"Você transpassa a minha alma. Sou agonia e esperança.” Jane Austen.
30 de Dezembro de 2010, casa à beira do mar em Fishbourne - Inglaterra 12:50 pm
Nesta noite mal há estrelas para iluminar a escuridão do céu, apenas algumas poucas insistem em brilhar. Não consigo enxergar com clareza as ondas, só suaves movimentos prateados, no entanto, seu constante chiar parecia preencher meus ouvidos, deixando claro sua imponente presença.
O vento frio acariciou o meu rosto, o cheiro de água salgada é como um entorpecente para os sentidos. Não consigo deixar de pensar no meu Pai, e em sua reação ao descobrir que eu fugira mais uma vez para a casa das minhas tias aqui em Fishbourne. Apesar das minhas fugas serem cada vez mais freqüente, eu ainda sentia receio do momento de voltar para casa. Desde a morte da minha mãe, ele está mudado, quase irreconhecível. A morte dela pareceu ter apagado qualquer vestígio de humanidade que poderia ter restado nele. Eu não conseguia entender a sua amargura, pois seria incapaz de magoar alguém para me sentir melhor. Eu era esse alguém que ele insistia em magoar. Isso fazia a dor dele diminuir? O fazia mais feliz? Sim. Não. Talvez. Eu não sabia.
Não vou deixar que minha mente se apegue muito àqueles pensamentos sombrios. Deles não resultaria nada de bom para a minha vida. Fiz com que se ocupasse em observar o começo da rua, o primeiro lugar em que eu poderia ver e ouvir a sua chegada. Este era o verdadeiro motivo de eu estar escorada ao largo peitoril perto da janela do quarto de hospedes. Porque daqui eu poderia ter uma imagem melhor do momento em que ele chegaria e ainda não seria pega bisbilhotando.
Estou com sono, mas sei que tentar dormir se tornaria uma tarefa inútil sem antes ter a certeza de que ele viria com seus pais para mais um ano novo. Estou mais consciente do frio, mas não quero entrar e correr o risco de perder a chance de vê-lo. Estico a cabeça pela milionésima vez, constatando o quão estúpida estou sendo ao esperar por um garoto que não faz idéia que eu existo e, no entanto, não eu conseguia evitar ter extrema consciência dele. Faz quatro passagens de ano que venho para a casa das minhas tias só para observar aquele garoto. Só nessa data posso ter certeza que ele é real, que não é uma ilusão qualquer ou um sonho infundado.
Por que nunca falei com ele? Sinceramente, poderia dar meio milhão de desculpas, mas nenhuma realmente justificaria o meu silêncio. Só posso dizer que a culpa é minha de alimentar tais esperanças inúteis. Nunca teria chances com ele, essa é a pura verdade. Não havia técnica de sedução que pudesse dissuadi-lo a me escolher. Ok, pode achar que a minha auto estima é baixíssima e até duvidar que ela exista, mas faço isso para não sofrer. Estou cansada de me decepcionar com as pessoas ao meu redor, de forma que o nosso silêncio deixa as coisas confortáveis para mim. Ah, pura loucura da minha cabeça. Mas não, obrigada, não quero correr este risco.
levantou a cabeça, suspirando. Olhou para a folha quase toda preenchida com seus pensamentos, idéias, temores. Não sabia por que ainda escrevia em um diário. Talvez por ter tomado como hábito preencher cadernos e mais caderno sobre seus simples dias de vida. Talvez por ser um meio fácil de contar seus sentimentos. Ou porque este era o costume de sua mãe, e dessa forma não se sentia tão sozinha. Mesmo assim não sabia ao certo: poderia ser todas essas possibilidades juntas ou nenhuma delas, e isso não a satisfazia. Também não estava satisfeita com sua própria vida.
Muitas pessoas acreditam que têm o poder de mudar o seu destino, que a escolha está sempre à mão e que um novo caminho logo se estenderá a frente. Mas não acreditava nisso. Ignorava os múltiplos meios de flertar com a felicidade. Pois sua mãe não tivera escolha. No final, para , tudo é tomado e nada nunca poderia vir a ser reposto ou refeito. Não havia escolha real para ninguém.
Até ali, eclipsada pela da forte luz da janela, ela se mantinha encolhida no largo parapeito - construído pelo primeiro proprietário da casa para abrigar cacos de plantas, mas que nunca fora usado por suas tias – escondida, tateando visualmente a rua escura. Só se permitiria isso. Observá-lo de longe e esperar que o destino fosse complacente com ela.
Esta não era a verdadeira natureza de . Ela tinha um grande impulso de correr atrás do que desejava, mas a vida a moldara e ensinara de outro jeito, contendo-a.
Primeira lição aprendida: tudo o que se foi, não voltará mais.
Cruel, injusto... Mas inegavelmente verdadeiro. Este segundo que passou nunca mais poderá ser igual ao que virá. Nenhuma vida pode substituir outra vida. Tudo é único. As pessoas são únicas. Minha mãe foi única. E nunca mais voltará.
Não a culpo por ter câncer em estado terminal. Ela não sabia, até que os sintomas começaram. Não posso culpá-la por ter nos deixado, porque ela não quis ir. Fora tomada de nós. Sinto muitas saudades dela.
Releu a última frase com um enorme nó na garganta. Saudade parecia uma palavra inadequada para expressar o sentimento que apertava o seu coração e a fazia se sentir impotente, sempre que se lembrava da mãe. E era esta possibilidade de conseguir e depois perder que a impedia de falar com o garoto. Porque se seus sentimentos para com ele ultrapassassem todas as suas expectativas e no final acabasse por perdê-lo, como iria superar isto se nem conseguia superar a morte da mãe que já fora há tanto tempo?
Um novo som, além do das ondas quebrando na beira da praia, surgiu. Vinha do começo da rua. levantou a cabeça prendendo a respiração. Seria ele? O barulho de pneus deslizando sobre o asfalto logo entrou em destaque, para a garota encolhida na escuridão não havia praia, nem as ondas negras do mar e não havia estrelas. Só aquele som, no qual ela se agarrava com férreo ímpeto. Quando dois faróis amarelados brilharam, a esperança já pulsava livre pelo corpo de .
Como era de se esperar, o carro parou no meio-fio em frente à casa ao lado. O coração de batia cantarolando as palavras: É ele, é ele, é ele... Os faróis apagaram e da porta do motorista saiu um homem alto, mas que já aparentava ter passado dos trinta - o pai dele. Este se precipitou para abrir a porta do carona e de lá saiu uma mulher baixa de cabelos curtos e elegantes – a mãe dele. Os dois pararam em frente a casa com um sorriso cheio de lembranças. Atrás deles outra porta do carro se abriu, e feito uma bala, um objeto primeiramente não identificado e amarelo deu duas voltas no quintal da frente com uma alegria frenética e exagerada, riu baixinho. O golden retriever pareceu se lembrar do dono e voltou para perto do carro.
Um garoto que aparentava uns dezessete anos saiu, para se agachar na frente de seu cachorro. A garota que o observava sentiu o coração encher de ternura, ela queria ter a coragem de chegar mais perto e constatar o quanto ele havia amadurecido desde o último ano novo. Porém estavam longe tanto fisicamente quanto emocionalmente, e sabia que aquele não era o momento certo de se aproximar. Mas quando seria o momento certo? Quando ele não viesse mais com os pais e o cachorro, mas sim com uma namorada?
Há um momento certo para dizer a alguém que não te conhece e que você mal conhece também, que seu coração bate acelerado por ele? Esta pessoa te chamaria de louca e riria de você ou se apaixonaria também? Será que aquele garoto - que eu não sei o nome e que não sabe o meu - poderia vir a sentir alguma coisa por mim, além de amizade? E por que eu não vou atrás de respostas?
Talvez porque não queira realmente sabê-las. Ou porque quero muito, mas não sei como.
não conseguia afastar seus olhos do garoto, mas os fechou sentindo algo em seu interior começar a borbulhar e a arder. Ela não queria apenas observá-lo, queria falar com ele, rir com ele e tocá-lo. Queria encostar seus lábios nos dele, sem medo. Ela não se contentava mais com a distância segura, pela primeira vez, queria estar perto e sentir.
31 de Dezembro de 2010, casa à beira do mar em Fishbourne - Inglaterra 11:10 pm
Último dia do ano e estou sozinha na casa das minhas tias.
No almoço elas puxaram o assunto de que teria uma queima de fogos e show ao vivo em Binstead. Eu não compartilhei o mesmo entusiasmo delas, não estava com cabeça para comemorar. Então depois do almoço fui dar um passeio na praia, torcendo para que um golden retriever amarelo estivesse perdido e seu lindo dono – minha obsessão preferida – estivesse procurando-o. Só que, sou azarada demais para que uma dessas cenas, típicas de filmes românticos, aconteça. Ou talvez porque eu e ele não estejamos em um filme, e sim na vida real. Eh, isso me diz muita coisa.
Agora estou aqui, sentada em cima do bancada de linóleo gasta da cozinha. O rádio está ligado, mas incapaz de produzir algo que não seja um chiado. Desisto dele, desligando-o. Não liguei as luzes, há apenas uma vela derretendo em cima do linóleo e que clareia o meu rosto. As janelas estão fechadas, mas isso não contém o sibilar suave do vento e as correntes de ar que rodopiam ao meu redor. O cheiro salgado do mar não me permite ficar muito tempo olhando para a folha no diário, por isso levanto o rosto e estudo a escuridão lá fora. Sinto o desejo de ver o mar. De senti-lo acariciar calidamente os meus pés. Eu cravaria pegadas anônimas na areia úmida, traçaria um caminho meu, apagado pela noite e pelas ondas.
Um repentino movimento vindo do quintal da casa ao lado chama a atenção de e a sobressalta. Ela pula da bancada para perto da janela com o diário na mão a tempo de ver o casal de adultos deixarem a casa, batendo fortemente a porta da frente. Franzindo o cenho a garota apóia uma mão contra o vidro frio, deixando que sua respiração o embaçasse. Onde estava o seu garoto? Por que os pais dele estavam saindo sozinhos e com tanta tensão nos rostos. Algo não ia bem, algo não estava certo. Mas o que seria?
Esticando o pescoço capta a luz fraca incidindo de uma das janelas, a única acesa na habitação deixada pelo casal. Há sombras dançando contra uma das janelas, mas ela volta sua atenção para os dois adultos que entravam no carro. Observou-os colocarem o cinto de segurança, terem uma rápida e intensa discussão, até que o carro foi manobrado e ganhou a estrada. fixou-se novamente na janela. Seu coração estremeceu.
O rosto dele estava parcialmente iluminado, mas conseguiu reconhecer a expressão sombria e rígida represada ali. Ela nunca o vira daquela forma, o garoto que sempre coloriu suas lembranças e pensamentos rindo enquanto corria pela praia ou brincava com o cachorro, não estava mais lá. Só havia raiva e tristeza. Não lhe parecia justo que sentimentos tão pobres pudessem manchar um rosto tão lindo. Não lhe parecia justo não poder arrancar aquilo dele e fazê-lo rir. Doía-lhe além da razão.
Mesmo depois de ele ter se afastado da janela, esperou. O quê exatamente, não sabia e mesmo assim ficou parada, a respiração superficialmente calma. Ouviu o cachorro latir e ganir no andar de baixo, seguido por um vulto pulando de uma das janelas no mesmo andar. A garota franziu o cenho olhando para a janela de cima ainda com a luz acesa e novamente para o vulto. Algo naquela imagem não lhe era estranha. Na verdade se assemelhava muito com as suas últimas fugas de casa... Ela ofegou compreendendo.
Ele estava fugindo de casa em pleno ano novo! riu nervosamente, se ele realmente fosse embora como ela poderia ter uma chance? E se aquela fosse a sua chance, a deixaria ir ou correria atrás dela? Ele levava consigo o cachorro pela coleira e uma maldita mochila nas costas. Atravessou o quintal absorto em sombras e pulou a pequena cerca branca ao redor do terreno. Ela só conseguia ver seu perfil, mas na verdade desejava saber que cor eram os olhos dele e se havia algum sinal de nascença em seu lindo rosto.
Ir ou não ir atrás dele, eis a questão.
Por que mesmo não poderia deixá-lo fugir tanto da vida dos pais dele quanto da sua própria? Havia milhares garotos no mundo, tão lindos ou até mais lindo do que aquele! Só que era ele quem ela queria. Sempre foi ele, desde o primeiro momento em que o viu. Pode ser clichê, mas vale como verdade. Por isso estava seguindo-o pela praia, o mais silenciosamente que conseguia. O golden retriever andava trotando pela areia abanando despreocupadamente o rabo, ele ainda não denunciara e nem parecia se incomodar com a presença dela.
As três sombras seguiram pela beira da praia, deixando pegadas ao acaso, mas adentrando juntas a praia, embrutecida pela noite. Não havia mais casas para este lado, só palmeiras e outras plantas inidentificáveis. Vez ou outra se escondia atrás nelas ou tropeçava em uma pedra. Era um saco andar no escuro, mas estava agradecida de que pudesse distinguir os passos do garoto e do cachorro. Pelo menos não se perderia deles. Mas estava confusa com o rumo que tomavam, que, aliás, parecia ser nenhum. Se o garoto pretendia fugir de casa, por que até agora não tentara achar uma estrada, um táxi ou qualquer outra solução? Por que continuava a andar calmamente pela praia? E por que ela não desistia e voltava para a segurança da própria casa, onde poderia escrever em seu diário?
bufou baixinho para a areia, era ridículo continuar a incentivar aquelas perguntas em sua cabeça. Ela sabia que não importava para onde ele estava indo; ainda sim o seguiria para certificar-se de que ele ficaria bem. Ela parou no mesmo momento em que ele, e tomada por um repentino nervosismo, pulou para perto da árvore mais próxima. Viu e ouviu quando o garoto jogou a mochila no chão.
- Fica ai, amigão. Já volto. –Ele disse ao cachorro que apenas se sentou e pós a língua de fora em resposta.
Seus passos se juntaram ao som das ondas e seus movimentos incitaram a curiosidade de que não resistiu à tentação de observá-lo a meia luz. Ela viu o seu vulto caminhar até a vegetação próxima, e abaixar-se várias vezes perto do solo, carregando o que recolhera de volta para onde estava a mochila. Houve uma breve agitação e triturar de folhas secas, depois um clarão seguido pelo cheiro pungente de fumaça trazida pela brisa até o esconderijo da garota. não conseguiu sufocar a tosse.
- Quem está ai?
Ao ouvir a voz dele, ela se encolheu contra o tronco insípido da árvore amaldiçoando a fumaça. Como poderia sair dessa sem ter de encará-lo? Mas espera, não era isso que ela queria? Uma chance, uma oportunidade como esta? E se a deixasse escapar, será que haveria uma segunda vez? Hora de responder aquelas perguntas e todas as outras ainda não respondidas.
saiu de trás da árvore expondo-se a luz dourada da fogueira, reunindo toda a coragem que possuía, andou até ele. Não deixando que seus temores a atrapalhassem agora, precisava fazer aquilo. Se não se atormentaria pelo resto da vida com aquelas torturantes falas: “e se...”.
- Desculpe. – Falou engolindo em seco. – Não tive a intenção de surpreendê-lo...
Ele sorriu daquele jeito despreocupado e alegre que ela sempre sonhara em ver de perto.
- Mas devo dizer que surpreendeu. – A voz dele tinha uma cadência zombeteira. – Nunca imaginei que seria seguido.
- Eu não te segui. – Ela corou e mordeu o lábio tentando ser convincente.
- Certo. – O sorriso brincalhão ainda estava lá, e um toque de sarcasmo fora acrescentado aos seus olhos enquanto a avaliavam. – Qual é o seu nome?
- .
- Gostaria de me fazer companhia, ?
À luz da fogueira ela não conseguia saber qual era a exata cor dos olhos dele, mas sabia que eles brilhavam de um jeito que a deixava mole, incoerente e fora de controle. Não conseguia reunir as forças necessárias para virar-se e ir embora, para esquecer tudo aquilo. Ouvira a voz dele, vira seu sorriso, seus olhos e tudo estavam voltados a ela. Como quis desde que o vira correr pelo quintal da casa que os pais dele alugaram há quatro anos antes.
- Se não for te incomodar... – Ficou embaraçada por não saber o nome dele.
- Pode me chamar de . - Gesticulou, convidando-a a sentar ao lado dele. O golden retriever jogou areia para todos os lados ao correr para cumprimentá-la. – Ele é manso. Só é meio...
- Feliz por excesso?
assentiu rindo, enquanto o cachorro pulava para cima de e a derrubava no chão.
- Hey, rapaz! Deixa um pouco dela para mim! – Ele se levantou para tirar o golden de cima dela. – Desculpe, ele não sabe medir a própria força.
- Tudo bem. – Ela aceitou a ajuda de para levantar. – Qual é o nome dele?
- .
- Olá, . – coçou o pescoço do cachorro enquanto ele arquejava feliz pelo agrado, com direito a língua tombada para o lado e baba. – Acho que ele gostou de mim. – Comentou.
- Gostou. – concordou, olhando dentro dos olhos dela. corou.
Os dois se sentaram perto da fogueira e o cachorro deitou encostado à perna do dono. O silêncio entre eles não foi incomodo, mas não fez com que ambos relaxassem. Algo na expressão da garota deixava intrigado.
- Se você não estava me seguindo, por que está aqui? – Ele perguntou encarando as chamas dançantes na fogueira. exalou um suspiro.
- Certo, eu te segui. – Confessou também olhando para frente.
- Por quê? – Simplesmente perguntou.
Ela não respondeu de imediato, oscilando entre a sinceridade ou uma mentira.
- Queria ver para onde você estava indo. – Tentou se esquivar, optando por uma meia verdade. Ele deixou essa passar.
- Faltam... Restam só 30 minutos de 2010. – A voz de continha um sorriso. – Esses são nossos últimos momentos no passado.
- O passado foi longo.
- E precioso.
- Por que diz isso? – perguntou sondando o rosto dele. Foi à vez dele de hesitar, deixando a garota ansiosa. encolheu os ombros.
- Porque vivi muitos momentos bons em 2010. Momentos que no final compensaram os ruins.
- Então... Você acha que as coisas boas pesam mais que as ruins?
- Yah. – Ele sorriu para ela. – Sabe o que gostaria de fazer, aproveitando que o passado ainda não se concretizou?
- O que? – Perguntou também sorrindo.
não disse nada, apenas a pegou pelas mãos e a ajudou a levantar.
- Deixe as sandálias aqui. – Instruiu ele.
obedeceu percebendo que o garoto já estava sem os sapatos. Ela tentou ler algo naqueles olhos caramelizados pela luz das chamas e tão brilhantes quanto estas. Deixou que a levasse para junto das ondas, só observava não achando atrativo algum em deixar o calor gostoso do fogo.
- Está frio! – A garota protestou rindo. a puxou pela cintura, fazendo-a pisar na água gélida salgada.
- Não está.
- Está sim! – Ela se agarrou a camisa dele, uma onda fria lhe trazendo calafrios.
- Mas ano novo sem estar no mar não é ano novo. – não conseguia parar de rir da cara de gato escaldado de .
- Vou molhar a barra do meu vestido. – Tentou fugir, mas ele não a deixaria ir tão fácil assim.
- Seu vestido não é tão longo, portanto não corre perigo. Além disso, está de jaqueta, não precisa se preocupar com o frio.
- Mas mesmo com a jaqueta sinto frio. – Insistiu ela.
- Até se eu te abraçar? – Ele envolveu a cintura dela com ambos os braços e apertou as costas dela contra o seu peito.
- Não tanto. – resmungou, adorando aquele contato, esquecendo-se das ondas que poderiam molhar a barrada de seu vestido branco e da jaqueta jeans que usava contra o frio.
- Faltam 5 minutos, se prepare para fazer um pedido. – Sussurrou-lhe perto do ouvido, sua respiração quente arrepiando a nuca da garota.
O que mais ela poderia querer, além disso? Além de deitar a cabeça no ombro dele, sentir aquele cheiro bom de pele e sabonete enevoado pela brisa salgada do mar, aquele inesgotável calor que emanava do corpo dele?
- Dez segundos agora. – disse olhando para o relógio em seu pulso. – Conte comigo.
- 9... - Começaram juntos olhando para o céu estrelado. - 8... 7... 6... 5... 4... 3... – Ele a virou para poder encarar-lhe o rosto escurecido pela bruma da noite, longe da segura claridade da fogueira. - 2... – O hálito dela o entorpecia. - 1.
- Feliz ano novo, . – Roçou os lábios nos dela.
- Para você também, . Feliz ano novo. – Conseguiu dizer com um tênue fio de voz.
- Agora estamos no futuro. – Ele acariciou-lhe a nuca, entrelaçando os dedos em seus cabelos.
- O futuro é bom. – Murmurou, pressionando timidamente a boca contra a dele.
Sentiu-o estremecer sobre o contato cálido de seus lábios, estava arriscando todas as fichas nisso. Na felicidade e na mínima promessa que selaram ali. No momento que ficaria entrelaçado eternamente ao futuro, não no turbulento passado. Deixou que ele lhe explorasse a boca, em uma lenta e torturante pericia. Envolvendo o pescoço dele, se agarrava ao que seria, não ao que “poderia ser”. Não precisava mais de perguntas, podia sentir o fluxo ardente das respostas nas inquietas mãos de que passeavam por todo o seu corpo. Ele afastou os lábios para arrastá-los até sua orelha e sussurrar-lhe:
- Faltam os fogos. Ainda a muito do futuro para experimentar.
Eles voltaram para a areia, sujando os pés e misturando as pegas umas nas as outras. Não havia real constrangimento entre eles. Experimentaram pela primeira vez um entendimento mútuo silencioso, uma franca concessão dos sentidos ao turbilhão de sentimentos que os preenchia.
tirou da mochila algumas embalagens coloridas, empunhou o seu isqueiro e sorriu para .
- O vai ficar inquieto, acha que consegue segurá-lo?
- Posso tentar.
- Pronta? – Ele equilibrou uma das embalagens na areia. segurou firme pela coleira, não conseguindo afastar os olhos das costas de . Mal acreditava no que acabaram de compartilhar, seus lábios ainda formigavam pela sensação que os dele deixaram.
Sobressaltou-se, assim como o cachorro, com o estouro colorido dos fogos lançados como foguetes para o céu e se desfazendo em uma chuva prateada. O garoto recuou, sentando tranquilamente perto dela. gania e se encolhia tremendo, ela o abraçou com pena do estado dele. riu divertido encostando-se nela também, beijando-lhe carinhosamente o pescoço.
- definitivamente não gosta de fogos. – Ele comentou.
- Eu gosto.
O garoto a encarou por um momento, esquecendo-se completamente das cores lindas e do barulho produzido pelo estouro dos fogos.
- Como você me viu? – Perguntou de repente.
- Como assim? – Ela questionou de volta, confusa pela abrupta mudança de humor dele.
- Quando eu saí de casa, estava seguro de que ninguém havia me visto. Pois todos os vizinhos pareciam estar naquela queima de fogos em Binstead. – Explicou ele.
- Eu não fui, não estava com clima para festas.
- Ah! – A compreensão inundou o rosto do garoto. – Eu tinha certeza de que o seu rosto não me era estranho. Você é a garota de janela.
- “A garota da janela”? – riu.
- É, você sempre ficava olhando pela janela das vizinhas!
- Elas são minhas tias. – Admitiu a garota.
- Caramba, por que você nunca saia da casa delas? – Era impressão dela ou ele estava um pouco irritado? - Por que nunca brincava no quintal ou ia à praia?
fixou-se nos clarões dos fogos hesitando em responder àquela pergunta.
- Eu... Eu pensava... – Suspirou. – Pensava que não deveria fazer amizade com você.
- Por quê? – parecia triste.
- Porque eu era muito insegura. Tinha medo, aliás, ainda o tenho.
- Todo mundo tem os seus medos. – Ele observou as últimas cores prateadas dissipando-se na escuridão da noite. – Não me admira que você tenha. Mas, sabe, às vezes precisamos correr alguns riscos na vida para sermos feliz, ou pelo menos, tentar construir algo semelhante a isto.
- Eu sei. – se apoiou nele, deixando que deitasse a cabeça em sua coxa. O cachorro ainda tremia pelos ecos dos fogos. – Mas é difícil fazer isso, quando não se vislumbra muita felicidade no pouco que temos em nossas vidas. Na minha vida sei que não restam muitas razões para sorrir.
- Você já tentou pegar uma estrela com a mão, ? – estava confundindo-a novamente, mudando para um assunto tão trivial e romântico quanto às estrelas. A garota ajeitou a cabeça no ombro dele para fitar os diminutos pontos brilhantes que irrompiam na monótona e inquietante escuridão da noite.
- Não. Você já?
- Não, nunca tentei. Mas poderia, não poderia?
- Mas não conseguiria. – Murmurou ela.
- Esse é o seu problema. – Disse com uma voz brincalhona e descuidada. – Você é muito pessimista. Não estou falando em conseguir nada ainda. – Ele abaixou a sua cabeça na altura da dela para olhar-lhe nos olhos. – Eu poderia tentar pegar uma estrela?
- Poderia. – Concordou, sentindo o coração disparar. – Você está só especulando. – Deu de ombros.
- E tentando.
- Não entendo aonde você quer chegar, . – admitiu tomada pela frustração.
- Veja, nem sempre o fim é importante. O universo, por exemplo, é infinito. Não há limites para ele, mas milhões de anos luz desconhecidos por nós, humanos. E mesmo assim as estrelas são visíveis – explicou, fazendo um gesto amplo para o céu escuro - Podemos tentar pegá-las, podemos sempre tentar buscar um jeito. Demore o tempo que for. – Ele acariciou o rosto dela com a ponta dos dedos. – Todo mundo tem o direito de tentar buscar um sonho, uma meta ou as estrelas. É difícil? Claro que é! Mas nada na vida é fácil, simples. O que define e realmente importa é tentar. Porque, pense, assim nunca poderíamos alcançar o topo de uma montanha, descobrir o mais belo e valioso dos tesouros.
- Ou o amor. – Murmurou ela, hipnotizada pelos olhos dele.
- Sim. – sorriu. – Ou até mesmo o amor.
1 de Janeiro de 2011, casa à beira do mar em Fishbourne 5:30 am
Novas cores tingiram o pálido azul do céu, a escuridão escorre para longe. As mudanças ali se refletem em meu interior. Luz, cor e paz. São as palavras certas para descrever este alvorecer. Pássaros cantam junto às ondas para celebrar a mudança, ao novo. Há bem mais que um coração pulsante dentro de mim. Hoje vejo isso, e me pergunto como nunca percebi antes.
Minutos atrás estive com o . Ficamos na casa dele, até seus pais chegarem. O que foi uma lastima: não queria ter me separado dele tão cedo. Mas aqui, sozinha ao lado da janela, posso assistir as mudanças ao meu redor e compreende-las melhor.
Ao sair atrás dele na noite passada, não estava apenas me arriscando. Estava me libertando do pudor que sempre me amordaçou. Aprendi naquelas rasas horas o valor da palavra “tentar”, prometo conjugá-la corretamente e com mais freqüência de agora em diante.
Existiam coisas sobre mim que só pude ver agora, ante aos primeiros sinais desta manhã fria. Eu me vejo melhor agora. Vejo o mundo a minha volta exatamente como ele é, com todos os defeitos e qualidades. Há um brilho novo, algo pequeno, mas que em meio à escuridão faz toda a diferença. Não, não é o amor, nem a paixão apesar destas brilharem também. Quando olho para o céu lívido, com resquícios claros da noite, tenho consciência desta coisa que faz toda a diferença dentro de mim. Desta pequena nova estrela que nasceu. Ela se chama esperança.
Fim
Nota da autora: Eu nunca sei o que escrever nessas notas, especialmente se elas são definitivas, hm, esta é minha segunda fic não restrita e a terceira que eu posto no site. I See a New Star foi terrível para ser finalizada, eu tive de espremê-la bem da minha cabeça, mas isso não a fez menos querida para mim.
Jane Austen, para quem não conhece, é uma escritora britânica (sim, da terra dos nossos Mcguys), e é uma grande inspiração para mim. Sem ela, eu provavelmente não teria terminado essa short. Muitas pessoas me apoiaram não só na criação dessa fic, mas em tudo o que eu escrevo, por isso quero agradecer muito a elas. Mas especialmente quero agradecer a minha capista que fez um trabalho incrível com a capa, obrigada Vicky! Quero agradecer também a That, por ter aceitado betar a minha fic, obrigada! Também quero agradecer desde já a quem for ler, comentem, please!
Beijos,
Fá
@FaJudd (www.twitter.com/FaJudd) / This Is My Vanilla Twilight (http://fajudd.tumblr.com/)
Outras fics:
One Less Lonely Girl Restrita/Finalizada My Thoughts Progress McFLY/Finalizada
comments powered by DisqusNota da Beta: Qualquer erro nessa atualização é meu, só meu. Reclamações por e-mail ou pelo twitter, nada de e-mails para o site, ok?
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