Guarda-Chuva






Ele correu com todas as forças, quebrou o seu pacto inicial. Aquele que fez em um dia de neve, um dia tão, tão, triste. Quase desistiu umas duas ou três vezes quando viu a distância entre os dois, a grande lacuna que os separava física e emocionalmente. Seus pés doíam, sua respiração falhava e seus olhos lacrimejavam (como ainda consigo vê-la?). Uma ponte passou por ele sem que fosse notada, algumas casas, alguns sorrisos ou expressões de surpresa também. E ele sabia. A culpa era sua e de mais ninguém. Havia sido fraco, quando precisava ser mais forte... Por eles. Por isso não desistiria de novo. Não tão facilmente.
A chuva havia parado (finalmente!) e seus pés já doíam tanto que ele não mais os percebia pisando pedras pontiagudas, deixando rastros de sangue no chão (por que esqueci mesmo as minhas sandálias dentro da casa?). O engraçado foi que, quando percebeu que estava sangrando, seu único pensamento foi o de que agora ele tinha alguém para sofrer por.
Quando finalmente a alcançou – isto ainda demorou mais um tempo – pegou em seu ombro e a virou para ele.
“Nunca mais vou correr atrás de ninguém! Ninguém! Não mereço o sofrimento de perceber que tudo o que caminhei foi em vão.”
Se sonhos pudessem ser descritos com precisão, ela diria que estava em um pesadelo. Não adiantava fugir, chorar, ou lutar. O perigo sempre alcança você (SEMPRE!). Pelo menos em um pesadelo. E lá estava ele, o homem por quem lutou, aquele que depois de todo o seu esforço lhe disse palavras incoerentes com a realidade, aquele que a iludiu quando mais precisava de verdade, aquele que havia traído-a com o medo.
[EU ODEIO VOCÊ! Se não fosse por esse maldito emprego perto de você, perto daquele imundo antro de loucos que chama de lar, que ousa chamar de casa, eu nunca teria sofrido tanto em toda a minha vida!]
(Não.)
[Eu... Eu nunca quis... Amar você. Nem por um momento.]
(Isto é mentira! E todos aqueles dias em que fomos ao parque depois do trabalho? E as pizzas grátis que meu pai havia nos dado no nosso primeiro dia de trabalho? Lembra-se disso? E da brincadeira das cadeiras? Você se lembra das coisas boas?)
[E é por isso que... A partir de hoje, você deve ser feliz...]
(Mas e ele?)
[Vá atrás de alguém que mereça o seu amor. Alguém não tão doentio quanto sempre fui perto de você, alguém que o amará de verdade, que não dirá uma palavra que o machuque... Alguém que não lhe tire algo que lhe é precioso...]
(Mas e ele? É isso o que o rapaz quer? Ele realmente me odeia? Ou está me testando?)
[Ou que a faça ter dúvidas sobre o amor?]
(Só sei que o quero. Quero-o mais que tudo, mais que minha maldita família, mais que minha própria vida. Odeio ser dependente de seu amor.)
[Acabou.]
– Desculpe-me – foram as palavras que ele disse, olhando para os olhos dela tão claros quanto o dia deveria ter sido, não fossem por aqueles malditos acúmulos de vapor no céu que bloqueavam toda a sua clareza.
– Perdoá-lo? Por quê? – ela sorriu por fora. Aquela, sem dúvida, foi a expressão mais triste que ele havia visto nela. – Por não ter me ama...?
– Eu a amo. Eu realmente a amo. Eu... Surtei. Fraquejei, mais uma vez. Não sei o porquê, mas...
[Você sofreu? Sofreu com o quê?]
(Por favor, que ela seja feliz, que seja feliz sem mim. Só quero que ela seja feliz. Para sempre. Sem mim. Sem este boneco de madeira quebrado. Este fantoche que nunca conseguiu liberar uma palavra propriamente sua. Este pedaço de madeira que não merece ser feliz. Sem mim.)
[Desse jeito? É Assim que pretende mentir para mim? Descaradamente?]
(Vi seu sorriso se esvaecendo enquanto você olhava para o túmulo de seu irmão. Por que ele havia se jogado na frente daquele carro por mim? Quem sou eu perto da felicidade que ele lhe proporcionava? Por que ele fez isso?]
[Vai desistir da vida que meu irmão lhe deu? Só eu preciso ser feliz? E O MEU IRMÃO, MERDA?! E a minha droga de família despedaçada? Como eles ficam? Sozinhos? Porque eu não estarei lá. Não se você não estiver comigo. Não sei o que é pior...]
(Isso. Vá... Tenha ódio de mim, assim posso entender para que vim a este mundo. Não foi para lhe fazer feliz como havia pensado anteriormente. Foi para assumir a culpa de todas as coisas que lhe aconteceram de ruim. Virar o monstro, aquele que você pode culpar por tudo.)
[Ter um irmão morto ou um amor fraco, que desiste de mim tão facilmente quanto meu irmão lutou por sua vida. Você quer que eu o culpe? É isso que você quer, não é? Quais qualidades você acha que você precisa ter além dessas fantasiosas que criou?]
(Muitas.)
[É, parece que acabou. Apesar de nunca pensar que veria alguém morrer, tive que presenciar três mortes só nesta semana. A de meu irmão, a sua, e finalmente a minha, que morri quando você disse esta última palavra. Este corpo não pertence mais a este mundo. Fraco.]
Foi como se ele tivesse levado um tapa na cara. Ela havia o chamado de fraco. Ela havia morrido. Ele também. Foi então, de repente, ao vê-la virar de costas para ele e começar a correr atrás da chuva, sair do coberto para o sereno, entrar em um mundo onde o cheiro dele não chegava às suas narinas, um mundo molhado onde seus beijos não teriam gosto, onde seus abraços seriam gelados... Um mundo de chuva. Um mundo de decepção. Foi um simples estalo, nada mais (o que estou pensando?). Um simples e único estalo. Aquele que temos quando menos esperamos, aquele que poderia vir acompanhado de um “eureca!”, se a expressão mais apropriada não fosse “como não percebi antes?”.
Foi, sim, um belíssimo estalo (por que tenho que errar de caminho para saber o que é que quero?). Ele era ser humano. Ele era idiota como todos. Ele era humano. Era simples, arrogante, egocêntrico, gentil, forte, humilde, fraco, amado e odiado. Era humano. E como errar é humano, perdoar também deveria ser. A isso ele se apegou e saiu correndo descalço atrás dela.
“Quando eu me apaixonar de novo, juro que, se eu correr atrás dessa pessoa, seja emocional ou fisicamente, juro para você, mãe, vou me arrepender amarguradamente de tê-lo feito, pois serei um idiota.”
Ela sabia ao que ele se referia. Vinte minutos atrás estavam dentro de um mundo de amor e tristeza, em que as pessoas estão quase sem sentimentos de felicidade, mas que apenas um abraço acalenta a mais fria das almas. Mas agora aquele mundo havia se despedaçado. Eles já não estavam mais naquele lugar. A chuva voltara a cair. Era o mundo da chuva. E eles estavam expostos às tristezas mais profundas deste mundo.
– Sei que fui um fraco, sei que desisti de você, que nunca conseguirei o seu perdão por este momento especifico. Pensei que você nunca... Nunca mais ia sorrir. Se eu ficasse ao seu lado, em todos os momentos você se lembraria do rosto de seu irmão no acidente de carro. Do momento em que ele me empurrou para frente, para os seus braços, em vez de correr e salvar a vida dele. Do pavor em seus olhos. Eu realmente pensei que deixá-la seria a melhor maneira de fazê-la esquecer daquele rosto estampado na faixa de pedestres. Eu não queria... Que você sofresse... E parece – ele então riu, coisa que não fazia havia tempo. – Que só sei fazer o contrário do que eu quero.
Os dois ficaram se olhando durante um tempo quase que eterno naquele mundo particular. Descobertos, quase nus por dentro, sem nenhuma proteção para os seus âmagos e idiossincrasias. Só olhando, reconhecendo o rosto um do outro. Ela deu um sorriso, como aqueles que ela dava antes de tudo ter acontecido.
– Que drama, hein? – (lágrimas ou gotas de chuva?). – Se você pensava tudo isso, por que não falou? Por que demorou tanto para vir falar comigo? Será que você não percebeu que eu o amo? Apesar de todo o drama e todo o sofrimento em excesso que você sofre por qualquer coisa?
– Eu...
Seus lábios foram cobertos pelos dela. Apesar da chuva, estava doce. Seus braços se aconchegaram nas costas dela. Ainda esquentavam. E o cheiro dela... Estava mais inebriante que nunca. Deixara de ser um simples mundo da chuva. Virou o mundo deles. Somente deles.
Eles se separaram e encostaram as testas. Ficaram dizendo palavras de amor um para o outro. Ela, então, colocou o dedo indicador na boca dele, impedindo qualquer som de sair de lá. Sorriu novamente e disse:
– Vamos fazer uma promessa? Por mais que a gente queira... Não vamos mais criar uma cena dessas. ‘Ta? Dá muito trabalho cuidar de pés feridos ou acha que não percebi que você correu descalço?
Só então ele voltou a sentir dor. Seus pés não estavam tão ruins assim, porém ele havia pisado com muita força em algumas pedras e isso o havia machucado um pouco. Ele caiu sentado xingando. Ela riu dele.
– Vamos, vai... Promete? – refez a pergunta, ainda rindo do ridículo que se passava com eles
– Está bom, vai – falou um pouco emburrado.
Ela sentou ao seu lado e o beijou de novo. Continuava chovendo, mas eles não se importavam. Como também não precisavam de nenhuma proteção contra a água gelada que caía em pequenas gotas. O amor deles era um guarda-chuva por si só, que os protegeria de qualquer tipo de tornado. Pelo menos enquanto este se mantivesse aberto.


Fim



Nota da autora: Muito obrigado a quem teve tempo de ler. :) Espero que gostem e que, se puderem, deixem um comentário. <3

Nota da beta: Quero geral comentando, senão o Death Note vai lotar.





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