Ela & Ele


Manhã do dia 13 de maio de 2009


e estavam debaixo de uma laranjeira, cabeças encostadas, mãos dadas. Os cabelos dela voavam com o vento, e ele ajeitou as madeixas da menina enquanto ela sorria se sentindo envergonhada. tirou os cabelos das mãos ásperas dele, alisando seus dedos enquanto o fazia, e se afastou um pouco para fazer uma trança rápida com os fios rebeldes. a encarava com um sorriso fraco, olhando seus movimentos, e o jeito como fechava os olhos enquanto fazia o penteado. Era sua namorada. Era linda.
acabou de fazer sua trança e quis voltar aos braços do seu namorado. Ele já não reclamava do seu cheiro de cigarro, pois ela parou por sua causa; ele já não dizia que seus cabelos precisavam ser mais longos, porque agora eles batiam em seu cóccix. Ela estava perfeita. Ela queria dizer a verdade que entranhava em sua garganta, queria dizer que o amava. Será que ele já sabia?
era o tipo de homem que qualquer garota olharia duas vezes ao passar; apesar de que ele era quieto e tímido em multidões. Apenas diante de seu próprio grupo de pessoas conhecidas, ele se soltava, e mostrava quão divertido era. era recém-formado de Medicina em Yale, inteligente que só ele. Podia-se dizer que era alto, ombros largos e braços que eram longos demais para o tronco; seus cabelos eram uma bagunça e debaixo da camisa ninguém esperaria encontrar o seu abdômen definido.
... Ela era o tipo de garota que sempre sonhou o estrelato, mas preferiu ficar no backstage apenas para aproveitar sua vida pessoal sem muitas interrupções externas. Ela já havia feito parte de uma banda de rock ‘n roll, mas que por perceber que ficava longe do namorado, acabou por ceder seu sonho de ser rockstar para ser professora de Piano. Com sua astúcia, logo ampliou o negócio. Agora era dona de uma Escola de Música com seu sobrenome.
Alguns diziam que os dois não deviam ficar juntos por serem muito diferentes. era conhecida por sua rebeldia, pela vontade de mudar e transformar. só queria ter uma vida feliz, e uma boa aposentadoria na terceira idade. Mas não importava o quanto dissessem, eles sempre estavam aqui e ali, de mãos dadas ou fazendo sexo em cima do piano de calda da Escola de Música.
Naquele dia ensolarado – apesar da temperatura baixa – os dois haviam resolvido fazer um piquenique perto do lago. Tiraram o fim de semana de folga para aproveitá-los na Fazenda do pai de , perto de uma cidade pequena ao norte da Inglaterra. Dois cavalos estavam presos em uma árvore ali perto, um acinzentado e outro negro como a noite. Belos e charmosos, dois machos. A laranjeira deixava um cheiro cítrico no ar que respirou com vontade.
- Vamos comer? Eu estou morrendo de fome! – disse, passando por cima de para pegar a cesta de comida. só concordou com a cabeça, e não adiantaria mesmo ir contra ela, era decidida até nas pequenas coisas da vida. Insistente.
Um pequeno lençol branco tomou espaço na frente deles, sob a sombra da laranjeira. e arrumaram biscoitos, pães, doces e sucos. Poderia ser comida demais para apenas dois estômagos, mas aqueles dois realmente apreciavam um bom lanche.
As horas se passaram até o último estoque acabar, e as duas barrigas cheias imporem nos dois pombinhos um sono quase ao meio dia. Foi então que encostou a cabeça no peito de , inspirando o seu perfume másculo, sorrindo sem motivos aparentes.
- Nós precisamos voltar, . – disse , passando a mão nos cabelos dela.
- Eu sei.
- Vamos. – ele a afastou, levantando. Ela estava resistente ao permanecer sonolenta. – Venha, eu te ajudo a levantar.
Ele segurou as mãos dela, sentindo seus dedos - calejados por cordas de guitarra e teclas de piano - tocarem o dorso de sua mão. Ela fez uma cara preguiçosa e enfim pôs força nos braços e nas pernas para levantar-se, num impulso rápido. De repente estava de pé, e seu corpo estava tão colado ao do namorado que era uma questão de centímetros para que se aplicasse uma fusão.
sorriu, aproximando-se para beijá-la. Ela deixou que os rostos se aproximassem devagar, os narizes tocaram-se em um beijo de esquimó. Os braços dele envolveram a cintura fina da mulher, enquanto ela enroscou o pescoço dele, controlando-o à medida que puxava seus cabelos finos.
- Eu te amo – ela sussurrou, deixando que as palavras engasgadas finalmente tomassem liberdade. Sempre tivera medo de ser rejeitada por ele, apesar de parecer durona, era mesmo uma garotinha apaixonada. Uma menina com uma flor; poderia até fazer uma serenata para ele, que a abraça. Ele era o cara, o príncipe encantado com quem sonhou quando pequena e escreveu músicas no começo da carreira. E ainda era mais incrível quando aquelas músicas as quais ela escrevia de todo o coração, aquelas que eram para ele, sempre faziam mais sucesso.
arregalou os olhos. Não esperava por isso, nem mesmo da que conhecia, rebelde e revolucionária. Ele apenas a abraçou, chocado, e nada falou além de:
- Vamos pegar os cavalos, sim? – ele disse, beijando rapidamente os lábios de uma namorada atônita.
Ela ainda esperava que ele dissesse ‘Eu também’ e calasse seus lábios com um beijo ardente e apaixonado. Mas não fora isso que aconteceu, nem naquele momento, nem dois minutos depois. Nem três minutos depois. Nem quando eles saíram a cavalo ou chegaram no casarão do velho Kalisson, pai de . Nem quando estavam jantando à noite e um brinde foi proposto à felicidade do casal; nem quando eles fizeram sexo de madrugada, e nem depois naquele velho banho indecente. fingiu não ter ouvido. estava devastada.



Noite do dia 15 de maio, segunda-feira

e já haviam chegado de seus respectivos trabalhos. chegou primeiro, cara emburrada, a raiva borbulhante pairando em seus olhos felinos. Foi direto para o banho, jogando seus pertences em cima da cama de casal. Tinha algo estranho acontecendo com ela, aquela raiva, não lhe pertencia! E não poderia ser apenas porque o homem que amava não a amava de volta, não, era muito intenso aquele sentimento. Era doloroso, sobrenatural. se sentiu traída pelo seu próprio corpo, queria acalmar-se, mas a raiva ainda a tomava. Assim que acabou o banho, saiu de toalha pela casa à procura do seu pijama favorito, não era lá uma pessoa organizada. Encontrou-o na lavanderia, e foi nesse momento que adentrou o cômodo com um sorriso fraco nos lábios.
- Oi – ele disse, com sua maleta preta em uma mão e o jaleco em outra.
o encarou, meio sem graça, e fingiu um sorriso.
- Oi.
Ele estendeu o jaleco para ela, para que ela pudesse colocar para lavar.
- Não sou a empregada, a pia é bem ali. – ela apontou, embrulhando o pijama em sua mão e saindo sem olhar para o namorado, cabisbaixa. A raiva estava a tomando de novo, aquele sentimento estúpido enfurecendo suas veias, estuporando seus neurônios, extrapolando a razão.
ficou confuso e estático por alguns segundos, até se virar e ir atrás dela.
- O que está acontecendo com você?
- Nada. – ela respondeu ríspida. Estavam no quarto, e ela tirou a toalha em sua frente, ficando nua em pêlo sem qualquer preocupação. Pegou uma calcinha no armário e vestiu o pijama, que era apenas uma blusa trapo de tecido fino que estava pequena demais para o seu tronco. Mas ela gostava, e para ela, isso era o que importava. – Eu só... Ah! Você não vai entender.
- TPM? – ele riu.
- Poupe-me dessa, . – ela disse, fechando o armário com força.
- Então o quê?
- Nada.
- Hum... – suspirou. – Bem, eu vou colocar isso na pia...
- Faça isso. – se jogou na cama, como se fosse um peso morto.
o fez, colocando o jaleco na pia e enxaguando-o, depois colocando-o de molho numa bacia. Era até um homem prendado, só não podia entrar na cozinha pra fazer comida. Catástrofe na certa. Ele estava faminto, e procurou pelo jantar na geladeira e no microondas: Não encontrou nada.
- ! – gritou, chamando a namorada.
- O que é? – ela gritou de volta, parecendo cada vez mais irritadiça.
- Cadê minha comida?
- Coma o que quiser, só não destrua a cozinha!
- Mas eu não sei cozinhar!
- Peça uma pizza!
- Eu quero sua comida!
- Mande me clonar, porque eu to zero a fim de fazer comida.
- ! Deixe de ser terrivelmente rebelde e venha ajudar seu namorado!
Ela nem respondeu, estava sentindo a raiva de novo. O que havia desencadeado aquilo? Não era natural, ela não sentia natureza naquela raiva infernal. Não mesmo. estava com sérios problemas.


Errante

É claro que ficou enchendo o saco a noite inteira à procura de comida. Não que eu fosse uma excelente cozinheira ou estivesse me gabando, mas minha comida naquela casa nos salvava de pizza toda a noite. O fato de eu não aceitar que a cozinheira trabalhasse à noite também dificultava as coisas, mas acho injusto que aquela mulher perca sua vida para doar tudo a um casal de namorados cheios de extravagâncias. Aquela não era a primeira vez que acontecia aquilo, eu parecendo um peso morto e ele infernizando a vida de todo mundo. Além do mais, aquele sentimento que estava me tomando, esse sim era digno de preocupação.
Fechei os olhos numa tentativa inútil de me concentrar em dormir, mas meu cérebro estava a mil por hora; e por mais que o meu corpo estivesse cansado, minha mente não descansava. Aquilo era uma insanidade!
Senti o meu corpo aquecer-se de forma estranha, uma febre tomava-me e espasmos me atingiam ,fazendo meus olhos rolarem. O ódio estava ali, ainda, e eu lutava contra mim mesma para não gritar.
A luz do quarto ainda estava acesa, acabou ficando na sala de estar, comendo o resto do almoço. Ele não poderia imaginar que eu estava experimentando o pior sentimento da minha vida. Por que assim? Por que tão de repente? Eu não havia feito nada de anormal na última semana, a não ser soltar um “eu te amo” não correspondido. Além do mais, amanhã era o meu aniversário! É claro que se esquecera, aquele cabeça de passarinho, agora era só falar de biologia que a mente boboca dele se abria. Apesar de não gosta de fazer aniversário, eu também tinha algumas superstições sobre ficar doente no dia do aniversário. Teria quase certeza de que minha saúde para o resto do próximo ano estaria comprometida.
Tentei me mexer na cama, mas era impossível. Meu corpo estava formigando, eu estava me destruindo aos poucos. Fechei os olhos com força e enfim, caí no sono.

Era um homem grisalho de olhos escuros que se fez na minha frente. Ele era tão sexy, quase irresistível. O que era aquilo? Meu corpo ainda ardia, e dessa vez, era prazeroso. Numa sala negra aquele homem me encarava, não tinha saída. Eu me aproximei dele.
- Quem é você?
Nenhuma resposta senão o eco da minha voz. Que estupidez, até parece que ele me responderia. Eu quis mudar de sonho, e me belisquei; nada aconteceu.
- Oi, oi, oi, quero acordar. – bati na minha própria cara. My Dear! Isso sempre funcionava, porque não funcionou agora? Já sei, é praga. Só pode ser praga. – , minha filha, acorde que aqui não tá bonito não!
Comecei a falar sozinha, como sempre. Mania terrível, eu sei, parecia uma louca encarando o espelho; mas eu não conseguia parar de fazer isso. O homem se aproximava em flashes de mim, a imagem se contorcia, eu já não sabia o que mais poderia fazer! Deixei que se aproximasse, e encarei o seu rosto belo.
- Quem é você e o que você quer? Olha, eu não sei artes marciais, mas eu posso acabar com você só por ser extremamente irritante! – avisei com uma cara séria. Ele se aproximou demais, e eu poderia contar os pontinhos de barba que nasciam em sua face. Poderia contar as sardinhas no seu nariz, ou as rugas discretas perto dos olhos.
- Eu sou seu pai. – falou a voz grossa, quase num sussurro.
- Eu sou Luke Skywalker. – fiz um cumprimento com a mão. – Eu já tenho pai, idiota.
- Aquele não é seu pai, é um substituto.
- E meu pai aparece em sonhos! – dei uma risada sarcástica.
- E quem disse que isso é um sonho? Olhe bem, , você não reconhece esse lugar?
- Já sei, to dentro da caixa de Pandora e você é o demônio que veio me atazanar. Não está muito velho para ser um demônio?
- Confesso que sim, alguns séculos no Inferno devem ter me deixado um pouco grisalho, mas não menos extraordinariamente bonito.
- Ok, pai, questionário: Como é o nome da minha mãe?
- Joan Lisa Moore, nascida em 12 de janeiro de 1960. Casada atualmente com Joseph Wright, tem apenas uma filha, e um enteado, chamado Michael.
- Você tem seus contatos... Agora eu posso saber porque você me seqüestrou? Estou doente, e quero carinho do meu namorado.
- ? Ele nem percebeu sua ausência. Ainda acha que você saiu de casa para espairecer depois da briga.
- Que briga?
- A que você culpou a TPM.
- Cara, eu acho que a brincadeira tem que terminar aqui.
O homem em minha frente arqueou uma sobrancelha.
- Você nunca estranhou a raiva e a rebeldia presentes em você? Nunca estranhou a sua capacidade de encantar com tão pouco esforço?
- É claro que sim! – olhei-o nos olhos, com uma cara de desprezo.
- E ainda, sua capacidade sexual. Você nunca falhou em satisfazer alguém, não é ?
- Isso não é da sua conta!
Parei para pensar, como ele sabia daquilo tudo. E sério, onde eu estava? Eu queria sair daquela sala de paredes negras que já estava me assustando. E se aquele homem grisalho que insistia em dizer ser meu pai tivesse me abduzido então eu estaria passando meu aniversário seqüestrada. Eu olhei naqueles olhos profundos dele, e senti uma repulsa extrema, fazendo com que eu desse dois passos para trás.
- Eu ataquei a sua mãe há exatos 25 anos atrás. Ela era linda, sabe, a Joan. Uma mulher espetacular. Mas eu sabia que o marido não a satisfazia, e estava bem interessado nela...
- Do que você está falando, coisa?
- Eu já lhe disse, , não prestou atenção? Eu sou um demônio. Eu sou Incubus.
Já havia lido aquela palavra em algum lugar. Vasculhei minha memória a fim de encontrar a fonte dessa lembrança. HÁ! Banda Incubus. Tá, não tinha nada a ver com isso.
- Eu apareço no sonho de mulheres e faço sexo com elas, tirando-lhes um pouco da vida a cada sonho. Eu as faço gemer de prazer e apaixonar-se por mim, para me alimentar de suas energias. – ele me respondeu.
Eu fiquei espantada. Não que eu fosse em uma descrente em mitos, mas eu jamais sonharia em confirmar a existência de um. ETs? Espíritos? Deus? O Diabo? Aquilo tudo era muita informação, até mesmo pra minha cabecinha.
Sentei no chão da sala negra, que parecia ser de mármore, porém era um pouco mais áspero. Suspirei. Eu tinha que ser forte, tinha que sair dali. Foi exatamente quando tive esse pensamento que a raiva me atordoou novamente. Esperei meu corpo se acalmar, tentando manter o foco, mas era impossível.
- O que você está fazendo comigo? – perguntei ao “meu pai”
- Vim te dar os Parabéns, minha querida. – falou ele, eu senti um tom de escárnio. Ele sentou do meu lado, eu estava assustada like hell, mas permaneci na poker face. Sabia que assim seria mais fácil para que eu fugisse.
- Primeiro eu não sei seu nome, e segundo, por que o senhor não me deu parabéns nos meus últimos vinte e quatro aniversários?
- Meu nome é Nazar. – ele falou com naturalidade. Nazar? Quem porra se chamava Nazar? Que seqüestrador Last Week! – E eu te parabenizei pelos outros vinte e quatro aniversários. Eu fiz um pacto com meu superior.
- O Diabo?
- Sim, em nome dele, mas existe um mediador para esse tipo de pacto. – ele suspirou.
Por que agora eu realmente achava que estava falando a verdade? Talvez porque eu tentei acordar e não consegui, tentei achar uma porta e não consegui, tentei cooperar e não adiantou nada. Seria aquele monte de besteira... Verdade?
- Sabe, , eu nunca quis que você nascesse. Não por mal, mas porque você seria uma híbrida, e uma híbrida entre a Terra e o Inferno. Meu pacto... – suspirou outra vez – Eu devia ter perdido minha humanidade, sei disso, mas sua mãe é muito parecida com a minha antiga mulher e você... Você foi a filha que eu não tive. Até mesmo os demônios tem um passado.
- Isso é deprimente.
- É verdade. No entanto, eu consegui que o Mal só se manifestasse em você quando completasse vinte e cinco anos de idade, terrenos, é claro. Assim, você poderia viver entre os dois mundos... Até que sua sentença seja comprida.
Eu parei para pensar em tudo que ele falou. Não sei se foram dez ou vinte minutos em que minha tagarelice pausou. Se aquilo fosse verdade... Bem, eu nem sabia o que fazer ou dizer. Estava perplexa.
- E quando essa porra de sentença vai ser cumprida?
- Quando você passar um terrestre servindo.
- Por que “terrestre”?
- Porque um ano aqui no Inferno, é um dia na Terra.

Fiquei estática. Eu era louca, sempre soube disso, mas aquilo estava além da minha compreensão. Fiz as contas, seriam trezentos e sessenta anos no Inferno. Fuck! Eu suspirei, numa última tentativa de me beliscar e acabar com aquele sonho; mas, como previsto, nada aconteceu.
- Por que eu não posso ir para casa, e voltar a ter minha vida em paz? – perguntei , já com os olhos marejando. Eu não queria aquilo, não queria ser incubo, ou seja lá o que fosse. Eu só queria meu namorado, meus pais (o que inclui Joseph) e minha vida turbulenta. Eu sentia tanta falta de , e fui tão grossa com ele. não merecia. Será que estava me procurando?
- , desculpe, mas hoje eu estou seguindo ordens. Você não tem mais sua forma humana, você agora é um sonho, uma succubo. Se comer, não vai sentir-se saciada; você agora vai fazer o mesmo que eu, e sugar a energia vital das pessoas.
- Fazendo sexo com elas nos sonhos? E por que diabos eu faria isso?
Nazar levantou num impulso sobrenatural, e me olhou de cima.
- Porque se há uma regra no Inferno, é que ou você tortura, ou é torturado. Sua escolha.



Insensato


16 de maio de 2009, terça-feira, aniversário de .

Acordei naquela manhã sentindo a dor de uma perda. Olhei para o lado e não vi , que merda, o que ela queria saindo de casa desse jeito? Não deixou um bilhete, apenas mandou uma mensagem dizendo que estava bem e voltaria logo. Mentira, estava me deixando mais preocupado ainda. Era aniversário dela, e com a ajuda do Lembrete no meu Blackberry, consegui me organizar para lhe proporcionar uma festa a dois.
Eu sabia que ela estava puta mesmo era pelo que aconteceu perto do Lago, quando ela me disse que me amava. Ela estava certa de ficar puta, eu também ficaria, tenha certeza. Eu só... Não esperava aquilo, e simplesmente fiquei sem reação. Fingi que não ouvi, ótimo, como sou um idiota.
Levantei sentindo dor nas costas, e espreguicei-me; tinha tirado o dia de folga para dar atenção à e ela simplesmente some da face terrestre. Liguei para o celular dela, recebendo aquela mensagem que eu odeio receber: Esse telefone está desligado ou fora da área de cobertura.
Rolei os olhos, e resolvi tomar um banho. Saí molhando o piso todo e vesti uma boxer e uma bermuda qualquer. Percebi o piso molhado e imaginei se estivesse aqui, o quanto não ia ficar insana se escorregasse e caísse. Mas eu estava preguiçoso, e como as empregadas poderiam chegar a qualquer momento, eu preferia ser um inútil e ir assistir televisão.

Passaram-se horas e horas enquanto eu estava jogado ao tédio. Tomei café sozinho, almocei sozinho, jantei sozinho e estava insanamente preocupado com . O que ela estava fazendo? Onde estava?
Liguei o som da sala e peguei uma garrafa de vinho e uma taça na geladeira. Voltei para a sala de estar e servi-me. Suspirei. Era uma Bossa-Nova que tocava no stereo, e eu fechei os olhos para ouvir a melodia e a cantoria de Laura Frygi numa música de Tom Jobim.

How Insensitive
I must have seemed
When she told me
She loved me

Perseguição, só podia ser. Fiquei lá jogado aos ratos até não agüentar mais e finalmente adormecer. A última coisa que lembrava era de ter visto o relógio do stereo apontar meia-noite.


17 de maio de 2009, meia-noite e um minuto.

Era um sonho, definitivamente um sonho. Não haviam linhas de horizonte ou limites em minha frente. Semelhava-se a uma sala de música, e tinha um piano conhecido no meio do cômodo onde na única parede fazia-se um espelho. Parecia ter alguém ali, atrás do piano de calda, tocando uma melodia conhecida. Era aquela mesma música de Tom Jobim, How Insensitive.
- Na verdade, , o nome dessa música é Insensatez. – eu ouvi a voz harmoniosa de . Saudades! Como vinte e quatro horas pareciam uma eternidade sem a minha menina rebelde.
- , onde você está? – ouvi minha própria voz ecoar.
- Atrás do piano, meu querido, como sempre.
Corri para o piano, percebendo que eu me movimentava muito devagar para quem estava correndo. Ah, como eu odiava isso nos sonhos! Era como se estivesse correndo em areia ma
- ?
Encontrei-a tão bela que duvidei que fosse a mesma que conheci cantando The Runaways de calça rasgada e camisa grande demais para o seu corpinho. Ela usava um vestido longo prateado, o cabelo que eu duvidava que ele penteasse todos os dias, agora estava preso no topo da cabeça. Seus olhos pintados com maquiagem clara, suas bochechas rosadas, seus lábios beirando à perfeição. Tudo meu. Só meu.
- Oi, . – ela falou com naturalidade. Eu olhei para ela, meio que estranhando aquilo. – Você não sentiu minha falta?
- Claro que senti! – sentei-me ao seu lado naquele banquinho de madeira, ficando meio por fora. Ela continuava a tocar o piano com aquelas mãos inteligentes, mas começou uma melodia diferente, inédita.
- Passou-se um ano... – ela sussurrou. Franzi o cenho.
- Um ano? Só faz um dia que você saiu!
- Um ano, , trezentos e sessenta e cinco dias que eu estou assim. – Ela ralhou com a voz suave, sua força estava no olhar e no jeito em que rangia os dentes.
- Não pode ser possível. , seu aniversário foi ontem, você sumiu de casa, eu fiquei preocupado. Sério, eu não sei como seus pais te agüentavam. Some, não liga, celular desligado...
- , você sabe onde estamos?
- No meu sonho, e eu espero acordar amanhã e te ver...
- Eu não vou estar em casa amanhã. Nem depois, nem daqui a um mês. Eu só posso te encontrar aqui.
- Ai meu Deus, esse sonho não está... – fiz menção para beliscar o braço, mas ela me segurou com força. Seus olhos eram intensos contra os meus.
- Por favor, não acorde, fique mais um pouco. Eu só quero... sentir sua presença.
Sonho estranho, minha mulher estranha, eu realmente não estava gostando disso. Mas aí ela se aproximou e beijou-me o pescoço, como sempre fazia quando estava carente. Aquilo era um sonho, mas mesmo assim, o meu coração acelerou, e foi como se eu sentisse seus lábios realmente tocando a minha pele, como se fosse realidade.
Fechei os olhos, sentindo sua presença. Será que era a hora de me desculpar? Ora, , que idiota você é, isso é um sonho! Então, se era um sonho, eu poderia me arriscar, só para saber qual seria a reação dela, ou medir minhas palavras.
Baguncei o cabelo, nervoso. Ela pegou na minha mão, segurando com tanta força que suas unhas fincavam em minha pele; e depois soltou, tomando ar. Voltou a tocar a melodia de bossa nova, dessa vez, cantando com sua voz doce e rouca:

A insensatez que você fez
Coração mais sem cuidado
Fez chorar de dor
O seu amor
Um amor tão delicado
Ah, porque você foi fraco assim
Assim tão desalmado


Ela tocava a melodia, mas parou de cantar. Eu sabia o resto da letra da música, sabia o que devia fazer. E por mais que fosse só um sonho, eu sentia como se fosse realidade.
- Ah, meu coração que nunca amou, não merece ser amado. Mas por você... Perdoe-me pela minha estupidez, pela minha insensatez.
- E foram precisos 365 dias para você me dizer isso. – ela falou indignada
- , foi só...
- Um dia na Terra. No Inferno, um dia é um ano. Eu passei um ano no Inferno, sofrendo sem saber se me amava ou não; se você teria me trocado. Quando descobri que na sua realidade só havia se passado um dia, resolvi que deveria te encontrar novamente, mas pensei que não se lembraria mais de mim. Ninguém mais lembra de mim. – ela finalmente tomou ar. – Você só vai se lembrar de mim agora se fizermos sexo.
- E nós vamos fazer sexo?
- Se fizermos, você vai perder um pouco de sua energia vital. E se não fizermos, você vai se esquecer de mim, e viverá sem problemas.
- O que aconteceu com você?
- Sou uma succubus, o seu melhor pesadelo. – Ela sorriu. – Frase feita.
- , eu não entendo...
- Eu quero que você viva, que seja feliz, que tenha filhos e...
- Cale-se. – resmunguei – Quanto tempo posso esperar até que minha energia vital se esvaia de uma vez pra você?
- Preciso sempre fazer intervalos, mas a fome... A fome é terrível Bill. Eu vou te trair em sonhos e...
- Eu te amo. Não importa o que aconteça. Ela deixou uma lágrima cair dos olhos marejados. Limpei com o polegar. - Um ano. Eu não falei mais nada, apenas a beijei num impulso rápido, assustando-a. Seus lábios tinham gosto doce, e eram macios demais, talvez mais do que eu lembrava. Uma de suas mãos me puxou pelo cabelo, e eu procurei o feche do seu vestido, ansioso, esperto. As curvas eram perfeitas, a pele parecia veludo e de repente, como em todo sonho, o cenário mudou. Estávamos de volta ao Lago da Fazenda de meu pai, deitados numa esteira nus em pêlo em pleno por-do-sol.
- O que aconteceu? – parei de beijá-la.
- É seu sonho, e parece que você sempre quis fazer isso aqui, . – ela sorriu largamente. O sol alaranjado batia em seus olhos, deixando-os ainda mais bonitos. A boca avermelhada de meus beijos e o corpo macio se enroscando no meu.

É claro que eu queria que aquele sonho não se acabasse, mas assim que virei para o lado, cansado, abri os olhos e constatei ter dormido no sofá. A verdadeira luz do nascer do sol esquentou meu rosto. Eu sentia um vazio repentino, será que o que ela disse era verdade? Eu acordei atazanado, liguei o notebook e fui procurar a verdade sobre Succubus.

“Em lendas medievais do oeste, uma succubus (no plural succubi) ou succuba (no plural succubae) é um demônio que toma a forma de uma mulher bonita para seduzir homens, em sonhos de ter intercurso sexual. Elas usam os homens para sustentarem-se de sua energia, por vezes até ao ponto de exaustão ou morte da vítima.”

Minha namorada era um demônio? Não podia ser! Aquilo era impossível! Como ela foi pro inferno sem morrer, e por que ela foi pro Inferno? Eram tantas perguntas a serem respond...
Um vácuo. Olhei para os lados. O que estava fazendo? Minha memória parecia ter falhado de repente, as luzes da casa, ainda acesas, piscaram estranhamente. Dei de ombros, e fui procurar tomar um banho para despertar e voltar à rotina.

Desfecho

Todas as noites apareceu para durante um ano. Durante o dia, ele se esquecia dela, mas às noites, tinham as noites de amor mais prazerosas e românticas possíveis. De dia, ele não lembrava da existência de , de noite, a amava a ponto de ceder sua vida para estar com ela. E um ano se passou. Quando no Mundo Mortal completaria 26 anos, ela parou de aparecer nos sonhos de , e fez com que ele a esquecesse completamente. Desejava que ele fosse feliz, por mais que tivesse de passar alguns dias de cama devido a exaustão recorrente do roubo da sua energia vital.
Tudo que se sabe é que nessa Insensatez que também chamam de amor, transcendeu ao ponto do sacrifício. jamais voltou à Terra ou à sua forma humana; não se sabe o que aconteceu lá em baixo, ou se a verdade é que caíra numa ilusão criada pelo pai Nazar, que de forma milagrosa voltou ao Mundos dos Vivos no ano seguinte.
Se eles se encontraram novamente? Talvez... Talvez em um sonho. Mas quem poderá saber do futuro?



FIM!





n/a: Eu reconheço que isso foi uma loucura. Eu nem sei onde estava com a cabeça, mas não queria terminar num clichê idiota o qual eu me arrependeria depois.
Bem, eu só quero desejar um Feliz 1 ano para o FFOBS, que é um site que eu acompanhei todo o crescimento de fora, sendo uma leitora assídua e agora – olha que chique! – autora de uma das fics mais lidas do site. Vamos rebolar! *rebola*
Devo dar um alôalô (MERCHAN!) para Boss III – Family Business que já vai ser enviada pra aqui pro FFOBS.
Agradecimentos especiais às meninas do FFOBS que me fizeram essa incrível proposta e me deram a oportunidade de brilhar *star* no aniversário do site. Gabeee, obrigada!
Mais um agradecimento especialíssimo para Heluyssa que me ajudou na criação dessa fanfic, que eu quis que fosse sangrenta e terrível e acabou nesse drama todo aí. Helu escreve dontbeafaker.co.uk, e eu indico! (sou co-autora)
Beijo no coraçãozinho! CARPE DIEM!
@badbela Isabela Deville, aka pandamour







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