Eram três da manhã e eu ainda não havia conseguido ficar bêbada. Deus, essa festa era um saco. Onde estavam os garotos bonitos? Onde estava ?
Pergunta respondida, estava no meio da pista de dança tentando devorar a alma de um cara alto e mais que obviamente forte, mesmo com a capa em cima. Eu consegui identificar por seu cabelo longo e brilhoso, e a máscara rosa-choque gritante em seu rosto.
Ela empurrava o cara para cima de Lauren e conforme o beijava. Os dois estavam com os capuzes caídos devido a tantos beijos e mãos que bagunçavam o cabelo de ambos. E mesmo que estivesse com os capuzes para cima, quem mais Natalia iria se empenhar tanto em atormentar?
É claro que ela falava o tempo todo o quanto havia superado , que ele não significara nada para ela e havia perdido meses preciosos de sua vida com ele. E quando eu digo “falava o tempo todo”, eu quero dizer o tempo todo. Eu nunca entendi porque ela sequer olhou para aquele nerd em primeiro lugar, e essa cena estava ficou insuportavelmente ridícula quando ela “derrubou” o líquido de seu copo em cima de Lauren.
É de se pensar que a melhor amiga iria tirar o copo da mão dela em tempo de impedir que isso causasse uma grande confusão, e eu tive esse tempo, pois percebi o que ela estava fazendo. Mas quem iria querer perder uma cena ridícula se tornando tão interessante? E, bom, Lauren bem que merecia uns tapas. Se intrometera na vida de todos e havia roubado o namorado de , por mais imbecil que ele fosse. Por que havia terminado com era algo que Brooklie nunca iria entender. Homens deviam vir com defeito de fábrica, já que ela nunca entendeu porque havia terminado com ela. Ou, pelo menos, porque eles nunca tinham voltado.
Eu assisti de camarote quando Lauren se virou de boca aberta para encarar , que a encarou de sobrancelhas erguidas, a desafiando. Lauren passou as mãos pelos cabelos, que estavam molhados da metade pra baixo do lado direito, assim como parte do seu capuz e capa.
Eu sabia que não tinha realmente esperado para o que veio a seguir. Seu olhar e superioridade geralmente afugentava as outras meninas. Mas Lauren pareceu não aguentar o cinismo de e antes que a música pudesse dar mais uma batida ela estava empurrando . Tragicamente, tentou puxar os cabelos de Lauren. Eu achei ter visto Lauren rir entre as luzes coloridas, mas não pude ter certeza. Lauren agarrou um dos ombros de , e conforme a multidão lhe deu espaço, ela deu uma rasteira em . A mesma gritou, e Lauren agora havia passado as mãos entre os cabelos de . Ao invés de puxar, como se era esperado de uma garota tão pequena, ela começou a socar a cabeça de contra o chão.
A música parou, e os gritos se sobressaíram entre a multidão. Horrorizada, desci os lances de escada que me distanciavam do chão e empurrei a multidão, ouvi os gritos agudos de dor de , e os insultos de Lauren para ela. Quando finalmente consegui abrir caminho, Lauren se debatia nos braços de tentando alcançar de qualquer forma.
Ninguém estava ao lado de , e foi para onde eu me apressei. O cara que estivera com ela desaparecera. Ela mesma estava com uma expressão horrorizada e cheia de dor, as mãos na cabeça, se afastando ligeiramente de Lauren.
Eu me abaixei até , vendo que a mesma mal abria os olhos. Eu me levantei, meu corpo ardendo e minhas mãos se fechando em punho cerrado. ainda segurava Lauren, que começou a parar de se debater ao me ver.
- Você ficou louca? – eu rosnei para ela. – A garota estava apenas jogando e você tenta estourar a cabeça dela contra o chão? – Lauren parou de se debater e eu me segurei para não socá-la. ficaria sabendo se eu a socasse, mas ela não sabia que eu me importava com isso.
- Não deve ter sido nada sério – ela respondeu, finalmente ficando assustada. – Eu nem tenho tanta força.
Eu apontei um dedo tão próximo de sua cara que podia sentir sua respiração pesada.
- Você reze para que não seja – eu disse lentamente. – Ou eu te deixo em coma.
tomou então uma posição defensiva a sua frente, mas eu me afastei rápido para o que importava.
- Vamos sair daqui – me abaixei até Natalia e coloquei seu braço em meus ombros para levantá-la. ofereceu ajuda, mas eu apenas mandei-o para o inferno. Carreguei-a por entre a multidão e a levei para o banheiro no segundo andar.
Ela conseguia andar apoiada em mim, o que queria dizer que não havia sofrido grande trauma. Eu não acreditava realmente que as poucas pancadas de Lauren pudesse fazer algum estrago real, mas ainda assim era um alívio.
- Vamos ter que esperar até amanhã pelo menos para poder te levar a um hospital – eu molhei a toalha de rosto e a passei por seu rosto. – Você só não pode dormir, nunca se sabe.
- Eu tô bem – ela balbuciou, com os olhos semi-cerrados.
- É, dá pra ver, você está com uma feição que curaria câncer – zombei.
bateu a porta, e eu o mandei buscar gelo, café e ir para o inferno pelo caminho.
- Por que você é minha amiga mesmo? – ela balbuciou novamente.
Eu sorri. mudava quando bebia, e essa sempre era minha fase preferida, mesmo que nunca fosse admitir isso.
- Você não me julga – eu respondi. – Mesmo quando brigamos, xingamos ou qualquer outra coisa, você nunca realmente me julga.
Ela sorriu.
- E porque eu sou sua amiga mesmo? – ela brincou, abrindo um pouco mais os olhos.
- Talvez porque eu também não te julgue – eu sorri.
entrou no recinto com um copo cheio de gelo e outro com café.
- E como você pretende colocar esse gelo na cabeça dela, gênio? – eu tomei o copo de sua mão e o despejei dentro de uma toalha de rosto limpa de dentro do armário. – Podia ter pego um saco plástico ou ervilhas.
- Não tinha ervilhas. Vou pegar um saco então...
- Você não vai a lugar nenhum – eu o puxei de volta ao banheiro antes que ele saísse. – Essa bagunça é sua. – Coloquei a toalha fechada em uma trouxinha contra seu peito. – Não deixe ela dormir e se precisar me chame.
- Mas e a Lauren? – perguntou.
- Eu peço para levá-la para casa – respondi sem olhá-lo, um sorriso involuntário em meu rosto.
E pedi. Ele estava do lado de fora, totalmente alto e viajando, como eu esperava que estivesse.
- Hey, descolorida – eu peguei pelo braço. – Onde infernos você achou que podia ir? Sozinha no meio da noite? Você não entendeu o propósito de todas essas fantasias e segurança ainda ou quer voltar pra um cativeiro pra se divertir mais um pouco?
Ela me fuzilou com o olhar, o que apenas me fez rir. Então vi quem vinha atrás dela.
- Oh, que romantico, sempre achei que vocês dois combinavam.
- Cale a boca, Brooklie – passou reto e puxou o capuz para esconder ainda mais seu rosto. Eu queria gargalhar naquele momento, vendo a cara de infeliz que fez.
- Você é tão inocente que às vezes dá até pena – sorri maliciosa para ela.
- Não preciso que ninguém tenha pena de mim – ela rosnou, soltando o braço e indo em direção a casa novamente.
- É claro que não, foi apenas uma expressão. – Me lembrei que a intenção ali era de amizade. – Está tudo bem? Você e conseguiram esclarecer tudo afinal?
Ela parou e eu sabia que havia tocado no ponto certo. Esclarecer não era um verbo que soubesse colocar em ação, nunca soubera.
- O que você sabe, Brooklie? – ela se virou para mim. E tem algo que eu não conseguisse saber?, ela podia ter perguntado.
- O que você quer saber? – eu deixei a pergunta dela um pouco mais apropriada.
- Quero saber que família insana e sem escrúpulos é essa de . Quero saber por que isso tudo é tão importante para ele ao ponto de arriscar nossas vidas. Quero saber onde as outras pessoas se encaixam nisso tudo! Você, principalmente, que parece ainda tentar alguma coisa, mesmo sabendo que eu espero uma filha dele.
Essa era a garota mais perdida que eu podia dizer conhecer na vida. Pelo menos em minhas próprias bagunças eu sabia muito bem o que estava fazendo. Ela parecia com uma lebre perseguida por raposas, mas que ainda não entendia que era da natureza das raposas tal caça.
- A cada casamento, duas famílias se unem. Você não pode dizer isso sobre o lado da família de . Eles são bem reservados, educados e é mais gentil do que deveria. Não é qualquer mãe que aceitaria tudo o que você e aprontam, e não conheço muitas mulheres que aguentariam as situações que o falecido marido e o irmão dele a colocaram tantas vezes. Os dois eram parceiros no papel, que se não te disse estou dizendo agora, mas não eram nada cordiais na convivência. Havia dias em que o tio de ia até a casa deles para discutir alguma documentação, transação ou negócio e as coisas realmente ficavam feias. Uma vez tentei apartar uma das brigas, levei um tapa do tio do que me fez perder o equilíbrio.
- Se eles se odiavam tanto, por que motivo eram parceiros?
- Regra de herança do pai dos dois. Ele achava que assim seriam obrigados a conviver e concordar mais um com o outro, até aprenderem a se amarem como irmãos. O avô de parecia não enxergar como Orlando era.
- Orlando é o nome do tio?
- Sim. Imagino que não mencione muito ele. Nunca mais o vi pronunciar o nome dele ou do pai desde a morte do mesmo.
- E automaticamente a parte da empresa que pertencia ao pai de foi para ele, certo – ela finalmente concluiu algo sozinha. – É uma multinacional, certo? Isso significa que eles vendem muitas coisas para muitos países. Mas o que eles vendem, afinal? Eu quero dizer, parece que o não consegue uma saída legal e nunca o vi recorrer a polícia, parece que eles não colaboram conosco.
- Bom, eles vendem muitas coisas, garotinha. Mas o comércio deles não foi construído em cima de coisas boas como equipamentos de segurança e diversos objetos, isso tudo é apenas um disfarce. Mas se não te contou o que é, não vou ser que vou fazer isso. Você deveria descobrir por si mesma. – Ela me olhou com cara de sonsa, aquela inocência toda só me trazia ódio. – A resposta esteve bem na sua cara esse tempo todo, é só você procurar direito. Ele acha que esconde tudo muito bem, e esse é o erro dele. O que você achar em maior quantidade naquela casa, é o que eles mais vendem.
- O que? – Meg disse, mas eu já estava me levantando e indo o embora. Haviam mais assuntos a se resolver aquela noite para mim, como sempre. - O que isso significa?
- Significa que as prioridades dele já existiam antes de você chegar e você devia ir embora antes que acabe morta.
Eu sabia que ela nunca acharia nada, ela era tão tonta quanto uma barata envenenada.
Ao contrário de mim, claro.
Lembrando de alguém que eu havia abandonado, fui abrindo as portas dos quartos corredor afora, sem realmente me surpreender ao me deparar com casais sem roupas. Em um só quarto, na verdade. Era uma grande casa, mas não uma mansão, então não demorei a achar o quarto que queria. Era o único destrancado além do que continha mais de um casal.
- James ainda vai abrir uma casa de swing um dia se não conseguir sucesso como cantor, pode apostar. - Eu disse, levando as mãos a cintura enquanto observava a cena a minha frente.
dormia profundamente deitada em uma das camas de solteiro, sorrindo, com a cabeça descansada no colo de , que acariciava seus cabelos tão automaticamente que não parou mesmo me olhando assustado. Havia um garoto na outra cama de solteiro do quarto, dormindo abraçado com uma Heineken, o cabelo tampando seu rosto e saliva escorrendo pelo canto dos lábios.
- Achei que tinha dito para não deixá-la dormir – eu rosnei para ele. Por que as pessoas não me davam ouvidos? – Ela podia entrar em coma alcoólico e...
- Eu sei como cuidar dela. – O pescoço de ficou rosado conforme sua face avermelhava. – Você sempre esteve chapada demais para fazer isso, lembra? Você a deixa para não passar vergonha sozinha, sempre fez isso, e quem tinha que carregá-la depois? O nerd estúpido aqui, como você gostava de me chamar. Feche a porta quando sair.
Fiquei ali por algum tempo, paralisada. - O que? – Foi a única coisa que consegui dizer. Ele me ignorou, e então minha mente conseguiu se recompor. – Você acha mesmo que eu vou deixá-la com você? Acha que deixou de ser aquele nerd estúpido e pode simplesmente...
Mais palavras saiam da minha boca sem que eu prestasse muita atenção enquanto ele levantava lentamente, pegava no colo e passava reto por mim.
Eu o segui, pegando em seu ombro aqui e ali pelo trajeto. Eu sabia que ele não faria mal a uma mosca, muito menos a ela, mas ele não podia achar que se livraria de mim tão fácil assim depois de falar daquele jeito comigo.
Ele desceu as escadas e dobrou em direção cozinha, por onde devia planejar dar a volta na casa pelo jardim e sair dali sem ter de passar pela multidão.
Mas, é claro, o carma estava sempre em meu favor.
- ? – Uma voz lamuriosa veio por trás de nós enquanto eu ainda o seguia pela cozinha.
Nós dois nos viramos para encontrar Lauren com os olhos começando a brilhar com tristeza.
- Você não disse que ia levá-la pra casa? – Foi a primeira coisa saiu da boca dele, se virando para mim com mais raiva do que eu achava possível um nerd ter.
Além do carma a burrice dos outros sempre ajudava.
- Eu pedi – respondi a ele. – Não tenho culpa se seu amigo prefere ficar se drogando do que te ajudar.
- Quer dizer que você me joga nas mãos de um cara totalmente chapado pra me levar pra casa enquanto ajuda as duas garotas que fazem da minha vida um inferno? – Lágrimas escorriam dos olhos de Lauren, mas eu não sabia dizer se eram de tristeza ou ódio. – Todos os dias essas filhas da puta me humilham, provocam e inventam coisas de mim pela escola por sua causa, além do que fizeram comigo hoje , você lembra? Lembra da vergonha que essa vagabunda me fez passar hoje? Ou será que já esqueceu? Como você pode?
- Oops, acho que alguém esqueceu quem namorava de novo – eu soltei.
- Tá vendo? Eu nunca devia ter acreditado em você! – Lauren gritou.
- Lauren, se acalme, o que você queria que eu fizesse, pelo amor de Deus? Deixasse ela com a Brooklie? – tentou se defender.
- Hey! – eu reclamei.
- Sim, as duas são da mesma corja! Quer saber, ? Estou farta disso. Achei que você era feito de bobo pelas duas, mas pelo que vejo a boba sou eu.
- Finalmente entendeu o que estamos tentando te dizer esse tempo todo! – Eu gritei para Lauren enquanto ela corria de volta a sala.
- O que está acontecendo? – perguntou meio grogue, se mexendo no colo de , que fez menção de ir atrás de Lauren.
- Nada, querida, volte a dormir – eu disse a ela. – vai te deixar em casa, está bem?
Ela concordou e se mexeu um pouco no colo de , que me olhou abismado.
- Um dia tudo isso vai voltar pra você – ele me disse antes de seguir seu caminho.
Sem dar um segundo pensamento a ele, aproveitei para me servir de muita vodka com um pouco de suco junto.
Quando me virei, encostada no balcão, senti a pressão de algo no bolso da minha saia. Uma chave. Como ele tinha conseguido colocar uma chave dentro do bolso de uma saia tão colada me surpreendia mais do que o fato de eu não a ter percebido antes.
O número cinco estava escrito no pedaço de papelão que servia de chaveiro. Como ele era cuidadoso e romântico, quase me levava às lágrimas. Ainda assim, eu sorri e apertei a chave em minha mão, largando o copo em cima do balcão e soando meus saltos por baixo da musica q aumentava e abaixava conforme eu entrava na enorme sala da casa e subia as escadas.
Na quinta porta, coloquei a chave e girei. Eu tinha certeza de ter visto um casal nesse quarto não há muito tempo.
- Você pelo menos trocou os lençóis? – eu perguntei, mas o quarto parecia vazio a meia luz vinda da porta, que logo se fechou atrás de mim, me deixando na escuridão.
Eu mantive minha postura ereta, cruzando os braços como se estivesse entediada, mas aquilo me assustou. No mundo em que eu vivia tudo podia ser uma armadilha, e minha respiração denunciava isso.
A chave girou atrás de mim, e um par de mãos passou por minha cintura. Ele me girou, me colocando de cara para a parede e pressionando seu corpo contra o meu. Quando ele cheirou meu pescoço audivelmente eu senti meu corpo relaxar em reconhecimento.
- Você parece tão tensa – ele afastou meu cabelo para poder beijar meu pescoço, descendo as mãos por minha barriga. – O que você aprontou essa noite?
- Bom, por um lado, tudo deu certo – eu me virei, deixando que nossos lábios roçassem enquanto eu falava. – Mas alguns detalhes ainda precisam ser corrigidos. E nós estamos ficando sem tempo.
- Então é melhor aproveitamos antes que o sol apareça – ele mordeu meu lábio e puxou meu cabelo.
Minhas unhas passearam por suas costas, apenas para arrepiá-lo, mas conforme ele começou a beijar minha orelha e descer por meu pescoço, comecei a apertá-las contra sua carne.
- Sem marcas – ele rosnou, puxando meu cabelo mais forte, me forçando a acompanhá-lo até a cama. – O que foi, isso dói? – Ele empurrou minha cabeça me fazendo apoiar as mãos na cama para não cair.
Eu me sentei na cama e ele acendeu a luz do banheiro, deixando a porta entreaberta apenas para que pudéssemos nos enxergar. Aquilo era então uma bela suíte. Ele tirou a camisa e se voltou para mim, permitindo que eu me deliciasse com a visão de seus músculos.
- É o melhor que você pode fazer? – levantei as sobrancelhas, com ar desafiador.
Um sorriso safado tomou conta de seu rosto enquanto ele tirava o cinto.
- Venha aqui – ele disse, mas eu apenas continuei o olhando, o testando. – Venha aqui. – E ali estava aquele tom de comando que me deixava louca o bastante para que eu me levantasse e fosse até ele.
Ainda segurando o cinto, ele tirou minha blusa, beijando meu busto e o mordendo, enquanto eu apertava e puxava seu cabelo, até que os puxei seus fios para que ele me beijasse na boca, como se o mundo fosse acabar nos próximos segundos.
- Então, o que nós devemos fazer? – ele perguntou entre os beijos, usando o cinto para algumas batidas nos meus seios. Ele então agarrou minhas mãos, as prendendo à minha frente com o cinto num movimento rápido.
Ele me jogou de costas na cama, tirando a calça antes de se deitar sobre mim.
- Eu quero vê-los queimar – eu sorri, sentindo o próprio fogo dentro de mim. – Eu quero ver todos eles queimarem.
Ele sorriu de volta, e eu pude ver orgulho em seus olhos antes que ele voltasse a me beijar vorazmente.
Todas as coisas que Brooklie me falara rodavam pela minha mente. Como podia ter chegado a esse ponto? Aquele garoto que eu conhecera sorrindo como se o sol brilhasse dentro dele, sua atitude relaxada como se nada no mundo importasse mais do que acertar a bola no gol, a luz em seus olhos... a luz que há muito pareciam ter se apagado. Talvez fosse por isso que fora tão fácil acreditar em sua cegueira, não havia mais luz ali. Uma luz tão intensa que tinha me incendiado no momento em que os vira, hoje era uma escuridão tão profunda que tinha me sugado como num buraco negro. Eu conhecia a depressão e a tristeza como uma velha companheira, mas nada se comparava a intensidade do que eu vinha sentido nos ultimos meses. Era tão intensa que era quase como se eu não sentisse nada, a não ser pela tristeza.
A pior parte não era essa, com isso eu ainda teria alguma esperança devido a quanto o amava. Lutaria para trazer o meu de volta com cada restimo de energia que eu tivesse. Teria feito o que fosse preciso. Perdoaria as mentiras com o tempo, perdoaria muitas coisas.
Mas ele havia colocado a vida de todos em risco. A sua, minha, de sua mãe irmã... A de nossa filha.
Como que revoltada, ela chutou dentro de minha barriga.
- Me dê sua mão – Ele limpou a mão cheia de ketchup em um guardanapo e me deu. Eu a coloquei cobre minha barriga. – Consegue sentir?
- Uau. Isso não te machuca? – perguntou franzindo a testa.
- Não exatamente, mas incomoda.
Aí estavam dois pontos sobre . Ele se preocupava comigo, queria saber se eu estava bem. Ele me acompanhava onde quer que eu precisasse ir e parecia querer me colocar dentro de uma caixa, como se eu não fosse a boneca quebrada que eu sabia ser. Mas ele não se empolgava com coisas como essas. É claro, ele demonstrava interesse, sorria, me dizia palavras positivas. Mas eu queria achar o brilho nos olhos dele como teria achado se ele fosse o pai. Se é uma palavra que definia nossa relação no momento, ou todas as coisas na minha vida no momento na verdade. Se eu o beijasse, o que aconteceria? Se eu tivesse me apaixonado por ele naquele primeiro dia em que o vi. Se eu pudesse voltar no tempo. Se ele fosse o pai. Se eu devia continuar apenas como sua amiga. Se ele me fizer feliz. Se ele vai continuar ali para mim. Se houvesse uma chama maior.
Ele era encantador, isso era inegável. Sabia as coisas certas a dizer, sabia as certas coisas a fazer. Ele havia sido meu amigo desde o começo, meu herói, meu apoio. Ele queria algo mais e eu também queria. Ele era lindo, cavalheiro e meu Deus, ele tinha uma barriga bem definida. E braços bem definidos. Um rosto bem definido. Uma vida bem definida.
Ele acariciou meu cabelo. A comida do drivethrough em nossos colos, uma musica boa tocando no rádio, o banco confortável de seu carro. Seu sorriso era sem dentes mas seu olhar me convidava a me aproximar...
O toque do celular me assustou e eu apertei meu copo, o que fez quase metade do refrigerante sair pela tampa mal fechada e cair na minha roupa.
, claro, era quem ligava. Ele tinha a estranha ideia de que devia saber onde e com quem eu estava o tempo todo. Uma ideia absurda, na minha opinião. Eu não sabia o que ele fazia nem com quem andava durante meses, e quando soube me arrependi. Eu diria que ele não tinha se importado onde eu estava antes também se um passarinho vermelho não tivesse me dito que ele me rastreara através dos meus próprios amigos.
O celular de tocou depois do meu e ele desligou o rádio.
- Hey dude – ele atendeu e começou a falar entre pausas, me passando todos os guardanapos disponíveis. – Não, eu tô no treino de futebol, mas ela deve estar bem... É, estranho mesmo, mas ela deve estar com alguma vizinha ou amiga... É claro que ela tem amigos além dos que você conhece... Não, não conheço, mas... tá, até mais.
- Então ele supõe que eu não tenho amigos que ele não conheça? – reclamei abrindo o porta-luvas e pegando o pano de limpar vidro dali. – Eu não sou tão antissocial assim, tenho muitas amigas.
- As dos parque? – perguntou e eu fiquei em dúvida se ele estava zombando de mim ou não.
- Sim, e elas tem me ajudado muito. Se não fosse por elas eu não ia saber muitas coisas sobre gravidez. Elas estão me ensinando até tecnicas para acalmar meu bebê agora, sabia?
Terminei de enxugar meus seios e barriga. O lugar em que estava minha comida estava pequeno demais devido ao espaço que minha barriga ocupava então.
- Quando a camiseta de um garoto não serve mais em você é realmente triste – eu disse a , saindo do closet e sentindo sua camiseta me apertar em volta da barriga. – Tudo bem que já estamos em março, mas é como se ela tivesse crescido da noite pro dia! – Sentei ao seu lado bufando. – Isso está me machucando, não me deixa respirar direito – reclamei. – E seus shorts de dormir não estão combinando.
Ele riu, passando o braço por meu ombro e ligando a televisão pelo controle remoto.
- Tem razão, e você está alargando uma camiseta da Hurleys. Por que você sempre escolhe elas? Já coloquei seu vestido pra lavar, mas vou te dar algo mais confortável.
- Achei que seus pais não estivessem em casa, você sabe lavar roupa? – perguntei no caminho até o banheiro.
- Não é como se eu tivesse que bate-las na beira de um rio e esfregar. Hoje em dia as pessoas tem maquina de lavar em casa, pelo menos nesse país. – Ele me seguiu até a porta do banheiro, e a fechei em sua cara. – Ou achava que eu era mimado ao ponto de não saber onde colocar o sabão em pó?
- Basicamente – eu falei alto o bastante para ele me ouvir através da porta.
- É, ás vezes as pessoas não conseguem ver meus dotes com minha beleza cegando seus olhos. – Eu ri alto, tentando ser sarcastica. Tentando fingir que ele não era realmente lindo também.
- Me dá a outra roupa logo, Afrodite.
- Está aí pendurada, onde ficam as toalhas de banho.
Eu olhei em volta.
- A única coisa no lugar onde ficam as toalhas só tem toalhas.
- Exatamente.
- Você só pode estar de brincadeira. Vou ficar com sua camiseta como espartilho mesmo.
- Oh, eu já vi garotas com espartilho, você não fica parecendo nenhuma delas com a minha camiseta.
Eu abri a porta com força e ele se desequilibrou. Meu rosto devia deixar bem claro o quão furiosa aquele comentário havia me deixado.
- Quer saber? Pegue sua estúpida camiseta. – Eu a tirei por cima da cabeça e a atirei em seu rosto enquanto passava por ele. – Eu não aguento mais esses comentários. De todos os lados eu ouço cada vez mais sobre a minha gravidez. Por que as pessoas não podem se conformar que eu estou grávida? Já fazem seis meses e eu continuo ouvindo essas coisas. Na biblioteca, na rua, nos corredores da escola cada vez que tenho que ir fazer uma nova prova ou trabalho, no parquinho, na casa dos , no elevador, em absolutamente todo lugar. Eu só quero que essa coisa acabe logo. – A raiva esquentava meu pescoço e rosto. - Eu quero que essa coisa saia de mim logo. Quero que as pessoas me deixem em paz. E logo você, você , a única pessoa que me poupava dessas coisas agora vai ir para o lado deles. – Quando percebi, estava chorando. – Por que não me deixam em paz?
Ele me abraçou, seus olhos arregalados, mas seus braços confortáveis.
- Foi só uma brincadeira – ele finalmente murmurou. – Não existe uma garota mais linda que você na terra. Grávida ou não, isso é só uma parte. As pessoas sempre vão achar um jeito de tentar depredar pessoas melhores que elas.
- Mas eu sou a pior pessoa do mundo – eu disse entre soluços. – Como uma mãe pode dizer isso sobre um filho? Eu estou ficando igual a minha própria mãe. Eu estou com tanto medo de ser igual ela.
Ele me afastou e sorriu pra mim.
- Você é única, não tem como ser como ela ou mais ninguém. Só está em uma fase difícil, mas eu estou aqui com você. – Seu sorriso era tão doce quanto suas palavras, e seus olhos prenderam os meus.
- Você realmente acha que eu ainda sou bonita? – perguntei sem graça, enxugando minhas lágrimas.
Eu esperava uma resposta em palavras, mas o que ganhei em seu lugar foi um beijo. Um beijo quente, molhado, salgado. Eu lhe respondi com outro beijo.
- Eu estava morrendo de preocupação – teria me assustado se eu já não esperasse por aquilo ao entrar em casa. – Onde você estava?
Eu geralmente me dava ao trabalho de responder, mas não dessa vez. Fui para o quarto e abri meu laptop. havia me enviado uma mensagem dizendo que não parava de ligar pra ele todo dia perguntando de mim e se estava tudo bem.
Logo estava na porta do quarto.
- Chegamos a esse ponto? Você sequer me responde mais?
- É o que parece. Não é como se você me respondesse muita coisa também quando eu precisava. – Eu sabia que tinha sido a coisa errada a dizer assim que olhei em seus olhos. Eu podia ver seu coração se quebrando mais um pouco atrás deles.
- Mas eu estou aqui agora – ele murmurou de um modo triste. – Estou fazendo o melhor que posso.
- Você devia parar, então, porque não está dando certo – mais uma vez minha língua foi mais rápida que meu raciocínio. – Se eu quisesse que você soubesse onde eu estava eu teria te falado, já pensou nisso?
Eu odiava , e isso sempre entrava na minha frente em nossos diálogos. Eu sabia que ele merecia ouvir aquelas coisas, sabia que nada do que ele falasse iria concertar seus erros, e sabia o que ele tinha feito. Mas isso não parecia fazer diferença para a culpa que vinha seguida de cada frase minha. Era como se meu coração quebrasse junto com o seu, se é que isso era possível.
- São quase meia-noite, você sabe que eu tenho motivos pra me preocupar – sua voz estava sem emoção, mas seus olhos não. Eles nunca mentiam... Ou isso era o que eu costumava achar. Ele todo mentia, eu devia me lembrar disso.
- Sim, já é tarde. Você devia fazer silêncio, sua irmã tem escola amanhã.
Ele fechou a porta e se jogou na cama, a balançando. Eu esperei alguns minutos, mas ele não se mexeu.
- Você não pode realmente estar considerando dormir aqui – eu disse mantendo minha voz mais baixa do que o normal para tentar não gritar.
- Eu não aguento mais dormir naquele sofá duro, pelo amor de Deus. – Ele se sentou na cama.
Desde a festa eu havia expulsado da cama. Não havia travesseiros o bastante no mundo para nos separar o bastante.
- E eu não aguento sua presença. Ainda estou grávida e você já me estressou mais hoje do que minha cota da semana.
- Por favor – ele me pediu, tocando meu braço e puxando minha mão. – Só por hoje. Aquele sofá está me matando. Meu dia foi horrível, eu só quero dormir bem por um dia.
Eu podia ver em seus olhos que era mais que isso. Sua pele trouxe calor por minhas mãos e eu tive vontade de entrelaçar meus dedos nos seus.
- Uma noite. Uma. Mas se você fizer qualquer ruido ou movimento, eu coloco fogo no sofá e você vai ter que dormir no chão.
Ele não sorriu, mas eu pude ver o canto de seus lábios tremendo.
Naquela noite eu demorei mais do quer o normal a pegar no sono. Meus pensamentos rodavam nos mesmos lugares há semanas, sobre as coisas que fazia. Sobre o que eu podia fazer. Sobre o Brasil e a saudade de casa, já que essa estava tão destruída quanto a antiga. Mas hoje havia um adicional. O beijo de . Eu devia continuar com aquilo? Deveria dar um basta? O que era melhor? Ficar sozinha ou deixar meu melhor amigo continuar me beijando?
Eu pensava também no que eu queria, mas isso ia muito além da realidade. Eu queria o antigo . Eu queria a inocência de volta. Eu queria paz. Uma família. Eu queria tantas coisas impossíveis...
Quando acordei, minha mão estava dentro da por baixo de todos os travesseiros entre nós. Eu olhei por cima deles e observei o peito de subir e descer lentamente. Ele parecia estar tendo um sonho feliz, em suas feições me prenderam por mais tempo do que deveriam, me fazendo desejar que estivessemos juntos dentro dele.
Um chute dentro da barriga me fez tirar a mão de dentro da sua, assustada. Ele acordou com meu movimento e seus olhos sonolentos me encararam até ele conseguir juntar as palavras para pronunciar.
- Está tudo bem?
Eu quis lhe dizer que ela estava chutando. Queria ver sua reação, sentir seu carinho em minha barriga.
- Você me acordou com seus roncos. – Me levantei e fui para o banheiro.
- Mas eu não ronco – ele respondeu grogue depois de algum tempo. Quando voltei ao quarto, ele já havia caído no sono novamente.
- Bom dia, – eu disse animada e ansiosa.
Vaculhei a geladeira e preparei minha vitamina no liquidificador com os itens que o obstetra havia me indicado para todas as manhãs. Eu tinha vontade de sair e correr em um parque, mas isso seria menos do que saudavel para mim no momento.
Sentei-me a mesa com a mãe de , notando que as leves rugas pareciam mais afundadas em seu rosto nesse dia. Seu chá embaçou o ar com vapor quando serviu-se de mais. Meu celular tocou no bolso de minha calça jeans.
- Já? – eu brinquei ao atender, sem me atrever a ser mais clara na frente de .
- Desculpe, eu deveria esperar quarenta e oito horas pra te ligar? – riu. – Eu sei ser um cavalheiro, mas não é como se tivessemos...
- Eu sei, estava apenas brincando.
- Então, vai querer que te acompanhe hoje ou não? Já estou saindo de casa.
- Quero sim. Já estou pronta, só estou tomando meu café da manhã.
- Dispensando o café da manhã da Starbucks?
Meu estomago embrulhou só de lembrar daquilo. O cheiro do capuccino ainda podia me fazer vomitar, mas essa frase apenas mostrava ainda mais como aquilo era uma coisa entre mim e . Nosso lugar de tantos cafés-da-manhã, tantas manhãs bonitas e geladas.
- Sim, e você devia também.
- Não entendi por que ficou brava, mas tudo bem, vou comer algo então antes.
- Eu ia levar vocês dois hoje – os lábios de viraram para baixo por um segundo. – Porque está indo antes?
Tomei severos goles da vitamina e mordi um pãozinho para ganhar tempo.
- Apenas já tinha combinado com um amigo – tentei parecer casual. – E além disso, com fazendo as provas naquela escola especial para cegos e não sei mais o que, eu estaria desviando o caminho de vocês.
Ela me analisou severamente e eu pude sentir que ela lia minha alma. Aquilo me deu arrepios.
- Você sabe que eu te vejo como uma filha agora, eu quero o seu bem. - Ela suspirou. – E me dói te ver carregar toda essa tristeza sem poder fazer nada sobre isso, e sabendo que meu próprio filho causou grande parte dela. não me conta mais do que o necessario e no tempo que passei fora daqui ele parece ter se tornado um desconhecido. Eu quero o melhor pra vocês dois, e você sabe que eu também não posso falar mais que isso – eu sabia que ela se referia as cameras/escutas. – Mas não pense que eu fecho os olhos para nada, muito menos para você. Eu vejo o que você está fazendo agora, e não gosto disso. Também não gosto do que meu filho faz, mas se ele não tiver você para dá-lo a mão e içá-lo do poço, não vejo nenhuma salvação para ele.
- O que a senhora quer dizer com isso? – Eu me sentia um pouco confusa, e tratei de comer mais pão para ficar quieta.
- Você vai entender, só precisa abrir seus olhos melhor. Devia confiar mais em si mesma, ser mais verdadeira consigo mesma do que os outros são.
Novamente eu não havia entendido muita coisa, mas apareceu, vestido mas sonolento, e eu pulei para fora da mesa como se ele tivesse pulgas.
Peguei minha mochila e vesti um casaco à porta.
- Ela não vai com a gente? – perguntou à mãe, mas eu já estava fechando a porta.
podia ver o que quisesse, ela não podia realmente se intrometer. Isso seria até maldade de sua parte. Eu também tinha direito de ser feliz, mesmo que não fosse com .
- Bom dia – me cumprimentou e me surpreendeu ao me dar um selinho.
- Bom dia – eu respondi, sentindo minha garganta seca.
- Você vai se sair bem nas provas de hoje, não precisa se preocupar. E são só provas de meio de semestre. – sorriu para mim.
Ele assumira que meu nervosismo era sobre as provas, ótimo.
- Eu tenho estudado o quanto posso – isso era verdade, ainda mais porque era o único escape e desculpa que eu tinha para que ninguém me perturbasse dentro de casa. – Mas as matérias daqui continuam sendo muito mais avançadas do que na minha outra escola, e um professor sempre faz falta.
- Você devia pegar monitoria no resto do semestre – sugeriu. – Vai te ajudar nas provas finais.
Eu pisquei algumas vezes.
- Monitoria? De onde eu venho isso não existe antes da faculdade. Existem grupos de estudo.
Ele riu.
- Você não sabe mesmo de nada que acontece naquela escola, não é? – Eu esperei que ele bagunçasse meu cabelo, como ou... bem, , fariam. Mas sua mão se esticou apenas para acariaciar rapidamente meu cabelo.
Eu não devia pensar que isso era um mal sinal. Era afeto, de qualquer forma, ele era apenas mais... frio? Não, frio não. Educado. Educado soa melhor.
- Boa ideia. É mais fácil me concentrar com alguém me explicando.
Ele ligou o carro e segurou minha mão quando paramos em um semáforo no caminho. Eu engoli em seco, me lembrando da mão quente de entrelaçada com a minha ao acordar, aquele milésimo de segundo em que eu achei estar sonhando, e então descobrir que realmente estava. O toque podia ser real, mas nada mais que um acidente. Em seguida me odiei por deixar esse pensamento me deter e deixei que me beijasse por alguns segundos, parando antes mesmo que o semáforo ficasse verde novamente.
Durante as semanas seguintes, as coisas pareciam seguir da mesma forma. Eu passei a estudar ainda mais, indo à escola três vezes por semana para monitorias, e me ajudava com o resto como podia. O mais insuportável era que todos ficavam cada vez mais obcecados com as faculdades e formaturas. Mas é claro que as pessoas são incapazes de demonstrarem que estão felizes sem me deixar miserável, e faziam questão de me perguntar o que eu faria depois de me formar. Os mais maldosos diziam que algum fast-food da região estava contratando, e os mais inocentes perguntavam pra qual faculdade eu iria e qual vestido eu usaria na formatura. Como se eu pudesse ir para algum dos dois.
A mais cruel das verdades é que eu não fazia a menor ideia do que faria com a minha vida. Talvez os maldosos estivessem certos e eu acabaria num fast-food, cedo ou tarde, e um dia, com sorte, passaria a ser gerente. Afinal de contas, eu não tinha renda própria, apenas o que minha mãe me mandava, mas basicamente quem estava me sustentando era e sua família, e eu não podia e nem queria que continuasse assim por tempo além do necessário.
- Se você não piscar logo, seus olhos vão virar pedras pomes e eu vou usá-los pra lixar meus pés. – me acordou de meus pensamentos, e meus olhos arderam quando eu pisquei.
- Pedras pomes? – Eu ri alto. – De onde você tirou essa?
Nós estávamos há uma hora no sofá da sala, ele assistindo TV enquanto eu estudava. Eu costumava usar a escrivaninha do quarto, onde era silencioso e não tinha a presença de , mas ultimamente eu vinha para a sala e sentava no sofá confortável. É claro que era coincidência que o sofá também era o qual se sentava para ver televisão. Ele ainda usava óculos escuros pela casa, e aquilo me irritava. Era um constante lembrete de que estávamos sendo vigiados o tempo todo, mesmo quando estávamos sozinhos, como agora.
- Minha mãe costumava dizer isso quando eu brincava de competir com a pra ver quem demorava mais pra piscar. Ou ficava tempo demais na frente da televisão. – ele deu um sorriso torto.
Uma das coisas interessantes daquele sofá era a vista. Era possível ver o céu e o bairro até onde os prédios mais à frente tampavam a visão. Era magnífico.
- O pôr do sol hoje foi esplêndido, você devia ter visto. – eu brinquei.
- Eu imaginei, e estava lindo na minha imaginação também. – ele empurrou meu ombro, me fazendo derrubar o caderno que estava no braço do sofá.
Eu me deixei encostar a seu ombro, me sentindo tão confortável por um momento com o silêncio que se seguiu, que ele pareceu durar uma eternidade. Mas a eternidade humana tende a expirar tão rapidamente quanto uma promessa demora a ser quebrada: sempre lentamente, com relutância, e então termina, de forma irremediável.
Eu o senti cheirar meu cabelo, me arrepiando por inteira ao colocar sua mão em minha nuca. Desencostei-me de seu ombro, olhando-o de uma forma que podia ser considerada sedenta enquanto sua mão continuava a acariciar minha nuca. Lentamente, tirei seus óculos, sentindo como se cada vez que eu piscasse fosse um desperdício da visão dos tons de seus olhos. Nós estávamos de frente um para o outro no sofá, e ele puxou minha perna direita para a lateral de seu corpo, passando sua mão por minha coxa com firmeza. Eu subi a minha mão por seu ombro e pescoço, arranhando sua nuca. Ele fechou os olhos por um instante, e quando os abriu, puxou meu cabelo, fazendo com que minha cabeça se inclinasse para trás, ao mesmo tempo em que apertava minha nuca. Assim que ele liberou meus cabelos, me inclinei para frente, o puxando de encontro a mim pela camiseta.
Ele puxou meu cabelo com tanta força que eu não pude evitar gritar de dor. Ele tampou minha boca assim que o som começou a sair. Eu o olhei, confusa e assustada. “Você sabe que nós não podemos fazer isso aqui”, eu li seus lábios que não soltaram um ruído.
Ele me soltou e eu olhei com ódio, o que ele só percebeu após colocar os óculos escuros que eu havia tirado.
- Você está brincando comigo, não é? – eu disse, demonstrando o máximo de frustração possível. – Você tem que estar brincando.
Ele tapou minha boca novamente e eu o empurrei para longe.
- CHEGA! – A revolta era incontrolável. Me levantei do sofá e comecei a circular pela sala. – Cresce, ! Se fosse pra nos matar, já nos teriam matado, porra! Eu não aguento mais essa sua burrice e insistência. A coisa mais óbvia do mundo é que você ama sua filha, e independente de estar comigo ou não, eu carrego ela, e se você não amasse, obviamente eu não estaria morando aqui. Não tem coisa mais transparente no mundo, e você acha que está enganando quem? Então, se quisessem nos matar, já teriam feito isso há muito tempo, ou vão fazer de qualquer jeito!
O rosto de estava vermelho.
- Será que você pode parar? Acha que é difícil só pra você? Eu estou me desdobrando pra manter essa família viva. Tudo que eu tenho feito por nós, você não conseguiria aguentar sem vomitar, se eu te contasse.
- Tudo o que você sempre fez foi nos destruir. Desde o começo. Se quer viver no meio disso tudo, ou melhor, sobreviver com medo de respirar, o problema é seu. Eu tentei, eu tentei o quanto pude aguentar isso tudo, fazer dar certo, mas estou cansada de lutar sozinha. Eu preciso de uma vida pra que possa deixar minha filha viver também. Eu vou embora.
Eu vi de relance seus olhos se arregalarem enquanto eu me direcionava para o quarto. Peguei minhas coisas e joguei-as dentro das minhas malas. Roupas do armário, coisas de banho, tudo que eu encontrava pela frente. Peguei meu telefone.
- , você pode vir me buscar? – eu pedi assim que ele atendeu, tentando segurar o choro.
- Aconteceu alguma coisa? Onde você precisa ir? – ele perguntou.
- Eu preciso ir para o aeroporto, sair daqui. - Eu respondi, um soluço escapou da minha garganta.
- Chego em um minuto. – ele falou antes de desligar.
- , vamos conversar. – veio falando pelo corredor. – Você precisa parar de fazer tanto drama. – Ele parou na porta, percebendo minhas malas. – O quê? Você vai embora agora, assim?
- Drama? – eu ergui as sobrancelhas. – Eu estou aguentando essa situação há meses, . Eu não sei como consegui aguentar tanto, mas já passei do limite. Nenhuma garota devia viver nessas condições. Ninguém deveria.
- Eu sinto muito se não posso te oferecer mais. – ele me olhava com os olhos marejados, e logo eu pude ver lágrimas brilharem por seu rosto.
Eu o olhei, sentindo meu corpo arder de raiva.
- Não se atreva! – eu me aproximei, apontando o indicador para seu rosto. – Não se atreva a se fazer de vítima. Você poderia ter me dado toda a felicidade desse mundo, se apenas não tivesse desistido de nós dois.
- Eu nunca desisti de você, como pode dizer isso? – mais lágrimas escorriam.
- De nós, , você desistiu de nós. – eu reafirmei. – Isso vem me matando lentamente, não consegue ver? Se quer continuar a viver nessa fossa, vai viver nela sozinho.
Voltei a colocar o restante das minhas roupas na mala, e fechei-a com muito custo.
- Então você vai me abandonar? – eu ouvi sua voz rouca dizer.
Virei-me para ele, de olhos fechados, mas respirar fundo não ajudava. Dessa vez eu deixei meu rosto tão próximo do dele que podia sentir sua respiração.
- Você me abandonou desde o momento em que te contei que estava grávida. – eu olhava tão intensamente em seus olhos, quase sem piscar, que eles ardiam. – Eu teria morrido por você. Eu te dei tudo o que eu tinha, tudo o que eu podia ser. Não sobrou mais nada pra te dar, .
Ele me puxou pelo pescoço com uma das mãos, abrindo sua boca para me beijar. Eu o impedi o empurrando pelo tórax.
- Não, nós não podemos mais resolver as coisas assim. Eu falei sério, é o fim.
Meu coração doeu, uma dor excruciante, mas eu o mantive afastado de mim, enquanto ele me encarava com a boca ainda aberta, mas sem palavras.
A campainha tocou, e eu me desvencilhei dele, correndo para abrir a porta da sala.
- Meu Deus, você está horrível, o que aconteceu? – perguntou, adentrando a casa.
- Depois eu explico, vou pegar minhas malas.
me seguiu até o quarto.
- Você vai ajudá-la nessa loucura? – perguntou ao perceber que me ajudava a carregar as malas.
- Loucura é ela estar com você nessa casa há tantos meses. Você não cansa de ser o mimado irresponsável que não foi capaz de mandá-la embora enquanto era tempo. – respondeu enquanto caminhava para a porta comigo.
Até eu parei para encará-lo de boca aberta.
- Como meu melhor amigo, você deveria estar do meu lado. – respondeu. – Isso é ridículo.
- Você é ridículo. – eu retruquei.
- Eu não vou te deixar ir. – segurou meu braço com força.
- Você está me machucando. – eu puxei meu braço, mas ele só apertou mais.
Eu via desespero em seus olhos. Eu sabia que podia acertá-lo naquele momento, talvez quebrar seu nariz. Soltei minha mala.
- Me solte. – eu disse com convicção. – Você prometeu que nunca iria me machucar.
No mesmo instante ele soltou meu braço, parecendo assustado consigo mesmo.
- Venha. – me chamou, colocando-me á sua frente. O elevador já estava no andar e nós o adentramos.
- Por favor... – pediu pela última vez.
Eu apenas balancei a cabeça negativamente, não conseguindo conter as lágrimas.
- Pode deixar, vou cuidar bem dela. – apertou o botão para o andar térreo, e me deu um selinho inesperado enquanto a porta fechava.
Por sete andares eu ainda podia ouvir berrar furiosamente.
ficou calado a viagem inteira, me ouvindo xingar e gritar sobre pelo caminho todo até o aeroporto sem dizer uma única palavra, um sorriso divertido aparecendo em seu rosto de vez em quando. Nem mesmo quando eu insisti em saber por que ele havia me beijado na frente de ele fez mais do que dar de ombros.
Nós estacionamos e deu a volta comigo no carro até o porta-malas.
- Só preciso achar meu passaporte, eu joguei dentro dessa mala...
- Você não vai nem se despedir de ninguém? – ele perguntou, eu não consegui responder. – Você pode pelo menos comprar uma passagem pra daqui alguns dias, e dizer adeus a eles.
Encontrei meu passaporte, por sorte apenas com uma orelha na capa.
- Eu não conseguiria me despedir de ninguém. Despedidas são cruéis demais.
Bati a porta com mais força do que o necessário, me seguiu para dentro do aeroporto. Começamos a olhar o quadro de horários. O próximo vôo sairia em direção ao Brasil em cinco horas.
- Você sequer fez as últimas provas, e sabe disso, não é? Veio até aqui pra estudar, se bem me lembro.
- Não é como se eu pudesse entrar pra faculdade tão cedo, de qualquer forma. Eu dou um jeito nisso quando chegar no Brasil. Você pode me mandar os documentos daqui.
A fila do guichê não estava grande, mas parecia a mais longa na qual eu já havia entrado.
- ... – me virou para encará-lo, restava apenas uma pessoa à nossa frente. – Você sabe que pode ficar comigo, não sabe? Não vá. Fique, eu vou cuidar de você. Você construiu uma vida aqui, não jogue tudo fora por causa dele. Você pode fazer melhor do que desistir.
- Próximo. – a atendente chamou.
Eu segurei o choro.
- O problema, , é que ele é tudo que eu construí aqui. E tudo isso só me faz mal. Eu não tenho nada que me prenda, só ameaças de morte. Tenho que pensar por duas vidas agora, se você não percebeu.
- Meio difícil não perceber. – ele soltou.
- Próximo! – a atendente chamou mais alto.
- Boa noite, eu gostaria de uma passagem para o próximo vôo para o Brasil, por favor. - Entreguei meus documentos.
- Certo, temos um vôo que parte em cinco horas com três escalas. Você deve entrar na sala de embarque com três horas de antecedência. – Ela informou após verificar meus documentos. Qual a forma de pagamento?
- Crédito, por favor. – entreguei-lhe o cartão.
Ela digitou as informações e a maquininha fez um barulho desagradável. Ela repetiu e o barulho apareceu de novo.
- Senhora, seu cartão parece estar bloqueado. Gostaria de ligar para a empresa e verificar?
Ela me passou o telefone e atendeu outro cliente enquanto eu realizava a ligação.
- Eles estão dizendo que meu cartão está bloqueado porque foi roubado. – eu disse a , sentindo meu rosto ficar quente de raiva.
Ele pegou o telefone das minhas mãos.
- Boa noite. O cartão se encontra na mão dela, temos todos os documentos, deve haver algum erro. – Silêncio. – Sim, entendo, mas a denúncia não foi feita por ela, foi pelo ex-namorado. Estamos em um aeroporto e ela precisa pegar um vôo. – , é claro, como eu não considerei que aquele bastardo podia ser capaz disso? – Eu sei que vocês tem procedimentos, mas ela está grávida, precisa voltar com urgência para o Brasil. – Silêncio. – Não, não há essa possibilidade, ela precisa do cartão liberado agora. – Silêncio. – Vou processar vocês, seus desgraçados. E diretamente você, seu inútil.
- E agora? – eu perguntei, totalmente perdida. Ele ficou em silêncio. – Você por acaso não me emprestaria seu cartão? – eu pedi, totalmente sem graça.
- Sem problemas. – Ele retirou da carteira. – Mas primeiro, eu quero que pense bem sobre o que está fazendo. Não há volta a partir daqui.
Aquilo me fez hesitar. Mas não me impediu de comprar a passagem.
Nós subimos para o segundo andar, tendo uma linda vista pelas janelas do aeroporto, e comemos, a comida mal passando pela minha garganta fechada. Mas quando fui ao banheiro, a garganta estava aberta o suficiente para colocar tudo para fora. Permaneci dentro de uma das cabines chorando por quinze minutos, que mais pareceram horas. Joguei uma água no rosto, mas o cansaço era evidente.
Ao sair do banheiro me deparei com parecendo discutir com... ?
Eu corri até ele e o abracei tão forte quanto minha barriga permitia.
- te ligou? – eu perguntei sorrindo. – Estou tão feliz em te ver.
- Na verdade não. Quem me ligou foi . Ele não parecia falar coisa com coisa, e eu não acreditei que você tinha vindo para o aeroporto. Aparentemente o carro dele estava com os pneus furados quando ele tentou sair. - lançou um olhar furioso a . - Eu tive que ligar para . Ela o trancou em casa, ele não parava de falar que ia matar o , e ele não parecia estar brincando.
Eu soltei o ar com força e tristeza.
- Está vendo? Não dá pra ficar aqui. – eu disse, voltando às janelas.
- Será que eu posso falar com ela sozinha, ou você vai ficar tentando parecer ameaçador com a fuça no cangote dela?
- ! – eu reclamei. – , pode nos dar licença, por favor? – Eu dei um sorrisinho forçado a ele.
- O que infernos você está pensando em fazer? Voltar para o Brasil? Você só pode ter enlouquecido de vez, eu devia te levar diretamente para o hospício. – começou logo que se afastou.
- , eu sei o que estou fazendo. Eu vou voltar pra casa.
- Pense bem sobre para onde você está querendo voltar. – voltou a me perturbar. - Há quanto tempo sua mãe não te liga?
- Há alguns meses. Ela me ligou algumas vezes, eu me recusei a falar com ela. Acho que tem passado informações a ela.
- Você quer voltar para casa de uma pessoa com quem você não fala há meses? Abandonar todos os seus amigos que viveram um inferno por você, e nunca reclamaram ou te amaram menos por isso? – ele olhou dentro dos meus olhos, me lembrando daquele com quem eu costumava passar horas conversando sobre tudo. – Você está querendo voltar pra casa de onde você veio, mas não pode chamar aquilo de lar. Seu lar é aqui. Sua família de verdade está aqui. Tem tanta gente que se importa com você. Você não estaria com essas lágrimas escorrendo se não soubesse que é verdade.
- Você não entende, eu estou tentando proteger a minha família! – eu passei a mão pela minha barriga.
- Você está tentando proteger a si mesma, do jeito errado. Você não é obrigada a estar ou sequer morar com , nós podemos dar um jeito nisso.
- Você sabe, vão sempre estar atrás de nós.
- Sim, e você é burra de achar que eles não podem te achar facilmente no Brasil. Até aquele Jack, idiota como era, conseguiu te achar aqui! Eles são profissionais. Fugir não vai resolver nada. A filha na sua barriga continua sendo de , e se eles quisessem usá-la, não faria diferença vocês estarem longe ou perto. Você está sempre tentando fugir, e é hora de parar.
Eu não tinha palavras pra respondê-lo, apenas solucei algumas vezes.
- É só isso que você sabe fazer? – ele segurou meus ombros. – Eu sempre te admirei por sua força, mesmo que você já tenha feito algumas coisas estúpidas. Você sempre foi corajosa. Mas... Vai ver eu estava errado. Ou as cinco cores sumiram junto com tudo o que te fazia especial, porque você está deixando que suguem toda a sua vida. Você será pra sempre uma covarde sem rumo, e sozinha no mundo para cuidar de si mesma e dessa criança. Sem futuro.
- Que futuro você acha que eu teria aqui? – minha voz soou estridente e infantil, e era difícil não gritar.
- Todos os que você quiser, é só você parar ser a vítima, de uma vez por todas.
Ele me deu um beijo na testa, mas antes que eu pudesse abraçá-lo e desabar em seu ombro, ele caminhou para longe de mim, sem olhar para trás.
logo estava de volta, me dando seu colo para encharcar.
- E então, o que você vai fazer? – ele me perguntou quando eu me acalmei um pouco.
- Eu só quero ir pra casa. – eu falei, a cabeça enterrada em seu pescoço. – Eu preciso ir.
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