Little Star
História por Flávia C. | Revisão por Gabriella

Prólogo

Novembro, 2005

mirou-se no espelho mais uma vez, admirando sua aparência. Até que ficara bonita, reconheceu. O cabelo cor de mel caía ondulado sobre seu busto. A maquiagem estava um pouco mais forte do que ela costumava usar, mas combinava com o vestido vermelho. Deixou o quarto, indo para a sala. A comida já estava pronta, mas esperaria chegar para servir. Os pratos estavam postos à mesa, tudo estava organizado. Ela ajeitou rapidamente a posição dos guardanapos, sem saber o que fazer para passar o tempo.
Não se lembrava da última que fizera uma surpresa ao marido, talvez nunca, pensou. era o romântico, era ele quem preparava jantares, a levava para sair, comprava presentes e dizia coisas bonitas. Porém, aquele era um dia especial, ela se lembrou sorrindo. Stella já estava com um pouco mais de três anos e estava pronta para ter outro bebê, e pretendia comunicar logo.
O telefone começou a tocar insistentemente, mas ela não estava no humor de atender. Tirou-o do gancho, feliz com o silêncio. Passado algum tempo, já impaciente, ligou a TV. Estava na hora das notícias, porém agora passavam apenas propagandas. Irritada, resolveu servir logo o vinho, para beber enquanto esperava. Abriu a garrafa e observou enquanto o líquido caía delicadamente na taça de cristal.
Seu celular também tocava, percebeu depois de algum tempo. Quem estava insistindo tanto em falar com ela? Andou calmamente até o quarto, procurando pelo telefone dentro da bolsa. Assustou-se ao ver milhares de ligações perdidas. Voltou para a sala, enquanto retornava a ligação. Pegou sua taça, bebendo um pequeno gole.
A pessoa que lhe ligara várias vezes chorava do outro lado da linha. perguntava o que tinha acontecido, e antes que tivesse a resposta completa, deixava a taça cair no chão, estilhaçando-se em pedaços e manchando o tapete de vermelho. Tentava não acreditar no que ouvia, mas não conseguia impedir as lágrimas de caírem.


Capítulo Um

Fevereiro, 2000

Algumas pessoas simplesmente nasciam para serem mães.
Casar, cuidar de uma casa e construir uma família, esse sempre havia sido o sonho de . Típico, alguns pensavam, fácil demais, diziam que ela deveria sonhar mais alto. Ela, porém, não queria. Estava satisfeita com seu sonho.
E estava orgulhosa de si mesma por estar conseguindo realizá-lo, pensava com um sorriso no rosto enquanto se arrumava para sair. John, seu namorado há três anos, iria logo pedi-la em casamento, então comprariam uma linda casa, onde seus filhos cresceriam. Sabia que ainda era nova para tudo isso, não tendo nem vinte e quatro anos completados, mas sentia como se estivesse se preparando para esse momento por toda sua vida.
- Está pronta? – John apareceu na porta de seu quarto, cansado de tanto esperar – Vamos, , acabaremos perdendo a reserva.
- Eu já estou indo. – Ela se virou para o namorado, dando-lhe um beijo delicado nos lábios – Podemos ir agora.
Ela passara o jantar todo nervosa, sentia sua mão tremer e cada vez que ficavam em silêncio, começava a suar, esperando o momento. Porém John nunca fazia nada. Isso não estava certo, ele tinha que pedir hoje. Certo, não tinha, mas estava certa que pediria, qual então seria o motivo de todo esse jantar? Desde seu primeiro ano de namoro, eles só saíam juntos em datas comemorativas, e não havia nada naquele dia, até onde sabia.
- Então, - começou, já irritada com a lentidão de John – Qual o motivo disso tudo? – Como John pareceu não entender, ela completou: - O jantar e tal, qual é a ocasião?
- Bom, eu ia esperar para contar, mas não vejo motivos para isso – Ele fez um suspense, e então sorriu – Eu fui promovido! Lembra que te contei que meu chefe iria se aposentar e alguém teria que ficar em seu lugar? – assentiu – Então, ele me escolheu para ocupar o cargo!
- Nossa... Isso é ótimo, John! - Tentou fingir que estava animada com a notícia.
- Não é? – Ele pareceu não notar seu desapontamento – Meu salário vai aumentar bastante, acho que finalmente vou conseguir comprar aquele carro!
Um carro? A decepção ficou estampada no rosto de . Pensava que ao menos ele iria sugerir uma viagem ou para comprarem um apartamento juntos, mas um carro era extremamente decepcionante. John estranhou o comportamento da namorada.
- O que foi? Qual é o problema em comprar um carro, ? – Ele pareceu ficar na defensiva – Quer dizer, eu já tenho um apartamento mesmo e tudo mais, tenho que investir em alguma coisa.
- É claro que tem, não estou reclamando. Só acho desnecessário, afinal você já tem um carro.
- Mas não um assim!
resolveu não discutir. Precisava se contentar com aquilo, não? Afinal, ainda teria muito tempo para se casar.

Mais tarde, naquela mesma noite, pensava em seu futuro com John, enquanto ele dormia tranquilamente ao seu lado. Estava cansada de esperar. O namorado parecia satifeito onde estava, investia mais em sua carreira do que no relacionamento, e não demonstrava nenhum interesse em constituir uma família com ela. Mas o que faria se ele não quisesse as mesmas coisas que ela? Ela o amava, não amava? Ela lembrava da excitação do primeiro encontro deles, de como ela estava feliz e depois como eles estavam apaixonados um pelo outro, mas agora eles haviam caído na monotonia. Falavam-se todos os dias, mas passavam a maior parte da semana sem se verem e, para falar a verdade, não sentia falta dele, caso ficassem sem se ver por algum tempo.
- Pare de se mexer, – Ele reclamou, então se sentou na cama, observando a namorada – Você está inquieta desde o jantar, o que aconteceu?
- Eu só estava aqui pensando... Você nunca pensou em ter uma família, John? – Ela perguntou, sem encarar o namorado nos olhos – Casar, ter filhos...
- Por que está pensando nisso, ? Isso é bobagem, estamos bem assim, não estamos? – Ele questionou, franzindo a testa – O que você quer dizer? Você quer isso?
Ela suspirou, chegando à óbvia conclusão que John não a entenderia. Como podia? Era algo que estava dentro dela, uma necessidade inexplicável de ter uma família.
- Sim, eu quero isso, John. –respondeu, com um tom levemente irritado.
- Desde quando? Desculpa, querida, eu te amo, mas não posso te ajudar. Eu odeio crianças, sabe disso. E nunca mencionei que pretendia casar, quem sabe daqui uns dez anos, mas definitivamente não agora. Estou no meio da construção da minha carreira, não tenho tempo para me preocupar com futilidades. – Ele resmungou – Agora, esqueça isso e volte a dormir, tenho que acordar cedo amanhã.
- Sabe, John? Acho melhor eu ir para casa agora. – Ela se levantou e começou a vestir suas roupas.
John ficou estático no lugar, sem entender o que ela fazia. Apenas se levantou quando percebeu que a mulher saía do quarto, vestida e carregando sua bolsa.
- O que você está fazendo? Por que está indo embora? Você está muito estranha hoje, .
- Estou indo porque não vejo motivos para continuar. Olhe John, foi bom enquanto durou, mas, obviamente, nós não estamos caminhando para o mesmo lugar. Nós dois queremos coisas diferentes.
- Você está terminando comigo? – Ele franziu a testa, ainda confuso.
- É o que parece. Desculpe John, espero que possamos continuar amigos. – Ela saiu antes que ele pudesse dizer alguma coisa.
apenas olhou no relógio quando já estava na rua. Não eram nem quatro horas da manhã. Sentiu-se idiota ao lembrar que estava sem carro, pois fora John quem a buscara e, ainda mais estúpida, ao perceber que só tinha seu cartão de crédito e identidade dentro da carteira, nenhum dinheiro. Talvez John descesse atrás dela daqui alguns minutos.
Ela esperou algum tempo, e ninguém veio. A rua estava completamente vazia, e mesmo se ela tivesse como pegar um táxi, teria que andar, o que não seria muito interessante: seus sapatos a estavam matando.
Andou um pouco até achar alguma escadinha, e se sentou. Começou a chorar antes que pudesse perceber, e pensou em como era ridícula. Uma mulher bem-vestida, sentada na calçada chorando de madrugada. Ela tinha terminado com John! Como isso tinha acontecido? Algumas horas antes, estava animada porque iria encontrá-lo.
Pegou o celular e ligou para , na esperança que ela estivesse em casa, porém ninguém atendeu. Droga, , quando eu preciso você não atende, pensou. Digitou outro número rapidamente, enquanto tentava limpar as lágrimas.
- ? – Ela disse quando atenderam no outro lado da linha.
- Hm, não. – Alguém sonolento respondeu.
- Como não? Esse não é o celular dele? – ficou confusa, tentando reconhecer a voz masculina.
- É, mas acho que ele esqueceu o celular aqui. Sei lá, eu estava dormindo. – Explicou – Quem é?
- É a .
- Hey, , é o . Tudo bem aí? Sua voz está estranha... Você sabe que são tipo três e meia da manhã, não sabe? Não é um horário muito legal de se ligar.
- Desculpe, , não sabia que o celular de estava com você. Sabe onde posso encontrá-lo? É meio que uma emergência.
- Não sei não. Mas o que é? Quem sabe eu posso ajudá-la –se ofereceu, notando o tom choroso de – Você estava chorando?
- Eu estou na rua, sem carro e sem dinheiro. Mas não quero incomodá-lo, posso ligar para outra pessoa.
- Em qual rua você está? Chego aí em dez minutos. A não ser que você esteja em outra cidade, aí vai demorar mais algum tempo! – Ele riu.
sorriu, cedendo sua localização para o amigo. Não queria abusar da boa vontade de , mas ela precisava voltar para casa e, na verdade, não tinha muita gente que poderia buscá-la.
Quinze minutos depois, parou, abrindo a porta para adentrar o veículo.
- Estou atrasado em cinco minutos, eu sei – Ele sorriu, cumprimentando a garota – Então, você vai me contar porque estava sozinha mendigando em plena madrugada?
Ela suspirou, pensando se deveria contar para que havia terminado com John. Bom, ele eventualmente descobriria, não é?
- Terminei com John e saí da casa dele, só percebi que não tinha como voltar quando já estava lá embaixo. não atendia o telefone e nem , aparentemente – Explicou – Desculpa mesmo por te fazer sair de casa, , eu não queria incomodá-lo.
- Não tem problema, eu nem ao menos estava sonhando. E sinto muito por você e John. Da última vez que o vi, ele parecia bem apaixonado por você.
- É, fui eu quem terminou com ele. Não ia dar certo.
parou na porta do prédio de , a encarando com um sorriso no rosto. se questionava se ele era sádico, se divertindo com o fato de ela ter terminado um relacionamento de anos.
- Então isso significa que você está solteira novamente? – Ele perguntou e ergueu uma das sobrancelhas – Quem sabe você não aceitaria sair comigo agora?
- Eu acabei de terminar um namoro, , não acho que essa seja a melhor hora para me chamar para sair – Ela não pôde evitar rir um pouco.
- Verdade, isso foi muita insensibilidade minha – Ele se desculpou – Quem sabe daqui umas duas semanas?
- Veremos.
- Estarei esperando sua resposta – Ele respondeu sério, encarando-a e começou a gargalhar.
- Você é ridículo, ! – Ela riu, então o abraçou, beijando sua bochecha – Mas obrigada, parece que estou te devendo uma agora. – Ela saltou do carro, virando apenas para acenar para ele, e entrou no prédio.
Conhecia há quase nove anos e quase sempre havia sido assim entre eles. Faziam piadas um com o outro, mas nunca passava disso. Talvez agora que tinha terminado com John, alguma coisa finalmente acontecesse de novo entre eles, pensou. Esqueça isso, , falou para si mesma, já faz muito tempo que você superou isso.
Era verdade que tinha um assunto meio inacabado com , mas já tinham se passado muitos anos desde que eles haviam cogitado se envolver romanticamente. Agora eram amigos, talvez não tão amigos quanto antes, mas ainda assim não valia à pena pôr a amizade em risco.
Ao entrar em casa, encontrou Falcon, sua melhor amiga e companheira de apartamento, jogada no sofá dormindo, com a TV ligada no volume máximo e vários papéis de chocolate jogados em cima da mesinha. estava nessa fase já fazia mais de duas semanas, quando o namorado terminou com ela. Com certeza John não ficaria assim.
- Hey, cheguei – Ela cutucou a amiga – Não acha melhor ir para o quarto? Vai ficar com dor nas costas se continuar dormindo no sofá todos os dias.
- Estou ótima – Ela murmurou, e então se sentou, encarando a amiga com olhos esbugalhados e depois olhando para o relógio – O que aconteceu? Por que chegou a essa hora?
- Terminei com John – Falou, dando de ombros, e então se retirou para o próprio quarto.
Contou quinze segundos, enquanto se sentava na cama e tirava o sapato, até aparecer boquiaberta em sua porta. riu com a reação totalmente previsível da amiga.
- Como assim? Ele terminou com você? E por que você está rindo aí, sem se importar?
- Eu terminei com ele, , e já chorei, não adiantou nada – Explicou, terminando de tirar os sapatos.
- Mas... Você estava toda animada hoje de manhã. Eu achei que vocês fossem casar!
- Bom, esse é o problema: eu também achava. John não quer construir um futuro comigo, ele não quer casar nem ter filhos, e você sabe muito bem que eu quero isso. Não vejo motivos para continuar com alguém que não tem os mesmos objetivos que eu.
- Meu deus, , não acredito que você terminou com ele só por causa disso. As pessoas mudam, amadurecem, logo ele vai ficar mais velho e vai querer ter filhos! E o casamento é só um detalhe, não é? Não faz mal não casar, é só morar junto e acabou – Ela falava rapidamente – Mas, calma, ele provavelmente irá te procurar, óbvio! Aí você vai pedir desculpas por ter agido como uma maluca e tudo vai ficar bem. Acredite, , você não quer terminar, veja o que aconteceu comigo!
- Eu não sou você, , não quero que John me procure. Já era hora de terminar, não estava mais dando certo.
deu boa noite para a amiga, expulsando-a de seu quarto e indo se deitar. Ela tinha que investir no que dava certo, não é? Talvez pudesse sair com , conhecer pessoas novas, isso ajudaria as duas. Principalmente ela, que além de arranjar alguém pra si mesma, não teria mais que aguentar a crise de depressão da amiga. Quem sabe não devesse sair com ? O pensamento passou por sua cabeça antes que pudesse bloqueá-lo. Ele era passado.

Junho, 1994

- Sempre tive inveja de falou de repente.
se virou para encará-lo. Estavam sentados em uma sorveteria do shopping, conversando após a aula, apenas os dois. Ela já tinha ficado sozinha com algumas vezes, apesar de normalmente estar acompanhada do resto dos garotos e algumas de suas amigas, porém nunca assim, propositalmente.
- Por que diz isso? –franziu a testa. e eram super amigos, não tinha motivo para ter inveja dele.
- Porque ele já te beijou – Ele falou simplesmente, encarando nos olhos.
A garota sentiu o próprio rosto queimar. Preferia esquecer o breve período e m que tinha namorado , seu melhor amigo, aquilo fora estranho. Porém, não era por isso que ficara com vergonha e sim por dizer que tinha inveja de por causa disso. Era quase como uma declaração de amor.
- Não vejo isso como um motivo de inveja. – Ela falou, enrubescendo ainda mais – Afinal, você só não me beijou ainda porque não quis... – Disse, desviando o olhar para o chão.
Ela ouviu dar uma risadinha, antes de colocar a mão em seu queixo, fazendo com que ela o encarasse, e em segundos encostando sua boca na dela. Quando se beijaram, era como se todas as peças do mundo se encaixassem e tudo passasse a fazer sentido. E logo, descobriu que sempre seria essa sensação.
Ela se apaixonou por , mas então as aulas acabaram. Ele foi passar as férias fora, e ela ficara em Londres. E então , com dezoito anos, fora para a universidade. Eles se falaram algumas vezes pelo telefone, mas pôde perceber que o curto romance deles acabara ali. E menos de dois meses depois, quando voltara para casa para o aniversário de sua mãe, ficou sabendo que estava namorando uma menina da faculdade. ficou de coração partido, mas acabou superando isso e terminando seu último ano no colégio.

Março, 2000

- É oficial – falou ao ver chegando em casa após o trabalho, em uma sexta-feira – Cansei de ficar em depressão, vamos sair hoje!
- Amém! – riu, jogando sua bolsa no sofá – Já faz quase um mês que está assim.
- Hoje faz um mês, na verdade. – falou, mordendo o lábio – Por isso decidi que já sofri demais por aquele cara, é hora de acordar.
- Isso é ótimo, !
foi para o próprio quarto, onde tirou os sapatos e se jogou na cama. Ouviu os passos de se aproximando e revirou os olhos mentalmente. Por que ela sempre escolhia os piores dias para tudo?
- Não ouviu o que eu disse? Nós vamos sair. Eu não vou sozinha, ok? E você está solteira também, não tem desculpa.
- Estou cansada, , tive um dia duro no trabalho. E além disso, onde você pretende ir? Estou velha para ir à boates.
- Você tem vinte e três anos, , desde quando está velha?
- Desde que, mentalmente, acabei de completar oitenta. Sério, , agora que você está bem e tudo mais, eu até te arrumo um encontro, mas no momento eu só quero dormir.
- É, você definitivamente está velha! – murmurou – E como pretende arranjar um encontro para mim, se não consegue nem para si mesma?
apenas a lançou um olhar raivoso. Poderia arrumar um encontro quando quisesse. Aliás, faria isso. não precisava saber com quem era, não é? Ela poderia muito bem sair com e dizer para a amiga que foi algum cara novo. Ok, ela já era uma adulta, isso seria completamente idiota. Mas poderia arranjar um encontro para ela e para também.
Com quem combinava? Ela parou para pensar. Não iria marcar um encontro com nenhum de seus colegas de trabalho. Pensou em chamar , ele era seu melhor amigo e ela sua melhor amiga, alguma coisa a ver tinham que ter! Mas, se não estava enganada, estava saindo com alguém, o que estragaria seu plano. Bom, tinha , mas... Não, definitivamente nem um pouco . E , bem, ela não iria arranjar um encontro com e , seria totalmente estranho. De repente, um nome veio na mente de : ! É claro, como nunca tinha pensado nisso em nenhum desses anos? era perfeito para .
Mas o único problema é que ela nunca fora super amiga de , nem ao menos tinha seu telefone, como arranjaria um encontro entre eles? Pegou o celular e discou o número de .
- Alô. – Ele respondeu do outro lado da linha.
- Hey, . Preciso do celular do , pode me passar?
- Por que você quer o celular do , ? – Ele questionou, com uma voz estranha.
- Preciso marcar um encontro – Ela foi interrompida antes que pudesse continuar.
- Um encontro? – Ele praticamente gritou – Com o ? O quê? Você não quis sair comigo, mas vai sair com ele? Vocês nem ao menos são amigos!
- Ei, calma aí, – Ela riu – Não é comigo o encontro. É pra . Você se lembra dela? – Perguntou rapidamente – Então, você pode me dar o número?
- E o que eu ganho com isso?
- Hm, nada? –revirou os olhos, acostumada com o jeito do garoto.
- Ah, não! Não faço nada sem ganhar algo em troca – Ele riu – Aliás, não vou ter garantia nenhuma de que esse encontro é realmente para a .
- É só você perguntar pro depois, , agora pode, por favor, me dar o telefone? Vou conseguir de qualquer forma.
- Vamos fazer um acordo – Ele propôs – não vai aceitar sair com assim, ele nem a conhece. E é traumatizado com encontros às escuras. Então faremos um encontro duplo, e , você e eu. Então todos saímos ganhando.
- Você não desiste nunca? – Ela riu – Bom, então me passe o telefone logo.
- Não, pode deixar que eu falo com ele. Eu ligo mais tarde para avisar o local e a hora – Ele desligou o telefone, antes que pudesse questionar.
deixou o telefone de lado, rindo. Então ela realmente conseguira arranjar um encontro para ela e . Não era o que esperava, é claro, mas valia à pena.

- Só para confirmar, esse é realmente legal, não é? – perguntou, nervosa, enquanto arrumava o cabelo pela milésima vez.
- Sim, , ele é bem legal, eu não iria te arrumar um encontro com um cara chato, não é?
- É claro que iria, você é má! – Ela riu – E você podia muito bem estar me usando para conseguir se encontrar com .
- Posso encontrar quando eu quiser, não preciso de você para isso – Menosprezou a amiga – Além disso, eu nem queria um encontro, isso é culpa dele, que me chantageou.
Se olhou pela última vez no espelho, sentindo-se estranha por se arrumar para um encontro com . E por estar nervosa. Quantos anos ela tinha, dezessete? Já se encontrara muitas vezes, não tinha motivos para estar nervosa, era só um jantar. E era para , ela se lembrou.
- Bom, vamos? Eles já devem estar nos esperando – falou, parecendo ainda mais nervosa que .
- Se esse for um idiota, vou te matar, .

No final da noite, se sentia orgulhosa de seus poderes como cupido. Todas as outras vezes em que tentara arrumar um encontro entre duas pessoas, acabava sendo um desastre, mas e realmente se deram bem. Eles tinham bastante assunto e quando não tinham, falava alguma coisa engraçada e trazia um assunto para a mesa.
- Parece que gostou dela. – falou, observando de longe os dois conversando sozinhos – Também gostei bastante dessa noite... Gostaria ainda mais se tivesse sido só nós dois, mas me contento com o que tenho. Quem sabe em outra noite? Amanhã? – Ele riu.
- Pare com isso, – Ela falou sem graça – Você sabe que nós dois juntos não dá certo.
- Eu não sei de nada! – Ele falou sério – Por que não me avisou antes? Estou desde os meus dezesseis anos, esperando para sairmos juntos e você espera oito anos para me contar que não damos certo? – Ele pareceu chocado e lançou um olhar de reprovação para ela.
- Você sabe do que estou falando. – Ela falou irritada.
- Eu sei, desculpa, . Mas só porque não deu certo uma vez, não significa que nunca dará. Eu sinto muito pelo o que eu fiz, deveria ter conversado com você, mas... Eu tinha dezoito anos, era um idiota. Gostava de você, mas fui para a universidade, e você ainda estava no colégio, em outra cidade. Eu errei, não devia ter te deixado.
- Esquece isso, faz muitos anos. Já superei.
- Então por que não nos dá uma chance? – Ele perguntou, encarando-a nos olhos – Por favor, – Ele se aproximou dela.
apenas assentiu, e então se aproximou ainda mais de , colando seus lábios com os dele. Ele a segurou pela cintura, a abraçando, e ela envolveu seu pescoço com as mãos. Ficaram ali se beijando até precisarem parar para respirar. Era a mesma sensação, pensou, só que ainda mais intensa.
- Eu menti para você no outro dia – murmurou, ainda abraçado com ela – Eu não senti muito por você ter terminado com John, nem um pouco.
riu, sem saber o que falar, e deu mais um beijo nele.


Capítulo Dois

Dezembro, 2000

admirava a vista de Londres. A cidade era muito bonita, era incrível como acabava se esquecendo desse fato, já que vivera ali sua vida toda. Tomou um gole da taça de champanhe, enquanto tentava imaginar o motivo por estar ali. Era verdade que desde que começaram a namorar, há oito meses, vivia a surpreendendo, mas dessa vez fora totalmente inesperado.
- O que exatamente estamos fazendo no London Eye? – perguntou, virando-se para encarar o namorado.
- A vista daqui é muito bonita. Adoro morar em Londres.
- É verdade... – Ela concordou – Você não me chamou aqui só para observar a vista, não é?
- O que tem de errado com a vista? – Ele riu – Não só observar a vista, mas observar a vista ao seu lado –completou, sorrindo, e não pôde deixar de retribuir. – E também... –acrescentou.
- É claro que tinha um “também”. – Ela riu.
- E também porque desde a primeira vez que eu vim aqui, em fevereiro, pensei em fazer uma coisa. Foi uma ideia que eu tive – falou, misterioso.
- Que ideia? – Ela franziu a testa.
- Que aqui seria um bom lugar para te pedir em casamento. É claro que, nessa época, você ainda estava namorando John. Mas decidi que se um dia tivesse a oportunidade, seria aqui.
Os olhos de brilhavam enquanto ela tentava processar o que dizia. Ela o encarava e sorriu ao perceber. Em resposta ao silêncio que se estabeleceu na cabine, ele tirou uma pequena caixinha do bolso, ajoelhando-se.
- Bom, me sinto idiota fazendo isso, parece mais legal nos filmes. – Ele riu – Mas... , você aceita se casar comigo?
- Sim! – Ela gritou de felicidade, emocionada com o pedido – Ai meu Deus, , isso é tão lindo. Estou me sentindo idiota.
- É idiota isso tudo, na verdade. – Ele dizia enquanto colocava o anel no dedo dela. – Como se não fosse óbvio que eu queria casar com você.
- Eu te amo, . – Ela sorriu e o beijou.

Outubro, 2001
- Não acredito que você vai se casar! – dizia enquanto admirava a amiga – Amanhã você não estará mais morando comigo, dá para acreditar? E devo dizer que aquela tal de Samantha é estranha, acha que ela pode ser uma psicopata ou algo assim? Talvez não seja seguro morar com ela.
- Deixe de besteira, , trabalho com Sam há bastante tempo, ela é legal. Mas foi você quem quis encontrar outra pessoa para ficar no meu lugar, lembra? Eu disse que você devia morar com . – falou.
- Nós não somos tão apressados. Você e que correram para se casar... Não estão nem há dois anos juntos!
riu. Não que estivessem correndo, mas não havia motivos para esperar. Amava e ele a amava também, os dois tinham uma carreira estável. Certo, talvez o emprego de não fosse tão estável assim, mas a banda estava se tornando um sucesso na Inglaterra e começando a ficar famosa pelo mundo.
E seu emprego também era bom, fora admitida em uma das melhores empresas do ramo, e às vezes trabalhava como autônoma. Era uma incrível organizadora de eventos, sabia disso. Teria organizado seu próprio casamento totalmente sozinha, se suas colegas de trabalho não ficassem insistindo tanto em ajudar. Afinal, ela mesma aconselhara muitas noivas, dizendo que seria muito estressante fazer isso tendo muitas outras coisas para se preocupar.
O que era verdade, pois além do casamento, continuaria tendo que trabalhar e, desde que mudara de emprego, tinha que organizar muitas coisas ao mesmo tempo. E ainda procurar uma casa para se mudar! E comprar móveis, fazer a decoração. Meu Deus, ainda bem que tudo acabaria hoje e ela passaria duas semanas de férias em lua-de-mel, ela mal podia acreditar!
- , você tem que ir agora. – Stacy, que estava ajudando na organização do casamento, entrou na sala avisando – Se juntar às outras madrinhas. , prepare-se. Os padrinhos vão começar a entrar em menos de dez minutos. já está lá dentro – Acrescentou – Parece nervoso.
- Ai meu Deus. Você verificou se está tudo certo? Não quero descobrir que as flores estão erradas enquanto entro na capela.
- Está tudo certo, ! Agora se acalme. Vão te chamar quando for para você sair. E você está linda. Vai ser um casamento maravilhoso.
- Obrigada, Stacy. – Só conseguiu murmurar isso antes da amiga sair acompanhada de .
olhou para o espelho, observando o penteado, tentada a tocar no cabelo, mas não podia. Odiava ser impedida de fazer coisas, só a deixava mais nervosa. A porta nem chegou a se fechar e alguém entrou. Fora assim o dia todo, desde que chegara ao hotel onde seria a cerimônia e a festa. Várias pessoas passavam para cumprimentá-la. Não podiam fazer isso depois?
- Uau, olhe só você! – Ouviu uma voz conhecida e se virou.
- Cath?! – Ela pulou da cadeira, correndo para abraçar a irmã – Meu Deus, você está aqui!
- É claro que estou aqui, sou a madrinha, esqueceu? Desculpe a demora, o vôo demorou mais do que eu esperava. Eu tive que correr para me aprontar e tudo mais. Até ia ligar, mas pensei que não tinha motivos para te perturbar. – Ela falava sem parar – Eu estou atrasada. Uma mulher chamada Stacy me parou dizendo que eu já deveria estar no meu lugar, seja lá o que isso signifique, mas vim para cá do mesmo jeito... – Reclamou, fazendo uma cara de irritada ao falar de Stacy – Eu estava com tanta saudade, .
- Você deveria ligar mais! – Avisou – Você deve ir, daqui a pouco os padrinhos entram. Eu converso com você depois. – disse, empurrando a irmã para fora.
Catherine estava ali, agora se sentia completa. Sua irmã fora para os EUA fazer faculdade. Não fazia sentido, é claro, uma vez que havia faculdades ótimas na Inglaterra, mas ela reclamou que gostava dos americanos e estava cansada do clima inglês. não discutiu, se isso a deixava feliz, que fosse para a América, porém ela era sua única família.
Seus pais haviam morrido em um acidente de carro quando ela tinha treze anos e Cath sete, então passou a morar com os avós bem velhinhos. Era ela quem cuidava da irmã, como se fosse sua mãe. Quando os avós morreram, três anos antes, teve que cuidar de Catherine oficialmente. Por sorte, Cath já tinha dezesseis anos e não dava muitos problemas, se mudou para o apartamento de e , mas dormia mais na casa das amigas e depois, sabia, na do namorado, do que lá.
- Srta. ... – A ajudante na organização chamou, abrindo a porta do quarto – Já está na hora.
respirou, antes de caminhar até a entrada da capela. Céus, ela iria se casar. Quanto tempo esperou por esse momento? Vinte e cinco anos, pensou, esperara durante sua vida inteira. Avistou Stacy, a mandando se apressar. Viu que Catherine, a última madrinha a entrar, já o fizera, e Holly, sua daminha, já estava entrando.
Ao seguir os comandos de Stacy, se viu seguindo Holly em direção ao altar. Por um momento, sentiu sua insegurança voltar, porém quando seus olhos encontraram os de , se esqueceu de todas as preocupações. Ela o amava tanto. E eles iam se casar.
- Hey. – Ele murmurou, ao encontrar sua mão – Você está linda. Parece até que vai casar. – Brincou, sussurrando em seu ouvido e beijou sua bochecha.
Durante a cerimônia, ela e cochichavam um com o outro. Na hora dos votos, chorou e riu de sua cara. Eles estavam casados.
- Então, Sra. , o que deseja fazer agora? – perguntou, após cumprimentarem todos os convidados e ficarem sozinhos.
Sra. , isso soava bem. Mais do que bem, perfeito.

Fevereiro, 2002
andava de um lado para o outro. deveria chegar em instantes, e ainda não tinha a mínima ideia do que diria. O jantar estava servido e, para falar a verdade, esfriaria daqui a pouco. Mas não estava se importando com isso. O telefone tocou, pensou que era o marido avisando que demoraria um pouco mais. Havia sido assim nas últimas semanas, mas ela entendia. O McFly era um sucesso e ele precisava compor e gravar novas músicas, treinar para os shows e tudo mais.
- Hey, disse quando ela atendeu – Esqueci a chave de casa, abre pra mim? Já estou chegando.
É claro que quando ela menos queria, ele chegava cedo. Respirou fundo, não tinha nada para temer. Esse poderia não ser o melhor momento, com a banda saindo para um tour em menos de um mês, mas ela não poderia prever.
Abriu a porta, notando que chovia um pouco, ela nem ao menos tinha percebido isso. Viu o carro de chegando, ele estacionou e veio correndo, beijando-lhe com entusiasmo ao entrar em casa.
- Eu fiz o jantar. – Falou, sentindo a mão suar – Já está esfriando, vou servir logo.
- Terminamos a música hoje! – falou animado – Estamos pensando em cantá-la em um dos shows. estava lá, ela adorou! Foi uma pena que você não estivesse também. levou a nova garota dele, algo assim, parece que dessa vez é sério.
- Espero que seja, ele anda meio perdido, uma namorada talvez o deixe melhor. – observava, enquanto servia a comida.
- O que houve? Você parece nervosa.
- Não é nada, estou emocionada, na verdade. Não posso acreditar que vocês vão sair em um tour para fora do país! Isso é tão surreal.
- Não é?! – Ele pareceu esquecer da preocupação com a esposa – É totalmente maravilhoso! Nós devíamos comemorar. Vou abrir uma garrafa de champanhe! – Falou, já se levantando para pegar a bebida.
- Eu acho melhor não. – Saiu antes que ela pudesse controlar – Não posso beber álcool. , eu estou grávida. – Mordeu o lábio inferior ao falar.
No mesmo instante, ele parou de se mexer, encarou a mulher, sem saber o que dizer. Bastou meio segundo para que um sorriso começasse a aparecer em seu rosto, e ele puxasse para perto de si, a beijando.
- Meu Deus, , isso sim é motivo para comemorar! – Ele a beijou mais uma vez, colocando a mão em sua barriga – Há quanto tempo?
- Fiz o teste hoje de manhã, mas já desconfiava. Estou com um mês. Não estava tomando a pílula, você sabe, aconteceria eventualmente, mas não esperava que fosse tão rápido.
- Nós vamos ter um filho, ! – Ele gritou de felicidade.

Setembro, 2002
- Sra. , sua filha – A enfermeira lhe disse com um sorriso no rosto e entregou o minúsculo bebê, ainda sujo de sangue, que chorava sem parar.
Ao olhar para a pequena criatura, que durante os nove meses anteriores morara em sua barriga, começou a sorrir. Ela era tão pequena, e tão perfeita. Ainda estava com a cara levemente amassada e suja, o pouco cabelo que tinha estava bagunçado. arrumou-o, passando cuidadosamente os dedos pelo rosto da filha.
Antes que pudesse acabar de admirá-la, a levaram para limpá-la, mas a trouxeram rapidamente de volta, graças a Deus. Segurando-a, enquanto amamentava, sentiu que finalmente encontrou o que procurara durante toda sua vida.
- Ela é tão linda – murmurou, observando a filha. – E precisa de um nome, urgentemente.
- Já escolhi um. – falou, com um sorriso no rosto – Stella.
sempre admirara as estrelas, muitas vezes quando tinha a oportunidade de ir para o campo, ficava horas observando o céu. Apenas estrelas podiam iluminar todo o mundo. Afinal, o luar não era nada mais do que o Sol – que, por acaso, era uma estrela – iluminando a lua. Toda luz se baseava nas estrelas.
Stella significava estrela. pensou que fazia sentido chamar sua filha assim, uma vez que ela iluminaria sua vida.
- Stella. – sussurrou – Ela tem cara de Stella.

Setembro, 2005
A casa estava toda arrumada com temas infantis. No jardim lá fora, tinham conseguido instalar um pula-pula, combinando com os brinquedos de parquinho que já estavam lá. No outro canto, um mágico iria se apresentar. Dentro da casa, a mesa estava pronta, e surtava organizando os últimos detalhes.
Seria tudo mais fácil se tivessem ido até uma casa de festas. Mas queria que fosse em casa, a nova e grande casa. Tudo bem, seria ali então.
- Querida, não toque no bolo, por favor. – Pedia a filha, que já estava prestes a furar o bolo.
Stella se recolheu, saindo de cima da cadeira e indo correr pela casa novamente. apenas ria, sentado no sofá, admirando a cena. Não estava ajudando em nada, sabia, mas achava engraçado ver a mulher irritada, por isso continuaria assim. , previsivelmente, o encarou estressada, e foi correndo buscar a filha, prevendo que ela se sujaria antes mesmo dos convidados chegarem.
Stella, aos exatos três anos, era uma criança ativa. Apesar de passar muito tempo brincando com bonecas, gostava ainda mais de correr ou de passar o tempo no parquinho. Quando sentia que era uma data especial, praticamente surtava. Não ficava parada por um segundo.
- Vamos, Stell, fique parada um pouquinho, certo? – pedia, levando a filha para dentro de casa – Quer assistir televisão enquanto isso?
Antes que a filha pudesse responder, ligou a TV, saindo da sala.

Em menos de uma hora, a casa estava cheia. No jardim, várias crianças corriam alegremente, parecendo se divertir bastante. Mais para dentro, conseguia identificar conhecidos conversando. Alguns músicos, amigos de , também estavam presentes. observou Stella brincar com alguns amiguinhos e, ao ver a filha sorrindo, chegou a conclusão que valia a pena todo o trabalho. Stella estava feliz, e nada mais importava.
Depois de escurecer, apenas os mais amigos continuaram ali. e estavam sentados no sofá, com Elle, sua filhinha de um ano, parecendo cansados. estava em um canto conversando com Catherine, que tinha vindo passar as férias na Inglaterra, conversava com uma colega de trabalho de , que tinha uma filha pequena.
- Papai, toca uma música! – Stella pedia com os olhos brilhando.
Ela amava música. Amava a banda. Sempre que podia, pedia para o pai tocar e cantar para ela as músicas do McFly, sabia cantar várias delas. Já tinha ido até a alguns shows. Obviamente, ficara no backstage.
, não resistindo aos olhos pidões da filha, chamou os amigos, pegou os instrumentos e começaram a tocar. Stella olhava para ele maravilhada. Elle balançava o corpo de um lado para o outro, dançando no ritmo da canção.
sorria ao ver o marido tocar, era sempre bom ouvi-lo. McFly era totalmente surreal.
Quando a música acabou, os convidados restantes bateram palmas. Stella pediu por mais e eles acabaram concedendo seu desejo. Após mais duas canções, eles finalmente conseguiram convencê-la de que seu aniversário não era um show.

- Vamos abrir os presentes! Agora! – Stella ordenava, já pegando uma das caixas e rasgando os papéis.
- Ah não... – resmungou – Não pode fazer isso amanhã?
- Seu pai tem razão, Stella, já está tarde. É hora de dormir – completou, pegando o brinquedo da mão da filha e colocando em cima da mesa.
- Mas não estou com sono. – Reclamou – Hoje é meu aniversário, mamãe, quero abrir os presentes.
ajoelhou na altura da filha, às vezes era tão difícil negar seus desejos. Mas era necessário, precisava educá-la para que não se tornasse uma menina mimada e chatinha.
- Amanhã logo que acordar pode nos chamar, aí abriremos os presentes juntos, tudo bem? Agora não.
Após convencerem Stella de que os presentes ainda estariam lá no dia seguinte, a deu banho e os dois a colocaram para dormir. contou uma história para a filha relaxar, como fazia todas as noites. Quando ela já começava a fechar os olhos, cantou “Brilha Brilha, estrelinha” para ela, como fazia sempre há três anos. Logo, seu bebê iria crescer e não precisaria mais de músicas nem histórias para dormir, mas enquanto esse dia não chegava, iria aproveitar.
Eles deram um beijo de boa noite na filha e fecharam a porta com cuidado, deixando um pequeno espaço aberto, para que a luz do corredor entrasse e ela não ficasse completamente no escuro.
- Foi um dia cansativo... – comentou, enquanto se deitava na cama, exausta – Mas Stella adorou.
- Sim, ela estava se divertindo. Agora deve estar dormindo profundamente. – sorriu pervertidamente para a esposa – Sabe, sinto saudade de estar sozinho com você.
- Estamos sozinhos agora – Falou.
No segundo seguinte, já estava deitado por cima de , a beijando e tirando o resto de suas roupas. Como amava estar com ela.

Duas semanas após o aniversário de Stella, se preparava para viajar com a banda. Fariam uma turnê de mais de um mês pela América. iria com Stella ao último show, então a família iria para a Califórnia, onde passaria três semanas.
- Tchau, papai... – Stella abraçava , no aeroporto – Nós vamos logo encontrar você.
beijou a testa da filha. Odiava ter que ir a turnês. Certo, estava longe de odiar, amava seu trabalho, amava a emoção de se apresentar, a reação do público, mas não suportava ter que ficar separado de sua família. Queria que e Stell pudessem acompanhá-lo sempre, seria perfeito. Mas tinha um emprego e Stella tinha que ir para o colégio, não podiam simplesmente abandonar tudo.
- Stella está certa, logo iremos encontrá-lo. – disse, passando os braços em volta do pescoço do marido – Comporte-se, ok? – Beijou demoradamente – Vou sentir sua falta.
- Eu também, meu amor. Eu também. – Beijou-a mais uma vez, afastando-a depois – Ligo para vocês assim que chegar.
veio chamar, dizendo que eles tinham que entrar. se despediu com olhar e foi embora, deixando seu coração ali.

- Queria poder viajar com papai. – Stella confessou à mãe mais tarde naquela noite.
- Eu também. Mas o tempo passa rápido, você vai ver.
Ela não sabia se dizia isso para a filha ou para ela mesma. Queria que tivesse um emprego normal, trabalhasse de nove às dezoito, de segunda a sexta, com um mês de férias por ano e pronto. Mas não, ele era um músico. Passava semanas fora de casa, fazia shows, às vezes chegava tarde porque ficara compondo com os outros caras. E quanto mais tempo passava, mais famosos iam ficando. Às vezes, paparazzis tiravam fotos deles.
Quando se casaram, a imprensa não ficava atrás deles assim. O McFly ainda não era tão famoso. Mas agora, estavam no auge de sua carreira. Adoravam Stella, e sempre que possível tiravam várias fotos dela. Também gostavam de uma intriga, sempre inventavam boatos sobre e . O casamento de e fora infestado por fotógrafos e tentaram comprar fotos de Elle, o que, é claro, não conseguiram.
Porém, tudo tinha seu lado bom. Não era maravilhoso quando todos se reuniam? Quando os garotos tocavam e elas ficavam só ouvindo. Quando iam a um show, e viam como o público os amava. Sentia orgulho de e , seus melhores amigos. Haviam começado do nada, agora estavam ali, colhendo o fruto de um árduo trabalho. E bem sabia como eles mereciam tudo aquilo.
- Quando a gente encontrar o papai, eu vou poder ir a um show? – Stella pediu, despertando de seus pensamentos.
- Veremos. – Prometeu à filha – Agora, hora de dormir.
Estavam no quarto de e . Sempre que o marido estava viajando, Stella dormia na cama dos pais. Assim, não se sentiam sozinhas e a casa não parecia tão grande.
contou uma história para a filha, o que normalmente era o papel de , e depois cantarolou, até que Stella caísse no sono. Dormiu em seguida, abraçada com sua pequena filha.

Capítulo Três

Outubro, 2005

- Papai já está aqui? – Stella perguntava insistentemente à mãe, durante o caminho.
- Sim, está nos esperando. – respondia, já sem paciência para tantas perguntas.
Era para terem chegado há quatro dias, mas ficou presa em Londres por conta do trabalho. Apesar de ter ficado irritada, compreendia que precisava cumprir seus deveres e terminar de planejar o evento, senão, bem sabia, ligariam de cinco em cinco minutos durante suas férias.
Stella, por outro lado, não entendia. Estava contando os dias para rever o pai, como iriam adiar a viagem? Ela já não havia esperado o bastante? Porém não há nada que se possa fazer com três anos.
- Eu queria ir ao show. – ela comentou, emburrada.
- Eu sei querida, mas já te expliquei que não foi possível. Você terá outras oportunidades.
- Tia Cath também está aqui? Está com papai?
- Cath mora aqui, mas não está com papai. Nós a encontraremos amanhã.
Quando o táxi parou em frente a uma casa, deu graças a Deus. Finalmente a filha pararia de lhe encher de perguntas. O McFly tinha comprado aquela casa há quatro anos. Tinha quatro quartos, sendo um deles recentemente transformado em um quarto para crianças; uma sala gigantesca, salão de jogos, cozinha aconchegante e uma linda varanda. Normalmente cada um vinha em uma época, mas já acontecera de todos virem juntos e transformarem tudo em festa.
A cidade era próxima de onde Catherine morava agora, o que adorava, pois podia rever a irmã. E Stella também amava a tia, achava Cath divertida e sempre ficava uma semana perguntando sobre ela quando iam embora.
Ao saltarem do táxi, Stella subiu correndo as escadas da casa e apertou a campainha insistentemente. Enquanto o taxista ajudava a tirar as malas do carro, abriu a porta. Stella gritou de felicidade ao ser abraçada pelo pai.
a pegou no colo, caminhando até onde estava. Ao se aproximar da esposa, a beijou com ternura. Colocou Stella no chão e disse para ir entrando, que ele levaria as malas em seguida.
Mais tarde naquele dia, e mataram a saudade um do outro, finalmente se sentindo completos depois de tanto tempo separados.

Novembro, 2005
Já estavam viajando há mais de três semanas. Tinham visitado todos os lugares mais uma vez, ido a praias, mesmo estando quase no inverno. Saíram com Catherine várias vezes e com , que também estava por ali, mas resolvera ficar em um hotel. Algumas vezes, Stella dormiu na casa de Cath, deixando e com a casa inteiramente para eles.
- O que vamos fazer hoje? – perguntou à mulher, quando percebeu que ela estava acordada – Estava pensando em levarmos Stella para escalar aquele morrinho perto da praia, sabe? A vista é muito bonita, ela vai adorar.
- Stella tem três anos, , ela não escala – Falou, rindo, levantando-se da cama.
tinha mania de apressar as coisas. Logo que a filha começou a se interessar por música, quis que ela aprendesse a tocar algum instrumento. Queria colocá-la na escola antes mesmo que ela completasse um ano, e lia histórias para filha antes que ela começasse a falar. Stella não se incomodava, às vezes fazia muitas coisas antes da hora, mas cada coisa tinha seu tempo.
- Ah, mas eu vou ajudá-la. De qualquer forma, tem outro caminho, que dá para ir um pedaço de carro e outro andando, ela vai adorar, ! – Ele pedia.
É claro que vai. O que Stella não adorava? Ela ia para todos os lugares, adorava qualquer novidade. tinha outros planos para aquele dia, porém. Queria pedir para Catherine ficar com ela, naquela noite, pois queria ficar sozinha com . Mas ao encarar o olhar do marido, não podia negar.
- Como é esse lugar? Não me lembro de ter estado lá. – Comentou e sorriu, contando vitória.
- Acho que você não foi. É, não mesmo. – Ele pareceu se lembrar – Fomos há um pouco mais de um ano atrás. Uns dois anos, talvez. Lori estava grávida, você ficou com ela. Mas poderá conhecer hoje, é incrível.
- Acho que não. Vá você e Stella, vou ficar por aqui. Tenho umas coisas para resolver.
não perguntou que coisas eram essas. Foi acordar a filha, informando-a de seu programa. sorriu, já bolando um novo plano.

Todos tomaram café da manhã juntos, e saíram para visitar um shopping. não achou divertido, mas foi mesmo assim. Após o almoço feito em casa, saiu com Stella, deixando sozinha.
Às vezes, ela gostava de passar tempo sozinha. Podia aproveitar para fazer o que quisesse, ou não fazer absolutamente nada. Não precisava brincar com Stella, nem conversar com . Não que não os amasse, mas todos precisam de um tempo de descanso.
Mas hoje, tinha um objetivo a cumprir.
Saiu de casa, sem deixar bilhete. Foi para o shopping, determinada a comprar uma roupa. Não precisaria procurar, pois havia feito isso durante a manhã. Entrou na loja, comprando um lindo vestido.
Pretendia voltar para casa depois disso, mas acabou parando em outras lojas e comprando dois pares de sapato e um vestido casual. Parou para comprar um sorvete e enquanto chupava, percebeu que havia passado mais de duas horas ali e estava atrasada. Na volta passou no supermercado, comprando todos os alimentos necessários para fazer o jantar.
O relógio marcava pouco mais de cinco horas quando começou a preparar o jantar. iria chegar logo, pensou, precisava se apressar. Como não sabia cozinhar muito bem, teve que usar um livro de receitas. Uma hora depois, o jantar já estava pronto. Ela deixou no fogão. Só requentaria um pouco, na hora de ser servido.
Foi para o banheiro, agradecendo a quem teve a brilhante ideia de comprar uma casa com banheira. Ali, finalmente iria relaxar. Pegou o som portátil e colocou um de seus CDs preferidos. Raramente podia ouvir as músicas que queria alto, afinal a criticava. E ela não tinha como discutir, ele era o músico ali. Colocou em um volume alto o suficiente para desligar-se do mundo e se afundou na banheira, deixando seus problemas de lado.
Quarenta e cinco minutos depois, saiu do banho, sentindo-se melhor do que nunca. Percebeu que continuava sozinha em casa, e estranhou isso. já deveria estar em casa, já estava escuro. Talvez tivesse resolvido ir com Stella ao cinema, lembrava de terem falado algo assim alguns dias antes. Ficou desapontada por não ter sido avisada ou convidada, mas se bem que se tivessem ligado, ela não teria escutado.
Despreocupada, secou o cabelo e se maquiou. Vestiu a roupa nova. Foi para a sala e colocou a mesa. Observou o relógio que já marcava sete e meia da noite. Será que eles demorariam muito? Esperava que não. Agora, era só relaxar.
Voltou para o quarto, ficando estressada por não conseguir relaxar.
se olhou no espelho mais uma vez, admirando sua aparência. Até que tinha ficado bem bonita, reconheceu. O cabelo cor de mel caía ondulado por seu busto. A maquiagem estava um pouco mais forte do que ela costumava usar, mas combinava com o vestido vermelho. Ela deixou o quarto, indo para a sala. A comida já estava pronta, mas ela esperaria chegar para servir; os pratos estavam postos na mesa, tudo organizado. ajeitou a posição dos guardanapos, sem saber o que fazer.
Não se lembrava da última vez que havia feito uma surpresa ao marido, talvez nunca tivesse feito, pensou. era o romântico, era ele quem preparava jantares, a levava para sair, comprava presentes e dizia coisas bonitas. Porém aquele era um dia especial, ela se lembrou sorrindo. Stella já estava com um pouco mais de três anos e estava pronta para ter outro bebê, e pretendia comunicar logo.
O telefone começou a tocar insistentemente, mas ela não estava no humor de atender. Tirou-o do gancho, feliz com o silêncio. Passado algum tempo, impaciente, ligou a TV. Estava nas notícias, porém agora passavam apenas propagandas. Irritada, resolveu servir logo o vinho, assim poderia beber enquanto esperava. Abriu a garrafa e observou enquanto o líquido caía.
Seu celular também tocava, percebeu depois de algum tempo. Quem estava insistindo tanto em falar com ela? Andou até o quarto, procurando pelo telefone dentro da bolsa. Assustou-se ao ver milhares de ligações perdidas. Voltou para a sala, e enquanto retornava a ligação, pegou sua taça, tomando um gole.
Atenderam do outro lado da linha, choravam. perguntava o que tinha acontecido, e antes que tivesse a resposta completa, deixava o copo cair no chão, manchando o tapete de vermelho. Tentava não acreditar no que ouvia, mas não conseguia impedir as lágrimas de caírem.
- O que? – Gaguejava ao telefone.
- Acalme-se, – Catherine dizia no telefone – Não saia de casa, ok? está indo para aí, ele vai te trazer para cá. Vai ficar tudo bem.
Como iria ficar tudo bem, se tudo o que sua irmã lhe dizia era verdade? Desligou antes que Cath pudesse dizer mais alguma coisa, caindo ao chão, desesperada. Ela não ia ficar ali parada, precisava chegar até o hospital. Precisava garantir que seu marido e sua filha estavam bem. Meu Deus, Stella. Como estava Stella? Esperava que não tivesse se machucado. Catherine não queria lhe dizer.
Mas sabia que ela não estava, sentia. Sabia quando atendeu ao telefone, e só ouvia chorando na outra linha. E quando Catherine pegou o telefone e disse que eles estavam no hospital. Tinham sofrido um acidente. Como e estavam lá, e ela não? Por que insistiu em não atender ao telefone? E no que estava pensando quando ficou desligada ouvindo música, em vez de prestar atenção para ver se ligavam?
Agora não tinha a mínima ideia do que tinha acontecido com a família.
Ouviu alguém tocando a campainha e correu para abrir. estava a ali. Ele apenas a abraçou. não retribuiu, apenas correu para o carro.
- O que aconteceu? – Murmurou, no carro – Por favor, , me conte. Eu sei que aconteceu alguma coisa.
- Houve um acidente, . – falou, baixo – Um acidente muito, muito feio. Tinham vários paparazzi aqui, eles estavam perseguindo . Tentaram levar Stella, ficou desesperado, saiu correndo com o carro.
- O que aconteceu, ? – Perguntava – Eles estão feridos? Mataram alguém, é isso?
Ela tentava não pensar no pior. Tinha ouvido no telefone, não tinha? Ele estava chorando, mas tinha ele mesmo ligado. Isso significava que estava bem. Chegaram ao hospital, pulou do carro, correndo para ver o que tinha acontecido.
Encontrou Catherine os esperando, no corredor. Sua feição estava assustada, porém não tinha chorado, ela percebeu. Não há motivos para preocupação, , está tudo bem, ela dizia para si mesma. Olhou à sua volta, procurando pelo marido e pela filha, mas eles não estavam ali. A irmã se aproximou e a abraçou. O que significava aquele abraço? Era bom ou ruim? ficou olhando, seu olhar era preocupado. Parecia saber de algo que preferiu não revelar. não tinha certeza se queria saber.
Um médico apareceu, disse a que iria levá-la para o marido. Ela o seguiu até um quarto, estava lá. Seu rosto estava inchado e cheio de arranhões. Estava deitado e parecia que seu braço estava quebrado. Mas estava bem. Estava vivo. suspirou de alívio.
- Onde está Stella? – Perguntou, notando o que faltava – Onde está minha filha? – Questionava ao médico.
Viu a mudança de humor do médico. Virou-se para o marido, viu que ele nada falava.
- Onde está minha filha? – Repetiu – Eu quero vê-la, agora.
- Acalme-se, Sra. . – Ele pedia – Sua filha está em cirurgia. Se quiser, podemos levá-la para lá.
Em cirurgia? Como assim em cirurgia? Stella, aquela pequena imitação de gente, precisou passar por uma cirurgia? Mas ela só tinha três anos! O acidente não podia ter sido tão grave... Não podia. Olhou para , como se pedisse ajuda.
- Eu sinto muito. – Ele murmurou – Eu não vi... Não sabia... – Ele dizia coisas sem sentido.
- Acompanhe-me. – O médico a avisou e ela o seguiu.
Passava o corredor com pressa. Lágrimas rolavam pelo rosto de , ela não conseguia imaginar sua filhinha em cirurgia, sofrendo. Não podia. E onde estava ela quando isso aconteceu? O hospital era triste, cheirava a morte e solidão. Onde estavam as pessoas? Entrou na área da emergência. Seguiram até uma das salas de cirurgia. O médico deixou que ela entrasse, mas alertou que ela não deveria ficar muito próxima. Stella estava na cama, no centro de todas aquelas pessoas enjalecadas. O sangue – e como tinha sangue ali! – contrastava com a brancura de sua pele.
Os médicos falavam coisas que ela não entendia. Bisturi, desfibrilador, anestesia, taxa de oxigênio, batimentos cardíacos. Estamos a perdendo. Mais uma vez. Hemorragia interna, traumatismo craniano. Perdeu muito sangue. Sete minutos. Não há mais nada que se possa fazer. É só um bebê. Sinto muito. Não. Continuem tentando, continuem.
Não. Não. Não. Não!
Os médicos tiraram as luvas, limparam o corpo de Stella. Olharam para com pena. A linha que marcava os batimentos cardíacos estava reta, alguém desligou o monitor. Um médico lhe explicava o que tinha acontecido. Não puderam evitar, ela perdera muito sangue, batera a cabeça. O cérebro tinha ficado muito tempo sem oxigênio.
Lágrimas rolavam pelo rosto de . Ignorou os médicos, andou até seu bebê. Segurou a mão dela. Sem pulso, sem vida. Não, isso estava errado. Como isso acontecera?
Sua filha. Sua pequena estrela estava ali, morta. E ela estava viva. Isso não era certo, não era natural. Sentiu a abraçar pelas costas – quando ele chegara aqui? – ele também chorava, notou. Não se importava, se afastou dele. Só queria ficar com sua filha agora.
Chorava alto, percebia. Nunca tinha chorado tanto assim. As lágrimas molhavam o rosto de Stella, talvez levassem a vida de volta ao rosto da criança. Não sairia dali, ficaria com sua filha, não iria abandoná-la novamente, nunca mais.
Volte, Stella, por favor. Não podem fazer isso.
- ... – murmurava, ela não respondia.
Era culpa dele. O acidente, tudo. Não importava o que tinha acontecido, era culpa dele. Seu bebê não estava mais ali, então nada mais fazia sentido.
Os médicos tiveram que a tirar dali. Sedaram-na, ela não viu mais nada. Não queria sair dali, queria ficar com a filha.
Stella, Stella... Onde está você agora?
Juntou-se às outras estrelas do céu, a onde pertencia desde o início? Por quê? Por que nos abandonou tão cedo?
Irei a seu encontro, pensava, os olhos fechando, lutando contra os médicos. Logo iremos nos encontrar, meu bebê, você não vai ficar sozinha por muito tempo, não precisa se preocupar.
Sem dor, sem sofrimento, deitada na cama, sedada, nada acontece. Nada existe. O mundo acabou.
Apenas uma morta-viva. Onde está Stella? Sonhara com ela aquela noite... Que sonho estranho! Por um momento pensara que a filha não estava mais lá, bobagem, daqui a pouco apareceria feliz e saltitante, enchendo-a de perguntas.
Lágrimas. Não era um sonho. A dor não acabava nunca.
Abriu os olhos, dor. Não era ela que havia sofrido o acidente, mas sentia como se fosse. O quarto era branco, por que hospitais eram brancos? Queria cores. Stella gosta de cores.
está sentado ao seu lado, chorando. Segurava sua mão. Ela não precisava que segurassem sua mão. Afastou-se, queria ficar sozinha. Quis passar o dia sozinha e sua filha morreu. Estava morta. Por quê?
Ela não falava e não falaria, até ter a filha de volta. Isso era uma brincadeira, de muito mal gosto, por sinal.
Já tinham lhe tirado os pais, por que levaram a filha? Sua filhinha... Sua vida.
Que a levassem então, não tinha motivos para ficar. Acabou.

Capítulo Quatro

Fevereiro, 2006

Chovia. Há quase três meses chovia sem parar. As nuvens eternas moravam nos olhos de , e continuariam ali para sempre. Londres estava sempre nublada, mas não fora ali que começara, e sim na Califórnia. Na ensolarada Califórnia. Ironia?
Ironia era lhe tirarem todos que amavam. Não, era apenas trágico. Uma tragédia, realmente. “Todos lamentamos sua perda, ” lhe diziam “mas você não pode ficar assim para sempre”. Ora, vejam só, pelo o que parece, ela podia sim.
Não ligava para mais nada. Levantou-se da cama, cansada de ficar ali. se mexeu ao seu lado, acordando. olhou para o relógio, não tendo a mínima noção da hora. Eram apenas seis da manhã. De que importava?
Caminhou, silenciosamente, até o único quarto que lhe interessava. Suspirou ao entrar, tudo continuava igual: completamente morto, mas ainda assim, trazia uma grande onda de alívio. Tudo ali a lembrava de Stella. A pequena cama, as paredes cor de rosa, os quadros infantis e as estrelas que enfeitavam o teto. Os bichinhos de pelúcia na estante sorriam diabolicamente e a caixinha de música, na mesa, parecia tocar a todo tempo.
Tudo estava no exato lugar há mais ou menos quatro meses, quando e Stella deixaram Londres, sem saber que este quarto nunca mais seria habitado. Para falar a verdade, ninguém nem ao menos tinha limpado o quarto, não deixara, não queria que o cheiro da filha sumisse.
Ela abriu o armário, vendo todas as roupas arrumadas. colocara as roupas que estavam na mala de volta no armário, aquilo a fazia sentir melhor, como se Stella fosse precisar delas alguma vez. Procurando a fundo, encontrou um pequeno cobertor, que usava para enrolar a filha quando era apenas um bebê. Pegou o cobertor e o abraçou, cheirando-o. Há muito tempo tinha sido lavado e guardado, mas preferia pensar que tinha rastros de Stella ali.
Sentando-se em uma cadeira de balanço, ainda segurando o pedaço de pano, começou a cantarolar a música que normalmente tocava no quarto, “Além do arco-íris”, do Mágico de Oz. Era uma música bonita, percebeu, gostava da melodia.
Stella gostava, ela gostava de qualquer música.

Dezembro, 2004
A pequena usava um vestido rosa e uma fita vermelha envolvendo a cintura, fazendo com que parecesse um presente. Seu cabelo estava um pouco abaixo do queixo, deixando seu rosto com um formato redondo, que lhe caía bem. As bochechas rosadas eram enormes, ela parecia um anjo. Um rosto que, no momento estava molhado e inchado devido às lágrimas
- Vamos, Stell, pare de chorar. – dizia, enquanto tentava tirar o vestido da filha, para colocá-la em uma camisola – Se não se comportar, Papai Noel não vai lhe deixar nenhum presente. – Alertou-a.
- Mas eu não quero dormir, mamãe... – Ela implorava – Quero ficar acordada!
- Nada disso. – Falou cansada – Já passou da hora, querida. Quanto mais cedo você dormir, mais rápido vai acordar amanhã, então poderá abrir todos seus presentes.
Vencida pelo sono, a menina deixou a mãe colocá-la em um pijama e deitá-la. Mesmo sendo apenas seu terceiro natal, ela sabia bem que no dia seguinte, milhões de presentes estariam a esperando debaixo da árvore, no primeiro andar. Papai Noel os deixaria lá enquanto ela dormia, e em troca comeria os biscoitos que ela havia preparado com sua avó paterna e sua mãe. Os avós vieram do interior para passar o Natal, vovô havia lhe contado que a daria mais um presente se ela se comportasse bem. Esse era o único motivo para estar indo dormir.
- Mamãe... – Chamou – Canta uma música para mim? – Quando a mãe começou a cantar “Brilha, brilha estrelinha”, ela a interrompeu novamente – Essa não, outra! Canta a da caixinha. – Pediu, já que só conhecia a melodia e não a letra.
demorou para conseguir se lembrar da letra. Foi até a caixinha, rodando-a e colocando-a para tocar a parte instrumental. Lentamente, começou a sussurrar a parte da música que sabia.
- Somewhere over the rainbow, blue birds fly and the dreams that you dream of, dreams really do come true* - Murmurou, até perceber que Stella já estava dormindo.
Deu um beijo na cabeça da filha, deixando-a dormir.

* Em algum lugar depois do arco-íris, pássaros azuis voam e os sonhos que você sonhou, sonhos realmente se tornam realidade.

Fevereiro, 2006
murmurava a música, como se ainda cantasse para Stella. Balançava a cadeira para frente para trás, enquanto segurava o cobertor em seus braços, como se tivesse um recém-nascido ali. O movimento era reconfortante, porém apenas a iludia. Enquanto se balançava, as lágrimas não apareciam. Enquanto deixava se envolver por lembranças, não sentia dor.
Podia ser passado, poderia nunca voltar, ser uma ilusão, mas qualquer coisa era melhor do que a realidade. Mesmo que significasse perder a sanidade. Continuou ali, movendo-se para frente e para trás, cantarolando. Assim os problemas desapareciam.
Sentiu os raios solares esquentarem seu braço, mostrando que já havia amanhecido. Há quanto tempo esteve ali? Talvez horas, talvez meses. Pelo canto dos olhos, percebeu que estava sendo observada. Queria pedir a ele que fosse embora, mas não conseguia parar de murmurar a música. Suspirou de alívio ao perceber que estava sozinha novamente, não queria ninguém a perseguindo.

Ao lado da porta, não quis que as lembranças o impedissem de chorar, pelo contrário, as lágrimas caíam. Podia ouvir murmurar “Somewhere over the rainbow” em um ritmo lento e torturante. Espiou-a por um segundo, o suficiente para entender o que ela estava fazendo, fingindo que balançava um bebê.
Sua dor era imensa, a culpa por ter causado o acidente de Stella o perseguia todos os dias, mas nada era pior que encarar . Ela não havia perdido apenas a filha, havia perdido a si mesma. Era apenas um fantasma, que caminhava pela casa sem objetivo, que ia do quarto da filha para o próprio quarto. Tinha que obrigá-la a tomar banho e a comer, senão ficaria parada para sempre. Estava tão magra que todos seus ossos estavam visíveis, seus cabelos estavam secos, precisavam ser cortados, sua pele estava pálida e morta. Pelo menos ela respirava.
No primeiro mês após a morte de Stella, tentara se juntar à filha de todas as formas possíveis. Tomou vários comprimidos, bateu o carro, parou de comer. Até o dia em que a viu segurando uma faca. Ele conseguira impedir, a sacudiu, tentando fazer com que ela voltasse a si, porém apenas chorava e depois o mandou se afastar, para não tocá-la. o fez, pois via em seus olhos que ela o culpava e que ele seria a última pessoa de quem ela aceitaria ajuda. Ele tirou os objetos perigosos da casa, escondeu, colocou grades nas janelas e jogou fora todos os medicamentos, qualquer prato ou copo de vidro foi substituído por um de plástico, que não teria como feri-la. A casa estava à prova de suicídios, e logo se esqueceu de tentar se matar, apenas se desligou do mundo por completo.
Às vezes, ela ia para o quarto deles e dormia ao seu lado, porém nunca mantinha contato físico. Outras, ela ficava no quarto de Stella, dormindo lá, não saía durante todo o dia. Uma vez, tentara levá-la no colo, mas ela se desesperou, mandou que a largasse. E o que poderia fazer? Cada dia se afastava mais, deixando-a em seu mundo, mantendo contato para verificar se continuava viva, nada mais.
Não sabia mais o que era conversar com a esposa, nem olhares eles trocavam. E aquilo estava o matando. Queria sua de volta. Queria Stella de volta. Queria sua felicidade.

Março, 2006
- Como ela está? – Catherine perguntou, observando, da porta, a irmã sentada na cadeira de balanço – Ela parece pior do que da última vez. – Comentou, suspirando.
- Tenho esperanças que ela melhore agora que você veio. – falou, levando Catherine até o quarto de hóspedes.
- Obrigado por ter chamado, , eu não tinha ideia de que as coisas tinham chegado a esse nível. – Suspirou – É claro que eu sabia que não estava tudo bem, não é? Mas isso não é normal, mesmo considerando a situação. Ela precisa ir a um médico. – Avisou.
- Eu tentei fazer com que ela fosse, juro que tentei, mas ela nem ao menos fala comigo. Se eu a toco, ela começa a gritar, mandando que eu me afaste. Antes, eu conseguia fazer com que ela comesse, mas nessa semana ela está rejeitando tudo. Tive que obrigá-la a comer ontem, fazer com que ela engolisse. Isso está me enlouquecendo.
- Imagino. Vou tentar conversar com ela, talvez ela ouça.
Tinham se passado quatro meses. Quatro meses que não fazia absolutamente nada a não ser chorar. não sabia o que fazer, já tinha chamado um médico, mas nem ao menos o deixara chegar perto. Queria levá-la para o hospital, mas não conseguia, pensando que isso poderia apenas deixá-la mais infeliz.
Todos os dias, à noite, chorava. Rezava pela sua filha, mas aquilo não o reconfortava, nessas horas a fé não servia. Às vezes, tentava acreditar que nada era sua culpa, porém nem ao menos se iludir ele conseguia. Talvez fosse ele quem estivesse causando isso a . Não, tentou tirar a ideia da cabeça, ele tentava ajudar, não era culpa sua se se negava a aceitar a morte da filha.
Observou Catherine entrar no quarto de Stella, sentar-se ao lado da irmã e falar com ela. Catherine não era psicóloga, mas conhecia , podia ajudá-la. Era estranho, fora quem ficara forte após a morte dos pais, quem aguentou tudo pela irmã, e agora se entregava à depressão.
- , fale comigo. – Catherine insistia – Vamos comer alguma coisa, você não acha que seria uma boa ideia?
- Não, quero ficar sozinha.
- Nada disso, venha comigo. – Ela puxou a irmã pelo braço – Vamos dar um jeito em você.
- Para que? Por quê? – Perguntava, vagamente, sem se mover no lugar.
- Porque você ainda está viva, . – Respondeu simplesmente.
Ainda não, era questão de tempo, pensou. Catherine saiu do quarto, arrastando a irmã, elas desceram as escadas. não costumava descer, só quando resolvia comer ou ia para o jardim, em uma tentativa de se congelar. Ele ficou ali em cima por um tempo, então resolveu descer, ver se Catherine tinha obtido algum sucesso.
Da sala, podia ouvir vozes. Vozes não, apenas uma: de Catherine. Ela contava alguma coisa para que, como pôde perceber ao se aproximar, não prestava a mínima atenção, mas comia o que estava à sua frente, como um robô. Pelo menos comia, e talvez, com o tempo, prestasse atenção no que a irmã lhe contava.
- ? – Ouviu um conhecido lhe chamar e levou um susto.
estava parado ali, ele nem ao menos tinha notado sua presença. Ele tinha feito o favor de pegar Catherine no aeroporto e trazê-la ali, mas achava que já tinha ido embora, viver.
Mal vira seus amigos nos últimos meses, eles vinham lhe visitar sempre, mas não tinham o que falar. estava sempre ocupado verificando se estava bem e ainda sofria com a morte da filha, palavras de consolo não adiantariam e conversas não fariam sentido. Ele também não tinha trabalhado, não tinham feito nenhuma música nova, nenhum show, nada. Eles entendiam, os fãs também. Isso, porém, não seria para sempre, estavam dando-lhe um tempo para se recuperar, mas logo precisariam trabalhar.
Tinha se passado muito tempo. Não parecia.
- E aí, cara? – Ele cumprimentou – Como está?
- O mesmo de sempre.
não falou nada, não tinha nada a ser dito.
- É triste vê-la assim. – Comentou, observando e Cath na cozinha – E você também. Há quanto tempo não sai de casa? – não respondeu, sabia a resposta – Eu imagino como deve doer, mas vocês não podem se deixar levar, . Vamos, saia com a gente. Estamos preocupados com você. Agora Catherine está aqui para ver por você.
aceitou, pois sabia que precisava daquilo. Não queria que a dor vencesse. Não queria morrer, precisava aproveitar sua vida. Se não queria viver, ele não podia obrigá-la, mas não ia se submeter a isso.

De madrugada, ele chegara em casa. Estava completamente bêbado e cansado, e pior: a bebida não havia nem disfarçado sua dor. Sair fora inútil, sentira-se tão mal quanto sempre, mas pelo menos vira as ruas. Estava frio, tudo parecia igual.
e pelo menos pareceram felizes ao vê-lo. Os amigos tentavam distraí-lo, conversar sobre assuntos do mundo, não falavam da própria vida, pois parecia injusto que estivessem tão bem, quando estava sofrendo. Tampouco falavam sobre ou Stella, estragaria a noite. Ao final, todos estavam bêbados e já não falavam mais nada com sentido. chegava até a rir sem saber porque, o som da própria risada o assustou, já se esquecera de como soava.
Como não tinham condições de dirigir e estavam tão bêbados que se esqueceram que táxis existiam, resolveram voltar andando para casa. Em uma temperatura agradável de quatro graus Celsius, eles congelaram no caminho. Pelo menos o frio os deixou mais sóbrios, pelo menos era o que pensavam.
Entraram na casa de , que morava mais perto, cansados de andar. Todos calaram-se ao entrar, o clima sombrio da casa sobrepunha o efeito do álcool. Jogaram-se ao sofá, como nos velhos tempos. arriscou fazer uma piada e todos riram, ficaram conversando. Alguns minutos depois, perceberam que tinha dormido, era sempre o primeiro a se cansar.
Além disso, apesar de não ter comentado nada, ele tinha uma filha e ser pai era uma tarefa árdua. A pequena Elle não devia ter nem dois anos... Ou será que tinha perdido o aniversário da filha de e ? Não iria de qualquer forma, não estava pronto para encarar uma criança.
levantou-se e foi pegar um copo de água. aproveitou para subir as escadas, verificar como estava. As luzes do corredor estavam apagadas, isso era um bom sinal. Olhou o quarto de Stella, que estava vazio, depois até seu quarto, a porta estava fechada.
Abriu-a, verificando que estava deitada no escuro. Não sabia se estava dormindo, mas estava em silêncio. Fechou a porta com cuidado, não queria atrapalhá-la. Levou um susto ao perceber alguém atrás dele, virou-se pensando que ia encontrar Catherine, que estava dormindo no quarto do fim do corredor, mas era .
- Hey, o que está fazendo aqui? – Sussurrou, saindo da frente do quarto.
- Só estava vendo onde você foi. Está tudo bem com?
- Nunca está tudo bem. – Suspirou – Está tudo péssimo, . – Desabafou – só piora, não come, não faz as coisas sozinha, e eu não posso fazer nada, porque ela não me suporta.
- Você não precisa aguentar isso. – falou – Por que você não sai? Não sei, vamos fazer uma tour algo assim. Eu não queria falar, combinamos de não falar nada para você, mas a gravadora está nos pressionando para fazermos outro single. Uma música nova, um show, precisamos de algo, entende? Estamos parados há quase cinco meses.
- Eu sei, mas o que você quer que eu faça?
- Viva! Stella não vai voltar, aceite isso, e talvez também não volte, o que você pode fazer? Nada, então deixe isso de lado por um tempo.
- Minha filha morreu, , eu não posso simplesmente “deixar isso de lado”. – Falou irritado – E eu não me importo se não vai voltar a ser como antes, não vou abandoná-la.
- Não vai, vai ficar aqui vendo-a morrer. É isso?
- Eu não vou deixá-la, , eu prometi quando nos casamos.
- É, mas ela te abandonou, não é? Você também está sofrendo e ela não está nem aí! Ficar aqui, vendo-a sofrer, só está deixando os dois piores, só alimenta a lembrança de Stella e a dor. nem ao menos vai notar se você for embora um dia, ou talvez até goste. Talvez você esteja a deixando pior.
Ao ouvir as palavras, não aguentou. Quando viu, já tinha dado um soco no rosto de . Ele estava passando dos limites, não tinha o direito de vir em sua casa e falar essas coisas. Ele não iria abandonar sua esposa.
- Ei, calma! – falou, colocando a mão no rosto – Não precisa se estressar!
- O que está acontecendo? – , que subiu as escadas correndo, se intrometeu – Droga, , você bateu no ?
- Tira esse cara da minha casa. – falou, irritado – Eu vou dormir, acorde também e o mande embora – Ele entrou no próprio quarto, antes que obtivesse uma resposta.
- O que você disse a ele? – perguntou a , que continuava reclamando de dor.
- Só estava dando uns conselhos.

entrou no quarto furioso, nem se importou em bater a porta. Percebeu o olhar de , mas sabia que ela não diria nada, nunca dizia. Pegou uma roupa no armário, ainda no escuro, e entrou no banheiro da suíte. No banho, teria tempo para absorver as bobagens que o amigo tinha dito. Não importava se estava bêbado, nem que estivesse morrendo poderia ter dito essas coisas. Era seu amigo, não era? Deveria cumprir esta função, ao invés de dizer que eles tinham que trabalhar.
Foda-se o trabalho. Que a banda terminasse, ele não iria sair dali. Sua família vinha em primeiro lugar, sempre.
não tinha o abandonado, pensou, não era culpa dela. Era difícil lidar com a dor, insuportável, não dava para explicar. não podia entender, ele nem ao menos tinha um filho. Perder um filho era a pior sensação do mundo, pior que morrer. E cada um tinha um jeito diferente de lidar com a dor, chorava pelos cantos, negando o acontecido, e ele tentava se manter em pé, vivendo cada dia de cada vez, e apenas tentando manter todos vivos, jogando a dor para o lado. Mas no fim, nada adiantava, pois quando fechava os olhos, tudo o que via era a cena do acidente repetitivas vezes.
Não ficava irritado por o culpar, nem ao menos surpreso. Ele sabia que era sua culpa, não tinha como negar. Era um fato, assim como o de que sua filhinha estava morta. Não podemos mudar o passado.

Novembro, 2005
- Olhe, Stella, como tudo é bonito daqui de cima. – Falou, segurando a filha no colo, observando a imensidão azul lá embaixo.
- É muito alto! – A menina respondeu, abraçando o pai – Eu subi tudo isso? – Perguntou, olhando para baixo.
- Digamos que pegamos um atalho. – Ele riu, lembrando-se que tinham feito pelo menos metade do percurso, de carro. – Mas mesmo assim é muita coisa, não é? Olhe até onde podemos ver... – Ele apontou para o horizonte.
- O que tem lá? – Questionou, curiosa.
- Se continuar muito mais para lá, chegaremos na China!
- Uau! – Ela pareceu impressionada. Nem ao menos sabia onde ficava a China, mas devia ser longe – Chegaremos em casa? – Ela perguntou, referindo-se a Londres.
- Eventualmente.
Stella pareceu achar isso interessante, então ficou olhando para o horizonte, onde o mundo parecia acabar. Devia ter muito mais além disso. Pediu ao pai para descer do colo, agora já sem medo da altura. Mesmo no chão, o pai segurava sua mão, para assegurar que ela não sairia correndo e caísse daquele penhasco. Ela foi até mais à beira, onde podia ver as ondas batendo nas pedras. Amedrontando-se novamente, agarrou as pernas do pai.
Percebendo que Stella já estava cansada de ficar ali, ele saiu da ponta do penhasco. Foram até um quiosque perto do estacionamento, ele comprou um cachorro-quente para dividir com Stella. Ficaram olhando para o horizonte, enquanto ela contava uma história divertida.
Depois de um tempo, começou a sentir-se observado. Praguejou ao perceber que dois paparazzi estavam próximos dele tirando fotos. Como tinham o encontrado? Ele já estava acostumado, mas não suportava que ficassem tirando fotos da sua filha assim.
- Vamos voltar, Stella? Mamãe deve estar preocupada. – Falou para a filha.
- Mas nós nem vimos o sol se pôr! – Ela protestou.
- Voltamos outro dia, certo? – Prometeu, pegando-a no colo e indo ao estacionamento.
O paparazzi que estava escondido saiu, aproximando-se de . Outro apareceu, fez perguntas, o ignorou. Logo tinham uns quatro tirando milhões de fotos, fazendo com que não conseguisse enxergar. Stella escondeu o rosto no ombro do pai, irritada pela claridade. Um dos paparazzi se dirigiu a ela, fazendo-a perguntas.
- Sai daqui, cara. – aconselhou-o.
Colocou a filha dentro do carro, sem se preocupar em colocá-la na cadeirinha, só queria sair dali. O paparazzi o seguiu, colocando-se na frente do carro para poder tirar fotos. apertou a buzina com força e pisou no acelerador, quase atropelando o paparazzi. Odiava aqueles caras, como eram inconvenientes!
Não conseguia passar uma tarde em paz com a filha, que eles já vinham fotografá-los. Privacidade era uma palavra que não conheciam. E se Stella não quisesse ter sua vida inteira em fotos, para quem quisesse ver? Eles não tinham esse direito.
Saiu com tanta raiva, ainda com a visão embaçada pelos flashes, que não percebeu que um carro subia a estrada. Só notou quando ouviu Stella gritando, e desviou para o outro lado, quase caindo e então virando o carro, batendo em seguida.
Houve um barulho terrível. Ouvia gritos de sua própria boca, se misturando aos da filha e ao barulho que o carro fazia ao virar. O veículo saiu da pista, caindo. O Air-bag foi acionado e ele ficou protegido, mas sua filha no banco de trás voava de um lado para o outro, tendo sorte em não ter saído pelo vidro.
O outro carro, lá em cima, ligara para uma ambulância. Mas já era tarde, ele sabia.
Pelo espelho retrovisor, viu a filha manchada de sangue. Então perdeu a consciência.

Março, 2006
deixou que as lágrimas caíssem no banho. Não queria atrapalhar . As cenas do acidente voltavam, frescas como sempre. Ele não colocara Stella na cadeirinha, por que não? Ele sempre a colocava, mesmo se fosse uma distância pequena. E mesmo assim, não o fez enquanto desciam uma estrada de terra. Era tão idiota.
Irritado, bateu a cabeça na parede, até que começasse a doer. Gritou no banho, esperando que não desse para ouvi-lo pelo lado de fora. Seu grito se transformou em soluços. Era ele quem devia ter tentado se matar, era ele que devia estar subnutrido agora e rejeitando a morte de Stella, não . Por que ele só causava infelicidade? Talvez estivesse certo, talvez devesse se afastar.
Quando conseguiu controlar o choro, saiu do chuveiro e se secou, tentando livrar-se desses pensamentos. mantinha-se no mesmo lugar da cama, imóvel. Com cuidado, deitou-se ao seu lado, mantendo-se tão distante quanto podia.
- Faça o que disse. Vá embora, . – Murmurou .
não podia ter certeza se ela tinha mesmo falado, ou se havia sido sua consciência reproduzindo o som de sua voz. Ele não ouvia falar há tanto tempo que pensava que aquilo poderia ter sido uma ilusão.
- O que? – Perguntou, com a esperança de que ela falasse mais, mas não obteve resposta.
fechou os olhos, sem saber o que fazer. Fazer o que tinha dito... Ela queria que ele fosse embora? Ele só estava piorando as coisas ao ficar ali? Pensava nisso quando caiu no sono. Teria tempo para entender se queria mesmo dizer aquilo... Se é que havia sido ela quem tinha falado.

Capítulo betado por Ana Caroline Mello

Capítulo Cinco

Abril, 2006

- , esse é a Doutora Melissa Lynes, ela veio para te ver – Catherine avisou a irmã, que estava parada, sentada em seu lugar habitual.
continuou parada, apenas encarando Dra. Lynes. Por que tinham mandado uma médica para vê-la? Ela já não estava bem? Estava comendo, tomando banho, até mesmo falava de vez em quando. Queriam mais do que isso?
- Olá, – Melissa disse, olhando a mulher que continuava imóvel – Você prefere conversar aqui ou em outro lugar? – Quando não respondeu, Melissa deu de ombros e agachou-se no chão, ficando na altura da paciente – Você deve estar se perguntando porque eu estou aqui. Eu sou uma psiquiatra, . Seu marido e sua irmã me chamaram aqui para que eu visse você.
Catherine saiu discretamente pela porta, deixando e Melissa sozinhas. precisava daquilo, já devia ter consultado um profissional há muito tempo, logo quando começou a demonstrar sinais depressivos, mas ainda tinha tempo. estava se esforçando para parecer melhor, não sabia se o motivo disso tinha sido sua chegada ou o tempo, mas ela estava tentando parecer viva, pelo menos. O problema é que não estava conseguindo. Ainda parecia morta, às vezes, mais morta do que Stella.
Ela não conversava com Catherine, achava que sim, mas só emitia sons aleatórios e ouvia a irmã. Obedecia ordens, mas raramente fazia algo por vontade própria. Não falava com os amigos e mal encarava o marido. Duas semanas antes, fora dormir no sofá e desde esse dia não dormira mais no próprio quarto. Entrava lá para pegar suas roupas e só. Também não tomava mais banho na suíte, usava o banheiro do corredor. O banheiro de Stella.
estava devastado com isso, ainda mais do que já estava. Catherine não sabia de quem sentia mais pena, da irmã que rejeitava a vida ou do cunhado que era rejeitado por ela. Eles não mereciam aquilo.
- Ela está falando com a Dra. Lynes? – perguntou, observando da porta de seu quarto.
- Se ela está falando, eu não sei. Mas Dra. Lynes está falando com ela. Espero que ela melhore.
Catherine se afastou do quarto, andando até , colocou a mão em seu ombro. Já estavam há mais de um mês vivendo a mesma rotina, em função de . Catherine tinha o visto chorar, ouvira seus lamentos, isso os aproximou. Não de uma forma amorosa ou sexual, só a ideia seria repugnante para ambos, mas tinham construído uma amizade confiável.
- Eu estou indo embora, Catherine – falou, depois de alguns minutos de silêncio.
- O que você quer dizer, vai sair?
- Vou sair de casa – Ele explicou – Acho que vai fazer bem para . Obviamente, ela não me quer por perto. Fizemos umas três músicas novas ao longo desse mês, tínhamos umas antigas... Vamos fazer uns shows, mostrar que alguns de nós ainda estão vivos.
- O que?! Você não pode simplesmente ir embora, . Certo, está passando por um momento difícil e não quer te ver, mas isso vai passar. E quando passar, ela vai querer que você esteja aqui.
- Desculpe, Cath, mas não posso ficar apostando nisso. Eu não queria ir assim, mas preciso fazer os shows, entende? Estão procurando um substituto... Querem me substituir no McFly. Preciso mostrar que não morri.
- Eles não podem fazer isso! – Catherine disse, abismada com o que tinha acabado de dizer – Você acabou de perder sua filha.
- Acontece que as pessoas acham que depois de cinco meses você já deveria ter superado – comentou, deixando transparecer sua insatisfação.
- Mas não é só isso, é? – Ela ergueu as sobranclheas – , estamos vivendo na mesma casa há um mês e eu te conheço há muito tempo. Eu vi você cuidando de , você não a deixaria ela assim. O que mais aconteceu?
- quer que eu vá, ok? E se essa é a única coisa que eu posso fazer por ela, é o que eu vou fazer.
Catherine não disse nada sobre isso. Não podia fazer nada, se quisesse ir embora, ele deveria ir. Quem ela queria enganar? estava péssima e ele precisava do trabalho. Alguém precisava continuar trabalhar, todos eles precisavam continuar com a vida. Ela não faria o mesmo que ele, mas não o culpava por querer ir embora.
- Quando você vai? – Perguntou.
- Só vamos sair em mais de um mês, mas acho que vou ficar um tempo na casa de , até lá. Vai ser melhor para me concentrar e escrever. E me acostumar. Vou ver se falo com hoje, ela provavelmente não vai se importar, mas...
- Talvez ela se toque do que está acontecendo, quando você avisá-la. Um choque de realidade.
concordou com a cabeça. Era isso que ele esperava, que ela acordasse desse coma em que estava vivendo. Que ela percebesse que a vida continuava e que ele não estaria ali para sempre. E mesmo se não estivesse, ela estava, e era isso que importava no fim, não é? Viver.
Ele nem sabia mais.
Estava indo viver. Abandonando quem mais amava no mundo e indo embora, porque vê-la morrendo estava o matando, e seus amigos diziam que ele precisava se reanimar, que ele precisava recomeçar a vida. Mas ele não se sentia bem com isso, como poderia viver, se estava se afastando de ?
Ele queria saber se estava fazendo a coisa certa. Seu coração dizia para que ele continuasse ali, para que ele esperasse ao lado de sua esposa. Com o tempo ela voltaria, ele tinha esperança, com o tempo tudo voltaria o normal. Mas não ficaria, a razão lhe dizia, ele não podia ter certeza, seus amigos completavam.
O McFly costumava ser sua vida, seu agente dizia. E mesmo que não continuasse sendo a sua, ainda era grande parte dos outros três integrantes, ele não podia simplesmente abandoná-los. De um jeito ou de outro, ele teria que deixar um dos dois de lado, o McFly ou . Quem ele iria escolher? A mulher semi-morta, que não o deixava tocá-la ou seus melhores amigos, que sempre o apoiaram? Há alguns meses atrás teria escolhido sua esposa sem hesitar, e agora olha onde ele estava.
Saiu de casa, precisando respirar um pouco. Como contaria isso para ? Era complicado demais. Ele estava saindo de casa, mas não significava que eles estavam se separando, significava? Não, é claro que não. Tirou a ideia da cabeça rapidamente, ele não iria se divorciar e , bom, se ela pedisse para se divorciar, ele estaria feliz demais por ela ter uma opinião para se importar.
Quando estava cansado de andar, pegou um táxi e foi até a casa de , onde e também estavam. Iria contar-lhes que avisaria hoje. Boa notícia para eles, não é?

Chegou em casa razoavelmente cedo. Ao entrar em casa, pode ouvir Catherine falando. Olhou de longe que ela estava acompanhada por , que estava sentada de costas para a porta. escutava a irmã, sem dizer nada, para variar. suspirou e andou até elas. Cumprimentou-as, porém não tocou em , tinha desistido assim que percebeu que ela sempre se afastava, como se tivesse levado um choque.
- Ah que bom que você chegou, – Cath falou – Eu tenho um encontro hoje – Ela riu, tentando quebrar um clima tenso – Estou saindo agora.
não sabia se ela tinha realmente um encontro ou não, mas percebeu que ela estava saindo naquele momento apenas para deixá-lo sozinho com . Quando Catherine levou, ele se sentou ao lado da esposa. o encarou, mas seus olhos não lhe diziam nada.
costumava falar pelos olhos. Foi assim que primeiramente percebeu que uma parte dela havia morrido, quando viu que seus olhos estavam completamente vazios e sem vida. Eles continuavam assim, se perguntava se um dia voltariam a brilhar como antes.
- – Ele a chamou – Tenho uma coisa para te contar – Ele falou, olhando-a intensamente.
quase falou um “O que?”, por apenas um mísero segundo, sua boca abriu levemente. O movimento não durou muito tempo e não deu em nada. Mas percebeu, e se sentiu culpado na mesma hora. Ela iria falar, isso significava que ela estava melhorando, e ele iria abandoná-la. E se odiava por isso.
Como a mulher continuou calada, ele reuniu forças para dizer o que teria.
- Eu estou indo embora, – Ele falou e levou um susto ao perceber o olhar assustado da esposa – Voltei a compor com a banda... Nós vamos fazer uns shows mês que vem e até lá vou ficar na casa de , terminando as músicas e tudo mais.
permaneceu em silêncio, mas ele pode sentir os pensamentos acusadores. Você está me abandonando? Perguntava mentalmente.
- Isso não é para sempre – Ele completou – Vou ficar lá só para me acostumar, , e depois quando voltarmos para Londres, talvez eu volte para casa.
Talvez. Os dois sabiam o impacto dessa palavra. Sabiam o que ela significava. Ele não tinha certeza se ele voltaria, ele não tinha certeza se gostaria de voltar para lá. Para aquela casa cheia de memórias e lágrimas.
- Eu tenho que fazer isso, – Ele se explicava, mesmo que ela não tivesse perguntado – Eu tenho que continuar a viver - Completou – Você deveria tentar isso também.
permaneceu em silêncio. esperava que ela dissesse algo, afinal fora ela mesma quem o aconselhara, um mês antes, a ouvir , não é? Mas ela não disse. Ele se levantou, indo em direção a cozinha, esquentar seu jantar.
- Estou feliz por você – murmurou, despertando a atenção do marido – Você está certo, .
Ela se levantou, olhando significativamente para . Ele continuava imóvel, chocado com sua manifestação. virou na direção contrária, subindo as escadas. Parou no primeiro degrau, virando-se para ele, que continuava estatizado.
- Boa sorte com a banda – Ela falou, com a voz meio trêmula.
subiu rapidamente até o segundo andar. Ao chegar em seu quarto – que ela não usava já há um tempo, mas fora o primeiro lugar que lhe veio a mente – se trancou, começando a chorar.

não viu pelo resto da noite, ela se trancara no quarto e não saíra dali. Ele tentou conversar com ela pela porta, mas a mulher voltou a ignorá-lo. Por fim, ele desistiu ainda abismado com suas palavras. tinha o respondido! Depois de tantos meses esperando por esse momento, ela finalmente tinha falado. Então por que ele não se sentia bem com isso? Talvez porque tenha conseguido ver a dor em sua voz, sua desaprovação e acusação, ainda presentes. teve vontade de chorar também, mas não chorou.
Estava cansado de chorar. Estava cansado de se sentir miserável todo dia. Ele iria começar uma nova vida, não iria? Nessa nova vida, ele esqueceria todos seus problemas e não afundaria cada dia mais na tristeza.
Ainda com os olhos secos e as lágrimas presas na garganta, se ajeitou no sofá, dormindo por ali mesmo. Dormiu tão profundamente, que não ouviu Catherine chegar. Acordou cedo no dia seguinte e saiu pela cidade. Foi ao supermercado, fez algumas compras, pensando que talvez Catherine não se lembrasse de fazer isso. Pensou em comprar algo para , para se desculpar por ir embora. Sentiu-se idiota, eles tinham tantos problemas, tantos pedidos de desculpas pendentes, ir embora não era a questão, ele percebeu.
E o que um presente resolveria? Só mostraria o quanto fútil ele era, de achar que bens materiais poderiam ajudá-lo. Objetos não pedem desculpas, pessoas pedem. Atos pedem. E ele não conseguia pensar no que poderia fazer, como poderia se redimir. Era mais fácil simplesmente sumir, mais dolorozo, mas ainda sim mais fácil. Se é que isso não era contraditório.
Chegou em casa de mãos vazias. Da sala, escutou vozes. No plural.
Ele não pôde deixar de sorrir, ao ouvir falando normalmente. Ficou parado por alguns segundos, apenas escutando-a falar. Sua voz era como música, fazia seu coração acelerar e despertava nele uma vontade de cantar e dançar ao ritmo de sua fala. Tentou prestar atenção nas palavras, nada específico, apenas conversava aleatóriamente com a irmã.
Os olhos de ficaram molhados e, por um momento, ele pensou que todas as lágrimas guardadas do dia anterior caíriam agora. Mas ele se controlou, limpou o rosto e andou até a cozinha, onde e Cath assavam um bolo.
Ao entrar no cômodo, parou de falar no mesmo momento. Ele se sentiu mal por isso, mas apenas suspirou, deprimido com a ideia de que sua própria esposa o odiava agora. Catherine o encarou ao mesmo tempo feliz e pesarosa.
Feliz porque estava falando, e pesarosa, pois a irmã ainda estava o rejeitando. ignorou as duas. Avisou que tinha feito compras e elas deveriam chegar em menos de uma hora. Saiu, dizendo que iria para a casa de , encontrar os outros.

- É verdade que você vai sair de casa? – perguntou, depois que e já tinham saído – Catherine me contou.
- Sim, é verdade. Preciso de um tempo sozinho, para resolver tudo.
- Você vai abandonar assim? – Acusou.
Era assim que todos viam sua atitude, percebeu , ele estava abandonando sua mulher. Não apenas todos os outros, pensou, mas ele mesmo também. No fundo, sabia que era isso que estava fazendo, tentando fugir de seus problemas. Não fora isso que prometera para quando se casaram, não era? Prometeu que ficaria ao seu lado mesmo na tristeza, e na primeira oportunidade agora, depois que tudo dera errado, lá estava ele indo embora.
Não, pensou. pedira para ir embora, ela dissera que estava tudo bem. Ela não o queria ali. Ela já tinha abandonado tudo antes, o que mais ele podia fazer? tentava se convencer de tudo aquilo, mas não conseguia.
no momento poderia querer que ele se afastasse, mas quando voltasse a si, quando melhorasse, tudo o que lembraria era que tinha ido embora, e aí mesmo que nunca olharia novamente na sua cara. sabia que uma vez que saísse de casa, não poderia mais voltar.
- Não tem mais nada que possa ser feito, . Eu tenho que seguir com a minha vida... E deixar que ela siga a dela.
- E você não pode seguir sua vida ao lado dela? nunca vai te perdoar por isso, cara.
- Apenas mais uma coisa que ela nunca perdoará – Suspirou.
não respondeu, entendo sobre o que o amigo falava. Não tinha como afirmar que ela perdoaria, não tinha como refutar essa afirmação. o culpava pela morte de Stella, e isso sempre teria um peso muito maior do que ele abandoná-la. balançou a cabeça, sem saber o que dizer. Sentia que estava cometendo um erro.
Conhecia , ela era sua melhor amiga. Poderia estar abalada no momento, mas no fundo ainda era a mesma pessoa. A partida de provavelmente só a deixaria pior.
- , sério, não faça isso. Você vai se arrepender.
- Talvez. Mas não custa tentar, não é? Não pode ficar pior do que já está.
jogou a cabeça para trás no sofá onde estava sentado, desistindo de argumentar. Ele podia ver o final dessa história, tanto quanto sairiam feridos. E ele não podia fazer nada para impedir. Não tinha solução para o problema dos dois. Ir embora os machucaria, mas poderia ser pior do que ficar?
- Quando você vai?
- Amanhã vou sair para a casa de , ficar lá um tempo, antes da turnê começar. Depois que voltarmos, devo procurar um apartamento, depende de como as coisas estiverem com .
- Você acha que estará tão mal a ponto de não poder voltar para casa?
- Não importa se ela ficará bem ou mal, só o que sei é que tudo terá mudado.

- Estou indo – anunciou, na tarde do dia seguinte.
e Catherine estavam sentadas no sofá da sala, vendo TV. As duas olharam para ele, que carregava uma pequena mala. não iria levar todas suas roupas, aquilo era só o suficiente para se vestir por uma semana. Depois voltaria, pegaria mais, até o final do mês, quando viajariam.
- Eu devo voltar amanhã, para pegar mais coisas – E verificar como está, acrescentou mentalmente.
- Ok – Catherine falou, ainda meio irritada por ele estar indo embora – Tchau, .
parou, esperando falar, mas ela continuou calada. Encarou-o intensamente por alguns segundos, ao mesmo tempo pedindo que ele ficasse e que fosse embora logo. queria que ela pedisse para que ele ficasse. Queria que ela falasse, que dissesse que eles ainda tinham chances. Mas apenas desviou o olhar, voltando a assistir ao programa de televisão.
Ele suspirou e foi em direção a porta. Podia sentir o olhar da esposa nele, mas não se virou novamente. Foi embora.
Ao colocar sua mala dentro do carro, sentiu que o mundo terminava ali. Estava saindo de casa, e como sempre fazia ao sair, deixava seu coração ali. A diferença é que dessa vez, ele ficaria ali para sempre.
Saiu com o carro e, enquanto via sua casa se afastar, sentia sua vida também se distanciar. Voltaria para casa no dia seguinte, não tinha dúvida, mas não voltaria para o lar. Ao abandonar , abandonaria também o passado, começaria tudo de novo.
A partir de agora, sem mais sofremento, sem mais dor, sem mais lágrimas. Sem mais e Stella. Era apenas ele, como nunca havia sido.

Junho, 2006

- , estou saindo, ok? Não me espere acordada – Catherine avisou, saindo de casa.
Apesar da frase, o comentário de Catherine não era uma brincadeira, ela estava realmente pedindo para a irmã não esperá-la e ir dormir. Apesar de já se encontrar em um estado bem melhor agora, Catherine não conseguia esquecer como a irmã estava há um mês atrás.
apenas assentiu, subindo para o próprio quarto. Não sabia porque continuava no quarto de casal, não sabia nem mesmo porque continuava usando a casa. Ela só servia para trazer lembranças. Dra. Lynes dizia que deveria se desfazer das lembranças, mas como ela poderia fazer isso, quando elas eram tão boas?
Algumas delas, é claro. olhou de soslaio para o quarto de Stella. A porta estava fechada há quase dois meses, ela não entrava mais lá, mas também não deixava que ninguém entrasse. Ela queria que tudo ficasse guardado ali, seguro.
A verdade era que limpar o quarto de Stella seria aceitar que ela tinha realmente ido embora. E sair de casa e se mudar do quarto de casal, era aceitar que tinha terminado com . Queria pensar que já tinha superado a fase de negação, mas não conseguia.
Estava melhor, é claro. Com os anti-depressivos que estava tomando e as sessões de terapia, ela aos poucos estava superando. Era difícil, mas ela estava conseguindo, aos poucos.
Agora, ela já conseguia conversar normalmente, apesar de não rir e raramente tomar iniciativa; aguentava sair na rua por algum tempo, fazia compras e ia no shopping. Ficava sozinha, sem problemas, Catherine já estava seguindo com a própria vida. Cath tinha arranjado um trabalho no último mês, havia contratado uma empregada – que na verdade, funcionava mais como babá – para ficar com , enquanto ela estava fora, mas era um começo.
ficava feliz de ver a irmã reconstruindo a própria vida em Londres. Sentia-se culpada por ter obrigado-a a sair da Califórnia, apenas para que cuidasse dela, mas ao mesmo tempo ficava feliz que Catherine estivesse ali, não sabia o que seria sem ela.
Afinal, fora a irmã que ficara ali, quando foi embora. tentou mudar de pensamento, antes que fosse tarde demais e as lágrimas começassem a cair. Lembrar-se de nunca era bom, era quase tão doloroso quanto as memórias com Stella. Preferia bloquear ambas, deixá-las escondidas lá no fundo do seu coração. Tão escondidas, que um dia ela se esqueceria onde estavam.
já tinha saído de casa há dois meses. Enquanto estava em Londres, ele ainda voltava para casa de vez em quando, falava com ela, e podia ver a dor em seus olhos. Sabia que ele se sentia culpado por ele ir embora, não devia, fora ela quem quis assim, afinal. Mas não tinha coragem de dizer isso, não tinha coragem de fazer nem falar nada. Apenas o observava ficando mais distante cada vez mais. Até que ele parou de aparecer.
Era estranho, mas fora exatamente ele não aparecer, que despertara iniciativa em . Quando ele ficou quase uma semana sem dar notícias, começou a ficar preocupada, e pela primeira vez resolveu perguntar para Catherine onde estava.
Cath ficou tão feliz por finalmente ter falado algo, sem ter sido perguntada antes, que abraçou a irmã. Explicou em seguida, que eles tinham ido embora da cidade já, para fazer o tour. Ela se sentiu decepcionada por ele não ter falado que já iria embora, mas, ao tentar se lembrar, percebeu que talvez ele tivesse falado, mas ela não havia prestado atenção, como sempre.
No dia seguinte, Catherine falou com pelo telefone. Ele queria falar com ela, mas disse apenas para ele não ligar novamente.
Parecia contraditório. Ela sentia sua falta, queria saber onde ele estava, e ficava triste por ele ter ido embora, mas não queria que ele ligasse. Porém, agora que ele tinha ido, deveria seguir seu caminho. Era isso que ela queria, quando o mandou embora, que reconstruisse sua vida e a deixasse para trás.
Tudo o que ela queria era que ele fosse feliz, e felicidade era algo que ela não poderia mais oferecer.
sentou-se na cama, pensando em , apesar de não querer. Pegou um porta-retrato que ficava na mesa de cabeceira. Era uma foto dos dois, na lua de mel. Era uma foto tão bonita que doía. A felicidade dos recém-casados era tão visível e pura, mal sabiam tudo o que estava por vir. sentiu a primeira lágrima cair, culpando-se por ter continuado pensando em . O que ela não daria para voltar para aquela época?
Ela colocou a foto deitada, virada para baixo, na mesa.
Dra. Lynes estava certa, ela precisava deixar as memórias para trás. Precisava continuar completamente. Suspirou, amanhã ela continuaria, amanhã ela deixaria as memórias de lado. Hoje, ela apenas queria dormir e sonhar com e Stella.

- Vamos, , nós vamos entrar agora – chamou-o.
parou de pensar e tentou entrar no clima. A verdade é que estava péssimo. Tinha pena dos fãs e da banda, ele não estava em seu melhor estado, definitivamente. Não estava desde o início, na verdade, mas naquele dia estava pior.
Ele não havia acordado sozinho naquela manhã. Tinha dormido com outra mulher. Aquilo era normal, havia dito, ninguém esperava que ele fosse ficar sozinho pelo resto da vida. avisou que já estava mais do que na hora, eles já estavam quase voltando para a Inglaterra e já fazia dois meses que tinha deixado .
O problema é que ele não achava que estava tudo bem. Teoricamente, ainda estava casado com . Não dormia com ninguém que não fosse ela há o que... seis anos? Um pouco mais até. E agora tinha levado um mulher qualquer, que nem ao menos lembrava o nome, para cama, desonrando sua esposa.
Não que ele pretendesse viver no celibato até o final de sua vida, mas... Uma parte de si ainda acreditava que fosse aceitá-lo novamente e que tudo ficaria bem. Tentou se consolar, não o aceitaria de volta, como se já não o odiasse antes, agora que ele havia ido embora, ela nem ao menos queria falar com ele por telefone.
Ele não ouvia sua voz há um mês! Sentia tanta falta dela.
- ! Cara, nós temos que entrar, ok? – o alertou, puxando-o em direção ao palco.
Certo, ele tinha que fazer o show. Todos já estavam decepcionados com ele, não poderia deixar que os fãs também se decepcionassem, não é? Precisava dar o melhor de si.
Entrou no palco, se animando um pouco com os aplausos. Durante o show, se esforçava para parecer animado, enquanto tentava não errar as notas. Tentou se esquecer de tudo e apenas ser levado pela música. Afinal, esse era seu único refúgio.
No meio do show, desistiu de sua tática. Parou de tentar se esquecer de , e tentou se lembrar de como ela era. Lembrou-se de seu sorriso, de sua voz, de sua face. Então começou a entrar no ritmo e chegou até a sorrir, imaginando que estava há um ano atrás, ansioso para voltar para casa e encontrar a mulher e a filha.
Quando o show acabou, ele encontrou uma mulher e a levou para um quarto. Enquanto fazia sexo com ela, pensava em . E mesmo que isso fosse doentio, fez com que ele voltasse a si.
Ele fora embora para reconstruir sua vida, precisava fazer isso.

Capítulo Seis

Julho, 2006

abriu a porta do quarto quase contra sua própria vontade. Inspirou bastante ar e o prendeu antes de entrar, tentou controlar suas emoções ao dar o primeiro passo. O quarto de Stella continuava intocado. Dava um peso no coração limpar tudo, mas precisava ser feito. andou até o armário da filha, carregando várias caixas de papelão, e aos poucos começou a tirar todas as roupas das gavetas e colocá-las na caixa.
tentou ignorar o que estava fazendo, mas era praticamente impossível. Quando acabou as gavetas e começou a guardar os brinquedos de Stella, começou a sentir as lágrimas caírem novamente. Limpou-as rapidamente, antes que fosse demais para parar. Não é nada demais, dizia para si mesma, só iria doar as roupas e brinquedos da filha para alguém que precisasse mais. Para uma criança que, de fato, poderia usá-los.
Isso era o certo a fazer.
Após encher quatro caixas, finalmente parou para respirar. Observou o quarto a sua volta e decidiu que já tinha encaixotado quase tudo. Até mesmo o lençol da cama de Stella já não estava mais lá. juntou os bichinhos de pelúcia que estavam na estante e colocou dentro de um saco-plástico. Parou quando viu o ursinho preferido de Stella , não conseguia aceitar que outra criança brincaria com ele. Por um segundo pensou que se sua filha não poderia brincar, ninguém deveria poder. Ela sabia que estava sendo egoísta, mas ao mesmo tempo não suportava a ideia de dar tudo assim, alguma coisa ela tinha que deixar, não é?
Antes que mudasse de ideia, deixou todas as caixas ali e andou discretamente até seu quarto, como se estivesse fazendo algo ilegal, e escondeu o urso de pelúcia no fundo de seu armário. Ninguém precisava saber daquilo.
- ? O que você está fazendo? – Catherine perguntou, parada na porta do quarto.
- Nada – Respondeu normalmente, sem deixar que a irmã percebesse o que tinha feito – Estou só terminando de organizar as coisas de Stella.
- Então por que está no seu quarto? – Questionou, erguendo uma sobrancelha.
- Só fui ver se tinha alguma coisa dela guardada aqui – Inventou uma desculpa qualquer.
saiu do quarto, voltando para o quarto que costumava ser da filha e pegando as caixas com as roupas. Colocou tudo dentro do carro, como se estivesse fazendo uma mudança. Ao chegar a fundação para a qual iria doar os objetos e roupas, se sentiu melhor ao notar que tudo seria doado a crianças que realmente precisavam.
- Quantas coisas – A secretária que estava recebendo as doações falou, observando a quantidade de caixas que trazia – Costumamos receber pequenas quantidades de cada vez, as crianças costumam ir doando aos poucos – Ela completou.
sentiu o estômago contrair ao perceber que ela achava que estava doando apenas porque sua filha tinha crescido, e parado de brincar. Sem querer falar sobre isso, apenas assentiu e saiu dali o mais rápido que podia. Talvez devesse ter deixado Cath fazer isso por ela, mas insistiu, disse que ela mesmo tinha que doar as coisas de Stella. Como se fosse um ritual para a aceitação de sua morte.

- Já voltou? – Catherine perguntou, ao ouvir a porta bater e ver entrando na sala.
assentiu, sentando-se ao lado da irmã. Tentou adivinhar o que Cath assistia, mas chegou a conclusão que não conhecia o programa. Suspirou, sem saber o que fazer. O quarto de Stella estava vazio agora, mas ela não se sentia melhor com isso. Não sentia como se tivesse deixado para trás a filha e a depressão ou jogado a tristeza fora, como fizera com as roupas e os brinquedos da menina. Sentia-se exatamente igual ao dia anterior.
Não estava mais deprimida, mas continuava vazia, sentindo a falta da filha e do marido. Eles eram a primeira coisa que pensava ao acordar e a última antes de dormir. Mesmo em seus sonhos, era em Stella em quem ela pensava. Algumas vezes lembrava-se de como era antigamente. Alguns sonhos eram apenas memórias, outros eram desejos de como ela queria que seu futuro tivesse sido. Como ela queria que o futuro de Stella tivesse sido.
Enquanto estava acordada, às vezes conseguia se distrair com outros assuntos. Assistia à televisão e ignorava o resto do mundo, conversava com Catherine e realmente se interessava pelo o que a irmã contava. No fundo, porém, tudo era sobre a filha. Aquele era o quarto em que Stella dormia, a sala em que ela assistia televisão e a cozinha em que ela tomava café-da-manhã.
Se ela queria recomeçar a vida, teria que deixar tudo para trás. Não podia ficar em um lugar cheio de memórias, assim nunca conseguiria. Percebeu então que tinha razão em ter ido embora dali o mais rápido que pôde. Achava que ele tinha feito isso por ela, por que ela pedira ou por não suportar mais encará-la. Mas tinha mais, ela notou, aquela casa era muito cheia de lembranças. Para suportar tudo, precisava antes ficar um tempo afastado – o que não significava que nunca voltaria – apenas para que conseguisse guardar as memórias em seu lugar certo, o passado.
- Preciso sair daqui – Verbalizou seus pensamentos, despertando a atenção da irmã – Preciso me mudar, Catherine.
- Do que você está falando?
- Não posso mais continuar nessa casa. Eu não vou melhorar enquanto eu não sair daqui – Falou, com um tom desesperado na voz.
- Ok, , vamos começar a procurar algum lugar amanhã então – Cath falou, tentando acalmar a irmã.
A verdade é que Catherine já queria sair daquela casa há muito tempo. Sabia que chegaria o momento em que resolveria que não podia continuar ali, já vinha procurando apartamentos há um tempo e estava quase alugando um; agora que tinha a confirmação da irmã, só tinha que fechar o contrato com o dono do local.
Sentia que agora sim voltaria. Elas mudariam-se para algum lugar novo e, talvez, daqui algum tempo ela poderia arranjar um lugar só para ela, deixando se cuidar sozinha – ou com outra pessoa.
Suspirou, feliz com a evolução que já tinha feito.

Agosto, 2006
estacionou na garagem, sentindo-se nervoso por estar novamente em casa. Seus amigos tinham perguntado se ele não queria ficar um tempo na casa deles, mas ele rejeitou dizendo que já estava na hora de voltar. Tinha saído há mais de quatro meses, já estava pronto para encarar tudo novamente. Pegou suas malas desajeitadamente, tentando levar tudo ao mesmo tempo.
Ao abrir a porta da casa, sentiu o vazio do lugar. Nada que ele não esperasse.
Mantinha certo contato com Catherine, e , às vezes, falava com , então sabia que sua esposa tinha se mudado para um apartamento em outro bairro fazia quase um mês. Ela não levara nada da casa, ele percebeu. Ou quase nada, notando que alguns objetos de decoração não estavam mais no lugar. As fotos, porém continuavam todas ali.
O que fazia sentido, é claro, já que ela estava tentando fugir das duras memórias. deixou as malas jogadas ali no meio do caminho mesmo e foi ver o resto da casa, constatando o que mduara nos últimos meses. Viu que a cozinha estava praticamente vazia – levara as panelas, os copos e os talheres -, os objetos maiores da casa continuavam todos ali – as mesas, televisões, sofás e cadeiras – mas os menores haviam sido levados – almofadas, vasos, laptops e livros.
Quando, por impulso, abriu o quarto de Stella, levou um susto por notar que não havia absolutamente nada ali. As paredes continuavam pintadas de rosa claro, mas todo o resto havia simplesmente desaparecido. Certo, Catherine havia contado que dera para caridade os objetos da filha, mas ele não imaginara que tinha sido, literalmente, tudo.
Saiu do quarto, fechando a porta. Era melhor assim mesmo. Foi para o quarto do lado, o que havia sido dele e de , tudo continuava exatamente igual, até mesmo os pequenos objetos continuavam ali. se aproximou da mesa de cabeceira, para ver a foto da lua-de-mel, mas encontrou um pequeno pedaço de papel ali. Pegou, sem saber o que esperar, reconheceu a letra de .
, eu - “ era tudo o que estava escrito. Uma frase incompleta. Depois de tudo, não havia muito o que dizer. Mas aquela pequena frase não terminada, fez brotar um sorriso no rosto de , porque, ele percebeu, aquele pedaço de papel dizia tudo o que ele precisava saber. Ele e não haviam terminado, assim como aquela frase.
Obviamente não estavam mais juntos, e provavelmente não estariam por algum tempo. Entretanto, não significava que tinham terminado, eles pertenciam um ao outro, eles ainda estavam casados e nenhum dos dois iria, tão cedo, pedir o divórcio. pegou o papel e guardou na gaveta. Um dia, pensou, ele teria o fim dessa frase.
Agora, cada um deles deveria seguir seu próprio caminho e achar sua maneira de lidar com a perda. Deveriam superar a morte da filha, recuperar suas vidas antes de voltarem a ficar juntos, antes de voltarem a ser felizes por completo.

inspirou uma grande quantidade de ar antes de apertar a campainha. Não sabia se estava pronta para aquilo. Enquanto ouvia os passos dentro da casa, pensou em sair dali. Talvez devesse ter avisado que vinha.
- ?! – praticamente gritou ao ver a amiga parada na porta e a abraçou – Meu Deus, entre! Eu não sabia que você vinha...
- Ah, desculpa, eu deveria ter ligado – começou a falar, meio sem saber como agir.
- Desde quando você avisa quando vem? – Ela ergeu uma sobrancelha, rindo falsamente e puxou a amiga apra denro da casa
Não tinham se visto há muito tempo. vistava muitas vezes, no início, mas só queria ficar sozinha, se recusava a falar e a mandava embora. E depois ela não podia simplesmente deixar a filha pequena sozinha e não poderia simplesmente levá-la para ver . Então ela parou de visitar , tinha notícias dela através dos garotos do McFly e, às vezes, falava com Catherine por telefone, mas a verdade é que nos últimos meses tinha se afastado completamente.
- Desculpa, – Falou sentando-se no sofá e olhando apra baixo – Eu devia ter ligado para você.
- Não, , eu é que não liguei mais e não quis falar com ninguém – falou, já sabendo que a amiga se culpava por simplesmente ter perdido o contato.
- Não importa... Como você está, ? me disse que você se mudou.
- Sim, eu não podia continuar mais naquela casa, sabe? Catherine arranjou um lugar para ficarmos, é um apartamento pequeno, tem apenas dois quartos, um para mim e outro para Catherine. A sala só tem o necessário, afinal eu tive que comprar móveis novos e tudo mais. Mas estou começando a me acostumar a morar lá.
- E ? Como ele está lidando com isso?
parou para pensar por um momento. Ela não falava com desde que ele havia ido embora, não sabia como ele estava e, na verdade, não queria saber. Lembrou-se no bilhete inacabado que deixara para ele em casa. Será que entendera que ela quisera dizer que não tinha terminado ainda? Não sabia.
Não tinha pensado nele nas últimas semanas. Não muito, pelo menos. Estivera tentando ocupar seus pensamentos organizando a nova casa, comprando móveis, limpando tudo e tentando recuperar seu antigo emprego. Falara com sua antiga chefe e ela pedria para que a encontrasse amanhã. Sabia que seria aceita, era muito boa no que fazia, mas provavelmente não na mesma função que costumava ter. Ou com a mesma autoridade.
- Eu não tenho falado com – Falou, finalmente.
- Mas e como vocês vão ficar?
- Não sei, , mas nenhum de nós quer conversar sobre isso agora. Vamos ficar que nem estamos agora. Não estamos mais juntos, mas sempre seremos um do outro, entende?
- Não dá para entender, , mas vocês dois... Nunca deu para entender.
Ficaram caladas por um tempo, como se estivessem ao mesmo tempo lembrando de e antigamente, quando começaram a namorar, seis anos antes. Fora tudo tão mágico, parecia tão eterno. Os pensamentos foram interrompidos por uma criança saltitante que entrava na sala.
- Mamãe, coloca! – Ela pedia, segurando um DVD na mão, parou quando viu que tinha mais alguém na sala. Abriu um sorriso – Oi!
olhou para a filha e depois olhou para que parecia estatizada. Elle estava com dois anos, apenas um pouco mais nova do que a idade que Stella tinha quando morreu, imaginava quando deveria doer para observar a menina.
- Elle, mamãe está conversando com uma amiga agora, depois eu coloco o filme para você, ok? – Sussurrou para a menina – Por que você não fica um pouco no seu quarto, brincando, e daqui a pouco eu vou lá?
- Mas eu quero ver agora! – Ela falou errando as palavras.
- Está tudo bem, falou – Deixe Elle assistir o filme.
- Não, , Elle está indo par ao quarto dela. Não está, Ellie? – encarou a filha que saiu emburrada em direção ao quarto – Desculpe por isso.
- Tudo bem, não é como seu eu pudesse simplesmente ignorar todas as crianças do mundo. Eu estou apredendo a lidar com isso.
- Se precisar de ajudar, eu estou aqui, ok? Para qualquer coisa – falou, segurando a mão de – Você é minha melhor amiga, , sempre vai ser, eu estou aqui apra te apoiar.
- Obrigada, .
Elas conversaram um pouco mais depois disso. contou o que vinha acontecendo, tentou evitar ao máximo possível falar sobre Elle ou o McFly, mas era difícil afinal eles eram praticamente sua vida. No fim, já estava contando tudo e ficou feliz ao perceber que pareci não se importar, aliás gostava de saber o que acontecia com os meninos. não gostava de lhe dizer o que estava acontecendo, achando que isso iria feri-la e ela nunca tivera muita intimidade com ou .
contou que estava voltando ao trabalho e ficou muito feliz por ela, já estava mesmo na hora. Combinaram de sair um dia e prometeram que iriam ligar uma para a outra. chegou a se encontrar com , mas eles apenas se cumprimentaram, então ela foi embora.

sentiu seu coração bater mais rápido ao entrar no prédio. Cumprimentou o porteiro, notando que não o conhecia, e entrou no elevador cumprimentando também as pessoas que estavam lá. Ninguém que ela conhecesse ainda. Ela não ia até lá fazia mais ou menos nove meses. Sabia que no momento que entrasse na agencia várias pessoas olhariam para ela, talvez até fizessem perguntas. “Como você está?” “Você acha que consegue voltar a trabalhar?”. Tudo de novo.
Saltou do elevador, entrando direto no lugar. Viu que a recepcionista estava a encarando, juntamente com algumas outras pessoas que passavam. sentiu-se desconfortável, mas apenas sorriu para eles e aproximou-se do balcão.
- Olá, Rose. Courtney deve estar me esperando, marquei com ela às 14h – falou, sem saber como se comportar.
- Ah, claro. Vou avisar que você chegou – Rose falou, pegando o telefone – Fico feliz que você esteja de volta, – Ela sorriu, então falou com a chefe pelo telefone – Você pode ir até a sala dela.
assentiu, passando pelas mesas de seus companheiros de trabalho, sorriu para alguns. Bateu na porta, antes de entrar na sala de Courtney. A porta se abriu, e um homem, que ela não conhecia saiu de lá, cumprimentando-a e então Courtney apareceu atrás dele, sorrindo para .
- Olá, – Falou, cumprimentando-a com dois beijinhos – Você provavelmente não conhece Jim Turner – Disse, apontado para o homem que saíra e estava parado na porta agora – Ele começou a trabalhar aqui há alguns meses, me ajudando a administrar as finanças.
- Oi – Ele estendeu a mão e apertou, sorrindo para ele.
Jim era um homem muito bonito. Seus olhos castanhos eram grandes e expressivos, e a encaravam peculiarmente. Ele era forte e alto, mais alto que , e estava a deixando desconfortável.
-Bom, vou indo. Vejo você por aí, – Ele não tirava os olhos dela.
Acenou com a mão e saiu. franziu a testa, acompanhando-o com o olhar. Virou-se novamente para Courtney e entrou em sua sala. A chefe parecia preocupada, mas não disse nada, apenas pediu para que se sentasse. Courtney devia ter uns quarenta e poucos anos e era a dona da agencia de eventos. Aquele havia sido o segundo emprego de – havia sido contratada um pouco antes de se casar. Ela e Courtney nunca tinham sido melhores amigas, mas eram colegas de trabalho e gostavam uma da outra, já tinham saído juntas algumas vezes e ido na casa uma da outra.
- Como você está, ? – Courtney perguntou e suspirou, já esperando por isso.
- Aguentando. Superando, eu acho. Mas estou bem, Court, estou pronta para voltar.
-Olhe, se você não estiver, não tem problema, querida. Você sempre vai ter seu lugar aqui.
- Não, eu estou pronta. Eu preciso disso, Court. Preciso voltar a trabalhar, recuperar minha vida, senão vou enlouquecer.
- Ok, tudo bem – Courtney falou, observando – Olhe, temos essa menina nova aqui, Meredith, você pode ajudá-la a organizar um casamento. Eu sei que você não a conhece, mas ela é ótima, vocês vão se entender bem. Podem se ajudar.
assentiu, feliz por poder voltar a trabalhar. Conversou um pouco com Courtney, tanto sobre trabalho quanto sobre a vida das duas. Como Courtney tinha que voltar a trabalhar, saiu indo procurar Meredith, sua nova parceira de trabalho.
- ! – Stacy, antiga amiga do trabalho, a chamou, vendo-a sair da sala de Court – Você voltou! – Abraçou , antes que ela pudesse dizer qualquer coisa – Como você está?
começou a falar com Stacy, e logo outras pessoas conhecidas se aproximaram e começaram a conversar também. não se sentia bem sendo o centro das atenções, achava desconfortável todas essas perguntas sobre como ela estava. Demorou um tempo até conseguir escapar deles e ir procurar a tal Meredith.
Acabou descobrindo que ela era uma recém-formada de vinte e três anos, loira, fútil e, aparentemente, sem nada na cabeça. Não sabia porque exatamente Courtney achou que elas iriam se dar bem. Bom, mas pelo menos ela estava trabalhando, era melhor do que nada.
- Então, por que você ficou tanto tempo sem trabalhar? – Meredith perguntou, tentando puxar assunto – Nem acredito que deixaram você voltar! Quer dizer, estou aqui há seis meses e nunca vi você, então isso significa que você está afastada há mais tempo ainda!
- Sim, há nove meses – falou, encerrando o assunto.
- Nove meses? Você teve um filho clandestinamente ou algo assim? - Meredith riu, porém apenas a encarou mortalmente.
- Não – Falou simplesmente.
Meredith ficou calada, sem graça, tentando pensar porque não quis dizer. Várias hipóteses se passavam por sua mente, mas todas completamente mirabolantes e longe, além de menos trágicas, do que a verdade.
- Por que você não quer dizer? Se era segredo, a maioria das pessoas já sabe, eu vou descobrir – Ela falou, conseguindo irritar ainda mais.
- Minha filha de três anos morreu, Meredith – Falou secamente – Será difícil entender que eu não quero falar sobre isso?
- Ah – A garota suspirou – Meu Deus, me desculpe, eu não sabia...
- É claro que não.
saiu andando, fazendo uma ligação. Se precisava trabalhar com aquela garota, tudo bem, mas definitivamente não iriam conversar muito. Ou nada.

No final do dia, entrou no elevador exausta. Seu trabalho não era muito cansativo, na verdade, era só fazer algumas ligações, visitar lugares, ver pessoas, e naquele dia, em especial, ela apenas dera ligações. Mesmo assim, o que a cansara não era exatamente o trabalho e sim as pessoas nele. Principalmente Meredith, mas todos os outros também a importunaram. Ter que ficar sorrindo e dizendo que estava bem a cansava.
Ela não estava bem, era óbvio que não estava, e todos sabiam disso, por que perguntavam então? Queriam que ela dissesse que a vida dela estava um caos? Que ela tinha que tomar antidepressivos todos os dias para que superasse a vontade de se matar? Que precisava ir duas vezes por semana no terapeuta? Que tinha que morar com a sua irmã, porque seu próprio marido, com quem ela não falava há meses, não havia suportado ficar ao seu lado?
Ok, isso não era verdade, ela sabia que não. Ela estava melhor, e não tinha sido esse o motivo pelo qual fora embora. E ela nem o culpava por isso, por que estava pensando nessas coisas? Sentiu que fosse começar a chorar, assim como fazia toda vez que parava para pensar. Controlou-se. Aqui não, não no meio de todas as pessoas.
- Você está bem? – Alguém perguntou para ela no elevador.
virou-se para encará-lo. Era Jim, que havia conhecido algumas horas antes. Tentou disfarçar, sorrindo um pouco.
- Sim – Murmurou, encarando-o. Seus olhos a prendiam, ela não conseguia desviar o olhar.
- Não parece.
- Não é nada – Ela falou, conseguindo finalmente desviar o olhar.
A porta do elevador se abriu e saiu, andando mais rápido do que o normal. Quando chegou ao seu carro, colocou a mão no coração. Enquanto olhava Jim, sentiu algo que já não sentia há muito tempo. Eram os olhos, pensou, aqueles olhos a deixaram confusa.
Voltando ao normal, saiu dali, voltando para casa. Ela iria recomeçar a vida, mas não desse jeito. Ela era de , ele era seu marido.

Capítulo Sete


Setembro, 2003
- Mamã – Stella falou, chamando a atenção de e abriu os braços para que a mãe a pegasse no colo.
sorriu, colocando a filha em seus braços. Stella estava tão mimada naquele dia. Obviamente não fazia a mínima ideia do que estava acontecendo, mas estava adorando toda a atenção que estava recebendo. Mais cedo vários amigos tinham passado ali com seus filhos e dado vários presentes para Stella. Ela abrira todos na mesma hora e brincara com eles, rindo e conversando – mesmo que ninguém estivesse entendendo nada do que ela falava.
e achavam muito engraçado o fato da filha ser tão comunicativa. Quando ela crescesse, pensavam, ela seria muito falante, seria difícil fazê-la parar. Na verdade, já era bem difiícil fazê-la parar qualquer coisa agora.
- Dá! – Stella ordenou, se referindo a um bichinho de pelúcia novo que havia ganhado.
- Agora não, querida, depois você pode brincar.
- Não. Dá! – revirou os olhos, já sabendo que a filha começaria a fazer pirraça.
- Agora não, Stella. Você está suja, vamos tomar um banho antes, ok?
Stella começou a fechar o rosto e as lágrimas brotaram em seu rosto. Irritada por a contrariarem, ela começou a chorar. Eles passaram o dia inteiro fazendo oq ue ela queria, conhecera crianças novas, comera bobagens e tivera todas atenções voltadas para ela, agora não podia nem ao menos ter seu ursinho?
- Hey, por que está chorando, Stella? – apareceu no quarto, encontrando a menina aos prantos.
- Stella quer brincar agora, mas não pode, porque primeiro tem que tomar banho – explicou.
- A mamãe é muito chata, não é, Stell? – falou, observando que a filha tinha parado de chorar, para observá-lo. Ela riu com a observação do pai – Mas ela tem razão. Vamos lá tomar banho e depois nós dois vamos brincar com você.
Stella finalmente aceitou as condições dos pais e foi, sem derramar mais nenhuma lágrima. Quando terminaramd e dar banho na menina de um ano, eles ficaram brincando com ela. Stella brincava com as bonecas e bichinhos conversando e dando instruções para os pais. Eles tentavam entender alguma coisa do que a filha falavam, mas apenas riam com a menina.
Naquele momento, com as estrelas brilhando no céu de Londres e a pequena estrelinha deles brilhando ali dentro de casa, sorrindo e brincando, eles tinham tudo o que poderiam querer. Estavam abraçando a felicidade de cabeça e o amor transbordava em seus corações.

Setembro, 2006
saiu apressada do carro, carregando várias coisas, enquanto falava no telefone. Estava atrasada, sabia disso. Meredith já tinha ligado para ela de manhã reclamando disso. Elas tinham que encontrar a noiva daqui uma hora, e antes disso ainda tinham alguns assuntos pendentes. Seria a primeira vez que se encontraria com a cliente, apesar de já estar trabalhando em seu casamento há algumas semanas e já terem se comunicado por telefone. Hoje iria tomar as decisões finais da decoração da festa e precisava trazer todas as provas. E ainda acordara atrasada!
- Ei, calma aí – Alguém reclamou, quando ela esbarrou, sem prestar atenção por onde andava – Hey, ! – Jim a cumprimentou, sorrindo.
Eles vinham conversando bastante nas últimas semanas. Sempre se encontravam na saída ou na chegada do trabalho conversavam um pouco. Outras vezes, durante o trabalho, se encontravam, apesar de terem funções totalmente diferentes. Ele era divertido e, aparentemente, não sabia nada sobre o que tinha acontecido com ela, portanto não a encarava com pena, nem ficava perguntando o tempo todo se estava tudo bem. já podia quase considerá-lo um amigo de trabalho.
- Ah, olá, Jim. Estou atrasada. E você também, pelo o que parece – Ela sorriu, enquanto caminhava rapidamente até o elevador, sendo acompanhada por ele.
- Ah, só um pouco. Dia importante hoje?
- Sim, muito! Meredith está quase me matando porque escolhi, de todos os dias, hoje para me atrasar! – Ela riu, ao pensar que era Meredith quem estava a dando uma bronca, em vez do contrário. A porta do elevador se abriu e saiu – Tchau, Jim, te vejo mais tarde.
Ela andou rapidamente até onde Meredith estava a esperando apreensiva. Ela suspirou quando viu se aproximando. Elas até estavam se entendendo um pouco. percebeu que ela era até boa no que fazia e Meredith parou de importuná-la, após saber sobre o acidente que matara Stella.
- Dá próxima vez, não se atrase, – A garota reclamou, vendo que o tinha trazido.
riu, olhando o relógio e percebendo que nem estava tão atrasada quando pensava.

- Então, Judd, arranjou um tempo para ver sua velha amiga? – falou, rindo, enquanto sentava-se na cadeira do restaurante.
Era engraçado, mas ela não tinha saído com desde a Califórnia. Eles tinham se visto, é claro, enquanto ela estava em depressão em casa. Muitas vezes ele vinha visitá-la ou ia falar com . Mas depois que eles saíram em turnê, eles passaram a se comunicar apenas por telefone e mesmo depois que tinham voltado, eles nunca encontravam um horário quando os dois pudessem se ver. Ela não podia mais ir ver a banda ensaiando, pois tinha medo de encontrar , e ela definitivamente ainda não estava preparada para isso.
Às vezes, cometia o erro de parar para ver revistas de fofoca e encontrava nelas. Chegou, algumas vezes, a encontrar fotos dela. Via com outras mulheres, saindo e bebendo, nada que ela não esperasse. Ele tinha o direito de viver. Se ele queria sair com várias mulheres diferentes e festejar, como se ainda tivesse vinte anos e nada a perder, ótimo. Era o jeito dele de lidar com a situação.
Ela, entretanto, preferia manter uma vida calma. Saía com , , alguns de seus amigos antigos, ia trabalhar todos os dias e cuidava de sua casa. Não significava que ficaria sozinha para sempre, afinal já vira o jeito que Jim olhava para ela. Se ele quisesse alguma coisa, ela não iria negar que estava interessada.
- Ah, nem vem com essa, Srta. Tenho Muito Trabalho Para Fazer e Não Posso Me Encontrar Com Você – Ele falou rindo, então segurou a mão de – Como está sendo a volta ao trabalho?
- Cansativo, mas estou voltando a me acostumar. E vocês? Ouvi dizer que a turnê foi um sucesso. As novas músicas...
- Você ouviu as novas músicas?
- Não, ainda não. Eu queria ouvir, mas... – Ela não terminou a frase.
- Talvez você devesse, escreveu uma delas para Stella.
ficou calada, sem saber o que dizer. se culpou por ter dito aquilo, talvez ainda fosse mutio cedo para faalr sobre aquilo. Mas quando pararia de ser cedo? Céus, já ia fazer um ano.
- Ele escreveu uma música para ela? – Ela falou surpresa. Como não sabia daquilo? Talvez tivesse ouvido alguém comentar, mas ignorou. assentiu – É boa?
- É claro que é boa, – Ele riu com a pergunta – É muito bonita, acho que você vai gostar.
- É, mas ainda não sei se estou pronta para ouvir. Estou tentando esquecer tudo isso, sabe? Deixar para trás.
- Não tem como deixar sua vida para trás, . Estou tentando fazer com que entenda isso também. Vocês nào podem simplesmente tentar recomeçar a vida. Vocês passaram por tudo isso e nào podem mudar, nem voltar atrás, você simplesmente tem que aprender a conviver.
- Como você pode saber, ? – Ela questionou, irritada pelo amigo não aceitar seu modo de lidar com a dor – Ah, claro, porque você já perdeu sua filha, não é?
- Não, , mas estou vendo vocês dois. E como estão tentando esquecer, sem conseguir.
mudou de assunto depois disso. Não queria ficar falando de Stella ou de . Aquilo doía muito. Certo, e daí se não estava conseguindo esquecer? Pelo menos estava fazendo algum avanço. Pelo menos estava quase conseguindo reconquistar sua felicidade. E, talvez, no final fosse isso que importasse: ser feliz.
Eles conversaram pelo resto da noite, sobre assuntos aleatórios. Não voltaram a falar sobre Stella, decidiu que tinha sido demais para um dia. Esperava que ouvisse seu conselho. Sabia que ela e deviam ter ficado juntos, para superar juntos e se ajudar, mas eles resolveram seguir caminhos apostos, quem era ele para intervir?

- Você não tem ideia de como tudo está um loucura! Aquele pessoal do trabalho acha que eu não tenho vida – reclamava enquanto caminhava pelo shopping, segurando várias sacolas – Enquanto estou lá, eles só me dão problemas para resolver, e quando eu finalmente chego em casa eles não param de me ligar. E para piorar Elle está terrível, não me dá um descanso. Eu nunca pensei que ser mãe desse tanto trabalho, quando eu via você com Stella –
parou, percebendo o que tinha falado. Olhou apra , mas ela parecia não ter se abalado muito com o comentário. estava quase se acostumando com aquilo, a maioria das pessoas ainda evitavam ao máximo possível falar sobre filhos com ela, mas era inevitável, algum comentário sempre escapulia.
- Está tudo bem, , continue seu drama – riu, tentando quebrar a tensão.
- Desculpa, , é só que eu não sei ainda como agir com você.
- Aja normalmente, como você sempre fez – Ela falou – Olhe que vestidinho super fofo – Observou na vitrine – Mas, meu Deus, olhe esse preço! – Fez uma careta vendo quão cara uma peça de roupa poderia ser.
Agora não podia se dar o luxo de comprar tudo o que quisesse, já que estava vivendo apenas com o dinheiro do trabalho. Certo, tecnicamente ainda tinha uma conta conjunta com , mas ela não teria coragem de utilizá-la, a não ser que houvesse alguma emergência. Comprar um vestido definitivamente não era uma emergência.
- Esses preços de hoje em dia estão absurdos – reclamou. riu, pelo visto escolhera um mal dia para resolver sair com a amiga – De qualquer forma, , como você está? Está tudo bem no trabalho?
- Ah, tudo se acalmando agora. O casamento que estou planejando está ficando muito bonito, mas não tenho muita participação nele. Meredith já estava planejando-o quando eu cheguei – falou com um tom de lamentação.
- Ah, , mas não ligue para isso,logo você voltará a fazer eventos espetaculares sozinha. Voce vai ver, você era a melhor nisso – Tentou animar a amiga.
fez menção de voltar a falar, então seu celular começou a tocar e ela se afastou um pouco para atender. Entediada, andou até um quiosque de Pretzel, entrando na fila para comprar um, mais por não ter nada para fazer do que por estar com fome.
- Um pretzel de canela e açúcar, por favor – Pediu.
- ? – O homem que estava uma duas pessoas na sua frente na fila falou, enquanto esperava pacientemente por seu pedido. se virou, surpresa por ouvir seu nome, e se deparou com Jim.
- Hey, Jim – Ela sorriu – Que coincidência te encontrar aqui. Tudo bem?
- Tudo e você? – Eles pegaram seus respectivos pretzels e andaram juntos até um banco.
- Estou bem também. Estava precisando de um final de semana para descansar.
- Meredith está te enlouquecendo? – Ele riu, imaginando como a jovem Meredith deveria estar se estressando muito com o primeiro casamento que organizava.
ia começar a falar, preparando-se para xingar a companheira de trabalho, que só a irritava. Então viu vindo despeserada em sua direção, tinha esuqecido de avisá-la para onde iria.
- ! Você sumiu, achei que tivesse me abandonado – Ela parou quando viu que conversava com um homem, então apenas ergueu a sobrancelha – Ah, vejo que você arrumou companhia.
- , esse é Jim, ele trabalha comigo – Ela revirou os olhos, já sabendo o que a amiga estava pensando – Jim, essa é minha melhor amiga, .
Os dois se cumprimentaram. Eles conversaram um pouco mais, então Jim deu alguma desculpa e se afastou das duas mulheres, deixando-as sozinhas.
- Céus, que gato! – exclamou, quando ele já estava longe demais para ouvir – que me perdoe, mas o que eu não faria para ter um desses.
- ! – reprendeu a amiga, mas não conseguiu prender o riso.
- Vocês estão tendo alguma coisa? – Ela perguntou, franzindo o cenho.
- Eu sou casada, ! – Ela respondeu antes mesmo de perceber, então se calou – Bom, pelo menos tecnicamente.
- Você totalmente deveria sair com ele, ! Só por esses minutos de contato já pude perceber que ele está afim de você – falou animada com a ideia.
- Não acho que estou pronta para sair com outra pessoa.
- Vamos, , você não pode ficar sozinha para sempre. Ele não está fazendo isso, você sabe – Ela falou, mesmo sabendo que doía para admitir isso – Além disso, vai te fazer bem.
preferiu não discutir, puxou outro assunto e levou a amiga para uma loja. Sabia que era inevitável sair com Jim. Os dois se sentiam obviamente atraídos um pelo outro, conversavam bastante, ambos estavam “solteiros” e eram adultos, então o que os impedia? Ela tirou o pensamento da cabeça. Se Jim a chamasse para sair, ela aceitaria, não desperdiçaria essa chance, mas caso isso não acontecesse, ela estava feliz assim. Tudo estava melhorando desse jeito, por que estragar tudo tentando começar outro relacionamento?
Talvez porque tudo pudesse ficar ainda melhor.

Na sexta-feira, estava extremamente cansada. O casamento havia sido no dia anterior e, apesar de ter dado tudo certo, fora bastante estressante. A noiva estava radiante, assim como Meredith que levara o crédito como organizadora principal. Mas, pelo menos, por ter ajudado ela logo conseguiria que sua reputação voltasse ao que era.
Quando saiu do trabalho naquela tarde, já estava escuro. O clima ainda não estava insuportavelmente frio, mas eles já estavam quase no fim de setembro, e já conseguia sentir o tempo esfriando aos poucos.
- ! – Ela ouviu alguém chamou e parou na rua, olhando para trás encontrando Jim a seguindo – Hey, não te vi hoje. Como foi ontem?
- Ah, tudo saiu certo, o casamento estava lindo – Ela falou, sorrindo para ele.
- Então agora você vai ter um descanso?
- Ah, provavelmente ficarei encarregada de outro evento, mas as coisas devem acalmar um pouco mais, graças a Deus.
- Então você teria tempo agora para sair comigo? – Ele falou, parecendo meio nervoso e sorriu galanteadoramente – Amanhã, eu podia te levar para jantar.
sorriu com a proposta. Sabia que tinha dito a si mesma que aceitaria, mas agora que ele realmente a convidara não sabia se poderia aceitar. Sentiria como se estivesse traindo , sabia disso. “Ele está saindo com outras mulheres, ele não está pensando que está traindo você”, murmurou mentalmente para si mesma e aumentou o sorriso para Jim.
- Claro, mas preciso ver na agenda, que dia é amanhã? – Ela falou brincando.
- Vinte e seis de setembro – Ele respondeu e congelou.
Dia 26 de setembro era aniversário de Stella. Como ela poderia não ter visto a data se aproximando? Como tanto tempo já poderia ter passado? Sua filhinha estaria fazendo quatro anos, estava crescendo. Só que ela não iria realmente crescer, ela não iria realmente fazer quatro anos. tentou se controlar, não começaria a chorar ali na frente dele.
- O que houve, ? Você está bem? Você já tinha alguma coisa planejada para essa data?
- Desculpa, Jim – Ela se recompôs – Eu tenho ... uma coisa para fazer amanhã. Eu não percebi em que dia estávamos.
- E domingo, você pode?
- Acho que sim. Bom, vejo você domingo então – Ela beijou a bochecha de Jim, querendo sair dali.
- Claro, eu te ligo.
saiu, sem se importar se estava parecendo meio grossa. Era aniversário de Stella no dia seguinte, meu Deus! Como isso tinha acontecido?
Ao chegar em casa naquela noite, chorou. Ela não chorava por isso há muito tempo, os antidepressivos estavam funcionando e apesar da tristeza ainda acompanhá-la, ela não chorara mais. Naquele momento, porém, ela sentia que precisava daquilo. Precisava do reconforto que as lágrimas traziam. Ela dormiu pensando em Stella, mas em seus sonhos ela tinha um sorriso no rosto.

Dia 26. ficou parada por um momento, apenas olhando o calendário. Era realmente aniversário de Stella. O aniversário que nunca seria comemorado. pensou se deveria ir até o cemitério ver a filha, deixar algumas flores. Mas isso seria mórbido demais, aniversários não foram feitos para serem comemorados em frente a uma lápide, Stella não teria gostado daquilo. Talvez ela apenas devesse agir normalmente, como se fosse um dia como qualquer outro.
Ela estava progredindo tanto! Não deixaria com que uma data voltasse com todas suas mágoas e lamentações novamente. Ela precisava continuar forte, precisava continuar com a vida. Talvez ela devesse ter aceitado a proposta original de Jim, e daí que era aniversário de Stella? Não significava mais nada, era verdade. O motivo de se comemorar aniversários era “mais um ano de vida”, Stella não tinha tido mais um ano de vida. Ela tinha tido apenas dois meses.
fechou os olhos, sentando-se na cadeira mais próxima, e desejou com todo seu coração que pudesse abrir os olhos novamente e estar um ano atrás. Apenas para que pudesse aproveitar de novo aquele dia. Apenas para que pudesse ter a companhia da filha novamente, mesmo se somente por um dia. Mas ao abrir os olhos, tudo continuava igual.
Ela fechou os olhos mais uma vez, dessa vez apenas desejando que, onde quer que Stella estivesse, que ela fosse feliz. Não era muito religiosa, entretando nessas horas era bom se apegar a alguma fé, alguma coisa que a fizesse acreditar que tudo aconteceu por um motivo maior, que a vida de sua filha não tivesse sido em vão.
Antes que começasse a ficar deprimida novamente, resolveu sair de casa. Pegou sua bolsa e saiu andando pela cidade. Não iria dirigir em um dia que estivesse triste. Desde o acidente de Stella, tinha medo de andar de carro, mesmo que ela não estivesse presente. Andava apenas por necessidade, dirigia até o trabalho todo dia, mas apenas porque já sabia o caminho e estava bem o suficiente para não correr riscos. Mas sair em um dia em que poderia, no meio do nada, desabar em lágrimas? Sem chances.
Cansada de andar a pé, chamou um táxi e entrou, sem saber para onde queria ir. O endereço saiu da sua boca antes mesmo de pensar, e alguns minutos ela estava parada em frente a sua antiga casa. Não sabia o que a levara a pedir para ir até lá, mas agora que estava entraria. Pagou ao taxista e saiu, ficando parada apenas observando o lugar que costumava chamar de lar. Subiu as escadas, se questionando se tinha mudado a fechadura. Ela ainda carregava a chave com ela, junto com a chave de seu novo apartamento, era difícil se desapegar do passado.
Não sabia se deveria ficar feliz ou triste quando a chave realmente abriu a porta. Ao entrar na casa, notou que nada tinha sido mudado, tirando a falta dos objetos que ela levara consigo. não tinha se dado o trabalho de repor os objetos de decoração. Enquanto caminhava pela sala, sentia a nostalgia a invadindo. Mesmo depois de tudo, aquele continuava sendo seu lar. Ela se sentia voltando para casa. Pare com isso, , você não está voltando. Só está de passagem, aliás nem sei porque veio, ela dizia para si mesma. Passou a mão pela mesa, querendo absorver cada detalhe.
Deparou-se encarando o jardim. A última festa de Stella tinha sido ali, a última festa de sua vida. Abriu a porta de vidro que separava o quintal do resto da casa e saiu, indo para o ar livre. Se fechasse os olhos ali e deixasse levar-se por lembranças, conseguia ouvir as crianças rindo e correndo pelo jardim, os adultos conversando no canto da sala, os meninos cantando em algum lugar, e tudo parecia absolutamente certo. Um pequeno sorriso brotou em seus lábios, ela poderia ficar ali para sempre.
parou quando ouviu um barulho. Não podia ficar li parada para sempre, ela tinha que viver, lamentou-se. Virou-se de volta para a casa, vendo de onde o som tinha vindo. Por meio do vidro, ela podia ver parado a encarando de volta na sala. ficou estatizada, não conseguia se mover, apenas olhava para , esperando que ele fizesse alguma coisa.
Ele estava ainda mais bonito do que ela se lembrava. Sua aparência estava meio devastada na verdade, com o cabelo bagunçado, a barba por fazer e olheiras enormes, aprecia que ele não dormia há dias. Mas ainda sim tão bonito, mais bonito do que nas revistas, com certeza. queria ir até lá e abraçá-lo, ao invés disso ficou parada, mantendo contato visual.
Criando coragem, ela abriu a porta e andou até o marido, quebrando a distância. cheirava a álcool, ela percebeu. Suspirou, lembrando que eles estavam de manhã ainda, isso seria por causa da data ou realmente estava levando essa vida?
- – Ele murmurou, passando o dedo pelo rosto do – Você está tão linda. Você está voltando para casa? – Ele perguntou, tropeçando nas palavras.
- Não, eu só passei por aqui e... Não sei, algo me fez pensar que aqui seria um bom lugar para vir hoje – Ela falou, sabendo que não precisava dar explicações para – Você não deveria beber a essa hora, sabe.
Antes que pudesse dizer alguma coisa, saiu dali, deixando-o sozinho. Precisava voltar para seu apartamento, aquela não era mais sua casa, aquele não era mais seu marido. Só Deus sabia como ela queria que sua vida ainda fosse a mesma. Mas não poderia ser, nunca mais.

- Hey, – Jim falou no outro lado da linha – Vou passar aí daqui uma meia hora, tudo bem?
Ela iria sair com Jim, ela iria mesmo sair com outro cara que não era , suspirou. Após o encontro dos dois na noite anterior, ela não sabia se teria coragem de ir a um encontro com outra pessoa. Quase pegara o telefone e ligara para dizer que tinha outro compromisso, mas não fizera isso. Agora seu destino estava na mão daquela noite. Poderia não dar em nada e eles continuarem sendo amigos, ou poderia decidir finalmente recomeçar com a vida.
Ela sabia quais eram as intenções de Jim. Tudo dependia dela, se ela estava realmente pronta para abandonar o passado ou não. Uma decisão muito fácil de ser tomada, é claro. suspirou, sentindo-se tão nervosa quanto no seu primeiro encontro.
- Claro, Jim, vou estar esperando.

Capítulo Oito

Novembro, 2006
Uma música a acordou. Provavelmente era a terceira que tocava desde que o despertador começara a despertar, já que a melodia normalmente entrava dentro de seu sonho. Esse era um dos principais motivos que faziam preferir acordar apenas com um barulho desagradável, como o som de um telefone ou um alarme. Mas ela estava na casa de Jim, e era assim que ele gostava de acordar, então ela não podia fazer nada.
O segundo motivo que fazia não gostar, era que de vez em quando tocava uma música dele. E ela às vezes simplesmente achava que estava cantando ao seu lado para que ela acordasse.
Naquele dia, acontecera a segunda hipótese e em pior escala. Não era qualquer música que estava tocando, era a música de Stella. Não tinha ouvido até então, não tinha tido coragem, mas com apenas a primeira estrofe já sabia que era ela. Logo naquele dia? Logo quando ela tinha acabado de acordar e estava sem defesa nenhuma?
estava certo, a música era realmente muito bonita. A melodia era simples e calma, mas a letra... A letra era simplesmente indescritível. Cada palavra tinha um significado, significados que talvez apenas ela e pudessem entender. apenas ficou parada ouvindo, não abrira os olhos, mas uma lágrima lhe escapou mesmo assim. Por que tinha que ter escrito uma música? Músicas são eternas, elas estampam sua dor e a jogam de volta com apenas um click. Little Star, o locutor da rádio disse, era esse o nome da música.
- Hey, , está acordada? – Jim perguntou, abraçando-a por trás e beijando seu pescoço. limpou os olhos rapidamente. Jim não sabia nada sobre seu passado, ele não ia entender porque ela estava chorando só por causa de uma canção.
Eles já estavam namorando há quase dois meses, mas ainda não se sentia à vontade para contar o que tinha acontecido. É claro que ele tinha percebido que usava uma aliança, mas ela dissera apenas que não era casada e que isso não tinha importância. Duas mentiras, mas Jim não desconfiou e provavelmente achava que ela só tinha tido um divórcio difícil, e não tinha superado completamente.
- Estou acordando – Ela murmurou – Você sabe como eu não consigo acordar direito com essas músicas – Ela se virou para o namorado e deu um selinho nele, levantando-se em seguida, indo em direção ao banheiro.
Teria que arranjar alguma desculpa para Jim no dia seguinte. Ela já passara a semana inteira dizendo que não estava estranha, agora ela iria sumir um dia inteiro. Porque ela tinha certeza que não conseguiria falar com ninguém, não quando fazia um ano que Stella se fora. Talvez ela devesse contar para ele, pensou. Talvez eles pudessem passar por isso juntos. Antes ela preferiu ficar sozinha e guardar a dor para si mesma e deu tudo errado, mas como ela saberia se podia confiar em Jim? Ele não iria se afastar? Afinal, ela ainda era casada, tivera uma filha e a perdera, entrara em depressão... Esse tipo de coisa pesa em um relacionamento.
- Tenho que ir – Ela falou, ao sair do banheiro, já arrumada – Vou comer alguma coisa lá, hoje é dia de provar o buffet – informou, então deu um beijo em Jim, se despedindo – Amanhã vou estar meio ocupada, então acho que só vou poder falar com você segunda, ok?
- Só segunda? Eu estava planejando te levar para algum lugar legal amanhã...
- É, fica para outro dia? – Ela estava se sentindo mal por mentir, mas não conseguia evitar – Vou ter que passar o dia inteiro resolvendo várias coisas, provavelmente vou estar cansada e estressada à noite, você não vai me querer como companhia, pode ter certeza. Agora tenho que ir de verdade – Ela acenou e saiu apressada.

No fim do dia, estava realmente cansada. Isso se devia principalmente porque tinha pedido para a noiva para colocarem dois dias em um, então o que demoraria um final de semana inteiro para resolver teve que ser decidido em algumas horas. Isso, porém, era melhor do que trabalhar distraída. Ela já não estava em seu melhor estado, no dia seguinte estaria ainda pior.
Pensou em ligar para Jim, apenas para dar boa noite, mas resolveu esperar chegar em casa primeiro. Dirigiu calmamente pela cidade, ligando a rádio. Para sua surpresa, depois de umas cinco músicas, Little Star começou a tocar. Ela pensou em mudar de rádio, mas se sentiu impedida, queria ouvir a música inteira agora. Percebeu, dessa vez, que encaixara na letra alguns pedaços de Brilha Brilha, Estrelinha, essa canção na verdade, era muito profunda, e combinava perfeitamente com o momento. A música terminava com o primeiro verso: Little Star, how I wonder where you are.
Onde Stella estava? Onde Stella estava agora que ela precisava, para guiá-la nos momentos difíceis. Ela não sabia. Estava no céu, intocável e invisível. Outra música começou a tocar, mas não conseguia parar de repassar a letra em sua mente.
O locutor voltou a falar, então resolveu comentar sobre a música. Falou que no dia seguinte faria um ano que a filha de tinha morrido, como isso era uma tragédia terrível. mudou de rádio rapidamente, não precisava de ninguém a lembrando disso.
Ficou feliz quando chegou no prédio. Será que Catherine estava em casa? Lembrou que não falava com a irmã há algum tempo, já que estava dormindo mais no apartamento de Jim do que no próprio. Bom, pelo menos Cath estava tendo um tempo para ela mesma, finalmente, podia se focar em sua carreira e tudo mais, e talvez até mesmo devesse voltar para os Estados Unidos. Elas raramente conversavam sobre isso, sobre Catherine ter abandonado seu trabalho e amigos na Califórnia para vir ajudar com . se sentia culpada, mas ao mesmo tempo não queria que Cath fosse embora novamente.
Ela parou de pensar nisso, ao abrir a porta e ouvir um barulho. Catherine estava acompanhada. Ótimo, então sua irmã tinha começado a sair com alguém e não tinha a avisado? Seria bom saber com antecedência, antes de entrar em casa e interromper. Lembrou-se de quando morava com e elas tinham várias regras quanto “levar namorados para casa”, ela e Catherine nunca estipularam nada. Não parecia necessário, já que sempre fora para casa de Jim, e não o contrário.
suspirou, pensando se deveria ir embora, porém não tinha mais para onde ir. Entrou na casa, pensando se conseguiria passar despercebida, dependendo de onde eles estavam. Isso, claramente não foi possível, já que logo ao entrar viu Catherine na sala de jantar, com . É claro que eles também a viram no mesmo momento, e se afastaram um do outro. continuou parada, apenas os encarando. Catherine estava com ? Com ? Isso era algum tipo de piada para que ela se sentisse melhor e esquecesse Stella? Quer dizer, era uns sete anos mais velho que Catherine! E ele e tinham namorado. Certo, isso tinha sido há uns quinze anos atrás, mas mesmo assim, isso era extremamente estranho.
- , eu posso explicar? – falou, levantando e despertando de sua hipnose.
- Você estava beijando minha irmãzinha, o que tem para explicar? – Ela falou horrorizada – Isso é quase pedofilia!
- Não é assim – Ele falou – Sua “irmãzinha” já tem 24 anos, .
- É, , pare com essa cara de assustada. Não estamos cometendo nenhum crime – Catherine resolveu falar, levantando e ficando ao lado de .
- Meu ex-namorado está com a minha irmã. Preciso me sentar.
Catherine riu com a situação. No fundo, estava feliz por ser isso que deixara preocupada nesse dia. Certo, não estava inteiramente pronta para revelar seu relacionamento com , mas era melhor isso do que chorando.
- E desde quando você pensa em mim como seu ex-namorado? – riu – Desculpa por você descobrir assim, , nós íamos te contar de outro jeito...
- Espera! Vocês planejaram me contar? Isso quer dizer que isso é sério?
- É claro que é sério! – Catherine falou pasma por não ter acreditado.
- Há quanto tempo?
- Bom... É meio difícil dizer – coçou a cabeça, provavelmente tentando não falar nenhuma besteira – Nós vínhamos ficando desde o... Seu casamento? Mas nessa época Catherine ainda morava nos Estados Unidos, então quando ela vinha para Londres, ou quando íamos para a Califórnia, nós...
- Não quero ouvir os detalhes – Ela interrompeu.
- Eu não ia contar. De qualquer forma, quando nós fomos para a Califórnia... Na última vez – Ele evitou falar do assunto – Começou a ficar mais sério, sabe, estava diferente – Ele olhou para Catherine – Mas então, tudo aquilo aconteceu e nós voltamos para cá. Quando Cath se mudou para Londres de vez, nós continuamos nosso relacionamento, começamos a namorar. Mas não sabíamos como contar para você.
- E você estava tão mal, – Catherine continuou – Nós não sabíamos como você iria reagir, se isso poderia piorar seu... Estado – Ela suspirou – E, bom, agora que você está bem eu ia te contar, mas você mal para em casa – Reclamou, fazendo uma careta e olhando esperançosa para a irmã.
- Vocês podiam ter me contado antes – falou, depois de alguns minutos em silêncio – Estou feliz por vocês, sério. Quer dizer, nunca imaginei os dois juntos, mas estou feliz – Ela parou um momento, analisando-os – Meu melhor amigo e minha irmã, isso sim é estranho.
Ela riu e então levantou e abraçou os dois. Só aquilo mesmo para alegrar seu dia. Pensou se eles não tinham planejado, mas imaginou que não, foi apenas uma coincidência. Ela se juntou à mesa e jantou com eles, conversando e perguntando o que tinha perdido entre eles. e Cath eram duas de suas pessoas preferidas no mundo, eles mereciam ser felizes. Observando-os, chegou a conclusão de que em breve estaria organizando o casamento dos dois, com certeza. Mas ainda não, Catherine era muito nova.

No dia seguinte acordou melhor do que pensava que estaria. Era só um dia como qualquer outro, pensou. Mas sentiu sua garganta se fechar ao encarar a data. Exatamente um ano. Isso era muito ou pouco? Ela nunca sabia. Se você via uma criança de um ano pensava que ela era muito nova, tinha nascido praticamente ontem, mas ao pensar que passou 365 dias sem sua filha, isso parecia uma eternidade. Uma eternidade que só iria aumentar ao longo dos anos. O primeiro ano de muitos.
Ainda estavam de manhã, ela tinha o dia inteiro para enfrentar.
Tomou um banho demorado e então foi tomar café-da-manhã. Encontrou Catherine sentada na mesa da cozinha, parecendo só a esperar. Ela olhou para com pena, já esperando que a irmã agisse depressivamente.
- Hey, como você está? – Perguntou – Quer que eu faça alguma coisa para você?
- Não, Cath, está tudo bem – Falou, enquanto pegava sua xícara e começava a preparar seu chá – Eu vou sair daqui a pouco, se Jim tentar falar comigo, diga que eu fui trabalhar, tudo bem?
- Não acredito que você ainda não contou para ele o que aconteceu. Isso foi uma parte da sua vida, , se você quiser ter um relacionamento sério com ele, não pode esconder isso.
- Olhe agora quem dá conselhos amorosos para mim – Ela riu, sem humor – Eu só estou esperando o momento certo. Não é exatamente um assunto que eu tenha facilidade em falar, ok?
- Eu sei, desculpa. Mas isso é sério, você tem que contar – Ela encarou , que se estivesse esperando que ela concordasse, o que não aconteceu – Certo. O que você vai fazer hoje?
- Eu estava pensando em... Visitar Stella – falou, meio incerta – Levar algumas flores, não sei, acho que é isso que as pessoas fazem, não é?
- Se você precisar de companhia...
- Não, eu tenho que fazer isso sozinha. Mas obrigada, Cath, obrigada por estar aqui agora e durante todo esse ano, quando eu precisei – Ela abraçou a irmã.
Elas não falaram mais nada durante o café, apenas comeram em silêncio. Quando avisou que estava saindo, Catherine apenas acenou. Estava nervosa por ela, não sabia como ia aguentar esse dia, ainda mais sozinha.

dirigiu até o cemitério quase sem pensar. Só tinha ido até lá uma vez, no enterro e mesmo assim nem estava completamente presente no dia. Ficara por apenas alguns minutos, até que a levassem de volta para a casa e lhe dessem remédios para que ela se acalmasse. Depois disso, nunca teve vontade de ir até lá... Até agora.
Do outro lado da rua, tinha uma floricultura, onde parou para comprar uma flor. Ela nem sabia qual era o tipo, nunca entendera muito de plantas, mas achara aquela bonita o suficiente para Stella. Por um momento pensou se deveria só deixar o buquet ali e alguém iria tirar quando a flor ficasse murcha? Ou ela apenas iria apodrecer ali? Era irônico que não queria deixar a flor se decompondo, mas sua filha poderia ficar. O pensamento era tão perturbador que o varreu para fora de sua mente.
Depois de andar um pouco, ela parou na lápide com o nome de Stella. O cemitério era em um jardim bem verde, decorado com lápides cinzas. Era um lugar agradável, quando morresse, queria ser enterrada ali.
ajoelhou-se ao lado da lápide de Stella, colocando o buquet na grama. Ela parou por um momento, pensando no que tinha vindo fazer ali, então passou os dedos pelo mármore onde o nome de sua filha estava cravado, por um momento se sentiu conectada com Stella.
- Eu sinto tanto sua falta – Murmurou, sabendo que estava parecendo uma maluca, para os que passavam – Eu queria que você estivesse aqui, Stella, você era o equilíbrio que eu precisava, você era minha vida. Eu não estava preparada para te perder – Sussurrou, sentindo as lágrimas começarem a aparecer – Mas você tinha outros planos, não é? Às vezes eu queria ter uma certeza de que Deus existe, porque assim eu saberia que você não teria ido à toa. Talvez assim eu não me sentisse tão culpada por ter te perdido.
Ela parou por um momento, olhando para os lados, apenas para notar que estava sozinha.
- Eu errei com você, Stell. Eu deveria estar lá para você, mas eu não estive, não é? Eu não estive lá para te ajudar... E então você se foi, porque eu falhei. Eu falhei como mãe. E eu sinto muito por isso. Você merecia ter tido pais melhores... Pais que cuidariam bem de você e não deixariam você ir, então você teria vivido alguma coisa, talvez até os cem anos, quem sabe!? – Ela riu, enquanto as lágrimas rolavam, sua voz já não saia mais direito, por causa do choro, mas ela continuou – Acho que eu não deveria mais chorar. Eu deveria ficar feliz por pelo menos ter tido a chance de viver isso. Ter tido a chance de ter uma filha como você. De ter tido um marido como , e uma família com tanto amor para dar. Me desculpe, Stella.
A última frase não deu para ser ouvida, então ela apenas começou a chorar. Ela soluçava, tanto que as pessoas que passavam paravam para olhar, alguns até perguntavam se estava tudo bem e ela precisava de ajuda. Todos ali tinham perdido alguém ela pensou, mas de algum modo ela sentia que tinha perdido mais.
- Já faz um ano, mas às vezes eu ainda acordo pensando que tudo não se tratou de um pesadelo – Ela continuou a falar, já mais calma – E ainda dói como se fosse ontem. E dói tanto, querida. Eu estou melhor em esconder. Já não choro mais todo dia e posso passar algum tempo sem nem me lembrar de nada, apenas ignorando o mundo. Mas no fundo está lá, só esperando um momento de fragilidade para voltar com toda força. Como agora, por exemplo.
Ela parou de novo, enxugando as lágrimas discretamente, mas sabendo que seria impossível disfarçar, seu rosto já estava completamente inchado. Ela olhou para o céu por um momento. Só conseguia ver o sol brilhando, apesar do céu estar bastante nublado. Mesmo de dia, as estrelas ainda estavam lá, ela pensou, você não podia vê-las, mas elas estavam. Ela imaginava que era a mesma coisa com as pessoas que já se foram. Não é porque elas eram fantasmas, vagando por ali, não acreditava nisso, mas porque elas estavam guardadas no coração de cada um e ali elas viveriam para sempre.
- Eu estou saindo com um outro homem – Falou, como se confessasse isso para a filha – O nome dele é Jim, ele trabalha comigo e eu gosto bastante dele, acho que você iria gostar também. Eu ainda amo seu pai, mas sem você tudo ficou tão difícil. Não é fácil compartilhar a dor, aceitar que a outra pessoa está sofrendo tanto quanto você e não poder se apoiar nela. É mais fácil simplesmente se fechar em seu mundo, mas aí você acaba afastando os outros e ficando sozinha. Foi isso que aconteceu comigo. Ao te perder, eu perdi a mim mesma, a minha vida e a minha família. Eu estraguei tudo, não foi, Stella? Agora é tarde demais e eu tenho que aproveitar o que eu tenho, o que na verdade é bastante coisa. Eu tenho Jim, Catherine, , agora voltei a falar com . E eu ainda tenho você, não é? Apesar de tudo, você ainda está aqui comigo, me guiando, mesmo sem saber.
ficou calada por um momento, apenas aproveitando o momento, sentindo como se realmente estivesse conversando com Stella. Ela não se sentia maluca. E, pela primeira vez em um ano, ela não sentia como se faltasse um pedaço. Estava completa.
- Eu te amo, filha, Espero que eu tenha te mostrado isso enquanto pude – Murmurou – Acho que eu nunca tive a oportunidade de te dizer isso, mas espero que você descanse em paz.
Mesmo que parecesse um pouco inadequado, beijou a lápide, e deixou as lágrimas a molharem. Em uma pequena parte de seu coração, ela esperava que as lágrimas ressuscitassem sua filha, como em um conto de fadas. Mas contos de fadas não aconteciam na vida real, as pessoas que morriam continuavam mortas para sempre. continuou a chorar em silêncio ali, enquanto as lágrimas caiam, ela sentia a dor diminuindo.
Ela estava com a vista embaçada demais para notar ali parado a observando. Ele estava há algumas lápides de distância, não podia escutar o que ela dizia, mas conseguia ver que ela falava alguma coisa. Ao invés de pensar quão estranho era aquilo, ele achou adorável. Dolorosamente adorável. Lágrimas escorregavam por seu rosto, e ele não sabia se eram por Stella, por ou por ele mesmo.
Pensou se deveria se aproximar, mas achou inapropriado. Aquele era o momento de com Stella, ele não iria atrapalhar. Por mais que tivesse vontade de ir até lá e abraçá-la, ele não podia o fazer. Por isso, apenas deu meia-volta, engolindo o choro e voltando para casa. Ele visitava Stella todo mês, para ele já era algo normal, mas para aquilo era especial, ele sabia. Ela finalmente estava aceitando completamente que Stella não voltaria. Talvez um dia ela estivesse pronta para voltar para ele. Talvez, ele pensou, ele devesse parar de sonhar e esperar o impossível. tinha um namorado agora, ele já soubera por , não tinha mais espaço para ele em sua vida. Ele deveria fazer o mesmo. Mas era mais fácil falar do que fazer, ele só conseguia mesmo esquecer seus problemas quando estava bêbado, o que andava acontecendo frequentemente nos últimos meses. Assim mesmo que nunca voltaria para ele.
Mas ela está melhor assim, ele pensou. Com ele, nunca conseguirá deixar o passado de lado.

levantou-se rapidamente quando a campainha tocou. Ela tinha chegado em casa fazia algumas horas, e apesar de já ter tomado banho e lavado o rosto, ele continuava inchado e ela continuava se sentindo miserável. Talvez comer a faria se sentir melhor. Ela não tinha comido nada desde o café-da-manhã, e passara o dia inteiro sentada em um cemitério conversando com sua falecida filha e chorando, isso sim era um dia produtivo. Apesar de tudo, fora um dia produtivo, conversar com Stella lhe fizera bem.
Ela abriu a porta, esperando pelo entregador de comida tailandesa, que estava subindo de acordo com seu porteiro. Mas não foi ele quem encontrou, e sim Jim. Ela parou franzindo a testa.
- Jim, o que você está fazendo aqui?
- Eu vim te fazer companhia... O porteiro me disse para subir. Eu sei que você disse que estaria estressada, mas eu não me importo.
- Bom, você não pensou que talvez eu quisesse ficar sozinha? – Ela perguntou, irritada por Jim ter aparecido, ele podia pelo menos ter ligado antes.
O entregador apareceu ali, e o recebeu, ignorando a presença de Jim. Perguntou-se se deveria fechar a porta, convidá-lo para entrar ou apenas continuar encarando. Ela, inconscientemente, optou pela terceira opção, e ficou parada segurando seu pedido, esperando que Jim dizer alguma coisa.
- Você andou chorando? – Ele perguntou, passando a mão pelo rosto de Luv e ela se afastou na mesma hora – Eu posso entrar?
não falou nada, apenas saiu da frente da porta, dando espaço para que ele passasse. Quando Jim entrou, ela o seguiu, fechando a porta. Ela sentou-se na mesa de jantar, que já estava com um copo e uma bebida em cima. Porque estava com medo e porque simplesmente estava com muita fome, começou a jantar, ignorando Jim.
- Desculpa por aparecer assim – Ele falou, depois de uns cinco minutos em silêncio – Eu não achei que você fosse ficar irritada... Pensei que fosse ficar feliz em me ver. Mas, bom, se você quiser, eu posso ir embora.
- Não – Ela murmurou, então engoliu o que estava comendo – Desculpa, Jim, não é sua culpa. Eu estou feliz em vê-lo sim – segurou a mão de Jim, com medo de falar algo errado – É só que hoje não é um bom dia, eu só queria ficar sozinha.
- Você deveria ter me dito isso ontem de manhã então... – Ele murmurou – Como foi seu dia hoje?
congelou. O que ela poderia falar? Ela iria mentir de novo, inventar uma programação qualquer? O conselho de Catherine soou em seu ouvido. Se ela queria realmente ter um relacionamento sério com Jim, ela tinha que contar para ele sobre seu passado. Mas como ela poderia contar? Ela nunca tivera que explicar para ninguém o que aconteceu, todos que ela conhecia, acompanharam o que ela passou.
- Foi um dia difícil – Ela optou por falar, esperando para ver se Jim faria outra pergunta, mas quando ele permaneceu calado esperando que ela continuasse, suspirou continuou – Eu fui no cemitério.
- Por quê? – Jim parecia mais confuso do que nunca agora – Você me disse que iria trabalhar... Isso não faz parte do seu trabalho, faz? Organizar enterros? – deu um pequeno risinho com a última frase, mas continuou séria.
- Não, eu fui visitar alguém – Ela continuou explicando – Eu menti para você mais cedo, porque eu não queria ter que conversar sobre isso.
- É o seu marido, não é? Quer dizer, você usa essa aliança e tal. Eu sinto muito, eu achava que você estava só se divorciando...
- Não, Jim – Ela o cortou – Não fui visitar meu marido. Eu me casei com há cinco anos atrás – começou, avisando Jim com o olhar, que não era para ele interrompê-la – Nós estávamos muito apaixonados um para o outro, a banda estava fazendo sucesso e nossa vida era uma maravilha. Em pouco tempo, eu engravidei e nós tivemos uma linda menininha, Stella. E nós éramos muito felizes, Stella aprendia tudo muito rápido, e crescia rápido também. Às vezes, viajava para fazer shows em outros lugares, e eu ficava com Stella em casa, mas quando nós nos reencontrávamos, nossa família parecia ainda mais unida.
sentiu a primeira lágrima escorrer, mas a limpou rapidamente. Não era hora para chorar, ela já tinha esgotado sua cota de choro naquele dia. Jim não falou anda, enquanto tentava se recompor, ele parecia ainda absorver toda informação que lhe fora jogada.
- Ano passado, - continuou – e os meninos saíram para uma turnê na América. Eu e Stella o encontramos na Califórnia, para passarmos as férias. Mais ou menos na terceira semana lá, e Stella saíram para um passeio, eu preferi não ir e ficar em casa – Contar seus planos para aquela noite para Jim lhe pareceu inapropriado. engoliu o choro e se preparou para contar – Eles sofreram um acidente de carro. ficou bem, mas... Stella não sobreviveu – Nessa hora, as lágrimas realmente começaram a cair – Hoje faz um ano.
Jim não sabia o que falar, por isso apenas se aproximou de e a abraçou. Ela não fugiu do abraço, apenas continuou a chorar, até se acalmar, então se ajeitou na cadeira e limpou o rosto. Como Jim ainda não tinha pronunciado nenhuma palavra, resolveu continuar a falar, enquanto ainda tinha coragem.
- Nos primeiros meses, eu estava muito mal. Tentei me suicidar, eu ignorava todo mundo, não deixava que me tocassem, ficava no quarto de Stella, fingindo que ela ainda estava ali. eventualmente acabou cansando de me esperar. Eu não o culpo, ele estava sofrendo tanto quanto eu, e precisava de mim, mas eu o afastei e o culpei pelo acidente. Ele foi embora fazer outros shows e seguiu com a vida, então eu comecei a me tratar, me mudei, voltei a trabalhar. Nós nunca nos divorciamos – Ela completou – Eu entendo se você não quiser ficar comigo depois disso, Jim. Eu não devia ter escondido isso de você, eu sei que não é fácil ficar com alguém que já tem toda essa bagagem...
- Ei, pare com isso – Ele falou – Estou aqui com você, . Não vou dizer que isso não me surpreendeu, e eu realmente não sei o que dizer. Eu sinto muito, por sua filha e pelo seu marido também... Mas eu estou com você agora, ok? Quando você precisar, eu estarei aqui, para enfrentarmos isso juntos. Eu te amo, .
não respondeu, apenas o abraçou e o beijou. Não conseguia dizer que amava Jim, talvez não o amasse ainda, nunca tinha parado para avaliar seus sentimentos. Mas estava feliz por ele estar ali.
Em algum lugar perto dali, bebia sua garrafa de vodka sozinho. Ele segurava o copo com a mão direita, enquanto possuía uma foto na mão esquerda. As lágrimas caíam enquanto ele via uma foto de família. Ele sentia tanta falta de suas garotas. Ficou com raiva ao pensar que naquele momento provavelmente estava com seu novo namorado, por um momento cogitou rasgar a foto, mas não conseguiu. Ele apenas guardou a foto no fundo da gaveta novamente, limpando as lágrimas e bebendo mais um gole.
Ele pegou um telefone, cansado de ficar sozinho e ligou para o número de uma mulher que tinha conhecido umas semanas antes. Se podia ter companhia, ele também podia.

Capítulo Nove

Fevereiro, 2008.

chegou exausta em casa. Naquele dia tinha tido um grande evento, para qual passara os últimos meses inteiros se dedicando exclusivamente. Pelo menos, finalmente estava indo para sua própria casa. Ela imaginava que a casa estivesse quase abandonada, já que ela ficava muito mais na casa de Jim, e Catherine na casa de .
Ela sorriu em imaginar a irmã com , eles formavam um casal adorável. No último ano tinha os acompanhado de perto e via como eles estavam apaixonados. Não se lembrava de já ter visto os dois tão felizes quanto quando eles estavam juntos.
Ao abrir a porta, revirou os olhos. Não acreditava que eles tinham escolhido logo o dia em que ela fora para casa, para irem também. Ela não tinha combinado com Catherine que encontros só na casa dos namorados, para evitar momentos constragedores? Praguejou contra irmã que não obedeceu a única regra que elas tinham, e fechou a porta, entrando em casa. Ao chegar na sala, ouviu a voz de Catherine vindo do quarto. Fez uma careta e tentou chegar ao seu quarto sem ser vista, mas logo viu a irmã andando pelo corredor, falando no telefone. Ela se despediu rapidamente de quem estava falando, então abriu um enorme sorriso para .
- Imagino que essa cara não seja só porque eu cheguei – falou rindo, e indo em direção ao seu próprio quarto, sendo seguida pela irmã.
- Olhe! – Catherine exclamou, levantando sua mão direita e mostrando o grande anel nela – me pediu em casamento, ontem de noite!
- O que? – estava surpresa, mas não conseguiu deixar de sorrir também, examinando o anel de noivado da irmã, tão bonitinho – Ontem? E você só está me contando agora?
- Eu liguei para você hoje mais cedo, mas fui ignorada.
- É, tive um dia cheio – Ela reclamou e então se virou para airmã, se sentindo orgulhosa e a abraçou – Estou tão feliz por você, Cath. Mas não acha que está muito cedo? Quer dizer, você só tem...
- Vinte e cinco, , provavelmente 26 quando casar, não estou mais tão nova assim.
- Eu sei, mesmo assim – Ela apertou as bochechas da irmã – Minha menininha está crescendo.
- Eu não sou sua “meninha”, – Catherine a repreendeu, se afastando e simplesmente revirou os olhos – Vamos fazer uma festa sexta-feira para comemorar, é melhor você aparecer - Como já ia começar a arranjar uma desculpa, como sempre fazia, Cath continuou – vai estar lá, assim como os meninos de McFly. E algumas outras pessoas, vai ser divertido, e você pode levar Jim, de qualquer forma.
- Eu não sei... É sempre estranho encontrar todos assim.
- Não é estranho, você já fez isso várias vezes – Ela argumentou – Eles eram seus amigos, , vai ser bom revê-los. E vai levar sua nova namorada, aquela que você conheceu na última festa, você pode ficar conversando com ela, que não conhece quase ninguém.
- Parece que é sério dessa vez, né? – Ela falou, tentando desviar o assunto.
- Sim, provavelmente. Ele gosta bastante dela. Talvez logo ele esteja se casando também – Ela sorriu.
- Quem diria que todos os meninos do McFly estariam se casando? – Ela parou para pensar, quando os conheceu, se imaginava que chegaria ir no casamento de todos.
- É, menos – Catherine acrescentou, meio ressentida – Ele não tem uma relação estável desde...
- Se ele não tem é porque não quer – Ela encerrou o assunto, meio irritada consigo mesmo de, por um segundo, ter se esquecido que não era mais casada com .
Já faziam dois anos que eles estevam separados, quando ela iria finalmente superar isso? Já tinha superado, disse para si mesma, estava com Jim e estava feliz. Por que ainda se sentia assim cada vez que falavam de então, ela não sabia.
Engatou em uma conversa sobre o casamento com a irmã, sobre como tudo deveria ficar perfeito e acabou se esquecendo. Era melhor assim.

No dia seguinte, saiu para jantar com o namorado após o trabalho. Jim ainda trabalhava na mesma empresa que , apesar de nos últimos meses ter se desentendido várias vezes com Courtney, sua chefe, e estar procurando algum outro emprego. achava estranho pensar neles trabalhando em lugares diferentes. Estava acostumada com a ideia de esbarrar com Jim no corredor – apesar de muitas vezes, ela trabalhar mais fora – ou se encontrarem no final do expediente ou no horário do almoço. Mas mudar talvez fosse bom para eles, já estavam entrando em uma tediosa rotina. Não que reclamasse disso, na verdade, estava muito satisfeita.
- Eu te contei que pediu Catherine em casamento? – Ela comentou, enquanto a pizza que tinham pedido não chegava.
- Não contou... É mesmo? Tenho que dar parabéns a eles – Jim falou.
Mesmo vendo bastante os dois, ele nunca tinha conseguido ser amigo de , que parecia ter alguma coisa contra ele. Jim sabia que era o melhor amigo de , então nunca falou nada para ela. Imaginou que quando ele se casasse com Catherine, talvez se vissem ainda mais.
- É, eles vão dar uma festa para comemorar o noivado na sexta-feira. Você tem alguma coisa para fazer?
- Na verdade, tenho – franziu o cenho, então Jim completou: - Vou viajar para Manchester na quarta-feira e volto no sábado, , eu te contei isso. Tenho uma entrevista de emprego.
- Ah, mas você disse que não era sério, afinal é em outra cidade. Você podia cancelar e ir comigo.
- Bom, não é assim também, , eu quero ir até lá, ouvir a proposta deles. E você pode ir muito bem sozinha, são seus amigos – Ele não precisou dizer que não era amigo deles, entendeu.
não falou mais no assunto. Estava levemente irritada por Jim ir até Manchester para começar. Para que ele iria lá, se não iria aceitar o emprego de qualquer forma? Só iria ouvir a proposta, para ficar com vontade de ir e então ter que ficar em Londres, que era onde morava, afinal. Mas ele estava certo, eram seus amigos. Ela sabia que Jim não ficava muito a vontade perto do McFly e não podia exatamente culpá-lo por isso.
- O vai estar nessa festa? – Jim perguntou, de repente, quando estavam pagando a conta.
- Provavelmente, por que não estaria?
- Não gosto da ideia de você estar no mesmo lugar que ele.
- O que? – ergueu as sobrancelhas, sem entender – Já estive no mesmo lugar que muitas vezes depois que nos separamos, Jim. E nunca tive nenhum problema, nós estamos bem um com outro agora... Quer dizer, nós normalmente não nos falmos exatamente, mas...
- Eu vi o jeito que ele olha para você, E o jeito que você olha para ele, ele completou mentalmente – E isso porque que stava do seu lado, imagino o que vai fazer com você sozinha.
- Ele não vai fazer nada – Ela falou, estranhando o comportamento de Jim – Eu conheço , ele não vai fazer nada que eu não queira.
E não o culpava por olhá-la assim. É claro que olhava, ela sabia muito bem. E, esperava que Jim não tivesse percebido, sabia que correspondia ao olhar. Como poderia não corresponder? Como poderia não olhá-la assim? Nem sabiam outro modo de olhar um ao outro, há tanto tempo era assim.
- Esse é o problema – Ele resmungou.
- O que você quer dizer com isso?
Jim não respondeu, porque nesse momento chegou o garçom com a conta. Ele pagou em silêncio, enquanto o encarava indignada, esperando por uma resposta. Ele achava que ela iria querer? Que ela iria trai-lo enquanto estava viajando? Isso era ridículo, não faria uma coisa dessas. Eles se levantaram da mesa, saindo do restaurante e entrando no carro.
- O que você quis dizer com aquilo? – Ela insistiu.
- Ora, , o que você acha? Você nem ao menos se divorciou dele de verdade!
- Então é sobre isso? Por que eu não me dirvorciei? Para que isso? Só vai me dar trabalho – Ela falou, enrolando – Você nunca me disse que se sentia incomodado com isso. Você sabe que não tem mais nada entre nós dois agora, é só uma questão no papel.
- É mesmo? E por que continua usando a aliança então? – Ele falou irritado, dirigindo rapidamente pela cidade.
ficou quieta. Sabia que Jim estava certo. Ela usava sua aliança ainda, e daí? Estava acostumada com ela ali, era só um anel. Mas, no fundo, ela sabia que era mais do que isso. Sabia que não era só no papel, ou um hábito, em seu coração ela ainda era casada com . Precisava parar com isso, pensou, já tinha passado muito tempo, ela estava com Jim agora.
- Eu poderia tirar a aliança – Ela falou, depois de um tempo – Se isso te incomoda tanto – Jim revirou os olhos e suspirou.
- Não me incomodo. Mas é só que é difícil lidar com isso às vezes, mesmo depois de tanto tempo, ele ainda parece estar tanto na sua vida.
- Ele foi meu passado, Jim, foi grande parte da minha vida, e isso reflete até hoje, é claro. Mas não é meu presente, você é.
o beijou, aproveitando que tinham parado em um sinal vermelho. Não queria parar para ter de pensar em tudo o que Jim tinha lhe dito, sabia que parte iria doer se pensasse demais. Nunca – ou, pelo menos, a menor quantidade de vezes que conseguisse – pensava em ou Stella, tinha feito o que tinha prometido, os guardara em um pequeno canto de seu coração e em sua memória, mas eles insistiam em se expandir, se ela não controlasse. Ela não parava para pensar porque usava a aliança, ou porque não se divorciava logo e não iria parar.

Na quarta-feira, Jim foi viajar deixando finalmente sozinha com seus pensamentos. Enquanto ele ainda estava na cidade, ela tinha tentado passar a maior parte de seu tempo com ele, alegando que iria passar três dias sem vê-lo – mesmo que, na verdade, esse não fosse um longo tempo e eles pudessem se falar por telefone – mas o que queria mesmo era uma distração de si mesma.
Desde o jantar com Jim, ela não conseguia tirar da cabeça as coisas que ele tinha dito. Jim, ainda por cima, não ajudou muito, continuando com sua insegurança sobre . fingiu que tinha esquecido o assunto e pediu para que ele fizesse o mesmo. Ela, entretanto, só pensava nisso sempre que ficava sozinha.
Por que ainda não tinha se divorciado de ? Por que continuava usando a aliança de casamento? E, se perguntava também, por que ainda tinha o ursinho de Stella, que pegara secretamente antes de doar suas coisas, guardado em seu armário? Pensando assim, ela não parecia alguém que tivesse aceitado que seu passado ficara no passado.
É claro que não, pensou, ninguém esperava isso dela. Era impossível deixar tudo no passado, ela sabia muito bem, assim como também seria superar a morte da filha. Mas ela deveria manter as aparências, se quisesse continuar com sua vida normal. Manter o ursinho da filha, tudo bem, afinal era de Stella, e não a prejudicaria em nada. Manter a aliança, entretando, não estava tudo bem, uma vez que ainda estava bem vivo.
Certamente, ela sabia que uma parte de si ainda amava . Mas a paixão havia desaparecido completamente, e agora só sobrava aquele pedaço dela que queria o bem dele, quase fraternamente, pensou. Um irmão que ela perdera o contato, mas não deixara de amar.
Que idiota seus pensamentos deviam estar soando. não poderia nunca ser considerado um irmão para ela, pelo amor de Deus. Ninguém fazia – Ou pelo menos, não deveria fazer – com um irmão o que ela já tinha feito com . Ou sentido.
Mas mesmo não sendo nada fraterno o que ela sentia, não era o mesmo de antes, definitivamente.
Depois de todo esse tempo, no fundo ela sabia que usava a aliança porque pensava que ainda voltaria com no fim. Há muitos meses, porém, não pensava nisso como uma possibilidade. Talvez eles tivessem ficado no passado mesmo.
Ela se lembrou de uma filosofia indiana que tinha visto uma vez, que dizia que o que tinha terminado, tinha terminado, e nunca poderia voltar, você tinha que aceitar, superar e deixar no passado. Até agora, o máximo que tinha conseguido chegar perto disso era fingir. Fingir para os outros e fingir para si mesma.
Ela não iria voltar com . Gostava de Jim, gostava muito dele, talvez ela se casasse um dia com ele, apesar de ainda não estar pensando nisso, e não poderia estar casada para isso. Precisava pedir o divórcio, precisava colocar um fim em tudo aquilo. Precisava aceitar, depois de dois anos, que seu casamento havia acabado realmente.
Por que só pensar nisso era tão difícil para ? Não deveria ser, já estava separada do marido há muito tempo, já havia aceitado há muito tempo que eles não voltariam. Talvez não por completo, mas sua maior parte sim, pelo menos. Sim, achara que um dia, quando o tempo tivesse levado a tristeza e as mágoas embora, eles poderiam voltar. Porém isso não aconteceria.
O tempo havia passado, mas as mágoas continuaram ali. Até hoje, uma pequena parte dela ainda culpava , tanto pela morte de Stella, quanto por ter a abandonado. Sua parte racional sabia que não havia sido culpa dele, nem dela, mas a outra parte só conseguia pensar nisso sempre que o via. Sempre dizia para sua psicóloga que já tinha o perdoado, mas nunca acreditou nisso de verdade. Afinal, fora ele quem não colocara a filha na cadeirinha como deveria. E depois foi ele quem a deixou sozinha.
Como ela poderia culpá-lo e ainda não ter coragem de pedir o divórcio? Ela não entendia. Estava em dividida em três em relação a isso. Uma parte de si queria ter uma relação amigável com , como tinham antes de começarem a namorar; outra parte queria poder esquecer tudo o que aconteceu e apenas ficar com ele novamente; e por último, ela apenas o culpava por tudo e queria ficar o mais longe possível dele.
esfregou os olhos irritada, sem saber o que fazer. Veria na sexta e seria bom se decidisse como agiria. Ou pelo menos precisava aceitar a decisão que tinha tomado: ela precisava pedir o divórcio. Ela precisava acabar com tudo de uma vez por todas.

- Ah, , finalmente você chegou – Catherine cumprimentou a irmã animada.
sorriu, abraçando-a. Cath estava completamente radiante. Certamente tinha bebido um pouco, mas sua animação era natural, sabia. Lembrou-se de si mesma quando estava noiva, teria parecido assim? Era difícil acreditar que um dia tivesse sido tão feliz.
Ela se afastou da irmã, indo procurar . Ela tinha ligado para ele, logo depois que Catherine contou que eles iriam se casar, mas gostaria de parabenizá-lo novamente. De longe, viu que ele estava acompanhando pelos três melhores amigos. Sentiu-se meio mal por ter de se aproximar de , mas deixou o sentimento de lado, aproximando-se.
- Olá, meninos – Ela sorriu, e abraçou – Como se sente oficialmente noivo?
- Ainda tenho tempo de escapar, não fale como se eu estivesse casado – Ele fez uma careta e bateu nele.
- Se você deixar minha irmã no altar, eu te mato, ok? – Ela riu, então se virou para cumprimentar os outros.
- está te procurando – avisou-a, depois de beijar sua bochecha – Ela está se sentindo meio deslocada e fica me seguindo.
Ela desviou o olhar, procurando pela melhor amiga. Viu que ela estava em um canto, falando no telefone, provavelmente checando com os pais como Elle estava. Ela suspirou ao lembrar da menina que já estava com um pouco mais de três anos.
Cumprimentou também, que olhava para o outro ponto do salão, onde sua namorada estava. sentiu o cheiro de álcool ao beijar a bochecha de . Franziu a testa olhando para o ex-marido. É claro que a festa já estava rolando há um tempo, e as pessoas já tinham bebido, mas não dava para ter ficado tão bêbabdo, ela pensou. se afastou, ficou ali por alguns minutos conversando com , então se afastou, com a desculpa que iria procurar por .
- Hey, a cumprimentou, terminando a ligação – Onde está Jim?
- Em Manchester, vendo uma proposta de emprego. Ele só volta amanhã – Ela falou, querendo mudar de assunto.
Queria contar a sobre a discussão que tivera com Jim e sobre o que andava pensando nos últimos dias, mas algo a impedia. Ela sabia o que a amiga diria: que Jim estava com a razão. Até ela mesma sabia disso. Queria também contar sobre a decisão de pedir o divórcio, acharia que já estava mais do que na hora.
De longe, ela avistou pegando mais uma bebida e bebendo-a rapidamente. Balançou sua cabeça em desaprovação, então lembrou que não tinha mais nada a ver com sua vida, e tentou puxar algum assunto para conversar com .

Algumas horas depois, se encontrava sentada em uma mesa conversando com Jenny, a namorada de . e já tinham ido embora buscar Elle, na casa dos pais de , e Catherine estava em algum lugar conversando com umas amigas. Aparentemente, até sua melhor amiga da Califórnia, Molly, estava ali.
- Hey, Jen – apareceu de repente, acompanhado de – Vamos?
Ela se levantou, sem discutir. Ela não conhecia praticamente ninguém ali, além de , Cath e o McFly, e estava mesmo cansada. Depediu-se de e e se afastou, indo dar tchau para Catherine.
- Você pode deixar em casa? – perguntou apra , quando Jenny se afastou – Ele bebeu demais para dirigir e eu ainda vou demorar mais um tempo aqui.
- Eu tenho mesmo? É totalmente fora do caminho para a casa de Jenny. E você sabe como ela odeia quando eu dou carona para gente bêbada.
- E o que eu faço com ele?
- Sei lá, coloque-o dentro de um táxi – Ele sugeriu, tentando achar uma solução.
- Eu posso deixá-lo em casa – se pronunciou.
- O que? – tinha até se esquecido que ela estava parada bem ali – Você não precisa fazer isso, , está certo, ele pode pegar um táxi.
- É desnecessário. Eu passo por perto para ir para casa.
- Resolvido então - falou, então se despediu dos amigos e foi embora, procurar por Jenny.
olhou para , tentando entender o que ela estava fazendo. Nem ela mesma sabia. Mesmo que tivesse se encontrado com vária vezes já, desde quando se encontraram em sua casa no dia que seria o aniversário de 4 anos de Stella, eles nunca tinham ficado sozinhos.
- É melhor eu ir logo antes que ele entre em coma alcólico – Ela disse, constatando que estava pegando mais uma bebida – Ele está bebendo demais – Falou em voz baixa, mais para si do que para .
- Realmente – Ele respondeu, e percebeu que ele parecia triste – É difícil o encontrarmos sóbrio hoje em dia. Nem ao menos para os shows – Ele desabafou – Talvez você pudesse falar alguma coisa para ajudá-lo, . Ele não nos escuta, acha que está bem, ele vai te escutar.
- Por que ele me escutaria? – Ela perguntou, mesmo que soubesse a resposta – Nós estamos separados há anos.
- Nem me venha com essa, – Ele revirou os olhos – Você é a razão dele estar bebendo, pode ser também a razão dele parar.
Ela não respondeu, apenas saiu em direção a . Pensava no que tinha dito... Pedir o divórcio para provavelmente só pioraria seu estado, e ela não queria isso. Isso ficaria para outra hora então, quando estivesse bem. E, é claro, ela não estava tentando arranjar uma desculpa para adiar o pedido.
- Você não vai precisar disso – Ela disse para , tirando o copo de sua mão e devolvendo-o para o balcão – Chega de beber por hoje.
- ! – Ele sorriu para ela – O que você quer? – Sua voz estava trêmula por causa da bebida, mas ainda dava para entender o que dizia.
- Vou te levar para casa – Ela avisou, segurando seu braço e levando-o.
- Por quê? A festa está tão boa!
Ela o ignorou, indo em direção a Catherine. Despediu-se da irmã, dizendo que deixaria em casa, e depois de e mais alguns conhecidos, então saiu. Conduziu até onde seu carro estava estacionado, estava tropeçando um pouco, por isso teve que ficar segurando seu braço, para que ele não caísse ou fosse embora.
- Eu vou dirigir? – Ele perguntou e apenas revirou os olhos, o empurrando para o banco do passageiro – Eu consigo, estou quase sóbrio!
- E ficar quieto, você consegue?
Ela não falou nada enquanto dirigia. , em compensação, falou mais do que devia. A maior parte não entendeu ou ignorou, ele não estava falando nada com muito sentido.
- Você está me sequestrando? Eu não conheço esse lugar.
- Sim, você conhece. Fica há dois quarteirões da nossa casa – Logo após falar, ela notou o “nossa”. não falou nada, pareceu achar normal, mas ficou nervosa.
Ela viu a casa se aproximando. Ela não passava por lá há muito tempo. Desde setembro de 2006, na verdade. Sempre que tinha que passar pela rua, fazia algum caminho alternativo. Revê-la, trouxe todas as lembranças a tona. estacionou na porta, sem entrar na garagem, imaginou que a familiaridade daquilo a deixaria pior.
Ao parar, já estava saindo, ela saiu atrás dele. Ele parou em frente a porta e tentou abrir a porta, sem nem ter destrancado, apenas para constatar que não conseguia. revirou os olhos.
- Onde estão suas chaves, ? – Ela perguntou, esperando que ele ao menos tivesse se lembrado de trazer chaves.
Ele pareceu confuso por um momento, então começou a procurar pelos bolsos. Graças a Deus, estava no bolso da calça. Ele tentou colocar a chave na fechadura sem sucesso, portanto o empurrou para o lado, abrindo ela mesma, e então entrou em casa.
Ela suspirou ao entrar. Suspirou porque percebeu que tinha entrado realmente em casa. Mesmo depois de todo esse tempo, ela ainda sentia que aquela fosse mais sua casa do que seu apartamento atual jamais seria. Tentou ignorar esse sentimento e ajudou a subir as escadas e entrar no quarto.
- Você deveria tomar banho – Ela avisou, notando que ele fedia a álcool.
- Você vai me dar banho? – Ele respondeu, sorrindo sugestivamente.
- Já está grandinho o suficiente para tomar banho sozinho, .
Ele revirou os olhos e se jogou na cama, de sapato e tudo. Aquilo irritou , ele estava deitando sujo na cama.
- Vamos lá, , pare de infantilidade e entre no chuveiro.
- Já tomei banho hoje.
- E daí? Você está fedendo – Ela tentou puxá-lo, mas acabou caindo na cama ao seu lado.
Por um momento riu, então percebeu que estava deitada na cama – Na cama deles - com , e a realidade pareceu atingi-la. Aquilo estava errado. Ela tentou se levantar, mas antes que pudesse se mover, colocou a mão em seu rosto, deslizando seus dedos por sua bochecha. Seu coração pareceu decolar.
- Você é tão linda – Ele falou se aproximando dela.
se afastou com um pulo, saindo daquela hipnose. Ficou em pé novamente, apenas olhando , que pareceu confuso.
- Pare com isso, . Vá logo tomar banho ou coloque um pijama, pelo menos. Eu tenho que voltar para casa.
- Mas você já está em casa.
Por aquilo ser verdade, ela não conseguiu pensar em nada mais para falar. Revirou os olhos, e tentou puxá-lo da cama, desistindo ao não conseguir. Foi até o armário e pegou um pijama, pelo menos ele dormiria com uma roupa limpa. Ela se aproximou dele e tirou sua blusa, como se estivesse ajudando uma criança a se vestir. não falou nada, apenas ficou a encarando
- Por que você está aqui? – Ele perguntou de repente, enquanto o colocava na blusa do pijama.
- Porque você bebeu demais. Você deveria parar com isso, aliás – Ela comentou, lembrando do que lhe disse – Não deveria beber tanto, isso te faz mal, você sabe, . Vai acabar morrendo assim.
- Que seja, não tenho mais motivos para viver.
- Deixe de besteira.
- É verdade – Ele falou – Stella morreu e você me odeia – A simples menção do nome da filha fez o coração de parar por um segundo, mas ela se recompôs.
- E o McFly? – Ela perguntou, e tnão parou por um segundo completando - E eu não te odeio.
- O McFly vai acabar um dia também... Estamos ficando velhos – revirou os olhos ao ouvir isso – E você deveria.
- Eu nunca odiaria você, , isso seria impossível – Como ele estava colocando a calça do pijama por conta própria ela se afastou e se sentou ao seu lado na cama – Eu nunca te odiei. Eu te culpei, sim, mas eu só precisava encontrar alguém para colocar a culpa.
- E eu te dei todos os motivos para isso. Eu te abandonei...
- Não. Eu te abandonei, , só que você apenas teve mais coragem de ir embora primeiro.
- Eu matei Stella – Ele continuou.
sentiu como se tivesse levado um soco, virou-se imediatamente para horrorizada.
- Nunca diga isso novamente! – Ela falou, como se tivesse sido ofendida – A morte de Stella foi um acidente
- Isso não muda o fato de que fui eu quem corri com o carro e não a coloquei na caderinha. Foi culpa minha, , eu sei disso.
Ela queria falar algo para reconfortá-lo. Queria dizer ao menos que o perdoava, mas... Não perdoava. não tinha matado Stella, mas tinha sido, em grande parte, sua culpa ela morrer. Parecia ser a mesma coisa, mas achava que não.
- Você não pode mudar o que aconteceu, , mas não precisa ficar se culpando por isso todo dia, deixando de viver e ficar só bebendo. Isso não vai trazê-la de volta.
- Não, mas pelo menos não tenho que pensar nisso. Pelo menos, quando não dói tanto quanto quando estou sóbrio.
- Mas ainda dói, não é mesmo? Eu sei disso. Nada vai adiantar, , você simplesmente tem que continuar tentar vivendo, tentar recomeçar.
- É isso o que você está fazendo? Namorando aquele idiota?
- Ele não é idiota! Jim é uma ótima pessoa.
- Você o ama?
- Ele me faz feliz.
- Mesmo assim, eu nunca vi o brilho no seus olhos quando você está com ele.
- Que brilho?
- O brilho que você costumava ter quando estávamos juntos. Você o perdeu... Mas agora, por exemplo, ainda há uma faísca dele. Quando está com esse Jim, ou sei lá, não tem nada... Completamente oco.
desejou ter um espelho naquele momento, para poder verificar seus olhos. O que ele estava falando era ridículo, mas completamente verdade.
- Você se acha, – Ela falou encerrando o assunto.
- Eu posso. Em relação a você. Você ainda é minha mulher.
- Nós estamos separados – Ela falou – Vá dormir, .
Ela começou a preparar a cama, tirando os cobertores e o colocando para dormir.
- Você está usando minha aliança, entretanto – Ele disse, deitando-se – Eu te amo, . Podem se passar vinte anos, mas vou continuar te amando – Suas palavras já se dispersavam um pouco, enquanto ele fechava os olhos – Eu faria qualquer coisa para voltar no tempo e ter vocês de volta para mim.
Ele parou de falar a caiu no sono. não conseguiu dizer nada, uma lágrima solitária escorreu por seu rosto. Ela rodou a aliança no dedo, observando dormir. Ele estava tão bonito, tão indefeso. Não parecia que por dentro sofria tanto.
Ela queria que tivesse uma maneira de fazê-lo parar de sofrer, sem que para isso ela tivesse que se machucar também. Como ela podia amá-lo tanto e mesmo assim não suportar a dor de ficar perto dele?
Ela também faria qualquer coisa para recuperar aquele tempo. Passou a mão pelo rosto de , tirando um pedaço de cabelo que caia. Ele continuava cheirando a álcool, ela notou, mas não lhe parecia mais tão repugnante.
Olhando o relógio e verificando que estava tarde, ela percebeu que estava na hora de ir embora. Ficou alguns segundos observando e, não resistindo a tentação, se abaixou e beijou sua testa.
Quase na porta do quarto, ela percebeu que ainda segurava sua mão esquerda. Olhou de relance para trás, sentindo como se estivesse cometendo um crime. Antes que pudesse se impedir, tirou o anel do dedo, sentindo outra lágrima escorrer. Deixou-a em cima da mesa de cabeceira, onde anos antes deixara uma carta incompleta para . Pensou se deveria deixar alguma nota junto, porém não deixou nada. Sentiu vontade de pegá-la novamente, aquilo era ridículo, mas não conseguiu. Apenas ficou encarando o símbolo de seu amor ser abandonado.
E saiu correndo. Desabando em lágrimas ao descer as escadas e entrar no carro.

Capítulo Dez

Fevereiro, 2008

Já tinham se passado algumas horas quando chegou ao seu apartamento. Tinha passado um bom tempo dentro do carro, apenas colocando todas as mágoas para fora. Agora, pelo menos, estava quase certa que tinha feito a coisa certa ao deixar sua aliança ali. Estava seguindo em frente e estava deixando seguir também.
Ele não poderia esperar por ela para sempre. Ele precisava perceber que precisava viver. Que ironia era aquela, não é? havia feito de tudo quando Stella morreu para que continuasse a viver e agora era ele quem parecia ter morrido. E aquilo era tudo sua culpa, pensou pesarosa.
passou a mão no rosto inutilmente, tentando se livrar do inchaço, para que seu porteiro não visse. Para sua sorte, ele nem ao menos se virou para olhá-la quando passou. Catherine com certeza iria passar a noite com hoje, então ela não tinha com o que se preocupar. Ela praticamente se jogou no sofá quando chegou em casa. Estava morrendo de sono, mas pelo menos não teria que trabalhar no dia seguinte.
- ? – Jim apareceu, sonolento e com a cara amaçada na sala.
quase pulou de susto, convencida de que já tinha caído no sono ali mesmo e talvez estivesse sonhando. O que Jim estaria fazendo em seu apartamento afinal? Como nada de estranho aconteceu quando ela se levantou, ela esfregou os olhos, verificando se era ele mesmo.
- O que você está fazendo aqui? – Ela perguntou – Pensei que só chegasse amanhã – Ela se aproximou dele e tocou seus lábios rapidamente, ainda meio confusa.
- Resolvi fazer uma surpresa para você, ia aparecer na festa da sua irmã. Acabei me atrasando algumas horas, quando cheguei você já tinha ido. Catherine me deixou a chave do apartamento, para caso você não ouvisse a campainha. Mas você não estava aqui... – Ele fez uma pausa, e encarou profundamente por alguns segundos – Pensei que você fosse só deixar em casa.
suspirou. É claro que Catherine tinha que ter contado para ele onde ela tinha ido. Como se já não tivesse problemas suficientes, agora Jim acharia que sua demora era porque tinha ficado com .
- Ele estava bêbado – Explicou – Tive que ajudá-lo a subir as escadas e convencê-lo a ir dormir.
- Você demorou esse tempo todo só para isso?
- Não só para isso. Nós conversamos um pouco... Eu fiquei um tempo pensando depois que ele dormiu, por isso demorei. Não aconteceu nada, Jim – Ela tentou convencê-lo.
Jim parecia não acreditar. Seu cenho estava franzido e ele observava como se procurasse algum furo em sua história. Ela revirou os olhos, envolvendo a cintura de Jim e passando a mão em suas costas.
- Não precisa se preocupar, Jim, eu já te disse – Ela beijou seu pescoço.
Jim não se mexeu, suspirou irritada e se afastou. Ela levantou a mão de repente, mostrando a ausência do anel. Jim ergueu a sobrancelha, sem entender.
- Eu deixei minha aliança lá. Isso é o suficiente para você? – Ela sabia que não seria suficiente, ele também, mas Jim apenas assentiu e abraçou .
- Desculpe por isso. É só que eu nunca sei o que você vai fazer quando o assunto é ele... Vocês têm tanta história.
- Já falamos sobre isso. Esqueça, estou com você agora.
o beijou, levando-o para o quarto. Enquanto Jim a deitava na cama e tirava sua roupa, ela apenas pensava em como teria preferido apenas deitar ao lado de e realmente dormir ao seu lado, mesmo que só por mais uma noite.

Março, 2008.
estava deitada no sofá assistindo algum programa inútil que passava na televisão quando a campainha tocou. Ela franziu a testa, imaginando quem poderia ser, já que Jim tinha saído com alguns amigos e Catherine estava no trabalho. Ela se questionou se seria engano... Mas como alguém erraria um apartamento? Quando a campainha tocou pela terceira vez, ela resolveu se levantar. Ao abrir a porta, encontrou , que já foi entrando na casa, após cumprimentá-la rapidamente.
- Hey, . Cath vai sair mais tarde do trabalho hoje, ela não te avisou? – Ela falou, levemente irritada por ele ter obrigado-a a se levantar, e voltou para o sofá.
- Eu sei. Eu vim aqui te ver – Ele sorriu, sentando-se ao seu lado e passando o braço por volta de – Faz muito tempo que não conversamos só nós dois, .
- Sim, isso é porque você namora minha irmã, que mora comigo, e está o tempo todo com ela.
- Mesmo assim. Precisamos fazer alguma coisa, vamos sair!
olhou para o amigo como se ele fosse louco. Mesmo que a primavera tivesse começado há alguns dias, eles moravam em Londres e estava frio lá fora, preferia ficar no conforto de sua casa.
- Você está ficando velha, – Ele a repreendeu, mas aceitou ficar lá.
Eles conversaram sobre todo tipo de coisa, enquanto assistiam a um filme bobinho e, mais tarde, devoravam uma pizza de calabresa. tinha se esquecido de como era bom passar o tempo com seus amigos. Quanto mais os anos iam passando, mais as pessoas ficavam em casas, caíam em uma rotina, em que seus amigos antigos não faziam parte. Ela sentia falta da época que saía com e suas outras amigas da faculdade, com quem perdera o contato, e com o McFly o tempo todo.
- Então, o que vocês andam fazendo agora? – perguntou, enquanto pegava mais uma fatia da pizza – Algum show agendado?
- Ah, estamos meio de férias agora – Ele falou, parecendo meio nervoso repentinamente.
- Por quê? O que aconteceu? Achei que vocês fossem terminar de gravar novo álbum e fazer uns shows, antes do casamento.
- Nós planejamos isso – Ele disse e, quando ficou encarando-o, suspirou – está em uma reabilitação. O negócio do álcool já estava saindo do controle, e as drogas também...
- estava usando drogas? – pareceu chocada por um momento.
É claro que ela sabia que estava bebendo demais, ela mesma tinha presenciado isso. Mas ninguém tinha contado a ela sobre drogas, por que ela não sabia disso? Ela continuava sendo sua esposa, deviam ter pelo menos contado a ela!
- Estava. Ele já estava ficando bastante viciado em algumas delas e totalmente dependente do álcool. Era raro encontrá-lo sem um copo na mão – Ele explicou, fazendo uma cara de desapontamento, e ficou em silêncio por algum tempo.
- Há quanto tempo ele já está lá?
- Só tem dois dias.
- Ele... Reagiu bem a isso? Quer dizer, acredito que não tenha sido ideia dele.
- Ele não ficou muito satisfeito no início. Disse que estava bem e não iria, depois argumentou que conseguia ficar bem sozinho, que poderia parar de beber quando bem quisesse. Mas todos nós juntos conseguimos convencê-lo, não tivemos que obrigá-lo nem nada – Ele falou, ainda olhando para com certa expectativa, todos estavam meio receosos de como contá-la – Não sabemos por quanto tempo ele terá que ficar, mas achamos que em uns dois meses, ele poderá sair.
apenas assentiu com a cabeça. Ficava feliz por ele estar em uma reabilitação, porque logo melhoria, mas se entristecia ao pensar que a situação tinha chegado a esse ponto. Quando tudo isso tinha acontecido? E por que ela não esteve ao lado de para ajudá-lo? Afinal, ainda era seu amigo, não era? Ou pelo menos deveria ser. Ela se importava com ele, no entanto não esteve ali para ele. Mesmo que sempre estivesse estado para ela.
Certo, isso não era inteiramente verdade, ela se lembrou. Mas só porque uma vez ele tinha a abandonado, ela não precisava fazer o mesmo.
- Ele pode receber visitas? - Ela perguntou de repente.
- Acho que não... Mas pode receber ligações a partir de semana que vem – sorriu – Você vai ligar para ele?
- Acho que sim. é meu amigo, e é importante que ele tenha o apoio dos amigos nesse momento.
riu levemente, como se tivesse dito algo engraçado. Ela apenas ergueu as sobrancelhas para o amigo e mudou de assunto. Eles não voltaram a falar sobre até Catherine chegar, quando descobriu que a irmã já sabia e apenas tinha resolvido não contá-la.
Na semana seguinte, ligou para . Eles não puderam conversar por muito tempo, mas foi o suficiente. O suficiente para que se sentisse melhor do que se sentira em semanas.

Junho, 2008.
- Olá, Catherine – Jim a cumprimentou, entrando na casa.
Do próprio quarto, pôde ouvi-los conversando. Ela colocou o telefone de volta na base rapidamente, feliz porque havia desligado logo antes de Jim tocar a campainha. O namorado não gostava muito de ver que ela se comunicava cada vez mais com o ex-marido, mas é claro que isso não a impediu. Afinal, ela estava apenas conversando com um velho amigo, que mal fazia? De que importava se ela era legalmente casada com ele?
estava saindo do quarto, quando esbarrou em Jim, que estava entrando. Ele sorriu para ela, a puxando para um beijo. Não tinham se visto no últimos três dias. Eles estavam se vendo cada vez menos frequentemente agora, e, inevitavemente, comparava o namoro com sua relação com John, que havia acabado logo antes de ela começar a namorar com .
- Hey – Ele falou, beijando sua testa – Por que você não atendeu a porta?
- Desculpa, estava no telefone – Respondeu, enquanto procurava sua bolsa para saírem.
- Falando com ?
- Não, com – Ela disse, meio receosa, não queria começar nenhuma briga agora.
Jim fez uma careta, mas não reclamou. Quando finalmente achou sua bolsa, eles se despediram de Catherine e saíram para jantar fora.

Enquanto caminhavam para o restaurante, que ficava próximo a casa de , não trocaram nenhuma palavra. podia sentir um clima estranho e queria perguntar o que estava acontecendo, aquilo não poderia ser só porque ela tinha falado com . Ela até tentou puxar algum assunto, mas o namorado não colaborava, então acabou desistindo. Após se sentarem em uma mesa e fazerem o pedido, o silêncio começou a ficar desconfortável.
- O que você estava falando com ? – Jim finalmente resolveu perguntar o que devia estar pensando desde que saíram do apartamento.
- Ele vai sair da reabalitação daqui uma semana– Ela falou, um pouco surpresa por Jim querer saber – Vai passar a próxima semana na casa de e a outra na de , para que eles o vigiem no início, sabe, como ele está morando sozinho agora. Mas depois vai poder ir para casa.
- Ah, que bom – Jim disse, mas sua voz transpassava o contrário.
- Sim, é muito bom, mas não precisa ser falso, Jim – Ela se irritou - Olha, eu sei que você não entende, mas é meu amigo agora.
- Não entendo é como de repente ele virou seu amigo, vocês nem se falavam!
- Ele sempre foi meu amigo, nós nos afastamos um pouco, obviamente, mas eu queria me reaproximar dele. Além disso, era meu amigo antes de começarmos a namorar – Ela, é claro, não ia comentar que isso durou muito pouco tempo e que ela sempre sentira algo por ele, era irrelevante.
- Certo, tudo bem. Só não espero que você resolva ficar saindo com , quando ele sair da clínica – Resmungou, querendo finalizar o assunto logo.
- É claro que vou sair com ele, eventualmente, seria idiotice pensar que não – falou, já começando a se estressar com a falta de compreensão de Jim – Já vou logo avisando que vou buscá-lo junto com os garotos, no próximo final de semana.
- Você realmente acha isso uma boa ideia?
- e Cath também vão. Talvez até Jenny – Ela avisou, revirando os olhos – Até você poderia ir, mas acredito que nenhum dos dois gostaria.
- Você não pode vê-lo depois? Estava planejando levá-la para um lugar no final de semana – Ele falou, meio nervoso.
- Aposto que está inventando isso agora.
- Não estou! – Ele falou, indignado. Não era assim que tinha planejado contá-la da viagem – Queria levá-la para conhecer Manchester... – Ele suspirou – Conhecer meu apartamento novo.
- Por que você comprou um apartamento em Manchester?
- Porque vou me mudar para lá – Ao ver a surpresa nos olhos de e que ela iria começar a falar, ele acrescentou: - Você se lembra daquela empresa que me ofereceu um emprego alguns meses atrás? – assentiu – Eu recusei, porque era meio longe, mas eles tentaram me convencer, me ofereceram um cargo maior e me disseram para pensar. Eu comecei a procurar lugares para ficar e descobri que valia mais a pena aceitar o emprego de lá do que o de Londres, mesmo com a mudança – Ele explicou, mas viu que continuava confusa – Eu aceitei o emprego, , devo começar daqui dois meses só, para organizar toda a mudança.
- E quanto a nós? – Ela finalmente falou – Você vai estar morando em Manchester e eu em Londres? Isso não vai dar certo, Jim.
- Então, eu pensei que... Bom, talvez você pudesse ir comigo. Nós podemos morar juntos em Manchester.
não disse nada, apenas olhou estupefata para Jim. Morar junto com ele, em Manchester? Ela nunca nem tinha pensado nessa possibilidade. Estava feliz agora, dividia seu apartamento com Catherine, logo moraria sozinha, mas isso não era realmente um problema. E amava Londres! Não tinha vontade de mudar de cidade. Jim achou que o silêncio de significava que ela queria mais explicação. E era verdade, mas o que ela queria mesmo, era que ele dissesse que aquilo era só uma pegadinha.
- Olhe, , eu sei que você não quer se mudar – Ele começou a falar e segurou a mão dela – Mas esse emprego é uma oportunidade única. Eu vou receber muito mais do que estou recebendo no momento, eu não poderia recusar. E eu não queria ir sem você, – Ele parou por um momento, então largou a mão de e apenas a encarou por alguns segundos – Eu te amo, , e eu quero passar o resto da minha vida com você, se for possível. Eu sei que você ainda não está pronta para se casar novamente e ter filhos. Mas eu estou disposto a te esperar – Ele colocou a mão dentro de um dos bolsos do casaco e pegou uma caixinha – Talvez você ache isso meio precipitado, , mas nós já estamos namorando há quase dois anos e é só um simbolismo... – Ele abriu a caixinha, revelando um brilhante anel.
ficou calada apenas encarando Jim e o anel por alguns segundos. O que ela podia dizer? Ela nem ao menos tinha certeza se aquilo era um pedido de casamento. Inevitavelmente, lembrou-se do pedido de , no London Eye. Como Jim continuava a encarando, achou que talvez ela devesse falar alguma coisa.
- Você está me pedindo em casamento? – Ela perguntou, ainda sem saber direito o que dizer.
- Não precisa ser agora, mas, bom, sim. , você aceita se casar comigo? – Ele sorriu para ela, fazendo com que seu coração derretesse, começando a ficar meio sem graça.
- Jim, meu Deus, eu não sei o que dizer – estava ainda mais sem graça do que o namorado, se é que isso fosse possível.
- Você podia dizer sim... – Ele falou, sem saber o que fazer.
- Eu realmente não estava esperando por isso – Ela suspirou – Desculpa, Jim, mas... Eu não acho que eu possa fazer isso.
- Por que não? Nós estamos sempre juntos – Antes que ele pudesse continuar a falar, o interrompeu.
- Porque, para começar, eu já sou casada! – Ela disse e logo depois se arrependeu.
- Então o problema é – Ele murmurou – Eu sou muito idiota mesmo, não sei porque pensei que você fosse aceitar.
- Jim, não é assim. Eu realmente gosto de você, eu só não acho que casar seja uma boa ideia – Ela tentava se desculpar inutilmente, já tinha percebido que magoara o namorado.
- Tudo bem, eu já entendi.
Alguns segundos depois, o garçom chegou com os pratos, parecendo ter conometrado o tempo. Nenhum dos dois teve coragem de dizer mais nada, comeram em completo silêncio, que só era quebrado raramente sobre algum comentário sobre a comida. Após terminarem, Jim nem ao menos perguntou se queria sobremesa, pediu logo a conta, como se estivesse ansioso para sair dali.
não questionou, se retirou para ir ao banheiro e quando voltou, Jim já tinha pago a conta e estava só a esperando para irem embora. Durante o caminho para o apartamento, nenhum dos dois sabia o que dizer. Depois de alguns minutos, começou a se irritar.
- Você está chateado? – Ela perguntou.
- Você rejeitou meu pedido de casamento! É claro que eu estou chateado, . O que você esperava? Que eu ficasse super feliz e dissesse que era isso que eu esperava mesmo? – Ele gritou, estressado, e até se afastou com medo desse lado de Jim.
- Tudo bem, não precisa gritar – Ela murmurou – Mas o que você queria também, Jim? Que eu dissesse sim e depois cancelasse na última hora?
- Eu queria que você tivesse dito sim e se casasse comigo. Mas, pode deixar, , não vou cometer esse erro novamente.
Eles não disseram mais nada, até chegar na portaria do prédio de . Ela olhou para ele, sem saber o que dizer. Obviamente, não esperava que eles fossem continuar juntos depois disso. Primeiramente, porque ele iria para outra cidade, depois porque a maioria das pessoas tinham dificuldade em lidar com rejeição – principalmente com uma desse tamanho!
- Então, quando você vai para Manchester? – Ela perguntou.
- Só no final de julho ou início de agosto – Ele respondeu, meio distante – Mas devo ir lá semana que vem, do mesmo jeito – Completou, e assentiu.
- Bom, boa sorte com o novo emprego e cidade – Ela disse, com um pouco de pena – Eu realmente sinto muito, Jim, eu não queria te magoar.
- Eu sei que não – Ele beijou a testa de , se despedindo – Você devia arranjar as coisas com , vocês têm muitos assuntos pendentes.
forçou um sorriso para ele, acenando de leve e entrando na portária. Viu que Jim seguiu pela rua, em direção de seu carro que estava estacionado ali perto. Ela suspirou, triste pelo fim do relacionamento, mas não surpresa. Ela nunca esperou que fosse durar para sempre, era uma pena que Jim tivesse pensado que sim. Agora, mais de oito anos depois, descobriu como era estar do outro lado.
Mas Jim tinha razão em algo. Ela realmente precisava se arranjar com , quando ele voltasse.

No final de semana, buscou Catherine e em casa e as levou até o centro de reabilitação onde estava. Nenhum dos meninos tinha tido autorização para vê-los, apesar de sempre se falrem por telefone, e todos estavam muito animados para rever o amigo. chegou um pouco depois, trazendo e .
- Hey, o cumprimentou – Jenny não veio?
- Ah não, nós terminamos – Ele explicou, e suspirou.
nunca conseguia namorar por muito tempo. Ela realmente gostava de Jenny, e eles formavam um casal muito fofo juntos, ela esperava que o relacionamento fosse durar pelo menos um ano.
Eles entraram na clínica e ficaram esperando na recepção para que saísse. Alguns minutos depois, chamaram , e para conversar com alguém, provavelmente sobre como poderiam ajudar a se manter limpo e apoiá-lo ao sair dali. ficou sentada conversando com a irmã e , enquanto os esperavam. a lembrou que o aniversário de 4 anos de Elle seria em duas semanas e que ela deveria aparecer. Ela tinha recebido o convite, mas ele acabou sendo esquecido em cima da mesa da sala.
Quando começaram a se perguntar o que eles faziam que demoraria tanto, apareceu. Ele disse que e ficaram um tempo a mais, já que iria ficar um tempo na casa deles, assim que saísse, mas que não iriam demorar muito. lhes contou o que tinha sido conversado com eles e que estava com eles. Contou que parecia bem melhor do que estava com chegou, parecia um pouco mal ainda, provavelmente por ter tido que ficar preso por semanas, mas estava definitivamente melhor.
Pouco tempo depois, e apareceram, fazendo com que as garotas levantassem e logo atrás veio calmamente. , Cath e foram imediatamente até ele, abraçando-o e perguntando com ele estava.
- Nossa, se for para ser recebido assim, acho que vou para a rehab também – comentou com e , que estavam excluídos do abraço.
- Eu também – Os dois comentaram em unissolo, despertando risadas nas meninas.
- Deixem de ser idiotas – falou, se afastando de e ficando ao lado do marido.
Cath se afastou também, deixando sozinha com . Os garotos se viraram, saindo da clínica e indo para os respectivos carros.
- Fico feliz que você tenha vindo me buscar – falou, olhando para .
- Eu também – Ela sorriu e saiu andando, atrás dos amigos.

Capítulo Onze

Julho, 2008
deixou para comprar o presente de Elle no dia do aniversário. Tivera que ir até um shopping para achar uma loja aberta, já que era um domingo. Não sabia porque adiara tanto, afinal, não faria nenhuma diferença, era apenas uma loja, não tinha nada demais. Ou era isso que estava dizendo a si mesma, enquanto ficava parada na entrada da loja apenas olhando a vitrine. Pelo menos Elle era uma menina e era muito mais simples comprar presentes para meninas; ela não iria demorar muito tempo ali.
Quando finalmente tomou coragem, ela entrou na loja e começou a ver os brinquedos. Poucas coisas tinham mudado. Brinquedos às vezes levavam décadas para sair de moda, pouca coisa mudava em três anos, mas conseguia perceber algumas mudanças. As Barbies tinham caras mais amaçadas; os brinquedos estavam mais tecnológicos. Tinham alguns de desenhos animados que ela nunca nem tinha ouvido falar. Algumas bonecas pareciam tão realistas, que davam medo. preferia as de sua época. Acabou optando por comprar uma Barbie, era sempre uma ótima escolha e nunca era demais, porém só esperava que a menina já não tivesse uma igual.
Teve que se arrumar apressadamente quando chegou em casa, já que pegaria uma carona com e ele chegaria em pouco tempo. Pelo menos não era como se um aniversário de criança exigisse muita arrumação. Colocou qualquer roupa e uma maquiagem básica, bem a tempo de chegar para buscá-las.

Ao chegarem à casa de festas, ela se separou do casal, ficando sozinha. Olhou para a mesa enfeitada com abóboras, ratinhos e passarinhos, além de ter uma fada madrinha e uma Cinderela irreconhecível em cada canto. Pobre Cinderela, como tinham consigo deixá-la tão feia? riu ao olhar para a mesa, mas admitiu que estava até bonitinha. Sempre achara engraçado esses temas de aniversário, pensando como faria os de Stella, mas ela nunca chegou a comemorar algum de seus aniversários em uma casa de festas.
tentou tirar esse assunto da cabeça e cumprimentou alguns conhecidos que estavam andando por ali. Achou facilmente e , que estavam rodeados de pessoas, e falou com eles por pouco tempo. Os dois conseguiram fazer com que Elle parasse de brincar rapidamente – mesmo que tivesse dito que isso não era necessário – e a cumprimentasse, para logo em seguida sair correndo atrás de alguns amiguinhos. viu de longe conversando com uma mulher que ela não conhecia, descobrindo depois, quando ela foi falar com ele, que a mulher se chamava Bonnie e que eles estavam saindo há alguns dias. Foram precisos apenas alguns minutos para que ela descobrisse que preferia mil vezes a Jenny.
Ela se afastou e ficou apenas observando as pessoas. Via crianças correndo felizes, com um recreador fazendo palhaçadas ridículas tentando animá-las, alguns adultos conversando meio entediados ou vigiando seus filhos atentamente, outros usando o aniversário como desculpa para comer vários salgadinhos que os garçons estavam servindo, e então sentiu uma saudade repentina de toda aquela animação.
No ano anterior, não pôde ir ao aniversário de Elle - que coincidiu de cair no mesmo dia de um evento que ela estava organizando -, portanto essa era a primeira festa infantil que ia desde que Stella havia morrido. Ela pensou que fosse se sentir pior; não estava mal, mas também não estava bem. Todo aquele ambiente trazia lembranças que ela preferia guardar em sua memória.
Elle estava fazendo quatro anos, ela pensou. pensara em fazer uma festa assim para o aniversário de quatro anos de Stella. Teria feito no de três, mas insistira em fazer em casa, o que acabou dando muito mais trabalho. sentiu as memórias a invadirem com força e teve que se segurar para não se deixar levar pela tristeza. Observou todas as crianças que brincavam alegremente, todas com a mesma idade da filha. Por um momento, ela quase pensou ter visto Stella ali no meio brincando com as outras, rindo e correndo vividamente, fazendo-a levar um susto com a imagem. Ela parecia tão real, mas ao esfregar os olhos e abri-los novamente, Stella tinha desaparecido. suspirou, tentando voltar a si. Isso não podia acontecer de novo, ela não tinha tido ilusões com a filha já há mais de um ano, não podia regredir. procurou uma mesa para se sentar e por sorte achou uma que estava vazia – apenas com a bolsa de alguém, que saíra para fazer outra coisa. Resolveu parar de olhar as crianças, encarando a mesa e a decoração novamente. Como era organizadora de eventos e costumava decorá-los, começou a avaliar como estava. Achou que não estava tão mal para um aniversário infantil, mas chegou à conclusão que teria feito um trabalho muito melhor se tivesse a chamado para organizá-lo.
Entediada, ela não pôde evitar voltar sua atenção para as crianças, que agora estavam subindo em um pequeno palco e cantando. Elle, como uma boa filha, cantava uma música do McFly. Ela tinha uma boa voz, apesar de um pouco fina demais, e estava no ritmo. Por mais que tenha pulado quase metade da música e trocado algumas palavras, fez uma grande performance, fazendo com que todos ali a aplaudissem. Em seguida, uma pequena menina que não devia ter muito mais do que dois anos subiu no palco e a recreadora entregou o microfone para ela, mas a criança que mal sabia falar ficou calada, fazendo com que sua irmã mais velha, de uns cinco anos, aparecesse e pegasse o microfone de sua mão, despertando risos em todos os presentes.
adorava ver como irmãos se relacionavam. Ela sempre tivera uma relação muito boa com Catherine, mas por elas terem uma diferença grande de idade e por terem perdido os pais cedo, tivera sempre um jeito meio maternal de tratá-la. Queria ter tido uma irmã mais velha, ou uma irmã apenas uns três anos mais nova. Lembrou-se também de que sempre quisera uma família grande e planejara ter pelo menos três filhos. Depois de Stella, iria ter outro filho uns quatro anos depois e então teria outro. Sempre fora seu sonho ter filhos, desde pequena imaginara-se como mãe. E veja como ela fracassara naquilo!
Por mais fácil e estúpido que seu sonho fosse, ela acabou não conseguindo realizá-lo. De todos ali, talvez ela fosse uma das que mais ansiou por ter um bebê e, no entento, era uma das únicas sem um. E, com certeza, a única que tivera um e o perdeu. Estava precisando tomar seus antidepressivos, ela percebeu, a médica tinha cortado as medicações para apenas duas vezes por semana, mas aparentemente não era o suficiente.
- Hey, está tudo bem? – Alguém perguntou, tirando-a de seu desvaneio. Quando olhou para cima, viu que estava parado ali olhando para ela – Posso sentar aqui?
Ela apenas assentiu e puxou a cadeira mais para perto dela. Ele não disse nada por um momento, entendendo o que estava se passando e sentindo o mesmo. Ele tinha comparecido ao aniversário de três anos de Elle, mas a sensação não tinha mudado muito. Era ainda pior agora, que a menina fazia quatro anos, a idade que Stella nunca completaria. Mas ele se sentia melhor, pois além de cuidar do problema da bebida e das drogas, ele também tivera que consultar um terapeuta na clínica. sempre fora orgulhoso demais para pedir ajuda, então tinham muitas coisas presas em sua garganta. O psicólogo o ajudou com a morte de Stella, com seu sentimento de culpa pela morte da filha e o fim do casamento, e também a entender seus sentimentos por , que ainda estavam um pouco confusos.
- É estranho estar aqui, não é? – Ele resolveu puxar assunto – Quase posso fechar os olhos e imaginar que é aniversário de Stella, mesmo tendo passado tanto tempo.
- Pensei que estivesse ficando louca – Ela murmurou, surpresa por ele ter passado o mesmo – Por um momento, pensei ter visto Stella ali.
- Não está ficando louca, – Ele a reconfortou – Ei, onde está Jim?
suspirou, lembrando-se de que não tinha contado para que tinha terminado com Jim. Eles eram amigos agora, se falaram algumas vezes por telefone e saíram juntos uma vez, mas ela não encontrou nenhuma oportunidade para contá-lo.
- Nós terminamos. – Ela falou, observando a reação de surpresa de .
- É mesmo? Nossa, não esperava por isso, achei que estivesse feliz com ele.
Ela deu de ombros, sem saber o que dizer. O que falaria, que Jim tinha a pedido em casamento e que ela não aceitara porque era casada com ele?
- Ele se mudou para Manchester. – Explicou – Queria que eu fosse com ele. Mas eu não queria sair de Londres.
- E ele não valia a pena o sacrifício. – Ele completou, deixando sem graça – Sinto muito por isso. – falou. – Por vocês terem terminado, eu digo, não por você não ir para Manchester. Eu não ia gostar se você fosse embora.
Ela sorriu, surpresa com a declaração de . sabia ser fofo quando queria, ela tinha se esquecido um pouco de como isso a afetava. também não gostaria de ficar longe dele.
- Você não sente muito, não diga que sinta – Ela falou de repente, lembrando que ele tinha dito o mesmo quando terminara com John.
- Realmente, você me pegou. – Ele disse, rindo. – Ele era um babaca, não via a hora de vocês terminarem.
- ! – o repreendeu – Jim era legal, mas ele não era... – você, ela pensou – a pessoa certa para mim.
assentiu, quase dizendo que isso era óbvio. Ele a fez companhia por algum tempo, conversando sobre vários assuntos, não deixando com que nenhum dos dois ficassem sozinhos e acabassem se lembrando de Stella e ficando tristes novamente. Quando a dona da bolsa chegou e reivindicou seu lugar novamente, e levantaram-se e se juntaram a e , que estavam mais relaxados agora que a festa estava mais vazia. Quando Cath e foram para a mesma mesa e largou Bonnie em algum lugar e foi para junto dos amigos, anunciou que ela e estavam esperando um segundo bebê.
Todos ficaram muito felizes com a notícia. Ela comentou que ainda não tinham contado para Elle – que no momento, estava ocupada demais dançando para ouvir – e que estavam querendo um menino dessa vez. Comemoraram por algum tempo.
Quando a festa acabou, e Catherine resolveram sair para ir ao cinema e ficou sem carona. Como já tinha ido embora com Bonnie, e e teriam que ficar ali até o último convidado ir embora, ela acabou tendo que ir com . Não que isso fosse um sacrifício para nenhum dos dois, mas saírem de uma festa juntos, voltando no mesmo carro, fez com que eles, de alguma forma, se sentissem casados de novo.

Setembro, 2008.
- Hey, estão todos aqui, certo? – perguntou, enquanto ela mesma ia para sua “posição”.
Catherine havia lhe chamado para organizar seu casamento, mas também tinha a chamado para ser madrinha, o que fazia com que ela tivesse trabalho em dobro. e os pais já tinham entrado e já estavam no altar, então ela chamou as duas amigas de Catherine que estavam conversando animadas do lado de fora da igreja e as chamou para entrarem, junto com um namorado e um amigo de . Logo depois entrou uma amiga da Califórnia de Cath com , seguidos de e . Catherine estava subindo as escadas, parecendo meio nervosa. sorriu apra a irmã, a abraçando antes de verificar se Elle estava no lugar certo – a menina seria a daminha de honra – e de entrar acompanhada de .
Catherine entrou na igreja lentamente, usando um vestido comprido, de mangas curtas – apesar de já estarem quase no outono e o tempo ter começado a esfriar -, justo e completamente branco, sem nenhum detalhe adicional, bem simples. Seu cabelo castanho estava preso em um grande rabo de cavalo alto, que o fazia parecer mais volumoso. , parado no altar, sorria abobalhado vendo a noiva caminhar em sua direção.
Enquanto assistia ao casamento, sentiu que fosse chorar. Algumas vezes se sentiu mais emocionada do que no próprio casamento, se é que isso era possível. Ela tinha praticamente cuidado de Catherine, tinha a visto crescer, fazer o próprio caminho, indo estudar nos Estados Unidos e agora estava vendo-a se casar! se sentia orgulhosa como uma mãe. Ela queria que os pais estivessem ali para ver a pequena Catherine se casando, eles nem tiveram oportunidade de conhecer o genro. Se pelo menos tivessem vivido por mais dois anos...
Quando Cath e faziam os votos, , sem nem perceber, apertou a mão de . Ele apenas olhou para ela, sorrindo, e apertou de volta. estava com os olhos marejados ao sair da igreja.

Catherine e estavam dançando no meio do salão enquanto a maioria dos convidados os observava e alguns começavam a dançar também. os olhava, ainda um pouco emocionada. Eles formavam um lindo casal, não sabia como não tinha percebido antes... Pareciam até feitos um para o outro! Ela os observou por alguns minutos, se sentindo contagiada pela felicidade dos noivos. Andou até a mesa que designara para si mesma então, sentando-se ao lado de e .
- Onde está ? – Perguntou, mas logo viu a amiga vindo em direção à mesa, arrastando a filha junto.
- Elle já sujou o vestido! – Ela reclamou, sentando-se na mesa e puxando a filha para seu colo. – Tão bonito, branquinho... É claro que ela tinha que sujar em quinze minutos!
- Pelo menos ela esperou até a festa. – disse, tentando acalmar a esposa.
riu, recebendo um olhar de repreensão do casal. Nem ao menos dava para ver a mancha no vestido, provavelmente estaria bem pior ao final da festa. Um garçom apareceu, oferecendo alguma comida, que aceitou, já sentindo o estômago roncar. Viu quando o garçom ofereceu para e Elle e a menina abriu um sorriso, querendo comer.
- Ah não. Vamos lá dançar, Ellie. – Ela puxou a menina para fora da mesa. – Se estiver com fome quando chegarmos em casa, eu te dou algo para você comer. Depois que você tiver tirado esse vestido!
Convencida de que dançar era realmente uma boa ideia, Elle foi de bom grado com a mãe. tentou prestar atenção no que e conversavam, mas não entendeu o assunto e acabou decidindo sair da mesa assim que terminou de comer. Resolveu conferir a decoração novamente para ver se estava tudo certo, apesar de já ter checado quando chegou ao salão. Foi até o DJ e depois até a cozinha e quando finalmente se convenceu de que nada tinha dado errado, permitiu-se relaxar um pouco.
Pegou uma bebida que outro garçom a ofereceu e foi procurar algum conhecido. Viu que Catherine estava conversando com alguma de suas amigas, acompanhada de . Na pista de dança, avistou e Elle dançando de forma engraçada e as acompanhando, rindo da família e fingindo que também estava dançando quando a mulher o encarava. ficou parada por um momento, apenas admirando aquele momento em família. pegou Elle no colo, rodando-a de um lado para o outro e então puxou a esposa com o braço que não segurava a filha, abraçando-a também.
Chegando a conclusão que parecia meio maluca observando-os assim, se afastou procurando outra pessoa. Encontrou se agarrando com alguma menina que ela não conhecia em um canto do salão. Esperava que ele pelo menos tivesse terminado com a tal da Bonnie, com quem vinha saindo nos últimos dois meses. Ao voltar para a área das mesas, viu que estava comendo sozinho. Ela sorriu e se sentou ao seu lado.
- Que cena deprimente, . – Ela comentou. – Parece até que você não conhece ninguém aqui.
- Ah, nada disso, os pais de já vieram aqui falar comigo. – Ele falou. – Vocês é que me abandonam, me fazendo parecer solitário.
- Coitadinho de você. – Ela riu, apertando suas bochechas.
Eles ficaram por ali, conversando sobre nada. De vez em quando Catherine e apareceriam por ali rapidamente apenas para dar um oi; apareceu apenas uma vez, apresentando como Amy a garota com quem estava – apenas para que ela o corrigisse, irritada, dizendo que era Andie – e então foi embora, desculpando-se com a menina; apareceu se despedindo, somente para pegar a bolsa, acompanhada de , que levava uma Elle já adormecida no ombro.
pegou várias bebidas, ficando meio entediada, já que não conhecia quase ninguém. De vez em quando, alguns convidados de paravam por ali para falar com , mas mesmos os que a conheciam não sabiam exatamente o que dizer, já que para eles ela era a ex-esposa de . E era isso que era mesmo.
- Você só vai ficar bebendo refrigerante? – Perguntou, pela primeira vez reparando no que ele estava bebendo.
- Bom, não seria muito inteligente beber álcool durante minha reabilitação – Ele respondeu, surpreso por ter se esquecido – E você deveria parar de beber também, querida, se não quiser ir pelo mesmo caminho que eu.
nem percebeu que ele havia a chamado de “querida”, senão não saberia como reagir. Apenas riu, dizendo que nem tinha bebido tanto assim, porém pedindo mais água quando o garçom veio lhe oferecer mais uma taça.
Eles só saíram da mesa quando Catherine e foram cortar o bolo e todos os convidados se aproximaram. Catherine jogou o bouquet, o qual sua amiga californiana pegou, e depois disso Cath veio se despedir da irmã, já que eles passariam a noite em um hotel e no dia seguinte iriam direto para o aeroporto sair em lua-de-mel.
Mesmo com a saída dos noivos, a festa continuou animada. Poucos convidados tinham ido embora e o DJ começou a colocar músicas mais animadas. começou a se remexer na cadeira, cansada de ficar apenas conversando com .
- – ela chamou, vendo que ele olhava para o outro lado. – – chamou novamente. – ! – Gritou, socando-o para que ele a olhasse. – Eu quero dançar!
- Então vá, ué, não precisa ficar me fazendo companhia. – Ele sorriu e franziu a sobrancelha, estranhando o comportamento dela.
- Eu não quero ir sozinha! Vem comigo. – Disse, levantando-se e o puxando. – Por favor?
Não resistindo ao olhar pidão de , ele acabou se levantando, apesar de não estar com a mínima vontade de dançar. Ela o arrastou até a pista de dança, que estava amontoada de gente. Animada, começou a dançar, segurando a mão de e balançando, para que ele pelo menos se mexesse. Convencido, ele colocou a mão na cintura de , dançando ao mesmo ritmo que ela. Como se o espaço entre eles o incomodasse, ele a puxou mais para perto, encostando suas barrigas. Por um momento, sentiu uma vontade enorme de beijá-la enquanto ela balançava a cabeça de um lado para o outro, rindo que nem doida e se divertindo. Cansada, ela envolveu o pescoço de com as mãos e repousou sua cabeça em seu peito.
Seja por causa da bebida ou porque era o seu desejo, por um momento ela achou que estava com novamente. Pensou que tivessem voltado uns oito anos atrás e eles fossem namorados, dançando em uma boate. Esqueceu-se de tudo o que tinha acontecido. Foram alguns segundos preciosos em que sua mente voltara no tempo, mas assim que ela voltou para 2008, se deu conta do que estava fazendo e se afastou de .
Tentou disfarçar o que tinha acontecido rindo. Puxou pela mão, de volta à mesa em que estavam sentados antes. Ela se jogou na cadeira, chegando à conclusão de que estava mesmo ficando velha e não aguentava mais essas festas. Se ela estava assim aos trinta e um, não queria nem imaginar como estaria quando chegasse aos cinquenta.
- Acho que vou indo, . – Ela falou, colocando a mão no ombro de . – Estou ficando cansada.
- Como você vai voltar para casa?
- Acho que vou pegar um táxi. – A mulher deu de ombros, se levantando.
- Ah não, já está de madrugada, vai ser difícil encontrar um táxi a essa hora. Deixa que eu te leve lá.
- Se você não se importar, seria ótimo. – Ela sorriu.
Eles procuraram para se despedir, mas não o encontraram, ele provavelmente já tinha saído com Andie, Amy, ou seja lá o nome dela. Como não conheciam mais ninguém que estava ali o suficiente para se despedir, foram embora direto. tinha estacionado perto dali e logo já estavam no carro indo na direção do apartamento de .
ligou o rádio do carro e começou a tocar uma música aleatória, não estava tocando há nem dez segundos quando fez menção de mudar de rádio.
- Não troque, eu adoro essa música! – Ela falou e bufou, mas não mudou de estação – Engraçado, faz muito tempo que não a escuto.
Por um momento ela deu um risinho, então se tocou de quando tinha ouvido pela última vez. colocara essa música para tocar enquanto tomava banho no dia em que Stella morrera. Por causa da música ela não escutara o telefone tocar. Por um milisegundo seu coração pareceu ter parado e ela quase desligou a rádio, mas não fez nada disso, apenas respirou fundo e continuou ouvindo a música, enquanto tentava se acalmar.
Não sabia como tinha conseguido passar tanto tempo sem ter escutado a canção e agradecia por isso, pois agora já tinha autocontrole o suficiente para escutar sem grandes problemas.
- Você está bem? – perguntou, olhando-a de soslaio.
Ela apenas assentiu, sem querer contar para ele. Nunca contara para porque não atendera o telefone logo naquele dia – na verdade, ele nunca tinha a questionado ou parado para pensar, tinham problemas maiores –, seria estranho falar agora. rapidamente lembrou-se de seus planos para aquele dia. Tudo teria sido tão perfeito.
Suspirou, pensando em como sua vida seria agora se Stella não tivesse morrido. A menina estaria com quase seis anos – faria dentro de algumas semanas – e talvez tivesse sido daminha de honra do casamento. Ela poderia estar com um segundo filho, de mais ou menos dois anos, e ainda estaria com .
Pensou em e , em como eles se divertiam dançando na festa, com sua pequena filha nos braços e o futuro bebê no ventre de . Ela sentia falta disso. Sentia falta daquele sentimento de família. Sentia falta de .
É claro que ele estava bem ao seu lado. Eles eram amigos, se viam quase toda semana, conversavam sempre e, é claro, ela não sentia mais falta da amizade dele, ainda bem, mas sentia falta da outra parte do relacionamento que tinham, sentia falta do amor, da paixão, do sexo, das palavras trocadas antes de dormir, de acordar com ele ao seu lado, esperá-lo para jantar, dos “eu te amo”, das ligações diárias durante as turnês.
- É aqui? – Ele perguntou, despertando-a de seu devaneio.
olhou para o lado, percebendo que já tinha estacionado em frente ao seu prédio. Ela assentiu, sem coragem de falar, pois sabia que se abrisse a boca, corria o risco de despejar todos seus pensamentos.
- Você está bem, ? Você está estranha desde que entramos no carro. – falou, estranhando o comportamento de .
- Eu estou, eu só... – Ela não respondeu, apenas suspirou de novo.
não sabia o que dizer, apenas olhou para , fixando-se em seus olhos, quase como pudesse ver sua alma. Naquele momento, ela tinha toda certeza que todo amor que tinha tido por ainda estava lá, não tinha diminuído com os anos, talvez tivesse até mesmo aumentado. E mais do que isso, ao se lembrar do dia da morte de Stella, ela pela primeira vez não pensou em e na ligação disso. Ela não pensou em culpar simplesmente porque tinha o livrado da culpa. Não sabia há quanto tempo já tinha parado de atribuir a culpa ao marido, talvez já fizesse alguns meses e ela apenas nunca tivesse parado para pensar nisso.
Maravilhada com isso, abraçou sem nem pensar no que estava fazendo. Era estranho, mas ela finalmente sentia que tinha aceitado, aceitado tudo. Aceitado a morte, o destino, a saudade, o amor. E esse sentimento de aceitação a deixou desnorteada.
- Você o que? – Ele perguntou curioso.
- Eu sinto a sua falta. – Ela respondeu, como se fosse óbvio.
, é claro, não entendeu o significado daquilo. O significado para ele era outro, era um muito mais simples: sentia falta dele. Ele não podia se sentir mais feliz com aquela declaração, pois há muito tempo sentia saudade de . Não tinha tido aquela mesma percepção de , pois ele sabia que sentia falta dela desde o momento em que a perdera, há tantos anos atrás.
a abraçou de volta. Quando ela se afastou, ele colocou uma mecha de seu cabelo para trás e apenas sorriu para , sem precisar dizer mais nada. Ela se aproximou dele, tocando seus lábios.
E nesse momento, o mundo explodiu em chamas. A sensação, aquela primeira sensação que haviam experimentado há quase quinze anos, ainda estava lá. Parecia que só havia eles no mundo. abriu a boca, deixando que suas línguas se tocassem e a imprensou contra a porta do carro, indo quase para cima dela. Eles se beijavam ferozmente, como se suas vidas fossem acabar em alguns minutos e eles precisassem sentir o sabor um do outro por uma última vez.
Quando o carro começou a ficar pequeno demais, tirou a chave da ignição e os dois se pararam por alguns minutos, apenas o suficiente para andarem até o prédio de e subirem o elevador, pois antes mesmo se conseguirem abrir a porta do elevador, já começavam a se despir.
Já estavam completamente nus ao chegarem na cama, onde passaram as horas seguintes apenas apreciando um ao outro completamente, tentando recuperar o tempo perdido.
Ali, eles fizeram a própria lua-de-mel. Uma segunda lua-de-mel... Estavam mesmo precisando.

Capítulo Doze

Setembro, 2008
acordou com um sorriso no rosto. Não porque tinha tido um sonho bom, mas sim porque tinha tido uma noite boa e estava feliz, puramente feliz. Notou que os braços de a envolviam e virou-se para o lado com cuidado, vendo que ele ainda dormia profundamente.
Por algum tempo, ela não poderia dizer quanto, ficou ali apenas olhando-o, como se não existisse mais nada no mundo. Ele era tão lindo quando estava dormindo. Ela não sabia como tinha conseguido viver sem acordar com essa imagem todas as manhãs. Não sabia como conseguia não querer olhar para o marido de manhã, na época em que ainda moravam na mesma casa.
Quebrando seu hipnotismo, , com cuidado, levantou-se e foi tomar banho, enquanto esperava que acordasse para que tomassem café-da-manhã.
A noite anterior havia sido completamente perfeita, mas não tinha certeza do que ela significava. Aquilo havia sido algo de uma noite só, como uma recaída e, então, eles voltariam a ser amigos novamente? Eles virariam algo como namorados, o que seria um pouco ridículo, já que eles eram casados? Eles voltariam alguns anos atrás, como se nada tivesse acontecido? Todas essas hipóteses pareciam improváveis para , ela não fazia a mínima ideia do que aconteceria dali em diante.
Naquele momento, ela não queria pensar em nada daquilo. Eles teriam tempo para decidir o que aconteceria, o que for para acontecer acontecerá, essa era sua nova filosofia. Agora, ela apenas iria tomar um banho e relaxar.

Ao sair do banho, não encontrou no quarto. Sem se importar muito, concluindo que ele provavelmente já acordara, ela vestiu sua roupa e foi procurá-lo. Como o apartamento não era muito grande, ela não precisou de muito tempo para encontrá-lo na cozinha, preparando um sanduíche para os dois. Ela sorriu para ele, aproximando-se e beijando sua bochecha, sem saber ao certo como se comportar. Ajudou a servir a mesa e, então, tomaram café-da-manhã em silêncio.
Às vezes, seus olhares se encontravam e eles riam, um curto riso sem motivo. Nenhum deles sabia como agir. O silêncio, entretanto, não era nem um pouco constrangedor. Era, na verdade, familiar, como se eles sempre tivessem feito isso e simplesmente não tivessem nada para dizer.
Quando terminaram de comer, recolheu os pratos e os colocou na pia, para lavar depois. recostou-se na bancada da cozinha e ficou apenas olhando para a esposa, como se dissesse que eles teriam que falar um com o outro, eventualmente.
- Nunca estive no seu apartamento antes. – Ele comentou. – É bonito, faz bem seu estilo.
- É, suponho que sim. Principalmente agora, que Catherine levou todas suas coisas para sua nova casa. – Respondeu, ficando, de repente, meio nervosa. – É bem pequeno, mas eu gosto daqui. – Completou, referindo-se ao apartamento.
assentiu, concordando. Queria dizer que a casa deles era bem maior, perguntar se ela tinha se acostumado, se sentia saudade de lá. Não disse nada, já que seus pensamentos estavam em outro lugar.
- Nós precisamos conversar, . – Ele falou, finalmente, o que estava o afrontando.
- Eu sei. – Não queria, mas sabia, ela completou.
Apontou a cabeça em direção à sala, dizendo que eles deveriam ir para lá, e foi até lá, sendo seguida por . Sentou-se no sofá, não querendo começar a falar, mas também não querendo ouvir. É claro que eles tinham que conversar, mas já? Não podiam passar pelo menos aquele dia sem dizer nada, apenas aproveitando a companhia um do outro?
- ... - Ele começou, sua voz estava meio rouca, em um tom baixo, como se não quisesse dizer aquilo mais do que ela queria ouvir. E era verdade. – O que aconteceu ontem foi... – Ele pausou e ergueu as sobrancelhas, curiosa para saber como ele descreveria o que acontecera. – Inesperado.
Inesperado? De que modo aquilo havia sido inesperado? estava só enrolando, falando coisas sem pensar. Não havia sido nem um pouco inesperado. Ela não falou nada, entretanto, ficou calada esperando que terminasse de falar.
- E foi um erro. – Ele completou. – Eu sinto muito, , eu não devia ter feito isso.
- Um erro? – Ela perguntou, surpresa e, ao mesmo tempo, começando a se irritar. – Por que você acha que foi um erro? – Ela tentava manter seu tom calmo.
- Bom, não sei... Você não acha que foi? – Ele perguntou, meio inseguro, sem saber como agir com . Eles nunca tiveram que discutir a relação antes. Ele suspirou, tentando encontrar as palavras certas. – Como eu vou esquecer você agora, ? Como devo recomeçar, mais uma vez, minha vida?
- E por que você precisaria me esquecer?
Ela ergueu as sobrancelhas, olhando para ele, como se o desafiasse. se aproximou dele, segurando suas mãos. Sorriu quando ele olhou para ela e sorriu de volta. Ela se aproximou mais e o beijou. Foi um beijo curto, mais para acabar com o assunto do que qualquer coisa.
- E como nós ficamos? – Ele perguntou quando eles se separaram. deu de ombros, não sabendo como responder.
- Deixe que o tempo dirá. – Ela sorriu. – Não vamos apressar nada, , com o tempo tudo se resolverá sozinho.
Ele assentiu, apesar de não concordar inteiramente. Tinha mais coisas para falar com , muito mais coisas. Os dois sabiam que tinham milhões de assuntos pendentes, mil conversas inacabadas, inúmeras perguntas e dúvidas, mas se passaram tantos anos sem respostas, não faria diferença mais alguns dias. Deixando o que tinha a dizer de lado, abraçou , puxando-a mais para seu colo e a beijou, contente por tê-la em seus braços novamente.

- Sério mesmo que você não vai me contar para onde está me levando? – Ela perguntou, fingindo-se de irritada, mas sorrindo como uma boba, rindo um pouco. – Vamos lá, , me conte! - Ela bateu no braço dele, de brincadeira, e fez bico quando ele virou para olhá-la.
- Já disse, estamos chegando. Chegaríamos ainda mais rápido se você parasse de me agredir e eu pudesse dirigir direito. – Ele completou, reclamando, e , ao seu lado, revirou os olhos.
Já fazia mais de uma semana que eles estavam saindo juntos, ou seja lá o que estava acontecendo entre eles. Desde aquele primeiro dia, não tinham mais conversado sobre o que iria acontecer ou tinha acontecido, estavam apenas aproveitando o momento. estava agradecida por isso, mas sabia que, quanto mais tempo passava, mais tenso o clima ficava, às vezes, como se certos assuntos precisassem ser resolvidos logo, para poderem continuar. Ou terminar. Esse era o problema, o medo de que tudo pudesse acabar novamente.
De qualquer forma, resolvera levá-la para sair naquele dia e não queria, de jeito nenhum, contar-lhe para onde, o que só serviu para deixá-la curiosa. Adorava receber surpresas, mas não gostava nem um pouco daquele sentimento que vinha antes, de não saber o que lhe esperava.
Quando começou a diminuir a velocidade, resolveu olhar pela janela. Franziu a testa quando ele parou em frente a um restaurante, entregando o carro para um manobrista. Ao sair do carro, entretanto, ela começou a reconhecer o local, olhou para , como se lhe perguntasse se estavam mesmo onde achava que estavam
- Acredito que eles tenham mudado o cardápio desde a última vez que estivemos aqui, mas não muito, já que o nome continua o mesmo. – Ele observou, sorrindo para .
Puxou-a pela mão para entrarem no restaurante. Por sorte, um casal tinha acabado de pagar a conta e eles não tiveram que esperar nem dois minutos para se sentar. Quando o garçom lhes entregou o cardápio – que, surpreendentemente, não tinha mudado tanto assim – finalmente conseguiu falar alguma coisa.
- Eu não acredito que você se lembra do lugar. – Ela falou, ainda meio maravilhada.
- Ora, querida, como você queria que eu me esquecesse do nosso primeiro encontro? – Ele sorriu e, então, pareceu meio pensativo. – Meu plano original era te levar para aquela sorveteria perto do colégio, onde te beijei pela primeira vez. – Ele completou, com uma feição divertida. – Mas acabou que fechou há muitos anos atrás e agora é um cabeleireiro. Achei que não era uma boa ideia te levar lá para comer.
riu, ainda sem palavras. Era incrível como pensava em tudo, como ele se lembrava dos mínimos detalhes. Ele teve o trabalho de procurar pela sorveteria – Ele se lembrava da sorveteria, para começar! – e depois o restaurante. Como ela tinha deixado que ele fosse embora uma vez? Duas vezes, aliás. De uma coisa ela tinha certeza: ela não deixaria uma terceira vez acontecer.
- Então, por que me trouxe aqui? – Ela perguntou, sem desmanchar o sorriso, enquanto esperavam pelo jantar. – Alguma ocasião especial?
- E eu preciso de motivo para te levar para jantar? – Ele ergueu as sobrancelhas.
- Então foi só para mostrar que ainda lembrava o lugar mesmo? – Ela perguntou, rindo, e revirou os olhos quando confirmou.
Como não sabia mais o que dizer, ainda levemente encantada com , os dois fizeram o pedido em silêncio, trocando olhares e sorrisos de vez em quando. Apenas quando a comida chegou, eles começaram a falar sobre alguma coisa. Eles conversavam sobre qualquer coisa. Uma das coisas que mais gostava sobre , é que eles podiam falar sobre tudo. E, exatamente por isso, sabia que não estava falando alguma coisa que queria e aquilo a estava encucando. É claro que ela desconfiava do que ele iria dizer, mas queria que ele falasse do mesmo jeito. Ia acontecer eventualmente, de um jeito ou de outro.
- Então, você vai me dizer realmente por que me trouxe aqui? - Ela perguntou, enquanto eles saíam do restaurante. apenas pegou sua mão e andou em direção ao carro. – Sério, eu sei que você está pensando em alguma coisa, pode me contar.
continuou sem respondê-la, até entrar no carro e ligá-lo. Ele se virou para , encarando-a por alguns segundos, antes de dar um pequeno sorriso.
- Como nós estamos, ? – Ele perguntou, finalmente, como se estivesse desabafando alguma coisa.
- Bem? – Ela riu da pergunta, mesmo sabendo o que ele queria dizer. Ele a encarou um pouco sem paciência e ficou séria novamente, dando de ombros. – Eu não sei, , o que você quer que eu diga?
- O que nós somos. Quando eu for apresentá-la para alguém, como devemos introduzi-la? Como minha esposa, ex-mulher, namorada?
- Que tal só como “”? – Respondeu, sem saber o que queria dela. O que ele esperava? Ela sabia tanto quanto ele sobre isso. – Tecnicamente, nós estamos casados. Mas não na prática, então acho que isso nos faz namorados, de novo. – Ela tentou simplificar.
- Namorados? – Ele franziu a testa, como se não achasse o termo adequado.
E não era. Mas não existia nenhuma palavra que eles conhecessem, pelo menos, que definisse a situação em que estavam. Namorados era simples demais, é claro, não chegava nem perto de resumir o que representavam um para o outro, mas para fins práticos era a melhor definição que podiam encontrar.
- Por enquanto, pelo menos. – Ela completou e sorriu para . – Vamos para a minha casa agora.
E eles foram. Raramente iam para a casa de , para a casa deles. Simplesmente porque parecia estranho. Porque se fizessem isso, esqueceriam que não estavam casados mais. E não estavam prontos para sair do estágio de “namorados” ainda.

- Hey. – murmurou quando percebeu se mexendo ao seu lado. – Está acordada?
- Estou agora. – Ela se virou para o lado, dando um selinho em .
Não sorriu, entretanto. Apenas o encarou com o olhar um pouco perdido, encontrando o mesmo semblante no rosto do namorado. Era uma sexta-feira, mas ela não trabalharia naquele dia. Era aniversário de Stella. Ela sabia e também, que significava muito mais do que nos outros anos.
Por mais estranho que parecesse, durante essas semanas em que estiveram juntos, eles não falaram de Stella em momento nenhum. Como se tocar no assunto fosse acabar com tudo o que eles estavam reconstruindo. Naquele dia, porém, eles não tinham como fugir do assunto. Eles precisariam falar dela. Ambos sentiriam essa mesma necessidade.
Sem querer ter essa conversa logo pela manhã, se levantou, indo tomar café da manhã e tomar banho, antes de começar um dia que ela gostaria de evitar. Ela nunca sabia como se sentir nesse dia, o que era para ser feliz acabava sempre se tornando triste. esperava que dessa vez o dia tivesse um final feliz. se encontrava no mesmo estado, nos últimos três anos, ele usara esse dia para se escrever, ou era o que gostava de fingir para si mesmo. Na realidade, ele se trancava no quarto e bebia sem parar por quase 24 horas seguidas, de vez em quando escrevendo coisa ou outra, que ele jogaria no lixo no dia seguinte ou quando ficasse sóbrio.
Naquele ano, ele não teria a bebida para confortá-lo. Ele teria . É, estava evoluindo.
saiu da cama alguns minutos depois, sentando-se na frente de na mesa da cozinha. Eles ficaram apenas olhando um ao outro, sem tocar na comida ou falar nada. Não precisavam trocar nenhuma palavra, sabiam o que o outro estava sentindo.
- Você quer visitá-la? – perguntou, repentinamente, sem saber como começar a conversa. apenas balançou a cabeça em negativa. – É, eu também não.
- Você costuma ir lá? – Ela não precisou dizer aonde.
- Vou quase todo mês. Às vezes, me acorda um pouco, perceber que continua ali, que eu não vou voltar para casa e encontrar vocês duas lá. – Ele falou, meio pensativo, não acrescentou que, às vezes, a realidade vinha tão bruscamente, que ele acabava se acalmando com álcool. assentiu.
Ela tinha a mesma sensação. E odiava isso. Odiava ser obrigada a se pegar a realidade. Sabia que era o certo, sabia que era o melhor, mas se agarrar a esperanças e ilusões sempre lhe foi tão mais atraente. Por esse motivo, só ia visitar Stella uma vez ao ano, no dia de seu aniversário de morte. Ou quando sentia uma necessidade de ir até lá, o que acontecia cada vez com menos frequência.
O assunto encerrou por ali, eles começaram a comer em silêncio. Nenhum dos dois tinha muito o que falar. Lavaram a louça depois, não trocando mais palavras do que o necessário.
Quando acabou de colocar todos os utensílios nos armário, deixou sozinho na cozinha. Foi tomar banho, tentando esfriar a cabeça com um banho quente. Gostava de utilizar o tempo no banho para pensar, naquele momento, entretanto, não conseguia pensar em nada. Seus pensamentos tinham se calado.
pensou que talvez não devesse ter tirado o dia de folga. Ficar o dia inteiro com , os dois sem saber o que falar, seria estranho. Não havia nada que ela pudesse fazer agora, porém. Ainda um pouco lamentante, ela se secou e saiu do banheiro, suspirando só de pensar no resto do dia.
Encontrou na sala. Ele estava sentado na mesa de jantar, de costas para ela, então não podia ver o que ele estava fazendo, mas imaginava que lia alguma coisa. Ao se aproximar por trás, ela notou que tinha se enganado, ele não estava lendo, mas sim observando uma foto. sentiu o coração apertar ao olhar com mais atenção na foto. Ela sempre ficara em um porta-retrato, em cima de uma mesinha, onde ficava também a televisão. Como acontece normalmente, depois de um tempo ela se acostumara com o objeto ali e nunca mais prestara atenção nele.
A foto havia sido tirada na manhã de natal de 2004, Stella estava com pouco mais de dois anos e estava rindo loucamente. Vários presentes estavam jogados no chão e Stella segurava uma boneca pelos cabelos, enquanto se jogava em cima da mãe, que sorria abertamente. Se um dia precisasse definir felicidade, ela mostraria essa foto.
Era um dos retratos mais bonitos que ela já vira, engraçado como tinha se esquecido. sentiu os olhos ficarem marejados de nostalgia. Repousou sua mão no ombro de , despertando-o de seu mundo. virou-se imediatamente, em um sobressalto. Ao perceber que era apenas , ele sorriu.
Um sorriso horrivelmente triste, percebeu. Ela olhou para si mesma na foto e comparou seu próprio riso com o de , era um terrível contraste.
- Você acha que um dia voltaremos a ser tão felizes quanto éramos? – perguntou, quebrando o silêncio e o contato visual, sem saber se era para ou para si mesma.
- Espero que sim. – Respondeu, colocando o porta-retrato de volta no lugar. – Acho que vai sempre parecer que falta uma coisa, mas a felicidade pode se apresentar de diferentes formas. Não estaremos felizes todos os dias, mas nunca estivemos assim.
Era verdade, pensou. O engraçado dos humanos é que quando pensamos em um momento bom que já passou, sempre o idealizamos. Gostamos de pensar que tudo era maravilhoso e que agora tudo está péssimo. Quando as pessoas morrem, ignoramos seus defeitos. Era exatamente isso que fazia, fingia que tudo costumava ser perfeito. E, de certa forma, era mesmo perfeito, comparado com agora. Mas a felicidade nunca foi completa ou efemeramente eterna.
andou até o sofá da sala, sentando-se. se sentou ao seu lado, sem tocá-lo. Eles ficaram, por um tempo, apenas olhando para a televisão desligada na frente deles, parecendo dois mortos-vivos. Depois de algum tempo, procurou a mão de e segurou, apenas como se dissesse que estava ali.
- Você já se perguntou como seria se o acidente não tivesse acontecido? – Ele perguntou, despertando novamente a atenção de .
- Todo dia. – Ela suspirou. – Stella estaria fazendo seis anos. – Ela faz menção de continuar, mas parou por ali, como se entendesse que já soubesse tudo o que ia dizer.
- Eu sei que isso soa horrível, mas, às vezes, gosto de pensar que ela teria ido de qualquer jeito. Que estava destinado a ser assim. – Ele murmurou e assentiu, entendendo o que ele quis dizer. Se tivesse a certeza que tudo tinha acontecido por um motivo para ser assim, que não tinham como ter feito nada diferente para mudar, seria tão mais reconfortante. – Mas acho que é apenas uma tentativa frustrada de me livrar da culpa.
- Você precisa parar de se culpar. – Ela sussurrou, começando a sentir a tristeza a dominando com esse assunto. – Não há nada que você possa fazer agora, . – Apertou sua mão, segurando-a.
- Será que um dia eu vou conseguir parar de me culpar? – Perguntou , mesmo sendo uma pergunta retórica. o abraçou de lado, sentindo que ele estava precisando disso mais do que ela. – Será que um dia você vai conseguir me perdoar? – Completou, fazendo com que ela se afastasse e olhasse para ele, com a testa franzida.
- Do que você está falando? – sustentou o olhar e soube que ele está falando sério. – Eu já te perdoei, .
- Por tudo?
- Por tudo. Não foi sua culpa. Algumas coisas foram acidentes, outras foram culpa minha. Certo, talvez uma parte tenha realmente sido culpa sua, mas isso não importa. O que passou, passou. Por tanto tempo eu guardei as mágoas, esperando que elas desaparecessem, mas, na verdade, elas nem estavam mais ali, eu apenas pensava que estavam.
ficou em silêncio e percebeu que um leve semblante de alívio passou pelo rosto de . Ela o abraçou, sem saber como colocar em palavras o que estava sentindo. Eles ficaram assim por um tempo.
- Eu te amo. – Ela disse, finalmente, beijando-o. – Não importa o que aconteceu, só o que vai acontecer. E eu vou estar aqui com você, sempre.
- Obrigado. – Ele a puxou mais para perto, para um beijo.
Sentia que um peso tinha sido tirado de suas costas, agora que sabia que não o culpava mais. Agora só faltava ele se perdoar.

Novembro, 2008
colocou uma rosa solitária na grama, ao lado da que já estava ali. Ficou alguns segundos parada, olhando a lápide, que anunciava que fazia exatamente três anos desde que Stella se fora. Sentiu o coração apertar e os olhos começarem a ficar embaçados, como costumava acontecer toda vez que ia até o cemitério. Antes que a lágrima escorresse, entretanto, ela sentiu alguém apertando sua mão.
Ela olhou para o lado, encontrando olhando na mesma direção que ela. Sentindo seu olhar, ele se virou, abrindo um pequeno sorriso, um sorriso de compaixão, que demonstrava não somente que ele entendia, mas que eles estavam juntos naquilo. Juntos como deveriam ter estado há três anos. Porque, naquele ano, não chorou mais. Naquele ano, não se afogou em bebida. Se tivessem tido a coragem de se apoiarem um no outro, de compartilhar a dor, não teria sido tão difícil aceitar a morte da filha.
abraçou pelo lado, depositando um beijo no topo de sua cabeça.
- Vamos? – Ela disse, depois de terem ficado algum tempo em silêncio.
- Vai indo, eu vou daqui a pouco.
assentiu, entendendo que ele precisava de um tempo sozinho com Stella. Assim como ele a deixara sozinha, dois anos antes. Apertou a mão de , deixando-a depois e andando vagarosamente até onde estavam estacionados.
observou se afastando até que não pudesse mais vê-la, virou-se, então, novamente, para a lápide se Stella. Ele já tinha vindo visitá-la milhares de vezes, mas dessa vez era diferente. Dessa vez, toda sua situação física e psicológica era diferente.
- Me desculpe, Stella. – Ele falou simplesmente, colocando sua mão direita em cima da lápide. – Eu realmente sinto muito. – Repetiu. – Você pode me perdoar?
Ele sabia que não obteria resposta. Não estava esperando que o fantasma de Stella aparecesse e o respondesse, ou que aparecesse um sinal divino de repente. Começasse a chover ou ventar e, nada aconteceu, realmente. Ao fazer a pergunta, questionava a si mesmo e não a Stella. Ele se perdoava? Ele conseguiria se perdoar, quando via a lápide marcando um espaço tão pequeno de vida? Quando via o nome de sua filha estampado ali? Ele conseguiria se perdoar quando as imagens do acidente vinham na sua cabeça? Ele conseguiria se perdoar cada vez que visse triste por ter se lembrado da filha?
Não achava que conseguiria. Sabia que, no fundo, nunca conseguiria. Mas ele havia superado, ele tinha entendido que não há nada mais que ele possa fazer. Nunca poderia se perdoar, porém, por não ter feito alguma coisa quando pôde.
Não podia se livrar completamente da culpa. Mas, agora, deixava-a ali, naquele cemitério. Enterrava-a junto com Stella, para que toda vez que ele fosse até lá, ele se lembrasse de que, afinal, era por causa dele que ela estava morta. Lembraria cada vez que se lembrasse de Stella, mas podia, ao menos, seguir com sua vida.
Ele deu as costas para a lápide e para a culpa. E foi encontrar .

Capítulo Treze


Novembro, 2008

- Você está bem? – perguntou, observando que não falara nada desde que se afastaram no cemitério.
Eles estavam dentro do carro agora e, apesar de ter colocado a chave na ignição, não tinha ligado o veículo. Quando ele apenas assentiu em resposta, se aproximou e o abraçou, precisavam estar juntos nesse momentos. Por algum tempo, eles apenas ficaram abraçados um ao outro, quando começou a chorar, apenas o abraçou mais forte.
- Deixa que eu dirijo. – Ela falou, mas negou com a cabeça, limpou as lágrimas e deu partida no carro. – Vamos para casa.
Os dois ficaram em silêncio pelo caminho, também não ligaram o rádio. Quando paravam em um sinal, olhava de soslaio para ele, apenas para verificar como estava dirigindo. Sabia que não precisava dizer nada, estar ali ao seu lado era o suficiente. Ou, pelo menos, ela esperava. Não sabia o que tinha se passado quando ficara sozinho no cemitério. E talvez não quisesse saber. Mesmo compartilhando a dor, tinham coisas que eram pessoais demais e deveriam ser enfrentadas sozinhos, ela entendia isso.
parou em frente a sua casa. Raramente eles utilizavam a casa. não se sentia à vontade indo até lá; na verdade, não tinha muita coragem de voltar, todas às vezes que entrara ficara por poucos minutos, até convencer a irem para seu apartamento. Agora, entretanto, ele nem ao menos pensou que ela poderia estar se referindo ao apartamento, aquela era a casa deles, afinal.
não disse nada, apenas saiu do carro, entrando na casa acompanhada de . Sentiu seu coração dar um pulo ao pisar na sala, como acontecia toda a vez que entrava no lar. Ela ficou parada no meio do cômodo por alguns segundos, colocou a mão em suas costas, como se a incentivasse a andar. , porém, não se moveu, olhou para as escadas, observando as portas que davam para os quartos.
Pegou a mão de , apertando-a, e subiu as escadas, sentindo-se um pouco nervosa e, por causa disso, um pouco estúpida. Ao chegar lá em cima, nada pareceu diferente, sorriu para , como se dissesse que estava tudo bem. A porta do quarto de Stella estava fechada e, imaginou, deveria estar assim há um bom tempo. Ela passou direto, indo em direção ao seu antigo quarto.
Não se surpreendeu ao ver que nada tinha mudado desde a última vez que estivera lá, quando tinha deixado sua aliança na mesa de cabeceira. Notou, porém, que obviamente o anel não estava mais ali. Perguntou-se se havia a guardado ou vendido. Achou pouco provável que ele fosse se desfazer de algo do tipo, deveria estar em algum lugar seguro.
Ela se sentou na cama, parando para respirar e observar. Não tinha tido tempo para averiguar o quarto quando viera com , estava ocupada cuidando dele. Tudo continuava exatamente igual. Provavelmente, se abrisse o armário encontraria as gavetas onde guardava suas roupas vazias e veria que continuava a guardar as roupas no mesmo espaço que sempre guardou quando eram casados.
- Como você está? – Ela perguntou, puxando-o para se sentar ao seu lado.
- Estou bem, eu acho. – Sua voz estava um pouco baixa e rouca, por causa do choro. – E você?
- Também. – Melhor do que nos outros anos, acrescentou mentalmente.
Eles não disseram mais nada. Os dois queriam falar alguma coisa, tinham várias palavras guardadas há três anos, mas não sabiam como pôr para fora. O que se dizia em um momento como esses? Ela voltou a pensar, como sempre pensava. Era a primeira vez que passava aquele dia com alguém, em quatro anos.
No dia em que Stella morrera, ela ficara sozinha. Em 2006, apesar de ter estado com Jim, ela, no fundo, estava sozinha, compartilhara com ele sua história, mas não sua dor. No ano anterior, optara pela solidão também. Agora, ela precisava estar com e não sabia como. Não sabia como estar verdadeiramente com ele e não apenas ao seu lado.
- Você não mudou muita coisa na casa. – Ela comentou, por fim. Diria, na verdade, que ele não mudou nada, mas resolveu deixar quieto. apenas assentiu, sabendo que não fizera mudança alguma, literalmente, apenas limpava e botava tudo no lugar novamente. – Isso é estranho.
- Por quê? – Ele franziu a testa, não era estranho, era normal para ele. Não muito saudável, mas normal. – Está bom do jeito que está.
- É, mas a impressão que dá é que voltamos ao tempo. – falou, enquanto observava o quarto e percebia que era realmente verdade o que dizia. – Faz parecer que tudo continua igual.
Ela não precisou colocar em palavras para saber o que ela queria dizer: parecia quase que Stella ainda estava viva. Dava a sensação de que, quando saíssem do quarto, encontrariam Stella rondando a casa. Esse era o objetivo, ele pensou consigo mesmo.
- Isso é errado, você sabe. – Ela completou. – Você precisa deixá-la ir, .
- Não sei do que você está falando. – Ele tentou acabar com o assunto, levantando-se da cama e andando pelo quarto; passou a mão pelo cabelo, sentindo o nervosismo de quem estava fazendo algo errado. – Eu não paro muito em casa, com os shows e tudo mais. Não tenho tempo para ficar rearrumando os objetos e mudando a decoração. É sem sentido, tudo está ótimo do jeito que está.
o olhou, com pena. Não somente com pena de , mas um pouco com pena dela mesma, pois sabia que aquela já havia sido ela uma vez. A diferença era que escondia muito melhor, poucas pessoas conseguiam ver que ele precisava de ajuda. Ao contrário dela, que deixava claro para todos o quanto ela estava sofrendo, o quanto ela rejeitava a morte da filha.
não rejeitava a morte de Stella, ela sabia. Apenas não conseguia deixar para trás. E entendia isso, entendia completamente. Ela tinha tido ajuda profissional e talvez só por isso tivesse conseguido superar. Não sabia se somente sua ajuda seria o suficiente para fazer com que superasse também.
- Isso é mentira, . – Ela respondeu; sua voz calma e o tom de censura fez estremecer. – Mudar ajuda a aceitar que as coisas mudaram. Você mudou, a casa precisa mudar também. – Ela completou. – Fica esse clima sombrio toda a vez, é como se algo nos impedisse de continuar com a vida.
- Mas eu estou continuando com a vida, eu estou. – Ele murmurou, tão baixo que quase não pôde ouvir. – Não é isso que eu venho fazendo há três anos? Levando a vida. Quando eu vou parar de continuá-la e simplesmente viver?
Sentiu a irritação borbulhar dentro de si. Tudo o que ele vinha fazendo era continuar com a vida, ele já estava fazendo isso, por que todos continuavam insistindo no assunto. então? Por que estava falando isso? Logo ela, dentre todas pessoas. Fora , afinal, quem ficara chorando durante meses. Fora ela quem entrara em depressão e precisara tomar remédios para lidar com a dor. Por que, então, era ele quem estava pior agora? Por que era ele quem não conseguia mudar?
- É você quem está dizendo que não está vivendo. – falou, dando de ombros. – Você tem controle sobre a sua vida, . Se está irritado com a situação, mude-a.
não soube responder aquilo. Não queria magoar com um comentário rude, sabia que ela estava apenas tentando ajudar. Não estava conseguindo. “Mude-a”, como se fosse simples assim. Ela chegava ali e jogava tudo aquilo em cima dele, toda a verdade sobre seus sentimentos que ele vinha tentando esconder, e agora falava isso. Irritado, ele saiu do quarto e entrou no banheiro. Tomaria um banho para se acalmar e, quando saísse, era melhor ter encontrado um assunto melhor.

não falou nada quando simplesmente saiu para tomar banho, ele precisava de um tempo para absorver as informações. E ela também.
Talvez não devesse ter dito nada daquilo, falando como se entendesse alguma coisa. Talvez realmente não tivesse tido tempo de rearrumar a casa ou simplesmente não quisesse, só porque para ela aquilo significava uma coisa, para ele podia ser diferente. Ela estava passando dos limites. Aquele deveria ter sido um dia para eles ficarem juntos e, veja só, ela conseguira machucar e eles estavam separados agora.
Sentiu as lágrimas brotando em seus olhos e dessa vez não sabia por que exatamente. Era uma mistura de raiva, irritação, tristeza e arrependimento. Quis socar um travesseiro, mas se sentiu estúpida apenas por ter esse pensamento, então levantou-se da cama e resolveu sair daquele quarto. O problema era aquela casa, pensou para si mesma, trazia muitas energias negativas.
Sem parar para pensar, acabou indo parar no quarto de Stella. Era automático, pensou. Fizera aquele caminho tantas vezes enquanto morara naquela casa, que não sabia mais como desviar. Acusara de não ter mudado a casa, mas ela também não teria feito nada se não tivesse se mudado. Era uma hipócrita, isso sim. Irritada consigo mesma, elas deixou que as lágrimas caíssem por alguns segundos, então limpou seu rosto, determinada a parar de chorar, e ficou apenas observando o quarto vazio.
Como já esperara, não fizera nenhuma mudança no cômodo. As paredes continuavam da mesma cor, a estante continuava presa na parede e a base da pequena cama continuava ali. imaginou que, se ela não tivesse doado todas as roupas e brinquedos de Stella alguns anos antes, tudo ainda estaria no devido lugar.
Ela quase pulou de susto quando sentiu uma mão no seu ombro, virou-se apenas para confirmar que era . Ele não disse nada, mas ela percebeu que ele estremeceu ao ver seus olhos ainda inchados.
- Me desculpa, . – Ele a abraçou. – Eu não deveria ter saído assim.
- Está tudo bem. Você estava certo, eu não tinha nada que me meter, você sabe o que faz com a sua vida. – Respondeu, com a voz falhando um pouco, tanto por causa do choro quanto pela chateação.
- Não. – Ele falou, determinado. – Eu estava com a cabeça quente, mas agora estou melhor.
Ele havia pensado durante o banho. Sempre conseguia pensar melhor enquanto caía água em sua cabeça. estava certa, afinal. Ele vinha rejeitando, de certa forma, a vida. Mesmo se recuperando do alcoolismo e se acertando com , ele não conseguira mudar sua casa. E, como dizem, a casa reflete o morador.
- Obrigado. – Falou simplesmente. – Eu vou mudar a casa.
iria começar a falar, mas percebeu que ainda não tinha terminado. Ele olhou para ela e pegou sua mão, como se apenas para confirmar seu agradecimento.
- Mas essa casa também é sua. – Ele completou. – Nós vamos mudar juntos, .
Ela ia responder que não morava mais lá, mas entendeu o que quis dizer. Ele queria que ela voltasse para lá. Queria que ela voltasse para casa. E ela também queria, percebeu, no fundo, aquele apartamento era apenas temporário porque, por mais que aquela casa a enchesse de lembranças que ela preferia esquecer e a desse arrepios algumas vezes, ainda era seu lar e ela pertencia à ali. Assentiu e se aproximou de para beijá-lo.

Dezembro, 2008
parou em frente ao quarto que fora de Stella. O quarto estava completamente vazio agora, mais do que antes, mas preferia assim. As paredes haviam sido pintadas de creme e a cama, armário e estante haviam sido levados embora. Como a tinta ainda estava fresca, não tinha nenhum móvel. Ela e pretendiam fazer um escritório ali. Um lugar para que os dois pudessem trabalhar, mexer no computador ou ler um livro em paz, um lugar que não lembrasse, de modo algum, Stella.
só tinha se mudado há algumas semanas para casa e ainda estava se acostumando. Alguns de seus móveis continuavam no apartamento antigo e ela ainda estava cancelando o aluguel, mas já não morava lá e se sentia bem com isso.
Ao sair do quarto, fechando a porta para o cheiro de tinta não se espalhar, esbarrou em . Ele estivera parado ali, apenas observando olhar o cômodo. Sentia como se tivesse alguma coisa errada com o quarto. Mas um errado bom, na medida do possível.
- É estranho, não é? – comentou, trancando a porta e se afastando do quarto. – Transformar o quarto de Stella em um ambiente tão impessoal. – Completou.
apenas assentiu. Era melhor assim, apesar de estranho. Com o tempo talvez pudessem usar o escritório sem se lembrar do que já havia sido. Pelo menos, era o que ele esperava.
- Vamos. – Chamou, tocando no braço para que ela prestasse atenção e, então, desceu as escadas.
concordou, olhando para trás uma última vez, apenas para verificar se o quarto continuava do jeito que tinha deixado. Surpreendia-se com sua capacidade de acreditar que um dia iria virar e encontrar tudo diferente. Ou igual, pensou rapidamente, dependendo do ponto de vista.
Passando pelo andar de baixo, parou um pouco para observar a árvore de Natal que ela e tinham montado alguns dias antes. Era uma árvore bonita, cheia de enfeites dos mais variados tipos. se sentiu triste, ao imaginar que ela nem seria utilizada naquele ano, já que eles haviam decidido passar o Natal na casa dos pais de . Sem Stella ali, entretanto, o Natal seria muito vazio só com eles dois.
Eles viajariam para a casa dos já naquele final de semana, portanto, naquele dia queria levá-la para sair. Principalmente, lembrou , considerando que naquele dia faria oito anos desde que a pedira em casamento. Ela ponderou se ele lembrava, provavelmente sim, ele tinha uma ótima memória.
O que só se confirmou quando eles entraram no carro e dirigiu até a London Eye. não conseguiu deixar de sorrir, fazia tempo que não ia até lá, estava mesmo pensando ir novamente e não havia nenhum dia melhor para isso, para comemorar.
Oito anos, quem diria que já tinha passado tanto tempo. Quem diria que tinha passado tão pouco tempo. Parecia que uma vida inteira tinha sido vivida nesse intervalo e, entretanto, nada havia mudado. Continuava sendo eles dois. No mesmo dia, no mesmo lugar, com as mesmas sensações.
Não, ela pensou. Os sentimentos continuavam os mesmos, a maior parte, pelo menos, mas as sensações eram diferentes. Eles estavam diferentes, aqueles anos haviam tido muito mais peso do que eles gostariam. Era impossível dizer que continuavam sendo as mesmas pessoas que andaram na roda-gigante exatamente oito anos antes.
- O que estamos fazendo aqui? – perguntou, deixando com que os pensamentos se transformassem em palavras.
- Eu gosto daqui. – completou, sorrindo e segurando a mão de . – Me traz boas lembranças.
Porque era verdade, não disse mais nada até estarem dentro da cabine. E até depois, na verdade, porque ficou apenas olhando a vista encantada. Era reconfortante como certos lugares nunca perdem o encanto, não importa quantas vezes você vá, parece sempre que é a primeira vez.
Quando estavam no topo da roda-gigante, olhou para sorrindo, lembrando-se de que fora mais ou menos naquela hora que ele a pedira em casamento. Como se lesse sua mente, falou:
- , preciso de falar uma coisa.
- Você vai me pedir em casamento de novo? – Ela brincou, rindo com a possibilidade.
- Na verdade, quase isso. – Disse, fazendo com que ela franzisse a testa, então tirou um pequeno saquinho do bolso. – Bem, eu não tinha mais a caixa original, mas acho que isso vai servir. – E tirou um anel do saquinho. Não um anel qualquer, ele tirou a aliança de casamento de . – Eu acho que isso pertence a você.
Ela não respondeu. Não conseguiu. Ficou olhando abismada para a pequena aliança que segurava, esperando que ela a pegasse. Imediatamente, segurou sua própria mão, como se duvidasse que sua aliança não estivesse ali. Lembrou-se então que deixara, com lágrimas nos olhos, sua aliança em casa, alguns meses antes. Dava graças a Deus por tê-la guardado.
Ainda um pouco em choque, ela tentou pegar o anel, mas antes que pudesse, pegou sua mão e colocou a aliança de volta no dedo certo, repetindo o mesmo gesto que fizera em seu casamento. Sem encontrar palavras, apenas puxou para perto e o beijou.

Março, 2009
suspirou ao entrar no hospital. Apesar de ser um hospital diferente, em uma cidade diferente, seu pensamento imediatamente saltou para a noite em que vira os médicos tentarem ressuscitar Stella. A verdade era que não tinha entrado em um hospital nenhuma vez naqueles últimos anos. Tinha ido a médicos, é claro, mas não em um hospital de fato. Era estranho como todos eles se pareciam.
Dessa vez, porém, ela sabia que sua visita não traria lágrimas. O filho de havia nascido no dia anterior e ela estava indo visitá-lo pela primeira vez. já estava lá com os meninos, todos estavam celebrando a chegada de um menino à família. Eles tinham ficado animados com o nascimento de Elle e de Stella também, mas, no fundo, todos esperavam por um menino.
- Tia ! – Elle a chamou do final do corredor e veio correndo em sua direção, largando a mão do pai. – Você veio conhecer o Ollie? – Ela fez uma pequena pausa e continuou. – Ele é tão pequenininho! Assim, olha. – Ela afastou as mãos, deixando um pequeno espaço, provavelmente muito menor do que o irmão era. – Mas é muito fofo. Mamãe me deixou segurá-lo ontem! Eu mal posso esperar para poder brincar com ele. – Completou e então saiu correndo em direção ao quarto novamente.
- Ela está muito animada com a ideia de ter um irmão. – avisou, rindo e observando a filha. – Mas tenho quase certeza que ela acha que ele é um brinquedo, ou algo assim.
observou que , apesar de um pouco cansado, parecia muito feliz. Parabenizou-o pelo novo bebê e foi então encontrar . O quarto, apesar de grande para os padrões de um hospital, estava superlotado. Além de Elle e , estavam também , Dougie, , Catherine e os pais de .
parecia meio incomodada com a quantidade de pessoas ali e, provavelmente, queria que todos fossem embora para que ela pudesse dormir, mas sorriu para quando ela chegou. se aproximou, entregando-a o presente que tinha comprado para a criança.
- Quer segurar o Oliver? – perguntou, procurando pelo filho, que estava sendo repassado de braço em braço. Encontrou-o com Catherine, que olhava o bebê com encanto. – Acho que alguém está pensando em ter filhos. – Comentou.
olhou para a irmã e concordou com a amiga. Pensou em como seria legal ter um sobrinho, principalmente agora que estava voltando a gostar de crianças e aprendendo a lidar com elas.
Aproximou-se da irmã, pegando o bebê no colo. Enquanto segurava Oliver no colo, lembrou-se de como era Stella. Lembrou-se, em seguida, dos meses que sucederam sua morte, em que costumava ir ao seu quarto e ficar na cadeira de balanço. Perguntou-se por um momento se um dia estaria preparada para ter outros filhos, se um dia conseguiria superar.
Ela queria ter outros bebês. Esse era seu sonho, afinal, ser mãe. Mas não conseguia deixar a memória de Stella de lado para isso. Não queria que vissem seu filho como um substituto, não queria que ela mesma acabasse tratando o filho assim. Olhou para , que estava do outro lado do quarto conversando com , e imaginou se ele também pensava sobre ter filhos novamente.
Ainda não era a hora certa para falar sobre isso. Mas teria realmente uma hora certa?
se perguntava se não seria tarde demais quando ela decidisse.

Capítulo Quatorze


Agosto, 2009

Quando chegou ao restaurante, percebeu que Catherine e já estavam sentadas, comendo alguma entrada. Cath, que tinha acabado de voltar de uma longa viagem com , chamou a irmã e a amiga para saírem para almoçar. Apesar de estar tendo uma semana super agitada, preparando um evento em cima da hora, não poderia negar ver a irmã, que estava sentindo tanta falta nos últimos meses.
Era engraçado o quanto e Catherine tinham ficado amigas recentemente, afinal, já era amiga de há muito mais tempo. Mas até que fazia sentido, agora que todas estavam casadas com os integrantes da mesma banda.
observou que Catherine brincava com Oliver, que já estava com mais de cinco meses agora, e ria sem parar no colo de . Sempre que encontrava Ollie - o que acontecia frequentemente - alguma coisa despertava dentro de , um sentimento que ela preferia que tivesse ficado guardado.
- Hey, , finalmente você chegou. – Cath abriu um sorriso, cumprimentando a irmã e puxando-a para que ela se sentasse.
riu, observando a expressão de felicidade no rosto de Catherine. O que umas boas férias não faziam. pensou, só Deus sabia como ela estava precisando de umas. Quanto tempo fazia desde que tirara um tempo só para si mesma? Mais do que um ano, sem dúvida.
- As férias te fizeram bem. – comentou, compartilhando parte de seus pensamentos.
- Sim, bastante. – Ela abriu mais um sorriso e mordeu o lábio, como se fosse contar alguma coisa, mas não soubesse exatamente se devia. apenas ergueu as sobrancelhas, observando a reação da irmã. – Eu sei que vocês devem estar se perguntando porque eu pedi que se encontrassem aqui comigo tão rapidamente. – Catherine começou e franziu a testa.
- Na verdade, não. – disse. – Não teve nada de estranho nesse almoço, até agora, Cath.
- Achei que você só estivesse com saudade da gente ou algo assim. – Completou , dando de ombros.
Catherine revirou os olhos, aborrecida porque não a deixaram terminar de falar e apenas as encarou, deixando claro que ela queria dizer algo.
- Eu estou grávida! – Ela anunciou, abrindo provavelmente o maior sorriso que já dera na vida.
- Ah, isso é ótimo, Cath! – falou, abraçando a irmã. – Awn, finalmente vou ter um sobrinho para cuidar.
O resto do almoço inteiro foi apenas uma celebração da gravidez. Catherine contou que eles já estavam pensando em ter um bebê por algum tempo e, durante essa última viagem, ela finalmente conseguira. Catherine queria contar logo para elas, pois tinha certeza que contaria para os outros imediatamente e Cath queria ela mesma contar.
Após se despedir das duas, foi direto para sua casa, aproveitando que podia resolver todo o resto do seu trabalho por telefone. Precisava de um tempo para se acalmar, enquanto os pensamentos se espalhavam em sua mente. Aproveitaria que provavelmente não estaria em casa, para organizar o que estava sentindo.
E daí que sua irmã estava grávida? Ela deveria estar feliz, não é? Mas é claro que estava feliz, pensou. Não era que não estivesse, estava muito feliz por Catherine, só estava triste por ela mesma. Como sempre. Catherine, que era tantos anos mais nova que ela, já estava casada e tendo filhos, e isso a fazia se sentir velha. O que a levava a pensar que talvez não tivesse mais tantos anos de fertilidade assim.
Ela, obviamente, estava exagerando. Ainda tinha 32 anos, tinha quase uns dez anos pela frente. Mas ela sabia que quanto mais tempo passava, mais difícil era para conseguir engravidar. Ela sabia o quão rápido o tempo podia passar e, em um piscar de olhos, ela já estaria com mais de quarenta anos e já teria passado a hora.
Também era estranho imaginar Cath com filhos. sempre fora a que queria ter uma família. Ter filhos. E era a única que não estava conseguindo. Aquele pensamento vinha sendo muito recorrente nos últimos tempos, percebeu. Se há tanto tempo andava pensando em ter outros filhos, por que simplesmente não conseguia admitir isso para ninguém que não fosse ela mesma? Não conseguia dizer nem mesmo para sua psicóloga. Não era um absurdo tão grande, afinal. Por que, então, sentia-se tão culpada?
Ela queria aquilo. Ela queria mais do que qualquer coisa no momento. Mais do que isso, ela precisava. Agora, mais do que nunca, ela sentia que estava na hora.
Talvez só estivesse pensando tudo isso porque estava com inveja de sua irmã, mas não se importava. Mesmo que estivesse sendo um pouco influenciada por Catherine e por , esse sentimento teria aparecido em algum momento, de qualquer forma.
- O que você está fazendo? – perguntou.
sobressaltou assustada, estava tão perdida em seus pensamentos que nem ouvira chegar em casa. Ela apenas sorriu para o marido, afastando-se da janela que estava, encarando fixamente e cumprimentando-o.
Questionou-se se deveria falar sobre o que estava pensando. Não sabia como iria reagir, ou pior do que isso, não fazia a mínima ideia. Nunca haviam nem ao menos comentado sobre a ideia de ter outro filho. Pelo o que sabia, podia nunca ter pensado sobre o assunto ou ser totalmente contra. E as coisas andavam tão boas entre eles, ela não queria estragar tudo.
- Você ouviu o que eu disse? – Ele questionou, erguendo as sobrancelhas e despertando a atenção de . – ?
- Ah, desculpa. O que houve? – Ela tentou voltar sua atenção ao marido.
- e Cath vão ter um filho! – Ele anunciou animado. – O quão legal é isso? Parece que todos estão tendo filhos. Talvez até daqui a pouco. – Ele parou um segundo para pensar no assunto. – Acho que ele está saindo com Jenny de novo. De qualquer forma, e Catherine tendo um bebê, o que acha disso?
- Cath me contou hoje mais cedo. – Ela falou, ainda meio em outro mundo. – Estou feliz por eles. E por . – Acrescentou. - Eu gosto de Jenny.
andou em direção à cozinha, pegando um copo de água, como se precisasse se ocupar com alguma coisa para não parecer tão fora de sintonia. O que, claro, não adiantou muito, já que continuava a olhando com o cenho franzido, tentando entender o que se passava pela mente da mulher.
- , o que houve? – Ele perguntou, seguindo-a, sem saber por que ela estava agindo assim. Quando o olhou sem entender, ele completou. – Você está estranha. E não está agindo como se estivesse feliz. Você e Catherine brigaram ou algo assim?
- Não, é claro que não. É só que... Eu sou a irmã mais velha, eu deveria ter filhos antes dela. – Ela falou, sem saber como trazer o assunto à tona.
- Mas você teve. – Ele disse, referindo-se a Stella e não entendendo o que ela queria dizer.
balançou a cabeça negando. Sim, ela teve. Mas Stella não contava realmente, não é? Não mais. Naquele momento, entendeu que não tinha pensando no assunto e provavelmente não iria gostar da ideia. Mas não tinha mais jeito de voltar atrás agora, ela poderia encerrar o assunto por ali, mas ela conhecia e sabia que ele traria de volta mais tarde.
- Eu sei, mas ultimamente eu estive pensando e... – Ela parou e fez sinal para que ela continuasse. – Você sabe que eu sempre quis ter filhos. Agora que nós estamos juntos de novo, nós podíamos, não sei, tentar novamente.
não respondeu nada, ainda absorvendo a informação. também não continuou a dizer, com medo do que ela acharia, naquele momento daria tudo para poder ouvir os pensamentos de . Talvez ela devesse ter esperado um pouco mais, ter amadurecido a ideia.
- Há quanto tempo você vem pensando nisso? – Ele disse, finalmente.
- Algum tempo. – Ele respondeu, estranhando a pergunta. – Desde que Oliver nasceu, acho, mas principalmente de um mês para cá, eu acho.
- Por que você não me disse nada? – Ele pareceu mais chateado do que irritado. – Essa é uma decisão importante, , não podemos decidir tão precipitadamente.
- Não é precipitado. Não estou dizendo para termos um bebê amanhã, , só começarmos a pensar no assunto.
- Eu sei. Mas não acha que é cedo demais?
- Faz quase quatro anos! Quando vai parar de ser cedo, ? Quantos anos você acha que eu ainda tenho para ficar pensando sobre o assunto? Não muitos. – Ela respondeu irritada, não sabia por que estava se estressando, mas estava.
- Podemos pelo menos esperar alguns anos. Nós não estamos prontos para isso.
- Eu estou pronta. Droga, , eu estou pronta para ser mãe há uns dez anos.
- Mas isso não foi o suficiente, não é?
Os dois ficaram calados por algum momento, apenas pensando no que tinha dito. Não, não fora o suficiente. Não importava se eles estavam prontos, se eles queriam aquilo e podiam, no fim não foi o suficiente para manter Stella viva.
- Não foi minha culpa Stella ter morrido. – Ela falou, quebrando o silêncio e encarando com raiva por ele ter trazido Stella para o assunto.
- Eu não disse que foi. Só quero dizer que não importa o que façamos, nós não sabemos o que vai acontecer. Eu não quero passar por isso de novo.
- Por que nós perderíamos outro filho? O que aconteceu foi um acidente, quais são as chances de acontecer de novo? – Ela falou, tentando fazer com que entendesse. – Nós podemos ter outra chance, . Você não gostaria de poder fazer tudo mais uma vez? Só que dessa vez, ela faria quatro anos, cinco... E continuaria crescendo.
As lágrimas começaram a escorrer pelo rosto de , enquanto ela pensava em tudo que eles não tinham tido e que poderiam ter. Falar em Stella sempre a deixava emocional, não importava quanto tempo tivesse passado.
- Mas nós não podemos voltar no tempo, . Outro bebê não seria Stella.
- Mas seria nosso filho. Pense nisso, . Não seria Stella, seria outro bebê, mas ainda seríamos nós dois. Você sempre quis ter outros filhos, eu também, por que não?
- Eu não quero mais. – Ele falou, encerrando o assunto e saindo em direção à porta de casa.
- Você vai embora? De novo? – Ela reclamou, limpando as lágrimas do rosto. – Todas as vezes que as coisas complicarem um pouco, você vai simplesmente me deixar sozinha?
- Eu nunca te deixei sozinha. – Ele avisou, um pouco magoado com a referência que ela fez. – Eu só vou sair para pensar um pouco. – E falando isso, saiu de casa, batendo a porta.
não falou mais nada, apenas deixou que ele fosse embora. Ótimo, agora estava estressada. Era a primeira briga de verdade que eles tinham desde que voltaram a morar juntos. É claro que já tinham brigado várias vezes antes, mas nada muito sério.
imediatamente se arrependeu do que tinha dito para . Não deveria ter falado de ele ir embora, não depois de assegurá-lo que tinha o perdoado e sabendo como ele se sentia culpado. Não sabia realmente porque tinha dito aquilo, odiava não conseguir pensar quando estava irritada. Esperava que voltasse para casa logo e eles pudessem resolver tudo.
Não devia ter ficado tão na defensiva, pensou, não era tão importante assim, afinal. Se queria esperar, ela podia esperar, não podia? Por que sentia essa necessidade tão grande de ter outro filho? Como se precisasse provar que podia ter um filho?
Talvez estivesse certo. Talvez ela realmente não estivesse preparada para ter outro filho. E como poderia estar? Verdade seja dita, a morte de Stella ainda a assombrava. Como poderia colocar todo esse peso em cima de outra criança? Ela poderia correr o risco de tentar substituir a perda de um filho com o outro. De fazer comparações. E isso a faria se sentir uma péssima mãe.
Por outro lado, talvez esse sentimento nunca passasse. E se ela continuasse pensando assim, iria acabar nunca tendo outro filho. E sempre pensaria “E se?”. Também não queria que isso acontecesse.
Cansada de se torturar com seus próprios pensamentos, resolveu tomar um banho para ver se conseguia relaxar um pouco. Estava trabalhando demais, isso estava a estressando. Não devia ter descontado em . Ele também não estava tendo uma semana muito fácil, ela provavelmente deveria ter esperado um pouco mais.
Mas também estava com aquilo preso e precisava contar. A culpa não era dela se reagira tão mal a sua proposta. Não era tão absurdo assim ter um bebê. Não era possível que em quase um ano que eles estavam juntos de novo, ele nunca tivesse pensado nessa possibilidade. Mas ele estava certo, esse era um passo importante, eles deveriam esperar para decidir juntos.
Ela saiu do banho, notando que ainda não havia voltado. Aonde será que ele havia ido? Será que ela deveria começar a ficar preocupada? Procurou-o pelo resto da casa, confirmando que ele realmente não estava ali. Ligou para o celular dele, mas não atendeu. reparou que começava a chuviscar lá fora, era só o que faltava. Esperava que pelo menos tivesse levado um guarda-chuva.
Ainda estava de tarde, provavelmente só tinha ido encontrar com ou . Lembrou-se de que tinha muito trabalho a fazer ainda e, enquanto ele não aparecia, era melhor ela adiantar alguma coisa.
Mais de uma hora depois, tentava continuar trabalhando, mas não conseguia se concentrar. ainda não tinha voltado. Já estava há duas horas fora e já estava quase de noite. tentou ligar para seu celular de novo, mas novamente ninguém atendeu. Preocupada, ela ligou para , e , mas nenhum deles tinha visto desde que ele voltara para casa, mais cedo.
pensou em sair para procurá-lo, mas não fazia a mínima ideia de onde ele poderia estar. Ela olhou pela janela e notou que ele havia levado o carro, o que basicamente significava que ele poderia ter ido para qualquer lugar. Tentou ligar mais uma vez para . A chuva aumentou.
pensou em um lugar que poderia estar. Tinha uma grande chance que ele não estivesse, mas ela esperava que sim. Deixou um bilhete para o caso de voltar para casa antes dela, então pegou um guarda-chuva e chamou um táxi.
A chuva tinha diminuído um pouco quando finalmente avistou o cemitério. Tinham apenas alguns carros estacionados e, felizmente, ela conseguiu destacar o carro de entre eles. Ela saltou do carro e correu até a lápide de Stella, onde tinha certeza que o encontraria. De longe, ela o viu parado, em meio aos pingos de chuva. Revirou os olhos, pensando que ele provavelmente ficaria resfriado depois.
Ela andou calmamente até ele, parando ao seu lado e protegendo-o da chuva com seu guarda-chuva. Ele pareceu não perceber sua presença por alguns segundos e então virou-se assustado, como se tivesse sido encontrado fazendo alguma coisa errada.
- ? – Ele perguntou, tendo que falar alto para que ela o ouvisse.
- Você está bem? – apenas assentiu, ela não podia ver suas lágrimas misturadas com as gotas de chuva.
pegou a mão de e andou até o carro, sem dizer mais nenhuma palavra. Ele sabia que ela estava irritada por ele ter sumido, mas estava feliz que ele estiva bem. Ele sabia que deveria ter atendido seus telefonemas, mas precisava realmente de um tempo para pensar. Ele tinha sim pensado em ter outros filhos, algumas raras vezes, sempre descartara essa oportunidade, porém. tinha conseguido, depois de muito esforço, perdoar-se um pouco pela morte da filha; mas continuava ali, apesar de tudo, o medo, as inseguranças. Se eles tivessem outro bebê e acontecesse alguma coisa? Como ele conseguiria se perdoar dessa vez? E se, afinal, tivesse realmente sido culpa dele?
estava certa, ele queria ter outros filhos, sempre quisera. Mas tinha tanto medo. E se ele voltasse a beber? E se, e se. Ele sabia que se continuasse a questionar tudo o que poderia acontecer, ele acabaria não vivendo.
E se eles tivessem um filho e desse tudo certo? Eles estavam tão felizes, tudo estava tão perfeito entre ele e , o que poderia dar errado? Um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, era o que sempre diziam. Eles já haviam sofrido demais nessa vida, será que ele não podia simplesmente dar uma chance a si mesmo de ser feliz? Mais do que isso, não podia dar uma chance à ?
Ele havia abandonado-a uma vez e prometera a si mesmo que nunca faria isso novamente. Eles estavam juntos e se queria ter outro filho, se ela estava pronta para embarcar nessa vida novamente, então ele iria com ela.
- Me desculpa. – falou quando eles chegaram ao carro. – Eu não devia ter reagido tão mal. Você está certo, , nós deveríamos esperar.
arregalou os olhos ao ouvir isso. Depois de todo o drama interno que tinha tido, ela simplesmente aceitava e dizia que eles deveriam esperar? Ela só podia estar brincando! quase riu; ele deveria ter imaginado que faria uma coisa desse tipo.
- Engraçado, porque eu ia dizer que achava que nós devíamos tentar. – Ele comentou.
não respondeu nada, parecendo arrependida ter falado antes. Apenas o encarou, como se perguntasse se ele estava falando a verdade mesmo.
- Você tem certeza?
- Tenho. Vai dar tudo certo dessa vez, , nós vamos ter outro bebê e vai ser a melhor fase da nossa vida. – Ele falou com tanta certeza, que ficou até surpresa.
Apenas sorriu para ele, tentando deixar de lado suas próprias inseguranças. Tudo ia dar certo dessa vez, estava certo. Eles estavam tão felizes, por que daria alguma coisa errada? Ela o beijou e dirigiu até a casa novamente.
Ao chegarem, entrou na casa e ficou para trás, para fazer alguma coisa. Ele apenas pegou um saco plástico, que continha suas compras de algumas horas atrás, e jogou-o na lata de lixo. Hesitou por apenas um segundo. Só ele sabia o quão próximo estivera de beber aquela garrafa, apenas parara por alguns minutos no cemitério para pensar um pouco mais sobre suas próprias decisões e, então, chegara. Alguns minutos a mais e o que iria para o lixo era sua reabilitação.
Seria a melhor época de suas vidas, ele repetiu para si mesmo, não tinha com o que se preocupar. Estavam prontos.

Dezembro, 2009
encarava a tira que marcava duas listras sem saber como reagir. Sentiu uma solitária lágrima escorrer pelo seu rosto. Pela primeira vez em muito tempo, chorava de felicidade. Seu teste de gravidez dera positivo! Depois dos últimos três meses sem nenhum sucesso, ela tinha vontade de contar para Deus e o mundo. Ao invés disso, apenas saiu do banheiro, levando o teste consigo e encontrou esperando-a ansiosamente, sentado na cama. Ela apenas sorriu, levantando o resultado.
entendeu na mesma hora, pulando da cama e abraçando a mulher. Agora era oficial, não tinha mais como negar, eles teriam outro bebê.
É claro que ambos ainda tinham suas inseguranças, mas tinham nove meses para se preparar. Era tempo o suficiente, diziam para si mesmos. Eles pensaram bastante sobre o assunto, pensaram em parar de tentar cada vez que a menstruação de chegava, mas decidiram que continuariam tentando.
Eles continuariam a construir uma família. E, finalmente, aquela sensação de que falta algo, desapareceria. Pelo menos, era o que esperavam.
O ano estava acabando e eles começariam o próximo completamente renovados. Quatro anos antes, planejara começar o ano seguinte com uma nova gravidez. Planejara ter um segundo filho e comemorar com e com Stella. Ela pensara em como contaria para Stella, como seria, se levaria a filha para ir à consulta do médico com ela, se Stella opinaria sobre o nome do bebê.
Mas era apenas ela e novamente. Passando por uma gravidez mais uma vez. Jantando para comemorar. De alguma forma, lembrar de tudo isso, fez com que ficasse triste. Ela tinha que deixar esses pensamentos de lado. Eles iriam ter outro filho, ela teria mais responsabilidades como mãe, não podia deixar que simples memórias a abalassem tanto.
Percebendo a mudança na feição de , a apertou em um abraço. Ele sabia que, com um novo bebê, a lembrança de Stella ficaria cada vez mais forte, cada vez que repetissem alguma coisa que já tivessem feito com a filha, eles se lembrariam dela. E eles teriam que ser fortes para passar por isso.
- Nós vamos conseguir. Nós vamos mesmo fazer isso. – Ele falou, beijando o topo da cabeça de . – Tudo vai se ajeitar agora.


Capítulo betado por Isabela H.


Capítulo Quinze


Março, 2010

caminhava em torno da mesa de jantar da casa de enquanto carregava Noah de um lado para o outro. Desde que o sobrinho havia nascido, duas semanas antes, ela procurava qualquer oportunidade para segurá-lo. Catherine havia se provado uma mãe muito superprotetora e não gostava muito que outras pessoas que não fossem ela ou pegassem o bebê no colo; , porém, costumava ignorar suas reclamações. Só mais alguns meses e seria seu próprio bebê quem ela estaria segurando, mal podia esperar. No dia seguinte, teria uma consulta no médico e esperava descobrir o sexo do bebê.
Era aniversário de um ano de Oliver e o quintal de estava cheio de pais com bebês, e, dessa vez, não se sentia deslocada. Não iria negar que às vezes era um pouco doloroso ver certas crianças, também não negaria que se preocupava com como ela reagiria ao bebê, quando ele a lembrasse tanto Stella que chegasse a doer.
Não importava, ela daria um jeito, tinha certeza. Olhou rapidamente para , que conversava com do lado de fora da casa, eles não tinham conversado muito sobre seus medos desde que descobriram da gravidez. Era melhor focar no lado positivo, pensamentos negativos atraem acontecimentos negativos. E nada poderia dar errado dessa vez.
Cansada de ficar andando de um lado para o outro, sentou-se em uma das mesas que estavam espalhadas pelo quintal, e rapidamente Catherine apareceu procurando pelo filho, tirando-o dos braços de e dizendo que já iria para casa. Ela estava cansada, ainda se acostumando com a vida de mãe. , por agora, pensava que sentia saudade até mesmo desse cansaço, quando o bebê nascesse, ela não tinha tanta certeza se continuaria pensando assim.

- Estou meio nervosa – admitiu, quando pararam em frente ao consultório.
Não sabia porque estava se sentindo assim. É claro que estava ansiosa para ver seu bebê, mas não fazia sentido tanto nervosismo. Não se lembrava de ficar assim durante a gravidez de Stella. Mas também, já havia se passado mais de oito anos, detalhes desse tipo já tinham sido distorcidos em sua mente.
- Não tem motivo, querida – a acalmou, segurando sua mão – Vai estar tudo bem.
Ela assentiu, repetindo a frase várias vezes na sua mente. Como podia estar tão calmo? Ele não parecia nem um pouco nervoso, e invejava sua capacidade de não deixar-se afetar.
- E se for um menino? – Ela falou de repente, fazendo com que começasse a rir – Eu não sei criar meninos.
Ela não falou, porém, que tinha ainda mais medo que fosse menina. E que fosse muito parecida com Stella. Preferia falar sobre seu medo secundário, era mais fácil de colocar para fora.
- Não se preocupe com isso, . Não importa se é menino ou menina, você vai continuar sendo uma ótima mãe – Ele disse, saindo do carro e, depois, abrindo a porta para , obrigando-a a sair também.

- Certo, vamos começar. Ansiosos para ver o bebê? – A médica perguntou.
não respondeu, apenas riu nervosamente, demonstrando que estava mais do que ansiosa. não disse nada, apenas apertou a mão da esposa, enquanto olhava para a tela, esperando que alguma coisa aparecesse. A médica começou a passar o aparelho na barriga de e, apesar de ser meio confuso, não conseguia identificar nada parecido com um bebê na tela.
observou que a médica parecia não conseguir identificar também, já que fazia uma cara de confusão.
- O que houve? – perguntou, começando a ficar preocupada e olhou de soslaio para .
- Calma, às vezes é mais difícil de conseguir uma boa visão – Ela disse, mas parecia estar escondendo alguma coisa.
Eles ficaram em silêncio por algum tempo. A médica continuou procurando por alguma coisa, olhando para tela como se estivesse vendo algo que não gostasse. apertava cada vez mais forte a mão de , mas ele já não se importava, estava preocupado demais tentando desvendar o comportamento da médica.
- Sinto muito, - A doutora falou – Sra. , o seu útero não está do tamanho que seria o normal para 14 semanas, eu estava verificando se estava tudo bem, mas... O coração do feto não está batendo – Ela continuou, com medo de ser mais explícita – Você sofreu um aborto espontâneo. É comum isso acontecer no início da gravidez...
Ela continuou falando, explicando as causas, mas já perdera . também já não escutava mais a médica, apenas olhava a esposa, reparando que ela estava ficando pálida e seu olhar estava meio vago. A médica falou que teriam que executar um processo de curetagem, para tirar o feto e a placenta, entretanto ela teve que repetir para que entendesse. Nenhum tentou falar com .
- Por quê? – falou de repente – Por que isso está acontecendo comigo?
Sabendo que não eram explicações científicas que ela queria, a médica optou pelo silêncio. E sem ter nenhuma resposta para a esposa, fez o mesmo. Uma lágrima escorreu pelo rosto de , ela não se deu o trabalho de limpá-la. Ficou calada pelo resto da consulta, apenas obededendo à médica.

não falou nada até chegar ao carro, quando desmoronou em lágrimas. não disse nada, apenas dirigiu até a casa. Ele queria abraçar , queria dizer que estava tão triste quanto ela, mas tinha medo que ela fosse reagir igual quando Stella morreu, afastando-o.
estava preocupada demais com seus pensamentos, para notar qualquer tentativa de afeto de . Ela não conseguia parar de pensar “Por quê?”. Todos, literalmente todo mundo, havia lhe dito que tudo ficaria bem dessa vez. Que ela estava certa de continuar, de tentar ter outro bebê. Que nada de errado aconteceria. Para que? Só para que ela tivesse todo esse trabalho de se reerguer, colocado suas esperanças lá no alto, apenas para vê-las desabando em um segundo.
Não era justo. Não era justo que ela perdesse tudo o que ela queria. Não era justo que ela não pudesse ao menos ter seu filho em paz. Não podiam tirar isso dela. Não de novo.
Ela saltou do carro rapidamente, ao estacionarem na garagem de casa. Ignorou os chamados de , apenas subiu para o quarto, fechando a porta antes mesmo que o marido tivesse subido ao segundo andar. Ela queria ficar sozinha. Em algum lugar, no fundo de sua mente, sabia que não deveria. Sabia que estava cometendo os mesmos erros duas vezes.
Ora, se podem errar tirando-lhe sua felicidade duas vezes, ela também tinha direito de errar novamente, não é? Ela não queria saber se seus pensamentos tinham lógica ou não, apenas queria se enterrar no meio dos lençóis e chorar até morrer. Um pensamento muito positivo, é claro.
Ela queria seu bebê de volta no seu útero. Queria seu sorriso se volta no seu rosto. Queria sua esperança de volta.
Mas ela não podia ter tudo o que queria. Na verdade, não podia ter nada do que queria, aparentemente.
Ela só tinha um pedido na vida, tudo o que ela queria era ter uma família, tudo o que ela queria era ser mãe. Por que, por mais que tentasse, não conseguia? Por que continuava falhando e falhando, sem nenhum motivo aparentemente? Deus realmente não gostava dela, pensou. Ou isso, ou o universo estava realmente tentando lhe ensinar uma lição: ela não nascera para aquilo, era melhor desistir.
De fato, ela estava cansada de continuar tentando. Estava cansada de tentar ser feliz. Ela estava cansada de achar que tinha conseguido, para depois descobrir que se enganara. Estava cansada de ver todos seus sonhos escaparem por suas mãos. Era melhor não ter sonho nenhum, do que ter e perdê-lo.
Com as perguntas rolavam por sua mente e as lágrimas por sua face, acabou adormecendo, mesmo ainda estando de manhã.

Ao chegar no quarto, encontrou dormindo quase profundamente, sem querer atrapalhá-la, ele saiu rapidamente de lá. Acabou indo para o escritório, que costumava ser o quarto de Stella, já que o antigo tinha sido transformado em um quarto para o futuro-não-mais-existente bebê. Era irônico como eles acabavam voltando para o mesmo cômodo, de um modo ou de outro.
Ele não iria para cama e choraria até dormir como fizera. Não podia se dar o luxo de fazer isso. Por mais que o medo estivesse o consumindo, por mais que toda a tristeza que tinha deixado escondida nos últimos tempos estivesse voltando com toda intensidade.
Não aguentaria passar por tudo aquilo de novo. Não conseguiria ver no mesmo estado de três anos antes. Tudo estava indo tão bem, não podia voltar tudo tão de repente. Mas ele tinha o pressentimento que voltaria. Sabia disso desde que a médica anunciara que eles tinham perdido o bebê e o olhar de se perdera. Era uma questão de tempo, pouco tempo, até que ela se perdesse completamente.
E até que ele recorresse a bebida novamente.
Logo, viraria um ciclo. Talvez em alguns anos ele e voltassem novamente. Talvez estivessem destinados a repetir os mesmos erros todas as vezes. Até aprenderem que não existe a possibilidade de eles serem felizes. E nunca existirá.
Ele estava sendo ridículo. Sabia que estava ao mesmo tempo em que pensava, mas não conseguia evitar. Todos os seus piores pesadelos haviam se tornado verdade, o mais improvável tinha acontecido. Eles haviam perdido mais um filho.
Mesmo que ainda fosse um feto, ainda contava. Era uma vida, afinal.
Não só isso, era um símbolo. Era um símbolo da felicidade que ele e tinham conseguido resgatar, da esperança que ainda restava, da certeza de que tudo ficaria bem no final. E esse símbolo estava morto agora.
E o que ele poderia fazer? Resgatá-lo estava muito a cima de sua capacidade. A cima da capacidade de qualquer humano deste século, pelo menos.
Ele poderia não desistir. Ele poderia tentar resistir a tendência de voltar ao passado. Ele poderia ajudar e os dois poderiam continuar juntos dessa vez. E podiam continuar tentando acertar.
Mas isso seria tão difícil. Daria tanto trabalho. Valeria mesmo à pena? E se acontecesse mais alguma coisa. Até onde a força de vontade vai? Até lugar nenhum, pensou, ao continuar no mesmo lugar e resolver simplesmente deixar que o tempo resolvesse tudo. Ou que não resolvesse nada. Ele estava cansado demais para se importar.

não encontrou no quarto quando acordou. Descobriu que havia cochilado por pouco mais de meia hora e o sono não fora o suficiente para apagar sua memória. Ela nem ao menos havia sonhado, nem ao menos conseguia fingir que tudo não passava de um engano ou de uma ilusão. Nunca era um engano, não com ela.
Ela desceu para o primeiro andar, sem se dar o trabalho de procurar em um dos outros cômodos. Foi até a cozinha, onde tomou um copo de água e uma aspirina. Pensou em tomar um antidepressivo, mas sua medicação já havia acabado há um tempo. Talvez fosse melhor ligar para sua psicóloga. Talvez fosse melhor ligar para qualquer pessoa. Ou ao menos conversar com . Talvez ele estivesse preocupado. Talvez ele também estivesse mal.
Não conseguiu recuperar forças suficientes para subir novamente, entretanto. Sentou-se em uma das cadeiras da cozinha, sentindo-se completamente vazia. Nenhum pensamento passava por sua mente. Nada além de uma vasta escuridão dentro de seu cérebro.
Algumas lágrimas começaram a escorrer pelo seu rosto e já não sabia mais pelo o que chorava. Tudo estava tão errado que ela não mais sabia o que era certo.
Só sabia que queria seus bebês de volta.
Só sabia que queria ficar sozinha.
Ela ouviu os passos de alguém descendo as escadas. Mesmo que não totalmente consciente disto, percebeu que aquele seria o momento que decidiria como reagiria a toda essa situação. De acordo do modo como reagiaria a presença de , ela sabia se realmente tinha voltado ao estado pós-morte de Stella.
entrou na cozinha e não disse nada, apenas acenou com a cabeça para que continuou imóvel. Ele abriu a geladeira, como se procurasse por algo e fechou irritado logo em seguida. Ele então se virou para , devagar, como se não tivesse certeza como deveria reagir perto dela. Ele se aproximou da esposa, que automaticamente deu um passo para trás.
- ... – Ele comentou, portando possivelmente um dos olhares mais tristes que havia visto dos últimos anos – Não se afaste de mim, por favor.
Ela não respondeu nada, apenas continuou o encarando, tentando segurar as lágrimas que começavam a se formar em seus olhos. Quando fez menção de chegar mais perto, se afastou mais ainda, surpreendendo até a si mesma com o movimento.
- Eu sinto muito – Ela disse, antes de sair rapidamente da cozinha e subir para o quarto.
Ela teve sua resposta. Ele também. Tudo tinha voltado a ser como antes.

Abril, 2010
Já haviam se passado duas semanas, porém tudo continuava o mesmo. não chegaria a dizer que a situação era igual a que sucedeu a morte da filha, mas era muito próxima. Pelo menos em relação a sua relação com . Ela continuava indo ao trabalho, apesar de obviamente estar o fazendo pior, estava tentando. , por sua vez, quase não parava em casa e quando estava, eles não se falavam.
Eles se viam todos os dias no jantar, mas nenhuma palavra era trocada durante a refeição. De noite, dormiam um ao lado do outra, mas sem se tocar. se perguntava se esse seria o fim de seu casamento. Ela imaginava que não, nenhum dos dois teria coragem de se divorciar, assim como não tiveram após a morte de Stella.
Alguns dias, acordava bem. Ela pensava que não era tão grave assim. Ela havia perdido um bebê, e daí? Isso acontecia todo dia com milhares de mulheres, nem por isso elas desistiam.
Entretanto, ela não era “milhares de mulheres” e ela já havia perdido coisas demais.
O dia que se seguiu a ida ao médico, provavelmente fora um dos piores. Catherine ligara para ela, para saber notícias do bebê; não queria preocupar a irmã, que estava ocupada demais cuidando de Noah, mas não conseguiu mentir e dizer que estava tudo bem. Quase desmoronou em lágrimas, ao contar que havia abortado espontaneamente. Daquele vez, porém, Catherine não podia simplesmente abandonar tudo para cuidar da irmã. Ela tinha um filho para cuidar e, como Cath já sabia por experência, seria melhor não trazer um bebê com naquele estado.
Mais tarde no mesmo dia, ligara para ela. já havia contado para , então já estava sabendo, o que não tornou a conversa menos dolorosa. queria passar na casa de , no dia seguinte, para ajudar a amiga, mas insistiu que queria ficar sozinha. O que, para falar a verdade, só deixou-a mais preocupada.
realmente queria ficar sozinha. Ela saía de casa todo dia e conversava com seus clientes, mas era só isso: assuntos do trabalho. Ela colocava todos seus pensamentos nisso, porque se parasse por um segundo para pensar, ela conseguia sentindo a tristeza se espalhando. Não conseguia evitar.
Ela queria ignorar o que tinha acontecido. Queria acordar um dia e encarar a situação como uma pessoa normal. Queria não ser tão fraca.
Queria que não estivesse mal também. Isso só a deixava pior. Da última vez, ela estava depressiva demais para reparar a existência de qualquer outra pessoa, agora, porém, ela não estava tão mal, ela via todo dia, ela realmente o via. Às vezes, queria mudar, queria deixá-lo se aproximar, mas cada vez que tentava acabava piorando a situação.

Após terminar de jantar, levantou-se, levando o prato até a pia. ainda estava comendo, porém ela não pretendia esperá-lo. Não que tivesse muito o mais o que fazer, apenas não gostava do silêncio constrangedor que se estabelecia no cômodo. Ela já estava quase terminando de lavar sua louça, quando sentiu se aproximando dela e colocando seu próprio prato na bancada da cozinha. esperou que ele se afastasse, mas ele apenas continuou no mesmo lugar.
- – Ele murmurou, fazneod com que ela se virasse, um pouco assustado.
Não é que eles literalmente não tivessem se falado nas últimas semanas. Às vezes, eles conversavam um com o outro, apenas para acabar com o silêncio, apenas sobre superficialidades. Às vezes, era só um “boa noite” e “com licença”. conhecia aquele tom de voz e aquele olhar, não queria apenas quebrar o silêncio.
a encarou por alguns segundos, como se ponderasse o que ia dizer.
- Vai ter uma festa na casa de , no sábado – Ele falou, desviando o olhar. terminou de lavar a louça, se afastando da pia, e assumiu seu lugar, lavando o que tinha usado – Ele pediu Jenny em casamento. Eu queria que você fosse comigo.
- Fico feliz por eles. Mas preciso trabalhar sábado.
- . Você pode tirar uma folga – Ele falou, e o olhou irritada; de fato, não era nada indispensável – Todo mundo quer ver como você está. comentou que Catherine está preocupada.
- Cath me viu final de semana passado, não tem porque se preocupar.
- Eu te vejo todo dia e estou preocupado.
não respondeu, não saberia o que dizer. Que ele não precisava se preocupar? Ela não conseguia mentir tanto assim, até ela mesma se preocupava, achava que estava a um fio de a qualquer momento voltar a um estado de depressão. Mas não queria que ficasse se preocupando com ela.
- Vamos, . É só fingir que tudo era como antes, só por um dia – Ele tentou se aproximar de , mas ela apenas se afastou indo em direção a cozinha.
a segurou pelo braço. Não muito forte, só o suficiente para fazê-la parar e olhar para ele. Mais do que triste, parecia com raiva no momento.
- Eu não consigo fingir, , me desculpe – Ela tentou se desvincilhar de , mas ele não a soltou.
- Eu não vou deixá-la ir embora de novo, . Eu não vou te abandonar novamente – Ele, calmamente, soltou seu braço, deixando livre para ir embora se quisesse, ela, porém, continuou parada – É normal você ficar triste, , eu também estou. E eu vou estar aqui quando você resolver que está pronta.
não falou nada. Apenas balançou a cabeça, sem nem ao menos saber para o que estava dizendo “não”, sentiu os olhos ficarem marejados, então se retirou da cozinha, trancando-se no quarto novamente. Não estava pronta. Talvez nunca estivesse. Talvez nunca tivesse estado.

Eles não se falaram novamente até o final de semana. De vez em quando, a olhava significantemente, mas ela apenas desviava o olhar, fingindo não perceber. continuava sem saber se deveria ir na festa de e Jenny ou não. Em parte, queria ir, porque adorava os dois e estava realmente feliz por eles, gostaria de rever seus amigos; mas não conseguiria estar feliz de verdade, então qual era o objetivo de ir? Estragar a festa com sua tristeza contagiante?
Ela estava falando a verdade quando disse a que tinha trabalho para fazer. O fato de seus clientes terem cancelado em cima da hora, não mudava isso. Ela ainda tinha muito o que resolver, não tinha tempo para ficar indo fazer nada em uma festa.
Imaginava se ficaria irritado, ele parecia determinado em fazê-la ir naquele dia. não conseguia descobrir porque, não era, nem de perto, o primeiro evento que ela deixava de ir. Ele sabia como ela estava, por que tanta insitência, então? Logo quando estava decidida que eles tinham realmente se afastado, a surpreendia. Não fazia diferença, dizia a si mesma, tudo continuava igual.
- Você não vem mesmo? – perguntou, encontrando trabalhando em seu laptop no escritório.
- Eu tenho muito o que fazer – Ela respondeu simplesmente, sem nem ao menos desviar o olhar do que estava fazendo.
pareceu decepcionado, como se sua última gota de esperança tivesse secado. , porém, não viu isso. Ele se retirou do cômodo, indo embora de casa sem nem parar para insistir. Ele havia tentado.
Ele tinha a dado espaço. Ele tinha tentado fazer com que ela voltasse. Mas ela não queria. Não era como antes, não estava em uma depressão profunda: ela simplesmente se negava a agir normalmente. Ela não queria ajuda, e não iria obrigá-la a ser ajudada. Ele continuaria vivendo sua vida e quando ela percebesse que estava perdendo sua vida, ela poderia se juntar a ele.

Tinham se passado apenas alguns minutos desde saíra, mas se mexia inquieta na cadeira. Talvez ela devesse ter ido. Talvez ela devesse ter dado uma chance. Talvez ela devesse parar de ficar pensando tantos “talvez”. Sem conseguir continuar com o trabalho, ela fechou o computador e saiu de casa.
Não tinha nenhum rumo específico. Já estava de noite e o sol já havia se posto quase completamente. imaginou para onde para poderia ir, todos seus amigos estavam na festa. É claro, ela poderia ir até lá, mas com que cara iria aparecer? provavelmente já inventara uma desculpa para Jenny e , ela só estragaria tudo aparecendo no meio do nada.
Ela já estava andando há quase quinze minutos e estava começando a ficar com bastante frio, então resolveu dar a volta no quarteirão, voltando para sua casa. Tinha pensado que talvez refrescando a mente, ela se sentiria melhor. Mas só se sentia pior ainda. Por que estava errando tanto ultimamente?
- ? – Alguém a chamou, fazendo com que ela parasse de andar imediatamente.
Ela conhecia aquela voz, não esperava ouvi-la nunca mais. Ou pelo menos tão cedo. Não que realmente pudesse chamar de cedo, já que não ouvia por quase dois anos.
- Jim? Olá! O que está fazendo aqui? – Ela se aproximou para cumprimentá-lo, tentando parecer o mais normal possível – Achei que você estivesse morando em Manchester.
- Eu estou, só vim aqui para visitar a família de Amelie – Ele disse, apontando em direção a mulher que estava o acompanhando, cuja presença nem ao menos tinha reparado – Amelie, essa é . , essa é Amelie, minha noiva – Em resposta à cara de surpresa de , ele completou: - Nós vamos nos casar no final do ano.
- Você vai se casar? – Ela abriu um sorriso – Que ótimo, parabéns!
- E você, , como está?
Como ela estava? Ela estava andando sozinha pelo meio da rua, quase às oito horas da noite, sem rumo. Seu marido provavelmente estava irritado com ela, sozinho em uma festa e possivelmente triste. Ela havia perdido um bebê e não conseguia parar de se culpar por isso, mas não conseguia admitir isso para ninguém. Não conseguia nem ao menos conversar com . Sua irmã estava feliz e com um bebê recém-nascido, sua melhor amiga tinha dois filhos lindos e saudáveis, e agora Jenny e estavam casando e sendo felizes também. Todos estavam acertando na vida, menos ela.
É, sua vida realmente não poderia ser melhor.
- Eu estou bem. Levando a vida – Se pelo menos isso fosse verdade, pensou, mas apenas sorriu.
- E , como ele está?
- Bem também. Em uma festa – Ela disse.
Notou que Amelie a olhava com uma cara de “seu marido está em uma festa e você está sozinha andando pela rua?”, mas talvez fosse apenas sua imaginação. Depois disso eles se despediram e cada um seguiu seu caminho.
Jim também estava feliz. Acresceu isso na lista de conhecidos que estavam em uma situação melhor que ela. Era mais fácil simplesmente adicionar todo mundo que ela conhecia. Estava sendo invejosa. Não era culpa de ninguém, além dela mesma, se ela não conseguia ser feliz. A culpa era dela se não conseguia ter um filho.
Então por que é quem estava sendo punido? Ela estava sendo ridícula e infantil não deixando-o se aproximar. estava só tentando ajudar, como sempre estivera. Ela precisava consertar tudo. Mas como? Ela estragava qualquer coisa que tocasse.
Ainda pensando, ela fez o caminho de volta para casa.

estava cansado. A maioria daquelas pessoas eram suas amigas, mas ele não estava se divertindo, nem um pouco. Não conseguia parar de pensar em . E se ele nào tivesse tentado o suficiente? E se, por sua causa, voltasse a ficar em depressão. Talvez tivesse sido culpa sua o aborto, assim como havia sido sua culpa a morte de Stella.
Ele havia dito que não abandonaria, mas será que era muito melhor só se afastar e esperar? Isso não era, de certa forma, um abandono também? É claro que, se fosse assim, poderia dizer que tinha o abandonado também, mas mesmo que ela tivesse, isso não era motivo para ele fazer o mesmo.
Não, ele não iria abandoná-la. Mas com certeza o jeito com que estava lidando com tudo isso estava errado. Provavelmente. Ele não sabia, sua cabeça estava doendo. Ele só queria arranjar um jeito de fazer com que tudo desaparecesse. Queria ter um jeito de, pelo menos por algum tempo, esquecer os problemas.
Quase sem pensar, ele foi em direção ao bar, sentando-se e pedindo qualquer coisa para o barman. Ele sabia que não deveria beber, ainda estava sóbrio. Mas não por muito tempo. Já estava com a bebida na mão, ponderando as consequências de seu ato, quando sentiu alguém se aproximar por trás dele, tirando a bebida de sua mão.
- Ouvi dizer que não é bom beber durante a reabilitação – falou, citando o que ele tinha dito a ela no casamento de e Catherine.
- ? O que você está fazendo aqui? – Ele perguntou, um pouco envergonhado por quase ter sido pego bebendo.
- Eu vim acompanhar você – Ela disse, sentando-se ao seu lado e bebendo um gole da taça que tinha tirado da mão do marido – Nós vamos superar isso, . Juntos, como sempre fizemos.
Ela apertou a mão dele, aproximando-se de e o abraçando. Não chorou. Era hora de amadurecer e enfrentar o destino.

Capítulo Dezesseis

Junho, 2010.

suspirou ao ver que sua menstruação tinha chegado novamente. Não deveria estar surpresa, não é como se estivesse tentando engravidar novamente. Mas cada vez que via o sangue, ela só conseguia pensar em como ela deveria estar grávida nesse exato momento. Com quantos meses ela estaria? Quase sete, pensou.
Não devia pensar nisso, essa era sua tática. Se não voltasse a pensar sobre o assunto, logo ela esqueceria. Sabia que era mentira, mas era o melhor que podia fazer. Tinha concordado com que eles não poderiam se deixar levar pela tristeza. Estavam tentando.
admitia que não estavam tendo muito sucesso nisso, entretanto. Tinha dias que ela tinha certeza que estava a um passo de voltar a beber e, às vezes, ela só queria se juntar a ele. Era difícil conseguir forças para continuar enfrentando dia após dia, mas eles estavam fazendo isso juntos. E isso era o que importava. Se continuassem juntos, nada poderia abalá-los. Ou, pelo menos, quase nada.
ouviu uma risada de criança e algumas vozes vindo do andar de baixo. Provavelmente e haviam chegado com Elle e Oliver, já que eles tinham combinado de almoçar juntos. respirou fundo antes de sair do banheiro, pronta para encarar mais um dia fingindo que tudo estava ótimo.
Tudo não estava nem perto de estar ótimo. Ainda estava tentando colocar sua vida nos trilhos e, quase sempre, era difícil demais. Mas estavam indo.

Setembro, 2010
abriu a porta para que Catherine entrasse rapidamente, mas a irmã simplesmente a entregou umas mil bolsas e empurrou o carrinho do filho para dentro de casa. Desculpou-se por não poder entrar, dizendo que estavam quase perdendo a reserva no restaurante, agradeceu por cuidar de Noah naquela noite e depois voltou para o carro, onde a esperava.
Os dois sairíam naquela noite para comemorar seu segundo aniversário de casamento e deixaram cuidando do filho. Catherine não queria, é claro, se dependesse dela levariam o filho para todos os lugares, mas insitira que podia cuidar dele por algumas horas. Era bom que Cath fosse se acostumando, já que eventualmente ela teria que voltar a trabalhar e não poderia ficar com o bebê o tempo inteiro.
empurrou o carrinho até a sala, deixando-o ao lado do sofá. Noah ainda estava dormindo, esperava que ele acordasse logo, era melhor do que acordar só de madrugada. Ela se sentou no sofá, ligando a TV no mudo, com medo de acordá-lo e ficou apenas observando a criança por alguns minutos. Foi interrompida quando desceu, descobrindo que e Catherine já tinham passado e ido embora, no intervalo de tempo em que tomava banho.
Não demorou muito tempo para que Noah acordasse e começasse a chorar. Pelas horas seguintes, e entraram em uma rotina de pais, dando comida para o bebê, trocando a fralda, tentando fazer com que ele dormisse e o entretendo. Fazia muito tempo que não cuidavam de uma criança, não sozinhos, pelo menos. E, para falar a verdade, ambos estavam morrendo de medo.
Noah ainda era muito pequeno, com apenas seis meses, e fazia anos desde que os dois tiveram contato com um bebê dessa idade. É claro, eles sabiam o que fazer, não era tão complicado cuidar assim de uma criança por uma noite, o dilema interno que se passava era muito mais difícil de lidar.
já tinha encontrado e segurado Noah muitas vezes antes, mas sempre com Catherine por perto, e a irmã nunca a deixava realmente cuidar dele. Fazer isso agora, fazia com que algo dentro de despertasse.
Se não tivesse sofrido um aborto, estaria perto de dar a luz. Era engraçado, porque faltavam apenas algumas semanas para o dia que seria o aniversário de oito anos de Stella. Já fazia alguns meses desde que perdera o bebê, ela já poderia engravidar novamente. Mas será que ela correria esse risco?
Ela sabia que podia ter outros filhos, a médica havia lhe explicado que o que tinha acontecido não tinha nada a ver com ela. Isso era óbvio, afinal ela já tinha tido uma filha, sabia que não tinha nada de errado com seu útero. Não sabia, entretanto, se não havia nada de errado com sua mente. Ela estava bem agora, quão bem ela poderia estar.
Ela estava se reerguendo, já se considerava feliz, hoje em dia. Ela costumava sair com e com algumas de suas antigas amigas, às vezes assistia a alguns shows do McFly, frequentemente visitava Catherine e ou saíam para almoçar juntos. Ela e eram felizes um com o outro, raramente ficava um clima sombrio na casa. gostava disso. Se ela tentasse engravidar novamente, poderia acabar sofrendo outro aborto, e, dessa vez, não tinha certeza se conseguiria aguentar.
Perder outro filho fora duro demais. Ela nunca aguentaria passar por isso pela terceira vez. Mas ver Noah se afagando no seu colo, puxando seu cabelo e balbuceando palavras inexistentes, fazia com que ela desejasse um bebê.
Ela podia adotar, já pensara nisso muitas vezes. Mas novamente vinha aquele pensamento em sua cabeça: que ela não era capaz de ter um filho. Ela queria provar a todos – queria provar a si mesma – que conseguiria ter um filho. Ela conseguiria ser mãe, apesar de todos os obstáculos.
Tudo o que precisava fazer era ter coragem. Coragem de tentar mais uma vez, a última vez. Talvez ela estivesse sendo estúpida, afinal o universo tinha deixado bem claro que não era seu destino ser mãe. Mas era seu sonho, e não se pode simplesmente desistir dos sonhos. É preciso ter esperança, porque enquanto a tivesse, seria tudo seria possível.

continuou pensando sobre o assunto até Catherine voltar para pegar Noah, que já estava dormindo quase profundamente. Ela agora tinha a certeza que queria tentar mais uma vez, apenas para ter certeza. Não iria colocar nenhuma espectativa, pelo menos não até a gravidez estar bem avançada, mas tentaria. Todavia, não sabia o que fazer com esse recém-adquirido conhecimento. Deveria falar com ?
Ele fora um pouco oposto a última tentaiva de engravidar e veja no que aquilo havia dado. Ela duvidava que ele fosse ficar feliz com a ideia. Provavelmente acharia que aconteceria outro acidente. E que argumentos ela teria, afinal? Era verdade.
- Vamos lá para cima, querida, você está quase dormindo acordada – falou, cutucando para despertá-la de seus pensamentos.
- Não estou dormindo, estou pensando – Respondeu, ainda meio perdida, mas acabou levantando mesmo.
- Pensando no que? – Ele perguntou, enquanto seguia até o quarto.
não o respondeu até chegarem no quarto, fazendo com que franzisse o cenho, ficando curioso para saber sobre os pensamentos da esposa.
- Eu quero ter um bebê – Ela falou fazendo com que parasse na entrada do quarto – Eu quero tentar de novo, .
- Agora? – Ele riu, se aproximando de , fazendo com que ela apenas revirasse os olhos – Isso é sério, ? Você não só ficou com saudades hoje por cuidar de Noah? – Ele falou, sentando-se na cama.
- É claro que é sério, – Ela respondeu irritada – Eu venho pensando nisso há alguns dias. Eu quero ser mãe. Nós podíamos tentar só mais essa vez... Se eu não conseguir engravidar, nós podemos pensar em adoção. Por favor, – Ela pediu, se aproximando do marido.
- Você tem certeza disso? – Ele suspirou – , nós acabamos de passar por uma perda, não sei se estou pronto para outra.
- Não vai ter outra – Ela falou – Nós vamos no médico o tempo todo e fazer de tudo para que dê certo essa vez. E vai dar! Vamos, , eu sei que você também quer – ficou apenas o encarando, até que sorrisse e a puxasse mais para perto a beijando.


- Tem algo que eu preciso fazer antes de engravidar – disse, enquanto observava quase dormindo, deitado ao seu lado na cama, ele apenas grunhiu como resposta, fazendo com que o cutucasse para que ele abrisse os olhos – Eu preciso voltar para lá.
Isso fez com que ele acordasse um pouco, franzindo o cenho.
- Lá aonde?
- Califórnia – Respondeu – Eu preciso encarar aquela casa. Acho que nós dois precisamos.
- Essa é uma péssima ideia, – Ele falou, perdendo o sono e sentando-se na cama – Nós não precisamos ir até lá. Nós já superamos isso, não é? Irmos até os Estados Unidos só vai servir para deixar-nos tristes e vai piorar tudo.
- Ótimo, então fique aqui você, eu vou até lá – Disse, estressada pela rejeição de , mas em seguida completou: - É importante, . Eu sinto que se não fizermos isso, nunca vamos nos despedir de verdade e vai ser como se Stella sempre assombrasse nossas vidas.
- Isso é ridículo – Falou, encerrando o assunto e deitando-se novamente.
Mas, no fundo, ele sabia que não era. E mesmo se fosse, era importante para , então ele acabaria fazendo de qualquer forma. Não custava nada ir até lá. Talvez fosse um pouco doloroso, mas talvez valesse a pena. Eles precisavam se despedir. Eles precisavam, finalmente, começar a vida de verdade.
fechou os olhos, dormindo imediatamente, quase como se fosse uma defesa de seu cérebro para que ele não pensasse mais sobre o assunto. Naquela noite, teve um de seus piores pesadelos há mais de um ano, sonhara com o acidente. Não era raro que ele tivesse pesadelos com aquele dia, mas os piores eram os que que eram tão reais que precisava de alguns minutos para se acalmar depois de acordar, lembrando-se que isso já tinha acontecido há muito tempo. Já tinha acabado. Não tinha certeza se era reconfortante.

Outubro, 2010
sentiu os seus olhos ficarem marejados só de olhar para a casa, que parecia quase imutável. Fechou os olhos ao lembrar de sua última visita, quase podia ver Stella correndo pela escada, apertando a campainha até o pai abrir a porta e a pegar no colo. Lembrava como Stella estava animada para viajar, como ela estava morrendo de saudades de e contava os dias para chegar na Califórnia. lembra-se de como estava ficando irritada com as perguntas de Stella, entristecia-se ao saber que não apreciara completamente todos os momentos da pequena vida da filha.
colocou as mãos nas costas de , encorajando-a a andar. Meio hesitante, ela subiu os degraus, esperando para abrir a porta. Ao contrário do que secretamente imaginava, a casa não havia ficado completamente abandonada nos últimos cinco anos. Na verdade, ela sabia disso, quase todos os outros casais utilizavam a casa normalmente, nenhum deles relacionava a casa com Stella.
Ela entrou na casa, deixando sua pequena mala no sofá da entrada. Eles ficariam apenas pelo final de semana, achou que seria o suficiente e, de qualquer forma, ela não poderia tirar uma folga muito maior tão em cima da hora.
suspirou ao olhar para todos os cantos da casa. Olhando assim, ela nem parecia tão assombrada, mas se ela pensasse um pouco mais cada canto daquele local gritava Stella para ela. estava acostumada com isso em sua própria casa em Londres, ela tivera bastante tempo para se adaptar, entretanto essa era a primeira vez que punha os pés na Califórnia, desde novembro de 2005.
- Nós podemos sair daqui? – Ela perguntou, procurando por , que ainda estava parado na porta.
- Pensei que o objetivo de vir era enfrentar as memórias. Isso não vai acontecer se ficarmos fora de casa o tempo inteiro – Reclamou, mas abriu a porta de novo.
sabia daquilo, mas teriam muito tempo ainda para isso. Esses seriam dois longos dias, ela previu.

Eles andaram pela rua em silêncio, procurando por algum lugar que pudessem almoçar. Os dois estavam cansados na viagem de avião e queriam ir tomar banho e dormir, porém qualquer alternativa era melhor do que ficar naquela casa. Mesmo que todos os lugares contessem lembranças da filha. Pelo menos, nem todas as lembranças eram ruins.
Acabaram parando em um restaurante que ficava próximo da casa. Já tinham comido lá muitas vezes e o cardápio não havia mudado muito nos últimos anos – era o tipo de local que o cardápio não mudaria nunca. Nenhum dos dois conversou muito enquanto comiam, tentaram quebrar um pouco a tensão, mas parecia quase impossível.
- Você quer voltar? – perguntou, depois de pagarem a conta, ainda sentados à mesa.
- Ainda não – Respondeu – Eu queria ir até o lugar que você a levou. O morrinho perto da praia – Disse, com uma voz quase inauditível.
não respondeu nada, apenas encarou a eposa como se ela fosse maluca. Por que ela iria querer visitar o local em que Stella morreu? Por que ela iria querer fazer uma coisa dessas? não poderia voltar lá, era mais fácil simplesmente enfiar uma faca em seu peito. Entretanto, ele sabia que estava falando sério, ela realmente queria ir até lá. Era fácil para ela pedir algo assim, ela não estava presente, não tinha memórias do acidente de carro, não levava consigo a culpa de ter provocado a morte da filha.
- Vamos, , já estamos aqui mesmo.
- Não lá, , eu não posso – Ele disse, levantando-se da mesa sem aviso prévio, fazendo com que ficasse alguns segundos atrasada.
- Pode sim, . Eu vou estar lá com você. Se você quiser voltar, eu vou voltar sem dizer uma palavra.
não queria, aquilo era pedir demais. Mas ele havia concordado em vir com para a Califórnia, não tinha? O que estava esperando, uma viagem a turismo? Se eles realmente queriam fazer isso, iam fazer direito. Apenas assentiu com a cabeça, pegando a mão de e indo em direção a tal praia.

Como resolveram fazer o caminho todo a pé – nenhum dos dois teria coragem de fazer aquele caminho de carro – acabaram demorando mais tempo do que o planejado subindo, já estava quase na hora do pôr-do-sol quando chegaram. Era ironico, é claro, que fora com esse objetivo que levara Stella até lá, para ver o sol se pôr.
Os dois ficaram apenas olhando a vista ao chegarem. De fato, era muito bonita. Talvez fosse bonita o suficiente para ser o último lugar que alguém veria na vida. Se o “alguém” não fosse uma criança. Se o alguém não fosse sua filha.
não tinha nenhuma lembrança do local, não era tão doloroso assim. Ela conseguia imaginar Stella nesse lugar. Ela imaginava que a filha tivesse gostado, que ela tinha morrido feliz, pelo menos. O sol já começava a descer em direção ao mar e se perdeu na beleza da paisagem. Sim, era uma bonita imagem para ser a última. Sentiu uma lágrima escorrer pelo seu rosto, mas não chorava especificamente de tristeza.
Ela via a filha naquela vastidão alaranjada que era o céu. Por alguns segundos, desviou seus olhos do sol e olhou para seu lado e viu uma pequena criança olhando para ela, sorrindo. Nunca saberia se havia imaginado aquilo, se fora causa de seu cérebro cansado ou se, nunca se sabe, tinha realmente acontecido, mas, naquele momento, ela realmente vira Stella. Não uma lembrança, ela realmente vira a filha. Ela viu Stella observar o sol se pôr ao seu lado. fez menção de segurar a mão da filha, mas ela apenas se afastou, ainda sorrindo e balançou a mão dando tchau. E então andou em direção ao mar, como se o céu fosse feito de terra e pudesse caminhar pelas nuvens.
Stella ficaria agora para sempre naquele local. Brincando em meio as nuvens, mergulhando no mar, observando a tudo e a todos. sabia que sua alma estava em paz. Estava tudo bem agora.
Antes de que pudesse perceber seu rosto estava completamente coberto de lágrimas. Sentiu apertando sua mão e se sentiu mal por não ter prestado atenção nele durante todo esse tempo. Olhou para o marido, percebendo que ele também chorava. Não sabia se ele também havia visto Stella e não correria o risco de perguntar e parecer maluca. Abraçou pelo lado, tentando reconfortá-lo, sabendo que ele precisava mais do que ela, naquele momento.
E ele precisava. não conseguiu conter suas lágrimas desde que chegara no local. Eram muitas lembranças. Lembranças de sua última tarde com Stella. Ele havia prometido que a traria outro dia para ver o pôr do sol, sem saber que nunca teria essa oportunidade. Lembrou-se dos malditos paparazzi que ficaram o incomodando. Lembrou-se de todos os seus erros que o levaram a bater o carro naquele dia. Se tivesse esperado o sol se pôr, como Stella pedira, será que tudo teria acontecido da mesma maneira?
Não adiantava pensar nisso. Estava ali para se livrar das armaguras, não para adquirar mais. Queria ir embora dali, mas estava tão entretida vendo a vista, que ele não poderia pedir. Ele observava um pouco afastado quando pareceu surgir, no meio do nada, uma menina de mais ou menos três anos ao lado da esposa. paralizou, achando que havia enlouquecido. Desde quando ele tinha alucinações com a filha? Provavelmente era só uma criança parecida com ela. Mas não era, a menina olhou em sua direção, aquela era Stella.
não sabia como, não entendia como podia estar vendo Stella, mas estava. Ele se aproximou, ficando ao lado de , porém com os olhos atentos a filha. Stella sorriu para ele. Não era um riso, mas também não chegava a ser um sorriso triste. Era um sorriso de alguém que estava se despedindo, mas por vontade própria. “Está tudo bem, papai”, pensou ter escutado, mas a boca da menina não se mexia, era tudo coisa da sua mente, “Eu estou bem. Você precisa me deixar ir”. As lágrimas escorriam mais intensamente por seu rosto agora, mas não tinha ninguém ali para ver e se importar. Sem saber o que fazer, apenas acenou para a filha que repetiu o gesto, virando-se em direção ao abismo e caminhando para o além.
Stella estava livre agora. Estava livre para fazer o que quisesse com a eternidade que a aguardava.
o abraçou e correspondeu o abraço. Eles estavam prontos para seguir em frente agora. Também estavam livres.

Eles entraram na casa de mãos dadas, mas por algum motivo, ela já não parecia mais tão assustadora. Era só uma casa, afinal. Certamente, guardava muitas memórias tristes, porém guardava também outras lembranças. E eram essas lembranças que deveriam ser lembradas, pensou.
Os dois estavam quase desmaiando de exaustão, já que tinham passado horas no avião para chegar à Califórnia e fazer uma caminhada, seguida de um grande cansaço emocional. Tudo o que queriam fazer era deitar na cama e dormir pelo resto do dia seguinte. Entretanto, fora tomar banho, deixando sozinha no quarto. Percebendo que se continuasse parada ali, acabaria dormindo e depois seria difícil acordar para tomar banho, ela resolveu se levantar.
Começou a passear pela casa, observando todos os detalhes. Tudo ali a lembrava de Stella, daquela última noite. Mas já não doía tanto. Ela sabia – ela sentia – agora que Stella estava em paz. Chegando até sua sala, pegou sua mala, que ainda estava jogada no sofá, com o objetivo de pegar sua camisola para dormir. Ao abrir a mala, porém, ela achou uma série de álbuns e vídeos que ela havia trazido, aquela era a viagem de superação, afinal.
Quase que hipnotizada, ela pegou o álbum, sentando-se no sofá e começando a folheá-lo. Ali estavam guardadas todas as fotos de Stella, bom, quase todas. de vez em quando as via, quando sentia muita saudade da filha, mas normalmente acabava se entristecendo e guardando-as. sentia-se nostálgica, ao virar as páginas e observar a filha crescendo. Ela ficava feliz por terem tirado tantas fotos de Stella, assim tinham guardado todos os momentos da filha.
Stella não vivera uma vida muito longa, mas fora feliz. E no fim, era isso que importava.
- O que você está fazendo? – perguntou, aparecendo de repente – Já terminei, você pode ir tomar banho agora, se quiser.
- Estou vendo umas fotos de Stella – Ela disse, sorrindo para o marido – Você se lembra desse dia? – Perguntou, mostrando algumas fotos de quando Stella tinha dois anos – Ela estava tão animada...
Notando que a esposa não levantaria dali tão cedo, se sentou ao seu lado, pegando um outro álbum que estava jogado de lado e folheando-o também. Eram as fotos de quando Stella ainda era bem pequena, por volta dos três meses. Ela era a coisa mais preciosa do mundo, tudo o que ele poderia pedir por. Era tão pequena, tão linda. Ele se lembrava de todo o trabalho que era cuidar de um bebê e como mesmo assim valia tão a pena.
olhou para as fotos que ele via e sorriu, pensando o mesmo que ele.
- Eu quero outro bebê – Ele falou, expressando pela primeira vez diretamente sua vontade e não porque queria.
Ela apenas abriu mais o sorriso, tirando o álbum que estava em seu colo e o que estava com e os colocando para o lado, aproximou-se do marido e o beijou.
- Vamos fazer um bebê, – Ela riu, puxando-o para cima dela.
Eles passaram o dia seguinte juntos, deitados na cama ou vendo vídeos e fotos de Stella. Pela primeira vez, não lamentaram sua morte, mas celebraram sua vida.
Eles finalmente continuariam a família.

Capítulo Dezessete


Fevereiro, 2011

Era o casamento de e Jenny, e estava sentada na mesa que fora escolhida para ela, cuidando de Elle enquanto esperava voltar do banheiro com Oliver. Elle estava contando animada que já estava escrevendo muito bem e já lia livros sozinha. Ollie, em compensação, não sabia nem desenhar, observou, reparando que a mãe voltava com o irmão, que ainda nem tinha completado dois anos.
estava em algum lugar por ali, provavelmente com . Catherine havia se despedido alguns minutos antes, acompanhada de , que levava um Noah adormecido no colo.
Jenny passara rapidamente por ali, sem nem ao menos parar para conversar. Ela estava absolutamente linda e muito feliz também. nunca imaginara que ela acabaria se casando com , ou que ele acabaria se casando algum dia, na verdade. Era o último do McFly a se casar, provavelmente as fãs ficariam tristes com isso.
, entretanto, estava muito feliz. Ela praticamente havia visto todos aqueles garotos crescerem, desde quando ela era uma adolescente e namorara por um pequeno período de tempo. Ela lembrava-se de quando havia arranjado um encontro entre e . Já haviam se passado onze anos, quem diria? Será que ela acreditaria se a contassem que os dois estariam casados e com filhos, dez anos depois? E que ela estaria feliz, casada com ? Nessa última, ela não teria acreditado cinco anos antes, sem nenhuma dúvida.
voltou a mesa, apenas para puxá-la para a pista de dança. Estavam em uma época divertida do casamento. É certo que às vezes ficavam um pouco preocupados, porque ainda não tinha engravidado, depois de alguns meses tentando, mas não era nada demais. Era só uma questão de tempo.
Depois que e foram embora, resolveram que já estava tarde e era melhor irem também. estava um pouco cansada, mas sua ansiedade se sobrepunha.
- Qual o motivo de tanta animação? – perguntou, ao entrarem no carro, voltando para casa.
- Eu gosto de casamentos, só isso – Respondeu, com um sorriso no rosto.
franziu o cenho, estranhando, mas deu de ombros e dirigiu até a casa.

Só que, obviamente, não era só isso. Desde de manhã, ela vinha escondendo um pequeno segredo do marido. É claro que tinha desconfiado, ele já conhecia há muito tempo para não perceber suas alterações de humor, mas não a pressionaria a contar nada que não quisesse. Estava tentando não, pelo menos.
- Então, vai me contar? – Perguntou, ao chegarem no quarto e abrir um sorriso enorme.
Ele já desconfiava do que ela iria falar, não tinha como não. Todavia, estava tentando não colocar sua espectativas muito altas, para caso não fosse nada demais e ele acabasse se decepcionando. Queria, apenas, que ela colocasse seus pensamentos e desejos em palavras.
- Nós conseguimos, – Ela falou, sorrindo e se aproximando para abraçá-lo – Eu estou grávida.
De novo. Finalmente, ela quis acrescentar, porém não falou nada, só envolveu os braços ao redor do marido, apenas compartilhando o silêncio. beijou o topo de sua cabeça, sem dizer mais nada. Eles estavam há alguns meses tentando e, apesar de ficar um pouco apreensivo, para falar a verdade esperava que fosse demorar mais tempo. De repente, ficara nervoso. E se acontecesse alguma coisa novamente? Ele não queria nem pensar nessa possibilidade.
- Vai dar tudo certo, não vai? – Ela perguntou, como quisesse se assegurar. assentiu dizendo que é claro que ia – Tem que dar – completou – Essa é nossa última esperança.
Literalmente, não era. Mas talvez fosse para . Ela precisava que desse certo dessa vez, se não desse, sua esperança realmente se esgotaria. Era o novo símbolo deles, que estava para nascer.

Junho, 2011
não conseguia se lembrar da última vez que se sentira tão nervosa. Sentiu segurar sua mão, enquanto esperavam pela médica chamar seu nome. Ela sentia que estava passando por algum tipo de flashback, mas sabia que era tudo novo. Ela esperava que o resultado fosse diferente da vez anterior, pelo menos. Seria, ela tinha fé que seria.
- Sra. – A secretária chamou, e ela e seguiram, ainda de mãos-dadas para o consultório.
não queria deixar mais nervosa do que ela já estava, mas estava morrendo de medo. Essa não era a primeira vez que iam ao médico, o medo continuava ali, entretanto. Como garantir que o bebê continuava ali? Se seu coração continuava a bater? E que bateria pelos próximos oitenta anos, no mínimo? Ele não tinha como saber, tudo o que restava era esperar.
- Prontos para ver o bebê? – A médica perguntou, sorrindo para os pais, já sabendo a situação dos dois.
O sorriso da médica, entretanto, não confortou nem um pouco , que não parava de olhar para o monitor, a procura de algum sinal de vida. A médica começou a fazer o ultrassom e uma imagem começou a se formar na tela, conseguia ver perfeitamente um bebê ali e parecia bem, mas não sabia se poderia ser sua mente.
- Ah, olhem aqui! - A médica falou sorrindo, apontando - Como já está grande! – Ela continuou com o ultrassom, vendo vários ângulos do bebê – Vocês querem saber o sexo?
e se entreolharam, ambos felizes demais com a saúde do filho para responder, apenas assentiu, apertando a mão do mardio, esperando que ele estivesse de acordo com a decisão. Nem conseguia acreditar que seu bebê realmente estava bem, durante todo esse tempo desejava pelo melhor, mas esperava pelo pior. Mas tudo tinha dado certo dessa vez.
- Bom, já posso afirmar com quase toda certeza que é uma menina – Ela disse, mostrando o ultrassom para os pais – Era o que vocês esperavam?
Nenhum dos dois respondeu. A única coisa que esperavam é que o bebê estivessem bem. Não se permitiram pensar mais do que isso. Uma menina. Outra menina. Será que ela se pareceria com Stella? Uma parte de queria que sim, outra queria que não.
Eles teriam outra chance de serem pais. E ninguém, ninguém, tiraria sua filha dela dessa vez. apertou a mão de ainda mais forte. Algumas lágrimas brotaram em seus olhos, mas não de tristeza.

Mais tarde, naquele mesmo dia, e estavam deitados na cama, apenas encarando um ao outro. Eles não precisavam de palavras, estavam quase brilhando de tanta felicidade. queria ficar o dia inteiro em casa, apenas contemplando a vida. O ser. Sentia-se um pouco filosófica até. O quão bonito era o fato de estar carregando um bebê dentro de si? Talvez não achasse muito em outra situação, mas no momento, achava a coisa mais linda do mundo.
- Você já sabe qual nome quer colocar nela? – perguntou, lembrando que acabaram só escolhendo o nome de Stella depois que ela nascera.
- Ainda não – Respondeu, com os pensamentos ainda nas nuvens – Pensei em alguns, mas não sei se combinam. Você tem alguma ideia?
O mais justo era que escolhesse o nome, já que nomeara Stella praticamente sozinha. Também, porque não tinha nenhuma ideia muito boa, ela sempre pensara em ver o rosto da filha antes de nomeá-la.
- Eu pensei em um – Ele falou, um pouco receoso de dizer. ergueu as sobrancelhas, um pouco surpresa, mas como quem dissesse para ele falar – Hope.
Era um nome bonito, ela pensou. E com significado, principalmente para eles. Ela seria um símbolo de esperança, e esperança era realmente o que eles estavam precisando no momento, talvez o que eles sempre precisaram e sempre tiveram. Hope resumia toda a situação em um nome. aprovava aquilo, gostava desse nome. Hope , essa teria que ser uma forte menina para aguentar pais tão problemáticos quanto eles.
Hope. mal podia esperar para vê-la.

Outubro, 2011
olhava para sua filha como se não existisse mais nada no mundo. Hope dormia profundamente, com a cabeça apoiada na mãe. Ela tinha nascido fazia apenas algumas horas, mas já havia se tornado a coisa mais importante na vida de . Ela era tão linda. nunca deixaria nada acontecer com ela. estava cansada e queria muito poder dormir, mas não queria tirar os olhos de seu bebê nem por um segundo, com medo de acontecer alguma coisa.
- Você devia descansar, falou, reparando no olhar cansado da esposa – Você vai ter que se separar dela eventualmente.
Mais por medo de acabar desmaiando em cima de Hope e esmagá-la do que realmente porque o argumento de tinha a convencido, ela deixou que tirasse a filha de seu colo. Poderia ver sua filha novamente quando acordasse. Uma delas, pelo menos.
Agora que Hope tinha nascido, ela percebia como suas preocupações sobre compará-la com Stella eram estúpidas. Hope não era Stella, ela nunca poderia misturar as duas. Sendo filhas dos mesmos pais, elas se pareciam bastante. Certamente, era meio cedo para afirmar, mas achava que Hope lembrava sim um pouco Stella, mas era diferente. Ainda pensando no assunto, dormiu.
Sonhou com Stella. Sonhou que a filha estava ali com ela, sentada na beirada da cama, olhando para Hope que estava no colo da mãe. Se estivesse viva, Stella já teria nove anos, mas no sonho ela ainda tinha a mesma aparência da última vez que a tinha visto. Stella queria segurar Hope, mas não deixava dizendo que Hope ainda era muito pequena.
Elas estavam sozinhas no quarto. não sabia aonde tinha ido, deixando-a só com as duas filhas, mas ela não se importava, tinha suas duas meninas consigo e não poderia estar mais feliz.
Stella se aproximou da mãe, passando a mão pela cabeça de Hope. Ao contrário de muitas crianças que rejeitam os irmãos mais novos, Stella parecia adorar Hope, exibia um sorriso do tamanho do mundo. Stella abaixou-se beijando o topo da cabeça da irmã.
- Foi bom te conhecer, Hope. Cuide bem deles – A menina disse, em um tom de voz quase inauditível – Eu tenho que ir – Falou, virando-se para a mãe –Tchau, mamãe.
A do sonho não entendeu o que a filha quis dizer com isso, franzindo a testa quando Stella pulou para o chão e foi em direção a janela do hospital. não se preocupava com a filha ficar perto da janela, porque sabia que ela não abria, por isso se surpreendeu quando Stella ficou em pé nela, atravessando o vidro. Com o máximo de cuidado que conseguia ter ao se levantar sem perturbar Hope, levantou-se apenas a tempo de ver Stella pulando pela janela e indo em direção ao céu.
não entendia nada, mas viu quando a imagem da filha desapareceu e no lugar surgiu um ponto brilhante. Uma estrela.
Com extrema confusão, ela acordou. Fora um sonho estranho, pensou, parecia tão real. De algum modo perturbador, entretanto, fora um sonho bom. observou que dormia no sofá do quarto e Hope estava quieta dentro do berço, provavelmente dormindo também. Querendo ver como a filha estava, levantou-se e, insitivamente, olhou para a janela do quarto. A estrela estava lá. A estrela de Stella.
Provavelmente já estava ali há milénios, pensou, mas depois desse sonho só conseguiria pensar assim. Fazia sentido que Stella tivesse virado uma estrela. Ela sempre fora uma para . Assim ela poderia vigiar a todos do céu, uma estrela poderia guiar nos momentos difíceis.
sorriu. Sua pequena estrela estaria sempre ali para ela.
Assim como sua esperança, pensou, olhando para a filha mais nova, que havia se mexido do berço. pegou-a no colo, tentando adormecê-la de novo, com medo que seu choro acordasse .
Ela e teriam seu final feliz, depois de tudo. Eles mereciam aquilo.

Dezembro, 2011
carregava Hope de um lado para o outro da sala, tentando fazê-la parar de chorar. Era noite de natal e, por mais que amasse a filha, queria um pouco de descanso. A mãe de , que viera com o marido passar o natal na casa do filho, arrumava a mesa, deixando apenas cuidando de Hope.
Com apenas dois meses, ela ainda era muito pequena para entender e aproveitar o dia. imaginava que no ano seguinte ela já estaria super animada. mal podia esperar. Tudo sobre Hope fazia o coração de borbulhar. Era tudo maravilhoso.
Às vezes, ficava com medo de como seria quando ela crescesse. Como ela conseguiria dizer não para a filha? Não sabia se encontraria forças suficientes. Mas não queria se preocupar com isso agora, queria apenas aproveitar enquanto Hope era apenas um bebê.
Ela estava tentando aproveitar todos os momentos da filha. É claro que não tinha acontecido muita coisa ainda, mas aconteceria. frequentemente via Noah andando pela casa e imaginava em quanto tempo a filha estaria fazendo o mesmo.
Lembrou-se de que devia ligar para Catherine daqui a pouco. Ela pretendia passar o natal com a irmã, mas Cath tinha saído da cidade com Noah e , indo passar o feriado com a família do marido. Daqui alguns anos, eles poderiam passar todos juntos, quando Noah e Hope já fossem maiores e esperassem ansiosamente pelo Papai Noel.
Eles ainda teriam muitos natais para passar juntos.
ainda pensava no futuro quando Hope finalmente parou de chorar, adormecendo. quase começou a rir de alegria, só se controlou por medo de acordá-la novamente. Reparando que o carrinho de Hope estava desmontado e com preguiça de subir até o outro andar para deixá-la no berço, ficou apenas passeando pelo primeiro andar com a filha no colo.
Encoutrou-se muito entretida vendo uma fotografia da filha, que estava colocada em cima da lareira da sala. A foto havia sido tirada um pouco mais de uma semana antes e Hope parecia maravilhosamente feliz nela. Bem ao lado, estava um retrato de Stella, em seu último aniversário. sorriu ao ver as fotografias das filhas uma ao lado da outra.
Ela tinha muita sorte de ter Hope. E tinha tido muita sorte de ter tido Stella.
Ela olhou para a filha, que agora dormia quase profundamente e passou a mão por seu ralo cabelo. amava a filha mais do que tudo. Não imaginava que conseguiria voltar a ser realmente feliz, não de verdade, mas sabia que enganara. Ela estava muito feliz.
Ela seria mais feliz se Stella estivesse ali? É claro que sim. Entretanto, não poderia mais ficar triste. Não quando tinha Hope ali.
Não quando tinha ali, completou, enquanto observava o marido ajudando a mãe a levar a comida para a mesa.
Ela realmente tinha conseguido seu final feliz, não tinha?

Outubro, 2017
arrumava a casa paranoicamente, enquanto verificava se tudo estava no lugar certo. Sabia que assim que as crianças chegassem tudo estaria desorganizado em menos de um minuto, mas não se importava. Não comemoravam o aniversário de Hope em casa desde seu primeiro ano, desde então vinham comemorando em casas de festas apenas, onde ela não precisa se preocupar tanto.
- O que você está fazendo, mãe? – Hope perguntou, observando a mãe distribuir os copos de forma ordenada na mesa
Hope, que estava completando seis anos naquele dia, usava um vestido azul e um arco de mesma cor no cabelo. Estava muito feliz que o cabelo tinha crescido o suficiente até seu aniversário e agora batia um pouco a cima dos ombros, já que sua mãe a obrigara a cortá-los na altura da orelha alguns meses antes.
- Estou arrumando suas coisas, para tudo ficar bonitinho. E estou tendo que fazer tudo sozinha, já que você, senhorita, não está ajudando em nada – reclamou, se afastando da mesa e sentando-se no sofá, sendo seguida pela filha.
- Quando as pessoas vão chegar? – A menina perguntou, começando a ficar meio inquieta – Será que meus amigos do colégio vêm, mãe?
E imagina se os pais iriam perder a oportunidade de passar na casa de ! pensou, por um momento. É claro que o McFly já não fazia o mesmo sucesso de antigamente, já fazia algum tempo que não lançavam nenhum álbum, mas ainda tinham um número considerável de fãs e estavam planejando lançar um novo álbum no ano seguinte. Hope, obviamente, não entenderia isso, tampouco seus amigos, que viriam somente pela festa mesmo.
- É claro que vêm, querida. Já devem estar chegando, aliás, vá lá em cima chamar seu pai. Quero que ele esteja aqui para falar com os convidados – Ela pediu e Hope saiu correndo, subindo as escadas em direção ao quarto dos pais.
sorriu enquanto via a garota apressada correndo pela casa. Sua filha estava completando seis anos, estava crescendo tão rápido! Alguns anos antes, ela pensara que nunca fosse poder ver esse dia chegar.
Quase involuntariamente, se viu olhando para o lado, encarando os porta-retratos que ficavam em cima da lareira da sala. Tinham três, o do meio era uma foto de e na lua-de-mel, que antes ficava no quarto deles, no lado esquerdo tinha uma foto dos dois com Hope, tirada quase um ano antes, em uma viagem. Na foto da direita, a que ela encarava, tinha uma foto com Stella, tirada alguns meses antes de sua morte.
Às vezes, as pessoas que visitavam a casa achavam estranho que tivessem fotos da menina pela casa, mas achava normal. Stella fora uma parte de sua vida, uma parte muito importante, e ela sempre amaria e se lembraria da filha, não tinha motivos de deixar as fotos guardadas e esquecidas dentro de um armário ou pior, jogá-las fora.
Quanto a Hope, ela não falava muito de Stella. É claro que a medida que foi crescendo, começou a perguntar sobre a menina das fotos, como já era esperado, mas lhe explicou que era sua irmã que morava no céu agora e a menina não questionava isso. Ela, algumas vezes perguntava da irmã, como ela faria isso ou como ela era, mas parava quando percebia que o assunto deixava os pais um pouco tristes.
Hope e Stella não eram nem um pouco iguais. Não que fossem opostas, mas eram diferentes como pessoas são diferentes uma das outras. Enquanto Stella sempre gostara de ficar acordada até tarde e era sempre uma briga para colocá-la para dormir, Hope ia para a cama cedo, sem que ninguém a mandasse. As duas eram muito ativas, mas Hope se acostumara muito mais a brincar dentro de casa com seus brinquedos, já que se tornara um pouco superprotetora – Não muito, mas depois de perder uma filha, ela não queria correr esse risco novamente de jeito nenhum – e também de ver televisão e mexer nos aparelhos tecnológicos que tinha, como uma verdadeira criança do século XXI.
As duas adoravam música, isso era inegável! Hope fazia aula de ballet e começava a dizer para a mãe que queria aprender a tocar piano. Ela não gostava muito de ir para a escola, mas sempre voltava rindo e contando as histórias do que tinha acontecido em sua turma naquele dia. Já estava começando a aprender a ler! não sabia como Stella seria com essa idade, não tivera oportunidade de ver, mas gostava de imaginar.
Quando Hope era pequena, às vezes fazia algo que lembrava muito Stella, deixando paralizada por alguns segundos, mas logo a mãe voltava ao normal. Na maior parte das vezes, as duas agiam de modos diferentes, era inevitável, porém, que alguma coisa se repetisse.
- No que está pensando? – perguntou, despertando a atenção da esposa.
nem tinha visto que o marido e a filha já tinham descido, ficara totalmente envolvida em seus próprios pensamentos. Ela deu de ombros e sorriu, levantando-se e dando um selinho no marido.
Como se tivesse previsto, a campainha tocou em seguida e correu para atender, sendo seguida por Hope que acabara chegando mais rápido à porta que a mãe.

Já de noite, a família estava espalhada pela sala de estar. A família incluia todo o McFly e seus parentes. E era assim que eles se sentiam mesmo, uma verdadeira família.
Hope estava sentada no chão, perto do sofá onde a mãe estava sentada. Ela brincava com alguns brinquedos que tinha ganhado, junto com Charlotte, a filha de quatro anos de e Jenny, e com a prima de três anos, Aubrey, filha de Catherine e . Oliver e Noah , de oito e sete anos, respectivamente, corriam pela casa, se recusando a brincar com as meninas.
No sofá, Elle, que já estava com treze anos, segurava e brincava com Seth, o irmãozinho de seis meses de Charlotte. Ao seu lado, Jenny, de olho do filho para caso ele começasse a chorar, conversava animadamente com , que observava todas as crianças, tomando cuidado para ver se nenhuma delas quebrava alguma coisa ou se machucava. Catherine estava mais próxima da mesa conversando com o marido e com . ia na cozinha, enquanto tentava convencer a parar de ficar correndo atrás de Oliver e deixasse o garoto se divertir.
, que tinha saído para colocar os pais em um táxi, voltou e encontrou essa cena. Ele sorriu, um pouco emocionado com a cena.
- Pai! – Hope gritou feliz, levantando-se para abraçá-lo – O vovô e a vovó já foram embora? – Ela falou com uma cara tristonha – Pensei que eles fossem ficar mais.
Quando o pai confirmou, ela murmurou um “aaah”, mas logo em seguida deu de ombros e voltou a brincar com as meninas. Ao vê-lo entrar em casa, sorriu para o marido, que se aproximou dela, ficando em pé, atrás dela no sofá. colocou sua mão para trás, segurando a mão de .
Ela sempre quis ter uma família. Agora ela tinha. Uma enorme e maravilhosa família.
Lá fora, o céu estava cheio de estrelas, como raramente se via em Londres. Uma certa pequenina estrela parecia brilhar ainda mais para .
Já não chovia mais.

Fim


Nota da Autora: (23/11/11) ntão... Acabou! :(
Não sei se deveria ficar feliz ou triste haha. E aí, o que acharam do fim/capítulo/fanfic inteira? Espero que tenha valido a pena ler até aqui. E, olhem só, o final foi feliz! Yay! Viu, eu não ia terminar com todo mundo quase se suicidando, não sou tão má assim haha.
Espero realmente que vocês tenham gostado! Eu sei que a maioria de vocês disse que queria que fossem gêmeos, mas eu não gosto dessa história de que para ser feliz tem que ter mais de um filho, etc (não sou filha única, ok, eu só acho que não precisa), e sempre que terminam fics/novelas são gêmeos, como se toda gravidez resultasse em gêmeos. Nada contra quando tem gêmeos, eu só não gosto de escrever isso. Quem não queria que fossem gêmeos, queria que fosse menino... Quanto a isso, eu sou do contra mesmo, lol. Gosto mais de meninas que meninos, além disso menino não combinaria com minhas headcanons (ou seria canon já que eu sou a escritora? hm, eis a questão) e não daria para se chamar Hope. Eu amo o nome Hope. Normalmente eu não coloco nome de personagens com significado, mas depois que coloquei Stella achei que a Hope merecia também.
Anyway, queria agradecer à Gabee, por ter betado a fic inteira e ter sido super adorável comigo. À Bruna, minha amiga que não comentou aqui, mas lê a fic desde o primeiro dia que eu a escrevi, antes disso mesmo quando estava só na minha cabeça e sempre me deu críticas construtivas. À Thayane e a Malina, por terem acompanhado desde o primeiro capítulo até o último. Tenho certeza que outras pessoas também leram, só estou usando a elas para representar. E, por fim, quero agradecer a todas vocês, por terem lido. Não vou colocar o nome de todo mundo que comentou no último (o 16, i mean), porque pode ser que alguém comente depois e aí não terá mais nenhuma atualização. Obrigada por terem lido tudo isso, espero que tenha alcançado a expectativa de vocês. Obrigada por todo mundo que comentou, se não fosse por vocês eu provavelmente teria desistido de escrevê-la há alguns capítulos atrás. E mesmo quem não comentou, obrigada mesmo assim, mas espero que comente agora que acabou, né.
Caso vocês estejam interessados em ler qualquer outra coisa que eu escrever. Bom, eu provavelmente não escreverei nada novo até 2013, já que estarei no terceiro ano em 2012 e me focarei nos estudos para passar para faculdade logo. Mas depois disso, é provável que eu escreva algo novo. Ou antes mesmo, duvido que eu consigue ficar um ano inteiro sem escrever. De qualquer forma, caso queiram se comunicar comigo:
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• flavia.crossetti@hotmail.com
É isso aí. Me digam o que acharam! Obrigado, mais uma vez, a todos.
Beijos,
Flávia.

Nota da Beta¹: Que nada! Eu é que tenho que agradecer por ter betar essa fic maravilhosa! *-* Foi um prazer acompanhar essa história e espero que vejamos muitas outras histórias suas por aqui, Flah!

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