Last Night on Earth.
Autora: Marina Iero
Beta: Brille


(Sugestão de músicas para ouvir lendo a fic: Save You – Simple Plan; Cancer – My Chemical Romance; Last Night On Earth – Green Day.)

’s POV.

Algumas histórias se cruzam em um ponto bom das vidas das personagens, outras, porém, nem sempre são assim. Às vezes é por algo realmente ruim que a vida de duas pessoas se encontram. Um acidente, um crime, quem sabe?
Bom, é claro que o fato da história começar mal não quer, necessariamente, dizer que a trama toda seja ruim, certo? Afinal, por pior que seja a situação de alguém, em algum momento essa pessoa irá sorrir, é inevitável. Seja por outra ou outras pessoas, seja por algo, sempre há um motivo para sorrir, mesmo nos piores momentos.
Difícil? Realmente, na maioria das vezes, sorrir em uma situação em que você está chorando por dentro é difícil. Como arquitetar um sorriso, por mais falso que seja, no seu exterior, enquanto em seu interior você está despedaçada, quebrada, destruída. Quando nada mais parece ter sentido, quando você tem aquela vontade de desistir de tudo, de todos. Quando você cansa de tudo, aquilo que ontem te fazia sorrir, hoje te faz chorar. Sorrir parece ser tão difícil.
Foi exatamente nesse ponto da história em que a minha vida se encontrou com outra, foi nesse ponto da história em que eu conheci quem iria mudar o final do meu conto de fadas, que eu (agora) chamo de vida.


Era verão, o sol queimava o topo das cabeças das pessoas que andavam apressadas pela rua. Algumas senhoras de mais idade andavam devagar, em passos pequenos e cuidadosos, levando consigo uma sombrinha, se protegendo dos raios fortes do sol.
Uma porta de vidro automática abre, e de lá sai uma enfermeira empurrando uma cadeira de rodas, onde uma menina de sete anos estava sentada, sorrindo de orelha a orelha, com a perna engessada. Detrás das duas saiu um homem de terno, que sorria também. Abriu o carro, pegou a menina no colo, colocando-a no banco traseiro do carro. Fechou a porta e falou algo para a enfermeira, que assentiu sorrindo e se virou, entrando no prédio com a cadeira de rodas. O homem entrou no carro e deu a partida, o carro se foi.
- ? – a voz de me trouxe de volta a realidade. Abri meus olhos lentamente. Aquilo fora só um sonho, um flashback de quando eu, com sete anos, havia quebrado minha perna.
Eu tinha sido trazida para esse mesmo hospital, eu chorava de dor. Logo os médicos fizeram minha dor parar e eu fui para casa, com um gesso na perna que pesava mais que eu. Lembro-me de ter ido para casa sorrindo largo, meu pai havia deixado de trabalhar por uma semana para ficar comigo em casa, enquanto minha perna estivesse quebrada. Quando enfim tirei o gesso, tudo voltou ao normal. Queria quebrar a perna de novo, vir chorando ao hospital. Queria que o médico colocasse um gesso pesado na minha perna, fazendo a dor parar. Queria voltar para casa sorrindo, ter assinaturas das minhas amigas no gesso fedido. Quando me cansasse do gesso, apenas viria até o hospital e os médicos tirariam aquele peso de mim. Queria que tudo fosse assim, simples.
- Ei, eu te acordei? – perguntou, se sentando na cama. Apenas sorri, pelo canto do olho vi entrando no quarto também.
- Tudo bem, não tem problema. – eu disse baixinho.
- Eu sinto muito. – ela disse, segurando minha mão. Apertei a mão dela, tentando passar alguma confiança.
- Não se preocupe, eu já estava dormindo há bastante tempo...
- Não é isso, . – ela me olhou triste – Eu sinto muito por tudo isso.
Encaramos-nos por longos segundos, até que eu respirei fundo e disse num sussurro:
- Você não tem culpa de nada. – forçou um sorriso. Tudo o que fazíamos ali era forçado, nada parecia ser verdadeiro... Só a dor.
sentou-se do outro lado da cama e também pegou minha mão, sorrindo. Eu tinha que agradecer sempre por tê-las, eram as melhores amigas que alguém poderia ter.
Uma batida na porta anunciou a entrada da enfermeira, que vinha seguida de um médico, o Dr. Jason.
- Como você esta se sentindo hoje, ? – ele perguntou com um pouco de animação, examinando a prancheta com os meus dados.
- Entediada. – disse sincera. Ele me olhou e sorriu de lado.
- É, eu imagino. Sinto muito, . – assenti. Naquelas últimas duas semanas o que eu mais ouvia era: “Eu sinto muito, .” Isso me incomodava de certa forma, eu não precisava que ninguém tivesse pena de mim.
- Pronta para a dose diária? – ele perguntou. Confirmei desanimada.
- Doutor? – chamei. Jason olhou para mim. – E o doador?
Jason me fitou por alguns segundos. Como eu temia, ele hesitou, eu já sabia a resposta que ele daria.
- Estamos procurando, . Não é fácil arranjar um doador de medula assim...
- É, eu sei. – disse desanimada.
- Não se preocupe, , por enquanto temos o suficiente. Logo acharemos um novo doador e então será mais fácil. – assenti. Jason e a enfermeira prepararam os milhares de remédios, depois eu tomei cada um, tomei várias picadas, já que muitos eram injetáveis, mas tudo bem. Eu já estava acostumada àquilo todos os dias, já era uma rotina.
Não posso dizer que o resto do dia foi diferente, passou do mesmo jeito. Minhas amigas foram embora às seis e meia, me deixando novamente sozinha naquele quarto de hospital.
Levantei da cama, sentia meu corpo doido de não fazer nada. Caminhei até a janela, espiando lá fora. As pessoas saíam dos prédios apressadas, fechavam seus comércios rapidamente, ansiosas para irem para suas casas, coisa que comigo não acontecia há quase duas semanas. Relembrei-me do meu trabalho, eu era gerente de uma empresa, tinha meu próprio escritório, onde eu podia entrar nos sites que quisesse no computador, onde eu podia ficar com os pés em cima da mesa, onde eu podia ligar para minhas amigas sem me preocupar com o amanhã. Eu sabia que meu chefe não iria me demitir.
Relembrei-me do meu apartamento, onde eu vivia com as minhas amigas e meu cachorro. “Ele anda triste desde que você veio pro hospital”, me dissera. É, eu sentia falta do meu garotão.
Lembrei-me das minhas roupas, e um sentimento de nojo se apoderou de mim. Eu odiava vestir aquele camisolão, odiava estar ali como uma semimorta, odiava não poder sair, odiava não poder comer uma comida decente, ou até mesmo um Mcdonalds.
A porta se abriu e eu olhei para trás assustada. Um homem, que devia ter um ou dois anos a mais que eu, estava parado na porta. Ele me encarou confuso, percorrendo os olhos pelo quarto em seguida.
- Desculpa. – ele murmurou, quase fechando a porta.
- Espera! – chamei. Eu não o conhecia, mas eu me sentia tão sozinha que até um diálogo do tipo: “Você estava procurando por qual quarto?” faria diferença. Ele me olhou ainda mais confuso. O que eu iria fazer? Fazer uma besteira agora não me parecia nada mau.
- Erm, por qual quarto estava procurando? – ele hesitou um pouco, depois sorriu e disse:
- Na verdade era esse mesmo, me disseram que encontraria o Dr. Jason aqui. – ele disse, ainda sorrindo. Como era lindo!
- É, ele que “cuida” de mim. – fiz aspas imaginárias com as mãos.
- Você é ? – arregalei os olhos, assentindo.
- Sou eu mesma. Como sabe meu nome? – perguntei.
- Jason comentou sobre você... – franzi o cenho. Não era nada legal que médicos comentassem por aí sobre a situação dos seus pacientes.
- Eu e Jason somos amigos há muito tempo, tenho certeza de que sou o único que conhece o caso dos pacientes dele, relaxa. – assenti.
- Então imagino que ele tenha comentado o tédio que eu passo aqui, fora todo o resto, não é? – eu disse rabugenta. Ele riu, assentindo.
- Eu sei que é difícil, minha mãe passou pelo mesmo. – ele disse mais baixo.
- Ah.
- Olha, , o que vai te fazer passar por isso é acreditar em si mesma, acreditar que você é capaz de passar por essa barreira. Você é capaz de viver.
Fiquei encarando-o por alguns segundos, olho a olho. Pensei em algo para falar para aquele estranho. Não fazia nem cinco minutos que nos conhecíamos, mas ele havia feito, de algum jeito, eu me sentir melhor.
- Obrigada. – foi o que eu disse. Ele sorriu e estendeu a mão:
- Meu nome é . – segurei sua mão, sorrindo.
- Nos vemos por aí, . – ele sorriu e saiu do quarto, deixando-me ali, plantada na frente da porta com cara de boba, pensando nesse homem maravilhoso (não só de beleza) que eu acabara de conhecer.



Não que eu estivesse apaixonada, mas eu não cansava de dizer para e o quão feliz eu estava por ter ao meu lado todos os dias. Desde o dia em que ele entrou no meu quarto sem querer, ele vinha me visitar diariamente e havíamos criado uma amizade forte. O que eu gostava em era que ele não tinha pena de mim, ele nunca chegou a falar “sinto muito” para mim, ele acreditava que eu era capaz de vencer qualquer coisa.
Já fazia dois meses que ele vinha me visitar todos os dias. Há uma semana eu havia começado com a quimioterapia, o que me deixava cansada. Mesmo sendo um tratamento bem simples, eu me sentia cansada e triste. Nesses momentos eu tentava me lembrar de coisas boas, e naquele dia estava me lembrando de quando e Jason entraram em meu quarto juntos, ambos sorridentes.
- O que aconteceu? – perguntei sorrindo, as expressões deles eram engraçadas.
- , você não vai acreditar. – Jason disse. se sentou ao meu lado na cama, pegando minha mão e afagando meus cabelos.
- O quê? O que aconteceu? – perguntei ansiosa. Pelos sorrisos, era claro que era uma boa notícia.
- Conseguimos um doador. – ele disse alto, minha boca se abriu em um sorriso largo. Senti minha pele do rosto protestar pela falta de uso, aquele era um momento raro: eu estava sorrindo de verdade.
- Quem...? – olhei para , que sorria de lado. – Você? – perguntei baixinho e assentiu. Joguei meus braços ao redor do seu pescoço, abraçando-o tão forte quanto era possível. Ele e Jason riram.
- ? – a voz de invadiu meus pensamentos, me trazendo de volta ao presente. – Tá tudo bem? – ele perguntou, me examinando. Eu estava deitada e quieta, o que era raro, pois geralmente eu estava sentada, ou de pé às escondidas.
- Tá. – menti. Eu me sentia realmente enjoada e gelada, sentia um frio percorrer todo o meu corpo. me examinou por mais alguns segundos, depois se aproximou de mim, colocando a mão no meu braço.
- Vem cá. – ele me ajudou a levantar, me guiando até o banheiro. No momento em que vi o vaso sanitário, senti um enjoo horrível, me debruçando ali e colocando tudo para fora. segurava minha franja com uma mão, sem tirar o outro braço da minha cintura.
Levantei cambaleando, lavei a boca várias vezes. assistia tudo quieto. Virei-me para ele, encostando minha cabeça em seu peito, eu estava com muito frio. pareceu perceber isso, passou os braços ao meu redor, me abraçado calorosamente.
- Por quê? – perguntei baixinho e me apertou um pouco mais forte.
- É um sintoma da doença, pequena. Não se assuste, é normal. – assenti.
- Eu sei, mas é tão... Horrível. Não é um enjoo normal, é algo realmente horrível. – beijou minha testa.
- Você está com frio. – ele disse e eu assenti. – Vem cá, pequena. – ele me deu a mão, me guiando de volta para o quarto. Em seguida ele tirou a jaqueta e a colocou nos meus ombros.
- Obrigada, . – eu disse olhando nos olhos dele. Ele sorriu, sem desviar o olhar, e disse:
- , você sabe que eu estou aqui pra tudo, certo? Eu me tornei dependente de você, eu não vou te deixar nunca. – mordi o lábio. Queria dizer o mesmo para ele, mas as palavras simplesmente não saíram. apenas sorriu de lado, me levando até a cama.
De início, meus olhos não acreditaram no que viram. Olhei para , que me observava sério. Voltei a olhar para o travesseiro, onde uma mecha realmente grande do meu cabelo jazia. Levei minha mão até a minha cabeça, e encostando ali senti uma falha. Mais fios soltavam da minha cabeça, ficavam na minha mão ou caíam no chão. Eu sabia que isso ia acontecer, cedo ou tarde, só não imaginei como seria sentir isso acontecer. Olhei para meus braços, estavam quase pelados, sem pêlos. Sacudi a cabeça, então me abraçou e eu iniciei um choro silencioso.
- Eu... Eu... – tentei formular uma frase, sem sucesso. segurou meu rosto, limpando minhas lágrimas com os polegares. Ele sussurrou, com os olhos nos meus:
- Não chore, pequena. Você é linda, realmente linda. Não chore. – sacudi a cabeça mais uma vez.
- Eu vou ficar careca, . É... É agonizante! – ele fez que não.
- Você vai continuar a mesma de sempre, a mesma menina esperta, corajosa, simpática. A mesma de sempre, só que com um corte de cabelo diferente. Vai continuar sendo a mulher por quem eu estou apaixonado, e não é isso que vai mudar quem você realmente é. São apenas pêlos, minha pequena, não significam nada. – ele encostou os lábios nos meus, me dando um selinho longo. Logo sua língua pediu passagem, que foi cedida. me beijava com calma, era um beijo doce e protetor. Eu me sentia protegida, eu estava realmente protegida.
- Eu amo você. – sussurrei com os lábios colados no dele – Sou ainda mais dependente de você do que possa imaginar.
Ele passou o nariz pelo meu, acariciando minhas bochechas com os polegares.
- Eu não vou te deixar nunca, . Eu prometi isso desde o primeiro dia que eu te vi e estou seguindo. Só uma coisa saiu do planejado: eu me apaixonar por você. Eu te amo, pequena.



’s POV.

Uma coisa que eu aprendi com os anos foi: nunca planeje sua vida com grandes expectativas, raramente ela vai seguir o seu script. Às vezes você pode adorar a mudança de planos, em outras você pode odiar.
Eu sempre me imaginei casado, com filhos, pai de família. Desde que minha mãe havia descoberto ter leucemia, minha vida mudou totalmente. Por ser filho único e não ter pai (meu pai já havia falecido), eu ajudei minha mãe em tudo. Foram cinco anos quase inteiros de inseguranças, incertezas, medos e dor. Muita dor.
O que minha mãe sempre me dizia era que ela não ia desistir, que ia ser forte e superar tudo aquilo, foi assim que eu aprendi. Minha mãe saiu do terrível câncer, com sequelas, sim, mas em um estado saudável. Era como se estivesse viva novamente.
Quando isso aconteceu, eu pensei que era hora de pegar aquele velho planejamento e seguir, eu precisava me casar, encontrar um futuro para a minha vida. Acreditei que realmente conseguiria, era aí que eu me enganava de novo.
entrara na minha vida como alguém triste, sozinha, quebrada e destruída interiormente, alguém que precisava de uma ajuda. Foi então que, mesmo mal conhecendo ela, prometi para mim mesmo que a ajudaria, que mudaria sua vida. Mal eu esperava que me apaixonaria por ela, pelo seu jeito doce e meigo. Aos meus olhos, ela era perfeita, linda. O que eu havia dito para ela não era mentira: continuava linda mesmo depois da queda de cabelos.
Bati na porta do quarto dela, ouvindo risadas lá dentro. devia estar com as amigas, mas mesmo assim ouviu a batida e falou: “Entre.”. Ela estava deitada na cama, sentada de frente para ela.
- . – sorriu para mim. Ainda não estava com o cabelo totalmente ralo, mas havia várias falhas na parte de trás e em cima. Aproximei-me da cama, cumprimentado , depois me aproximei de , lhe dando um selinho.
- Está animada hoje. – ela assentiu.
- Por enquanto. – ela disse baixinho. De tarde o cabeleireiro passaria ali, para acabar com a queda de cabelos dela: iria raspar sua cabeça.
- Você vai ficar linda. – disse, lhe dando um beijo na ponta do nariz.
- Foi o que eu disse. – falou. apenas sorriu fraco. Sentei-me do lado de e logo estávamos conversando sobre outras coisas, fazendo o tempo passar realmente rápido.
Uma batida na porta anunciou a entrada de Jason, seguido pelo cabeleireiro, uma enfermeira e , que veio em direção à cama, dando um abraço em .
- Vai dar tudo certo. – ela sussurrou no ouvido da amiga. sorriu desanimada de novo.
Em menos de dez minutos o cabeleireiro já estava passando a máquina na cabeça de , que estava com os olhos fechados, mordendo os lábios. Quando ele terminou, permaneceu um tempo de olhos fechados, depois abriu lentamente, encarando à mim e às amigas. Sorri para ela, que tirou as mãos do avental que temos que usar no cabeleireiro. passou a mão pela roupa, pegando seus fios entre os dedos e examinando, quando voltou a nos encarar estava com os olhos marejados.
- , você está ótima, querida. – Jason falou, em uma tentativa de fazer se sentir melhor. Ela apenas sacudiu a cabeça, levantando e tirando o avental. Andou em direção à cama e ali sentou, calada.
- . – chamou. olhou na direção dela. – Temos algo para você, talvez a faça se sentir melhor, eu não sei. – ela disse, se levantando, junto com . As duas andaram até o cabeleireiro, pegando a máquina da mão dele. Uma raspou a cabeça da outra, no zero, abriu a boca em um perfeito "O".
- Vocês são loucas? – ela disse, se levantando da cama em um pulo.
- Loucas por quê? – perguntou, sorrindo. estava entre: bater nelas ou abraçá-las. As duas sorriam para , como se tivessem acabado de fazer uma escova.
- Vocês... – sacudiu a cabeça – Eu amo vocês mais que tudo. – ela abraçou as amigas. As três ficaram abraçadas por um tempo, eu podia perceber que soluçava baixinho.
Quando enfim soltaram-se, olhou para a quantidade de fios de cabelo no chão e disse:
- Podíamos vender. – as três riram, abaixou e pegou duas mechas distintas: uma de e outra de .
- Quando vocês virarem famosas, eu já vou ter a mecha de cabelo de vocês. – riram.
Aquele momento era tudo que precisava, as três riam como se nada estivesse acontecendo e aquilo era ótimo. Era um momento tão delas que Jason, eu e o cabeleireiro apenas saímos do quarto, sem atrapalhá-las.



’s POV.

Tudo parecia meio chocante, mas eu estava dopada demais para sentir alguma mudança. Eram quatro meses no mesmo quarto, eu não podia sair para lugar nenhum. Jason diagnosticou que eu estava mais frágil do que a maioria dos pacientes, minha imunidade estava bem baixa devido à quimioterapia. Eu poderia ficar doente a qualquer momento.
Parece estranho falar isso, eu já estava doente.
- Eu quero sair. – disse um dia, assim que Jason entrou no meu quarto. estava sentado na cama, não disse nada. Jason me encarou por alguns segundos:
- É arriscado, , sua imunidade está baixa...
- Por favor, por favor! Só dar uma volta no hospital, eu tô cansada de ficar nesse quarto! Estou quase enlouquecendo aqui... – disse a última frase baixinho. Jason respirou fundo, depois sacudiu a cabeça.
- Não posso autorizar, de verdade. Sinto muito.
Apenas assenti. Já fazia um tempo que eu havia aprendido a controlar minhas emoções, a não demonstrá-las para todos.
Quando Jason foi embora, se virou para mim. Suas sobrancelhas estavam arqueadas, ele sorria de lado.
- Eu sei que você vai sair escondida. – ele disse. Mordi o lábio, segurando um sorriso.
- Quem disse?
- Eu. – ri. Ele se aproximou de mim e meu deu um selinho demorado, acariciando minhas bochechas com os polegares.
Era verdade, eu iria sair escondida. Não aguentava mais ficar naquele quarto, precisava fazer alguma coisa. Eu não iria morrer se saísse do meu quarto, certo? Certo.
Assim que foi embora – falando pela milésima vez para eu não sair do quarto –, eu me levantei. Calcei as pantufas, estava um pouco melhor: com meu próprio pijama, ao invés daquele avental do hospital. Caminhei até a porta, lentamente, abrindo apenas uma fresta. Espiei o corredor lá fora, estava livre. Sorri.
Como era bom pisar em um chão que não fosse aquele do meu quarto, era como se eu tivesse acabado de aprender a andar. No final do corredor havia algumas enfermeiras, mas nenhuma delas se importou comigo, continuei caminhando.
As portas dos quartos eram todas idênticas, brancas, com fechaduras e os números dos quartos em prateado. Parei em frente à escada, por um breve instante hesitei se desceria ou não. Desci.
No andar de baixo tudo estava calmo, assim como no de cima. Caminhei até o corredor novamente, então percebi o motivo do silêncio: aquele andar era a maternidade. As portas brancas naquele andar eram decoradas, cada uma com um enfeite feminino ou masculino e o nome da criança. Havia uma porta com um enfeite rosa e um azul: Jenny e Luke. Sorri, pensando na alegria daqueles pais, cada um com um bebê nos braços.
Eu nunca iria casar. Nunca poderia ser mãe, eu não sabia se chegaria a casar, ou até mesmo a sair do hospital. Eu estava presa àquele lugar, estava presa àquela vida.
Parei ao chegar a uma “vitrine”. Aproximei-me dali, encostei minha cabeça no vidro e preguei meus olhos naqueles bebês, naquelas inúmeras vidinhas. Vários dormiam, mas havia dois chorando. Ri baixinho na hora que outros três deles acordaram com a choradeira e começaram a chorar também. Eles eram lindos.
Voltei a andar em direção a escada, descendo mais um degrau. Eu estava, agora, no primeiro andar. Aquele era realmente movimentado em comparação aos outros. Um menino de cinco anos se aninhava no colo da mãe, sentada em uma das cadeiras da recepção.
Mais adiante estava uma garotinha de nove anos, o pai não lhe dava a mão e ela tinha os olhos inchados, devia ter chorado.
Aproximei-me dela, estava com o rosto febril. A menininha soltou um espirro baixinho, seguido por uma tosse pesada.
- ! – olhei em direção a voz: Jason. Ele estava na frente de uma garota de uns quinze anos, loira, que tinha o braço engessado.
Arregalei os olhos. Eu estava de pijama no pronto-socorro, devia estar parecendo um zumbi. Eu não queria estar ali, eu não deveria, mas estava tão hipnotizada pela possibilidade de sair do meu quarto que simplesmente... Andei.
Jason veio até mim, subindo comigo até o meu quarto de volta, em silêncio. Quando entramos no quarto, eu me sentei na cama e fiquei olhando para ele. Jason suspirou, sacudindo a cabeça.
- Deveríamos ter trancado seu quarto, como fazemos com as crianças. Você tem noção do perigo que passou? – dei de ombro.
- Nada me atingiu. – disse baixinho. Jason respirou fundo.
- Espero que não mesmo! Continue comportadinha, ou terá que ficar de castigo. – ele disse. Assenti, apenas colocando as pernas em baixo do travesseiro, sem dizer nada.
Eu começava a me sentir mal, um mal-estar estava se apoderando do meu corpo.


’s POV.

estava doente. Ela era teimosa, uma cabeça-dura. Quantas vezes dissemos para ela: “não saia do quarto”, “não se aventure pelo hospital”?
Foi exatamente o que ela fez: saiu pelo hospital. Pelo andar dela e o da maternidade não havia tanto problema, mas ela havia descido até o pronto-socorro, ficado perto de pessoas com vírus, com tosse, com gripe, com febre. Doenças simples, mas que nela fariam grande diferença. E ela sabia disso.
Pegou uma febre alta, seguida por uma gripe realmente forte. Era incrível como essas doenças poderiam fazer estragos a quem tivesse com a imunidade realmente baixa.
Tentávamos fazer se animar, mas ela repetia que não estava nada bem, que iria morrer. Um dia as meninas comentaram comigo que estavam com medo, apenas pude concordar. Estávamos com medo, porém não iríamos desistir. Estávamos ali para fazê-la se sentir melhor, esquecer do câncer. Acreditávamos que ela iria melhorar, que ia se curar e iríamos permanecer ali até que isso acontecesse, nem que demorasse para sempre.
Acreditávamos em , mas ela não acreditava nela mesma.
Foi em Abril, Jason me ligou desesperado no meio da madrugada. Logo eu estava no hospital, com o cabelo bagunçado, encarando os rostos assustados de e .
Jason nos encarou, era um médico e um homem forte, mas pude perceber que seus olhos cintilavam. Ele apenas sussurrou:
- Ela não aguenta mais. Eu sinto muito.
Entramos no quarto de , ela estava deitada em sua cama, seu abajur ligado. Ela mantinha os olhos fechados, mas seus lábios se moviam em um sussurro.
- Ah, são vocês. – ela sussurrou, não muito mais alto do que antes. e se colocaram de um lado da cama, eu de outro. Jason estava na ponta da cama, olhava tudo do escuro.
- ... O que...? – sacudiu a cabeça, era difícil para qualquer um de nós formular uma frase.
- Sabe o que eu estava pensado? – disse em um sussurro animado. Sacudimos a cabeça. Ela disse:
- Estava pensando que eu nunca fui para Papua Nova Guiné! – ela riu baixinho. Os rostos de e se tornaram aterrorizados, se virou para mim, sorrindo.
- Pode visitar lá um dia e mandar um abraço ao povo, por mim? – ela perguntou, seu sorriso sumindo do rosto. As lágrimas começavam a cintilar em seus olhos. Sacudi a cabeça.
- Não. Nós vamos para lá juntos. – sorriu desanimada.
- Se eu pudesse pedir algo, seria um copo de água. – ela disse – Minha boca está tão seca... – ela tossiu.
- Quando se curar dessa tosse, poderá tomar gelo. – disse. não fez nada além de sacudir a cabeça.
- Eu quero falar com cada um de vocês. Sozinhos. – ela disse sem mais. – Primeiro com Jason.
Eu e as meninas saímos do quarto, elas estavam quietas, olhavam para baixo sem nada dizer. Cada minuto que passávamos ali parecia ser infinito, até que Jason saiu do quarto, seus olhos inchados. Ele desviou o rosto, murmurando:
- , vai lá. - e entrou.
Quando ela saiu escondia o rosto entre as mãos, falando de um jeito abafado que era a próxima.
Com ela foi a mesma coisa, mas não precisei que ela falasse nada, apenas entrei. olhou para mim sorrindo, me sentei na cama, pegando sua mão direita entre as minhas.
- Seu eu ganhasse por cada lágrima que vocês desperdiçaram comigo, estaria rica. – ela disse rindo. Senti um nó na garganta que mais parecia uma bola de boliche.
- Não diga isso, . – ela apenas franziu as sobrancelhas.
- Eu sinto dor. – ela disse – É uma dor meio sufocante... Dor de medo. Medo de morte.
- Você não vai morrer, minha pequena. Vai ser forte, lembra? – sacudiu a cabeça, as lágrimas começaram a rolar-lhe a face.
- O cansaço me dominou, . Estou cansada. Cansada de tudo isso, desse hospital, desses remédios, de usar pijamas. Estou cansada de assistir os mesmos programas na TV, cansada de tomar banho e comer sempre no mesmo horário. Mas cansada, principalmente, de sofrer. Cansada de prender vocês a mim, obrigando que a vida de vocês mude de acordo com a minha. Não é isso o que eu quero.
Abri a boca para falar, colocou o indicador sobre meus lábios.
- Minha hora chegou, assim como a de muitas pessoas. É normal, é algo que faz parte da vida. – ela disse. Encaramo-nos olho a olho por longos segundos.
- Você está com medo? – perguntei baixinho.
- De morrer? Não mais. – ela esticou a mão em direção ao criado-mudo, pegando um envelope e me entregando.
- O que é isso? – perguntei.
- Uma carta. Entreguei uma à e uma à , mas me prometa que só vai abrir quando estiver longe daqui. Depois que eu já estiver longe.
- Não diga isso. – apertou a mão na minha.
- Eu não temo mais a morte, . Estou em paz. Tudo vai ser melhor assim.
- Há um jeito de melhorar tudo... – sacudiu a cabeça.
- É a minha decisão. Só tenho que te pedir uma última coisa: fique aqui comigo. – ela pediu baixinho, como uma criança que pede para os pais a observarem até ela dormir.
- Ficarei com você sempre, pequena. – ela sorriu.
- Boa noite. – disse. Aproximei-me dela, lhe dando um selinho longo.
- Eu te amo. – sussurrei.
- Eu te amo também. – ela disse, fechando os olhos. Nos lábios, ela tinha um sorriso largo.
Era como se ela estivesse dormindo, só que seu coração já não batia mais. E ela dormiria para sempre.


“(...) Eu agradeço sempre por você ter entrado no meu quarto sem querer, acho que foi uma obra muito bem feita do destino: aconteceu na hora certa, no momento certo. Era quando eu mais precisava de alguém como você, que não tivesse pena. (...) mesmo que eu não case nunca, eu posso dizer que tive um amor. É claro que não posso falar que foi um amor de verão, ou de praia, enfim. Seria realmente irônico, não? (...) Tudo o que você falou me ajudou a continuar aqui, aguentando, mas eu sinto cansaço. Estou esgotada, fazer nada cansa, sabia? (...) cansada de viver uma vida morta. Eu me sinto morta. (...) Espero que vocês não vejam isso como algo egoísta (aliás, nem sei o porquê), mas é minha decisão. (...) Obrigada, , você mudou o que era minha mísera vida, transformou-a em um conto de fadas, só que – infelizmente – não ficamos juntos no final. (...) Eu vou sempre olhar por vocês e não se esqueça: não desista nunca. Eu te amo. . 14/04/2006”


Guardei a carta no meu bolso, seu papel já estava sujo e gasto de tantas vezes que eu a havia lido nesses últimos três anos. Sempre a levava comigo, era uma forma de ter sempre comigo, e aquilo me fazia continuar meu caminho, minha nova vida, eu sabia que era isso que queria. E era o que eu tentava ao máximo fazer, sempre me lembrando do rosto doce e meigo, do sorriso sincero e bondoso. Da mulher que mudou a minha vida para sempre, a minha pequena que foi levada pelo câncer, pela dor, pelo cansaço.



Fim.



N/b: Se encontrar algum erro, mande um e-mail para drainnotes@live.com ou me avise pelo Twitter.


comments powered by Disqus