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Biology






Capítulo 18



Claridade. Merda de claridade.
Abri meus olhos devagar, adaptando minhas pupilas à luz que se esparramava quarto adentro, e assim fiquei por algum tempo: pensando se deveria virar e dormir de novo, sentindo cada parte de meu corpo reclamar de cansaço (e algumas partes específicas reclamando de dor), ou simplesmente fitando o nada.
Ouvi um chiado suave interromper o silêncio divino, e fechei preguiçosamente os olhos. Parecia que alguém já estava aprontando no andar de baixo. E esse alguém só poderia ser , que não estava mais ao meu lado, já que seu lugar na cama estava vazio pelo que minhas mãos puderam tatear.
De repente, tudo veio como um flash em minha mente. Pesadelo. Andar de baixo. Cozinha. Morangos. Balcão.
.
Me vi sentada no instante seguinte, descabelada e com o coração acelerado. Então tinha sido mesmo verdade. Eu não tinha imaginado nem sonhado nada daquilo. Eu jamais poderia inventar algo com aquele grau de realidade, que me fizesse ofegar só de lembrar.
Apoiei meus cotovelos em meus joelhos dobrados, enterrando meus dedos em meus cabelos e deitando minha cabeça sobre as palmas das mãos. Fechei os olhos, sentindo a sonolência voltar a me dominar e a dor pelos movimentos bruscos se manifestar, e balancei a cabeça levemente em negação. Desaprovando minha atitude, e ao mesmo tempo, totalmente derrotada na luta contra ela. Era simplesmente impossível resistir à mera lembrança de tudo aquilo que eu tentava desesperadamente recusar.
- Tonight I’m gonna have myseeelf a real good time – ouvi cantarolar do andar de baixo, nitidamente tentando não me acordar, mas o silêncio era tamanho que até seus sussurros seriam perfeitamente audíveis.
Tentei sorrir fraco, imaginando sua carinha de felicidade, mas não consegui. Eu me sentia oca, sem emoções. Tudo parecia automático, programado, friamente calculado, como se fosse uma verdade absoluta: eu amava , mas meu corpo, meus instintos, um grito no fundo de minha alma chamava por . E esse grito era tão ensurdecedor que me dominava por completo, me fazia perder a noção e o senso de qualquer coisa... Só se calava quando eu estava com ele.
Voltei a me deitar, ou melhor, joguei meu tronco pesadamente de volta à cama, fitando o nada, e deixei um suspiro escapar de meus pulmões, denunciando meu desespero. As lembranças da noite anterior continuavam mais do que frescas em minha mente, mas eu não queria me deixar levar por elas. Eu me sentia extremamente suja por ter caído em tentação novamente, mas de certa forma, a dor já não era mais tão sufocante, assim como a culpa parecia menor, mesmo que só um pouco. Se eu tivesse ao menos um pingo de juízo, o oposto estaria acontecendo, e seria praticamente impossível respirar, tamanho o peso de meu remorso. Mas a sensação de estar com , ter sua pele quente e macia contra a minha, sentir sua força me puxando para mais perto de si, seu perfume me envolvendo, me asfixiando, como um tipo de gás letal, arrepiava meu corpo inteiro e acelerava meu coração como nunca. Pelo visto, eu estava certa quanto ao meu próprio caráter: eu realmente não prestava.
Deixei meus olhos se perderem pelo teto branco, passando rapidamente pela fase da aceitação e me concentrando em decidir o que fazer dali em diante. Pra que me martirizar por algo irreversível, por mais que esse algo ainda doesse em mim? Não adiantava mais chorar pelo leite derramado; correr para cortar os pulsos ou encarar aquela situação com o mínimo de maturidade que ela requeria não apagaria os acontecidos da noite anterior.
Por isso, apenas respirei fundo, deixando que o oxigênio afogasse as imagens de de minha mente, e tomei uma decisão: eu precisava me manter íntegra, mesmo que só externamente, por uma única e essencial razão em minha vida. . A partir daquele momento, eu teria que ser firme, e dessa vez, pra valer. Eu já havia deixado que três deslizes acontecessem, e se eu realmente pretendia me manter firme em minha decisão, jamais poderia permitir que uma situação como aquela se repetisse. Daquele dia em diante, eu não iria mais pensar nele, ou sequer deixar que sua mera lembrança ou presença me afetassem.
Eu não deixaria aquilo acontecer novamente.
Passei vários minutos repetindo mentalmente aquela mesma frase, e me levantei devagar, sentindo meus músculos cansados reclamarem em vão. Conforme caminhava até o banheiro, me lembrei do que havia dito a há poucas horas atrás... Metade de mim não podia ficar sem sua outra metade. Um não era completo sem o outro. Parei na frente do espelho, encarando meu reflexo sonolento, e suspirei novamente, empurrando minha escolha garganta abaixo. Poderia levar alguns dias, mas eu não deixaria nada mudar minha decisão agora que eu havia escolhido o que queria. No início, talvez eu precisasse de um pouco a mais de autocontrole para não me deixar pensar nele, mas no fim das contas, eu sobreviveria. Afinal de contas, pra que eu preciso de dois homens, se um já me dava tudo que eu precisava? Por que eu precisaria de sexo se já tinha um namorado perfeito?
Tomei uma rápida ducha, eliminando todo e qualquer vestígio físico da presença de na noite passada que ainda sobrevivia em minha pele, e escovei meus dentes, ainda mantendo meu humor determinado e otimista. Vesti uma blusinha regata, um shorts de pijama, penteei meus cabelos e soltei um último suspiro antes de descer as escadas.
- Bom dia! – sorriu ao me ver, somente de bermuda, já à minha espera ao pé da escada. Fora seu sorriso e seus olhos mais do que felizes, como sempre, ele parecia anormalmente empolgado, e o motivo disso não era nenhum mistério pelo jeito que ele me olhava. Mesmo com todos os conflitos que eu guardava dentro de mim e sentindo meu emocional um pouco estremecido, não consegui evitar que um sorriso iluminasse meu rosto assim que o vi.
- Bom dia – falei num tom divertido, parando no último degrau pra ficar da mesma altura que ele e retribuindo seu selinho carinhoso – Nossa, um pente passou longe daqui, imagino.
Segurei seus ombros, ajeitando-o de frente pra mim com as mãos suando frio, e ele me fitou com dúvida na expressão e os cabelos consideravelmente desgrenhados. Aproveitei que a toalha que eu havia usado para secar meus cabelos ainda estava sobre meus ombros e a coloquei em sua cabeça, esfregando-a nos cabelos dele e umedecendo-os, mais pra brincar com ele do que pra realmente ajeitá-lo. Quando tirei a toalha, com uma cara sapeca, encontrei um rosado, confuso e extremamente sexy me encarando, com seus cabelos ainda desarrumados.
De um jeito extremamente, dolorosamente, ironicamente parecido com .
- Melhor assim? – ele perguntou, com um sorriso descrente e uma sobrancelha erguida, só piorando minha situação. Papai do céu realmente adorava me ver metida em encrencas. O que eu fiz para merecer passar por tamanha provação?
- Muito – confirmei, assentindo uma vez e ignorando a semelhança entre os estilos de cabelo de meus professores. Acho que nem prostitutas deviam sofrer daquele jeito.
- Hm... Se você diz – deu de ombros, um pouco vesgo de tanto olhar pra cima, no esforço vão de ver seu próprio cabelo, e logo depois me olhando – Com fome?
Assim que ele disse aquelas duas palavras, meu estômago urrou. Mordi meu lábio inferior ainda dolorido da noite anterior (chega de citar essa maldita noite! não existe mais!) e fiz cara de cachorrinho sem dono.
- Awn – sorriu, achando minha cara fofa e fazendo uma carinha ainda mais fofa - Não precisa nem responder, amor, vamos tomar nosso café-da-manhã.
Ele me deu as costas, indicando que me carregaria até a cozinha, e eu nem pensei em recusar o convite, deixando que ele me levasse com uma expressão quase que infantil. Além do mais, ser carregada pelas costas nuas de era bem mais agradável que esforçar minhas pernas doloridas para andar pelo chão frio.
- Não acredito... Omelete? – perguntei, respirando fundo pra sentir o cheiro bom da comida dele quando sentei (lê-se: fui depositada feito uma carga frágil) numa das cadeiras da mesa de jantar – Justo a sua omelete?
- Isso mesmo, justo a minha omelete – ele riu, indo até o fogão, tirando uma omelete grande de dentro de uma frigideira do mesmo tamanho e colocando-a num prato pra mim – Do jeito que você gosta.
se aproximou com meu prato, e assim que o colocou à minha frente, deu um beijo estalado em meu pescoço, aproveitando que eu tinha acabado de fazer um coque frouxo em meu cabelo. Ele voltou a se afastar pra pegar seu café-da-manhã, e eu, ainda rindo do jeito dele, me servi com o suco de laranja que estava na mesa.
- Hm, você por acaso assaltou a geladeira ontem à noite? – ele perguntou distraidamente enquanto cortava sua omelete, após alguns minutos comendo, e meu medidor de perigo apitou – Os morangos que eu tinha visto lá dentro estavam em cima da pia quando acordei.
Me esforcei muito pra não engasgar com a comida naquele momento, e engoli o pedaço de omelete quase inteiro com muito esforço, incapaz de mastigá-lo direito diante do medo que a pergunta dele me causara. Eu tinha me esquecido de guardar os morangos. Que merda.
- É, eu... – balbuciei, encarando fixamente minha omelete e tentando parecer casual – Eu fiquei com fome e... Acabei comendo alguns morangos... Me desculpe.
Não foram só os morangos que foram comidos naquela noite, mas preferi omitir essa parte da história. Foco, !
- Tudo bem, sorriu, sem notar nenhuma diferença em meu jeito, como sempre (ele devia aprender que confiar em mim estava ficando perigoso) – Eu devia ter sido responsável e cozinhado alguma coisa pra gente ontem à noite.
Comemos calmamente após minha crise de pânico se dissipar, e quando me dei conta, já estávamos planejamos como seria nosso dia num clima mais agradável, pelo menos para ele. O sol reinava absoluto no céu azul, o mar parecia extremamente convidativo diante do considerável calor, e nossos planos para as próximas horas envolviam exatamente esses fatores. Praia, sol, mar e descanso. Bom, descanso físico estava garantido pros dois, mas mental... É, desse eu acho que só poderia desfrutar.
- Ei, rapaz, vem cá – chamei assim que saímos de casa, segurando meu professor (que agora mais parecia aluno de primário, tamanha era a sua animação) pelo braço quando que ele fez menção de correr para a praia – Nem pense em se meter debaixo desse sol sem protetor solar.
Ele revirou os olhos, fazendo cara de criança emburrada, e eu ri, enquanto passava protetor solar em suas costas. Quando foi a vez de passar na frente, o que eu fiz questão de fazer, ele fechou os olhos e sorriu pervertidamente, tirando proveito de meus toques. Se ele pôde usufruir da mesma situação antes de sairmos da casa, ao passar protetor em mim (e demorar meia hora só pra isso), eu tinha todo o direito de fazer o mesmo com ele (e demorar o quanto eu quisesse também).
- Sabe, eu estou de sunga – ele comentou, quando eu estava cuidando de suas coxas com um pouco mais de vagarosidade que o necessário – E não vai ser muito... Confortável se você continuar a me provocar desse jeito.
Revirei os olhos, com um sorriso de canto, e atendi seu pedido. Coloquei um pouco de protetor na palma da mão, e com o indicador, passei um pouco dele no nariz e bochechas de , retribuindo seu olhar divertido. Espalhei um pouco mais de protetor pelo seu rosto, e o resto, coloquei em seus ombros, região onde nunca era demais proteger.
- Agora sim, protegido – falei, com voz de mãe, apertando a bochecha dele, que fez uma careta – Pode mergulhar agora.
- Não – ele respondeu, e um sorriso danado surgiu em seu rosto – Podemos mergulhar agora.
Antes que eu pudesse abrir a boca pra protestar, ou tirar meu chapéu de praia e óculos escuros, já me carregava em direção ao mar, correndo comigo em seu colo. Largando apressadamente meus apetrechos de praia pela areia, me encolhi como um feto em seus braços, já sentindo a temperatura fria do mar antes mesmo de entrar nele e soltando um gritinho desesperado que o fez rir.
- Ah, meu Deus, que frio! – falei entre dentes quando alcançamos a água gelada, e ele continuou me levando mar adentro até atingirmos uma altura nem muito rasa, nem muito funda.
- Não tem problema, eu te esquento – ele riu, me colocando no chão e me abraçando pela cintura.
- Que frase mais clichê, – resmunguei com um sorriso divertido, dando-lhe um abraço apertado e depositando um beijo em seu queixo – Mas eu acho bom mesmo você me esquentar, senão eu vou ficar muito brava.
- Uuh, essa eu quero ver – gemeu, fazendo uma cara exagerada de desejo e me mandando um beijo, acompanhado de uma piscadinha – Fica bravinha, vai.
- Idiota – gargalhei, empurrando-o pelo peito e não conseguindo muito mais do que me afastar dele por dois segundos – Vou te mostrar quem é a bravinha.
- Duvido – ele desafiou, olhando pra cima como quem quer disfarçar alguma coisa, e eu me enfezei: deixei que meus joelhos se dobrassem, fazendo com que meu corpo todo imergisse na água cristalina, e voltei a emergir alguns metros depois, já fora do alcance dos braços dele. Surpreso com a minha súbita agilidade, ele foi pego de olhos arregalados e boca aberta quando eu joguei uma grande quantidade de água em seu rosto.
- Ai, meu Deus! – exclamei, levando as mãos molhadas à boca em sinal de espanto, sem saber se ria ou se ficava com pena – Desculpa, amor!
Corri até , que cobria o rosto com as mãos e se mantinha curvado, e me abaixei para poder ver o estrago que a água salgada tinha feito. Assim que o fiz, ele me pegou desprevenida e revidou o golpe, jogando o triplo de água em mim e me encharcando na mesma hora.
- Você pediu, mocinha! – ele riu, mesmo com os olhos vermelhos, e eu não pude deixar de rir da cara dele, típica de criança que tomou um caldo.
- Você sabe correr, ? – perguntei, fechando os olhos e um sorriso bravo – ENTÃO É MELHOR APRENDER!
soltou um gritinho quase afeminado, fingindo medo, e saiu correndo, sendo seguido por mim apesar da dificuldade que a água causava. Ficamos nos divertindo no mar por um tempo que não consegui calcular, até que ele finalmente resolveu me deixar tomar sol enquanto se deitava na espreguiçadeira ao meu lado, lendo um livro e parecendo ainda mais branco que suas páginas devido à grande quantidade de protetor solar que eu passei nele. Vez ou outra, ele dava um mergulho, e quando voltava, se recusava a passar outra camada de protetor, apesar de meus avisos constantes de cuidado. O sol estava forte demais pra uma pessoa desacostumada como ele se expor daquela forma.
O dia se passou calmamente, entre amassos e mergulhos, e só saímos da praia uma única vez, para almoçar uma salada leve que preparamos juntos. Quando já estava escurecendo, ficamos observando o pôr-do-sol, como na tarde anterior, e entramos na casa para tomar banho assim que o céu se tornou totalmente escuro.
- Ai, – ele choramingou ao sair do banheiro. Eu já tinha tomado meu banho, e estava sentada na ponta da cama passando creme em meus cabelos enquanto olhava vagamente para a TV ligada à minha frente.
- O que foi? – perguntei, e quando olhei na direção dele, meus olhos e boca se abriram imediatamente. Ele estava todo vermelho, principalmente na região abaixo dos olhos, onde ele sempre esfregava depois de sair da água por causa do sal. Seus olhos estavam lacrimejando um pouco, e sua expressão era de agonia.
- Tá ardendo – ele disse com a voz chorosa, andando devagar na minha direção pra não arder nada, e eu corri até ele, penalizada. Fiz menção de tocá-lo, mas logo voltei atrás, pelo pânico que seus olhos demonstraram ao perceber minha intenção.
- Eu bem que te avisei pra passar mais protetor, ! – gemi, mordendo meu lábio inferior e morrendo de pena – Vem, senta aqui que eu passo creme em você.
Conduzi pela mão, o único lugar que parecia não estar ardendo tanto, até a cama, e ele se sentou cuidadosamente, somente de boxers. Eu subi na cama atrás dele, já com o creme pós-sol em mãos, e comecei a espalhá-lo por seus ombros suavemente, enquanto ele apenas se mantinha imóvel, com medo de que algo ardesse a qualquer movimento. Quando tudo já tinha sido devidamente tratado e cheirava maravilhosamente bem graças ao creme, ele sorriu pra mim, parecendo um camarãozinho. Um camarãozinho muito agradecido, diga-se de passagem.
- Desculpa, – ele murmurou, fazendo uma carinha triste, e na mesma hora eu franzi a testa em sinal de confusão, ajoelhada em sua frente – Agora eu mal vou poder te abraçar.
Dei um sorriso compreensivo, sentindo uma leve pontada de agonia. Alguém me explica por que minha recém-adotada doutrina anti- me pareceu ainda mais difícil de ser seguida após essa conclusão de ?
- Tudo bem, amor – falei, engolindo todos os meus pensamentos e brincando timidamente com seus dedos – Eu não me importo, de verdade.
E não me importar seria mil vezes mais fácil se aparecesse mais tarde. Pensando bem, ai dele se não aparecer. Será um homem desonrado, se é que você consegue associar essa palavra à existência de bisturis afiadíssimos nos laboratórios de biologia.
OK, finja que eu não pensei isso. Minha mente é podre demais pra ser levada a sério.
- Eu queria que esse fim de semana fosse perfeito – sussurrou, segurando minhas mãos com tamanha delicadeza que elas pareciam ser feitas de um material sagrado – Mas como sempre, eu estraguei tudo.
- Ei – resmunguei, fazendo cara de brava – Não começa, .
Ele apenas suspirou e ergueu seu olhar de minhas mãos para meus olhos, sorrindo logo depois e dizendo:
- Você não existe mesmo.
É, eu sei. Outra coisa que não existe é uma coisa chamada tempo. Cadê ele que não passa pra que chegue logo?
Argh... Não preciso nem dizer que é pra você riscar essa frase da sua memória também. Talvez nem o inferno seja ruim o suficiente pra mim.
- Como não? Estou bem aqui – sorri fraco, procurando seu olhar baixo com o meu e me sentindo uma tremenda hipócrita, falsa, traidora e metida, mas sem deixar tudo isso transparecer. riu por alguns segundos, mas logo voltou a fazer cara de dor, e eu o imitei inconscientemente. Aquela noite seria um tanto sofrida para ele, pobrezinho.
Ficamos por mais umas duas horas deitados na cama, vendo TV e conversando, tendo que nos contentar somente com o contato corporal de nossas mãos dadas. Pela primeira vez na vida, o tempo com me pareceu vagaroso, lento, quase entediante. E quando enfim ele adormeceu pesadamente, feito uma criança cansada de todas as estripulias feitas durante o dia, eu me vi sem saber o que fazer. E totalmente sem sono.
Subitamente, uma euforia estranha tomou conta de mim, como um animal fincando suas garras e declarando território dentro de meu peito. Uma ansiedade incontrolável me dava a sensação de que cada pedaço de mim tremia de agonia, e o ar não encontrava espaço em meus pulmões, me causando uma certa tontura. Olhei instintivamente pro relógio, me sentindo sufocada: uma e dezenove. Já era tarde e só o que eu deveria fazer era deitar e tentar dormir. Mas meu corpo implorava para sair dali.
Me esgueirei pra fora da cama, e felizmente, continuou imóvel. Desci as escadas, sentindo minhas pernas trêmulas, e prendi meu cabelo de qualquer jeito, com a intenção de refrescar minhas costas. Merda de ansiedade idiota que me fazia suar frio. Abri a geladeira e enchi um copo com água, dissolvendo uma pitada de açúcar nele e engolindo todo o seu conteúdo em menos de cinco segundos. Água com açúcar não costumava adiantar comigo, mas eu tinha que tentar de tudo.
Os segundos foram se acumulando devagar, transformando-se em minutos, e o sono simplesmente se recusava a vir. Me peguei perambulando ao redor dos móveis da sala, com o olhar fixo em qualquer parte do piso e a mente perdida em só Deus sabe quais pensamentos. Quando olhei para o relógio da cozinha, ele já marcava duas e trinta e sete, e eu me sentia como se tivesse acabado de acordar do sono mais revigorante de minha vida. Bufei, frustrada com minha insônia inexplicável, e me joguei no sofá, derrotada. Olhei distraidamente pela janela da sala, e quando finalmente assimilei o que vi, quase pulei de susto: faróis se aproximavam rapidamente da casa, anunciando a chegada de um carro. Meu coração quase foi parar perto de meu cérebro, tamanho foi o meu susto, assim como foi simplesmente impossível não pensar numa das únicas pessoas que passariam por aquela rua àquela hora da noite.
Sem que eu me desse conta do que estava fazendo, vi que estava de pé, e caminhava energicamente em direção à porta da casa. Por mais que minha consciência me alertasse sobre a loucura que eu estava cometendo, minhas pernas haviam adquirido vida própria e se recusavam a obedecê-la. Abri a porta, ofegante, e tudo que vi foi a rua vazia e o carro de estacionado, exatamente como estava desde que havíamos chegado. Me aproximei da rua, procurando os faróis que eu jurava ter visto, mas não havia absolutamente nada que pudesse ter emitido qualquer tipo de luz por ali. Franzi a testa, começando a ficar assustada de verdade com minha capacidade de imaginação, e entrei em casa, voltando a me sentar no sofá. Ótimo, além de adúltera, eu estava ficando louca.
Mais meia hora de insônia se passou, e eu comemorei sarcasticamente a chegada das três da madrugada, com quase todas as minhas unhas roídas até não poder mais. A ansiedade que havia tomado conta de mim insistia em se intensificar a cada segundo, e por mais que eu me perguntasse o motivo dela, nada me vinha à cabeça. Bom... Pelo menos nada que eu considerasse agradável. E só para me ajudar ainda mais, após minha estranha visão, meus pensamentos não conseguiam se desviar de , provavelmente por causa da lembrança que os faróis ilusórios ressuscitaram.
E como minha cabeça sempre conseguia tomar os piores caminhos, não se contentou em focalizar suas energias apenas em , por pior que aquilo já fosse. Como se eu já não estivesse frustrada o bastante por estar pensando nele, uma pergunta subitamente surgiu do emaranhado de pensamentos que se formava dentro dela, alarmando ainda mais meu coração e fazendo com que o estranho suor frio que brotava de minha testa se intensificasse.
Será que ele realmente viria essa noite?
Enquanto meu cérebro processava a complexidade daquela pergunta, eu comecei a piscar mais que o normal, e meus dedos não conseguiam sair do meio de meus cabelos, enterrados entre suas mechas em sinal de desespero. Por que raios eu tinha de ser tão fraca? Por que eu não podia simplesmente me manter calada e guardar minhas fraquezas para mim mesma?
Por que eu tinha que ter perguntado se ele voltaria? Tudo o que fiz foi criar falsas esperanças para ele, de que eu talvez estivesse interessada em repetir a dose da noite anterior! E isso era, definitivamente, tudo que eu não queria!
Ou pelo menos, tudo o que eu fingia desesperadamente não querer.
Naquele momento, eu me dei conta do quão ridícula e imatura eu estava sendo diante daquela situação. Meu corpo e minha mente davam sinais claros de que não pensar em estava se tornando cada vez mais impossível, mas uma parte de mim, a parte racional, ainda se recusava a dar o braço a torcer, tentando lutar inutilmente contra meus impulsos. Não adiantaria nada continuar repetindo para mim mesma que eu estava bem e que aquilo era apenas uma insônia sem motivo, sendo que eu sabia exatamente a razão de minha ansiedade. Infelizmente, eu precisava aceitar que ainda não tinha forças suficientes para afastar a sombra de de meus pensamentos, por mais intensas que fossem as minhas tentativas de abafar o estranho poder que ele tinha sobre mim. Era nítido que ele tinha algo que me desarmava completamente, dopando minha consciência e aflorando meus piores instintos.
Soltei todo o ar tensamente preso em meus pulmões, fechando os olhos e deitando minha cabeça no encosto do sofá. Um sorriso sem humor algum se formou em meu rosto, externando minha frustração comigo mesma. Eu estava destinada a ser fraca, pro resto da minha vida. Era como se eu jamais fosse ser capaz de vencer algum obstáculo que surgisse na minha frente, apenas fosse me curvar diante dele e deixá-lo modificar minha vida, fosse para melhor ou para pior.
A fraqueza era meu fardo. E era a prova viva disso. Ele sabia muito bem que esse era meu ponto fraco, que eu era uma presa fácil comparada ao seu poder de ataque invencível, e como se isso já não fosse suficiente, ainda utilizava todos os seus artifícios para me manter hipnotizada. Abduzida.
Encarei o teto, totalmente inerte, e ao invés do cinza sem graça, o discreto sorriso de ao ir embora na noite anterior surgiu em meu campo de visão. Teria aquilo sido mesmo uma resposta, ou apenas mais uma de minhas ilusões?
Não... Ele não podia fazer isso comigo. Ele não seria capaz. Eu sabia que ele viria. Ele não teria coragem de me deixar esperando.
Me mantive inconscientemente imersa em pensamentos por um tempo que me pareceu incalculável, e num de meus breves acessos de lucidez, olhei para o relógio: três e meia. Meus pés batucavam contra o piso frio da sala, inquietos assim como minhas mãos, que seguravam a barra da camisola com força. Minha respiração estava totalmente descompassada, denunciando todo o nervosismo que me devorava, e meus olhos percorriam cada centímetro visível da janela, até que, num movimento impensado, se depararam com uma solução para meu problema, que estava ali desde o começo, bem debaixo de meu nariz: o telefone.
Quer saber? Se aquela já era uma batalha decidida, pra que continuar lutando? Foda-se o meu orgulho.
Fiquei de pé num salto, e corri até o aparelho, quase derrubando-o ao tirá-lo da base, tamanha era a tremedeira de minhas mãos. Olhei para os botões, esperançosa, e me lembrei de que, para ligar para ele, precisava de seu número. Pensei por um momento, e logo encontrei a saída: o celular de .
Larguei o telefone sobre a base de qualquer jeito, correndo desengonçadamente em direção às escadas para pegar o aparelho de . No terceiro degrau, quase escorreguei, e tive que me apoiar em minhas mãos para não dar de cara no chão. Quando faltavam dois degraus para chegar ao primeiro andar, um zumbido se apoderou de meus ouvidos, quebrando o silêncio sepulcral. Paralisei onde estava, virando minha cabeça na direção do som com uma rapidez assustadora. Eu sabia que estava descabelada, com olheiras e pálida, mas agora não havia mais tempo pra me arrumar.
Ele estava aqui.

Capítulo 19



Desci os degraus novamente, dessa vez me segurando firmemente no corrimão para não cair, e voei até a porta, enquanto o ronco do motor dava lugar ao silêncio outra vez. Hesitei antes de abri-la, com a mão quase esmagando a maçaneta, e respirei fundo. E se fosse só mais uma alucinação? Não, não podia ser. Eu quase podia sentir sua presença, seu perfume, a temperatura quente de sua pele contra a minha, seu hálito úmido em meu pescoço... Ele estava aqui, com toda a certeza que ainda me restava.
Abri a porta, com os olhos fechados, e quando a brisa gelada tocou minha pele, abri também meus olhos. Se eu não estivesse segurando a maçaneta com toda a minha força até agora, acho que desmaiaria.
A Ferrari estava ali. Bem à minha frente.
Graças a Deus, eu estava certa.
No que me pareceu apenas um segundo depois, me vi andando energicamente até o lado do motorista, cuja porta já estava sendo aberta por dentro. Assim que meus olhos encontraram os de , um tanto confusos, a energia que me faltara durante todo aquele tempo de espera surgiu com força total, fazendo meu coração bater tão descompassado que minha visão se tornou turva.
Seu perfume já infestava meus pulmões antes mesmo de me aproximar dele, e completamente guiada por meus instintos, eu entrei no carro, passando uma de minhas pernas sobre as dele e me sentando em seu colo. Fechei a porta da Ferrari, deixando totalmente perdido, e jogando no lixo qualquer vestígio de sanidade que ainda me restasse, uni sua boca à minha sem a menor delicadeza.
Os lábios dele permitiram a passagem de minha língua imediatamente, misturando o gosto dele ao meu e me causando um efeito quase anestesiante. Suas mãos, ainda surpresas com a minha pressa, demoraram a se decidir entre minha cintura e minhas coxas, e sem conseguir escolher, foram parar em meus quadris. Eu bagunçava seu cabelo macio, sentindo um calor dominar meu corpo, especialmente onde havia contato com o corpo dele.
Não sei por quanto tempo nos mantivemos ali, apenas nos beijando (lê-se: “nos engolindo feito duas enguias”) e sentindo a presença um do outro. Pela intensidade com a qual ele retribuía o beijo, e até sorria de vez em quando, eu não era a única ansiosa por aquele momento, o que de certa forma me reconfortou. Eu pressionava meu tronco contra o dele com cada vez mais desejo, sentindo-o reagir da mesma forma como se quisesse fundir nossos corpos num só. Quando meus lábios já estavam ficando doloridos pela pressão contra os lábios dele, começou a puxar minha camisola para cima conforme explorava meu corpo com suas mãos. Minhas pernas se contraíam inconscientemente ao redor de seus quadris, me impulsionando para cima e quase o prensando contra o encosto do banco. Ele continuou subindo seus toques até encontrar meus seios, e envolveu-os com suas mãos, soltando um gemido abafado contra meus lábios. Deixei que ele aproveitasse por um tempo, e logo parti o beijo, com uma mordida em seu lábio inferior, para tirar a camisola.
Voltei a me inclinar sobre ele, colando nossas bocas novamente e deslizando minhas mãos por todo o seu tronco, só parando quando encontrei o que queria. Abri o botão e o zíper da calça sem demora, sentindo-o aumentar sua agressividade no beijo, e acariciei sua já considerável ereção por cima das boxers. agarrou meus cabelos da nuca em sinal de aprovação, e colocou mais força em seus dedos quando eu passei a beijar seu pescoço, tentando compensar o desvio de minhas mãos para sua blusa. Dedilhei o caminho de volta, sentindo cada músculo de seu abdômen se contrair ao meu toque conforme eu subia, e segui para suas costas quando atingi a altura máxima possível. Ele puxou a camisa pela parte de trás, e eu me afastei, observando-o tirar a peça e jogá-la em qualquer lugar.
Ele segurou minha cintura com firmeza, me inclinando um pouco para trás, e eu apoiei minhas costas sobre o volante, me arrepiando por inteiro quando senti sua língua tocar a pele de minha barriga. fez uma trilha de beijos enlouquecedores até alcançar meu pescoço, me trazendo de volta à minha posição ereta, e quando seus lábios voltaram a buscar os meus, uma de suas mãos se colocou por dentro de minha calcinha, me provocando com seus dedos. Ensandecida, eu correspondi seu beijo com o triplo de ferocidade, fincando o que restava de minhas unhas em seus ombros tensos sem nem pensar se doeria. Graças à experiência dele, que o possibilitava tocar os lugares certos, eu já estava quase atingindo o clímax quando sua outra mão escorregou até minha bunda, dedilhando o leve alto-relevo causado pela estampa de ovelhinha de minha calcinha. Apesar de todos os outros acontecimentos, aquilo pareceu diverti-lo, já que pude sentir um sorrisinho moldar seu rosto. Gemi alto contra seus lábios quando ameaçou parar de movimentar seus dedinhos, e ele só o fez quando sentiu que havia terminado seu trabalho.
Suada e precisando urgentemente de ar, eu afastei meu rosto do dele, sugando seu lábio inferior e sentindo-o se afastar na direção oposta só para me fazer sugá-lo com mais força. Ambos sorrimos de leve com a provocação, e se o volume entre as pernas dele não estivesse extremamente convidativo, eu teria voltado a beijá-lo. segurou meu rosto com uma mão, mordiscando o lóbulo de minha orelha lentamente e me arrepiando com sua respiração ruidosa, enquanto eu descia sua calça jeans ao máximo com um sorriso pervertido. Rocei meus lábios nos dele por um segundo, encarando seus olhos cheios de luxúria, e desci suas boxers até os joelhos, onde a calça havia parado.
Envolvi sua ereção com uma mão, sentindo-a quase pulsar de tão enrijecida, ao mesmo tempo em que as mãos de acariciaram minhas coxas. Agarrei seus cabelos com a mão livre, puxando-o para um beijo, e com a outra, comecei a masturbá-lo o mais depressa que consegui. Ele se esforçava ao máximo para corresponder às carícias de minha língua, mas a contração ainda mais freqüente de seu abdômen deixava nítido que aquilo não era sua prioridade no momento. agora soltava gemidos contínuos e quase chorosos de tanta excitação, mas eu não desisti de beijá-lo. Eu queria mesmo que ele sofresse por ter demorado tanto pra chegar.
Ele subiu suas mãos até o cós de minha calcinha e colocou seus polegares por dentro do elástico da mesma, trazendo-a para baixo sem surtir muito efeito. Entendi aquilo como um aviso de que ele não agüentaria por muito mais tempo, e imediatamente parei o que estava fazendo para me desfazer da última peça de roupa que ainda restava. Enquanto eu me despia, ele resgatava a camisinha do bolso de sua calça e rasgava sua embalagem com os dentes, daquele jeito grosseiro e extremamente sexy. Atirei minha calcinha longe, e quando viu que eu já estava livre, ele me deu o preservativo com um sorriso nada angelical. Retribuí seu sorriso safado e coloquei a camisinha nele com cuidado, sentindo meus talentos manuais sendo reconhecidos.
- Você sabe o que fazer – ele murmurou com a voz falha, quando eu terminei, e meus olhos se ergueram até encontrar os dele. Assim que o fiz, foi impossível não me lembrar da última vez em que estive em seu apartamento. O que eu conheci naquele dia, escondido atrás de uma armadura, me encarava novamente naquele exato momento. O verdadeiro .
Senti um arrepio percorrer minha espinha, eriçando meus pêlos da nuca e acelerando meus batimentos cardíacos ao reconhecer aquela mudança. Eu poderia passar a vida inteira encarando aqueles olhos sinceros, sem saber classificar o sentimento que eles causavam em mim.
Meu rosto avançou lentamente na direção do dele, unindo nossos lábios com calma, e eu ergui meu corpo até encontrar a posição certa. colocou suas mãos em minha cintura com sutileza, como se quisesse me incentivar, e eu o coloquei dentro de mim devagar, sentindo-o apertar minha cintura com mais força quando cheguei ao fim. Eu segurei em seus ombros, trêmula, e deixei que todas aquelas novas sensações, que ao mesmo tempo eu já conhecia, fizessem efeito sobre mim. Paramos de nos beijar, mas mantivemos nossos lábios unidos, e abrimos nossos olhos, encarando profundamente um ao outro. A conexão entre nossos olhares por pouco poderia ser tocada, de tão intensa que era. A compreensão e a paciência, apesar de sua vontade gritante de que eu me movimentasse novamente, eram nítidas em seus olhos, o que só me deixou ainda mais tonta.
Ele fechou os olhos, franzindo de leve a testa e escorregando suas mãos até meus quadris, e eu reiniciei o beijo, sentindo o prazer crescer monstruosa e subitamente dentro de mim. Envolvi seu pescoço com meus braços, embrenhando meus dedos em seus cabelos umedecidos de suor, e comecei a me movimentar sobre ele, acelerando a cada segundo como se aquilo fosse natural pra mim. Logo ele estava gemendo de novo, assim como eu, e estava ficando quase impossível nos beijarmos. Nossos rostos se mantiveram próximos, intensificando a mistura quente de nossas respirações, até que atingi o clímax novamente, sendo seguida por ele.
Deixei que meu tronco se apoiasse sobre o dele, sem conseguir definir qual dos dois estava mais ofegante. Minhas mãos deslizaram de seus cabelos para seus ombros, enquanto as dele ainda eram incapazes de largar meus quadris. Afundei meu rosto na curva de seu pescoço, deixando que o perfume dele me acalmasse, e após alguns segundos, senti seus braços envolverem minha cintura e me aconchegarem ainda mais em seu peito. Fechei os olhos, abraçando-o pela cintura também, e pude ouvi-lo rir de leve. Ainda tensa demais para perguntar qual era a graça, apenas ignorei seu riso, e como se tivesse lido minha mente, ele sussurrou, com o pouco de ar que lhe restava:
- Por favor, prometa que vai continuar me surpreendendo... Porque sinceramente... Fica cada vez melhor.
Mesmo sem ar, eu não tive como evitar que a risada baixa dele me contagiasse. Assim como, por mais que eu tentasse fugir ou negar, tudo nele me contagiava quando estávamos juntos.
Aos poucos, minha respiração ia voltando ao normal (não totalmente, porque com ele perto de mim, era inútil conseguir respirar direito) e a tremedeira de minhas mãos ia passando. esperou calmamente, acariciando desde meus ombros até meus quadris, fazendo uma massagem gostosa conforme deslizava as palmas de suas mãos e vez ou outra dedilhava minha pele devagar. Seu coração batia forte contra meu peito, apesar da respiração calma, o que parecia acelerar ainda mais as batidas do meu.
- Está sentindo isso? – finalmente sussurrei contra a pele de seu pescoço, com os olhos fechados. Deslizei minha mão esquerda até seu peito, indicando a que me referia, e o ritmo acelerado de seus batimentos pareceu se intensificar sob meu toque suave.
- Desde a primeira vez que pus meus olhos em você – ele murmurou, imitando meu gesto com sua mão esquerda – Você também está sentindo isso?
Me afastei dele para poder olhá-lo, e assenti inocentemente, vendo um sorriso se alargar em seu rosto. Logo depois, deixei que meu olhar mergulhasse em seus olhos , como sempre acontecia, e franzi a testa de leve, em sinal de confusão.
- O que foi? – ele perguntou, novamente imitando minha expressão, porém sem se desfazer de seu sorriso.
- O que é isso? – balbuciei, sem conseguir formular direito as frases que colidiam em minha mente – Isso que eu tô sentindo... Que nós estamos sentindo... O que é?
acariciou meu rosto com as costas de sua outra mão, me olhando daquele jeito intrigado e deslumbrado ao mesmo tempo, e levou alguns segundos para responder:
- Eu não sei... Mas, sinceramente, eu gosto disso.
Meus olhos se fixaram em seus lábios quando ele falou, observando o quão lindos, apesar de serem apenas lábios como os de qualquer outra pessoa, eles eram. Sem que eu pudesse controlar aquele impulso, minha mão subiu lentamente até meus dedos conseguirem tocá-los, e assim que o fiz, dedilhei-os de leve, desenhando seu formato e sentindo sua textura macia. A expressão confusa em meu rosto permaneceu, refletindo o que eu sentia por dentro, e devido a isso, os lábios que eu sentia sob os nós de meus dedos deixaram de sorrir.
- Eu não queria sentir isso – murmurei, com o olhar ainda perdido em sua boca, e comecei a sentir meus olhos se encherem d’água sem que eu permitisse aquilo – Me faz mal.
- Eu sei – disse, me fazendo erguer meu olhar até encontrar o dele, extremamente misterioso – Se eu pudesse voltar atrás, também escolheria não me sentir assim... Me corrói por dentro.
- Mas não há como voltar atrás – falei, agora com a mão descendo por seu queixo e pescoço devagar, com os olhos ainda fixos nos dele – Você sabe disso.
- Você também – ele sorriu fraco, de um jeito quase amargurado – Pelo menos não estou sozinho nessa.
Abaixei meu olhar, engolindo a tristeza por saber tão bem quanto ele que já não havia mais volta para nós. Já era irreversível, inesquecível... Um pacto secretamente selado entre nossos corpos, sem que nós mesmos tivéssemos tomado conhecimento dele.
- Eu posso ir embora se você quiser – ele falou baixo, parecendo resignado, e na mesma hora, uma pontada latejou em meu peito, como uma fisgada de pânico.
- Não – sussurrei, me encolhendo devido à súbita dor, e o choro que eu tentava reprimir voltou a embaçar minha visão – Por favor... Não vá embora.
Mesmo sem olhá-lo, soube que a expressão no rosto dele não era das mais alegres, mas não havia nada que eu pudesse dizer ou fazer pra mudar isso. Eu mesma estava em conflito, tentando não ceder à vontade monstruosa de sair correndo dali e me afogar naquele mar, eliminando finalmente todas as minhas angústias.
soltou um suspiro triste, e me puxou sutilmente pelos ombros até nossos troncos voltarem a ficar colados. Ele me abraçou com certa força, e o batimento acelerado de seu coração voltou a repercutir em minha pele, enquanto uma lágrima rolava pelo meu rosto e escorria até alcançar seu ombro. Não era daquele jeito que eu queria que as coisas fossem. Não era daquele jeito que eu queria me sentir.
- Você sabe que nunca vai ser como ele... Não sabe? – sussurrei, pensando em e tentando evitar que toda aquela dor reprimida em relação a ele me atingisse com sua força esmagadora.
- Sei - respondeu, amargamente conformado, e eu não consegui dizer mais nada. Talvez o silêncio pudesse amenizar a dor que eu não podia, a dor da verdade, corroendo-o por dentro como um veneno que o dilacerava aos poucos.
Os segundos se passaram, um a um, e nenhum de nós dois tinha coragem o suficiente para dizer alguma coisa, até que ele inspirou profundamente, tomando fôlego para falar.
- Caralho, – ele disse, e eu nem me movi, amedrontada com a repentina irritação em sua voz – Por que eu tenho que ficar desse jeito quando eu tô com você? Eu não sou assim... Esse não sou eu!
- Então quem é você? – perguntei, ainda sem olhá-lo, e ele não foi capaz de responder. Esperei mais alguns segundos e finalmente tomei coragem de encará-lo, encontrando uma bagunça em seus olhos e sentindo uma irritação borbulhar em minha garganta. Não saber definir o que estava sentindo me irritava profundamente, e eu sempre me sentia assim com ele por perto.
- Quem é você, ? – repeti, com uma firmeza que não parecia ser minha, levando-se em conta que eu nunca conseguia ser firme quando estava falando com ele – O que você quer de mim afinal?
- Eu não sei! – exclamou, franzindo a testa em sinal de raiva – Eu não sei de porra nenhuma quando eu tô com você, não deu pra entender isso ainda?
- Nem eu! – retruquei no mesmo volume que ele, sentindo a irritação crescer cada vez mais rápido dentro de mim – Então pare de colocar a culpa em mim!
- Eu não estou colocando!
- Então por que está gritando?
Ele abriu a boca pra revidar, mas não emitiu nenhum som. Seu olhar estava cada vez mais confuso, junto de sua testa, pesadamente franzida sobre eles, e seus lábios se contraíram, expressando nitidamente sua luta interna. Eu apenas o encarava, respirando fundo na tentativa de diminuir minha raiva. Nenhum de nós sabia definir o que estava acontecendo dentro de nós mesmos, presos numa escuridão desesperadora.
- Eu não quero me deixar envolver com você – ele murmurou, alguns segundos depois, desviando seu olhar do meu – E eu não vou.
- Ótimo – eu concordei, engolindo em seco ao fazê-lo – Nem eu.
- Ótimo – ele repetiu, encarando qualquer lugar, menos o meu rosto, e eu simplesmente me levantei devagar, sentando no banco do carona logo depois. Fiz um coque desengonçado em meu cabelo, sentindo as pontas de meus dedos frias, enquanto ele dava um jeito em sua situação com a camisinha. Pensei em recolher minhas roupas, me vestir e entrar em casa, mas o simples fato de me afastar dele novamente, agora que eu o tinha bem ao meu lado, parecia ser equivalente a me rasgar ao meio. Me parecia loucura deixá-lo ir embora tão cedo, sendo que eu o esperei por tanto tempo, e com tanta ansiedade.
- Por que você demorou pra chegar? – ouvi minha própria voz dizer num tom baixo e grave, sem qualquer emoção. , que permanecia cabisbaixo, ergueu as sobrancelhas e deu de ombros.
- Porque eu quis – ele respondeu, igualmente frio – Não pensei que você estaria me esperando.
- Eu não estava – menti, encarando o retrovisor ao meu lado, e senti seu olhar repousar sobre mim na mesma hora – Só perguntei por curiosidade.
- Mas agora eu estou aqui – ele disse, sem saber a quantidade de sentimentos conflituosos essa frase me causava - E você está... Bem, você está aí.
Um sorriso teimoso surgiu em meu rosto, apesar da frieza com a qual eu estava agindo. Eu odiava ser sensível a piadas, mesmo que as mais toscas.
- Não, eu é que estou aqui – retruquei, tentando em vão disfarçar meu sorriso - E você é que está aí.
- Hm... Então o que acha de nós dois ficarmos aí? – sugeriu, e eu nem precisei olhá-lo pra saber que ele estava sorrindo assim como eu, mesmo que timidamente, por sua frase inocentemente engraçada – Ou aqui, como você preferir.
Soltei um risinho baixo, já quase totalmente amolecida pelo jeito dele, e olhei por cima de meu ombro para o banco de trás, que me pareceu extremamente convidativo.
- Aqui me parece um bom lugar – eu disse, me esgueirando para a parte de trás do carro e finalmente encarando-o com um sorriso não mais tão divertido, e já um pouco mais pervertido – O que acha?
Ele semicerrou os olhos, fingindo pensar na idéia por um momento, e dois segundos depois, já estava sobre mim, com os lábios a poucos milímetros dos meus, sussurrando:
- É... Aqui é um ótimo lugar.
Eu sorri involuntariamente, sentindo meu corpo inteiro formigar com a proximidade dele, e deixei que ele me beijasse, apesar de ainda sentir meus lábios sensíveis. O peso de seu corpo sobre o meu acelerava meu coração de um jeito indescritível, assim como suas mãos determinadas em minha cintura pareciam ter sido feitas para estarem ali.
Envolvi seus ombros com minhas mãos, passando meus braços por seu pescoço logo depois e aprofundando o beijo. apertou minha cintura com mais força, sorrindo, e eu também sorri, enroscando meus dedos em seus cabelos e puxando-os pra trás. Ele deixou que meu puxão afastasse sua cabeça, mordendo meu lábio inferior enquanto a distância aumentava. Senti uma leve dor na região quando ele voltou a me beijar, mas nem liguei pra isso, até que um gosto fraco de sangue começou a se manifestar. Logicamente, ele também sentiu, já que partiu o beijo com a testa franzida e lançou um olhar levemente preocupado para meus lábios.
- O que houve? – ofeguei, encarando-o com o mesmo olhar, e ele ergueu as sobrancelhas num tom surpreso.
- Acho que exagerei um pouco por aqui – ele sussurrou, sorrindo de um jeito quase envergonhado – Hm... Vamos dar um jeito nisso.
voltou a aproximar nossos lábios, sorrindo agora de um jeito sedutor, e sugou meu lábio inferior devagar, fazendo a dor aumentar um pouco, mas logo cessar quase que completamente. A ponta de sua língua deslizava sobre meu pequeno ferimento, como se quisesse estancar o sangramento.
- Só não pense que eu vou pedir desculpas – ele sorriu daquele seu jeito cafajeste, afastando-se novamente para olhar como estava a situação do corte que ele mesmo havia feito – Porque eu não vou.
- Tudo bem – eu murmurei, posicionando minhas mãos em sua região lombar, fincando o pouco de unhas irregulares que me restava ali e subindo com elas por toda a extensão de suas costas, até alcançar seus ombros – Eu também não.
Sem conseguir conter um sorriso ao ver a expressão de dor e prazer dele, ergui um pouco minha cabeça para poder beijá-lo, voltando a deslizar minhas unhas por sua pele. desceu seus beijos por todo o meu colo, fazendo minha respiração quase parar tamanho foi o seu capricho, e segurou meus seios com firmeza, aproveitando-se da posição favorável na qual se encontrava.
- Até que enfim tenho tempo suficiente pra dar a devida atenção a essa parte – ele suspirou, olhando para meu busto com uma expressão desejosa, e eu soltei um risinho, agarrando seus cabelos. Ele sugou-os, fazendo movimentos circulares com a ponta da língua, e eu arqueei minhas costas para cima, sentindo o tesão se acumular em cada pedaço de mim. Sua respiração quente batia em minha pele, e ele gemia baixo de olhos fechados, concentrado em extrair o máximo de prazer daquele momento.
Satisfeito, ele continuou seu caminho até minha barriga, e só parou quando alcançou minha intimidade. me lançou um olhar quase selvagem de tão reluzente quando me tocou com sua língua, e eu imediatamente senti uma onda de calor percorrer minha espinha. Seus movimentos eram quentes e precisos, porém não tinham a menor pressa e brutalidade. Me apoiei em meus cotovelos, quase rebolando devido aos movimentos involuntários de meus músculos contraídos de prazer, e joguei a cabeça pra trás, de olhos fechados para poder senti-lo melhor. A cada segundo, ele intensificava suas carícias, me fazendo gemer cada vez mais alto até chegar ao ponto máximo. Contive um grito, mordendo sem querer a região machucada de meu lábio e me esforçando ainda mais pra não berrar, dessa vez também de dor.
Ele terminou seu serviço e distribuiu beijos lânguidos pelo interior de minhas coxas, acariciando-as com suas mãos, e eu não conseguia me mexer, anestesiada pelos toques dele. me olhou, afastando seus lábios de minhas pernas, e eu nem esperei que ele voltasse. Ergui meu tronco depressa e praticamente o ataquei, beijando-o com fúria. Ele se sentou, apoiando-se na porta atrás de si, enquanto eu me inclinava cada vez mais sobre ele. Passei minhas mãos por seus ombros e abdômen, parando em seus quadris e dedilhando suas entradas deliciosas. Ele segurava firmemente em minha cintura, correspondendo com muito mais do que avidez ao beijo, e eu segurei sua ereção com uma mão, sentindo-a mais enrijecida do que nunca. Parti o beijo contra a vontade dele e embrenhei meus dedos da mão livre nos cabelos de sua testa, levando-os para trás e fazendo-o jogar a cabeça na mesma direção, totalmente submisso. Sorri maliciosamente, mesmo sem ser vista, e passei rapidamente o dedo indicador da mesma mão por seu tronco, parando quando atingi seu umbigo e simultaneamente começando a masturbá-lo. Ele agarrou minhas coxas e jogou a cabeça para a frente, observando os movimentos rápidos de minha mão. Seus músculos se contraíam visivelmente, e as veias de seus braços estavam saltadas, o que só me deixava ainda mais louca. Tudo nele parecia me atiçar, me convidar, me atrair.
Passei a língua devagar por sua glande, fazendo pressão contra ela, e ele gemeu alto, dolorosamente excitado. Repeti esse ato algumas vezes, tendo a mesma reação dele, até que seus dedos se fecharam ao redor de meus braços, e antes que eu me desse conta, eu já estava deitada e com ele sobre mim, prestes a me penetrar.
- A camisinha, ! – exclamei, com os olhos arregalados de pânico, e ele imediatamente paralisou, retribuindo meu olhar de um jeito tão ensandecido que me fez pensar no que eu tinha feito pra deixá-lo tão fora de si. voou até sua calça, e poucos segundos depois já estava de volta, devidamente protegido. Soltei um rápido suspiro aliviado, fechando os olhos por um momento, e percebi que dessa vez ele hesitou antes de ir direto ao ponto. Olhei-o em dúvida, e logo percebi o que estava errado.
- É assim que você quer? – pude ouvi-lo arfar, com a testa fortemente franzida em sinal de máximo autocontrole, e eu involuntariamente sorri, quase comovida. Só mesmo na hora do sexo para ser gentil comigo e me perguntar se eu queria ficar por baixo. Envolvi seu pescoço com meus braços e aproximei minha boca de seu ouvido, sussurrando logo em seguida:
- Me mostre do que você é capaz.
Senti um jato forte de ar sair de seus pulmões e atingir meu pescoço em cheio, demonstrando sua rendição e me arrepiando da cabeça aos pés. Imediatamente, ele investiu, com uma força extraordinária, e eu por pouco arranquei mechas de seu cabelo, tamanha foi a força coma qual eu o agarrei. Podia senti-lo profundamente dentro de mim, sentia seu corpo quente estremecer rente ao meu, sua voz rouca gemer ao pé do meu ouvido, e a cada vez que ele se movimentava, eu sentia meu coração quase sair pela boca de tão rápido que batia. Envolvi seus quadris com minhas pernas, puxando-o pra mais perto ainda, sendo que ele já estava prestes a me rasgar por dentro, e afundou seu rosto em meu pescoço, mantendo seus lábios selados contra a minha pele na tentativa de abafar seus gemidos. Minhas mãos nunca estiveram tão indecisas como estavam naquele momento, percorrendo toda a extensão entre seus ombros e suas costas.
- Merda – ele xingou algum tempo depois, quase que num grunhido, e em seguida, chegou ao clímax. investiu mais algumas vezes em vão, soltando urros de raiva por não conseguir prolongar aquele momento, até finalmente relaxar e deixar-se cair sobre mim, respirando com dificuldade. Eu apenas encarava o teto do carro, tentando absorver o turbilhão de prazer que ele havia desencadeado em mim, extremamente impressionada.
- Me desculpe – ele sussurrou, interpretando mal minha breve paralisia, e eu imediatamente franzi a testa, horrorizada – Mas é que... Você me provoca demais, e... Eu não agüento por muito tempo.
Tudo que consegui fazer foi rir, apesar da falta de ar, e ele se afastou para me olhar, com a expressão confusa. Será que excesso de orgasmos podia causar demência?
- Eu te desculpo por ter salvado a minha vida – eu expliquei, após algum tempo de riso – Se você tivesse continuado, era bem capaz de ter me matado.
soltou um risinho aliviado, fechando os olhos de um jeito exausto, e eu continuei observando-o. Difícil resistir a uma beleza tão gritante e espontânea como a dele... Eu realmente devo ser muito cega por nunca ter notado isso antes.
Ele se levantou, tomando as devidas providências em relação ao preservativo, e vestiu sua boxer, enquanto eu colocava apenas minha camisola. Assim que o fiz, ele me puxou para si, deitando-me sobre seu peito no banco de trás, e me abraçou. O contraste entre sua respiração, já calma sob minha mão, e seu coração, levemente acelerado sob meu ouvido, estranhamente me tranqüilizou, fazendo com que minhas pálpebras pesassem cada vez mais.
- Pode dormir se quiser – ele sussurrou contra meus cabelos, notando minha moleza sobre ele – Te acordo quando começar a amanhecer, já que vou ficar acordado de qualquer maneira.
- Por que não vai dormir? – sussurrei com esforço devido ao cansaço, acariciando timidamente sua pele com meus dedos.
- Não vou conseguir – ele respondeu com um risinho discreto – Não depois de tudo isso... Ainda há muito para eu observar aqui.
Meu estômago revirou, me causando uma sensação inquietante pelas palavras dele, mas eu estava cansada demais para responder. Tudo que fiz foi sorrir de leve e deixar que o sono me ganhasse após um último suspiro.
- Boa noite, .

Capítulo 20



- ?
Senti uma mão acariciar desde meu ombro até meu pulso devagar, e abri os olhos com a mesma velocidade, acostumando minhas pupilas à pouca claridade do ambiente.
- Hm? – respondi, espreguiçando-me um pouco e abrindo os olhos de vez. A pele de , que havia servido de travesseiro para mim durante as últimas horas de sono, ocupavam metade de minha visão, enquanto a outra metade era preenchida pelo interior do carro e pelos trechos do céu que os vidros me permitiam ver. Já estava começando a amanhecer.
- Acho melhor você voltar pra sua cama – a mesma voz suave e rouca voltou a falar, enquanto seu dono me fazia um leve cafuné – E eu, pra minha.
Suspirei preguiçosamente, sentindo seu perfume invadir meus pulmões, e por um segundo, o impulso de continuar ali com ele quase foi mais forte que a vontade de voltar para a cama com .
- Não conseguiu mesmo dormir? – sussurrei, com a voz falha pelo sono, e ergui meu rosto para poder ver o dele. Fortes olheiras marcavam a região abaixo de seus olhos, respondendo à minha pergunta sem que ele precisasse dizer uma palavra.
- Digamos que você dormiu por nós dois – ele sorriu fraco, e eu fiz o mesmo, um pouco envergonhada.
- Desculpe – eu disse, sem jeito, e ele respondeu com um risinho.
- Se você tivesse roncado ou babado em mim, eu não desculparia – ele retrucou, com a expressão levemente autoritária, e logo depois voltou a sorrir – Mas você se comportou bem, então está tudo certo.
- Idiota – resmunguei, sorrindo junto, e um silêncio incômodo se instalou entre nós. Desviei meu olhar do dele, sem mover mais nenhum outro músculo, mas pude sentir que seus olhos se mantiveram fixos em mim. Respirei fundo, sentindo meu coração acelerar por alguma razão desconhecida, e me esgueirei para o banco do carona para vestir minha calcinha. fez o mesmo, mas só colocou a calça, mantendo-se sem camisa. Homens e sua injusta falta de necessidade de roupas.
- Bom... Vou entrar – murmurei, encarando minhas mãos inquietas, que brincavam com a barra de minha camisola. virou o rosto para me olhar, e eu resolvi fazer o mesmo, trêmula. Me afastar dele estava ficando cada vez mais difícil, mas eu não queria nem iria me dar por vencida.
- Tudo bem – ele respondeu, e aproximou seu rosto do meu, o suficiente para nossos lábios se encontrarem. Correspondi ao seu beijo calmo e inesperado, sentindo meu corpo arder para ir mais além, mas logo me afastei, ao contrário dele.
- Tchau, – falei perturbada, deixando-o no vácuo e abrindo a porta do carro, mas ele segurou meu braço.
- Espera – ele pediu, e eu soltei um suspiro contido, com o corpo tenso pelo nervosismo – Só me responda uma coisa... Quando posso te procurar de novo?
Fechei os olhos por alguns segundos, buscando forças para dar uma resposta repreensiva, mas enganar a mim mesma não era meu forte. Muito menos enganar .
- Você sabe onde me achar – foi tudo o que consegui dizer, abrindo pesarosamente meus olhos e encarando os dele, com esforço para não me perder ali.
Um sorriso discreto apareceu nos lábios dele, que desviou seus olhos dos meus por alguns segundos, como se imaginasse o momento em que me procuraria novamente, e depois voltou a me encarar, agora com um brilho que eu conhecia bem ardendo em suas íris.
- Você também – murmurou, finalmente soltando meu braço e me permitindo sair do carro. Fechei a porta da Ferrari com cuidado para não fazer muito barulho, e caminhei lentamente até a soleira da casa, toda encolhida devido ao vento levemente frio que soprava. Sem conseguir resistir, olhei na direção do carro e o observei dar ré e sumir pela rua, me causando uma estranha sensação de vazio. Suspirei pesadamente, passando as mãos pelo rosto num discreto ato de desespero, e entrei na casa, engolindo toda a noite passada e me preparando para olhar para novamente.
Subi as escadas cautelosamente até chegar ao quarto, onde ele ainda dormia. Sua pele parecia estar ainda mais vermelha do que da última vez que o vi, talvez pela luminosidade ainda fraca do sol e pelo contraste ainda maior que ela causava em relação aos lençóis brancos da cama. Apesar de sua respiração estar calma, mantinha a testa franzida, como se seu sono fosse leve e tenso, e batia o queixo, como se estivesse com frio. Pensei em cobri-lo, mas com certeza eu o acordaria, e a ardência de sua pele não ajudava muito a apoiar minha idéia. Mordi meu lábio inferior, morta de pena e de aflição por não poder nem tocá-lo, e o machucado causado por nesse local reagiu a essa ação com uma pontada forte e inesperada. Segurei um gemido de dor e passei a ponta da língua pelo corte, sentindo gosto de sangue. Legal, aquele não curaria tão cedo.
Fui até o banheiro da suíte para ver como estava a minha situação, e quase tive um treco. Eu estava deplorável: toda descabelada, pálida, com leves olheiras sob os olhos e com o lábio inferior um pouco inchado, bastante avermelhado na região do machucado. Balancei levemente a cabeça em sinal de negação, encarando meu próprio reflexo com uma conclusão em mente: e , dois homens maravilhosamente lindos, só podiam ser loucos por gostarem de uma garota tão feia como eu. Fato.
Fiz minha higiene matinal, aproveitando a temperatura e o silêncio agradáveis para tomar um bom banho, completamente absorta em meus pensamentos. Vesti uma calcinha branca com bolinhas coloridas e uma blusa branca de que chegava até a metade de minhas coxas, e suspirei profundamente antes de me virar na direção da cama, onde ele continuava imóvel e frágil. Seu rosto carregava os traços inocentes de uma criança, e apesar de ter acabado de sair do banho, me senti completamente podre.
Me sentei ao seu lado devagar, observando seu sono desconfortável, e não demorou muito para que minha visão ficasse embaçada e uma lágrima escorresse pelo meu rosto, descendo rapidamente até pingar na blusa. Imediatamente a enxuguei, fungando baixinho e esfregando os olhos com as costas das mãos. Se ele acordasse e me visse chorando, eu não saberia o que dizer. Ele jamais poderia me flagrar naquele estado, não sem motivo aparente. Além do mais, eu havia escolhido aquele caminho, portanto, eu deveria arcar com as conseqüências de meus próprios atos. Eu era fraca demais, incapaz de controlar minhas ações, e merecia sofrer calada por isso. Não havia perdão para o que eu estava fazendo, e muito menos pelo fato de me conformar com isso. Eu merecia passar por todo aquele sofrimento. A culpa era toda minha.
Deitei a cabeça no travesseiro, ainda encarando o perfil de , e continuei velando seu sono, até que o cansaço me venceu, auxiliado por mais algumas lágrimas silenciosas e insistentes que escaparam por meus olhos e umedeceram a fronha sob meu rosto. Quando na verdade, eu merecia me afogar nelas.

Dedos se enroscavam em meus cabelos lentamente, fazendo um carinho gostoso no topo de minha cabeça. Um sorriso tímido surgiu em meu rosto; eu podia sentir meus lábios se curvando apesar de ainda estar dormindo. Respirei fundo, apenas aproveitando o toque dos dedos quentes em minha cabeça, e abri os olhos lentamente. Tudo o que vi foi... Rosa?
- Te acordei? – um sussurro ecoou pelo quarto, me fazendo pular de susto e olhar na direção da voz. Em meio a todo o rosa que ocupava minha visão, os olhos de entraram em foco, um tanto quanto aflitos.
- Não, eu... Nossa, , como você está? – suspirei, em choque, só então me dando conta de que todo aquele rosa era nada mais, nada menos que a pele dele, contrastando vigorosamente contra o branco dos lençóis.
- Bem – ele respondeu, acompanhando meu olhar como se aquele fosse seu estado dermatológico normal - Só... Arde um pouco, e faz frio ao mesmo tempo. Chega a ser engraçado.
- Não, , não é nem um pouco engraçado – gemi baixinho, me sentando na cama – Olhe só pra você... Eu não acredito que te deixei chegar a esse ponto.
- , você não teve culpa de nada – ele negou, franzindo levemente a testa em sinal de indignação – Eu é que devia ter tomado mais cuidado. Além do mais, você não tem a obrigação de cuidar de mim.
- Claro que tenho – retruquei, encarando-o com seriedade – Não é só porque eu sou mais nova que devo me esquecer de ter responsabilidades.
- Pare de se culpar pelo meu bronzeado, senão eu levanto daqui agora mesmo e vou tomar mais sol – resmungou, me fazendo sorrir de leve alguns segundos depois. Olhei pra ele, que também sorria, só que ainda mantinha alguns traços de sua falsa expressão séria no rosto, e balancei negativamente a cabeça.
- Seu bobo – murmurei, sentindo meus olhos ameaçarem lacrimejar diante da fofura dele, mas engoli o choro e não fugi de seu olhar.
- Eu também te amo – ele riu, mostrando a língua logo depois – Agora vamos mudar de assunto, estou me sentindo um paciente terminal desse jeito.
- Desculpe por me preocupar com você – brinquei, fingindo desprezo – Não tenho culpa por ter calafrios só de te ver rosa desse jeito.
- Ah, vai dizer que eu não estou sexy assim, todo fogoso? – brincou, fazendo cara de gigolô, e eu por pouco não dei um tapa em seu braço, acostumada a demonstrar minhas reações às suas piadas com uma certa violência.
Assim que nosso riso cessou, um sorriso permaneceu em meu rosto, sem que eu me desse conta disso. me imitou involuntariamente, me fazendo alargar ainda mais meu sorriso, e logo eu já estava sorrindo abertamente, como se não houvesse motivos no mundo para derrubar uma lágrima sequer. Ele acariciou minhas bochechas sutilmente, e logo depois eu aproximei meu rosto do seu, dando-lhe um leve selinho, que sem querer se transformou num beijo mais intenso.
- Ai, desculpa! – implorei, quando a pele extremamente quente de seu peito entrou em contato com a palma de minha mão por uma fração de segundo, fazendo-o contrair os músculos da região em sinal de dor – Tá ardendo muito?
- Não, tudo bem, já... Já passou – ele gaguejou, com os olhos fechados enquanto a marca amarelada de minha mão em seu peito tornava-se gradativamente vermelha de novo. voltou a me olhar, com a expressão ainda levemente sofrida, e eu mordi meu lábio inferior, esquecendo-me novamente de meu machucado nesse local. Dessa vez, não consegui conter um gemido de dor, o que o fez notar o corte e olhar com certo interesse para ele.
- Acho que também peguei sol demais – expliquei, com cuidado para não tropeçar nas palavras devido ao nervosismo – Minha boca tá toda rachada.
- Hm – ele respondeu vagamente, e eu senti a tensão se transformar em alívio dentro de mim – Eu ia sugerir que você aproveitasse mais algumas horas de praia antes de irmos, mas parece que não sou o único querendo distância de sol por aqui.
- É – concordei, dando um sorrisinho sem graça. Não tinha conseguido ficar muito bronzeada nem com o dia anterior de sol, o que eu sabia que não conseguiria reverter em poucas horas, e além do mais, eu não queria deixar sozinho no quarto, muito menos ficar sozinha na praia. Por mais estranho que isso possa parecer, me distraía de todos os maus pensamentos e aflições que percorriam minha mente, e sem ele, eu provavelmente teria uma síncope. Como isso não estava nos meus planos - pelo menos não enquanto eu não estivesse na minha casa, mais especificamente no meu quarto -, preferi não aceitar a sugestão dele.
- Então o que acha de comermos alguma coisa e voltarmos pra casa? – ele perguntou, entortando a boca em sinal de reflexão. Imitei sua expressão e olhei para o relógio ao lado da cama: meio dia e quarenta e um. Foi então que uma espécie de terremoto tremeu tudo dentro de mim, e eu tive uma grande descoberta: estava terrivelmente faminta.
- Eu acho uma ótima idéia – respondi, assentindo devagar pra ele, que riu de meu olhar sonhador.
- A gente bem que podia comer aquela lasanha instantânea enorme que tá no congelador, né? – sorriu, adotando o mesmo olhar de criança que eu ao falar.
Não precisei nem responder, apenas sorri de um jeito guloso e corri para a cozinha, ouvindo as gargalhadas de cada vez mais distantes. Preparei a lasanha (que era realmente enorme e parecia ter uma vinte camadas) o mais rápido que pude, e sem nem me preocupar em parti-la ao meio, levei-a para o quarto. Devoramos quase todo aquele monte de queijo e massa, rindo de nossa própria gula e drenando todo o suco de uva que eu havia levado para o quarto. Só nos demos por satisfeitos quando já era uma e vinte e sete.
- Isso é que é vida - suspirou de olhos fechados, recostando-se na parede atrás da cama e com as duas mãos cobrindo cuidadosamente sua barriga avermelhada e inchada pelo excesso de comida. Soltei uma risada meio retardada diante da expressão zen dele, o que me deixou na dúvida sobre se o que tínhamos bebido era suco de uva ou vinho.
- Queria poder morar aqui - comentei, após minha breve crise de riso, e encarei o céu azul e limpo que a janela me permitia ver - É realmente um lugar maravilhoso.
- Não sei por que o não se muda de vez pra cá - disse, olhando vagamente na mesma direção que eu, e assim que ouvi o nome de , meu estômago revirou perigosamente - Quer dizer, o pai dele é podre de rico, e ele, por ser filho único, também é... Pra que trabalhar naquela espelunca de escola quando se pode viver tranqüilamente num lugar como este? Eu juro que tento, mas já desisti de entender o que o prende naquela cidade.
Franzi levemente a testa após ouvir as palavras dele, com os pensamentos subitamente a mil. Então o pai dele era rico mesmo, como já havia me dito antes? Como ele teria enriquecido tanto a ponto de poder dar ao filho tamanho conforto financeiro? E já que tinha tanto dinheiro, por que insistia em morar em Londres, enquanto tinha aquela casa perfeita só para si? O que o prendia àquele apartamento, e o mais intrigante ainda, àquele colégio? Pegar aluninhas era tão importante assim na vida dele?
Omiti um sorrisinho ao imaginá-lo vivendo naquela casa. Por alguma razão, visualizá-lo morando ali me ajudou a entender a razão pela qual ele não o fazia: a solidão. era exatamente o tipo de pessoa que gostava de viver no meio de gente (em especial mulheres), em meio aos barulhos da cidade, onde ele sabia que sempre havia outras pessoas circulando... Ele precisava constantemente de companhia. E isso era uma das poucas coisas que um lugar como aquele não poderia oferecer.
- Desculpe por ter falado dele... Às vezes, eu me esqueço de que vocês não se dão muito bem - murmurou, virando-se pra mim com um olhar culpado e me puxando de volta à realidade - Foi sem querer.
- Tudo bem - sorri fraco, engolindo todos os pensamentos sobre com certa dificuldade e voltando a focá-los em .
Ficamos mais algum tempo naquele estado de preguiça pós-almoço, até que eu tomei coragem e levei a louça para a cozinha, lavando-a rapidamente e retornando ao quarto logo em seguida. Assim que voltei, dei de cara com tentando se levantar, totalmente em vão.
- Ei! - exclamei, correndo até ele ao vê-lo cair sentado novamente na cama com uma expressão de dor - Você é doido? Não vai conseguir se levantar sozinho!
- Claro que consigo... Só preciso me esforçar mais - ele disse, com a voz baixa, e agora que estava mais perto, pude ver que seus joelhos haviam adquirido uma tonalidade vermelho berrante devido ao seu esforço para ficar de pé.
- Quantas vezes você tentou se levantar? - perguntei, arrepiada só de pensar no quanto aquilo devia estar ardendo.
- Algumas - ele respondeu, erguendo o rosto pra me olhar e respirando fundo, mas assim que viu meu rosto se fechar numa expressão brava, logo corrigiu - Calma, foram poucas!
- E agora, ? – indaguei, esfregando o rosto com as mãos e encarando-o reflexivamente em seguida – Se você mal consegue se manter de pé, como vai dirigir por duas horas até voltar pra casa?
- Eu já disse que estou bem! – ele exclamou, irritado – Só preciso treinar mais um pouco, confie em mim!
- Não seja idiota - falei, séria, após respirar fundo junto com ele, numa tentativa de esfriar os ânimos e pensar claramente - Eu não vou deixar você ficar se esforçando dessa maneira, e ainda por cima, pra nada. Nós dois sabemos que não adianta treinar porcaria nenhuma, ficar tentando se levantar só vai piorar as coisas. Temos que arranjar um jeito de ir embora que não envolva você na direção de um carro.
- Eu sei que você está certa, mas a questão é que não temos outro jeito - suspirou, derrotado, e eu me mantive séria – A não ser que você conheça alguém que possa e queira vir nos buscar.
Na hora, uma pessoa apareceu em minha mente, que serviria exatamente para aquela tarefa, mas juntei o pouco de juízo que me restava e preferi não opinar. Pena que teve a mesma idéia que eu, e ao contrário de mim, pareceu achar a opção aceitável.
- Se bem que... Tem o .
Engoli em seco, rezando pra que ele desistisse daquela idéia, ou pra que outra pessoa viesse em nossas cabeças e pudesse substituí-lo. Droga, seria tão difícil assim arranjar alguém que não fosse um poço de luxúria pra nos dar uma carona? Além do mais, ele ficaria no mínimo louco de raiva por ter que voltar ao lugar de onde havia acabado de sair, o que não seria algo exatamente bom, tanto para nós como para ele. A simples idéia de ter que interagir com um irritado me dava uma pontada de medo.
- O ? – balbuciei, tentando não demonstrar minha resistência àquela sugestão e buscando desesperadamente um bom empecilho – Mas... E o seu carro, como fica? Se ele aceitar vir nos buscar, terá que vir com o carro dele, ou seja, um dos dois vai ficar sobrando... Não daria muito certo.
Segurei uma risada maléfica diante de minha brilhante escapatória, mas o ar ainda tranqüilo de ao me responder não me permitiu continuar tão alegre.
- Ah, quanto a isso não precisamos nos preocupar – ele deu de ombros pesarosamente – Quando o empregado vier arrumar a casa amanhã, ele mesmo leva o carro do de volta pra Londres. Além do mais, o tem dois carros, fora a moto, não vai sentir tanta falta de um deles se tiver que deixá-lo aqui por alguns dias.
- Ah... Entendi – foi tudo que consegui dizer, totalmente desmoralizada pela resposta de . O dinheiro é uma merda, especialmente quando pertence às pessoas erradas. E que engraçado, ele sempre pertencia às pessoas erradas!
- Então... Acho que ele é nossa única saída – murmurou, extremamente sem graça pelo desânimo em meu rosto, e eu apenas suspirei, sem outra solução para nosso problema. Era só me controlar, só isso... Duas horas dentro de um carro com e ? Tsc, moleza, fala sério.
pegou o celular que estava na cama e ligou para o amigo, sob meu olhar disfarçadamente apreensivo. Conforme ele conversava com , eu tentava deduzir sua resposta, e ao mesmo tempo, inevitavelmente imaginava como ele estaria respondendo. Com sono, sem dúvida. E mal-humorado, talvez? É, grandes chances de mau humor.
- Erm, é... Obrigado, cara... E desculpa mais uma vez – agradeceu pouco antes de desligar, sem graça, e assim que o fez, olhou pra mim com a expressão tristonha – Ele tá vindo... Só espero que não durma pelo caminho, porque até eu fiquei com sono só de ouvir a voz dele.
- Hm – murmurei, engolindo a sincera pena que senti dele, junto com a vontade de falar um palavrão dos bem cabeludos. Agora era oficial: eu estava ferrada. Muito ferrada.
Arrumei nossas coisas dentro das mochilas rapidamente, me vesti, e ficamos esperando o tempo passar, vendo um pouco de TV e conversando menos ainda. Um silêncio estranho caiu sobre nós, mas eu não me incomodei com ele. Confesso que a lembrança de que estava a caminho quase me fez subir pelas paredes de nervosismo em alguns momentos, mas sempre que eu estava prestes a fazê-lo, iniciava timidamente algum assunto e eu me recompunha.
Quando o que me pareceu o milésimo seriado de TV estava acabando, um fraco ruído de motor ecoou do lado de fora da casa, me fazendo prender a respiração. De repente, passar o resto da vida dentro daquele quarto me pareceu uma opção muito mais fácil do que sair dele e ter que encarar outra vez. Um frio com o qual eu já estava relativamente acostumada dominou meu interior, me deixando levemente ofegante, mas eu respirei fundo e simplesmente o ignorei. Ou pelo menos tentei.
- Acho que ele chegou – falei, sem nem pensar, e , que também parecia ter notado o barulho do lado de fora, pediu:
- Vai lá dar uma olhada, por favor?
Me esgueirei até a janela, sentindo meu coração revirar a cada passo, e assim que o carro de entrou em meu campo de visão, vi também a moto amarela e linda de (e obviamente, seu dono sobre ela). Ele desceu da moto, com óculos escuros que o deixavam simplesmente irresistível, um casaco de moletom branco que, mesmo sendo de um tecido relativamente grosso, não conseguia disfarçar sua forma física impecável, e uma calça jeans clara. Nem preciso mencionar os tênis extremamente brancos e perfeitos e o cabelo desajeitado pelo vento de um jeito extremamente sedutor, certo?
- É, ele... Ele chegou – falei, com muito esforço pra respirar, e só desgrudei meus olhos dele quando não era mais possível vê-lo pela janela. Pude ouvi-lo abrir a porta no andar de baixo e subir as escadas, arrastando os pés a cada degrau, como se aquilo lhe custasse a vida. entrou no quarto, colocando os óculos escuros na gola da camiseta, e a única coisa que fez foi olhar para e arregalar levemente seus olhos cansados.
- Caralho, ... Que cagada.
- É, eu sei – resmungou, encarando o amigo com um olhar envergonhado. Não sei por que, mas senti uma vontade enorme de gargalhar. Como tenho amor à minha vida (pode até não parecer em alguns momentos, mas eu juro que tenho), me contentei em continuar quieta, interpretando parte da mobília do quarto.
- Bom... Vamos? - perguntou, parecendo segurar o riso assim como eu, e me lançou um rápido olhar divertido. Foi impossível não sorrir de volta, mesmo que discretamente, e uma incrível vontade de abraçá-lo e sentir a textura macia de seu casaco surgiu em minha mente.
- Claro, eu só preciso de ajuda pra me levantar – apressou-se em responder, me lançando um olhar embaraçado. Entendendo o recado, assenti depressa, com medo de ter viajado demais nos caminhos sinuosos do olhar de , e caminhei até a cama para ajudá-lo a ficar de pé. Estendi uma mão para que ele se apoiasse, e quando fui oferecer a outra, a mão de substituiu o vazio, e sua presença inesperadamente próxima me arrepiou da cabeça aos pés.
- Se você pretende mesmo levantar, acho melhor se apoiar em alguém forte de verdade – explicou, quando o olhou surpreso, e por mais incrível que isso possa parecer, não identifiquei nenhum rastro de provocação implícita em sua voz. Tentei engolir uma resposta diante da surpreendente educação dele, mas a vontade de retrucar foi mais forte do que eu.
- Eu sou forte de verdade – murmurei, mais pra mim mesma do que para ele, tentando abafar meu leve incômodo com seu comentário, que até então, me parecia benigno. O problema era que, por mais que eu realmente achasse que conseguiria ajudá-lo a se levantar com mais habilidade do que eu, meu humor sempre ficava um pouco fora dos eixos diante da presença dele, pendendo pra uma certa rispidez desnecessária.
- , calma – pediu baixinho, me encarando por um momento com o olhar levemente repreensivo, e logo e seguida ficando de pé, graças ao apoio de nossas mãos. passou cuidadosamente um dos braços do amigo por cima de seus ombros (e se eu não estiver ficando doida de vez, pude jurar ter visto um sorrisinho esperto desenhar seus lábios) e eu fiz o mesmo do outro lado, diminuindo o peso em suas pernas. Descemos as escadas devagar, poupando de quase todo o contato entre seus pés e o chão – como eu previa, foi muito mais habilidoso nessa parte do que eu, mesmo carregando também nossas mochilas, graças a sua massa muscular muito mais desenvolvida que a minha -, e rapidamente o colocamos no banco traseiro de seu carro. Quando estava prestes a me sentar ao lado dele, , que até então guardava nossas coisas no porta-malas, surgiu bem ao meu lado e interferiu:
- , é melhor você ir na frente. Ele vai precisar de bastante espaço.
Olhei pra , sem saber ao certo como reagir, e como não demonstrou resistência, e até pareceu concordar com ele, fui para o banco do carona. Assim que coloquei o cinto de segurança e vi sentar-se em seu banco, bem ao meu lado, soube que aquela viagem seria perigosa. Inspirei fundo, esperando que o oxigênio me trouxesse algum conforto logo, mas foi simplesmente inútil. O perfume dele entrou com tudo em meus pulmões, devido à nossa proximidade, e eu rapidamente expirei, como se aquilo fosse me ajudar em alguma coisa.
ajeitou-se rapidamente e não demorou muito para que já estivéssemos fazendo o caminho de volta a Londres. Passamos boa parte da viagem em silêncio, sem sentir muita necessidade de falar, e quando havia diálogo, era porque havia puxado algum assunto comigo. Minhas respostas eram monossilábicas, e apesar do clima calmo dentro do carro, meu nervosismo era quase nítido: minhas mãos suavam frio, agarradas uma à outra, meus olhos mantinham-se firmes no horizonte e meu coração batia absurdamente acelerado pelo risco que eu corria estando num lugar tão pequeno com os dois. E como se tudo isso não bastasse, o fato de estar extremamente tranqüilo, contrariando totalmente o que eu esperava encontrar, me pegou desprevenida e me deixou atordoada. Ele quase parecia uma pessoa normal naquele momento, dirigindo sem pressa, fora a aura de beleza que sempre o envolvia e o destacava dentre os demais mortais. O que será que ele havia fumado pra ficar daquele jeito?
- Meu Deus, que dor de cabeça – sussurrou, deitado no banco de trás e com uma das mãos sobre a testa. Olhei para ele, que estava de olhos fechados em sinal de sofrimento, e ouvi dizer, sem tirar os olhos da estrada:
- Eu tenho uma cartela de analgésicos na carteira, se você quiser.
abriu os olhos e sorriu de leve, aliviado.
- Você quase me mata de tesão quando diz exatamente o que eu quero ouvir, – ele respondeu, e eu não consegui conter um sorriso.
- Pois da próxima vez, espero que você morra pra que eu não te imagine tendo uma ereção por minha causa – retrucou, fingindo nojo em sua expressão e também sorrindo um pouco enquanto tirava a carteira do bolso traseiro da calça com certa agilidade – , dá um comprimido pra ele.
Fiz o que ele pediu, tentando disfarçar a leve tremedeira de minhas mãos devido à enorme relação de familiaridade entre eu e aquela carteira, e felizmente consegui passar despercebida. logo engoliu o comprimido, agradecido, e voltou a fechar os olhos, esperando-o fazer efeito.
Comecei a fazer tímidos desenhos abstratos sobre minha coxa, coberta pela calça jeans, apenas contando os segundos para me livrar daquela enrascada e poder respirar tranquilamente pela primeira vez em três dias. O caminho parecia muito mais longo e torturante agora em comparação à ida, e o por que disso era mais do que óbvio. E o que mais me agoniava era o jeito inesperadamente calmo de , fazendo duas possibilidades disputarem espaço em minha mente: ou algo estava muito certo, o que não ajudou em nada a me acalmar, porque o certo de não era nada confiável; ou algo estava muito errado. Confesso que a segunda opção me causou leves calafrios, porque sempre que algo errado envolvia sorrisinhos sem motivo aparente dele, era praticamente certeza de que eu também estava envolvida. E particularmente, eu ainda não estava totalmente pronta para saber se gostava de participar de seus erros.
Resumindo: tomara que a primeira opção seja a correta, seja lá o que ela for.
OK. Ou talvez não.
Uns vinte minutos de silêncio ficaram para trás durante minha pequena reflexão, até que um barulho curioso foi crescendo aos poucos no interior do carro e me fez voltar à realidade. Franzi a testa ao perceber que ele vinha do banco de trás, e quando olhei na direção do som, minha respiração parou. O barulho era o ronco de , que dormia feito pedra, de boca aberta e babando no estofado do próprio carro.
O que significava que eu estava praticamente sozinha com .
? Amor da minha vida? Que tal deixar a sonequinha pra mais tarde?
Voltei a olhar pra frente, engolindo em seco, e mantive meus olhos fixos no céu já escuro à minha frente. Sentia meu coração se contorcer em agonia a cada batimento, e cada segundo a mais de silêncio da parte de era comemorado como um segundo a menos de perigo.
Pena que minha felicidade costuma durar pouco. E ela já estava durando demais, eu sabia disso.
- Vai ficar na casa dele? – perguntou, naquele seu tom subitamente hippie, e eu quase pulei de susto ao ouvir sua voz, apesar de seu volume razoavelmente baixo. Sem conseguir compreender direito a pergunta, sob pressão demais para organizar as palavras em minha mente, apenas olhei rapidamente para ele, e pude notar que um sorrisinho surgiu em seu rosto.
- Vou – murmurei, quando finalmente consegui recuperar a razão. Será que eu estava finalmente conseguindo ter uma conversa digna com ou eu estou prestes a acordar?
- Ah... – ele disse, erguendo as sobrancelhas em tom de lamentação - Que pena.
Franzi a testa, sem entender sua resposta, e voltei a olhar para ele. Assim que o fiz, ele devolveu meu olhar, e imediatamente suas íris me transmitiram uma overdose de malícia, a qual eu não estava exatamente pronta para receber. O choque pela mudança brusca de atitude de me deixou paralisada por alguns segundos, mas nada que me impedisse de ouvir o fim de sua frase.
- A Ferrari já está com saudades de você.
Senti meus pulmões virarem aço dentro de meu peito, porque além de parecerem momentaneamente impossibilitados de respirar, seu tamanho pareceu quadruplicar, esmagando meu coração e tornando suas batidas absurdamente intensas.
- Do... Do que você... Tá falando? – gaguejei, num sopro de voz, e ele apenas aumentou seu sorriso, voltando a encarar a estrada. Tentei respirar, sentindo meu cérebro pedir por ar, mas o progresso que consegui foi quase nulo. Quando me preparava para tentar novamente, ainda com os olhos presos no local onde antes estavam os dele, senti sua mão explorar a parte superior de minha coxa, acariciando-a com uma certa pressão e somente parando quando a distância entre ela e minha virilha era quase insignificante. Quando atingiu seu objetivo, ele aumentou a intensidade de sua pressão, e imediatamente meu corpo inteiro se arrepiou. A lembrança de seus toques veio à tona, me desnorteando completamente e deixando minha visão levemente turva.
- Acho que já tem sua resposta – disse, colocando todo o seu charme na voz, e novamente me olhou daquele jeito libidinoso – Ou ainda não é o suficiente?
Ele fez menção de mover sua mão numa direção não muito recomendada, e eu agarrei seu pulso com as duas mãos na mesma hora, em desespero. Meus dedos gelados tremiam escandalosamente contra sua pele quente, mas eu não o deixaria vencer meu autocontrole. Não naquele momento, não naquele lugar.
- Por favor... – ofeguei, fechando os olhos por um momento e buscando a firmeza necessária para tornar minha voz um pouco mais audível – Pare com isso.
- Parar com o quê? – sussurrou, como se estivéssemos brincando de esconde-esconde e não pudéssemos ser ouvidos, e seu sorriso passou a demonstrar também uma leve diversão – Com isso?
Assim que pronunciou a última palavra, ele voltou a pressionar a parte interna de minha coxa, e eu novamente senti a onda de arrepios percorrer minha espinha. Meu aperto em seu pulso intensificou-se involuntariamente, transmitindo minha reação a ele e fazendo seu sorrisinho só aumentar, tornando-se até um baixo riso.
- Incrível como você está demorando a perder a graça – ele falou, com os olhos maliciosos pairando em direção à estrada – A cada dia, se torna ainda mais divertida, como um perigoso brinquedo que se renova constantemente... E se torna cada vez mais excitante.
Dessa vez, me recuperei mais rapidamente da provocação dele, bem a tempo de assimilar com o que ele estava me comparando.
Um brinquedo? Então era essa a imagem que ele tinha de mim? Um simples objeto, que ele podia subordinar às suas vontades quando bem entendesse?
Em que porra de mundo aquele merda vivia pra se sentir no direito de me dizer algo como aquilo?
Uma raiva incontrolável começou a borbulhar em meu estômago, me fazendo pensar que voaria nele a qualquer momento e o mutilaria até que alguém conseguisse me parar. Respirei fundo, ainda sentindo minhas mãos tremerem, mas agora por outro motivo, e então a raiva atingiu em cheio minha garganta, escalando-a e queimando-a com tamanha fúria que minha voz parecia um rosnado quando as palavras irromperam de minha boca.
- Tire a sua mão imunda de mim. Agora.
virou o rosto para me encarar, com a expressão repentinamente séria. Ao encontrar meu olhar enraivecido, ele franziu a testa de leve, num misto de confusão e surpresa. Extremamente incomodada com seu insistente contato físico, eu voltei a falar, só que agora com o triplo de firmeza:
- Me solta, .
Ele parecia ter sido pego totalmente de surpresa pela minha reação negativa, e seus olhos não conseguiam se desgrudar dos meus, como se buscasse alguma explicação neles. Mas tudo que conseguia ver era o enorme nojo que eu sentia, e todos os velhos sentimentos que eu nutria por ele antes de toda aquela loucura começar. Apesar de ainda carregar uma enorme confusão em seus traços, ele pareceu entender o recado e finalmente me soltou, permitindo que minha respiração normalizasse. E então, tudo aconteceu muito rápido.
Uma buzina soou, vinda de trás de nosso carro, nos lembrando de que ainda estávamos na estrada. Alarmados, viramos o rosto bruscamente pra frente, e demos de cara com outro carro parado a menos de dois metros de nós. pisou no freio na mesma hora, com os olhos arregalados, e só Deus sabe como conseguiu fazer com que parássemos sem causar danos a nenhum dos automóveis.
Devido à parada brusca, fui impulsionada para frente, quase sendo enforcada pelo cinto de segurança, assim como . Ao mesmo tempo, um baque surdo e um quase grito de dor vieram do banco de trás, e eu nem precisei olhar para saber o que havia acontecido.
- ! – exclamei, assim que meu corpo voltou à posição normal com um movimento nada delicado, e me virei em sua direção. Ele havia caído no chão do carro, e procurava apoio desesperadamente nos bancos ao seu lado para voltar para cima, ainda soltando gemidos doloridos.
- , tá tudo bem com você? Meu Deus do céu, , o que diabos foi isso? – ele disparou, em desespero, enquanto eu o ajudava como podia a deitar-se novamente, e me concentrava em não olhar para outra direção que não fosse o banco traseiro do carro.
- Desculpa, eu... Me distraí – murmurou, ainda encarando com certo espanto o veículo à nossa frente, cujo motorista agora empurrava para o acostamento devido a um defeito. Engoli em seco, tentando acalmar meu coração descompassado, e assim que já estava em seu devido lugar, retornei à minha posição correta.
Levei alguns minutos para recuperar o fôlego e acalmar minhas mãos trêmulas, e para acelerar o processo, abaixei o vidro do carro, apesar do leve frio que fazia, deixando que o vento gelado invadisse meus pulmões com maior facilidade. Durante todo o caminho, se manteve acordado, porém assustado demais para falar, e com não foi diferente. Eu ainda sentia minha garganta fechada devido ao grito que prendi na hora da quase colisão, e não pretendia forçá-la tão cedo, ainda mais diante da presença de , com quem já não mais valia a pena falar. Até a leve proximidade de nossos corpos passou a me incomodar, me sufocar, como se houvessem mãos invisíveis me esganando.
Chegamos com certa rapidez a Londres, fato que me aliviou profundamente. Mais depressa ainda, devido ao trânsito calmo, o prédio de tornou-se visível, e em menos de cinco minutos, o carro já estava estacionado na frente do edifício. desligou o automóvel, afundando-nos num silêncio ainda maior, e foi o primeiro a quebrá-lo:
- Erm, ... Muito obrigado mesmo pela ajuda. Desculpe ter te incomodado.
balançou a cabeça levemente em negação, e seus olhos mantiveram-se perdidos pelo painel do carro. Sem conseguir olhar para nenhum dos dois, continuei fitando minha calça jeans, até que saiu do carro e seguiu em direção ao porta-malas para pegar nossas mochilas. Fiz o mesmo, sentindo meu estômago afundar, e ajudei a se levantar, logo depois sendo auxiliada por . Fomos em silêncio até seu apartamento, passando por um Andy chocado ao ver o estado de , e só o soltamos quando ele já estava sentado em sua cama.
- , você pode acompanhar o até a porta, por favor? – murmurou sem jeito, com um sorrisinho fraco, e antes que eu pudesse pensar numa resposta, se pronunciou:
- Não precisa, . Eu conheço o caminho.
- Hm... Bom, boa noite então – não insistiu, sorrindo sinceramente agradecido e levemente preocupado com o amigo, o que só fez meu estômago afundar mais ainda em sinal de desânimo – Te vejo amanhã... Eu acho.
- Se cuida – murmurou, erguendo rapidamente um dos cantos de sua boca numa tentativa frustrada de sorrir, e nem sequer me olhou antes de ir embora. Fiquei paralisada por alguns segundos, e somente quando a porta do apartamento bateu, indicando que ele havia realmente partido, meu coração revirou dentro do peito, devolvendo-me a consciência. Ou pelo menos parte dela.
- Eu vou... Trancar a porta e... Eu já volto – gaguejei, sem conseguir organizar as idéias em minha mente e sentindo minha garganta arranhar a cada palavra. A única coisa da qual eu tinha certeza absoluta era de que precisava ficar pelo menos cinco minutos sozinha, caso contrário seria capaz de morrer asfixiada. apenas assentiu, ajeitando-se melhor em sua cama, e eu praticamente corri até a entrada do apartamento. Girei a chave, que ainda balançava devido ao movimento de para fechar a porta, na fechadura, ouvindo a tranca mover-se discretamente, e apoiei minhas costas contra a madeira, sentindo minhas pernas tremerem perigosamente.
Abaixei a cabeça num ato derrotado, sendo tomada por pontadas fortes de dor no peito. Sem conseguir entender por que meus olhos estavam se enchendo d’água naquela velocidade monstruosa, desisti de lutar contra a fraqueza súbita de meus joelhos, deixando-os ceder ao meu peso e me derrubar sentada no chão. Enterrei meu rosto discretamente molhado por duas tímidas lágrimas e, por mais que estivesse tentando evitar, minha vontade de chorar só aumentava. Era inútil nadar contra a correnteza. Assim como era inútil fingir que eu não tinha me deixado envolver por , nem ao menos por um segundo... Seu cheiro, sua pele, seu calor, seu gosto, seu toque, tudo me convidava, me chamava, me envolvia, como um vício, uma praga, uma maldição.
Saber que ele pensava em mim daquela forma tão suja, tão superficial, como se eu fosse um simples brinquedo, foi um golpe duro, e mais dura ainda foi a consciência de que eu jamais poderia esperar mais do que isso dele. Mas, mesmo sabendo disso, eu não cumpri minha parte no trato. Eu me iludi, me deixei levar por sensações supérfluas, momentâneas, e que agora já não bastavam mais para mim. Eu precisava de alguém que realmente me amasse como me amava, mas que também pudesse me dar o que só era capaz de me dar. E apesar de me sentir certa em relação ao que havia feito com , era inegável que meu corpo já dava sinais claros de que sentia falta dele.
Mesmo sabendo que eu estava com a razão, tudo o que eu queria fazer era passar o resto da noite esperando inutilmente pelo momento em que ele voltaria, e eu poderia dizer tudo que estava entalado em minha garganta, mesmo que as palavras não fizessem sentido... Tudo o que eu queria era poder mostrar a ele o quão importante ele havia se tornado em minha vida, por mais errada que tivesse sido sua passagem por ela. E que, apesar de tudo, algo me dizia que ele não podia ficar longe de mim... Que eu não o queria longe de mim.
Mas esse momento não aconteceria, eu tinha plena consciência disso. Ele provavelmente já estaria dentro de um táxi naquele exato momento, voltando para sua enorme e deserta casa, e assim que chegasse, enterraria seu corpo sob o largo e grosso edredom de sua igualmente vasta cama... E igualmente vazia.
Visualizá-lo sozinho naquele apartamento provocou uma fisgada insuportavelmente intensa em meu peito, e eu contive um gemido de dor. Respirei fundo, reunindo todas as forças que aquele fim de semana ainda havia me deixado, e focalizei meus pensamentos em uma única coisa. .
Ele sim me merecia. Ele sim me amava. Ele sim faria qualquer coisa por mim, eu sabia disso. E, no entanto, não era por ele que eu chorava. Só então eu percebi o quão injustas e traidoras minhas lágrimas eram, passando a queimar meus olhos conforme caíam, e trazendo consigo a pergunta que eu daria a vida para poder responder.
Por que eu insistia em seguir o caminho errado?
Aproveitando-me de um momento de lucidez, ergui meu rosto e engoli o choro, respirando profundamente. Enxuguei minhas lágrimas com as costas de minhas mãos trêmulas, e reunindo os pedaços de mim que ainda restavam, me levantei devagar. Meu caráter podia estar completamente destruído, mas ainda havia alguém por quem valia a pena sorrir. E agora que eu já havia me desfeito de uma de minhas metades, só o que me restava era cuidar da outra, que, naquele momento, precisava de mim mais do que nunca.
Mas talvez não tanto quanto eu precisava dela.

Capítulo 21



- Eu não acredito! É você mesmo? Já faz tanto tempo que não te vejo que já estava esquecendo seu rosto!
Respirei fundo ao ver estender os braços em minha direção, com um sorriso divertido, e não pude deixar de rir, mesmo que pouco, de sua recepção exagerada. Ao vê-la depois de dois dias tão turbulentos e completamente distantes de minha realidade, me dei conta de que minha vida tinha, de certa forma, voltado ao normal: eu tinha uma mãe que me amava, uma melhor amiga que me apoiava em praticamente tudo, e um namorado simplesmente fascinado por mim. A cada passo meu que ecoava pelo frio pátio do colégio, uma simples pergunta se intensificava em minha mente, tornando-se quase impossível de ser ignorada. Mas não de ser respondida.
O que mais eu poderia querer?
- Que saudade – foi tudo que consegui dizer quando cheguei perto dela, abraçando-a com força. A sensação de poder contar com alguém que provavelmente não me mataria se descobrisse meus segredos, e inclusive já sabia de uma boa parte deles, era extremamente revigorante.
- Hm, não gostei desse seu tom de voz – ela murmurou, ainda me abraçando, e eu sorri fraco, comprovando minha teoria de que estava pra nascer uma pessoa que me conhecesse tão bem como ela – Acho bom a senhorita me contar tudinho, ouviu? E a propósito, cadê o ?
- Ele não vem hoje – respondi, e ela desfez o abraço pra poder me ver, com a expressão confusa – Está no hospital.
arregalou os olhos, assustada, e meu rosto adotou traços pesarosos.
- ... O que raios você fez com ele? – ela sussurrou, e se eu não estivesse tão esquisita, teria rolado de rir. Mas apenas sorri fraco novamente e balancei a cabeça em negação.
- Calma, não é nada do que você tá pensando – expliquei, e ela colocou a mão sobre o peito, um pouco mais aliviada – Ele tomou sol demais e acho que está com um princípio de insolação. Tive que insistir muito com ele hoje de manhã pra que ele concordasse em ir ao médico e ignorasse o fato de que tinha que dar aulas.
Sim, eu finalmente o tinha convencido a ir ao hospital, depois de um certo esforço. Antes de ir para a escola, ajudei a vestir uma blusa e uma bermuda, e o coloquei dentro de um táxi, já que dirigir seria um pouco difícil pra ele. Como não podia acompanhá-lo, por medo de sermos flagrados juntos, pedi ao motorista do táxi que o ajudasse a se locomover e o esperasse durante seu atendimento (óbvio que tive que gastar um pouco de minha mesada nessa transação, mas não deixei que visse essa parte), e pedi também para que o sempre simpático porteiro, Andy, o ajudasse a subir até seu apartamento na volta. Mesmo sabendo que tudo ficaria bem, um certo aperto em meu peito por não poder estar com ele insistia em me deixar deprimida. Pelo menos fiz prometer que me ligaria assim que chegasse em casa, o que de certa forma me tranqüilizava um pouco.
- Coitadinho – lamentou, fazendo cara de pena, e eu assenti – Mas não se preocupe, vai ver que ele melhorará rapidinho. E você, não tomou sol não? Tá parecendo uma zumbi, credo.
- Tomei sim, tá legal? Você sabe que meu bronzeado não dura, e quando dura, é pra ficar descascando logo depois – resmunguei ofendida, cruzando meus braços e fazendo rir – Então eu prefiro que ele não dure mesmo.
- Sei sim, você é toda problemática – ela assentiu, ainda rindo um pouco, mas logo sua expressão se tornou séria e sua voz diminuiu de volume – Ih, falando em problema...
Franzi a testa em sinal de dúvida, mas assim que percebi a fixação do olhar de em direção a algo atrás de mim, já soube do que se tratava. Nem me dei ao trabalho de virar para saber quem havia acabado de chegar. Três segundos depois, passou bem ao nosso lado, e seu perfume adentrou minhas narinas, assim como meus olhos se fixaram inconscientemente em seus cabelos bagunçados, sua nuca e...
Puta merda, . Precisava ter vindo de preto? Justo de preto? Por que ele tinha que jogar tão na minha cara que tinha um corpo simplesmente perfeito? Argh, vai pro inferno, demônio.
- Problema? – gaguejei, desviando meus olhos involuntariamente grudados ao corpo de (mais especificamente, à sua bunda ressaltada pela calça um pouco justa) rapidamente e voltando a olhá-la com uma pontada de frustração e ressentimento – Não vejo problema nenhum.
ergueu uma sobrancelha, cética, e minha firmeza vacilou um pouco.
- Desde quando você atingiu esse ponto de autocontrole? – ela perguntou, e eu apenas revirei os olhos, fingindo desinteresse.
- Não é autocontrole – respondi, balançando negativamente a cabeça e tomando todos os cuidados necessários para não olhar para , por mais que a porta da sala dos professores ficasse na mesma direção de e ele estivesse passando por ali naquele exato momento – É determinação. Eu amo , e ele também me ama... Por que eu precisaria de mais alguém?
- Não sei – ela deu de ombros, abandonando a expressão desconfiada e mudando para uma distraída – Sexo, talvez.
- ! – exclamei, empurrando-a de leve, e um sorrisinho safado surgiu em seu rosto, assim como minhas bochechas devem ter corado.
- Ah, , fala sério... Sexo é ótimo e você sabe muito bem disso – ela riu baixo, apontando pra mim e fazendo cara de sabida – Não tente bancar a santinha, porque comigo não cola.
Apesar de desaprovar seu comentário desnecessário (e seu alto teor de fatos reais), não consegui responder nada. Minha concentração se esvaiu novamente e meus olhos foram cruelmente arrancados de e conectados a , que agora fazia o caminho inverso ao anterior para entrar no prédio onde ficavam as salas. Conforme se aproximava da entrada do prédio, que por sinal era onde eu e estávamos paradas, sua expressão fechada se tornava cada vez mais nítida, e, infelizmente, mais bonita. Não que eu ligasse para isso, claro.
Respirei fundo, afastando todo e qualquer pensamento indesejado de minha mente, e finalmente consegui rebater a brincadeira idiota de , alto o suficiente para que me ouvisse ao passar bem atrás dela.
– Posso até não ser santa... Mas não sou um mero brinquedo.
Assim que as últimas palavras saíram de minha boca, parou de andar, logo atrás de . Meu olhar ávido acompanhou seu rosto enquanto ele o virava na minha direção, e logo os aros de seus olhos se tornaram plenamente visíveis. Sua testa estava franzida sobre eles, e seus lábios estavam firmemente fechados, formando uma linha reta e demonstrando sua seriedade. Não desviei meu olhar do dele; pelo contrário, intensifiquei nossa conexão visual até que ele se desse conta de que estava me olhando por tempo demais e passasse a encarar o chão, voltando a andar logo em seguida. , confusa demais para entender alguma coisa, apenas olhou para trás tentando acompanhar meu olhar ainda fixo, e ao encontrar a porta do prédio já vazia, voltou a me encarar, desconfiada.
- Se antes eu já estava achando que precisava saber de algo, agora eu tenho certeza absoluta disso – ela murmurou, me analisando minuciosamente, e eu não conseguia tirar meus olhos do local onde antes me encarava – Mas seja lá o que esse algo for, tenho a impressão de que não é nada pacífico.
- Alguém já te disse que seu poder de dedução é simplesmente incrível? - sorri de um jeito maldoso, satisfeita por ter conseguido alfinetar o idiota do , e voltei a olhar para , que ainda me fitava daquele jeito desconfiado. De pacífica, aquela história não tinha absolutamente nada. Aliás, tudo que envolvesse em minha vida jamais seria pacífico.
E tal constatação me fez concluir, agora com certeza, que minha vida havia realmente voltado ao normal.

Metade da segunda aula. Física. Uma professora de 45 anos toda esticada pelas sucessivas cirurgias plásticas e com menos roupa do que eu, no maior estilo brotinho, tentando enfiar na cabeça de seus alunos ainda sonolentos algumas fórmulas sobre elétrica. Duas palavras: não, obrigada.
Eu rabiscava incessantemente em meu caderno, imaginando que espírito havia se apossado de minha mão para mantê-la tão inquieta. Primeiro, fiz cubos deformados devido à minha incapacidade de desenhar algo que prestasse. Depois de uns vinte desses nas bordas da folha, acabei desistindo de formas geométricas e comecei a esboçar um olho gigante no centro. Enquanto arrumava alguns detalhes de seu contorno, tentando ignorar a voz irritante da professora esbravejando as fórmulas na frente da classe, me lembrei do dia em que li num site sobre o significado dos rabiscos que as pessoas fazem quando estão distraídas, e que podem às vezes transmitir seus sentimentos. Olhos e cubos, pelo que eu me lembrava, representavam uma situação na qual a pessoa está frente a frente com uma decisão importante ou um fato decisivo, e não quer ou tem medo de encará-la. Revirei os olhos pela futilidade desse tipo de análise, e repeti mentalmente as mesmas duas palavras: não, obrigada.
Até que meu olho estava indo bem, mesmo com o fato de minha habilidade artística ser uma merda, mas foi inevitável não pular na cadeira e tremer meu traço quando o celular vibrou dentro do bolso da calça. Só podia ser . Aleluia.
Pedi à professora para ir ao banheiro, e ela mal me olhou, compenetrada demais em supostamente ensinar os poucos alunos interessados a aplicar suas fórmulas ridículas de tão fáceis. Saí quase que correndo da sala, e assim que fechei a porta atrás de mim, atendi à chamada, sem nem olhar para o número.
- ? – a voz de emanou do aparelho sem que eu nem precisasse dizer nada, e um sorriso aliviado surgiu em meu rosto.
- Oi, amor – respondi, caminhando lentamente em direção ao banheiro – Como você tá? Já voltou do hospital? Foi tudo bem? O que te disseram lá?
- Calma, uma coisa de cada vez – ele riu, e eu não pude deixar de imitá-lo de um jeito nervoso, só então notando minhas perguntas afobadas – Eu estou bem, já estou em casa, foi tudo bem por lá, mas... Eu tenho uma notícia não muito agradável.
- Desde que você não fique desse jeito pra sempre, ou por muito tempo, não vejo nada que possa ser tão ruim – adiantei ansiosamente, desistindo de chegar até o banheiro e me apoiando na parede ao lado de uma sala de aula qualquer.
- Segundo o médico, eu vou voltar ao normal em breve, não se preocupe com isso – disse, com a voz levemente divertida, e o alívio cresceu ainda mais dentro de mim – O problema é que eu vou precisar de cinco dias de descanso para isso. E quando eu digo descanso, estou dizendo que não poderei ir à escola. Ou seja... Não vou poder te ver.
Meus olhos, que observavam o corredor deserto, despencaram até encontrar meus próprios pés após aquela notícia. Cinco dias sem , ainda mais agora, que eu precisava dele como nunca para me manter firme em minha decisão e não me deixar abater, seriam quase uma eternidade.
Mas tudo bem. Eu era forte o suficiente para agüentar, certo?
Respirei fundo, me preparando para dizer que não me importava e que havia grandes chances de sobrevivência para mim, mas antes que eu pudesse abrir a boca, a porta da sala da qual eu estava praticamente ao lado se abriu, e o professor irrompeu dela, quase trombando comigo ao fazê-lo. Seu jaleco absurdamente branco, em contraste com sua roupa preta, esvoaçou escandalosamente devido ao seu movimento brusco para frear e não tocar em mim, ao contrário de seus olhos, que se depararam com os meus carregados de uma surpresa assustada. Senti que fui atingida por uma nuvem de seu perfume assim que ele freou bem perto de mim, e para o meu próprio bem, tentei não respirá-lo. Em vão, claro, porque quando finalmente consegui bloquear minhas vias respiratórias, já havia inspirado o suficiente para que aquele cheiro viciante dominasse meus pulmões por completo. Como eu era idiota.
não disse nada (e eu não esperava que ele o fizesse, ainda mais vendo que eu estava falando ao celular), e apenas continuou bruscamente seu caminho até as escadas, descendo-as velozmente e me deixando desnorteada. Eu tinha um certo problema com proximidade exagerada, em especial quando a pessoa desconfortavelmente próxima era ele; era como se eu fosse um aparelho eletrônico que sofresse interferência diante de seu corpo e ficasse todo desregulado.
- Eu sei que a notícia não é nada boa, mas também não precisa ficar nesse silêncio fúnebre – murmurou, com um certo humor na voz, e eu acordei de meus devaneios. Nota mental: dar um jeito nessas minhas viagens na maionese pós-.
- Ah, não, eu... Eu vou ficar bem, não se preocupe – falei, tentando não parecer tão afetada pela breve presença de – Descanse bastante e fique bem logo, é só o que eu quero que você faça.
- Pode deixar, eu vou fazer – ele sorriu, ainda falando um pouco baixo, e diminuiu ainda mais o volume de sua voz ao continuar – Vou morrer de saudades.
Fechei os olhos e mordi meu lábio inferior, sentindo meu coração finalmente dar seus primeiros sinais de normalidade após o momento relâmpago de adrenalina, e respirei fundo antes de respondê-lo, sendo tão sincera com ele quanto eu não me lembrava de ter sido por muitas vezes.
- Eu também.
- Eu amo você – sussurrou, e mesmo mal conseguindo ouvir sua voz, soube que ele estava sorrindo ao falar.
- Volte logo... – cochichei, abrindo os olhos novamente, e soube que não era preciso repetir suas palavras para que ele entendesse que eu sentia o mesmo. desligou logo em seguida, e mesmo após o fim da chamada, mantive meu celular próximo de minha orelha, com duas últimas palavras presas em minha garganta. Mesmo sabendo que ninguém as ouviria, minha alma precisava que eu as dissesse, consumida por toda a agonia que eu guardava dentro de mim, e assim eu o fiz.
- Por favor.

- Baile de primavera?
Empaquei diante do grande e colorido cartaz afixado numa das paredes do pátio, após ler as três palavras que apareciam em seu título.
- Nossa, só agora você reparou nisso? – perguntou, surpresa com meu choque – Está aí há umas duas semanas, pelo menos.
Impossível. Essa era a palavra que ecoava em minha cabeça, como uma sirene de ambulância. Era absolutamente impossível que aquele cartaz estivesse ali há duas semanas. Como eu poderia ter passado por ele durante quase dez dias e não o ter visto? Quer dizer... Uma coisa tão divulgada como um baile de primavera deveria ter saltado aos meus olhos, certo? Olhei em volta, caçando outros cartazes, e não precisei ir muito longe para encontrá-los. E não foram poucos. OK, talvez eu tenha andado preocupada demais com conflitos internos para reparar neles. Eu nunca reparo em nada que acontece naquela escola mesmo, a não ser que envolva pessoas de meu interesse.
- Um baile de primavera? – repeti, ainda incrédula, e só então meus olhos se dirigiram à data do evento – Nesse sábado?
– Isso mesmo, , um baile de primavera – bufou, revirando os olhos e me puxando pela mão até o lugar onde costumávamos ficar durante todos os intervalos - Para pessoas sociáveis interagirem e se divertirem, o que não costuma se aplicar a nós, pelo menos não no meio dessa gente.
- Se ser sociável é ser fútil que nem a Smithers e as outras meninas dessa escola, nunca quero deixar de ser anti-social – falei, e ela concordou com um aceno de cabeça – Na verdade, nem sei por que fiquei tão afetada com esse baile... Não vou participar mesmo.
- Nem eu – deu de ombros – Você podia dormir lá em casa, né? A gente comprava barras de chocolate e passava a noite falando de homens bonitos... O que acha?
- Eu topo, mas prefiro que seja lá em casa – assenti, me lembrando de minha mãe e da saudadezinha que eu já estava sentindo dela, assim como de meu quarto, meu reino sagrado, meu santuário imaculado e todos os outros nomes religiosos que você pode imaginar – Já passei muitas noites fora de casa ultimamente.
- Tenho certeza de que nossa noite vai ser muito mais divertida do que a desse povo fútil – ela disse, convicta, e eu ri de sua expressão convencida – Falando em futilidade, acabei de me lembrar de que preciso pegar o livro de geografia para a próxima aula... Vem comigo até meu armário?
- Claro – respondi, rindo novamente de seu comentário sobre geografia e futilidade, opinião com a qual eu concordava plenamente, levando-se em consideração que nosso professor era ninguém mais, ninguém menos que Christopher Hammings.
Chegamos rapidamente ao armário de , e assim que ela o abriu, um pedaço de papel caiu de dentro dele. Ela franziu a testa, desconfiada, e pegou o papel do chão, lendo seu conteúdo logo em seguida. Seus olhos se arregalaram após ler o curto texto escrito no bilhete, e vendo que ela estava paralisada diante do que lera, arranquei o papel de sua mão, curiosa.

Estou em Londres, e doente de saudades de você. Use o vestido mais bonito que tiver, porque na noite de sábado, você vai ser minha. E se já tiver um par, aconselho que dispense o idiota, a menos que ele queira perder alguns dentes. E.

Não consegui dizer nada; apenas olhei para , que se mantinha imóvel, tão em êxtase quanto eu. Ambas sabíamos muito bem quem havia escrito aquele bilhete, mas a surpresa era grande demais para termos qualquer tipo de reação.
- ... – ela murmurou após alguns segundos de silêncio, me encarando com um misto de medo, surpresa e insegurança no olhar – Eu conheço essa letra como a palma de minha mão... É a letra do...
- Ewan! – completei, perplexa, percebendo que ela havia deixado a frase inacabada.
Ewan era o ex-namorado de , que havia se mudado para Oxford no final do ano anterior. Apesar de ter sido ela quem decidira terminar com o namoro ao invés de tentar um relacionamento à distância, eu sempre soube que ainda cultivava sentimentos em relação a ele, e que fizera aquilo para evitar os aborrecimentos que um namoro distante pode trazer. Ewan, mesmo sendo totalmente apaixonado por , o que ela correspondia à altura, percebeu que aquilo seria o melhor para os dois e se contentou em apoiar sua decisão, o que só aumentava minha vontade de vê-los juntos outra vez. Eles eram simplesmente o casal mais fofo que podia existir na face da Terra, fato.
Um sorriso empolgado surgiu em meu rosto. Já havia passado da hora de algo revigorante animar a vida de , e nada poderia ser melhor do que uma visita de Ewan. E, pelas claras intenções dele, ele não estava vindo para brincadeira; ela parecia saber disso muito melhor do que eu, pelo jeito que suas mãos começaram a tremer.
- E agora, ? – perguntei, observando-a pegar o bilhete de minhas mãos e relê-lo com ansiedade – O que você vai fazer?
- Eu não faço a menor idéia! – ela quase exclamou, nervosa, e por um momento eu pensei que seus olhos fossem saltar de suas órbitas – Você acha que... Que eu devo ir ao baile com ele?
- Lógico que deve! – concordei, assentindo vigorosamente, e ela ergueu os olhos do papel para mim, aflita – Seja lá como ele conseguiu colocar esse bilhete dentro do seu armário, duas coisas são certas: ele está aqui, e obviamente espera uma resposta sua! Então, pelo amor de Deus, ligue pra ele o mais rápido possível e diga que sim!
- Ele está aqui, ... Ele está aqui, em Londres, perto de mim outra vez – ela murmurou, respirando fundo e pressionando o papel contra o peito, e eu pude ver que seus olhos estavam ficando ligeiramente úmidos – Você sabe o quanto ele me faz falta.
- Aawn! – sorri, abraçando-a com força e sem conseguir disfarçar minha empolgação – Vai dar tudo certo, você vai ver.
- Tomara – ouvi suspirar, retribuindo meu abraço, e logo em seguida, o sinal tocou, anunciando o término do intervalo.
Ainda assimilando a surpresa de Ewan, voltamos às nossas classes, com sorrisos de orelha a orelha estampados em nossos rostos. E durante o resto das aulas, me peguei imaginando o reencontro dos dois, e surpreendentemente me esquecendo de meus próprios problemas. Era impossível não sorrir ao visualizar e Ewan juntos novamente, e tal visão me transmitia uma certa dose de tranqüilidade, anulando um pouco a tensão que me rondava. De vez em quando, coisas boas ainda me aconteciam, mesmo que indiretamente, o que me fez pensar que talvez nem tudo estivesse tão perdido assim para mim.
Na hora da saída, a mãe de já a esperava, e só tivemos tempo de nos despedir com sorrisos eufóricos no rosto. Já minha mãe, pontual como sempre, ainda não havia dado sinal de vida, e eu me conformei em esperá-la, sentada na mureta em frente ao colégio. Alguns minutos depois, minha visão da rua foi bloqueada por uma coisa loira e artificial, que eu nem precisei examinar muito para reconhecer: Kelly Smithers. Ignorei o fato de que ela tinha outros milhares de lugares para ficar, mas tinha escolhido justo o ponto que me impedia de ver os carros que chegavam, e apenas suspirei, decidida a não me deixar irritar por razões bobas. Se eu continuasse daquele jeito, acabaria ficando com rugas, e Kelly com certeza não era importante o suficiente para ser um dos motivos delas.
Ou talvez fosse.
- Ei, ! – ouvi sua voz de atriz pornô chamar, e instintivamente meus olhos se fixaram nela, que acenava em direção à saída do colégio – Vem cá!
Não demorou muito e apareceu, parando bem em frente a ela e a uma distância relativamente pequena de mim, o que me permitia ouvir toda a conversa.
- Sim, senhora – ele disse, sorrindo de lado, e a mesma raiva que senti no dia anterior voltou a borbulhar em minhas entranhas, fazendo com que minhas mãos involuntariamente se fechassem em punhos.
- Já tem par pro baile de sábado? – ela murmurou, encarando-o com seus felinos olhos verdes e enrolando uma mecha de seu cabelo loiro oxigenado no dedo indicador.
Me recusei a continuar observando aquela cena deplorável praticamente no meio da rua. Sinceramente, de onde aquela biscate havia saído? De um filme pornô desses do tipo colegial? Sério, que ódio que eu sentia daquela vaca. Não que eu ligasse pro homem que ela estava seduzindo, até parece que eu tinha algum tipo de ciúmes do , mas era repugnante ter que assistir às suas técnicas sujas e saber que, mesmo sendo tão exageradamente promíscua, ela costumava conseguir o que queria.
- Já – ele respondeu, sem se desfazer de seu sorriso, e ao ver que Kelly havia adotado uma expressão chateada, completou sua frase – Você.
Ela ergueu as sobrancelhas por um momento, surpresa com a brincadeira dele, e logo em seguida voltou a sorrir daquele jeito nojento. Alguém tem uma metralhadora pra me emprestar?
- Quem disse que eu quero ir com você? – ela perguntou, cerrando os olhos de um jeito supostamente provocativo, mas que do meu ponto de vista, só a tornou ainda mais depravada.
- Sua testa – falou, e pode ter sido só impressão minha, mas parecia haver alguns traços de tédio em seu rosto – Está escrito nela.
Foi impossível controlar o riso depois daquele fora simplesmente épico, mas eu me esforcei em engolir minhas gargalhadas, processo que, apesar de exigir muito autocontrole, felizmente não chamou muito a atenção das pessoas. Se havia algo que me fazia rir, era ver Kelly levando algum fora; funcionava melhor que qualquer filme de comédia.
- Tem certeza de que é só isso que está escrito? – ela murmurou, lançando olhares discretos para os lados, certificando-se de que quem estava por perto não a ouviria (o que não adiantou nada, porque eu li seus lábios) – Quer chegar mais perto para ler o resto?
Meu queixo caiu até bater no chão com aquele absurdo. Eu realmente viveria muito melhor sem ter ouvido uma cantada tão barata como aquela. Era muita sem-vergonhice mesmo, francamente. Pensando melhor, matá-la com uma metralhadora seria delicadeza demais... Atirá-la num tanque de ácido sulfúrico e observar o efeito desse ato me parecia uma idéia muito mais atraente.
- Guarde seu lixo sonoro para o fim de semana, Smithers – sorriu, e apesar de suas palavras rudes, vi que ele a encarava com um olhar que eu (infelizmente) conhecia bem: um olhar cheio de luxúria, que tirava o fôlego de qualquer mulher sem esforço algum. E que agora, só conseguia me causar nojo e ódio. Tá, e daí que não era só isso? O resto não interessa.
Uma buzina soou de leve na rua, e logo depois, ouvi uma voz familiar chamar meu nome. Subitamente alarmada, olhei na direção do som, desviando do bloqueio formado por Kelly, e vi o carro de minha mãe estacionado. Aliviada por finalmente poder ir embora dali, caminhei até o Land Rover, sentindo o olhar de pesar sobre minhas costas durante o trajeto. Ao contrário dele, que grudou seus olhos em mim desde que ouviu minha mãe me chamar, não ousei olhar em sua direção, sentindo meu estômago revirar de nojo devido à ceninha patética entre ele e Kelly. Se era assim que ele queria se comportar, fazendo questão de jogar na minha cara que tinha várias outras garotas para colocar no meu lugar, ele que agüentasse as conseqüências de seus atos.
Afinal de contas, eu não estava dando a mínima para isso. Certo?

Capítulo 22



- O que acha desse?
- Hm... Eu prefiro o roxo.
- Eu também, mas acho que esse realça mais os meus peitos... Ou não?
- Só porque o decote é maior? Que pouca vergonha!
Eu e estávamos em uma loja de vestidos, em plena terça-feira à tarde, para escolher um modelito para o baile de sábado. Isso mesmo, um vestido, o de , porque eu estava disposta a cumprir com a tarefa de passar a noite comendo chocolate e vendo qualquer filme que estivesse passando na TV (e que, de preferência, tivesse vários homens gatos e poucas loiras no elenco). Não queria ter que assistir a mais cenas pornográficas entre Kelly e , e mesmo que estivesse bem para ir, preferia ficar com ele em sua casa ou algo do tipo. Qualquer plano que envolvesse distância daquele colégio me agradaria, e sinceramente, ficar longe daquele baile não era pedir demais.
- Tudo bem, eu me decidi – suspirou, atirando o vestido vermelho que havia acabado de experimentar em cima de mim, unindo-o aos outros cinqüenta que ela havia provado e desaprovado logo em seguida – Vou ficar com o roxo. É o mais barato e o mais bonito.
- Adoro quando você tem essas crises súbitas de inteligência – sorri, sarcástica, pegando o vestido que havia caído sobre minha cabeça e colocando-o sobre a pilha de vestidos rejeitados em meu colo – Me faz crer que realmente existe alguma coisa dentro do seu crânio, por mais inativa que ela seja.
- Que tal você levar esses vestidos pra atendente antes que meu joelho vá parar no fundo da sua garganta? – ela retrucou, cínica, e mesmo estando apenas de roupas íntimas, ela realmente me amedrontou.
- Acho que vou te esperar lá fora – murmurei encolhida, carregando os vestidos rejeitados e deixando o cubículo. Coloquei as peças sobre o balcão da loja com um sorrisinho sem graça para a vendedora, e logo me reaproximei do provador, bem a tempo de ouvir a voz abafada de falar.
- Você ainda não me contou o que aconteceu de tão sério nesse final de semana... Provavelmente estava esperando que eu me esquecesse disso, se eu ainda conheço suas técnicas falhas de fugir de mim.
Quase engasguei com minha própria saliva com aquela indireta mais do que direta e inesperada, ainda mais sendo tão cruelmente arrancada do mundo de fantasia no qual eu havia me forçado a mergulhar nas últimas 24 horas. Não pensar em (sozinho ou com Kelly, tanto faz) exigia um bom esforço de minha mente, e ser forçada a me lembrar de eventos como o fim de semana me desestabilizou.
- Não faço idéia do que você tá falando – despistei, tentando parecer o mais indiferente possível. Não adiantaria por muito tempo, mas eu precisava tentar enganá-la, se não queria compartilhar com ninguém os acontecimentos na casa de praia. Eles já eram perturbadores o suficiente pra mim, e olha que isso já era perturbação demais, acredite.
- Ah, tá – ela resmungou, e pelo tom de sua voz, soube que seus olhos estavam cerrados em sinal de ceticismo – E eu sou a rainha da Inglaterra.
Engoli em seco, sem saber o que responder, e comecei a admirar minhas unhas e o enorme estrago que aquele fim de semana havia provocado nelas.
- Bom, você é quem sabe se vai me falar agora ou depois – sua voz voltou a ecoar alguns segundos depois, quando saiu do provador já com suas roupas no devido lugar – E eu tenho a vida toda pra esperar, dica.
Bufei, revirando os olhos e caminhando com ela até o balcão em silêncio. Ela pagou o vestido e rapidamente saímos da loja, chegando ao corredor vazio do shopping, devido ao pouco movimento às terças-feiras.
- Eu não quero falar, tá legal? – assumi, derrotada, quando ela me lançou um olhar intenso – Eu já estou me sentindo mal o suficiente por isso, não quero que você me dê uma bronca e piore as coisas.
- Por que eu te daria uma bronca? – ela perguntou, dando de ombros – O que houve, transou sem camisinha?
- Fala baixo! – sussurrei, mas minha vergonha era tanta que o som foi quase o mesmo de um grito – E não, não foi nada disso!
- Fez ele broxar? – ela voltou a perguntar, com a naturalidade de quem pergunta qual a minha banda favorita.
- Claro que não! Pára!
Olhei ao redor, com medo de termos sido ouvidas por alguém, e assim que virei meu rosto para trás, dei de cara com um senhor andando a uma certa distância de nós. Seu olhar estava fixo em , e seu olhar era, no mínimo, horrorizado com nossa conversa. E olha que eu fui bastante educada ao utilizar um adjetivo tão leve.
- Fingiu um orgasmo? – cochichou, quando voltei a olhar pra frente, quase explodindo de tanta vergonha.
- Pelo amor de Deus, cala a boca! – implorei, fincando minhas unhas em seu braço e sentindo o sangue deixar meu rosto completamente vermelho – Qual parte do “Eu não quero falar disso” você não entendeu?
- Nossa, foi tão grave assim que você não quer contar nem pra mim? – ela ignorou minhas palavras completamente, levando uma das mãos ao queixo e olhando para frente de um jeito pensativo – Tô começando a ficar assustada.
- E eu tô começando a me irritar com você! – rosnei, fazendo-a acordar de seus pensamentos e me olhar com uma pontada de medo – Se eu tô falando que não quero contar, tenha um pingo de educação e respeite minha decisão! Acha que consegue fazer isso pelo menos uma vez na vida?
Ela continuou me encarando, estranhando minha súbita agressividade, e eu apenas respirei fundo, fechando os olhos por alguns segundos e tentando fazer meu estresse diminuir. Eu simplesmente não funcionava bem sob pressão, e ultimamente parecia que tudo me pressionava de certa forma.
- Desculpa, murmurou, finalmente percebendo que estava exagerando um pouco – É que eu me preocupo demais com você, sabe que não consigo te ver com problemas e não querer ajudar. E quanto à curiosidade... Bem, é simplesmente mais forte do que eu.
Voltei a encará-la, me deparando com seus olhos arrependidos, e sorri de leve por suas palavras reconfortantes e ao mesmo tempo engraçadas.
- Eu sei, - suspirei, abraçando-a lateralmente e grudando nossas bochechas – Me desculpe por ter sido grossa com você, sei que se preocupa demais comigo. Por acaso eu já te agradeci por existir?
soltou uma gargalhada alta, retribuindo meu abraço desajeitado e tentando se equilibrar comigo pendurada em seu pescoço enquanto andávamos.
- Acho que não – ela respondeu, quando finalmente a soltei e voltamos a caminhar normalmente pelo shopping – Então antes que você se arrependa de ter dito isso, só quero que me responda uma coisa, e com sinceridade, pra que eu possa ficar tranqüila: está mesmo tudo bem? Não há nada que eu precise saber sobre esse fim de semana?
Devolvi o olhar prestativo dela, e um suspiro escapou novamente por entre meus lábios. Um sorriso triste ameaçou surgir em meu rosto, mas não havia firmeza suficiente para que ele se alastrasse; apesar disso, não desisti de minha resposta decisiva:
- Não precisa mesmo se preocupar, . Já está tudo resolvido.

O resto da semana se arrastou com uma velocidade surpreendentemente rápida, apesar de torturante. Durante as aulas, por mais alto que os professores falassem e por mais interessante ou de fácil entendimento que fosse a matéria, tudo que meus ouvidos conseguiam captar era a voz de um certo ser loiro de olhos verdes que não parava de cochichar entusiasticamente com suas amigas sobre como seu vestido para o baile era lindo, maravilhoso, perfeito, caro...
E sobre como ele ficaria ainda melhor no chão do quarto do depois da festa.
Não que eu estivesse ligando pra algum dos dois, pelo contrário, mas para um homem como , era humilhação demais se meter com uma retardada, ou melhor, meter numa retardada como Kelly. Quer dizer, ele não sentia vergonha? Será que existia algum tipo de premiação secreta por pegar a aluna mais fútil de todo o colégio? Era algum tipo de aposta que ele havia perdido? Ou então um enigma como aquele requeria um intelecto superior ao meu? É, talvez essa fosse a opção mais próxima da realidade.
A única coisa que parecia cooperar comigo (se é que posso dizer dessa forma), surpreendentemente, era quem mais deveria estar me incomodando. mal apareceu durante os outros três dias de aula, a não ser quando foi forçado a ficar preso por 50 minutos no mesmo ambiente que eu: sua aula de biologia laboratório. E mesmo assim, parecia distante, como um animal selvagem enjaulado, incomodado por não poder simplesmente sair correndo dali. Explicou breve, porém detalhadamente como a aula procederia, e se manteve sentado em sua mesa, com o olhar perdido nas dezenas de relatórios que corrigia. Vez ou outra, passava os dedos nervosamente por entre os cabelos, colocando-os para trás e deixando ainda mais visível seu comportamento subitamente claustrofóbico.
Tentei não me deixar afetar por seu jeito diferente, mas era inevitável não sentir um nó se formar em minha garganta a cada vez que eu me lembrava de suas últimas palavras, e a vulgaridade com a qual sua voz as pronunciou.
”Incrível como você está demorando a perder a graça... A cada dia, se torna ainda mais divertida, como um perigoso brinquedo que se renova constantemente... E se torna cada vez mais excitante.”
Naquele dia, ouvi o sinal tocar, anunciando o fim da aula, mas ele me pareceu incrivelmente distante. A voz de ainda reverberava em minha mente, mais alta que qualquer outro som ao meu redor e me impedindo de pensar com clareza. Somente quando o ruído dos bancos sendo arrastados pelos alunos e o murmurinho crescente de suas vozes conseguiu vencer o volume de meus pensamentos, me dei conta de que estava imóvel, encarando meu relatório já pronto, e com os olhos levemente marejados. Por Deus, o que havia de tão errado comigo? Que droga, eu estava careca de saber que ele não merecia uma única lágrima minha! Não existia sequer sentimento suficiente em nossa relação, ou seja lá o que foi que tivemos, para que eu estivesse me sentindo triste, traída, machucada daquela maneira!
Guardei meu material depressa e deixei meu relatório ali mesmo, unindo-me apressadamente ao fluxo de alunos que se dirigiam à saída da escola. A única coisa que pude ver antes que o laboratório sumisse de meu campo de visão foi um sorrisinho discreto e sujo de Kelly, conforme se aproximava da mesa de para entregar seu relatório. A cobra estava aproveitando a oportunidade perfeita para dar o bote perfeito. E por mais que eu soubesse que os dois se mereciam, meu coração se contorcia de ódio por não poder fazer nada contra aquilo.
Só o que me restava era que ele o fizesse por mim. E eu sabia que ele não o faria.

Sexta-feira. 07:45 da noite. Me vi sentada em minha cama, sozinha em casa e sem absolutamente nada para fazer. Não que eu fosse do tipo que gosta de ter tarefas o tempo todo, mas ultimamente eu estava me tornando adepta desse estilo de vida. Estar sempre ocupada impedia minha mente de vagar por terrenos proibidos... Ou pelo menos me ajudava a conter esse tipo de pensamento.
Suspirei profundamente, tentando pensar em algo para me ocupar, mas nada parecia surgir. Meus olhos passearam distraidamente pelo quarto por alguns minutos, e se fixaram no pequeno mural de fotos que se encontrava na parede oposta à cama. Observei minhas várias fotos com , algumas com Ewan, outras com meus pais, e uma em especial me chamou a atenção.
Eu passava tão pouco tempo desocupada em meu quarto que mal me lembrava mais da existência daquela foto. O papel retangular exibia minha própria imagem, extremamente sorridente, e ao meu lado, envolvendo meus ombros com um de seus braços fortes e dando aquele sorriso que agora eu conhecia tão bem, mas que na época se assemelhava a um sonho inatingível para mim. A foto era de minha formatura, há cerca de dois anos atrás, quando finalizei o ensino fundamental. não dava aulas para minha turma ainda, mas graças ao nosso trabalho conjunto na olimpíada de biologia daquele ano, havíamos adquirido uma certa amizade, ainda dentro dos padrões acadêmicos. Bom, pelo menos para ele, porque àquela altura, eu já estava praticamente apaixonada por aqueles olhos e sorriso encantador.
Suspirei novamente, refletindo sobre como minha vida havia mudado desde então. Naquela época, eu jamais diria que um dia teria algo além de um mero amor não correspondido por ; hoje, eu era nada mais, nada menos que sua namorada, mesmo que em segredo. Uma inesperada agulhada de remorso se manifestou em meu peito devido às falhas que eu cometera nesse novo papel que exercia na vida dele, e imediatamente me amaldiçoei por voltar a pensar no assunto que eu tentava evitar.
Soltei o terceiro suspiro cansado em menos de cinco minutos, me perguntando quando a passagem meteórica e inconseqüente de por minha vida deixaria de ser uma ferida aberta em mim. Sacudi levemente a cabeça, tentando inutilmente colocar minhas idéias no lugar, e por incrível que pareça, o movimento pareceu servir para alguma coisa: na mesma hora, achei algo para fazer. Como eu não havia pensado naquilo antes?
Peguei o telefone, disputando espaço sobre a cama entre meus bichos de pelúcia, e digitei o número que eu já sabia de cor, apesar de nunca tê-lo chamado antes. Aguardei até que a pessoa atendesse à minha ligação, me sentindo levemente ansiosa, apesar de saber que não havia necessidade daquilo, e meus olhos voltaram a se fixar na foto em meu mural assim que obtive uma resposta.
- Amor? – a voz masculina que sempre agia como um antídoto a todo e qualquer veneno que corresse em minhas veias falou, trazendo um sorriso para meu rosto, tão grande como o que eu ostentava na foto, ou talvez até maior.
- Oi – foi tudo que consegui responder, derretida, e levei alguns segundos para voltar a falar – Me desculpe por ligar assim, sem motivo aparente, mas é que... A saudade apertou.
– Te desculpar? Por que eu ficaria bravo com uma ligação sua? - exclamou, com a voz fofa, e meu sorriso se intensificou, demonstrando o bem imediato que ele me trazia, mesmo com seus mais discretos gestos de alegria – Eu devo é te agradecer por ter lido minha mente... Tava pensando em você agora mesmo, sabia?
- Ah, é? – eu ri baixinho, abraçando debilmente meu Garfield de pelúcia como se pudesse sentir meu carinho também – Eu também! Isso é bom... Eu acho.
A risada inconfundível dele ecoou do outro lado da linha, leve e reconfortante como uma manhã quente e ensolarada após um inverno rigoroso.
- Não, isso não é bom... Isso é ótimo – ele disse, colocando um leve charme na voz – É tão ótimo que eu tenho feito muito isso ultimamente, sabia? Acho até que, de tanto pensar em você, poderia te materializar bem aqui na minha frente agorinha mesmo, só com a força do pensamento... O que acha?
Dessa vez, eu soltei uma gargalhada divertida, sentindo meu corpo leve pela primeira vez naquela semana. parecia aliviar o peso de todo e qualquer tipo de fardo que eu carregava com o simples som de sua voz, ainda mais quando me provocava daquele jeito despreocupado.
- Infelizmente, eu tenho que discordar – falei, observando distraidamente o movimento esvoaçante das cortinas de meu quarto – O senhor está de repouso sob recomendações médicas ate amanhã, e a última coisa que faríamos se eu estivesse aí seria repousar.
- Ah... Que pena – ele gemeu, e eu pude imaginar com facilidade a expressão de nenê emburrado em seu rosto – Odeio quando você tem razão. Promete que me recompensa semana que vem?
- Posso te recompensar amanhã mesmo, se já estiver se sentindo melhor – murmurei, com um tom malicioso, já começando a sentir o ânimo crescer em mim quanto àquele sábado – Teremos bastante tempo para colocar nossos assuntos em dia.
O silêncio de me fez pensar que ele estava refletindo concretamente sobre a sugestão, mas pelo visto, meu poder de dedução estava um tanto quanto falho.
- Hm... Amanhã eu não vou poder te ver – ele lamentou, mantendo sua voz desanimada – Na verdade, eu vou viajar hoje mesmo pra Sheffield, e provavelmente, só volto no domingo. Vou visitar minha mãe, já que amanhã é o aniversário dela.
Fiquei sem saber o que dizer por alguns segundos. nunca havia mencionado nada sobre sua família antes, e o fato de não poder conhecer sua mãe me deixou levemente triste. De repente, me ocorreu a imagem de uma senhora amável e bondosa, do tipo que te oferece biscoitos com leite acompanhados de um sorriso gentil e olhos ternos. A senhora deveria ser uma graça, e eu simplesmente não podia conhecê-la, tudo porque era alguns anos mais nova que . Aquele tabu ridículo de diferença de idade estava começando a me dar nos nervos.
- Ahn... Eu entendo – gaguejei, afogando minhas recém-nascidas esperanças de um sábado menos solitário – Dê um abraço bem apertado em sua mãe por mim, mesmo que ela não saiba que eu existo.
- Pode deixar, amor – ele sorriu, e eu senti a pena por não poder me levar transparecer em sua voz – Tenho certeza de que ela gostaria muito de você se pudesse conhecê-la.
Não consegui responder nada, apenas sorri, sentindo-me subitamente deprimida. Eu estava fadada a passar o fim de semana inteiro dentro de casa, tomando litros de sorvete e vendo TV o dia todo, de pijamas e pantufas, enquanto minha melhor amiga reatava seu namoro, meu namorado visitava a mãe a sei lá quantos quilômetros de distância e o idiota do comia a Kelly até cansar. Tamanha exclusão parecia até castigo divino pelo excesso de companhia que tive no fim de semana anterior.
- Bom, eu não vou mais te prender nessa ligação totalmente sem sentido – suspirei desanimada, sem nem mencionar o baile de primavera, do qual provavelmente havia se esquecido – Você deve estar ocupado arrumando suas coisas para a viagem, e eu estou aqui te segurando no telefone.
- Você tem é sorte por eu não poder te dar uma bela de uma sessão de cócegas agorinha mesmo como punição a esse seu jeito bobo – ele resmungou, brincalhão, e eu sorri fraco – Entenda uma coisa: você não me atrapalha, tampinha.
Soltei uma risadinha tímida, ainda encarando as cortinas agora imóveis, e logo em seguida, ouvi o barulho da porta sendo aberta no andar de baixo, indicando que mamãe havia chegado.
- Quem precisa desligar agora sou eu, mamãe chegou – falei, levemente apressada – Tome cuidado na estrada, descanse, beba bastante líquido, não pegue muito sol e divirta-se, ouviu bem?
- Pode deixar – respondeu, carinhoso - E o mesmo vale pra você, cuide-se.
- Vou tentar me manter longe de todo o perigo que minha casa pode me oferecer – eu ri, achando graça das precauções dele e fazendo-o rir junto.
- Te amo – ele murmurou, assim que nosso riso cessou, e eu senti meu coração se contorcer, dominado por milhares de sentimentos diferentes. Saudade, amor, felicidade... Remorso, culpa, dor.
- Eu também – murmurei, com a voz aflita, e esperei que ele desligasse para colocar o telefone na base. Assim que o fiz, mamãe bateu à porta.
- Olá, querida – ela sorriu, parecendo cansada após um dia cheio em seu escritório. Após a promoção que conseguira na empresa onde trabalhava há quase dez anos, sua carga de trabalho havia aumentado consideravelmente, e era raro vê-la chegando em casa antes das dez e meia. Hoje havia sido um dia bastante atípico, mas era bom que de vez em quando ela tivesse um tempo extra para cuidar de si.
- Oi, mãe – respondi, retribuindo como pude seu sorriso e tentando não parecer tão desanimada quanto realmente estava – Dia cheio?
- Até demais – mamãe suspirou, fechando os olhos lentamente e logo voltando a abri-los – E só pra compensar, algumas amigas do escritório estão armando uma festa surpresa para nosso chefe amanhã, e precisarão de uma mãozinha com os preparativos... Então não se assuste se acordar tarde e não me encontrar.
- Boa sorte – falei, fazendo uma careta, e ela apenas riu de leve.
- Se não se importa, vou tomar um bom e demorado banho e dormir – ela disse, meio sem jeito, e eu apenas balancei negativamente a cabeça, demonstrando que não me importava – Boa noite, minha querida. Qualquer coisa me chame, está bem?
- OK, boa noite, mãe – apenas sorri fraco, vendo-a fechar novamente minha porta e desaparecer. Fiquei encarando a maçaneta da porta por alguns segundos, me preparando inconscientemente para as próximas 48 horas, que seriam provavelmente muito parecidas com aquele momento: vazias, silenciosas e solitárias. De certa forma, a solidão era tudo que eu queria para poder organizar minha mente, mas agora que ela finalmente havia chegado, após uma semana inteira aguardando-a ansiosamente, o silêncio e o frio que a acompanhavam me pareciam estranhamente terríveis.
Ajeitei-me entre meus bichinhos de pelúcia, abraçando alguns deles na tentativa de preencher o enorme vazio entre meus braços e deixando que minha cabeça pesada descansasse sobre o travesseiro macio. Respirei fundo e calmamente, mandando uma mensagem para que meus músculos relaxassem junto com o oxigênio inalado, e fechei os olhos devagar, apenas sentindo o conforto do colchão se espalhar por meu corpo e meu cansaço mental se manifestar numa leve dor de cabeça. As pálpebras pareciam mais pesadas do que o habitual, mantendo-se fechadas sem sequer pedirem permissão para isso, e a respiração foi ficando cada vez mais calma... Meu quarto agora parecia um borrão de cores e formas engraçadas, logo sendo substituídos pela escuridão do sono.
E se eu não tivesse adormecido tão rápida e inesperadamente, poderia jurar que a última coisa que senti antes de apagar por completo foi um braço forte envolver minha cintura e me puxar para mais perto de seu corpo, deitado ao meu lado, e seu hálito de canela sussurrar ao pé de meu ouvido.
- Boa noite, meu vício.

Capítulo 23


( ’s POV)


As paredes frias de meu imenso apartamento pareciam amplificar o som de meus sapatos chocando-se contra o piso de mármore. A fraca iluminação, fornecida pela tímida luz da lua, manchava de cinza as formas duras de meus móveis, talvez se unindo ao barulho de meus passos numa singela tentativa de me fazer sentir ainda mais solitário. Fora os sons que eu produzia, o silêncio dominava por completo o ambiente; não havia sequer uma outra respiração, um outro coração batendo por perto. Somente eu, somente meu próprio silêncio.
E é exatamente nessas horas que me pergunto: pra que mais do que isso? Qual é a vantagem de se ter mais alguém? Qual é a vantagem se estar acompanhado, quando não existe nada melhor que ficar sozinho? Não existe nada como a liberdade que se tem ao estar completamente só, totalmente livre dos olhares dos outros, sempre como urubus sobrevoando a carniça que são as desgraças das vidas alheias. Para mim, a solidão era nada mais que uma dádiva, da qual eu sabia fazer uso como poucos.
Parei em frente à enorme janela de meu apartamento, que consistia numa parede inteira feita de vidro, e de lá observei a cidade. Não havia muito mais do que luzes, prédios, carros e pessoas andando nas ruas iluminadas, a típica imagem de uma sexta-feira à noite. Para mim, observar o movimento das ruas era mais interessante do que ligar a televisão e assistir a todo o lixo de sempre; a espontaneidade era absurdamente contrastante. Sentindo a baixa temperatura do copo de uísque entre meus dedos espalhar-se por minha pele, soltei um suspiro baixo e bebi todo o seu conteúdo sem pressa. Um sorriso mórbido fez uma pequena curva surgir no canto de meus lábios, e eu esqueci meu olhar num ponto qualquer da rua. Ele não tinha importância naquele momento; não havia nada relevante para se ver.
Eu realmente gostava de ficar sozinho. Mas naquela noite em especial, eu preferia ter algo para por minhas mãos, ou quem sabe também meus lábios ainda umedecidos pelo álcool. Algo que não fosse duro como o vidro do copo, ou frio como a bebida que descia queimando por minha garganta. Algo que pudesse satisfazer meus sentidos e despertar o exigente interesse de minha virilidade.
Algo como uma mulher.
Uma única mulher.
Dei as costas à monotonia londrina que minha janela me permitia ver e caminhei até a mesinha de centro. Coloquei o copo preenchido apenas por gelo sobre a superfície transparente e continuei meu caminho até o quarto. Pelo trajeto, comecei a desabotoar os primeiros botões da camisa preta que vestia. Não havia mais sentido em continuar com aquela roupa agora que eu havia optado por ficar em casa... Mais uma vez.
Ainda sorrindo daquele jeito medíocre, entrei em meu quarto com uma curva ágil. Aquela era a terceira vez na semana que eu simplesmente preferia ficar em casa a ir a um pub encher a cara, por pura falta de motivação. Não havia mais sentido nisso, já que a única droga que parecia anestesiar a agonia pulsante de minhas vias sanguíneas provavelmente repousava em seu quarto àquela hora, trancafiada e segura. A salvo de mim.
- ... – esbravejei baixo, terminando de desabotoar minha camiseta e atirando-a longe – Maldição de garota.
Cheguei ao quarto e encarei minha cama, mordendo o interior de minha boca em tom de desgosto. Como se a visão morta do cômodo já não surtisse um efeito negativo em meu humor, minha mente tinha o prazer de divagar por entre as costuras da colcha azul marinho, desenhando com elas a forma de um corpo feminino. O corpo feminino que me atormentava desde que meus olhos cismaram em decorar seu contorno, e que assombrava meus lençóis a partir de então.
- Maldição de garota – repeti, desafivelando meu cinto e deixando que a calça social preta caísse aos meus pés. Chutei-a para qualquer lugar, assim como meus sapatos e meias, atirando meu corpo sobre o colchão logo em seguida. Abri meus braços, quase tocando as extremidades da cama com a ponta de meus dedos, e respirei fundo, sentindo o ar gélido me acalmar ao resfriar meus pulmões. Fechei os olhos, sentindo meu corpo se arrepiar levemente pela temperatura inadequada para minha única vestimenta: as boxers. Fiquei imóvel por alguns segundos, apenas deixando meus sentidos se apurarem em meio ao silêncio denso e à brisa gelada que vinha da janela, e inevitavelmente minha mente intensificou seu raciocínio, contrariando propositalmente minhas ordens para que seguisse o caminho oposto.
Há menos de uma semana atrás, eu a tinha em meus braços. Sua respiração batia calmamente contra meu tórax, seu corpo jovem e adormecido depositava um peso confortável sobre mim, o perfume cítrico de seus cabelos confundia-se com minha respiração como uma bênção... Ela era minha.
Hoje, ali estava eu novamente. Sem nada mais do que algumas lembranças, muitos desejos e uma quantidade considerável de seu ódio para chamar de meu.
O que mais me intrigava nisso tudo era que as coisas pareciam ter efeito contrário quando se tratava dela. Quanto mais eu demonstrasse meu interesse e corresse atrás, mais ela parecia se afastar de mim, como ímãs que se repelem. Justo eu, que nunca havia perdido uma chance de me aproximar. Justo eu, que sempre lutei pelas coisas que quis. Está certo, concordo que dinheiro e mulheres nunca foram problema para mim, mas há um certo momento na vida de um homem no qual não se tira mais vantagem de detalhes como esses. Pessoas como eu amadurecem de fora para dentro: primeiro, os desejos carnais, a luxúria, a ambição, o materialismo incontroláveis; depois, conforme o tempo passa e a experiência começa a pesar sobre nossos ombros, boa parte desse encanto se esvai, e apenas uma fraca e temporária névoa permanece, deixando-nos nada mais que o vazio. Um vazio que dói, lateja, pulsa e sangra cada vez mais, implorando por algo que o preencha.
E esse momento parecia enfim estar chegando para mim. Já era hora de reconhecer que eu estava ficando velho demais para brincadeiras. Agir como gente grande parecia uma tarefa bastante interessante aos olhos do bom apreciador de desafios que eu era. Prêmios fáceis não aguçavam minha competitividade; nunca fui adepto de prendas baratas e sem valor algum, a não ser para preencher o tédio. Mesmo tendo a criação farta que tive, o bom senso nunca me faltou. Sempre soube investir em tarefas árduas, pois sabia que a conquista me recompensaria de maneira equivalente a todo o tempo e suor gastos para obtê-la.
Sempre soube que após algum esforço, ela seria minha. E dessa vez não seria diferente. Se ela pensava que finalmente havia me feito desistir, não conhecia o tamanho de minha obstinação. Se ela achava que eu me daria por vencido tão cedo, não conhecia nem metade da determinação que havia dentro de mim.
Virei-me de lado na cama, deparando-me com o relógio de cabeceira: meia-noite e dez. Meus olhos começaram a dar leves sinais de sonolência, e eu atribuí tal feito aos copos de uísque que havia bebido há pouco. Obrigado, álcool, meu fiel companheiro, por mais uma noite de sono. Sem demora, minhas pálpebras se fecharam confortavelmente, e eu soltei um suspiro relaxado. A sensação de decisão tomada se disseminava por meu corpo, provocando um torpor delicioso e um leve sorriso em meu rosto.
Eu a veria naquele maldito baile. E mesmo que ela tentasse me recusar de todas as formas, eu a teria novamente em minhas mãos e em minha boca, como sempre deveria tê-la.
Já disse que realmente gosto de desafios?

Uma música ensurdecedora enchia meus ouvidos, fazendo com que minhas entranhas parecessem vibrar conforme o ritmo da batida eletrônica. A iluminação era irregular e colorida, acompanhada de uma leve névoa, e a grande quantidade de pessoas fazia com que a temperatura aumentasse dentro daquele ambiente.
Olhei brevemente ao redor, tentando me localizar, e não demorei muito tempo para reconhecer o lugar: estava no ginásio do colégio onde trabalhava, e uma enorme pista de dança havia sido injetada nele. Vultos passavam rapidamente por mim, e somente algum tempo depois, me dei conta de que eram alunos e professores rodopiando ao meu redor, envoltos em suas próprias coreografias improvisadas e empolgados demais com a música para me notarem.
Um sorriso esperto se alojou em meus lábios quando finalmente a ficha caiu dentro de meu cérebro. Eu estava no baile de primavera. Ou seja, faltava pouco para que entrasse em meu campo de visão, e não muito tempo depois, em algum banheiro ou sala vazia. Comigo.
Vasculhei discretamente a multidão de gente que dançava, mas não encontrei sinal algum da única pessoa que desejava ver. Caminhei rapidamente até o bar, que para minha surpresa, estava vazio, e pedi o drinque mais forte que o barman pudesse me dar. Eu não planejava ficar bêbado naquela noite, mas se eu ainda teria que esperar mais por ela, que fosse com uma boa dose de álcool correndo em minhas veias. Virei o corpo de frente para a pista, sentindo uma leve adrenalina formigar em meus músculos e delatar a imensidão de minha ansiedade. Se durante a espera eu já me sentia prestes a implodir, não sei se gostaria de estar na pele dela quando finalmente a tivesse em minhas mãos.
E então, foi como uma alucinação. Meus olhos se chocaram contra a imagem inesperada, e tiveram que fazer o caminho de volta ao distanciarem-se distraidamente dela. Os cabelos volumosos, os olhos vorazes, os lábios sensuais, o colo sedutor, o busto delicioso... A cintura definida, os quadris sinuosos, as coxas fartas... Sim, era ela.
.
O desejo transbordava em meu olhar. Aquela só podia ser a visão do paraíso. Como se o simples fato de ela estar ali já não me bastasse, estava absolutamente deslumbrante. Nunca, nem sequer em meus delírios mais profundos, imaginei que a veria linda como ela estava naquele momento, aproximando-se cada vez mais de mim e tornando a possibilidade de tocá-la cada vez mais válida.
Seus cabelos estavam caídos sobre os ombros, formando perfeitas e charmosas ondas em seus fios. Seus olhos eram felinamente delineados por linhas pretas ao seu redor, deixando suas íris faiscantes e fixas nas minhas ainda mais hipnotizantes. O corpo era coberto apenas por um justo e curto vestido tomara-que-caia vermelho, que destacava toda a região de seus ombros, colo e pernas. Uma delas, inclusive, estava quase totalmente nua devido ao corte vertical que abrangia desde a barra do vestido, que ficava na metade de sua coxa, até perto de seus quadris. Os sapatos pretos de salto tornavam os contornos de seu corpo ainda mais sensuais, fazendo com que minhas mãos subitamente começassem a suar frio e meu coração parasse por alguns segundos, antes de recomeçar a bater com velocidade alucinante.
E antes que eu pudesse me conter e pensar em alguma coisa que não fosse sua beleza, seu perfume envolveu a atmosfera que me rondava, anunciando sua aproximação. Meus olhos ainda encaravam os dela, provocantes, e sua sensualidade começava a surtir efeitos físicos em mim: gradativamente, a calça social me parecia extremamente desconfortável, assim como todo o resto de minhas roupas, e a necessidade de sentir sua pele quente contra a minha chegava a me arrepiar por inteiro. Era possível sentir o suor gelado brotar de minha testa, o sangue ser violentamente bombeado para o resto do corpo, a garganta secar em poucos segundos, as extremidades formigarem de tesão. Como ela podia ser tão maravilhosa?
me olhou de cima a baixo, assim como eu havia feito com ela há poucos segundos, e seus lábios avermelhados se retorceram num sorriso malicioso. Ou ela havia desistido de se afastar de mim, ou ela estava tirando uma com a minha cara. Não consegui me decidir, havia outros milhares de pensamentos colidindo em minha mente para que eu pudesse concluir alguma coisa. Para mim, não fazia muita diferença, eu sabia que a teria naquela noite e nenhuma dessas opções representava um obstáculo para mim. Ela virou lentamente o corpo, indicando que se afastaria, e me lançou um último olhar significativo antes de caminhar até a pista, rebolando de um jeito enlouquecedor. Deus do céu, o que ela estava planejando para mim?
Apenas a observei se distanciar, totalmente nocauteado, até que ela parou praticamente no meio da pista de dança e voltou a me encarar. Havia menos gente ao seu redor agora, por algum motivo que eu não estava interessado em saber, tornando minha visibilidade plena. Ela voltou a sorrir, safada, e como se cada parte de seu corpo tivesse vida própria, começou a dançar de um jeito extremamente sensual, como se fosse apenas para pisar no que ainda restava de meu autocontrole fragilizado. A música parecia tocar conforme seus movimentos, e não o contrário; seus olhos mantinham-se presos aos meus, como se analisassem o efeito que sua movimentação provocava em mim. Meu corpo gritava, cada pedacinho de mim urrava, em um uníssono perfeitamente audível e impossível de ser reprimido, a minha sentença.
Eu precisava tê-la. Não havia mais forças para esperar.
Engoli em seco, sentindo dificuldade para respirar, e retomei parte do controle de minha mente. Ignorei tudo e todos ao meu redor e caminhei determinadamente em direção a ela, sentindo os joelhos tremerem e a calça apertar meu corpo. Nossos olhares estavam tão conectados que eu mal podia enxergar outra coisa em minha frente a não ser o brilho de seus olhos. A cada passo, meu coração parecia acelerar ainda mais seus batimentos, ansiando pelo momento em que ela estaria grudada em mim e nossos corpos, prestes a se fundirem num só.
Mas esse momento parecia não chegar nunca. Na verdade, eu já estava andando há tempo demais para não a ter alcançado ainda. Franzi levemente a testa, confuso, e só então me dei conta de que ainda estava no mesmo lugar. Ela, porém, pareceu não perceber isso, porque não houve mudança alguma em seu comportamento. Angustiado, apenas apertei o passo, tentando inutilmente sair dali, mas nada mudou. Minha visão já estava um tanto turva pela falta de oxigênio, mas eu não me importava com aquilo. Tudo que eu queria era chegar até antes que alguém o fizesse. Antes, talvez, que o fizesse, se é que ele estava ali.
E não precisei de muito tempo para descobrir.
Dois segundos depois, ele surgiu de algum lugar perto de mim e simplesmente passou reto, com os olhos fixos na pista. Acompanhei seu trajeto com o olhar, e para meu pânico, ele se aproximava cada vez mais dela, que agora retribuía seu olhar com um sorriso cheio de segundas intenções. O meu sorriso – sim, ele era só meu, e nada mudaria minha opinião. chegou até ela com facilidade, e envolveu sua cintura com as mãos, deixando que as dela se apossassem de seu pescoço. Um nó apertado surgiu em minha garganta, gerando uma dor lancinante; olhei ao meu redor, procurando por alguém que pudesse me ajudar a me mover, mas subitamente, todos que estavam próximos a mim pareceram sumir, deixando-me completamente a sós com minha agonia. Ou pelo menos quase, até uma voz familiar sussurrar bem ao pé de meu ouvido.
- Ah, aí está você.
Virei-me de um pulo na direção do som, e fui dominado por um horrível enjôo assim que reconheci a dona do sussurro.
- Estava te procurando há horas! – Kelly Smithers disse, com um sorriso presunçoso no rosto e, antes que eu pudesse sequer abrir a boca para dizer algo, senti sua mão agarrar minha gravata e me puxar na direção oposta à de . E, como num passe de mágica, meu corpo obedeceu a seu comando e se moveu para longe da pista. Minha respiração, que já era praticamente nula, tornou-se ainda mais entrecortada conforme a imagem de e ficava cada vez mais inatingível.
E então meu celular tocou.
Espera aí. Meu celular tocou?
A visão mal iluminada do ginásio deu lugar à claridade do sol, esparramando-se quarto adentro pela janela e sendo refletida nas paredes brancas. Minha respiração era ruidosa e minha boca estava seca, ao contrário de meu corpo, que parecia ter ensopado os lençóis de suor. Olhei em desespero ao meu redor, sem nem me lembrar de como havia ido parar sentado na cama, e tudo que vi foi meu quarto, exatamente como deveria estar. Nenhum móvel a menos, nenhum corpo a mais.
Soltei um suspiro aliviado, fechando pesadamente os olhos em seguida e sentindo meu corpo se acalmar gradativamente. Tudo aquilo havia sido um sonho, ou melhor, um pesadelo. Apenas, somente, nada mais do que isso. Voltei a encarar meus lençóis revirados, normalizando meus sinais vitais, e só então o barulho estridente que me despertara voltou a se apoderar de meus tímpanos. Franzi minha testa umedecida de suor e virei-me na direção da mesinha de cabeceira, fonte do som: meu celular tocava e vibrava energicamente sobre a superfície, implorando por atenção.
Revirei os olhos, irritado com a perturbação matinal, e joguei meu tronco violentamente de volta ao conforto do colchão. E somente por um único motivo, decidi atender à chamada, sem nem olhar de quem ela era para não desistir de meu ato de gratidão.
A maldita ligação havia me tirado daquele pesadelo horripilante. E isso era uma boa ação num sábado de manhã. Obrigado, estranho... Eu acho.
- Alô? – rosnei, sem fazer a menor questão de ser simpático. Fosse quem fosse, já estava com sorte demais por ter sido atendido àquela hora.
- ? – uma voz melada emanou do celular, e por um segundo, me arrependi de ter sido tão piedoso. O enjôo pelo qual fui atingido em sonho retornou com força total assim que ouvi Kelly pronunciar meu nome daquele jeito vulgar de sempre, me fazendo pensar que vomitaria a qualquer momento.
- Queria poder dizer que não – grunhi, respirando fundo logo em seguida para conter a movimentação suspeita do conteúdo de meu estômago.
- Ih, pelo jeito acordou de mau humor – ela notou, com a voz levemente ofendida, o que me causou uma súbita vontade de rir – O que houve? Andou tendo sonhos ruins?
Ah, foi macumba sua eu ter sonhado aquelas coisas, não foi, sua piranha? Eu já devia saber que estar prestes a conviver algumas horas com você fora do calendário escolar semanal seria traumático o suficiente para me causar noites ruins.
- Meus sonhos não são da sua conta – falei, com a voz encharcada de tédio – Já a maneira como você os interrompe desnecessariamente devia lhe render pena de morte.
A hipótese de ver Kelly recebendo uma injeção letal ou numa das câmaras de gás famosas na época de Hitler me fez divagar por técnicas de tortura bastante interessantes, distraindo-me por tempo suficiente para que eu quase perdesse sua resposta.
- Como você é estúpido às vezes, – sua voz afetada reclamou, provocando um sorriso maldoso e satisfeito em meu rosto por ter conseguido demonstrar o efeito péssimo que ela tinha em meu humor – E, pra sua informação, eu não liguei para falar baboseiras, tá? Só queria saber que horas você vai passar aqui hoje, pra poder estar pronta a tempo.
Ergui uma sobrancelha, adotando uma expressão horrorizada, e olhei rapidamente para o relógio: nove e cinco da manhã. Meu rosto se contorceu ainda mais, num reflexo chocado por sua atitude idiota. Quem em sã consciência acorda às nove da manhã num sábado para acordar outra pessoa e falar sobre um baile de primavera idiota?
Pois é. Kelly Smithers parecia ser exatamente esse tipo de pessoa. E eu era o tipo de babaca que se deixava acordar por gente como ela. Você pode até tentar me consolar dizendo que eu provavelmente não era o único cara a ser acordado por sua acompanhante naquele dia, e eu te respondo que tal fato não me consola nem um pouco.
Aposto que ainda estava dormindo, mal se preocupando com futilidades como bailes de primavera. Pra que programar o dia todo ao redor de uma festa idiota, sendo que em pouco mais de meia hora ela já poderia estar magnífica dentro de qualquer roupa?
Soltei um suspiro levemente irritado comigo mesmo por minha capacidade de desviar meus pensamentos para ela com tamanha facilidade. Calma, , desse jeito não vai sobreviver até a noite. Seu coração de trinta anos não resiste ao mesmo ritmo frenético de dez anos atrás, apesar de ser perfeitamente saudável e acostumado a situações como essa.
- Ahn... Sei lá, Smithers, se vira – respondi, retornando ao assunto com certa dificuldade de concentração e sentindo os últimos vestígios de minha bondade se esvaírem rapidamente – Agora se me der licença, vou voltar a dormir.
- Mas ... – ouvi Kelly protestar, com sua típica voz de biscate revoltada, mas não a dei chance de continuar.
- E não corra o risco de quebrar suas unhas tentando me ligar de novo, porque eu vou desligar o celular. Siga meu exemplo e volte a dormir também, pelo bem da humanidade.
Com um sorriso sacana no rosto e sem ouvir mais uma palavra sequer, encerrei a ligação, colocando o aparelho no modo silencioso logo em seguida. Um homem sempre precisava de um pouco de paz após um diálogo tão desgastante com Kelly Smithers, e eu estava prestes a ter o meu.
Ou pelo menos tentar tê-lo.
Mesmo voltando a me acomodar confortavelmente entre meus lençóis, o sono já me parecia distante. Meus olhos se recusavam a fechar, e uma leve agitação havia se alojado em meu estômago, arrancando suspiros tensos de meus pulmões vez ou outra. Abracei um de meus travesseiros, com a intenção de descarregar um pouco de minha inquietação repentina na força de meu aperto. Em vão.
- Merda – sussurrei baixo e entre dentes, quando finalmente desisti de dormir. Levantei-me de um pulo, espreguiçando-me assim que fiquei de pé, e respirei fundo antes de me dirigir ao banheiro para fazer minha higiene matinal. Dez minutos depois, saí de lá uma nova pessoa, com barba feita, rosto lavado, dentes escovados e hálito fresco. Deus salve a Rainha, e a higiene.
Ainda esticando-me, caminhei preguiçosamente pelo corredor frio até chegar à cozinha. Revirei os armários abarrotados de besteiras e preparei um café-da-manhã quase adolescente: torradas com geléia e um copo enorme de achocolatado. Se a manhã não havia começado tão bem quanto eu previra, nada me impedia de tentar consertá-la, certo?
Atirei-me sobre o sofá após colocar a bandeja com minha refeição sobre a mesinha de centro, e liguei a enorme TV de plasma. Noticiários matinais, programas para crianças, e toda aquela chatice de sempre. Bufei diante daquele tédio, deixando alguns pedaços da torrada que eu mastigava escaparem de minha boca, e não pude deixar de rir de meu momento infantil. Eu costumava ser sempre tão metódico, sempre tão objetivo, que às vezes minha criancice diante de alguns detalhes bobos me surpreendia, permitindo-me pensar que ainda havia algo valoroso dentro de mim.
Minha nossa... Isso foi profundo. Eu bem que devia anotar pensamentos filosóficos como esse.
Tsc, quer saber? Que se foda.
Tamanha ocupação mental às nove e meia da manhã me deu uma suave dor de cabeça, e eu resolvi desligar meu modo Platão e parasitar um pouco diante da televisão. Após alguns segundos trocando furiosamente de canal, encontrei um programa agradável: Hell’s Kitchen. Você deve estar pensando que eu sou algum tipo de homossexual enrustido por assistir programas de culinária, mas tenho dois excelentes motivos que explicam a relação entre minha heterossexualidade (sólida como granito, diga-se de passagem, que isso fique bastante claro, obrigado) e a gastronomia. Primeiro, a arte da culinária é algo a ser muito apreciado, principalmente quando se mora sozinho e se aprende o quão difícil é preparar um almoço digno após uma manhã de trabalho árduo; segundo, Gordon Ramsay era o cara. Essa frase pode ter soado meio estranha, mas é que para mim, Hell’s Kitchen era não só um programa sobre comida, mas também sobre como ser um filho da puta de primeira categoria. E ambas as opções me atraíam de certa forma.
Fiquei assistindo, em meio a gargalhadas e lágrimas de tanto rir, aos esculachos de Gordon durante boa parte da manhã, graças à pequena maratona de Hell’s Kitchen, e assim continuei, estirado em meu sofá absurdamente confortável, pulando de canal em canal até ficar sem opções de programação. Quando enfim desisti da TV, meu estômago já estava implorando por comida, e obviamente não o contrariei.
Liguei para um restaurante chinês e pedi um yakissoba tamanho família, com tudo que minha forma atlética tinha direito. Enquanto meu almoço não chegava, tomei um banho rápido, tentando espantar os últimos rastros de preguiça. Não que eu realmente acreditasse que uma ducha gelada me daria o ânimo que eu precisava, mas não custava nada tentar. Confesso que durante o banho eu andei me lembrando da parte boa de meu sonho/pesadelo, o que estendeu minha estadia debaixo do chuveiro por alguns minutos. Ser homem tinha suas desvantagens, como a fraqueza mental diante das mulheres (e conseqüentemente, a física que se seguia a ela).
Exatamente quando terminei de me vestir, o interfone tocou, anunciando a chegada de minha refeição. Poucos minutos depois, já estava sentado novamente em meu sofá, saboreando as delícias da culinária chinesa (ou japonesa, pra mim é tudo igual). Devorei tudo em tempo recorde, sendo atingido em cheio pelo arrebatador sono pós-almoço. Lavei rapidamente a louça que havia usado, tentando me manter acordado, mas parecia que o sono de uma manhã desagradavelmente interrompida também começara a se manifestar. Tudo que me lembro após essa constatação foi que assim que terminei a louça, cambaleei até minha cama ainda desarrumada, e me deixei cair sobre ela, sentindo as pálpebras pesarem e a mente entrar em hibernação.
E, como se tivesse acabado de fechar os olhos, voltei a abri-los, subitamente assustado. Ao invés da claridade amena da tarde, minhas pupilas dilataram-se ao encontrarem a escuridão da noite dominar meu quarto. Eu odiava aquela sensação, fazia com que minha cabeça parecesse pesar toneladas. Instintivamente, olhei para o relógio de cabeceira, ainda um pouco zonzo: oito e quinze.
- Merda! – exclamei, quase caindo da cama ao querer me levantar depressa, embolando-me nas cobertas e levando o triplo do tempo que levaria para ficar de pé normalmente. O baile já havia começado há quinze minutos e eu mal havia separado um terno decente! Jamais me perdoaria se chegasse e eu não estivesse lá para vê-la... Seriam quinze minutos desperdiçados de uma noite com ela, e eu me amaldiçoaria para sempre por perdê-los.
Ajeitei a cama com toda a rapidez que pude e tomei uma rápida ducha fria, somente para afastar os últimos vestígios de sono e deixar que a água gelada me trouxesse a concentração da qual eu precisaria naquela noite (não, não estava com humor nem tempo para lembrar novamente do sonho, tá legal?). Enxuguei-me depressa e enrolei a toalha em meus quadris, deixando o banheiro feito um raio e pegando a primeira combinação de paletó, gravata, camisa, calça e sapatos sociais que encontrei. Meu figurino aleatório até que não ficou tão mal: uma camisa roxa, uma gravata cinza clara e o resto das roupas de cor preta, assim como as boxers que vesti correndo (e quase caindo ao fazê-lo). Odiava estar atrasado, odiava me arrumar correndo, sempre deixava os outros esperando e que se danem os horários, mas hoje era uma rara e necessária exceção.
Vesti o resto das roupas na mesma velocidade, e em menos de cinco minutos, já estava praticamente pronto. Me olhei rapidamente no grande espelho do banheiro para me certificar de que estava tudo certo, e ajeitei a gravata que ainda estava frouxa em meu pescoço. Eu odiava usar aquela droga (e passei a odiar ainda mais depois de meu pesadelo), parecia uma coleira me enforcando, mas para as mulheres, era uma espécie de charme a mais. Vai entender a mente feminina... Acho mesmo é que elas sabem que essa porcaria nos incomoda e fingem gostar só pra nos ver sofrer.
Voltando ao assunto, escovei os dentes com todo o cuidado que alguns minutos me permitiram, e dei uma rápida bagunçada em meu cabelo, o suficiente para que ele ficasse do jeito que eu gostava. Pelo menos ele parecia estar contribuindo para o sucesso de minha noite. Peguei o vidro de perfume que aguardava sobre a pia do banheiro e borrifei nos lugares de sempre: nos pulsos e no pescoço. Saí do banheiro e fui até o quarto para pegar meu celular e minha carteira, únicos itens que me faltavam, sentindo aqueles sapatos sociais me incomodarem um pouco. Nada que fosse conquistar minha atenção quando meus olhos estivessem ocupando espaço demais em minha mente, como eu sabia que estariam assim que entrasse em meu campo de visão. Após (quase) um dia inteiro sem pensar nela, o que era um tanto raro, já que a via cinco dias na semana, não pude deixar de sorrir sozinho ao visualizar o momento em que estaríamos próximos novamente.
Mas logo voltei à realidade, e revirei os olhos ao guardar o celular no bolso. Pra que eu ia precisar daquele pedaço de tecnologia irritante? Aquilo só servia pra me estressar, afinal, sempre tem aquele energúmeno que me liga justo nos momentos mais impróprios só para torrar minha paciência. Tipo o . Fiz uma careta ao me lembrar dele e de todo aquele triângulo amoroso no qual estávamos metidos; com certeza, ele era o mais desavisado do perigo que corria estando em meio ao fogo cruzado no qual se resumia minha interferência em sua relação com .
Não que eu tivesse orgulho de ser o responsável pelos chifres do meu melhor amigo. Como eu acabei de dizer, ele é meu melhor amigo - bom, pelo menos por enquanto ele é, não sei se continuará sendo por muito tempo -, mas as coisas se tornam um pouco mais complicadas quando esse amigo está com a única garota que você quer em todo o universo, entende? Se ele estivesse pegando a Smithers ou qualquer outra garota oferecida da escola, eu mal estaria ligando pra isso. Mas não. Ele foi escolher a . Justo a . Eu vi primeiro, eu tinha mais direito do que ele, ainda mais agora que ela me correspondia, mesmo que não quisesse admitir. Certo?
Larguei o celular sobre a mesinha de cabeceira e voei até a porta, rodando a chave da Ferrari no dedo indicador de uma mão e guardando minha carteira no bolso da calça social com a outra. Peguei o elevador e rapidamente cheguei à garagem, onde meu brinquedinho vermelho reluzia, me esperando, pronto pra me levar o mais depressa possível para aquele baile. E, conseqüentemente, pra . Porque, com toda a certeza do mundo, ela seria minha hoje. Toda minha.
Enquanto manobrava com facilidade e acelerava rumo à saída da garagem, me peguei pensando em como ela estaria vestida. Será que estaria de vermelho, como em meu sonho/pesadelo, só pra me provocar ainda mais antes mesmo de encostar em mim? Ou talvez estivesse de preto, escondendo por debaixo de seu vestido todas aquelas curvas que faziam meu sangue borbulhar em certas regiões e me deixavam com aquele sorriso tarado no rosto só de pensar nelas? É... Pensando assim, eu prefiro que ela esteja de preto.
Dirigi o mais depressa que pude até a escola, sentindo meu coração acelerar a cada semáforo ultrapassado. Estacionei bem na frente do colégio, abençoando quem teve a brilhante idéia de reservar as vagas privilegiadas para o corpo docente, e saí da Ferrari, respirando fundo e me preparando pra finalmente vê-la. Não seria difícil encontrá-la, era só procurar a garota mais perfeita no meio daquele monte de alunos sem graça. Contive um sorriso ao imaginá-la, quase irradiando luz própria de tão linda em meio àquele bando de gente idiota, e atravessei a rua, me esgueirando por entre a multidão que entupia a entrada da escola.
Com passos largos e rápidos, logo cheguei ao local onde havia mais gente: a pista de dança, que era basicamente a mesma que eu havia visualizado em sonho (talvez porque todo ano, a mesma decoração se repetia, a ponto de todos os professores já a saberem de cor). Uma música qualquer tocava, fazendo as pessoas se moverem conforme seu ritmo, mas nenhuma dessas pessoas era quem eu procurava. Bufei, lançando olhares impacientes para todas as direções, e em poucos minutos, já tinha percorrido todos os ambientes disponíveis, sem encontrá-la em lugar nenhum. Não havia motivo para estar naquele de baile se não fosse para vê-la, então a leve irritação que começava a me dominar fazia um certo sentido. Sem contar os arrepios que se manifestavam por debaixo do tecido da roupa ao passar pelo bar praticamente idêntico ao que visualizei em sonho.
- Cadê ela? – rosnei, baixo o suficiente para ninguém escutar, e quando estava prestes a começar uma segunda ronda, ouvi uma voz pronunciar meu nome.
- Ei, ! – algumas meninas do terceiro ano chamaram, e quando me virei em sua direção, vi que elas carregavam expressões confusas – Você viu a Kelly por aí?
Meus olhos se arregalaram após aquela pergunta, demonstrando meu pânico.
Eu tinha me esquecido completamente de buscar Kelly.
Merda! Merda, merda, merda!
- Não – respondi, tentando manter a calma, e graças a Deus consegui recuperar minha concentração antes que as garotas percebessem minha falha – Ela... Ela deve estar... Por aí.
- Nós a procuramos por toda parte, e nada – uma delas disse, agravando sua expressão desconfiada – Bom, se a vir, peça a ela para nos procurar, pode ser?
- Pode deixar – assenti, disfarçando minha afobação para que elas fossem embora, e assim que se distanciaram, caminhei avidamente até a saída do colégio. Àquela hora, Kelly deveria estar me xingando de todos os nomes feios que conhecia, e eu aposto que conhecia muitos. Não que eu ligasse para isso, pelo contrário, enfurecê-la era algo que eu gostava de fazer, mas do jeito que era vingativa, seria capaz de qualquer coisa para me ver pagar pela gafe de tê-la esquecido em pleno baile de primavera, ainda mais em seu último ano no colegial. E me ver metido em escândalos era a última coisa que eu queria no momento, já havia coisas demais em minha cabeça requerendo minha preocupação.
Entrei apressadamente na Ferrari, e acelerei sem demora, a caminho da casa de Kelly. Estava com a cabeça tão perdida em mil pensamentos diferentes que mal me lembrei de que, incluída no caminho da escola para a mansão dos Smithers, havia uma rua que me despertava muita curiosidade depois que descobri um interessante fato sobre ela.
Era ali que ficava a casa de .
Fazia tanto tempo que eu não dirigia por aquele trajeto que mal me recordei desse fato tão relevante. Só me dei conta desse detalhe quando meus olhos se depararam com a casa familiar, poucos metros à minha frente. Quando estive ali pela primeira e até então única vez, após a última festa de Kelly à qual tinha ido, terminei num poste, com minha BMW amassada feito sucata. Senti meus pulmões se contraírem de tensão devido às sensações que aquele lugar me trazia, e não consegui conter a vontade de frear bem em frente à casa, tentando não chamar muita atenção, é claro.
Observei atentamente as janelas, buscando por alguma luz acesa, mas não encontrei nada, a não ser por um detalhe no mínimo curioso: os vidros de uma janela próxima à porta estavam abertos. Perigoso descuido, sem dúvida, apesar de aquele ser um bairro bastante famoso por seu baixo índice de criminalidade. Provavelmente, sua mãe ainda estava em algum cômodo e logo notaria a discreta abertura, por isso nem me preocupei em tomar qualquer atitude.
- Como eu sou idiota – murmurei para mim mesmo após mais alguns segundos na espreita, relaxando meus ombros e balançando negativamente a cabeça, porém sem tirar os olhos da casa – Ela deve estar chegando ao baile enquanto você a espera aqui, feito uma mula.
Suspirei profundamente, sentindo o peso da ignorância me desanimar, e após mais alguns segundos de tola esperança, voltei a girar a chave na ignição, rindo de minha própria burrice. Lancei um último e ansioso olhar à casa escura, contendo minha curiosidade em saber como ela era por dentro, e assim que meus olhos voltaram a se afastar dela, vi algo que me pareceu uma miragem a princípio, mas depois se tornou fato.
Uma das luzes havia sido acesa no andar de cima.
Voltei a fixar meu olhar no cômodo agora iluminado, sentindo meu coração palpitar ansiosamente, e não precisei esperar muito para que o responsável por ativar aquela iluminação passasse bem em frente à janela, perto o suficiente para que eu o reconhecesse.
Perto o suficiente para que eu recebesse a melhor notícia de minha noite.
Aquele só podia ser o quarto de .
Porque era justamente ela quem estava lá dentro.
- Eu não acredito nisso – sussurrei para mim mesmo, ouvindo os batimentos eufóricos de meu coração ao constatar tais fatos, e como num piscar de olhos, todas as peças se uniram em minha mente, formando uma imagem muito mais do que clara, apesar dos riscos que me oferecia – Então... Ela não vai ao baile?
Meus olhos foram da janela de até os vidros abertos no andar de baixo, e continuaram fazendo esse percurso vicioso por alguns segundos, buscando por possíveis falhas. Encontrei algumas, como a possibilidade de sua mãe estar em casa, mas eu estava tão boquiaberto diante daquela situação tão favorecedora que hipóteses como essa me pareceram meros detalhes.
Está tão fácil!, uma voz ecoou em minha cabeça, e eu não pude fazer nada a não ser concordar com ela. Após mais alguns poucos segundos de indecisão, respirei fundo e me desfiz da gravata, sentindo que precisaria de mais ar do que o normal. Minha escolha estava feita; estimulada pela exorbitante recompensa que sua presença poderia me trazer, a coragem necessária para lidar com as piores derrotas agora zunia em minhas veias.
Porque para a doce vitória, eu já estava mais do que preparado.
- Hm... – pensei alto, cerrando meus olhos agora fixos na janela do andar de baixo, e um sorriso criminoso surgiu em meu rosto – Por que não?

Capítulo 24


( ’s POV)


Deus do céu. Que tédio! Se eu soubesse que ficaria naquele estado absurdo de marasmo, teria me atirado de um prédio antes de ter que passar por aquele fim de semana.
Enquanto entrava em meu quarto, acendendo a luz e me livrando da escuridão na qual minha casa havia se transformado há algumas horas, bufava e pisava forte, tendo o barulho de meus passos levemente abafado por minhas pantufas do Snoopy. Me joguei estrondosamente em minha cama, bagunçando todos os meus bichinhos de pelúcia, e respirei profunda e lentamente. O dia realmente havia sido vazio, tão vazio como o branco do teto que eu encarava.
Mamãe havia sumido devido a tal da festa surpresa, e mesmo tendo ligado uma ou duas vezes, não era a mesma coisa. Me mantive sentada no sofá da sala o dia todo, me entupindo de sorvete e outras gordices enquanto assistia a filmes de comédia, drama e até mesmo alguns seriados. Agora era hora de fazer alguma coisa da vida, tipo tomar um banho e quem sabe dormir cedinho pra que aquele dia terminasse logo e alguém desse sinal de vida. Quem sabe e Ewan não desistissem de tirar o atraso e me chamassem pra sair com eles no dia seguinte?
Me sentei na cama, sentindo uma preguiça monstruosa me dominar, originada pelo dia inteiro de inutilidade. Prendi meu cabelo de qualquer jeito, enrolando-o habilidosamente e dando um nó nele, de modo que formasse um coque firme, e fiquei de pé, ignorando a falta de vontade para isso. Caminhei (lê-se: me arrastei) até o banheiro de minha suíte – existem vantagens de se morar sozinha com sua mãe, sabia? - e me tranquei lá, apesar de saber que estava sozinha em casa e não havia perigo de alguém invadir minha residência, ainda mais naquele bairro tão tranqüilo. Tirei o pijama sem pressa, liguei o chuveiro quentinho e me enfiei debaixo dele, deixando somente a cabeça de fora. Molhar o cabelo àquela hora não estava entre meus planos, eu detestava dormir com o cabelo ainda úmido. Sim, sou muito esquisita.
Fechei os olhos, sentindo o calor da água se espalhar por minha pele e relaxar meus músculos imediatamente. Um sorrisinho involuntário surgiu em meu rosto conforme o conforto se disseminava por todas as partes de meu corpo, e por um momento, até ri de minha idiotice. Me ensaboei devagar, brincando com a espuma excessiva que o sabonete líquido formou sobre minha pele, e me enxagüei na mesma velocidade. Estava tão bom ali que resolvi estender um pouco mais minha estadia no box, mesmo já tendo feito tudo que devia fazer.
Quase adormeci por várias vezes, mesmo estando de pé, de tão relaxada que fiquei após algum tempo sob o poderoso jato mágico de tranqüilidade. Quando minha consciência ecológica começou a pesar e eu me dei conta de que estava gastando litros de água potável para nada, decidi que era hora de terminar o banho, e assim o fiz. Me enxuguei vagarosamente e me enrolei em minha toalha, sentindo um leve frio percorrer minhas pernas descobertas. Toda encolhida e me preparando para a brisa gelada que encontraria em meu quarto devido à ausência do vapor presente no banheiro, abri a porta num surto de coragem, e a primeira atitude que tomei foi fechar a janela, sem nem olhar para qualquer outra coisa. Rapidamente, fechei os vidros, olhando distraidamente para fora, e por um momento, meus olhos se fixaram num detalhe bastante atípico.
Havia uma Ferrari estacionada bem em frente à minha casa.
Engoli em seco, reprimindo as lembranças que aquele modelo de carro me trazia, e respirei fundo, procurando acalmar meu coração subitamente epilético. Era apenas uma coincidência, certo? Nada mais do que aquilo. Àquela hora, devia estar se enroscando com Kelly no baile da escola ou em seu apartamento, mal se lembrando de minha existência, ou então pouco se importando com ela. Assim como eu não dou a mínima para a dele. É, isso aí.
Me virei de volta ao quarto, perguntando-me quando deixaria de ser tão idiota, e foi então que uma forma estranha se revelou sobre minha cama, brincando vagamente com um de meus bichinhos de pelúcia. Assim que meus olhos focalizaram o intruso, não houve tempo sequer para pensar antes que meu cérebro travasse completamente. Apenas pisquei duas vezes, em pane diante do choque entre o que eu esperava ver e o que realmente vi, enquanto o visitante inesperado virava lentamente a cabeça para mim, notando minha presença.
Não demorei a reconhecer o invasor. O problema foi acreditar que ele realmente estava ali, e não era só mais um fruto de minha imaginação. Infelizmente, essa possibilidade foi logo descartada. Claramente, não era nenhuma ilusão; era real demais para isso. Minha mente jamais conseguiria reproduzir uma imagem com tamanho grau de realidade. Enquanto toda essa confusão dominava minha consciência, eu me mantive paralisada, completamente imóvel. Diferentemente dele.
- Hm... Oi – disse, sentado em minha cama com uma expressão inocente, e seus olhos determinados se fixaram por um longo momento em minhas pernas nuas, acompanhados de um quase imperceptível sorriso de canto – Pude jurar que seria recebido com um grito, mas pelo visto, você é mesmo imprevisível.
Pensei ter sentido meu rosto esquentar, mas como o resto do corpo estava igualmente quente devido ao susto, ignorei esse detalhe. Todo aquele calor tinha uma explicação, e ela logo se manifestou por minhas cordas vocais. Dois segundos depois que ele se calou, retomei o controle sobre minha consciência e movimentos, e um grito assustado escapou por entre meus lábios. Instintivamente, me encolhi, puxando a barra da toalha mais para baixo numa tentativa idiota de me esconder. apenas revirou os olhos, como se não houvesse motivo para que eu me comportasse daquela maneira.
- Mas o que... Mas o que você... – comecei, tentando em vão continuar a frase, e ele apenas voltou a me olhar nos olhos, com o rosto ainda inocente – Como você... Como...
- Respira, – ele riu de leve, mantendo o mesmo comportamento, como se sua presença ali fosse absolutamente natural – Não quero que você desmaie nem nada do tipo, está bem?
Até parece que não queria!
Fiz o que ele disse, não porque ele pediu, mas porque eu realmente precisava de ar para organizar minha mente embaralhada e as palavras desconexas que disputavam espaço dentro de minha garganta. Quando já havia inspirado oxigênio suficiente para inflar meus pulmões ao extremo, tudo que fiz, para minha própria vergonha, foi gritar novamente. Era difícil demais acreditar, e pior ainda, entender que ele havia invadido minha casa e estava ali, bem na minha frente. Não é o tipo de coisa com o qual uma pessoa se acostuma antes de gritar algumas vezes.
- Eu disse respira, não grita – ele reclamou, fechando os olhos em tolerância ao meu surto infantil, e logo em seguida voltou a me encarar – Calma, tá legal? Eu não sou um espírito sedento por vingança nem nada do tipo.
Ignorei totalmente suas palavras, ainda chocada demais para entender. Pensando bem, eu preferia enfrentar uma passeata de fantasmas violentos a ter que encarar o fato de que estava jogado sobre minha cama naquele exato momento.
- C-como você... Como você conseguiu entrar aqui? – consegui perguntar, ainda imóvel, e um sorriso que misturava diversão e compaixão surgiu em seu rosto. Eu devia estar parecendo bastante engraçada aos olhos dele; não duvidava nada que ele estava segurando uma gargalhada ao me ver naquele estado vergonhoso - de olhos esbugalhados, boca escancarada e cabelos em pé -, mas como era um excelente ator, tentava atenuar esse desejo, sem ter muito sucesso.
- Digamos que eu dei sorte – ele respondeu com um tom vago, erguendo uma sobrancelha e voltando a mexer no bichinho de pelúcia. Não gostei nada do sorriso que insistia em aparecer no canto de seus lábios; ele me parecia extremamente... Esperto. Resolvi trabalhar em outra pergunta, já que ainda havia muito a ser questionado.
- ... O q-que você t-tá fazendo aqui? – gaguejei, sentindo a resposta imediata de meu corpo manifestar-se em arrepios devido ao fato de que ele estava se levantando lentamente da cama. Tentei fazer com que meus pés desgrudassem do chão para que eu me movesse, mas a madeira do assoalho e minha pele pareciam um só, mantendo-me presa onde estava.
- Sei que você é inteligente o bastante para deduzir essa resposta por si mesma – sua voz suavemente rouca respondeu, acompanhada de um passo lento dele em minha direção e do aumento de minha freqüência cardíaca – Vou lhe dar mais uma chance de fazer perguntas mais elaboradas.
- Vá embora, – murmurei, sentindo minha voz falhar quase que totalmente devido ao enorme nó que se formara em minha garganta, mas pelo menos a gagueira tinha passado – Você não tem nada para fazer aqui.
- Ah, é aí que você se engana, meu bem – disse, franzindo a testa e entortando a boca num falso pesar enquanto dava mais um discreto passo em minha direção, resumindo a distância entre nós a pouco menos de um metro – Ainda temos uma noite inteira pela frente... E acredite, ficaremos ocupados demais para dormir.
Um calafrio percorreu minha espinha ao ouvir suas palavras, proferidas com tamanha firmeza que era como se eu fosse obrigada a segui-las. Tudo que eu queria era fechar os olhos e fazer com que ele sumisse assim que os abrisse novamente, mas ao invés disso, minhas íris foram atraídas, como que magneticamente, até onde as dele estavam, me observando intensamente. Ou melhor, desejosamente. Foi impossível não sentir o equilíbrio prejudicar-se, o ar faltar, a estabilidade de meus joelhos reduzir... Impossível não me deixar afetar por sua presença. Indo contra meus instintos, deixei que minhas pálpebras tapassem minha visão por completo, permitindo-me pensar e falar com mais clareza, sem os olhos dele me influenciando.
- Cale a boca – rosnei, agora com a voz um pouco mais firme – Saia daqui, eu não quero mais você perto de mim. Pensei ter deixado bastante claro da última vez que nos falamos.
Pude ouvi-lo suspirar pesadamente, e nem precisei me esforçar para saber que os traços de seu rosto carregavam uma certa impaciência.
- Pensou errado – ele retrucou com a voz levemente irritada, dando um último passo à frente e fazendo com que sua respiração agora batesse em meu rosto, o que por um momento me causou vertigens - Já devia saber que não desisto tão facilmente.
As palmas de suas mãos pousaram sobre meus ombros nus suavemente, acariciando-os e fazendo com que a região parecesse arder em chamas sob sua pele. Ele seguiu caminho por meu colo, dedilhando-o com delicadeza, e notei que sua respiração pareceu acelerar de leve. Eu já não me sentia tão certa quanto a não querê-lo mais; seu toque despertava o desejo mais monstruoso e temido que existia em mim. Meus olhos ainda estavam fechados, evitando que os vários tons de suas íris me enfeitiçassem, mas era inevitável tentar resistir. Somente quando seu dedo indicador escorregou sorrateiramente por entre meus seios, e estava prestes a derrubar a toalha que me cobria com um simples puxão, fui tomada de assalto pela razão.
- Chega! – exclamei, arfando, e afastei firmemente seu pulso com minhas mãos – Vá embora!
Sua respiração denunciou que ele havia soltado um risinho baixo, atingindo meu rosto numa lufada mais forte que o normal. Eu insistia em não olhá-lo, temendo que ele me fizesse ceder de alguma forma se eu o encarasse. Meu estômago revirava em agonia, e eu esperava sinceramente que meus batimentos cardíacos não estivessem altos o suficiente para parecerem uma banda de Olodum bem no meio do quarto. A região de meu colo devia estar levemente avermelhada devido ao calor que se concentrava especificamente naquele local, e a culpa era toda dele.
- Chega você de resistir – ele sussurrou, aproximando seu rosto de meu ouvido para dizer o resto – Não adianta nadar contra a correnteza... Acha que nunca tentei? Acha que estaria aqui se tivesse funcionado?
Seja forte!, uma voz pedia em minha mente, estrangulada. Resista!
- Não acredito em você – arfei, com a voz um pouco mais alta que um sopro, ainda recusando-me a encará-lo – Pare de gastar seu tempo comigo e vá embora.
- A questão é que eu simplesmente adoro gastar meu tempo com você – murmurou com a voz sinuosa, sem mover um músculo, e a maneira como suas palavras foram pronunciadas me permitiu visualizar com precisão o sorriso malicioso que provavelmente adornava seu rosto – Poderia passar a vida toda te provocando, te atiçando, só pra ver o até onde vai seu autocontrole.
- Idiota! – grunhi, sentindo a irritação crescer dentro de mim – Eu não sou um simples brinquedinho com o qual você pode fazer o que quiser!
Senti paralisar por alguns segundos, e manteve-se calado por tempo suficiente para que eu tivesse que encará-lo, por mais arriscado que isso fosse. Sua expressão era levemente séria, e seus olhos não hesitaram em olhar fundo nos meus de um jeito quase frio.
- Eu nunca pensei isso de você, – sua voz murmurou, agora grave, demonstrando o triplo de seriedade que seu olhar transmitia.
- Desculpe, o que você disse? Acho que entendi errado, aliás, só posso ter entendido errado! - falei, com a voz um pouco mais alta que o aconselhável pelo ultraje de suas palavras, e um sorriso sarcástico, inconformado diante de tamanha mentira, surgiu em meu rosto – Faça-me o favor, ! Suas mentiras costumavam ser um pouco mais convincentes!
- Eu não estou mentindo – ele negou, sem se deixar alterar por meu comportamento – Você me entendeu errado sim, e não foi só hoje.
- Ah, é? – quase gritei, extremamente sarcástica, sentindo minha raiva aumentar cada vez mais diante de suas negativas ridículas – Então já que estou entendendo errado, me explique, professor! Como posso entender direito?
- Eu jamais te compararia a um brinquedo ou a um mero objeto, por mais valioso e único que ele fosse... Você me entendeu errado, ou talvez minha comparação tenha sido ruim o suficiente pra que você tirasse conclusões erradas – disse, mantendo-se impassível, e a enorme carga de determinação em sua voz me fez estremecer involuntariamente - Eu não queria dizer nada do que você concluiu. Quando usei a palavra brinquedo, não foi pra te definir, eu juro. Foi uma tentativa mais do que frustrada de tentar explicar o que você... Causa em mim. Mas eu percebi que isso é impossível. Não existem exemplos adequados para definir o que eu sinto.
Fiquei encarando seus olhos faiscantes por alguns segundos, incapaz de tirar alguma conclusão. Minhas pernas tremiam mais que bambu em ventania, meu coração queimava em meu peito, o ar parecia se recusar a entrar em meus pulmões. Por que ele tinha que me falar todas aquelas merdas? E o pior de tudo, por que eu tinha que gostar tanto delas? Levei alguns segundos para conseguir voltar a falar, e quando o fiz, quase toda a raiva havia se transformado em hesitação.
- Eu... – comecei, pigarreando logo que percebi a confusão explícita em minha voz, e sem saber bem como prosseguir, suspirei, tentando encontrar as palavras certas – Não acredito em você, . Vá embora.
Ele respirou fundo, sem mudar de expressão, e após alguns segundos sustentando meu olhar, assentiu devagar.
- Tudo bem – ele disse, com a voz conformada – Se é o que você quer de verdade, eu vou.
Totalmente surpresa com aquela atitude, busquei algum vestígio de raiva ou irritação em seus olhos, em vão. Tentei entender o que estava acontecendo, mas suas íris estavam vazias, ilegíveis. Ele estava... Cedendo?
Ele aproximou seu rosto do meu, colocando uma de suas mãos em meu rosto, e eu fechei os olhos, momentaneamente paralisada, ao sentir seus lábios tocarem minha pele. beijou o canto de minha boca por um tempo que me pareceu mais longo que o aconselhável, e imediatamente meu corpo se arrepiou inteiro. Em seguida, ele voltou a se afastar, ainda sério, e deu um passo para trás, indicando que estava indo embora.
- Só não pense que estou desistindo de você – sua voz baixa avisou, persistente e consideravelmente resignada, enquanto eu me esforçava para continuar de pé – Isso jamais vai acontecer.
virou-se em direção à porta do quarto e começou a andar até ela, me deixando completamente anestesiada e confusa. Então era isso? Bastou uma dose a mais de autocontrole de minha parte para convencê-lo? Era tão simples fazê-lo desistir de mim, mesmo que temporariamente? O que havia acontecido com ele afinal? Onde estava o insistente e determinado que eu sempre conheci, disposto a praticamente tudo pra conseguir o que queria?
Um sentimento muito esquisito começou a correr em minhas veias. Um vazio me dominou, sendo lentamente preenchido por um frio cortante, como se gradualmente, enormes pedras de gelo estivessem se formando dentro de mim, congelando meu sangue. Eu nunca havia me sentido daquele jeito. Não era um sentimento ruim, mas também não era bom. Era como se a ficha não tivesse caído ainda. Ele realmente havia me obedecido? A idéia me parecia tão surreal que eu precisaria de alguns minutos de reflexão para realmente absorvê-la.
Soltei um suspiro tenso, com os olhos perdidos onde antes o corpo de estava. O distanciamento dele fez com que automaticamente minha respiração se normalizasse, mas estranhamente, meu coração quase parecia imóvel de tão lentas que eram suas batidas. O gelo crescente dentro de mim o havia atingido, e parecia dificultar seus batimentos, mas não fisicamente. Era como se ele não quisesse mais bater normalmente. Como se, por algum motivo, ele tivesse perdido a vontade de funcionar. Talvez a surpresa pelo conformismo de tivesse sido maior do que eu pudesse prever. Mas logo eu me recuperaria, e ficaria muito melhor sabendo que bastava apenas um pouco mais de força de vontade para mantê-lo afastado de mim.
Meus olhos foram instintivamente até a porta aberta de meu quarto, fitando o vazio. Minhas pernas ainda pareciam formigar diante do acontecimento épico que haviam presenciado, e se recusavam a fazer qualquer movimento. Apenas fiquei encarando o nada por alguns segundos, até que o som de passos se aproximando do quarto adentrou meus ouvidos. Antes que eu pudesse entender o que estava acontecendo, vi andar energicamente até mim, e em dois segundos, envolver meu rosto calorosamente com suas mãos e colar seus lábios nos meus com fúria.

Capítulo 25



A princípio, não tive reação alguma. Minhas mãos se ergueram até seu peito musculoso, hesitantes quanto a tocá-lo; eu não sabia se o empurraria ou se o puxaria pra mais perto caso eu o fizesse. Meus olhos se mantiveram arregalados diante dos dele, fechados fortemente, tão próximos de mim. Seus lábios se mantiveram pressionados contra os meus, como se esperassem por alguma reação minha, que somente veio quando ele desistiu de esperar e invadiu minha boca com sua língua, fazendo com que a minha involuntariamente o correspondesse.
Meu corpo relaxou assim que ele aprofundou o beijo, e o calor estonteante que emanava dele começou a derreter o gelo que havia se formado dentro de mim numa velocidade impressionante. Deslizei minhas mãos antes indecisas até sua nuca, agora com determinação, e agarrei seus cabelos com força, soltando um gemido aliviado vindo do fundo de minha garganta. A sensação de estar quente novamente, mesmo após somente alguns segundos de frio, era incontrolavelmente reconfortante.
não deixou que o beijo durasse muito, e logo afastou seus lábios dos meus, unindo sua testa à minha e mantendo os olhos firmemente fechados, como se estivesse com algum tipo de... Dor?
- Eu sei que isso pode soar ridículo... – sua voz rouca murmurou, fazendo com que seu hálito batesse diretamente em meu rosto – Mas, por favor, não me mande embora. Acho que vou enlouquecer se você me recusar mais uma vez. Você não sabe o quanto eu preciso disso... O quanto eu preciso que você me queira.
Ele abriu lentamente os olhos, e assim que suas íris angustiadas devolveram meu olhar confuso, fui capaz de ver a sinceridade nítida nelas. Ele não estava mentindo. Eu não era apenas um brinquedo para ele. Eu era uma necessidade, um vício, uma dependência física. Sem que eu conseguisse controlar ou sequer pensar, vi nos olhos dele, meu olhar refletido. E ele me pareceu muito semelhante ao dele. Igualmente agonizante.
Minha outra metade, a que eu pensei ter perdido, estava implorando para que eu a aceitasse de volta. Ali estava o verdadeiro novamente, deixando que seu coração me dissesse o que seu orgulho o impedia de dizer. A ferida ainda aberta em meu peito por nosso recente desentendimento gritava sua resposta claramente, fazendo-a abafar todo e qualquer ruído ao meu redor, e tudo que fui capaz de fazer foi externar as palavras que quase me ensurdeciam.
- Eu quero você.
O rosto de , antes contorcido de agonia, relaxou diante de meu sussurro. Seus olhos ganharam um brilho ofuscante, e um sorriso bobo preencheu seus lábios, dando vida à sua expressão. Me vi sorrindo de volta, diante de tamanha mudança, e novamente senti seus lábios grudados nos meus, com a mesma urgência de antes. Imediatamente deixei que nossas línguas se acariciassem outra vez, enquanto minhas unhas arranhavam sem piedade sua nuca e as mãos dele escorregavam por meu pescoço, ombros e colo. Eu me sentia absurdamente quente agora, irradiando calor, e um sorriso que não soube explicar surgiu enquanto eu o beijava avidamente, envolvendo seu pescoço com meus braços.
Longos minutos depois, ele se afastou um pouquinho de mim, sem desgrudar os olhos dos meus, e com um puxão habilidoso e rápido, arrancou a toalha de meu corpo, deixando-me completamente nua. Me encolhi na mesma hora, arregalando os olhos e sentindo toda a alegria me abandonar junto com a toalha, sendo rapidamente substituído pela vergonha. Ele já havia me visto nua algumas vezes, mas nunca daquele jeito tão desleal. Quer dizer, ele estava inteiramente vestido, enquanto eu não tinha um tecido sequer cobrindo meu corpo. Era bastante constrangedor.
- Não há motivos para se envergonhar – ele adivinhou, avaliando-me dos pés à cabeça como se fosse a primeira vez que me visse, e o ardor em seus olhos faria qualquer mulher um pouco menos insegura que eu se sentir uma deusa – Confie em mim... Você é ainda mais linda assim.
O rubor intensificou-se em meu rosto quando ele disse aquelas palavras, com a voz carregada de algo que se assemelhava muito a sinceridade e deslumbre. Não consegui dizer nada, e quando fiz menção de estender minha mão e pegar a toalha dele, atirou-a longe, na direção oposta a mim, cancelando todas as minhas chances. Ele segurou sutilmente meu rosto com suas mãos e voltou a unir nossos lábios num beijo ardente, deixando um gemido escapar do fundo de sua garganta quando nossas línguas se encontraram. No exato momento em que isso aconteceu, eu perdi totalmente qualquer tipo de vergonha; tudo que me dominava agora era, novamente, o desejo insaciável que meu corpo tinha pelo dele.
Sem pressa, mas com determinação, coloquei as mãos em seu peito definido e deslizei-as para cima sob o paletó até alcançar seus ombros. Quando os atingi, fiz o caminho inverso, descendo por seus braços e puxando o terno junto. Ele mesmo se desfez dele, enquanto eu mordia e puxava lentamente seu lábio inferior, provocando-o, e o puxava pelo cós da calça em minha direção com uma mão. Assim que o paletó estava no chão, ele segurou meus quadris com vigor, e eu levei minhas mãos até a barra da camisa, desabotoando cegamente alguns botões por ali. Nosso beijo havia se tornado agressivo; soltávamos alguns grunhidos conforme o tesão parecia multiplicar-se, ao invés de reduzir-se.
Pelo que pude presumir, já que não pude olhar e ter certeza, faltavam apenas uns três ou quatro botões para serem abertos, mas não teve paciência para esperar. Suas mãos envolveram as minhas com firmeza, e ele simplesmente puxou o tecido em direções opostas, fazendo com que os botões ainda fechados pulassem e caíssem no chão. Sorri de leve ao notar sua pressa, e o ajudei a tirar a camisa; em torno de três segundos, ela já estava junto com o paletó e minha toalha.
O toque de seu tórax musculoso com meu corpo macio fez com que ele gemesse mais uma vez, agora mais alto. Suas mãos postaram-se no alto de minhas costas, espalmadas, e comprimiram meu corpo deliciosamente contra o seu. Era perfeitamente possível sentir seu coração acelerado pulsando contra sua pele e, conseqüentemente, contra a minha, e seu perfume masculino já parecia fazer parte de minha atmosfera. quase me engolia, tamanha era a ferocidade de seu beijo, e eu não fiquei muito atrás, nem um pouco intimidada. Tudo com ele era ao extremo; nada podia ser controlado, dosado ou equilibrado.
Desafivelei seu cinto em dois segundos, puxando-o agilmente e atirando-o em qualquer lugar. A calça social preta estava um tanto apertada na região superior, e o motivo disso provocou uma onda de calor e arrepios por meu corpo. Eu o abracei firmemente pelo pescoço, ficando na ponta dos pés, e ele, provavelmente para me provocar, puxou meu quadril para mais perto do dele, permitindo-me sentir exatamente o que eu já supunha. Ele realmente estava tão excitado quanto eu, ou talvez quase. Era impossível calcular precisamente em meio às carícias tão furiosas de nossas línguas.
Irritada com todo aquele pano ainda cobrindo seu corpo escultural, eu rapidamente abri o botão e o zíper da calça, fazendo com que ela escorregasse depressa por suas pernas, parando no chão. subiu um pouco seus braços, envolvendo minha cintura e apertando-me contra si, e tratou de chutar a calça, os sapatos e as meias em poucos segundos. Agora sim, estávamos numa luta justa e praticamente sem roupas.
Eu estava realmente precisando de ar, embora meu cérebro viesse tentando rebaixar essa necessidade para beneficiar outras mais imediatas. Fui obrigada a interromper aquele beijo – um dos mais longos e intensos de toda a minha humilde vida -, porém ele fez questão de manter nossos lábios unidos num selinho. Abrimos os olhos, encarando-nos de perto, e recuperamos o fôlego, sentindo as pernas tremerem pelo turbilhão de sensações. me deu apenas cinco segundos de pausa; logo em seguida, abaixou-se num movimento habilidoso e passou um de seus braços por trás de meus joelhos, erguendo-me em seu colo sem demora. Segurei-me em seu pescoço, sorrindo agora que ele havia finalmente libertado meus lábios, e vi meu próprio ato refletido no rosto dele. Mil vezes mais bonito e sedutor, é óbvio.
- Hm... O que acha da cama? – ele ofegou, olhando para o móvel citado e logo depois se voltando para mim – Quer agir como um casal convencional dessa vez?
Me esforcei para que o fato de que nunca havíamos transado numa cama se sobrepusesse ao uso da palavra casal para nos descrever. Eu não conseguia nos enxergar como um, mas todo par formado por um homem e uma mulher era assim chamado, certo? Então não havia sentido amoroso naquilo; pelo menos eu fingi, para o meu próprio bem, que não.
- Hm... – repeti seu gesto, encarando pensativamente minha cama, nunca antes habitada por nenhum outro homem nu – Se prometer não quebrá-la...
Ele voltou a olhar para o móvel, e dessa vez manteve seus olhos nela, refletindo por dois segundos antes de responder.
- Posso pagar por outra três vezes maior.
Um sorriso de aprovação surgiu em meu rosto, e ele apenas assentiu uma vez, caminhando depressa até me deitar no colchão. Seu corpo não hesitou em se colocar sobre o meu, quente e viril, e minhas mãos o exploraram sem limites enquanto voltávamos a nos beijar ferozmente. apertava meus seios com desejo, vez ou outra soltando mais ar que o normal em tom de aprovação, e eu deixava que minhas mãos ondulassem por cada relevo em seu corpo, cada músculo tenso, cada veia saltada. Eu jamais conseguiria achar um defeito sequer naquele físico, tudo estava exatamente no lugar certo, na medida certa, e até em volume surpreendente. Como o conteúdo de sua boxer.
Minhas mãos deslizaram pesadamente sobre as laterais de seu tronco, acompanhando sua forma, e pararam no elástico da última peça de roupa entre nós. movimentou seus quadris involuntariamente contra os meus ao sentir que eu o despia, empurrando a boxer para baixo até onde pude. Ele logo se desfez completamente dela, e eu acariciei sua ereção nua sem pressa. Recebi um grunhido abafado como resposta (ou deveria dizer incentivo?), e envolvi seu membro pulsante com uma das mãos, sentindo outra onda quente correr por minha pele. Eu queria aquilo mais do que imaginei que quisesse, e só agora eu podia sentir a verdadeira dimensão de meu desejo.
Disposta a demonstrar minha vontade imensurável e a fazê-lo me desejar tanto quanto eu o desejava, comecei a masturbá-lo o mais rápido que pude. Ele prendeu a respiração por alguns segundos, provavelmente contendo alguma demonstração maior de excitação, e logo em seguida voltou a me beijar, com o quádruplo de fúria. Após alguns segundos, ele chegou até a morder meu lábio por acidente, tamanha era a sua dificuldade de se concentrar em algum movimento. Agradeci mentalmente pela mordida ter sido fraca dessa vez; não queria ter que ficar com o lábio machucado novamente por sua culpa.
Não demorou muito para que ele atingisse o ponto máximo de tolerância. Rápido, ele separou nossos corpos e correu atrás de sua carteira, esbravejando palavras sem sentido enquanto revirava os bolsos da calça em busca de uma camisinha. Me ergui num dos cotovelos, observando a cena um tanto engraçada, e sorri.
- Ei – chamei, abrindo a gaveta do criado-mudo sem tirar os olhos dele, que atendeu ao chamado com um movimento brusco de cabeça em minha direção.
Tirei da gaveta um preservativo, e alarguei meu sorriso. Apesar de toda a nuvem de confusão em sua mente, ele arregalou levemente os olhos, surpreso, e um sorriso desnorteado surgiu em seu rosto. logo se ajoelhou sobre a cama, prevenindo-se como devia em poucos segundos e posicionando-se, com os olhos inquietos nos meus.
- Você terá a sua vez mais tarde, eu prometo – ele gemeu, como num pedido de desculpas, e eu logo entendi que ele estava se referindo às nossas posições. Sorri, e assenti de leve, acariciando seus braços, que se mantinham esticados para segurar meus quadris.
- Eu não vou ficar em desvantagem, pode ter certeza – pisquei, recebendo um sorriso malicioso como resposta, acompanhado de sua movimentação firme e avassaladora.
Ele investiu com tanta força que a cama reclamou, rangendo baixo. Conforme ele deixou que seu tronco ficasse na horizontal, rente ao meu, e continuou se movimentando, os rangidos voltaram, mas eu não prestei muita atenção neles. Sua respiração quente contra meu rosto, seus músculos abdominais contraindo-se, colados aos meus, sua virilidade me enlouquecendo por dentro eram fatores mais urgentes. Eu arranhava suas costas, ombros e braços, com os lábios entreabertos e soltando gemidos altos, sem conseguir me conter. Mantive meus olhos abertos, observando cada expressão de seu rosto, cuja testa estava colada à minha e retorcida de prazer, assim como todo o meu corpo. Cada movimento me dava a sensação de ser levada cada vez mais para perto do paraíso, distante de qualquer preocupação ou incômodo. Ele abria os olhos de vez em quando, encarando os meus e sorrindo de leve, até que um gemido mais alto escapasse de sua garganta e o fizesse contorcer o rosto novamente.
O suor cobria nossos corpos com uma fina camada úmida, numa forma física do calor entre nós. Não sei quanto tempo durou, quantas vezes finquei minhas unhas em sua pele, quantas vezes ele apertou minha cintura como se a quisesse estraçalhar. Só sei que, quando finalmente atingimos o orgasmo – primeiro eu, depois ele – e nossos corpos relaxaram sobre a cama, a sensação que tive foi de que eu não conseguiria mais deitar naquela cama sem me lembrar daquele momento. Estava ficando monótono dizer que tinha sido a melhor transa da minha vida; todas as vezes com superavam as anteriores, até mesmo as dele próprio, e por isso eu já havia desistido de formar qualquer espécie de ranking.
- Me dê... Um minuto – sua voz rouca ofegou, e ele se levantou, um tanto cambaleante, em direção ao banheiro para se desfazer da camisinha. Sorri fraco, fisicamente aturdida, e respirei fundo, sentindo cada parte de meu corpo formigar em êxtase, e minha cintura em especial doer um pouco. Aquilo provavelmente ficaria roxo, mas nada que eu não pudesse justificar com esbarrões em móveis ou qualquer outra desculpa. Virei-me de lado numa velocidade extremamente lenta, puxando as cobertas para cima de mim com algum esforço e ouvindo a cama ranger mais uma vez; ri baixinho.
- Qual é a graça? – ouvi murmurar, calmo, enquanto voltava do banheiro e se enfiava sob as cobertas ao meu lado, virado de frente para mim.
- Acho que você me deve uma cama nova – sussurrei, com a voz arranhando, e não hesitei em me aninhar em seus braços quando ele os estendeu em minha direção – Esta aqui não gostou muito da agitação.
- Podemos resolver isso amanhã mesmo – ele brincou, rindo baixinho também e me apertando com força contra si – Eu compro a cama e o colchão que quiser, menos os de água. São muito frágeis a movimentações bruscas.
- Tarado – falei, sorrindo, tão baixo que pensei que ele não fosse me ouvir. Eu estava errada.
- Obrigado – ele agradeceu, orgulhoso, e eu ergui meu rosto para olhá-lo. Homens não prestam mesmo.
Revirei os olhos, rindo um pouco, e percebi que mesmo por trás de sua postura divertida, seus olhos continuavam me observando intimamente, brilhando em deslumbre. Aquilo me distraiu por alguns segundos, e quando ele finalmente se deu conta de minha análise, tratou de tirar minha atenção dali.
- Estou muito surpreso com você – ele murmurou, com um misto de humor e seriedade na voz – Até orgulhoso, eu diria. São poucas as garotas que se previnem a ponto de guardarem preservativos em locais tão convenientes.
Ergui uma sobrancelha, esperta, e ele sorriu daquele jeito cafajeste que eu adorava. Sempre soube que aquela gaveta me renderia vantagens morais.
- Eu não sou qualquer uma, – falei, com uma certa acidez na entonação, e ele provavelmente notou que eu omiti o fim da frase. Como algumas garotas que você come.
- Eu sei disso – assentiu uma vez, sem alterar sua expressão, e novamente seus olhos radiantes ardiam sob a camada de disfarce em seu rosto – Por que acha que escolhi você?
Meu rosto ficou sério, e eu logo o senti esquentar de leve, como se uma brisa quente o tocasse. Por que ele era tão bom em me envergonhar?
- É claro que não foi só por isso – ele prosseguiu tranqüilamente, notando minha falta de palavras, e seus olhos não apresentavam o menor sinal de blefe ao retribuírem meu olhar – Existe algo de diferente em todos os seus detalhes. Você me intriga de um jeito que nem eu sei explicar. Eu não sei bem por que, nem como; eu apenas sigo o que sinto. Só o que sei é que é você que eu quero. Outra pessoa não serve.
Engoli em seco, com o rosto já ardendo em chamas, e meus olhos não conseguiam se desviar dos dele, intensamente e misteriosos. Às vezes, eu era capaz de ler tudo neles; às vezes, nem o mais simples sentimento transparecia a barreira invisível de seu olhar. Ele sorriu para mim, notando meu desconforto, e deslizou o indicador de uma das mãos na base de meu queixo, puxando meu rosto para mais perto do dele. Sentindo meu coração subir até a garganta, agitado, eu mesma venci a distância restante entre nossos lábios e os selei num beijo carinhoso.
Uma vontade de chorar se alojou em meu peito, mas não de tristeza. Ouvir dizer tudo aquilo de mim, com uma sinceridade irrevogável, mexeu com a parte mais sensível de meu emocional. Eu não sabia definir exatamente como tamanho sentimento havia ganhado tais proporções, nem por que ele significava tanto pra mim, sendo que mal notei sua chegada e muito menos seu crescimento silencioso. Eu só sabia de uma coisa.
- ... – sussurrei espontaneamente, assim que parti o beijo, e meus olhos se fecharam fortemente em agonia. Pude senti-lo um tanto agitado diante de meu murmúrio íntimo, e ele envolveu meu rosto com suas mãos aconchegantes. Só serviu para estimular o sentimento gradualmente fortalecido dentro de mim.
- O que foi? – ele perguntou, cuidadoso, e eu segurei seus pulsos com delicadeza, indicando que estava bem. Respirei fundo, engolindo a hesitação, e me enterrei em seu abraço antes de continuar.
- Eu acho que... Quebrei nosso acordo – murmurei baixinho contra a curva de seu pescoço, prendendo o choro com certo esforço – , eu... Eu estou me envolvendo... Me desculpe.
Ele não disse nada por um momento, apenas respirou fundo, acariciando minhas costas com sutileza. Eu sabia que ele se lembrava de nosso trato quase mudo de não nos envolvermos fisicamente; a conversa do último fim de semana, na Ferrari, ainda estava fresca em nossas mentes. Desejei saber que sentimentos assombravam seus olhos, mas não tive coragem de encará-lo. A possibilidade de ver alguma rejeição neles subitamente me pareceu assustadora. Eu não queria perdê-lo. Eu precisava dele, como já sabia há algum tempo. Eu só não queria enxergar o tamanho de minha dependência, a força de nosso vínculo, e ter de aceitar a realidade. Sempre era mais fácil fugir dela, mas agora eu não podia mais ignorá-la.
- Não se preocupe com isso, – ele sussurrou contra meus cabelos, e depositou um beijo em meu pescoço – Esse acordo nunca existiu... Desde o início, eu sempre estive envolvido.
Minha respiração falhou diante de suas palavras. Não consegui pensar em nada para dizer, muito menos encontrar minha voz para produzir algum som. Só o que eu conseguia sentir era o batimento descompassado de meu coração, o que ele também devia estar sentindo, e o sentimento subitamente grande dentro de mim, crescendo ainda mais e atingindo até as extremidades de meu corpo. Meus pés e mãos formigavam, acostumando-se ao completo domínio daquele sentimento, e foi então que eu me dei conta.
Eu estava perdida. Aquilo era amor.
Mas... Eu não podia amá-lo! Como eu pude ser capaz de violar a única regra que havia imposto a meu próprio coração? Era tão difícil assim me manter a uma distância saudável dele, para que o calor de seu corpo não atingisse minhas barreiras e as aquecesse, derretendo-as aos poucos? Eu não podia ter deixado isso acontecer!
Uma pergunta surgiu em minha mente, fria e dura como um iceberg em meio à lava. Aquelas palavras ficaram pairando em minha cabeça, procurando por alguma resposta, mas antes que eu pudesse suportar o choque que ela trazia consigo, a voz de afastou o medo de mim.
E ?
- Me desculpe – ele murmurou, apoiando o queixo em minha cabeça, e uma de suas mãos afagou meus cabelos protetoramente – Eu não quero que se sinta pressionada. É que... É muito difícil ter que me controlar. Mas agora que as coisas estão tomando esse rumo, e você está começando a se envolver mais do que gostaria, eu posso tentar fazer isso. Por mais que doa, posso tentar me manter afastado de você pelo tempo que quiser...
- Não! – ofeguei, sentindo meu corpo se encolher involuntariamente devido à fisgada em meu peito, causada por suas palavras; meus braços escorregaram ao redor de seu corpo, apertando-o contra mim, e meus olhos se fecharam com força, prendendo as lágrimas que ameaçaram surgir – Eu não quero... Por favor, não vá embora.
A mera idéia de vê-lo se afastar de mim me pareceu absurda, horrível, dolorosa demais para ser aceita. Eu já havia sentido o gosto amargo de sua distância na última semana, e agora que o tinha novamente, não queria mais ter que passar por isso. suspirou lentamente e relaxou em meu abraço, sem ousar prosseguir com suas palavras cruéis.
- Tudo bem, fique tranqüila – ele soprou, apertando-me mais ainda contra seu peito e intensificando seus carinhos – Eu não vou a lugar algum. Vou ficar com você.
Afrouxei a força em meus olhos, mantendo-os fechados, porém agora de um jeito mais leve. Inspirei fundo, sentindo seu cheiro invadir meus pulmões de maneira revigorante, e uni meus lábios à sua pele quente. Pude senti-lo estremecer sob meu corpo, desprevenido, e seu coração reagiu com ainda mais vitalidade, empolgado. Não desgrudei minha boca de seu pescoço, sentindo meu próprio coração pedir por aquele contato, e subi meus beijos lentamente até seu maxilar, parando perto da bochecha. Ele se manteve quieto, apenas apreciando meu agrado, e quando abri meus olhos, vi os dele fechados, acompanhados de um leve sorriso relaxado. A imagem subitamente me fez sorrir fraco.
Ele abriu os olhos logo em seguida, e meu sorriso aumentou de leve quando seu olhar encontrou o meu. Seu polegar alisou meu rosto devagar, e eu o observei manter o sorriso tranqüilo. Não precisamos dizer nada; nossos olhos já mostravam o que estávamos sentindo. Após alguns segundos, ele alargou seu sorriso, enxergando incentivo em meu olhar, e inclinou-se até meu rosto, buscando meus lábios com os seus. Fechei os olhos ao sentir sua boca encontrar a minha, e embrenhei meus dedos em seus cabelos, deixando que seu beijo me levasse para ainda mais longe de todos aqueles pensamentos que me assombravam. Era impossível pensar em qualquer coisa com os lábios dele contra os meus.
Pra variar, acabamos nos empolgando um pouco. Quando retomei uma certa consciência, me vi sobre ele, com uma perna de cada lado de seu corpo, beijando-o com avidez. afundou as mãos em meus cabelos, prendendo-os entre seus dedos com força, agitado sob mim. Sua disposição me assustava um pouco; ele realmente estava disposto a cumprir com suas ameaças de vamos ficar acordados a noite toda? Por enquanto, tudo indicava que sim. Pensando bem, como fui capaz de duvidar de um coisa dessas, ainda mais vinda de ?
Ele deslizou uma das mãos pelo meu corpo, desenhando a curva de minha cintura e logo em seguida o quadril, e desviou-se um pouco desse caminho, dirigindo-se à minha virilha. Apertei seus ombros com mais força ao sentir seus dedos se aproximarem ainda mais de minha intimidade, e ele calou meu gemido acelerando o beijo quando atingiu seu destino. Minhas pernas se fecharam contra sua cintura e minha coluna arqueou quando fez movimentos circulares na região, e sorriu contra meus lábios furiosos. Minhas mãos acariciavam seu peito, braços, pescoço e nuca com desespero, tirando o melhor proveito possível de cada toque e fazendo com que meus músculos queimassem sob minha pele.
desceu seus lábios por meu queixo, desviando-se para meu pescoço e fazendo arrepios contínuos descerem por minha espinha conforme sua respiração bruta batia perto de meu ouvido. Ele dava mordidas e chupões nada delicados e extremamente deliciosos por ali, sem nem se importar em não deixar marcas. Nada que golas altas, maquiagem ou até mesmo meus cabelos não fossem capazes de esconder. Palavras desconexas e grunhidos baixos escapavam por entre meus lábios entreabertos, e de vez em quando até seu nome era pronunciado por minha voz falha enquanto eu sentia seus dedos se moverem cada vez mais rápido. Nada como a experiência para transformar um homem num deus, fato.
Senti dois de seus dedos escorregarem rapidamente e me penetrarem sem cerimônias, e pega desprevenida, finquei minhas unhas em sua pele, sem nem me importar onde. Gemi alto bem ao pé de seu ouvido, novamente sentindo-o estremecer, e logo em seguida mordi o lóbulo de sua orelha, provocando-o. Ele postou sua outra mão em minha cintura, ainda beijando caprichosamente meu pescoço, e eu já não conseguia mais manter meus olhos abertos. Meu corpo se movia conforme seus movimentos, totalmente submisso, e ele sabia disso. E mesmo que não soubesse, não desistiria de continuar me provocando.
- Está bom, é? – pude ouvi-lo sussurrar sedutoramente contra minha pele, sem nem se preocupar em disfarçar o fato de que já sabia sua resposta e que só queria me instigar ainda mais – Está gostando?
Meus olhos se reviraram, enlouquecidos, e tudo que consegui fazer foi puxar seu rosto na direção do meu, deixando que meus lábios respondessem à sua pergunta com selvageria. acelerou suas carícias, com o corpo tenso de excitação, e eu não demorei muito para envergar ainda mais minhas costas e quase gritar contra seus lábios, sentindo o orgasmo me entorpecer. Sua boca se entortou num sorriso contra a minha, e sua respiração ruidosa batia em meu rosto em um ritmo descompassado.
Levei alguns segundos para recuperar o fôlego e parte de minha sanidade, com os olhos fechados e as mãos emaranhadas em seus cabelos úmidos de suor. Quando o encarei, ainda zonza, uma corrente elétrica percorreu meu corpo, impedindo que meu coração desacelerasse. Aquele homem não era daquele mundo. Não, era claro que havia algo de diferente nele, algo de anormal. Como alguém poderia exercer tanto poder sobre outra assim, sem mais nem menos? Deveria haver alguma lei contra invadir a mente e o coração de uma pessoa com tanta facilidade.
O ar ainda me faltava, mas eu não conseguia ficar alheia ao sorriso safado dele me observando, satisfeito com seu desempenho. Eu não podia deixar aquilo passar em branco. Ele merecia uma dose de loucura no mínimo igual à que me proporcionou, e eu faria qualquer coisa para ajudá-lo nisso. Nem que me custasse a noite toda.
Um sorriso igualmente pervertido surgiu em meu rosto, modificando totalmente minha expressão e fazendo-o cerrar os olhos ao notar tal detalhe. Mordi meu lábio inferior pulsante, encarando sua boca vermelha, e meu coração me incentivou a continuar, batendo ainda mais forte quando a sensação de beijá-lo me veio à mente. Lentamente, reaproximei nossos rostos, unindo nossos lábios de maneira delicada, e não permiti que minha língua se movesse muito acelerada, conseqüentemente mantendo a dele no mesmo ritmo. parecia desconfiar de minhas intenções, hesitante, mas não se negava a retribuir.
Prendi seu lábio inferior entre meus dentes e voltei a beijá-lo, só que dessa vez foi apenas um selinho. Continuei dando beijinhos por sua boca fechada, seguindo em direção ao canto direito, e não parei ao alcançar sua bochecha. Minha trilha de beijos foi até seus olhos, que se fecharam instintivamente sob meus lábios, e eu fiz todo o caminho pelo lado esquerdo até atingir novamente sua boca, sem me esquecer nem da ponta de seu nariz. Ele esperava que eu o beijasse novamente, mas tudo o que fiz foi dar outro rápido selinho sobre seus lábios e descer pelo queixo, beijando toda a extensão de seu pescoço, agora usando também a língua.
não dizia nada, apenas sorria de forma vaga, parecendo gostar demais do carinho para se concentrar na expressão em seu rosto. Seus olhos acompanhavam meu trajeto conforme eu descia por seu peito e abdômen, mordiscando seu mamilo e sentindo seu corpo reagir imediatamente aos meus toques. Vez ou outra eu lançava olhares nada bonzinhos ao seu rosto, sem parar de beijá-lo languidamente, e o via ainda paralisado, ostentando um sorriso e olhar hipnotizados. Demorei-me um pouco mais que o esperado em sua barriga, percorrendo toda a extensa área sem me permitir esquecer um centímetro sequer, até que atingi a parte inferior de seu umbigo. Passei vagarosamente a língua ali, de baixo para cima, e fiz o caminho inverso com uma leve mordida, encarando-o e erguendo os cantos de minha boca num sorriso enquanto meus dentes arranhavam sua pele.
Acariciei suas coxas com as mãos, ajoelhando-me no o espaço entre suas pernas, e o observei por inteiro, sem nem tentar esconder o deslumbre transbordante em meus olhos. No momento em que me disse que ficava mais bonita nua, achei aquilo uma idéia absurda, mas agora que eu analisava cada pedacinho de seu corpo descoberto, percebi que aquela regra definitivamente se aplicava a ele. Só a simples idéia de imaginá-lo vestido me dava pena.
- Você é... Lindo – sussurrei, devolvendo seu olhar com fervor, e seus olhos sorriram para mim, acompanhando seus lábios.
Deslizei minhas mãos pela parte externa de suas coxas novamente, de baixo para cima, e quando elas se aproximaram de seus quadris, as dirigi à parte interna, arranhando de leve sua virilha e fazendo-o soltar o ar como se tivesse sido golpeado. Seu rosto se contorcia de prazer conforme eu seguia pelo lado interior de suas pernas, parando um pouco acima dos joelhos e voltando a me debruçar sobre ele. Recomecei a beijá-lo, começando pela parte interna de sua coxa esquerda, e logo alcancei sua virilha, dando suaves chupões na região enquanto minha mão direita subia por sua outra coxa e se dirigia ao seu membro rígido.
Sem desgrudar meus lábios de sua pele, depositei um selinho na base de seu sexo, ouvindo-o respirar com dificuldade, e vi seus dedos agarrarem lentamente o lençol. Sorri, lambendo-o de baixo para cima até alcançar sua glande, e aplicar um pouco a mais de pressão ao percorrê-la. arqueou as sobrancelhas ao me ver retribuir seu olhar, pedindo por misericórdia, mas eu obviamente a neguei, alargando mais meu sorriso e envolvendo-o com minha boca. Iniciei lentamente meus movimentos, sugando-o com firmeza enquanto me movia, e fechei os olhos, concentrada em fazer daquela vez uma das melhores de sua vida. Não que eu fosse experiente nisso, mas quem sabe um pouco de determinação não ajudasse.
- Por favor... – ouvi arfar, e as falhas em sua voz me indicaram que eu estava no caminho certo – Não pare.
Alisei sua coxa novamente numa espécie de resposta, sentindo-a rígida sob a palma de minha mão, e a apertei, sentindo meu corpo tenso também. Acelerei meus movimentos gradativamente, fazendo-o soltar grunhidos estrangulados, e algumas vezes, deslizava os dentes de leve sobre sua glande, tomando todos os cuidados para não machucá-lo. Pouco tempo depois, ele enterrou os dedos em meus cabelos e começou a empurrar minha cabeça para baixo, guiando-me com uma sutileza notável diante de sua situação.
Eu deixei que ele o fizesse, esforçando-me para agradá-lo por completo, e ao que parece, não levei muito tempo para conseguir. Num tempo menor do que eu imaginei que demoraria, senti movimentar-se da cintura para cima, esticando-se para o lado por alguns segundos e logo em seguida movendo os braços. O barulho de minha gaveta sendo aberta e de uma embalagem plástica sendo rompida me fez erguer a cabeça, parando de provocá-lo, e assim que me afastei, ele esticou os braços, lutando contra a tremedeira em suas mãos para colocar a camisinha. Observando a ansiedade em seus olhos nervosos, tirei o preservativo de sua mão com calma e, apertando a ponta até que não houvesse vestígio de ar nela, a desenrolei sobre seu membro sem dificuldade.
relaxou as costas contra a cabeceira da cama novamente, com a gratidão estampada em seu rosto, e eu sorri em resposta, um pouco trêmula diante de seu estado tão alterado. Mas não me dei por satisfeita, claro.
- Pronto para a minha vingança, ? – murmurei, posicionando-me sobre seu corpo, e um brilho faiscante percorreu seus olhos, assim como seu sorriso alargou-se.
- Sou seu.
Com um sorriso de canto e o coração martelando contra meu peito, deixei meu corpo cair devagar sobre o dele, soltando pesadamente o ar quando cheguei ao fim. Senti as mãos dele subirem por minhas coxas até encontrarem meus quadris, e quando ele os envolveu, voltei a me mover, sem cerimônias. Eu o queria, ele me queria, e eu já o havia deixado esperando por tempo suficiente. praticamente gritava, dolorosamente indeciso entre jogar a cabeça para trás e aliviar sua tensão ou mantê-la erguida para me observar. Eu não ficava muito atrás, acariciando seu abdômen ou então apertando suas mãos com mais força em meu corpo. Minha cama voltara a ranger, agora mais alto, mas nenhum de nós estava disposto a parar.
investia também, intensificando a sensação terrivelmente enlouquecedora que era tê-lo dentro de mim. Era como se bilhões de micro explosões acontecessem em cada milímetro de mim, liberando toneladas de prazer a cada investida. Ouvi-lo gemer sem o menor pudor sob meu corpo, pressionar seus dedos fortes contra minha pele, era simplesmente algo que eu jamais sonhara experimentar, e que agora se tornara extremamente necessário para minha sanidade. Era como se eu fosse ficar doente caso não pudesse tê-lo.
O tempo passou impiedosamente; não sei quantos minutos ficaram para trás, mas sei que foram consideravelmente muitos, antes que ele soltasse um último gemido, que mais me pareceu um urro, e com uma investida mais longa e forte, atingisse o clímax. Seu corpo relaxou exausto sobre a cama, e eu me sentia igualmente cansada, mesmo não tendo atingido meu ponto máximo por pouca diferença. Desacelerei meus movimentos, sem exigir que ele continuasse, e quando fiz menção de me curvar sobre ele, rapidamente ergueu seu tronco, deixando-o rente ao meu. Suas mãos seguraram minha cintura com firmeza enquanto seus lábios se uniram aos meus calmamente, e com algumas últimas e profundas investidas, eu consegui chegar ao orgasmo pela terceira vez naquela noite.
Quando um gemido involuntário escapou de minha garganta, ele subiu suas mãos até meu rosto e partiu o beijo, mantendo seus lábios pressionados contra os meus por alguns segundos. Passei meus braços fracos por seu pescoço suado e ele afastou seu rosto do meu, olhando-me fundo nos olhos.
- Eu... O que... Meu Deus, ! – sussurrou, franzindo levemente a testa numa tentativa de buscar as palavras e sorrindo de um jeito maravilhado e cansado ao mesmo tempo – Você... Isso foi absolutamente... Incrível!
Sorri abertamente, afagando os cabelos molhados de sua nuca, e ele voltou a me beijar com intensidade, rapidamente se afastando de novo. Não havia fôlego para continuar.
- Digamos que eu aprendo rápido – murmurei, mantendo nossas testas unidas, e ele sorriu em resposta, esperto.
- Sorte a minha – ele suspirou, rindo um pouco logo em seguida, e me roubou um selinho – Acho que precisamos de uma pausa, e eu preciso ir ao banheiro. Já volto, me espere aqui.
- Não, acho que vou dar uma volta enquanto isso – revirei os olhos, me desvencilhando de seu corpo contra minha vontade, e ele apenas riu, levantando-se. Me deitei na cama, sentindo meu corpo agradecer, e encarei o lugar onde antes se encontrava o corpo de . Meus olhos passearam vagamente pelas curvas do lençol enquanto meu coração se desacelerava aos poucos. Rolei até ficar sobre o travesseiro dele e afundei meu rosto ali, respirando fundo e sentindo seu perfume invadir meus pulmões, misturado com seu cheiro natural, que, para mim, conseguia ser ainda melhor que o aroma artificial que ele usava. Se eu já sabia que era maluca? Sim, há muito tempo.
Alguns segundos depois, senti se deitar calmamente na cama, no lugar onde eu estava antes de rolar para o outro lado, e sua mão deslizou por minha cintura, envolvendo minha barriga e me puxando pra mais perto de seu corpo. Não ofereci a menor resistência: virei de lado, ficando de costas pra ele, e deixei que nossas curvas se encaixassem confortavelmente. Fechei tranqüilamente os olhos quando ele respirou fundo em minha nuca, e me encolhi mais ainda com o arrepio que sua ação me causou.
- Soninho? – ele cochichou, encaixando suas pernas entre as minhas e alisando minha cintura por debaixo do cobertor.
- Hm... – suspirei, sorrindo sem saber direito por quê – Talvez.
soltou um risinho ao pé de meu ouvido, me arrepiando novamente, e respondeu:
- Aproveite pra descansar enquanto eu estou bonzinho.
Meu sorriso aumentou ao ouvir sua ameaça, e ele depositou um beijinho na curva de meu pescoço.
- Vai ficar malvadinho depois, é? – sussurrei, ouvindo-o rir baixinho novamente perto de meu ouvido.
- Se eu fosse você, não usaria o diminutivo.
Arregalei os olhos, sentindo meu corpo esquentar diante de sua firmeza, e nem pensei em responder. Coloquei minha mão sobre a dele e fiquei brincando com os nós de seus dedos vagamente até apagar por uma meia hora, assim como presumo que ele tenha feito.
Pra começarmos tudo de novo depois, claro.

Capítulo 26



Franzi a testa, sentindo meus olhos reclamarem mesmo ainda estando fechados. Deixei que minhas pálpebras se afastassem por milímetros, e a forte luz do sol atingiu em cheio minhas retinas, fazendo-me gemer baixinho e fechar os olhos novamente. Eu devia ter fechado as cortinas em algum momento da noite anterior; não que elas fossem impedir os raios solares de me perturbarem, mas pelo menos ajudariam um pouco. Provavelmente, eu estava ocupada demais para pensar em detalhes como esse.
Tomei coragem e abri novamente os olhos, bem devagar e piscando algumas vezes para adaptar minhas pupilas. Me senti um pouco mais confortável dessa vez; respirei fundo, espreguiçando-me e recebendo a resposta preguiçosa de meus músculos. Eles haviam trabalhado bastante nas últimas horas e não queriam se mover, mas eu os forcei a se esticarem por alguns segundos, numa tentativa falha de me trazer disposição. Eu estava morta, exausta, esgotada, e o culpado por isso dormia feito pedra ao meu lado.
Assim que o vi, escorado sobre o travesseiro, um sorriso sapeca surgiu em meu rosto. Eu nunca o havia visto dormindo, e imediatamente me senti injustiçada. Ele já havia me visto dormir uma vez, e posso garantir que a visão não fora das mais agradáveis. Já ele... Parecia uma escultura de um anjo que havia ganhado vida, e ressonava tranqüilamente, com o rosto calmo a poucos centímetros do meu. Tive a leve impressão de que seria capaz de observá-lo pelo resto da vida.
Seu nariz por pouco tocava o meu, e seu cabelo, por mais bagunçado que eu o tivesse deixado, parecia ter sido arrumado durante o sono, voltando ao seu estado despojado e lindo de sempre. Seus lábios estavam fechados numa linha reta e fina, e seu peito nu subia e descia conforme sua respiração calma. Sua mão ainda repousava em minha cintura, como estava desde que caí no sono, e nossas pernas estavam novamente entrelaçadas, permitindo-me tentar esquentar seus pés gelados. Meu coração batia acelerado a cada detalhe que eu observava, e o sorriso insistia em permanecer, me fazendo sentir uma idiota.
Uma idiota apaixonada.
Engoli em seco ao notar o sentimento proibido lutar para se expandir ainda mais dentro de mim, sem conseguir encontrar espaço. Mas, de alguma forma, eu sabia que ele crescia a cada segundo, silenciosamente como sempre, e enrolava uma corda invisível ao redor de meu pescoço, pronto para me enforcar quando eu menos esperasse, e assim me render por completo. Suspirei profundamente, sentindo o sorriso se esvair de meu rosto, e encarei seus cílios, desejando encontrar os olhos dele me encarando de volta. Quem sabe assim eu conseguisse afastar todos aqueles conflitos de minha mente e simplesmente me perder no brilho de suas íris... Me esconder em meu refúgio mais que perfeito.
Não sei por quanto tempo apenas observei os traços tranqüilos de seu rosto, sem conseguir sorrir. As inúmeras vozes dentro de minha cabeça, falando incessantemente sobre todos os recentes acontecimentos, me deixavam confusa demais para realmente sentir alguma coisa e manifestar esse sentimento. Somente quando um barulho familiar rompeu o silêncio do quarto, eu acordei de minhas reflexões, e subitamente fiquei alerta. O som se parecia com chaves balançando num molho, e tinha vindo do andar de baixo. Mais especificamente da porta de entrada.
E foi então que eu finalmente entendi o que ele significava.
Mamãe havia chegado.
Meus olhos se arregalaram instantaneamente, ainda fixos no rosto de , quase imóvel ao meu lado. Na mesma hora, a imagem de mamãe flagrando-nos me veio à mente, e minha garganta se fechou em pânico. Olhei para a porta entreaberta de meu quarto e graças a Deus meu impulso apavorado foi mais rápido que minha consciência. Me levantei com certo esforço, já que resistia inconscientemente às minhas tentativas de me libertar de seu abraço, e corri silenciosamente até a porta, trancando-a com cuidado para não fazer barulho.
Soltei todo o ar preso em meus pulmões assim que estava segura, fechando os olhos por alguns segundos e tentando pensar com clareza. Como eu conseguiria tirar dali sem mamãe perceber? Ela com certeza viria pelo menos me dar um beijo, ou seja, eu precisava acordá-lo, e logo. Encarei seu corpo adormecido sobre a cama, encostada à porta, e só então percebi que, apesar do vidro fechado da janela, estava frio dentro do quarto. E opa. Eu estava nua.
Corri até meu armário, e numa velocidade recorde, vesti uma calcinha e uma camisola qualquer. Virei-me de volta para a cama, prendendo depressa meu cabelo cheio de nós num coque desengonçado, e o som dos passos de mamãe subindo a escada acelerou meu coração. Droga, ela estava chegando e mal havia acordado! Pelo menos a porta estava trancada; isso serviria para nos render algum tempo extras.
Me esgueirei até , cutucando-o com força, mas ele nem se moveu. Bufei, revirando os olhos, e segurei firme em seu braço, chacoalhando-o sem sutileza alguma. Ele franziu a testa, ainda de olhos fechados, e começou a reclamar baixinho numa língua provavelmente extinta há alguns séculos. Se eu não estivesse tão nervosa, teria rido, mas tudo que fiz foi trincar os dentes e balançá-lo com mais força, sem perceber que ele estava muito próximo da beira da cama. Umas três chacoalhadas depois, seu corpo não ofereceu resistência a minhas mãos, e tombou para o chão com um barulho doloroso. Maldita cama de solteiro.
Levei as mãos à boca, preocupada, enquanto o ouvia resmungar uns sete palavrões seguidos. Dessa vez, não consegui conter um risinho nervoso, até que ele se levantou, com a mão cobrindo parte de seu rosto e uma careta de dor.
- Desculpe – sussurrei, sem ter muita certeza de que ele estava realmente acordado, mas logo tive minha confirmação: a maçaneta da porta do quarto girou, indicando a chegada e mamãe, e imediatamente os olhos de se arregalaram, assim como os meus fizeram antes. Seus olhos foram da porta até mim rapidamente, e eu levei o indicador à boca, pedindo silêncio.
- Vou me esconder debaixo da cama – ele cochichou, ainda hesitante, e seu rosto demonstrava um misto de sono, dor, preguiça e medo.
- Não seja idiota! – falei no mesmo volume, atirando suas roupas espalhadas pelo chão em sua direção sem nem ver onde elas o atingiam – Vista-se e pule pela janela!
- O quê? – disse, num sussurro mais alto, e eu me virei no mesmo instante, repreendendo-o com o olhar – Pela janela? Você quer que eu morra?
- Se não parar de enrolar, vou querer sim! – briguei, atirando sua boxer em seu rosto sem querer – Anda logo!
Ele pegou a boxer, revelando sua expressão ranzinza, e a vestiu rapidamente, bocejando enquanto o fazia. Olhei ao redor, analisando toda a bagunça que havíamos feito sobre minha escrivaninha (digamos que eu e quase a quebramos também, junto com boa parte da mobília do quarto, mas finja que não ficou sabendo disso), e rapidamente a ajeitei, ouvindo mamãe insistir na maçaneta mais algumas vezes antes de parar. Ou pelo menos eu achei que tivesse parado.
- Querida? – ela chamou cuidadosamente, batendo à porta alguns segundos depois, e eu olhei para , com medo até de respirar. Ele devolveu meu olhar por um momento, terminando de afivelar seu cinto, e seus olhos pairaram sobre a porta, tensos. Eu examinava seu rosto, tentando achar algum jeito de despistá-la, mas nada me vinha à cabeça.
- Fale com ela – eu li seus lábios dizerem, enquanto ele voltava a me encarar e mamãe voltava a me chamar – Diga que já vai.
- Não! – respondi, apavorada, e ele me lançou um olhar insistente enquanto vestia a camisa – Vou fingir que estou dormindo!
- Quem está aí? – ela perguntou, e eu cobri minha boca com as mãos – , com quem você está falando?
- Hm... Erm... Hã? – eu disse, em voz alta, e manteve seus olhos fixos em mim conforme eu a respondia – Ahn, oi, mãe... Já chegou, é?
- Filha? Por que a porta está trancada? – mamãe questionou, parecendo um pouco mais tranqüila ao ouvir minha voz.
- É que... – comecei, olhando para sem saber direito o que responder, e vi que ele me incentivava a continuar enquanto vestia o paletó – Fiquei com medo por ter dormido sozinha em casa e resolvi me trancar.
Ele assentiu, me encorajando, e eu fiz uma careta diante de minha desculpa esfarrapada.
- Ah – ela falou, compreensiva – Me desculpe por ter dormido fora, mas é que a festa realmente estava boa e... Por que você ainda não abriu a porta pra mim?
Nossos olhos se arregalaram mais ainda com o tom ofendido de sua voz, e eu imediatamente corri até , puxando-o com força até a janela e abrindo-a, tentando fazer o menor barulho possível.
- Só um minuto, eu já estou indo! – falei, enquanto pulava num pé só para colocar as meias, e voltei a cochichar para ele – Vai!
- Calma, calma, tô indo! – ele reclamou, apoiando-se na parede sob a janela para colocar um dos sapatos, e eu fiz menção de correr até a porta, mas ele me segurou primeiro.
- O que foi? – rosnei, ansiosa, e ele cerrou os olhos, sorrindo de um jeito meio emburrado.
- Vou me jogar da sua janela e não mereço nem um beijo? – ele reclamou, fazendo beicinho, e eu não consegui não sorrir, por mais nervosa que estivesse – E se eu não sobreviver à queda?
- Vaso ruim não quebra – retruquei, erguendo as sobrancelhas em tom de superioridade, e ele notou o humor em minhas palavras, sorrindo mais – Tchau, .
- Você vai me pagar por isso, . Esse terno foi uma fortuna! – disse, apenas movendo os lábios enquanto eu me afastava, e logo em seguida fez cara de cãozinho sem dono, fazendo biquinho e apontando para os próprios lábios com o indicador – Só um beijinho, vai!
- Beija isso! – sussurrei, rindo, e mandei dedo pra ele, vendo sua boca se escancarar pela ofensa, porém ainda sorrindo. Ele terminou de calçar seus sapatos, olhando de cara feia pra mim, e me mostrou a língua antes de se virar para o parapeito e agilmente colocar-se para fora da janela.
Paralisei quando o vi pendurado, e apesar de saber que a queda não o machucaria devido à baixa altura, fiquei com um pouco de medo. Observei se preparar para pular, e alguns segundos depois ouvi ele xingar baixinho e sumir completamente, com um baque surdo e um barulho alto de folhas se mexendo e gravetos se quebrando. Prendi um gemido de pavor, e corri até a janela.
- , que barulho foi esse? Abra essa porta agora! – mamãe chamou mais uma vez, parecendo impaciente, e eu mal consegui ouvi-la. Vi se levantando no jardim, com as mãos nas costas e os cabelos repletos de pequenas folhas, e mordi o lábio inferior, com pena. Ele lançou um breve olhar para cima, e seu rosto demonstrou um pouco de dor, deixando-me ainda mais amolecida. Mandei-lhe um beijinho de desculpas, e seu rosto pareceu desobedecer a suas ordens, rapidamente mudando de expressão. sorriu pra mim, daquele jeito estonteante que me fazia sorrir junto, e correu até seu carro, mancando um pouco, porém bastante saudável para quem havia saltado uma janela. Respirei fundo, rindo baixinho, e mamãe voltou a bater à porta, arrancando-me do momento divertido.
- Calma, já vou! – exclamei, irritada, e corri até ela, destrancando a porta e abrindo-a com pressa – O que foi?
- Por que essa demora toda? Quem estava aí com você? Que barulho foi esse? – ela disparou, de braços cruzados e com uma expressão não muito amistosa.
- Eu demorei porque estava com muito sono, não sou obrigada a acordar tão cedo em pleno fim de semana só porque você chegou em casa – respondi, sendo um pouco mais grossa que o aconselhável pela despedida apressada de – Eu estava falando sozinha, xingando esse frio maldito, e os barulhos que você ouviu vieram lá da rua, não tenho nada a ver com isso. Satisfeita?
Mamãe esticou o pescoço enquanto eu falava, bisbilhotando o quarto agora vazio, e ficou me encarando por alguns segundos antes de responder. Meu coração batia em minha garganta, acelerado devido às minhas mentiras muito mal formuladas, e apostei todas as minhas esperanças na enorme confiança que mamãe tinha em mim.
- Sim, me desculpe – ela suspirou, parecendo realmente convencida, e o alívio me dominou – Pode voltar a dormir se quiser. Eu só queria saber se você estava bem, não quis interromper seu sono. Também vou me deitar, preciso descansar um pouco.
- Hm... Tudo bem – assenti, arrependida pela forma um tanto rude pela qual a tratei, porém sem baixar a guarda. Se era pra mentir, que eu fosse convincente até o fim, certo?
Ela me deu um beijinho na testa antes de caminhar até seu quarto e eu fechei a porta novamente, me encostando nela e rindo baixinho. Pode parecer idiota, mas foi inevitável me perguntar se estaria rindo naquele momento também, dirigindo sua Ferrari a caminho de casa. Após alguns segundos distraída com aquele pensamento, deduzi que estava sendo imbecil demais e me contentei em rir sozinha, aliviada e feliz por tudo ter dado mais do que certo. Me afastei da porta, observando calmamente o quarto enquanto me aproximava da cama, e todos os momentos daquela noite voltaram à minha mente, como um filme acelerado. Me deixei cair sobre o colchão, suspirando, e abracei forte o travesseiro com o perfume dele, afundando meu rosto ali e respirando fundo.
- Boa noite, ! – sussurrei contra a fronha perfumada, e puxei os cobertores para meu corpo antes de voltar a dormir profunda e quase que instantaneamente.

Já havia escurecido quando voltei a abrir os olhos, bem menos cansada que antes e com uma fome estratosférica. O silêncio ainda predominava em casa, exceto pelo barulho da TV no andar de baixo, provavelmente responsabilidade de mamãe. Dessa vez, foi muito fácil levantar e fazer uma visita ao banheiro, mais especificamente ao chuveiro.
Entrei de cabeça sob a cachoeira quente, e me lavei sem muitas delongas. Logo em seguida, escovei os dentes, e assim que havia acabado, me encarei no espelho. Meus lábios pareciam constantemente curvados num sorriso, sem que eu sequer me desse conta disso, meus olhos brilhavam mais que o normal, minhas bochechas estavam coradas e quentes, meu coração parecia forte, batendo num ritmo mais acelerado que o habitual... Eu estava diferente. Eu estava bem.
Deixei o banheiro cantarolando uma música qualquer, e assim que minhas mãos se dirigiram à toalha enrolada em meu corpo, me lembrei de arrancando-a na noite anterior. Um leve arrepio percorreu meu corpo instantaneamente; com certeza, eu levaria algum tempo para me recuperar daquela noite. Tive que respirar fundo antes de prosseguir, mas parecia que alguém não queria que eu o fizesse.
Meu celular tocou assim que minhas mãos se dirigiram à toalha, e eu corri para atendê-lo, olhando o visor antes. Um nó dolorido se formou em minha garganta e todo o clima agradável desapareceu quando li o nome escrito na tela.
- Alô? – murmurei ao atender, sentando-me na cama e levando a mão livre ao pescoço numa tentativa idiota de fazer minha voz fluir melhor, e também de conter o enjôo forte que se apoderou de meu estômago, extinguindo minha fome por completo num segundo.
- Oi, meu amor! – sorriu, parecendo extremamente aliviado, e meus olhos se fecharam quando senti a alegria em sua voz – Acabei de chegar de viagem!
- Que bom – respondi com a maior empolgação forjada que consegui, mordendo meu lábio inferior logo em seguida e sentindo meus olhos ficarem úmidos numa velocidade alucinante.
- Como você tá? – ele perguntou, animado - Aproveitou bastante seu fim de semana sem mim, aposto!
Levei alguns segundos para fingir um risinho e encontrar minha voz para respondê-lo. Se ele soubesse o impacto que essas brincadeiras tinham em mim, não as faria. Ou talvez, fizesse pior, para me dar exatamente o que eu merecia receber: dor.
- Tô bem – falei simplesmente, e ao abrir os olhos, vi boa parte de meu quarto em borrões devido à água que se acumulava neles – E você? Como foi a viagem?
- Confesso que eu tô um pouco triste, porque faz um tempão que eu não te vejo, e isso me deprime! – respondeu, fingindo um desânimo fúnebre na voz, assim como eu fingia o contrário na minha – Mas a viagem foi ótima. Matei a saudade da família, descansei bastante, segui todas as suas recomendações... Digamos que estou fisicamente saudável. Meu emocional anda meio doente sem você pra cuidar dele.
Uma lágrima caiu por meu rosto, e eu prendi um soluço com esforço.
- Me desculpe por isso – falei baixinho, tentando fazer com que minha voz estrangulada soasse proposital. Ele ficou em silêncio por alguns segundos, me deixando um pouco preocupada, e quando voltou a falar, sua voz parecia séria.
- ... Tá tudo bem mesmo? Você me parece... Preocupada com alguma coisa. O que foi?
- Eu estou bem, , juro – sorri, esforçando-me ao máximo para disfarçar minhas lágrimas – Não se preocupe comigo.
Ficamos em silêncio por mais alguns segundos, enquanto ele provavelmente decidia se acreditava em mim ou não.
- Hm... Então tá – ele finalmente disse, agora com seu tom natural, e eu respirei fundo, aliviada – Vou desfazer as malas agora e dormir... Quero estar totalmente disposto pra voltar à rotina amanhã, e o mais importante, pra voltar pra você.
- Vai lá – murmurei, ainda sorrindo tristemente, enquanto as lágrimas continuavam transbordando – Boa noite.
- Boa noite, meu amor, até amanhã – sussurrou, e eu tive certeza de que estava sorrindo – Te amo muito!
- Eu também – falei, e desliguei logo em seguida. Apoiei meus pés sobre o colchão e abracei meus joelhos, enterrando meu rosto neles e deixando que a dor e o choro me engolissem.
Meu coração parecia rodeado de agulhas, porque a cada batimento, inúmeras fisgadas o dominavam. Ele me amava tanto... E eu, mesmo sabendo que não merecia todo aquele amor tão puro, era incapaz de dizer a verdade e afastá-lo de mim... Afastá-lo do monstro egoísta e inescrupuloso que eu era. Porque eu também o amava, e não conseguia me imaginar sem ele ao meu lado.
Mas havia outra pessoa ocupando o mesmo espaço em meu coração. E por mais que eu tentasse, escolher um só me parecia inaceitável. Ambos eram tudo o que eu sempre quis, e tudo que eu jamais teria. Era extremamente errado e impossível ter os dois... Meu coração não suportaria a culpa.
Poucos segundos depois, ergui meu rosto, enxugando as lágrimas e tentando contê-las em vão. Não adiantava chorar diante de meu dilema, de que adiantariam lágrimas? Por mais que aquela dúvida me corroesse, não fazia sentido algum ficar chorando ao invés de tentar ser o mais objetiva possível e pesar minhas opções. Fiquei de pé, fungando baixinho, e assim que dei um passo na direção do armário para me vestir, meu celular voltou a tocar.
Fechei os olhos com força, hesitante, com medo de que fosse novamente. Não sei se conseguiria fingir outra vez. Após alguns toques, engoli o choro com esforço, peguei o aparelho sem coragem de ver o número e atendi.
- Alô? – falei, tentando parecer firme, e a voz do outro lado da linha fez minhas pernas tremerem tanto que por pouco caí no chão, ao invés de sentar na cama outra vez.
- Por favor, diga que acordou há pouco tempo pra que eu me sinta menos preguiçoso por só ter acordado agora – sorriu, com a voz levemente sonolenta, e meus olhos se arregalaram ao ouvi-la.
- O que exatamente há de errado com você? – murmurei, sem conseguir esconder meu espanto – Primeiro você invade minha casa, depois descobre meu telefone... O que vai ser da próxima vez?
- Acha que nunca fiquei sozinho com o celular do por alguns minutos? – ele riu, parecendo se divertir com minha reação – E quanto à invasão da sua casa, prefiro não revelar meu segredo. Vou deixar você se descabelar pelo resto da vida.
- Vai sonhando – bufei, revirando os olhos. Mentira, eu sabia que passaria um bom tempo tentando descobrir como ele havia feito aquilo.
- Já sonhei – ele retrucou, esperto – Não houve um segundo do meu sono sem você em meus sonhos hoje.
Respirei fundo, ignorando suas provocações sem precisar de muito esforço. A conversa com ainda estava surtindo efeito em mim, e eu preferi não incentivá-lo.
- , por que você ligou? – perguntei com firmeza, sem querer estender muito aquela conversa – Se foi pra me provocar, fique sabendo que...
- Que o quê, ? – ele me interrompeu, igualmente firme – Qual é a mentira que você vai me contar dessa vez? Que me odeia, quando eu sei que você está se envolvendo comigo? Que não é certo nós ficarmos juntos, quando eu sei que não existe nada mais certo que você e eu?
- Pára com isso! – pedi, fechando os olhos, e antes que eu pudesse me conter, já estava chorando de novo – Não me pressione mais por hoje, por favor.
Ouvi ele respirar fundo do outro lado da linha, e logo em seguida, voltar a falar, com a voz grave.
- Ele te ligou, não foi?
Não consegui responder, apenas continuei chorando. Me sentindo extremamente suja por querer que estivesse ao meu lado para me abraçar e me fazer acreditar que tudo estava bem, como ele havia feito na noite passada. Não precisei responder para que ele soubesse o que havia perguntado.
- Me desculpe, eu... Devia ter imaginado que ele ligaria quando chegasse – falou, sério e parecendo um tanto desapontado - Vou desligar.
- Não! – murmurei impulsivamente, sem querer ficar sozinha com minha angústia nem deixá-lo chateado com meu choro idiota – Não precisa desligar... Continue conversando comigo, por favor.
Ele não disse nada por alguns segundos, processando meu pedido inesperado, e eu não conseguia impedir as lágrimas de rolarem livremente por meu rosto. Pode parecer mentira, mas eu me sentia extremamente carente, e uma certa saudade de me atingiu ao ouvir sua voz, fazendo-me apoiar meu queixo em meus joelhos e imaginar por um segundo que era em seu ombro que minha cabeça repousava.
- Claro... Eu só não sei se sou muito bom nisso – ele gaguejou, recuperando a firmeza aos poucos - Mas prometo dar o meu melhor.
- Obrigada – sorri fraco, grata, e me deitei lentamente na cama, encolhida. Querendo ainda mais que pudéssemos conversar pessoalmente, e que seu hálito de canela pudesse bater em meu rosto a cada palavra, e que suas mãos pudessem fazer carinho em minha cintura enquanto sua voz me fazia viajar para um lugar bom.
- Hm... Sobre o que você quer conversar? – ele perguntou, sem saber bem por onde começar. Pensei por alguns segundos, e uma pergunta me veio à mente.
- Por que não foi ao baile?
- Eu fui – respondeu, e eu franzi a testa, confusa – Mas é claro que você não estava lá, e eu não tive motivos pra ficar. Além do mais, eu esqueci a Kelly, e tive que sair correndo pra buscá-la...
- Espera um pouco – falei, interrompendo-o, sem saber se tinha ouvido direito – Você esqueceu a Kelly?
- Por que a surpresa? Eu faço isso com mais freqüência do que você imagina – ele sorriu, e eu não pude deixar de rir nem que fosse um pouco, imaginando a cena de Kelly chegando atrasada ao baile, sem acompanhante e completamente enfurecida – Ela deve ter me entupido de magia negra, mas eu não me importo. Não se surpreenda se eu me cortar fazendo a barba e sangrar até morrer, a culpa é toda dela.
- Credo! – eu o repreendi, ainda rindo de leve, e assim que voltamos a ficar sérios, um longo silêncio predominou.
- ? – ele chamou, quando eu já estava começando a achar que a ligação havia caído.
- Hm?
- Nada... Só quis me certificar de que não estava segurando o telefone à toa.
Sorri fraco, perguntando-me se existia algum tipo de conexão entre nossas mentes para que pensássemos a mesma coisa no mesmo momento. Ficamos mais algum tempo em silêncio, apenas ouvindo as respirações um do outro, até que eu o quebrei, sem saber direito se me arrependeria por isso.
- ?
- Hm?
- Eu não consigo... Escolher.
Meus olhos vagavam pelas cortinas ondulantes, ainda levemente úmidos, e parte de minha mente imaginava que expressão seu rosto havia adotado. Ele com certeza sabia do que eu estava falando; não eram necessárias mais palavras para que ele me entendesse.
- Você sabe que não posso te ajudar nisso – ele suspirou, após digerir minha frase – Não conseguiria ser imparcial num assunto como esse.
Fiquei em silêncio novamente, sem saber o que responder, e continuou a falar após algum tempo.
- Eu quero que seja feliz, de verdade, e quero muito que você também seja. Mas, sinceramente, eu não vejo como ele pode te fazer verdadeiramente feliz... Sendo que você tem a mim.
Agradeci mentalmente o fato de estar deitada. Se estivesse em pé, teria desmontado feito um castelinho de cartas cuja base foi desfalcada após ouvi-lo falar aquilo.
- Ele me faz feliz – murmurei, franzindo levemente a testa ao pensar na alegria que sentia quando estava com – O problema é que... Você também.
- Me desculpe por isso – ele pediu, um tanto irônico, interpretando minha frase de uma maneira um tanto errada – Vou tentar te magoar mais freqüentemente de hoje em diante. Quem sabe assim eu te ajude a tomar a decisão certa que você tanto deseja.
- Não seja idiota – falei, sentindo a acidez de seu tom de voz destruir o pouco de estabilidade que começara a se reconstruir em mim. Por que ele estava sendo tão estúpido? Era compreensível que ele se sentisse apreensivo sobre aquele assunto, mas eu estava no olho do furacão e não estava distribuindo patadas!
- Não seja idiota você – ele retrucou, e respirou fundo logo em seguida, provavelmente guardando para si as palavras que realmente desejava dizer – Só me avise quando decidir, está bem? Eu odiaria estar mal informado sobre esse assunto.
- Você provavelmente vai descobrir isso sozinho – eu disse, sem emoção – Procure nos jornais pela notícia de uma garota de 17 anos que morreu ao se atirar de um prédio e vai ter sua resposta.
- Se você sequer pensar numa coisa dessas, eu te mato com minhas próprias mãos antes que possa se suicidar – ele rosnou, furioso diante de minha hipótese.
- Obrigada, vai adiantar meu trabalho – rebati, seca. Eu estava totalmente desmotivada a continuar naquela luta, já que sabia que não poderia vencê-la sem uma perda que eu não sabia se suportaria ou sem um arrependimento irreversível. Ele respirou fundo outra vez, provavelmente tentando não gritar comigo, e sua voz soou controlada ao emanar do telefone de novo.
- Não precisa se sacrificar assim, . Se não consegue se decidir agora, deixe que o tempo decida por você. Deixe que as coisas se encaminhem sozinhas. Confie em mim, e quando menos esperar, vai tomar sua decisão espontaneamente.
Conforme falava pausadamente, ia adotando um tom de voz mais calmo e até um pouco otimista, e eu percebi que meu coração seguia pelo mesmo caminho. Talvez eu devesse conversar mais vezes com ele; além de suas palavras serem quase sempre interessantes, sua voz me ajudava a pensar e a me acalmar. Pelo menos por telefone. Suas habilidades vocais ao pé de meu ouvido eram outro caso.
- Espero que você esteja certo – suspirei, sentindo menos vontade de me suicidar. O que não significa que a sugestão tivesse sido totalmente descartada.
- Eu também – ele murmurou, como se falasse consigo mesmo, e eu desejei poder ler seus olhos e seu rosto naquele momento.
- Acho melhor desligarmos – sussurrei, depois que o silêncio voltou por alguns minutos, apesar de estar gostando do suave som de sua respiração – Eu preciso colocar um pijama e tentar comer alguma coisa.
- Não me diga que está nua! – sorriu, e o clima da conversa subitamente voltou a ser tolerável – Ou melhor, diga sim!
- Desculpe desapontá-lo, mas não, eu não estou nua – falei, rindo um pouco, surpresa por seu interesse erótico incessante – A toalha estragou seus planos.
- Ah, não me fale uma coisa dessas! – ele gemeu, torturado, e eu ri mais – Me dá vontade de repetir as seis vezes da noite passada só de pensar! E só não chegamos a dez porque sua mãe chegou, e a propósito, vou mandar a conta de outro terno Armani pra sua casa muito em breve!
- Ah, vai sim, e eu te mando a conta da minha cama nova – retruquei, tentando disfarçar meu sorriso divertido e anulando qualquer tipo de reclamação dele - Boa noite, .
- Sua cama está em perfeitas condições, assim como o meu terno – ele confessou, fazendo-me sorrir, vitoriosa - Boa noite, .
- Ah, antes que eu me esqueça – murmurei, tímida – Obrigada por... Hm, você sabe. Ter conversado comigo.
- Eu que agradeço – ele sorriu, com sua voz derrete-gelo – Fique à vontade pra me ligar quando quiser... Exercitar as palavras é algo que eu deveria fazer com mais freqüência.
- Até que suas palavras são... Legais – falei, ouvindo-o rir logo em seguida (e com razão, afinal, eu disse que as palavras dele eram legais) – Quer dizer, eu meio que... Gosto delas. Mas não espere que eu te ligue.
- Hm, deixe-me adivinhar... Vergonha, talvez? – chutou, e eu ri baixinho numa resposta afirmativa – Eu juro que tento entender você, mas quanto mais perto de conseguir eu chego, mais confuso eu fico. Alguém por acaso já te disse isso?
- Não – respondi, ainda sorrindo debilmente – Ninguém nunca me disse a maioria das coisas que você me diz.
Fiquei séria subitamente ao ouvir minhas próprias palavras impensadas. Elas eram a pura verdade, mas talvez eu não devesse tê-las dito. Não queria demonstrar nenhum tipo de sentimentalismo exagerado, ainda mais estando na situação de indecisão em que eu estava. Ele pareceu entender o significado de meu silêncio, e murmurou alguns segundos depois:
- Eu disse pra você confiar em mim... Não disse?
Imediatamente, as palavras que ele me dissera há pouco tempo voltaram a ecoar em meus ouvidos.
Confie em mim, e quando menos esperar, vai tomar sua decisão espontaneamente.
- Boa noite, – repeti, e desliguei logo em seguida, sem nem querer ouvir sua resposta e de repente deixar que ele me confundisse mais ainda. Fiquei encarando o teto por um tempo, desembaralhando minha mente, e sem conseguir o menor sucesso, me levantei, fiz o que tinha que fazer e voltei a me jogar na cama, dessa vez demorando um bom tempo para cair no sono.

Capítulo 27



- Você vai me contar tudo! – exclamei, assim que pus meus olhos em na manhã de segunda-feira. Seu sorriso de orelha a orelha denunciava que as coisas com Ewan excederam expectativas, o que só me rasgava meu rosto num sorriso igual ou até maior que o dela.
- Claro que vou, você acha que eu agüento guardar tudo só pra mim? – ela riu, me abraçando quando cheguei perto dela – Acho que nunca estive tão feliz!
- Como é bom ouvir isso! – sorri sincera, retribuindo seu abraço – Eu sei bem o quão chateados vocês dois ficaram quando tiveram que se separar.
- O que não vai acontecer de novo tão cedo! – ela disse, desfazendo o abraço e me olhando com uma animação enorme – Ele me disse que a família vai voltar pra Londres, parece que precisam mais do pai dele na filial daqui, por ser bem maior que a de Oxford e tudo o mais... Resumindo, tudo vai voltar a ser como era antes!
- Então vocês voltaram, é isso? – perguntei, antes de comemorar de verdade, e ela assentiu, mal conseguindo sustentar o tamanho de seu sorriso.
- Ele até vai passar aqui hoje na saída pra me levar pra conhecer seu apartamento novo! – guinchou, quando eu a abracei outra vez – E disse que tá morrendo de saudade de você também.
- Ah, que bom que aquele viadinho não se esqueceu de mim! – eu ri, me afastando e recebendo um beliscão dela, mas logo meu sorriso se desfez quando meus olhos encontraram um moletom verde musgo chegando à escola. Meu coração revirou dentro do peito, meu estômago se contorceu de nervoso, minha respiração falhou, tudo ao mesmo tempo. Além de todos aqueles sentimentos que sua ligação me causara na noite passada voltarem com o triplo de intensidade, havia outro pulsando com eles. Saudade. Muita saudade.
- Pelo visto, ele já voltou ao normal – comentou, acompanhando-o com o olhar também conforme ele se aproximava cada vez mais – Quer dizer, pelo menos ele não está mais rosa.
- É – respondi vagamente, sorrindo assim que os olhos dele encontraram os meus, e me segurei muito pra não correr até ele e me enterrar em seu abraço. Provavelmente, para chorar até desidratar, se eu pudesse.
- Muito bom dia, meninas! – disse, passando por nós e estendendo ainda mais seu sorriso ao se aproximar – Te vejo no intervalo, ?
- Claro – murmurei, sorrindo fraco, e ele assentiu discretamente antes de entrar no prédio.
- Seus pervertidos – riu, e eu só não lhe dei um soquinho no braço porque estava perturbada demais – Ficam combinando suas rapidinhas na minha frente, eca.
Suspirei, lutando para voltar ao meu estado controlado, e engoli toda a maré de sentimentos que havia me preenchido.
- Cala a boca – falei, fingindo indiferença e pensando em qualquer meio de mudar de assunto – Quer mesmo que eu mencione o dia em que ajudei o Ewan a escolher sua fantasia de enfermeira para comemorar os dois anos de namoro?
Ela sempre ficava roxa de vergonha e desistia imediatamente de caçoar de mim toda vez que eu citava esse fato. E foi exatamente por isso que eu o citei.
- Seu idiota! – uma voz esganiçada gritou, vinda da sala dos professores, e nós nos viramos rapidamente, assim como o resto dos alunos no pátio, para ver o que estava acontecendo. Não sei por que me surpreendi ao ver Kelly Smithers batendo com sua mochila em , e seguindo-o conforme ele caminhava tranqüilamente até a entrada do bloco, parecendo alheio a qualquer agressão.
- Você vai me pagar por isso, ouviu bem? – ela esbravejava, vermelha de raiva e com os olhos prestes a saltar de suas órbitas - Eu ainda vou fazer você se arrepender de ter nascido, seu imbecil! Eu te odeio! Odeio!
- Oi, disse calmamente ao passar por mim, como se fosse absolutamente normal ele me cumprimentar, e ainda por cima, com uma biscate nervosinha em seu encalço.
- O... Oi – gaguejei, completamente surpresa e atordoada, pelo fato de ter falado comigo tão espontaneamente, e porque seu casaco de moletom azul, sua calça jeans e seu All Star, ambos pretos, me deixaram um pouco desnorteada. Seus olhos estavam cobertos por um Ray Ban que parecia ter sido meticulosamente desenhado para estar em seu rosto (provavelmente para disfarçar suas olheiras, as quais eu também ocultei com um pouco de maquiagem), e ele fazia umas caretas de vez em quando, como se a Smithers estivesse atirando sua mochila bem nos locais doloridos devido à sua queda de minha janela.
Ao ouvi-lo me cumprimentar, Kelly paralisou na minha frente, enquanto ele continuou seu trajeto, e me encarou com indignação, voltando a correr atrás dele e a espancá-lo com sua bolsa. Digamos que o alvo de sua ira havia mudado um pouco, passando a envolver a piranha da em seus argumentos.
- OK, vamos ver se eu entendi – falou, observando-o se afastar e levar a gritaria ambulante consigo – acabou de te cumprimentar ou eu estou ficando louca? Quer dizer... O que exatamente eu perdi?
- Nada, oras – dei de ombros, como se não o tivesse visto há cerca de vinte e quatro horas (nu) – Você sabe que ele é doido, deve ter cheirado gatinhos demais e decidiu me dar oi assim, do nada.
Ela ergueu uma sobrancelha, desconfiada, e eu mantive minha expressão inocente, até que ela se deu por convencida.
- Tô de olho em você, viu, ? – ela avisou, e o sinal tocou logo em seguida, abafando meu riso um pouco tenso. Ter , a reencarnação de Sherlock Holmes, na minha cola não era exatamente um fator tranqüilizante.

As três primeiras aulas passaram mais rápido que o esperado, e quando me dei conta disso, já estava caminhando rumo ao pátio para o intervalo. Meu coração começou a bater descompassado ao me lembrar do que havia combinado para aquele momento, e meus olhos procuravam por no meio da bagunça de gente, apreensivos e temerosos. Eu queria muito vê-lo, mas ao mesmo tempo, desejava poder me manter trancada no banheiro até o sinal tocar e eu ter que retornar à classe.
- Lá vai ela tirar o atraso – murmurou ao notar meu jeito tenso, e eu mostrei a língua, forjando um bom humor muito fajuto. Mal sabia ela que atraso sexual era a última coisa da qual eu sofreria enquanto existisse, mas eu preferia me manter bem longe de pensamentos como esse.
Descemos as escadas com o fluxo de alunos, e assim que chegamos ao primeiro andar, vi parado ao lado do bebedouro, cumprimentando alguns idiotas do segundo ano que passaram. Ele sorriu assim que me viu, e eu não pude evitar fazer o mesmo. Olhei rapidamente para , recebendo um sorriso de incentivo dela, e fui até o banheiro feminino, que ficava ao lado do bebedouro, só para despistar o resto dos alunos. Fiquei me olhando no espelho por algum tempo, mal conseguindo disfarçar meu nervosismo ao forjar uma arrumada no cabelo, enquanto ele fingia amarrar os tênis demoradamente.
Em poucos segundos, o corredor e as escadas ficaram praticamente desertos, e ele assentiu para mim. Caminhamos depressa (aliás, ele me arrastou corredor abaixo porque minhas pernas estavam um pouco bambas e lentas em relação às dele) em direção à sala que sempre ficava vazia naquele andar àquele horário, e assim que nos trancamos dentro dela, senti envolver minha cintura com força num abraço apertado. Atirei meus braços ao redor de seu pescoço devagar, e fechei os olhos, torturada. Como um abraço podia ser tão bom e doloroso ao mesmo tempo?
- Oi! – ele murmurou, erguendo-me do chão e beijando a curva de meu pescoço demoradamente.
- Oi – repeti, respirando fundo para encher meus pulmões com seu perfume e sentindo meu coração quase explodir de alegria, e ao mesmo tempo, de tristeza, por finalmente poder abraçá-lo.
- Como é bom estar de volta – sorriu, colocando-me no chão e pela primeira vez olhando em meus olhos sem ter que disfarçar seus verdadeiros sentimentos – E é melhor ainda poder encostar em você de novo!
- Eu que o diga – sorri o mais intensamente possível, segurando seu rosto com minhas mãos, e logo em seguida, nossos lábios colidiram com avidez, dando espaço para que nossas línguas se unissem, cheias de saudade. Não havia como definir aquele beijo; era um equilíbrio entre delicadeza e brutalidade, pressa e calma, amor e tesão, mas ao mesmo tempo, conseguia ser tudo isso junto. Preferi deixar o peso alucinante da culpa e do remorso de fora dessa definição; já não é novidade alguma que eu sou uma garota dividida entre o paraíso e o inferno.
Ele colocou as mãos por baixo de minha blusa, provocando arrepios em minha pele, e eu agarrei os cabelos de sua nuca instintivamente. Ficamos nos engolindo por uns bons minutos, repletos de mãos bobas, gemidos abafados e mordidinhas nos lábios, que após algum tempo, me fizeram esquecer parcialmente o mundo ao meu redor. Uma semana sem sentir os lábios de nos meus me fez realmente mal; minha mente, antes enevoada e escura, tornou-se menos densa e sombria, me permitindo sentir seu toque e suas carícias com um pouco mais de conforto. Quando tive que decidir entre respirar e sobreviver ou continuar beijando-o e morrer sufocada, me afastei dele, e apenas ficamos nos encarando, ofegantes demais para falar.
- Eu... Gostei disso – ele disse alguns segundos depois, ainda sem fôlego e com uma expressão meio sonhadora, o que me fez sorrir fraco – Podemos repetir de vez em quando?
- Claro – falei, ofegante e ainda envolta naquela sensação levemente anestesiante, prensando seu corpo contra a parede com o meu e sentindo-o realmente empolgado com a sessão de amassos – Só não precisa repetir a parte de ficarmos sem nos ver por mais de uma semana.
- Concordo plenamente – riu, me roubando um selinho logo em seguida – Se bem que estou começando a achar que essa distância me rendeu bons momentos. E se depender de mim, vai render muitos outros.
- Não pense que vai ser sempre assim... Se você sumir de novo, não vai me encontrar tão disposta quando voltar – ameacei, cerrando os olhos e me sentindo mais leve e involuntariamente contagiada pela maldita atmosfera feliz que o rondava – A quantidade de beijos que eu vou te dar não vai conseguir superar a de tapas.
Ele riu mais uma vez, jogando a cabeça pra trás por um momento, e eu não pude evitar rir junto, mesmo que a dor recomeçasse a surgir em meu peito, intensificando-se a cada segundo. Era sempre assim quando eu estava com ele, ficava difícil não sorrir por qualquer coisa, mesmo que por pouco tempo. Mesmo que eu tivesse todos os motivos do mundo para estar cortando os pulsos naquele exato momento.
- Eu não ligo de apanhar de você – ele sorriu, erguendo as sobrancelhas num tom de superioridade – Honestamente, seus tapas fazem cócegas.
Suas palavras foram seguidas de um estalo alto vindo da colisão entre a palma de minha mão e seu braço, e gemeu de dor, rindo ao mesmo tempo.
- Retire o que disse se não quiser que eu bata em outro lugar – rosnei, ultrajada.
- Tá, tá, eu retiro! – ele riu, erguendo as mãos em sinal de rendição – Seus tapas me massageiam... Melhorou?
- Vou ignorar essa adaptação – falei com a voz grave, fuzilando-o com o olhar, e ele prendeu o riso, voltando a me abraçar pela cintura – Olha que eu te castro, hein, . Sei como fazer isso num segundo.
- Ah, não faça isso, meu amor – murmurou, sorrindo novamente, só que agora de um jeito carinhoso – Eu adoraria ter miniaturas suas pela casa, ainda mais se todas elas fossem tão bonitinhas quando bravas que nem você.
Engoli em seco ao ouvir suas palavras. A breve ausência da dor em meu coração praticamente já não existia mais, deixando-me frágil demais para agüentar aquele tipo de golpe. Meus olhos ameaçaram queimar, anunciando a produção de lágrimas, mas eu os contive, dando um sorriso fraco para .
- Tudo bem, eu te perdôo – murmurei, desviando meus olhos dos dele para encarar a gola de sua blusa, com a qual meus dedos brincavam nervosamente – Você mereceu.
- Não, eu não mereci – ele disse, no mesmo tom que eu, acariciando meu rosto com as costas de sua mão, e sua voz soou tão profunda que eu tive que encará-lo para entender o motivo daquilo – Nada que eu tenha feito me daria merecimento suficiente para poder ver suas bochechas ficando vermelhinhas, exatamente como estão agora, e poder chamá-las de minhas... Assim como você inteira é.
Senti minha pele mais quente que a dele com seu toque suave em meu rosto, e a diferença de temperatura só aumentou depois de ouvi-lo. Parecia que todos os meus órgãos estavam desmoronando, numa enxurrada veloz e nauseante até atingirem o chão, arrastando consigo todo e qualquer vestígio de força e autocontrole ao qual eu pudesse me prender. Seus olhos tão límpidos, transbordando sinceridade, logo ganharam um toque de preocupação, e de repente eu não conseguia enxergá-los mais. De repente, seus olhos eram apenas dois borrões coloridos em meio ao resto das manchas que eu via.
- , o que foi? – sua voz sussurrou, num misto de surpresa e pânico exagerados, e logo em seguida, senti meu rosto molhado, assim como um soluço escapou por entre meus lábios – Por que está chorando?
Então era isso. Era assim que uma pessoa podre se sentia. Era isso, e só isso, o que uma pessoa podre como eu conseguia fazer diante de toda a sujeira que guardava dentro de si. Ela chorava. Chorava como se não houvesse mais razão para respirar; agonizava diante de toda a pureza e bondade que existia naquele mundo no qual ela não conseguia mais se encaixar, humilhada por todo aquele amor que um dia lhe pertenceu por pura sorte. E que agora lhe parecia tudo, menos seu. Bastaria que meus dedos o tocassem para que aquele sentimento tão lindo se transformasse em cinzas. Bastaria que eu estendesse minhas mãos para alcançar seu maravilhoso brilho... Para imergi-lo em trevas.
- Por favor, , não faz isso comigo! O que foi? Não se sente bem? – disparou, ficando absolutamente sério e segurando meu rosto com firmeza, enxugando minhas lágrimas com seus polegares – O que tá acontecendo? Fala pra mim!
Me mantive por alguns segundos paralisada, somente chorando desesperadamente e deixando que pelo menos algumas gotas do oceano de dor e culpa que eu guardava dentro de mim escapassem por meus olhos. Sim, eu estava sendo fraca, e bem na frente de , mas eu não tinha mais forças para me conter. Ele me abraçou fortemente, prensando-me contra seu corpo, e eu involuntariamente o envolvi com meus braços, apertando-o como se nunca mais fosse poder fazer isso. E eu não deveria mesmo poder.
- Eu... Eu... Senti tanto a sua falta – solucei, com o rosto enterrado em seu peito. Era uma mentira, mais uma, mas eu não era capaz de dizer o que minha consciência implorava para dizer. Vá embora, me machuque, me deixe para trás, eu não mereço você. Vá procurar alguém que seja digno de seu coração. Não, eu não conseguiria dizer aquilo. Minha mente me dizia que isso era o certo a fazer, repeli-lo, mesmo que sem dizer toda a verdade. Ele não podia continuar sendo enganado, apunhalado pelas costas, e eu concordava plenamente com isso.
Mas meu coração parecia arder em chamas quando tais pensamentos me dominavam. Ele pulsava fortemente contra meus pulmões, ameaçando explodir diante de tamanho absurdo. Cada músculo de meu corpo doía ao imaginá-lo longe de mim, sem poder tocá-lo, abraçá-lo, sentir a atmosfera contagiante de alegria que o cercava, sem poder enxergar através de suas íris sempre tão radiantes... Eu já não conseguia mais me lembrar de como era minha vida antes dele, do que eu fazia antes dele, em que eu pensava antes dele. Provavelmente, pensava nele, só que de maneira muito menos íntima que agora. O que só ajuda a comprovar o fato de que antes mesmo de ocupar um espaço tão grande na minha vida, ele já era parte de mim.
Como eu nunca fui boa em ouvir minha consciência, meu coração sempre acabava vencendo, falando mais alto e abafando os murmúrios de minha mente. E era por esse motivo que eu continuava abraçando-o com força, chorando contra seu peito e molhando sua camiseta. Eu precisava dele ao meu lado. Eu era egoísta, inescrupulosa demais para fazer a coisa certa e abrir mão dele. Eu o amava. Mesmo que houvesse outro amor crescendo a cada segundo dentro de mim, numa velocidade que eu jamais poderia imaginar ser possível.
- Awn, suspirou ruidosamente, parecendo bastante aliviado, e eu pude sentir seus músculos relaxarem um pouco – Eu também estava com saudade, mas... Não precisava me assustar desse jeito! Quer me matar do coração, é, tampinha?
Sua voz não era de repreensão, e sim, de alívio. Com esforço, contive o choro, enxugando minhas lágrimas rapidamente, e voltei a encará-lo, sentindo-me trêmula e tonta.
- Me desculpe – soprei, tentando secar as manchas de minhas lágrimas em sua blusa, sem o menor sucesso, para evitar contato visual – Eu acho que estou um pouco... Sensível demais.
- Tudo bem, amor, eu entendo – ele sorriu docemente, enxugando uma última lágrima teimosa de minha bochecha – Não se preocupe com isso.
O sinal tocou, indicando o fim do intervalo, e meu estômago revirou de leve em alívio. fez uma careta mal educada, me fazendo sorrir fraco, e murmurou:
- Droga. Temos que ir.
- É – funguei baixinho, fazendo a melhor cara de resignação que foi possível – Mas tudo bem. Pelo menos matamos um pouco da saudade.
- Um pouco? Isso aqui não deu pra quase nada! – ele resmungou, emburrado – Aliás, vinte minutos não são absolutamente nada... Vou propor intervalos de uma hora na próxima reunião de professores.
- Boa sorte – sorri quase tristemente, achando sua carinha muito fofa – Mas enquanto ela não chega, temos que nos conformar com vinte minutos.
- É, acho que temos – murmurou, fazendo beicinho - Posso pedir só mais um beijinho antes de irmos?
Ergui meus olhos ainda bastante úmidos e secretamente cheios de dor até os dele, e olhou fundo neles, como se tentasse ultrapassar a barreira misteriosa que eu havia construído para ocultar meus erros. Não sei o que ele viu em minhas íris; só sei que um sorriso lindo e discreto surgiu em seu rosto, e sem esperar resposta, ele venceu a distância restante entre nossos lábios, me levando para seu mundo feliz, que agora, me parecia simplesmente vazio.
E foi naquele mundo deserto e sem vida que minha mente finalmente foi capaz de enxergar todas as dúvidas que me preenchiam pela perspectiva certa, e tomou o controle sobre meu coração, impedindo-o de gritar por mais que a dor o dilacerasse.
Foi naquele momento, com os lábios de grudados aos meus, envolta em todo o seu carinho e amor, que eu finalmente tomei minha decisão.

Fui a primeira a cruzar a porta de minha classe, assim que o sinal indicou o fim da última aula, matemática, da qual eu não entendi absolutamente nada. Assim como não entendi nada de nenhuma outra aula, ou de qualquer outro acontecimento ao meu redor. Se eu dissesse que, durante o resto da manhã, escapei por pelo menos dois segundos do domínio extremamente possessivo de minha mente, onde estive mergulhada em seu ponto mais fundo, estaria mentindo. E nem precisei me forçar a fazer isso; meu inconsciente sabia muito bem que se permitisse um único instante de distração de meu foco, meu coração voltaria a me comandar, retomando o controle que agora era de minha razão. E eu não podia mais me permitir o direito da dúvida.
Desci rapidamente as escadas do prédio, aproveitando-me do fluxo ainda praticamente inexistente de pessoas por ali, e caminhei o mais rápido que pude até meus pés encontrarem os degraus que minha sanidade tanto temia. Subi-os com toda a agilidade que pude, já que minhas pernas se recusavam a colaborar e meu coração insistia em bater tão forte que parecia querer se libertar de meu peito, declarando sua irritação por ser ignorado. Andei com passos trêmulos até meu objetivo, sentindo meus pulmões expelirem todo o ar existente neles e trancarem suas portas para que mais oxigênio entrasse. Minha mente podia estar no controle, mas meu coração tinha suas formas de tentar me impedir de segui-la. E mesmo que parte de mim concordasse com ele e não quisesse fazer aquilo, a pouca sensatez que ainda me restava admitia que eu não podia mais adiar essa atitude se quisesse ter um pouco de paz.
Envolvi a gélida maçaneta de ferro com minha mão, apertando-a e tentando me manter calma e consciente. Respirei fundo, conseguindo fazer com que o mínimo de ar inflasse meus pulmões, e entrei no laboratório, sem nem me dar ao trabalho de pensar se ainda havia alguma turma tendo aula. Eu sabia que o único dia no qual o laboratório de biologia era usado durante o último tempo era no dia da aula de minha classe. Só me restava saber se quem eu procurava ainda estava lá.
O que não demorei a descobrir.
Meus olhos encontraram a forma dos ombros largos de assim que pisei no laboratório, e por um segundo, as idéias e palavras se perderam em minha mente, como pequenas gotas de chuva em um vendaval: insignificantes e ridiculamente fracas. Graças à minha entrada não exatamente silenciosa na sala, ele não hesitou em virar-se até seus olhos focalizarem os meus, e quando suas íris se conectaram às minhas, eu desejei poder ignorar por completo tudo que havia me levado até ali e apenas seguir o que meus sentimentos mandavam. Mas eu me contive, sentindo meu estômago revirar-se nervosamente em agonia, e evitei mergulhar demais em seus olhos. Perder meu foco, justamente agora que eu o tinha tão firmemente, naqueles buracos negros de suas pupilas era algo que definitivamente não deveria acontecer, mesmo que eu não estivesse completamente certa disso. Estava doendo demais para sequer pensar.
Sim, já estava doendo, mais do que eu imaginei que doeria. E eu sabia que a partir dali, por mais impossível que isso pudesse parecer, a dor só ficaria pior. Mas eu precisava dar um jeito na minha vida. Chega de desistir, chega de fraquezas. Era hora de agir feito gente grande.
analisou meu rosto rapidamente, recuperando-se da surpresa que havia moldado seus traços numa expressão discretamente feliz, e assim que viu os indícios de más notícias em meus olhos agoniados, suas sobrancelhas se franziram em desconfiança. Seu olhar praticamente falava com o meu, mesmo que estivéssemos em absoluto silêncio. Ele havia entendido que eu não estava ali pra brincadeira; sabia que não precisava de palavras para me incentivar a falar.
E assim eu o fiz. Por mais que eu não o quisesse, eu falei as pequenas e breves palavras que partiriam meu coração ao meio num piscar de olhos.
- Vou ficar com ... Não me procure mais.
Cada palavra parecia uma grande bola de espinhos saindo de minha garganta, lenta e dolorosamente, por mais depressa que eu as tivesse pronunciado. Lágrimas encheram meus olhos, impedindo-me de ver com clareza a expressão em seu rosto, e antes que uma delas pudesse cair, dei meia volta e corri para longe do laboratório, sentindo meu coração doer como se estivesse se autodestruindo.
Eu sabia que seria difícil fazê-lo sobreviver após perder uma de suas metades.
Só não imaginei que seria mais difícil ainda querer que ele sobrevivesse.

Capítulo 28


( ’s POV)


Vou ficar com .
Não me procure mais.

Trinta e dois dias haviam se passado. Setecentas e sessenta e oito horas, quarenta e seis mil e oitenta minutos... Dois milhões, setecentos e sessenta e quatro mil oitocentos e mais alguns malditos segundos.
E as malditas oito palavras que ela cuspiu como se fosse um veneno sendo finalmente expelido ainda perfuravam cruelmente meus tímpanos como adagas.
Baguncei de qualquer jeito meu cabelo diante do espelho, sem nem ousar analisar o reflexo de meu rosto. As olheiras, o olhar morto, a boca reta, as íris opacas... Sintomas com os quais eu já estava começando a me habituar.
Mas sabia que jamais os aceitaria de fato.
Ela se manteve firme em sua decisão. Em nenhum momento, durante aquele mês de distância, ela demonstrou arrependimento, sofrimento ou sequer um pingo de consideração por mim. Mal me olhava, evitava se aproximar de mim, estava sempre apressada, mudava de direção se me via... Enfim, usava todos os artifícios que podia para me repelir. E eu, com o resto de orgulho que ainda guardava no fundo de minha alma, fingi que a respeitava. Nunca corri atrás de mulher alguma, e me arrependi amargamente da primeira e última vez em que o fiz. As malditas oito palavras que recebi como recompensa (se é que posso chamá-las assim) não me encorajavam a repetir a experiência.
Ela não me queria mais? Ótimo. Ela preferiu o namoradinho perfeitinho e bonzinho que só faz papai-mamãe? Ótimo. Fui apenas uma atração passageira? Ótimo! Ela poderia perfeitamente ser uma para mim também. Eu também poderia fingir que ela simplesmente não existia, que havia morrido ou então se mudado para bem longe dessa merda de cidade. Ou então que ela foi apenas uma ilusão, um produto de uma mente alterada - no caso, a minha. Mas algo que eu não poderia fingir era o fato de que eu jamais poderia sentir novamente a maciez e o calor de sua pele, assim como a porra de seu perfume e de seus toques suaves e precisos. E que dali a algum tempo, eu já nem me lembraria mais de como era estar com ela. De como eu conseguia ser absurdamente espontâneo e diferente com ela... De como eu conseguia ser simplesmente .
Eu não poderia fingir aquilo porque não havia como fingir a verdade. Dali a algum tempo, tudo realmente se perderia no tempo. Todos os meus sentimentos, tão únicos e indescritíveis por ela, se resumiriam a meras, vagas e inexatas lembranças.
Mas das malditas oito palavras eu jamais me esqueceria.
Respirei fundo, e encarei meus olhos no espelho. Seus tons desbotados e fúnebres fizeram com que minha mente se perguntasse, pela milésima vez naquele dia, se valia mesmo a pena sair de casa. Há uma semana atrás, me convidou para uma reunião de amigos em seu apartamento, como forma de comemoração ao seu aniversário. Eu não via muitos motivos para comemorar; já motivos para me suicidar saltavam aos meus olhos. Mas durante aqueles sete dias que se seguiram ao convite de , eu me preparei psicologicamente para vencer minha crise existencial. Me determinei a ir, e repeti minha meta a cada ameaça de desistência que minha mente lançava. Eu não a deixaria me derrotar, não mesmo. Ela estava absurdamente enganada se pensava que eu iria me deixar abater por sua escolha.
Para ser bem sincero, eu estava com pena dela. Porque eu estava pronto para ir àquela maldita comemoração. E com toda a certeza do universo, ela estaria lá, e eu faria questão de mostrar a ela que sua decisão não mudou absolutamente nada na minha vida.
Pensando melhor, eu tinha um bom motivo para ir à casa de naquela noite. E esse motivo fez com que um sorrisinho maldoso surgisse em meu rosto, e meus olhos voltassem a arder, intensamente outra vez.
Dentre meus sentimentos favoritos, poucos superavam a vingança.
Eu realmente estou com pena dela. Ou talvez não. Afinal, garotas más merecem ser castigadas.

- Fala, ! – exclamou, assim que surgi no primeiro andar de seu prédio, com sua habitual overdose de alegria. Eu também estaria super alegre com a mulher que ele tinha ao lado dele. Adoro meu senso de humor mórbido.
- Parabéns, – sorri, abraçando-o brevemente e dando tapinhas em suas costas – Não acredito que mais um ano se passou e eu ainda não te dei um pé na bunda.
- Valeu, cara – ele riu, afastando-se e me dando passagem para entrar no apartamento - Você sabe que me ama, gatinho.
- Fala baixo, vão nos descobrir – fingi um sussurro, fazendo-o gargalhar enquanto eu observava as pessoas que conversavam na sala. Alguns colegas da faculdade, poucos de profissão, mas não passavam de umas vinte pessoas.
- Fica à vontade, cara, vou buscar uma cerveja pra você – disse, indo até a cozinha e me deixando na sala. Pensei em segui-lo, me perguntando se estaria por lá, mas resolvi cumprimentar alguns amigos da faculdade e me sentar confortavelmente no sofá. Eu queria estar preparado para vê-la pela primeira vez após um mês de distância, e não queria parecer ansioso.
- E aí, como você tá? – perguntou alguns minutos depois, me entregando uma cerveja e atirando-se ao meu lado – Parece melhor da crise de enxaqueca.
É, eu sei, dei uma desculpa esfarrapada pra minha reação a um primeiro fora. Mas eu não podia simplesmente dizer pois é, , eu fiquei meio deprimido porque sua namorada resolveu ficar contigo e não comigo se ainda queria deixar as coisas como estavam: em segredo.
- Eu estou mesmo – respondi, dando um grande gole na cerveja para não dar mais um de meus sorrisos maldosos ao pensar no motivo de minha melhora – Acho que precisava de umas boas noites de sono, e alguns analgésicos me ajudaram.
O que foi? Estou mentindo de novo? Eu sei. Não quero ir pro céu mesmo, gosto demais de sexo e álcool pra isso.
- Que bom, de verdade – ele assentiu, me dando dois tapinhas no ombro – Tava começando a ficar preocupado contigo.
E eu tô começando a ficar preocupado com a tua namorada. Cadê ela? Já eram quase dez e meia, ou seja, um pouco tarde para se chegar numa festa marcada para as oito, não acha?
- , interfone! – uma voz masculina gritou da cozinha, em meio ao falatório dos outros presentes – Uma tal de ! É pra mandar subir?
Duas palavras: oi, .
- É! – respondeu, e logo depois se dirigiu a mim – Já volto.
Assenti de leve, observando-o correr até a porta, e dei mais um gole em minha Heineken. Em menos de quinze segundos, surgiu à porta, e os braços de a envolveram tão rapidamente que eu mal pude vê-la. Tudo que ficou visível foram suas mãos, agarrando os cabelos dele e enterrando suas unhas vermelhas em sua nuca, e seus pés, suspensos no ar devido ao abraço de . E um detalhe que passaria despercebido por mim, se não fosse ela a garota em questão, chamou minha atenção e, confesso, me assustou pra caralho.
Os sapatos pretos dela eram exatamente iguais aos que ela usava quando sonhei com ela no baile de primavera.
Merda. Só porque eu adoro fazer sexo com mulheres de salto. Eu podia ser um cafajeste, mas ela não ficava muito atrás me provocando daquele jeito.
a ergueu ainda mais no ar, e o rosto dela se tornou visível sobre o ombro musculoso dele. aproximou sua boca de seu ouvido e murmurou algumas palavras que, pelo que minha leitura labial me permitiu identificar, eram Parabéns, meu amor, eu te amo muito. Ele provavelmente respondeu à altura, porque o sorriso nos lábios rosados dela aumentou. Assim como minhas mãos se fecharam em punhos, quase esmagando a garrafa de cerveja entre meus dedos.
Desviei o olhar, tentando sufocar o grito de ódio que se formou em minha garganta. Engoli todo o resto do conteúdo da garrafa de uma só vez, esfriando a raiva que parecia queimar minhas entranhas, e quando voltei a encará-los, a havia abraçado pela cintura com um de seus braços e a apresentava para um grupo de amigos. Então eles haviam se tornado públicos? Que bonitinho. Eu bem que podia ser um belo filho da puta e contar tudo pra mãe dela, mas acho que isso dificultaria de certa forma minhas chances de tê-la para mim.
Então eu apenas ia assistir àquela barbaridade sem mover um músculo?
Bem... Não exatamente. Eu tinha meus meios de destruir aquele conto de fadas.
Minha mente trabalhava a todo vapor conforme ele a apresentava a praticamente todas as pessoas presentes, e meus olhos os seguiam com discreto interesse. Os sorrisos ternos que dava a cada uma delas me fez esquecer completamente, por um segundo, que estava bravo. Eu a queria tanto, meu Deus! Por que ela não conseguia simplesmente entender isso? Essa incompreensão queimava com tanta força em minha garganta que eu me sentia prestes a gritar tudo que se passava em minha cabeça, pra que todos ouvissem de uma vez que ela era minha e de mais ninguém.
- E esse aqui você já conhece – a voz de , perigosamente próxima, me acordou do breve transe no qual havia mergulhado sem querer, com um leve susto. Olhei para cima e o vi parado à minha frente, com a mão de na sua, e logo em seguida, desviei meu olhar até encontrar o dela, extremamente contido e assustado. Como uma presa frente a frente com seu predador.
- Oi, – sorri após alguns segundos de silêncio, e a malícia da vingança contornava visivelmente meus lábios. Eu me sentia absurdamente descarado, e não tinha a menor intenção de mudar essa situação, já que era um tapado e não repararia mesmo.
- Oi – ela murmurou, abaixando seu olhar do meu por um segundo, sem conseguir agüentar a carga de raiva que viu em minhas íris. Coitadinha. Só vai ficar pior.
- Senta aí, , eu vou buscar uma cerveja pra você e já volto – disse, e sem dar tempo para que ela se manifestasse, ele correu até a cozinha, deixando-a sozinha comigo. Ops. Errou feio, .
o acompanhou com os olhos aflitos conforme ele se afastava, até que sumiu de vista. Ela manteve o rosto virado na direção da cozinha, segurando firmemente a pequena bolsa vermelha de verniz que combinava perfeitamente com suas unhas. Sim, eu tenho o péssimo e delicioso hábito de observar cada pequeno detalhe dela. Posso estar me mordendo de raiva, mas ainda sou fodidamente viciado naquela pirralha.
- Pode ir atrás dele – falei, fazendo-a pular levemente de susto e me encarar – Não é isso o que você sempre faz?
me fitou por alguns segundos, recuperando-se da surpresa por meu contato e ao mesmo tempo absorvendo e tentando formular alguma resposta para minhas palavras. Sem conseguir nenhum de seus dois objetivos, ela simplesmente desviou o olhar do meu e saiu de perto, tomando a mesma direção que . Observei-a caminhar rapidamente, enfeitiçado pelo tecido esvoaçante de seu curto vestido preto, e um detalhe no qual eu não havia reparado antes me fez sorrir pervertidamente.
Sua roupa deixava exposta quase que toda a extensão de suas costas. Ou seja, ela não estava usando sutiã. Saber que uma peça íntima estava faltando ali era, confesso, bastante excitante.
E só pra relembrar, a filha da puta estava de salto.
Ah, como eu queria transar com ela hoje.
Mordi meu lábio inferior, respirando fundo e desviando meus olhos dela. Seria constrangedor demais até para mim ter uma ereção no meio daquele bando de gente, mesmo que a culpada fosse capaz de me tirar dos eixos em qualquer lugar, a qualquer hora, com qualquer roupa. Percebi que alguém havia ligado a TV, e mantive meus olhos fixos na tela, sem realmente absorver o que estava sendo transmitido. Acho que nem milhares de mulheres gostosas e peladas se esfregando prenderiam minha atenção àquele televisor no momento, mas eu juro que me esforcei para prestar atenção por pelo menos dois minutos.
- Vem cá, , vamos ficar aqui na sala – pude ouvir a voz de dizer, vinda da cozinha e se aproximando cada vez mais – Aproveita e traz mais uma cerveja pro .
Uma cerveja? Pra mim? Puxa, que gentileza! , eu te amo. Se não fosse tão possessivo sobre a sua namorada, te chamaria pra um ménage. Mas que pena, eu sou. E te ver nu não é algo que eu queira.
Não movi um músculo, apenas esperei até que voltasse a se sentar ao meu lado no sofá, deixando um lugar vago para de seu outro lado. Bastante egoísta da parte dele, eu achei.
- Fala sério, você tá assistindo TV no meu aniversário? Pensei que você estivesse aqui por mim! – ele brincou, e quando me virei para retrucar, vi se aproximando com duas garrafas de cerveja e uma expressão levemente pálida, como a de quem deseja vomitar. Ela realmente estava tão mal com a minha presença? Quase me dava pena. Eu disse quase, só pra ressaltar.
- Nossa, cara – falei, erguendo uma sobrancelha – Isso soou muito gay.
- É que hoje minha homossexualidade tá aflorada – gemeu, passando os braços ao redor de meu pescoço e deitando sua cabeça em meu ombro. Era em situações como essa que eu confirmava minha teoria de que fazia o tipo passivo.
- Argh, sai daqui, sua bicha – grunhi, segurando seus pulsos e tentando tirá-lo de cima de mim, fazendo-o rir – Vai agarrar sua namoradinha, vai.
De repente o clima ficou tenso. parou de rir e me olhou com certa censura, e , que finalmente havia chegado ao sofá, parou de pé na nossa frente e me encarou por poucos segundos, com o olhar magoado.
- Que é? Só porque eu falei no diminutivo? – perguntei, levemente sarcástico, me aproveitando daquela tensão para atingi-la ainda mais - A menina mal saiu das fraldas e você quer que eu a chame de que? Namoradona?
- falou, com um tom de voz grave e repreensivo – Hoje não, por favor.
Revirei os olhos, voltando-os para a TV, mas infelizmente o corpo de me impedia de ver boa parte da tela. Ela me estendeu uma garrafa de cerveja e eu apenas a arranquei de sua mão sem nem agradecer, e logo ela se sentou na outra ponta do sofá, rapidamente sendo envolvida por um dos braços de . Que bosta, com tantos lugares mais interessantes para ficar, eles realmente pretendiam sentar justo do meu lado?
- Eu acho que vou me deitar um pouco – ouvi dizer baixinho, e sua voz mais fina que o habitual me causou uma pontada de remorso que eu logo destruí – Estou cansada, dormi mal na noite passada.
Chupa, . Ninguém manda fazer uma festa numa sexta-feira de provas escolares, seu imbecil.
- Tem certeza de que é só isso, amor? – murmurou, encurvando-se sobre ela, e meu estômago revirou mais rápido ainda de ciúmes – Está sentindo mais alguma coisa?
- Eu estou bem, juro – ela respondeu, carinhosa – Só preciso descansar um pouco. Enquanto isso, aproveite sua festa.
- Como, se você não vai estar aqui pra aproveitar comigo? – ele perguntou, e a força em meus punhos aumentou tanto que minhas pequenas unhas ameaçaram cortar a pele das palmas de minhas mãos – Mas tudo bem, vá se deitar um pouco na minha cama. Quero que você fique bem para podermos aproveitar quando estivermos sozinhos.
Respirei lenta e profundamente, tentando não deixar o grito de ódio em minha garganta escapar, e me levantei devagar para não deixar meus instintos prevalecerem e me jogar sobre , pronto para torturá-lo até a morte. Caminhei até o banheiro, já com uma certa pressa, e me tranquei lá, sentindo meu estômago embrulhado.
Eles iam passar a noite juntos. Que maravilha. Quer dizer que eu não teria nem a mínima oportunidade de levá-la para casa (a minha, claro), e que ele a teria toda para si, de unhas vermelhas e com aqueles saltos malditos. Parecia que meu cérebro estava inflando a cada vez que esses fatos ecoavam em minha mente, e estava perigosamente perto de explodir com violência.
Joguei um pouco de água no rosto, respirando fundo, e senti um ódio que não parecia caber dentro de mim se espalhar por todas as minhas células. Por que as coisas tinham que ser assim? Por que eu não podia simplesmente ser o que era para ela? Por que eu não podia ser o dono da cama onde ela dormia por algumas noites, o namorado que podia explorar aquele corpo sem limites?
Encarei com veemência meu reflexo no espelho, e esperei até que meu rosto se tornasse um pouco menos assassino. Sem sucesso nenhum, apenas fiz uma de minhas especialidades: fingi. Um sorrisinho cordial surgiu em meus lábios com certo esforço, e apesar de meus olhos em brasa, concluí que estava apresentável novamente. As pessoas teriam que se conformar com minha sutil cara de psicopata.
Saí do banheiro, após mais alguns segundos de exercícios respiratórios, e voltei a me sentar no sofá, onde agora só havia . Alguém havia mudado de canal, e um noticiário entediante passava na TV. Fingi prestar atenção no que o repórter dizia, e logo senti os olhos ressentidos de sobre mim devido à minha grosseria de alguns minutos atrás. É claro que o ignorei totalmente, e ele não levou muito mais que três segundos para deduzir isso; como se lesse meus pensamentos, simplesmente levantou-se do sofá e foi conversar com alguns amigos. Dali a cinco minutos ele já teria se esquecido de meu pequeno deslize, se eu o conhecia bem.
Uma meia hora se passou, preenchida por conversas rápidas e entediantes com alguns velhos conhecidos da faculdade. Quando já estava começando a ficar impaciente com aquele bando de gente que não tinha mais nada para fazer a não ser comer, beber e fazer barulho (fora o fator atrapalhando minhas possibilidades de invadir o quarto do e seqüestrar sem ser percebido) e estava considerando radicalmente a hipótese de ir para casa, recebi uma notícia um tanto quanto animadora.
- Ei, – Michael, um colega nosso da faculdade, chamou, quando finalmente tomei coragem de me levantar do sofá para pegar mais uma cerveja – Todo mundo tá indo jogar sinuca lá no salão de jogos. Quer vir com a gente?
- Defina todo mundo – pedi, fingindo que a possibilidade de esvaziar o apartamento não estava tão distante da realidade para não parecer empolgado demais com aquela informação.
- Todo mundo, literalmente – ele riu em resposta, bêbado – Sabe como é, acabou a cerveja. A gente precisa de alguma outra distração.
- Hm, sei – menti diante de suas afirmações sem nexo, forçando um sorrisinho compreensivo quando na verdade eu queria gargalhar e mandar todos irem à merda do salão de jogos o mais rápido possível – Acho que eu não vou não, cara. Minha cabeça tá explodindo, eu não tô muito legal, é melhor eu ir embora.
- Ih, tá perdendo o jeito, é? – Michael debochou, me dando uma cotovelada fraca – Você costumava ser o rei dos porres, .
Perdendo o jeito? Eu acho que não. Pergunte pra sua mãe, ela saberá te responder melhor do que eu.
- Pois é – respondi simplesmente, ignorando toda a náusea que o bafo de álcool daquele idiota estava me causando – Eu devo estar ficando velho.
Michael deu uma risadinha alienada, e eu me aproveitei de sua falta de atenção para escapar daquela conversa estúpida e pensar com clareza e rapidez no que ia fazer. Se todos iriam ao salão de jogos, era pouco provável que quisesse acompanhá-los. E já que o aniversariante era , não havia muitas chances de que ele ficasse com ela ao invés de passar algumas horas com os amigos. Ou seja, eu teria pelo menos algum tempo a sós para resolver minhas pendências.
É claro, havia riscos, e não eram poucos. Mas pra quem estava prestes a desistir de tudo, eu havia sido mais do que abençoado com um pouco de sorte, e estava mais do que disposto a me arriscar.
Caminhei em direção ao hall de entrada do apartamento, onde os poucos convidados já se aglomeravam, e ao mesmo tempo, encontrei voltando do corredor. Provavelmente, tinha ido avisar que estaria fora por algum tempo, mas logo voltaria. Pode deixar, eu cuido dela, pensei em dizer, mas obviamente ignorei tal impulso.
- , eu acho que já vou pra casa – falei, forjando um cansaço que se opunha totalmente ao meu estado de humor – Acho que exagerei na bebida.
- Tudo bem, cara, pelo menos você veio e aproveitou um pouquinho – ele concordou, pondo uma mão em meu ombro e me olhando com leve preocupação – Tem certeza de que não precisa de uma carona?
Eu disse que ele logo esqueceria o momento tenso com , não disse? E é exatamente nessas horas que eu me sinto um merda, sabe. podia ser extremamente bacana quando queria, tipo agora. Pena que ele também sabia ser muito irritante, tipo quando resolveu ficar com a . Eu jamais conseguiria definir como me sentia ao lado dele, o conflito entre seus dois lados era gritante demais.
- Relaxa, curte sua festa – sorri, retribuindo a mão em meu ombro – E valeu por ter me chamado, eu precisava dar uma relaxada mesmo.
O que foi que você disse? Que eu sou um puta falso e mentiroso? É, eu sei. Me desculpe por isso, minhas habilidades teatrais afloram naturalmente quando o assunto é .
- Ah, imagina, disse, me dando um abraço rápido – Vamos juntos então? Vou levar a cambada pra jogar sinuca.
- Claro – assenti, e o observei caminhar por entre os amigos até a porta do apartamento e abri-la, deixando que todos saíssem.
Seguimos o fluxo calmamente, e eu tentei disfarçar a ansiedade formigando em minhas pernas e mãos, fazendo-as vacilarem e tremerem de leve. Como eu imaginei, ele apenas fechou a porta, deixando a chave para o lado de dentro, provavelmente para trancá-la logo em seguida. deve ter imaginado (e com razão, por inúmeros motivos) que não seria bom deixá-la trancada, ou então que seria apropriado deixá-la com a chave caso mudasse de idéia e quisesse se unir a ele e aos outros convidados. Posso confessar que gostei de saber que ela não tinha uma cópia da chave do apartamento dele? Definitivamente, seria uma das medidas que eu já teria tomado se estivesse com ela há alguns meses.
- Pelo visto teremos que fazer duas viagens – observou, ao ver toda aquela gente esperando por um único elevador, e eu acordei de meus pensamentos agitados – Acho melhor você descer pela escada, .
- Relaxa, eu já ia fazer isso mesmo – sorri, e com um breve aceno, me despedi dele, já que mais ninguém ali estava suficientemente sóbrio para notar meu gesto. Desci tranquilamente o primeiro lance de degraus, sentindo meu coração bater tão forte a ponto de doer, e assim que sumi de vista, parei e esperei, imóvel, até que todos tivessem subido para o salão de jogos e o andar estivesse finalmente deserto. Assim que ouvi o sutil ruído das portas do elevador em movimento e o silêncio predominou, respirei fundo, só então notando que havia praticamente parado de respirar durante aqueles minutos de espera.
Me esgueirei até poder ver o hall, e de fato, não havia mais ninguém. É agora, disse para mim mesmo em pensamento, e enchi meus pulmões de ar, pronto para executar meu plano. Subi os degraus rapidamente e logo cheguei à porta pela qual havia acabado de sair. Girei a maçaneta devagar para não fazer nenhum barulho, e assim que entrei no apartamento, tranquei-me silenciosamente. O fato de não correr o risco de ser pego no flagra fez um certo alívio percorrer meu corpo, e um sorriso tenso se alojou em meu rosto. Eu estava cada vez mais perto de conseguir o que tanto almejava.
Caminhei determinadamente até o quarto de , cuja porta estava entreaberta, porém não consegui ver nada. O silêncio predominava no apartamento, mas meu coração batia tão forte que eu cogitei a hipótese de meus batimentos terem sido ouvidos a quilômetros de distância. Parei à porta, sentindo o nervosismo me dominar, e lentamente entrei no quarto, deparando-me com a silhueta de sentada na ponta mais distante da cama, de costas para mim. Fiquei um tanto surpreso por não encontrá-la deitada, mas antes que eu pudesse sequer tentar me recuperar, ela virou um pouco a cabeça, como se tivesse sentido minha presença, e me desarmou completamente.
- Você veio mesmo... Exatamente como eu imaginei.



Capítulo 29





As palavras dela, ditas num tom tão grave, me fizeram estremecer. Então ela já imaginava que eu a procuraria? Talvez por isso ela tivesse preferido ficar no apartamento a ir com e os outros para o salão de jogos? Milhares de perguntas colidiam em minha mente, unidas à enorme tensão e ansiedade que atordoava meus sentidos. Engoli em seco, buscando as palavras e a voz para respondê-la, e após alguns segundos, que me pareceram horas, consegui me acalmar um pouco.
- Estou ficando tão previsível assim? – perguntei, e agradeci fervorosamente minhas cordas vocais por não permitirem que minha voz falhasse ou parecesse trêmula.
soltou um risinho mórbido, ainda sem me olhar, e eu mantive meus olhos fixos nela, atento a qualquer movimento que pudesse fazer. As palmas de minhas mãos chegavam a formigar de tanto desejo acumulado de tocá-la novamente, de sentir sua pele ardendo sob a minha, e eu sentia que meus olhos poderiam saltar de suas órbitas, desesperados pelos dela, que ainda se recusavam a me olhar.
- Teimoso seria um adjetivo melhor – ela retrucou, com a voz levemente hostil, e devido a esse fator, eu me lembrei do real motivo pelo qual estava ali. Nada de carinhos, nada de sutileza; aquele era o nosso acerto de contas.
E pelo visto eu não era o único com aquele pensamento. Ela parecia saber disso tão bem quanto eu, porque se virou para mim devagar, e quando seus olhos encontraram os meus, vi que eles também pareciam em chamas, exatamente como os olhos que vi em meu reflexo no espelho do banheiro. A única diferença era que as chamas de seus olhos pareciam fracas, prestes a se apagarem com uma simples brisa, e de certa forma, tristes. Eu sabia que doía para ela ter que optar por apenas um de nós, mas não podia ignorar o fato de que ela também havia me ferido ao simplesmente me evitar da noite para o dia. E foi por isso que eu continuei nossa frágil e tensa conversa.
- Pelo menos disso você ainda se lembra sobre mim – assenti uma única vez, erguendo as sobrancelhas em tom de surpresa – Que bom saber que não fui esquecido tão rapidamente quanto fui repelido.
O olhar de estremeceu diante do meu, e a chama em suas íris pareceu sumir por alguns segundos.
- Se você prefere achar que eu te esqueci, ótimo – ela murmurou, ranzinza, fugindo de meus olhos – Torna todo o trabalho mais fácil pra mim.
- Trabalho? – repeti, dando um passo na direção dela com a mesma ousadia que demonstrei em minha voz – Então é assim que você enxerga tudo que aconteceu entre nós?
- , eu já pedi pra você me deixar em paz – ela revidou assim que terminei de falar, parecendo perturbada com minha aproximação – Por favor, pare de me atormentar.
- Por que eu deveria? – rebati, dando mais um passo e vendo-a se levantar bruscamente, como se eu fosse algo perigoso (e de certa forma, concluí que eu realmente era) – Você teve consideração comigo quando simplesmente me chutou pra fora da sua vida sem aviso prévio? Hm, vamos ver... Não. Por que eu deveria ter algum tipo de consideração com você?
- Você queria que eu fizesse o que, ? – exclamou, e eu percebi que ela gradativamente perdia o controle sobre sua mente, como sempre acontecia quando eu chegava perto demais, fosse com as palavras, fosse com o corpo – Eu tinha que escolher de uma vez, não podia continuar agindo feito uma puta!
- Não diga isso, – rosnei, sentindo a raiva subir cada vez mais por minha garganta, queimando-a por onde passava e me fazendo perder também a noção de minhas palavras – Putas teriam mais maturidade para lidar com isso que você, tenho certeza disso.
- Você deve ter transado com várias delas para afirmar isso, não é? – ela retrucou, ultrajada com minha ofensa – Eu fui mesmo muito idiota de ter me deixado envolver com você e toda a sua imundice!
- E eu fui mais idiota ainda por pensar que você podia ser diferente das outras alunas que eu já comi! – falei, num tom mais alto que o aconselhável, mas minha raiva estava num nível tão alto que eu estava pouco me fodendo para aquilo – Fui mesmo muito burro por pensar que você poderia ter algum conteúdo! Mas foi bom saber que você é simplesmente vazia, oca por dentro, assim como todas as outras que já passaram pela minha cama!
- Cala essa porra dessa sua boca, seu desgraçado! – ela gritou, e eu vi lágrimas se formando nos olhos dela – Quem você pensa que é pra falar uma coisa dessas de mim, seu merda?
- Cala a boca você, sua vadia! – exclamei, completamente dominado pelo ódio, e foi então que eu percebi que havia ido longe demais. O rosto avermelhado de ficou estático, contorcido de raiva e ressentimento, mas meu ódio era tanto que eu não consegui me sentir arrependido. Pelo contrário, um risinho de deboche surgiu em meu rosto, declarando meu sentimento de vitória. Encarei seus olhos coléricos por alguns segundos, ofegante, enquanto ela se recuperava do impacto de minhas palavras.
- Pelo visto eu fiz a escolha certa me afastando de você – ela murmurou, entre dentes, com a voz carregada de desprezo – Eu não preciso de um homem que me maltrate.
- Tem certeza? – eu disse, malicioso e vingativo ao mesmo tempo, e não precisei continuar para que ela entendesse o sentido nada ortodoxo de minhas palavras.
- Vá embora, – ela pediu, controlando sua notável vontade de voar em mim e me estraçalhar – Eu não quero mais olhar pra você.
- Tudo bem, é só fechar os olhos – rebati, com um pouco de sarcasmo na voz, dando mais um passo até ela e vendo-a repetir meu gesto, só que na direção oposta, e se aproximar da parede – O que os olhos não vêem, o coração não sente, certo? é a prova viva disso.
- Não se atreva a falar o nome dele! – ela gritou, apontando o dedo indicador para mim, e eu segurei seu punho com rapidez, colando meu corpo no dela. Assim que sentiu minha aproximação, recuou, encostando as costas na parede e percebendo que estava encurralada. Ela olhou em meus olhos com fúria, e eu apenas alarguei meu sorriso hostil, apertando seu pulso sem dó.
- Está doendo, é? – murmurei maldosamente, quando notei que ela alternava olhares entre meus olhos e sua mão presa, provavelmente com pouca circulação sanguínea.
– Me solta – ela cuspiu, respirando com dificuldade e me encarando demoniacamente. Aproximei minha boca da dela, vendo-a virar o rosto, e me aproveitei da proximidade de sua orelha para sussurrar ao pé de seu ouvido, com a voz carregada de sadismo:
- Melhor se acostumar.
- Me larga! – gritou, com os olhos fortemente fechados, e eu segurei seu rosto violentamente pelo maxilar, virando-o sem a menor delicadeza para mim e fazendo-a me encarar a poucos centímetros de distância.
- Isso, grita mais – sorri, bem perto de seus lábios – Deixe que todos saibam que sou eu quem te faz enlouquecer.
soltou um grunhido ininteligível de ódio, e com a mão livre, deu vários murros seguidos em meu peito, tentando me fazer soltá-la. Totalmente em vão, claro, eu só estava me sentindo cada vez mais estimulado a continuar. Conforme ela se esforçava inutilmente para me machucar, eu a observava franzir a testa em sinal de irritação, incapaz de se livrar de minhas mãos brutas. O movimento de seus seios próximos a mim, subindo e descendo para acompanhar sua respiração acelerada, a vermelhidão de seus lábios tão deliciosos, o aroma familiar que seus cabelos emanavam, tudo estava me atiçando cada vez mais, acelerando meu coração e me deixando ofegante. Eu podia estar aparentemente no controle, mas sabia que sempre seria um fraco perto dela.
Durante minha breve viagem por cada detalhe de seu corpo, desistiu de me agredir e, com um último soco, manteve seu pequeno punho em meu peito, derrotada.
- O que você quer de mim afinal? – ela rosnou, irritada, encarando sua própria mão com frustração.
- Tudo – não hesitei em responder, e ela ergueu seu olhar até encontrar o meu, criando uma conexão tensa – Eu quero que você seja minha.
- E se eu não quiser ser sua? - ela rebateu, adotando uma expressão desdenhosa – O que você vai fazer?
- Eu vou te obrigar – falei entre dentes, sentindo minha raiva triplicar diante de suas palavras e postura desafiadoras – E você vai ceder.
- Como você é iludido – riu, debochando de mim, e eu voltei a apertar seu pulso e rosto com mais força, ouvindo-a aumentar seu tom de voz ao fazê-lo – Eu nunca vou ser sua, ouviu bem? Nunca!
- Você vai se arrepender amargamente de ter dito isso – soprei, encarando-a com ódio, e prensei meus lábios contra os dela rudemente. Ela manteve a boca o mais fechada possível, e eu a prensei ainda mais contra a parede, praticamente esmagando-a contra a superfície fria. Sua mão voltou a socar meu peito cegamente, até que eu a segurei e, juntamente com seu outro pulso, a ergui até a altura de seus ombros, mantendo-a colada à parede. Ela estava arisca demais; qualquer deslize poderia render a ela uma chance de escapar de mim, e eu não permitiria que isso acontecesse.
Sentindo-se completamente presa, desistiu de tentar escapar após mais alguns segundos de agitação e rebeldia. Seu corpo manteve-se tenso contra o meu, mas pude perceber uma certa calma começar a se manifestar. Sim, ela estava gostando de estar comigo depois de um mês de privação. Mas com certeza não tanto quanto eu estava adorando sentir seu gosto em minha boca novamente, seu corpo macio se moldar ao meu, sua respiração ruidosa bater em meu rosto, seu perfume me envolver como uma névoa quente.
Aos poucos, ela foi relaxando os músculos de seus braços, deixando que seus punhos se desfizessem e suas mãos relaxassem, assim como todo o resto de seu corpo. Seus lábios cediam mais e mais a cada segundo, encaixando-se perfeitamente aos meus e permitindo que nossas línguas se acariciassem sem censura. Ela gemeu baixo quando nossas carícias se intensificaram ainda mais, num beijo intenso e bruto, e eu contive um sorriso, largando seus pulsos devagar para que ela pudesse me tocar. Tudo que eu queria era sentir suas mãos delicadas deslizando por minha pele e me provocando inúmeros e indescritíveis tipos de sensações, sempre tão desconhecidas e surpreendentes.
Desci minhas mãos para seus quadris, alisando todo o trajeto sem pressa e sentindo meus músculos se enrijecerem ao comprovarem a ausência do discreto relevo do sutiã sob o tecido fino de seu vestido. Assim que a soltei, ela dirigiu suas mãos famintas aos meus ombros, passando rapidamente por eles e embrenhando seus dedos em meus cabelos da nuca. Senti suas unhas razoavelmente compridas afundarem na pele daquela região, e trouxe seu corpo para ainda mais perto do meu, perigosamente dominado pelo prazer.
Continuei descendo minhas mãos por seu corpo até o início de suas coxas, e agarrei o tecido de seu vestido, subindo-o até seus quadris e sentindo-a colar seu corpo cada vez mais ao meu, estimulada. Levei uma de minhas mãos até sua nuca, agarrando seus cabelos, enquanto a outra contornava a parte externa de sua coxa e a erguia, fazendo-a enroscar sua perna na minha. A essa altura, meu cabelo já estava absurdamente desgrenhado e os braços de envolviam meu pescoço com fervor. Apertei sua coxa com vontade, sem me preocupar se a estava machucando ou não, e a senti intensificar a força de seu abraço, aproximando nossos lábios incansáveis ainda mais. Dessa vez, não pude deixar de sorrir pervertidamente contra sua boca, e abri os olhos, vendo-a franzir levemente a testa em sinal de dor e me encarar logo em seguida, sem partir o beijo.
Mordi seu lábio inferior com malícia, e ainda sorrindo, puxei seus cabelos para baixo, fazendo com que seu rosto se afastasse um pouco do meu e com que meus dentes escorregassem aos poucos pelo local. Sem perder tempo, voltei a beijá-la, tão intensamente como antes, sentindo suas mãos descerem por meus ombros e arranharem toda a extensão de meus braços. Arrepiado pelos choques elétricos que suas carícias me davam, subi minha mão até uma de minhas regiões favorita de seu corpo: a bunda. Soltei um gemido baixo quando a apertei, sentindo meu membro doer de tão rígido que já estava. Tesão reprimido era foda, me fazia sentir um adolescente de treze anos com ejaculação precoce.
Deslizei minha outra mão para o mesmo local, prensando minha pélvis contra a sua, e a senti apoiar-se em meus ombros e impulsionar o corpo para cima, envolvendo minha cintura com suas pernas. Ajudei a sustentá-la sem esforço, e consegui aprofundar ainda mais aquele beijo insano. rapidamente envolveu meu pescoço com seus braços, e sem hesitar, começou a puxar minha blusa para cima, deixando meu tronco nu em poucos segundos. Fui forçado a romper o beijo para tirar a peça, e antes que ela atingisse o chão, minha boca já estava grudada à de novamente.
Suas mãos quentes exploravam cada centímetro de pele exposta em meu corpo, enquanto eu me controlava para não terminar logo com aquilo. Quanto mais tempo durasse, melhor. Um mês de distância havia me deixado com uma saudade absurda, e uma simples rapidinha não me satisfaria. Desci meus beijos para seu pescoço, traçando um caminho quente com minha língua sobre a pele levemente suada dela. Caprichei no pescoço e no lóbulo de sua orelha, totalmente despreocupado quanto a marcas. Estava muito fora de mim para sequer pensar nas conseqüências de meus atos.
- ... – ela arfou, num sussurro quase inaudível, e embrenhou sua mão em meus cabelos, alcançando o topo de minha cabeça e puxando-os com força. Dei uma leve mordidinha em seu pescoço ao ouvi-la chamar meu nome, e ela envolveu meus ombros mais firmemente com o outro braço. Aos poucos, meus dedos foram subindo por seus glúteos até irem parar em sua cintura, trazendo consigo seu vestido. Sem me intimidar, desci meus beijos por seu colo, exposto pelo ousado decote, aproveitando-me da firme sustentação de suas pernas em minha cintura. Sua respiração falhava perigosamente e seu coração parecia prestes a saltar de seu peito, eu podia sentir conforme descia meus beijos pela região.
Quando atingi o limite do decote, subi rapidamente o vestido até descobrir seus seios, e lhe dei apoio para se soltar de meus ombros e tirar a peça. Não pude deixar de sorrir ao vê-la somente de calcinha e salto alto, pendurada em mim, arfante, e me puxando para mais um de nossos beijos calorosos. Meu corpo inteiro estava retesado, contraído, absorvendo todo o prazer daquele momento; minha mente girava em torno dela, de sua língua ainda mais quente que a minha, de suas mãos agarrando meus cabelos, de suas unhas arranhando minha pele, de seus seios tocando meu peito, absurdamente macios e deliciosos. Naquele momento, eu tive a confirmação de todas as suspeitas e teorias que criei para explicar porque eu a queria tanto, desde o primeiro dia em que a vi.
Ela havia sido feita para ser minha. E eu havia sido feito para possuí-la. Não havia nada mais certo que nós dois.
Dirigi minha boca a um de seus seios, lutando para respirar, e fiz movimentos circulares com a língua ao redor de seu mamilo enrijecido, sugando-o ao mesmo tempo e ouvindo-a gemer um pouco mais alto. Envolvi seu outro seio com uma de minhas mãos, sentindo-o se moldar sob meus dedos, e um turbilhão de prazer me invadir a cada segundo. colocou seu rosto perto de minha orelha, fincando as unhas em meus ombros, e sua respiração ruidosa tão próxima fez minhas pernas tremerem e meus pêlos da nuca se eriçarem.
Sentindo falta de seus lábios, logo voltei a dar atenção a eles, beijando-a com ainda mais fúria. Gemi baixinho ao senti-la descer seus arranhões por meu peito e abdômen, e pude notar cada músculo se contrair sob suas unhas, como se pedissem para que ela os tocasse. continuou descendo suas mãos, até alcançar o cós de minha calça jeans com certa dificuldade. Segurei firme em seus glúteos (achando ótimo poder ajudá-la daquela forma e ainda por cima tirar uma bela lasquinha) para que ela conseguisse ficar mais estável e abrir o botão e o zíper, e cinco segundos depois, senti o tecido pesado deslizar por minhas pernas e ir parar em meus pés. Chutei-a rapidamente para longe, desfazendo-me de meus tênis e meias logo depois, com um pouco de dificuldade.
Não satisfeita, ela acariciou de leve o volume latejante de minha boxer vermelha, e apertou meu membro, fazendo-me gemer contra seus lábios e apertar com mais força sua bunda com minhas mãos espalmadas. Pude senti-la sorrir durante o beijo, e sem querer esperar muito mais, puxei sua calcinha para baixo, tirando-a com a ajuda dela sem demora. sugou meu lábio inferior com força, fazendo-o pulsar em sua boca, e logo em seguida, senti suas pernas se afrouxarem ao redor de minha cintura. Sem entender, franzi a testa e a segurei ainda mais firme, mas ela segurou meus braços, num pedido mudo para que eu a deixasse. Não sei exatamente porque a obedeci; poderia ser um truque para desistir e me deixar naquele estado. Mas quando me dei conta do que havia feito, ela já estava novamente de pé, e num segundo, me virou contra a parede, fazendo minhas costas colidirem contra a superfície fria.
roçou rapidamente os lábios inchados e avermelhados nos meus, olhando-me como um animal selvagem instigado. Ela grudou sua boca em meu pescoço, sem precisar ficar na ponta dos pés devido ao seu sapato alto, e continuou seu trajeto por meus ombros, peito e abdômen até atingir a barra da boxer. Chegando lá, ela mordeu o elástico da cueca, olhando-me com luxúria, e eu, já prevendo o que ela faria, encostei minha cabeça na parede, soltando um risinho torturado ao sentir seus dedos quentes adentrarem minha única peça de roupa.
Deixei que ela me despisse, e logo ela envolveu a base de meu membro com uma mão. Tentado a observá-la, me contive e fechei fortemente os olhos, decidido a apenas senti-la. Seus lábios tocaram de leve minha glande, num selinho delicado, e logo em seguida ela passou a língua pela região, colocando um pouco de força e me fazendo gemer baixinho. Incentivada, ela colocou meu membro inteiro na boca, sugando-o e fazendo movimentos de vai e vem, enquanto arranhava a parte interna de minha coxa com uma de suas mãos. Involuntariamente, minha mão buscou sua cabeça às cegas, e ao encontrá-la, segurou com força em seus cabelos, guiando sua movimentação. Ela não ofereceu resistência, e a cada segundo aumentava sua velocidade, fazendo meus gemidos ficarem mais altos e preencherem o vazio do quarto. Meu corpo inteiro suava e parecia arder em chamas, e uma enorme sensação de prazer se acumulava em meu membro, deixando minhas pernas tensas. Vez ou outra, percorria toda a área com a língua, de baixo para cima, ou então me masturbava com sua mão, em movimentos absurdamente prazerosos.
Desisti de resistir aos meus instintos e olhei para baixo, vendo-a subir uma de suas mãos por minha barriga. Assim que a vi, meu tesão pareceu triplicar, e na mesma hora, senti meu orgasmo muito evidente. Sem conseguir emitir nenhum som, extasiado por todo aquele prazer, a puxei para cima com toda a rapidez que pude, e a virei contra a parede. Segurei na parte traseira de suas coxas, carregando-a somente por aquela sustentação e trazendo-a mais para cima, e sem nem pensar em mais nada, a penetrei de uma só vez com uma força que jamais havia feito na vida. Pude ouvi-la soltar todo o ar de seus pulmões e apertar meus braços, surpresa com minha atitude repentina, e sem sequer esperar sua recuperação, continuei investindo tão rápido a ponto de nem conseguir emitir som algum, por mais que eu estivesse sentindo vontade de gritar.
Meu ritmo estava muito rápido, e eu sabia que não conseguiria agüentar muito mais daquele jeito, mas não fui capaz de desacelerar. Afundei meu rosto na curva suada de seu pescoço, inspirando aquele perfume que me viciava tanto, e mordi sua pele com um pouco de força, fazendo-a inclinar a cabeça na direção da minha. Seus dedos traçavam caminhos por meus cabelos, agarrando-os e puxando-os conforme eu me movia, fazendo-me revirar os olhos de prazer. Estranhamente, eu tive um curto, porém muito útil lapso de consciência nesse momento, e sem hesitar, resolvi colocar minha idéia em prática, antes que fosse tarde demais.
Com muita dificuldade e me controlando ao máximo, eu reduzi meu ritmo a quase zero, movimentando-me muito lentamente dentro dela. grunhiu em desaprovação, puxando meus cabelos com mais força, e eu voltei a acelerar, notando que a força em seus dedos reduziu-se quando a obedeci. Reduzi a velocidade novamente, dessa vez ouvindo-a chamar meu nome com indignação, e escondendo um risinho, sussurrei ao pé de seu ouvido:
- Diga que prefere ele agora.
Ela ficou em silêncio, pega de surpresa por minhas palavras, e eu retomei meus movimentos velozes, sentindo seus músculos se retesarem contra os meus. Afastei meu rosto de seu pescoço para observar sua expressão, e vi seus traços indecisos entre o prazer e a dor.
- Diga que prefere ficar com ele... – murmurei outra vez, movendo-me lentamente – A ficar comigo.
Acelerei novamente ao terminar a frase, sentindo seu olhar turbulento no meu. Era notável que ela havia percebido o que eu quis dizer, não só com as palavras, mas também com meus movimentos. contorceu o rosto em agonia e me puxou para um beijo agressivo e profundo, ao qual correspondi com intensidade. Continuei me movendo rapidamente, atingindo muito fundo dentro de seu corpo, até que foi impossível continuar me segurando e acabei gozando, coincidentemente sentindo-a estremecer e relaxar junto. Ambos soltamos gemidos altos e partimos o beijo ao atingirmos o orgasmo, e envolveu meu pescoço com seus braços depressa, afundando seu rosto em meu pescoço. Por alguns minutos, apenas fechei os olhos, recuperando-me de todo aquele momento, e me concentrei em normalizar minha respiração, sentindo-a quieta abraçada a mim.
- Eu quero ficar com você... Eu quero demais, mais até do que gostaria de querer – ela quebrou o silêncio, com a voz dolorida, e eu imediatamente abri meus olhos ao notar o choro em seu tom – Mas eu não posso.
- Por que não? – perguntei, soltando suas pernas devagar de modo que ela pudesse ficar de pé novamente, e a fiz olhar para mim – O que há de tão errado em nós dois? Me ajude a entender!
Uma indignação crescente começou a se manifestar em mim. Ouvi-la dizendo que me queria, mas que não podia ficar comigo havia me chateado profundamente, e eu não conseguia compreender porque ela dizia aquilo.
- Porque eu não posso simplesmente abandonar o assim, da noite para o dia, – ela murmurou, levando as mãos ao rosto para esconder suas lágrimas – Eu o amo!
- E eu te amo, ! – falei, sem conseguir controlar minhas palavras – Quantas vezes mais eu vou ter que me humilhar pra que você enxergue o quanto eu quero você, o quanto eu sou louco por você, o quanto eu amo você? Quantas vezes mais eu vou receber um não como resposta?
Ela não respondeu nada, apenas enterrou o rosto em suas mãos, escondendo seu choro. Seus ombros se moviam conforme ela chorava, e um soluço torturado escapou por entre seus lábios. Respirei fundo, observando-a encolhida, e a abracei pela cintura, sentindo-a moldar-se sem hesitação ao meu corpo. Seu tronco uniu-se ao meu perfeitamente, e seus braços envolveram meu pescoço delicadamente, fazendo-me fechar os olhos de um jeito doloroso. Eu a sentia tão perfeita para mim que doía demais imaginá-la com outra pessoa.
- Por favor, – sussurrei, sentindo sua respiração entrecortada pelo choro - Deixe-me convencer você de que sou o caminho certo... Deixe-me mostrar que sou o seu caminho.
Percebi seu choro intensificar-se após minhas palavras, e apenas a puxei para mais perto de mim, numa tentativa frustrada de acalmá-la.
- Eu deixo – ela soprou perto de meu ouvido após alguns segundos, assentindo de leve – Me ajude a tomar a decisão certa, por favor.
Um sorriso aliviado surgiu em meu rosto ao ouvir sua sentença. Ela estava me dando uma chance, a verdadeira chance de conquistá-la, mesmo que ela não estivesse disposta a terminar tudo com de imediato. Ela estava permitindo que, aos poucos, eu conseguisse tomar o espaço que era dele em seu coração, e se dando o direito da dúvida. Finalmente.
- Muito obrigado – murmurei, virando meu rosto até conseguir beijar seu rosto – Obrigado por não desistir de mim.
- Me desculpe por tudo isso – ela fungou, culpada, e eu afastei nossos corpos minimamente, só para poder olhá-la – Me desculpe por ter sido tão insensível com você por todos esses dias... Você não merecia nada disso.
- Vamos esquecer isso, está bem? – falei baixinho, como quem sussurra para uma criança dormir – Não há mais motivos para se desculpar.
Ela não disse nada, apenas fungou algumas vezes e enxugou o rosto. Ergueu seu olhar até o meu logo em seguida e apenas sorriu tristemente, porém eu pude enxergar gratidão e carinho sinceros em seus traços. Levei minhas mãos até seu rosto, segurando-o delicadamente, e retribuindo seu sorriso, aproximei meus lábios dos seus, beijando-a suavemente. Apesar da simplicidade daquele beijo, senti meu corpo inteiro se arrepiar e meu coração encher-se de um sentimento bom quando nos afastamos, ambos com sorrisos maiores. Ficamos apenas nos olhando por alguns segundos, até que uma de suas mãos desceu por meu braço até atingir minha mão, e ela entrelaçou seus dedos nos meus.
- Eu preciso ir – sussurrei, tentando parecer indiferente ao que dizia e observando o contraste de características entre nossos dedos.
- Eu sei – ela suspirou, olhando-me tristemente, e desviou seus olhos de nossas mãos para meu rosto.
- Queria poder te seqüestrar, sabia? – falei, rindo baixinho, e eu percebi que seu olhar ficara um pouco mais triste – Fazer você sumir do mapa por algumas semanas.
- Eu adoraria poder sumir do mapa por algumas semanas – ela disse, pensando alto, e eu a encarei, curioso – Mas que isso não sirva de incentivo pra você.
Dei uma risada um pouco mais alta, sendo acompanhado por ela, porém logo ficamos sérios novamente. Respirei fundo, engolindo a vontade de beijá-la mais uma vez, e forcei meu corpo a se distanciar do dela. Estava ficando cada vez mais difícil conseguir romper a bolha de magnetismo que me mantinha preso a ela, e antes que eu pudesse pensar em desistir, virei-me na direção de minhas roupas e comecei a vesti-las. Ouvi suspirar, e logo em seguida o som de seus passos indicou que ela se distanciava, até chegar ao banheiro e fechar a porta atrás de si.
Assim que vesti a boxer e estava passando uma de minhas pernas por dentro da calça jeans, com a mente totalmente aérea, minha carteira caiu do bolso de trás da peça, espalhando alguns de meus pertences pelo chão.
- Merda – xinguei baixo, terminando de vestir a calça e abaixando-me para recolher minhas coisas. Algumas moedas haviam escapado de seu compartimento, e ao colocá-las em seu devido lugar, algo extremamente importante do qual eu havia esquecido há alguns minutos atrás prendeu meu olhar.
A camisinha.
Minha garganta secou quando vi o preservativo intacto em minha carteira, e eu caí sentado sobre a cama de . Meu Deus, como eu pude me esquecer de nos proteger? Eu estava tão fora de mim que a segurança nem sequer passou pela minha cabeça.
Ouvi a porta do banheiro se abrir, e saiu de lá, parando poucos passos depois e me encarando com preocupação.
- Você está bem? – ela perguntou, franzindo a testa, e eu simplesmente a encarei, paralisado pelo choque – Nossa, você tá branco feito leite, o que aconteceu?
- A... A camisinha – gaguejei, fitando novamente minha carteira, e ela apenas riu. Voltei a olhá-la, horrorizado com sua naturalidade diante do risco que corríamos, e seu riso se intensificou.
- Não se preocupe – ela disse, ainda rindo um pouco – Digamos que eu já estava prevenida.
Ergui uma sobrancelha, e uma resposta óbvia apareceu em minha mente.
- Camisinha feminina? – chutei, e ela assentiu, sorrindo de lado e fazendo-me soltar um suspiro de alívio – Te devo essa.
- Vou cobrar com juros – ela disse, caminhando até sua calcinha e vestindo-a rapidamente – Se bem que sua cara de pânico quase quitou a dívida.
- Estou chorando de rir – ironizei, levantando-me e pegando minha camiseta – Eu errei feio com você, me desculpe.
- Tudo bem, eu não teria ficado tão relaxada se já não estivesse devidamente protegida – ela sorriu, colocando o vestido sem demora enquanto eu terminava de vestir minha blusa e me sentava na cama para calçar meus tênis.
colocou todo o cabelo para trás e prendeu-o cuidadosamente num rabo de cavalo alto, virando-se de costas para mim sem perceber. Aproveitando-me disso, levantei-me rapidamente e a abracei por trás, beijando carinhosamente seu pescoço descoberto e sentindo-a se arrepiar pela surpresa.
- Eu adoro seu pescoço, sabia? – sussurrei, subindo meus beijos até atingir a parte de trás de sua orelha e sentindo-a acariciar minha nuca devagar com uma de suas mãos – É muito gostoso de beijar.
- Pare com isso, – ela ofegou, passando sua outra mão sobre meus braços, que envolviam sua cintura firmemente – Eu acabei de me vestir, sabe.
- Não tem problema, outra coisa que eu adoro é tirar sua roupa – sorri, mordiscando sua pele e fazendo-a puxar meus cabelos.
- Pervertido – ela riu, um tanto zonza, e se virou pra mim, envolvendo meu pescoço com seus braços – Já chega por hoje, você precisa ir embora.
- Só mais um beijinho, por favor – pedi, encostando a ponta de meu nariz no dela, e vendo-a sorrir timidamente, roubei mais um beijo intenso de seus lábios.
- Pronto, agora vai – murmurou, partindo o beijo, porém sem soltar meu pescoço – Tchau, .
- Tchau, – sorri, dando alguns passos para trás até atingir a porta do quarto e trazendo-a comigo – Me leva até a porta?
- Me leve você – ela corrigiu, e num segundo, estava pendurada em minha cintura novamente – E rápido.
- Folgada – brinquei, abrindo a porta e caminhando cautelosamente pelo apartamento enquanto roubava mais um selinho dela.
- Chato! – ela xingou, mostrando a língua e mordendo meu lábio inferior logo em seguida.
- Quero te ver de novo – falei, quando já estava quase na porta do apartamento – O mais rápido possível.
- Eu também – ela gemeu, com um tom de confissão na voz – Mas não sei se deveria.
- O que vai fazer amanhã? – ignorei seu princípio de crise. Ela não estragaria nosso momento, não mesmo.
- Não sei – ela respondeu, pensativa - vai viajar logo cedo, e eu...
- Estarei te esperando no meu apartamento às 14h – impus, taxativo, e a coloquei no chão – Ai de você se chegar atrasada.
- Não, – ela protestou, balançando negativamente a cabeça - É melhor eu não ir...
- Vá com sua melhor lingerie – a interrompi ao pé de seu ouvido, mordendo seu lóbulo lentamente logo em seguida e sentindo-a estremecer – Até amanhã, tampinha.
Ainda sob o efeito de minha provocação, ela não conseguiu responder nada, e eu a beijei mais uma vez antes de sair sorrateiramente pela porta do apartamento.
Com um sorriso no rosto, muitas esperanças, e uma felicidade que eu nunca imaginei sentir.

Capítulo 30


( ’s POV)


Me remexi na cama, ainda de olhos fechados. Espreguicei-me devagar e abri lentamente os olhos, deixando que a luz do sol os atingisse e provocasse uma careta em meu rosto. Pisquei algumas vezes, observando o quarto vazio, e me assustei ao não encontrar ao meu lado. Os lençóis estavam desarrumados onde eu tinha certeza de que encontraria seu corpo deitado, mas ao invés dele, um pequeno bilhete repousava.

Você estava dormindo tão bem que não quis te acordar. Tive que ir, preciso chegar antes do almoço em Sheffield. Deixe as chaves do apartamento na portaria, está bem? Te amo, meu anjo, já estou com saudades!

xx


Sorri involuntariamente com as palavras dele, e afundei meu rosto em seu travesseiro, ainda conseguindo sentir seu perfume. Novamente, ele estava indo visitar a família, dessa vez para comemorar seu aniversário, e me deixando sozinha no fim de semana. Ou talvez nem tão sozinha.
Bastaram alguns segundos com a mente vazia para que todos os acontecimentos da noite anterior me atingissem. Aquele último mês havia sido tão torturante para mim... Minha mente havia adotado um estado tão denso de conformação com minha distância de que me lembrar de tudo que havíamos feito há algumas horas parecia extremamente surreal. Um sonho, talvez, se não tivesse sido tão intenso.
A princípio, senti muita raiva dele, por não compreender minha situação. Eu precisava escolher um rumo para minha vida, e ele parecia não enxergar isso. Porém, assim que senti seus lábios nos meus, o calor de seu corpo me dominando, seu perfume me intoxicando, foi impossível não ceder à enorme e gritante saudade que meu corpo nutria pelo dele. E quando voltei a ter controle sobre mim mesma, estava chorando em seu ombro, dizendo que o queria comigo. Um mês de autocontrole jogados no lixo em uma noite... Mas eu não me arrependia de nada, ao contrário do que pensei. A sensação de culpa parecia estranhamente insignificante diante de meu bem estar.
Um calor gostoso emanava de meu peito em direção ao resto de meu corpo; uma felicidade exótica, que não pensei que fosse sentir. Um sorrisinho se formou em meu rosto ao me lembrar de me carregando pelo apartamento, e ao mesmo tempo, uma saudade manhosa surgiu quando a lembrança de seu beijo me veio à mente. Fechei os olhos com mais força, tentando entender o porquê de toda aquela dependência, mas foi inútil; a lembrança mais intensa daquela noite veio à tona, fazendo a voz dele ecoar em minha mente e impossibilitando-me de pensar em qualquer outra coisa.
Eu te amo, .
Virei-me de barriga pra cima, soltando um suspiro e encarando o teto claro vagamente. Ele me amava. havia dito que me amava. E eu? Eu o amava? Ou aquilo era apenas uma atração momentânea? Por que eu me sentia tão leve e feliz ao pensar nele? Por que meu coração batia daquele jeito apressado ao visualizar seu rosto em minha mente?
Talvez eu também o amasse? Não, não poderia ser. Eu mal o conhecia! Quer dizer, eu não sabia nada sobre sua vida, não sabia sua cor favorita, sua banda favorita, sua comida favorita... Tudo que eu sabia era que... Bem, que ele me amava. E meu coração estava doido para retribuir esse sentimento, por mais que minha mente construísse obstáculos para isso.
Olhei instintivamente para o relógio de cabeceira, ainda com a mente longe dali: 12h57min. Assim que bati os olhos na hora, lembrei-me de meu compromisso com , e alguma coisa subitamente começou a fazer cócegas em minha barriga. Meu Deus. Eu o veria de novo hoje, dali a uma hora, mais especificamente. Uma hora que de repente me pareceu um milênio.
Respirei fundo, sentindo-me involuntariamente ansiosa, e resolvi levantar. Arrumei rapidamente a cama, agitada, e deixei o bilhete de sobre ela, para responder antes de sair. Fui direto para o banheiro tomar um bom banho e fazer minha higiene matinal, aproveitando para já prevenir-me. Eu tinha algumas camisinhas femininas na bolsa, apenas por precaução, e tive certeza absoluta de que precisaria estar protegida se pretendia mesmo ir à casa de . Quer dizer, não é novidade nenhuma que eu e tínhamos uma certa facilidade de entrar no clima.
Uma meia hora depois, quando terminei, me vesti com algumas roupas íntimas que havia deixado na casa de (as melhores que eu tinha, diga-se de passagem). Coloquei uma camiseta velha dele por cima, a que eu sempre usava quando dormia lá, enrolei meus cabelos molhados num coque desengonçado e fui até a cozinha, morta de fome. Havia alguns panfletos de restaurantes sobre a mesa, provavelmente colocados ali por , e eu não pude deixar de agradecê-lo mentalmente ao deduzir isso. Liguei para um dos restaurantes e pedi meu almoço com tudo que tinha direito. Que se dane o regime, eu estava com fome. E algo me dizia que eu ia precisar de energia para aquele dia.
Penteei meus cabelos e vesti uma calça jeans e uma camiseta de meia manga branca de botões, juntamente com meu All Star com estampa de histórias em quadrinhos, muda de roupa que eu havia deixado no guarda-roupa de por precaução. O almoço não demorou a chegar, e eu o devorei rapidamente, doida de fome. Lavei a pouca louça que havia sujado e deixei a casa o mais impecável possível, sem querer dar o mínimo trabalho a .
Terminei de me arrumar calmamente, com tempo de sobra, e liguei para minha mãe, avisando-a que iria almoçar com e que só voltaria para casa ao anoitecer. Sim, eu ainda usava a velha desculpa de estar com , que outra eu poderia dar? Enquanto essa colasse, eu a usaria, mesmo me sentindo mal por ter que mentir tanto para minha mãe. Eram mentiras necessárias, e eu pretendia deixar de enganá-la assim que tivesse dezoito anos e fosse dona de meu próprio nariz, pelo menos legalmente.
Deixei também uma simples e carinhosa resposta ao bilhete de sobre a cama. Encarei suas palavras ternas e uma pontada esquisita se manifestou em meu peito. Não era exatamente culpa; parecia que haviam jogado vinte litros de água fria sobre ela, atenuando-a consideravelmente. Parecia que estava faltando alguma coisa se manifestar em mim... Algo como aquele frio na barriga ao ler um bilhete de quem se ama, ou o sorriso derretido de quem se aquece por suas palavras de carinho. Com um suspiro inseguro, decidi não pensar mais em durante aquele dia, determinada a me manter tão leve e calma como acordei. Após um mês de tortura, meu coração estava cansado de sentir tanta dor, ainda mais sendo eu mesma a criadora dela. E agora que eu havia decidido analisar minhas opções, mesmo que pelo menor tempo possível, não seria certo me sentir tão culpada a cada vez que fosse o tema de meus pensamentos.
Saí do apartamento, entregando as chaves a Andy antes de deixar o prédio, e comecei a caminhar o mais rápido que pude até o prédio de . Agradeci mentalmente ao frio suave que fazia, permitindo-me andar depressa sem suar feito uma doida, e em meia hora, já estava a dois quarteirões de sua casa. Em mais cinco, finalmente cheguei à luxuosa portaria de seu prédio.
- Erm... ? – gaguejei ao porteiro assim que parei em frente ao balcão, e ele imediatamente assentiu uma única vez, discando alguns números num telefone.
- Vigésimo terceiro andar, senhorita – o senhor sorriu, após anunciar minha chegada a alguém do outro lado da linha (que só podia ser uma pessoa), e eu retribuí seu sorriso, caminhando até o elevador que ele havia me indicado. Enquanto eu o esperava descer do décimo sétimo andar, observei o lindo hall do prédio, maravilhada com a decoração. Tudo ali parecia custar mais que minha casa, até as canetas da recepção. Realmente, deveria ser muito mais rico do que eu imaginava se podia morar num prédio como aquele.
O som do elevador chegando ao térreo me arrancou de meus devaneios, e eu entrei rapidamente no mesmo, apertando o botão de número 23. Ao passar os olhos rapidamente pelo painel, notei duas coisas curiosas. A primeira era que os andares do prédio eram numerados de dois em dois (primeiro, terceiro, quinto, etc.), o que me fez deduzir que cada apartamento tinha dois andares. Nota mental: conhecer o segundo andar do apartamento de . A segunda curiosidade estava numa pequena plaquinha sob o número do 23º andar, cujas letras formavam a palavra cobertura. Ergui minhas sobrancelhas, surpresa. Então ele morava na cobertura? Hm, mais um motivo para querer conhecer o segundo andar... Com certeza deveria haver algo de interessante por lá.
Demorou uma eternidade, mas finalmente o elevador chegou ao vigésimo terceiro andar. Respirei fundo ao ver o número no painel luminoso, e a porta automática deslizou para o lado logo em seguida, revelando o apartamento incrivelmente grande, lindo e claro de . Fiquei paralisada durante alguns segundos, apenas reunindo forças para sair do elevador, até que um par de olhos entrou em foco, acompanhado de um charmoso sorriso de canto.
- Com medo de quê? – sorriu após alguns segundos, erguendo uma sobrancelha, e por um momento, esqueci como se respirava. Engoli em seco, ainda desnorteada, e forcei meus pés a se moverem, levando-me até ele tremulamente. De onde havia surgido todo aquele nervosismo mesmo?
- Medo da sua conta bancária – respondi, ainda encabulada ao parar na frente dele e sentindo um cheiro maravilhoso de sabonete misturado a perfume masculino – Ela me assusta.
soltou uma gargalhada alta, vencendo a curta distância entre nós e passando uma de suas mãos por minha cintura, arrepiando-me por completo com um simples toque. Pode parecer mentira, mas ele realmente me dava choques elétricos com apenas aquele contato.
- Pensei que já estivesse acostumada com ela – ele disse, e eu neguei com a cabeça, ainda me recuperando de sua aproximação – Talvez eu seja mesmo péssimo em decifrar você.
- Me desculpe por ser um enigma – falei, finalmente olhando-o nos olhos, e ele sorriu, aproximando seus lábios dos meus e beijando-me calmamente, numa expressão física de boas-vindas. Seu perfume, tão forte e viciante como eu nunca havia sentido antes, fez meu coração bater com uma força assustadora, e sem sequer perceber, eu me empolguei, abraçando-o pelo pescoço e atirando minha bolsa no sofá mais próximo. me abraçou apertado pela cintura, erguendo-me do chão, e sorriu ainda mais ao perceber minha empolgação.
- Calma – ele sussurrou ao partir o beijo, e eu respirei fundo, fechando os olhos e sentindo meu rosto esquentar – Nem bem chegou e já quer roubar todo o meu oxigênio?
- É que eu fiquei com saudade – sussurrei, incapaz de conter minhas palavras, e imediatamente senti meu rosto corar. Droga, por que eu ainda me sentia tão vulnerável com ele?
- Eu entendo perfeitamente – ele disse, pondo-me no chão e deslizando suas mãos tranquilamente até meus quadris – Também ficaria com saudade de mim mesmo se fosse você.
- Convencido! – exclamei, rindo de sua postura superior, e lhe dei um tapa no braço – É agora que eu vou embora?
- Não, é agora que você me dá mais um beijo e bagunça o meu cabelo – ele corrigiu, mordendo o lábio inferior ao puxar meu corpo pra mais perto do seu – Eu o penteei do jeito que eu odeio só pra você deixá-lo do jeito que eu gosto.
- Ah, é? – brinquei, embrenhando minhas mãos por seus cabelos macios e surpreendentemente não bagunçados – Obrigada pelo presente!
riu baixinho, e eu colei meus lábios aos dele, deixando que nossas línguas se encontrassem sem demora e iniciassem mais um de nossos beijos eletrizantes. Ele postou uma de suas mãos em minha nuca, aprofundando o beijo, e eu revirei seus cabelos com vontade, sentindo-o sorrir e puxar minha cintura pra mais perto de si.
- A gente vai acabar transando no sofá de novo desse jeito – murmurei rindo, após uns cinco minutos de amasso, partindo o beijo para falar.
- Desculpe - ele ofegou, apesar de relutante, e respirou fundo, afastando seu rosto do meu – Quem se empolgou agora fui eu.
- Estamos quites no quesito vergonha então – dei risada, vendo-o entortar a boca em tom de constrangimento.
- É, acho que sim – ele riu, apertando seu abraço em minha cintura – Bom, já pagamos micos suficientes por hoje... O que quer fazer agora? E sexo não vale. Não ainda.
- Hm... – pensei, mordendo meu lábio inferior – Me mostre seu apartamento.
franziu a testa com meu pedido.
- Ué... Você já o conhece – ele respondeu, confuso.
- Não o andar de cima – expliquei, fazendo uma cara sapeca, e ele finalmente entendeu o motivo de meu pedido.
- Tem razão – ele assentiu, me abraçando de lado e colocando sua mão no bolso traseiro de minha calça – Vamos conhecer o andar de cima então.
- Se for tão lindo quanto esse, já o adorei – confessei, deixando que ele me guiasse pela casa impecavelmente limpa e perfeita.
- Se você adora esse aqui, vai amar o outro – ele murmurou perto de meu ouvido, fazendo minha respiração falhar sem nem perceber e ainda por cima dando um sedutor sorrisinho de lado.
Caminhamos em silêncio até a escada, que eu nunca havia visto porque minhas passagens por aquele apartamento haviam sido rápidas e turbulentas demais para que eu a notasse, e subimos rapidamente os poucos degraus. Assim que chegamos ao segundo andar, a primeira coisa que observei foi uma enorme parede branca e vazia, a alguns metros de distância de um grande e visivelmente confortável sofá. Ergui um pouco meus olhos até algo que estava pendurado no teto, e meu queixo caiu ao reconhecer o aparelho.
- Você tem um projetor? – falei, sem conseguir disfarçar minha surpresa, e ele riu ao meu lado.
- Gosto muito de ver TV quando o sono não chega – ele disse, e meus olhos notaram também uma estante abarrotada de CDs, DVDs e livros encostada a outra parede – Costumo até dormir mais aqui que em meu próprio quarto.
- Você acertou em cheio – assenti, maravilhada com todas aquelas novas informações – Eu simplesmente amei esse andar.
- Hm, pelo menos nessa previsão eu acertei – brincou, e eu o olhei, sorrindo timidamente – Espero que você goste do resto também.
- Como assim? – perguntei, arregalando os olhos, totalmente alheia a qualquer senso do ridículo – Tem mais?
- Claro que tem, – ele riu, divertindo-se com minhas reações patéticas, porém logo voltou a ficar sério – E é nesse andar que fica minha parte favorita do apartamento... Mas só te levo lá se fechar os olhos. E não vale espiar.
Lancei-lhe um olhar desconfiado, ansiosa com todo aquele mistério, e ele apenas ergueu as sobrancelhas, num incentivo mudo. Respirei fundo, derrotada por minha curiosidade, e fechei os olhos, sentindo-o entrelaçar nossos dedos e me conduzir.
Uns vinte passos depois, ele parou de andar, e me colocou em sua frente, segurando meus ombros de um jeito que me arrepiou involuntariamente. Apesar de não estar vendo nada, percebi que uma certa claridade emanava do local onde estávamos prestes a entrar, mas quando ia abrir a boca para perguntar se havíamos chegado, colocou o rosto bem perto de meu ouvido e respondeu à minha pergunta:
- Espero que goste de contar estrelas.
Sem precisar de maiores incentivos, abri lentamente meus olhos, deparando-me com uma larga porta de vidro, através do qual tudo que se via era o céu nublado e o chão de pedra, que levava até um deck de madeira. Levei alguns segundos para absorver aquela descoberta, e tudo que consegui fazer foi sorrir, admirada, e olhar para ele, sem saber o que dizer. Além de todo o luxo e perfeição de cada cômodo, ainda havia uma área externa... Sendo a adoradora do céu que eu era, agora sim podia afirmar que aquele era o apartamento mais perfeito do universo.
- Não está um dia exatamente bonito, mas aposto que você vai compensar as nuvens escuras – ele murmurou, fazendo um discreto sinal para que eu prosseguisse, e assim eu o fiz. Envolvi a maçaneta da imponente e grossa porta de vidro à minha frente e a abri, revelando a parte externa da cobertura. Andei devagar pelo piso de pedra e olhei ao redor da extensa área, notando a presença de detalhes que eu ainda não havia conseguido ver: uma mesa redonda de vidro cercada de cadeiras, algumas espreguiçadeiras, uma ducha e um pequeno jardim. Meus olhos se recusavam a crer em tudo que viam, e tentando não parecer tão deslumbrada, subi os degraus do deck, encontrando sobre ele, uma pequena piscina. Aquele apartamento era tudo que eu sempre havia sonhado, e ter as imagens de minha mente transformadas em realidade era demais para mim.
Fiquei encarando meu reflexo perplexo na água, sem reação diante de toda aquela beleza, e logo um outro reflexo surgiu ao lado do meu. não me tocou; apenas esperou pacientemente que eu recuperasse a voz, o que levou alguns segundos.
- Eu... ... Sua casa é... Um sonho – finalmente falei, sem fôlego, e olhei para ele, que sorria de um jeito tímido. Jamais eu imaginara que uma pessoa como ele poderia ter um apartamento tão aconchegante e lindo em cada detalhe, e essa surpresa se mesclava ao meu deslumbre, deixando-me totalmente desnorteada.
- Que bom que te agrada – ele murmurou, colocando as mãos nos bolsos da calça como se estivesse acanhado – Prometo te trazer muitas outras vezes aqui, se esse brilho nos seus olhos aparecer em todas elas.
Abaixei meu olhar do dele, envergonhada por minha reação um tanto intensa demais, mas logo voltei a encará-lo, sentindo falta de suas íris quentes fitando as minhas tão agradavelmente.
- Eu não preciso de nada disso pra que meus olhos brilhem – falei baixinho, séria – Não quero que você tenha uma impressão errada de mim. Bens materiais não me influenciam.
- Eu sei, – ele assentiu, compreensivo, e um sorrisinho se formou em seu rosto – Se bens materiais te influenciassem, você já teria escolhido ficar comigo há muito tempo.
Fiquei em silêncio diante de suas palavras, sem a menor idéia do que dizer. Voltei a olhar nossos reflexos na água, e mergulhei em pensamentos confusos, ainda em choque com todas aquelas novas informações e com o coração acelerado.
- Por que eu? – pensei alto demais, erguendo meus olhos até os dele, intensamente e mais escuros que o habitual, como se eu não fosse a única refletindo sobre toda a loucura que era nossa relação – Por que você me escolheu?
apenas retribuiu meu olhar pensativo por alguns segundos, até que um sorriso cansado e fraco contornou seus lábios.
- Não sei te responder – ele disse, aproximando-se lentamente de mim – Mas posso te mostrar um pouco do que eu sei.
Olhei fundo em seus olhos, agora tão próximos, e senti suas mãos quentes envolverem meu rosto, sendo seguidas por seu hálito de canela contra meus lábios.
- Você se arrepia quando eu chego perto... Assim? – ele sussurrou, ainda me olhando com intensidade, e eu assenti fracamente. Foram poucas as vezes em que eu havia visto suas íris tão de perto, e tal fato provocava um vazio total em meus pulmões.
- E se eu te tocar aqui... – ele continuou, deslizando uma de suas mãos até minha cintura - E te abraçar assim... – seu braço envolveu meu corpo e me puxou para perto dele – Consegue sentir seu coração acelerar?
Assenti novamente, hipnotizada por seu olhar. Assim como eu, ele estava sério, como se cada efeito que ele surtia em mim refletisse nele da mesma maneira e com a mesma intensidade.
- E se eu te beijar desse jeito... – ele soprou, unindo nossos lábios delicadamente e acariciando minha língua com a sua de um jeito totalmente íntimo e calmo, partindo o beijo não muito tempo depois – O que você sente?
Abri meus olhos assim que ele terminou sua pergunta, e por um segundo, pensei que fosse desmaiar em seu abraço. Meu coração batia com muita força em meu peito, e eu sentia o sangue fervente correr com cada vez mais pressão a cada segundo por minhas veias. Levei algum tempo para voltar a respirar, e o respondi com um sussurro fraco, incapaz de falar mais alto.
- Eu sinto... Como se estivesse despencando de uma altura incrível... Sem nada nem ninguém para me salvar... E a última coisa que eu quero é que alguém me salve.
sorriu, intensificando ainda mais nossa conexão de olhares, e uniu nossas testas.
- É bom saber que nos sentimos da mesma forma – ele murmurou, acariciando meu rosto com seu polegar e sorrindo sedutoramente - Agora pergunte a si mesma... Por que eu te escolhi?
Completamente perdida em seus olhos, eu deixei sua pergunta no ar, sem saber como respondê-la. Depois daquele momento tão intenso, a resposta para minha dúvida agora me parecia simplesmente óbvia: era impossível descrever porque havíamos nos escolhido. Tudo que conseguíamos era sentir, como se o efeito entre nossos corpos fosse puramente químico, afetando minha consciência e sentidos de maneira avassaladora. Nada que palavras pudessem descrever.
Algumas gotas de chuva começaram a cair sobre nós poucos segundos após nos calarmos, e ao sentir os pingos frios, retomei um pouco de minha lucidez. Olhamos para cima, sentindo a quantidade de gotas aumentar, e corremos para dentro do apartamento novamente, fechando a porta atrás de nós e observando a chuva intensificar-se depressa. Logo, os pequenos pingos que haviam molhado nossas roupas despencavam furiosamente do céu, ficando do tamanho de bolinhas de pingue-pongue ao golpearem o vidro.
- Eu sei que estou errada em tudo o que estou fazendo com a minha vida e com vocês dois – murmurei, após um longo período de silêncio, onde ficamos apenas observando a chuva cair, e apesar de não olhá-lo, soube que ele se virou para mim – Sei também que não tenho direito algum de pedir nada... Mas eu não sei o quanto minha decisão ainda pode demorar, e não quero que você se sinta pressionado a me esperar...
- Eu vou esperar – me interrompeu, com a voz baixa, porém muito firme, o que me fez desviar os olhos da chuva até encontrar os dele – Demore o quanto precisar.
Fitei suas íris por longos segundos, tentando não sucumbir por completo aos sentimentos borbulhantes que conduziam minha decisão até . Era tudo tão extremo com ele, tão intenso e rápido, que por um instante, a dúvida quanto a amá-lo ou não me pareceu absurdamente ridícula. Era óbvio que sim.
- Obrigada – foi tudo que consegui dizer, sorrindo fracamente, e ele aproximou o rosto do meu, beijando-me com carinho. Eu me sentia ferida por dentro, extremamente machucada, e a cada toque de , a dor abrandava-se, causando uma sensação reconfortante a cada vez que ele se aproximava de mim.
- Não vamos mais pensar nisso por hoje, pode ser? – ele sussurrou contra meus lábios, com os olhos tranqüilos muito perto dos meus e um sorriso fraco no rosto – Vamos apenas aproveitar o tempo que temos juntos.
Não pude impedir que um sorriso também surgisse em minha expressão, denunciando minha simpatia com suas palavras, e eu assenti, envolvendo seu pescoço com meus braços. Meu coração batia tão forte e num ritmo tão acelerado que foi praticamente impossível conter o impulso de esticar-me na ponta dos pés e alcançar seus lábios com os meus novamente. Parecia que minha pele sentia falta da dele e pedisse desesperadamente por contato.
Ouvi um trovão alto ecoar pelo apartamento, e com medo de nossa proximidade da área externa, onde a chuva já havia atingido um nível nitidamente estrondoso, dei alguns passos vacilantes para trás, conseguindo trazer comigo sem partir o beijo. Aos poucos, parando em alguns trechos para deslizarmos nossas mãos por partes nada educadas dos corpos um do outro, caminhamos às cegas pelo pequeno corredor, vez ou outra colidindo com uma das paredes e rindo baixinho de nossos pequenos desastres.
- A gente pode fazer sexo agora? – sussurrei rente aos seus lábios, puxando de leve seus cabelos macios da nuca e sorrindo ao vê-lo franzir suavemente a testa em resposta.
- Se eu disser que não, vai ficar mais excitante? – ele sorriu, mordendo meu lábio inferior devagar logo em seguida – Mesmo isso sendo uma mentira deslavada?
Ri baixinho, sem fôlego ao senti-lo deslizar sensualmente suas mãos por minha cintura, e ciente de minhas vertigens, encostou-me contra uma parede, prensando-me entre ela e seu corpo.
- Posso te levar pra um lugar onde eu tenho muito tesão de fazer sexo com você? – ele sussurrou num tom de confissão em meu ouvido, envolvendo meu pescoço com uma de suas mãos como se quisesse me prender, porém sem parecer violento. Subitamente, ele parecia estar adotando uma postura dominadora, muito diferente da que demonstrava há pouco, mas eu não me importava com sua mudança repentina. Nossos beijos eram capazes de causar alterações bruscas de atitude, eu sabia muito bem disso.
- Você já não precisa pedir permissão pra fazer alguma coisa comigo há algum tempo – respondi, fechando os olhos ao sentir sua respiração quente em minha pele e suas mãos me explorando.
- Eu já sabia disso... Mas prefiro ouvir você dizer – ele ofegou, convencido e cheio de perversão, descendo suas mãos deliciosamente por meu corpo até atingir a parte de trás de minhas coxas, para erguer-me do chão e me fazer envolver sua cintura com minhas pernas. Assim que o fiz, selou nossos lábios novamente, com ferocidade e luxúria, e eu apenas o correspondi, sentindo um calor que só ele me fazia sentir emanar de dentro de mim, numa intensidade extraordinária.
Cambaleando pelos cômodos, ele me carregou até a escada, interrompendo o beijo somente para chegar ao andar de baixo sem tragédias. Aproveitei-me de nossa breve pausa pelo caminho para tirar os tênis e meias, espalhando-os pelos degraus e facilitando o trabalho para ele, que eu sabia que não demoraria muito a fazê-lo. seguiu velozmente pelo corredor do primeiro andar, com a boca urgentemente grudada à minha de novo, até que ele me atirou sobre uma superfície macia, que eu logo descobri ser sua cama. Franzi a testa, sorrindo maliciosamente para ele, que se aproximava lentamente de mim com uma expressão nada ortodoxa. Então ele tinha tesão em transar comigo em sua própria cama? Não posso negar que a idéia me pareceu igualmente tentadora, mas talvez minha imaginação não tivesse parado para pensar num lugar tão convencional (para os padrões de , se é que existem padrões para ele) como aquele.
Apesar de seu quarto ser um território um tanto desconhecido para mim, eu nem me dei ao trabalho de analisá-lo naquele momento, porque os olhos em chamas de me atraíam mais do que qualquer coisa enquanto ele engatinhava por sobre o meu corpo. Tudo que fui capaz de detectar foi que a atmosfera do cômodo era preenchida por um suave teor de seu perfume, o que só me deixou ainda mais enfeitiçada. Aquele cheiro era como uma droga, atiçava todos os meus sentidos da maneira mais forte e inibia toda e qualquer ordem de meu cérebro, transferindo todo o controle para meu coração, que batia descompassado dentro de meu peito. Talvez houvesse algum tipo de fragrância afrodisíaca em sua composição, ou talvez eu simplesmente fosse sensível demais a qualquer coisa que viesse dele.
rapidamente colocou-se sobre mim, com um sorriso safado brincando em seus lábios avermelhados, que não demoraram a unir-se aos meus outra vez. Ele me beijava de um jeito que misturava inúmeros sentimentos e sensações, que jamais pensei sentir juntas. Era um beijo ardente, faminto, insaciável, que me tirava totalmente o fôlego e me arrepiava dos pés à cabeça. Enquanto intensificávamos o beijo, ele encaixou uma de suas pernas entre as minhas, e deslizou uma de suas mãos desde meu joelho até minha bunda, puxando-me para si. Gemi baixinho ao sentir seu peso e seu calor mais intensos a cada segundo, com o coração prestes a explodir, e gostando do efeito que causava, ele levou uma mão à minha cintura e me puxou em sua direção, tocando minha pele por debaixo da blusa com as pontas de seus dedos frios. Suas unhas curtas tentavam me arranhar com até algum sucesso, mas o efeito era desprezível se comparado ao de minhas quase garras vermelhas em sua nuca, afundando em sua pele e fazendo-o soltar o ar rudemente.
Deslizei minhas unhas pela região até atingir a gola de sua camiseta, e desviei meu caminho, dando a volta em seus ombros e chegando a seu tórax. Segurei o tecido com firmeza e o puxei ainda mais para perto, sentindo-o exercer pressão em minha pélvis com a sua. mordeu meu lábio inferior, deixando seus dentes deslizarem por ele e provocando-me uma dor prazerosa, o que nos fez sorrir maliciosamente. Ele sabia muito bem os efeitos que suas ações tinham, e costumava usar e abusar desse conhecimento para me levar a certos lugares fantásticos que eu não sei bem descrever.
Continuei meu trajeto por seu tronco, acompanhando o desenho de seus músculos com as palmas de minhas mãos até alcançar a barra de sua blusa. Passei a acariciar seu abdômen por debaixo do tecido, usufruindo da baixa temperatura de minhas mãos em relação àquela região do corpo dele para causar-lhe arrepios, e pareceu funcionar. continuava a pressionar sua pélvis contra a minha, e os sinais de sua excitação já eram nítidos, fazendo com que um calor me dominasse e acelerasse minhas provocações. Mordi novamente seu lábio, sugando-o como se o quisesse arrancar dali, e ele gemeu baixo, erguendo os cantos de sua boca num sorriso mal intencionado.
- Nem acredito que estamos quase transando na minha cama – ele sussurrou, quando eu soltei seu lábio, e eu não pude deixar de sorrir pervertidamente junto com ele – Dormir aqui nunca mais vai ser a mesma coisa.
Soltei um risinho ofegante, finalmente entendendo o motivo da escolha do lugar, e ele abriu um sorriso que eu classificaria como o mais sujo de todos que já havia visto em seu rosto, deixando-me ainda mais excitada. A expectativa que ele me causava por nunca me deixar plenamente ciente de suas intenções até que ele as colocasse em prática me trazia um sentimento muito forte de êxtase e ansiedade, prendendo-me cada vez mais às habilidades de seu charme.
voltou a me beijar sensualmente, movendo sua língua com calma e desejo, e enquanto o fazia, pude sentir seus dedos desabotoarem os botões de minha camiseta. Quando os três primeiros estavam abertos, ele desceu seus lábios por meu pescoço, beijando a região languidamente, e prosseguiu por meu colo, passando sua língua extremamente quente por entre meus seios ainda cobertos pelo sutiã. Suas mãos os envolveram, apertando-os levemente, e ele depositou um selinho carinhoso sobre cada um. Se não estivesse tão instigada, teria achado graça daquele gesto, mas tudo que consegui fazer foi observá-lo prosseguir seu trajeto com um olhar zonzo.
Ele continuou descendo seus beijos por minha barriga enquanto terminava de abrir a blusa, e deslizava suas mãos pelo formato de minha cintura, até seus dedos atingirem o cós de minha calça. abriu o botão e o zíper sem que eu sequer percebesse, distraindo-me com seus lábios, e desceu a peça de roupa por minhas coxas até tirá-la. Como se tivéssemos todo o tempo do mundo para nós dois, ele acariciou minhas pernas desde os tornozelos até a virilha, beijando algumas regiões e arrepiando-me cada vez mais com seus lábios quentes. Seus olhos, tão brilhantes como jóias, me observavam inundados em interesse, indecisos sobre qual parte de meu corpo era a mais merecedora de sua atenção.
– Você se arrepia com muita facilidade – soprou, erguendo seus olhos corrompidos até mim, e pude sentir meu rosto corar ao saber que ele havia percebido o que causava em mim.
- Eu sou sensível demais a certos estímulos – expliquei, completamente envergonhada, porém sem conseguir evitar mais arrepios quando ele me deu mais um beijo.
- Eu gosto disso – ele murmurou, com a voz rouca, fazendo com que seu hálito quente batesse em minha pele e me arrepiasse ainda mais – Suas sensibilidades são suas melhores armas contra mim.
- E você expõe até demais minhas sensibilidades – ofeguei, fechando meus olhos para que ele não os visse revirar de excitação enquanto continuava me beijando – Seu efeito sobre mim chega a ser vergonhoso.
- Ah, é? – ele perguntou, não para confirmar, mas sim para me instigar, subindo seus beijos de minhas coxas para minha barriga – Eu também gosto muito de uma coisa que você faz.
- E o que seria essa coisa? – perguntei, demorando-me entre as palavras para conseguir encontrar fôlego, e só voltei a abrir meus olhos quando senti seu rosto muito próximo do meu.
- Eu adoro quando você fala no meu ouvido – ele sussurrou, aproximando seus lábios dos meus e roçando-os, ainda sorrindo sedutoramente – Principalmente naquelas horas.
- É mesmo? – sorri, com o olhar trêmulo de prazer, embrenhando minhas mãos em seus cabelos lentamente e levando minha boca até seu ouvido – E o que você gosta de ouvir?
respirou fundo, e dessa vez, quem se arrepiou foi ele. Meu sorriso aumentou ao perceber que ele me puxou para mais perto, com a respiração um pouco mais rude que o natural, e respondeu:
- O que você tiver para me dizer.
Fechei os olhos por um momento, sentindo o ar me faltar também, e apertei mais meus braços ao redor de seu pescoço. Inúmeras palavras disputavam espaço em minha mente, pedindo para que eu as dissesse, mas precisei de alguns segundos para escolher as mais apropriadas e também para recuperar o fôlego.
- Você foi o erro mais certo que eu já cometi – sussurrei ao pé de seu ouvido, deslizando a ponta de meu nariz em seu lóbulo e mordendo-o logo em seguida – Meu pecado favorito.
- Você não faz idéia do que acontece comigo quando eu ouço a sua voz assim... Cheia de más intenções – ele murmurou, com a voz falha, usando e abusando de seu peso para me mostrar o quão excitado estava – Se você soubesse as perversões que eu já imaginei...
- Pra que imaginá-las... Se você pode fazê-las? – soprei em seu ouvido, sentindo-o apertar minha cintura com força e tentar afundar suas unhas em minha pele novamente – Eu estou aqui agora, e sou sua. Faça o que quiser comigo.
- Você não pode ser real – grunhiu, rindo maliciosamente contra a pele de meu pescoço, e sua voz bruta me fez fechar os olhos mais uma vez, aumentando ainda mais minha excitação – Eu devo estar maluco.
- Só existe um jeito de descobrir – provoquei-o, mordendo seu lóbulo mais uma vez, com um pouco mais de força – Vamos lá, ... Me mostre do que você é capaz.
Ao ouvir minha voz repetir as mesmas palavras que eu o havia dito quando passamos uma noite na Ferrari, afastou seu rosto do meu, encarando-me com os olhos ardendo de tesão. Sua boca buscou a minha com desespero, e seu corpo fez ainda mais pressão contra o meu, permitindo-me sentir exatamente a intensidade de sua ereção. Sua língua quase atingia minha garganta, movendo-se precisamente e fazendo-me gemer baixinho quando ele segurou meu rosto e intensificou ainda mais suas carícias. Apertei meu abraço em seu pescoço e cruzei minhas pernas ao redor de seus quadris, sentindo-o rígido em minha intimidade e arrancando um gemido dele. Sua outra mão direcionou-se aos meus glúteos, puxando-me para mais perto e aumentando a proximidade de nossas pélvis.
Cravei minhas unhas em suas costas, puxando o tecido da blusa, e logo ele a tirou, lutando às cegas para tirar os braços dos buracos e só separando nossos lábios para retirar a peça pela cabeça. Seu tronco quente e definido me fez gemer mais uma vez ao encontrar minha pele, e eu rapidamente deslizei minhas mãos por suas costas, atingindo sua bunda por dentro da calça e apertando-a com vontade. As mãos de agora se ocupavam em apalpar meus seios, já livres do sutiã graças ao fecho frontal, do qual ele se livrou com destreza. Ele os apertava com força, fazendo movimentos circulares com os polegares em meus mamilos rígidos, enquanto eu me dirigia ao zíper de sua calça, sendo um tanto atrapalhada por seu membro extremamente ereto.
- Eu quero ver você de quatro – ele ofegou, partindo o beijo por dois segundos para falar, quase fazendo meu coração parar com seu pedido (ou pelo se tom de voz, eu deveria dizer ordem?) – Gritando enquanto eu te levo ao paraíso.
Fiquei sem reação diante de sua confissão, pega totalmente desprevenida e sem ar. parecia tão fora de si que mal notou minha surpresa, e voltou a me beijar, fazendo-me lembrar do quão certo tudo parecia quando seus lábios estavam nos meus. Após alguns segundos imóvel, tentando retomar a calma diante de seu pedido, minhas mãos voltaram a insistir no botão de sua calça, finalmente abrindo-o e, ao mesmo tempo, dando um estalo em minha mente.
Eu já havia feito com ele coisas que jamais pensei em fazer com outro homem antes, e nunca havia me dado um motivo sequer para não confiar nele. Já havíamos corrido tantos riscos em locais tão absurdos e eu nunca tive um motivo sequer para me arrepender... Por que não?
- Só se você for para lá comigo – sorri, finalmente decidida a aceitar sua proposta, acariciando sua ereção pulsante por sobre o tecido da boxer – Sem você não tem a menor graça.
- Eu já estarei te esperando – ele arfou, revirando os olhos e fechando-os logo em seguida, soltando todo o ar que havia inspirado diante de meu toque e sorrindo de um jeito torturado – Não acho que vou demorar muito a chegar lá.
- Se depender de mim, não mesmo – provoquei-o, puxando sua calça para baixo com um pouco de dificuldade, até que ele me ajudou a atirá-la ao chão. me lançou um último olhar cúmplice antes de retomarmos nosso beijo, movendo nossas línguas como se fôssemos amantes há anos.
As mãos de foram descendo por meu corpo até encontrarem a barra de minha calcinha, e sem se deixar intimidar, uma delas colocou-se sob o tecido, buscando minha intimidade com seus dedos. A rapidez de suas ações foi tamanha que eu apenas tive tempo de gemer alto contra seus lábios e envergar minhas costas para cima quando dois de seus dedos me penetraram, sem sequer aviso prévio, provocando-me uma onda exorbitante de prazer. Seus dedos, frios em relação ao meu sexo quente, moviam-se com experiência, já sabendo exatamente o que fazer para me enlouquecer. Seus movimentos eram tão rápidos e precisos, num vai e vem delirante, acompanhados de seu polegar, que fazia movimentos circulares sobre meu ponto de prazer, que eu mal conseguia corresponder ao beijo. Percebendo meu nível de excitação e soltando um riso satisfeito, dirigiu seus lábios macios ao meu ouvido, sussurrando insanidades e respirando ruidosamente.
Sem demora, atingi o orgasmo, numa explosão de prazer e dormência. Um gemido que mais pareceu um grito escapou por entre meus lábios, ao mesmo tempo em que um calafrio intenso percorreu minha espinha e relaxou todos os meus músculos conforme desceu. Puxei o ar com vigor, implorando por oxigênio, sentindo-o beijar caprichosamente meu pescoço.
- Como foi sua primeira viagem ao paraíso, ? – ele sussurrava, conforme ia chupando e mordiscando minha pele, mal me permitindo recuperar o fôlego – Espero que não tão boa quanto as próximas serão.
Não consegui dizer nada, apenas o deixei explorar meu corpo com seus lábios habilidosos e gentis. Fechei os olhos ao senti-lo dar uma breve atenção aos meus seios, e conforme ele descia até minha intimidade novamente, seus dedos tiravam minha calcinha. Mordi meu lábio inferior quando posicionou minhas pernas de modo que pudesse me beijar exatamente onde desejava, e antes que eu pudesse me recuperar por completo de meu primeiro orgasmo, sua língua começou a trabalhar para que eu atingisse o segundo, tocando-me com delicadeza.
Soltei um grunhido alto ao senti-lo estimular minha intimidade novamente, distribuindo seus movimentos com exatidão e mais uma vez demonstrando sua exímia habilidade. Um prazer que eu jamais havia sentido antes começava a se acumular em cada centímetro de meu corpo, retesando meus músculos e intensificando as batidas de meu coração. Cada batimento ecoava como um trovão em meus ouvidos, tão fortes e acelerados que por um momento, eu pensei que fosse enfartar.
Levei uma de minhas mãos até a cabeça de , embrenhando meus dedos em seus cabelos umedecidos de suor e apertando-os com força. Suas mãos apertavam minhas coxas com desejo, e sua testa mantinha-se franzida, denunciando sua excitação. Sílabas totalmente desconexas escapavam por entre meus lábios, minha boca estava seca, os olhos fortemente fechados, revirando seguidas vezes, o coração acelerado, um calor que eu desconhecia preenchendo cada parte de mim, a respiração ficando cada vez mais superficial, os músculos retesados... Tudo em meu corpo parecia acontecer conforme ele me provocava, ora mais rápido, ora mais devagar. Minha voz preenchia o silêncio do quarto num volume quase vergonhoso de tão alto, abafando com facilidade a respiração extremamente pesada dele, que devia estar se segurando muito para não chegar ao seu clímax.
Num segundo, meus pulmões se expandiram violentamente, permitindo que uma grande quantidade de ar entrasse e um grito fosse abafado, denunciando minha chegada ao ponto máximo de prazer. Senti meu corpo estremecer levemente, e uma onda muito forte de adrenalina impulsionar meus batimentos cardíacos, triplicando sua velocidade. Relaxei completamente sobre a cama, exausta e suada, sentindo minhas extremidades formigarem e reduzir suas carícias gradativamente, até afastar-se de mim e me olhar fundo nos olhos com um sorriso satisfeito.
- Confesso... Até eu fiquei sem ar – ele riu baixo, num tom sedutor, ofegante e com o rosto corado. Seus olhos faiscavam, fixos nos meus, e mesmo sem conseguir respirar direito, lutei contra o grande turbilhão em minha mente e o respondi:
- Isso... Não vai ficar assim.
O sorriso em seus lábios entreabertos aumentou, e tomada por um intenso e desconhecido desejo que parecia me consumir por completo, ergui meu corpo até o dele, agarrando seus cabelos e beijando-o sem a menor delicadeza. espalmou as mãos em minhas costas, friccionando suas palmas para baixo até atingir meus quadris e apertando-os com força. Desci minhas mãos por seus ombros e braços, fazendo o caminho inverso e segurando seu rosto firmemente, pouco me importando com meu fôlego prejudicado. Pequenos gemidos escapavam de nossas gargantas, sinal claro de que ambos havíamos extrapolado os limites de nosso autocontrole e já não conseguíamos mais controlar nossas reações, o que só nos excitava ainda mais.
Nosso beijo não durou muito; minhas mãos logo encontraram o caminho até o elástico de sua boxer, e sem hesitar, arrastaram a peça para baixo, deixando-o completamente nu. Envolvi sua ereção com meus dedos, apertando-a de leve e ouvindo-o grunhir em resposta. Prendendo um sorriso, comecei a masturbá-lo rapidamente, sem parar de beijá-lo, e seus gemidos tornaram-se ainda mais freqüentes, assim como a força de suas mãos em meus quadris intensificou-se. Eu não sabia até quando ele agüentaria, pois seu corpo estava extremamente tenso e alguns de seus músculos sofriam espasmos involuntários, o que denunciava seu estágio bastante avançado de excitação, mas não me intimidei. Ele já havia me dado mais do que sequer imaginei em tão pouco tempo, e eu não me permitiria decepcioná-lo.
Alguns minutos de provocação se passaram, nos quais ele se esforçava cada vez mais para resistir, porém seu limite não tardou a chegar. Num movimento brusco, lançou-me contra o colchão, com a respiração absurdamente bruta e o rosto contorcido em desespero, e voltou a segurar meus quadris, erguendo-os um pouco. Não tive tempo sequer de assimilar o que havia acontecido; no instante seguinte, ele já estava inteiro dentro de mim, e um gemido alto escapava de ambos, esgotando qualquer reserva de oxigênio em nossos pulmões. Sem pensar duas vezes, ele continuou investindo com violência, atingindo fundo em meu interior com toda a sua capacidade e jogando a cabeça para trás, com uma expressão alucinada. Fechei fortemente os olhos, sentindo prazer misturado a uma certa dor por sua movimentação forte e agarrando os lençóis, numa tentativa falha de me controlar.
pronunciava palavras ininteligíveis conforme mantinha seu ritmo, porém um lampejo de consciência pareceu iluminar sua mente por um breve segundo, o suficiente para lembrá-lo do que havia me proposto anteriormente. Abri meus olhos por um momento ao senti-lo diminuir sua velocidade até retirar-se por completo, e recebi um olhar intenso em resposta.
- Se algo te incomodar, deixe-me saber imediatamente – ele murmurou com a voz fraca, e eu estava tão tonta com tudo aquilo que demorei a entender o motivo de suas mãos estarem envolvendo meus braços. Somente quando ele me virou na cama e ajeitou-me na posição certa, foi que compreendi o que ele estava fazendo. Guardando minha insegurança só para mim, mordi meu lábio inferior com força e afundei meu rosto no travesseiro. Eu confiava nele, porque eu parecia estar me esquecendo disso?
segurou firme em meus quadris, e aos poucos foi colocando-se novamente dentro de mim, permitindo-me sentir as novas sensações que causava. À medida que ele avançou, meus dedos se fecharam, agarrando o travesseiro, e o pouco ar que eu havia inspirado abandonou meus pulmões novamente. Fui pega de surpresa pela intensidade do prazer que senti, devido às diferentes áreas de contato estimuladas, e custei a assimilar sua pergunta, ainda mais pelo grau de engano que suas palavras continham:
- Machuquei você?
- Se isso é me machucar... – ofeguei, com a voz extasiada – Não quero nem imaginar quando você quiser me fazer carinho.
- Eu sabia que você ia gostar – arfou, e pelo seu tom, pude ver exatamente o sorriso satisfeito que brincava em seus lábios, e que inevitavelmente surgiu nos meus.
Apesar de minha reação positiva, ele foi aumentando gradativamente sua velocidade, para certificar-se de que nada daria errado. Quando já havíamos retomado nosso ritmo acelerado, foi impossível conter meus gemidos; fechei os olhos, sem conseguir mantê-los abertos, e mesmo mordendo o travesseiro, grunhidos altos escapavam de minha boca, assim como da dele. Suas mãos quentes moviam-me conforme ele se movimentava, numa sincronia perfeita e maravilhosa, e por vezes ele envolvia minha cintura com um de seus braços, trazendo meu tronco para perto do dele e fazendo com que sua respiração batesse em meu ouvido. Se enlouquecer de prazer fosse possível, sem dúvida alguma ele teria me convertido numa louca naquele momento.
- Diz pra mim – ele sussurrou perto de minha orelha, provocante – Você sabe o que eu quero ouvir.
Ergui um de meus braços até encontrar seus cabelos com minhas mãos, e os acariciei de leve, sem conseguir controlar direito meus movimentos. As palavras pareciam atropelar-se em minha garganta, tropeçando uma nas outras, até que simplesmente irromperam de minha boca, num sussurrou quase inaudível.
- Eu amo você.
- Mais uma vez – pediu, investindo mais forte e fazendo-me gemer alto – Repete.
- Eu amo você! – falei, dessa vez conseguindo me fazer ouvir, e senti seu hálito quente atingir minha pele, denunciando seu riso baixo – Eu amo você, eu amo você, eu amo você...
- Eu também te amo... – ele soprou, acariciando meus quadris com seus polegares – Minha menina.
Senti um arrepio frio feito gelo descer muito rápido por minha espinha, e com uma última e profunda investida dele, ambos atingimos o orgasmo, deixando-nos cair pesadamente sobre a cama. Meu coração manteve-se a mil, contrastando absurdamente com o resto de meu corpo, completamente entorpecido e imóvel sobre os lençóis. Nem se mexeu, deitado ao meu lado com a respiração ruidosa. Por longos segundos, tudo que se ouvia entre nós era o ar entrando e saindo rapidamente de nossos pulmões e os corações batendo freneticamente, lutando para absorver toda a carga de sensações obtidas. Minhas pálpebras pesaram sobre meus olhos, fechando-os lentamente, e quando já havíamos nos recuperado o suficiente para dar sinais de vida, senti os dedos de dedilharem minha cintura num movimento suave. Seu corpo grudou-se ao meu, e sua boca buscou meu pescoço, distribuindo selinhos delicados e breves.
- Minha menina – ele repetiu baixinho contra minha pele, arrepiando-me e fazendo-me sorrir de leve. A sensação de ser dele soava muito bem aos meus ouvidos, por mais que eu não o fosse oficialmente. Meu coração gostava até demais dessa hipótese, e minha mente estava dopada demais para lutar contra.
- Eu disse... – suspirei, levando minha mão cegamente até seu rosto e acariciando-o devagar – Não acredito que você me fez dizer.
- Sim, você disse – confirmou, mais para si mesmo do que para mim, rindo baixinho – Você finalmente disse o que eu queria ouvir.
- Eu amo você – sussurrei novamente, abrindo lentamente meus olhos e meu sorriso – Muito, muito.
- Pode repetir quantas vezes quiser – ele sorriu, virando-me em sua direção pela cintura – Se quiser eu repito também: eu te amo!
- Eu te amo! – repeti, rindo e vendo-o rir junto – Muito!
- Não acredito nisso, sabia? – ele falou, puxando-me ainda mais para si e selando nossos lábios rapidamente – Acho que a ficha ainda vai demorar um pouco pra cair.
- Pois acredite – murmurei, dando-lhe um selinho e um beijinho de esquimó logo em seguida – Nem eu acreditei da primeira vez... Mas agora eu tenho certeza.
não disse nada, apenas devolveu meu olhar com uma alegria que eu nunca havia visto antes. Ali, em seus braços, eu sentia como se absolutamente nada pudesse destruir aquela felicidade que ele me transmitia.
- Você tem certeza? – ele repetiu, fazendo um carinho bom em minhas costas, e eu assenti sem hesitar – Ah, é, eu tinha me esquecido... Você me ama!
- É claro que eu te amo! – eu ri, abraçando-o pelo pescoço e trazendo-o para perto – Não é pra esquecer isso.
- Eu não vou esquecer, prometo – murmurou, apertando minha cintura em seu abraço e beijando meu ombro – Nem vou deixar você esquecer.
Meu largo sorriso se retraiu com aquelas palavras. Foi impossível não pensar em , e na leve brasa que ainda queimava em meu coração ao me recordar dele. Nada que chegasse perto das labaredas tão altas e fortes que acendera em meu peito.
- Eu não posso me esquecer – soprei tristemente, com o olhar distante – Afinal... Eu ainda tenho uma decisão a tomar.
afastou nossos corpos lentamente para poder me olhar, e em suas íris ternas, eu encontrei forças para sorrir, mesmo que fracamente. Não queria que ele ficasse triste também; eu o havia deixado tão feliz ao dizer que o amava... Me parecia um erro irreparável tirar aquela alegria dele tão bruscamente.
- Não vamos pensar nisso agora, por favor – ele retribuiu meu sorriso ainda mais fracamente, e eu pude ver o brilho ameaçar sumir de seus olhos – Vamos descansar um pouco, pode ser?
- Desculpe – sussurrei, me sentindo uma ridícula por ter externado minhas preocupações – Vou ficar quietinha, prometo.
- Não quero que você fique quieta – ele murmurou com a expressão calma, acariciando minha cintura com o polegar – Não quero que você fique sofrendo calada. O que eu quero é que você esvazie sua mente de todas as suas preocupações... Você está comigo, não precisa ter medo de nada.
Um sorriso tímido e sincero surgiu em meu rosto conforme eu fazia um carinho preguiçoso em sua orelha.
- O mais curioso disso tudo... – falei, encarando-o com cumplicidade – É que eu sei disso. Eu sinto que estou completamente segura com você. E sinceramente, eu não sei explicar por quê.
retribuiu meu sorriso, e me puxou para mais perto de si, fazendo com que as pontas de nossos narizes se tocassem.
- Talvez eu seja seu anjo da guarda – ele soprou, com um olhar nada angelical, o que me fez rir baixinho.
- Acho difícil – fui sincera, enrugando o nariz e alargando seu sorriso – No dia em que anjos forem como você, o paraíso vai ficar bem mais animado.
- , desse jeito nós vamos pro inferno! – ele riu, deslizando sua mão por minha região lombar – Acho melhor a gente mudar de assunto.
- Acho melhor ainda a gente se beijar – propus, manhosa e maliciosa, e o vi erguer uma sobrancelha, gostando da sugestão – Até a gente cansar e decidir fazer outra coisa. O que acha?
- Preciso mesmo responder? – sorriu, debruçando-se sobre mim – Só não espere que eu canse de te beijar, porque isso vai ser um tanto quanto impossível.
- Ótimo, somos dois – falei, com um sorriso brincando nos lábios – Agora chega de papo e me beija logo, .
- Mal educada – ele resmungou, prendendo um sorriso, e sem esperar mais, fez o que eu pedi.
E essa estava longe de ser a última vez em que nos beijamos naquele dia.

Capítulo 31



- O quê?
- É isso mesmo.
- O que exatamente eu perdi, alguém pode me explicar?
Starbucks, eu, , Ewan e uma verdade bombástica depois da aula de segunda-feira. Eu sabia que esse momento chegaria.
- É... Digamos que você esteve ausente durante algumas reviravoltas – respondi a Ewan, coçando a nuca meio sem jeito – Pensei que a já tinha te contado.
- Não, eu não estou sabendo de nada – ele negou, boquiaberto, e ambos olhamos para , cujo queixo sumia de vista sob a mesa e olhos me fitavam com infinito choque – Amor?
- Caralho, – ela xingou, após alguns segundos paralisada, e Ewan soltou um suspiro de alívio diante do sinal de vida dela – Puta que pariu!
- É, eu sei – respirei fundo, tomando um gole de meu cappuccino. Eu precisaria de muita cafeína para agüentar o tranco.
- Alguém pode me inteirar do assunto, por favor? – Ewan reclamou, totalmente confuso, e vendo que voltara a ficar imóvel, me manifestei.
- Como você já deve saber, eu e estamos namorando – comecei, vendo-o assentir – Acontece que há algum tempo, e eu acabamos nos envolvendo também, e as coisas aconteceram tão rápido entre nós que acabamos nos apaixonando. Eu sei que isso soa ridículo, mas não é, acredite. Pelo contrário, é a mais pura verdade. E... É tão verdadeiro que eu estou cogitando a possibilidade de terminar tudo com pra ficar com ele.
- O quê? repetiu, um pouco mais alto que antes, e eu fiz uma careta medrosa, enquanto Ewan segurava sua mão e a olhava com preocupação.
- Meu Deus do céu – ele disse, olhando-me com extremo espanto – Você deixa essas coisas acontecerem na sua vida justo quando eu não estou? Vou levar isso como uma ofensa!
- Não fale como se as coisas não acontecessem na minha vida quando você estava por perto também – resmunguei, vendo-o erguer as sobrancelhas, concordando – Não se esqueça que meu primeiro beijo foi no armário do quarto da sua avó com um garoto que eu mal conhecia, e você estava do outro lado da porta ouvindo tudo.
- Eu nunca vou me esquecer do Eric dizendo Não precisa usar os dentes, , sua língua já é o suficiente naquele tom tão assustado – ele suspirou, como se aquela fosse uma belíssima lembrança – Até hoje eu te imagino querendo morder o pobre garoto feito uma barracuda. Coitadinho, ele era um bom rapaz.
- Cala a boca, garoto que peidou e espirrou no meio da encenação de Hamlet – mostrei a língua, prendendo o riso e vendo-o retribuir meu gesto de carinho – Ser ou não ser, eis a questão foi seu trauma durante anos, e você nunca sabia se explicava a versão verdadeira ou se simplesmente deixava as pessoas pensarem que você tinha dúvidas quanto a sua orientação sexual quando te perguntavam por que você odiava tanto Shakespeare. As duas hipóteses lhe pareciam igualmente constrangedoras.
- Caralho, voltou a dizer, da mesma maneira de antes, e eu simplesmente a ignorei, assim como Ewan; éramos melhores amigos há eras, sabíamos muito bem que ela ainda repetiria as mesmas palavras por um tempo, até finalmente absorver a notícia – Puta que pariu!
- Você confia nele? – Ewan perguntou, voltando ao assunto e dando uma mordida em seu muffin de chocolate; eu assenti sem hesitar – Tem certeza de que ele te ama?
- Acho que nunca tive tanta certeza de alguma coisa quanto eu tenho disso – respondi, disfarçando um sorriso idiota – É tão nítido que chega a me assustar.
- Bom... Você sabe que eu também te amo – ele falou, após alguns segundos de reflexão, e eu deixei o sorriso idiota surgir – Não é novidade que eu vou achar defeitos em qualquer cara que se aproximar de você, e vou continuar sentindo ciúmes por ele ter conquistado a pessoa mais foda do universo... Mas enquanto você o achar digno o suficiente para merecer estar ao seu lado, eu vou dar a maior força.
- Awn, Ewan! – gemi, emocionada com suas palavras, e dei a volta na mesa, indo até ele e abraçando-o bem apertado – Eu é que tenho muita sorte de ter um amigo como você! - Isso, agora diz que eu sou gostoso – ele piscou, fazendo-me rir e beijar seu rosto.
- Gostoso, tesão! – falei, mandando-lhe um beijo sedutor e vendo-o passar a língua sensualmente pelos lábios.
- Eu posso estar em choque, mas ainda estou aqui – disse, virando o rosto lentamente para o namorado, que abandonou sua postura pornográfica na mesma hora – E estou ouvindo.
- Calma, amor – ele falou, como se estivesse conversando com uma criancinha – Quer que eu te seduza também?
- Mais tarde – ela cerrou os olhos, fazendo um beicinho falsamente triste surgir nos lábios de Ewan – Eu preciso resolver umas pendências agora, e não quero distrações.
- Tá bom, pode deixar, vou ficar bem quietinho – ele assentiu, feito um cachorrinho, recebendo um selinho de agradecimento da namorada e fazendo-me rir baixinho. suspirou e virou-se para mim, dando um belo gole em seu mokaccino e entrelaçando os próprios dedos sobre a mesa logo em seguida.
- Você sabe que eu fui a primeira pessoa a saber sobre você e o , e provavelmente a única até poucos minutos atrás – ela começou, olhando-me com seriedade, porém sem parecer furiosa ou ameaçadora – Eu sou a pessoa que te conhece talvez até melhor que a sua mãe, e quase sempre até melhor que você mesma. E eu nunca, nunca, nem quando te disse que já sabia que você sempre se envolvia com os caras errados, imaginei te ouvir dizendo isso.
- Nem eu, , acredite – falei, apreensiva – Você sabe muito bem o quanto eu o odiava.
- Foi exatamente por saber disso que eu me assustei – ela assentiu, compreensiva – E... Bem, não há muito que eu possa dizer. O Ewan já disse tudo. Eu só quero que você pense muito bem antes de escolher um dos dois... Você pode se arrepender muito se tomar a decisão errada, e eu não quero que você sofra.
- Ela tem razão, – Ewan concordou, sério – Não aja por impulso, é a pior coisa que você pode fazer.
- Já faz quase um mês que eu comecei a me envolver com – suspirei, buscando qualquer tipo de falha em minha linha de raciocínio – E desde a primeira vez em que o beijei, esse pensamento assombra a minha mente. No começo foi puro impulso, eu confesso... Mas agora... É muito mais intenso. É tão forte que eu já não consigo mais pensar em da mesma forma. Eu continuo vendo-o como a pessoa maravilhosa que ele é, mas já não sinto todo aquele amor que sentia antes... É quase como se eu o quisesse como um amigo.
Ewan e suspiraram ao mesmo tempo, inseguros quanto à minha atmosfera de certeza, e entreolharam-se, finalmente rendendo-se diante de minha convicção.
- Você sabe que pode contar com a gente, não sabe? – sorriu fraco, ainda um pouco temerosa por minha decisão – Nós só queremos o seu bem, e se você acha que ele te fará feliz... O que nós podemos fazer a não ser te apoiar?
- Ele já me faz feliz, – murmurei com um sorriso carinhoso, segurando sua mão por sobre a mesa – Mas não se preocupe, eu ainda vou pensar com bastante cuidado antes de tomar qualquer atitude. Obrigada por se preocuparem comigo, vocês são demais.
- Faça o que o seu coração manda – Ewan disse, unindo sua mão às nossas, e logo em seguida fez uma careta – Meu Deus, como sou gay de vez em quando.
- Você que não ouse virar gay – resmungou, prendendo o riso e olhando-o ameaçadoramente – Corto seu brinquedinho fora e te faço ser passivo pro resto da vida.
- Ah, até que deve ser legal dar, né? – ele pensou alto, com um sorrisinho esperançoso no rosto e o olhar vago – Como deve ser a sensação?
- Cala a boca, Ewan! – eu e exclamamos, incomodadas com a imagem que surgiu em nossas mentes, e ele caiu na gargalhada, assim como nós duas. Logo uma mini guerra de muffins começou, o que nos rendeu olhares de censura das outras pessoas presentes, porém nada com o qual já não estivéssemos acostumados.
Alguma dúvida de que eu tinha os melhores amigos do mundo?

- Acho tão sexy te ver tirando essas luvas, sabia?
Cruzei minhas pernas sobre o banco do laboratório vazio de biologia no qual estava sentada, observando se desfazer de suas luvas plásticas distraidamente. Um sorriso esguio surgiu em seus lábios sedutores, e seus olhos logo se ergueram de suas mãos para minhas íris luxuriosas.
- Seria ainda mais sexy te ver tirando essas luvas pra mim – ele provocou, fazendo-me erguer uma sobrancelha em tom de desafio – Com os dentes.
- Meu hálito de tripa de lula seria tão excitante depois de um fetiche desses! – ironizei, vendo-o gargalhar diante de minha observação inteligente – Mas se forem luvas limpas, eu topo.
- Vou trazer luvas extras de hoje em diante – ele riu, balançando negativamente a cabeça enquanto se dirigia ao cesto de lixo para jogar as luvas fora e logo em seguida tirando o jaleco.
- Ei, eu queria fazer isso! – briguei, fazendo biquinho ao vê-lo colocar a peça branca sobre sua mesa – Põe de novo!
- Você não se cansa de tirar meu jaleco não? – ele perguntou, com um sorriso intrigado enquanto voltava a vestir seu avental – Qual é a graça disso?
- E qual é a graça disso? – rebati, ficando de pé e indicando meu corpo com minhas mãos – Juro que não te entendo.
- Eu vejo muita graça nisso, se você quer saber – murmurou, observando-me de cima a baixo de um jeito nada discreto e fixando seus olhos extremamente nos meus ao terminar sua análise – Ainda mais quando você fica toda arrepiada com os meus olhares que nem agora.
Senti meu rosto esquentar e corar depressa, e fechei os olhos ao ser desmascarada. Como ele sabia que tinha conseguido me arrepiar?
- Agora eu fiquei sem graça – suspirei, cruzando os braços e encarando meus tênis com um biquinho birrento – Odeio você.
- Me odeia tanto que tá toda vermelha – ele sorriu, esperto, indo até mim e erguendo meu rosto com o indicador em meu queixo – Essa vergonha toda some assim que eu tirar essa sua roupa, aposto. Assim como a minha sanidade, é claro.
- ! – o repreendi, vendo cerrar os olhos de um jeito provocante – Só você enxerga essa deusa do sexo que eu supostamente sou. Isso é problema mental, sabia?
- Você diz isso porque nunca viu quantos caras ficam secando seu pescoço quando seu cabelo tá preso na aula – ele resmungou, adotando uma expressão um tanto ranzinza apesar do bom humor ainda presente e postando suas mãos em meus quadris – Parecem um bando de vampiros sedentos, juro. Morro de vontade de enfiar bisturis nos olhos de todos eles, e isso inclui o terceiro olho também.
- Cala a boca, – revirei os olhos, descrente – Isso tudo é fruto da sua imaginação, tenho certeza.
- Ah, tá – ele assentiu, sarcástico, e aproximou seus lábios de meu pescoço, depositando um selinho gostoso no local – E deixar umas boas marcas aqui também é fruto da imaginação deles, posso te garantir.
- Você fala como se algum dia eles fossem realmente conseguir isso – sorri, envolvendo seu pescoço com meus braços e sentindo-o abraçar minha cintura e sentar-me sobre o balcão – Como se algum dia eles fossem capazes de desbancar você.
- Não estou convencido – ele murmurou, dando uma leve mordidinha em meu pescoço e fazendo-me encolher o corpo de leve – Na verdade, nunca vou estar.
- Além de possessivo, você é ciumento? – perguntei, já um pouco bêbada em meio a todo aquele perfume masculino que emanava de sua pele – O que mais eu preciso descobrir sobre você?
- Que eu não meço esforços para defender minhas prioridades – sorriu, fazendo com que seu hálito quente batesse em minha pele e acelerasse meus batimentos cardíacos – Ou seja, é melhor mesmo que eles fiquem bem longe de você.
- Se eu não gostasse tanto de te ver nu, acho que seria capaz de dispensar atividades físicas entre nós só pra te ouvir falar mais dessas coisas no meu ouvido – suspirei, completamente mole em seus braços, e apertei meus dedos em seus cabelos.
- A gente podia experimentar isso qualquer dia desses – ele disse, afastando seu rosto de meu pescoço e olhando-me bem de perto – Tipo um teste de nervos, pra ver quem agüenta mais tempo.
- Acho que eu perderia de primeira – confessei, sem fôlego. Eu não me importava em deixar meu orgulho de lado em certos assuntos quando estava com ele.
- Você que pensa – ergueu uma sobrancelha, com um sorriso divertido – Meu autocontrole fica um pouco frágil com a sua boca perto do meu ouvido, você sabe disso.
- Que tal você parar de usar esse tom de voz e me beijar de uma vez? – pedi, com a visão um pouco turva apenas por ouvir suas palavras e o timbre sedutor com o qual ele as pronunciava – A não ser que você esteja disposto a me segurar caso eu desmaie.
- Você inconsciente de novo não, por favor – ele riu, e eu logo me lembrei de quando apaguei em seu carro após a festa de Kelly – Me lembrar daquela noite é torturante demais.
- Bom, eu não me lembro daquela noite, e prefiro não pensar nisso – balancei negativamente a cabeça, erguendo as sobrancelhas temerosamente – Ficar desacordada não é algo que me agrade, ainda mais com você por perto.
- Eu não fiz nada naquela noite, a não ser ficar preocupado com você – resmungou, com um tom sério e manhoso ao mesmo tempo. Aquele assunto parecia ferir sua moral, e não era difícil compreender por quê.
- Eu sei, eu sei – sorri, apertando suas bochechas e vendo-o fechar a cara – Mas da próxima vez é pra fazer!
jogou a cabeça pra trás, rindo de meu pedido absurdo, e ri junto, até que ele, ainda sorrindo, uniu seus lábios aos meus, iniciando um beijo carinhoso e intenso. Ri baixinho quando ele apertou meus glúteos e me puxou para mais perto de si, e dei uma mordidinha em seu lábio inferior, ouvindo sua respiração tornar-se gradativamente pesada conforme o beijo e as carícias se aprofundavam.
Até que uma batida na porta trancada do laboratório nos interrompeu.
Ambos arregalamos os olhos ao ouvir o som, e levamos alguns segundos para conseguir pensar no que fazer. Quem era o idiota que estava querendo entrar no laboratório vinte minutos após o término das aulas da manhã? Ninguém nunca ia até ali àquele horário.
- Se esconde – li seus lábios pedirem, e pus-me de pé num segundo, sentindo meu corpo inteiro tremer de medo. Corri até a bancada mais distante da porta e me escondi atrás dela, sentada no chão e abraçada às minhas pernas. Meu coração estava a mil dentro do peito, e eu tentava normalizar minha respiração ofegante à medida que ouvia os passos de distanciarem-se até chegarem à porta. Se alguém me visse ali, nós dois estaríamos muito ferrados. Como explicar minha presença no laboratório, trancada com ?
- ? – ouvi a voz de dizer, um tanto trêmula, e foi então que meu coração parou.
.
Minha pressão baixou instantaneamente assim que ouvi pronunciar seu nome, e foi ainda mais difícil não desmaiar ao ouvir sua voz ecoar pelas paredes.
- Cara, ainda bem que você não foi embora! – suspirou, com desespero e alívio na voz, e pude ouvir seus passos adentrando o laboratório – Eu preciso muito da sua ajuda.
- O que aconteceu? – perguntou, já com um pouco mais de firmeza. Diferentemente de mim, que mal conseguia respirar, tamanho era o meu nervosismo.
- Eu estou numa encrenca enorme – disse, e eu apenas me mantive imóvel, ouvindo-o com toda a minha atenção – A Jenny quer vir morar comigo!
Deixei meus olhos fixos no pé de um dos bancos próximos a mim, sentindo uma pontada forte em meu peito.
Quem era Jenny?
- A Jenny? – repetiu, surpreso – Como assim, morar com você? Ela não estava trabalhando em Essex?
- Estava, mas eu fui visitá-la esse final de semana e ela disse que não agüenta mais viver sozinha naquela maldita cidade, que sente minha falta e todas essas idiotices de mulher – bufou, parecendo muito irritado, e surrealmente diferente do que eu conhecia – Ou seja, eu estou completamente ferrado, porque se ela vier morar comigo, provavelmente vou ter que casar! Quer dizer, enrolar uma mulher por três anos com um noivado à distância não é nada bom quando o pai dela é um militar aposentado que tem quase uma ogiva nuclear no quintal de casa! E se eu me casar com a Jenny, como vou fazer pra ficar com a ? Pior ainda, como vou esconder meu casamento dela?
Alguns segundos de silêncio se seguiram às palavras de , porém eu não consegui mais ouvir quando a voz de surgiu. Suas palavras eram apenas sussurros, ruídos em meus tímpanos, absurdamente distantes de mim. A voz de , tão incomum à postura que ele costumava ter, ainda gritava em minha cabeça, fazendo tudo girar ao meu redor e o chão sumir sob meu corpo.
.
Jenny.
Casar.
Noivado.

De repente, eu só conhecia essas quatro palavras. Num piscar de olhos, eu só sabia pensar nessas quatro simples, e ao mesmo tempo, tão complexas palavras. Num segundo, meu vocabulário se resumiu a meras quatro palavras, que mudariam minha vida por completo. Alguns segundos de pane se passaram, sem que eu conseguisse mover um músculo ou pensar em qualquer outra coisa a não ser naquelas quatro palavras. E quando elas finalmente começaram a fazer sentido, foi como se tivessem golpeado fatalmente meu coração com uma estaca.
tinha uma noiva.
tinha uma noiva chamada Jenny.
tinha uma noiva chamada Jenny e provavelmente se casaria com ela.
tinha uma noiva chamada Jenny e provavelmente se casaria com ela sem nem ao menos me contar.
Quem era afinal? Que tipo de monstro ele era? Ele realmente me amava como fazia parecer?
Meu Deus do céu... A quem eu havia confiado meu coração durante todo aquele tempo?
Lágrimas embaçaram minha visão por completo em questão de segundos quando me vi diante de todas aquelas afirmações e dúvidas. Levei as mãos à boca para abafar um grito de horror que parecia ter entalado no enorme nó de minha garganta, e sem que eu sequer notasse, meu rosto foi lavado pelo oceano salgado que escapava por meus olhos. Grossas e pesadas gotas de minha dor líquida misturavam-se silenciosamente ao fluxo de água que já corria por minhas bochechas, enquanto eu aos poucos compreendia o que havia acabado de descobrir.
Enquanto eu o considerava minha prioridade... Para , eu sempre fui e sempre seria a outra.
- Desculpa ter aparecido assim do nada, mas é que eu realmente tô desesperado – a voz de voltou a falar, após o que me pareceram longos minutos de silêncio, mas que na verdade só haviam sido mudos em minha percepção – A gente se fala mais amanhã, e por favor, pensa em alguma coisa que possa me ajudar, eu imploro!
- Pode deixar, cara, e vê se fica calmo – disse num tom convincentemente tranqüilo, provavelmente após uma boa desculpa para dispensar o amigo – Amanhã eu falo contigo.
Os passos de ficaram cada vez mais distantes, até que a porta se fechou e eu ouvi a chave girar na fechadura. Meus olhos encharcados ainda mantinham-se fixos no mesmo banco, arregalados e vazios, e as lágrimas ainda escorriam por eles sem controle, quando preencheu o espaço antes vazio de minha visão periférica. Mesmo sem olhá-lo, pude perceber seu susto e hesitação ao me ver naquele estado de choque, e sua voz não demorou a me chamar num tom preocupado.
- ?
Levei alguns segundos para conseguir reagir, e quando finalmente o torpor parecia estar se esvaindo lentamente de meu corpo, fui capaz de desviar meu olhar estarrecido até o dele. E bastou que os olhos de entrassem em foco para que eu simplesmente desabasse.
- , o que aconteceu? – ele perguntou, assustado, chegando até mim em passos largos e agachando-se à minha frente. Ele tomou minhas mãos fracas nas suas, enquanto eu apenas deixava o choro escapar por meus olhos e os soluços que eu até então prendia fugirem por minha garganta. A dor era tão intensa e se alastrava tão rapidamente por meu corpo que este se contraiu por inteiro, tentando lutar contra aquele sentimento pavoroso que o dominava. Senti os braços de me envolverem, puxando-me para mais perto de si, porém eu não fui capaz de retribuir seu abraço; sua voz sussurrava palavras que soaram ininteligíveis aos meus ouvidos, e eu simplesmente não conseguia encontrar minha voz para respondê-lo. Por um tempo que fui incapaz de calcular, permaneci inerte, sem sequer me preocupar com fatores básicos como respirar. As lágrimas continuavam a cair, mas todo o resto parecia estar retesado, imobilizado.
- Por favor, me responde – pediu baixinho, aflito, e afastou-se de mim para poder examinar meu rosto lavado de lágrimas. Seus olhos demonstravam todo o pânico e dor que meu estado lhe transmitia, e a tortura neles doeu em mim.
- ... – murmurei apenas, agarrando seu jaleco, puxando-o para perto de mim novamente e afundando-me em seu abraço.
- Eu estou aqui, está tudo bem – ele sussurrou, apertando-me com força contra si – Ele já foi embora, não desconfiou de nada...
Um soluço dolorido escapou por entre meus lábios e meus olhos se fecharam fortemente à menção de , assim como meu corpo se encolheu subitamente. Obviamente, percebeu minha reação, e após alguns segundos em silêncio, finalmente deduziu o motivo de meu comportamento destruído.
- Você não sabia sobre a Jenny.
Senti o choro intensificar-se, e balancei negativamente minha cabeça sobre seu ombro. levou alguns segundos para voltar a falar, completamente desnorteado diante de sua descoberta.
- Meu Deus... – ele murmurou, chocado, e eu apertei ainda mais meus braços ao redor de seu pescoço, sentindo-o puxar-me para seu colo – Ele nunca te contou?
Repeti meu gesto com a cabeça, deixando que minhas lágrimas inundassem o tecido de seu jaleco, e novamente ficamos em silêncio por alguns segundos, sem saber o que falar.
- Por que você nunca me contou? – perguntei baixinho, reunindo o pouco de oxigênio que existia em meus pulmões, porém sem agressividade ou mágoa. Não era obrigação dele me dizer nada a respeito do noivado de .
- Eu sempre achei que ele tivesse te contado – ele respondeu, com a voz nitidamente desorientada – E que você tivesse aceitado ser sua amante.
Levei alguns segundos para me recuperar do emprego da palavra amante para me definir, e respirei fundo antes de continuar.
- Não... Ele nunca me disse nada.
- Me desculpa, – ele pediu, afastando-se novamente de mim para poder me olhar, e suas mãos seguraram gentilmente meu rosto, erguendo-o até o dele – Eu não sabia que ele estava te enganando desse jeito. Eu devia ter te contado, eu já devia saber que você não aceitaria uma condição dessas... Nossa, aquele filho da puta vai sofrer na minha mão, você vai ver, eu não vou deixar as coisas ficarem assim, mas não mesmo...
- Pelo amor de Deus, , você não vai fazer nada – o interrompi, assustada ao ver a fúria crescer nos olhos dele – Não vamos nos precipitar.
- Ele não pode sair ileso, , eu não vou permitir uma coisa dessas! – exclamou, franzindo a testa com a expressão nitidamente enraivecida – Olha o que ele fez com você! Ele mentiu desde o começo!
- Eu vou terminar tudo com ele amanhã mesmo – solucei, sentindo a surpresa lentamente ceder cada vez mais lugar à dor e à revolta dentro de mim – Você não vai precisar sujar suas mãos por minhas causa.
- Eu não sei se tenho todo esse sangue frio – ele respirou fundo, com os olhos coléricos disfarçados sob uma fina camada de autocontrole, e logo em seguida os fechou – Me dá nojo só de te imaginar perto dele outra vez.
- Ninguém quer mais distância dele do que eu, acredite – falei, cobrindo meu rosto com as mãos ao sentir o choro voltar a se intensificar – Mas eu não posso simplesmente fingir que ele não existe mais... Não sem antes desfazer nosso compromisso.
não disse nada por alguns segundos, apertando seu abraço em minha cintura e beijando a curva de meu pescoço. Fechei meus olhos com força, tentando conter minhas lágrimas, e pude ouvi-lo sussurrar determinadamente contra minha pele:
– Ele vai ter o que merece... Pode apostar.
- Eu quero ir pra casa – foi tudo que consegui murmurar, sentindo meu choro se intensificar novamente, e precisando apenas do meu quarto e de meu recanto de paz particular. Eu já estava sofrendo o suficiente, não queria fazê-lo sofrer comigo, muito menos desperdiçar seu tempo chorando em seu ombro.
- Eu te levo – ele se prontificou, levantando-se comigo em seu colo agilmente – Não vou te deixar ir a pé sozinha nesse estado.
- Não... As pessoas vão nos ver – soprei, com o rosto na curva de seu pescoço, já sentindo meu peito doer de tanto chorar.
- Foda-se – ele disse tremulamente, passando por sua mesa para pegar sua mochila, e num segundo estávamos a dois passos da porta do laboratório.
- Me põe no chão pelo menos – relutei, afastando meu rosto de seu pescoço com um fungado baixo – Eu estou bem, de verdade.
atendeu ao meu pedido após alguns segundos de ponderação, colocando-me de pé com cuidado, porém manteve suas mãos em meus cotovelos, apoiando-me caso eu tivesse uma tontura.
- É claro que você não está bem, tem certeza de que quer andar? – ele perguntou, escorregando uma de suas mãos até encontrar a minha, e eu assenti devagar – Podemos fingir que você torceu o tornozelo ou algo do tipo e eu te carrego até o carro.
Não consegui responder, sentindo seu amparo me reconfortar minimamente; se não estivesse tão destruída por dentro, o teria agradecido, porém tudo que consegui fazer foi negar sua proposta com um leve aceno de cabeça, fazendo uma lágrima escorrer pelo canto de meu olho. me olhou com profunda preocupação, e segurou gentilmente meu rosto com uma de suas mãos, levando seus lábios até a gota salgada e enxugando-a rapidamente. Não foi preciso dizer nada; eu sabia que ele estava comigo, e seus olhos já me diziam que ele me amava de uma maneira muito mais intensa e verdadeira que palavras seriam capazes de expressar.
Ele destrancou a porta do laboratório, entrelaçando nossos dedos e apertando-os com firmeza, e eu respirei fundo antes de sair, enxugando meu rosto com a mão livre e me concentrando para conter o fluxo de lágrimas por alguns minutos, o que me parecia absurdamente impossível. me deu passagem para sair primeiro, após uma breve olhada no corredor vazio, e eu, temendo desmontar sobre minhas pernas trêmulas, deixei o laboratório, olhando para meus próprios pés enquanto ele trancava a sala da qual havíamos acabado de sair. Conforme o barulho das chaves colidindo no molho ecoava pelo corredor, tive a impressão de que o ruído estava sendo acompanhado por outro som vindo dos degraus, que meus ouvidos não tiveram rapidez suficiente para reconhecer a tempo.
Porém, quando eu finalmente entendi o que ele significava, já era tarde demais.
Minha cabeça rapidamente virou-se na direção do som de sapatos se chocando contra os degraus, assim como a de , e uma fração de segundo depois, um par de olhos retribuiu nossos olhares assustados. Com o mesmo choque com o qual o encarávamos.
Foi como se o chão tivesse simplesmente sumido em um piscar de olhos.
Bem à nossa frente, a cinco passos de distância, nos encarava com a expressão surpresa.

Capítulo 32



Meu maior temor, meu pior pesadelo, havia enfim, se tornado realidade.
Minha cabeça parecia estar dentro de um liquidificador quando meu olhar encontrou o dele. Os dedos de se fecharam com força entre os meus, como se ele soubesse que eu seria capaz de desfalecer a qualquer segundo. Porém, sua força foi inútil; minhas pernas vacilaram perigosamente para baixo, mas num último esforço, eu me mantive de pé, disfarçando meu equilíbrio prejudicado. Eu tinha que ficar consciente. Eu não podia me permitir ser tão fraca, não num momento como aquele, por mais que tudo que eu quisesse fosse simplesmente apagar.
- ? – a voz falha de pronunciou meu nome, fazendo jus à sua expressão perplexa – O que... O que você tá fazendo aqui?
Meus pulmões pareciam completamente vazios, causando-me uma falta de ar insuportável, porém era como se eu os fosse explodir se inspirasse. Tudo ao meu redor girava a uma velocidade alucinante, fazendo com que apenas se mantivesse parado à minha frente enquanto todo o resto rodopiava, transformando-se em borrões coloridos e desnorteando-me por completo.
- , o que está acontecendo? – ele voltou a falar, demorando a desviar seu olhar do meu para encarar o amigo – Alguém pode me explicar o que...
Sua voz, já um pouco mais alta que o habitual, subitamente cessou quando ele finalmente encontrou a resposta muda às suas dúvidas. O assombro percorreu seu rosto por alguns segundos, fazendo-o soltar todo o seu ar de uma única vez e contorcer seus traços em uma compreensão indesejada.
Meus dedos, firmemente entrelaçados aos de , o fizeram entender o que estava acontecendo todo o tempo, bem debaixo de seu nariz.
- , calma – pediu, com a voz determinada, porém assim que ele fez menção de continuar, foi bruscamente interrompido.
- Calma? exclamou, encarando-o com olhos vidrados e gradativamente homicidas – Por que eu deveria ficar calmo ao ver você de mãos dadas com a minha namorada?
- Porque não é ele quem está segurando minha mão – pude ouvir minha própria voz dizer, estrangulada, fazendo com que transferisse seu olhar colérico até mim – Eu estou segurando a mão dele.
Seus olhos castanhos continuaram me fitando com horror por alguns segundos, como se testassem minha capacidade de encará-lo. Não consegui fitá-lo por muito tempo, e logo voltei a olhar para o chão, sentindo mais lágrimas se formarem. Após minhas recentes descobertas sobre , meus sentimentos por ele haviam mudado da água para o vinho, mas ainda assim não era daquele jeito que as coisas deveriam estar acontecendo. não deveria ter sido envolvido em nenhum momento de meu acerto de contas com .
- Então... Você acabou de dizer que está me traindo, ? – perguntou entre dentes, e eu fechei os olhos, me sentindo um monstro ao ouvir sua voz trêmula sintetizar nossa situação – E ainda por cima com o meu melhor amigo?
- Não aja como se ela fosse a única errada nessa história – interveio, com a voz grave, e um soluço baixo escapou por entre meus lábios – Suas atitudes também não foram das mais nobres com ela.
- Não foram das mais nobres? – repetiu, e mesmo sem olhá-lo, senti a ironia em seu tom – Por acaso eu fui um mau namorado? Por acaso eu deixei de dar o que ela queria em algum momento?
- Você não pode estar falando sério – sussurrei, sem conseguir conter minha raiva diante de sua postura, fechando meus olhos com mais força – Esconder uma noiva por todos esses meses lhe parece uma atitude nobre?
- Noiva? Que noiva? – questionou, tentando isentar-se da culpa, e logo fracassou suas expectativas.
- Ela nos ouviu conversando sobre a Jenny agora pouco, não adianta tentar negar. Assuma seus erros, , assim como estamos assumindo o nosso.
- Isso não muda nada – disse após alguns segundos de silêncio, e eu senti uma dor lancinante percorrer todo o meu corpo ao ouvir sua confissão – Ela não sabia de nada antes de me trair, e aposto que não pensou duas vezes antes de me apunhalar pelas costas, não é, sua vadia?
- Cala a boca – rosnou, com a respiração cada vez mais pesada, e eu ergui meus olhos vermelhos e molhados até encontrar os de .
- Cala a boca você, ! – ele retrucou num volume alto, aproximando-se de mim com um olhar neurótico, e parou a um passo de distância – Ela é uma vadia mesmo, e é assim que vadias merecem ser tratadas!
Antes que pudesse abrir a boca mais uma vez, a mão forte de voou na direção de meu rosto, dando-me um tapa ardido e doloroso que me fez cair a alguns passos de distância dos dois.
- Qual é o seu problema, seu merda? – exclamou, empurrando pelo peito, e eu prendi um grito de dor, engolindo meu choro desesperado e sentindo gosto de sangue em minha boca. O lado agredido de meu rosto pareceu inchar e latejar imediatamente, e toda a dor só aumentava a cada segundo, porém eu não ousei fechar meus olhos ou derrubar uma lágrima. Eu havia errado e merecia um castigo por isso.
- Sua puta! – xingou, apontando para mim, e eu me levantei rapidamente, vendo avançar cada vez mais para cima dele – Vadia, piranha, biscate!
- Você mentiu pra mim desde o começo, – falei, balançando negativamente a cabeça e encarando-o com tristeza, ainda sem acreditar que ele havia realmente sido capaz daquilo – Você sempre me enganou... Por quê?
- Porque eu amo você! – ele exclamou, com a testa pesadamente franzida, e duas grossas lágrimas caíram de seus olhos – Eu amo você, sua maldita! Como você foi capaz de fazer isso comigo?
- Você me ama? – repeti, cerrando os olhos e sentindo minha barreira invisível contra as lágrimas aos poucos ceder – Se me amasse de verdade, teria me contado.
- Foi exatamente por isso que eu nunca te contei! – ele disse, contorcendo o rosto em tristeza e deixando ainda mais nítido que estava chorando – Eu sabia que você jamais aceitaria ficar comigo se soubesse!
- E por isso a enganou? Você realmente achou que esse seu plano funcionaria para sempre? – perguntou com fúria na voz, ainda mantendo uma postura ameaçadora diante de – Foi muita imaturidade sua, !
- Quem é você pra me falar de maturidade, ? – retrucou, encarando-o com ódio e dando um passo em sua direção – Olha o que você foi capaz de fazer comigo!
- Nada que você não merecesse! – cuspiu, e assim que o punho de avançou na direção dele, um grito de pavor escapou por minha garganta.
- Não!
Lancei-me na direção de , segurando em seu braço e puxando-o para trás antes que fosse golpeado. Por pouco o punho de não o acertou, e eu segurei firme no braço de para que ele não tentasse revidar a agressão.
- Eu vou matar você! – o ameaçou, avançando em nossa direção, e antes que ele se aproximasse muito, , cego de ódio, desvencilhou-se de mim e o empurrou novamente, dessa vez derrubando-o no chão.
- Some da minha frente antes que eu te mate! – ele urrou, mantendo contato visual com por alguns segundos até que este se levantou e desviou seu olhar repleto de ira até o meu.
- Eu ainda não acabei com você – ele murmurou, novamente apontando em minha direção, e o tom psicopata em sua voz me arrepiou da cabeça aos pés – Pode esperar... Nós ainda vamos acertar nossas contas.
- Some daqui, ! – gritou, apontando para as escadas, e após mais alguns segundos me encarando, deu meia volta e desceu rapidamente os degraus. e eu continuamos paralisados por um tempo, apenas encarando o espaço vazio antes ocupado por , sem saber como reagir. Minhas pernas tremiam assustadoramente, e assim que minha mente compreendeu que a ameaça imediata de perigo já havia ido embora, a dor física e emocional começou a se manifestar com toda a sua intensidade, fazendo com que meus joelhos cedessem ao meu peso. Porém, antes que eu caísse, as mãos de envolveram meus braços com firmeza, mantendo-me de pé.
- Calma, calma – ele soprou, puxando-me para si e afundando-me em seu abraço – Vai ficar tudo bem, eu prometo.
Tentei abrir a boca para dizer que não, mas não consegui. Eu sabia que nada ficaria bem dali em diante, e que todas as minhas certezas seriam apenas lembranças muito em breve. faria de minha vida um inferno, espalharia para quem quisesse ouvir o que aconteceu entre nós, mancharia minha imagem e me prejudicaria de todas as maneiras que lhe fossem possíveis.
- Vem, vamos cuidar de você – sussurrou, desfazendo nosso abraço e me guiando até a porta do laboratório outra vez. Ele rapidamente destrancou-a para que entrássemos, e logo em seguida voltou a trancá-la, dando-nos total segurança. Meu corpo estava completamente mole, inerte, sem forças para realizar qualquer movimento. A dor em meu rosto ficava mais forte a cada segundo, mas na realidade era sua causa moral quem a fazia latejar. Eu já havia tido vários pesadelos com aquele momento, mas nunca imaginei que eles fossem se concretizar daquela maneira tão inesperada e cruel.
- Senta aqui – ele pediu, erguendo-me do chão e colocando-me sobre a bancada. Seus olhos pairaram sobre o lado agredido de meu rosto por alguns segundos, e um suspiro escapou por entre seus lábios, denunciando que os dedos de provavelmente haviam ficado marcados ali. Nada que eu não merecesse.
- Eu sou um monstro – solucei, sem sequer conseguir encará-lo, e ele colocou suas mãos delicadamente em meu rosto, sem tocar a parte afetada – Ele tem razão em tudo que disse sobre mim.
- Não, , ele está errado – sussurrou, erguendo meu rosto sutilmente para que eu não tivesse como fugir de seu olhar – Você sempre se preocupou com ele, apesar de tudo, enquanto ele te enganou de propósito por todo esse tempo... Pra mim, ele é o monstro, não você.
Balancei negativamente a cabeça e fechei os olhos com força, sem conseguir respirar e sentindo meu choro se intensificar a cada vez que os olhos de voltavam à minha mente.
- Me escuta – ele insistiu, enxugando minhas lágrimas com cuidado e me olhando com determinação – Se existe algum culpado nessa história toda, essa pessoa sou eu. Se você está nessa situação hoje, a culpa é inteiramente minha. Eu te persuadi a ficar comigo, eu fui inescrupuloso ao te querer pra mim mesmo sabendo que você já estava com ele...
- Não, – gemi baixinho, segurando suas mãos e erguendo meus olhos até os dele – Eu sou a culpada...
- Claro que não! – ele persistiu, aproximando seu corpo do meu e franzindo levemente a testa, como se estivesse sofrendo comigo – Se você quiser, eu posso ir atrás dele e dizer que foi tudo culpa minha, e que eu te chantageei para poder ficar com você...
- Você não vai fazer um absurdo desses – o interrompi, horrorizada com seus pensamentos errôneos – Não há nada que possamos fazer... Nada vai mudar o que aconteceu.
Ele apenas me encarou, soltando um suspiro derrotado, e seu olhar triste sustentou o meu por alguns segundos, até que seus braços envolveram minha cintura delicadamente. Afundei meu rosto em seu peito, sentindo as lágrimas caírem livremente por ele, e fechei fortemente os olhos, sentindo meu coração se contorcer de dor. Ergui meu rosto para poder observar o dele, e minha bochecha machucada roçou seu peito com certa força, fazendo com que uma dor pulsante encolhesse meu corpo de imediato.
- É melhor eu pegar algo gelado pra colocar aí - disse, se afastando de mim, e eu pude ver tristeza em seus olhos ao fitar meu rosto dolorido. Respirei fundo, encarando o espaço vazio onde antes ele estava por um tempo, mas que logo foi ocupado por seu corpo novamente.
sorriu fraco, porém sem alegria nenhuma, e me estendeu uma luva de plástico com alguns cubos de gelo dentro e uma carinha feliz desenhada nela. Fitei o sorriso disforme que ele havia improvisado sem que eu sequer me desse conta, e mesmo me sentindo horrível, um sorrisinho triste surgiu em meu rosto.
– Vamos esperar até você se acalmar um pouco e eu te levo pra casa, está bem? – ele murmurou, afastando algumas mechas de cabelo de meu rosto, e eu assenti fracamente. Coloquei a luva sobre meu rosto e fechei os olhos ao sentir o efeito da baixa temperatura em contato com minha pele.
- Estou com medo de ir pra casa – sussurrei após longos segundos de silêncio, vendo-o me olhar em dúvida – Não vou conseguir esconder de minha mãe.
- Quer ir pra minha então? – ele perguntou baixo, inclinando um pouco a cabeça para o lado, e eu pensei por alguns segundos antes de negar fracamente – Por que não? Vai ser bom poder cuidar de você.
- Eu estou bem – murmurei, desviando meu olhar do dele e engolindo a tristeza presa em minha garganta com toda a força que encontrei, para que ele não se preocupasse tanto comigo – Só preciso ficar sozinha um pouco.
- Tudo bem... Mas por que você mente pra mim? – ele indagou, ajeitando carinhosamente meus cabelos para que eles se comportassem atrás de minha orelha e fazendo minhas lágrimas silenciosas voltarem a cair – Tudo que eu quero é cuidar de você agora.
- Eu não gosto de compartilhar minhas dores – falei com a voz contida, voltando a encarar seus olhos, agora ainda mais escuros que de costume – Prefiro assim... Não quero que as pessoas sintam pena de mim.
- Eu não sinto pena de você – disse, encarando-me com seriedade – Eu gosto de sentir o que você sente... Mesmo que seja dor. Sabe, isso me faz bem. Me faz sentir um pouco menos frio por dentro.
Soltei um suspiro fraco, e fechei meus olhos por um momento antes de voltar a fitá-lo. Ele não podia ser real.
- Você não é frio por dentro – o corrigi baixo, entrelaçando meus dedos nos dele inconscientemente e sentindo meu rosto completamente lavado de lágrimas.
- Eu era – ele suspirou, olhando para nossas mãos unidas, e havia um certo tom de confissão em sua voz – Mas você tem me ajudado bastante nisso.
Minha mão havia relaxado inconscientemente, e o contato repentino de sua pele quente contra a minha já um pouco mais gelada me arrepiou de leve conforme ele voltava a ajeitar a luva sobre meu rosto com um sorrisinho compreensivo, porém ainda muito triste. Tudo que consegui fazer foi continuar chorando silenciosamente e apertar seus dedos entre os meus.
- Digamos que você é minha pequena faísca de felicidade – ele murmurou com a voz e o olhar baixos – E eu não vou deixar que suas lágrimas te apaguem.
Não consegui responder nada, sentindo mais lágrimas se formarem, porém dessa vez, havia um mísero fio de alegria nelas. soltou um risinho de deboche, envergonhado, e eu selei nossos lábios com carinho, segurando seu rosto com a mão livre e acariciando sua pele com meus polegares. Ele chegou mais perto, envolvendo minha mão que segurava a luva para que ela não saísse do lugar, e afastou nossos lábios, mantendo seu rosto muito próximo.
- Não vai embora, por favor... Não agora – funguei, sendo involuntariamente infantil, e ele deu um sorriso adorável – Eu preciso muito de você, agora mais do que nunca.
- Eu não estava indo a lugar algum – ele soprou contra meus lábios enquanto eu o abraçava pelo pescoço com o braço desocupado – Nem agora, nem depois.
Sem, palavras diante das dele, levei alguns segundos para conseguir sorrir fraco, admirada com sua atitude. Pela milésima vez naquele dia.
- Desse jeito eu não vou parar de chorar – confessei, respirando fundo e contendo minhas emoções afloradas.
- Ah, não, chega de chorar – ele pediu fazendo uma careta, e se afastou de mim – Vem, eu vou te levar pra casa. Você precisa descansar.
Concordando e agradecendo-o mentalmente, assenti, descendo da bancada com uma certa ajuda dele, e lhe entreguei a luva já morna para que ele a jogasse fora. Enquanto ele o fazia, fitei a porta do laboratório, sentindo meu coração acelerar só de pensar em sair. Tudo o que eu queria no momento era distância daquele lugar, porém a idéia de atravessar aquela porta novamente me parecia extremamente assustadora.
- ? – a voz de me acordou de meu rápido devaneio, e quando o olhei, vi que ele já estava parado perto da porta, com minha mochila em suas costas – Tudo bem?
Confirmei rapidamente, soltando um suspiro baixo, e ele abriu a porta do laboratório, saindo primeiro e esperando que eu o fizesse para trancar a sala. Descemos as escadas o mais normalmente possível, apesar da leve tremedeira em minhas pernas, e caminhamos até a rua em silêncio, deparando-nos com o Porsche de do outro lado da rua. A vaga de , que sempre estacionava a poucos metros dali, estava vazia, o que significava que ele já havia ido embora. Repreendi minha própria mente ao retornar suas atenções para ele, e desviei meu olhar do espaço vazio no acostamento. Entrei no carro pelo lado do carona, sem me preocupar muito por estar sendo vista, já que não havia mais ninguém na porta do colégio a não ser as poucas pessoas que passavam pela rua, e pus o cinto de segurança.
fez o mesmo em silêncio, colocando minha mochila no banco traseiro, e logo arrancou com o carro, ganhando velocidade facilmente e fazendo com que uma leve brisa batesse em meu rosto quando abriu um pouco meu vidro. Abaixei meus olhos até que eles fitassem meus joelhos e inconscientemente me perdi no silêncio do carro, absorta numa espécie de retrospectiva de todos os acontecimentos recentes.
A dor voltou a me preencher aos poucos, subindo por minhas pernas e dominando meu interior, como um veneno letal escalando meu corpo.
Fechei meus olhos com força, tentando evitar que as lágrimas neles caíssem, mas foi em vão. Virei meu rosto para a janela, sem querer que percebesse minha recaída, porém assim que o fiz, sua mão envolveu a minha. Me mantive imóvel, sentindo-o apertar de leve meus dedos entre os seus, e um soluço baixo escapou por entre meus lábios.
- Eu não gosto de te ver chorando – ele murmurou, com a voz baixa e compreensiva – Mas acho que pra quem guarda tantas preocupações só pra si... Faz bem desmoronar de vez em quando.
Funguei baixo, sentindo meu choro se intensificar com suas palavras, e fitei nossas mãos unidas por alguns segundos, sem saber como encará-lo. O carro parou num sinal vermelho e acariciou as costas de minha mão com seu polegar, suspirando baixo e fitando vagamente algum ponto à frente. Eu sabia que ele também havia sido duramente afetado por tudo que havia acontecido, e sabia que levaria algum tempo até que absorvêssemos todas aquelas emoções. Ergui meus olhos vermelhos até ele, me sentindo a pior pessoa do mundo por fazer duas pessoas sofrerem por atitudes erradas minhas, cujas conseqüências amargas somente eu deveria sentir, e o vi me olhar de volta, sério e inexpressivo. Apenas digerindo os fatos.
E por todo o trajeto até minha casa, prosseguimos naquele mesmo silêncio. Não havia muito mais a ser dito; nossas mentes e corações estavam entorpecidos e doloridos demais para que soubéssemos o que dizer um ao outro.
- Obrigada pela carona – murmurei quando ele estacionou em frente à minha casa.
- Se precisar conversar... Bem, você tem meu número, e em hipóteses mais drásticas, sabe meu endereço – ele sorriu fraco, erguendo meu rosto até que pudesse me encarar – E não se preocupe com o horário, eu adoraria acordar pra falar com você.
- Obrigada – repeti, sem saber o que mais dizer. Ele estava sendo totalmente carinhoso e preocupado comigo... O que mais eu poderia fazer naquele momento a não ser agradecê-lo?
- E cuide do seu rosto... Já está bem melhor, mas ainda deve estar doendo – recomendou, analisando a parte levemente inchada de minha bochecha, e logo em seguida desviando seu olhar até o meu como se ver a fraca vermelhidão em minha pele lhe transferisse minha dor – Me desculpe por não ter evitado isso.
- Eu não aceito que você me peça desculpas por isso – falei, engolindo minha crescente e incessante vontade de chorar – Eu mereci.
- Se alguém aqui merece apanhar, sou eu – negou com a voz grave, encarando-me com seriedade – Mas não vou falar disso agora... Você deve estar com a cabeça explodindo.
- Eu estou bem, – suspirei, mas ao vê-lo me repreender com o olhar, reformulei minha frase – Eu vou ficar bem. Não se preocupe.
- Eu odeio quando você mente – ele fechou os olhos por alguns segundos, respirando fundo, porém logo voltou a me olhar e aproximou seu rosto do meu, dando-me um selinho – Descanse bastante, e cuide direitinho desse rosto, porque ele é meu, entendeu?
Assenti fraco, sentindo a respiração dele se misturar à minha, e com um carinho gostoso em meu queixo, ele voltou a unir nossos lábios, dessa vez aprofundando o beijo e fazendo-me esquecer qualquer dor por alguns segundos.
- Eu te amo – soprou baixinho, após incontáveis segundos apenas sentindo a respiração um do outro – Não se esqueça disso.
- Eu não vou esquecer – falei, abrindo meus olhos e encontrando os dele muito próximos. Ele sorriu fraco e voltou lentamente à sua posição ereta em seu banco, pegando minha mochila no banco de trás. Saí do carro, ajeitando as alças da mochila em meus ombros e caminhando lentamente até minha casa. Não olhei para trás; vê-lo ir embora não costumava me fazer bem, mesmo sabendo que não poderíamos estar mais unidos do que naquele momento.
Tranquei a porta atrás de mim e me deparei com a casa vazia. Mamãe estava trabalhando, o que era bom e ruim ao mesmo tempo. A solidão me asfixiava em certos momentos. O silêncio me ensurdeceu de imediato, mergulhando-me na agonizante realidade. As lágrimas voltaram aos meus olhos, tão dolorosas quanto antes, e tudo que pude fazer foi subir correndo as escadas, trancar-me em meu quarto e atirar-me em minha cama, enterrando meu rosto no travesseiro.
Eu era um turbilhão de sentimentos angustiantes por dentro. Revolta, remorso, culpa, dor. Mas principalmente medo.
Eu estava com muito, muito, muito medo. Tanto medo que eu tinha até medo de explodir por sentir tanto medo. Um medo monstruoso estava presente em cada milímetro de mim.
E meu medo não era somente por mim. Havia outra pessoa pela qual eu tinha medo, talvez até mais medo por ela do que por mim mesma.
Eu sabia que daria um jeito de me separar de ... O jeito mais cruel e sádico possível.
E era justamente por isso que eu tinha medo. Muito, muito medo do que ainda estava por vir.

Capítulo 33



Meu despertador tocou, anunciando as seis horas da manhã de mais um dia letivo. Até mesmo seu som propositalmente estridente parecia intimidado com a atmosfera densa que me rondava, e como que num gesto de compaixão desmerecida ou até mesmo pena, tocava com menos escândalo que o habitual naquela manhã. O que veio a calhar, já que eu não precisava de nada para me manter acordada.
Meus olhos estavam escancarados desde que me lembrava de ter deitado, fixos agora no dia que amanhecia e refletindo os tímidos raios solares que invadiam meu quarto. Minhas pálpebras ardiam levemente devido às lágrimas que haviam secado ao redor delas, as quais eu não me dei ao trabalho de enxugar. Soltei um suspiro fraco, fechando meus olhos insones por alguns segundos. Apesar do cansaço mental que fazia minha cabeça pesar o triplo do normal, as horas de reflexão haviam ajustado algumas idéias e estabelecido alguns fatos que eu me negava a aceitar há algum tempo. Pela primeira vez desde que tudo acontecera, eu estava sendo totalmente franca e objetiva comigo mesma.
Talvez tudo tivesse acontecido no momento certo. Talvez minhas suspeitas fossem concretas e eu já não amasse mais como antes.
Quer dizer... Se eu o amasse, ainda deveria estar doendo muito, não deveria?
Então por que eu só conseguia sentir um... Vazio? Era como se tivessem colocado uma pedra de gelo dentro do meu peito, porém ela não doía. Ela apenas... Gelava tudo ao seu redor. Entorpecia os órgãos próximos, anestesiava qualquer tipo de dor que eu pudesse sentir, quando na verdade sua existência a deveria estar causando. Tudo ainda estava estranho demais dentro de mim para que eu conseguisse me definir com exatidão, mas uma noite em claro me permitiu enxergar certos pontos em meio ao breu que se instalara em minha mente.
Eu já não o amava mais, mesmo antes de descobrir sobre Jenny. Apesar de meus receios diante dessa constatação, de meu medo de me desprender de algo que fora uma verdade absoluta para mim por tanto tempo, minha ausência de sentimentos em relação a ele agora era uma certeza.
Não era como se eu precisasse de muito esforço para apagar as imagens de com outra mulher de minha mente. Se não tivesse surgido, eu estaria agonizando naquele momento, sem dúvidas. Mas devido às mudanças drásticas em minha vida, agora eu podia dizer que até aceitava o fato de amar outra mulher. Eu apenas não aceitava a parte de ele ter me enganado a respeito disso.
Eu queria sentir raiva por ter sido enganada, mas não havia nada formigando em minha garganta. Eu queria sentir vontade de chorar só de pensar nele com ela, enquanto eu sonhava com nosso futuro, mas meus olhos simplesmente se mantiveram secos ao visualizarem tal cena. Eu queria sentir alguma coisa... Mas, por mais que eu tentasse, só havia ele.
O vazio.
- Filha? – ouvi a voz baixa de minha mãe chamar da porta, e apenas dirigi meus olhos até seu rosto carinhoso – Como você tá?
Funguei baixo, só então me dando conta de que o despertador ainda tocava, e o desliguei, vendo mamãe caminhar até mim. Ela se sentou ao meu lado na cama, e colocou a mão suavemente sobre minha testa, verificando minha temperatura. Mães e sua eterna proteção desmedida.
- Não sei – murmurei, encarando-a com inexpressividade – Igual, eu acho.
- Tem certeza de que não quer me contar o que aconteceu? – ela perguntou, aflita, acariciando meu rosto, e eu neguei com a cabeça – Por favor, querida... Quem sabe eu possa te ajudar.
- Vai ficar tudo bem, é só uma TPM meio exagerada – recusei, esboçando um sorriso que mais deve ter parecido uma dor de barriga – Eu ando meio pressionada na escola, aí acaba juntando tudo e dá nisso.
- Pressionada como? – mamãe quis saber, mexendo em meus cabelos devagar – Você sabe que eu não exijo que você seja uma aluna exemplar, por mais que você seja...
- Eu sei – a tranqüilizei, desejando mais do que tudo poder desabafar com ela e ter seu apoio, mas o medo da reação contrária me impedia – Eu mesma acabo me pressionando, é coisa minha. É sério, daqui a pouco passa.
Ela soltou um suspiro, olhando para o despertador sobre o criado-mudo, e fez a pergunta que eu mais queria ouvir.
- Quer faltar hoje?
Fingi ponderar sua proposta, encarando os números do despertador digital, e fechei os olhos, assentindo após alguns segundos.
- Por favor, mãe – falei, agradecendo-a mentalmente com fervor – Prometo que vai ser só hoje.
- Tudo bem, filha... O ano letivo já está acabando mesmo – ela sorriu, dando um beijinho em meu rosto – Durma mais um pouco, fique o dia todo jogada no sofá comendo besteiras, depois chame a se quiser... Relaxe por hoje, tá?
- Obrigada – eu disse, sorrindo fraco pra ela e recebendo uma mordidinha na bochecha.
- De nada, meu amor – ela murmurou, falando de um jeito que me fez sentir uma criança de dois anos, dando um beijo estalado em meu rosto e se afastando logo em seguida – Bom... Eu preciso trabalhar. Qualquer coisa me ligue, está bem?
Assenti, sorrindo e mandando beijo ao vê-la se levantar e deixar o quarto. Suspirei baixo, esfregando o rosto com minhas mãos, e alguns segundos depois, ouvi um barulho estranho sobre o criado-mudo. Olhei na direção do som e vi o visor de meu celular aceso, enquanto ele vibrava sobre a superfície da mesa e uma música começava a se tornar gradativamente audível. Peguei-o sem muito ânimo, e vi que alguém estava me ligando.
- Alô? – murmurei, rouca, e a voz do outro lado da linha fez uma pontada de conforto surgir em meu peito.
- Bom dia – sorriu, e uma saudadezinha idiota me fez sorrir junto imediatamente – Te acordei?
- Não – respondi, sentindo uma chama se acender dentro de meu peito, porém a pedra de gelo parecia quase imune ao seu calor – Bom dia pra você também. Como você está?
- Me diga você – ele falou, e eu suspirei baixinho – Como estamos?
- Não sei dizer – fui sincera, e minha voz denunciou o vazio em meu interior. Como ele conseguia arrancar tudo de mim com apenas algumas palavras?
- Não gostei muito dessa resposta – ele suspirou, parecendo preocupado – Eu queria muito te ver hoje, mas não queria que você fosse à escola.
- Eu não vou – eu disse, observando a brisa brincar levemente com a cortina, e um milésimo de segundo depois, uma idéia maravilhosa me ocorreu – Você pode vir aqui mais tarde, se quiser.
- Sua mãe vai estar trabalhando? – ele perguntou, certificando-se de que nada poderia dar errado em minha sugestão – Até que horas?
- O turno dela é até as oito hoje – respondi, aprovando a idéia de passar a tarde com ele – Você pode ficar aqui comigo enquanto ela não chega.
- Era tudo que eu queria ouvir – disse num tom aliviado, e meu sorriso se alargou um pouco – Estarei aí às duas horas, pode ser?
- Claro – concordei, sentindo meu coração bater com um pouquinho mais de força, movido pela ansiedade – Experimente tocar a campainha e entrar pela porta dessa vez.
- Hm, boa sugestão – ele riu, fazendo-me acompanhá-lo, mesmo que baixinho – Bom... Eu preciso me arrumar e ir pro colégio. Te vejo em oito horas.
- Vou contar os segundos – confessei, encarando timidamente meus dedos brincando com a barra do edredom – E por favor... Tome muito cuidado. Não arrume confusão.
- Não vou garantir nada, – ele suspirou, e seu tom voltou a ser sério, assim como meus olhos se fecharam, temendo o que poderia acontecer – Mas eu pensei muito sobre tudo essa noite, e vou me esforçar pra ficar calmo.
- Obrigada... Eu sei que você consegue – agradeci, respirando fundo – Te amo.
- Eu também – murmurou, e a firmeza em sua voz me deu uma sensação boa – Muito.
Suspirei baixo, hesitando por alguns segundos antes de desligar, e quando o fiz, me afundei ainda mais em minhas cobertas, com meu estômago revirando de ansiedade e medo. A mera idéia de imaginar e discutindo outra vez me causou calafrios, e meus olhos se fecharam com força ao me lembrar do olhar demoníaco de ambos ao brigarem no dia anterior. Cobri meu rosto com as mãos, lutando para parar as engrenagens enlouquecidas de minha mente por apenas um segundo, e de alguma forma muito imperceptível, dormi. Talvez a noite em claro tivesse finalmente surtido efeito.
Acordei por volta de uma da tarde, devido aos roncos de meu estômago vazio desde a manhã anterior, e decidi me arrastar até a cozinha para resolver aquele problema. Eu não botava muita fé de que fosse conseguir digerir bem qualquer tipo de alimento, mas eu precisava tentar, e agradeci profundamente por encontrar comida congelada no freezer. De comer, relativamente gostoso e prático. Era tudo o que eu queria.
Sentei no sofá com meu prato no colo, com a TV ligada apenas para me tirar do silêncio que imperava na casa. Apesar de estar realmente faminta, comi devagar, com os olhos vagando pela TV, sem exatamente enxergar alguma coisa. Minha cabeça estava pesada pelas poucas horas de sono e muitas de esforço, meus olhos estavam levemente inchados, meu cabelo estava uma zona e eu me sentia totalmente estranha. Uma bagunça, para ser mais precisa.
Estava caminhando até a cozinha para deixar meu prato vazio na pia quando ouvi a campainha tocar. Franzi levemente a testa. Não podia ser , poucos minutos haviam se passado depois da uma da tarde. Me desfiz da louça e rastejei até a porta, abrindo-a e deixando somente uma fresta para que eu pudesse reconhecer o visitante.
- ? – chamou, inclinando a cabeça levemente para o lado.
- ? - murmurei, abrindo a porta normalmente ao me dar conta de quem era – O que você tá fazendo aqui?
- Tem certeza de que não sabe? – ela respondeu, olhando-me com a expressão um pouco triste. Ela sabia.
- O falou com você? – chutei, e assentiu com um sorrisinho calmo - O que ele te disse?
- Hm... Posso entrar primeiro? – ela pediu sem jeito, e só então eu percebi que ainda não a havia chamado para dentro.
- Desculpe – falei, dando passagem para que ela entrasse, e nos sentamos no sofá. Assim que nos acomodamos, começou a explicar.
- Ele me chamou na hora do intervalo, disse que precisava conversar comigo. Eu concordei, já imaginando que fosse algo sobre você, ainda mais vendo que você tinha faltado. Fomos até o laboratório, e bem... Ele me explicou tudo. Desde coisas que eu já sabia até... Os recentes acontecimentos. E eu decidi vir te ver, antes mesmo de ele me pedir pra fazer isso. Eu não podia te deixar sozinha justo agora.
Ela soltou um suspiro baixo ao finalizar sua explicação, e eu abaixei meus olhos dos dela para o chão, sem saber o que pensar da atitude de . Eu não esperava que ele fosse se preocupar tanto comigo àquele ponto. Sem dúvida, foi um gesto muito gentil de sua parte, e eu não poderia deixar de agradecê-lo mais tarde.
- Obrigada, – foi só o que consegui dizer, olhando-a vagamente – Até que eu estou... Bem.
- , eu te conheço – ela murmurou, segurando uma de minhas mãos entre as suas – Sei que você deve estar se crucificando e se repugnando pelo que aconteceu... Mas eu não posso permitir isso, e sei que o concorda comigo. É normal que você fique abalada, mas...
- É sério, – a interrompi, sem querer ouvir discursos repetitivos – Eu estou me culpando sim, não vou negar, afinal, eu errei. Mas eu pensei que fosse ser bem pior. De verdade, eu estou bem. Não... Dói.
- Não? – ela perguntou, delicadamente surpresa, e eu neguei com a cabeça, vendo-a disfarçar um sorriso aliviado – Isso é... Bem, isso é ótimo!
- Você acha? – falei baixo, vendo franzir a testa – Tudo desmoronou sobre a minha cabeça e eu não consigo sentir nada... Você acha isso ótimo?
- Tudo desmoronou sobre a sua cabeça? – ela repetiu, com a expressão duvidosa – Por que você pensa assim?
- Minha vida está toda de cabeça pra baixo – respondi, encarando-a sem esconder a confusão em meu olhar – descobriu tudo, vai me odiar pra sempre, vai fazer de tudo pra me separar do e ferrar com a minha vida e você ainda me pergunta por que eu penso assim?
- Deixe que ele tente – ela deu de ombros, olhando-me com uma serenidade que eu invejei – Você e o são mais fortes do que isso, eu tenho certeza. Eu não acreditava nessa intensidade toda entre vocês, mas hoje, enquanto ele me contava tudo o que aconteceu... Foi como se um outro tivesse surgido bem diante dos meus olhos. Ele te ama, . E é pra valer.
- Pode parecer esnobe da minha parte, mas eu sei – assenti, esboçando um sorriso ao ouvi-la falar dele daquela maneira – Quanto a ele, eu me sinto muito segura.
- E com razão. Ele não vai se deixar influenciar por nenhum tipo de armadilha que o possa aprontar... Isso foi até uma das coisas que nós citamos enquanto conversávamos hoje – ela continuou, me observando distraidamente – O ponto mais frágil, que ele provavelmente vai querer atacar, é o sigilo da relação de vocês. Na minha opinião, é a única forma que ele tem de afetar vocês dois.
- Eu tenho certeza de que ele vai dedurar o na diretoria o mais rápido possível – concordei, fechando os olhos por um momento; as conseqüências dos futuros atos de me traziam uma sensação de asfixia – Além de fazê-lo perder o emprego, minha mãe vai ser chamada na escola e vai descobrir tudo da pior maneira.
- Isso é verdade, infelizmente – ela disse, pensativa, inclinando a cabeça levemente para o lado com o olhar vago – O já não deve ter uma boa moral no histórico da escola, mas pelo que ele me disse hoje, o emprego é a última coisa que o preocupa. E quanto à sua mãe... Bem, eu acho que você deveria abrir o jogo com ela antes que a diretora faça isso por você.
Suspirei profundamente, tentando me imaginar contando tudo para minha mãe. Um dos meus piores pesadelos, sem dúvida. Ela provavelmente acabaria comigo e expulsaria de casa o que sobrasse de mim. Era um beco sem saída.
- Talvez você esteja certa – murmurei, concordando com uma decisão que provavelmente seria uma das mais marcantes da minha vida – Eu só preciso... Me encontrar no meio dessa bagunça pra poder tomar as decisões certas.
- Eu entendo – sorriu fraco, erguendo seus olhar de minha mão para os meus olhos - Tudo aconteceu muito rápido, você precisa de um tempo para digerir as coisas.
- É... - suspirei, apertando sua mão e devolvendo seu sorriso – Obrigada por se importar comigo.
- Que tipo de amiga eu seria se não me importasse com você? – ela ergueu uma sobrancelha, me abraçando logo em seguida - Vai ficar tudo bem, confie em mim.
- Assim espero – murmurei, sentindo que talvez nem tudo estivesse tão perdido assim. Depois que minha mãe me expulsasse de casa, o que provavelmente aconteceria quando eu contasse tudo a ela, eu poderia passar um tempo morando com , mesmo que tivesse que arranjar um emprego apenas para bancar meus gastos na casa. Tudo o que me restaria daquele inferno seriam algumas semanas de colégio até que eu me formasse. Um dia, talvez, se eu realmente me esforçasse, minha mãe me perdoasse por tudo o que fiz, e então tudo estaria resolvido.
- Ele me disse que vem passar a tarde com você hoje – disse ao se afastar, e eu assenti – Não acha que é arriscado?
- Mamãe vai estar trabalhando, e ele vai embora cedo – falei, e ela assentiu, sem enxergar grandes falhas em meu plano – Vai me fazer bem passar um tempo com ele aqui.
- Sabe... Eu acho que ela vai entender – suspirou, reflexiva – Não acho que ela vá te expulsar de casa, muito menos pensar que você é uma vadia, como você tanto teme. Sua mãe é bastante mente aberta e compreensiva, não a subestime.
- Tomara que você esteja certa – falei, olhando-a com incerteza – Seria a solução pra quase todos os meus problemas... O apoio dela me daria muita força.
- Eu vou estar certa, você vai ver – ela sorriu ternamente, confiante – Pensamento positivo, por favor, .
- É fácil falar – soltei um risinho descrente, vendo-a me olhar com censura – Mas eu vou tentar.
- Isso mesmo – assentiu, fazendo uma cara mandona engraçada – Agora vai se arrumar, seu bofe vai chegar daqui a pouco e você ainda está um trapo.
- Obrigada pela parte que me toca – ironizei, vendo-a me mandar um beijo falso conforme se levantava e me arrastava para o andar de cima. Fui arremessada para dentro do banheiro, onde tomei um banho rápido, porém revigorante. Escovei os dentes e penteei meus cabelos, e quando cheguei ao quarto, estava sentada sobre a cama.
- Tomei a liberdade de separar suas roupas – ela sorriu, indicando algumas peças sobre a cama, e eu devolvi o sorriso em forma de agradecimento. Eu não estava com cabeça para escolher roupas naquele dia. Vesti minhas roupas íntimas, um shorts branco e uma blusa cinza larga, que deixava um de meus ombros à mostra, e conseqüentemente, uma alça do sutiã preto. Mal terminei, a campainha tocou.
- Será que é ele? – comentei, checando a hora no relógio ao lado da cama - Ainda são quinze pras duas.
- Melhor pra vocês, quinze minutos a mais – disse, me seguindo até o andar de baixo. Paramos em frente à porta, e eu respirei fundo antes de abri-la.
- Oi, meninas - ele sorriu de uma maneira agradável.
– Oi, - respondeu, simpática, virando-se para mim logo em seguida - Bom... Eu vou deixar vocês ficarem sozinhos agora. Ewan deve estar me esperando para almoçarmos juntos.
- Mande um beijo pra ele – falei, abraçando rapidamente – E obrigada por ter vindo... Você me ajudou muito.
- Que bom - ela murmurou, apertando-me com força antes de me soltar – Tchau, . Cuide bem dela, por favor, senão eu acabo com você, entendeu?
- Pode deixar – ele disse sem nem se abater com a ameaça de e olhando-me com intensidade. Apenas isso bastou para que eu me arrepiasse por inteiro.
- Entra – falei, quando já havia se distanciado, e ele obedeceu.
- É bem estranho entrar pela porta, sabia? – o ouvi comentar enquanto eu trancava a porta, rindo baixo – Não é tão emocionante.
- Imagino – falei, aproximando-me dele com um sorrisinho divertido. Fechei os olhos ao senti-lo envolver minha cintura com seus braços, inalando seu cheiro de quem havia acabado de sair do banho, e o abracei pelo pescoço sem pressa. esfregou a ponta de seu nariz no meu devagar, unindo nossas testas e fazendo com que sua respiração quente batesse em meu rosto. Senti meu equilíbrio se prejudicar quando ele beijou o canto de minha boca, e deslizei minhas mãos para seus ombros, aprofundando o beijo com urgência, num claro ato de carência e fragilidade. Ele sorriu após dar passagem à minha língua, e estendeu o beijo por alguns segundos.
- Essa recepção com certeza compensou a entrada não triunfal – sorriu ao afastar nossos lábios, e eu retribuí, sentindo meu rosto corar de leve – Mas não matou a minha saudade ainda.
- Ah, não? – balbuciei, ainda zonza, vendo-o sorrir ainda mais e cerrar os olhos pra mim – Acha que devíamos fazer de novo?
- E de novo – ele disse, roubando-me um selinho a cada vez que falava – E de novo... E outra vez... E mais uma.
- Pare de abusar de mim, eu estou sensível – fechei os olhos ao senti-lo sugar meu lábio inferior, o que fez com que de repente a sala começasse a girar ao meu redor. Apertei algumas mechas de seus cabelos entre meus dedos, me arrepiando conforme ele dedilhava minhas costas delicadamente, e ele suspirou baixinho contra meus lábios.
- Desculpe... Sua boca me desconcentra – sussurrou, respirando fundo e afastando seu rosto até uma distância que me permitisse manter meu equilíbrio – Prometo que não vai acontecer de novo.
Levei alguns segundos para restabelecer a firmeza em minhas pernas. Talvez eu estivesse mesmo frágil.
- Vem, vamos nos sentar um pouquinho – falei, entrelaçando nossos dedos e conduzindo-o até o sofá. Acomodei-me, com as pernas flexionadas contra meu peito, e as abracei, vendo-o se sentar ao meu lado e me puxar para seu colo, sem nem se importar com o fato de que eu já estava confortável. Com certeza eu teria o triplo de conforto abraçada a ele, por isso, apenas sorri e deitei minha cabeça em seu ombro, enquanto ele me abraçava pela cintura e passava suas mãos por debaixo de minha camiseta larga.
- Você parece melhor – ele disse baixinho, deslizando as pontas de seus dedos gentilmente por minha pele, e eu assenti devagar – Imaginei que conversar com a te faria bem.
- Obrigada por ter explicado tudo a ela – murmurei, brincando timidamente com a gola de sua camiseta pólo azul e branca, uma de minhas favoritas – Foi muito sensato da sua parte.
- Era o mínimo que eu poderia fazer – ele suspirou, fazendo com que sua respiração quente batesse em meus cabelos com mais força – A é uma garota muito legal... Não pensei que ela fosse aceitar tudo tão bem.
Sorri fraco, me sentindo a pessoa mais abençoada do universo por tê-la como amiga. Ela era realmente um anjo. Meus olhos se perderam por alguns segundos, vagando pela mobília da sala, e eu mordi meu lábio inferior, sem conseguir mais segurar a pergunta que ecoava em minha mente.
- Como foi hoje na escola?
ficou em silêncio por algum tempo, observando algum ponto distante, e eu o encarei, tensa por uma resposta.
- Ele não apareceu – sua voz grave falou, e seus olhos continuaram sem fitar os meus, talvez escondendo a raiva que seu timbre já denunciava – Tive que substituí-lo em duas aulas.
Soltei todo o ar que involuntariamente havia prendido em meus pulmões, me sentindo mais tranqüila por não ter existido um contato entre os dois. Eu jamais me perdoaria se um deles perdesse a cabeça e iniciasse uma briga em pleno ambiente de trabalho, ainda mais sem que eu pudesse fazer algo para tentar evitar. Mesmo aprovando a ausência de , uma pequena parte de mim não conseguiu deixar de sentir preocupação e culpa por seu sumiço. Será que ele havia feito alguma loucura?
- Ainda bem – sussurrei, voltando a afundar meu rosto na curva perfumada de seu pescoço – Foi melhor assim.
- Não, não foi – rosnou, balançando negativamente a cabeça – Ele devia ter sido homem pelo menos uma vez na vida e ter aparecido. Eu o ensinaria a nunca mais agir feito um imbecil, e a cada vez que ele se olhasse no espelho e visse o estrago que minhas mãos causariam em sua arcada dentária, ele se lembraria nitidamente de mim.
- Calma, não fala assim – falei tentando acalmá-lo, acariciando seu peito, e senti suas mãos se fecharem em punhos – Não vamos perder a cabeça, por favor.
- Espere só até toda essa turbulência passar – ele disse, com os músculos tensos e o olhar distante, porém afiado como uma navalha – Ele ainda vai ter muitos pesadelos comigo.
- , olha pra mim – pedi, desaprovando toda aquela raiva crescendo dentro dele, e virei seu rosto até que seus olhos vingativos fitassem os meus – Se acalma, por favor... Vamos esquecer tudo isso, fingir que ele nunca existiu e virar essa página, está bem?
Ele me encarou por alguns segundos, com a expressão impassível, até que eu lhe dei um selinho demorado e seus músculos começaram a relaxar gradativamente.
- Eu tenho tanta raiva dele... – soprou, fechando os olhos por um momento e logo depois voltando a me olhar - Por ter te enganado durante todos esses meses, te fazendo de amante, te prendendo a ele, enquanto você podia ter sido minha... minha... Isso me envenena.
- Eu sei – assenti, com o rosto muito próximo ao dele, e um sorrisinho desanimado se formou em meu rosto – Eu sei como você se sente, acredite... Sei que é difícil controlar a raiva, mas pense que nós também o machucamos.
- Não foi planejado, – ele retrucou, adotando um tom de voz menos agressivo – As coisas foram muito rápidas e loucas entre a gente, não foi algo que pudéssemos ter evitado.
- Mesmo assim, – insisti, desviando meus olhos dos dele para baixo – Nós estamos errados também, e teremos de pagar um certo preço por isso, querendo ou não.
- Nada que ele faça vai tirar você de mim, justo agora que eu te consegui do jeito que eu quero – afirmou, olhando fundo em meus olhos e segurando meu rosto com as duas mãos – Deixe que ele venha... Eu vou estar esperando.
Olhei fundo em seus olhos sinceros, sentindo meu autocontrole desmoronar, e um sorriso grato se formou em meu rosto. Confesso que por um momento, meus olhos lacrimejaram, porém agora obviamente de felicidade. A cada dia eu me dava mais conta de que não podia ser de verdade. Em algum momento, eu descobriria que ele era um andróide ou um alienígena. Ou talvez apenas um sonho bom, do qual eu jamais queria acordar.
- Obrigada por não ter desistido de mim – sussurrei, fazendo carinho em seu rosto e vendo-o dar seu típico sorriso enviesado – Se eu não tivesse você, acho que estaria sozinha e completamente perdida agora.
- Eu sabia que um dia você ia me agradecer por ter sido tão insistente – ele piscou, fazendo-me rir um pouco.
- Preciso aprender a não duvidar de você – falei, dando-lhe um beijinho de esquimó e sentindo-o morder meu lábio inferior demoradamente. Ele não desgrudou sua boca da minha, iniciando mais um beijo intenso, e eu acariciei sua nuca, sentindo-o fazer o mesmo enquanto sua outra mão apertava minha cintura.
Incrível como tudo parecia estar perfeito quando ele me beijava daquele jeito. Ele realmente devia ter algum super poder.
Uma música baixa começou a tocar no andar de cima após alguns minutos, e eu demorei para me dar conta de que a fonte do som era meu celular.
- Não vou deixar você atender – resmungou, com os lábios rentes ao meu, e eu soltei um risinho divertido.
- Deve ser minha mãe – sussurrei, levando minhas mãos até seu peito e me afastando, mesmo que contra a vontade dele – Ela pode ficar preocupada se eu não atender.
Ele bufou, cerrando os olhos para mim, e eu lhe mandei um beijinho enquanto subia até meu quarto. Peguei meu celular, que estava sobre a cama, e olhei rapidamente para o visor.
Franzi a testa, e imediatamente, meu sorriso se esvaiu assim que li o nome de na tela.
Fiquei encarando seu nome no visor, totalmente sem reação, mas apesar de minha hesitação, ele não desistiu e continuou esperando que eu o atendesse. Nada que me surpreendesse, afinal, ele estava morrendo de ódio de mim e deveria estar disposto a tudo para me infernizar. Aguardar alguns segundos para ser atendido não o mataria.
Respirei fundo, me preparando para encarar a situação como ela devia ser encarada: com maturidade. Fechei os olhos por um momento, tomando coragem, e deslizei o slide, atendendo a chamada. Conduzi o aparelho ao ouvido, sentindo minha garganta se fechar, e apenas esperei.
- ? – a voz cortante de rosnou, e eu mordi meu lábio inferior, muito nervosa. Eu precisava dizer algo, mas estava tão assustada que não sabia se conseguiria.
- Sou eu – respondi, abrindo os olhos e sentindo minhas mãos tremerem um pouco de medo; obviamente, não permiti que meu leve temor ficasse explícito em minha voz – O que você quer?
- Me encontre em meu apartamento daqui a uma hora – ele disse, ríspido, e eu arregalei os olhos, assustada – Vamos colocar um ponto final nisso.
Não consegui dizer nada, sentindo meu coração bater muito forte e bombear adrenalina para todos os cantinhos de meu corpo.
Vamos colocar um ponto final nisso. O que exatamente ele queria dizer com aquilo?
Ignorando meu silêncio, aguardou alguns segundos antes de simplesmente desligar. Eu não esperava nenhum tipo de despedida, de qualquer maneira. Mantive o celular próximo de meu ouvido por um tempo, até minha mão cair sobre meu colo num movimento mecânico.
Sim, eu confesso. Eu estava um pouco apavorada.
Com que cara eu desceria as escadas e olharia para ? Será que eu seria capaz de esconder minha insegurança e arrumar uma desculpa para que ele fosse embora antes de eu precisar encontrar ?
Não, disse a mim mesma. É melhor que ele saiba, para a minha própria segurança. Seria arriscado demais ir totalmente sozinha até o seu apartamento sem ao menos avisar alguém de meu paradeiro. Eu não conhecia aquele , não podia prever o que ele seria capaz de fazer comigo.
Mas de uma coisa eu sabia. Estava na hora de resolver aquela situação.
Mais uma vez, eu respirei fundo, tentando disfarçar minha expressão perplexa, e me levantei. Caminhei lentamente até as escadas, e desci os degraus no mesmo ritmo, sentindo minhas pernas um tanto bambas.
- Era ela? – perguntou, porém assim que me aproximei e ele pôde me ver melhor, seu rosto ficou sério – Nossa, você tá pálida... O que aconteceu?
Hesitei por alguns segundos antes de falar. Somente agora eu estava realmente absorvendo o que havia acontecido.
- Era o – respondi, porém não deixei que sua expressão, agora um misto de surpresa e indignação, me desencorajasse – Ele quer que eu vá até o apartamento dele daqui a uma hora.
- O quê? – ele exclamou, revoltado, e eu me mantive imóvel – No apartamento dele? Mas o que ele... Você vai?
- , você sabe que fugir não é certo – suspirei, olhando-o com seriedade – Eu entendo que ele queira resolver tudo, e concordo que quanto mais rápido isso aconteça, melhor.
- Resolver tudo como, ? – perguntou, sem entender – Ele vai pedir desculpas por ter te feito de amante por todos esses meses e o que mais? Eu não quero você sozinha com ele naquele apartamento, pode ser perigoso.
- Acha que eu não sei disso? – perguntei, e ele respirou fundo, passando uma mão nervosamente pelos cabelos – Mas eu preciso resolver logo essa situação e terminar com essa novela de uma vez por todas.
me encarou, parecendo um pouco mais resignado, e se levantou, caminhando até mim devagar. Ele me abraçou apertado, como se quisesse me proteger de alguma coisa, e eu o apertei com a mesma força em meus braços.
- Eu tenho medo de deixar você sozinha com ele – ouvi sua voz murmurar, e suspirei baixo – Tenho medo de que ele perca a cabeça e...
- Eu também tenho – o interrompi, sem querer ouvir o fim de sua frase, erguendo meu rosto até poder ver o dele – Mas eu preciso ter um pouco de coragem, pelo menos uma vez na vida, para fazer o que é certo. Eu quero ajeitar as coisas, . Tudo está uma bagunça, eu não agüento mais essa situação. Eu vou enfrentar hoje, assim como vou abrir o jogo para minha mãe amanhã. Não quero mais ter que mentir para ela nem para ninguém.
- Você vai contar a ela? – ele perguntou, surpreso, e eu assenti com firmeza – Tem certeza?
- Tenho – assenti, mas preferi voltar a me concentrar no assunto mais urgente – E então... Você pode me levar até o prédio dele hoje?
me olhou com pesar, numa súplica muda para que eu desistisse de ir, mas eu não me deixei atingir. Mantive minha expressão firme, e após alguns segundos, vendo que eu não cederia, ele apenas respirou fundo, fechando os olhos em tom de derrota.
- Não o deixe encostar um dedo em você – ele disse, resignado e enfurecido ao mesmo tempo – Fale o que tiver pra falar, ouça o que quiser ouvir e saia. Entendeu?
- Ele não vai fazer nada – falei, porém havia uma certa insegurança dentro de mim. Como não ficar insegura diante daquele outro e de todo o seu rancor?
- Como você pode ter certeza? – questionou, me olhando com o rosto sério, e eu hesitei antes de responder.
- Eu não tenho... Mas é o que eu espero.
sustentou meu olhar por alguns segundos, e pela primeira vez, eu vi uma dose considerável de medo em suas íris. Mesmo sem poder confirmar minha hipótese, tive certeza de que seus olhos eram uma espécie de reflexo dos meus, igualmente inseguros diante do que nos aguardava.
Lá estava eu novamente... Temendo pelo que nos aconteceria.

Capítulo 34



Respirei fundo pela enésima vez, fechando meus olhos por alguns segundos. Apesar da leve brisa que entrava pela janela conforme virava na rua de , eu estava me sentindo um tanto sufocada dentro de seu Porsche, e ele obviamente estava notando isso. Eu só não estava sendo bombardeada com palavras de conforto ou algo parecido porque ele estava ainda mais nervoso para sequer abrir a boca.
- Eu vou com você – ele disse num tom autoritário, enquanto estacionava na frente do prédio. Revirei os olhos. Era a quinta vez que eu teria que lhe explicar por que aquilo simplesmente não poderia acontecer.
- Eu entendo que você esteja preocupado, mas... Nem pensar – falei, com a voz calma, e o vi bufar em desaprovação – A única coisa que vai acontecer se você for comigo é uma briga. E não foi pra isso que eu vim.
- Que pena – sorriu, cínico, e eu lhe lancei um olhar de censura – Desculpa, você sabe que eu não sei ser diplomático.
- E assim como eu, você sabe que um punho no fundo da garganta dele não vai resolver nosso problema – lembrei, cerrando meus olhos e vendo-o finalmente me olhar após desligar o carro – Por esse motivo, você fica aqui embaixo.
sustentou meu olhar por alguns segundos, e depois desviou o seu, demonstrando seu descontentamento com aquela situação. Ele segurou minha mão, apertando meus dedos com certa força, e eu suspirei, com o coração um tanto acelerado. Meu Deus, ele estava me deixando ainda mais nervosa com aquela agonia toda.
- É pra tomar cuidado, ouviu? – ele murmurou, ranzinza, fitando nossas mãos com seriedade – E não demore, senão eu...
- , chega – o interrompi, vendo-o voltar a me encarar com os olhos surpresos e franzir levemente a testa, a cada segundo mais inquieto – Você já repetiu esse discurso pelo menos umas cinco vezes! Vai dar tudo certo, pense positivo junto comigo, pode ser?
suspirou profundamente, e eu coloquei minha outra mão sobre a dele, baixando meu olhar até elas. Por um instante, a pequena cicatriz que eu havia deixado em seu braço há alguns meses prendeu minha atenção. Já havíamos passado por tanta coisa... Nunca pensei que viveria um momento como aquele.
- Desculpe, eu sei que estou sendo chato... Mas é que eu não estou gostando nada disso – suspirou, e eu levei uma de minhas mãos até seu ombro, massageando-o e sentindo seus músculos rígidos ali – E não estou tendo sucesso nenhum em tentar disfarçar.
- Confie em mim – pedi, olhando-o com uma convicção que eu fingia ter – Vai ficar tudo bem.
Ele me encarou por alguns segundos, em dúvida, mas logo assentiu, mesmo que contra sua própria vontade. Ele sabia que não adiantaria tentar me convencer a voltar para casa sem falar com . Acariciei levemente seu rosto, sorrindo para ele, e deixei que ele se aproximasse o suficiente para tocar meus lábios com os seus.
- Tá bom, eu te deixo ir agora... Mas vai logo, antes que eu me arrependa – sussurrou após alguns minutos, afastando seu rosto do meu com a expressão extremamente contida a ponto de parecer vazia aos olhos de alguém menos íntimo - E volte logo.
- Eu vou voltar – falei, abrindo a porta e saindo do carro – Fique calmo, professor.
- Impossível – ele negou, encostando a testa no volante, e eu respirei fundo antes de caminhar até a portaria do prédio.

- O sr. já a está aguardando – Andy disse, com sua típica voz cordial, assim que cheguei à portaria. Engoli em seco, sabendo que aquela era a última vez em que eu entraria naquele edifício, se tudo fluísse de acordo com meus planos. Disfarcei o turbilhão de pensamentos que colidiam dentro de minha cabeça e assenti com um sorrisinho tenso, dirigindo-me à escadaria. Subi os degraus devagar, tentando imaginar como ele agiria (e eu também) quando chegasse ao meu destino, e somente quando parei à porta de seu apartamento foi que todas as especulações enfim sumiram de minha mente, dando total lugar à insegurança.
Ouvi passos cada vez mais próximos do outro lado da porta. Ele estava vindo me receber.
Num ato instintivo, quase dei meia volta e saí correndo. Mas, ao contrário do que meus instintos ordenavam, respirei fundo mais uma vez e aguardei até que a maçaneta girasse e a porta se abrisse.
O silêncio que se instalara em meus ouvidos assim que nossos olhares se encontraram me fez pensar por um momento que minha cabeça explodiria.
- Você veio – murmurou, com a voz fria, e eu senti um arrepio percorrer meu corpo inteiro. Quem era aquele homem que eu um dia pensei conhecer? Definitivamente, esse não era o mesmo.
- Por que não viria? – perguntei, tentando parecer um pouco mais firme do que realmente estava, e ele ergueu as sobrancelhas rapidamente, ponderando minha indagação. Não gostei nem um pouco daquilo.
Sem dizer mais nada, ele deu espaço para que eu entrasse em seu apartamento, e eu o fiz, parando a poucos passos da porta e virando-me em sua direção. Nos poucos segundos que tive para olhar ao meu redor, tudo que vi foram os móveis, desprovidos de qualquer decoração, e várias caixas empilhadas por toda a sala, o que para mim só significava uma coisa.
Mudança.
- Como você pode ver, eu ainda tenho muito o que fazer por aqui – ele disse, lançando um rápido olhar para as caixas e logo depois me encarando – Então pretendo terminar logo com essa conversa.
- Que bom que concordamos nesse ponto – assenti, sustentando seu olhar sem um mínimo sinal de fraqueza – Quanto mais rápido resolvermos nossas pendências, melhor para todos.
- Ele te trouxe aqui? – perguntou, e o vazio de emoções em seu rosto ao mencionar me impressionou – Está te esperando lá fora?
- Isso não importa – respondi, um tanto incomodada com sua curiosidade mórbida – O que realmente importa agora é que eu quero terminar essa conversa de uma forma pacífica.
- Pacífica? – ele repetiu, num risinho medíocre, e eu não demonstrei emoção alguma – Depois de tudo que aconteceu, você ainda espera que eu seja pacífico?
- Se eu estou sendo pacífica, por que você não pode ser? – falei calmamente, encarando-o com firmeza e vendo sua hostilidade fraquejar – Nós dois estamos manchados nessa história, . Não banque o bonzinho, você não vai conseguir nada com isso.
- Você não entende – ele murmurou, balançando negativamente a cabeça de uma maneira um tanto perturbada, e pude vê-lo lacrimejar – Você nunca vai entender. Ele te cegou... Te envenenou contra mim.
- Não seja ridículo – rosnei, vendo-o respirar fundo e me fitar com os olhos vidrados, denunciando que lentamente ele ia perdendo o controle sobre si – Eu não vim aqui para ouvir seus motivos, porque pelo que estou vendo, você também não quer ouvir os meus. Explicações não vão mudar os fatos, pelo menos não para mim. E isso basta pra que resolvamos logo essa situação e sigamos com nossas vidas.
- Há quanto tempo? – indagou, dando um passo em minha direção, e pela expressão ressentida em seu rosto, pude ver que ele não havia entendido uma palavra do que eu havia acabado de dizer – Há quanto tempo vocês dois estão juntos?
Suspirei profundamente, encarando-o sem uma postura muito bem definida, e alguns segundos depois ele repetiu sua pergunta, num tom um pouco mais enérgico.
- Há quanto tempo, ?
- Desde o acidente de carro – respondi, fechando meus olhos por um momento, assustada com sua voz exaltada – Uns dois meses.
Encarei o chão por alguns segundos, ouvindo apenas a respiração pesada de , mas logo ergui meu olhar até o dele. Seu rosto estava paralisado, em choque diante de minha resposta; seus olhos estavam arregalados, suas sobrancelhas franzidas e seus lábios entreabertos. Ele deu mais um passo na minha direção, respirando fundo, e eu não consegui esconder o pânico em minha expressão ao vê-lo erguer sua mão como se fosse me dar um tapa, porém não realizando nenhum movimento. Seus dedos se fecharam, formando um punho, e ele contraiu seus lábios, tremendo levemente e me encarando com os olhos úmidos e cheios de ódio.
Pela primeira vez na vida, eu senti um olhar verdadeiramente assassino sobre mim. Ele queria me matar, e o faria se tivesse coragem suficiente. Felizmente, ou não, ele não tinha.
- Por que você fez isso comigo? – ele disse com a voz embargada, abaixando seu punho e inundando seu olhar com mágoa – O que... O que eu fiz de errado?
- Eu não queria fazer, eu juro... – suspirei, sentindo-me um pouco mais aliviada ao ver a cólera agora controlada em seus olhos, porém a mágoa neles fazia uma enorme culpa formigar sob minha pele e influenciar meu tom de voz – Mas foi inevitável.
- Você acha que isso me convence? – ele explodiu, enraivecido, e se afastou um pouco de mim, passando as mãos compulsivamente pelos cabelos – Eu posso ter sido idiota o suficiente pra não perceber que estava sendo traído, mas eu não vou mais admitir que você pise em mim!
- E você? Não pisou em mim também? – rebati, irritada com sua atitude mesquinha – Acha que pode me fazer de amante sem que eu sequer soubesse da existência de sua noiva desde o começo e simplesmente sair ileso, se fazendo de bom moço ainda por cima?
- Eu fiz isso porque te amo! Eu fui burro o bastante pra me apaixonar por você! – gritou, e agora as lágrimas rolavam por seu rosto enfurecido conforme ele voltava a se aproximar de mim – Eu já devia saber que você não vale porra nenhuma e não passa de uma vadiazinha que botaria um belo chifre na minha cabeça assim que tivesse a chance!
- Chega! – exclamei, e sem sequer conseguir pensar, atingi seu rosto com um tapa, usando toda a força que pude reunir – Eu não vim aqui pra te diminuir, e não admito que você faça isso comigo!
levou uma mão à parte atingida de seu rosto, pego de surpresa com minha agressão, e sem nem hesitar, devolveu o tapa com toda a sua força, fazendo-me cambalear para o lado, totalmente desnorteada e com muita dor. Levei minhas mãos à cabeça, fechando os olhos e sentindo tudo girar ao meu redor, e novamente o gosto de sangue surgiu em minha boca.
- Eu te diminuo sim – ele cuspiu, com a voz carregada de desdém, e aos poucos meus olhos foram se enchendo de lágrimas - Você não vale o chão que pisa, garota... Maldito foi o dia em que eu te deixei entrar na minha vida.
Respirei fundo, tentando organizar minha mente, mas minha cabeça doía tanto que eu mal conseguia abrir os olhos. Parecia que ele havia rachado meu crânio ou algo do tipo, pra ser bastante honesta. Mesmo assim, fiz um esforço, e por mais que minha voz tenha saído baixa, ele pôde me ouvir.
- Vá pro inferno.
- Eu vou... Pode ter certeza disso – ele murmurou, e sua respiração bateu em meu ouvido, mas por mais que eu sentisse medo, tudo estava girando demais ao meu redor para que eu pudesse me afastar – Mas vou arrastar vocês dois comigo.
- Me deixe em paz – pedi, apoiando-me no sofá ao meu lado ao sentir minha cabeça pulsar, e ele soltou um risinho debochado.
- Não posso fazer isso... Tenho uma promessa a cumprir – rosnou ao pé de meu ouvido, apertando meu braço com tanta força que seus dedos interromperam minha circulação e fazendo um gemido baixo escapar de minha garganta – Já se esqueceu dela?
Assim que ouvi suas palavras, foi como se eu tivesse sido arrancada dali. Eu não estava mais no apartamento de , minha cabeça não doía, nem sua mão machucava meu braço. Uma brisa suave brincava com meus cabelos, e um cheiro de mar adentrava minhas narinas, assim como um magnífico pôr-do-sol era tudo o que eu via diante de mim.
A promessa... Eu me lembrava bem dela. Tão bem que nem me assustei ao ouvir minha própria voz, junto com a dele, ecoar em minha mente.

- Se eu te pedir uma coisa... Promete que vai fazer?
- O que você quiser.
- Por favor,
prometa que vai fazer.
- Prometo... Não confia em mim?
- Então me prometa só mais uma coisa... Se um dia eu te machucar... Prometa que vai fazer pior comigo.
- Como assim, ? Como você poderia me machucar?
- Eu só quero que você me dê a certeza de que vou me arrepender amargamente do dia em que te fizer sofrer... Quero que prometa que não vai me deixar em paz sem me punir por uma injustiça dessas.


Abri meus olhos, sentindo grossas lágrimas escaparem por eles, e o chão do apartamento de surgiu em minha visão. A brisa subitamente parou, e o cheiro do mar sumiu de imediato. Porém, as vozes em minha cabeça continuaram a reproduzir minha memória, como se alguém a estivesse sussurrando em meu ouvido.

- Você não me faria sofrer... Faria?

- Eu me lembro... – soprei, lutando contra o som das ondas do mar quebrando próximas à costa. O conflito entre a realidade e a lembrança estava me atordoando demais para que eu conseguisse dizer algo mais.
- Ótimo... Melhor não se esquecer dela tão cedo – ele sussurrou, fitando meu rosto desolado antes de me soltar – Caso contrário... Vai ser um prazer refrescar a sua memória.
Por alguns segundos, tudo que fui capaz de fazer foi encarar o chão, paralisada, até conseguir levar minhas mãos trêmulas ao rosto, cobrindo minhas lágrimas conforme eu corria desesperadamente até a saída do apartamento. não tentou me impedir, e sem nem ver o que estava fazendo, girei a maçaneta e abri a porta, mas quando fiz menção de correr, meu corpo colidiu contra o de alguém do lado de fora. Antes mesmo que eu pudesse reconhecer a pessoa, seus braços me envolveram e sua voz alarmada perguntou:
- O que aconteceu?
- ... – soprei, agarrando sua camiseta e afundando-me em seu peito. Eu não tive forças para dizer nada; estava tão nervosa e com tanta dor que mal conseguia pensar direito.
- Olá, – ouvi a voz de cumprimentar, transbordando uma falsa simpatia. O leve sadismo em seu tom me fez encolher meu corpo.
- Vamos embora – me disse, após alguns segundos em silêncio, e me virou sutilmente na direção das escadas.
- A conversa ainda não terminou – impôs, voltando à sua postura agressiva, porém não foi necessário muito tempo para que ele recebesse uma resposta à altura.
- Estou pouco me fodendo para o que você acha – rosnou, pronunciando cada palavra com todo o seu desprezo e ódio - Pra mim, ela não deveria nem ter começado.
pareceu intimidado demais para retrucar, e nós não o demos tempo para isso, pois em poucos segundos já estávamos descendo os degraus rumo à saída.

- Nunca.

- Mas o que... – Andy disse, levantando-se assim que nos viu, e eu imaginei que não deveria ter sido muito diplomático há alguns minutos, quando entrou.
- Não enche – o interrompeu, caminhando em passos largos até a rua e quase me carregando pelo caminho, pois minhas pernas insistiam em fraquejar – , eu preciso que você fique acordada, está bem?
Meus olhos se fecharam sozinhos assim que tudo ao meu redor girou mais uma vez, me causando um certo embrulho no estômago. Eu me sentia numa montanha-russa após um farto almoço. Engoli em seco, sentindo minha cabeça latejar, e me deixei conduzir até o carro. Seria possível que tivesse conseguido me afetar tanto com aquele tapa ou tudo era apenas efeito psicológico causado por meu nervosismo?
- Casa... – balbuciei assim que ele me sentou e me ajudou com meu cinto de segurança, apertando seu pulso de leve para que ele prestasse atenção no que eu queria dizer – Eu... Vai me levar... Você vai...
- Claro que não, , eu vou te levar pra um hospital – respondeu, categórico – Você não está conseguindo nem formar frases!
- Não, eu... Quero ir pra casa – insisti, respirando fundo e conseguindo pensar com mais clareza – Eu só fiquei nervosa demais...
- Pode ser algo sério – ele resistiu, preocupado, mas eu não o deixei vencer.
- Eu só estou um pouco atordoada, não se preocupe... Só preciso ir para casa me acalmar – falei, dessa vez com mais firmeza, já me dando conta de que o perigo estava longe outra vez - Por favor, é só o que eu peço.
Apesar de a dor em minha cabeça ter pulsado logo após minhas palavras, pareceu funcionar. sustentou meu olhar por alguns segundos, indeciso, e fechou a porta, entrando pelo lado do motorista sem demora.
- Só não durma – ele disse, ligando o carro e respirando fundo antes de acelerar. Assenti levemente, repousando minha cabeça no encosto do banco, e fechei os olhos para aliviar a dor.
Dois segundos depois, um alívio imenso inundou minha mente, fazendo com que o barulho do motor do carro sumisse e eu apagasse.

- Eu disse pra não dormir, sua... Coisa teimosa.
Abri os olhos, sentindo minha cabeça e pálpebras pesadas. Pisquei algumas vezes para focalizar o borrão azul e branco à minha frente, e fixei meu olhar no de assim que consegui definir onde seus olhos estavam.
- Me desculpe – murmurei, e pigarreei ao ouvir minha voz completamente rouca. Olhei ao meu redor, reconhecendo meu quarto, e só então me dei conta de que estava deitada em minha cama, com sentado ao meu lado.
- Como você está? – ele perguntou, enquanto eu me sentava devagar e levava as mãos à cabeça, massageando-a – Doendo muito ainda?
- Não... Quase nada – menti, dando um sorrisinho que não deve ter sido muito convincente e sentindo a dor aumentar a cada vez que piscava – Nada que um analgésico não resolva.
soltou um suspiro discreto, me olhando com intensidade, e eu insisti no sorriso. Não deu certo.
- O que aconteceu naquele apartamento, ? – ele indagou, com a voz preocupada – O que ele fez?
Respirei fundo, abandonando o falso sorriso e desviando meu olhar do dele para pensar um pouco. Por que eu deveria mentir ou omitir algo? Eu estava cansada disso, e sabia que não precisava me preocupar quanto a ser sincera com ele.
- Ofensas, ameaças... Até aí, nada que eu já não esperasse – respondi, um tanto hesitante, e voltei a olhá-lo – Mas eu acabei perdendo a cabeça e dei um tapa nele.
- E ele revidou – deduziu, franzindo a testa e cerrando os olhos em indignação – Que belo merda ele é. Eu ainda vou acabar com esse put...
- Ele vai se mudar, me parece – o interrompi, tentando não trazer de volta à minha mente aquela cena horrível – Não consegui perguntar para onde, mas tenho um palpite.
- Essex – ele disse, e eu assenti – Espero que ele se mude amanhã mesmo, e fique pra sempre... Bem, com a outra lá.
Fingi concordar com suas palavras, mas a maldita promessa me atingiu em cheio. Mesmo que não conseguisse nos causar nenhum dano, o que não me parecia muito provável, ainda faria o que estivesse ao seu alcance para nos prejudicar.
E eu tinha uma certa noção de por onde ele começaria.
- Que horas são? – perguntei, um tanto assustada, e olhei para o relógio no criado-mudo – Sete e quarenta e dois! Minha mãe vai chegar daqui a pouco!
- Eu sei, já estou indo embora – me acalmou, ainda reflexivo diante do que eu havia dito sobre minha conversa com – Você vai contar tudo a ela hoje?
Fechei meus olhos, esfregando meu rosto com as mãos e tentando não ficar nervosa diante do que ainda tinha que fazer. Eu não podia mais perder tempo. Se antes mesmo de todos os acontecimentos daquela tarde eu já tinha certeza de que agiria rápido, agora eu já estava preparada para que o dia seguinte fosse a confirmação de minha teoria.
- Não antes de um analgésico... Mas eu tenho que contar – assenti, com os olhos baixos e o coração apertado. Algo me dizia que eu ainda levaria outro tapa naquele dia.
- Aconteça o que acontecer, me ligue assim que puder, está bem? – murmurou, segurando minhas mãos e notando meu nervosismo – Caso aconteça algo drástico, eu venho te buscar e te levo pro meu apartamento.
Concordei, erguendo meu olhar até o dele, e o vi dar um sorriso fraco, porém sincero.
- Obrigada – sussurrei, e ele levou uma mão até meu rosto, acariciando minha bochecha.
- Acho que agora é minha vez de dizer... – ele falou, soltando um risinho baixo – Vai ficar tudo bem.
Sorri, achando graça de sua brincadeira, e só então percebi que ele estava um tanto distante de mim. Ou talvez eu estivesse com tanto medo de tudo que não aceitaria menos que tê-lo colado a mim para ter certeza de que tudo ficaria mesmo bem.
- Você pode me dar um abraço? – pedi, com a voz involuntariamente manhosa – Acho que estou precisando.
me lançou um olhar quase torturado, dando um sorriso derretido que eu nunca havia visto antes, e num segundo, seus braços envolveram minha cintura com força. Sorri junto, abraçando-o pelo pescoço e embrenhando meus dedos em seus cabelos. Inspirei seu perfume, sentindo-o fazer o mesmo, e o apertei contra mim, com o coração batendo muito forte. Todos os meus problemas pareceram simplesmente evaporar quando senti sua respiração bater em minha pele; naquele momento, foi como se só existisse ele em todo o universo, e só o que importasse fosse mantê-lo em meus braços. O resto parecia supérfluo demais para ser sequer lembrado.
- Como eu sou malvado, não? – ele murmurou após alguns segundos, me dando um beijo no pescoço, e eu ri baixinho, arrepiada – Mal consegui você só pra mim e já estou te fazendo passar vontade...
- Seu bobo – resmunguei, afastando-me apenas para que pudesse encará-lo bem de perto, e lhe dei um beijo de esquimó – Quem é o malvadinho?
- Olha, eu ainda sou seu professor e exijo um pouco mais de respeito, pode ser? – ele riu, cerrando os olhos para mim, e apesar de minha atitude idiota, notei que ele havia ficado mais envergonhado do que eu – Se for pra me chamar de alguma coisa, que seja no aumentativo.
- Ok então... Quem é o malvadão? – reformulei a pergunta, fazendo uma voz grossa e fechando a cara para parecer barra pesada – Melhorou?
- Sua ridícula! – ele exclamou, revirando os olhos e caindo na gargalhada junto comigo – Que bom que eu gosto demais de você e sou capaz de sobreviver a momentos como esse.
- Ah, que ótimo, eu ia mesmo conferir isso! – falei, rindo mais um pouco, e quando as gargalhadas cessaram, ele fez o que eu tanto queria. Suas mãos escorregaram por minha cintura enquanto nossos lábios se tocavam, e eu abri os meus, dando-lhe permissão para aprofundar o beijo. Agarrei seus cabelos com força, me sentindo como se não o beijasse há muito tempo, e aos poucos desci minhas mãos por seu pescoço e ombros, revertendo totalmente meu favoritismo por sua camiseta pólo e odiando-a por cobrir seu corpo.
- ... Eu acho que estou me empolgando – soprou após alguns minutos, e só então me dei conta de que estava deitada novamente, com seu tronco sobre o meu – E isso não é muito conveniente agora.
Sorri, mordendo seu lábio inferior enquanto desabotoava os dois únicos botões de sua camiseta, apenas por puro charme.
- Ah... Só porque minha dor de cabeça estava passando – lamentei, dando-lhe um selinho e quase rindo ao vê-lo todo desgrenhado quando voltamos a nos sentar – Mas você tem razão. Não é nem um pouco conveniente agora.
- Além do mais, sua cama não agüentaria nem uma rapidinha – ele observou, ajeitando a camiseta e o cabelo com rapidez – Teríamos que procurar algum outro lugar, o que seria ainda menos conveniente.
- Por que você acha que a pia do banheiro é grande? – pisquei, vendo-o abrir a boca em surpresa, e logo depois dei risada – Brincadeira!
- Não deixa de ser uma idéia a considerarmos – sorriu, extremamente malicioso, e eu ergui as sobrancelhas, sorrindo junto logo depois – Fiquei tentado agora, .
- Infelizmente, hoje você vai ter que se contentar com pornografia – falei, com a expressão levemente triste – Enquanto eu sou expulsa de casa, você pode assistir a alguns vídeos de lésbicas se beijando ou mulheres fazendo sexo com cavalos.
- Acredite, eu não curto zoofilia – ele cerrou os olhos, enojado – Eu até experimentei pegando a Smithers, mas... Eca.
- Cretino! – falei, dando um soquinho em seu peito enquanto gargalhava, e ele deu um risinho maldoso.
- Vem comigo até a porta? – perguntou, levantando-se e estendendo os braços para que eu fosse em seu colo. Sem pensar duas vezes, concordei com a idéia.
- Me sinto um bebê quando você me carrega assim – comentei, balançando minhas pernas, uma de cada lado de sua cintura, enquanto enroscava as mechas de cabelo de sua nuca em meus dedos e me deixava levar pelo corredor.
- Mas você é um bebê – ele disse, descendo as escadas com cuidado – Que quando quer, consegue ser um baita mulherão.
- Culpa sua, malvadão – brinquei, engrossando a voz outra vez, e ele soltou um risinho divertido, chegando à porta e me pondo no chão.
- Falando sério agora – murmurou, me lançando um olhar preocupado – Boa sorte com a sua mãe, toda a sorte do mundo... Vou ficar morrendo de ansiedade em casa, checando o celular de cinco em cinco segundos esperando você ligar. Vai dar tudo certo, vamos pensar assim, está bem?
- Tomara mesmo – suspirei, sentindo-o envolver minhas mãos com as suas e apertando seus dedos – Obrigada.
- Se precisar de mim, não hesite em me ligar, ouviu? – ele reforçou, e eu assenti, recebendo um apertão carinhoso no nariz – Se cuida, bebê.
Cerrei meus olhos para ele ao ouvir o apelido, e recebi um sorriso discreto como resposta.
- Vou perdoar só por causa do malvadão – falei, vendo-o revirar os olhos – E porque eu te amo também, claro, mas isso é só um detalhe.
- Ah, sim, eu também já ia me esquecer de dizer que te amo – concordou, balançando negativamente a cabeça – Eu te amo, viu? Mas é só um pouquinho, besteirinha mesmo.
- É, nada de mais – dei de ombros, vendo-o prender o riso, e dois segundos depois, me puxar pela cintura para mais um beijo.
- Eu te amo demais, garota – ele resmungou, afastando nossos lábios após apenas alguns calorosos e intensos segundos - Só pra esclarecer qualquer dúvida.
- Isso vai soar prepotente, mas eu não tenho nenhuma – sorri, olhando-o com determinação, e ele sorriu de volta – Espero que você não tenha dúvidas de que é recíproco.
- Bom, eu não sei como isso vai soar, mas você tem se saído bem em sanar todas elas – murmurou, piscando e me dando um selinho rápido antes de nos afastarmos – Vou deixar pra dar boa noite por telefone, quando você me ligar contando que sua mãe mal espera para conhecer seu genro querido e másculo.
- Seu otimismo e humildade me deslumbram – dei risada, abrindo a porta para que ele passasse e dando-lhe um tapinha na bunda ao vê-lo sair – Até mais.
Fiquei observando-o entrar no carro e rapidamente ir embora, e fechei a porta. Um sorrisinho idiota estava estampado em meu rosto, mas bastaram alguns segundos para que ele se esvaísse e a preocupação tomasse seu lugar. Me sentei no sofá, fitando minhas próprias mãos, e comecei a formular meu discurso. A dor de cabeça ainda se fazia presente, mas nem se comparava ao tamanho de minha preocupação e medo diante de meu próximo desafio.
Nenhuma das dificuldades e obstáculos pelos quais eu havia passado e ainda teria de passar me pareciam piores que a reação de minha mãe.

Estava em alguma outra dimensão, alienada demais com os milhares de pensamentos em minha mente para ter noção do tempo, quando ouvi a maçaneta da porta girar. Meu coração pareceu parar por um momento, congelado de nervoso.
- Boa sorte – sussurrei para mim mesma, respirando fundo e ficando de pé a tempo de ver mamãe entrar. Era agora ou nunca.
- Oi, filha! – ela sorriu, trancando a porta por dentro – Você parece melhor... Como foi a sua tarde?
Sinceramente?
- Já tive melhores – respondi, sendo honesta de certa forma, sem conseguir retribuir o sorriso. Notando meu jeito estranho, mamãe parou a alguns passos de mim, me olhando com um pouco de receio.
- O que houve? – ela perguntou, colocando sua bolsa no sofá – Que carinha é essa?
Respirei fundo mais uma vez, necessitada de oxigênio para me acalmar, e dei o primeiro passo rumo ao meu desastre.
- Mãe... Eu tenho uma coisa pra te falar – comecei, sentindo meu coração disparar e meu corpo esquentar de tão nervosa que estava.
- Ah, não... – mamãe suspirou, levando as mãos ao peito com a expressão um tanto horrorizada – Você está grávida!
Franzi a testa, sem compreender seu pavor antecipado, e tratei de desfazer o mal entendido.
- Não, mãe, não é isso...
- Está usando drogas? – ela chutou novamente, mantendo o olhar aterrorizado, e se não estivesse tão nervosa, teria rido horrores.
- Claro que não! – falei, revirando os olhos.
- Não me diga que está pensando em abandonar os estudos e ir morar com um namoradinho do colégio num trailer no Texas! – ela disse, ainda mais chocada, e eu me irritei.
- Será que eu posso falar o que é de uma vez ou você vai continuar com esses palpites sem sentido? – bufei, e ela abandonou a expressão de horror, adotando uma séria – Obrigada.
- Desculpa, filha... É que eu me assustei com esse seu jeito sério – ela murmurou, e eu esbocei um rápido sorriso compreensivo – Pode falar, querida, o que foi?
Hesitei por alguns segundos, ainda ponderando a hipótese de desistir, mas eu sabia muito bem que não podia. Ou ela saberia por mim ali e agora, ou teria uma bela surpresa na manhã seguinte, na sala da diretora. E eu preferia cometer pelo menos um ato de honestidade em consideração a ela.
- Eu... Estou namorando – foi só o que consegui dizer, fechando os olhos por alguns segundos e me amaldiçoando por minha falta de coragem de completar a frase.
- Oh, meu Deus! – ela sorriu, parecendo aliviada – Era só isso, meu amor? Que susto! Pensei que era algo mais sério!
Abri os olhos, vendo-a me encarar com alegria, e esperei que ela fizesse a pergunta que provavelmente reverteria toda aquela situação.
- Quem é o sortudo?
Sustentei seu olhar, engolindo em seco. Não havia mais como fugir.
- Meu professor de biologia – respondi, completamente apavorada.
Mamãe não esboçou reação. Não a princípio.
Meus olhos estavam bem abertos e fixos em seu rosto, agora com um sorrisinho congelado que aos poucos se desfazia. Minha garganta fechou, meu coração batia freneticamente, minha respiração havia parado por alguns segundos, mas tudo que eu conseguia fazer era encarar mamãe, esperando que a ficha caísse.
Imaginei que ela levaria algum tempo para absorver o impacto.
- Uau... Isso... Isso é verdade? – ela riu, bastante chocada, mas ainda não havia repreensão em sua voz – Você está mesmo namorando seu professor?
Nervosa demais para abrir a boca, apenas assenti.
O sorriso de mamãe não desapareceu de vez assim que reafirmei minha revelação, como eu imaginei que desapareceria. Por um segundo, cogitei a hipótese de minha mãe estar usando drogas.
- Quantos anos ele tem? – ela perguntou, cerrando os olhos de uma forma interessada. O que diabos estava acontecendo? Cogumelos alucinógenos no cardápio da empresa?
- Trinta – respondi, vendo-a assentir devagar, processando a informação, e a poupei do cálculo - Ele é treze anos mais velho que eu.
Mamãe ficou em silêncio por alguns segundos, e eu não ousei quebrá-lo. Eu temia ser atacada a qualquer segundo, por isso me mantive na defensiva. Aquela reação inicialmente conformada não era a que eu estava esperando, me colocava em território completamente desconhecido.
- Há quanto tempo? – ela indagou, mantendo a bizarra naturalidade – Digo, há quanto tempo vocês estão namorando?
- Quase dois meses – falei, mal conseguindo piscar de tão alerta. Onde estava o momento em que ela se jogaria sobre mim e arrancaria todos os meus cílios com uma pinça? A qualquer momento agora, talvez.
- Hm... – ela voltou a assentir, e ergueu rapidamente as sobrancelhas – Ele é um bom rapaz? Quer dizer... Homem? Argh, isso é esquisito... Você entendeu.
Franzi a testa, sem saber como respondê-la. Eu estava completamente desprevenida.
- Erm... Que eu saiba, sim – balbuciei, vendo-a me olhar como se estivéssemos conversando sobre os bíceps do vizinho gostoso – Ele é bastante, hm... Gentil.
Ah, tá. Gentil não era um adjetivo exatamente abrangente para descrever , mesmo que ele tivesse seus momentos. Mas tudo bem, eu estava ocupada demais tentando decifrar a reação de mamãe para pensar naquilo.
- Isso é bom... Gentileza é importante – ela comentou, aproximando-se de mim sem pressa, e eu me preparei para perder um braço no maior estilo Kill Bill ou algo parecido – Imagino que vocês já... Bem, vocês já dormiram juntos, certo?
- Mãe... Aonde você quer chegar? – perguntei, sem conseguir mais controlar meu nervosismo e me sentindo horrivelmente desconfortável com o rumo da conversa – Por que todas essas perguntas? Quer dizer... Eu estava esperando uma reação muito mais...
- Violenta? – ela completou, esboçando um sorrisinho quase divertido, e eu apenas pisquei algumas vezes, sem saber o que pensar.
- Talvez – confessei, completamente confusa. Mamãe fechou os olhos por alguns segundos, soltando um risinho, e segurou minhas mãos, levando-me para o sofá, onde nos sentamos.
- Eu imagino o quão estressantes esses dois últimos meses devem ter sido pra você, querida – ela suspirou, colocando minhas mãos entre as suas e me olhando com compreensão – Mas não precisava ter sido desse jeito. Fico muito feliz por você ter me contado hoje, foi muito corajoso da sua parte... No entanto, preciso confessar que já desconfiava de que havia algo por trás das temporadas na casa da .
Esbocei um sorrisinho extremamente sem graça, sentindo minhas bochechas esquentarem, e mamãe me lançou um olhar empático. Aquilo estava realmente acontecendo ou eu havia desmaiado e estava delirando?
- Nós, mães, criamos nossos filhos para o mundo – ela prosseguiu, alternando olhares entre nossas mãos e meu rosto – Com você não é diferente. A cada dia que passa, eu me dou conta de que você é menos minha e mais sua... A cada dia, o seu espaço e a sua privacidade se tornam muito maiores do que eu jamais vou poder acompanhar, e eu entendo isso. É completamente normal e saudável que você amadureça dessa forma. Enfim, o que eu quero dizer com todo esse papo furado é que eu agradeço por você ter me contado, muito mesmo. Apesar de saber que eu poderia sentir muita raiva, você não fugiu de mim, porque temos muita confiança uma na outra. E essa é uma das maiores lições que uma mãe pode ensinar a um filho. Estou orgulhosa dessa prova de que você está amadurecendo... Deixando de ser a minha garotinha para se tornar uma mulher independente, que sabe o que é melhor pra si.
Mamãe manteve o sorriso compreensivo, e só então eu me dei conta de que tinha chances concretas de continuar viva e inteira após aquela conversa. Toda a tensão daqueles últimos tempos estava se esvaindo lentamente, e eu me sentia mais leve a cada segundo. O apoio dela era tudo o que eu precisava para ser verdadeiramente feliz, e agora que eu o estava recebendo, todos os problemas pareciam cada vez menores.
- Obviamente, eu estou morrendo de medo disso – ela confessou, e ambas sorrimos de um jeito nervoso – Eu posso ser bastante liberal, mas ainda sou mãe, e mães têm uma certa fobia em relação a tudo que possa representar perigo para seus filhos. Portanto, sim, eu estou muito assustada com o fator idade e pretendo conhecer e investigar direitinho esse seu namorado. Mas eu não posso simplesmente enfiar a mão na sua cara e te botar pra fora de casa por causa disso... Sabe por quê?
Neguei com a cabeça, focando toda a minha atenção em suas palavras, e ela continuou:
- Porque a primeira coisa que você faria seria procurá-lo... Estou errada?
Sorri junto com ela, totalmente desconcertada, e neguei novamente.
- Qual seria a minha atitude como mãe deixando minha filha nas mãos de um homem que eu não conheço? – ela perguntou, erguendo as sobrancelhas e entortando a boca por alguns segundos – Eu seria uma completa desnaturada, sem dúvida alguma. Não é certo te punir por gostar de alguém mais velho. O amor não escolhe endereço, sexo, religião... Muito menos idade. E eu sei muito bem disso.
- Sabe? – murmurei, intrigada, e ela assentiu com um sorriso.
- Acha que nunca me apaixonei por um professor? – mamãe riu, e eu a acompanhei – É claro que já. Várias vezes, por sinal. Chorava porque eles nunca me notavam, me derretia toda só de conversar com eles, até tinha vergonha de simplesmente olhar pra eles... Acredite, eu era patética. E assim como nós duas, praticamente toda garota se apaixona loucamente por um professor. Faz parte da explosão de hormônios que acontece na adolescência.
Concordei com a cabeça, apertando sua mão e sentindo como se um peso enorme tivesse sumido de meus ombros.
- Além do mais, seu pai é oito anos mais velho que eu, esqueceu? – ela ressaltou, e eu ergui as sobrancelhas, só então me recordando disso – Quando nos conhecemos, eu tinha 19 e ele, 27. Mesmo com nossa diferença nem tão significativa aparentemente, enfrentamos um certo preconceito. Sua avó não aceitou durante os primeiros meses, mas quando eu disse que iríamos nos casar, dois anos depois, ela percebeu que nós nos amávamos de verdade e passou a aceitar muito bem os oito anos entre nós.
Assenti, refletindo sobre o que ela havia dito. Naquele momento, imaginei como estaria meu pai em Aberdeen, casado com sua nova esposa após a separação de mamãe.
Provavelmente, lidando muito bem com os dez anos de diferença entre ele e minha madrasta. O pensamento me fez sorrir, e me lembrou de que eu estava devendo uma visita a eles desde as férias de verão passadas.
- Obrigada por me compreender – agradeci baixinho, encarando-a com toda a minha sinceridade e gratidão – Eu juro que quis te contar desde o princípio, mas tive muito medo.
- Não precisa se desculpar, meu amor – ela disse, sorrindo compreensivamente – Namorado nenhum nesse mundo vai te amar mais do que eu, portanto confie em mim pra tudo, eu vou te apoiar seja no que for. Até mesmo se estiver grávida, usando drogas... Mas quanto à parte do trailer no Texas, nem pensar.
- Obrigada – falei, dando risada de sua careta ao finalizar a frase, e ela se empertigou no sofá, como se estivesse embaraçada com o que estava prestes a dizer.
- Já que estamos resolvidas quanto a isso... E se você me perdoa a curiosidade, eu... Bem, eu quero saber de tudo – mamãe confessou, dando um sorrisinho sem graça, e eu engoli em seco – Como começou, o que aconteceu... Só corte os detalhes mais sórdidos, por favor.
Hesitei antes de respondê-la. Talvez o pior ainda estivesse por vir.
- Eu não sei se você vai gostar disso... – respirei fundo, resgatando minha coragem e determinação para narrar os verdadeiros acontecimentos dos últimos meses, até mesmo os menos gloriosos – Mas eu prometi a mim mesma que você saberia de tudo por mim, antes de possivelmente ouvir versões de outras pessoas.
Mamãe franziu a testa diante de minha seriedade, e eu comecei.
Expliquei toda a história, desde breves perfis dos dois até os recentes acontecimentos em relação ao meu rompimento com . Não alterei nenhum detalhe, determinada a ser totalmente verdadeira com mamãe. Mesmo tendo demonstrado muita compreensão, eu não sabia como ela reagiria diante de todas aquelas revelações, e eu não pretendia mais mentir para ninguém. Muito menos para ela. Mesmo que isso fosse mudar completamente sua reação diante da situação.
- Deixe-me ver se entendi direito – ela disse, quando eu terminei de falar, concentrada em organizar os fatos em sua mente – Você namorou por um tempo com um, mas acabou traindo-o com o outro e se apaixonando por ele. Quando você já não agüentava mais toda essa culpa e estava finalmente disposta a ficar apenas com o amante, descobriu que o outro um tinha uma noiva desde o começo, e agora ele está disposto a tudo para te prejudicar porque descobriu que estava sendo traído?
- Basicamente, sim – assenti, levando alguns segundos para compreender o resumo confuso que ela havia feito e sentindo-me novamente nervosa diante dela. Agora sim eu estava quase certa de que receberia alguns golpes de luta livre ou seria submetida a algum tipo de tortura chinesa.
Mamãe ficou quieta por alguns minutos, compenetrada em algo que eu não estava enxergando na altura de seu joelho, e eu não ousei interromper seu devaneio. Era informação demais para uma noite só.
- Meu Deus... Minha filha é uma femme fatale e eu nem fazia idéia disso – ela murmurou, quando já parecia um pouco mais adaptada aos fatos, e me encarou com o olhar levemente perdido – Quer dizer... Dois de uma vez?
Baixei meu olhar, sentindo uma vergonha infinita, mas mamãe não me deu tempo suficiente para mergulhar nela.
- Se eu te disser que isso é algo fora do comum, vou ser honesta e mentirosa ao mesmo tempo – a ouvi continuar, e reergui meus olhos até os dela, agora um pouco mais focados – Não é todo dia que uma aluna conquista dois professores assim, mas traições inevitáveis acontecem todos os dias, assim como a te disse.
Ela fez uma breve pausa, buscando as palavras, e eu me concentrei em não parar de respirar, por mais tensa que eu estivesse.
- Isso tudo que você me contou... É passado, certo? Você e o estão juntos de verdade agora, e não há chance alguma de retomar seu antigo posto? – ela perguntou, e eu confirmei sem hesitar – Ótimo. Você se meteu numa bela saia justa, mas pelo visto tomou a sua decisão e não pretende cometer o mesmo erro.
- De preferência, nunca mais – reforcei, realmente traumatizada, e mamãe esboçou um sorrisinho.
- Bom, eu não vou dar mais nenhum discurso filosófico por hoje, não estou conseguindo nem me lembrar do meu nome. Minha cabeça vai começar a doer daqui a pouco, e eu ainda tenho muito para digerir e concluir essa noite – ela disse, sem uma expressão muito bem definida – Só o que eu te digo é: se você esperava que eu te expulsasse de casa e arrancasse o seu rim pela boca... Infelizmente não foi dessa vez. Eu não estou te odiando nem com vergonha de você, só preciso formar uma opinião concreta sobre tudo isso... Está tudo bem, de verdade. Amanhã conversaremos de novo e eu vou saber exatamente o que te dizer, pode ser?
- C-claro – gaguejei, sentindo pela segunda vez um alívio imensurável me preencher devagar, e mamãe me deu um beijo na testa. Eu tinha uma certa noção de que ela era liberal e compreensiva, mas não tanto.
- Vou tomar um banho, começar a acomodar tudo isso na minha cabeça... A água quente vai me ajudar, tenho certeza – ela falou, levantando-se e indo até as escadas com um sorrisinho no rosto – Ah, sim, pode ligar pro agora dizendo que está viva. E diga a ele que está intimado a vir jantar conosco nesse sábado. Vou preparar a melhor mousse de chocolate da história pra sobremesa.
Dei um risinho divertido, vendo-a subir os degraus, e fiquei paralisada por alguns segundos, completamente incrédula.
Eu tinha ouvido errado ou minha mãe acabara de dizer que ia fazer mousse de chocolate especialmente para ?
Talvez eu estivesse usando drogas sem saber disso. Eu já devia saber que o bebedouro da escola não era confiável.
Me mantive imóvel por mais um tempo, atordoada demais para me mover, e assim que fui capaz, peguei o telefone e disquei o número de .
- Alô? – ele atendeu, no primeiro toque. Demorei algum tempo para finalmente abrir a boca.
- Eu... Eu tô viva – murmurei, sem saber exatamente o que pensar.
- Deu tudo certo? – o ouvi perguntar, eufórico, e eu assenti, esquecendo-me de que ele não me via.
- Sim... Pelo menos foi o que ela me disse – respondi, tropeçando um pouco nas sílabas – Ela até te... Convidou pra jantar no sábado.
- Pois diga a ela que eu estarei aí – ele comemorou, rindo de um jeito aliviado e divertido - Eu disse que ia ficar tudo bem, não disse?
Somente após ouvir o que ele havia dito, consegui sair de meu transe e me dar conta do que havia acontecido.
Tudo ficaria bem agora. Eu tinha o apoio de todos que realmente eram importantes para mim, e não precisava mais enganar ninguém.
Quanto a ? Bom... Ele ainda era um problema. Mas agora eu podia enfrentá-lo com toda a minha força, sem precisar desviá-la para nenhuma outra pendência.
Pela primeira vez desde que toda aquela confusão começara, eu me sentia verdadeiramente forte.
- É... Você disse mesmo – sorri, sentindo uma certa dose de ansiedade e segurança circulando em minhas veias – Está tudo bem.

Me sentei em minha carteira, abrindo meu caderno e tirando o estojo da mochila. Por uma razão que tinha nome, sobrenome e sede de vingança, eu estava alerta, apesar da noite mal dormida devido à tensão e ansiedade que ainda me atormentavam.
, já a par de todos os acontecimentos da noite anterior (ligações noturnas são um certo costume entre nós, ainda mais em situações como aquela), me pedia calma. Tudo vai dar certo, nós estamos do seu lado, ela dizia.
Ok. Pode até ser.
Mas ainda assim, meu estômago insistia em contorcer-se a cada dez segundos, lembrando-me do mau pressentimento que apitava como uma bomba-relógio no fundinho de minha mente há dois dias.
Onde foi parar aquela dose de segurança que estava bem aqui ontem?
Um grupo de garotas rindo um tanto escandalosamente entrou na classe, parcialmente vazia devido ao constante atraso da maioria dos alunos, e em alguns dias, dos próprios professores, que costumavam enrolar um pouco antes de finalmente iniciarem seu dia de trabalho. Fingi anotar algo em meu caderno, mas pude sentir os olhares delas ardendo sobre mim, cheios de maldade. Me concentrei em minha respiração, tentando me manter calma, mas bastou uma espiada de canto de olho para que um nó se formasse em minha garganta.
Kelly Smithers não havia entrado na sala junto com suas melhores amigas, como ela fazia todos os dias... Sem exceção.
Não poderia haver nenhum tipo de irregularidade nisso, sendo que eu a havia visto no pátio antes de subir, certo? Talvez ela estivesse se amassando com algum parrudão do time de futebol e pretendendo matar a primeira aula... Pela primeira vez em toda a sua vida escolar.
É. Isso. Certo. Sem pânico. Não há o que temer.
- ? – o inspetor perguntou, colocando a cabeça para dentro da sala de aula, e eu pulei na cadeira, assustada ao ouvir meu nome.
- E-eu – respondi, erguendo discretamente a mão, e ele me encarou com a expressão indiferente.
- A diretora me pediu pra te chamar – ele disse, e imediatamente todas as amigas de Kelly fincaram seus olhares em mim – Ela quer conversar com você na sala dela.
Prendi involuntariamente a respiração por alguns segundos, encarando o inspetor que começava a estranhar minha demora, e tudo que consegui fazer foi assentir, levantando-me e indo até a porta com a mente em branco. Talvez eu tivesse atingido um nível tão alto de tensão que boa parte de meus neurônios tivessem morrido fritos.
- Boa sorte, vadia – uma das garotas do grupinho maldoso murmurou quando passei por ela, me encarando como se eu fosse uma serial killer a caminho da injeção letal – Você vai precisar.
Franzi a testa, sem saber como reagir, e apenas continuei andando até o corredor, descendo as escadas rumo à diretoria. Minhas pernas tremiam e meu rosto estava congelado numa expressão vazia, mas meus músculos continuavam me levando até a sala na qual a diretora me esperava por algum motivo. Eu não era exatamente o tipo de pessoa masoquista, por mais que isso seja duvidoso de vez em quando, mas inexplicavelmente, eu sentia que meu corpo agora me guiava na direção do olho do furacão.
Parei à porta da diretoria, ainda num estado de hipnose. Encarei a maçaneta, sem coragem de tocá-la, mas algo fez com que minha mão fosse mecanicamente até ela e a girasse, abrindo a porta e revelando quatro pessoas dentro dela.
- Olá, senhorita – a diretora Maggie Scott disse, indicando a única cadeira vazia em sua pequena sala com um gesto de cabeça – Sente-se, por favor. Receio que tenhamos alguns assuntos a esclarecer... E pelo que eu estou vendo, isso vai nos tomar um bom tempo.
Fixei meus olhos nela por alguns segundos, sentindo o mau pressentimento explodir dentro de meu peito, e logo desviei meu olhar do dela. Havia mais três olhares sobre mim, e cada um deles roubou minha atenção por um curto período de tempo, deixando-me zonza com as cargas emocionais tão divergentes que transmitiam.
Diante da mesa da diretora Scott, , e Kelly Smithers me fitavam, todos com enorme intensidade.
Porém, com intenções bem diferentes.

Capítulo 35



opcional: Pixie Lott – Band Aid

Respire.
Mantenha a calma.
Pense.
Tudo vai dar certo.
Agora... Hora de reagir.
Voltei a fixar meus olhos na diretora, e entrei na sala, fechando a porta atrás de mim. Caminhei rapidamente até a cadeira vazia, que graças a Deus, ficava na ponta, ao lado da de . Pelo menos eu não precisaria ficar perto de , muito menos de Kelly.
- Imagino que saibam por que estamos aqui, certo? – a diretora Scott disse, olhando para mim e para , que assentiu – Não deve ser surpresa para nenhum dos dois o fato de que o professor fez algumas acusações a seu respeito, então.
Engoli em seco, vendo-a nos encarar incisivamente. Um silêncio tenso caiu sobre nós, até que o quebrou.
-Ainda assim, eu gostaria de ouvir o que o professor tem a dizer – ele falou, extremamente sério, e ela ergueu uma sobrancelha, como se achasse seu pedido uma perda de tempo – Receber uma punição sem ouvir as acusações seria o mesmo que assinar um contrato sem lê-lo.
Após alguns segundos de reflexão, a diretora pareceu convencer-se.
- Por favor, professor , repita o que me disse há pouco – ela assentiu, voltando seu olhar para , assim como todos nós. Ele me lançou um rápido olhar antes de começar a falar, e eu me senti estranhamente enjoada.
Talvez prevendo o que viria.
- Eu fui ameaçado.
Franzi a testa, sem me recordar do momento em que tal fato havia acontecido. Talvez porque ele não tenha acontecido.
- Ela sempre teve essa obsessão por mim, desde que comecei a dar aulas para a sua turma – prosseguiu, e eu senti que precisaria de muito esforço para que meu café-da-manhã, ainda sendo digerido em meu estômago, não fosse parar sobre a mesa da diretora – Eu sempre tentei evitar qualquer tipo de aproximação desnecessária, até o dia em que ela se cansou de meu comportamento profissional e ameaçou me acusar de abuso sexual se eu não aceitasse um relacionamento íntimo.
Meu rosto estava congelado numa expressão incrédula, ultrajada e revoltada. Eu só podia estar delirando... Não havia outra explicação plausível.
- Eu preciso do emprego, não tenho a vida ganha – ele continuou, com a expressão inocente, e minhas mãos se fecharam em punhos em torno dos apoios laterais da cadeira – Por isso, temendo que ela realmente me denunciasse, eu aceitei sua condição, mas sempre pensando numa forma de fazê-la voltar atrás e retirar sua ameaça. Felizmente, após algum tempo, convencida de que eu jamais poderia retribuir seus sentimentos, ela me libertou de sua chantagem. Infelizmente, porém, seu foco desviou-se para outro professor.
- No caso, o professor – a diretora disse, e assentiu. Meus olhar estava inconscientemente cravado nele durante todo o seu falso depoimento, e eu não me surpreenderia nem um pouco se ele e Kelly começassem a pegar fogo dali a alguns segundos devido ao meu ódio. Olhei rapidamente para , vendo-o encarar a mesa com o rosto isento de expressão.
Ele já esperava truques baratos como aquele. Eu também já. Mas não tão baratos como simplesmente jogar toda a culpa para cima de mim. E ainda por cima, trazer Kelly, cuja presença eu ainda não entendia.
- Não foi muito difícil para ela fazê-lo corresponder seus sentimentos, já que seu histórico entre as alunas do colégio sempre foi bastante comentado – ouvi falar, e decidi adotar a tática de e não olhar mais para ninguém; mantive meus olhos baixos e o maxilar trancado, recusando-me a assistir àquele momento deplorável - E honestamente, diretora, eu não creio que seja esse o tipo de profissional que uma instituição de ensino tão renomada queira ter em seu corpo docente. Além do fato de que a srta. claramente necessita de suporte psiquiátrico, afinal, ninguém em seu perfeito estado mental faria o que ela fez.
Vai pro inferno, desgraçado, minha consciência dizia, e eu respirei fundo para não externar as palavras. Virei meu rosto na direção oposta à de e todos os outros presentes, sentindo meu corpo inteiro queimar de ódio. Filho de uma senhora puta.
- O que os senhores têm a dizer? – Maggie perguntou alguns segundos depois, e nem precisei olhá-la para saber que se referia a mim e a . Ele suspirou, preparando-se para falar, porém as palavras simplesmente irromperam de minha boca, sem que eu sequer me desse conta de que elas estavam subindo por minha garganta.
- Se eu dissesse que é tudo mentira e que quem precisa de suporte psiquiátrico é ele, a senhora acreditaria em mim?
A diretora piscou algumas vezes, surpresa com a minha resposta rápida, e eu a encarei com determinação. Se ele achava que conseguiria nos afundar sem que eu lutasse contra isso, estava muito enganado. Ele podia ter sua determinação, mas ela nem se comparava à minha.
Eu tinha por quem lutar. Ele só tinha a si mesmo.
- Acreditaria – ela disse, devolvendo meu olhar determinado com firmeza – Se fosse apenas a sua palavra contra a do sr. . O que não é o caso.
Cerrei levemente meus olhos, sem entender, e foi então que uma quinta voz finalmente se pronunciou, explicando o motivo de sua presença.
- Eu vi o professor e a se beijando no laboratório de biologia – Kelly mentiu, me lançando um olhar de censura. Fechei meus olhos por um breve momento, soltando um risinho descrente, e voltei a baixar meu olhar. Sério mesmo, Smithers?
- Há uma testemunha contra vocês – a diretora observou, entrelaçando seus dedos por sobre a mesa – E isso não pode ser ignorado.
- É mentira – se pronunciou, sem perder a inexpressividade, porém com muita certeza do que dizia – Nós nunca fizemos nada nos laboratórios. Mesmo que ela seja uma suposta testemunha, é a minha palavra contra a dela.
- Ah, é? E você tem como provar que seu argumento é verdadeiro? – Kelly perguntou, esquecendo-se de comportar-se educadamente.
- Você tem como provar que o seu é? – rebati, encarando-a com desprezo e destruindo sua autoridade num segundo. não estava sendo totalmente sincero, mas nunca havíamos sido flagrados no laboratório, sempre nos precavíamos. Aquele testemunho era absolutamente inconcebível.
- Com licença, diretora Scott – ouvi uma voz masculina dizer da porta, e todos nos viramos para ver o inspetor – Desculpe interromper.
- Tudo bem – ela bufou, incomodada com a intervenção – O que houve?
- A mãe de uma aluna acabou de ligar para a secretaria – ele explicou, e eu franzi a testa ao ver duas cabecinhas familiares por sobre seu ombro – Ela disse que está vindo para o colégio falar com a senhora.
Prestei pouca atenção em suas palavras, mais concentrada em saber o que raios fazia do lado de fora da secretaria, acenando discretamente para mim e acompanhada de Amy Houston. Totalmente confusa, olhei rapidamente para , que ostentava a mesma expressão perdida que eu.
- Esta manhã eu não posso atender mais ninguém – a diretora falou, balançando negativamente a cabeça – Peça a ela para vir amanhã.
- Com licença, diretora – chamou da porta, e o inspetor pareceu irritado com a intromissão – A mãe que está vindo é a dela.
Arregalei os olhos ao vê-la me indicar com um aceno de cabeça, e olhei novamente para , recebendo um olhar surpreso de volta. Pelo visto, ele não sabia muito mais do que eu, e isso me confortava de certa forma.
- A sra. ? – Maggie perguntou, e logo após ver assentir, ela dirigiu seu olhar para mim – Ela sabe de tudo isso?
- Ela sabe a verdade – corrigi, encarando a diretora com firmeza – E tudo isso não é a verdade.
- Ela não é a única – novamente disse, olhando com certa indignação para o inspetor que bloqueava a porta, e logo em seguida invadindo a sala com Amy em seu encalço – Eu e a srta. Houston também sabemos.
Olhei para , em pânico, e a vi esboçar um sorriso satisfeito. Com toda a certeza do mundo, eu havia perdido algo.
- Pois não, senhoritas – a diretora Scott assentiu após alguns segundos de hesitação, e dispensou o inspetor com um aceno de mão – Sou toda ouvidos.
- Se incomoda em começar? – perguntou, virando seu rosto para Amy, assim como todos os outros presentes. Notando que era o centro das atenções, ela respirou fundo antes de falar.
- Eu ouvi uma conversa entre os dois há alguns meses... Numa sala vazia – ela começou, parecendo tímida, porém bastante certa do que dizia – Eu saí da sala para ir à enfermaria tomar um comprimido para dor de cabeça, e assim que apareci no corredor, vi o professor puxando pela mão para uma sala perto dos banheiros. Fiquei curiosa e me aproximei para ouvir a conversa deles por trás da porta, e só consegui escutar alguns pedaços. E bem... Eu ouvi claramente o professor dizer que queria beijá-la.
- Eu não admito que uma aluna faça uma acusação dessas sem poder provar! – exclamou, exaltado, e a diretora ergueu uma mão, ordenando que ele se acalmasse.
- Ninguém aqui tem provas concretas, professor – ela esclareceu, olhando para Amy em seguida – A senhorita tem certeza do que disse?
- Absoluta – Amy confirmou, e só então eu me dei conta de que mal respirara desde que ela começara a falar. Se eu não estava enganada, aquele momento ocorrera no dia seguinte ao nosso primeiro beijo. Como fomos tão descuidados a ponto de permitir que alguém nos visse e ouvisse?
Minha mente mergulhou em questionamentos, mas parte dela manteve-se atenta a tudo que acontecia à minha volta. A diretora assentiu, respirando fundo, e olhou para .
- E a senhorita... O que tem a dizer?
- Será que eu posso me sentar? – ela perguntou, fazendo uma caretinha, e eu quase ri da forma confiante através da qual ela lidava com a situação – A história é um pouco longa, e eu faço questão de ser bem detalhista.
- Eu vou buscar duas cadeiras em alguma sala vazia – se ofereceu, levantando-se antes mesmo que a diretora se pronunciasse, e todos se mantiveram quietos até que ele retornasse.
- Muito obrigado, professor, o senhor é muito gentil – agradeceu enquanto ela e Amy se acomodavam, sorrindo para e logo em seguida lançando um rápido olhar de desprezo para – Agora eu posso contar tudo. Hm... Por onde começo?
Quinze minutos se passaram, durante os quais a voz de fora praticamente soberana na sala. Apenas a diretora fazia algumas perguntas, que eram muito bem respondidas, enquanto o resto dos presentes, incluindo eu, ouvia em silêncio. Observei o rosto de , já um pouco nervoso diante de todo o relato verídico e convincente de , e meu coração acelerou. Desviei os olhos para , que olhava atentamente de para a diretora, e então olhei para Amy, cochilando sobre o próprio ombro. Típico.
- Com licença, diretora Scott – o mesmo inspetor interrompeu, e todos nós o olhamos – A sra. acabou de chegar.
- Peça-a para entrar, por favor – Maggie pediu, e meu coração quase parou ao ver minha mãe entrando, poucos segundos depois, na pequena sala já tão cheia de gente.
- Bom dia, diretora – ela sorriu, sem o menor sinal de nervosismo ou raiva, e logo em seguida olhou para – Olá, querido. Como vai?
- Bem, e a senhora? – ele disse imediatamente, sorrindo de maneira amigável, e ela assentiu, respondendo-o.
Espera um pouco aí.
O que diabos eu havia perdido afinal? Eu tinha ficado desacordada por algumas semanas? Desde quando minha mãe conhecia ?
- Bom dia, sra. – a diretora cumprimentou, alguns segundos depois, parecendo tão pega de surpresa com a simpatia entre os dois quanto eu e , que mal conseguia disfarçar sua indignação – Por favor, sente-se.
- Fique à vontade – adiantou-se, ficando de pé e fazendo um gesto para que minha mãe ocupasse o seu lugar.
- Muito obrigada – mamãe falou, obedecendo-o e dando um breve sorriso para mim enquanto parava atrás de minha cadeira e apoiava suas mãos no encosto dela. Apenas pisquei, olhando para e vendo-a prender um sorrisinho. A voz da diretora me trouxe de volta à realidade, e eu me concentrei para guardar minhas dúvidas e prestar atenção nela.
- Pois bem... A que devo sua presença?
- Primeiramente, eu trouxe alguns bilhetes que encontrei no criado-mudo de minha filha – ela começou, mexendo em sua bolsa e retirando alguns pedaços de papel dobrado dela, logo depois colocando-os sobre a mesa - São bilhetes do professor , pelo que pude perceber. E se a senhora ler qualquer um desses, terá como se certificar de que a caligrafia é dele.
Encarei os bilhetes sobre a mesa, totalmente perplexa. Como minha mãe os havia descoberto? Tentando encontrar uma resposta racional, apenas observei a diretora abrir um deles e lê-lo em voz alta:

Tenho uma surpresa pra você nesse fim de semana. Pode ir se preparando, vou te seqüestrar de sexta a domingo! Te amo.

Eu ainda me lembrava desse. Ele havia me dado antes de irmos à casa de praia. Olhei rapidamente para , e por um segundo o choque e o pânico percorreram seu rosto.
- Isso não prova nada – ele protestou, sem se deixar abater pela súbita prova contra si – Quem garante que eu os escrevi, mesmo se a caligrafia for minha? Esses bilhetes podem ter sido forjados! E mesmo que eu os tivesse escrito, quem prova que foram para ela?
A diretora não reagiu, apenas analisou os outros bilhetes em silêncio. Lancei um rápido olhar a , que piscou para mim, e senti uma ansiedade enorme me preencher. Tinha dedo dela naquilo, sem dúvida.
- O senhor tem como confirmar que não são seus? – Maggie perguntou a , imparcial, e ele simplesmente se manteve imóvel, sem a capacidade de responder – Então eles são até que possa provar o contrário.
- Eu vim para colocar um ponto final nessa história – mamãe disse, objetiva e cordial – Todos já estamos muito bem informados sobre as várias versões dos fatos, e meu posicionamento quanto a elas é mais do que nítido. Portanto, agora a decisão está em suas mãos, Scott. Que medidas serão tomadas?
- O colégio tem regras, sra. – Maggie suspirou, recostando-se em sua cadeira – Diante dos fatos apresentados, preciso acatar à que melhor enquadrar os acontecimentos.
- Que seja... Minha filha não será prejudicada, tenho certeza disso – minha mãe sorriu, como se agradecesse por uma xícara de chá, e todos na sala pareceram impressionados com a sutil, porém intensa persuasão em sua voz – A senhora é uma profissional muito prudente, saberá como punir as pessoas certas.
- Concordo plenamente – sorriu, sem se desfazer de sua pretensão apesar de praticamente encurralado, e mal completou sua frase, recebeu uma belíssima resposta de mamãe:
- Quando eu disse pessoas certas, estava me referindo a você.
- Por favor, sem ofensas – a diretora pediu, levando as pontas dos dedos às têmporas – Alguém mais tem algo a dizer?
Ninguém se pronunciou, e após um suspiro, ela prosseguiu:
- Bom, se não há mais nada a ser dito, peço a todos que se retirem. Ainda vou precisar de algumas informações e de alguns dias para analisá-las e tomar a decisão mais apropriada. Voltarei a entrar em contato em breve. Enquanto isso, uma coisa fica estabelecida: , você está afastado do corpo docente por tempo indeterminado.
- Por que só ele? – perguntei, franzindo a testa enquanto todos se levantavam.
- O professor pediu demissão antes de fazer suas acusações – a diretora esclareceu, e eu me senti burra por não ter deduzido aquilo - E quanto à senhorita... Considere-se dispensada das aulas hoje. Amanhã conversaremos mais.
Todos assentimos, e nos retiramos da sala rapidamente.
- A senhora foi brilhante! – sussurrou em êxtase assim que fechei a porta da diretoria atrás de mim, batendo palminhas para minha mãe, que sorria de leve para ela – Botou todo mundo no chinelo!
- Minha filha não fez nada que possa ser julgado errado pelas regras da escola - a ouvi dizer, alto o bastante para que e Kelly, já a alguns passos de distância, também a escutassem – Estou com a consciência tranqüila.
- Seja como for, ela é uma vadia – cuspiu, encarando-a com raiva - Meus parabéns.
- E você é um broxa que não deu conta dela e a obrigou a procurar quem desse – sorriu cinicamente, sem conseguir se conter, e caiu no riso. não respondeu, talvez para não se deixar tirar do sério, enquanto Kelly tentava acalmá-lo e nos olhava com desprezo conforme os dois desciam as escadas.
- Deixa pra lá – pedi, ainda um pouco atordoada, enquanto parávamos à frente do elevador. Amy já não estava mais conosco; eu mal a havia visto deixar a sala, mas não me importava muito com seu paradeiro. Ela já havia ajudado bastante para uma simples colega distante, e eu preferia agradecê-la num dia menos atribulado.
- Claro que não, é um absurdo um homem feito ser tão mal educado a esse ponto! – mamãe interferiu, apertando o botão do elevador com uma força excessiva – Ele errou tanto quanto você e ainda quer agir feito o dono da verdade? Oras!
Respirei fundo, tentando aliviar um pouco o peso da preocupação em minha cabeça. Não precisei de muito tempo para deduzir que a única coisa que me traria um pouco de satisfação seria saber que esquema havia sido armado para que até minha mãe surgisse na diretoria na hora certa. Precisei de menos tempo ainda para disparar tal pergunta.
– Será que agora alguém pode me explicar o plano maligno?
- Maligno? Só se for pro , amiga! – reivindicou, fazendo cara de brava, e eu sorri discretamente, ouvindo e mamãe soltarem risinhos baixos – Não foi plano maligno nenhum, apenas coincidências convenientes. Eu cheguei cedo e resolvi subir para estudar um pouco. No caminho, encontrei o , e ele me contou que a diretora o havia chamado à sala dela.
- Eu já sabia o que ela queria, porque vi Kelly e chegarem mais cedo que o normal e subirem juntos, aos sussurros... Obviamente, fiquei desconfiado – continuou, aproveitando-se da pausa de - Quando o inspetor veio me chamar, poucos minutos depois, foi só ligar os fatos.
- Ele me disse o que estava acontecendo antes de entrar na diretoria e me pediu para avisar sua mãe – retomou, me fazendo sentir num desses filmes em que todas as armações são rapidamente reveladas uma atrás da outra no final – Liguei pra sua mãe, e como ela ainda estava em casa, pedi que ela trouxesse os bilhetes que você guardava na gaveta do criado-mudo. Enquanto isso, revirei o colégio procurando a Amy, porque já sabia que ela podia ajudar, e a convenci a vir comigo.
- Como você descobriu que ela sabia daquilo? – perguntei, um tanto chocada; eu realmente estava por fora dos acontecimentos – E por que não me contou?
- Na verdade, a própria Amy veio me contar, mas só há pouco tempo – ela respondeu, e eu arregalei os olhos – Disse que estava preocupada com você, mesmo sem te conhecer direito, e não sabia se eu estava por dentro da história. Eu não te contei porque você já estava com a cabeça cheia, e ela prometeu não contar a ninguém. Vamos combinar, a quem ela se sentiria interessada a contar isso? Ela nem sequer fala com as pessoas!
- Foi um risco mesmo assim – comentei, ainda sem acreditar na participação de Amy naquele rolo – Bom... De qualquer forma, já passou.
- Preciso voltar pra sala, mas antes passo na sua e pego seu material, está bem? – disse quando o elevador finalmente chegou, e eu agradeci com um sorrisinho fraco, aliviada por não precisar passar pelas piranhas amigas de Kelly e ouvir mais alguma gracinha a meu respeito - Me esperem na saída.
Ela subiu rapidamente os degraus, deixando que eu, e mamãe seguíssemos a direção oposta de elevador.
- Os bilhetes e os nossos testemunhos são fortes demais contra os argumentos dele e a falsa acusação da Smithers – opinou enquanto descíamos, e mesmo que eu concordasse com ele, estava insegura demais para conseguir externar isso – A sua mãe saber de tudo e vir aqui te defender rendeu muitos pontos a seu favor.
- Tem razão – assenti, olhando para mamãe e vendo-a sorrir calmamente – Obrigada por estar me apoiando... Mesmo que eu não esteja exatamente merecendo isso dessa vez.
- O que foi que eu te disse ontem? – ela perguntou, me abraçando e logo depois apertando meu nariz, o que fez com que risse de minha careta involuntária – Desde que você não queira fugir para um trailer no Colorado, te dou meu apoio.
- Não era no Texas? – corrigi, sorrindo, e ela parou por um momento, pensando no caso.
- Os dois, na verdade – ela riu, e eu fiz o mesmo – Por acaso, você não tem um trailer, certo, ?
- Não, fique tranqüila – ele respondeu, e eu me lembrei de outra dúvida que surgira em minha cabeça dentro da diretoria.
- Aliás... Quando vocês dois se conheceram? – cochichei, temendo ser ouvida por pessoas desagradáveis enquanto atravessávamos o pátio rumo à saída da escola – Foi um tanto chocante ver os dois se cumprimentando como se fossem amigos lá dentro.
- Hm... Na verdade, nós não nos conhecemos – mamãe explicou, olhando para e sorrindo de um jeito simpático – Mas eu deduzi quem ele era assim que cheguei, porque o outro estava com aquela garota pendurada no ombro. Logo, o que sobrou só podia ser o tal . Foi aí que eu quis quebrar as pernas de todo mundo e cumprimentá-lo como se já nos conhecêssemos. Graças a Deus ele entendeu e entrou na encenação e a diretora ficou de queixo caído com a nossa suposta familiaridade. Foi arriscado, mas funcionou, e a propósito, obrigada!
- De nada – riu, me deixando ainda mais impressionada com o esquema habilmente improvisado ao meu redor sem que eu sequer me desse conta dele – Foi uma idéia brilhante, sra. .
- Mães se tornam gênios quando precisam defender os filhos – ela riu, e subitamente começou a revirar sua bolsa, como se seu celular estivesse tocando; e de fato, estava – Com licença, é do trabalho, preciso atender.
Mamãe se afastou um pouco, parando na calçada a alguns metros de nós, e assim que não era mais capaz de nos ouvir, sussurrou ao pé de meu ouvido:
– Você está bem?
Suspirei, virando-me de frente para ele, e só quando meus olhos focalizaram os seus me dei conta do quanto aquela manhã havia sido tensa.
- Eu não sei – respondi, sendo bastante honesta – Tudo está se atropelando dentro da minha cabeça.
- É compreensível, foram emoções demais em pouco tempo – ele murmurou, acariciando meus ombros discretamente.
- Principalmente surpresas – ressaltei, arregalando um pouco os olhos ao me recordar de todas as barbaridades e choques pelos quais havia passado – Mal dá pra enxergar o antigo no de agora... Desde as atitudes até a fisionomia, tudo está diferente. Isso me assusta.
- Não precisa ficar assustada, não temos de que ter medo – ele murmurou, dando-me uma injeção de positivismo através de seu olhar e tom de voz – Olhe só a quantidade de evidências que apresentamos, contra apenas o suposto testemunho de Kelly! Além do mais, não temos nada a perder. Você se forma daqui a praticamente um mês, já tem notas boas o bastante para ser aprovada... E eu não faço mais questão de trabalhar aqui mesmo.
- Vou ser bem sincera ao dizer que me sinto culpada pela sua demissão, e de certa forma eu sou mesmo – confessei, vendo-o fazer cara de tédio – Mas nós já sabíamos que isso aconteceria caso a diretora tomasse conhecimento da verdade.
- , ia ser bem bacana se você sorrisse e dissesse Parabéns, você está desempregado!, só pra variar – ele revirou os olhos, encurvando os ombros em desânimo e me fazendo rir baixo – Faz uma cara melhor, não são nem oito e meia da manhã e você já parece exausta!
- Bobão – resmunguei, sorrindo fraco de seu senso de humor inapropriado. Em resposta, ele enrugou o nariz, numa imitação perfeita (a não ser pelo nível maior de beleza) de minha expressão enfezada, e me abraçou apertado.
- Podemos nos abraçar em público agora! – ele sussurrou, empolgado, e eu alarguei meu sorriso, retribuindo seu gesto – Vamos poder ir ao cinema, passear, andar de mãos dadas, comprar lingerie...
- Ai, meu Deus, eu não ouvi isso – gargalhei, dando um tapinha em suas costas e afastando-me dele, notando que mamãe se reaproximava.
- Vamos, filha? – ela perguntou, um tanto apressada – Tenho que ir pro serviço, já estou atrasada.
- Hm... A senhora se incomoda se eu a levar? – perguntou, sem jeito, e eu prendi um sorriso ao ouvir exatamente o que queria – Só preciso pegar minhas coisas na sala dos professores e já vou embora... A senhora parece estar com pressa, deixe que eu a levo para casa.
Mamãe me olhou brevemente, hesitante, e eu devolvi seu olhar, me esforçando ao máximo para deixá-la confiante quanto à minha segurança enquanto estivesse comigo. Após alguns segundos, ela apenas deu de ombros, dando um sorrisinho agradecido, porém não muito convincente. Era nítido que ela ainda tinha seus medos e incertezas com relação àquele relacionamento, e eu a entendia perfeitamente.
- Bom... Obrigada – ela agradeceu, e retribuiu com um gesto de cabeça – Foi um prazer conhecê-lo. Tchau, filha, se cuida. É pra ir pra casa, ouviu? Qualquer coisa me ligue.
- Pode deixar, mãe – sorri, retribuindo seu abraço rápido, e a observei entrar no carro rapidamente, arrancando e sumindo pela rua logo depois. Respirei fundo, sentindo uma pontada de alívio pelo desfecho até então positivo, e me virei para , abrindo um sorriso de orelha a orelha assim que o fiz.
- Hm... Vamos recapitular – ele disse, fingindo estar pensando – Demissão já esperada: confere. Plano maligno realizado com sucesso: confere. Conquista de parte da simpatia da sogra: confere. O que mais está faltando?
- Algumas horas sozinhos lá em casa – pisquei, abraçando-o pelo pescoço, e ele sorriu, gostando do que havia ouvido – Confere?
- Se isso é um convite, está mais do que aceito – ele respondeu, me dando um selinho demorado, porém uma voz resmungando perto de nós me fez afastá-lo.
- Com licença, fofuxinhos do meu coração – sorriu com simpatia exagerada, estendendo-me minha mochila, e eu a peguei, agradecida – Bem que eu queria ir embora também, mas sabe como é... Aula do Hammings daqui a pouco.
Eu e fizemos caretas apavoradas ao mesmo tempo, e os três caíram na gargalhada.
- Obrigada por tudo, – falei, olhando-a com enorme gratidão – Você foi simplesmente incrível hoje.
- É verdade – concordou, sorrindo amigavelmente – Você foi demais.
- Ah, gente, imagina – ela negou, tímida, porém deu uma jogadinha esnobe de cabelo logo em seguida, o que só causou mais riso – Eu não podia deixar aquele corno do se safar dessa e prejudicar vocês.
- Obrigada mesmo – reforcei, e ela retribuiu com um sorriso sincero – Agora vamos antes que você leve bronca.
Fizemos o caminho inverso, acompanhando pelo trajeto de volta à classe, e nos despedimos ao chegarmos ao andar da sala dos professores. entrou rapidamente para pegar suas coisas, e eu notei que alguns alunos estavam no corredor, devido à troca de aulas. O primeiro tempo havia acabado, e geralmente a maioria dos estudantes saía de suas salas para conversar ou para esticar o esqueleto mesmo.
- Pronto – ele disse assim que deixou a sala, já com sua mochila nas costas – Vamos dar o fora daqui.
- Eba, fuga da escola – brinquei, percebendo alguns olhares intrigados sobre nós conforme descíamos os degraus rumo à saída, e respirei aliviada por não precisar esconder mais nada de ninguém. Minha reputação ficaria completamente manchada quando todos soubessem sobre meu relacionamento com dois professores (ou melhor, ex-professores), mas eu pouco me importava.
Seguimos até o pátio, atraindo olhares de alguns alunos matando aula por ali, e assim que a rua se tornou visível, intensificou levemente o aperto em minha mão. Franzi a testa, sem entender, e bastaram mais alguns passos para que eu entendesse seu alerta mudo.
Na vaga à frente do Porsche prateado, se preparava para entrar em seu carro.
- Deixa ele dar um olhar torto pra você ver o que acontece – murmurou, com a expressão fechada, e eu me assustei diante de sua mudança brusca de humor – Eu não tenho mais nada a perder mesmo.
- Só entre no carro e dirija – rebati, tentando podar seus instintos homicidas subitamente aflorados. Ele havia se controlado bem até então, não queria uma explosão de violência logo agora que estávamos quase vencendo a guerra.
Atravessamos a rua, ambos tensos demais para disfarçar, e fixou seu olhar em nós dois conforme entrávamos no carro. Mais especificamente, em .
Ele realmente não devia ter feito isso.
Mal tive tempo de entrar no carro, já estava de pé novamente, caminhando na direção do antigo amigo e atual rival com uma postura ofensiva. Sem nem ter tempo de pensar, imitei sua atitude, correndo até ele e segurando seu braço.
- Tá olhando o quê? – ele perguntou, parando à frente de e encarando-o com irritação – Quer uma despedida calorosa?
- , vamos embora – pedi, percebendo que o clima ficava a cada segundo mais hostil.
- Na verdade, só estava pensando no quanto as coisas mudam – respondeu, com tom de superioridade, o que só fez o punho de se fechar mais ainda – Quem diria... O pedófilo redimido e a santinha depravada!
Não foi como se eu pudesse ter evitado. O fato era que eu simplesmente não poderia, nem mesmo se quisesse, ter impedido que o braço de se desvencilhasse de minhas mãos e seu punho atingisse o queixo de , sem a menor intenção de preservar seu formato. Apenas observei cambalear, apoiando-se na lateral de seu carro com as mãos sobre o rosto, e voltei a me aproximar de , dessa vez me agarrando em seu braço numa tentativa mais empenhada de mantê-lo abaixado.
- Como se você tivesse muita autoridade para falar alguma coisa! – ele cuspiu, totalmente tomado pela raiva, e esboçando um sorriso satisfeito ao ver que a boca de sangrava – Prefiro ser um pedófilo redimido a um fracassado cagão!
- Cala essa boca – rosnou com dificuldade devido ao maxilar prejudicado, e partiu para cima de , que aceitou de bom grado a reação. Novamente, meus esforços foram inúteis, e o pânico me dominou ao vê-los brigando sem poder fazer nada a não ser tentar apartá-los. E foi exatamente isso o que fiz. Busquei uma forma de me intrometer na confusão de punhos, porém não encontrei nenhuma brecha para que pudesse interferir sem levar uma bela porrada. Apenas quando disparou outro soco, que fez colidir contra a lateral de seu carro e cair sentado na calçada, a confusão cessou.
- Chega! Vamos embora! – exclamei desesperada, parando à frente de e empurrando-o pelo peito para longe dali, em vão – Por favor, pára!
Ele me encarou, parecendo retomar um pouco de sua consciência, e respirou fundo para recuperar o fôlego. Ouvi um burburinho do outro lado da rua, e vi vários alunos parados nos portões, além dos que observavam a cena das janelas de suas salas. Fechei os olhos por alguns segundos, detestando aquele espetáculo todo, e voltei a me concentrar em .
- Vamos pra casa – murmurei, fitando-o com firmeza, e ele assentiu após uma curta hesitação.
- Eu não quero te ver nunca mais – ele grunhiu, referindo-se a , que tentava se levantar, porém estava tão tonto que voltava a cair sentado no chão – Se eu fosse você, torceria pra isso não acontecer.
- Chega, – pedi pela última vez, puxando-o pelo braço, e dessa vez consegui fazer com que ele me obedecesse. Entramos no carro em silêncio, e logo estávamos nos afastando da escola e de seus curiosos alunos.

- Por favor, !
- Não, senhor!
Mordi meu lábio inferior ao ouvi-lo reclamar do outro lado da linha, e observei mais uma vez meu reflexo no espelho do meu quarto.
- Pelo menos a cor! Qual é o problema em me dizer? – ele insistiu, manhoso, e eu rodopiei, vendo a saia de meu vestido acompanhar meu movimento com graciosidade.
- Não seja tão apressado, – sorri, admirando agora meus sapatos – Por que ao invés de ficar me perguntando, você não vem me buscar e tenta descobrir sozinho a cor da minha lingerie?
- Tudo eu, tudo eu – ele grunhiu, e eu prendi com muito esforço uma gargalhada – Bom, tô saindo de casa. Daqui a uns quinze minutos estarei aí.
- Sim, senhor – assenti, antes de desligar. Respirei fundo, checando pela milésima vez todos os detalhes de meu visual: vestido, maquiagem, brincos, cabelo, sapato, perfume... Tudo estava certo para a minha festa de formatura.
Encarei meu rosto no espelho, perdendo-me em pensamentos. Só eu sabia o quanto tudo havia mudado durante o último mês.
Desde que a diretora havia descoberto tudo, cerca de quatro semanas se passaram, nas quais eu tive que passar por um breve acompanhamento psicológico. Digamos que a sra. Scott acreditou em nossa versão, mas não abriu mão de certas burocracias exigidas pelas regras da escola, e essa era uma delas. Não me importei, tinha plena consciência de que não era desequilibrada (pelo menos não como me acusara), e conquistei ótimos relatórios da psicóloga em relação à minha sanidade mental. Sem mais penitências a cumprir, apenas concluí o ano letivo, sem causar maiores problemas.
fora demitido do colégio no dia seguinte à briga. Nada que já não esperássemos. Nada que ele não tenha amado. Ele estava lidando muito bem com sua vida de desempregado, a propósito. Somente as alunas não aprovaram muito a substituição de seus dois professores de biologia por duas senhoras, mas quanto a isso, nada tenho a declarar.
De qualquer maneira, tudo ia às mil maravilhas entre nós. Ele já havia jantado em minha casa algumas vezes, nas quais conquistara a confiança de mamãe o suficiente para que ela me permitisse dormir em seu apartamento. Como? Não pergunte a mim. Nem eu sei como ele conseguiu deixar minha mãe tão impressionada com apenas sorrisos gentis e boas maneiras. Quando eu digo que não é normal, não estou exagerando.
nunca mais apareceu. Outro fator que deixava muito feliz, assim como todos nós. Não gostava muito de pensar nele, mas quando minha mente tornava isso inevitável, imaginava que ele havia ido para Essex morar com sua noiva. Ou então... Bem, havia ido para algum outro lugar que não me interessava muito saber.
E Kelly? Bem... Ela continuava sendo Kelly Smithers. Nada que eu já não soubesse administrar, após tanto tempo de rivalidade.
Resumindo: tudo ia muito bem, obrigada!
Deixei o momento retrospectivo de lado e desci as escadas, vendo mamãe ver TV na sala. Apesar de meus convites, ela havia preferido ficar em casa, alegando que festas eram para os jovens, e que estava velha demais para essas coisas. Pura bobagem, claro, mas não consegui convencê-la do contrário. A cerimônia oficial da formatura já havia acontecido há alguns dias, e a essa sim ela compareceu, portanto não havia tanto problema se ela se ausentasse da festa.
Avisei que estava a caminho, e esperei com ela até que o ronco do motor viesse, dali a alguns minutos, junto com a breve buzinada que acompanhou sua chegada.
- Com todo o respeito... Sou o homem mais bem acompanhado do universo! – ele sorriu assim que saí de casa com mamãe, e fez uma reverência.
- Esse ... Cortês como sempre – mamãe brincou, cumprimentando-o com um breve abraço, e eu concordei com um olhar derretido.
- Cortês não, sincero – ele corrigiu enquanto eu me aproximava, e me abraçou pela cintura, beijando-me no rosto – Hm... Se não estou enganado, agora é a hora das recomendações?
- Exatamente! – mamãe concordou, e eu ri baixinho – Hm... Eu sei que não preciso mais repetir meu discurso, mas mesmo assim, nunca é demais reforçar, certo? Então lá vai: juízo, não bebam muito, especialmente o senhor, que vai dirigir depois, tomem cuidado na rua... E bem, o resto eu deixo subentendido. Posso ser uma mãe compreensiva, mas certos limites eu ainda prefiro preservar.
Desviei o olhar dela, envergonhada devido às tais recomendações subentendidas. Use camisinha definitivamente era a principal delas.
- Pode deixar – assentiu, firme, e nos despedimos de mamãe. Ele abriu a porta do carona para mim, cheio de pose, e eu entrei no carro, vendo-o fazer o mesmo logo em seguida. Partimos em direção ao local da festa, uma das casas noturnas mais procuradas exatamente para aquele tipo de comemoração, e não demoramos a chegar, afinal, já sabia o caminho de cor, acostumado a comparecer às festas de formatura de todos os anos durante os quais trabalhara na escola. Um sorrisinho sacana, porém, era a diferença este ano. Desta vez, ele não estava, como poderíamos dizer? Ah, sim. A trabalho. Era apenas a formatura de quem ele agora chamava, minha namorada pirralha.
Nos acomodamos numa das mesas reservadas para os alunos, mais especificamente a que eu e havíamos reservado juntas. Como ela e Ewan já haviam chegado, nos cumprimentamos com alegria, e eu logo fui arrastada para a pista de dança por minha querida amiga.
- Vem comigo! – pedi, estendendo a mão para , que havia se sentado numa das cadeiras da mesa - Socorro!
- Prefiro ficar só olhando por enquanto – ele sorriu, achando graça de minha cara desesperada, e eu revirei os olhos, me deixando levar por . Ficamos dançando por alguns minutos, conversando sobre como e Ewan estavam lindos de smoking, e do quão bacana era o fato de que eles pareciam ter engatado uma conversa muito animada sobre algo que depois investigaríamos. Mas, pela quantidade de olhares lançados a nós, não parecia muito difícil adivinhar o assunto.
Falando em olhares, eu me sentia a própria Britney Spears. Nenhum aluno que passava por nós, fosse menino ou menina, abria mão de um belo olhar de censura ou desprezo para mim, mas eu apenas fingia que eles não existiam. Era a minha formatura, eu estava me divertindo com a minha amiga e que se dane o que pensam de mim.
- Chega, , mal cheguei e já estou me descabelando toda – dei risada, após um bom tempo dançando, e voltei para a mesa, sendo imediatamente puxada por para seu colo.
- E aí, vai me dizer agora qual é a cor ou eu vou ter que dar meu jeitinho de descobrir? – ele provocou ao pé de meu ouvido, arrepiando-me inteira. Eu adorava joguinhos daquele tipo, ainda mais em locais onde não podíamos ser exatamente flagrados.
- Não vou dizer nada – falei, abraçando-o pelo pescoço – A propósito, eu tenho minha própria cadeira.
- A minha é mais quentinha e macia, não acha? – ele insistiu, deslizando sua mão por minha coxa aproveitando-se do fato de que ninguém veria aquilo debaixo da mesa. Beijei o canto de sua boca, tentando não atrair ainda mais olhares, e como eu não estava lidando com nenhum idiota, aquilo virou um beijo de verdade, e dos bons. Não que para isso precisássemos abrir mão da discrição, claro.
- Rosa – sussurrei contra seus lábios, e percebendo que ele não havia entendido, expliquei – Minha lingerie é rosa.
- Uh... Adoro rosa – ele aprovou, com a voz propositalmente rouca – Você me diz isso justo agora que eu não vou poder tirá-la daí? Você não tem pena de mim, garota?
Soltei um risinho divertido, plantando um beijo em seu maxilar, e sussurrei antes de me levantar:
- Nem um pouquinho.
Refiz o caminho que havia percorrido até a pista de dança, agora um tanto preenchida por alguns casais devido à música romântica que tocava, e com charme, olhei por sobre meu ombro, vendo vir logo atrás de mim com um sorriso enviesado. Agora que estávamos no principal lugar da festa, eu podia sentir todos os olhares em nós, mas nenhum deles realmente importava para mim a não ser o dele.
Virei-me de frente para ele, deixando-o segurar meu quadril suavemente e unir nossos rostos até que houvessem apenas milímetros de distância entre eles. Inconscientemente, meus pés começaram a acompanhar a música a seu próprio ritmo, seguindo a batida lenta, e os dele fizeram o mesmo, o que transformou nossa espécie de abraço numa tímida e deslocada dança.
- Estou me sentindo romântico agora... Posso dizer algo romântico? – soprou, com um sorriso de canto, e eu assenti, achando graça de seu jeito impulsivo - Eu já disse que você está linda?
Meu olhar se derreteu diante de seu elogio, assim como o sorriso que eu já esboçava alargou-se em meu rosto. Sua mão contornou minha cintura, parando na base de minhas costas, e eu me deixei ser levemente puxada para perto de seu corpo, deslizando minhas mãos por seu peito até atingir seus ombros.
- Sinceramente, eu não me lembro... Acho que sim – respondi, vendo-o soltar um risinho baixo ao acariciar meu queixo com a outra mão – Mas não estou tudo isso. Digamos que eu apenas me esforcei para não parecer uma baranga do seu lado.
- Eu teria ficado muito feliz com um obrigada – ele disse, e eu apenas sorri ao senti-lo me beijar com delicadeza. Abracei seu pescoço, respirando fundo seu perfume, e permiti que ele aprofundasse o beijo, porém sem estendê-lo muito.
- Hm... Obrigada – falei, um tanto zonza, fazendo-o sorrir de um jeito esperto – E a propósito... Você também está muito lindo.
- Não estou tudo isso... Digamos que eu me esforcei para não parecer um velho babão do seu lado – ele piscou, e eu lhe dei um soquinho no peito, enrugando meu nariz em sinal de desgosto – Obrigado, .
Fechei meus olhos para aproveitar o momento, e ouvi uma nova música começar a tocar. Relaxei ainda mais ao reconhecê-la, e involuntariamente meus lábios começaram a se mover conforme a letra.

When I met you, I didn't really like you
(Quando eu te conheci, eu realmente não gostei de você)
First impression was you were somebody who'd
(Minha primeira impressão foi a de que você era alguém que)
Walk right by when I waved at you and say "Hi"
(Passaria direto quando eu acenasse e dissesse "Oi")
But they say
(Mas dizem)

Bad beginnings make happy endings
(Maus começos fazem finais felizes)
Now that I know you, I begin to understand things
(Agora que te conheço, eu comecei a entender as coisas)
Turn around a hundred and eighty degrees
(Uma mudança de 180 graus)
I found my missing piece
(Eu encontrei o pedaço que me faltava)

There's something ‘bout you that's like the sun
(Há algo em você que é como o sol)
You warm up my heart when I come undone
(Você aquece meu coração quando eu me despedaço)
You're like my soul mate, and on those days
(Você é como minha alma gêmea, e naqueles dias)
When I hurt, when I break
(Em que eu me machuco, em que eu me parto)
You are my band aid
(Você é meu curativo)

When I get caught in the rain and it feels like
(Quando eu sou pega pela chuva e parece que)
There is no one in the world who understands my
(Não há ninguém no mundo que entenda minhas)
Complications that I face on certain days
(Complicações que eu encaro em certos dias)
I talk it through with you
(Eu converso sobre elas com você)

No matter how I try to hide
(Não importa como eu tente esconder)
You see straight through my disguise
(Você enxerga através do meu disfarce)
You know how to fix me
(Você sabe como me consertar)
You are my therapy
(Você é minha terapia)

There's something ‘bout you that's like the sun
(Há algo em você que é como o sol)
You warm up my heart when I come undone
(Você aquece meu coração quando eu me despedaço)
You're like my soul mate, and on those days
(Você é como minha alma gêmea, e naqueles dias)
When I hurt, when I break
(Em que eu me machuco, em que eu me parto)
You are my band aid
(Você é meu curativo)

Isn't it funny how these things can turn around?
(Não é engraçado como as coisas podem mudar?)
Just when I thought I knew you, you prove me wrong
(Quando eu achava que te conhecia, você prova que eu estou errada)
I used to hate the things you love and love the things you hate
(Eu costumava odiar as coisas que você ama e amar as coisas que você odeia)
But now I like it
(Mas agora eu gosto)

- Você canta bonitinho – ele comentou, fazendo-me abrir os olhos e deparar-me com sua expressão serena. Franzi a testa, duvidando de sua sinceridade.
- Só você, minha mãe e a acham – sorri, percebendo que ele não havia sido irônico.
- Bom, eu sou suspeito pra falar... Acho tudo o que você faz bonitinho – suspirou, observando o resto das pessoas ao nosso redor para disfarçar a timidez ao pronunciar sua confissão – Até a cara que você faz quando tá prestando atenção na TV.
Dei um sorriso envergonhado, acompanhando o movimento de seu braço e rodopiando conforme ele me girava.
- Você tem essa mania adorável de ficar me encarando quando eu tô distraída – observei, sarcástica, recebendo um sorriso sem vergonha em resposta – Mas talvez estejamos quites... Eu também adoro ver você se arrumando na frente do espelho. A cara que você faz quando olha seu reflexo é tão... Sexy.
- É porque eu me amo – ele disse, sério, e eu caí na gargalhada – Quando me vejo no espelho, quase tenho um orgasmo.
- Quando eu te vejo na frente do espelho, quase tenho um orgasmo, isso sim – corrigi, e dessa vez foi ele quem riu.
A festa passou relativamente rápido, graças ao DJ digno e ao grande número de músicas conhecidas que ele tocara. Dancei feito uma desvairada com , e de vez em quando, com Ewan, que adorava atiçar as línguas maldosas da escola que o tachavam de homossexual e entrava na nossa onda. Mal sabiam elas o que ele e eram capazes de fazer num espaço vazio onde não fosse proibido ficar nu.
Aproveitei muito a presença de também. Não era difícil me encontrar sentada em seu colo, com as pernas cruzadas elegantemente enquanto sussurrava provocações nada elegantes em seu ouvido, ou então conversando e nos agarrando um pouquinho no bar enquanto aguardávamos nossas bebidas.
É, acho que eu estava me divertindo.
Até minha grande sorte colaborar comigo, e reverter a situação. Ou talvez, intensificá-la.
havia ido ao bar pedir mais uma bebida, e eu fiquei observando-o da mesa, falando sem parar com e Ewan. Bastou um minuto de distração para que meus olhos o flagrassem conversando com um elemento loiro cujos cílios pareciam aberrações de tão gigantes, devido aos quilos de rímel.
- ... Acaba com ela pra mim, por favor? – sorriu, falsa, ao ver exatamente o mesmo que eu. Respirei fundo, retribuindo sua expressão, e me levantei.
- Ewan, meu querido... Você que tem essa mania irremediável de andar com chicletes nos bolsos desde a quarta série – falei, sem tirar os olhos de , que agora dava um sorrisinho ácido para a garota (e se eu o conhecia tão bem quanto imaginava, ele devia, no mínimo, estar chutando a cara dela em pensamento) – Faça sua amiga feliz e diga que você tem pelo menos um no bolso.
- Se você quer fazer mesmo o que eu tô pensando, eu tenho – Ewan respondeu imediatamente, e eu apenas estendi a mão, piscando para ele – E vê se faz direito, hein?
Soltei um risinho malvado, pegando o chiclete e mascando-o rapidamente enquanto me dirigia até o bar. Se Kelly Smithers queria uma noite inesquecível, ela definitivamente o teria.
- Boa noite – falei, com a voz calma, aproximando-me de e embrenhando-me em seu abraço, que já aguardava discretamente por mim há alguns segundos.
- Boa noite, sra. – Kelly respondeu, no mesmo nível de falsidade que eu, e não manteve seus olhos em mim por mais que dois segundos, voltando a fixá-los em – Não esperava que vocês viessem... Especialmente você, . Que coragem.
- Por que eu não viria à minha própria formatura? – alfinetei, vendo tomar um gole de sua bebida e me oferecer logo em seguida – Não, obrigada. Prefiro estar sóbria para presenciar essa nossa maravilhosa conversa.
- Eu não – confessou, dando um risinho medíocre e ocupando seus lábios com o álcool. Não pude evitar acompanhá-lo na cara de deboche, e ainda por cima fiz uma bola com o chiclete que mascava, no maior estilo vadia de luxo.
- Vocês se acham imbatíveis, não é mesmo? – Kelly suspirou, fraquejando um pouco em sua firme expressão simpática – Que esse romance perfeito vai durar pra sempre.
- O que nós achamos não lhe convém – rebati, incisiva, porém sorri amigavelmente em seguida – Tudo o que lhe convém é que sim, estamos num romance perfeito. E você só não se mata de tanta inveja agora mesmo porque cometer suicídio é algo complicado demais para alguém tão intelectualmente incapacitado.
- Adolf Hitler de pernas depiladas, vamos embora – sugeriu perto de meu ouvido, prendendo seu riso com toda a força – Hoje é uma noite de festa, não vamos nos desgastar.
- Desgastar? Quem está se desgastando aqui? – perguntei, vendo a raiva arder nos olhos de Kelly, e somente para provocá-la ainda mais, me dei ao luxo de soltar uma risadinha relaxada – A festa não poderia ter sido melhor!
- Some daqui, garota – Kelly rosnou, com a voz trêmula, e eu arqueei uma sobrancelha, segurando um sorriso pretensioso com dificuldade. Fiz uma breve reverência, vendo dar um sorriso divertido, e me preparei para o melhor momento da festa. O gran finale ainda estava por vir.
- Eu espero sinceramente que você não volte a nos incomodar – murmurei, dando um passo em sua direção e adotando uma postura ameaçadora, sem abrir mão da expressão carismática - E como eu não tenho a menor confiança em você, vou me prevenir para que isso não aconteça, antes mesmo de você sequer pensar em chegar perto de nós dois outra vez.
Kelly franziu a testa, ultrajada, e eu rapidamente tirei o chiclete de minha boca, colocando-o no topo de sua cabeça e esmagando-o para que aderisse mais aos fios. Ela soltou um grito apavorado, digno de filme de terror, e eu apenas lhe dei as costas, caminhando na direção oposta e sendo seguida por , que ria sem parar.
- Ela vai ficar traumatizada com chicletes a partir de hoje – ele disse, olhando para trás e rindo do que via – Vai ser o holocausto até ela conseguir tirar aquilo do cabelo!
- Oras... Você tinha me chamado de quê mesmo? – perguntei, fazendo-me de desentendida – Adolf Hitler de pernas depiladas? Pois é... Adoro um holocausto!
apenas me encarou com os olhos cerrados devido à minha piada infame, mas se rendeu às minhas gargalhadas, continuando comigo o trajeto até a mesa.
- Eu já disse que sou sua fã? – falou, mal conseguindo respirar.
- A gente devia ter filmado a cara dela! – Ewan acrescentou, roxo de tanto rir.
- , como você tem amigos malvados – censurou, fingindo seriedade com muito esforço, porém logo caiu na gargalhada ao ver Kelly a alguns metros, correndo até sua mãe aos prantos com as mãos na cabeça. Acho que ela estava tão mais preocupada em desgrudar o chiclete de seu cabelo que me levar ao óbito (ou pelo menos tentar) ficara em segundo plano na sua lista de afazeres.
Vejamos... Agora acho que posso concluir. Festas de formatura deliciosas e com vingança triunfal: confere.

Puxei pelo colarinho ao ouvir o barulho das portas do elevador se abrindo. Cambaleei para trás em busca de algum móvel, e ri contra os lábios dele ao tropeçar em meus próprios pés, já um pouco alegre devido ao álcool. Prático como sempre, ele passou um braço por trás de meus joelhos, carregando-me como recém-casados (bêbados) através da sala escura de seu apartamento. Balancei as pernas e joguei a cabeça para trás por um momento, curtindo a sensação de estar me movendo sem tocar o chão.
- Sabe do que eu lembrei agora? – perguntou ao pé de meu ouvido, parando à frente do sofá e sentando-se nele, comigo sobre suas pernas – Daquela vez em que eu te trouxe aqui e tive que te carregar até o elevador.
- Aquele dia foi bem tenso – comentei, abraçando-o pelo pescoço e desfazendo-me de meus sapatos – E um dos que mais me marcaram, sabia?
- É verdade – ele concordou, dando um sorriso enviesado enquanto alcançava o zíper de meu vestido e buscava minha boca com a sua – Mas a casa de praia me marcou mais que todos.
- Todos me marcaram de um jeito ou de outro – confessei contra seus lábios, tirando sua gravata borboleta e desabotoando sua camisa – Sem eles, eu não estaria feliz como estou hoje.
- Sem eles, eu não estaria feliz como nunca estive antes – ele repetiu, adaptando minha frase e mordendo meu lábio inferior – E quem diria, comprometido!
Ri baixo de sua contradição, esfregando levemente a ponta de meu nariz no dele antes de beijá-lo com calma. A palavra comprometido naquele contexto, confesso, me agradava muito.
- Pode ser que não dure pra sempre, como a Smithers disse – soprei, encarando-o de pertinho com um sorriso bobo – Mas isso não significa que não possa ser intenso e verdadeiro.
- Já é intenso e verdadeiro – afirmou, me olhando profundamente conforme descia devagar o zíper de meu vestido por toda a extensão de minhas costas – E mesmo que um dia termine, vai ser eterno na nossa memória.
- Vai mesmo – concordei, acariciando seu tronco por debaixo da camisa já aberta e me arrepiando com sua pele quente, como de costume.
- Pode ser que eu me arrependa de ter dito isso amanhã, mas hoje eu quero dizer e que se dane o depois – ele resmungou de olhos fechados, dedilhando minhas costas agora nuas com o mesmo carinho de sua voz ao voltar a falar – Eu... Nossa, como eu queria ter sido o primeiro. A te beijar, a te fazer carinho, a dormir enroscado em você... O primeiro em tudo.
Levei minhas mãos até seu rosto e o acariciei lentamente, sem palavras. abriu os olhos, revelando muita sinceridade neles, e tudo que fui capaz de fazer foi sorrir feito uma idiota.
- Não ligue pros meus olhos marejados, é o álcool – murmurei, fungando baixo ao notar minha visão embaçada e recebendo um risinho tímido como resposta – Você tá me deixando sensível, seu... Seu...
- Bobo? Feio? Chato? – ele chutou, prevendo minhas possíveis palavras, e eu cerrei os olhos.
- Malvado – finalizei, rindo ao me lembrar da piada ruim que havia feito com aquela palavra há algum tempo. revirou os olhos, pensando no mesmo ocorrido que eu, e me deitou no sofá bruscamente.
- Eu sou malvado mesmo – ele sussurrou, puxando meu vestido para baixo e revelando o sutiã meia taça rosa bebê por baixo dele; meu coração acelerou muito ao senti-lo beijar meu colo, assim como o ar começou a sumir de meus pulmões – E eu sei que você me ama exatamente por isso.
- Metido – arfei, encarando-o com birra, e ele deu um sorriso sacana, guiando seus lábios por meu rosto até alcançar minha orelha.
- Gostosa – o ouvi retribuir de um jeito sujo, o que fez uma súbita onda de calor percorrer meu corpo; eu adorava quando ele falava com aquele tom pervertido ao extremo.
Resultados sucessivos ao adjetivo muito bem empregado e muito mal intencionado: lingerie danificada, utensílios sobre a mesa de centro derrubados por peças de roupa voadoras e mais momentos inesquecíveis para guardar na memória.
Assim como todos os outros que, com certeza, ainda estavam por vir. E que eu aguardava ansiosamente!

Fim



Nota da autora: muito obrigada a todos que acompanharam essa fanfic.




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