O ponteiro do relógio marcava quatro horas da tarde quando eu já começava a me irritar com o barulho que a calculadora fazia toda vez em que eu selecionava algum número. Mas era preciso, já que eu queria finalizar meu dever de Física o mais breve possível.
Talvez devo culpar tal demora às minhas disperções repentinas. Quando eu menos imagino, minhas lembranças, meus amigos, tudo o que marcou minha vida naquela pequena cidade de interior, vêm à tona.
Saudade mata.
Toda vez em que eu voltava aos meus cálculos - ou pelo menos tentava -, eu observava aqueles números que se encontravam ali, em minha folha de caderno, em perfeita sintonia; lembrava de como eu era feliz na cidade onde nasci e passei boa parte da minha vida. Era lá onde eu sentia-me viva, era lá onde a minha vida era perfeita.
Algo realmente me dizia para levar um ponto negativo em Física, não conseguia me concentrar! Para ajudar, alguém fazia questão de colaborar com a minha convocação à Recuperação Bimestral.
- Alô. - Atendi ao telefone, sem muita paciência.
- ? - A voz parecia meio insegura.
- Eu mesma. Quem gostaria? - Continuei com a minha indelicadeza.
- Certas coisas nunca mudam, hein, *principessa? - Senti meu coração disparar. Só havia uma pessoa no mundo que me chamava daquele jeito.
- ? - Eu disse com a voz meio embargada. Meus olhos já enchiam-se de água.
- Presunto. - Era ele. Não pude evitar algumas lágrimas escaparem, muito menos evitar dar uma risadinha. , sempre muito engraçado.
Como é bom poder - nem que seja via telefônica - falar com .
Três anos. Constitui o tempo em que eu voltei para o Brasil e que não vejo o .
Bom, na verdade, eu sou brasileira, mas passei toda minha infância e uma parte da minha adolescência em Conventry, pequena e pacata cidade localizada no interior da Inglaterra. Se seus pais forem divorciados e insatisfeitos quanto ao local onde moram, acredite: você será bem viajada.
Lembro-me bem daquela tarde de inverno escaldante da Europa, em que eu passava meu tempo numa sala de bate papo qualquer da internet, quando uma janelinha irritante pisca freneticamente na tela do meu computador. Eu fechei a tal janela, porém ela era realmente insistente. Cedi. Falei com a pessoa que quer que fosse a responsável por tamanha persistência.
Sim, era o . E, sabe? Agradeço imensamente por ele ter sido tão "brasileiro" naquele dia. Bom, mas o mais emocionante de tudo fora quando já estávamos bem ligados um ao outro - claro, já nos falávamos há quase um mês -, e descobrimos que morávamos na mesma cidade.
FlashBack
[...]
diz:
Ai, que tédio! Me salva?
diz:
Opa, vem aqui pra casa que a gente resolve tudo, rs.
diz:
Haha, seu pervertido! Mas na boa, qualquer lugar deve ser melhor que aqui... Ai, que saco. ARGH!
diz:
Hm, e eu podeira saber onde a donzela mora? Prometo não te sequestrar, HAHA
diz:
Conventry, mais conhecida como BoringLand, HAHAHAHA Brinks 182, eu gosto daqui, só estou me sentindo sozinha no momento...
diz:
CONVENTRY?!
diz:
Ei, eu sei que é chata, mas não precisa jogar na cara, viu?! Não ria de mim!
diz:
Não, não é isso! É que eu também moro em Conventry!
diz:
MENTIRA! Como a gente não tinha perguntado isso antes?! Somos tão idiotas!
[...] /FlashBack
Algum tempo depois nós resolvemos provar se, de fato, não éramos falsos ou algo assim, se éramos os verdadeiros e . Marcamos um encontro. Era o nosso primerio encontro.
- , você não imagina o quanto eu estou feliz por poder ouvir sua voz e... - Comecei a vomitar as palavras, já que eu estava meio impossibilitada de escolhê-las antes de dizer qualquer coisa. - Ah, eu vou ter um treco!
- Calma, principessa, nem brinca! - Sorri ao ouvir aquela risada que eu tanto amava. - Você não pode morrer, não antes de eu ver como você está com seus dezesseis anos!
Seria inútil tentar descrever a primeira vez que nos vimos, foi inesquecível.
Combinamos de ir vestidos de vermelho, para uma melhor localização. Total patético. Não sei definir o que eu fiz ou senti antes de voar em seu colo. Pareci uma louca correndo em direção a ele, assustando todas as pombas da pracinha e gritando ", !". Ele era lindo, definitivamente. Muito melhor do que as minhas expectativas e todas fotos e montagens nossas que eu tinha salvas no meu computador.
Nossos encontros acabaram se tornando frequentes, ou rotineiros, se preferir. Era dele o posto de "melhor amigo da ", e eu, consequentemente, era o topo da lista dele de melhores amigos. Foi engraçado o dia em que nossas mães se conheceram; foram colegas de escola, na juventude, porém perderam o contato após a formatura. e eu ficávamos cada vez mais próximos e tudo conspirava a nosso favor. Talvez até demais.
fora o meu primeiro amor, fora a primeira pessoa em que eu selei meus lábios.
Namoramos por um curto período, cerca de três, quase quatro meses. Motivo da nossa separação? Minha volta ao Brasil, é claro. Foram dias terríveis, mal sabia eu como contar-lhe a notícia, não passava pela minha cabeça terminar algo que estava dando tão certo.
ficou arrasado, mas como boa alma que é, foi compreensível e disse que mesmo com a nossa distância seríamos melhores amigos, independente de qualquer situação. "Sempre estaremos juntos" foram suas palavras. Ele me deu uma pulseira - igual a dele -, como recordação.
- Como assim? - Eu quis me certificar se estava certa. Nos encontraríamos novamente, era isso mesmo?
- Como assim o quê? Eu vou aí te ver, . Dã! - E ele ainda tirava sarro? OI, VOCÊ ESTÁ ME MATANDO!
- Espero que isso não seja nenhuma de suas piadinhas, . Só espero! - Mandei aquela minha melhor voz de advertência que ele achava superfofa. Soou um pouco divertida, mas ainda assim com sua estrutura real.
- Passagem ao Brasil em mãos, babe. - Imaginei ele fazendo aquela cara de garanhão de filme americano. Ele adorava fazer essas imitações, eu morria de rir.
Por um segundo pensei que estava sonhando, mas minha ficha caiu rapidamente quando eu olhei pra baixo e vi meu caderno com sete exercícios de Física incompletos. Bufei. Juro que pensei em pedir ajuda ao , mas ele não merecia pensar tanto e eu acabei lembrando de seu "amor verdadeiro" por números. Okay, por que eu perderia meu tempo com a pessoa que eu mais amo nessa vida com fórmulas idiotas? Nem MORTA!
- Quando você vem pra cá? Nas férias?
- Que férias que nada! Ganhei um dinheiro extra do meu pai e a primeira coisa que me veio à cabeça foi você. Nem acreditei que essa ideia tão brilhante foi minha. - Rimos juntos. Sinceramente, eu também não acredito.
- É realmente plausível, , parabéns. - Usei uma das nossas frases impagáveis. Abri um sorriso bobo.
- Você ainda lembra das nossas frases! Que saudades disso! Mas em cinco dias isso tudo acaba, principessa.
- Como assim acaba, ? Você chega aqui em cinco dias? - Meu coração teve um colapso. - ?
A linha caiu.
Fiquei esperando ao lado do telefone por horas e horas e nada dele ligar novamente. Eu não tinha seu número novo - ele havia se mudado há pouco tempo.
Resolvi dar uma volta na praia. Isso me fazia bem.
Sentei em um banco de madeira, onde a brisa era agradável e capaz de levar meu cabelos ao horizonte. Tirei meu celular do bolso e passei meu dedo na tela, desembaçando-a. Sorri ao ver e eu como plano de fundo.
Depois de perder meu tempo olhando alguns sites de fofocas pela internet do celular, decidi abrir meus e-mails. Me bilisquei ao ver na minha Caixa de Entrada o nome: .
Abri, desesperadamente, como se fosse a última coisa que eu fizesse na minha vida. O e-mail dizia que a ligação caíra por uma forte tempestade na Inglaterra; suas malas estavam prontas e que era pra eu checar todos os dias os meus e-mails, pois ele mandaria notícias.
Voltei pra casa, aliviada.
_____
Dezessete de março de dois mil e nove. Três dias depois da ligação do e dois dias para a sua chegada. Eu já estava à mil! Minha pulsação podia ser comparada à de uma pessoa que tem ataques cardíacos frequentes. Isso é possível, afinal? Anyway.
Eu e minha mãe fomos ao mercado para os últimos preparativos para receber em nossa casa. Eu não podia esquecer de comprar barra de chocolate ao leite, a sua favorita; comprei, também, refrigerante de guaraná para que ele pudesse provar uma das iguarias mais gostosas do Brasil.
Chegamos em casa e logo corri para meu quarto. Já se tornara algo do meu instinto querer olhar minha Caixa de Entrada. Nada. Nenhum e-mail sequer do . Meu rosto murchou como flor mal cuidada. Desliguei o computador.
Joguei-me em minha cama desarrumada e lá fiquei até meus olhos fecharem-se.
Fui acordada com a minha mãe acariciando minhas costas. Me assustei, e abracei-a. Eu estava aflita, tive um sonho pertubador, um pesadelo, melhor dizendo; só me senti segura por estar envolvida em braços maternos. Tá tudo bem, tá tudo bem, eu ouvia minha mãe dizer enquanto eu derramava algumas lágrimas.
No dia seguinte, eu estava na escola quando recebi uma mensagem de texto. Era da minha mãe, tentei abrí-la, mas dava erro todas as vezes que eu tentava. Desisti. Devia ser algo banal, do tipo "comprei roupas novas pra você". Minha mãe tinha dessas coisas.
Voltei pra casa e encontrei um bilhete sobre a mesa da cozinha, dizia volto logo, filha. Fiz pouco caso e rumei ao quarto, como de costume.
Soltei um grito estridente de felicidade ao ver que me mandara um e-mail. Cliquei sobre seu nome e respirei fundo antes de começar a lê-lo.
"Olá, !
Não sei como começar a te explicar tudo. Primeiramente, eu não sou o . Só estou te enviando este e-mail pra dizer que ele não poderá ir ao Brasil.
Na tarde de ontem, ele seguia pela estrada com dois amigos e um caminhão atingiu o carro que eles estavam. Depois de capotarem, caíram numa viga, onde Ant e morreram na hora. Apenas Jason sobreviveu, mas mesmo assim corre risco de vida.
Todos estamos chocados, nossas vidas já não são mais as mesmas. Você não imagina o quanto ele estava ansioso por essa viagem. É uma pena.
Vou enviar-lhe por correio um presente que tinha comprado pra você. Caso não chegue aí, me mande um e-mail.
Aqui é a Liza, sinto saudades de você, amiga. Gostaria poder ter ir junto com para te visitar.
Força, linda xx
Ps.: Ele sempre te amou".
Não conseguia acreditar. Não, não, era tudo mentira! Meu organismo não podia acreditar.
Mas Liza era uma das minhas melhores amigas e atual namorada do , ela não faria uma coisas dessas. Jason e Ant também eram amissísimos nossos. Ela não seria capaz...
Tudo fora confirmado quando eu vi o scan que seguia em anexo. Era a capa do Jornal de Conventry. O carro vermelho de Ant, todo estraçalhado, compunha a manchete.
Eu não chorei. Meus sentidos ainda não tinham feito essas ligações, eu ainda não tinha realizado.
Meu celular tocou e indicava Mãe na bina. "Os ligaram, filha. Eu sinto muito. Logo chego em casa, estou comprando velas. Beijo".
"Estou comprando velas" Era o que faltava para eu associar tudo. Escorreguei pela parede e caí sentada no chão frio do quarto. Meu mundo havia desabado. Eu tentava abafar meu choro entre as pernas, onde minha cabeça estava apoiada. Tentei ter a maior discrição possível pra não arranjar briga com os vizinhos. Minutos depois senti uma presença ao meu lado, não vi quem era, só abracei-a instantaneamente enquanto minha camiseta se enxarcava aos poucos. Mamãe beijou o topo da minha cabeça.
havia partido, e era isso.
Chegava a ser inacreditável que eu conseguira sair da cama e ir para escola. Eu estava totalmente arrasada, era bem visível. Malditas Provas Bimestrais que não me deixavam faltar à aula!
Aula de História, a primeira do dia. , minha amiga, juntou sua carteira a minha, enquanto o professor falava sobre o Egito. A cada minuto que passava, eu sentia mais ainda que minha ida à escola fora em vão, eu não prestava atenção em nada. Minha cabeça sempre estava em . Confusa talvez fosse uma boa palavra pra me descrever.
- Prestem atenção, classe. - O professor chamou nossa atenção e continuou a explicação da matéria. - A lenda de Osíris é uma das mais famosas lendas egípcias. Ele foi um cara muito bom, mas foi assassinado e esquartejado. As partes de seu corpo foram jogadas ao rio. Ísis, sua mulher, ao saber de sua morte, foi à procura de suas partes; encontrou-as e fizeram a primeira mumificação do Egito, para conservar o corpo por Osíris ter sido um bom homem. E por isso, junto ao amor de Ísis, Osíris ressuscitou...
Essa lenda, de certa forma, mexeu comigo. Derramei uma lágrima disfarçadamente, mas percebeu.
- Aconteceu alguma coisa, ?
Senti-me no direito de contar a estória de , tudo o que havia acontecido. Entre palavras e outras, minha vontade de chorar aumentava.
ficou estupefada. Ela queria me ajudar, mas nem sabia como. Apenas me abraçou e me deu seu ombro. Eu hesitei, mas por fim decidi ser forte. Apenas a abracei e sorri fraco. Pra mim já era bom demais ter alguém com quem contar.
- Quer um fone? - Ela me ofereceu um fone de seu iPod. sabia exatamente como me animar, eu amava ouvir sua PlayList.
Eu selecionei qualquer música. Veio Na minha vida, dos TheMentes, a banda do amigo da .
Ela virou pra mim e abriu um sorriso após tocar um trecho da música: "Mas não preocupe-se comigo, seremos sempre bons amigos até o dia em que eu não acordar".
- Medo. - Foi a única coisa que disse.
- Pois é. Tudo me faz lembrá-lo: músicas, lendas... - Eu disse, meio fraca, porém feliz. Meus olhos começaram a brilhar, não sei por quê.
- Isso tudo não é coincidência, , tudo isso é ele que está fazendo questão de mostrar que te ama e que nunca te abandonará.
O dia parecia ter sido feito pra mim. Consegui ver proclamando cada palavra da música.
E isso era tudo o que eu precisava.
FIM
*principessa: princesa, em italiano. Nota da autora: Meu primeiro drama, o que acharam?
Bom, eu resolvi escrever essa fic porque tudo isso aconteceu de verdade, mas não comigo. Aconteceu com a minha amiga, ela me contou tudo e foi aí que eu decidi pôr no "papel", seria uma homenagem à Hyasminny. Não consigo imaginar como deve ser perder um amigo...
Claro que algumas coisas foram adaptadas, inventadas por mim. Hyasminny não morou na Inglaterra, morou em Minas Gerais, onde conheceu seu amigo e a partir daí originou a fic. Eu não sei, ao certo, como ela agiu perante aos fatos, eu escrevi conforme achei que fosse melhor, mas tudo valorizando a estória real, deixando o enredo verídico.
Isso aconteceu em março, eu e Hyasminny havíamos nos conhecido há pouco tempo, agora somos bem mais amigas. Na fic, eu, Maroca, sou a amiga da personagem.
No dia seguinte que eu soube dessa estória, eu comecei a escrever, mas só agora em julho, eu resolvi dar continuidade à fic. Finalizando em dois dias.
Gostaria de agradecer imensamente a você que leu, espero ter agradado. Queria pedir, se não fosse muito, pra você deixar sua opinião na caixinha de comentários para eu ver se tenho ou não futuro com dramas, HAHA. É, eu só gostaria mesmo de saber o que achou, é muito importante pra mim, você não faz ideia!
Ah! Se um dia essa Short for a Short Fic do mês, eu trago McFly pra todas! Brincadeira! Mas se você realmente gostou, vote! Eu amarei.
Chega de churumelos, Mariana.
Um beijo a todas e cuidem-se!
xx
N/b: Qualquer erro na fic, mande para leeh.rodriigues@gmail.com :) Agradeço desde já.