senhora que me atendeu e daí ela olhou nos registros e viu que há alguns anos atrás haviam deixado um menino na porta do orfanato. Então, na fila de espera já tinha uma mulher que queria adotar fazia algum tempo e que não tinha escolhido sexo. Para 'despachar' - fiz aspas com os dedos - logo a criança, eles mandaram seu bebê para adoção - eu pausei, desviando o olhar sem saber exatamente como prosseguir.
- E...? - ela chamou minha atenção após alguns segundos.
Tomei ar e voltei a olhar em seus olhos:
- O... nome da mãe adotiva é e do pai é .
Jane me olhou confusa, e eu sustentei o olhar, esperando realmente que ela não ficasse chateada comigo e me estapeasse na mesma hora.
Quando sua expressão foi se suavizando, eu havia entendido que ela captou a mensagem e então eu vi uma lágrima solitária escorrer.
Passados cinco segundos e eu senti sua mão apertar a minha, num gesto discreto de um 'Obrigado'.

Narração em terceira pessoa.

Uma semana se passou e nenhum sinal de para ele. Nem uma ligação. Aliás, seu celular não sabia o que era ter sinal faz tempo. Pois sim, todas as milhões de vezes em que ele ligou, todas, sem exceção, o aparelho encontrava-se desligado. Isso o deixava intrigado, sem saber como reagir.
Visitava todos os dias Jane no hospital antes de buscar as crianças que, por sinal, tiveram dificuldade em entender e aceitar que passariam a ficar o horário dobrado na creche. Lauren perguntava por quase todos os dias, lembrando a ele que ela não estava lá e que seu sumiço o preocupava. Ele sabia que algo estava sua mente, mas estava aflito demais para dar atenção ao que ele, no fundo, sabia que estava acontecendo.
Quando se deu por vencido, ele ligou para pela última vez. Se ela não atendesse dessa vez, ele iria apelar para o escritório de Paul; o único lugar o qual ele sabia que tinha alguma ligação.
Como quase o esperado, a mulher com voz robótica avisou que o aparelho estava desligado. Bufando, ele ligou para e explicou o que estava acontecendo.
Após combinarem o que fariam e desligar, foi até a sala e avisou aos dois que assistiam desenhos:
- Venham, pirralhos. Vamos pra casa da tia .

Duas horas depois

- Pronto, senhor Sherlock Holmes - disse ao estacionar em frente ao prédio onde ele havia ido com encontrar-se com Paul.
Era óbvio que a pequena reunião não deu em nada. e mais mentiram para Paul do que qualquer outra coisa. Fizeram milhões de perguntas e no final disseram que ia pensar no que faria e que entrariam em contato, sendo que ambos nunca fizeram isso de verdade.
Ao reencontrar , preferiram deixar esse assunto de lado, achando que não precisariam aprofundar-se nisso. Mas por outro lado, eles estavam no mesmo lugar onde havia deixado na noite em que saíram pela primeira vez.
- Tem certeza que é aqui, ? - ele quis se certificar, achando mesmo estranho o fato do escritório de Paul ser no mesmo prédio onde, supostamente, estava habitando.
- Absoluta - ele respondeu convicto encarando , que analisava o prédio pelo vidro do carro.
- Acho que vou precisar de você - ele comentou, abrindo um sorriso de orelha a orelha para vagarosamente.
Seu amigo soltou um suspiro, já esperando por isso.
- E qual o plano?
- Lembra de alguma coisa que você tenha dito a atendente para fazê-la sair por um instante? - perguntou pensativo.
- Hm, bom... Ela levantou pra buscar formulários numa sala que eu não observei aonde era - ele dizia sem entender o que queria.
- E lembra se tinha alguma câmera?
- Que eu tenha reparado, só na porta do elevador...
- Sai do carro que eu te explico.

Após colocar o celular no vibrador, ele agradeceu aos céus por não precisar se identificar na portaria. Apenas sorriram para o guarda e foram em direção ao elevador.
apertou dois botões: o do andar do escritório de Paul e do andar debaixo deste.
Ambos nervosos e inquietos, torcendo para que ninguém entrasse no elevador bem agora.
Na primeira parada, saiu enquanto segurava a porta e indicava para o amigo onde ficavam as escadas, seguindo a lógica do que havia visto quando estivera no andar de cima.
foi correndo para as escadas e voltou para dentro do elevador, deixando a porta fechar-se normalmente.
Não demorou cinco segundos e ele saiu novamente, sorrindo falsamente enquanto caminhava pelo corredor.
Apoiou-se no balcão, sorrindo para aquela mulher loira que ele já havia visto antes.
- Boa noite - ela disse após olhar o relógio e constatar que eram 6h55.
- Boa - ele sorria galanteadoramente para ela, diferente das outras vezes. - Sabe, eu pensei bem... e eu quero responder aqueles formulários que você me ofereceu da última vez - coçou o nariz, tentando captar algo de interessante naquele corredor ao lado direito do balcão, onde Paul e uma mulher haviam saído na primeira vez em que pisara ali. - Sabe como é, minha mulher naquele dia não quis cooperar e gostaria de saber se posso levá-lo para casa e trazer num outro dia... - um pouco desconfortável por perceber que sorria demais pra ela, pediu para aguardar um minuto enquanto olhava algo em seu computador.
- Só mais um momento - ela pediu novamente, se levantando e indo em direção a um outro corredor, ao lado esquerdo.
Após vir que ela virava as costas, ele fez sinal para que saísse de onde estava - escondido atrás da porta grande e pesada que dava acesso às escadas. Assim ele fez correndo e sem fazer muito barulho, seguindo pelo corredor onde havia indicado.
Sorrindo de orelha a orelha, fez joinha para antes de sumir pelo corredor. Cauteloso, ele olhou porta por porta até encontrar a copa.
Aparentemente, o escritório era pequeno e não havia quase ninguém por ali. Havia se lembrado, então, que Paul tinha mais duas ou três filiais, de acordo com o diário de .
Pegou alguns biscoitos que estavam sobre o balcão e queria, também, pegar um pouco de café. Mas não tinha tempo pra isso. Enfiou no bolso um bolinho e no outro algo que ele não sabia o que era, mas era massa pura, algo parecido com pão doce.
- Nunca se sabe a hora que vou voltar a comer - ele dizia num sussurro, colocando um pedaço de biscoito salgado na boca.
Olhando para os lados, ele viu uma porta e uma placa logo acima escrito: 'Despensa'.
- Espero que eu continue com sorte assim - sorriu para ele mesmo, indo até a porta e pondo a mão na maçaneta, abrindo-a e dando de cara com um ambiente escuro. - Tudo bem, eu supero isso - sussurrou, adentrando e fechando a porta devagar.
Pegou o celular no bolso da calça e apertou qualquer tecla, iluminado um pouco o local.
Era pequeno, com prateleiras e um corredor no meio, como se fosse um closet. Olhou para o lado e preferiu encolher-se logo ali na entrada, para o caso de alguém entrar e ele poder sair o mais rápido que pudesse. Analisou bem e a única chance de alguém o vir ali era se ele fizesse um escândalo caso alguém entrasse. Não, não era o caso.
Tirou o bolinho do bolso após sentar no canto e cruzar as pernas, e deu um pulo quando seu celular vibrou nas mãos.
Uma mensagem de . Abriu enquanto levava um pedaço de bolinho à boca.
Assim como quem não quer nada, eu perguntei pra loira (que por sinal tem uma bunda, que... Céus!) que horas acaba o expediente e pra sua sorte é 7h30. Se conseguir achar alguma pista e der pra sair hoje daí, eu agradeço. Estou estacionado na rua de trás, perto da saída de emergência... É só descer as escadas até o final.. Qualquer coisa me liga'
Sorriu com ele mesmo, encostando-se à parede mastigando seu lanche roubado, esperando pacientemente chegar 7h30.

Alguns minutos depois e planejava sua fuga na mente. Até que o barulho de chaves e algumas pessoas falando o assustou, fazendo-o se encolher por temer que alguém fosse entrar. Ele ouviu barulho na maçaneta, mas nada aconteceu, o fazendo suspirar pesado por sua respiração estar completamente descompassada.
As pessoas riam ao lado de fora, e em poucos segundos as vozes foram sumindo gradativamente, o fazendo suspirar aliviado dessa vez.
Olhou o relógio e já eram 7h33. Para dar uma margem de segurança, ele preferiu esperar até 8h.
Era perigoso estar ali, ele sabia. Mas não ia descansar até achar uma pista de qual era o andar de e achá-la, aliviar sua cabeça ao saber o que estava realmente acontecendo.
Quando deu a hora estipulada por ele mesmo, levantou-se respirando fundo. Não podia negar que a adrenalina corria forte por suas veias, mas nada o faria parar.
Aproximou-se da porta, reparando por baixo desta que a luz agora ao lado de fora era fraca.
Mexeu na maçaneta e suspirou aliviado quando a porta se abriu.
Chegou à porta da copa e olhou pelo corredor: ninguém. Apurou os ouvidos e não ouviu nenhum ruído, ao menos um barulho de rádio ou televisão ligada.
Antes de começar a procurar pelas salas qualquer papel que fosse a favor dele, preferiu checar se realmente não havia ninguém por ali. Rodou o andar inteiro com cautela por a luz ser fraca e com receio que alguém aparecesse de repente. Sorriu com ele mesmo por não ver rastros de segurança nem ninguém, o silêncio era absoluto.
Voltou aos corredores e então foi abrindo porta por porta, olhou armário por armário e isso demorou algumas duas horas. Já estava cansado de olhar e não achar nada e começou achar aquilo inútil, já que Paul tinha mais duas afilias as quais ele nem sabia onde eram.
Até que a prateleira de uma das salas o chamou atenção. As únicas fontes de luz era a que vinha do teto de gesso com a ajuda das luzes da cidade que adentravam a janela, mas ainda assim ele conseguiu enxergar com os olhos cerrados escrito numa folha de papel com caneta azul: Departamento Médico.
Engoliu em seco e se aproximou, tenso com a possibilidade de achar que tivesse a ver com o coma de e sua mudança de hospital.
Ele começou de cima para baixo, da esquerda para a direita e foi mais fácil ao vir que era por ordem alfabética. Pegou umas quatro folhas, querendo saber primeiro do que se tratava aquilo tudo e se deparou com Certidões de Nascimento, formulários preenchidos para vários processos hospitalares, folhas assinadas e várias outras papeladas do tipo. Então ele abriu um sorriso por achar que estava no lugar certo.
Foi até a pilha da primeira letra do nome de e tirou com cuidado aquelas folhas de lá. Procurou e procurou, sentindo sua testa suar a cada segundo que olhava para trás para verificar se vinha alguém. Então ele achou o que queria; uma folha com autorização do médico para a mudança de hospital, anexada a um documento que dizia que Grace tinha parentesco com . Havia assinaturas de Paul, Grace e um tal de Rob, que ele lembrava vagamente ter visto no diário de .
Por um momento ficou confuso se guardava aquela folha ou se apenas os denunciava.
Decidiu seguir o instinto e escolheu a primeira opção.
Colocou a folha sobre a mesa e devolveu o resto, passando a mão pela testa suada antes de apanhar a prova que Grace e Paul estava encrencados.
Fechou a porta e foi para a próxima, a última nas contas dele.
Pôs a mão na maçaneta, torcendo para que dessa vez encontrasse alguma pista de . Mas a porta estava trancada.
- Droga! - resmungou, esmurrando a porta. Mas ao mesmo tempo achou estranho, já que nenhuma das outras estavam trancadas, somente aquela.
Suspirando pesado, ele decidiu arrombar a porta. Chegou até ali, não ia desistir tão fácil.
Pegou distância, tomando cuidado para não perder a folha que estava nas mãos e parou numa distância razoável no corredor. Respirou fundo e correu, concentrando-se na força.
Gemeu ao sentir o ombro latejar com o impacto com a porta, que só levou um leve tranco.
Tentaria novamente ao notar que nenhum ruído que lhe trouxesse problemas foi ouvido. Fez o mesmo movimento, concentrando-se ainda mais na força e foi com tudo, abrindo a porta, finalmente.
Doeu, claro, mas sua surpresa ao vir o que tinha atrás do porta foi tanta que ele esqueceu da provável dor que sentia.
Um armário no canto da pequena sala que ele poderia chamar de quarto, uma cama desarrumada com um criado-mudo ao lado com algumas coisas em cima. Não havia televisão nem rádio, somente uma janela mediana que dava para os fundos de um shopping.
Olhou vagarosamente para o lado, com receio que alguém estivesse se escondendo ao ouvir o primeiro tranco de seu ombro com a porta. Mas não viu ninguém. Aproximou-se da cama devagar e inclinou-se para baixo, suspendendo o lençol para olhar embaixo da cama. Mas não havia ninguém. Olhou sobre o criado-mudo e havia um livro sobre romance, um copo vazio, uma agenda e um envelope. Olhou em volta novamente e quando constatou que não havia ninguém, pôs a prova contra Grace sobre a cama. Em seguida apanhou a agenda e, abrindo logo na primeira página, havia informações que ele percebeu que era do colégio de Bernardo e Lauren, tendo em vista o endereço. Entrou em alerta.
Foi para a próxima página e prendeu a respiração ao vir a letra de . Com as mãos um pouco trêmulas, ele passou os olhos pela página e seus olhos focaram num trecho:
# Falar com Grace sobre a contratação de mais uma professora, já que a turma da sala B está com superlotação.
Um pouco atordoado, ele subiu os olhos tentando raciocinar.
- Espera! - ele exclamou baixo. - A Grace é dona ou diretora daquela joça?
À procura de mais pistas, ele passou mais páginas e a maioria citava o nome de Grace, levando a crer que sim: era ela a dona ou diretora do colégio dos filhos. Mas ela era bem ausente, pensou, já que quem sempre resolvia seus problemas com mensalidade e afins era uma tal de Loren, uma morena robótica, com os cabelos sempre presos num pauzinho chinês e os óculos caindo pelo nariz.
Deixou a agenda no mesmo lugar e pegou o envelope com cautela, sempre olhando para a porta. Abriu-o e percebeu que eram fotos. As tirou e quase teve um colapso: eram fotos dele e . Com os olhos arregalados e os dedos mais trêmulos ainda, ele passou as fotos; algumas tinham até a presença de Lauren e Bernardo. Aquilo era doentio, pensou.
Um estalo em sua cabeça o fez alertar: ou aquele quarto era de Grace, ou o quarto era de . E ele estava torcendo para ser a última opção, embora não visse rastros dela por ali.
Olhou em volta e viu uma porta próximo a janela, no lado direto do quarto. Deixou o envelope sobre a cama e aproximou-se, ainda olhando para todos os lados e pôs a mão na maçaneta. Torceu para que esta estivesse aberta, não queria acabar o ombro com essa maratona.
E a porta estava aberta. Mas, novamente, seu coração disparava como nunca antes.
Ele via jogada no chão usando uma camisola de seda, o rosto pálido. O único barulho era da água pingando da torneira da pia no canto do banheiro.
- Meu Deus, o que aconteceu? - ele perguntava como se ela fosse capaz de escutá-lo, indo direto ao encontro dela e a colocando no colo. - Por favor, acorda - ele dizia sentindo os olhos apertados, esquecendo completamente de onde estava e do perigo que corria. Colocou seus cabelos quase sem vida para trás, percebendo que ela estava mais magra, as saboneteiras no colo aparecendo de forma quase surreal. Ele não podia acreditar que a deixaram sem comer durante o tempo em que sumiu.
Pôs a mão em seu pescoço e sentiu sua pulsação fraca.
Levantou depressa, pegando-a no colo e a levando para cama rapidamente. Sentia seu sangue borbulhar vagarosamente.
Apanhou seu celular no bolso da calça e tirou fotos de tudo: desde a porta arrombada por ele até pálida sobre a cama. Sabia que ela poderia estar correndo perigo por nem saber o que ela tinha, mas sua ira naquele momento era tão avassaladora que ele não conseguia controlar os impulsos.
Em seguida ligou para , agoniado.
- Atende, atende, at... ? ! Me encontra em dois minutos na saída de emergência. Se tiver algum segurança por lá, pede ajuda também e prepara o carro - ele desligou sem mesmo saber a resposta do amigo e foi direto à cama, pegando a folha preciosa, em seguida .
Agora ele não se preocupava se alguém o via ou não, apenas andava com pressa pelos corredores com ela desmaiada em seu colo.
- Vai ficar tudo bem, vai ficar tudo bem - ele repetia para ele mesmo, descendo depressa às escadas, embora soubesse que ele podia rolar por elas à qualquer momento.
Ao chegar no térreo, discutia com um segurança alto e forte sobre estar lúcido ao dizer que tinha alguém mal lá em cima. O superior dizia que não, não podia ser já que estava tudo fechado. E sua expressão fechou-se ao vir sair com nos braços.
- Como você conseguiu chegar lá em cima? - o homem de terno quis saber se aproximando, o cenho fechado.
- Cara, eu to com uma mulher desmaiada no meu colo e você quer saber como eu consegui chegar lá? - ele dizia alto e raivoso, sem parar de andar em direção ao carro que ele já via de longe estacionado. vinha atrás, o segurança permaneceu no mesmo lugar, mas pronto para avisar aos outros o que havia acontecido.
- Guarda essa folha - dizia, indicando sua mão para após ele abrir a porta de trás do carro.
Ele pegou a folha, e pôs deitada.
- Que isso? - o amigo quis saber enquanto caminhava depressa para o outro lado do carro.
- A prova que precisávamos - respondeu assim que entrou no carro, segurando-se na porta quando deu a partida após devolver a folha ao amigo.

andava de um lado para o outro. Sabia que aquilo que ele estava sentindo podia ter consequências graves, mas ele não se importava. A voz de lhe dizendo para se acalmar era ignorada por ele.
Até que viu o médico; ficara mais atônico ainda.
- E aí?! - quis saber, sem dar tempo nem para o médico respirar.
- Ela só estava fraca, acreditamos que esteja muito tempo sem comer... Está sem proteínas no corpo e, aliás, ela toma algum remédio?
procurou na mente alguma lembrança de ela ter citado algo sobre isso, mas nada veio.
- Bom, não que eu saiba - ele respondeu mais calmo.
O médico embalançou a cabeça levemente, mas disse:
- Qualquer novidade, venho avisá-los. Ela passará a noite na UTI só para acompanharmos a recuperação, isso quer dizer que ela não poderá receber visitar, pois já passou do horário. Vão para a casa e descansem... Ela está bem - sorriu, dando as costas em seguida.
passou a mão pela testa suada, avaliando aquela tensão que ele tinha dentro dele. Estava decidido, embora soubesse que isso poderia ser arriscado.
- Me leva para casa da ? - ele pediu, pondo as mãos na cintura, encarando um confuso e compreensivo. - Tenho que buscar as crianças na e amanhã faço questão de levar meus filhos à creche... - dizia, já saindo pelo corredor que dava no estacionamento.
o olhou confuso.
- Mas você já não faz questão... todo dia? - seguiu-o.

Por segurança, preferiu deixar a folha - onde contém a autorização assinada por Grace - com .
Obviamente, ela ficou nervosa ao saber que a amiga havia voltado para o hospital. E mesmo lhe dizendo que ela estava bem, que não era pra se preocupar, pois o que ela tinha era apenas fraqueza, continuou inquieta.

No dia seguinte, encontra-se tenso, com olheiras por não conseguir dormir à noite. Não, não por culpa de que havia voltado pro hospital. Ele estava até tranquilo, já que sabia que notícia ruim chegava rápido. Mas o que o deixava tão tenso era a raiva que sentia naquele momento. Não suportou a ideia de fazerem mal a , a resposta ao lado dele o tempo todo e ele não fazer nada. Ele não tinha culpa, lá no fundo sabia, mas se corroia por dentro.
Seu semblante era sério e tenso, rígido, enquanto e já estavam em seu apartamento após o expediente.
O primeiro comia um sanduíche tranquilamente, sentado à mesa enquanto esperava terminar seu banho. Já dava banho num Bernardo tagarela. Lauren assistia a um desenho, esperando seu pai colocar seu jantar.
adentrou a sala já com uma roupa caseira, arrepiando os cabelos como sempre.
- E aí, já decidiu o que vamos fazer? - quis saber, mastigando o último pedaço de seu sanduíche.
sentou-se e, antes mesmo de chegar, desatou a falar.

Com o semblante preocupado, mas ainda assim concordando com cada palavra dita por ele, sussurrou um "Tem certeza?".
Suspirando fundo, ele respondeu: "Não". E, simplesmente, se levantou. "Mas meu corpo pede por isso".


Dois dias depois

sentia suas mãos suadas, sua mente produzia frases feitas em todo o momento.
Sem dizer nada, ele levou as crianças até as salas e, após dar um beijo na bochecha de cada um, aproximou-se de Loren que estava próxima ao banheiro com seu uniforme impecável.
Sorriu forçado.
- Bom dia - ela se virou para ele, já que estava pregando alguns desenhos num mural - Hm, bom... Gostaria de saber se a Grace... - interrompeu a pergunta para se certificar do que estava dizendo: - a diretora, não é? - Loren assentiu sorrindo - Então, gostaria de saber se ela já chegou... Gostaria de falar com ela - sua cara tremia, não sabia mentir muito bem.
- Já sim.
Dessa vez o sorriso de era puro e sincero.
- Obrigado - ela assentiu, voltando a fazer o que fazia antes.
Ele seguiu pelo extenso corredor, chegando à porta onde ele havia entrado uma única vez para fazer a matrícula das crianças.

Do outro lado da porta, Grace já estava irritada por ouvir por três dias seguidos aquela mesma ladainha:
- Eu não quero saber, Grace, você vai ter de pagar por essas fechaduras que custaram um olho da cara! - Paul reclamava do outro lado o que já dizia nos dois dias anteriores, enquanto ela estava aflita demais para pensar no preço de uma fechadura.
- Cale a boca, seu incompetente! - esbravejou com o tom de voz alto, parando de andar de um lado e para o outro. - Eu te disse que era melhor colocar um segurança lá em cima, mas você nem ligou pra isso, Paul!
- Ei, pode parando por aí! Já basta você me meter nisso, me fazer copiar a letra dessa mulher que eu nem conheço, tomar uma parte do meu escritório para transformar num cativeiro e ainda quer eu perca meu tempo para procurar e colocar um segurança lá?! - ele também já gritava do outro lado da linha, nervoso com o tom elevado de Grace, que rolava os olhos enquanto pensava no que poderia ter acontecido. - Por Deus, Grace, antes de você ter essa ideia maluca e sem cabimento, não houve assaltos nem arromba...
E ela praticamente parou de respirar ao vir a porta abrir brutamente diante de seus olhos, um vermelho e ofegante entrando sem nem pedir licença.
Antes mesmo que ela pudesse dizer alguma coisa, ele já dizia:
- Desligue essa merda agora - ele dizia alto, apesar de tentar controlar o tom de voz. - É a minha vez de ter uma conversinha com você.
Ela não se preocupou em se despedir de Paul; aliás, nem era preciso: o tom rude de após bater a porta atrás de si foi possível se ouvir até do outro lado da linha.
Assustada e com a voz trêmula, Grace se pronunciou:
- Quem você pensa que é pra entrar desse jeito aqui? - rolou os olhos, os punhos fechados e ainda respirando com dificuldade. Sua tentativa de não voar no pescoço de Grace estava dando certo, afinal.
- Você se acha muito esperta, não é, sua...
- Olha só, - ela o interrompeu, não querendo nem saber do que ele a chamaria - se você não sair daqui agora, eu chamo a polícia! - ela ameaçou, e essa simples frase provocou um ataque de risos da parte de . Não era uma risada brincalhona e de bom humor, não; era uma risada carregada de deboche e ironia.
Isso a fez se sentir mais desconfortável, sem saber como reagir.
- Você só pode estar brincando, não é? - ele ainda tinha um sorriso debochado no canto do lábio, enquanto cruzava os braços, sentindo-se mais confortável. - Uma pessoa como você, cheia de merdas feitas no passado, chamar a polícia... Isso não soa irônico pra você?!
- Do que você está falando? - Grace sabia exatamente do que ele falava, mas seu instinto pedia para se fazer de desentendida enquanto sua respiração pesava; ela começava a dar passos para o lado discretamente; mas à medida que ela se afastava, se aproximava.
- Estou falando sobre a mentira que você inventou sobre precisar ser casada pra precisar adotar, sobre o sequestro da ; estou falando sobre você ser prima dela que, aliás, desconheço; sobre a lavagem cerebral, a omissão da minha existência e dos filhos dela! - ela continuava a dar passos para o lado, que em poucos segundos tornou-se círculos. - Estou falando sobre a falta de notícias, sobre o bilhete falsificado, sobre mandar um detetive atrás de nós e fotografar eu e meus filhos... - suspirou, buscando ar. - Estou me esquecendo de mais alguma coisa?
- Você é louco - foi a única frase que Grace conseguiu dizer, ainda que pasma com tudo o que ele havia dito.
riu, novamente debochado, parando bem aonde estava: à frente de uma estante com livros, mais a frente a mesa de Grace e próximo a janela a acusada, que parou no mesmo instante que .
- Acho que a única doente aqui é você - ele disse, achando um máximo a oportunidade de cuspir aquelas palavras a ela. - Como você pôde? Se você se julgar tão amiga dela assim, como consegue privar a das coisas que ela gosta, das pessoas que ela gosta? Como você tem coragem de fazer a de marionete?
- Você não tem provas disso - ela disse convencida, se sentindo mais confortável ao lembrar que ele realmente não tinha provas.
- Eu não preciso de provas, Grace. Eu já tenho na minha mão, ela não vai mais te ver como boazinha - ele sorriu irritamente irônico. - E posso te falar uma coisa? - ele não esperou respostas, continuou: - Foi extremamente inspirador ver seu êxito - ele deu uma piscadela a ela e, instantaneamente, seu semblante tornou-se confuso.
- Não estou entendendo - ela soltou uma risada nervosa, e de um jeito galanteador, aproximou-se dela, com um sorriso de canto de boca.
Quando estava tão próximo a ela a ponto de ouvir sua respiração, ele pôs uma mecha de cabelo atrás da orelha de Grace e sorriu.
- Agora quem vai fazer de marionete sou eu.
Grace custava a acreditar no que ouvia, precisou repetir a frase em sua cabeça algumas vezes, até tomar uma atitude:
- Não, você está blefando - ela deu um passo para trás, embalançando a cabeça negativamente.
rolou os olhos.
- Não acredito que uma vez na vida a não tenha te dito que sou o cara mais idiota e egoísta do mundo - ele formou uma expressão desdenhosa.
- Mas ela também me disse que você tem coração de ouro - ela disse, debochada, embalançando a cabeça levemente com uma careta.
- Aos olhos dela - sorriu. - Ela também achava que você tinha coração de ouro, até eu descobrir que tinha outra pessoa querendo bancar a esperta e tirar a bonequinha que eu tinha.
- Você n...
- Se você baixar essa crista e abrir o jogo comigo, posso pensar no teu caso e ficaremos juntos nessa - deu alguns passos para trás.
- Isso está estranho - ela o olhou desconfiada, cruzando os braços. - Como tenho garantia do que você está dizendo?
- Por Deus, eu não perderia meu tempo vindo aqui pra abrir o jogo com você - ele fez um gesto exagerado com as mãos. - Duas saídas: ou você continua com essa desconfiança e eu desisto, vou embora e banco o bonzinho pra , ou você me diz suas intenções... Se forem as mesmas que as minhas, podemos manter sua imagem 'boazinha' - fez aspas com as mãos - para . Você escolhe, - cruzou os braços e se inclinou para frente - meu bem.
Ela pensou, e não entregaria o jogo assim. Mas também não suportaria a ideia de , logo ele, possuir o que ela queria.
- E então? - a apressou, irritado com aquela demora. - Posso ir ou vai falar alguma coisa?
- Tudo bem - ela suspirou. Mesmo que lá no fundo estivesse contrariada, ela prosseguiu: - Eu quero entrar nessa.
sorriu de lado.
- Continue.
- O que quer que eu diga? - ela disse autoritária, começando a elevar a voz e o nariz.
- Sei lá, quero me garantir que você não dar uma de espertinha novamente.
- Eu não vou, tá legal? - garantiu, irritada.
- Só estou em duvida numa coisa - começou, num tom realmente curioso. - O que a tem de valioso pra você querê-la sempre por perto?
- As pessoas precisam ter valores pra se gostarem dela? - ela o encarou, incrédula.
- No seu caso, aparentemente, sim - riu anasalado. - Digo, você é mulher... Eu poderia tê-la pra me aproveitar. Hm, você sabe, - ele se inclinou para frente antes de sussurrar: - homens precisam de sexo.
Ela sorriu desconfortável.
- E então, o que ela tem de valor? Que fique claro que se você apertar minha mão e disser 'negócio fechado', não poderemos ter segredos - isso a fez rir brevemente.
- Mas o caso é que eu ainda não apertei sua mão, tampouco disse 'negócio fechado'.
- Tudo bem, então - descruzou os braços e estava preparado para ir até a porta quando ouviu a voz de Grace novamente:
- Ok, você venceu! - ela suspirou, mirando o teto com certa fúria com a petulância dele.
sorriu e voltou ao seu lugar.
- Na verdade, não tem nada de valor - começou, indo em direção a mesa e sentando-se lá. - Mas acontece que tudo que acontece na infância, - cruzou os braços - cresce com a gente. Tipo um trauma. É patético pensar nisso hoje em dia, mas a besta da sempre teve os amigos dela... E não eram poucos! Ela sempre estava em festas enquanto eu, por mais que tentasse estar no topo, sempre ficava em casa me lamentando por aqueles idiotas do time de futebol! - ela dizia, aparentemente para desabafar, esquecendo-se por um momento que estava ali, a escutando com um pequeno sorriso no lábio. - Numa dessas festas eu havia terminado de brigar com meu namorado e ela teve a coragem de ir na minha casa, ficar só uns minutos e depois ir direto pra aquela festa imunda! Arg! - ela grunhiu. - Mas enquanto ela tinha a popularidade, eu tinha o dinheiro - ela abriu um sorriso malicioso, cruzando os braços. - Você acha que alguns amiguinhos dela nunca receberam dinheiro meu?!
- Agora estou começando a entender... - fez um gesto com a mão, demonstrando que estava captando tudo que ela provavelmente queria dizer. - Você sequestrou a e fez isso tudo por vingança?
- Não... Vingança não é a palavra certa - Grace dizia cautelosa, fitando o chão enquanto procurava na mente alguma palavra pra traduzir o que ela pensava. - Sei lá, eu só queria minha amiga pra mim... Sem horas a fio com amiguinhas patricinhas e irritantes, sem melações com namorados temporários, sem saídas à boates com um certo - o olhou significantemente, fazendo-o rolar os olhos - ao invés de estar comigo.
- Ah, você trocou de hospital e escondeu que eu, meus amigos e meus filhos existem por causa de um ciúmes de infância? - apesar das palavras, o tom de voz do homem era calmo, como se ele entendesse exatamente sobre o que ela estava falando.
- Pode se dizer que sim - ela sorriu triste.
- E sobre o cativeiro? Vamos deixá-la lá mesmo? - ele questionou, confuso.
- Agora não, né! Você arrombou a porta do Paul - reclamou, a voz levemente irritada. - E, aliás, você vai pagar o concerto - ela suspendeu um dedo sutilmente.
Ele ignorou e continuou:
- E não tem mais necessidade de um detetive, pode dispensar o atual - comentou.
- Vou pensar no teu caso - ela disse desconfiada. - Era só isso? Tenho que trabalhar - ela o olhou da cabeça aos pés.
- Tudo bem, - disse um pouco mais alto as próximas palavras: - era só isso.
Segundos depois, a porta abriu-se da mesma maneira que abriu quando entrou, com a diferença de quem entrava agora era com um advogado e três homens armados.
- Grace Johnson, você está presa. Podem algemá-la - um homem alto e com a expressão rígida dizia para os dois homens ao seu lado, enquanto se aproximava e tirava um gravador preso em sua camisa social e entregava ao delegado.
- Espera, está acontecendo um grande engano aqui - ela dizia, mesmo sendo algemada com as mãos puxadas para trás.
- Não há engano, Grace. Você foi pega no flagra - dizia, sorrindo de orelha a orelha para a loira que bufava.
- Ele também merece ser preso, ele também preten...
- Não seja tão ingênua, - começou, sua expressão tomada pelo tédio - você mordeu a isca.
- Vocês me pagam! - ela gritava, enquanto era carregada pelos dois brutamontes porta à fora.
Mas não perdeu a oportunidade de se aproximar, bem próximo ao seu ouvido, caminhando na mesma velocidade:
- A sua vontade de querer a por perto se chama ciúmes - sorriu triunfante, antes de continuar: - A minha, se chama amor.

Capítulo 18



Bons relacionamentos não acontecem do nada. Eles levam tempo, paciência e duas pessoas que realmente querem ficar juntas.

's POV On.

Não que eu gostasse de cemitários, mas... Estar ali, sentindo aquela brisa no rosto, sem nenhum ruido, me trazia uma tranquilidade absurda.
Bernardo, aquele que eu trouxe comigo, insistia em saber o que estávamos fazendo ali, já que era hora do seu desenho estar passando na TV. Respondi um 'espera mais um pouco' e ele se aquietou.
Paramos diante da sepultura dela, ele me olhou confuso enquanto eu me agachava e colocava flores sobre a pedra onde estava seu nome.
Me levantei, sem saber realmente como denominar aquele sentimento que eu estava sentindo, apenas olhei para Bernardo - que agora não sorria, apenas me olhava - e o peguei no colo, contorcendo o rosto por senti-lo pesado.
- Aqui é o lugar onde ficam as pessoas depois que elas vão embora - soltei um suspiro, sem saber como continuar. Eu não diria que a mãe dele havia ido embora, isso o faria confuso até demais.
- Ir embora como? - ele quis saber passando um dos braços em torno do meu pescoço.
Olhei para os lados, eu deveria pensar em como explicar certas coisas antes de ter a ideia de trazê-lo aqui.
- Bom, quando você vem pra cá pra Terra, eu acredito que todos têm uma missão. Por exemplo, qual a missão do homem-aranha? - eu tentava olhar em seus olhos, embora a função de segurá-lo estivesse me cansando.
- Salvar a cidade dos bandidos! - ele disse como se ele fosse o homem-aranha, me fazendo rir anasalado.
- Então, todo mundo aqui veio por alguma missão, Ben...
- Então somos todos super-heróis?! - os olhos deles brilhavam, esperando que minha resposta fosse positiva.
- Quase isso - ri, colocando-o no chão. Me agachei pra olhar em seus olhos. - Quando a missão de uma pessoa termina na Terra, ela precisa seguir para o andar de cima, Ben, e a gente não pode fazer nada a não ser vir trazer flores para ela - olhei para as flores ao nosso lado que embalançavam levemente devido ao vento daquela tarde.
- Pai, - ele chamou com a voz levemente triste - se estamos aqui com flores pra alguém... É porque a missão de alguém acabou, né? - eu assenti, entortando os lábios de leve - Pra quem estamos trazendo flores?
- Antes, deixa eu te pedir uma coisa - ele assentiu, me fazendo continuar: - A pessoa que foi embora gostava muito de você e, com certeza, ela queria que você viesse aqui quase todos os dias - ele arregalou os olhos, um pouco confuso - Mas vamos fazer o seguinte: todo ano, nessa mesma data, a gente trás flores pra ela. Daí a gente pode ter certeza de que onde ela estiver, ela ficará feliz por saber que você esteve aqui, mesmo que você ainda não entenda como isso funciona. Combinado? - ele assentiu.
Então me virei para o lado e tirei as flores que estavam sobre a pedra onde estava seu nome.
- Você consegue soletrar, Ben? - me virei para ele, que assentiu, feliz pelo novo desafio.
- J-A-N-E! - então ele se virou: - O que significa, pai?
- Jane...


Como ele já reclamava de fome, decidi explicar a história no carro, embora eu compreendesse que ele não entenderia muita coisa do que eu disesse, eu só queria que no psicológico dele, ele não levasse a palavra morta de forma tão dolorida como eu levei alguns anos atrás.
Durante seu interrogatório, meu celular tocou e então atendi, colocando no viva-voz:
- Alô?
- Cárcere privado, lesão corporal, falsificação de documento público, estilionato e fora outros que não consigo me lembrar agora! - disse ao telefone, me deixando confuso de início, mas depois minha mente clareou.
- Quantos anos? - perguntei, sentindo um sorriso se abrir instantaneamente.
- Alguns poucos para Rob, outros para Paul e muitos para Grace, há! - estava contente do outro lado. Eu não estava muito diferente deste lado - Resumindo: ela vai morrer na cadeia, a escola vai fechar e a família viverá feliz para sempre! - ele me fez rir na última parte, mas a parte em que ele diz que ela vai apodrecer na cadeia me soou muito melhor.
- Não acredito, cara! A melhor notícia do último mês! - eu dizia completamente animado, louco pra dar a notícia para , embora eu achasse que seria uma tarefa um pouco complicada, afinal, Grace era sua amiga.
- Isso merece uma cerveja e muitas mulheres ao meu lado! - eu ria, levando o carro em direção à entrada da garagem, já que havíamos chegado. - Ai! - ele gemeu. - Isso, dói, ! - ele dizia ainda risonho. Cerrei os olhos maliciosamente, embora ele não pudesse ver. Ouvi algo como 'mais respeito, seu moleque!' do outro lado da linha.
- Está com a , é?! - então minha malícia seguiu o caminho da voz, fazendo-o rir.
- Pois é, estamos voltando do encontro com o advogado... Essa mala amiga da sua esposa quis fazer o favor de me acompanhar e... Ai! - eu ria, estacionando o carro na vaga certa.
- Vou deixar os dois se matando aí, tenho muito mais pra contar pra - eu disse rindo, desligando o aparelho e desligando o motor do carro em seguida.

's POV On - Alguns meses depois.

Não que eu estivesse na TPM ou algo parecido, mas eu sentia uma sensação estranha, uma desanimação agoniante. Eu não sei bem se isso se devia ao fato de estar um pouco distante nos últimos dias ou se é apenas cansaço do trabalho.
Era um sábado à noite e eu comia um bolo na sala enquanto aproveitava meu momento de paz, já que as crianças foram ao parque com a e dormiriam por lá mesmo. Na televisão passava um reality show que eu gostava, até, mas meus pensamentos estavam num , que eu não fazia a mínima ideia de onde estava nesse exato momento. Digo, ele está dentro de casa, mas ele simplesmente sumiu após almoçarmos sem ele dizer uma palavra sequer. Pra falar a verdade, eu não lembro quando foi essa mudança repentina, quando surgiu esse gelo entre a gente, portanto eu não fazia questão de conversar sobre isso. Eu não tinha argumentos pra cobrá-lo.
Colocando mais um pedaço de bolo na boca, eu senti seu perfume adentrar a sala. Franzi o cenho. Íamos sair?
Me virei pra porta de nosso quarto, de onde eu ouvia os passos lentos de e suspendi uma sobrancelha por vê-lo arrumado, vestindo uma camiseta, uma calça jeans e um tênis. Com seus cabelos levemente bagunçados, ele foi à cozinha, parecendo ignorar completamente meu olhar sobre ele.
pegou uma maçã e foi ao porta-chaves. Engoli o pedaço de bolo - que eu havia reparado que eu tinha parado de mastigar assim que eu o vi -, assistindo-o pegar o molho de chaves enquanto mordia um pedaço da fruta. Ele, simplesmente, se virou pra mim com um mínimo sorriso.
- Estou indo ao pub com os caras - jogou a chave do carro pro alto e a pegou de volta. - Qualquer coisa, meu celular vai estar ligado.
Antes mesmo de eu perguntar pra onde diabos ele ia, ele fechou a porta.
Fiquei sentada encarando a porta durante alguns poucos segundos, pensando que porra estava acontecendo.
Pra mim, foi a gota d'água. E, ao mesmo tempo, eu não esperava isso dele. Eu estava me sentindo uma solteira, e não uma mulher casada com dois filhos. Ele jamais havia feito isso.
Só acordei do transe quando o celular ao meu lado tocou. Balancei a cabeça por me sentir um pouco tonta e então fitei meu celular sobre o sofá tocando incessantemente. No visor estava escrito ''", então atendi.
- Alô? - minha voz rouca me entregou. Pigarreei.
- ? Hey! - ele falou contente. - Que voz é essa? - seu tom de voz mudou levemente.
- Han... Nada, só... Umas coisas, mas não é nada demais - eu gaguejava, ainda um pouco absorta em pensamentos.
­- O tá por ai? Celular só dá desligado - ele pareceu nem escutar o que eu havia dito.
- Não, ele já saiu, mas ele... - antes mesmo que eu terminasse, ele me interrompeu:
- Pô, cara. Faz tempo que ele não sai com a gente, ia falar para ele nos encontrar no pub - imediatamente, eu senti algo estranho como um dejavu que durou apenas um segundo. Parecia que eu já havia passado por essa situação antes. Sem pensar, eu joguei o telefone sobre o sofá sem nem me despedir de .
Eu ouvia ele falar alguma coisa do outro lado da linha, mas eu já calçava meus chinelos na porta do apartamento. Peguei minha chave, prendendo meus cabelos num coque mal feito e batendo a porta com força atrás de mim.
Desci pelas escadas, sem saber exatamente o que eu sentia, o que eu queria, o que esperava por mim.
O porteiro deu boa noite a mim, e eu respondi murmurando qualquer coisa, enquanto seguia para fora do prédio. Deixei minhas pernas me guiarem, e eu ainda via, um pouco longe, os cabelos de pelas ruas pouco movimentadas.
Respirei fundo e corri atrás dele, mas meu coração não pedia pra gritar por ele.
Ao mesmo tempo em que ele dava passos corridos, em minha mente passavam flashbacks que faziam meu estômago contorcer e minhas pernas quererem parar de correr atrás dele, com medo de encontrar o que eu temia. Lá no fundo, eu sabia o que havia acontecido.
Diminui meus passos, associando a frieza de com coisas que me machucavam por dentro.
Passei minhas línguas pelos lábios, ele havia virado num beco. Eu continuei andando, querendo parar, mas minhas pernas simplesmente não obedeciam.
Pus apenas minha cabeça na rua com o coração a mil, mas ele não estava lá. Havia apenas uma porta aberta de um galpão vazio.
Tomei coragem e voltei a andar em direção à porta com a adrenalina correndo em minhas veias.
Estava tudo escuro, então franzi a testa. Eu chutei algo que parecia ser um papel no chão, então me abaixei para apanhar. Estava vazio, então virei do outro lado e tinha a letra do :
Eu sabia que você viria :)


Meu coração bateu mais forte, era uma brincadeira de mal gosto?
Antes mesmo de eu me responder, uma música começou a tocar [n.a.: pode dar play :)], me fazendo entrar em alerta e olhar para todos os lados à procura de alguma coisa.
De repente, todas as luzes se acenderam. Tinha um parado a uns 20 passos de mim. Haviam outras coisas pra me chamar atenção, mas somente ele e folhas em suas mãos me chamam a atenção.
Nela estava escrito:

There's a shop down the street where they sell plastic rings for a quarter a piece, I swear it.
(Há uma loja na rua onde se vendem anéis de plástico por vinte e cinco centavos a peça, eu juro)



Eu coloquei a mão na boca, meio chocada pra pensar em alguma coisa, eu apenas me sentia um pouco... Idiota?
Ele mudou de folha, de acordo com a música.

Yeah I know that it's cheap not like gold in your dreams, but I hope that you'll still wear it
(Sim, eu sei que é barato. Não é de ouro, como você sonha. Mas espero que você ainda ira usá-lo)



Yeah, the ink may stain my skin and my jeans may all be ripped
(Sim, a tinta pode manchar a minha pele e todos meus jeans podem ser rasgados)


I'm not perfect but I swear, I'm perfect for you
(Eu não sou perfeito, mas eu juro, sou perfeito para você)



Sei lá, eu acho que eu sentia algumas lágrimas escorrer pelas bochechas sem nem sequer digerir aquilo tudo.
Eu dividia minha atenção entre o sorriso tímido nos lábios de e os cartazes que, por sinal, ele passou novamente.


And there's no guarantee that this'll be easy. It's not a miracle you need, believe me
(E não há nenhuma garantia que isso vai ser fácil. Não é um milagre que você precisa, acredite em mim)


Yeah I'm no angel. I'm just me. But I will love you endlessly
(Sim, eu não sou nenhum anjo. Eu sou apenas eu. Mas eu vou te amar eternamente)

Wings aren't what you need, you need me
(Asas não são o que você precisa, você precisa de mim)



Nesse intervalo, riu fraco, provavelmente da minha cara de tacho, abobalhada com isso.


There's a house on the hill with a view of the town and I know how you adore it
(Há uma casa na colina com uma vista da cidade e eu sei como você adora isso)

So I'll work everyday through the sun and the rain until I can afford it
(Então, eu vou trabalhar todos os dias embaixo de sol e de chuva até que eu possa pagar por ela)

Yeah your friends might think I'm crazy 'cause they can only see
(Sim, seus amigos podem pensar que sou louco, porque eles apenas podem ver)

I'm not perfect, but I swear I'm perfect for you

(Eu não sou perfeito, mas eu juro que sou perfeito para você)


Nesse momento, ele colocou todas aquelas folhas sobre a mesa e se aproximou de mim com passos lentos - pra mim, ele estava demorando demais.
Quando ele estava bem perto, ele me olhou nos olhos com um sorriso. Eu tremia dos pés à cabeça.


And there's no guarantee that this'll be easy. It's not a miracle you need, believe me
(E não há nenhuma garantia que isso vai ser fácil. Não é um milagre que você precisa, acredite em mim)


Yeah I'm no angel. I'm just me. But I will love you endlessly
(Sim, eu não sou nenhum anjo. Eu sou apenas eu. Mas eu vou te amar eternamente)

Wings aren't what you need, you need me
(Asas não são o que você precisa, você precisa de mim)



Ele teve a ousadia de sussurrar em meu ouvido junto à música:


You need me, I know you need me. You need me, I know you need me
(Você precisa de mim, eu sei que você precisa de mim. Você precisa de mim, eu sei que você precisa de mim)




me abraçou bem forte, fazendo um cafuné no topo da minha cabeça enquanto a música ainda tocava.




And there's no guarantee that this'll be easy. It's not a miracle you need, believe me (won't you believe me?)
(E não há nenhuma garantia que isso vai ser fácil. Não é um milagre que você precisa, acredite em mim. Você não acredita em mim?)


Yeah I'm no angel. I'm just me. But I will love you endlessly
(Sim, eu não sou nenhum anjo. Eu sou apenas eu. Mas eu vou te amar eternamente)

Wings aren't what you need, you need me (You know you need me)
(Asas não são o que você precisa, você precisa de mim. Você sabe que precisa de mim)


Enquanto eu controlava a respiração, nos desuniu e ficamos frente a frente. Ele pôs a mão no bolso da calça e eu segui seu gesto com o olhar. Pus a mão na boca novamente, sabendo o que estava por vir.
Enquanto a música tocava, ele cantou junto com ela, abrindo a caixinha e me mostrando um anel brilhante que havia lá dentro:



There's a shop down the street where they sell plastic rings for a quarter a piece, I swear it.
(Há uma loja na rua onde se vendem anéis de plástico por vinte e cinco centavos a peça, eu juro)

Yeah I know that it's cheap not like gold in your dreams, but I hope that you'll still wear it
(Sim, eu sei que é barato. Não é de ouro, como você sonha. Mas espero que você ainda ira usá-lo)



Ao terminar, ele sorriu tímido e eu o abracei, sem saber traduzir o que eu sentia aqui dentro.
Minhas mãos em seus cabelos arranhavam sua nuca, enquanto eu sentia ele suspirar aliviado.
- Eu não sei nem o que te dizer, , eu... Tô feliz e ao mesmo tempo me sinto idiota por pensar que você estava aprontando. Me desculpe por isso, eu só... Te senti estranho, eu...
- Isso fazia parte do plano, amor - ele riu, me apertando contra ele. Dei um tapa de leve em suas costas, nos soltando do abraço em seguida. Ele perdeu a risada aos poucos, me olhando nos olhos. - Na verdade, eu quis fazer desse jeito porque... Bom, eu sei que você tem más lembranças de mentiras minhas e eu queria, de algum jeito, mudar essas lembranças pra alguma coisa boa. Eu não sei se consegue me entender... - ele desviou o olhar, parecia nervoso. A caixinha permanecia em suas mãos, aberta, mas eu sentia que ele queria falar. - , eu sei que fiz muita burrada, mas... - eu o interrompi com um dedo em seus lábios. Sorrindo, eu disse o que ele queria ouvir:
- Eu aceito, - ele alargou o sorriso e então eu tirei meu dedo de seu rosto, fazendo-o rir bobo.
Ele tirou o anel da caixinha e pôs no meu dedo, e eu ainda tremia. Ele não estava muito diferente disso.
- ... - eu chamei, o fazendo me olhar quando terminou ajeitar o anel. - Nós já somos casados - eu o olhei confusa, e ele pareceu refletir, tão confuso quanto eu.
Então ele deu de ombros.
- A gente faz só uma festa, então - ele riu fraco.
Eu o acompanhei e então eu notei o que tinha a mais no galpão. Ele seguiu meu olhar com os olhos.
Havia uma mesa bem próximo a nós, com um jarro de flores no centro; Havia apenas uma cadeira com algo jogado sobre ela. Pedi permissão a ele com o olhar e ele me deu a mão, me guiando até lá.
Eu peguei o grande pacote e percebi ser um vestido coberto. Eu soltei minha mão da de e abri. O vestido era social, tomara que caia e curto. Eu estava maravilhada com ele, era exatamente como eu gostava.
- Está vendo aqui, amor? - ele dizia apontando para o zíper discreto atrás do vestido. Assenti. - É mais fácil de tirar no final da noite e tal - ele disse simplesmente, colocando as mãos no bolso. Eu ri, o vendo me acompanhar. - Agora vamos, você precisa trocar de roupa - ele disse, já virando para a porta com um sinal para que eu o acompanhasse. Assim eu fiz, mas não deixei de perguntar:
- Pra quê? - levantei a sobrancelha, acompanhando seus passos apressados.
- Você pretende ir de pijama para o restaurante? - ele quis saber sem me olhar. Antes de eu responder, ele continuou: - Aliás, eu não esperava que você fosse sair de pijama, mas isso é relevante - eu bati em seu ombro, fazendo-o se encolher.
As luzes do galpão se apagaram e então eu reparei em uma sombra no canto, quase na saída. Olhei pra assustada, mas ele nem se comoveu, apenas continuou andando. Só quando saímos, percebi que era .
- Canalha! - eu disse numa risada, os fazendo rir também. Eu fiquei entre os dois e então senti me abraçar de lado, me apertando contra ele enquanto virávamos na rua de nosso prédio.
- Aee, senhora ! - ele disse risonho. - Apesar de quê, você sempre foi...
- Mas agora é oficial! - eu disse sorrindo, orgulhosa. me soltou, diminuindo os passos.
- Vou pra minha casa - já ia para o outro lado da rua - Eu, realmente, não quero saber o que vai acontecer hoje à noite após o jantar.

Capítulo 19



Viva alto, pense alto. Acredite que você veio à Terra por algum motivo.

20 anos depois...

's POV

- Como estou? - Bernardo virou para mim com aquele sorriso inseguro, fazendo-me rir anasalado.
Eu, que antes estava sentado na cama, jogando um jogo qualquer no celular de , deixei o aparelho de lado e me levantei, indo em direção a ele, que ainda esperava minha reação diante do espelho do meu quarto e de .
Eu sorri, tentando passar segurança enquanto eu sentia aquela camisa social me causar cada vez mais calor.
- Está ótimo - eu pude vê-lo suspirar aliviado. - Você parece uma mulherzinha, cara - eu ri, sabendo perfeitamente que ele rolaria os olhos por minha frase. Ele o fez, me fazendo rir mais um pouco enquanto lhe dava um tapa leve em seu ombro. - Presta atenção numa coisa - olhei em seus olhos, deixando minha mão espalmada em seu ombro - Se você estiver cheiroso e confiante, elas não vão reparar na sua roupa - eu disse, certo de mim. Mas parei para refletir um pouco, desviando o olhar quando Bernardo uniu as sobrancelhas, confuso - Bem, é isso que eu penso - pude ouvir sua risada, fazendo-me olhá-lo e rir instantaneamente. De nervoso, talvez.
- Então... - ouvimos a voz de e eu me virei para olhá-la.
Tudo pareceu estar em câmera lenta, tão patético quanto estar na adolescência.
Ela usava um vestido rosa, que nunca fora muito a cara de , mas que parecia ser feito especialmente para ela.
Ela sorria tímida, parecia que eu e Bernardo eramos dois estranhos para ela.
- Você tá linda, amor - eu lhe disse confiante, embora meus olhos estivessem presos em suas pernas à mostra.
- Cara, se você não fosse minha mãe... - Bernardo deixou a frase no ar com aquele tom de malícia, fazendo-me olhá-lo rapidamente enquanto ria.
- Olha o respeito, seu moleque! - eu levei minha mão até sua nuca com um tapa, fazendo-o se encolher.
- Vamos, garotos - se virou e eu a segui para fora do quarto, enquanto ouvia a voz de Bernardo bem atrás de mim:
- Eu posso até ser garoto, já meu pai...

Lauren preferiu ir às compras com , alegando ser um saco esses programas de índio.
O restaurante era aconchegante e refinado. Pelo menos Bernardo soube escolher o lugar.
Tudo bem, eu ajudei a escolher em relação ao cardápio e sua mãe com a decoração adequada para aquele tipo de "reunião". Só quem não sabia o que estava prestes a acontecer era Clair, mesmo.
Sentamos na mesa reservada pelo próprio Bernardo e aguardamos a madame chegar. Como sempre, elas demoram.
Até que a amiga de infância com quem meu filho estava tendo um caso chegou, acompanhada dos pais - que, por sinal, são bem mais velhos do que imaginei.
Ela sorriu em nossa direção e então andou mais apressadamente, puxando seus pais pelos pulsos.
Clair nos cumprimentou e até quem tem um nível básico de inteligência consegue perceber que Ben babava na garota. Ele estava suando, nervoso.
A organização da mesa tripla foi a seguinte: Bernardo no meio, enquanto ao lado esquerdo estava sua mãe e eu ao lado direito. No lado oposto, era óbvio quem estava de frente a quem.
Fizemos nossos pedidos e então conversamos sobre tudo que vinha à mente. Apesar de mais velhos, Paola e John eram bem antenados e não importava quão século XXI fosse o assunto, eles sempre estavam por dentro.
O jantar foi servido e então nossas vozes foram dando lugar à mastigadas prazeirosas. Estava muito bom e, quando finalmente terminamos, Bernardo suspirou fundo, levantou-se, sendo seguido pelo olhar confuso de quem estava ao lado oposto e um olhar orgulhoso vindo da mãe dele. Eu mantive meu sorriso, observando-o minuciosamente. Ele ficara bem mais nervoso, novamente qualquer um podia perceber.
Após contornar a mesa, Bernardo parou diante do homem de poucos cabelos brancos e então sorriu:
- Gostaria de pedir a mão de sua filha em casamento - Bernardo sabia a resposta, mas tenho certeza que ele estava com uma puta vontade de ir ao banheiro agora.
- Está mais que aprovado, garoto - John sorriu, dando liberdade para Bernardo.
Sem poupar tempo, ele parou diante de Clair e, do jeito que eu havia o ensinado, ele tirou do bolso do paletó uma caixinha preta. Ela exclamou algo como 'Não acredito', mas de forma que só sua mãe pudesse ouvir. Sem sucesso, claro.
Ela se ajeitou, virando para fora da cadeira e então Bernardo se ajoelhou.
- Quer casar comigo?
Houve aplausos e tudo mais, Clair chorou de emoção, borrou a maquiagem e se ofereceu para levá-la ao banheiro - aquelas frescuras que toda mulher conhece.
Quando retornou à mesa, eu já havia dado os parabéns a Bernardo, que agora estava se tornando homem, e ele sorriu abertamente para mim.
Sua noiva também sorria, até que o assunto em pauta foi "família".
Sou homem, mas aprendi a ser detalhista - ou então acordaria sem um olho quando estivesse na TPM. Eu percebi que, instantaneamente, Clair ficara desconfortável quando sua mãe, Paola, havia citado a palavra 'bebê'. Ela deu um sorrisinho de lado e evitou olhar Bernardo diretamente.
Só que ele não percebeu.
- Depois do casamento, podemos ter quantos filhos quisermos, não é, amor? - ele chamou a atenção dela, que apenas assentiu, um pouco insegura.
Suspendi a sobrancelha.
Ele insistiu naquele assunto, até que deu um cutucão nele que, de tão forte, o cara chegou a gemer. Eu a olhei de lado, desconfortável, enquanto Paola contava sobre como sua filha se comportava quando era criança e que esperava estar viva para ser avó.
Não só eu, mas o pai da noiva percebeu que o clima não ficara bom após o mencionamento da sua esposa ao falar em crianças.
- Está ficando tarde, não? - ele tentou um sorriso gentil.
Pedimos a conta e dei um suspiro pesado ao perceber que aquela animação de Bernardo havia ido por água baixo.

Dias depois, Clair e Bernardo se encontraram como sempre faziam.
Mas Bernardo não chegou em casa sorrindo, como sempre fazia.
Ele estava chateado e sua mãe foi a primeira a ir ao seu encontro, perguntando o que aconteceu como se ele fosse um bebê. Rolei os olhos por isso, e disse-lhe que eu conversaria com ele.
Fechei a porta atrás de nós, indicando a cama para ele sentar. Eu permaneci de pé, os braços cruzados esperando que ele me dissesse o que aconteceu. E bastou apenas três palavras para eu entender toda aquela dor e ansiedade em seu semblante:
- Ela é estéril.

***



Epílogo de uma vida de quase 40 anos.
Analisando fatos marcantes:
Para começar, ele: . Um cara até que legal, gozador e mulherengo, que sempre odiou responsabilidades e nunca achou que fosse precisar trabalhar. Claro, na cabeça oca dele sua mãe sempre estaria ali para pagar suas contas e mimá-lo até o dia em que ele morrer. Só que ele esqueceu que sua mãe não duraria para sempre, assim como ele. Um homem que foi minha única opção e salvação para eu conseguir o que eu mais queria na vida: adotar. E daí entra Bernardo. Já se passaram 20 anos e eu não arrependo nem um minuto sequer da minha escolha.
Além de eu ter realizado um sonho, eu dei a oportunidade de ele conviver com aquela que o gerou, mesmo que só por alguns anos. Embora ele não soubesse na época, e ela só tenha tomado conhecimento nos últimos segundos de vida, eu tenho plena consciência de que aquilo foi importante para ela. Se houver céu ou paraíso, sei que ela estará satisfeita de onde estiver. E essa é a melhor parte: ela estava ali o tempo todo com o que mais desejou na vida, e só no finalzinho soube que ele sempre lhe "pertenceu". Ela curtiu o máximo que pôde e eu não fico desconfortável por achar que ela roubou meu lugar, participando da vida dos meus filhos quando eu estive ausente. Pelo contrário. Apesar do ocorrido envolvendo ela e , já não sinto mais dor. Aliás, minha mente bloqueou, de certa forma, alguns momentos da minha vida.
Eu não esqueci da minha filha, não. Lauren não foi desejada nem planejada, mas se tornou meu xodó desde o momento em que eu a vi pela primeira vez. Lembro-me perfeitamente que tinha compulsão sexual, e lendo no diário que eu havia escrito, me esclareci que ele, muito menos
que eu - na época -, não desejava nunca ter uma criança. E lá estava ele, me apresentando a consequência de algo que ele sempre temeu, que ele sempre teve vergonha. , apesar de mal humorado antigamente, sem juízo e responsabilidades, foi corajoso.
Se fosse o que eu me casei há 20 e poucos anos atrás, ele teria feito com Bernardo a mesmíssima coisa que seu pai, tanto o adotivo quanto o biológico, fizeram: abandonaria. Sim, eu tenho certeza que abandonaria Bernardo e Lauren. Não sei se ele colocaria num orfanato, ou deixaria na porta de uma família qualquer. Mas de uma forma ou de outra, eu estive lá com ele para ensiná-lo a amar e cuidar dos dois quando eu não estivesse lá para guiá-lo.
Vendo agora de um ponto de vista distante sei que até Grace, a pessoa que me surpreendi ainda mais que , foi personagem essencial para minha história de vida, embora de forma infeliz e deplorável.
Se não fosse por sua inveja, eu não precisaria criar tantos laços com ; talvez eu fosse solteira até hoje, esperando um homem que eu pudesse chamar de "meu" e que eu sentisse orgulho dele a todo instante; eu não teria dado a Jane a oportunidade de conhecer seu próprio filho - outro ato corajoso de ; eu não teria Lauren que, embora se pareça comigo, tem o sorriso idêntico ao do pai; e, talvez, eu não teria essas pessoas para chamar de "minha família". Eu a construi. Pode ser, até, que eu não conheceria esse lado gentil de , mesmo que eu seja sua amiga de infância.
Pra mim, cada um tem uma missão aqui; um ajuda o outro do jeito que pode, e fará uma enorme diferença. Então não se arrependa do que já fez. Porque pode ser o caminho certo. Agora eu sei que só preciso aproveitar cada instante de forma intensa, para ficar na memória eternamente.



- O que está fazendo, amor? - quando dei o último ponto final, ouvi a voz bem humorada de . Virei-me sorrindo, fechando meu caderno.
- Apenas escrevendo - dei um sorriso, vendo-o se aproximar com um bico para me dar um selinho.
Recebi ainda sorrindo e então ele se sentou na cama, de frente a mim.
- Escrevendo o que? Posso saber? - ele tinha um sorriso bobo brincando em seus lábios.
Levei meus olhos ao teto, tentando pensar em como explicar aquilo a ele.
- Como se fosse a última página da minha vida - e voltei a olhá-lo. Ele tinha a sobrancelhas unidas, visivelmente confuso. - Pode ser que agora eu escreva um novo livro da minha vida.
- Depois posso ler? - ele tinha o tom de voz um tanto quanto receoso e seus olhos brilhavam tão intensamente que eu estava confusa se estava acontecendo alguma coisa que eu deveria saber.
- Claro, meu amor - eu respondi, convicta, mas não deixei que ele dissesse nada. - O que aconteceu?
- Estou preocupado, - ele disse, murchando o sorriso que tinha antes à mostra. No mesmo instante, o meu sorriso também sumiu.
- Com o que? - levantei, ainda o encarando e fui ao seu encontro, que abriu os braços ao entender o que eu queria.
- Essa sua ideia... - sentei em seu colo, levando minhas mãos aos seus cabelos da nuca e fazendo um carinho por ali. - Eu sei que é pra ajudar nosso filho, amor... Mas tenho medo - ele dizia cabisbaixo, olhando para o chão enquanto entrelaçava seus dedos aos meus.
- Um dia você me disse que sabia que eu faria de tudo por quem eu amo... Você reconhece isso, , e eu não vou ficar parada sabendo que esse é o maior sonho dele - vagarosamente, ele me olhava. - Você não se "sacrificou" para me ajudar sem ao menos me conhecer de verdade?
- Somos amigos de infância, - ele disse, como se o que eu dissesse não fizesse sentido.
- É tudo tão parecido... E ele é nosso filho, amor. E eu não te conhecia de verdade, mesmo. Pra mim você era um desmiolado - eu dizia brincalhona, levando uma mordida no pescoço. Eu ri, sentindo aquele arrepio gostoso que nunca deixei de sentir apesar dos anos. - Mas, falando sério, até o dia que eu puder, eu não vou parar, - eu tinha o tom de voz sério, dessa vez. - Eu já fiz todos os exames e você estava comigo quando o médico disse que estou apta a ajudar meu filho... Eu já conversei com Clair e a família dela e todos concordaram. Ela me agradeceu tanto, ... - eu sabia que eu tinha um sorriso triste por ele não estar concordando. - Nós temos nossa chance de fazer nosso filho realizar um desejo dele. O que está faltando, amor? - eu perguntei, mas eu não esperava respostas. Mas ela veio. E me surpreendeu:
- Nosso filho saber e concordar com isso tudo - ele sorriu, fazendo-me enchê-lo de beijos pelo rosto inteiro. Agradeci pela compreensão, dando-lhe mais beijos enquanto ele ria.
- Vamos comigo falar com ele? - eu sorria quase de forma infantil. E soltei um gritinho de excitação quando ele assentiu.
- Só você sair de cima de mim, amor - então eu reparei que ele estava deitado em nossa cama enquanto eu estava sentada em seu quadril, despreocupadamente, uma perna de cada lado de seu corpo.
Eu ri um pouco, levantando e o puxando pelo pulso animadamente até o quarto de Bernardo.
Bati na porta e ele respondeu um "entra" abafado. Olhei para , um pouco receosa. Mas ele apertou minha mão e me deu coragem para entrar.
Suspirei fundo e entrei.
Bernardo estava deitado em sua cama, com o travesseiro na cara. Ri de leve, talvez fosse o nervoso. Sentei em sua cama, se sentou ao meu lado. Vagarosamente, Bernardo tirou o travesseiro do rosto e ele ainda estava naquela chateação há dias. Eu sabia que seu noivado, embora iniciado há pouco tempo, estava em risco pela simples contravensa.
- O que houve? Lauren está bem? - ele quis saber, desconfiado, sentando-se vagarosamente. O sol que vinha lá de fora pela janela batendo em seu rosto deixava à mostra suas olheiras. Vê-lo naquele estado me doía, mas eu sabia que aquilo estava prestes a acabar.
- Sua irmã está dormindo - ri fraco, vendo-o relaxar a expressão. - Queremos te dizer que sabemos como é duro ver seu sonho ir por água abaixo e...
- Mãe, - me interrompeu - ter filhos não é meu maior sonho, sabe? - ele se ajeitou, agarrando as almofadas. - Mas eu queria ter filhos para dar a eles tudo que vocês me deram... Sei lá, eu sou feliz com vocês e tenho certeza que minha mãe biológica não me daria a mesma vida que vocês me dão. Não digo só materialmente, mas pelo que meu pai me contou, meus avós não me aceitavam antes mesmo de eu nascer... Isso não é garantia que eu seja bem tratado, entende? - assentimos. Eu estava um pouco comovida com aquilo, confesso. Mas antes de ele continuar, ouvimos a voz sonolenta de Lauren:
- O que houve, gente? - virei e ela vinha em nossa direção, olhando para Bernardo com os olhos cerrados. - Ah, não! - ela parou onde estava. - Bernardo, você está chorando?! Meu Deus, momento marcante! - ela realmente estava incrédula, fazendo-me rir junto a e Bernardo lhe jogar uma almofada. - Mãe, - ela se virou para mim - não sei do que vocês estavam falando, mas dá tempo de eu pegar a câmera?
Eu ri mais um pouco e quando nos reconstituimos, a fiz sentar ao lado do irmão. Ela assim fez, implicando com ele - como sempre.
- Continuando, meu filho... Pode não ser seu maior sonho, mas eu sei que você ama essa menina...
- Só por pedi-la em casamento, é uma prova que você a ama de verdade - disse, sentindo-se sábio.
- E só por ela ter aceitado, quer dizer que ela também te ama - nós sabíamos que tinha maldade no que Lauren disse. - E muito - claro, ela recebeu um tapa no braço por isso - Ainda mais te aturando desde o jardim de infância...
- Será que eu posso terminar? - eu perguntei, mas eu não estava tendo sucesso algum no quesito 'moral'.
- Fala, mãe - eles disseram juntos e debochados, então continuei:
- Como eu já disse uma vez a vocês, seu pai se casou comigo no início pra me ajudar a adotar você, Bernardo, e eu sei como é não ter ninguém pra te dar uma mãozinha. Você deve estar perdido e eu quero te ajudar - tentei um sorriso, estava ficando nervosa sem motivos novamente.
- Ninguém pode me ajudar, mãe. Tenho que escolher entre minha noiva e um dia ter filhos com quem eu amo - comentou, descrente.
Lauren o olhava, começando a entristecer por entender o motivo de nossa conversa.
Meio dramático, eu sei, mas dei um último suspiro antes lhe propor:
- Você já ouviu falar em... Barriga de aluguel?
Alguns segundos se passaram e Bernardo me sorriu.
Eu não deixaria um sonho morrer... Não se dependesse de mim. Novamente.
Eu via em seus olhos o mesmo brilho que eu tinha nos meus meus quando aceitou casar-se comigo. Eu percebia, naquele momento, que Bernardo era quase, e apenas quase, um espelho meu.
FIM



(...) Ninguém cruza nosso caminho por acaso e nós não entramos na vida de alguém sem nenhuma razão. Há muito o que dar e o que receber; há muito o que aprender, com experiências boas ou negativas. Tente ver as coisas negativas que acontecem com você como algo que aconteceu por uma razão precisa. (...) quando você se for, a única coisa que vai deixar é a lembrança do que fez aqui. Viva de maneira honrada, para que quando envelhecer, você possa falar só coisas boas do passado e sentir assim, prazer uma segunda vez... e ter a certeza de que quando você se for, muito de você ainda fique naqueles que tiveram a boa ventura de te encontrar.
Chico Xavier






Aproximadamente 18 anos antes
Super indico ouvir essa música: One Life - James Morrison


Enquanto estava do lado de fora, eu caminhava apertando meus dedos uns contra os outros, na tentativa de me acalmar. Não que o que estava préstes a fazer fosse o fim do mundo. Na verdade, eu queria fazer aquilo já faz uns meses. Mas sabe quando você se vê na situação e vem aquela ânsia? Era desse jeito que eu me encontrava. Mas eu lutava com toda as minhas forças pra não dá pra trás.
Um policial me guiou até onde seria a sala onde eu, finalmente, teria meu encontro com ela.
Sentei numa cadeira desconfortável e uma luz fraca pairava na sala enquanto eu batucava meus dedos na mesa de ferro, impaciente.
Dali uns minutos, a porta pesada abriu e meus olhos fixaram-se nela. Senti um choque percorrer meu corpo ao avistar Grace sendo trazida para dentro da sala com a cara emburrada e os cabelos desgrenhados.
Ao levantar os olhos e me ver ali, um meio sorriso apareceu em seus lábios enquanto o guarda a colocava sentada brutamente. Mas embora seus lábios me passassem felicidade, seus olhos me passavam certo medo, ela parecia assustada. Claro, a última pessoa que ela esperava ali era eu.
Após a retirada do guarda, eu me ajeitei na cadeira, encarando-a sem realmente definir o que eu sentia naquele momento.
Ela abaixou os olhos e eu não estava afim de ouvir nem uma palavra que ela dissesse. Então decidi começar antes que suas desculpas viessem sem eu poder pará-las. Eu sabia que Grace jogaria sujo, falando sobre bons momentos que tivemos quando éramos apenas jovens.
Dei um suspiro pesado, colocando um antebraço nas costas da cadeira. Ao perceber que eu controlava a situação, comecei:
- Sabe, Grace, eu não sou uma pessoa religiosa... Eu acredito em Deus, mas a Igreja não me atrai - a cada palavra, ela levantava seu olhar confuso em minha direção. Eu falava bem pausadamente - E espiritualidade não está longe desse meu conceito. Eu passei a infância pensando se Céu e Inferno realmente existem. Agora, depois de adulta, eu sei que é tolice pensar numa coisa dessas, até porque não há respostas, fatos e provas coerentes que me façam acreditar em paraíso e capeta - seus olhos estavam tão firmes sobre mim que eu poderia jurar que era apenas uma estátua em minha frente. Mas ao contrário de uma estátua, sua respiração era tão forte quanto a de quem estava fugindo. - Mas, ainda assim, eu acredito que Deus manda as pessoas para a Terra por algum motivo; elas não vêm apenas como enfeite. Hoje eu sei que as pessoas vêm para transformar a vida de outras pessoas. Só que algumas pessoas são tão medíocres que elas não têm sucesso numa coisa tão simples.
- ...
- Vamos direto ao que interessa - me ajeitei novamente na cadeira, ignorando-a completamente e colocando minhas mãos unidas sobre a mesa. - Começando por você, Grace. Na verdade, eu vim aqui apenas para cuspir em você que, ao contrário que você desejava, eu estou muito bem. Em todos os sentidos. E acredito que você não esperava isso, mas eu tenho muito que te agradecer - imediatamente, ela uniu as sobrancelhas, confusa. - Não está entendendo? Eu vou explicar. E quero que você guarde cada palavra na sua cabeça oca e que sirva de inspiração pra essa sua vida deplorável que você escolheu - eu sabia que estava pegando pesado, mas eu também sabia que estava no automático. Tudo que saia da minha boca era consequência de lembranças de tudo que eu descobri sobre ela. - Começando: eu vim te agradecer por você ser tão invejosa a ponto de mentir pra mim, dizendo que era preciso ser casada pra realizar meu maior sonho. Pois assim, eu jamais teria pedido o em casamento. Sabe por que, Grace? Porque somos completamente diferentes. E, ainda assim, ele me respeita do mesmo jeito que eu o respeito. E era desse jeito que você deveria fazer - ela abaixou a cabeça e eu sabia que o relógio corria. Meu tempo deveria estar acabando, mas eu continuei no mesmo ritmo: calma e mansa, sem alterar o tom de voz - E ainda acabando com seu plano de roubar o que eu mais queria, veio Bernardo.
- Por favor...
- Já se passaram alguns anos e eu não me arrependo um segundo sequer da minha escolha. Além de ser tudo o que eu queria, eu dei a ele a oportunidade de conhecer aquela que o gerou, mesmo eu desconhecendo esse fato, na época - ela continuava imóvel, fitando a mesa com o maior interesse. Passei a língua pelos lábios, antes de continuar: - Lauren foi a coisa mais linda que a vida me deu. Além de ela ser a prova que de que eu não precisava ter medo, porque eu não tinha problemas em ser mãe, ela foi a consequência de uma coisa que eu sei que você desconhece completamente. Amor. Você sabe o que isso significa, Grace? - minha voz transbordava deboche. - Ah, claro que não... Porque sua vida é movida por inveja e mesquinharia. Eu só vim pra te agradecer e te dizer uma coisa: sua tentativa de acabar com tudo o que eu tinha falhou - eu dei um sorriso cínico e verdadeiro, ouvindo a grande porta sendo aberta. Em seguida, uma voz grossa:
- Seu tem...
- Eu já sei. Eu já terminei aqui.
Eu me levantei, dei uma última olhada para Grace e eu podia ver dor em seus olhos.
Mas eu não me importava. Eu sabia que poderia começar uma nova vida daqui pra frente.


Inspire-se aqui || Blog ||Redes Sociais

Nota da autora: (06/12/2013) Depois de basicamente 1 ano, cá estou eu terminando essa fic! Minha pretenção era terminar antes, juro, mas a faculdade não permitiu. Mas, finalmente, consegui a inspiração que precisava pra escrever. Sei que muitas meninas esqueceram até da história, e que algumas deixaram de acompanhar. Mas, novamente, quero agradecer quem esteve aqui desde o início. E até quem desisitiu da fic, também HAHAHAH
E muito obrigada MESMO a Lara que betou a fic desde do começo. Obrigada, beta *-*
Ah, queria dizer também que fico mega feliz em escrevê-la, porque essa história é baseada em fatos reais <3
Então é isso, nunca fui boa mesmo com essas coisas, mas espero que tenham gostado.
Vocês podem me achar nas redes sociais e no blog, nos links acima :D
Beijos a todos e um ótimo 2013, cheio de felicidades, sabedoria e saúde!!

Nota da Beta: Poxinha. Eu adorava Careful, não queria que acabasse rápido assim. :( AHUIAHIUHAUIHA Mas eu AMEI esse último capítulo, Danie. De verdade, parabéns. :') Espero que agora a senhora volte a escrever suas outras fics, hein. AHAHAHA. xxxxxx



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