Little Steps - Little Fate Saga 1#
Autora: Gii Zwicker
Beta-Reader: Amy Moore


Capítulo 1 – Under the Sun


Chelmsford – 24 de junho de 1991

Harry Mark Cristopher Judd tinha apenas seis anos naquela noite quente e abafada de junho; Emma Judd, ansiosa com a perspectiva de um churrasco dado pelos vizinhos que acabaram de se mudar, o vestira com uma camisa social e uma calça jeans, apesar dos protestos do garoto.
- Agora, Harry, comporte-se – instruía-o Emma, uma última vez, enquanto se abaixava para ficar na altura do filho, passando-lhe as mãos pelo cabelo, assentando-o – E lembre-se de agradecer ao senhor e à senhora Dickens pelo convite. Vocês dois também, Katherine e Thomas – acrescentou para os outros filhos que, mais velhos e já habituados ao nervosismo pré-eventos sociais da mãe, apenas reviraram os olhos.
Assim que a porta da casa abriu, revelando uma mulher baixinha, levemente arredondada, com os cabelos escuros cortados ao estilo chanel e bochechas coradas que recebeu-os com um largo sorriso.
- Ora, sejam bem-vindos! – Sorriu, abrindo passagem para que os convidados entrassem e encontrassem já grande parte dos residentes da vizinhança; a mulher apoiou as mãos nos joelhos e abaixou-se, observando Harry, animada – Qual é o seu nome, mocinho?
Harry ergueu os olhos, procurando a mãe que, com um sorriso encorajador, gesticulou para que ele respondesse à pergunta.
- Harry – ele disse, a voz soando fraca e tímida.
- Olá, Harry! Quantos anos você tem? – a mulher perguntou.
- Seis – o menino resmungou, desviando o olhar, sentindo as bochechas pinicando.
- Ah, que legal! CHARLIE! – berrou ela, por cima dos ombros – Charlie, venha aqui, arranjei um amiguinho para você!
Nesse instante, correndo, chegou um garotinho loiro de olhos verdes vivos; os cabelos eram espetados e, ao contrário de Harry, usava uma bermuda marrom e uma blusa preta com ‘wildness’ escrito em vermelho e, nos pés, chuteiras da Nike.
Os dois meninos se analisaram, atentamente.
- OK – soltou Charlie, afinal, aprovando o novo amigo – Vamos para o meu quarto, estou criando uma pista de corrida para os meus carrinhos da Hot Whells. Mas estou usando dinossauros, então vai ser uma pista jurássica irada. Você gosta de dinossauros? – perguntava, enquanto os dois subiam rapidamente os degraus da escada que dava acesso ao segundo andar.
- Eu gosto – Harry concordou, animado – Qual é o seu favorito? Eu gosto do Tiranossauro Rex.
- Ah, eu sei. Ele era o meu favorito também – Charlie disse, enquanto abria a porta do seu carro, permitindo que Harry tivesse uma visão do quarto completamente zoneado por brinquedos que os Judds não tinham condição de lhe prover – Mas eu descobri um novo. O nome dele é Velociraptor. Ele é o mais inteligente de todos – disse, abaixando-se e pegando um bonequinho do dinossauro em questão para mostrá-lo, entregando-o ao novo amigo.
- Sem chance – Harry ofegou, quase pessoalmente ofendido, enquanto observava a miniatura do diminuto dinossauro – O Tiranossauro Rex é o mais inteligente de todos, você não assistiu o filme?

Chelmsford – 26 de Janeiro de 1997

- Meus homenzinhos, eu tenho uma missão para vocês – a senhorita Wiggs disse-lhes, inclinando-se e colocando uma mão macia no ombro de cada um deles.
Harry e Charlie tinham agora doze anos e partilhavam uma paixão ardente pela professora da sexta série; numa noite em que saíram para acampar no jardim dos Judds, prometeram que não haveria ressentimento, quem quer que a mulher escolhesse para ser o Senhor Wiggs, aceitaria o cargo e não haveriam ressentimentos.
- Claro – responderam os dois, antes mesmo de saber a qual missão estavam sendo designados.
A mulher deu um largo sorriso que fez com que o coração dos dois batesse acelerado; os olhos azuis límpidos, o rosto angelical, os cabelos loiros caindo em cachos grossos até a altura dos ombros: era a imagem da perfeição.
- Eu gostaria que vocês se tornassem amigos da Claire Cooper – ela disse, os olhos azuis brilhando, instigantes – Ela está muito sozinha e eu fico muito triste quando um dos meus alunos está infeliz.
- Certo – os dois se derreteram; a professora deu um novo sorriso satisfeito e, com um apertão amigo nos ombros do garoto, afastou-se, balançando o quadril de forma sensual – Cara... – soltou Charlie, traduzindo exatamente o que se passava na mente de Harry.
- É. Ela é uma deusa.
- Não – Charlie balançou a cabeça – Cara... a Cooper é uma esquisitona; é o fim da nossa vida social.
- Não pode ser tão ruim – Harry balançou a cabeça.
- Certo – eles pararam na entrada para o refeitório e, discretamente, Charlie acenou na direção de uma garota sentada sozinha, afastada dos outros alunos, usava botas vermelhas gritantes e o cabelo era todo preso por trancinhas, usando uns óculos de fundo de garrafa.
Os dois se entreolharam e, com um aceno corajoso, atravessaram a distância entre eles e pararam de frente para a garota.
- Cai fora, Vane – a menina rosnou, sem olhar para cima – Você não vai tentar arrancar minhas botas e jogar na privada de novo.
- Você deveria deixá-la fazer isso – opinou Charlie, surpreendendo a garota que ergueu os olhos castanhos arregalados – De certa forma, até é um favor.
- O que vocês querem? – ela perguntou, fechando o livro com força e observando-os com hostilidade.
- Não queremos – Charlie soltou, amargo – Temos que.
- Charlie – sussurrou Harry, pelo canto da boca, sentindo-se mortificado por estar naquela situação – Nós viemos nos apresentar. Somos Charlie e Harry.
A menina os observou, desconfiada.
- OK, já se apresentaram, agora... podem ir – dispensou-os com um movimento com as mãos.
Charlie assoviou e sentou-se ao seu lado.
- Você é mesmo um ímã de carisma, né, esquisitona? É por isso que ninguém quer ser seu amigo?
- Charlie! – soltou Harry, exasperado.
- Está tudo bem – retrucou Claire lançando um olhar de poucos amigos na direção de Charlie – Eu não preciso de amigos, OK?
- Ora, pare com isso – Charlie disse, descartando o argumento revirando os olhos – Todo mundo precisa de amigos.
Harry, aproveitando a deixa, sentou-se do outro lado da menina.
- O que você está lendo? – perguntou Harry.
Ela revirou os olhos, mas mostrou a capa.
- Harry Potter e a Pedra Filosofal – leu em voz alta – Parece chato.
- Mas é legal – rosnou.
- Você poderia nos emprestar depois – opinou Charlie.
- Vocês são estranhos – a garota disse, olhando-os, perplexa.
- É, somos mesmo. – concordou Charlie, pegando uma de suas trancinhas – Mas você também não é exatamente normal, Primo It.

Chelmsford - 29 de julho de 1999

Era um dos últimos dias de férias antes do começo da sétima série; Harry, Claire e Charlie estavam sentados em cima de uma toalha em um dos parques da cidade, haviam comido alguns salgadinhos e rido, como de costume.
Desde aquele dia em que a Srta. Wiggs os havia forçado a começar uma amizade com Claire Cooper, os três se tornaram um trio inseparável, mas algo estava mudando aos poucos e Harry observava tudo em silêncio.
Claire estava muito mais bonita agora que tinha quinze anos, não prendia mais os cabelos ruivos, então eles sempre desciam como cascatas até os ombros e os garotos estavam começando a notá-la, para o completo desespero de Charlie que, embora preferisse ter os dois braços arrancados a admitir isso, estava sentindo algo pela amiga.
Por sua vez, Claire parecia corresponder ao sentimento; Harry não se preocupava com isso, tinha medo dos amigos ficarem e ele ficar de fora, mas ultimamente os dois brigavam tanto por causa de ciúmes que ele simplesmente queria que os dois assumissem o que sentiam de uma vez.
- Está ficando tarde – comentou Claire, os olhos verdes observando perdidamente o horizonte – Amanhã, aulas.
- Isso em mente, acho que devemos comemorar – disse Charlie e, com um sorriso maldoso, tirou a mochila das costas e puxou de lá de dentro um engradado de cervejas.
- Isso é ilegal – Claire soltou, horrorizada.
- Verdade – Harry disse, enquanto aceitava uma latinha – Mas nos forçar a ir ao colégio também deveria ser.
- Ótimo argumento, Juddy – aplaudiu Charlie, batendo sua latinha na de Harry.
Claire revirou os olhos e aceitou uma latinha; algumas horas mais tarde, os três estavam demasiadamente bêbados e, sentindo as pernas bambas e a bexiga apertada, Harry levantou-se, informando – talvez um pouco mais alto do que o necessário – que precisava “mijar o oceano”.
Saiu andando com dificuldade, apoiando-se em algumas árvores e, quando percebeu que não conseguiria chegar até os banheiros, simplesmente abriu a braguilha da calça e, apoiando-se com uma das mãos, começou a se aliviar; foi então que olhou através da árvore e, para sua surpresa, viu Charlie e Claire deitados na grama, perdidos em um beijo intenso.
- IUHU! – berrou, esquecendo-se momentaneamente de sua ocupação e erguendo os dois braços, num ato de vitória, fazendo com que os amigos se separassem e começassem a rir, antes de voltarem a se beijar novamente – ATÉ QUE ENFIM.

Chelmsfor - 17 de janeiro de 2001

Harry Judd abriu o armário do colégio e observou o conteúdo, pensativo; batucava de leve com os dedos contra a porta do armário, enquanto tentava se lembrar quais seriam as aulas naquela manhã enfadonha de terça-feira.
Foi então que sentiu mãos pequenas, mas firmes, empurrá-lo para o lado e sorriu ao ver Claire selecionar o material que ele precisaria para aquele dia, resmungando algo sobre “dislexia aguda”.
- Amor, a Juddy nunca vai aprender se você continuar fazendo todo o trabalho – informou a voz conhecida de Charlie Dickens e Harry sorriu para o garoto loiro de olhos verdes que surgiu atrás da garota.
- Não ligue para ele, Claire – resmungou, empurrando o amigo de maneira brincalhona contra os demais armários, atraindo olhares de repreensão de um dos bedéis – Continue fazendo todo o trabalho por mim, Deus certamente está anotando isso como um motivo para você ir para o céu. E é Harry, a propósito – acrescentou, voltando-se para o loiro com uma expressão desagradada.
Os olhos castanhos achocolatados da garota se espreitaram, enquanto ela lhe entregava os livros, os cabelos ruivos ondulados caindo numa cascata adorável pelo ombro esquerdo.
- Vê se decora seu horário até o final do ano letivo, tá legal? – disse, revirando os olhos.
- Ela é mesmo um raio de sol, não é? – Harry perguntou para Charlie que riu, abraçou a namorada e plantou-lhe um beijo na ponta do nariz.
- É o meu raio de sol – o loiro retrucou, com um sorrisinho bobo.
- OK, chega. Vocês me fazem querer vomitar.
Rindo, os três começaram a caminhar em direção às salas de aula.
- Falando em vomitar, – começou Charlie, casualmente, – o que você vai fazer depois da aula?
Harry observou-o, impassível, por alguns segundos.
- Ahn... Não... Vomitar?
- Ótimo. Então, você pode tocar bateria na minha banda punk. – Soltou, sorridente.
- Mas eu nunca... Espera. O que isso tem a ver com vômito? – O moreno perguntou, intrigado.

Chelmsford - 28 de agosto de 2001

Harry estava aquecendo na bateria, enquanto os demais integrantes da banda afinavam seus instrumentos. Charlie sentou-se no tripé meio bambo que ficava ao lado do amigo e, enquanto fazia casualmente alguns acordes, observava o amigo, completamente absorto em seu próprio mundo.
- Você está ficando bom nesse negócio – comentou, tirando Harry de seu transe.
- O quê? – Perguntou, meio desnorteado, segurando os pratos com as mãos para que a bateria se silenciasse completamente.
- Você. E a bateria. Estão se dando bem. – Charlie fez questão de falar bem devagar, como se estivesse conversando com uma criança retardada.
Harry estralou a língua, pensativo; observou o instrumento por alguns segundos e concordou com um aceno de cabeça.
- É. Acho que estamos, sim.

Chelmsford - 13 de julho de 2003

Harry estava deitado no sofá, balançando o pé ao som de Red Hot Chilli Peppers, quando o telefone ao seu lado começou a tocar; com um suspiro, espreguiçou-se e tateou o criado-mudo, até alcançá-lo; tirou-o do gancho e resmungou um ‘alô’.
- Juddy, cara... E aí?
Harry sentou-se imediatamente, reconhecendo a voz de Charlie.
- Charlie, cara! Quanto tempo! Como estão as coisas em Londres?
- Está tudo bem, eu...
- E a Claire, está bem? – Perguntou, ansioso.
Fazia alguns meses que Claire e Charlie haviam se mudado para Londres, para cursar a faculdade, enquanto Harry, ainda meio indeciso com o que fazer de seu futuro, continuara em Chelmsford. Eles lhe faziam uma falta tremenda.
- Tá, ela tá ótima, – respondeu Charlie, impaciente, – posso falar agora?
- Claro. O que foi?
- Tem essa audição para uma banda, fui lá, porque você sabe, ainda vou ser um rock star. Mas eles não queriam um guitarrista. Mas adivinha o que eles estão procurando? – Houve um silêncio, enquanto Charlie esperava que o amigo acompanhasse seu raciocínio. Quando o silêncio se prolongou, o loiro bufou do outro lado da linha – um baterista, Juddy. Sabe? Um cara que toque aquilo que você tem no seu quarto.
Harry ficou alguns segundos observando o teto do próprio quarto, quieto, absorvendo a informação.
- Você acha que eu deveria ir?
- Não. Eu estou comentando porque, sabe como é, eu tenho problema mental grave e gosto de ligar para pessoas no meio da tarde para dizer coisas sem sentido. Como mais cedo, hoje, liguei para um número aleatório para avisar que estão adotando filhotes de gatinhos no quarteirão do meu kit net.
Harry resolveu por ignorar a ironia.
- Mas é em Londres e meus pais nunca aceitariam, e...
- Cara, você acha que o Jimmy Hendrix ficou se perguntando o que os pais dele achariam se ele fosse músico ou ele simplesmente foi lá e tentou? – Harry hesitou na linha e Charlie sentiu isso. – Você tem onde dormir, se resolver tirar essa sua bunda peluda do sofá e tentar ser alguém na vida. A gente se fala.
O telefone ficou mudo; Harry observou-o por alguns instantes antes de colocá-lo no gancho. Deitou-se novamente no sofá, observando o teto, pensativo e, então, lentamente, um sorriso se espalhou pelo seu rosto.

Londres - 20 de julho de 2003

Harry mal conseguia conter a alegria, alternava o peso de um pé para o outro, enquanto esmurrava a porta do kit net, recebendo um olhar mal humorado de uma velha que abria a porta ao lado.
A porta abriu-se abruptamente e Claire surgiu, os óculos escorregando pelo nariz fino, parecendo pequena usando a camiseta de Charlie que estava escrito ‘I get high with a little help from my friends’ e uma foto dos Beatles embaixo.
Sem conter a animação, agarrou a amiga e girou-a na diminuta sala, derrubando um abajur no processo.
- Ai, Harry, me solta! – Ela gemeu, tentando soltar-se dele. – E você vai pagar por aquilo, ouviu?
- Eles me escolheram! – Ele berrou.
A mulher parou de se debater, os olhos castanhos arregalados.
- Eles o quê? – Perguntou.
- Eu faço parte do McFly! – Ele berrou, exultante.
- Harry, isso é ótimo! – Ela gritou de volta, abraçando-o e deixando que ele a rodasse mais algumas vezes. – O Charlie tinha certeza que você seria escolhido! Isso é ótimo! Ah, meu Deus, temos que ligar para ele! Ah! – Foi então que, durante um novo giro, o pé da ruiva bateu em uma cadeira derrubando-a. – Ok, chega. Me coloca no chão, antes que nós destruamos o resto do kit.
Harry prontamente atendeu-a, não conseguindo conter o sorriso; assim que Claire foi colocada no chão, ela começou a revirar a sala, até encontrar o celular e jogá-lo na direção do amigo.
- Ligue para o Charlie agora, ou ele vai odiar suas vísceras. Vou fingir surpresa quando você me contar pela segunda vez, prometo.

Londres - 18 de janeiro de 2004

O celular de Harry começou a tocar e, assim que viu ‘Charlie D’ no visor, atendeu-o com um sorriso no rosto.
- Cara, o CD está quase saindo! Estou aqui no estúdio com os guys, ouvindo a versão final – tirou o celular do ouvido e Tom, Danny e Dougie berraram um ‘oi, Charlie’ e voltou a colocá-lo no ouvido. – Estamos muito ansiosos.
- Ah, droga. Você sempre estraga minhas notícias, – resmungou Charlie, parecendo bem humorado do outro lado do telefone, – mas acho que a minha notícia também é importante. O que você tem para fazer dia 19 de março?
- 19 de março? – Ecoou Harry, a testa franzida. – Acho que nada, por quê?
- Tá afim de ser padrinho do meu casamento, Juddy? – Questionou, rindo.

Chelmsford - 19 de março de 2004

- Eu odeio falar em público, - Harry começou, sentindo-se levemente incomodado por ter que falar em frente a tantas pessoas, mesmo que a maioria dos presentes fossem os parentes de Claire e Charlie e alguns colegas deles de trabalho. Fora, claro, os McGuys que fizeram questão de comparecer, – mas eles merecem. Conheço Charlie desde os seis anos de idade e Claire desde os doze e, em toda a minha vida, nunca conheci pessoas que se completassem da forma que eles se completam. Eles sempre estiveram ao meu lado quando eu mais precisei, – ele disse, oferecendo com um gesto seu copo de espumante em direção aos noivos, que se seguravam alegremente em meio aos demais convidados, Claire com os olhos cheios de lágrimas de felicidade – e eu quero que eles tenham a mais pura certeza de que eu sempre estarei aqui para eles. Sempre. Charlie, Claire... Eu amo vocês. Obrigado por me permitirem fazer parte da vida de vocês.
O salão explodiu em palmas e os noivos abraçaram o padrinho, sorrindo.
- Você é tão bichinha... – Zombou Charlie, dando uma cotovelada de leve nas costelas do amigo.
- Pelo menos, não sou eu que estou chorando como uma garotinha – riu, passando o braço pelos ombros de Claire e puxando-a para perto, beijando-lhe a testa.
- Eu sou uma garota, seu orangotango idiota – fungou Claire, limpando as lágrimas discretamente. – Eu posso chorar.

Londres - 16 de dezembro de 2004

Harry chegou derrapando no corredor do hospital, recebendo um olhar reprovador de uma enfermeira velha que carregava alguns medicamentos; agarrou-se ao balcão, para não cair, e encontrou uma enfermeira de cabelos escuros sedosos e pele morena.
Os olhos escuros da enfermeira brilharam, admirados, quando o reconheceu.
- Você não é...?
- Harry Judd, ao seu dispor – disse ele, dando seu melhor sorriso, enquanto observava a mulher instintivamente passar a mão pelos cabelos.
- E o que eu poderia fazer por você, senhor Judd? – Perguntou ela, insinuante.
“Ah, hoje é mesmo um dia maravilhoso”, cantarolou uma voz em sua cabeça.
- Primeiro você poderia me dizer em que quarto estão Claire e Charlie Dickens... Eles acabaram de ter a primeira filha deles. – Disse, com um sorriso sonhador; estivera quase tão ansioso por este momento quanto os próprios pais. – E, depois, você pode me deixar o seu número e podemos combinar um barzinho...
A mulher abriu a boca, mas antes que ela pudesse falar qualquer coisa, aquela mesma enfermeira que o olhara com reprovação surgiu, pigarreando, e colocando a cesta onde antes estavam os remédios em cima do balcão, ruidosamente.A enfermeira mais nova recompôs-se, revirando os olhos.
- Os Dickens estão no quarto 507, senhor Judd. Tenha uma boa visita – disse, entregando-lhe o passe de visitante, mas não sem antes dar uma piscadela discreta.
Harry disparou em direção ao elevador e apertou o botão umas vinte vezes, alternando o peso de um pé para o outro, enquanto observava impaciente o contador no alto fazer a contagem regressiva até o térreo; entrou no elevador, apertou o botão do quinto andar e aguardou.
Foi então que olhou para baixo e uma menina de sete anos, segurando um ursinho de pelúcia, o observava de queixo caído. Ver o brinquedo lembrou-o que ele não comprara nada para Abigail.
- Ahn... – Ela disse, corando furiosamente. – Você é o Harry Judd, né? Do McFly?
- Sim – ele sorriu, adorava fãs dessa idade; eram bem mais conscientes do que a maioria das fãs adolescentes que tentavam arrancar tufos do seu cabelo sempre que saía em público.
- Será que você poderia...? – Ela começou, sem conseguir olhar nos olhos do baterista.
- Só se você me der o seu ursinho – disse ele, já procurando por uma caneta e um papel nos bolsos de sua calça.
- Feito! – O rosto da garota se iluminou com um sorriso – meu nome é Allison – ela disse, ainda tímida.
Harry encontrou uma nota fiscal e rabiscou um ‘Allison, você salvou minha vida. Com amor, Harry Judd’, entregou a nota fiscal para a garota, enquanto esta lhe entregava o ursinho bem no momento que a porta do elevador se abria para o quinto andar.
- Foi bom te ver – ele disse, enquanto saía do elevador.
- Legal... – Murmurou a menina, encantada, incapaz de tirar os olhos do papel.
Harry marchou pelos corredores, olhando em volta, até encontrar a porta com o número 507 escrito, lá tinha um enfeite com o nome Abigail e um coração; ele entreabriu a porta e colocou a cabeça do ursinho, como se este estivesse espiando o interior do recinto.
- Posso entrar? – perguntou, já entrando no quarto.
Quando conseguiu que a porta liberasse sua visão, encontrou Claire deitada na cama, parecendo exausta e exultante ao mesmo tempo, com um pacotinho nas mãos, enquanto Charlie estava sentado ao seu lado, o dedo indicador da mão esquerda agarrado por uma mãozinha minúscula.
Harry fechou a porta às suas costas, silenciosamente, e se aproximou, recebendo um sorriso dos amigos; inclinou-se sobre Charlie e observou um bebê rosado, de gigantes olhos verdes, observá-lo com curiosidade e, depois, fechou os olhinhos e espirrou.
Imediatamente, os três suspiraram.
- Certo, quanto vocês querem por ela? – Brincou o baterista.
Claire riu, mas não respondeu, parecia que não conseguia falar, absorta naquela pessoinha no seu colo.
- Ela é linda – suspirou Charlie – vou ter que colocá-la em uma torre. Querida, ela será educada em casa, ainda bem que você é formada em pedagogia, facilita o trabalho.
Os três riram e Abigail reabriu os olhos; bocejou, soltou o dedo do pai e coçou os olhos, preguiçosa; incapaz de ficar apenas observando, Harry levou a mão até a mãozinha frágil da garotinha que, instintivamente, segurou-lhe um dos dedos.
- Acho que ela gosta de você – sorriu Claire, mandando beijinhos para a filha. – Mas como não poderia? Você será o padrinho dela.
Harry ficou boquiaberto, sem palavras por alguns segundos e, então, sorriu, sem palavras.
Palavras nunca foram necessárias entre eles.
Os três se entreolharam e, depois, voltaram a observar a bebê.

Londres - 16 de dezembro de 2008

- Que bom que você conseguiu chegar! – Sorriu Charlie, abrindo a porta. – Ela perguntou do tio Harry o dia todo.
O loiro acompanhou o moreno para dentro da casa e eles encontraram Claire colocando o bolo de chocolate em cima da mesa, em meio a vários doces e salgados, com uma grande vela com o número ‘4’ no topo.
- Já faz quatro anos? – Perguntou Harry, assoviando. – O tempo voa.
- Nem me fale – resmungou Charlie – daqui a pouco vou ter que contratar um guarda costas para manter os caras longe dela.
Claire sorriu, e veio cumprimentar o amigo, secando as mãos na calça jeans.
- Tão bom te ver! Estávamos com medo que não fosse arranjar um tempo para gente nessa sua agenda atarefada – sorriu, dando-lhe um beijo na bochecha.
- Tio Harry! – berrou uma voz fininha de cima das escadas e, em seguida, o som de pezinhos descendo os degraus da escada fez-se ouvir; e, então, uma garotinha de cabelos cor de cobre, olhos verdes brilhantes, surgiu em um vestido cor de rosa, no topo da cabeça uma coroa. – Tio Harry! – Ela berrou, de novo, correndo na direção do homem e jogando-se em seus braços que, prontamente, pegou-a no colo.
- Uau, você está linda.
- Eu sou a Aurora – disse, jogando os cabelos ondulados para trás com uma das mãos rechonchudas – e você viu o meu sapato? – Ela estendeu o pé, mostrando uma sapatilha de plástico transparente – É igual o da Cinderella.
- Estou vendo. Cuidado para não perder, hein? Não quero nenhum príncipe atrás da minha afilhada – disse, em tom de voz sério.
A garota riu, e ajeitou a coroa na cabeça.
- Eu já sou princesa, está vendo? – Ela disse, apontando para a coroa. – Não preciso do príncipe.
- Isso! – Charlie disse, servindo-se de um pouco de Jack Daniels e colocando um pouco em um copo para Harry também – Esse é o espírito, querida.
A campainha tocou, estridente.
- Ih! – Claire fez uma careta para a filha – será que já são os convidados? – Abigail bateu palmas e inclinou o corpo na direção da mãe, indicando que queria mudar de colo, o que Harry prontamente atendeu – Vamos ver com a mamãe! – cantarolou, indo com a filha em direção à porta de entrada.

Londres - 08 de novembro de 2010

- Eu estava pensando... – Tom começou, os olhos fechados, deixando o piano e aproximando-se de Danny – faz aquele acorde de novo – o moreno de olhos azuis obedeceu e, quando estava no meio dele, o loiro fez um gesto, pedindo para que ele interrompesse – e se exatamente nessa parte, o Dougie entrasse apenas com...
Nesse instante, a porta da sala de ensaios abriu-se, Amelia, uma das secretárias da Super Records entrou, parecendo preocupada, com o celular de Harry na mão.
- Senhor Judd, acho que essa ligação é importante; eu disse que o senhor estava ensaiando, mas esta mulher foi muito insistente em conversar com você – ela disse, engolindo em seco.
Harry levantou-se da bateria e, com um aceno de agradecimento com a cabeça, pegou o celular e levou-o ao ouvido.
- Pois não? – Perguntou, hesitante.
- Harry? – A voz era familiar, mas ele não conseguiu reconhecer de primeira – aqui é Alice Cooper, mãe da Claire? – A voz estava fraca, frágil, como se a mulher estivesse chorando momentos antes de fazer a ligação.
- Senhora Cooper, está tudo bem? – Perguntou, preocupado, lançando um olhar perturbado na direção dos outros McGuys, que o encaravam, curiosos.
A mulher fungou e um som fez-se ouvir, como um de um uivo baixinho; e, então, ela estava chorando do outro lado da linha, desoladamente, como uma criança.
- Senhora Cooper, onde você está? Está tudo bem? O que houve?
Um barulho de telefone passando de mão e uma voz grave falando algo como ‘deixe que eu faço isso, Al’ ouviu-se ao fundo, e então a voz de Anthony Dickens, o pai de Charlie, assumiu a ligação.
- Olá, Harry, querido. – A voz dele também estava rouca, como a voz de alguém que passou horas berrando... Ou chorando – receio ter que lhe dar más notícias.
Harry, perplexo, sentou-se em um dos tripés próximos dos microfones e soltou um ‘hum’, incapaz de pronunciar qualquer palavra, o coração batendo com força no peito, enquanto os demais integrantes da banda abandonavam seus instrumentos e formavam um semicírculo em sua volta.
Houve um breve silêncio, enquanto Anthony parecia hesitar, buscando a maneira certa de anunciar o que tinha que dizer.
- Eu não sei como dizer isso, filho – confessou o homem, finalmente, a voz trêmula – eu... Charlie e Claire, eles... – Interrompeu-se, respirou fundo, e começou novamente – estamos no St. John’s Hospital. Houve um engavetamento, Charlie e Claire... Não resistiram, eu... – A voz do homem fraquejou, e ele se interrompeu novamente; Harry sentiu lágrimas involuntárias descendo pelas suas bochechas antes mesmo que seu cérebro pudesse decifrar o que Anthony tentava dizer.
Ele fungou, tentando se controlar.
- E Abigail? – Perguntou, engolindo em seco – Ela estava com eles... No carro?
Percebeu que os demais McGuys ficaram tão tensos quanto ele à medida que compreendiam qual era o assunto que estava sendo tratado naquela ligação telefônica.
Anthony desabou do outro lado da linha, em soluços, da mesma forma que Alice o fizera minutos antes.
- Foi um milagre, Harry – ele disse, entre soluços, a voz empastada – ela sobreviveu, mas...
Harry colocou-se de pé, secando as lágrimas com as mangas da camiseta que usava.
- Estou indo para aí, me espere – ele disse, com firmeza, desligando o celular.
Quando olhou em volta, percebeu que Danny e Tom estavam guardando os instrumentos, enquanto Dougie estava calçando seus tênis.
- Onde vocês vão? – Perguntou, confuso.
- Com você – disse Danny, dando um tapinha nas costas do amigo – Charlie e Claire eram nossos amigos também e, além disso... Você não está em condições de dirigir, dude.
Dougie estava sentado no chão, encaixando o pé esquerdo dentro do Adidas e observou Harry atentamente, e então perguntou o que Harry sabia que os demais queriam perguntar, mas não tinham coragem.
- Como está Gail?
Harry sentiu como se respirar fizesse com que sua garganta ardesse, então apenas conseguiu soltar um rouco ‘ela está bem’; instintivamente, Dougie fechou os olhos, aliviado, e colocou-se de pé, ajeitando o pé dentro do tênis.
- Vamos – disse, pegando a chave do carro de cima de uma mesinha que ficava no canto da sala de ensaio – eu dirijo.

“Do you remember
the summers that lasted so long?
June til September
was our time to sing all the songs.
Do you remember
all of us together
as we grew up under the sun?

Sugar Ray – Under the Sun


Capítulo 2 – Dare you to move

“I dare you to move
I dare you to move
I dare you to lift yourself up off the floor
I dare you to move
I dare you to move
Like today never happened
Today never happened before”
Dare you to move – Switchfoot


Embora uma viagem de Londres a Chelmsford demorasse, em média, um pouco mais de uma hora, Dougie Poynter, pilotando sua Maserati preta, conseguira atravessar essa distância em pouco mais de meia hora, com o pé firme no acelerador, mantendo o carro religiosamente acima de 200 quilômetros por hora.
Geralmente, os demais integrantes da banda estariam ameaçando o motorista para que diminuísse a velocidade, mas as circunstâncias pareciam pedir uma certa celeridade; não fosse o caráter imediato de prestar apoio às famílias Cooper e Dickens, Harry parecia tornar-se cada vez mais miserável e saturno à cada segundo que passava.
Observava ausente a paisagem passando rapidamente pela janela do carro e segurava um cigarro entre os dentes; acendera-o pouco antes de saírem de Londres, e este se apagara há vários minutos, embora o baterista não desse qualquer sinal de reconhecimento do fato.
Quando a placa com os dizeres “Bem-Vindo a Chelmsford” passou por eles, Dougie desacelerou o carro abruptamente e olhou para Harry pelo retrovisor.
- Para onde agora, Juddy? – Perguntou, erguendo as sobrancelhas.
Harry piscou os olhos e fixou seu olhar no do amigo; ficou em silêncio por alguns segundos, parecendo considerar a questão e, então, murmurou: ‘minha casa’; Dougie apertou com mais firmeza e pisou novamente no acelerador.

X


Eles não demoraram mais do que cinco minutos para chegar à casa dos Judds; era uma construção ordinária, que não se destacava de maneira alguma de suas vizinhas, apesar das tentativas de Harry de emprestar dinheiro aos pais para que a reformassem.
O jardim que separava a calçada da entrada da casa era exatamente o mesmo desde que Harry podia se lembrar; as plantações de lilás de sua mãe estavam no canto esquerdo do jardim, bem próximas à cerca que separava sua propriedade da família Catterpillar e, a cada três metros quadrados, uma estátua de um anão, duende ou flamingo estava exposta; aquela era uma mania de Emma Judd que nem o marido ou os filhos tiveram coragem de contrariar.
Entretanto, observando aquela paisagem, tudo o que Harry podia ver eram indícios de Charlie e Claire; Emma Judd jamais desconfiaria disso, mas o coração que fora talhado em uma de suas árvores favoritas fora obra de Charlie, no primeiro dia em que ele e Claire começaram a namorar oficialmente e o gnomo no centro do jardim que tinha uma mancha preta logo acima do lábio superior fora também uma traquinagem de Harry e Charlie, na época com não mais do que oito anos de idade, quando resolveram que a estátua pareceria mais intimidadora com um bigode.
E, pela segunda vez em uma hora, uma lágrima involuntária desceu pela bochecha de Harry e o ar lhe faltou ao pulmão, fazendo com que um soluço abafado soltasse seu peito.
Danny, Tom e Dougie trocaram olhares desconfortáveis, incertos do que fazer ou dizer para o amigo. Foi então que Harry fechou os olhos, limpou discretamente as lágrimas com a manga da blusa que usava e respirou fundo algumas vezes, se recompondo; odiava chorar em público.
Nesse instante, a porta da frente se abriu e uma figura pequena, um tanto roliça, familiar para todos os homens, atravessou o jardim secando as mãos pequeninas em seu avental, os olhos azuis no mesmo tom dos olhos do filho transbordando de preocupação.
- Oh, Harry, querido... – Murmurou Emma, parando em frente ao filho; a mulher era consideravelmente mais baixa, os cabelos loiros estavam curtos e bem cuidados e sua expressão era a de mais pura angústia, compartilhando do sentimento do filho – oh, Harry... – Ela repetiu, abraçando o filho, que apoiou a bochecha no topo da cabeça da mãe, sentindo-se grato por aquele toque.
Embora aquela fosse a casa em que Harry crescera, também tinha um valor sentimental para os demais integrantes da banda. De uma forma ou de outra, todos os McGuys acabaram por adotar Emma e Cristopher como parte de suas famílias; ou talvez o contrário tivesse ocorrido.
Por esse exato motivo, assim que se soltou do filho, a mulher deu um abraço igualmente caloroso em cada um dos garotos, brindando-lhes com sorrisos, enquanto enquadrava cada rosto.
- Vocês parecem tão magros... – Suspirou a mulher, tomando Harry pela mão e gesticulando para que os outros três rapazes a acompanhassem – Vamos, vamos entrar; tenho biscoitos recém saídos do forno e vou preparar um chá...
Harry, Tom, Danny e Dougie sabiam muito bem que cozinhar era a forma que Emma encontrava para se confortar, quando não havia nada que pudesse fazer para ajudar aqueles que amava; a perda de Charlie e Claire também a abatera, já que criara aquelas crianças quase como se suas fossem, dada a forte amizade entre Harry e eles.
Seguiram a mulher casa adentro, passaram pela sala perfeitamente arrumada, cheia de porta-retratos e fotos penduradas de versões mais jovens e sorridentes de Harry e de seus irmãos mais velhos, Katherine e Thomas, que estavam por todos os cantos. A cozinha, que exalava um maravilhoso cheiro de cookies, estava com pilhas de panelas e pratos sujos, um sinal evidente de que Emma passara a tarde inteira cozinhando.
Assim que os garotos se sentaram à mesa da cozinha, em silêncio, Cristopher Judd surgiu, os cabelos úmidos e os olhos escuros fixaram-se nos garotos; sua expressão, geralmente séria e impassível, suavizou-se um pouco e ele parou atrás do filho caçula, colocando uma mão sobre seu ombro, num gesto silencioso de apoio.
- Estou feliz que tenha vindo alguém aqui me ajudar a comer toda essa comida que você fez... – Comentou Cristopher, casualmente - teríamos que enviar metade disso para as tropas no Iraque, e a outra metade doar para o Sopão, porque...
- Ninguém vai encostar nessa comida – interrompeu-o Emma, lançando um olhar feroz na direção dos cinco homens, fazendo-os se encolherem instintivamente – é para Alice e Molly; as coitadinhas estão muito ocupadas com... Com... Para cozinhar – terminou, sua aparência feroz sendo rapidamente substituída por uma frágil – e não há muito que possamos fazer, então o pouquinho que podemos ajudar temos que fazer, não é mesmo? Portanto, ninguém encosta no gnochi, não é para vocês – concluiu, recompondo-se.
- Como aconteceu? – A voz de Harry fez-se ouvir, rouca; o homem não se atrevia a encarar nenhum dos presentes, os olhos azuis fixos na janela que dava para o jardim, observando o movimento do lado de fora da casa.
Christopher e Emma trocaram olhares preocupados e, com um aceno de cabeça breve, o homem tomou para si a obrigação de relatar os fatos para o filho; puxou a última cadeira vaga junto à mesa e sentou-se ao lado de Harry.
- Bem, – suspirou Cristopher, passando a mão pela nuca, tentando encontrar as palavras adequadas – houve um engavetamento na entrada de Chelmsford... Provavelmente por causa do número absurdo de pessoas que vinham passar o feriado, mas... Mas não sei como dizer precisamente como aconteceu... – Emma, virada para o fogão, soltou um soluço baixinho e seu corpo estremeceu – o carro deles estava lá no meio e... Sinto muito, filho, eles não... – O homem interrompeu-se, recompondo-se.
O silêncio que se seguiu à fala de Cristopher só era interrompido pelos soluços baixinhos de Emma, que observava a água na chaleira ferver. Então, Harry massageou a têmpora esquerda, sentindo uma dor de cabeça se aproximando.
- E a Gail? – Perguntou, finalmente, sentindo a garganta se fechar só de pensar na garotinha, tão nova tendo que aprender a lidar com algo que ele sequer conseguia entender.
Cristopher permitiu-se um sorriso, ao pensar sobre a menina.
- Foi um milagre, Harry, ninguém conseguiu explicar muito bem como ela sobreviveu, mas parece que ela foi protegida; os homens do resgate a encontraram chorando e berrando no banco de trás, um pouco machucada por causa dos escombros, mas sem nenhum ferimento muito grave... – Ele respirou fundo, observando enquanto Harry escondia o rosto nas mãos e começava a deixar que as lágrimas rolassem livremente pela primeira vez desde que recebera a notícia – ela precisa de você, filho. E... Talvez... Você precise dela também.
Harry ficou mais alguns segundos naquela posição, as lágrimas rolando livremente e a respiração saindo abafada; então, ergueu o rosto, sem se importar com as bochechas molhadas, e fixou os olhos azuis no pai.
- Onde ela está? – Perguntou, afinal.
- No Chelmsford Cemetery & Crematorium – pronunciou-se Emma, voltando-se com os olhos avermelhados, mas um sorriso – Mas antes, uma xícara de chá. Não queremos ninguém passando mal e dando mais trabalho para Alice e Molly, não é?

X


Dougie estacionou o carro na frente do Chelmsford Cemetery. Os quatro homens desceram do carro e, juntos, subiram a escada de mármore que dava acesso ao hall de entrada do local.
O recinto era bem decorado e dava passagem para seis outras salas menores, onde se prestavam as homenagens antes do enterro; em razão do engavetamento, o local estava movimentado e, pela organização das salas, Harry calculou que pelo menos três das salas estavam sendo utilizadas; pessoas vestidas de preto estavam abraçadas, chorando ou trocando palavras de conforto em um tom de voz baixo e respeitoso.
“Charlie teria odiado este lugar”, foi o primeiro pensamento de Harry e ele sentiu seu coração se apertar com ele.
Em uma das salas, logo ao lado do arco que lhe dava entrada, estava um tripé com uma foto em preto e branco de seus amigos; Claire sorria, com não mais do que dezenove anos, enquanto Charlie tinha os braços em volta da mulher, com o meio sorriso divertido que lhe era característico.
Aquilo era tão errado.
Pessoas de vinte e cinco anos não poderiam morrer; não assim, tão de repente, abandonando seus pais e dando adeus à filha que nunca veriam se formar no colégio, ou pegar o diploma da faculdade.
E isso fez com que ele se recordasse de Abigail, sua afilhada; e assim que o pensamento lhe veio à cabeça, ouviu uma voz de mulher começar a berrar, desesperada.
- ABIGAIL? – Instantaneamente, os quatro homens voltaram sua atenção para a locutora, encontrando Alice Cooper, mãe de Claire, olhando em volta, desesperada, buscando pela neta – ABIGAIL, ONDE VOCÊ ESTÁ? – E, quando seus olhos encontraram os de Harry, a mulher se aproximou, desesperada – Harry! Oh, Harry, não consigo achá-la; dei-lhe as costas por cinco minutos e ela desapareceu, eu não sei... Eu não sei mais o que fazer... – Escondendo o rosto nas mãos, a mulher desabou, os ombros movendo-se com os soluços enérgicos.
- Nós vamos ajudá-la, senhora Cooper – disse Dougie, desesperado, raramente conseguindo ficar parado quando via uma mulher chorando.
- Fique tranqüila, Al – disse Harry, com uma serenidade que não se refletia em seu interior – descanse um pouco, nós procuraremos a Gail, está bem?
Assim que disse isso, saiu com os amigos em seu encalço, berrando pelo nome da menina; enquanto Danny subiu as escadas que davam para o segundo andar do Chelmsford Cemetery & Crematorium, Danny e Dougie se dividiram para olhar dentro dos outros salões de homenagem. Harry estava acompanhando Danny quando viu a saída que dava acesso ao cemitério e, sem se pronunciar com os amigos, encaminhou-se até ela, desceu a rampa que dava acesso ao jardim e observou, perplexo, as inúmeras sepulturas que se estendiam para além da vista.
Então ele a avistou. Apenas um pequeno vulto escuro quase no horizonte, parado; sentindo o coração se abster de bater por alguns segundos, começou a correr na direção da afilhada.
Não conseguia berrar, porque o ar lhe faltava aos pulmões – “malditos cigarros!” -, mas quando chegou lá, ficou impressionado com a cena que via; a garotinha, com os cabelos acobreados presos em uma trança, estava completamente suja e usava as duas mãos para jogar a terra, que se encontrava em um monte ao lado do buraco que fora cavado na medida exata para que coubessem os dois caixões, de volta dentro do buraco, numa tentativa vã de preenchê-lo.
- Gail? – Ele chamou, a voz saiu como um arfar, fraca, e a garota não se absteve, continuando sua missão, obstinada – Gail? GAIL, O QUE VOCÊ ESTÁ FAZENDO?
A menina continuava a ignorá-lo solenemente, enchendo as mãos com a maior quantidade de terra que conseguia e jogando-a de volta dentro do buraco; num ato de frustração, ele berrou ‘GAIL’ uma vez mais e segurou a menina com firmeza pelo braço, rodando-a de forma que ela ficasse de frente para ele, de pé.
A respiração dela era pesada, os cabelos e o rosto estavam sujos e, nos locais que não estavam encardidos, mostravam rastros de lágrimas; ela olhou Harry por alguns segundos, e, então, começou a chorar e, instintivamente, o homem puxou-a para perto, abraçando-a com firmeza.
- A vovó disse que eles não vão voltar – soluçou, escondendo o rosto no pescoço do padrinho; ela cheirava a uma mistura de terra fresca e lavanda – Disse que quando colocarem eles aqui, eu nunca mais vou vê-los, tio Harry. Eu não quero que eles vão embora – e, então, qualquer palavra que fosse dita foi interrompida por soluços descontrolados – eu quero os meus pais – ela conseguiu articular.
E, então, Harry permitiu-se chorar com a afilhada, sentindo seu corpo frágil contra o dele e querendo, a todo custo, ser capaz de dizer algo que pudesse fazer ela se sentir melhor, mas não conseguiu pensar em nada.
- Eu quero os seus pais também – ele conseguiu sussurrar de volta.

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Assim que Harry e Abigail entraram no hall principal, de mãos dadas, Alice e Molly atravessaram a distância entre eles e tomaram a garota, alternando entre suspiros aliviados e sermões sobre como ela não podia simplesmente sumir daquela maneira, sem avisar ninguém.
- Oh, querida, você está toda suja! – Observou Molly, a mãe de Charlie, tirando da bolsa um lenço branco que, umedecendo com a língua, começou a passar pelo rosto da garota; nesse instante, os McGuys se aproximaram e as caras enojadas de Danny e Tom fizeram com que Harry tivesse que desviar os olhos para conter a risada.
- Molly, isso não vai adiantar – disse Alice, afastando as mãos da mãe de sua nora de cima da neta – vamos limpá-la em algum banheiro...
E as duas mulheres saíram arrastando a garotinha, que lançava um olhar desesperado na direção do padrinho.
- Elas... Elas... – Danny articulava, sem conseguir se expressar – por que ela tava lambendo a Abigail? – Perguntou, finalmente, enojado.
- Acho que ela estava limpando ela... – Harry comentou, segurando o riso.
- E ela pensa que está onde? – Retrucou Tom, igualmente enojado – no Animal Planet?
- É por cenas assim que eu não consigo assistir mais de cinco minutos daquela nojeira... – Dougie completou, seu corpo estremecendo.
E, pela primeira vez desde que recebera as notícias, Harry soltou uma risada e sentiu-se extremamente grato pela presença dos amigos.

X


Quando o funeral começou, Abigail já tinha retornado do banheiro, as faces limpas, embora seu vestido ainda estivesse sujo e os cabelos não estivessem em melhores condições; assim que viu o padrinho, soltou-se das avós e correu até ele, tomando-lhe uma das mãos.
Então, oito funcionários da Chelsmford Cemetery & Crematorium apareceram, postando-se dois de cada lado dos caixões e a procissão em direção ao cemitério começou; à frente, ia o padre, seguido pelos dois caixões e, depois, todos aqueles que compareceram para prestar homenagem.
Harry seguia no meio às demais pessoas, de mãos dadas com Abigail e acompanhado pelos amigos e os pais, que apareceram alguns momentos antes; e, embora Abigail olhasse para o nada, parecendo ausente, de vez em quando apertava com mais força sua mão, como se para se certificar de que ele realmente estava lá.
Pela primeira vez desde que recebera a chocante notícia, Harry parou para apreciar o dia. Ao contrário do que seria esperado, o dia estava maravilhoso, ensolarado e com uma brisa agradável vindo do norte, que não permitia que o calor se transformasse em um incômodo; era tão lindo que chegava a ser um insulto ao que aquele dia passara a significar para a maioria dos presentes.
Quando chegaram ao lugar determinado, onde Harry encontrara Abigail algumas horas atrás, os caixões foram posicionados dentro de um buraco escavado com a largura e a profundidade exata para eles, e o padre celebrou uma pequena missa; terminado o culto, os pais de Claire e Charlie prestaram as suas homenagens, dizendo entre lágrimas que sentiriam falta dos filhos, mas que tinham certeza que eles foram para algum lugar melhor.
Ao fim de cada discurso, eles se aproximavam de um gigantesco vaso vinho que estava ao lado da sepultura, repleto de rosas brancas e retiravam uma, atirando-a sobre os caixões, numa última homenagem.
Harry chegou a ensaiar um discurso, mas não teve coragem de se levantar e ocupar o pódio; não tinha certeza se conseguiria sequer dizer qualquer coisa, mesmo que tentasse.
Então, levantou-se e observou que Abigail continuou sentada. Quando ele ergueu as sobrancelhas, convidando-a a prestar as últimas homenagens, a garota desviou os olhos e ele entendeu que ela não queria fazer aquilo; não estava pronta para dizer adeus.
Ele também não estava, mas sabia que precisava; esticou a mão e escolheu uma rosa branca e, aproximando-se da boca do buraco, observou as tampas dos caixões e as quatro rosas jogadas pelos pais desolados.
E olhou novamente para Abigail sentada ali, as lágrimas rolando pelas bochechas, observando-o e, sem pensar duas vezes, caminhou até ela, ajoelhando-se à sua frente e lhe estendendo a rosa.
- Eu não quero – ela disse, a voz fraca.
- Eu também não – Harry segredou, entregando-lhe a rosa –, mas eles merecem isso.
Ela sucumbiu novamente a um choro desmedido e, por um segundo, Harry se arrependeu de ter-lhe dirigido a palavra; talvez forçar uma garota de seis anos a se despedir de seus pais fosse loucura e cruel, mas suas inseguranças foram abrandadas quando as mãos pequeninas de Abigail se fecharam em volta do caule liso da rosa, tomando-lhe a posse.
- OK – ela disse, finalmente, entre fungadas – OK – repetiu, parecendo tentar se convencer.
E, perante os olhares marejados de todos os presentes, Abigail caminhou até a borda do buraco, uma mão segurando firmemente a de Harry e a outra segurando a rosa; ela ficou parada, em silêncio, por alguns segundos, observando as rosas e os caixões, o queixinho tremendo, lágrimas rolando silenciosamente, enquanto parecia reunir a coragem necessária para prestar a homenagem final.
Para se despedir.
Harry esticou o braço e pegou uma nova rosa; apertou de leve a mão de Abigail, demonstrando seu apoio e, depois de despedir-se mentalmente dos amigos, jogou sua rosa; os olhos castanhos de Abigail acompanharam o arco perfeito que a rosa fez, até se encaixar entre os dois caixões.
Abigail e Harry trocaram um olhar; o homem deu um meio sorriso encorajador e a menininha fechou os olhos, respirando fundo e, então, estendeu a mão que segurava a rosa e soltou seus dedinhos do caule, lentamente, fazendo com que ela caísse com suavidade, em cima do caixão de Charlie.
E, quando ela abriu os olhos, seu corpo todo começou a tremer e foi assaltada por uma série de soluços incontroláveis; todos os presentes começaram a chorar, alguns silenciosamente, outros sem qualquer pudor. Harry pegou a afilhada no colo, abraçando-a, enquanto a garota escondia o rosto em seu pescoço.
Ele também sentiu as lágrimas rolarem silenciosamente pelo seu rosto, sem sequer pedirem licença; e aos poucos todos os presentes começaram a encaminhar-se até o vaso, puxar uma rosa e, despedindo-se, jogá-la.
Terminadas as homenagens, dois funcionários do Chelmsford se aproximaram com jardineiras simples e pás e, utilizando-se delas, começaram a cobrir o buraco com a areia que estava empilhada ao lado do pódio; Abigail observou a atividade dos homens por alguns segundos, mas não agüentou mais que isso, escondeu novamente o rosto no pescoço do padrinho e voltou a chorar, de maneira mais desmedida agora, desolada.
Cada soluço engasgado e lamúria pareciam enfiar uma faca no coração de Harry e ele apertou a afilhada contra ele, querendo lhe transmitir de alguma forma algum consolo que estava além de suas palavras.

X


Passados alguns minutos do fim da cerimônia, grande parte das pessoas que compareceram para prestar as devidas homenagens já estava se encaminhando para o prédio da Chelmsford Cemetery & Crematorium; Abigail estava adormecida e Harry aproveitou-se disso para entregar-lhe a Dougie que era o mais apto a cuidar de crianças entre os seus três amigos.
Aproximou-se do túmulo que estava abandonado, a não ser por Anthony, Alice, Molly e Oliver que conversavam com o padre a alguns metros de distância; Harry agachou de cócoras e ficou observando a lápide de mármore branca, onde os nomes de seus amigos e as palavras ‘filhos e pais amados’ estavam escritos com uma letra escura, destacando-se.
- Sinto muito não ter falado nada – ele disse, baixinho; esperava se sentir idiota falando com o nada, mas era exatamente o oposto disso, era quase como se sentisse que eles estavam escutando – eu não sabia o que dizer... Eu não estava preparado para isso. Acho que ninguém aqui estava, né? – Permitiu-se um riso triste – eu espero que vocês estejam em um lugar melhor e que olhem por nós, se puderem; principalmente pela Gail. Mas não é como se eu fosse precisar pedir isso para vocês, não é? – Houve uma breve pausa e ele colocou a mão no mármore frio, bem entre os nomes de Charlie e Claire – eu amo vocês, vão em paz.
Suspirou e, fechando os olhos, colocou-se de pé e girou nos calcanhares; quando abriu os olhos, deu de cara com uma mulher atraente, com cabelos , olhos meigos, pele alva e bochechas rosadas, segurava com as duas mãos um buquê de girassóis que eram as flores favoritas de Claire.
- Desculpe – ela disse, as bochechas avermelhadas – eu não quis te interromper, eu só queria... – Ergueu o buquê, num gesto autoexplicativo.
Harry observou-a com as sobrancelhas erguidas.
- Eles estavam distribuindo flores de graça há quinze minutos – informou-a.
- Eu sei, – ela desviou os olhos, encabulada – cheguei atrasada; vim assim que soube, mas como é feriado, o trânsito estava um caos e, quando cheguei aqui, já tinha acabado o funeral. Por isso, trouxe minhas próprias flores – acrescentou.
- Girassóis – ele comentou, com um aceno de cabeça.
- Eram os favoritos da...
- Claire, eu sei – ele sorriu, estendendo a mão em sua direção – eu sou Harry...
- Judd – ela completou, segurando o buquê com uma das mãos e apertando-lhe a mão estendida com a outra – Eu sei, tenho uma TV e um rádio. Meu nome é , eu trabalhava na Saint Paige com a Claire e sou a professora da Abigail, por falar nisso...?
- Está no colo do... – Olhou por cima dos ombros da mulher e percebeu que nenhum dos McGuys estava com a garota nos colos – está desaparecida. – Emendou – vou procurá-la.
A mulher soltou uma risada, que parecia preencher o ar à sua volta; abaixou-se, depositou o buquê respeitosamente a frente do túmulo e fechou os olhos, com a mão no mármore, orando baixinho.
Ergueu-se, então, e apressou-se para acompanhá-lo.
- Não se preocupe, vou te ajudar; queria mesmo vê-la, tenho que lhe entregar isto – disse, tirando da bolsa de couro que usava um ursinho de pelúcia, aquele mesmo que Harry dera à garota em seu nascimento – Dimas, não é?
- Desdemond – corrigiu o homem, tirando o ursinho da mão da mulher – por que está com isso?
- Ela o esqueceu no colégio na tarde de quarta-feira; saiu meio apressada e achei que, talvez, ela fosse... – Deu de ombros.
Harry observou-a por um tempo, e então sorriu, agradecido.
- Ela vai ficar muito feliz – assegurou-a.
Nesse instante, Abigail surgiu de trás de uma árvore, aparentemente estava brincando de alguma coisa com os garotos, mas seu rostinho se iluminou quando viu Harry e se aproximando.
- Professora ! – Berrou, correndo e encurtando a distância entre eles – professora ! – Abraçou a mulher, afeiçoada, e então ergueu o rostinho para ela – Oi, professora .
sorriu e Harry percebeu que seu queixo tremera levemente, certamente não esperava uma recepção tão calorosa de uma garotinha que recentemente se tornara órfã.
- Vim trazer seu amigo – informou, indicando o ursinho que Harry prontamente estendeu na direção da garota.
- Desdemond! – Ela exclamou, maravilhada, aceitando-o prontamente e abraçando-o com força – desculpa que eu te esqueci... – Ela sussurrou ao ouvido do ursinho.
- Ele estava com saudades de você – comentou, abaixando-se para ficar na mesma altura da menina – não me deixou em paz, enquanto eu não o trouxesse.
Os outros McGuys se aproximaram, observando a cena.
- Olha só, uma mulher que conversa com ursinhos de pelúcia – assoviou Tom – isso, sim, é algo digno de currículo.
Ao ouvir isso, ergueu os olhos e, sorrindo, colocou-se em pé, estendendo a mão para os três, apresentando-se; quando Dougie começava uma conversa com a professora, Harry ouviu alguém chamar seu nome à distância.
Olhou por cima dos ombros e viu Oliver Dickes acenando-lhe para que se aproximasse.
- Gail, vou falar com seus avós; você me espera aqui com os rapazes e a professora ? – Perguntou.
A menina deu um sorrisinho e concordou com um aceno enfático de cabeça.
- Harry, filho, gostaria que você conhecesse Simmas Hooterville – disse Oliver, assim que o moreno se aproximou, apresentando um homem de cabelos grisalhos, segurando uma pasta de couro, que prontamente ofereceu-lhe a mão – ele era o advogado de Charlie e Claire.
- Eu assumo daqui, senhor Dickens – sorriu o homem, prestativo, soltando a mão de Harry. – Faremos a leitura do testamento. Será aqui mesmo, o atencioso gerente do Chelmsford Cemetery & Crematorium nos cedeu uma sala vazia para tanto e eu insisto, senhor Judd, na sua presença.
Harry olhou por cima dos ombros. Abigail estava rodeada pelos outros integrantes da banda e , parecendo completamente alheia à sua ausência.
- Certo – concordou.

X


A sala que fora disponibilizada ao doutor Hooterville não tinha mais do que uma mesa e algumas cadeiras, mas era o suficiente; sentaram-se Alice e Oliver Cooper, ao seu lado Molly e Anthony Dickens na primeira fileira, na fileira de trás, estavam Ariadne e seu marido, Hugo e, ao lado deles, o irmão mais novo de Charlie, Clement, de dezesseis anos.
Harry, relutante, ocupou o lugar ao lado de Clement que fungou, deixando transparecer que, apesar de não estar às lágrimas como as demais pessoas no recinto, também estava sofrendo.
Simmas abriu a sua maleta sobre a mesa e puxou de dentro uma pasta, abriu-a calmamente e puxou dois papéis com algo digitado. Ele pigarreou e sentou-se em uma cadeira, o testamento do casal em mãos.
- A perda de Charlie e Claire Dickens é realmente lastimável, mas eles eram pessoas prevenidas; conheço poucas pessoas de tão jovem idade que tenham a preocupação de fazer um testamento – sorriu o homem, o que fez com que Harry sorrisse também, imaginando que isso fora certamente idéia de Claire: sempre pensando no futuro. – Mas, comecemos.
Ele respirou fundo e colocou os óculos de leitura, pigarreou novamente e começou a leitura do testamento. Charlie e Claire deixaram a casa na praia para os Coopers e a casa nas montanhas para os Dickens; o carro e a lancha ficaram para Ariadne e mais algumas divisões de bens.
- E, por último, mas de ainda maior importância – continuou a leitura –, concedemos a guarda de nossa única e amada filha, Abigail Grace Dickens, a seu padrinho e nosso fiel amigo, Harry Mark Christopher Judd, assim como todas as nossas reservas financeiras, que ficam em seu nome até que Abigail alcance a maioridade. São os nossos desejos, Charlie e Claire Dickens.
A sala parecia inerte, ninguém parecia ousar respirar e todos os olhos estavam fixos em Harry.
- Eu... – Ele começou, confuso – eu... Mas... Harry Mark Cristopher Judd? Tem certeza de que foi isso que você leu aí?
Simmas parecia calmo, quase como se já esperasse essa reação.
- Gostaria de lê-la com os seus próprios olhos, senhor Judd? – Questionou o advogado, as sobrancelhas erguidas, estendendo o testamento em sua direção.
Harry imediatamente colocou-se de pé e pegou o testamento.
- Não é que eu duvide da sua palavra, mas é que eu... – E seus olhos releram o último parágrafo, seu nome ali, em negrito e, logo abaixo, a assinatura desleixada de Charlie e a caprichosa de Claire.
- Eles disseram que você talvez reagisse dessa forma – disse Simmas, colocando sua mão sobre o antebraço do homem, oferecendo-lhe um sorriso compreensivo – por isso, eles me deram isso e pediram que eu te entregasse, caso você... Não aceitasse a notícia tão bem – enfiando a mão dentro da pasta, retirou uma capinha de CD, colocando-a nas mãos do homem – você tem opções, senhor Judd, ninguém pode obrigá-lo a algo que não queira, mas... Gostaria que você tirasse o dia para pensar nas possibilidades e, por favor... Assista a isso – disse, enquanto guardava a pasta e o testamento, que retirara das mãos de Harry, dentro de sua maleta – e, caso precise entrar em contato comigo, aqui está o cartão do hotel em que estou e, aqui... – Rabiscou o número do seu celular no verso – está meu número, qualquer dúvida, sinta-se à vontade para me contatar.
Harry observou, atônito, enquanto o homem despedia-se dos demais parentes na casa e, então, voltou os olhos para a caixinha de CD em suas mãos, sentindo todo o ar se esvair de seus pulmões.
“Eu realmente preciso de um cigarro”, foi a única coisa que veio à sua mente.

“Welcome to the fallout
Welcome to resistance
The tension is here
The tension is here
Between who you are and who you could be
Between how it is and how it should be
Dare You to Move – Switchfoot

Capítulo 3 – Amazing

“It's Amazing
with the blink of an eye you finally see the light.
It's Amazing
when the moment arrives that you know you'll be alright
It's Amazing
and I'm sayin' a prayer for the desperate hearts tonight”
Aerosmith – Amazing

Harry ainda encarava a caixinha de CD na sua mão quando Molly Dickens aproximou-se, os olhos, escuros como pistache, cheios de um carinho que sempre estivera ali para ele desde que tinha seis anos de idade.
- Está surpreso? – ela perguntou, colocando a mão nas costas daquele garoto a quem considerava um filho.
- Bem... – ele disse, incapaz de achar palavras que pudessem descrever exatamente o que ele achava daquela situação, então deu de ombros, incerto.
- Ora, eu não estou – a mulher de cabelos loiros curtos disse, colocando as duas mãos na cintura – Você é a opção óbvia, querido.
- Opção óbvia? – ele retrucou, piscando os olhos, sentindo-se perdido – Eu não sei nada sobre criar crianças, quero dizer... quando Abigail ia passar os finais de semana em casa, Claire ficava três dias sem falar comigo, porque eu sempre deixava que ela comesse o que quisesse e dormisse tarde, e... eu não posso fazer isso, Moll, eu sou a pior pessoa para fazer isso, sejamos honestos.
- Quer saber sobre honestidade? – a mulher perguntou, os olhos escuros presos nos azuis de Harry – Ninguém é a pessoa perfeita para ser um pai. Todos nós erramos, é uma profissão difícil. Mas ser um bom pai não é tomar as medidas certas, quero dizer... isso é importante, mas não é o essencial. Ser um bom pai é ser aquela pessoa com quem nossos filhos sempre podem contar. Seu filho confiar em você e ver em você um porto seguro. Isso é essencial.
Os dois ficaram em silêncio por um tempo, enquanto Harry absorvia o que a mulher falara.
- Abigail tem adoração por você, não é o suficiente? – houve mais um breve momento de silêncio e Molly sorriu, puxando o homem pelo pulso, consciente de que suas palavras surtiram efeito nele – Vamos, querido, está tarde e todos temos nossas casas para as quais voltar.

X


Quando Harry saiu da sala, acompanhando pelos demais parentes próximos de Charlie e Claire, encontrou Abigail sentada em uma cadeira, abraçada ao seu ursinho de pelúcia, conversando com Tom, enquanto Dougie e Danny disputavam uma luta acirrada de polegar; ao lado deles, Christopher e Emma Judd conversavam com .
- Hey – Tom fez, assim que o viu – Até que foi rápido.
- Tio Harry! – Abigail pulou da cadeira e correu até o padrinho, agarrando a mão dele – O que vocês estavam fazendo? – perguntou, a cabeça inclinada, um tom de voz quase acusador, como quem diz ‘como você ousa me deixar sozinha, já não conversamos sobre isso?’.
Harry abaixou-se e pegou-a no colo, deixando que a garota passasse os dois braços em volta de seu pescoço.
- Seus pais queriam dar algumas coisas deles para algumas pessoas... – disse Harry, relutante.
- E o que eles te deram? – perguntou curiosa.
Harry abriu a boca, mas não conseguiu falar nada; então, sentiu o CD em suas mãos e sorriu.
- Um CD – disse enquanto usava o braço livre que não servia de assento para a menina para guardar a caixinha de CD dentro do bolso interno do terno que usava.
- Sério? Qual é? Aquele dos Beatles, que meu pai... – ela ficou em silêncio, repentinamente lembrando que seu pai nunca mais ouviria ao “Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band”, um de seus CDs favoritos.
- Não – Harry sorriu – Ainda não sei o que está no CD.
- Estamos planejando um jantar tranqüilo esta noite – interveio Cristopher, olhando em volta, encontrando a aprovação de todos os presentes – Pizza – acrescentou, lançando um olhar significativo na direção de Emma, que revirou os olhos e cruzou os braços, resmungando algo baixinho sobre ser subestimada pelo marido – Não quero mais ninguém se esforçando, hoje já foi um dia bem cansativo...
- Você está convidadíssima, querida – acrescentou Emma para tomando nas suas mãos as da professora, que corou perante o convite inesperado – Qualquer pessoa que fosse amiga de Charlie e Claire é mais do que bem vinda na nossa casa – acrescentou a mulher, com os olhos marejados.
- Ah, bem... – ela olhou para o chão, incomodada – Eu... eu não tenho certeza...
- Você já vai comer pizza com a sua família, professora ? – perguntou Abigail, agarrada ao seu ursinho de pelúcia, espiando a professora com os grandes olhos verdes e inocentes.
abriu a boca para responder, mas se deteve e então sorriu.
- Na verdade, adoraria comer com vocês – emendou.
Nesse momento, Alice Cooper aproximou-se, com um sorriso doce, cumprimentou todos os presentes e voltou-se para Abigail, ainda no colo de Harry.
- Vamos para casa, querida? – perguntou, esticando as mãos na direção da garota – O tio Harry tem muitas coisas no que pensar agora, e...
Abigail mordiscou o lábio inferior e, respirando fundo, como se estivesse segurando o choro, concordou com um aceno de cabeça; antes que conseguisse pensar sobre isso, Harry segurou a afilhada com ainda mais força.
- Alice, se você não se incomodasse... – ele disse, a voz firme – Eu gostaria que Abigail passasse a noite conosco hoje; acho que uma pizza só lhe fará bem.
Por cima dos ombros de Alice, Harry podia ver Molly de sobrancelhas erguidas, como quem diz ‘eu não te disse?’. Ele engoliu em seco e desviou o olhar.
Alice hesitou por um segundo e depois sorriu.
- É claro, querido. Cuidem-se e boa noite. – desejou, dando um beijo na bochecha da neta e acenando para os demais, depois saiu acompanhada pelo marido.

X


- Eu quero pizza quatro queijos – informou Dougie, enquanto sentava-se na poltrona do piloto; Tom parou ao lado dele, com os braços cruzados, olhando-o significativamente – O quê?
- Eu dirijo – disse em tom autoritário – Chega de acidentes por hoje.
Foi então que Abigail ficou paralisada, olhando para os carros, os olhos arregalados.
- Gail, o que foi? – perguntou Harry e, então, ele percebeu.
A morte de Charlie e Claire fora conseqüência de um acidente automobilístico e, provavelmente por causa disso, a garota poderia ter desenvolvido alguma fobia em relação ao meio de transporte.
- Nós temos que ir de carro? – ela perguntou baixinho.
Harry olhou para os demais, como se procurando por amparo. Percebeu, então, que ela provavelmente viera a pé da casa de Alice e Oliver Cooper para o funeral, já que ficava há apenas dois quarteirões do local.
Christopher e Emma estavam paralisados, junto com , os olhos voltados para eles, aguardando a resposta, enquanto Dougie e Tom, alheios, discutiam sobre quem deveria dirigir e Danny estava recostado contra o capô do carro, observando Harry com as sobrancelhas erguidas.
- Ahn... Nós poderíamos ir a pé, mas demoraria muito mais tempo, Gail...
Abigail concordou com um aceno de cabeça, tentando parecer corajosa.
Harry deu um suspiro aliviado e começou a caminhar com Abigail em direção ao carro, mas, a cada passo que davam em direção do carro, ele sentia a garota ficar tensa e apertar com mais força sua mão.
- Gail, não precisamos fazer isso – ele disse, finalmente, ao perceber que o queixo da garota tremia e sua respiração estava acelerada – Podemos ir a pé, eu e você... Que tal?
Abigail soltou o ar, trêmula, e assentiu com vários movimentos sucessivos de cabeça; Harry deu um sorriso para os demais presentes.
- Bom, mantenham nossas pizzas aquecidas – pediu, puxando a garota e colocando-a sentada em seus ombros; pela primeira vez no dia inteiro, Abigail soltou um grunhidinho e riu, o que fez tudo aquilo valer a pena – Encontramos vocês mais tarde.

X


Eles andavam em silêncio, Harry começava a sentir os músculos de suas costas resmungando sob o peso de Abigail, mas resolveu agüentar por mais um tempo.
A garotinha estava absorta, olhando para o céu; o homem recordou-se de como costumava ser fácil conversar com Abigail, como, na realidade, ela geralmente só ficava quieta quando estava dormindo.
- Nós não temos que fazer este caminho em silêncio – comentou Harry.
- Ahn? – Abigail questionou, meio perdida por ser tirada de seus pensamentos.
- Conversar ainda não é crime aqui em Chelmsford – esclareceu o homem – Então, você pode conversar comigo, se quiser.
A garota deu uma risadinha.
- Seria engraçado se conversar fosse um crime – comentou.
- Nem me fale, Danny já teria sido condenado à prisão perpétua – riu Harry.
Abigail riu de novo, divertindo-se com a situação, ela inclinou-se, observando o céu, estranhamente estrelado, apesar da costumeira poluição que encobria a cidade de Chelmsford, dada sua proximidade com Londres.
- Você sabe qual é a ursa maior? – ela perguntou pensativa, afastando-se do assunto.
- Não tenho a menor idéia – ele respondeu.
- Eu também não – ela concordou – Minha mãe sempre sabia onde estavam todas, mas eu nunca entendi direito. Quero dizer, ela falava ‘ali está a ursa maior’ e tudo o que eu via eram muitas estrelas. E nenhuma ursa.
Harry riu, porque conseguia imaginar a cena com perfeição; as duas provavelmente sentadas no sofá, observando pela janela, enquanto Claire apontava as estrelas.
- E como eles sabem que é uma ursa? – questionou, apoiando o queixo no topo da cabeça de Harry – Não poderia ser um urso?
- Isso nunca fez muito sentido para mim, para ser honesto – Harry concordou – Eu sou como você, para mim, são só estrelas.
- É, acho que sim – ela concordou pensativa – Tio Harry, você está soltando ar de um jeito estranho... não quer me colocar no chão? – ofereceu prestativa.
- Graças a Deus – ele gemeu, tirando-a das costas.
Abigail sorriu e deu uma das mãos para Harry, enquanto a outra apertava Desdemond, arrastando-o atrás dela pela calçada.
- E quem é que escolhe? – perguntou a garotinha, ainda olhando para os céus.
- Quem escolhe o quê, sua pirada? – ele perguntou, observando o céu também, as poucas estrelas que conseguiam exibir seu brilho, através da pesada poluição, estavam lindas.
- As estrelas. Quero dizer, quem foi que olhou e falou ‘essa, essa e essa’ formam a Ursa Maior? – questionou, observando Harry com os olhos verdes, curiosa.
Harry piscou os olhos, confuso.
- Ahn... eu... realmente... não sei.
- Ah – ela soltou meio decepcionada como quem diz “você não sabe de muita coisa, né?” – Será que qualquer um pode fazer isso?
- Você pode fazer o que você quiser – disse Harry, e depois arregalou os olhos, arrependendo-se da escolha de palavras – Quero dizer, não qualquer coisa, só aquelas coisas que não vão te fazer morrer, ou ir para cadeia... ou me levar para a cadeia.
Abigail observou-o, a testa franzida, e depois riu e, naquele instante, ela era a garotinha alegre e curiosa que ele conhecera por cinco anos.
- Desculpe se estou esquisitão... – ele hesitou, perguntando-se se seria bom falar o que lhe veio à cabeça e, então, o disse – Eu apenas sinto muito a falta dos seus pais.
Abigail ficou em silêncio e, por um instante, ele achou que ela fosse chorar de novo, o que fez com que ele imediatamente se arrependesse de ter deixado aquela informação escapar, mas ao invés disso, ela deu um sorriso triste e olhou para o padrinho.
- Você acha que eles estão por aqui ou que eles foram para o céu?
- Olha, eu conheci muitas pessoas na minha vida, Gail, e se tinham duas delas que mereciam ir para o céu, essas duas eram os seus pais – ele disse, sentindo a garganta apertada.
- Mas... – ela respirou fundo, triste – Mas você acha que eles foram embora?
- Eu gosto de pensar que as pessoas que nós amamos estão sempre com a gente. Aqui, ó – ele abaixou-se e apontou para o lugar no peito de Abigail em que ficava seu coração – Eles estarão para sempre com você aqui.
Abigail largou a mão de Harry e usou a mão livre para colocar sobre o lugar que Harry indicara.
- Mas aqui é o meu coração – ela disse, a testa franzida.
- Exatamente – ele sorriu – Carregamos quem nós amamos aqui.
- Mas... mas se eles estão aqui, como podem estar no céu ao mesmo tempo? – ela quis saber, voltando a segurar a mão de Harry.
- Bom, acho que é porque quando... quando nós falecemos... podemos estar em vários lugares ao mesmo tempo.
Abigail ficou em silêncio por algum tempo, digerindo essa informação.
- Ah – soltou, por fim, então olhou para o céu de novo – Você acha que eles estão olhando para a gente lá de cima? – e, para ilustrar, acenou com a mão que segurava Desdemond.
Harry sorriu, sentindo uma onda de afeto inundar-lhe, enquanto observava aquela garotinha observar, admirada, o céu infinito a cima; ele já amava aquela garotinha, mas vê-la daquele jeito, tão corajosa, simplesmente fizera com que seu coração transbordasse com uma sensação morna e confortável.
- Quer saber? Eu tenho certeza de que estão nos observando de cima de alguma estrela – ele disse, e colocou a mão livre sobre os olhos, como se tentasse ver algo à distância – É, acho que definitivamente são eles ali, ó.
- Onde? – perguntou a garota, imitando o padrinho e olhando para o céu – Cadê, tio Harry?
- Ali, ó... – ele apontou para duas estrelas bem brilhantes, uma do lado da outra – Naquelas estrelas. As duas mais brilhantes, está vendo?
- Ah! Sim! Olha só, vou nomeá-las ‘constelações Mamãe e Papai’! – ela sorriu feliz – E essa eu consigo ver! – acrescentou, contente – E você também, né?
- É – ele sorriu, abraçando a afilhada – Eu também.
E, então, os dois voltaram a caminhar.

X


Quando Harry e Abigail finalmente chegaram, encontraram Christopher pagando o entregador de pizzas, enquanto Emma pegava os quatro recipientes gigantescos.
- Deixe que eu te ajudo com isso, mãe – disse Harry, prontamente retirando as caixas de pizza das mãos da mulher e abrindo caminho até a cozinha, colocando-as sobre a mesa redonda.
ria de alguma coisa que Dougie estava falando e ele parecia relativamente à vontade com ela, o que era um bom sinal, enquanto Tom e Danny estavam deitados no chão da sala, apoiados nos cotovelos, jogando o ‘Super Mario’ do Super Nintendo, que era o único console que Harry deixara na casa dos pais.
- Até que enfim vocês chegaram – berrou Danny, sem desgrudar os olhos da tela da TV – Tom, se você deixar essa maldita tartaruga marrom te matar de novo, eu vou fazer você engolir esse cartucho de Mario – ameaçou, por entre os dentes.
- Estou acostumado com o jogo do wii, tá legal? Eu só preciso de tempo para me adaptar... – resmungou o loiro, inclinando-se, enquanto tentava controlar o bonequinho do Luigi.
Abigail correu, soltando-se de Harry e sentou entre Tom e Danny.
- Posso jogar quando um de vocês morrer? – pediu ansiosa.
- Claro – Danny disse ausente – Não deve demorar muito, estamos quase chegando na tartaruga marrom, então...
- Danny, eu vou te sufocar enquanto dorme – informou Tom casualmente, fazendo Abigail gargalhar.
- Vocês são engraçados – ela comentou, deitando-se no chão e imitando a posição dos dois.
Harry estava arrumando as pizzas na mesa, quando ouviu o som anunciando que alguém tinha morrido e um berro frustrado de Danny, enquanto Tom tentava se justificar e Abigail gargalhava.
Deus, era bom ouvir aquilo.
- Minha vez agora! – ouviu a voz dela.
- Acho que você estava certo – a voz de fez-se ouvir e ele olhou por cima do ombro esquerdo, encontrando-a recostada na batente da porta, observando-o – Passar a noite aqui parece estar fazendo bem para ela.
Harry sorriu e deu de ombros, mas sentiu-se satisfeito internamente por isso.
- Obrigado por ficar – ele disse, desviando de assunto, porque se sentia um pouco desconfortável – Minha mãe pode ser realmente muito insistente quando quer...
- Sua mãe é um amor – corrigiu-o , aproximando-se da mesa e ajudando-o a distribuir os pratos; nesse instante, Emma entrou, usando um moletom e parecendo alegre por ver a casa tão cheia.
- Ora, , não precisava – disse Emma, as bochechas coradas – Harry, que tipo de educação é essa? Deixar a visita arrumar a mesa, que inaceitável. Eu juro que eduquei esse menino...
jogou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada gostosa, que parecia encher o recinto e era, ao mesmo tempo, extremamente sensual; Harry franziu o cenho, mas não pode evitar sorrir ao ouvir aquele som.
- Eu que me ofereci, senhora Judd, por favor, não desmereça a educação do seu filho – deu uma piscadela cúmplice para o homem e voltou a posicionar os pratos sobre a mesa – Afinal de contas, eu preciso retribuir pelo convite, e...
- Não, não, não, não... – Emma colocou-se entre a visita e a mesa, com uma expressão severa, as mãos estendidas, exigindo os pratos – Me devolva, querida, e vá lá jogar vídeo game com os meninos, por favor.
- Mas, senhora Judd...
- Não.
- Mas, eu...
- Nunca discuta com a Emma Judd, a não ser que queira sua sanidade dolorosamente drenada de sua cachola – opinou Christopher, surgindo na cozinha, em tom amigável – Eu demorei quase quinze anos para descobrir isso, estou te poupando anos de tortura, querida.
corou um pouco, entregou os pratos para a dona da casa e, escusando-se, saiu em direção à sala.
- Muito bom, mãe – Harry comentou assim que ouviu Abigail cumprimentar a professora efusivamente.
- Não venha com ‘muito bom, mãe’ para cima de mim; inaceitável deixar a visita fazer esse tipo de coisa, onde já se viu... – resmungava Emma, enquanto posicionava os pratos.
Às costas da mulher, Christopher revirou os olhos, fazendo Harry ter que segurar um sorriso, e abriu a gaveta de talheres; da sala, ouviu-se uma barulheira, e, por fim, a voz de Abigail berrou estridente, ‘venci a tartaruga!!’.
- É oficial, Tom – a voz de Dougie conseguiu surgir, mais alta que a barulheira de vivas – Você é muito, mas muito, mas muito patético mesmo.

X


O jantar foi muito melhor do que Harry teria imaginado; eles conseguiram rir, apesar do evento macabro que marcara aquele dia, e, mesmo que a mente de Harry freqüentemente pensasse em seus amigos, as conversas dos demais McGuys, com seus pais e conseguiram distraí-lo pela maior parte da noite.
Depois que todos estavam satisfeitos, o que aconteceu com Abigail muito mais cedo do que com qualquer um dos adultos, motivo pelo qual a menina agora se divertia fazendo a brincadeira da ‘virgem que abria as pernas’, que Tom lhe ensinara; em algum momento durante o jantar, a menina derrubara um pouco de coca-cola no vestido e, apesar de se esforçar para continuar acordada, seus olhos começavam a se fechar e sua cabeça tombava, frouxa sobre os ombros.
Percebendo isso, colocou-se de pé e, sorrindo, agradeceu pelo jantar maravilhoso; nesse momento, Emma levou as mãos pequeninas às bochechas e lançou um olhar preocupado pela janela, observando o jardim escuro.
- Mas, querida, está muito tarde... – ela começou preocupada, olhando em volta, buscando por apoio – E, e... e dirigir à noite é tão perigoso! Por que não dorme no quarto de Katherine e vai amanhã cedo? – ofereceu prontamente.
abriu a boca para recusar, mas viu Cristopher, discretamente, acenar que não com a cabeça, alertando-a de que seria mais simples apenas aceitar a gentileza e não se indispor com a mulher.
- É mesmo muita gentileza, senhora Judd – cedeu, embora se sentisse realmente cansada e fosse um alívio não ter que pegar a estrada naquelas condições – Agradeço de verdade.
- Oh, ótimo! Vou agora mesmo arrumar a cama... – alegrou-se Emma, empurrando a cadeira para trás, satisfeita por ter algo com o que se ocupar, e caminhando em direção à escada que dava acesso ao segundo andar da casa.
Nesse momento, Abigail soltou um bocejo e seus olhinhos verdes mal conseguiam ficar abertos.
- Gail, por que você não vem comigo? – ofereceu , com um sorriso.
A menina hesitou, olhando para Harry, como se questionasse qual era a posição dele em relação à questão.
- Acho que é uma boa idéia, Gail – Harry disse gentilmente, indicando com um aceno de cabeça.
- Está certo – Abigail escorregou da cadeira para o chão, deu um beijo na bochecha de cada um dos presentes, desejando-lhes boa noite um a um, tomou a mão da professora e, juntas, subiram pela escada.

X


- E está prontinho! – Emma suspirou, depois de estender um cobertor espesso sobre a cama e afofar dois travesseiros – Acho que será o suficiente para essa noite, mas caso precisem de mais cobertores, encontrarão aqui – apontou para o armário de Katherine, e sorriu para e Abigail – Bem, garotas, boa noite!
Deu um abraço em e, em seguida, repetiu o gesto com Abigail, percebendo, então, que a garota estava suja de terra.
- Oh, Abigail, o que é isso? – perguntou, segurando a menina pelos ombros para analisá-la – Onde você se sujou desse jeito? Não pode dormir assim! – acrescentou, colocando-se de pé e indo até o armário, tirando de lá uma toalha – Vamos, e eu...
- Senhora Judd, eu posso fazer isso pela senhora – ofereceu-se , tomando a toalha das mãos da mulher – Assim, você pode ir lá embaixo e cuidar de seus outros visitantes.
Emma ponderou e, consentindo, entregou-lhe a toalha.
- Está certo, querida, muito obrigada! – sorriu - Deixe-me lhes mostrar onde fica o banheiro... – disse, saindo do quarto e guiando as duas pelo corredor.

X


- E então? O que aconteceu? – perguntou Tom, assim que teve certeza de que Abigail não poderia os escutar.
Harry moveu-se incomodado na cadeira, sentindo os olhos do pai e dos amigos fixos nele.
- Ahn... – soltou, tirando a caixa de CD de dentro do bolso do paletó – Eles me deram isso. – Empurrou a caixinha, fazendo com que ela deslizasse pelo tampo da mesa, parando quando encontrou com a caixa da pizza - E a guarda da Gail – acrescentou, num fio de voz.
Danny, que bebia cerveja, cuspiu todo o conteúdo, respingando na mesa e em Dougie, que soltou um ‘hey’ enojado.
- Ahn. É. Isso resume a minha reação – Harry disse, massageando a própria têmpora.
Houve um breve segundo de silêncio, em que Harry encarava as próprias mãos e os demais presentes o observavam.
- E o CD? – perguntou Dougie finalmente.
Harry deu de ombros.
- O advogado deles me deu, aparentemente, eles fizeram isso para a hipótese em que eles morressem e eu não aceitasse muito bem o papel de tutor da Abigail – ele acrescentou.
Christopher assoviou, erguendo as sobrancelhas.
- Bem, eu sabia que aqueles eram dois jovens prevenidos, mas isso...
- É, nem me fale – Harry resmungou, esticando a mão e pegando a caixinha de CD.
- Certo. Prevenidos. É – Tom disse curioso – Mas o que tem aí?
- Não sei – Harry admitiu – Nem tive tempo de abrir e escutar, então...
Nesse momento, o som de alguém descendo a escada de madeira fez-se ouvir e, instintivamente, Harry guardou a caixinha no bolso interno do paletó; entretanto, quem surgiu foi Emma, com um sorriso radiante que congelou em seu rosto, ao perceber a expressão dos homens.
- O que aconteceu? – perguntou, recebendo a explicação do marido – Mas isso é maravilhoso! – aplaudiu, abraçando o filho, orgulhosa – De tantas pessoas, eles escolheram você! E não é à toa, eu o criei para ser o melhor pai do mundo, e...
- Eu não sei se vou aceitar – Harry disse, interrompendo-a.
Um novo silêncio se estendeu, mas dessa vez ele era tenso e pesado; Harry podia imaginar com perfeição que todos ali achavam que ele devia aceitar e, verdade seja dita, parte dele também queria.
Mas a outra parte dele simplesmente sabia que aquilo era loucura.
- Talvez você devesse ouvir o CD antes de se decidir – soltou Christopher finalmente, calmamente.
- Sim! – emendou Emma, os olhos carregados de esperança – O CD! Vá ouvir o CD! Tem um rádio na sala, e...
- Mãe, calma! – Harry pediu, colocando-se de pé – Eu realmente quero ouvir antes de... mas... ahn... – ele sentiu as bochechas corando e se odiou por isso – Vocês poderiam... talvez... ahn... ouvir comigo?
Uma onda de ‘claros’ e ‘adoraríamos’ fez-se ouvir e Harry repentinamente se sentiu muito grato pela segunda vez naquele dia; e, então, ouviu-se o som de outra pessoa descendo as escadas e todos silenciaram. surgiu, tímida.
- Harry, desculpe... – pediu, com um sorriso sem graça – Mas a Abigail queria falar com você, e...
- Certo – ele respondeu, caminhando até a mulher – Eu já volto – disse, lançando um olhar significativo na direção dos demais.

X


Ele encontrou Abigail enrolada em uma toalha no banheiro, sentada sobre o tampo da privada, os cabelos cor de cobre pingando de água.
- Pois não, Gail? – perguntou, parando à porta do recinto.
- Eu preciso de um pijama – ela disse, como quem meramente aponta um fato.
Harry riu.
- Certo, sua malandra – disse, entrando no banheiro e pegando-a no colo, fazendo-a rir e sorrir – Vamos lá. Que tal uma blusa minha?
- Pode ser – Abigail riu.
Harry abriu a porta de seu antigo quarto, sentou Abigail em sua antiga cama e revirou seu armário, até que encontrou o menor moletom que conseguia encontrar e jogou-o por cima dos ombros na direção da cama.
prontamente tomou o moletom nas mãos e ajudou a garotinha a se vestir; quando Harry se virou, Abigail era apenas um montinho perdida em um monte de tecido, mesmo seu menor moletom parecia uma cortina em volta da garota.
Harry pegou-a novamente no colo e levou-a até o quarto de Katherine, ajeitando-a na cama preparada por Emma.
- Está grande – comentou ela rindo, enquanto erguia os braços, que terminavam mais ou menos no meio das mangas do moletom, fazendo com que o restante do material caísse, sem vida, até quase alcançar o colchão.
- É, mas vai servir por hoje – comentou , apertando a ponta do nariz da garota com o seu dedo indicador – Vamos dormir?
- Sim, mas... – Abigail mordeu o lábio inferior, de leve, e seus olhos procuraram os de Harry – Tio Harry, será que você poderia... – e ela corou, lançando um olhar nervoso na direção de , fazendo com que a professora entendesse que o que quer que fosse que a garota queria dizer, sentia-se incomodada para fazê-lo em sua presença.
A mulher deu um belo sorriso e piscou para Harry.
- Vou esperar lá fora – disse, levantando-se da cama e saindo do quarto; recostou-se contra a parede, bem ao lado da porta.
Nessa hora, seu celular vibrou; puxou-o e lá tinha uma mensagem de sua melhor amiga .
“Já voltou para Londres?”
Rapidamente, digitou: “Vou passar a noite em Chelmsford. Conversamos amanhã”.
Guardou o celular no bolso da calça jeans e ouviu quando a voz fina de Abigail disse:
- Tio Harry, você pode cantar para mim?
Harry ergueu as sobrancelhas, enquanto afofava o travesseiro em volta da cabeça da menina e puxava o cobertor dela até seus ombros.
- Eu? Cantar?
Abigail piscou seus grandes olhos verdes.
- É que meu pai sempre... Ele sempre cantava para mim – ela disse, e um biquinho involuntário formou-se, fazendo com que Harry, desesperado, deitasse ao seu lado, pronto para atender qualquer pedido que impedisse as lágrimas de caíssem.
- Certo. Que música você quer?
- Qual música do Jonas Brother você conhece? – ela perguntou sonolenta.
- Certo, vamos esclarecer uma coisa aqui – Harry disse, com o dedo em riste – Eu concordei em cantar música, não barulho.
Ela riu.
- Meu pai sempre diz a mesma coisa – e então ficou em silêncio – Ele gostava de cantar aquela música dos Beatles, sabe? A que parece música de rei? Você pode cantar essa?
Harry franziu o cenho, pensativo.
- Música de rei? – ecoou.
- É. A que tem aqueles negócios que aqueles homens assopram quando os reis tão passando nos filmes, sabe? – ela fingiu estar segurando uma corneta e soltou um ‘fu-fu-fu-fu’ no ritmo da entrada de ‘With a Little Help from My Friends’ dos Beatles.
Harry jogou a cabeça para trás e gargalhou, como não fazia há muito tempo.
- Certo, vou cantar a música do rei para você – ele disse, ajeitando-se na cama – What would you do If I sang out of tune? Would you stand up and walk out on me...
Do lado de fora, encostou a cabeça na parede e sorriu, acompanhando a letra com os lábios, sem produzir som algum.

X


Quando Harry finalmente terminou de cantar a música, Abigail já estava adormecida; ele percebeu que suas bochechas estavam úmidas, sinal de que em algum momento durante a canção de ninar, chorara e isso fez com que ele sentisse seu coração apertar.
Cuidadosamente, levantou da cama e saiu do quarto, encontrando encostada na parede, do lado da porta.
- Desculpe por isso – ele disse, com um sorriso sem graça.
Ela sorriu de volta.
- Você tem uma boa voz – comentou, desconversando, de forma a deixar subentendido que não havia pelo que se desculpar – Agora, eu vou... – indicou o interior do quarto com um aceno de cabeça.
- Ah. Claro – Harry sorriu, e então percebeu que estava usando as roupas com as quais passara o dia – Não quer um pijama emprestado?
- Eu... – ela pensou em recusar, mas a verdade é que suas roupas estavam suadas e ela nunca fora uma fã de dormir com calça jeans e dormir de beta e calcinha não parecia adequado – Sim, obrigada.
Harry entrou junto com ela no quarto e, silenciosamente, procurou por um conjunto de pijamas de Katherine e estendeu-os à professora.
- Aqui. Acho que vão ficar bons – ele sussurrou, com um sorriso – Boa noite, professora .
- Boa noite, senhor Judd – ela desejou, acompanhando-o com os olhos, enquanto ele saía do quarto e fechava a porta às suas costas.

X


Quando Harry desceu as escadas, encontrou Emma, Christopher e os Guys tirando a mesa e conversando sobre a noite de hoje; ele pigarreou para informar sua presença.
- Ora, mas que demora, o que aconteceu? – perguntou Emma, pegando os copos da mão do filho e colocando-os dentro da pia.
- Abigail queria que eu cantasse para ela dormir – deu de ombros.
- Oh! – ela piscou os olhos, enternecida, e depois soltou um som abafado, como se estivesse esganando um animal pequenininho e, por fim, não conseguiu se conter – Você será mesmo um ótimo pai!
Ao mesmo tempo, Harry soltou um “mãe!” contrariado, enquanto Christopher Judd disse “Emma!” em tom de aviso.
O loiro revirou os olhos e puxou do bolso de seu paletó a caixinha de CD e todos se aproximaram em volta dele, ansiosos e curiosos, mas sem coragem de sugerir.
- Então... – ele disse, abrindo a caixinha e observando seu conteúdo – Vamos nessa.
Cristopher, Emma e Tom sentaram no sofá de três lugares, enquanto Danny e Dougie ocuparam cada um os braços do sofá; Harry caminhou resoluto até o rádio, mas parou antes de abrir a entrada para o CD, analisando o conteúdo da caixinha em suas mãos.
- Ahn... isso não é um CD – soltou, afinal – É um DVD.
- Oh... – soltaram todos instantaneamente e, prontamente, Emma alcançou o controle do aparelho de DVD em cima da mesa de café e, ansiosa, apertou o botãozinho de ‘open’, expondo a gavetinha – Aí está, querido.
Harry prontamente colocou o DVD e Emma apertou novamente o botão; o loiro observou silenciosamente enquanto o DVD desaparecia no interior do aparelho acinzentado dos pais.
Cristopher ligou a TV, a tela estava escura e, de repente, a imagem do rosto de Charlie surgiu, ocupando completamente a tela; Harry deu uns passos para trás.
- E... está gravando! Eu acho. Peraí. Cadê o manual dessa coisa...?
- Charlie – a voz de Claire veio de algum lugar nas costas do loiro – A luz vermelha está acesa?
- Ahn... – Charlie olhou para frente e Harry sentiu como se o amigo estivesse olhando diretamente para ele – Está!
- Então está gravando e você está assustando a todos que estão assistindo com essa sua cara feia – riu a mulher, enquanto Charlie se afastava, mostrando Claire, com os cabelos ruivos presos em um eficiente rabo de cavalo; os dois estavam sentados na mesa de vidro que tinham no meio da sala de estar – Harry, se você está assistindo isso...
- Nós estamos presos em uma ilha, em algum lugar do Pacífico; ainda não descobrimos as coordenadas, mas...
- CHARLIE! Isso é sério! – resmungou Claire, empurrando o marido para o lado.
- Você está certa, desculpe – Charlie pigarreou e olhou para a câmera, Harry sentiu um misto de vontade de rir com um aperto na garganta – Juddy, se você está assistindo isso, é porque nós estamos mortos. Estamos gravando isso porque temos uma missão muito importante para te passar: não deixe, por favor, minha mãe me enterrar com aquele suéter azul bebê que ela tanto gosta, por favor. Eu disse para ela “você só vai me fazer usar isso sobre o meu cadáver”, pode ser que ela leve esta advertência a sério, e...
- Charlie, eu vou te prender no quarto – disse Claire, séria, massageando as próprias têmporas.
Os lábios finos de Charlie se contorceram em um sorriso malicioso.
- Isso pode ser divertido. Com algemas?
- Charlie – a voz de Claire era um misto de diversão e resignação – Por favor.
Os dois se entreolharam e, depois, deram aquele sorriso subentendido, que geralmente significava “eu realmente não quero fazer isso, mas te amo demais para dizer não”; Claire geralmente o dava quando era obrigada a ir assistir aos jogos de rúgbi e Charlie, aparentemente, quando era obrigado a gravar filmagens sobre sua morte.
- Está certo. Mas isso é muito estranho. Você fala – ele disse, deixando o corpo inteiro se sacudir com um arrepio, que descrevia muito bem a sensação de Harry ao ver seus amigos falecidos ali, conversando com ele.
- Bem – Claire olhou para a câmera e sorriu, subitamente sem graça, e, então, acenou um oi com uma das mãos – Oi, Harry. Isso é realmente estranho, mas há umas duas semanas eu tive uma gripe tremenda e Charlie acabou pegando minha gripe e ficamos os dois muito mal e não podíamos ficar perto da Abigail, o que me fez pensar no que aconteceria se... se... se não fosse uma gripe, mas uma pneumonia e jamais pudéssemos cuidar dela se... se... se tudo desse errado e morrêssemos. Então, nós conversamos – apontou de Charlie para si mesma – e resolvemos que gostaríamos muito que você cuidasse dela por nós, se o pior acontecer e não pudermos fazer isso nós mesmos.
- Verdade seja dita, Juddy, você é nossa última opção – soltou Charlie, perante o olhar perplexo de Claire – Bem, não é que não estamos satisfeitos com ela – acrescentou, tentando se explicar – Mas, entenda – voltou-se para a câmera, fazendo Harry sentir novamente como se Charlie olhasse diretamente para ele – nenhum de nossos pais é uma escolha viável: já estão muito velhos para lidar com a missão de criar uma criança e a perda deles seria muito sofrida, seria como perder os pais novamente e, bem... – pela primeira vez, Charlie pareceu se deixar abalar com a possibilidade e desviou os olhos – Ariadne seria uma ótima mãe, mas eles moram na Irlanda e não há nenhuma possibilidade no mundo que me faça aceitar minha preciosa princesa vivendo na Bebolândia. E o Clement... Pff – descartou a possibilidade com um aceno de mão – Mesmo que fosse legalmente possível, o menino não consegue lembrar o nome nem da última menina com quem transou... Sinto muito se alguma lady estiver assistindo a este vídeo e Abigail, querida, se você está assistindo isso ‘transar’ é uma palavra feia cujo significado você só vai entender depois dos trinta anos, e...
- Charlie, eles entenderam – Claire interrompeu-o – Bem, o meu discurso era um pouco diferente, mas no geral, é isso. Se você realmente está assistindo esse vídeo pelo motivo que o fizemos e não porque Charlie ficou bêbado em algum churrasco e resolveu mostrar para toda a família, então eu sei que você está assustado e perdido. Nós também já nos sentimos assim.
- Diabos, você vai se sentir assim todos os dias. – Charlie comentou, rindo, mas fazendo com que Harry sentisse seu estômago afundar – Ser pai é como... – o homem buscou as palavras – É como ser um pirata, sempre navegando por mares desconhecidos, buscando por algo que você não tem muita certeza do que seja, mas que sabe que valerá a pena, assim que colocar os olhos nela.
Claire o observava, abismada, como se nem ela esperasse que aquela pérola de sabedoria fosse sair dos lábios de seu marido.
- Bem... é verdade – disse a ruiva, voltando a observar a câmera – É difícil, mas vale a pena. Ao contrário dos piratas que só conseguem se satisfazer encontrando o tesouro, ser pai é como se... se você encontrasse pedaços deste tesouro todos os dias, quando seu filho sorri para você, ou diz que te ama, ou faz parte de um recital, ou de uma apresentação de ballet... – os olhos de Claire se encheram de lágrimas, não tolerando a possibilidade de não conseguir participar da vida de sua filha – Ser pai é ver uma pessoa crescer. Uma pessoa sua, que depende de você e... e cada passo que essa pessoa dá é uma recompensa inenarrável.
Houve um breve instante de silêncio, enquanto os presentes engoliam em seco, os olhos úmidos, e Charlie e Claire, do outro lado da tela, pareciam tentar lidar com o peso do que realmente estavam fazendo.
- Agora – soltou Charlie, a voz um pouco fraca – Vou ter que te passar todas as minhas responsabilidades para você: tem esse menino, Kevin Bacon ou qualquer coisa assim, ele está de olho na Abigail, você precisa...
- Charlie! – exasperou-se Claire.
- O quê? Se eu estou morto, quem é que vai rosnar para aquele assanhado?
- Ele tem seis anos, Charlie.
- E daí? Temos que zelar pela pureza de Abigail e estou passando meu elmo de protetor para o Juddy, dá licença? – fez uma careta para a mulher – Só você pode falar agora? Se o Harry vai assumir a responsabilidade, tem que assumir todas as responsabilidades. É um trabalho árduo, Juddy, mas alguém tem que fazê-lo.
Claire lançou um olhar revoltado na direção do marido, e então se voltou novamente para a câmera, respirando fundo.
- De qualquer forma, Harry, se você tiver uma dúvida, qualquer dúvida que seja, você pode consultar...
- O livro ‘Paternidade para Idiotas’ está na cabeceira da minha cama, alguém poderia achar que ele seria um livro idiota, mas é bem explicativo. Entende, eles colocam essas figuras ilustrativas que são muito úteis...
- Charlie, vai para o quarto – ordenou Claire.
- Bom vai para o quarto ou mau vai para o quarto?
- Mau vai para o quarto.
- Então eu fico aqui, quietinho, e você pode falar o que quiser. Desculpe – e fez uma careta do tipo “essa foi por pouco” para a câmera, enquanto Claire revirava os olhos.
- Você pode, por favor, levar isso a sério? Estamos falando do futuro da Abigail aqui! – lembrou-o, depois olhou para a câmera – Harry, idiotices do meu marido à parte, nós realmente acreditamos em você. Entendemos se você não quiser, é óbvio; não queremos te forçar a nada e um filho é... é... intenso em uma vida. É uma decisão que tem que ser feita com certeza absoluta do que está trazendo para a sua vida. Você não é apenas a nossa alternativa mais viável, mesmo que todos os meus parentes e os do Charlie fossem viáveis, ainda assim escolheríamos você, porque sabemos que você ama Abigail tanto quanto a gente e que dará o melhor de si para que ela se torne o tipo de pessoa que Charlie e eu batalhamos tanto para que ela se torne.
Houve mais um breve instante de silêncio.
- Bem, é isso – sorriu Claire, limpando uma lágrima solitária que descia de um dos seus olhos verdes brilhantes – Amamos você, Harry.
- É, Juddy, você mora aqui, ó, nunca se esqueça – Charlie apontou para o próprio peito, então olhou para a mulher, que agora chorava silenciosamente – Vá para o quarto, querida, eu desligo aqui.
- Certo. – disse a ruiva e acenou um adeus para a câmera – Tchau, Harry.
Charlie pegou a câmera na mão, o que fez com que a imagem tremesse e seu rosto se aproximasse; ele observou a câmera e olhou para o lado, como se certificando de que Claire estava longe, e então olhou para a câmera.
- Nós realmente confiamos em você, Juddy. E... bem, eu volto para te dizer como é o céu, OK? – piscou, com um sorriso maroto – A gente se vê.
E a tela ficou preta novamente.

X


ficou deitada ao lado de Abigail, encarando o teto e tentando controlar a uma coisa que lhe impedia de adormecer: a sede; desde garotinha, ela tinha o hábito de tomar um copo de água antes de dormir e, agitada por não estar em sua própria casa, esquecera-se de se servir de um copo antes de ir para cama.
Mas simplesmente não conseguia se forçar a sair da cama; antes poderia simplesmente ter pedido um copo de água para a senhora Judd, agora teria que mexer em uma cozinha desconhecida sozinha e sempre se sentia desconfortável fazendo isso.
“Ok, então, passe a noite em claro, sentindo-se no deserto da Arábia”, uma voz maldosa ecoou dentro de sua mente.
Soltando o ar, levemente irritada consigo mesma, escorregou para fora da cama, tomando todo o cuidado para não acordar Abigail e, nas pontas dos pés, caminhou até a porta do quarto, abrindo-a e fazendo uma careta quando a madeira rangeu.
Pensou, esperançosa, que talvez alguém estivesse acordado e soltou o ar, aliviada, quando ouviu o som de vozes no andar de baixo; desceu as escadas silenciosamente e, então, percebeu que a voz que ouvia pertencia a Claire Dickens.
Piscou, confusa, e sentou-se no degrau, espiando por entre o corrimão. Viu o vídeo, observou os rostos sorridentes de Charlie e Claire e, embora soubesse que não tinha o direito de estar ali, se permitiu assistir um pouco do vídeo.
Seu coração afundou, enquanto sorria com as frases descontraídas de Charlie e se emocionava com as palavras afetuosas de Claire, sentindo falta da colega de trabalho e de seu estrondoso e exuberante marido; não era justo que pessoas tão vivas, tão... boas fossem subitamente arrancadas do futuro que tinham planejado.
Em algum momento, depois da discussão entre Charlie e Claire sobre se ele deveria ou não ir para o quarto, ela decidiu que deveria interromper sua própria intromissão e desceu silenciosamente as escadas em direção à cozinha.
Estava em um canto, procurando nos armários por um copo, quando ouviu passos rápidos às suas costas, virou-se a tempo de vislumbrar as costas de Harry Judd passando pela porta que dava acesso ao jardim do fundo.
Observou o copo em suas mãos e, com um suspiro, deixou-o sobre o balcão da cozinha e o seguiu.

X


Harry ainda encarava a tela escura da televisão; só percebeu naquele momento que suas bochechas estavam encharcadas por lágrimas e, envergonhado, limpou-as com as mãos, mas sentiu-se um pouco melhor ao constatar que todos haviam reagido mais ou menos da mesma forma ao vídeo.
De repente, ele sentiu muito a falta de seus amigos; antes que qualquer um dos presentes pudesse dizer qualquer coisa para confortá-lo, ele murmurou que precisava fumar um cigarro e saiu andando a passos largos pela cozinha, atravessando-a numa velocidade considerável, e abrindo a portinha de madeira que dava acesso ao jardim dos fundos da casa.
As mãos trêmulas foram automaticamente para o bolso da frente da calça jeans e, de lá, ele puxou seu maço de cigarro e, com mãos trêmulas, levou um deles à boca e, com o isqueiro, acendeu-o.
Ouviu, ao fundo, a portinha da cozinha abrindo-se novamente, mas quando olhou por cima do ombro, surpreendeu-se ao perceber que quem se aproximava não era nenhum de seus amigos ou seus pais, mas .
Katherine Judd sempre fora uma garota alta, de forma que seu pijama ficava folgado no corpo diminuto, mas atraente, da professora de Abigail; a gola da blusa do pijama escorregava-lhe casualmente, de forma a revelar um pouco do seu ombro alvo.
Ele soltou a fumaça, em silêncio, enquanto observava ela se aproximar, cruzando os braços para se proteger da brisa especialmente fria; ela parou ao lado dele e os dois ficaram em silêncio.
- Quer um? – ofereceu Harry, finalmente, levando a mão livre até o bolso, mas interrompeu-o erguendo uma das mãos e dando um sorriso doce.
- Eu não fumo.
- Hum... – soltou Harry, pensativo, enquanto tragava mais um pouco; soltou a fumaça novamente – Bom para você.
- É, acho que sim – ela concordou, repentinamente se arrependendo de ter vindo; não tinha a mínima idéia do que dizer àquele homem – Eu assisti um pouco do vídeo. Desculpe.
O homem a observou, as sobrancelhas levemente erguidas, transmitindo mais interesse do que surpresa; ela procurou por sinais de ofensa, mas ele não parecia estar se sentindo ofendido pela sua intrusão.
- E o que você achou? – ele perguntou, surpreendendo-a completamente.
Nada de “está bem, eu te perdôo” ou “você realmente não deveria ter assistido”; ele simplesmente estava lhe perguntando o que ela tinha achado do vídeo.
- Bem... – ela deu de ombros e ajeitou a gola do pijama – Eu acho que você poderia fazer isto, se quisesse.
Ele bateu com o cigarro de leve em uma das esculturas da mãe, jogando as cinzas, e observou-a atentamente.
- Você acha?
Ela sentiu as bochechas pinicando; Harry Judd tinha uma aura calma e profunda que fazia com que qualquer mulher se sentisse levemente ansiosa em sua presença, mas não estava acostumada a estar próxima de homens tão sedutores.
Respirou fundo para se concentrar e sentiu o cheiro da fumaça do cigarro misturado com o sereno que começava a se formar na madrugada.
- Charlie estava certo quando fez aquela metáfora sobre pais e piratas; é importante saber que não há respostas certas quando está criando uma criança e que vai ser difícil, mas... pelo que eu vi lá? – acenou com a cabeça em direção à casa – Você tem o jeito. E Abigail te adora, o que já é metade do caminho andado, se quer saber a minha opinião.
Harry concordou com um aceno de cabeça, absorvendo aquela informação; todos pareciam achar que ele estava preparado para isso, estariam todos loucos?
- E se eu for um péssimo pai?
- Bom, só de você não abusar sexualmente dela ou espancá-la, já estará na frente de milhares – deu de ombros – Eu só acho que... – eles se observaram e, por um segundo, ela sentiu-se absolutamente sem ar e sem jeito – Só acho que você pode fazer isso. Se quiser.
Harry soltou o ar novamente, a fumaça diluindo-se com a brisa; pensou sobre o que ela disse: “se quiser” e, internamente, surpreendeu-se ao perceber que queria.
Seus melhores amigos lhe confiaram a coisa mais importante do mundo para eles, e ele queria provar que estava à altura desta confiança; jogou o cigarro no chão e pisou nele com seu sapato.
- Está frio – sorriu – Vamos entrar.
- Claro. Ahn... Harry? – o seguia a passos apressados – Você poderia me arranjar um copo de água, por favor?

“So, from all of us at Aerosmith
To all of you, wherever you are
Remember, the light at the end of the tunnel
May be you
Goodnight”
Amazing - Aerosmith


Capítulo 4 – Lifetime

“Give, give, give of yourself
Live, live, live better than well
Do, do, do all you can do
Love them like you want someone to love you”
Lifetime – Katharine McPhee


Quando e Harry entraram novamente na cozinha, encontraram Emma na frente do fogão, esquentando um pouco de leite, enquanto Danny, Dougie e Tom estavam sentados à mesa.
- Ora, querida, eu não tinha te visto! – exclamou Emma – Gostaria de um chocolate quente? Estou fazendo para os meninos; nada como um chocolate quente para animar nossos dias – acrescentou, enquanto jogava um copo com água e maisena e misturava o conteúdo da leiteira com uma colher de madeira.
- Obrigada, senhora Judd, mas vim pegar só um copo de água e voltarei para o quarto, estou cansada – informou, soltando um bocejo, enquanto aceitava o copo que Harry lhe estendia.
Bebeu o conteúdo, enquanto observava os integrantes da banda resolverem quem dormiria onde.
- Eu vou dormir com Harry em seu quarto, isso é óbvio – informava Dougie Poynter, enquanto enfiava um cookie dentro da boca – Somos casados.
Todos resmungaram, concordando com um aceno de cabeça; neste instante, Emma começou a encher canecas com o conteúdo fumegante da leiteira e, com a ajuda de Harry, serviu os amigos.
- Tem certeza de que não quer um? – perguntou Harry, estendendo uma caneca amarela para .
- Não, obrigada – ela sorriu, agradecida – Mas vou dormir. Boa noite! – desejou, enquanto se encaminhava para fora da cozinha.
- ‘Noite – todos responderam, enquanto se apossavam de suas canecas.
Depois que a mulher subiu pelas escadas, Cristopher surgiu e pegou uma das canecas ainda sem dono que estavam sobre o balcão da cozinha.
- Chocolate quente. Sempre o melhor remédio – profetizou, satisfeito, enquanto sentia o aroma adocicado do conteúdo da caneca.
- Sem dúvidas... – soltou Harry, tomando um golinho do líquido denso e, antes que conseguisse se controlar, pronunciou – Vou aceitar a guarda.
Houve um breve silêncio perplexo, enquanto todos os presentes o observavam com os olhos levemente arregalados; o primeiro a se pronunciar fora Danny.
- Eu sabia que você acabaria aceitando – disse, dando um largo sorriso – Você vai mandar bem nesse esquema de ser pai. Conselho: evite pegar as fãs da Abigail, se algum dia ela for famosa e você for casado, OK?
Harry sorriu, e recebeu de bom agrado o abraço que sua mãe lhe deu, afoita, enquanto murmurava palavras de estímulo para o filho, e apertou uma das mãos do pai, que lhe sorriu, encorajador.
Tom levantou-se e também lhe deu um abraço e Dougie seguiu o exemplo do amigo, mas, quando estavam abraçados, ele soltou um brincalhão ‘comemoraremos essa decisão mais tarde, gato’, que fez com que Harry jogasse a cabeça para trás e risse.
- É a decisão certa, eu não tenho dúvidas – acrescentou Emma, satisfeita, enquanto segurava a caneca com as duas mãos e sorvia um pouco de seu conteúdo.
- É. Espero que sim – Harry retrucou, sorrindo, e tomando mais um gole de seu próprio chocolate quente.

X


- Bem, então... Boa noite – desejou Harry, depois de ter ajudado Tom e Danny a arrumarem o sofá cama da sala, deixando-o o mais confortável possível.
- ‘Noite – desejaram os dois, enquanto desencaixavam os pés dos sapatos, chutando-os para um cantinho da sala, e deitando-se no sofá cama – Até amanhã.
Harry e Dougie subiram as escadas e atravessaram o corredor, entrando no antigo quarto do baterista; enquanto o baixista se sentava na antiga escrivaninha, Harry começou a arrumar a cama e o colchão da bicama para que pudessem dormir.
- Então, você decidiu aceitar a guarda – comentou Dougie, enquanto balançava os pés, pensativo – Será que a Professorinha tem alguma coisa a ver com isso?
Harry não conseguiu evitar que seus lábios se contorcessem em um sorriso silencioso; terminou de forrar o colchão da bicama com um lençol antigo e afofou um travesseiro, colocando-o em seu devido lugar.
- Talvez.
Dougie ergueu as sobrancelhas e inclinou-se, interessado.
- Posso saber o que uma desconhecida pode ter dito que nós, seus amigos desde sempre e seus pais, não dissemos?
Harry procurou nos armários por dois cobertores e, achando-os, puxou-os para fora, jogando um em cima de sua antiga cama e outro em cima do colchão.
- Desconhecida. É aí que está – disse, desabotoando sua camiseta social e vestindo uma antiga camiseta de um pijama – Se uma desconhecida diz que eu posso fazer isso, então... então talvez eu realmente possa.
- Hum... – Dougie, pensativo, pulou da escrivaninha e, usando os pés, descalçou o tênis – Então, você não está fazendo isso para entrar dentro das calças da Professorinha, certo?
- Dougie, pelo amor de Deus – resmungou Harry incomodado, porque a idéia realmente sequer lhe passara pela cabeça, enquanto começava a se acomodar em sua cama – Eu já disse que não. E é a Abigail, eu jamais a usaria como um meio para conseguir mulheres.
- Na verdade... – começou Dougie, também ocupando o colchão, provavelmente se pronunciando a respeito de todas as vezes que Harry usara Abigail em parques como maneira de conseguir puxar assunto com mulheres atraentes e com um fraco por crianças.
- Mais. Eu não vou mais usá-la para atrair mulheres – corrigiu-se Harry.
- Bom – Dougie soltou – Família é uma coisa séria.
Os dois ficaram em silêncio.
- Boa noite, minha amorosa esposa.
Dougie riu.
- Vai se foder, Harry.

X


Eram oito horas da manhã quando acordou com Abigail pulando na cama, alegremente, com uma das mãos segurando firmemente Desdemond, o ursinho de pelúcia.
- Bom dia, professora – desejou a garota, prontamente sentando-se na cama e escorregando para o chão, a blusa de Harry quase lhe deslizando pelo corpo pequeno, arrastando-se em seus pés – Estou com fome, será que a tia Emma já fez alguma coisa de café da manhã? Eu quero leite com chocolate, e você? – perguntou, enquanto se encaminhava até a porta.
chutou os lençóis e, piscando para tentar focalizar melhor sua visão, desceu da cama e foi até a escrivaninha de Katherine, onde tinha deixado sua roupa devidamente dobrada; não dormira muito bem, dado que Abigail se mexera a noite inteira.
- Espere um pouco, Abigail. Vou me trocar e poderemos descer juntas – pediu.
- Ah. – Abigail afastou as mãos pequeninas da maçaneta e, saltitante, sentou-se em uma poltrona de veludo rosa que ficava no canto do quarto – Está bem.
Rapidamente, trocou-se do pijama para a roupa do dia anterior e arrumou a cama na qual dormira com Abigail, e a garota ajudou, pegando os travesseiros e colocando-os em cima do cobertor que a mulher dobrou.
- Podemos ir agora? – pediu Abigail.
- Claro – riu – Dormiu bem?
- Muito bem! Eu sonhei que estava em uma apresentação de ballet! – cantarolou, enquanto rodopiava pelo quarto e saía pelo corredor, assim que a mulher abriu a porta do quarto.
- Ah – riu – Isso explica muita coisa.

X


Harry já estava ajudando Emma e Christopher a colocarem a mesa do café da manhã, quando Abigail e entraram na cozinha; a presença da garota imediatamente iluminou o recinto e, assim que a seus olhos verdes caíram sobre o homem, ela guinchou um ‘tio Harry!!’ e atravessou a distância entre eles como um foguete, jogando-se em seus braços e dando-lhe um beijo de bom dia, que fez seu coração se encher de uma sensação morna e satisfatória.
- Bom dia – sorriu , comovida com a cena – Posso ajudar com alguma coisa? – ofereceu.
- Não é necessário, querida – Christopher respondeu, puxando gentilmente uma cadeira para que ela se sentasse – Sente-se e sirva-se, a mesa já está quase completa, buscarei o leite no fogão.
Assim que o homem entrou na cozinha, Emma começou a fatiar um pedaço de pão francês e colocar dentro dele fatias de presunto e queijo.
- Dormiu bem, querida? Assim está bom para você de queijo? – perguntou, mostrando-lhe o pão; sorriu, sem graça, sentindo-se uma criança e concordou com um aceno de cabeça.
- Sim. Para os dois – acrescentou, com um sorriso.
- Suco, chá, café ou leite? – perguntou Emma.
- Suco está ótimo – murmurou , sentindo as bochechas pinicando.
- Mãe, deixe que a senhorita se serve sozinha, ela está ficando sem graça – Harry revirou os olhos, enquanto colocava Abigail no chão, o que fez com que a menina prontamente corresse e ocupasse a cadeira livre ao lado da professora – O que você quer, Gail?
- Leite com chocolate, leite com chocolate, leite com chocolate! – cantarolou a garota, balançando os pezinhos e batendo palmas de acordo com o ritmo.
Assim que Cristopher chegou com a leiteira fumegante, Harry pegou-a e colocou um pouco de leite quente na caneca, depois misturou-o com um pouco de leite de caixinha e misturou achocolatado, entregando-o à garota.
não pôde evitar pensar que parecia simplesmente natural para ele fazer isso; o carinho fraternal parecia simplesmente existir nele. Abigail pegou a caneca com as duas mãos e tomou o primeiro gole, soltando um “Huum” satisfeito, depois.
- Está muito gostoso, tio Harry, obrigada – ela disse, enquanto bebericava mais um pouco do seu leite.
- Ótimo! – Harry sorriu e bagunçou-lhe os cabelos cor de cobre – Agora, se me dão licença, preciso fazer uma ligação.
Deu um sorriso para , puxou a mãe que terminava de colocar algumas frutas na mesa, dando-lhe um beijo no topo da cabeça e saiu para o jardim da frente, com o celular em mãos.

X


Assim que Harry pisou na varanda da casa dos pais, enfiou a mão no bolso da frente da calça jeans; tocou seu maço, mas descartou-o momentaneamente, vasculhando seu interior até encontrar um pedaço de papel duro, puxou-o e era o cartão do Premier In Chelmsford Springfield, um hotel de três estrelas, mas bem agradável.
Digitou o número de telefone que o homem rabiscou no verso em seu Blackberry e aguardou, enquanto o telefone chamava.
- Simmas Hotterville – a voz do homem atendeu.
- Senhor Hotterville, bom dia – Harry disse, sentindo-se repentinamente nervoso – Aqui é Harry. Judd. Harry Judd.
- Oh, senhor Judd! – o homem riu, do outro lado da linha – Me ligou mais cedo do que esperava.
Harry olhou o relógio de pulso e se xingou internamente ao perceber que não eram ainda nem nove horas da manhã; não fosse sua mãe se esgueirar para dentro do quarto e obrigá-lo a ajudá-la a preparar o café da manhã, provavelmente teria dormido até o meio dia. Pelo menos.
- Sinto muito se o acordei – disse, com pesar.
- Ah, não se preocupe – a voz de Simmas era calma e tranqüila – Eu já estava acordado; de qualquer forma, qual é o motivo da ligação, senhor Judd? Se não se importa que eu pergunte.
- Oh, bem. – Harry surpreendeu-se ao perceber que não sabia exatamente como informar aquele homem de sua decisão; andou a esmo no jardim da frente da casa dos seus pais e observou, de relance, o interior da casa pela janela aberta; Abigail ria e contava alguma coisa, fazendo com que todos os adultos sentados à mesa (o que já incluía além de e seus pais, Danny e Tom que provavelmente acordaram por causa do barulho) – Vou ficar com ela – soltou, sem sentir.
- Perdão, senhor Judd, acho que não o escutei...
- Vou aceitar a guarda de Abigail – ele disse, com muita mais facilidade, adorando a sensação destas palavras em sua boca.
- Ora, senhor Judd, essa é realmente uma notícia maravilhosa! – disse o homem, parecendo satisfeito com as novidades – Entretanto, gostaria de conversar com o senhor, esclarecer alguns detalhes, antes de proceder a sucessão da guarda adequadamente. Poderíamos almoçar juntos aqui no restaurante do hotel, digamos, à uma hora?
- Está perfeito – Harry sorriu, ainda com os olhos azuis fixos na cena no interior da casa de seus pais.
- Então, até mais ver, senhor Judd.
- Até mais ver, doutor Hooterville – despediu-se, encerrando a ligação.
Ficou alguns segundos lá, sozinho, e depois entrou na casa, sentindo o cheiro delicioso de torradas e café.

X


Dougie foi o último a entrar na sala, e sentou-se no único lugar vago, entre Tom e Danny, os cabelos loiros completamente despenteados e os olhos entreabertos, ainda desfocados por causa do sono.
- Bom dia, bela adormecida – cantarolou Tom – Não foi preciso que seu príncipe Harry te desse um beijo de bom dia?
O loiro lançou um olhar fulminante e silencioso ao loiro que, fingindo-se de amedrontado, ergueu as duas mãos, como quem diz “não está mais aqui quem falou”.
- Hum... café para você? – sugeriu Danny, rindo, quando Dougie soltou um grunhido que poderia ser interpretado como um “sim, por favor” ou um “vai se foder”.
Abigail riu, divertida.
- Toma, tio Dougie, um biscoito para você – disse, colocando-se de pé na cadeira e inclinando-se sobre a mesa, esticando um biscoito de chocolate na direção do homem – Está muito gostoso, vai te deixar mais feliz.
Isso desmanchou Dougie, que sorriu, derretido pela garota, e aceitou o doce.
- Obrigada, Abigail, você é a única pessoa nessa mesa com educação e humanidade – e, então, arregalou os olhos, ao perceber que Emma, Cristopher e o observavam, com as sobrancelhas levemente erguidas – Uma das únicas – corrigiu.
Todos riram, e Dougie se serviu com um pouco de café e pegou algumas torradas; Emma observava aquela casa, movimentada como adorava, com os olhos brilhantes.
- Estamos pensando em preparar um churrasco, vocês ficam para o almoço? – perguntou, ansiosa.
- Na verdade, senhora Judd, assim que terminar aqui, voltarei para Londres; nem deveria ter passado a noite aqui e já tenho planos para hoje – informou , de forma apologética.
- Oh... – murmurou Emma, parecendo verdadeiramente magoada – Está certo. E vocês, garotos? – perguntou, voltando os olhares esperançosos para Danny, Dougie, Tom e Harry.
- Ahn... – disse Tom, olhando para Harry com as sobrancelhas erguidas – Acho que isso depende do Harry.
- Na verdade, mãe, vou almoçar com o doutor Hotterville hoje, mas... se o pessoal quiser...
- E falar não para um churrasco? – Danny descartou a possibilidade com um aceno de mão – Pode mandar ver, senhora Judd, nós até podemos ajudar. Você precisa ver que gracinha o Dougie fica com um avental cor de rosa.
- Segurando uma faca – adicionou Dougie, sério.
- Correndo atrás de você – completou Tom, sonhador – Eu não poderia perder essa diversão jamais.
Todos riram e, aproveitando a deixa, levantou-se, deu um beijo na bochecha de Abigail e acenou para os demais, despedindo-se.
- Até, pessoal, foi um prazer conhecer todos vocês, e... – hesitou, recordando que as circunstâncias que fizeram com que ela os conhecesse não era exatamente aprazível – Bem, vejo vocês por aí, espero.
Quando ela saiu pela porta, Harry levantou-se, murmurou um ‘com licença’ para os presentes e saiu atrás da mulher.
- Professora , espera, eu... – ele começou, incerto exatamente do que queria dizer para aquela mulher.
Ela parou a meio caminho até seu Punto preto e deu um sorriso incentivador para Harry.
- Pois não, senhor Judd?
- Harry. Você pode me chamar de Harry – ele corrigiu, sentindo-se repentinamente pouco à vontade; passou as mãos calejadas pelos cabelos curtos, tentando descobrir porque quisera vir atrás dela e, então, as palavras saíram de sua boca – Vou aceitar a guarda.
Os olhos de se arregalaram e, depois, encheram-se de um brilho de contentamento e seus lábios bem desenhados formaram um sorriso adorável. Depois, ela cruzou os braços.
- Não posso dizer que estou surpresa, propriamente, mas é bom saber que tomou a decisão que eu esperava que você fosse tomar – ela disse, sorrindo – Como se sente?
- Perdido – ele admitiu, encolhendo os ombros.
Ela jogou a cabeça para trás e riu aquela mesma gargalhada deliciosa que ele ouvira na noite anterior, fazendo que todo o corpo de Harry involuntariamente se contraísse e, imediatamente, algo dentro dele desejou que ele pudesse ouvi-la rir assim com uma frequência maior.
- Acho que estamos dentro dos limites normais... – ela disse, assim que conseguiu falar – Avise-me se precisar de qualquer coisa, senhor... Harry – corrigiu-se a tempo – Então, acho que nos vemos por aí?
- Nos vemos por aí – confirmou ele, dando um sorriso tímido.
- Está certo – ela sorriu de novo e acenou, em seguida, começou a andar em direção ao seu carro; Harry ficou parado, observando-a por alguns instantes, e, depois, girou nos calcanhares e entrou dentro da casa.

X


Emma, Cristopher, Dougie, Danny e Tom já estavam no jardim dos fundos da casa dos Judd; enquanto Cristopher e Tom tentavam acender a lareira, Danny, Emma e Dougie estavam temperando as peças de carne.
- Não vou ficar para o churrasco? – perguntou Abigail, olhando para os adultos no jardim, enquanto Harry terminava de prender seu sapatinho.
- Não, Gail, eu vou te deixar na casa da Vovó Molly e do Vovô Anthony um pouquinho, enquanto encontro um amigo dos seus pais, e depois venho te buscar de novo, está bem?
- Ah, certo – ela soltou, pensativa, enquanto estendia o outro pé para que Harry calçasse seu sapato – Eu não gosto muito de churrasco, nunca tem brinquedos – confidenciou.
Harry riu, dando um tapinha no sapato que acabara de fixar ao pé da garota.
- Que bom, então! Vamos?
A casa dos Dickens ficava a menos de um quarteirão de distância da casa dos Judd, a caminhada não durava sequer cinco minutos e, ao lado da presença marcante de Abigail, a jornada pareceu durar metade do tempo.
Harry tocou a campainha da casa de Molly e Anthony Dickens.
- Você vem me buscar mais tarde? – perguntou Abigail, como se para se certificar.
- Sim, eu venho – ele disse.
- Certo – ela ficou alguns instantes em silêncio, alternando o peso entre um pé e outro – Esse amigo dos meus pais. Você vai encontrar ele de carro?
Harry observou-a, atento, e concordou com um aceno de cabeça.
- Hum – ela engoliu em seco – Você vai... tomar cuidado... certo?
- Com certeza – ele sorriu, abaixando-se para ficar na altura da garota e bagunçando-lhe os cabelos cor de cobre – Voltarei para te infernizar.
Neste momento, a porta da entrada da casa dos Dickens se abriu e Molly surgiu, envolta em um roupão vinho, parecendo surpresa pela visita.
- Desculpe não ligar para avisar...
O som dos latidos de Backer, o labrador dos Dickens, fez com que Abigail soltasse um guincho feliz e corresse para dentro da casa, berrando pelo nome do cachorro; tanto Harry quanto Molly sorriram para isso.
- Vou aceitar a guarda – disse Harry, assim que Abigail sumiu da vista de ambos.
Os olhos de Molly brilharam, numa mistura de tantas emoções que foi difícil estabelecer se alguma delas se ressaltava, mas ele identificou um pouco de orgulho e satisfação e resolveu se agarrar a elas.
- Estou muito feliz por isso, querido! – ela disse, com sinceridade, tomando as duas mãos grandes e calejadas do homem nas suas, pequenas e delicadas – Vai ser muito bom. Para vocês dois.
Ele sorriu e concordou, com um aceno de cabeça.
- Vou me encontrar com o senhor Hotterville agora, Molly; venho buscá-la mais tarde.
- Está certo – a mulher sorriu – Nos vemos mais tarde.
- Certamente – Harry acenou e desceu a escadinha de madeira da varanda de entrada, caminhando de volta para a casa dos pais.

X


mudou a marcha do carro para a terceira quando entrou nos perímetros urbanos de Londres, abandonando a rodovia; assim que as casas do subúrbio envolveram a paisagem ao seu redor, seu celular começou a tocar.
Olhou para o visor e viu as palavras ; sorriu e, cautelosa, estendeu uma das mãos, atendeu a ligação e colocou-a no viva voz.
- E aí, ? – perguntou, rindo.
- E aí, pergunto eu! – exclamou a voz histérica da mulher do outro lado da linha – Posso saber com quem você passou a noite, que não podia nem ao menos ligar para sua melhor amiga?
- Com uma garotinha de cinco anos, chamada Abigail.
Houve um breve silêncio na linha do telefone.
- OK. Isso é crime e dá cadeia, você sabe disso, certo? – perguntou , cuidadosa, do outro lado da linha – E, sabe, eu sei que somos amigas e não é exatamente recomendável, mas acho que tenho uma hora livre na segunda-feira, você poderia vir para uma sessão comigo...
era psicóloga, formada por Oxford e já tinha uma reputação considerável; as duas eram amigas desde a época da adolescência, porque moravam na mesma cidade litorânea de Brighton, mas ambas largaram a tranqüilidade do litoral pela loucura de Londres.
E jamais se arrependeram.
- Ela é a filha de Claire Dickens – informou .
- Ah, bem – soltou, parecendo aliviada – Sinto muito por isso. Como ela está?
- Surpreendentemente bem, o padrinho dela parecia mais arrasado com a morte deles do que ela, em alguns momentos.
- Crianças sentem de um jeito diferente, , isso é normal – explicou a mulher do outro lado, sempre de um jeito didático e calmo que lhe era característico – E esse padrinho?
riu.- Você conhece o McFly?
- , você precisaria morar nas cavernas, nas profundezas do oceano para morar em Londres e não conhecê-los – comentou a psicóloga do outro lado, zombeteira.
- Pois bem. O padrinho dela é o Harry Judd, o baterista.
- Uh... Yummy. – murmurou , do outro lado da linha, fazendo com que gargalhasse, porque aquela expressão traduzia exatamente o que ela sentia em relação ao homem – Ele é tão... apetitoso... ao vivo como é na TV?
- Mais – ronronou , recordando daquela aura que o contornava, o jeito como ele parecia intenso, profundo e tão extremamente... sexy.
- Uau – suspirou .
- É. Eu sei – riu – Querida, estou chegando em casa. Podemos conversar mais tarde?
- Claro. Me ligue! – ela fez um barulho de beijo e, depois, o telefone ficou mudo.

X


Harry estacionou o carro dos pais no estacionamento interno do Premier In Chelmsford Springfield; desceu do carro e direcionou-se ao saguão, dirigindo-se à recepcionista que não parecia ter mais do que dezessete anos.
Sorriu, quando percebeu os olhos azuis da garota se arregalarem, quando o reconheceu.
- Boa tarde. Eu gostaria de saber onde fica o restaurante do hotel, vou almoçar aqui com um de seus hóspedes – informou-a.
A menina abriu e fechou a boca algumas vezes, e então soltou um som abafado; um misto de um ofego com um guincho e Harry questionou-se se não deveria simplesmente ter ido falar com a outra recepcionista, que era uma senhora idosa que não parecia ser capaz de reconhecer o próprio filho, quanto mais uma sensação adolescente.
- Ah... – ela conseguiu articular, as bochechas coradas – Senhor Judd... eu... Bom dia! ... digo, boa tarde... o restaurante... ali... – apontou, sem forças, para o lado esquerdo e Harry identificou a entrada do local.
- Está certo – brindou-a com um sorriso – Obrigado.
Quando ele se afastava, ela o observava fixamente.
- Eu... autógrafo... droga – resmungou, dando um soquinho discreto no balcão; tinha que trabalhar aquela timidez.
Assim que Harry passou pelas portas de vidro que davam acesso ao restaurante tranqüilo no interior do hotel, o homem avistou Simmas Hotterville, sentado em uma mesa próxima do buffet; quase ao mesmo tempo em que foi avistado, o advogado percebeu a entrada do baterista e colocou-se de pé, indicando com a mão a cadeira vaga à sua frente.
Harry atravessou a distância entre eles e apertou-lhe a mão com firmeza, em um cumprimento, ocupando em seguida o lugar indicado pelo homem.
- Boa tarde, senhor Judd, não sabe como me alegro em encontrá-lo nestas circunstâncias, realmente estava me preparando para ter que fazer a papelada legal para redirecionar a guarda de Abigail para um de seus avós.
Harry sorriu, sentindo-se repentinamente muito adulto, conversando com aquele homem distinto e de fala mansa sobre a guarda de uma criança. Uma criança que seria sua dali em diante.
- Meus amigos me confiaram a única coisa que eles amavam mais do que tudo e eles queriam a mim; eu tenho que fazer isso por eles – explicou, enquanto pegava o cardápio para analisá-lo – E amo Abigail, aquela garotinha é tão minha quanto era deles desde o momento em que nasceu.
Simmas Hotterville sorriu ao ouvir aquelas palavras; não sabia se confiava plenamente na escolha dos clientes, quando designaram Harry Judd, o aclamado baterista de uma das bandas mais influentes da Inglaterra para cuidar de uma criança, mas ouvi-lo falar daquela forma da garotinha fez com que ele, de certa forma, compreendesse exatamente o que levara Charlie e Claire Dickens a escolherem a ele, de todas as pessoas.
Era o amor que brilhava nos olhos dele, quando mencionou o nome de Abigail, o jeito como todo o corpo dele parecia relaxar quando mencionava a garota e a naturalidade com que assumia o carinho que sentia por ela.
- É um prazer ouvir isso, senhor Judd – Simmas sorriu, no momento em que o garçom chegou – Eu gostaria apenas de uma água com gás. Senhor Judd...?
- Ah... – sentiu-se repentinamente tímido para pedir uma cerveja, então ergueu dois dedos, indicando que também aceitaria uma água com gás.
O garçom anotou os pedidos e afastou-se em direção à cozinha; Simmas observou Harry por alguns segundos, e então perguntou:
- Assistiu ao vídeo?
Harry concordou com um aceno de cabeça.
- Posso perguntar o que tinha lá dentro? Sempre me contorci de curiosidade, mas nunca me permiti assisti-lo.
Harry riu e relatou mais ou menos o que tinha.
- Uma doença; mães de primeira viagem geralmente são extremamente preocupadas – embora estivesse sorrindo disso, o peso de que a preocupação exagerada de Claire tenha se concretizado fez com que ambos ficassem em silêncio e Harry sentisse sua garganta apertar levemente, deixando que o luto o envolvesse por alguns segundos – Agora, sobre Abigail, senhor Judd, temo lhe informar que a sucessão da guarda de uma criança não é tão passiva quanto a de um objeto, por motivos óbvios.
Harry concordou com um aceno de cabeça, incentivando o advogado a continuar seu discurso.
- É uma “missão social do Estado” certificar-se do bem estar das crianças – continuou Simmas Hotterville, de forma didática – É por esse motivo que existem os assistentes sociais; eu lhe concederei, por meio de papelada pública, a guarda provisória de Abigail, mas só depois que o assistente social responsável pelo caso assinar um papel, confirmando que você é apto a cuidar dela é que ela estará definitivamente sob a sua guarda.
Harry sentiu-se ligeiramente perdido; toda aquela burocracia, embora parecesse justificada, tornava toda aquela situação mais complexa, mais real... pessoas estariam verificando se ele realmente era apto a cuidar dela; ele estaria dependendo de um desconhecido para julgar sua capacidade como pai.
- É difícil? – perguntou, sentindo sua boca seca – Conseguir essa autorização?
Simmas hesitou, considerando a pergunta; o garçom aproximou-se, abriu as duas garrafas e serviu um copo para o advogado e outro para Harry, afastando-se em seguida.
Harry prontamente tomou alguns goles de sua bebida, sentindo a água descendo e aliviando um pouco sua sede.
- É complicado. Cada caso é um caso e cada assistente social lida com cada situação de um jeito; via de regra, são rigorosos, mas duvido que isso vá realmente ser um problema para você, senhor Judd. Qualquer um que veja você interagindo com Abigail saberá que você é a opção certa.
Harry sentiu uma onda de gratidão envolver-lhe, e sorriu; quando o garçom aproximou-se novamente, eles escolheram os pratos e Harry fez questão de garantir que aquele almoço seria por sua conta.

X


Quando entrou novamente no seu carro, Harry pegou o celular e procurou nos seus contatos por Alice Cooper, apertou o botão ‘send’ e aguardou enquanto o telefone chamava.
Assim que a mulher atendeu o telefone, Harry informou-a de sua decisão; não parecia certo simplesmente levar Abigail para Londres sem avisar ambos os avós.
- Ora, mas eu já sabia – riu a mulher, do outro lado da linha – Quero dizer, confirmei minhas expectativas quando Molly me ligou, exultante de felicidade, há mais ou menos uma hora, mas te conheço desde os doze anos, Harry: eu simplesmente sabia que você aceitaria. E estou muito feliz.
Harry sorriu, aliviado; era simplesmente fantástico receber todo esse apoio em relação a uma coisa tão inusitada que fora forçado a admitir tão repentinamente em sua vida.
Até o dia anterior, seus amigos estavam vivos e, naquele instante, acabara de aceitar cuidar do bem mais precioso que eles deixaram para trás, quando faleceram no acidente de carro.
- Estamos voltando para Londres hoje – informou-a Harry – Mas gostaria de dizer que vocês são livres para irem visitá-la em casa sempre que quiserem.
- Obrigada, querido. Você também está livre para mandá-la passar alguns dias conosco, sempre que precisar de uma folga. E, conhecendo minha netinha, você vai precisar... – acrescentou, rindo.
Harry riu também, despediu-se e estacionou o carro na frente da casa dos pais; entrou na casa e encontrou todos ainda no jardim dos fundos, o cheiro de carne assada infestando a casa.
Danny e Dougie estavam fumando, apoiado em duas árvores próximas, conversando, com um copo de plástico com cerveja; Tom e Cristopher estavam perto da churrasqueira, analisando atentamente a carne, enquanto Emma recolhia alguns pratos sujos.
A primeira a perceber sua presença foi Emma que, animada, caminhou até o filho, com uma pilha de pratos nos braços.
- Como foi? – perguntou, ansiosa.
- Bem, acho – Harry disse, tomando a pilha das mãos pequenas da mãe e levando-a até o balcão da cozinha – Tenho a guarda provisória da Abigail, mas ainda dependo de um assistente social. Não entendi muito bem, mas não parece muito complicado.
Emma secou as mãos em um pano de prato, ainda observando o filho com os olhos brilhantes.
- Estou tão orgulhosa de você – disse, fungando.
- Ah, mãe, pára com isso, por favor – ele pediu, revirando os olhos – Estou ouvindo tantos elogios hoje que meu ego está inflado como um balão.
- Bem, e deveria mesmo – a mulher disse, deixando o pano de prato de lado – Vai querer comer um pouquinho?
Instintivamente, Harry levou a mão à barriga, cheia, depois do almoço no restaurante e negou com um aceno de cabeça; Dougie entrou na cozinha nesse instante.
- Olha só quem está de volta – sorriu, enquanto jogava uma pilha de copos de plástico que havia recolhido dentro do lixo da cozinha – Como foi lá?
Harry disse ao amigo a mesma coisa que disse à mãe.
- E então? – Dougie perguntou, depois que ele terminou – Vamos voltar?
- Preciso buscar a Abigail na casa dos Dicken antes – disse Harry.
- Façamos o seguinte; Danny, Tom e eu ajudaremos seus pais a arrumar as coisas e depois passamos lá para te buscar e vamos juntos para Londres. Que tal?
- Parece bom – Harry concordou, puxando a mãe para perto e dando-lhe um beijo no topo da cabeça – Tchau, mãe. Vou lá fora me despedir do papai.

X


Quando Harry tocou a campainha da casa dos Dicken, a porta foi aberta por Abigail que estava com Backer na sua cola; seus olhos verdes brilharam alegres quando ela reconheceu o padrinho.
- Tio Harry! – ela exclamou, alegre – Já veio me buscar?
- Sim – Harry sorriu.
- Para onde vamos? – ela perguntou, abrindo a porta para dar acesso a Harry, que percebeu que ela não usava mais o vestido preto de ontem, mas uma calça capri cinza e uma blusinha branca simples, com um tênis nike meio surrado e antigo.
Roupas de cachorro.
- Para a minha casa – e, então, Harry percebeu que provavelmente seria uma boa idéia conversar com a garota sobre o que estava acontecendo – Quer sentar aqui comigo um pouco para conversarmos? – ofereceu, indicando a escadinha que dava acesso à sacada da casa.
- Ah... OK – ela disse, empurrando Backer para dentro da casa e fechando a porta com cuidado, depois marchando e ocupando o lugar ao seu lado – O que foi?
Os cabelos cor de cobre estavam presos em um rabo de cavalo alto e ela parecia muito com Claire naquele momento; os olhos curiosos e inteligentes observando-o atentamente.
- É sobre... seus pais. E você. E eu. – Ele disse, incerto de sobre quem exatamente aquele assunto era; talvez realmente fosse um assunto que pertencesse a todos eles.
- Hum – ela soltou, incentivando-o, ao mesmo tempo em que seus olhos tornaram-se tristes, e ela se moveu, parecendo incomodada.
- Bem, quando eles... lembra quando eu te disse que seus pais tinham deixado algumas coisas para algumas pessoas e você me perguntou o que eles tinham me deixado e eu te mostrei o CD? - ela concordou, com um aceno de cabeça – Bem, eu menti. Eles não me deixaram só o CD. Eles me deixaram você também.
Abigail o observou, os olhos grandes e inocentes piscando, confusos, enquanto ela tentava entender o que ele acabara de dizer.
- Como assim? – perguntou, afinal.
- Seus pais queriam que você morasse comigo. E eu gostaria muito disso também, se você quisesse – ele acrescentou, colocando uma mão amiga nas costas da garotinha.
Abigail ficou olhando para Harry por alguns segundos e, depois sorriu.
- Seria como se todos os dias fossem finais de semana na casa do tio Harry. Vai ser legal – ela riu.
- Vai ser o máximo – ele prometeu, bem no momento que o Maserati de Dougie surgia na rua e estacionava em frente à casa – Agora, vamos nos despedir de sua avó e do seu avô, OK?
- OK – ela sorriu, colocando-se de pé e varrendo a sujeira de sua calça com as suas mãos, dirigindo-se em seguida à porta de entrada – Você não vem comigo, tio Harry?
- Bem – Harry colocou-se em pé com um suspiro – Por que não? – e gesticulando para que os amigos esperassem, entrou com a garota para se despedir de Molly e Anthony Cooper.

This could be the moment that turns into a lifetime.
Ah ah, ah ah ah, ah ah, ah ah
And always remember
that your brighter days are up ahead
Lifetime - Katharine McPhee


Capítulo 5 – Good Day Sunshine

“I need to laugh, and when the sun is out
I've got something I can laugh about
I feel good, in a special way
I'm in love and it's a sunny day”
Good Day Sunshine – The Beatles

A viagem para Londres não foi nem de perto tão tranqüila quanto a de ida para Chelmsford; toda vez que Dougie pisava no acelerador e o painel digital apontava uma velocidade um pouco maior do que trinta quilômetros por hora, Abigail começava a respirar com dificuldade, seus olhos ficavam arregalados e seu corpo começava a tremer.
Por esse motivo, Dougie teve que parar o carro no acostamento e trocar de lugar com Tom, dado que o baixista era absolutamente incapaz de dirigir um carro a menos de cem quilômetros por hora sem querer morrer de tédio.
A viagem que, geralmente, não dura muito mais do que uma hora, durou uma hora e meia, que foi suavizada pela conversa constante no carro; quase quarenta minutos depois de entrarem em Londres, Tom estacionou o carro na frente do prédio de Harry e, depois de se despedirem dos rapazes, ele e Abigail desceram.
Atravessaram a portaria cuidadosamente mobiliada com o que havia de mais moderno na atualidade, combinando com o exterior do prédio que, contrastando o padrão arquitetônico londrino, era o prédio mais alto do quarteirão, com dezoito andares, sendo o último a cobertura de Harry.
Eles entraram no elevador eficiente e ele apertou o botão que levaria à cobertura; quando as portas metálicas se abriram, revelaram um pequeno hall quadrado que dava direto para a porta do apartamento 180.
Harry abriu a porta do apartamento e ambos entraram. Abigail observou aquele apartamento, o qual já visitara anteriormente, mas que agora seria seu novo lar.
- E então? – perguntou Harry, enquanto trancava a porta às suas costas.
- É legal! – ela sorriu, e veio correndo abraçar o padrinho que, ao abraçá-la de volta, percebeu o cheiro de cachorro que estava na garota.
- Você está cheirando a Backer – ele comentou, fazendo uma careta – Acho melhor você tomar um banho – acrescentou.
Abigail riu, jogando a cabecinha para trás.
- Está bem, mas... eu não tenho roupas. – Lembrou-o.
Harry abriu a boca para dizer que lhe emprestaria uma blusa para usar, mas interrompeu-se; se Abigail ia morar com ele, então ela teria que ter suas coisas, seu espaço, não poderia fazer a garota viver usando roupas mais de cinco vezes maiores do que ela pelo resto de sua vida.
O pensamento seguinte foi em seu carro, e então recordou-se que o deixara na Super Records no dia anterior, quando fora informado sobre o falecimento de seus amigos.
Soltou um resmungo, pensativo, e então seu rosto se iluminou: .
era a gerente de marketing da Super Records, uma atraente mulher de origem francesa que era, com certeza, um dos maiores achados da empresa; uma workaholic completamente devota ao emprego que, certamente, deveria estar fazendo uma hora extra, apesar de ser feriado.
Tom tinha a teoria de que ela não tinha coração, mas Harry sabia que ela era uma pessoa maravilhosa, por trás das tiradas sarcásticas e do jeito frio e calculista com que lidava com tudo.
- O que foi, tio Harry? – perguntou Abigail, encarando-o com curiosidade.
- Um segundo, Gail, preciso fazer uma ligação – ele disse, com o dedo em riste, enquanto ouvia o telefone chamando.
- – a voz rouca e sexy da mulher fez-se ouvir do outro lado da linha, fazendo com que todos os pêlos no corpo de Harry se arrepiassem.
- Olá, , sou eu, o Harry – ele disse, andando pela sala – Escute, será que você poderia, não sei, dar um jeito de trazer o meu carro que ficou aí na Super Records, ou...?
- Já mandei Mike Sullivan levá-lo ontem, depois do horário de expediente. A chave está no pneu traseiro, segundo me informaram – ela acrescentou casualmente, e Harry sentiu que poderia beijá-la tamanha sua gratidão.
- , você definitivamente vai ganhar um bônus de natal – prometeu o homem e ouviu o riso da mulher do outro lado da linha, que se assemelhava ao ronronar satisfeito de um gato.
- Obrigada, senhor Judd. Cobrarei isso, pode ter certeza. E... – acrescentou, relutante – Sinto muito pela sua perda.
Harry ficou em silêncio por alguns segundos, perplexo; raramente mostrava qualquer interesse pela vida pessoal de qualquer um de seus colegas de trabalho, geralmente deixando as pessoas sozinhas quando começavam a falar sobre seus filhos ou seus problemas com alguma frase do gênero “se me dá licença, tenho coisas mais importantes a fazer”.
- Ahn. Obrigado – ele disse, sentindo seu peito afundar ao recordar dos seus amigos.
- Certo. Então... até mais, senhor Judd – disse, e a linha ficou muda.
Harry guardou o celular no bolso e com Abigail seguindo-o por todos os cantos, enquanto ele abria as gavetas de sua cômoda no quarto, encontrou o que buscava: a chave extra do apartamento de Charlie e Claire que eles lhe deram, em casos de emergência.
- O que foi, tio Harry? O que está acontecendo? – perguntava a garotinha, insistente, enquanto Harry abria um armário no corredor e tirava duas malas grandes de viagem – Vamos viajar?
Harry riu.
- Não, Gail. Vamos buscar suas coisas – ele respondeu, sorrindo.

X


Harry estacionou o Subaru Empreza na frente da casa no subúrbio de dois andares, bem cuidada; ele e Abigail desceram do carro e, segurando as duas malas de viagem, deixou para a garotinha a função de abrir a porta de sua antiga casa.
Quando Abigail empurrou a porta, o cheiro típico da casa os envolveu como uma onda densa; Harry, repentinamente, sentiu sua garganta se fechar, ao pensar que, provavelmente, aquela casa seria vendida em alguns meses para outras pessoas.
Aquelas eram as únicas memórias vivas de seus amigos e, aos poucos, seriam separadas, guardadas em caixas e esquecidas em algum lugar; Abigail entrou primeiro, andando e olhando em volta, pensativa.
A sala estava perfeitamente arrumada, a não ser pela mesa de madeira, onde algumas provas que Claire provavelmente estava corrigindo antes de sair para viajar estavam separadas em duas pilhas; provavelmente entre corrigidas e não corrigidas.
Enquanto Abigail subia para o andar de cima, Harry recolheu as provas e guardou-as dentro de uma pasta que encontrou no meio de uma pilha de papéis; entregaria-os para assim que pudesse, faria esse último favor pela sua melhor amiga.
Do andar de cima, ouviu o barulho como se algo tivesse caído no chão e, então, se lembrou do motivo real porque estava ali: Abigail. Prendendo a pasta entre seu braço e seu corpo e levando as duas malas, uma em cada mão, subiu as escadas, passando pelo escritório completamente desorganizado de Charlie, que exalava o cheiro de sua colônia forte.
Encontrou Abigail ajoelhada em frente ao seu armário, separando no chão algumas roupas, parecendo repentinamente muito adulta para uma garotinha de apenas cinco anos ali, sozinha, analisando suas roupas.
- Deixe-me te ajudar – disse Harry, colocando a pasta em cima da diminuta cama e sentando-se ao lado da garota – Vamos pegar tudo para levar para a minha casa, está bem? Nossa casa – ele corrigiu.
Abigail observou-o por alguns instantes, e então concordou com um aceno de cabeça.
- Está bem.
Eles ficaram por algum tempo transportando calças, calcinhas, meias, blusas, casacos e vestidos das gavetas e cabides para as malas; alguns longos minutos mais tarde, Abigail, prontamente, colocou-se de pé e disse que ia buscar mais algumas coisas que ela queria levar.
Subiu em sua cama e começou a selecionar alguns livros e brinquedos, e colocou-os na mala que ainda estava vazia.
Aos poucos, Harry terminara de limpar o armário da garota e as duas malas estavam cheias, quando olhou em volta, surpreso, e percebeu que Abigail não estava mais no quarto.
- GAIL? – ele berrou, enquanto se erguia, pulando uma das malas e indo até a porta do quarto.
Encontrou a porta do antigo quarto de Charlie e Claire entreaberta e, empurrando a porta, encontrou Abigail sentada de costas para ele, observando todos os porta-retratos de seus pais, abraçada a uma camiseta preta; foi só quando ele se aproximou que ouviu os soluços baixinhos e o fungar.
- Gail? – ele perguntou, surpreso.
Abigail parecia estar bem há alguns minutos, mas também era verdade que se ele se sensibilizara em entrar no antigo apartamento de seus amigos, Abigail deveria sentir algo mais devastador ainda.
O homem não disse nada, mas sentou-se ao lado da garota e passou uma mão em suas costas, num gesto de apoio e carinho, e Abigail inclinou-se, apoiando-se no padrinho, o choro jorrando em um fluxo contínuo.
Eles ficaram assim por vários minutos, até que o choro de Abigail se abrandou e, aos poucos, ela adormeceu, abraçada a uma familiar camiseta de Charlie, com os dizeres “I get high with a little help from my friends” e um porta-retrato com uma foto dos pais na época do colégio.

X


Quando eles finalmente chegaram à cobertura de Harry, Abigail foi para o banho e o homem foi para a cozinha, resolvendo que deveria cozinhar alguma coisa para a garota comer; abriu a geladeira e constatou que só havia alguns pedaços de pizza e toneladas de latinhas de cerveja.
“Certo. Mercado amanhã, sem falta”, pensou, escolhendo dois pedaços de pizza e colocando-os em uma travessa, dentro do forno; ligou-o e voltou a explorar sua geladeira, encontrando uma garrafa de Coca-Cola.
Não era exatamente saudável, mas era melhor do que dar cerveja para a garota.
À medida que o cheiro da pizza ia infestando a cobertura, Harry começou a colocar a mesa; empurrou todos os papéis, roupas e capas de DVD que estavam em cima do tampo da mesa na sala de jantar e liberou espaço para colocar dois jogos americanos, dois pratos, com os respectivos talheres e dois copos.
Ouviu o barulho da porta do banheiro sendo aberta e de pezinhos atravessando o corredor, quando espiou, encontrou a porta de seu quarto fechada, um rastro de água ligando o banheiro à porta e ouviu o chuveiro ainda ligado; entrou no banheiro vazio e desligou o chuveiro.
Foi até a cozinha, desligou o forno, usando um pano de prato, puxou a travessa e serviu-se de um pedaço de pizza e colocou o outro para Abigail.
Quatro queijos.
- Pizza! – celebrou Abigail, surgindo do corredor; os cabelos vermelhos estavam escorridos e pingando, suas bochechas estavam coradas, tinha vestido a camiseta do pai e usava meias brancas. Ela atravessou a sala e sentou-se em uma das cadeiras, parecendo faminta.
Harry prontamente cortou o pedaço de Abigail em pequenos pedaços e observou-a, enquanto ela espetava um deles com seu garfo.
Eles comeram durante alguns minutos em silêncio.
- Tio Harry? – ela o chamou.
- Sim?
- Desculpe que eu chorei – ela pediu, desviando os olhos.
- Não tem problema chorar, Gail – assegurou-lhe Harry.
Ela concordou, parecendo incerta, e mastigando um pedaço de pizza, pensativa.
- Eu esqueço, às vezes. Que eles estão... – ela não concluiu o raciocínio – Só que aí eu lembro. E fico muito, muito, muito triste – fungou, coçando o olho com a mão livre.
- Gail, não tem problema ficar triste, de verdade.
- Mas eu não quero que você pense que estou triste de morar com você – ela soltou, a voz trêmula, à beira das lágrimas novamente – Porque eu estou feliz. E eu quero muito morar com o Tio Harry. Mas é que... – a voz falhou e ela estava com os olhos fixos no prato.
- Eu entendo você. Não tem problema. Hey, vem aqui... – ele disse, afastando a cadeira e abrindo os braços, pedindo um abraço; Abigail escorregou da cadeira e abraçou o padrinho – Vai ficar tudo bem – ele murmurou no ouvido dela.
E realmente acreditava nisso.

X


Harry foi tomar banho e deixou Abigail já deitada em sua cama, assistindo Lazy Town; deixou a água fervendo cair sobre o seu corpo, sentindo seus músculos lentamente começarem a relaxar, a tensão escorrendo pelo seu corpo.
Ouviu Abigail gargalhar do quarto e seus lábios instintivamente se contraíram em um sorriso relaxado.
- Charlie, Claire? Acho que posso fazer isso – ele disse, para o banheiro vazio.
Desligou o chuveiro, passou a toalha pelos cabelos curtos e, depois, prendeu-a em volta da cintura; pisou fora do espaçoso box, em cima do tapete felpudo, e secou-se, vestindo uma camisa e um shorts de flanela.
Harry saiu do banheiro, deixando que o vapor quente saísse para o corredor; entrou no quarto e encontrou Abigail apoiada nos travesseiros, os olhos fixos na TV, abraçada com Desdemond.
Harry enfiou-se embaixo dos cobertores, observando a garota que não desviava os olhos dos personagens coloridos e saltitantes de Lazy Town; lembrava-se de quantas vezes Charlie reclamara de ter que assistir aos programas infantis com a filha.
Pegou-se observando a camiseta que a garota escolhera como pijama.
- Abigail, por que você quis essa camiseta? – ele perguntou, curioso.
- Essa? – ela perguntou, apontando para a camiseta do pai, com os dizeres “I get high with a little help from my friends”; Harry concordou com um aceno de cabeça – Ah. É a camiseta favorita do meu pai e minha mãe sempre usa ela quando ele está viajando. Então, é meio como se fosse dos dois.
Harry sorriu e bagunçou os cabelos da garotinha, arrancando-lhe uma risadinha.
- Você é muito esperta.
- Eu sei – ela riu, modesta – Olhe, coloquei papai e mamãe aqui – disse, apontando para um porta retrato dos pais que trouxe de sua casa, o qual posicionou no criado mudo ao lado da cama, a foto mostrava Charlie e Claire abraçados, no baile de formatura do colegial – Eu coloquei a foto deles aqui, para que possam dormir com a gente.
- É verdade – Harry observou a foto, sentindo uma saudade forte de seus amigos se manifestar e, por um breve segundo, sentiu-se vazio por dentro. – Você gosta dessa foto?
- É a minha favorita – suspirou Abigail – Olhe só como a minha mãe parece uma princesa com esse vestido.
- Parece mesmo - concordou Harry, puxando a garota para perto e plantando-lhe um beijo no topo da cabeça, carinhoso – Assim como você é.

X


Aquela primeira noite que Harry e Abigail dormiram juntos foi... turbulenta. Abigail adormeceu pouco depois de uma hora e Harry demorou um pouco mais; sua mente, cruel, escolhera aquele momento de calma para assaltar-lhe com diversas memórias de Charlie e Claire.
Tinha vergonha em admitir que derramara algumas lágrimas silenciosas; quando eram quase três horas da manhã, ele conseguiu adormecer e foi acordado, sucessivamente, por chutes que Abigail distribuía indiscriminadamente durante a noite.
Harry acordou com um soco às cinco da manhã e, com um suspiro exausto, empurrou gentilmente Abigail para o outro extremo da cama, o que resolveu o problema.
Finalmente fechou os olhos e adormeceu... por cinco minutos.
Ou pelo menos foi o que pareceu; repentinamente, uma luz forte invadiu seu quarto, um barulho estridente fez-se ouvir e seu corpo movia-se de maneira desconfortável, para cima e para baixo.
Juntando toda a força em seu interior, abriu um dos olhos azuis e encarou, perplexo, uma Abigail completamente desperta pulando na cama ao seu lado, quando sua mente desanuviou-se um pouco, pode definir com exatidão as palavras que a garota proferia.
- Good day, Sunshine! Good day, Sunshine! – a menina berrava, ao ritmo da música dos Beatles e Harry soltou um rosnado, tentando enfiar a cabeça embaixo do travesseiro.
- Gail, pelo amor de Deus, que horas são...? – rosnou, a voz embargada pelo sono.
- Sete e meia! – ela respondeu, ainda pulando, interrompendo sua cantoria – Minha aula começa às oito, então achei melhor te chamar.
- Sua o quê? Aula? Hoje? Que dia é hoje? Como assim? – ele sentou, perplexo, observando a garota ainda pulando feliz.
- É. E hoje é segunda-feira!
Percebeu que a garota já estava de uniforme, os cabelos ruivos presos em um rabo de cavalo; ele chutou os cobertores e correu pelo quarto, pegando uma calça e uma camiseta.
- Eu vou me arrumar, vai chamando o elevador, e...
- E o café da manhã? – a garota perguntou, descendo da cama para o chão, os olhos verdes arregalados – Eu sempre tenho que tomar café da manhã, senão eu começo a ficar com fome e não consigo prestar atenção na professora e, uma vez, eu comi minha borracha. Mas não foi gostoso. E eu passei mal depois – acrescentou, o cenho franzido.
Harry foi pulando da porta do quarto até a cozinha e xingou-se mentalmente, enquanto abria apressado a porta da geladeira: nada, como sempre.
Abriu o armário da cozinha e encontrou um pacote de pães de forma; analisou a embalagem e, percebendo que ainda estavam na validade, puxou-os, abriu novamente a geladeira e encontrou um pote de requeijão.
- Vai ter que ser isso – decidiu, enquanto rapidamente passava requeijão em uma fatia de pão; Abigail surgiu naquele instante e ele enfiou a fatia pingando requeijão na sua mão – Gail, aqui está. Seu café da manhã. Coma rápido para que possamos voar para o seu colégio.
- E leite? – ela perguntou, piscando os olhos verdes e inocentes para o padrinho.
- Não tenho leite, agora engole enquanto eu me visto. Você não pode chegar atrasada no seu primeiro dia – ele disse, enquanto agarrava um pratinho e empurrava a menina em direção à mesa da sala, onde os pratos da janta do dia anterior ainda estavam.
Abigail, obediente, sentou-se e Harry correu para o banheiro para terminar de se arrumar.
- Gail, antes de sair, pegue a pasta que deixei em cima da mesa da sala e coloque na sua mala. Você precisa entregar isso para a professora – berrou, de dentro do banheiro.

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Ele só tinha se esquecido de um detalhe: Abigail só se sentia à vontade dentro de carros se eles estivessem se movimentando na velocidade de lesmas.
- Tio Harry, eu posso ligar o rádio?
- Sim – ele grunhiu, mal humorado; sabia que não era culpa da garota, afinal de contas, ela tinha só cinco anos e era ele quem tinha que saber que ela teria aulas na segunda-feira.
Mas começar seu primeiro dia como tutor oficial da garota, já a fazendo chegar atrasada, deixara-o de mau humor.
A garotinha ligara o rádio e ficara mudando de estações, buscando por algo que lhe agradasse; nesse momento, alguém buzinou atrás dele, irritado.
Harry olhou pelo retrovisor e, dentro do sedã preto, tinha uma velha de uns oitenta anos; a mulher revirou os olhos, deu seta para a esquerda e passou pela faixa ao lado, berrando algo sobre ele parar de dirigir como uma menininha e mostrando-lhe o dedo do meio.
Harry respirou fundo e observou, impotente, o velocímetro que estava constante em trinta quilômetros por hora; olhou para o relógio no painel, indicando que eles já estavam dez minutos atrasados.
Abigail soltou um “oh!” admirada, quando “Baby” do Justin Bieber começou a tocar e afastou-se do rádio, estabelecendo que aquela seria sua trilha sonora.
“Perfeito. A trilha sonora para o caminho do inferno. É só disso que preciso”, ele pensou, e instintivamente levou a mão até o maço do seu cigarro.
- Tio Harry! Você vai fumar? – a garotinha perguntou, quase como alguém diz “você vai mesmo chutar esse gatinho indefeso nos trilhos do trem?”.
- Não – Harry forçou um sorriso, afastando sua mão e sentindo uma dor no peito – Jamais.
E quis se jogar pela janela do carro.

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observava, curiosa, o lugar vago que geralmente era ocupado pela presença brilhante e animadora de Abigail Grace Dickens; perguntou-se, internamente, se Harry Judd havia decidido que era melhor para a garota se afastar por algum tempo do colégio.
- Bom dia, alunos! Como foi o feriado? – perguntou, recostando-se contra a mesa do professor e observando todos aqueles rostos alegres e curiosos.
- Bem – veio um coro.
- Ótimo. A lição de vocês hoje é desenhar o que você fizeram nesse feriado, e... – antes de concluir, olhou para eles e lembrou-se do recado que a diretora lhe dera: tinha que informar os alunos do estado de Abigail para que eles fossem mais sensíveis.
Crianças não são naturalmente sensíveis, mas era sensata o suficiente para não questionar Dolores Carying em suas ordens.
Aproveitando-se da ausência da garota, ela se pronunciou:
- Queridos, a nossa amiga, Abigail, está passando por um momento difícil agora e ela vai precisar da compreensão e carinho de todos vocês – começou.
- O que a Abi tem? – perguntou Kevin Bacon, visivelmente preocupado.
- Os pais dela foram para o céu – ela respondeu, sentindo-se miserável em ter que introduzir algo como a morte para seus alunos de cinco anos – e a Abigail vai precisar de todos os seus amigos agora, OK?
- Para o céu? – perguntou Nora Herr, uma garota negra que não se dava muito bem com Abigail, curiosa – Como em um avião?
- Não, Nora – Carry, sentada na primeira fileira, com os olhos castanhos escondidos atrás de óculos, virou-se para a garota que sentava-se atrás dela – Eles estão morando com o Papai do Céu agora.
sentiu um aperto de comoção por todas aquelas crianças, tão novinhas tentando definir um conceito tão cruel como a morte.
- Exatamente, e eu gostaria que vocês evitassem tocar nesse assunto com ela, por isso... – nesse instante, o bedel do colégio, Clayton Persh, abriu a porta da sala, pedindo licença, e empurrando gentilmente Abigail para dentro da sala e fechando a porta às suas costas.
Todos ficaram em silêncio, observando a garotinha de cabelos cor de cobre que tinha as bochechas coradas.
- Desculpe o atraso, professora – ela pediu, sem olhar nos olhos, marchando até sua carteira.
Sentou-se e a sala continuou em silêncio, mas durou apenas alguns segundos, antes que alguns muxoxos começassem e fechasse os olhos, não conseguindo se perdoar por ter contado às crianças.
Nesse momento, Nora levantou-se e marchou até Abigail; suspendeu a respiração e tudo o que conseguiu fazer foi pensar repetidamente “por favor, não fale nada cruel, por favor, não fale nada cruel, por favor...”.
E, então, surpreendendo a todos, a garotinha envolveu Abigail em um abraço e não disse nada.

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Harry estacionou o Subaru Empreza no estacionamento ao lado da Super Records, na sua vaga de sócio-executivo. Trancou o carro e caminhou para dentro do prédio.
Harry atravessou o hall, cumprimentando todos os funcionários que encontrava e, no meio do corredor que dava para a sala de reuniões, encontrou Danny.
- Uau, cara – Danny assobiou, caminhando ao seu lado – O que são essas olheiras?
- Essas olheiras são acordar às sete e meia da manhã com uma garota ruiva de cinco anos pulando na sua cama e cantando Good Day Sunshine.
- Mude o cinco para vinte e eu aceito esse cenário para mim – informou-o Danny, rindo – De qualquer forma, Tom quer nos ver na sala de reuniões. Como sempre.
- Nem me fale – Harry rosnou, sentindo seus olhos pesados; como agüentaria uma reunião se mal conseguia andar em linha reta sem querer se apoiar na parede e tirar uma soneca?
Danny empurrou a porta de vidro que dava acesso à luxuosa sala de reuniões, Tom e Dougie já estavam lá; Tom estava sentado em uma das cadeiras, enquanto Dougie matava o tempo desenhando na lousa digital anexada a uma das paredes.
- Castor legal – cumprimentou-o Danny.
- É um rato. Mas obrigado – Dougie sorriu e então seus olhos azuis caíram sobre Harry – O que é isso? Te chamaram para fazer um biquinho em The Walking Dead ou qualquer coisa do gênero?
Harry espreitou os olhos na direção do loiro que deu um sorriso largo, como quem diz “estou só brincando, e você sabe disso”. Harry soltou um grunhido e sentou-se ao lado de Tom.
- Eu não dormi direito – rosnou, quando Tom abriu a boca; entendendo o recado, o loiro fechou a boca e concordou com um aceno de cabeça.
Dougie e Danny abandonaram, com relutância, a lousa digital e sentaram-se, juntando-se aos outros dois amigos; assim que os quatro estavam reunidos, Tom começou a falar sobre o projeto para expandir a área de entretenimento do Super City; mostrou gráficos e estudos feitos pelo departamento financeiro sobre os gastos e perspectivas de lucros que isso poderia trazer para a empresa.
Ao fim de meia hora, Tom entregou a cada um dos amigos um relatório de quase quarenta páginas.
- Seria muito bom se vocês pudessem me dar um feedback antes das quatro horas da tarde hoje – disse, com um sorriso solícito.
- Yeey! – soltou Danny, folheando o relatório, infeliz.

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No final da aula, antes do recreio, todos os alunos correram para o corredor, com exceção de Abigail que lutava com algo dentro de sua mochila; caminhou até ela.
- O que foi, Gail? – perguntou, observando curiosamente por cima do ombro da garota.
- O tio Harry... – ela tentou puxar algo de dentro da mochila, soltando um grunhido – pediu para eu te entregar... – tentou novamente – essa pasta... – mais uma vez, e então desistiu com um suspiro, entregando sua mochila roxa da kipling para a professora – Mas é muito grande e eu não consigo mais tirar daí de dentro.
observou uma pasta de plástico azul e, enfiando a mão dentro da mochila, puxou a pasta com firmeza, conseguindo livrá-la; percebeu que eram provas e, quando abriu-as, percebeu a letra de Claire e seus comentários para os alunos.
Engoliu em seco e sorriu para a aluna.
- Obrigada, Gail; agradeça ao seu tio por mim, está bem? E agora, vá brincar com seus amigos no recreio – disse, dando um empurrãozinho incentivador na garota.

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Harry sentou-se à sua mesa, sentindo seu corpo relaxar contra a confortável cadeira giratória de couro; soltou o ar em um suspiro deliciado e abriu o relatório na mesa à sua frente.
As cinco primeiras páginas foram muito instrutivas.
As demais ele usou como travesseiro.

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- Harry, posso saber o que você está fazendo? – exigiu Tom, fazendo com que Harry se sentasse ereto, os olhos, ainda enevoados pelo sono, completamente arregalados.
- Eu não estou dormindo – soltou, rapidamente.
Tom cruzou os braços e observou o amigo com dureza; mas, então, como um baque, lembrou-se de tudo pelo que ele estava tendo que passar: a perda, a responsabilidade...
Soltou um suspiro.
- Está bem. Você pode me entregar seu feedback amanhã. Mas até as onze horas e esse prazo é improrrogável, OK? Amanhã teremos uma reunião com e quero que todos estejamos bem preparados.
- Amanhã? – Harry piscou os olhos, confuso – Mas, Tom, não são nem... – olhou seu relógio de pulso e seu coração parou – São quatro e meia? – colocou-se de pé imediatamente – Amanhã. Sem falta! – disse, enfiando o relatório embaixo do braço e passando por Tom como uma flecha.

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ficara com Abigail esperando Harry chegar; todos os demais alunos já tinham sido buscados pelos pais ou motoristas.
- Letra... A! – chutou a garotinha, parecendo completamente alheia à negligência de seu padrinho.
- Muito bem! – aplaudiu , escrevendo a letra no primeiro dos quatro lugares em branco.
- Hum... Letra E!
- Ih, não... – fez uma careta, e desenhou uma bola na forca, representando a cabeça.
- Letra... tio Harry! – a garotinha pulou da cadeira e correu até o homem que, parecendo consternado, passou a mão pelos cabelos da garota.
- Desculpe a demora, Gail.
- Está tudo bem! – ela riu – Eu estava brincando de forca com a professora . Vou pegar minha mochila – e saiu correndo até o outro lado do pátio.
se aproximou, os braços cruzando e um meio sorriso no rosto.
- Você a esqueceu – Harry observou-a com uma expressão de culpa absoluta no rosto e riu – Não se preocupe. Não vou dizer que é um hábito saudável, mas você não foi o primeiro e certamente não será o último pai a esquecer de buscar o filho. Às vezes, nos perdemos no tempo.
- Nem me fale – Harry suspirou – Nem acredito que isso aconteceu, mas eu estava tão cansado...
- Não se preocupe com isso – ela o assegurou.
- Além do mais, a Abigail desenvolveu essa fobia absurda de carros e agora demora quase uma hora do meu apartamento até aqui, e...
Prontamente, buscou dentro de sua bolsa, puxou sua carteira e estendeu-lhe um cartão. Harry pegou-o e leu.
- .
- É uma amiga minha. Ela é psicóloga. Acho que ela pode ajudar Abigail a passar por essa fase – sorriu.
Harry observou o cartão novamente e Abigail chegou, com a mochila nas costas.
- Vamos? – estendeu a mão para Harry que prontamente a tomou nas suas – Tchau, professora ! Até amanhã – acenou com a mão livre e Harry lhe acenou também, com um sorriso agradecido.
acenou de volta e observou-os se afastar com um sorriso.

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O caminho de volta não foi mais calmo do que o de ida; enquanto Harry esforçava-se para se manter em uma velocidade abaixo dos trinta quilômetros por hora, Abigail falava sem parar sobre o dia que tivera no colégio.
Quando chegaram ao apartamento, Abigail continuava cantarolando saltitante em volta de Harry, enquanto ele fazia uma lista das coisas que precisava em casa e ligava para o mercado, fazendo a encomenda.
O único momento de paz que teve foi quando Abigail foi tomar banho e ele, depois de pagar o entregador, começou a guardar os mantimentos que comprara dentro da geladeira e dos armários.
Pegou uma lasanha pronta e colocou-a no microondas, colocando as louças do café da manhã e do jantar na pia; quando a garotinha surgiu, vestindo a blusa dos pais, a lasanha já estava servida.
- E, então, a Nora me deixou brincar com as bonecas dela – continuou Abigail, enquanto levava mais uma colherada de lasanha na boca – E ela é muito legal, na verdade, agora que não berra mais comigo.
Harry ergueu as sobrancelhas, mas se absteve de fazer qualquer comentário, deixando que Abigail prosseguisse com seu relato sobre o recreio que passara com Nora Herr, que era, aparentemente, sua nova melhor amiga.
Quando os dois terminaram de comer, Harry levou os copos para a pia e, depois, ajeitou Abigail na cama, ligando a TV para que ela assistisse a Lazy Town; cansado e desesperado por um tempo sozinho, o homem arrastou-se até o sofá da sala silenciosa.
Apreciou sua própria presença por alguns instantes e, fechando os olhos, perguntou-se se sentir-se tão bem sozinho fazia dele uma pessoa inapta para ter alguém dependendo dele do jeito que Abigail inegavelmente dependia.
- Deus, o que estou fazendo? – sussurrou, sem se dirigir a ninguém.
- Você é tão menininha – alguém falou do seu lado esquerdo; Harry abriu os olhos, receoso, e focalizou Charlie, sentado ao seu lado, com as sobrancelhas erguidas – E aí, Juddy?
A primeira coisa que ele quis fazer foi berrar, mas não podia fazer isso; parecia não existir ar em seu estômago o suficiente para isso. Talvez fosse culpa do cigarro, mas não poderia pensar nisso agora.
Não com seu melhor amigo morto bem na sua frente.
Então, tentando organizar seus pensamentos, conseguiu balbuciar:
- Você não...?
- Morto? Completamente. Você está provavelmente biruta – fez uma careta, enquanto girava o dedo indicador do lado da têmpora.
- Charlie, pare com as brincadeirinhas de mau gosto – uma voz veemente e muito familiar fez-se ouvir às costas de Harry, ele olhou por cima dos ombros e viu Claire observando curiosa o corredor que dava para o quarto onde Abigail estava.
Seu queixo caiu uns bons dez centímetros, enquanto todo o pouco ar que parecia existir em seus pulmões saiu em um guincho esganado.
- É isso que você solta? Eu volto do mundo dos mortos e você só chia como um porquinho da índia? Que decepção, Juddy – Charlie cruzou as mãos atrás da cabeça e descansou os pés calçados em um coturno em cima da mesinha de centro.
Claire voltou-se com um sorriso e caminhou na direção de Harry, sentando-se no braço do sofá ao seu lado. Agora que estava espremido entre seus dois melhores amigos mortos, Harry conseguia ver sua sanidade colocando o chapéu, vestindo a capa de chuva e preparando-se para sair pela porta.
- Pobre Harry, estamos te assustando, não é? – perguntou Claire, compadecida do estado do moreno – Eu realmente não achei que seria uma boa idéia, mas Charlie insistiu em vir. Achei que fosse pelo bem de Abigail, mas agora começo a acreditar que ele só queria te pregar uma peça.
- Jamais colocaria dar um ataque cardíaco no meu melhor amigo antes da segurança da minha princesa – contrapôs Charlie, fechando os olhos, relaxados – Mas se podemos matar dois coelhos com uma cajadada só...
Harry abriu a boca, mas não conseguiu falar nada; metade dele estava tão assustada quanto um coelho indefeso encurralado entre uma pedra e um lobo e a outra metade estava simplesmente maravilhada de estar com seus melhores amigos novamente.
Só por precaução, entretanto, resolveu perguntar:
- Vocês vieram... me levar com vocês? – perguntou, cauteloso, a voz irregular.
Charlie e Claire se entreolharam e, depois, jogaram as cabeças para trás e gargalharam por tempo suficiente para fazer com que todo o medo de Harry fosse sobrepujado por uma irritação.
Odiava ser motivo de piada dos dois, independente de estarem vivos ou não.
- Se não estão aqui para isso, o que estão fazendo aqui? – perguntou.
Claire recuperou-se do acesso de risos e sorriu para o amigo, carinhosamente.
- Estamos aqui para te agradecer.
Harry observou-os perplexo.
- Me agradecer? Ela chegou atrasada no primeiro dia de aula, eu quase esganei ela no carro... e se isso for um grande erro? – perguntou, dirigindo-se aos dois.
- Alguém produzir um CD de uma aberração como Justin Bieber é um erro – Charlie disse, ainda com os olhos fechados – Você como pai? Só precisa de um tempo para se habituar.
De alguma forma absurda, aquilo o acalmou.
- Vocês realmente acham que posso fazer isso?
Claire deu um sorriso largo.
- Claro que sim, Harry. – Então, ela pareceu um pouco ansiosa e tímida – Será que eu poderia... dar uma espiadinha nela?
Harry observou-a por alguns segundos, as sobrancelhas erguidas.
- Ahn... é. Acho que sim.
Claire levantou-se e caminhou cautelosamente em direção ao corredor, desaparecendo de vista. E, então, estavam Harry e Charlie sentados sozinhos em seu sofá; Harry estava encolhido e tenso, Charlie escorregara em seu sofá e, reclinado, descansava, com os pés apoiados na mesa de centro.
- Você está se saindo melhor do que eu esperava – Charlie disse, divertido – Mas minhas expectativas não eram muito altas, então não leve isso como um elogio ainda.
Harry soltou o ar, lentamente, fechando os olhos e sentindo sua cabeça começar a latejar.
- Você acha que estou enlouquecendo?
- E ele perguntou para seu amigo morto – brincou Charlie e Harry sentira a risada na voz do amigo – Não sei te dizer se está enlouquecendo, Juddy. Posso te dizer que estou orgulhoso e grato pelo que está fazendo com Abigail. E não se preocupe por ter querido esganá-la, ela pode ser... esganável, às vezes. Contanto que você não dê vasão à vontade, estará sentindo o que cento e um por cento dos pais de todo o universo sentem. E eu incluo os marcianos.
Harry sentiu um peso sair de suas costas.
- É bom ouvir isso de você, Chachie.
- Me chame assim de novo e eu mudo de idéia e te levo comigo para as profundezas do inferno – resmungou o loiro e, sorrindo, espreguiçou-se, colocando o braço em cima do sofá, atrás da cabeça de Harry – A gente se vê, Juddy.
E, carinhosamente, deu um tapinha na nuca do amigo, empurrando sua cabeça para frente; quando seu corpo pesou para frente, Harry acordou.
Do quarto, conseguia ouvir a voz fina de um dos personagens de Lazy Town e a risada gostosa de Abigail. Olhou em volta, sentindo um misto de pesar e temor, mas estava sozinho.
Instintivamente, seus olhos repousaram sobre a mesa de centro; se esta fora tocada por coturnos, não demonstrava nenhum sinal; Harry levantou-se, sentindo seu corpo dormente, e o único pensamento claro em sua cabeça era: “preciso de um cigarro. Agora”.

“Good day sunshine
Good day sunshine
Good day sunshine”
Good Day Sunshine – The Beatles



Capítulo 6 – Dynamo of Volition

“I'm only a boy in a story
Just a hallucinatory
Trippin' on nothing there is
Living in the wilderness
The Dynamo of Volition – Jason Mraz

Quando Harry finalmente voltou para o quarto era quase meia-noite e Abigail estava profundamente adormecida, abraçada a Desdemond, a TV estava ligada, mostrando um gigantesco cachorro falante.
O moreno desligou a TV, chutou os sapatos para longe e escorregou para debaixo dos lençóis, não sem antes colocar uma pilha de travesseiros entre eles dois para se proteger dos chutes e socos da garotinha.
Colocou o celular para despertar às seis e meia e deitou-se, observando o teto; metade dele desejava não ter o mesmo sonho com seus amigos, outra metade mal podia esperar para repetir a dose.

X


BÉÉÉ. BÉÉÉÉ. BÉÉÉ.
Harry tateou o criado mudo do seu lado e desligou o alarme; descansou a cabeça mais alguns segundos no travesseiro antes de escorregar para fora da cama, soltando um gemido e um bocejo.
Abigail ainda estava adormecida e resolveu deixá-la assim mais um pouco, enquanto preparava o café da manhã; com a visão embaçada, atravessou o corredor e entrou na cozinha.
Vasculhou os armários e a geladeira agora repleta de alimentos e escolheu alguns ovos, leite e pão; em dez minutos, ele tinha leite fervido, um omelete um pouco sem sal e pães torrados.
Entrou no quarto e, maldoso, começou a pular na cama, tomando cuidado para não pisotear a ruivinha.
- Good day, Sunshine! – berrava.
Abigail acordou rindo e, sentando-se, tirou as mexas acobreadas da frente do rosto rechonchudo, os olhos verdes esforçando-se para ficarem abertos.
- Bom dia, tio Harry – ela desejou, rindo e soltou um bocejo – Já é hora de acordar?
- Sim, senhorita. E hoje teremos um café da manhã decente – anunciou, enquanto pegava um uniforme de dentro da mala de viagem, atirando-o na direção da garotinha – Agora, vista-se e te encontro na sala em cinco minutos, OK?
Harry já estava tomando café e passando um pouco de manteiga em uma torrada quando Abigail apareceu, devidamente vestida; a garota sentou-se ao seu lado e bocejou, enquanto o padrinho servia-lhe uma xícara de leite morno com achocolatado.
- Tio Harry? – Abigail chamou-o, depois de bebericar um pouco de seu leite.
- Hum? – Harry perguntou, ausente, enquanto lia uma matéria do “The Daily” em seu iPad.
- Você acha que você poderia me buscar mais cedo hoje? – ela perguntou, as perninhas balançado – Quero dizer, não é que eu não goste de ficar brincando de palavras cruzadas com a professora , porque eu gosto de verdade, mas...
Harry sentiu uma fisgada de culpa tão forte que deixou o iPad de lado.
- Certo, prometo que a partir de hoje, você sempre sairá do colégio no horário, OK? – ele bagunçou-lhe os cabelos ruivos – Pronta para ir?

X


- Por que as pessoas ficam buzinando quando andamos de carro? – Abigail perguntou, enquanto observava um homem ultrapassar o Subaru Empreza de Harry fazendo gestos nada amigáveis para eles – Papai do céu certamente não gostou do que esse moço fez.
- É por que... – ele hesitou, e então recordou-se da conversa que tivera com no dia anterior – Abigail, você gostaria de conversar com alguém sobre esse seu medo de carros?
- Medo de carros? – Abigail ecoou, parecendo confusa – Eu não tenho medo de carros. Eu não tenho medo de nada. Eu só não gosto quando o carro vai muito rápido.
- Tipo a velocidade absurda de 35 quilômetros por hora... – Harry resmungou, baixinho, e então continuou em voz alta – É, então. Sobre esse seu “desgostar” de carros que andam rápido.
Abigail, pensativa, observava a paisagem pela janela.
- Por que alguém iria querer falar sobre isso? – questionou.
- Porque ela pode te ajudar a superar esse medo, que tal? – ofereceu, enquanto estacionava o carro junto ao meio-fio, bem em frente à entrada de St. Paige.
- Ah. OK. E eu já disse: não tenho medo de nada! – Abigail deu de ombros, soltando o próprio cinto e abrindo a porta do carro; Harry desceu e ajudou-a a ajeitar a mochila nas costas.
Abigail girou nos calcanhares e colocou-se na pontinha dos pés, enquanto Harry se abaixava para receber seu beijo de despedida.
- Tchau, tio Harry.
- Até mais tarde – ele respondeu, recostando-se contra o carro e observando-a entrar no colégio; no momento que a garotinha passava pelo portão, apareceu, os cabelos soltos em cascatas até os ombros; seus olhos se encontraram e ela sorriu.
Acenou para Harry, em cumprimento, e ele acenou de volta; o rostinho de Abigail surgiu de novo no portão e ela acenou enfaticamente mais algumas vezes, berrando “tchau, tio Harry, bom trabalho! A gente se vê mais tarde!”.
E, então, as duas sumiram para dentro do colégio.
“Quer saber de uma coisa? Eu até que gosto disso”, pensou, sorrindo.

X


Harry estava dirigindo em direção a Super Records, quando seu celular começou a tocar, puxou-o do bolso da calça e viu o nome ‘Danny J’ no visor.
- Fala, Danny.
- Oi, Harry – ouviu a voz do amigo, sonolenta – Escuta, estou com uma dúvida em relação ao relatório da expansão do Super City, na página quinze está escrito que...
- Merda – Harry soltou, involuntariamente, recordando-se da leitura de relatório que se comprometera a fazer – Eu não li.
- Ah. Droga, Harry. Agora eu vou ter que ligar para o Tom – resmungou o moreno, do outro lado da linha – Tá certo. Obrigado por nada, seu inútil.
- Eu amo você também.
Danny desligou o telefone e, imediatamente, Harry girou o volante, fazendo o caminho de volta para o apartamento.

X


Harry estava subindo o elevador que dava para o seu flat, quando seu celular começou a tocar novamente; quando viu que era Tom na linha, considerou seriamente não atender, mas acabou por fazê-lo.
- COMO ASSIM, VOCÊ NÃO LEU O RELATÓRIO? – a voz do amigo berrou no seu ouvido, assim que ele disse ‘oi’.
- Danny te contou, foi? – Harry prendeu o celular entre o ombro e a orelha, enquanto encaixava a chave e abria a porta.
- É CLARO QUE ELE ME CONTOU! Harry, o que está passando pela sua cabeça ultimamente?
- Meus amigos morreram. Ah, é. E deixaram a filha deles comigo – Harry comentou, sentindo-se levemente irritado com Tom – Cara, eu dei mancada. Já estou em casa, vou pegar o relatório e leio antes das onze, está bem?
- É bom mesmo, porque se vier com aquele arzinho arrogante de ‘é bom saber que eu sei mais sobre o que está acontecendo aqui do que os sócios’, vou cortar sua cabeça e expô-la em uma taça de ouro, e...
O interfone começou a tocar.
- OK, Tom. A gente se vê. Tchau.
Pegou o interfone e atendeu-o.
- Senhor Judd, estou aqui com a senhora... – o porteiro aguardou e Harry ouviu uma voz feminina ao fundo – Elizabeth Quentin. Ela diz que é do serviço social.
Repentinamente, Harry sentiu seu estômago afundar.
- Ahn, claro. Peça para ela subir.

X


- E o que temos aqui? – perguntou, enquanto recolhia o desenho de Abigail.
O tema daquela aula era desenhar o que você mais gostava; Abigail tinha desenhado quatro figuras uniformes, uma vermelha, outra amarela, outra preta e outra marrom.
- Ah. Essa é a minha mãe – ela apontou para o desenho vermelho – E esse, é o meu papai – apontou o amarelo – Esse aqui é o tio Harry – mostrou a forma marrom – e esse é o Desdemond – apontou o último.
- O Desdemond é o maior de todos – observou , divertindo-se.
- Sim, mas é porque ele é um urso – Abigail observou, em tom óbvio.
- Entendi – riu a professora, pegando o desenho da garota e guardando-o cuidadosamente com os outros – Pronta para ir para o recreio?

X


Harry esperava, ansioso, segurando a porta de entrada já aberta; quando a porta metálica do elevador se abriu, revelando uma mulher de quase cinquenta anos, cabelos amarelados curtos, óculos e uma expressão de tédio, ele sentiu seu estômago afundar ainda mais.
- Bom dia, senhor Judd – ela estendeu-lhe a mão, que ele prontamente apertou.
- Ahn... bom dia, senhora Quentin, é um prazer recebê-la – retrucou, incerto, indicando com um aceno de cabeça o interior da casa, convidando-a a entrar – Eu sou novo nisso, então... Como funciona?
- Nesta primeira visita, vou apenas fazer-lhe algumas perguntas, nada muito sério – ela informou-o – Há algum lugar no qual possamos sentar?
- Claro! – ele disse, rapidamente, apontando a mesa que ainda tinha os restos do café – Ah, eu vou só... – e começou a empilhar pratos, levando-os rapidamente para a cozinha.
Quando voltou, Elizabeth Quentin já havia se sentado e, empurrando a chaleira, liberara espaço na mesa para sua maleta; de dentro dela, puxou uma pasta com algumas folhas.
Harry prontamente sentou-se de frente para a mulher, incerto do que deveria estar sentindo.
- Então, senhor Judd, serão apenas algumas perguntas simples e, depois, darei uma olhada pela casa – disse, observando-o atentamente – Nada de muito complicado.
- Certo.
Seguiram-se algumas questões de praxe; Elizabeth queria saber como os pais de Abigail morreram, por que eles tinham escolhido Harry, se Harry se sentia pronto para cuidar de uma criança e afins.
- Acho que estamos prontos por aqui – disse a mulher, puxando uma prancheta e fazendo algumas anotações – Então, senhor Judd, poderia me mostrar a casa?
- Claro! – Harry empurrou a cadeira e colocou-se de pé, estendeu a mão de forma a indicar o recinto em que estavam – Aqui é a sala de jantar e, aqui... – caminhou em direção à sala – é a sala de estar.
Elizabeth observou tudo, seus olhos castanhos pequeninos atrás das lentes dos óculos varrendo a sala.
- O que é... aquilo? – perguntou, indicando o bar de mogno no canto da sala.
- Ah, é um bar – ele respondeu, prontamente.
- Com bebidas alcoólicas? – ela acrescentou, erguendo as sobrancelhas.
“Duh”, Harry pensou, mas limitou-se a concordar com um aceno de cabeça. E, então, percebeu o que poderia estar se passando pela cabeça da assistente social.
- Mas não é como se... se eu bebesse todos os dias. Elas só estão ali. Fazendo nada. Porque... eu não... sou alcoólatra nem nada do tipo. – Elizabeth apoiou sua prancheta no braço esquerdo e escrevinhou algo – O que você escreveu aí? – perguntou, ansioso.
- Senhor Judd – a mulher disse, com um suspiro – As coisas que escrevo aqui são confidenciais.
- Ah, certo – Harry disse, alternando o peso entre um pé e o outro – Posso te levar para outro recinto?
A mulher assentiu e o homem mostrou-lhe todos os lugares e, eventualmente, ela fazia mais algumas anotações em seu bloco; o último recinto apresentado fora seu quarto.
- E é isso – Harry terminou.
- Senhor Judd? – Elizabeth perguntou, sem erguer os olhos de sua prancheta.
- Sim?
- Onde Abigail dorme?
Harry sentiu seu coração parar de bater, completamente ciente do que as palavras que estava prestes a soltar causariam.
- No meu quarto – comentou, sentindo as mãos suadas.
- No seu... e onde o senhor dorme? – perguntou, erguendo os olhos e observando-o, intrigada.
- No... – pigarreou – meu quarto... também.
- Na mesma cama? – ela questionou, novamente.
- Sim, mas... – seus olhos se arregalaram e não conseguiu pronunciar mais nada, quando viu que Elizabeth começou a anotar alguma coisa na prancheta – Não, espere! Não é nada disso! É só que eu não tive tempo, eu...
- Senhor Judd – Elizabeth interrompeu-o, abaixando a prancheta e observando-o – Vou ser sincera com o senhor, porque assim poupamos tanto o meu tempo quanto o seu. O senhor é uma estrela do rock, possui uma quantidade abusiva de bebida alcóolica em casa, fuma e dorme na mesma cama que a garota de cinco anos de quem está tentando conseguir a guarda definitiva... o senhor consegue acompanhar meu raciocínio?
- Não exatamente, o quê...? – Harry começou, sentindo-se atordoado, enquanto acompanhava a mulher até a porta de entrada.
- Suas chances não são boas – ela disse, friamente, enquanto apertava o botão do elevador – Se essa garota é realmente importante para o senhor, mudanças deverão acontecer e urgentemente; meu primeiro parecer não é favorável.
Dizendo isso, entrou no elevador e ainda o observava, com indiferença, quando a porta de metal se fechou.

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Harry pegou o celular, plenamente ciente de que Tom o mataria; não apenas ele lhe diria ‘Tom, não li o relatório’, como acrescentaria um brilhante ‘e não poderei ir à reunião hoje’.
Perguntou-se se isso seria motivo o suficiente para que Tom o afastasse da sociedade e o expulsasse da banda, mas afastou esses pensamentos e apertou o ‘send’.
- Fala – a voz de Tom fez-se ouvir do outro lado da linha.
- Escute, Tom, eu...
- Ah, não. Não gostei desse tom de voz. Eu não sei o que você vai pedir, ou falar, mas a resposta é ‘não’ e ‘não me interessa’ respectivamente. Traga esse seu traseiro peludo para cá agora mesmo, ou eu... eu nem sei o que farei com você.
- Certo – Harry suspirou e, de certa forma, ele sabia que teria que ir para a Super Records de qualquer forma; participando da reunião ou não, lá estavam seus melhores amigos.
E ele realmente precisava conversar com eles.

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- Primeiro parecer não é favorável? – ecoou Danny, os olhos azuis brilhando com ira – Que vadia maldita! Me dá o nome dela que eu vou compor uma música detonando com ela agora mesmo, vou lançar no youtube, e depois colocar no rádio e ela vai ser humilhada publicamente e...
- E aí eu perco a guarda da Abigail definitivamente? – Harry concluiu.
Dougie assoviou, incerto do que falar, então soltou um ‘cara, que bosta’.
- OK, isso é tudo muito triste – concordou Tom, que estava recostado contra uma das mesas, apertando uma bolinha de borracha, que ele usava para aliviar o stress – Mas a questão é: o que você achou do relatório?
Os três outros McGuys o observaram, em silêncio.
- Ahn... você ouviu a história que eu acabei de contar? – perguntou Harry, relutante.
- Olha, Harry, é tudo muito deprimente, OK? Mas e nós? E o McFly? E a Super Records? Como você ousa colocar a felicidade de uma criança acima do nosso sucesso profissional? – soltou, revoltado; novamente, houve um segundo de silêncio em que Harry, Danny e Dougie o observavam, perplexos, e ele reanalisava sua afirmativa – Certo, soava muito mais injusto na minha cabeça.
- Olha, Tom, eu sei que está tudo uma bagunça agora e eu sinto muito. Mas Abigail é muito importante e eu preciso fazer as coisas direito; preciso ir, encomendar um quarto, e fazer tudo o que eu não fiz ainda. Será que vocês podem participar dessa reunião sem mim? Quero dizer, Dougie é minha noiva, ele pode se pronunciar por nós dois, não é?
- Não – Tom deixou a cabeça tombar para trás e observou o teto – Vou cancelar a reunião; nós vamos te ajudar.
Harry sorriu.
- Antes... vou ter que falar com a – anunciou o loiro, infeliz.

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era o tipo de mulher que fazia com que os homens quebrassem o pescoço para vê-la passar pela rua; seus cabelos estavam presos em um coque eficiente e usava uma saia social com uma blusa de ceda com o decote no tamanho certo para não ser vulgar, mas levar todos os homens de seu departamento à loucura.
E ela sabia usar isso em sua vantagem.
- Kent, você acha que poderia revisar esse meu texto? – ela perguntou, apoiando-se nos dois braços, fazendo um beicinho de leve, enquanto Trevor Kent, o revisor, engolia em seco, incapaz de tirar os olhos de seu decote.
- Claro, senhorita , será um prazer... – disse, prontamente puxando o relatório de mais de quarenta páginas; Kent estava com o trabalho atrasado e uma pilha imensa de tarefas em sua pilha preferencial, mas certamente o relatório de seria sua prioridade.
- É mesmo muita genti...
Nesse instante, Thomas Fletcher enfiou a cabeça dentro da sala.
- , assim que você terminar de tentar seduzir todos os homens do departamento para fazer o seu trabalho, poderia vir falar comigo, por favor?
Ele sumiu e e Trevor trocaram olhares; a mulher tinha as sobrancelhas perfeitamente desenhadas arqueadas.
- Bom, pelo menos ele disse ‘por favor’... – resmungou, afastando-se da mesa e indo até a porta; encontrou Thomas Fletcher recostado contra a parede, apertando sua bolinha antiestresse repetidamente – Posso saber do que se trata?
- Vamos ter que cancelar a reunião – ele disse, sem olhar diretamente para ela.
- Lógico que vamos – ela disse, dando um sorriso maldoso.
tinha um prazer quase sádico em fazer com que Tom se sentisse um sócio-presidente incompetente; ela não podia evitar, era simplesmente o seu hobby favorito.
- O que você quer dizer com isso? – ele perguntou, espreitando os olhos na direção da mulher; enquanto todos os homens da Super Records se derretiam por , Tom Fletcher não se importaria se ela pegasse um avião e voltasse para a França de onde, segundo ele, ela jamais deveria ter saído.
Mas a mulher era a melhor funcionária que eles tinham; no cargo de vice-presidente da empresa, ela era responsável por fiscalizar absolutamente tudo e, sob seu punho de aço e seu sorriso sedutor, sempre conseguia que as coisas acontecessem exatamente como lhe convinha, o que era invariavelmente bom para a empresa.
- Nada – ela retrucou – Para quando fica marcada a próxima reunião?
- Amanhã – ele respondeu, prontamente.
- Está ótimo – ela disse, girando nos calcanhares para voltar para dentro da sala.
- ? – Tom chamou-a novamente; a mulher parou e observou-o – O Kent tem problema cardíaco, acho melhor você pegar leve com ele.
Ela deu um sorrisinho educado, mas seus olhos lançavam dardos na direção dele.
- Não se preocupe, senhor Fletcher, eu sei cuidar da minha equipe.
Ela sumiu para dentro da sala.
“Arrogante prepotente”, pensou Tom, irritado, pisando duro.

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- Olá, senhorita ! – sorriu Matthew Frence, o professor de História da quinta-série, assim que entrou na sala dos professores, segurando uma sacola do Burger King.
Ela e tinham combinado de almoçar juntas para conversar sobre o turbulento final de semana da professora, já que com a agenda lotada de pacientes de e com a rotina atarefada de , as duas mal tiveram tempo para sentar e conversar.
- ! – sorriu quando viu a amiga e indicou-lhe a mesa da sala dos professores – O que você trouxe para mim?
- Seu favorito, é claro! – a psicóloga retrucou, revirando os meigos olhos , enquanto colocava a sacola em cima da mesa – Então, me conte tudo! – disse, num sussurro.
riu, enquanto desembrulhava seu hambúrguer.
- Não tem muito o que dizer... – mas ao perceber a expressão ansiosa da amiga, revirou os olhos – Bem, eu cheguei atrasada no enterro, por causa do trânsito, então parei e comprei uns girassóis, que eram as flores favoritas da Claire Dickens – explicou – E, quando cheguei lá, Harry Judd estava ajoelhado em frente à sepultura dos amigos, se despedindo, acho.
- Que adorável! – murmurou , encantada, enquanto levava uma batata frita aos lábios – E então?
- E então ele se virou e me viu; e, menina, meu corpo inteiro se arrepiou. Ele parece... parece... irradiar uma aura de... não sei explicar, mas você olha para ele e... – seu cérebro parecia ser incapaz de encontrar uma palavra que definisse com exatidão o que era Harry Judd.
- Ele é sexy, eu tenho uma TV, já vi com os meus olhos. Prossiga.
- Certo. Bem... e então, ele me apresentou aos outros da banda e fiquei com eles e com Abigail. Depois, conheci os pais dele e a mãe dele é simplesmente a pessoa mais adorável de todo o universo, tanto é que ela me convidou para jantar com eles. E, depois, me intimou a passar a noite lá, para não pegar a estrada à noite. – hesitou, tentando imaginar se tinha mais algo que pudesse acrescentar – Foi isso, acho.
- Então, você está apaixonadinha por um astro do rock – riu , chutando a amiga carinhosamente por baixo da mesa – Como se sente, com quatorze anos de idade novamente?
- Eu não estou apaixonada – retrucou , com veemência – Harry Judd é um homem atraente e interessante, o que quer dizer que eu obviamente não recusaria se ele me chamasse para jantar, mas isso não quer dizer que eu estou planejando casar com ele, comprar uma casa no campo, ter dois filhos e um labrador chamado Sunny.
- Bom para você, querida – deu uma mordida no seu hambúrguer e mastigou-o, pensativa – Caras como Harry Judd geralmente significam problemas.

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- Este é, definitivamente, o modelo mais vendido – disse Amber Secret, esforçando-se para falar com naturalidade, embora estivesse de frente com ninguém menos do que os integrantes do McFly – Veja, é todo trabalhado em madeira pintada com duas demandas de cor branca, e...
- Nós vamos comprar, contanto que você venha junto – decidiu Danny, piscando para a mulher e dando-lhe um sorriso galanteador.
Ela sentiu a bochecha corar, e abriu a boca, incerta do que responder para isso. Um “é claro que venho” não parecia profissional e poderia lhe custar o emprego, mas soava tão tentador.
- Por favor, não leve nada do que ele fala a sério – pediu Tom, enquanto analisava um abajur de porcelana, pintado de rosa nas mãos e o avaliava, pensativo – Ele sofreu uma lobotomia logo que nasceu, por isso é assim.
Danny fez uma careta; seus olhos encontraram algo na outra extremidade do recinto e, sem se escusar, afastou-se do grupo.
- Então – Harry pigarreou, chamando a atenção da vendedora de volta para ele – Você realmente acha que essa decoração é a mais adequada?
A vendedora começou a discorrer todas as vantagens e acessórios que as mobílias tinham, enquanto, a alguns metros de distância Dougie abria o armário na outra extremidade do quarto e observou os pequenos cabides de madeira; tudo naquele quarto parecia pertencer a uma Barbie.
Então, sentiu algo pressionado contra a sua têmpora, virou-se para ver Danny apontando uma arma para sua cabeça.
- O que é isso? – perguntou.
Danny apertou o gatilho e um adesivo foi fixado em sua testa. Dougie abriu a porta do armário de novo e observou seu reflexo no espelho de corpo inteiro no interior da porta.
- 2 libras? – leu, e depois fechou a porta, lançando um olhar carrancudo na direção de Danny.
- Você tem sorte, na verdade; eu não sei mexer nisso, ou teria colocado um valor bem mais baixo. Algo do gênero, ‘estamos dando de graça, porque veio com defeito de fábrica’.
Tom chamou os dois, para que fossem ao caixa, onde Harry pagaria pelo quarto mobiliado e pelo serviço para que o instalassem no dia seguinte; Amber Secret estava ao lado da gerente da loja, que Harry tentava insistir em permitir que as mobílias fossem entregues ainda naquela tarde.
Candace Gresner espreitou os olhos, observando Harry atentamente; gostava quando pessoas que apareciam em capas de revista apareciam em sua loja. Gostava ainda mais quando elas apareciam e queriam desesperadamente que seu produto fosse entregue no mesmo dia.
Elas, geralmente, não se importavam com quantias absurdas.
- Cinquenta por cento a mais em cima do preço e não garanto que os carregadores e marceneiros terminem o serviço hoje – a mulher disse, jogando os longos cabelos escuros para trás – Mas é o máximo que posso oferecer, senhor Judd.
Harry suspirou e estendeu-lhe o cartão de crédito.
- OK. Tanto faz.
Candace, tentando conter sua felicidade, repassou o cartão de crédito para Amber Secrets que, prontamente, começou a fazer a operação, quando ela estava digitando os números, no caixa, Danny aproximou, debruçando-se sobre a esteira de produtos.
- Estou em promoção... – torceu o pescoço para ler o nome da mulher – Amber. Duas libras, mas a satisfação é garantida.
Tom prontamente pinçou a orelha de Danny e puxou-o para fora da esteira.
- Você quer nos expulsar de outra loja? – sussurrou, irritado, enquanto Harry tentava fingir que nada daquilo tinha acontecido e agendava um horário para que o quarto de Abigail fosse entregue.
- Eles não nos expulsariam – respondeu Danny, descartando a possibilidade com um aceno de mão despreocupado – O Harry acabou de deixar uns dez salários mínimos aqui; eles deveriam era nomear uma ala em nossa homenagem.
Candace observou-o com as sobrancelhas finas erguidas.
- Por um valor adicional de vinte por cento, senhor Jones, isso poderá ser arranjado.
A palavra “mercenária” passou pela cabeça de todos, mas ninguém se deu ao trabalho de pronunciá-la.

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O sinal tocou, informando o final da aula e imediatamente, todos os alunos colocaram-se de pé, arrumando seu material; observou, curiosa, a forma apressada como Abigail Grace Dickens empurrou seu material para dentro da mochila roxa e, depois, lutou com o fecho.
- Deixe-me te ajudar – a professora pegou a mochila de suas mãos e mexeu-a no ar, fazendo com que o material que a garotinha jogara na mochila se ajeitar e, depois, fechou-a – Assim está melhor. Por que a pressa?
- O tio Harry disse que viria cedo hoje! – a garota sorriu, enquanto ajudava-a a colocar a mochila nas costas.
- Isso é mesmo muito legal! O que você está querendo fazer? – perguntou, enquanto as duas caminhavam para fora da sala, já vazia.
- Ir para a Disney! – a garota exclamou, maravilhada com a mera hipótese.
- Mas, Abigail, isso é meio difícil, não acha?
- Acho. Mas você me perguntou o que eu queria fazer – explicou – Agora, eu acho que ele vai só me levar para casa e assistir Lazy Town comigo.
riu.
- OK, entendi. Você é uma espertinha.
- É como meu pai me chama – a garota riu, sem se dar conta de que usara o verbo no presente; assim que as duas pisaram no pátio que dava acesso à saída do St. Paige, percebeu que algo estava muito errado.
Primeiro, havia um vazio demográfico na área dos brinquedos, enquanto a área próxima da entrada estava repleta de alunos.
- O que é isso? – perguntou Abigail, intrigada.
- Oh, não. Gail, espere aqui, está bem? – pediu a professora, certa de que teria que separar mais uma briga; estava se preparando para atravessar a multidão quando Brenda Jasen, uma das garotas mais populares da oitava série, surgiu correndo junto com sua melhor amiga, Kendra Coshion e ela ouviu elas soltarem, histéricas, a palavra ‘McFly’.
parou no meio do caminho e girou os calcanhares.
- Esqueça o que eu disse, Abigail. Acho que seu padrinho veio te buscar.

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- Uau! Todos vocês vieram! – exclamou a garotinha, feliz, dando um abraço em cada um dos McGuys – Isso é tão legal!
Harry sorriu, quando percebeu abrindo espaço entre os alunos e, aos poucos, conseguindo chamar a atenção de alguns, empurrando-os de volta para dentro das propriedades do colégio.
- Viemos aqui para comemorar! – disse Harry, desviando sua atenção de volta para a afilhada, pegando-a no colo – Seu quarto está pronto!
- O quê? – Abigail exclamou, maravilhada – Sério? E como ele é?
- Como o quarto de uma Barbie – respondeu Tom, sorrindo – Espero que goste, porque tivemos que cancelar uma reunião muito importante por causa...
Dougie deu-lhe uma cotovelada, veemente.
Abigail o observava, os olhos verdes arregalados, transbordando confusão.
- Ahn... certo. Prometo que vou gostar – ela sorriu, fazendo com que todos os homens se derretessem; existiam dezenas de adolescentes sorrindo de forma insinuadora para eles, mas apenas aquele sorriso tivera o poder de fazer os quatro suspirarem.
estava terminando de obrigar Brenda Jasen e Kendra Choshion a voltarem para dentro, quando Danny Jones exclamou:
- Ora, ora, se não é a mulher que conversa com ursinhos de pelúcia – e fechou os olhos, sentindo toda sua credibilidade perante os alunos da oitava série lhe ser brutalmente arrancada das mãos.
- Ahn. Vocês, para dentro – disse, tentando soar autoritária e, depois de receber caretas das garotas que, a contra vontade, entraram, caminhou até o grupo – Você poderia evitar comentar o incidente do Desdemond na frente dos meus alunos, por favor?
Danny riu.
- Ah, qual é, como se eles fossem pegar tanto no seu pé assim.
observou-o, com as sobrancelhas erguidas.
- Você, obviamente, não convive com os mesmos adolescentes que eu – disse, por fim.
- Professora ! – Abigail guinchou, se debatendo no colo de Harry para que ele a colocasse no chão e ela pudesse correr até a mulher – O tio Harry fez o meu quarto!
- É verdade? – perguntou , rindo, e seus olhos encontraram os olhos azuis profundos de Harry, que lhe sorriam.
- É verdade – Harry concordou, aproximando-se instintivamente; tinha esse poder sobre ele – E vamos sair para comemorar hoje!
- Eba! – aplaudiu Abigail, rindo.
- Bem – Harry disse, passando a mão pelos cabelos ralos, fazendo com que notasse os bíceps firmes e sentisse seu coração bater um pouquinho mais rápido – Então... nos vemos. Vamos comemorar!
acenou um ‘adeus’, enquanto observava os McGuys entrando no Subaru Empreza de Harry e, quando virou-se para entrar no St. Paige, deparou-se com Brenda e Kendra encarando-a com as sobrancelhas erguidas.
- Mandou a gente para dentro só para ter o Harry Judd para você – resmungou Brenda, colocando uma mexa do cabelo loiro atrás da orelha, insolente.
espreitou os olhos na direção da garota, mas não disse nada.
Talvez – talvez – fosse um pouquinho de verdade.

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No carro, Harry estava se concentrando na difícil tarefa de dirigir a menos de quarenta quilômetros por hora sem receber muitas buzinadas, enquanto Abigail conversava com Dougie e Danny, que dividiam com ela o banco traseiro.
- Tom, você pode me fazer um favor? – pediu.
- Ahn... claro.
Harry aproveitou o sinal vermelho para tirar um cartão do bolso; estendeu-o para Tom que leu em voz alta.
- ? – o loiro leu em voz alta – O que é isso?
- Ligue para ela e marque um horário para Abigail.
- Por quê? – perguntou Danny, curioso.
- Para curar esse medo de carro dela.
- Eu já disse que não tenho medo de carros! – berrou Abigail, incomodada, do banco traseiro – Eu só não gosto quando eles vão rápido.
- É. Isso. Foi mal. – Abigail pareceu se acalmar e voltou a contar para Dougie sobre o episódio de Charlie e Lola que assistira na noite passada – Ligue, por favor?

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Assim que os McGuys entraram no Pub, rindo, com Abigail nos ombros de Harry, segurando uma cestinha do McLanche Feliz em uma das mãos e com uma coroa de plástico na cabeça, três garçons lutaram para ficar com a mesa deles, e quem ganhou foi Heather Trenton que, na realidade, era a responsável pela área da mesa que os cinco ocuparam.
- Em que posso ajuda-los? – perguntou, tentando parecer casual, mas já calculando em quanto tempo poderia ligar para suas duas melhores amigas e berrar histericamente sobre quem ela atendera hoje no trabalho.
Carly Simons morreria de inveja, isso era certeza.
Cada um dos McGuys fez um pedido e Abigail sorriu, respondendo que já tinha sua coca, indicando seu copo do McDonalds; geralmente, não era permitido a entrada de comida de fora do pub, mas também não era permitido a entrada de menores.
Então, que fosse.
- Certo, então, rapazes... mais alguma coisa?
- Você numa bandeja? – sugeriu Danny, com uma piscadela.
Heather quis morrer por dentro, mas deu seu melhor sorriso profissional e girou nos calcanhares, caminhando apressadamente em direção à cozinha; ela teria muito o que contar para suas amigas.
- Você deveria parar de tratar mulheres assim! – exclamou Dougie, perplexo – Um dia desses, você vai levar um tapa bem dado na cara.
- É. Esperemos esse dia chegar – Danny deu de ombros e sorriu, quando percebeu Abigail suspirar, incomodada, enquanto tentava ajeitar a coroa na cabeça – Problemas no reino, princesa?
- Não no reino – retrucou a ruiva, desistindo da coroa, colocando-a em cima da mesa – Só não consigo fazer a coroa ficar parada.
- Deixe que eu te ajudo – ofereceu-se Dougie, pegando os longos cabelos ruivos de Abigail nas mãos e começando a trançá-lo; imediatamente, memórias lhe ocorreram.

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Ele subiu as escadas de madeira grandiosas na ponta dos pés; Mary havia lhe assegurado de que o senhor estava fora e que só voltaria no final da tarde, mas ainda assim era melhor ser cauteloso.
Conhecia o caminho de cor e empurrou de leve a porta de madeira branca e prendeu a respiração; estava sentada de costas para ele, penteando os longos cabelos com uma escova de madeira.
Seus olhos encontraram os olhos azuis de Dougie pelo espelho e ela virou-se, surpresa.
- Doug! O que você está fazendo aqui? – perguntou, enquanto gesticulava para que ele entrasse.
- Bem, Mary me assegurou que seu pai não estava, então... resolvi dar um ‘oi’. – houve uma breve pausa durante a qual os dois se observaram – Oi.
Ela riu, levantando-se do banco que ficava de frente para a sua cristaleira e sentou-se em sua cama, batendo no lugar vago ao seu lado.
- Oi para você também – ela respondeu – Foi muito legal da sua parte ter aparecido ontem para a minha apresentação.
- Foi muito legal da sua parte tocar “I Miss You” no piano para mim – ele disse, observando-a atentamente.
- Meh. Meu pai não achou – ela soprou a franja para longe dos olhos – Ele diz que essas músicas atuais e pianos não deveriam se misturar.
- Desculpe por isso – Doug encolheu os ombros.
- Eu desculpo... se você me fizer uma trança – pediu a garota, virando-se de forma que Doug agora encarava suas costas e seus sedosos cabelos .
- Ah, ... – ele resmungou, embora tivesse que admitir para si mesmo que gostava da textura do cabelo de e de como ele estava sempre cheiroso; prontamente dividiu-o em três mechas e começou a trançá-lo, observando hipnotizado o cabelo reluzir o raio de sol que entrava pela janela aberta.
Depois de alguns segundos, ele terminou a trança e observou, satisfeito, o próprio trabalho; rindo, lhe entregou um prendedor de cabelo e, prontamente, ele amarrou-o.
- Como estou? – ela perguntou, olhando para ele por cima do ombro.
Sua pele, alva, contrastava de maneira dolorosamente maravilhosa com os cabelos e seus olhos brilhavam, divertidos.
Antes que Dougie conseguisse sequer pensar o que estava fazendo, ele inclinou-se na direção dela e beijou-lhe de leve a bochecha.
entreabriu os lábios, soltando um suspiro surpreso, enquanto os maravilhosos olhos se arregalaram; Dougie não se conteve, inclinou levemente a cabeça e fechou os lábios sobre os dela.


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- Uau! – Abigail exclamou, tirando Dougie de seu devaneio, passando as mãos pequeninas pelos cabelos ruivos, perfeitamente trançados – Como eu estou, tio Harry? – perguntou, olhando para o padrinho com expectativa.
- Está parecendo uma verdadeira princesa – Harry elogiou-a.
Nesse instante, a porta do pub abriu-se e um vento frio entrou, junto com duas mulheres loiras, vestindo roupas mínimas e rindo, já parecendo um pouco ébrias; elas pararam, parecendo não dar a mínima para os homens, mas se derreteram em cima de Abigail.
- Que gracinha, você, querida! – uma delas disse, inclinando-se sobre a mesa, de forma que seus vultuosos seios quase saíram pelo decote da blusa que usava, em uma das suas mãos ela segurava um cigarro e, quando ela estendeu a mão para apertar o nariz de Abigail, a brasa quase a queimou.
Tom, Danny e Dougie ficaram observando, os olhos arregalados, e Harry franziu o cenho, incomodado.
- Bem, com licença – ele pediu, pigarreando – Mas eu apreciaria se você não usasse minha afilhada como um cinzeiro. Obrigado.
A mulher observou-o, com as sobrancelhas erguidas, e então seus olhos escuros iluminaram-se com o reconhecimento.
- Você é aquele cara, não é? Daquela banda famosa! – ela soltou fumaça na sua cara e deu um sorriso insinuante; Harry jamais ficara tão enojado em toda a sua vida.
A outra garota, parecendo um pouco menos bêbada, puxou a amiga pelo cotovelo, afastando-a da mesa; houve um breve instante de silêncio.
- Vocês podem acreditar nisso? – soltou Harry, perplexo.
- Eu sei – concordou Danny, atordoado - A Abigail é um mapa para a ilha da felicidade!

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Eram quase onze horas da noite e agora o pub estava fervendo com pessoas de todas as idades; Danny sumira há alguns minutos com Abigail no colo e, quando voltou, tinha Abigail em um braço e outro estava dado com uma morena maravilhosa de olhos azuis.
- Licença, amor, preciso devolver Abigail para o seu babá! – Danny Jones sorriu, um tanto ébrio, enquanto entregava a garota que ria para Harry que observava toda aquela cena perplexo.
- Babá? Do que ele está...?
- Shhh! – Abigail interrompeu, colocando o dedo indicador em frente aos lábios – É uma brincadeira que o Tio Danny inventou! Eu finjo que sou filha dele, todas as mulheres bonitas vêm falar comigo e... – ela abriu seu pacote do McLanche Feliz – Eu ganho uma libra para cada número de telefone que ele consegue!
- Abigail, isso é errado! – sibilou Harry, perplexo, prometendo-se que transformaria Danny em uma massa amorfa de ossos e pele assim que colocasse as mãos sobre ele.
- Mentir, eu sei, mas o tio Danny falou que era pelo bem maior e que você entenderia – disse Abigail, claramente envergonhada.
Danny voltou, sorridente, e escorregou para o banco, sentando-se ao lado de Tom; passou um dos braços em volta do ombro do amigo e cantarolou.
- Essa garota é um ímã de gatinhas! – Danny ergueu-se um pouco e puxou da carteira mais uma nota de uma libra – E isso – cantarolou, estendendo-a na direção de Abigail – é pelo número de telefone da Dolores... – franziu o cenho – Débora... Drew...
- Andressa – ofereceu Abigail, enquanto aceitava a nova nota, satisfeita.
- Uma libra extra pela excelente memória – sorriu Danny.
Nesse instante, um homem bem vestido aproximou-se, com um sorriso polido.
- Boa noite, senhores; meu nome é Gransom Smith, sou o dono do Pub... eu gostaria de perguntar se vocês aceitariam tirar uma foto comigo para entrar na parede da fama?
- Claro – todos concordaram e pousaram para Heather que, ansiosa, segurava uma máquina digital, mal podendo conter a ansiedade; não só ela tinha vivenciado atender aos McFly como poderia esfregar uma prova material disso na cara de todas as suas amigas.
Dane-se suas amigas, ela ia esfregar aquela foto na cara de todo mundo. Ela sorriu e apertou o botão, capturando uma imagem de Gransom entre os McGuys e Abigail ao lado de Harry, a coroa brilhante no topo da cabeça.

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Harry deixou Tom e Dougie na Super Records, para que eles pudessem pegar seus carros e voltarem para casa; Dougie responsabilizou-se por levar Danny para casa, já que o moreno obviamente não estava em condições de dirigir.
Abigail estava dormindo no banco traseiro e Harry aproveitou-se da situação para acelerar o carro; chegou ao prédio em menos de vinte minutos, estacionou o carro na sua vaga e, pegando Abigail no colo, chamou o elevador.
A garota soltou um bocejo e, coçando um dos olhos, acordou.
- Já é dia, tio Harry? – perguntou, sonolenta, soltando um suspiro e apoiando uma das bochechas no ombro do padrinho.
- Ainda não, querida – ele sorriu, enfiando a chave na porta e destrancando-a; abriu-a sem muitas dificuldades e, então, parou na frente da porta do antigo escritório e acendeu a luz.
Abigail piscou algumas vezes para se acostumar com a claridade e, então, soltou um berrinho que transbordava de surpresa e alegria; ela se contorceu toda, até que Harry a colocou no chão e ela saiu rodopiando pelo quarto, abrindo todas as gavetas, ainda vazias.
A cama de madeira, envernizada e pintada de branco, tinha uma roupa de cama cor de rosa e um dossel, Abigail comentou que parecia com a cama de uma princesa, enquanto pulava nela, excitada.
- Quer dormir no seu novo quarto hoje? – perguntou Harry, sorrindo.
- Sim! – a menina estava pulando na cama; caiu sentada, escorregou para o chão e saiu correndo até o quarto do padrinho, voltou alguns segundos depois com sua camiseta de dormir, Desdemond e o porta-retrato de seus pais nos braços.
Harry recostou-se contra a batente da porta, observando Abigail colocar, cuidadosamente, o porta-retrato de Charlie e Claire no criado mudo branco ao lado de sua cama e, depois, enfiar-se em baixo das cobertas, com um dos braços firmes em volta de Desdemond.
- Tio Harry? – ela chamou-o, hesitante, com o controle de sua TV de 32 polegadas de LED na mão – Será que você pode cantar uma música para mim?
Harry riu, concordando com um aceno de cabeça, enquanto descalçava seu sapato e abria o dossel, deitando-se por cima da coberta, seus pés caindo para fora da pequena cama.
- Que música você quer? – ele perguntou, afinal – Já aviso, não vou cantar nem Jonas Brother, nem Justin Bieber, pode esquecer.
- Miley Cyrus? – ela sugeriu.
- Por que é que eu não escolho? – ele soltou, finalmente, movendo-se, buscando por uma posição mais confortável, enquanto começava a cantarolar “I Don’t Wanna Miss a Thing” do Aerosmith.

X


Harry rastejou de volta para o seu quarto; Abigail finalmente adormecera e eram quase duas horas da manhã. Tirou a calça, mas, exausto, não se deu ao trabalho de tirar a blusa social ou colocar seu pijama, simplesmente rastejou para debaixo das cobertas.
Permitiu-se, enquanto afundava a cabeça em seu travesseiro, relembrar o dia anterior e a sensação sufocante que experimentou quando Elizabeth Quentin deixou clara suas primeiras impressões.
- Preciso fazê-la mudar de ideia... – murmurou, sonolento.
- Ah, você vai – uma voz feminina, confiante e familiar fez-se ouvir às suas costas e Harry estava receoso e ansioso em iguais proporções para encarar sua dona.
- Boa noite, Claire – ele disse, baixinho, girando até que fitasse a amiga – Estava me perguntando se vocês apareceriam de novo.
Os olhos castanhos de Claire Dickens brilhavam, risonhos, enquanto ela se encontrava, deitada de lado, frente a frente com o amigo.
- Eu vim sozinha dessa vez. Charlie ficaria fazendo piadinhas, você sabe como ele é quando fica nervoso. E ele ficou bem bravo com a senhorita Quentin hoje.
Harry riu e observou a amiga, maravilhado; quando via filmes de terror, imaginava que a pessoa deveria se sentir aterrorizada quando via alguém morto, mas ele se sentia bem com ela.
- Estou ficando louco, Claire? – perguntou, finalmente.
- Você nunca bateu muito bem da cabeça – ela respondeu, afetuosa.
Harry soltou um suspiro e, girou, mudando de posição; agora de barriga para cima, observava o teto.
- Eu não tinha certeza se queria fazer isso, mas hoje... – olhou de lado e percebeu que Claire tinha imitado sua posição – Quando Elizabeth disse que achava que eu não podia fazer isso, que pode ser que ela tire Abigail de mim, eu... eu quero ela, Claire. Eu vou lutar por ela.
Claire suspirou, ao seu lado.
- É ótimo ouvir isso, Harry; de verdade. Mas nunca esperei menos de você – ela acrescentou, rindo – Você sempre foi a nossa melhor opção.
Harry fechou os olhos, deixando que uma sensação morna se espalhasse no seu interior. Foi então que o celular no seu bolso soltou um som estridente e vibrou, indicando a chegada de uma mensagem.
Sentou-se sobressaltado e olhou em volta.
Estava sozinho.
Abriu a mensagem, atordoado.
“Senhor Judd,
Aqui é ; estou ligando só para confirmar o horário de Abigail para amanhã às 19 horas.
Grata,
Dra.

Harry deitou novamente, e respirou por alguns segundos, apreciando o silêncio de sua própria casa.

“Good job
Get ‘em up way high
Gimme gimme that high five
Good time
Get ‘em way down low
Gimme gimme that low dough
Good God
Bring ‘em back again
Gimme gimme that high ten
You're the best definition of good intention
The Dynamo Of Volition – Jason Mraz


Capítulo 7 – Fascination

“We love this exaltation (woh oh, o-o-oh)
We want the new temptations (woh oh, o-o-o-oh)
It's like a revelation (woh oh, o-o-oh)
We live on fascination”
Alphabeat – Fascination


saiu do quarto soltando um bocejo preguiçoso, enquanto apertava mais firmemente o robe em volta de seu corpo coberto pela camisola de seda roxa.
Na cozinha, preparou uma tigela de cereal com leite e, enquanto esperava que o microondas fizesse seu trabalho e aquecesse seu café da manhã, prendeu os longos cabelos em um rabo de cavalo.
PI. PI. PI.
pegou sua tigela e foi até a sala, deitou-se no sofá, empurrando Tiesto, seu gato, com os pés, fazendo com que ele pulasse para o chão com um miado estridente e lhe dirigisse uma expressão carrancuda antes de trotar para o banheiro.
mostrou a língua para o gato e ligou a TV no E! Entertainment Television, seu guilty pleasure. Espreguiçou-se, enquanto uma apresentadora loira, absurdamente magra, falava com uma voz arrastada, mas ao mesmo tempo animada e sedutora:
- Na noite de ontem, os McGuys badalaram na noite londrina em um pub, na companhia de uma acompanhante feminina. Se liguem na novidade: a acompanhante feminina tinha apenas cinco anos! Essa foi a foto tirada por um paparazzi do lado de fora do Pub... – observou tudo aquilo com demasiado interesse.
- Ora, ora... – suspirou, pensativa, quando a foto de Harry Judd, seus companheiros de banda, a garotinha que deveria ser Abigail Grace Dickens e um homem com mais ou menos cinquenta anos de idade surgiu na tela – Não é que o Harry Judd é mesmo uma delícia?

X


BÉÉÉ. BÉÉÉ. BÉÉÉ.
Harry desligou o despertador e, gemendo, sentou-se na cama; girou a cabeça de um lado para o outro e sentiu os músculos dos ombros tensos e levemente doloridos, enquanto seus olhos pareciam ser incapazes de ficarem abertos.
Aquele dia prometia.
Foi até a cozinha e começou a preparar o café da manhã; quando percebeu que eram quase seis horas da manhã e Abigail ainda não estava acordada, foi até o quarto dela.
Sentou-se ao seu lado e considerou acordá-la cantando “Good Day Sunshine”, mas isso exigia um estado de espírito que era completamente oposto ao que ele sentia naquele momento.
- Gail, acorde! – ele disse, balançando-a – Acorde, temos que nos aprontar para que você vá para o colégio!
Abigail resmungou alguma coisa e virou-se de costas para ele.
- Gail, por favor, não me faça... – quando a garota enfiou a cabecinha em baixo do travesseiro, ele percebeu que aquela não seria uma tarefa fácil – Está certo. Vou trazer o seu café da manhã na cama, mas é só essa soneca a mais, OK?
Harry tomou duas xícaras de café, enquanto preparava uma torrada com manteiga e um copo de leite com chocolate; levou o café da manhã em uma bandeja para a garota.
- Gail?? Gail, vamos. Você quer chegar atrasada na aula? – perguntou, deixando a bandeja em cima da escrivaninha da garota e sentando-se na cama, puxou a garotinha pelos ombros, sentando-a.
Abigail lutou para abrir os olhos verdes, soltou um bocejo e tentou deitar-se novamente, mas o padrinho não deixou.
- Eu quero dormir... – choramingou.
Harry chegou a sentir falta da versão saltitante de Abigail que o acordara há dois dias pulando e berrando uma música dos Beatles. Balançou a garota até se certificar de que ela conseguia ficar sentada por esforços próprios e colocou a bandeja na frente dela.
- Vou pegar seu uniforme – ele disse, pausadamente, para se certificar de que ela entendia o que ele falava – Assim que eu voltar, quero você com o café da manhã tomado, certo?
Abigail coçou um dos olhos e concordou com um aceno débil de cabeça.
- Ótimo... – ele resmungou e saiu, caçando por um uniforme limpo para a afilhada; puxou um conjunto azul e branco, das cores do brasão do St. Paige, e quando voltou, encontrou Abigail inclinada sobre a bandeja, a cabeça entre a xícara de leite e o prato com as torradas – Ah, Gail... – ele resmungou.
E, então, teve uma idéia; não era a melhor de todas as idéias, mas pelo menos faria com que a garota acordasse. Marchou até a sala e encheu uma xícara de café, colocou tanto açúcar quanto achou necessário e voltou para o quarto.
- Abigail, tome isso – pediu, tentando sentar a garota e levando a xícara aos lábios dela.
Abigail fez uma careta assim que sorveu um pouco do líquido escuro e, imediatamente, abriu os olhos e soltou um som desgostoso.
- O que é isso? – perguntou, piscando, enquanto mostrava a língua, enojada.
- Café. Sinto muito, mas você não acordava... – ele disse, em tom de desculpas; para tirar o gosto ruim de café da boca, Abigail tomou alguns goles do seu leite com chocolate, ainda com o rosto contorcido em uma expressão de nojo.

X


- Ela não acordava de jeito nenhum. Então, dei um pouco de café para ela – terminou Harry, que encontrara com Danny no estacionamento da Super Records e lhe relatara sua terrível manhã.
- Café? – Danny ecoou.
- Duas xícaras, é.
- Você deu duas xícaras de café para uma criança de cinco anos de idade – disse Danny, lentamente, observando Harry com as sobrancelhas erguidas.
- Qual é o problema? – Harry questionou, piscando os olhos, confuso.
- Nenhum, apenas evite que isso chegue aos ouvidos da assistente social, OK?
Harry abriu a boca, incrédulo, mas demorou alguns segundos para conseguir vencer sua perplexidade e realmente conseguir falar algo.
- Era isso ou ela perderia a aula! O que você queria que eu fizesse como um adulto responsável? – perguntou, na defensiva.
- Cara. Você está falando comigo sobre ser um adulto responsável – Danny observou, as sobrancelhas erguidas, enquanto os dois caminhavam pelos corredores da Super Records.
- De qualquer forma – Harry continuou, ainda se sentindo na obrigação de defender seus atos – Não é como se tivesse funcionado, ela ainda estava praticamente dormindo no carro, a caminho do colégio.
Danny considerou a hipótese, enquanto parava em frente à sua sala.
- É, vai ver ela é uma daquelas pessoas que não reagem à cafeína.
- É – Harry concordou, sentindo-se aliviado com a perspectiva – Provavelmente ela é mesmo.

X


- Abigail, o que está acontecendo com você? – perguntou , ao perceber que a garota estava praticamente tremendo, sentada em sua carteira; parecia que a ruivinha estava concentrando toda sua força em ficar parada, mas falhava miseravelmente nisso.
- Oi, professora ! Tudo bom com você? Está tudo bem comigo! – ela disse, muito rápido, lançando um sorriso largo na direção da professora.
- Você está mesmo bem? Parece meio... hiperativa.
- Eu não sei o que é isso – Abigail disse, franzindo a sobrancelha.
- Bem, é quando... você tem vontade de fazer muitas coisas ao mesmo tempo.
- Ah, sim. É! É assim mesmo que eu me sinto hoje! Deve ter sido aquele negócio que o tio Harry me deu hoje – acrescentou, pensativa, enquanto coçava o alto da cabeça com a parte de trás de seu lápis de colorir, com tanta energia que a professora ficou com medo que ela se machucasse.
- O que seu tio te deu? – questionou, curiosa.
- Ah... – Abigail olhou para o teto, tentando se lembrar do nome, enquanto suas perninhas balançavam para frente e para trás, num sinal de ansiedade. Deu de ombros, dando-se por vencida e voltou os olhos verdes para a professora – Sabe... é uma coisa... tipo uma água... só que preta. E fedida. E ruim.
- Esgoto? – sugeriu Nora, prestativa.
Abigail riu.
- Não!
Ao contrário das garotas, que estavam rindo da hipótese absurda, tinha uma expressão séria no rosto.
- Café? – sugeriu.
Os olhos verdes de Abigail brilharam em reconhecimento, e ela sorriu.
- É! Esse é o nome! Café, café, café, café... – começou a repetir, como se para não esquecer.
hesitou, observando a garota prosseguir seu mantra.
- Abigail, quanto de café ele te deu?
- Ah, pouquinho, professora. – soltou o ar, aliviada – Acho que foram duas xícaras.
engasgou.

X


Harry estava terminando o relatório, quando Tom ligou para o seu telefone pelo ramal interno da empresa, lembrando-o da reunião com que começaria em uma hora e meia.
Observando o relógio, Harry constatou que não teria tempo de buscar Abigail; lembrou-se também da mensagem de , que tinha esquecido de responder e enviou uma mensagem, confirmando a consulta de Abigail.
Neste exato instante, Mike Sullivan, um homem de quarenta anos encarregado pelas entregas, entrou no seu escritório para deixar algumas correspondências em sua mesa.
- Bom dia, senhor Judd – Mike desejou, com um sorriso, enquanto colocava os envelopes no lugar de costume sobre a mesa de Harry.
- Bom dia, Mike. O que você tem para fazer daqui a uma hora e meia? – perguntou, casualmente.
- Ahn... – Mike ficou em silêncio alguns segundos, repassando sua agenda mentalmente – Nada.
- Ótimo – Harry sorriu – Porque vou te pedir um favor imenso.

X


Era horário do almoço e estava na sala dos professores, conversando com Vanessa Heather, a professora de História da oitava série, quando seu celular começou a tocar; observou no visor o nome de .
Escusando-se, a mulher atendeu.
- Oi, .
- Olá, ! – cantarolou do outro lado da linha – Acabei de receber uma mensagem do seu amado Harry Judd, confirmando a consulta para a pequena Abigail hoje.
- Para de falar assim – resmungou .
- Oh-oh.
- Oh-oh, o quê?
- Você tá com aquela voz – disse, objetivamente.
- Que voz?
- Aquela voz de ‘tem algo me incomodando’. O que é? Percebeu agora que o Harry Judd é tipo... o Ringo da atualidade e que tem uma fila de garotas de todos os continentes querendo ele e está com ciúmes?
- O quê? Não! – considerou se deveria falar sobre o que Abigail lhe contara e resolveu que se estava tão incomodada ao ponto de sua melhor amiga perceber por uma mera ligação telefônica, então deveria falar em voz alta - Estou meio... não sei. Provavelmente é besteira. Quero dizer, eu sei que ele não deve ter feito por mal, mas... ele deu café para a Abigail. Duas xícaras de café para a Abigail. Quero dizer, quanta irresponsabilidade! Esse tanto de cafeína em um corpinho tão pequeno...
- Ah. É isso? – raramente valorizava os conflitos dos outros, a não ser que lhe pagassem pela hora ou fosse algo realmente preocupante – Bem, provavelmente deve ser porque ele levou-a naquele Pub ontem e devem ter voltado super tarde.
- Pub? Ele levou Abigail em um pub? Como você descobriu isso?
- O quê? Não estou te ouvindo! Tenho que ir! Beijinhos, depois nos falamos! – desligou o telefone. Admitir em voz alta que assistia ao E! não estava em seus planos.
observou o telefone por alguns segundos, confusa, e depois soltou o ar, resignada; conversaria com Harry hoje, quando ele viesse buscar Abigail.

X


Quando o alarme do colégio tocou, anunciando o fim das aulas, Abigail rapidamente arrumou sua mochila e, berrando um ‘tchau, professora’, saiu correndo para o pátio.
apressou-se para guardar seu próprio material e correu para o pátio também; encontrou Abigail saindo acompanhado por um homem loiro, aparentando ter uns quarenta anos e rechonchudo, que usava um boné da Super Records.
A mulher parou no portão de saída e observou Abigail entrar rindo na van com o emblema da Super Records.
“Bem”, pensou, abraçando sua pasta, observando a van afastar-se, “Acho que fica para amanhã”.

X


deu um sorriso glorioso assim que entrou na sala de reuniões; os quatro homens já estavam sentados, com relatórios em mãos, e lhe cumprimentaram com um aceno de cabeça.
- Bom dia, senhores – ela disse, enquanto deixava o portfólio em cima da comprida mesa de carvalho e o abria, puxando de seu interior as fotos que o departamento de marketing tinha sugerido.
A mulher usava uma saia social Ann Taylor, com uma blusa branca simples, mas justa, realçando o vale formado pelos seus seios; quando ela se inclinou sobre a mesa para posicionar as imagens para que os presidentes pudessem analisa-las, privilegiou-os com uma visão mais ampla.
Tom teve a impressão de ouvir os cérebros de seus três sócios pararem de funcionar naquele instante e bufou internamente.
- Então, todos leram os relatórios? – perguntou Tom; respondeu com um aceno positivo com a cabeça, enquanto continuava a colocar as imagens, e as outras três pessoas presentes na sala sequer se moveram.
- Senhorita , deixe-me te ajudar com isso – Tom ofereceu-se, rapidamente colocando-se de pé e pegando os papéis da mão da mulher, começando a posicioná-los de qualquer jeito em cima da mesa.
Lentamente, Harry, Dougie e Danny voltaram à realidade.
- Alguma dúvida com os relatórios? – perguntou , sentando-se em uma cadeira ao lado de Dougie e, instintivamente, começando a ajeitar as imagens.
- Bem, na verdade, eu tenho – disse Danny, erguendo uma das mãos – Não quero propagandas no site; quero dizer, todos nós sabemos que saco é entrar em um site e um milhão de janelas abrirem. Queria poupar os usuários do Super City disso.
- Eu concordo, na verdade – pigarreou Harry – Não consigo entender a necessidade das propagandas; nossos fãs já pagam um valor pelo acesso ao site e, ao meu ver, e com a análise dos números que estão nas páginas 22 e 23, são o suficiente para manter o site.
- Exatamente aí é que está a questão – disse Tom, posicionando a última imagem e sentando-se no seu lugar – temos valor o suficiente para manter o site, mas vamos nos contentar só com isso? Com o dinheiro vindo das propagandas, poderemos melhorar o site, aumentar seu nível de avanço...
- E – acrescentou , recostando-se contra a cadeira de couro, observando-os atentamente, até que tivesse a atenção de todos – o mais importante é...
- TIIIIO HAAAAARRYYYY... – um vulto pequeno passou correndo pelo lado de fora da sala de reunião, sendo possível vê-lo em razão das paredes serem de vidro; a menina abriu a porta sem nenhuma cerimônia e entrou saltitante, jogando a mochila em um canto e correndo na direção do tio, jogando-se no seu colo.
Harry tentou ignorar a situação, ajeitando Abigail sentada.
- O mais importante é...
observou Abigail com as sobrancelhas erguidas e seu rosto estava paralisado, provavelmente pensando algo do gênero “de onde veio esse macaco?”; em primeiro lugar, gostava muito de crianças, contanto que estivessem do outro lado do continente ou bem controladas dentro de uma jaula.
Segundo, não tinha noção de qual deveria ser o protocolo para agir em uma reunião de negócios quando uma garota de cinco anos estava sentada no colo de um dos sócios majoritários, mexendo as perninhas como se estivesse no balanço de um parquinho de diversões.
- Uau – Abigail suspirou, os olhos verdes se arregalaram em admiração – Você é tão linda que parece uma princesa.
OK, então talvez ela fosse um pouco melhor do que a maioria de sua espécie.
- Bem – continuou, hesitante – o mais importante é que o que Fletcher e eu queremos mostrar é que podemos inovar nas propagandas. Gostaríamos que vocês olhassem as fotos. Ao invés de janelas pop ups, pensamos em colocar outdoors virtuais.
Os McGuys estavam entretidos, observando , e Abigail pegou uma das fotos que mostrava um dos prédios da Super City com um outdoor mostrando uma lata de Coca Cola.
- No vídeo inicial, enquanto a câmera passa pela cidade, outdoors com produtos de nossos patrocinadores apareceriam. Além disso, senhores – prosseguiu a mulher, profissionalmente – poderíamos expandir a área de acesso gratuito, sem que haja injustiça com os pagantes.
- Espera. Essa é aquela cidade de vocês? – Abigail perguntou para o tio, praticamente esfregando a imagem em seu rosto.
- Ahn. É.
- E essa é uma lata de Coca Cola? – ela continuou, seguindo uma linha de raciocínio que só parecia fazer sentido para ela.
- Hum – foi a vez de Dougie – É.
- Então, se é a cidade de vocês, por que é que não é uma foto de vocês tomando a Coca Cola?
Os olhos verdes de se acenderam; ela não sabia onde Harry Judd tinha conseguido aquela garota, mas precisava comprar uma para ela também urgentemente.
- Isso é genial! – empolgada com a ideia, a mulher colocou-se de pé – Você quer dizer, como garotos propaganda? – perguntou, diretamente para Abigail.
A garota olhou em volta, confusa.
- Ahn... não. Eu quis dizer como eles mesmos.
hesitou, tão confusa quanto Abigail por alguns instantes e, depois, sem conseguir se controlar, soltou uma risada, surpreendendo a todos; não apenas jamais rira em frente deles, como a risada dela, ao contrário de sua postura fria e séria, era completamente descontraída.
- Garotinha, você merece um prêmio depois dessa.

X


- O que você está fazendo? – perguntou Abigail, tentando olha por cima dos ombros de .
- Procurando o seu prêmio – a mulher respondeu, fechando a gaveta de sua mesa e entregando para a garota uma barra de Hershey’s.
- Oba! – festejou Abigail, lutando contra a embalagem do chocolate; apoiou o rosto nas duas mãos e observou a garota por alguns segundos.
Sorriu quando Abigail finalmente conseguiu abrir a embalagem e deu uma mordida generosa na barrinha.
- Não conte a ninguém sobre esse chocolate, esse lugar é o meu esconderijo secreto. Posso confiar em você? – perguntou, arqueando as sobrancelhas; Abigail assumiu uma expressão determinada e consentiu com um aceno de cabeça – Qual é o seu nome mesmo, querida?
- Abigail – a garotinha respondeu, depois de engolir um pedaço de chocolate – Abigail Grace Dickens.
nunca admitiria aquilo em voz alta, mas se identificava com Abigail; ela também sabia muito bem como era crescer sem os pais por perto.
- Sabe de uma coisa? Você é muito inteligente.
Abigail deu um sorriso largo, os dentes um pouco sujos de chocolate.
- Obrigada – a garotinha respondeu, satisfeita.
- Acho que você vai ser uma mulher muito poderosa quando você crescer – soltou, inclinando-se sobre a mesa para observar a garota melhor.
- Tipo... uma rainha? – Abigail perguntou, hipnotizada pela hipótese.
não conseguiu se conter e apertou, carinhosamente, uma das bochechas de Abigail.
- Exatamente como uma rainha.
Nesse instante, ouviu-se um pigarreio masculino; ergueu os olhos verdes para encontrar Tom Fletcher recostado contra a batente da porta de seu escritório, observando a cena com as sobrancelhas erguidas.
- Gail, o seu tio está atrás de você. – informou, mas os olhos castanhos estavam presos em , que sentiu-se incomodada com isso; Abigail acenou um adeus para a mulher e escorregou para o chão, quando passava por Tom, o homem perguntou: – Onde conseguiu esse chocolate?
- É segredo, tio Tom – ela cantarolou, saindo para o corredor.
Houve alguns segundos de desconfortável silêncio entre os dois adultos no recinto, até que Tom resolveu quebrá-lo.
- Bem, você tem um coração, afinal de contas.
- É claro que eu tenho, mas ele só bate por pessoas bonitas e magras - deu seu melhor sorriso educado, enquanto levantava-se de sua mesa.
Tom sentiu a alfinetada, mas continuou com o sorriso fixo no rosto; se tinha aprendido alguma coisa durante os meses de convivência com é que nada a irritava mais do que não alcançar seus objetivos e se irritá-lo era um deles, ele não cederia tão facilmente.
- Eu tenho uma teoria sobre você. Quer saber qual é? - ele perguntou casualmente, sentando-se na cadeira que anteriormente Abigail ocupara.
- Não – respondeu, jogando os cabelos para trás, enquanto começava a arquivar algumas pastas, de costas para Tom.
- Eu acho que você não é tão ruim quanto parece ser; que é tudo só fachada e, bem no fundo, você é apenas uma garotinha que quer achar o amor verdadeiro.
paralisou onde estava e contou até dez mentalmente.
- Não existe amor verdadeiro, Fletcher – disse, finalmente, fechando a gaveta do arquivo com força, num sinal claro de que ele estava passando dos limites.
- Acho que você está sendo muito pessimista – ele opinou, brincando com a caneta Mont Blanc da mulher.
- E eu acho – ela disse, caminhando até ele e arrancando a caneta de sua mão – que você tem coisas mais importantes para fazer – concluiu, com uma expressão que claramente dizia “dê o fora da minha sala, antes que eu te expulse a pontapés”.

X


serviu-se com um pouco de chá de hortelã e deitou-se no divã vermelho de veludo que geralmente era ocupado pelos seus pacientes; olhou para o relógio e, percebendo que ainda tinha quinze minutos até o horário de Abigail Grace Dickens, pescou o seu celular dentro de sua bolsa e digitou o número de .
- Oi, – a mulher atendeu ao terceiro toque.
- Olá, ! – suspirou – Espera comigo enquanto o senhor Judd e sua afilhada não chegam?
- Ahn... claro – ela ouviu suspirar e o barulho de papéis sendo remexidos.
- O que você perdeu desta vez?
- Eu não perdi, eu só não sei onde está retorquiu, e depois soltou o ar na forma de um resmungo – É a porcaria da minha carteira, pedi uma pizza e não encontro ela em nenhum lugar.
- Já tentou na sua bolsa? – sugeriu , rindo; poderia ser responsável, mas era muito distraída.
- Ah! – ficou em silêncio e depois soltou uma exclamação – Eu te amo, . A Abigail é sua última consulta de hoje?
- É, é sim! Por quê? – perguntou, olhando o relógio, distraída.
- Estou pensando em fazer uma sessão de Pushing Daisies, enquanto como fatias intermináveis de pizza quatro queijos. Interessada?
riu, divertida.
- Sempre estou interessada.
- Está bem, então! Até mais tarde?
ouviu o barulho da porta da sua sala de espera sendo aberta e despediu-se da amiga também.

X


Mal Abigail e Harry abriram a porta com os dizeres “Dra. – Psicóloga”, a porta que separava a sala de espera da sala de consulta se abriu, exibindo uma mulher atraente.
tinha brilhantes cabelos , olhos que pareciam transbordar inteligência e paciência, duas coisas que Harry julgava serem preciosas numa profissão como a dela.
- Boa tarde, senhor Judd – ela atravessou a sala a passadas imponentes e elegantes, apertando a mão de Harry com uma firmeza surpreendente – E você deve ser a pequena Abigail – sorriu para a garotinha que retribuiu o sorriso, tímida – Uau. Você é muito bonita.
Abigail ficou com as bochechas coradas a abraçou Desdemond apertado, escondendo o rosto no bichinho de pelúcia; voltou seus olhos para Harry Judd e analisou-o atentamente.
Podia perceber porque parecia tão aérea quando se referia a ele, embora ele não fosse particularmente o seu tipo; tinha um lema: apenas goste de caras que não vão te dar problemas. E esses são, geralmente, aqueles que não são mais atraentes do que você.
- Senhor Judd, eu gostaria de ter essa primeira consulta apenas com a Abigail. Posso pedir para que o senhor espere aqui? Eu tenho algumas revistas e livros, e...
- Eu trouxe meu PSP – ele ofereceu, com um sorriso sem graça, puxando o minigame do bolso do casaco.
riu, deixando sua imagem profissional temporariamente de lado; não podia evitar, tinha um fraco por homens que se comportavam como crianças.
- Está certo. Sinta-se à vontade. Abigail, eu posso te chamar de Gail?
Abigail espiou a mulher por cima de Desdemond e, timidamente, acenou que sim com um movimento de cabeça.
- Então, Gail... vamos entrar um pouco? – indicou a sala de consulta com um aceno de cabeça.
As duas entraram; fechou delicadamente a porta às suas costas e observou, com um sorriso, Abigail olhando em volta, parecendo perdida.
- Você sabe o que vamos fazer aqui? – perguntou, abaixando-se para ficar na altura da garotinha, que ainda se agarrava ao seu ursinho de pelúcia como se ele fosse um escudo.
- Não – Abigail respondeu, com as bochechas avermelhadas.
- Nós vamos conversar – respondeu, dando um sorriso tranquilizador para a garota.
Abigail piscou os grandes olhos verdes, confusa, e abaixou um pouco Desdemond, permitindo que tivesse uma visão melhor de seu rosto; conversar não parecia tão assustador.
- Sobre o quê? – perguntou a menina.
- Sobre o que você quiser – sorriu, indicando o divã com a mão – Por que não se deita lá, para começarmos?
Abigail obedeceu e deitou-se, ainda abraçada com Desdemond. ocupou seu lugar na poltrona de couro escura, próxima do divã, e puxou sua prancheta de anotações.
Crianças exigiam, em geral, uma abordagem muito diferente dos adultos; elas eram mais fáceis de lidar e, como regra, se abriam com mais facilidade, entretanto, a abordagem não poderia ser direta.
Com um adulto, poderia começar com um direto “falemos sobre o falecimento de seus pais”, mas com uma criança era necessário esperar que ela resolvesse falar sobre o assunto.
- Então... por que não começamos com você me falando sobre esse seu ursinho lindo. Qual é o nome dele?
Abigail estendeu Desdemond para o alto, observando-o afetuosamente.
- Esse é o Desdemond. Meu melhor amigo no mundo inteiro. Depois do tio Harry, é claro – a garota acrescentou.
E assim teve início a consulta.

X


Acabada a consulta, Harry e Abigail voltaram para a Super Records, onde o homem ainda tinha alguns detalhes para ver antes de terminar o dia; quando eram onze horas, terminou de digitar seu parecer sobre a reunião daquela tarde e, sensibilizado, percebeu que Abigail adormecera no pequeno sofá de couro preto de dois lugares que ficava no canto de sua sala.

X


Alguém tocava a campainha insistentemente.
abriu a porta de seu apartamento, apenas para encontrar uma corada, provavelmente porque o elevador estava quebrado e ela tivera que subir sete andares de escada, mas exultante.
- Estou apaixonada – anunciou, enquanto despia seu casaco e entrava no apartamento da amiga, sem pedir licença.
riu, seguindo a amiga.
- Quem é o sortudo?
- Abigail Dickens – a psicóloga respondeu – Como você pôde deixar de me dizer que aquela criatura é tão... mordível?
jogou a cabeça para trás e riu.- É, ela tem esse efeito sobre as pessoas.
- Tomei a liberdade de passar em um mercado e nos comprar uma garrafa de vinho. - piscou e, então, mostrou uma sacola que estava trazendo - Vou pegar as taças, prepare o DVD.
revirou os olhos.
- E eu que sempre achei que essa casa fosse minha.
- É, pois é – riu, de dentro da cozinha, e voltou com duas taças de cristal – Podemos parar de lenga-lenga? Um homem de quase dois metros de altura, olhos verdes e fala mansa aguarda um encontro comigo.
- Você deveria parar de falar de personagens de seriados como se eles fossem pessoas – aconselhou, enquanto servia um pedaço de pizza para e um para si própria.
- Convivo com pessoas loucas dez horas por dia. Devo estar começando a ficar contaminada – revirou os olhos, divertida, enquanto lhe entregava seu prato e dava play no DVD.
- Escuta, eu queria te falar outra coisa – disse, enquanto levava um pedaço de pizza aos lábios, pensativa.
- O que foi? – perguntou a outra mulher, os olhos fixos na televisão.
- Não é só a Abigail que é altamente mordível.
riu e deu uma cotovelada brincalhona na amiga.

“The word is on your lips - say the word
The word is on your lips - say the word
The word is on your lips - say the word
Fas-ci-na-tion
Alphabeat - Fascination


Capítulo 8 – Party All The Time

“I would drink and go out, out with my crew.
party, party all the time yup that's what I do.
mac models pop bottles, live like like a sheet (party)
monday through sunday every day of the week”
Black Eyed Peas - Party All The Time


Abigail Grace Dickens cavalgava um vistoso pônei cor de rosa; ao seu lado, outros pôneis coloridos corriam, acompanhando-a e ela poderia dizer com certeza que nunca se sentira tão feliz em toda a sua vida.
Olhou para frente e, por cima da cabeça rosa clara de Fofinho – ela tinha decidido que este era um nome mais do que adequado para um pônei cor de rosa – viu um gigantesco arco-íris.
Não havia indicado qualquer direção para Fofinho, mas tinha certeza quase que absoluta de que era para lá que estavam indo; seu corpo parecia vibrar de ansiedade.
Aquilo era tão divertido e emocionante que só poderia ser...
PÉÉÉÉÉÉÉM.
... um sonho.
Prontamente e, sentindo-se um pouco culpada, Abigail endireitou-se em sua carteira, os olhos ainda um pouco nublados pelo sono; à sua volta, seus colegas de sala guardavam os materiais, ansiosos por voltar para casa.
Seus olhos verdes instintivamente buscaram os de , na vã esperança de que a professora não tivesse percebido sua falha. Entretanto, a professora retribuiu seu olhar com as sobrancelhas erguidas, deixando bem claro que estava plenamente consciente da soneca da garota.
Envergonhada, Abigail abaixou a cabeça e começou a recolher o próprio material; estava terminando de guardar seu caderno, quando ouviu os passos firmes da professora e sentiu a sombra dela projetando-se sobre ela.
- Abigail... – a voz da professora fez-se ouvir e a garotinha conseguiu delinear o tom de acusação nele.
- Desculpa, professora, eu prometo que nunca mais vai acontecer – Abigail disse, erguendo os olhos, desesperada, sentindo-se a pessoa mais infeliz do universo naquele momento.
Se tinha alguma coisa que Abigail detestava mais do que brócolis, era quando as pessoas olhavam para ela com aquela expressão que praticamente gritava “você foi uma garota má”.
pareceu considerar se valeria a pena estender a conversa com Abigail sobre como era inadequado dormir na sala de aula, mas resolveu que a garota já estava arrependida demais por si só.
- Abigail... – suspirou, passando a mão pelos cabelos , e sentando-se na carteira de frente para a ruivinha – O que está acontecendo?
Abigail pareceu considerar a questão e, depois de alguns segundos, deu de ombros.
- Eu estava cansada, acho.
- Eu sei disso, mas por que estava tão cansada? Você nunca foi de dormir nas aulas – observou a garota atentamente e sentiu seu coração afundar ao perceber que as bochechas da menina estavam tão vermelhas que quase pareciam uma continuação de seus cabelos lisos.
- É que... é que eu cheguei em casa ontem e... e eu não estava com sono. Então, eu e o tio Harry ficamos assistindo TV até tarde e... e eu fui dormir tarde e... e... e acordei com sono. Acho – ela acrescentou, sem conseguir erguer os olhos.
apoiou o queixo em uma das mãos e suspirou.
- Está tudo bem. Vamos fingir que isso não aconteceu, está bem? – sugeriu – Mas não quero que aconteça novamente.
Abigail ergueu os olhos, desconfiada; mas assim que o significado das palavras da professora fizeram pleno sentido, a garota deu um sorriso radiante e aliviado.
- Obrigada, professora! Eu prometo que nunca, nunquinha, jamais vai acontecer de novo! – disse, com firmeza, enquanto colocava a mochila nas costas – Agora, eu tenho que ir.
acompanhou Abigail com os olhos e, sem conseguir se conter, perguntou:
- Abigail, seu tio vem te buscar hoje?
- Ah? – Abigail olhou para a professora por cima dos ombros, a mão na maçaneta – Ah... não. O tio Mike vem. É o motorista.
- Ah – sentiu uma sensação estranha, mas ocultou-a com um sorriso – Está certo. Tenha uma boa tarde.
Abigail hesitou e, depois, sorriu.
- Obrigada, professora, para você também.

X


Dougie Poynter acordou de repente, às nove horas da manhã; tivera a sensação de que algo o acordara, mas não conseguia ter certeza absoluta do que era.
- DOUGIE. LEE. POYNTER! – ouviu a voz de Frankie ecoando pelo seu apartamento e o som de seu salto alto sobre seu piso de madeira e, imediatamente, soube que fora isso que o acordara. Sentou-se na cama e esfregou os olhos, desejando ardentemente que ele pudesse simplesmente enfiar a cabeça embaixo do travesseiro e dormir novamente.
Mas ele já tinha tentado isso em uma eminente briga anterior e não ajudara em nada na situação; na verdade, ele lembrava ter ouvido Frankie berrar algo do gênero “Então é assim que você quer, Poynter? Está bem, vou procurar alguém que não enfie a cabeça embaixo do travesseiro, quando mais preciso dela”.
Então, ele esperou.
Frankie empurrou a porta de seu quarto, e Dougie soube que estava em maus lençóis assim que viu o rosto, geralmente bonito e angelical de Frankie, contorcido em uma expressão de ódio que faria até o Darth Vader tremer nas bases.
E Dougie não era particularmente corajoso.
- Bom dia, amor – soltou, numa tentativa falha de tentar amenizar os ânimos.
- Bom dia? Bom dia!? – ela ecoou, jogando uma caixa de sapatos em cima da cama desarrumada, ao lado dos pés de Dougie – Você sabe o que é isso?
Dougie sabia muito bem o que era aquilo; era sua caixa de recordações. Sempre tentava se recordar de comprar alguma coisa um pouco mais charmosa do que uma caixa de sapatos para guardar aqueles pedaços de memórias tão preciosos, mas nunca conseguia.
Lá ele tinha alguns guardanapos em que ele e Tom rabiscaram alguns trechos de músicas, quando estavam bêbados e inspirados, mas sem material para dar vasão à sua criatividade, fotos dele com seus pais, algumas fotos de Zukie e Buffy e...
“Oh-oh”, ele pensou.
- Bom, já que você vai ficar aí com essa cara de surpreso – Frankie rosnou – Eu vou te mostrar o que eu achei nessa caixa, além de fotos daquelas coisas fedidas que você chamava de bichos de estimação. Posso saber por que é que você tem uma foto com essa garota?
Dougie observou a foto que Frankie lhe estendia, embora não precisasse; sabia aquela foto de cor. Era uma foto que Samuel tinha tirado dele e de sem que os dois percebessem; eles tinham quatorze anos na época.
A verdade é que Dougie adorava aquela foto; não só porque era a única recordação material que ele tinha de , mas porque tudo naquela foto era maravilhoso.
estava sentada em um balanço, vestindo um vestido roxo, que fazia ressaltar sua pele alva, e all-stars pretos, porque ela costumava dizer que sapatos “de mulher” machucavam seus pés; ele usava as roupas de sempre, uma blusa do Blink com uma bermuda, e estava recostado contra os suportes de metal do balanço.
Os dois estavam rindo, cúmplices e, em torno deles, árvore amareladas, anunciando o outono.
- É só uma foto, Frankie! – ele respondeu, apesar de saber muito bem que era mentira – Pelo amor de Deus, por que é que você tem que encanar com tudo?
- Com tudo? É ela, não é? A tal de – ela pronunciou o apelido como se fosse algum tipo de xingamento.
Dougie imediatamente se arrependeu de ter contado à namorada sobre ; foi uma coisa inocente que ele comentou, muito antes de achar que poderia ter um relacionamento com uma mulher atraente, poderosa e exigente como Frankie.
- É, mas...
- Mas o quê? Tem algum motivo plausível para você guardar uma foto sua com uma ex-namorada, Dougie? – ela perguntou, parecendo verdadeiramente ofendida.
E, se tinha alguma coisa que Dougie aprendera durante os anos de convivência com Frankie, é que uma Frankie com o ego ferido fazia com que Hitler parecesse uma criança inofensiva brincando no parque.
- Frankie, calma! – ele disse, chutando os lençóis e ficando de pé – É só uma foto! E eu gosto da foto, qual é o problema? É uma foto bonita.
A mulher estreitou ainda mais os olhos, até que só fosse possível ver uma fresta ínfima dos olhos castanhos e ele simplesmente soube que tinha escolhido as palavras erradas, como de costume.
- Não tão bonita como se você estivesse nela, é claro – ele acrescentou, rapidamente, mas não muito convincente.
Frankie deu alguns passos na direção de Dougie que, instintivamente, recuou, agradecendo o fato de que sua namorada estava com saltos agulhas de quase meio metro enquanto ele estava descalço, o que faria qualquer fuga de um possível ataque psicótico muito mais vantajosa para ele.
- É o seguinte, Dougie, estou disposta a esquecer este incidente. Tudo o que você precisa fazer é jogar essa foto fora – ela disse, com simplicidade.
Dougie sabia o que ele tinha que fazer: tinha que concordar, soltar alguma frase despreocupada como “claro, Frankie, meu amor, não sei como não fiz isso antes” e simplesmente seguir em paz com a sua vida.
Mas, por algum motivo, não conseguiu fazer isso; abriu a boca, mas dela não saiu som algum e seus olhos estavam fixos em Frankie e ele tinha a sensação que olhava para ela da mesma forma que olhara quando ela o forçara a se livrar de seus lagartos.
A diferença é que dessa vez ele não estava cedendo.
- Certo – Frankie disse, com desgosto, jogando a foto no chão – Como quiser, Poynter. Passo mais tarde no seu serviço para te entregar as suas tralhas que estão no meu apartamento.E, com essas palavras finais, girou nos calcanhares e marchou para fora do quarto dele.
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Abigail chegou à Super Records, acompanhada por Mike Sullivan, o motorista; os dois estavam a caminho do escritório de Harry, quando passou por eles a caminho do elevador.
- Tia ! – berrou Abigail, soltando sua mão da de Mike e, segurando a alça de sua mochila, correu para conseguir acompanhar a mulher – Para onde você está indo? Posso ir junto?
- Para o meu carro. E, sim, contanto que você nunca mais me chame de tia na sua vida – a mulher respondeu, sem olhar para baixo, enquanto apertava repetidamente o botão do elevador, apressada.
- Minha mãe me dizia que não adianta apertar o botão quinze vezes, o elevador vai continuar demorando para vir – Abigail ofereceu, prestativa. revirou os olhos, a última coisa que ela precisava, depois de descobrir que esquecera seu relatório no porta-malas do carro, era ouvir uma garotinha de cinco anos falando o óbvio – Eu guardei o seu segredo, sabia? Não contei para ninguém sobre a barra de chocolate.
permitiu-se observar a garota de lado; não gostava do jeito que Abigail fazia com que ela se sentisse, não estava habituada a se afeiçoar a pessoas, muito menos quando elas tinham menos de um metro e vinte de altura.
- Isso é mesmo muito legal da sua parte, eu agradeço – ela disse, e a porta do elevador se abriu. As duas entraram; houve um momento desconfortável de silêncio – Então... como foi o seu dia?
Abigail franziu o cenho, considerando a questão.
- Ele foi médio.
- Médio – ecoou , erguendo as sobrancelhas, curiosa pela escolha de palavras da menina.
- É. Eu sonhei que andava em um pônei cor de rosa chamado Fofinho – explicou a garota –, o que geralmente faria o meu dia legal, mas aí eu acordei, porque eu tinha dormido no meio da aula, entende? E a professora me viu dormindo. E isso é ruim. Ruim e legal juntos, médio.
riu e bagunçou os cabelos de Abigail, afetuosa, fazendo com que a garota risse também; nesse instante, as portas metálicas do elevador abriram e Frankie entrou, com uma expressão de desdém no rosto.
Ela observou a cena que interrompera e, erguendo um pouco o queixo, comentou casualmente:
- Não sabia que você tinha um coração, .
estreitou os olhos na direção da mulher.
- Pois é, né? E era de se esperar que a essa altura do campeonato, você já conseguiria reconhecer os outros da sua espécie – retrucou, no mesmo tom casual.
Frankie e trocaram olhares ferozes.
- Você é a namorada do tio Dougie, né? – perguntou Abigail, alheia à tensão que se estabeleceu no elevador – Veio aqui visitá-lo?
A morena soltou um grunhido desdenhoso.
- Era. Eu era namorada do tio Dougie. Agora essa palhaçada acabou de vez, como se eu fosse ficar aturando esse... esse... esse amante de répteis que não sabe dar valor a uma mulher – resmungou.
Abigail não entendeu muito bem o que “amante de répteis” queria dizer, mas o tom que Frankie utilizara denunciava que não era muito bom e ela estreitou os olhos na direção da mulher, incomodada; tio Dougie era uma das pessoas mais legais do universo e ninguém tinha permissão para dizer qualquer coisa que insinuasse o contrário.
- Bom, vai tarde, na minha opinião. Aproximadamente 75% das fãs de McFly te odeiam, então isso só pode ser bom para a publicidade – comentou, como quem não quer nada e, nesse momento, a porta do elevador se abriu, dando acesso ao térreo – Acho que esse é o seu andar, vai pelas sombras, querida – acenou, simpática.
Frankie fuzilou-a com os olhos e saiu pisando duro do elevador.
- Não gosto dela – Abigail comentou, quando a porta se fechou.
- Ah, bem vinda ao clube. Nós temos bottons.

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- Nós temos um plano para te deixar melhor – Tom disse, entrando no escritório de Dougie, acompanhado por Harry, Danny e Abigail.
Dougie estava numa situação muito próxima da patética, estava deitado sobre a mesa, batendo de leve com a testa na tampa da mesa, enquanto murmurava “por que eu fiz isso?” repetidamente.
- Tio Dougie – Abigail atravessou a distância entre eles rapidamente e, do bolso do seu uniforme, tirou uma barrinha de chocolate que comprara em uma das máquinas de doces do segundo andar – Aqui, ó. Eu sempre me sinto melhor depois de comer chocolate.
Dougie observou Abigail pelo canto dos olhos e, com um suspiro vencido, endireitou-se em sua cadeira de couro e aceitou o agrado da garotinha.
- Obrigado, Gail.
- De nada – ela sorriu, satisfeita em ajudar.
Dougie abriu o pacote e deu uma mordida na barra, enquanto seus olhos vasculhavam os colegas de banda.
- E então? – perguntou, antes de dar a segunda mordida – Qual é o plano?

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- Senhoras e senhores, é com muito orgulho que o Proud Cabaret lhes apresenta... McFly! – uma onda de aplausos e assovios fez-se ouvir e os McGuys entraram no palco, cada um se apossando de seu instrumento.
Tom era amigo de Frances Brancher, o dono de estabelecimento, e assim que foi informado por uma Abigail revoltada do que acontecera entre Frankie e Dougie, fizera algumas ligações e oferecera ao proprietário do pub uma apresentação pocket do McFly pelo preço apenas das bebidas e comidas que eles consumissem, o que o homem prontamente aceitou.
Antes de entrarem, Dougie já tinha tomado dois shots de Jack Daniels e parecia não se lembrar mais nem o próprio nome, quanto mais o de Frankie, e estava ansioso para tocar.
Trocaram olhares cúmplices e, depois de uma breve pausa, Tom inclinou-se sobre o microfone, deu uma piscadinha para a mesa logo em frente ao palco, que era ocupada por Abigail e Gio, sua namorada, e soltou:
- Here’s another song for the radio!
O show não durou muito mais do que meia hora, com direito até a um Dougie Poynter muito mais sociável do que o normal, roubando o microfone de um Danny surpreso, mas entretido com a situação.
- Esperem, esperem... – Dougie soltou, meio bêbado – Antes de terminar o show, eu queria dedicar essa música a Abigail Grace Dickens, que é essa maravilhosa ruiva de cinco anos de idade – indicou Abigail que corou até a raiz dos cabelos – por ter me ajudado pelos momentos difíceis com o melhor remédio já inventado pelo homem até a atualidade: chocolate.
Algumas pessoas riram, e Abigail estava escondendo o rostinho com as duas mãos, enquanto Gio, gargalhando, bagunçava-lhe os cabelos.
Para a surpresa de todos, Tom começou os primeiros acordes no teclado de “Ob-la-di Ob-la-da” dos Beatles; imediatamente, Abigail soltou um berro, alegre, e revelou seu rosto.
Ela cantou a música inteira junto com os integrantes da banda, ainda que em seu lugar, e, por fim, os Guys encerraram com “The Last Song” e desceram para se juntar a mesa, com Abigail e Gio.
Alguns segundos depois, Danny pegou Abigail no colo e saiu pelo pub, recrutando elogios e escolhendo com qual das garotas impressionadas com sua sensibilidade ele levaria para casa naquela noite.
Mais tarde, diversos jovens se aproximando, pedindo fotos com os integrantes da banda, Gail e Gio; o pub fechou antes da uma hora da manhã, mas a pedido de Tom, Frances Brencher permitiu que eles ficassem mais um tempo lá dentro, sozinhos, com uma conversa animada, regada a porções de batata fritas, cervejas, tequilas e refrigerantes.

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espreguiçou-se na cama, chutando os lençóis para longe e, rolando, olhou o rádio-relógio no criado-mudo: cinco e meia da manhã.
Fechou os olhos e soltou um grunhido, enfiando a cabeça repleta de cabelos embaixo do próprio travesseiro, desejando que conseguisse dormir pelo menos mais meia hora, mas era inútil.
tinha um sono leve e, uma vez que ele era perturbada, esvaía-se como neblina.
A mulher sentou-se na cama, bufando, e girou o corpo, escorregando para fora da cama; vestiu sua pantufa verde e aconchegante e rumou em direção à cozinha.
Esquentou um copo de café com leite e pegou algumas bolachas recheadas para acompanhar; sentou-se no sofá de dois lugares simples de sua sala e ligou a TV.
Zapeava pelos canais, quando uma voz feminina, exageradamente animada, soltou:
- E não foi só Miley Cyrus que badalou na noite de ontem, a banda McFly...
Imediatamente, voltou para o canal com a mulher loira como apresentadora: era o E! Entertainment Television; revirou os olhos, mas deixou o controle de lado.
- Pois é – riu a apresentadora – Viemos aqui desmascarar o mistério de alguns dias atrás. Uma fonte interna nos informou que a garotinha que tem aparecido em fotos e eventos com os McGuys é... pasmem! A afilhada de Harry Judd, que muito recentemente perdeu os dois pais e, garotas, preparem-se, Harry Judd está querendo a guarda da garotinha! Não é a coisa mais meiga?
- Alguns pensariam – resmungou , tomando um gole de seu leite.
- Na noite de ontem, a garotinha, conhecida como Abigail Grace Dickens, recebeu uma homenagem da banda, enquanto se apresentavam no Proud Pub!
sentiu uma onda quente e incômoda inundar seu corpo; foi só então, vendo fotos de Abigail, cercada por pessoas vinte anos mais velha do que ela, em uma mesa repleta de garrafas de bebidas alcoólicas, que ela percebeu o que era aquela sensação que ela vinha sentindo, sempre que pensava em Harry Judd.
Era decepção.

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- Ontem, pedi que cada um de vocês escrevesse uma frase sobre seu animal favorito – disse, recostando-se contra a própria mesa, os olhos varrendo a sala – Nora, gostaria de ler a sua?
- Claro – a garota respondeu, os cabelos castanhos presos em duas marias-chiquinhas – Eu gosto muito de pingüins, porque eles são bonitos e andam engraçado.
riu.
- Muito bom, Nora. Hum... Kevin? – perguntou.
Kevin pigarreou, as bochechas tingidas de um rosa forte.
- Eu gosto dos cavalos, porque eles são muito grandes e fortes.
Quando seus olhos buscavam pelo próximo aluno, percebeu instintivamente que Abigail estava praticamente deitada em sua carteira, tentando se esconder do olhar da professora.
Os olhos da professora e os verdes da garota se encontraram por uma fração de segundos e a mensagem que eles transmitiam era muito clara: “por favor, não me chame”.
- Abigail, você poderia ler a sua frase, por favor? – perguntou, afastando-se da mesa, os olhos fixos no rosto da garota.
Os olhos verdes da garota se arregalaram, ela engoliu em seco e, depois, olhou para baixo, envergonhada.
- Não fiz a lição, professora, eu sinto muito – admitiu.
A sala ficou em silêncio e todos os alunos estavam olhando para Abigail, alguns de forma reprovadora, outros simplesmente curiosos para ver como ela estava reagindo à situação.
- Certo – tentou controlar a vontade de pegar o telefone e ligar para a Assistência Social naquele momento e obrigá-los a colocar a guarda de Abigail com qualquer outra pessoa que não fosse Harry Judd – Faça uma agora até o final da aula.
Abigail empalideceu e concordou enfaticamente com a cabeça, já agarrando um lápis e começando a rabiscar no seu caderno uma frase.

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- Eu vou matar Harry Judd – soltou, antes mesmo que dissesse “oi”.
- Ahn... OK? – soltou, do outro lado da linha – Posso saber o por quê disso?
- Pode, claro que pode – abriu o seu armário na sala dos professores e pescou uma maçã de lá de dentro – Abigail não fez a lição de casa. E ontem, ele saiu de novo com ela para um pub. Não acredito nisso, ! Ele me enganou direitinho! Eu jurava que ele seria um bom pai, mas até agora... ele só foi uma grande decepção.
- Hum – soltou , do outro lado.
- O que foi? – perguntou , enquanto lavava a fruta.
- Eu acho que você está pegando muito pesado. Quero dizer, OK, ele está cometendo alguns erros, mas você mesma disse que isso era normal, não é verdade?
- É, eu disse – concordou .
- E ele é novo nisso, . Poxa, se coloca no lugar do cara, amiga! Você, de repente, tem que cuidar de uma garota de cinco anos, sem tempo nem para se preparar.
mastigou, pensativa, e depois bufou, porque detestava quando mostravam que ela estava sendo insensata em alguma coisa.
- Você está certa. Acho que estou exagerando, querendo muito dele. Acho que vou conversar com ele na reunião de pais e mestres amanhã, explicar tudo o que está acontecendo.
- Viu? Adoro quando você consegue ser racional – riu, do outro lado da linha.

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Abigail estava sentada à mesa de Amber Schweeps, uma estagiária da Super Records que pegara a semana de folga para estudar para as provas; estava com o caderno aberto, pronta para começar a lição de casa, quando Harry surgiu pelo corredor, chamando-a para a terapia.
Abigail deixou o caderno de lado, escorregou da cadeira para o chão e correu para encontrar o tio.

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- Olá, Gail. Como você está? – perguntou, assim que Abigail deitou-se em seu divã.
- Bem, e você? – a garotinha perguntou, ainda sentindo-se um pouco acanhada.
- Estou bem. Sobre o que você quer conversar hoje? – perguntou, recostando-se em sua poltrona de couro.
Abigail pensou a respeito por alguns segundos, e então deu de ombros, murmurando um “não sei”.
- Então, façamos diferente: como foi seu dia?
Abigail lhe relatou o fato de que não fizera a lição de casa, e sobre como estava se sentindo esquecida.
- Você nunca tinha esquecido de fazer uma lição de casa antes?
- Não – Abigail deu de ombros – Minha mãe sempre me lembrava de fazer as lições de casa.
Houve um breve silêncio e Abigail sentiu os olhos lacrimejarem, e antes que pudesse evitar, uma lágrima escorreu pelo canto de seus olhos verdes, fazendo com que sentisse um aperto no coração.
- Minha mamãe sempre me lembrava de tudo – soluçou a garotinha – E agora, eu não lembro mais de nada e a professora está triste comigo.
violou sua regra de não se aproximar de seus pacientes e abaixou-se ao lado do divã.
- Hey, eu tenho certeza que a professora não está triste com você e é normal esquecer as coisas, ainda mais quando somos novinhos, assim, como você. – Abigail fungou, concordando com um aceno de cabeça – Você sente falta dos seus pais?
Abigail concordou novamente, mais lágrimas escorrendo pelas suas bochechas rechonchudas agora.
- Quer falar sobre isso? – perguntou, receosa, sabendo que aquele era o momento que definiria se Abigail estava finalmente pronta para falar sobre o que importava.
A garota concordou, novamente, com um aceno de cabeça.

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estava conversando com a recepcionista, Clarice Gutzberg, esclarecendo os novos padrões de reconhecimento dos visitantes, quando, de repente, um homenzinho acompanhado por dois seguranças que pareciam ter mais de três metros de altura entraram.
O ar se esvaiu dos seus pulmões no momento em que reconheceu a figura que se aproximava, com um sorriso tranquilo.
- Oh. Meu. Deus – foi tudo que ela conseguiu ofegar.
- Eu digo o mesmo para você – Paul McCartney sorriu, espreitando os olhos verdes de forma amigável.
- Você é... eu não... é... – resolveu calar-se, sentindo que era melhor não falar nada do que continuar gaguejando como uma idiota.
Paul observou-a com as sobrancelhas erguidas e, quando percebeu que a mulher tinha optado por se calar, resolveu retomar a conversa.
- Acho que deveria ter avisado, eu sei. Eu tenho essa mania de aparecer nos lugares sem ser convidado – ele disse, casualmente – Mas eu gostaria de falar com os rapazes do McFly, isso seria possível?
- Claro, claro! – arrancou o telefone interno das mãos de Clarice e rapidamente digitou o ramal interno de Tom.
- Pois não? – a voz do loiro respondeu.
- Ahn. Senhor Fletcher, sou eu. Ahn. . Nós temos alguém que deseja lhe falar, er...
- Estou muito ocupado agora e não marquei hora com ninguém, senhorita , você poderia simplesmente mandá-lo...
- É o Paul McCartney.
- Subir – concluiu – Você poderia simplesmente mandá-lo subir. E tire várias fotos com seu celular, quando ninguém estiver percebendo, por favor.
- Ahn. OK. – ela desligou o telefone e lançou seu melhor sorriso em direção aos homens que aguardavam pacientemente – Ele os aguarda ansiosamente.

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Tom ficou alguns breves segundos olhando para seu telefone, perplexo, e então rapidamente digitou o ramal de Dougie e Danny, informando-lhes das últimas notícias.
Os dois homens surgiram derrapando pelo corredor, entrando esbaforidos no escritório de Tom; os três colocaram-se a ligar desesperadamente para Harry Judd, mas o celular do baterista estava dando direto na secretária eletrônica.
Quando ouviram o som do elevador, anunciando que parara naquele andar, os três se colocaram de pé, imediatamente, olhando em volta; aquela seria a primeira impressão pessoal que Paul McCartney teria de qualquer um deles.
Quando Paul McCartney parou em frente à porta do escritório de Tom Fletcher, encontrou Tom sentado ao computador, digitando avidamente em seu teclado, parecendo muito ocupado, enquanto Dougie analisava alguns livros, tentando parecer muito inteligente e Danny recostava-se contra um dos arquivos, casualmente.
- E aí, PM? – Danny soltou, sem sentir.
Recebeu um olhar perplexo dos amigos e um levemente confuso de Paul.
- Ahn. E aí. Acho – o homem respondeu, olhando em volta – É um escritório legal – comentou.
- Ah... – foi tudo o que Tom foi capaz de soltar.
Os seis homens ficaram em silêncio, levemente incertos do que fazer a seguir.
- Eu... posso me sentar? – perguntou Paul McCartney finalmente.
Se Tom tivesse uma arma em sua gaveta, teria se matado naquele momento. Prontamente colocou-se de pé.
- Claro, claro. Me perdoe, eu... eu, é...
Paul sentou-se, observando-o atentamente.
- Desculpe, estou um pouco nervoso. – Tom disse, passando a mão pelos cabelos - Você está aqui, na minha frente, e... você é Deus, então...
Paul McCartney riu desse comentário, satisfeito; não podia negar que era agradável ver as pessoas reagirem daquela maneira a ele. Puxou do bolso de seu paletó seu celular.
- Pode ligar para minha ex e dizer isso, por favor? Você pode querer ligar para o advogado dela; é fácil de achar o contato, eu marquei como ‘advogado do diabo’ – brincou.
Todos riram e, de certa forma, aquilo aliviou um pouco os ares do escritório, quebrando a tensão.
- Hum – comentou Paul, pensativo, olhando em volta – Vocês não eram quatro? – arregalou os olhos – Nenhum de vocês morreu, certo?
- Ahn. Não. Ele está na terapia – respondeu Dougie, depois balançou a cabeça – Não que ele seja louco.
- Todo músico é um pouco louco – Paul comentou, casualmente – Ele demora a voltar?
- Não. Já deve estar voltando – disse Tom, instintivamente.
- Certo. É que eu gostaria de conversar com todos vocês... enquanto ele não chega, por que não me fazem uma tour pela gravadora de vocês? – sugeriu, olhando em volta.

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Abigail e Harry chegaram juntos na Super Records; a garotinha tinha os olhos levemente avermelhados e, com a mão livre, segurava uma casquinha de sorvete de chocolate.
aconselhara Harry a recompensar a garota, depois daquela sessão exaustiva de terapia; surgiu de dentro do departamento de vendas naquele momento e caminhou até ele em passos rápidos.
- Você é louco ou o quê? Não retornou nenhuma das ligações! – brigou a mulher, incrédula; voltou-se para Abigail e sorriu – Olá, Gail.
A garota sorriu e acenou de volta.
- Ligação perdida? – Harry piscou, confuso, e puxou o celular do bolso da calça – Não tem nenhuma... 37 ligações perdidas? O que aconteceu?
estreitou os olhos na direção dele, fazendo com que ele imediatamente se arrependesse de não ter checado seu celular mais cedo.
- O que aconteceu? O que aconteceu? – ela bufou – Bem, pensamos que talvez você fosse querer saber que o Paul McCartney está andando pela empresa, esperando por você, porque...
- Paul McCartney – ecoou Harry, perplexo – Tem certeza que não é Jesse McCartney?
lançou-lhe um olhar feroz que fez com que ele instintivamente recuasse alguns passos.
- Eu acho que eu saberia diferenciar um do outro, Judd.
Harry engasgou.
- Você está falando sério? Não é mentira? Jura por Deus? Onde ele está? Cadê? Você tem um papel? E uma caneta? Fotos! Você tirou fotos?
Abigail riu.
- O tio Harry tá esquisitão – ela comentou.
- Judd – disse, com firmeza, tirando-o de seu delírio – Estúdio. Agora.
Harry saiu correndo, arrastando uma pequena Abigail pelos corredores. A garotinha acenou um ‘adeus’ para antes de sumir no elevador.

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Paul McCartney estava fazendo alguns acordes no piano, Tom sentado ao seu lado observando tudo incrédulo. Paul McCartney estava tocando em seu piano, isso merecia uma foto.
Uma estátua.
Não, melhor: um feriado nacional.
Repentinamente, a porta do estúdio se abriu e um Harry Judd esbaforido enfiou a cabeça lá dentro; ele inspirou rapidamente, os olhos azuis arregalados.
- É verdade – ofegou.
- Hey! – Abigail surgiu, de trás das pernas do padrinho, observando Paul McCartney com os olhos arregalados – Eu conheço você! É aquele cara que o meu pai adorava e tinha todas aquelas fotos e todos aqueles DVDs e, uau... você é baixinho – acrescentou, franzindo o cenho.
Houve um breve instante de silêncio, no qual todos os McGuys estavam com os olhos arregalados e Paul McCartney observou a garota, num misto de surpresa e diversão.
- E você é...? – ele perguntou, afinal.
A garotinha desenhou no chão com a ponta do sapato, repentinamente tímida.
- Abigail – respondeu.
- É um belo nome! – ele sorriu, inclinando-se na direção dela – Pode me chamar de Paul.
A garota abriu um largo sorriso, concordando com a cabeça.
Paul McCartney pigarreou, voltando sua atenção para os integrantes da banda que ainda o observavam como se ele fosse uma miragem, com se tivessem medo de que, se piscassem os olhos, ele desaparecesse.
- Bom, já que estão todos aqui... poderíamos falar sobre trabalho? – perguntou, casualmente.
Todos concordaram e, quando Tom sugeriu se o homem preferia subir para a sala de reuniões, Paul McCartney dispensou a possibilidade com um aceno de mão.
- É extraoficial, não tem necessidade de todo aquele formalismo chato – disse – Na verdade, estou aqui porque quero convidá-los para um projeto social.
Danny ergueu as sobrancelhas, surpreso.
- Um projeto social? Que tipo de projeto?
Paul esfregou as mãos, ansiosos; seus olhos verdes, experientes, brilharam com uma emoção que Harry Judd só conseguia identificar como comoção. O que quer que Paul McCartney estivesse se preparando para propor, sem sombra de dúvidas era algo importante para ele.
- A música salvou a minha vida – Paul começou – E, se vocês são tão comprometidos à música quanto eu, certamente se sentem da mesma forma. Todas as vezes em que senti que a vida simplesmente não valia a pena, foi a música que me ajudou a persistir... – sorriu, quando percebeu que todos os homens concordaram, com um aceno sério de cabeça; até a pequena Abigail parecia compenetrada – Quero passar isso para frente. Quero dar às crianças de toda a Inglaterra o direito de encontrar na música o refúgio que eu encontrei. Que nós encontramos – acrescentou, enfático.
A essa altura, todos os Guys já tinham comprado a ideia; não tinham nem um resquício de noção de como Paul McCartney planejava executar seu plano, mas o homem conseguiu ver pela expressão dos jovens que não precisaria mostrar incentivos como lucro ou publicidade.
Eles compraram a ideia, porque eram apaixonados por música como ele e isso não era algo que se poderia forjar. Grandes músicos simplesmente eram assim.
- E como pretende fazer isso, exatamente? – Harry perguntou, puxando um tripé e sentando-se.
- Queria começar pequeno. Um estabelecimento, com alguns professores de música, aulas gratuitas para crianças carentes. Aqui em Londres mesmo – acrescentou.
- Entendo – Dougie concordou – E você precisaria de nós, porque...?- Divulgação – Paul respondeu, sem rodeios – Preciso do maior número possível de celebridades nesse projeto; pessoas com talento, mas que me tragam o investimento e a atenção que eu preciso.
- Mas você é Paul McCartney – Danny interpôs, perplexo – Já não tem toda a atenção necessária só por isso?
Paul riu.
- Sim, é verdade. Mas se eu começar isso, a maioria das pessoas vai pensar “mais um velho louco, querendo doar seu dinheiro antes de morrer”, mas se eu conseguir apoio de vocês, de todos vocês, cantores e bandas do mundo inteiro, então talvez eu consiga alcançar meu objetivo e mude a vida de uma criança. Uma criança já é o suficiente para mim.
Houve um breve segundo de silêncio, enquanto todos consideravam as palavras daquele homem diminuto, mas que parecia emanar poder e sabedoria.
- E então? – ele perguntou, finalmente.
Os Guys se entreolharam, mas não havia sequer questionamento em seus olhos. Tom, então, sorriu e estendeu a mão para Paul, que prontamente aceitou-a, dando-lhe um firme aperto.
- Pode contar conosco, senhor McCartney.
O homem sorriu e, depois de cumprimentar os demais, colocou-se de pé com um suspiro.
- Bem, rapazes, tenho mais algumas pessoas para encontrar hoje. Espero que todos sejam tão recíprocos a ideia como vocês foram – sorriu e acenou para seus seguranças que aguardavam, pacientemente, do lado de fora do estúdio – Então, vejo vocês em alguns meses, quando o projeto estiver mais elaborado, certo?
Ele estava saindo do estúdio, quando Abigail pigarreou.
- Ahn... senhor McCartney? – a voz fininha fez com que o homem olhasse para ela, com um sorriso – O senhor poderia me dar um autógrafo, por favor?

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Os quatro integrantes do McFly e Abigail acenaram da porta de entrada da Super Records para Paul McCartney uma última vez; assim que o homem entrou em seu carro, acompanhado pelos seguranças e sumiu pela rua, todos puxaram dos bolsos seus guardanapos autografados.
- Uau... – suspirou Tom.
- Eu vou enquadrar isso – decidiu Danny – E pendurar no meu pescoço.
Dougie e Harry riram, mas observavam maravilhados os próprios papéis.
- E aí, Gail? Gostou do seu autógrafo? – Harry perguntou, puxando de leve o cabelo da afilhada.
- Ahn? – Abigail ergueu os olhos do papel que segurava – Ah. Eu não peguei para mim – ela sorriu, entregando o papel para o padrinho.
Harry observou-o atentamente e sentiu seu coração se apertar.
“Charlie e Claire Dickens,
Parabéns pela sua filha adorável.
Rock on,
Paul McCartney”

- É isso – decidiu Danny, completamente alheio ao que estava acontecendo – Nós temos que sair para comemorar. Um rodízio de pizza, por minha conta!
Imediatamente, todos foram para os seus escritórios e pegaram suas coisas; saíram acenando adeus para os funcionários.
Em cima da mesa de Amber Schweeps, um caderno abandonado estava aberto em uma folha com as palavras “lição de casa” escritas em uma caligrafia infantil e caprichosa.

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A única palavra que poderia descrever com perfeição o que Abigail sentiu quando se sentou em sua carteira e Nora Herr sentou-se ao seu lado, perguntando se ela tinha lembrado de fazer a lição de casa era pânico.
- Ahn – ela arregalou os olhos verdes.
Nora, por sua vez, revirou os olhos achocolatados.
- Você está tão ferrada. A professora vai ficar uma fera – disse.
Abigail sentiu sua garganta apertar; não queria que a professora se irritasse com ela, ou ficasse chateada. Ficara até tarde com tio Harry, Dougie, Danny e Tom na pizzaria e mal se lembrava de como chegara até sua cama na noite anterior.
- Hey, não precisa chorar também! – Nora se sobressaltou, quando ouviu Abigail fungar – Aqui, ó. Copia a minha lição – ofereceu, puxando o seu caderno de dentro da sua mochila amarela mostarda.
Abigail hesitou.
Nesse momento, ouviu sua mãe falando que fazer as coisas de forma desonesta era errado e que ela aceitaria qualquer coisa de sua filha, menos que ela agisse de maneira errada.
“Desculpa, mamãe, mas...”, a ruivinha aceitou o caderno e, com o lápis em mão, começou a copiar; ouviu quando Nora soltou um grunhido e ergueu os olhos, só para perceber parada ao seu lado, observando-a com um olhar de plena reprovação.

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Quando tocou o sinal para o recreio, todos os alunos se levantaram, conversando animadamente; Abigail e Nora estavam andando pelo corredor de cadeiras, quando a professora disse:
- Abigail, fique um pouco aqui. Quero falar com você – disse, com firmeza.
Todos os alunos olharam com o rabo de olho para a garotinha, mas se apressaram para sair da sala de aula; Nora estreitou os olhos e encheu o peito de coragem, colocando-se entre a amiga e a professora.
- Professora , foi minha culpa. Eu que ofereci...
- Nora, eu quero conversar com a Abigail em particular – a mulher disse, impassível.
Nora olhou por cima dos ombros para a amiga que, parecia um coelhinho acuado, com uma expressão que parecia dizer “sinto muito, eu tentei” e, rapidamente, saiu da sala de aula, fechando a porta com suavidade.
e Abigail se observaram, olhos inquisitivos presos em olhos verdes e arrependidos; imediatamente, Abigail começou a soluçar desesperadamente.
- Abigail...! – soltou a mulher, surpresa.
- Eu sinto muito, professora – a menininha soluçou, correndo até a mulher e abraçando-lhe pela cintura, enterrando a cabecinha ruiva em sua barriga lisa – Por favor, não me mande para a prisão.
- Prisão? – ecoou, tendo que morder o lábio inferior com força para evitar soltar uma boa risada – Abigail, eu não vou te mandar para a cadeia! De onde você tirou essa ideia?
A garotinha fungou, afastando o rosto e observando a professora:
- Minha mãe dizia que é para lá que as pessoas ruins que não seguem as regras vão.
soltou uma risadinha, e depois revirou os olhos, perguntando-se se seria possível alguém se irritar com aquela criança.
- Está certo – Abigail passou a mão rechonchuda nos olhos verdes, secando-os – Então, o que você vai fazer? Você vai falar com o tio Harry? Por favor, não fale para o tio Harry – ela suplicou.
- Abigail, o que é que eu faço com você? Não entrega as lições de casa, está dormindo nas aulas, está completamente desatenta... eu preciso conversar com o seu padrinho – a mulher disse, calmamente.
- Não! Eu prometo que nunca, nunca, nunquinha mais vai acontecer, professora! Se você contar para o tio Harry, ele vai ficar muito chateado comigo, e... e eu não quero isso – ela terminou, olhando para o chão, infeliz.
suspirou e passou a mão pelos cabelos, jogando-os para trás, com suavidade. Não poderia mentir para Abigail, era uma questão de princípios tratar todos seus alunos como adultos.
- Seu tio vem na reunião amanhã? – perguntou.
- Ahn – Abigail piscou os olhos, confusa; não lembrava de ouvir Harry comentando em momento algum sobre a reunião, mas seus pais também não comentavam e sempre apareciam – Sim.
- Ótimo – ela disse, sentindo uma pontada no estômago; faria Harry Judd se arrepender por ser um responsável tão relapso – Quero essa lição feita para amanhã, Gail. E quero deixar isso muito claro: se você não fizer a lição de amanhã, eu vou te dar uma advertência.
Abigail arregalou os olhos e levou as mãozinhas aos lábios.
Uma advertência? Apenas garotos ruins como Loui Houndini levavam advertências; ela não queria levar uma advertência.
- Está certo, professora! – Abigail disse, com uma expressão decidida.
observou-a com as sobrancelhas erguidas, tentando decidir se devia falar mais alguma coisa, mas ao ver o rosto angelical da garotinha já perturbado pela notícia da advertência, desistiu.
- Vá para o recreio, Gail – suspirou.
- Está certo. Obrigada, professora! – ela começou a caminhar em direção à porta – E você vai ver, eu não vou levar nenhuma advertência.
Sorriu, mostrando os dentinhos brancos e abriu a porta, saindo correndo em direção ao pátio.
observou a sala vazia e soltou o ar, lentamente, enquanto cruzava os braços; mentalmente, imaginava-se torturando Harry Judd, até que ele implorasse por perdão e prometesse ser uma pessoa melhor.

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Assim que Harry abriu a porta do apartamento, Abigail disparou como um foguete para o seu quarto; jogou sua mochila na cama, puxando de dentro seu caderno e seu estojo e sentou-se em sua escrivaninha. Deveria ter feito a lição de casa na Super Records, mas ficara com medo de esquecer o caderno, como fizera no dia anterior.
Estava no meio do primeiro exercício, quando Harry gritou da sala.
- ABIGAIL! VENHA AQUI!
A garota berrou de volta:
- NÃO POSSO AGORA, TIO HARRY. MAIS TARDE.
Ponderou se deveria dizer que estava fazendo sua lição de casa atrasada, mas descartou a ideia imediatamente; não queria que tio Harry soubesse que ela estava atrasada com suas obrigações.
- O que você está fazendo? – o homem perguntou, enfiando a cabeça no vão da porta, com as sobrancelhas erguidas.
- Ahn. Lição de casa – rapidamente, Abigail fechou o caderno e girou na cadeira de rodinhas cor de rosa – O que foi?
- Nada – Harry riu, erguendo as sobrancelhas – Só achei que talvez você fosse querer conhecer o Max.
- Max? Quem é Max? – a ruivinha perguntou, curiosa.
- O Maxwell, oras – Harry respondeu, casualmente – O coelhinho que eu comprei para você que está na área de serviços, e...
- AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH! – Abigail pulou da cadeira para o chão, empurrando o padrinho para o lado, enquanto corria na direção do local que o homem mencionara.
Encontrou uma gaiola grande, forrada com jornal, e uma bolinha de pelos cinza pulando, despreocupada.
- AH. MEU. DEEEEEEEEEEEEEUS – Abigail vibrou, abrindo a gaiola, enfiando o bracinho lá dentro e puxando o coelhinho, maravilhada; Harry surgiu nesse momento – Tio Harry! Ele... é lindo. É... é meu?
- Achei que você merecia. Por ser a melhor afilhada que eu poderia ter – ele piscou, carinhoso, e abaixou ficando no mesmo nível da menina e afagando uma das orelhas de Maxwell.
Abigail mordiscou o lábio inferior, sentindo-se levemente culpada. Tio Harry ainda pensaria daquela forma se soubesse que ela não estava fazendo as lições de casa e, pior, que mentira sobre isso?
- É – Abigail sorriu, devolvendo o coelhinho na gaiola, sentindo-se infeliz – Eu tenho que fazer a lição, tio Harry. Posso brincar com o Maxwell depois?
Harry piscou, perplexo, enquanto observava Abigail voltar para dentro da casa, entrando pela porta da cozinha.
- Ahn. Claro – respondeu, confuso.

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- E aqui estão todas as lições, professora . Direitinho, como prometido – Abigail disse, orgulhosa, mostrando o caderno.
não pôde evitar sorrir; jogando os cabelos para trás, a mulher pegou o caderno da aluna e leu-o, atentamente, vistando as lições com seu carimbo.
- Está tão bem-feito que vou até te dar um adesivo. Qual você quer? Bob Esponja, Charlie e Lola ou Dora, a Exploradora?
Abigail observou os adesivos.
- Quero esse. Do Botas – disse, apontando para o macaquinho.
- Certo – sorriu e, cuidadosamente, colou o macaquinho do lado de um dos vistos – Fiquei muito feliz com você hoje, Gail.
Abigail sorriu, satisfeita consigo mesma.
olhou para o relógio, distraída; faltavam mais quarenta minutos de aula, até que fosse realizada a reunião de Pais & Mestres.
E ela tinha um discurso elaborado para Harry Judd.

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- Mike, onde está indo? – perguntou, assim que alcançou o homem de quarenta anos, que se encaminhava para a saída da Super Records.
- Eu vou...
- Não importa – a mulher revirou os olhos, erguendo uma das mãos, interrompendo-o – Preciso de você agora.
- Quê? – a mente do homem foi imediatamente para sua obrigação de buscar Abigail no colégio – Senhorita , eu sinto muito, mas o senhor Judd...
- Mike, eu não sei o que o senhor Judd te pediu, mas tenho certeza que pode esperar. Pegue essas amostras e documentos e leve-os neste documento. É urgente – ela repisou, com seriedade.
Mike Sullivan piscou, engolindo em seco.
- Certo. Mas avise o senhor Judd, está bem?
A mulher revirou os olhos.
- Está bem. Agora, vá! – dispensou-o com um aceno de mãos; apertou o botão do elevador e subiu até o andar da presidência. Caminhou até o escritório de Harry Judd, bateu à porta e entrou – Senhor Judd, só para informá-lo que pedi ao Mike Sullivan que levasse as amostras e os documentos aos nossos anunciantes, por isso ele não poderá ir aonde você pediu. Há algum problema?
- Não, nenhum – Harry respondeu, sem erguer os olhos do que estava lendo – A chave do meu subaru está aqui em cima da mesa, você pode pegar.
- Ahn? – piscou os brilhantes olhos , confusa – Do que está falando?
- Bem, alguém tem que buscar a Abigail, certo? – o homem respondeu, casualmente – Já que o Mike não pode ir e eu estou ocupado... Precisa do endereço para colocar no GPS?

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observou atentamente enquanto os pais de seus alunos entravam na sala, agora vazia, ocupando os lugares anteriormente ocupados pelos seus filhos; a maioria das crianças estava brincando no pátio, aguardando pelo fim da reunião.
Quando o bedel entrou na sala, fazendo sinal para que ela começasse a reunião, deixando claro que não tinha mais nenhum pai chegando, os olhos castanhos da professora varreram a sala novamente: nada de Harry Judd.
Sentiu seu sangue ferver, mas forçou um sorriso.
- Bom dia, pais! – começou.

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Assim que pisou no pátio, teve que se desviar de uma bola improvisada com papel e durex; franziu o cenho, lançando um olhar desgostoso para os garotos de doze anos que a observavam hipnotizados.
- Eu não sou paga o suficiente para isso – resmungou, enquanto atravessava o amplo recinto, espreitando os olhos , buscando por Abigail.
- Tia ! – ouviu uma voz familiar berrar, alegremente, e viu uma garotinha ruiva trotar em sua direção e jogar-se em cima dela, abraçando-a; pensou nas mãos sujas da garota em seu terninho Armani e quis chorar.
- Olá, Gail – sorriu de volta – E já pedi para você parar de me chamar de tia.
- Oh! – Abigail levou as duas mãozinhas aos lábios – É verdade. Esqueci. Desculpe.
- Está bem. Vamos embora – disse, indicando a saída com um aceno de cabeça.

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Depois de se despedir do senhor e da senhora Herr, ficou sozinha na sala de aula; caminhou até a sua mesa e sentou-se, deixando toda a fúria que confinara na parte de trás do seu cérebro se liberar.
Com um suspiro, puxou seu celular do bolso de seu casaco e estava digitando o número de , pronta para se aconselhar com a amiga – ou então xingar Harry Judd até que se sentisse bem -, quando ouviu alguém bater à porta e abri-la.
Ergueu os olhos, instintivamente e observou uma mulher de uns cinquenta anos sorrir para ela.
- Senhorita ? – a mulher perguntou, entrando no quarto e fechando a porta suavemente às suas costas – Meu nome é Elizabeth Quentin e eu gostaria de falar com a senhorita, se não fosse pedir demais.

“Party all night, and sleep all day.
And throw all of my problems away.
My life would be easy, oh yeah.
Our life would be easy
Party All The Time – Black Eyed Peas


Capítulo 9 – Savin’ Me

“Heaven's gates won't open up for me
With these broken wings I'm fallin'
And all I see is you
These city walls ain't got no love for me
I'm on the ledge of the eighteenth story
And oh I scream for you
Come please I'm callin'
And all I need from you
Hurry I'm fallin'
Savin’ Me - Nickelback

- Assistente social? – ecoou, colocando-se de pé e indicando para que a mulher entrasse na sala.
- A senhorita certamente está familiarizada com a situação de Abigail Grace Dickens, não? – a mulher perguntou, ocupando uma das carteiras e colocando sua pasta de couro ao seu lado.
- Sim, foi uma perda lastimável, mas... até onde sei ela está sob a custódia do padrinho, e...
- Temporariamente – interrompeu-a a mulher, casualmente, enquanto abria sua pasta e tirava de dentro alguns papéis – Ela está temporariamente sob a custódia do padrinho.
entendeu imediatamente; aquela mulher era a responsável pela guarda de Abigail. Tudo dependeria dela.
- Ahn... entendo. O senhor Judd sabe que a senhora está aqui? – perguntou a professora, sentindo-se repentinamente uma intrusa.
- Não, ele não sabe – a assistente social respondeu, com tranquilidade – Mas não preciso informá-lo das pessoas que pretendo interrogar; isso evita com que ele tente enviesar os depoimentos.
Harry Judd poderia ser irritantemente negligente, mas simplesmente não conseguia vê-lo como o tipo de pessoa que forçaria os outros a mentir para um funcionário público.
Mas ela já errara sobre ele outras vezes.
- Entendo – hesitou – Mas realmente não acho que eu esteja no lugar para julgar Harry Judd em seu papel como pai, e...
- Você não vai julgá-lo, senhorita . Eu vou – a mulher interrompeu-a, calmamente – Mas entendo o seu desconforto. Façamos o seguinte: eu farei perguntas simples, cujas respostas você limitará para “sim” ou “não”. Isso faria com que você se sentisse melhor?
A professora hesitou, considerando a questão e, então, concordou com um aceno de cabeça.
- Ótimo – a mulher sorriu, e algo naquele sorriso fez com que se arrepiasse – Você acha que Abigail está respondendo bem ao falecimento dos pais?
considerou a questão cuidadosamente.
- Sim, acho que sim – a mulher anotou sua resposta.
- Entendo. E o rendimento de Abigail tem caído? – Elizabeth perguntou, fixando os olhos castanhos em , atentamente.
- Ah... – ficou sem palavras, por alguns segundos; sabia que a verdade poderia colocar Harry Judd e, de certa forma, a própria Abigail em maus lençóis, mas não poderia mentir – Sim. Um pouco.
- Vou ter que deixar as respostas simplórias de lado por um instante, senhorita , se a senhorita não se incomodar; bem... – ela observou-a, curiosa – Você acha que essa queda no rendimento tem a ver com o senhor Judd?
sentiu sua garganta dar um nó; se, por um lado, sua parte cruel e sádica sabia que este era o momento para fazer com que Harry Judd pagasse pelo jeito que estava agindo, sua parte mais humanitária sabia que o homem era tudo que Abigail tinha.
Mas, novamente, não poderia mentir para um funcionário público.
- Talvez um pouco – disse, hesitante – Mas eles se adoram, senhorita Quentin; basta ficar no mesmo lugar que os dois para saber que Harry Judd ama Abigail mais do que tudo, ele é apenas...
As sobrancelhas finas de Elizabeth se arquearam, interessadas, e interrompeu-se, arrependendo-se imediatamente daquela frase.
- Apenas...? Continue, senhorita , não precisa se acanhar. Estamos todos aqui pensando no melhor para Abigail Grace – assegurou a mulher.
“É. Bem, isso certamente é verdade. Calma, , apenas escolha as palavras cuidadosamente e ninguém sairá machucado”, tentou assegurar-se, em pensamento.
- Ele é apenas um pouco negligente. Às vezes. Em relação a algumas coisas. – acrescentou, sentindo-se cada vez mais desconfortável.
- Do tipo...? – a mulher observou-a novamente, por cima da lente dos óculos.
- Abigail está dormindo tarde, esquecendo de fazer a lição de casa... essas coisas – deu de ombros, tentando dar a essas fatalidades um ar mais banal.
- Hum – Elizabeth voltou a escrever algo em sua prancheta.
A assistente social fez mais algumas questões genéricas, que respondeu com imparcialidade e honestidade.
- Está certo, senhorita , isso é tudo – a mulher guardou a prancheta com os documentos dentro de sua pasta e levantou-se, esticando a mão firme na direção da professora, que aceitou o cumprimento – Agradeço a sua colaboração.
Sentindo-se ainda um pouco estranha, sentiu que precisava reforçar o quanto Harry fazia bem a Abigail, apesar dos seus muitos desleixos.
- Senhora Quentin, eu só queria dizer para a senhora que eu sei poucas coisas sobre a vida pessoal de Abigail e Harry Judd, mas uma coisa eu sei: eles se idolatram. Aquela garotinha ama o seu padrinho e eu sinceramente acredito que ele a ama de volta.
Elizabeth sorriu, friamente.
- Amor, senhorita ? A senhorita é professora há quanto tempo? – a mulher perguntou, encaixando a pasta embaixo do braço.
- Cinco anos – respondeu, prontamente.
- É tempo o suficiente para saber que as crianças precisam de amor, sim, mas elas também precisam de uma autoridade. De alguém com quem elas possam contar em qualquer momento de suas vidas. De um pai, senhorita , não de um melhor amigo – houve um breve instante de silêncio, enquanto as duas trocavam olhares tensos – Tenha um bom dia – Elizabeth desejou, caminhando para fora da sala.

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estava andando de pijamas pelo seu apartamento, aproveitando o único dia útil da semana que seu consultório não abria – um luxo que se dava, porque até sua paciência tinha limites.
Amava todos os seus pacientes, sem exceção; mas ela era de carne e osso e precisava de um tempo de toda aquela loucura de vez em quando.
Seu celular começou a tocar, abafado; procurou-o por todos os lados, encontrando-o embaixo da poltrona favorita de Tiesto. Resmungou alguma coisa sobre deixar o gato sem comida e deslizou o flip.
- ? – disse, em sua melhor voz profissional, já que na pressa tinha esquecido de olhar o visor.
- Sou eu – a voz de estava tensa e atípica; isso não poderia ser bom.
- ? O que aconteceu? Você está bem? – sentou-se no sofá, preocupada.
- Não – a mulher admitiu, soltando o ar lentamente – Acabei de falar com a assistente social da Abigail, e... e acho que não foi bem.
- Não foi bem? – ecoou, fazendo uma careta confusa – O que você quer dizer com isso?
- Bem, ela fez perguntas. Eu respondi. E acho que ela não ficou muito satisfeita... , Harry Judd pode ser um porco e não ligar a mínima para responsabilidades, mas Abigail o ama. E se o que eu falei fizer com que ele perca a guarda dela? – perguntou, finalmente verbalizando sua culpa.
- Querida, eu acho que você está se precipitando. E, em última instância, você não inventou nada do que disse, então se Harry Judd perder a guarda, é simplesmente por culpa dele. Mas...
- Mas...? – incentivou-a, desconfiada.
- Você poderia tentar falar com ele – disse, casualmente, porque não podia evitar sentir que Harry Judd era apenas uma boa pessoa que não sabia como agir direito – Dar um toque.
- É... Isso parece razoável – considerou, depois de um tempo.
- Eu sempre sou razoável. – revirou os olhos, rindo.
- Está certo – riu, analisando as próprias unhas – Vou dar um jeito nisso.
- Não duvido. Beijinhos – e desligou o telefone; nesse momento, Tiesto surgiu da porta da cozinha e miou, pulando para o braço da poltrona, observando a dona com a cabeça inclinada – E você! – apontou para ele com o celular – A próxima vez que você esconder o meu celular, vou te abandonar na frente do primeiro colégio primário que aparecer e você que se vire para se livrar de vinte crianças querendo puxar suas orelhas, seu gato ingrato.
Tiesto observou-a com o mais absoluto desinteresse e, então, saltou do braço da poltrona para o chão e caminhou até sua tigela de comida vazia; colocou uma das patas gorduchas sobre o plástico e empurrou-o.
observou o gato, com as sobrancelhas erguidas.
- Tá certo – cedeu, por fim – Eu vou te dar mais ração. Mas só porque eu sou legal e tenho um bom coração. Você não merece.
Tiesto bocejou.

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Harry estava terminando de ler um novo relatório redigido por e Tom sobre a inovadora ideia sugerida por Abigail, quando viu no relógio que estava quase na hora da reunião com os possíveis futuros patrocinadores da Super City.
Rapidamente puxou seu terno e ajeitou sua gravata azul marinha, enquanto observava seu reflexo na cabeceira da luminária de alumínio ao lado de seu computador.
- Tio Harry, por que você está todo bonitão hoje? – Abigail perguntou, erguendo os olhos verdes de seu caderno.
Harry riu desse comentário e apertou de leve a bochecha da afilhada.
- Tenho uma reunião importante hoje – respondeu.
- Oh – a garotinha piscou, absorvendo a informação – E eu posso ir?
- Sinto muito, Gail, mas isso é assunto de gente grande. E muito chato por sinal. Acredite em mim, você tem sorte por não poder ir para lá. Agora, vamos lá, a Amber Schweeps vai te fazer companhia, enquanto eu morro de tédio.
Abigail riu, recolhendo seu material e empilhando-os; os dois saíram juntos do escritório de Harry. O homem e a garotinha pararam ao lado de Amber, uma estagiária de vinte e dois anos, com cabelos descoloridos, vários piercings e olhos castanhos.
- Senhor Judd – a mulher disse, observando o telefone interno – Seu ramal está tocando, o senhor gostaria de atender?
Harry checou o relógio novamente, enquanto Abigail ocupava uma cadeira ao lado da estagiária e voltava a fazer sua lição de casa.
- Não tenho tempo. Você não pode atender por mim? – o homem pediu, inclinando a cabeça de leve.
A estagiária revirou os olhos, mas sorriu.
- Você é quem manda, chefe.
- Você é a melhor, Amber – ele riu, bagunçou os cabelos da afilhada e marchou em direção à sala de reuniões.
A mulher observou o homem se afastar com um sorrisinho; Harry Judd simplesmente tinha esse efeito sobre as mulheres. E, então, balançou a cabeça e puxou a ligação do escritório.

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- Super Records, Amber, bom dia! – a voz alegre e bem humorada de uma mulher atendeu do outro lado da linha.
- Ahn. Oi, eu... gostaria de falar com o senhor Judd, por favor? – mordeu de leve a unha do dedão, nervosa – Uma reunião, se possível?
Amber franziu o cenho; todos os funcionários da Super Records eram treinados para identificar ligações de fãs que tentavam se passar por profissionais.
E aquele nervosismo na voz da mulher do outro lado da linha? Definitivamente uma evidência.
- Tia Amber, eu posso ir pegar um chocolate na máquina? – Abigail perguntou, apontando uma das máquinas de lanchinhos do andar. A mulher acenou ausente com a cabeça e, sorridente, a garotinha escorregou da cadeira para o chão.
- E posso saber com quem estou falando? – Amber perguntou, já imaginando que desculpa daria para quem quer que estivesse do outro lado da linha.
- . . Eu sou professora da Abigail – respondeu, sentando-se em sua cadeira e começando a batucar sobre o tampo da mesa.
“Uau. Elas estão ficando cada vez mais criativas”, admirou-se Amber, em pensamentos.
- Sei. Então, senhorita... , né? Sinto muito, mas o senhor Judd não tem nenhum horário de reunião disponível no momento – a estagiária fez sua melhor voz de “mas que peninha” – Por que não tenta ligar novamente daqui a quatro ou cinco meses? – sugeriu, amigável.
- Quatro ou cinco meses? – ecoou , perplexa – Eu não tenho todo esse tempo! Olha, Amber, eu realmente preciso falar com o senhor Judd, é muito importante. De verdade.
“Sempre é”, pensou a mulher, com desdém, enquanto verificava seu piercing no nariz no espelho de bolso.
- Eu acredito nisso, queridinha. Mas não tem nada que eu possa fazer. Sinto muito.
poderia literalmente matar alguém naquele momento.
- Está certo – a professora disse, simulando uma voz simpática – Acho que vou ter que dar um jeito sozinha.
- É. Faça isso. Super Records agradece, tenha um ótimo dia – e desligou o telefone.
Nesse momento, Abigail voltava com uma embalagem de chocolate já aberta.
- Ouve essa, Abigail, sua professora ligou hoje, querendo falar com o seu padrinho – Amber riu, piscando para a ruivinha.
- A professora ligou? Que legal! O que ela queria? – perguntou Abigail, empolgada.
- Ahn... ? O nome dela é , por acaso? – Amber questionou, engolindo em seco.
- É, oras – a garotinha fez uma careta confusa – Você não acabou de falar com ela?
“Oh-oh”, foi tudo que Amber pensou.

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- Quatro ou cinco meses? – bufou, enquanto agarrava sua bolsa na sala dos professores, tão furiosa que nem mesmo despediu-se de nenhum de seus colegas, enquanto marchava para o corredor – OK, Harry Judd, você realmente me tirou do sério dessa vez – rosnou, enquanto puxava a chave do seu carro de dentro de um dos bolsos externos.

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estava particularmente deslumbrante; Tom sabia que ela escolhia seus melhores modelitos para os dias importantes. O seu terninho era o exato meio-termo entre a profissional recatada e a femme fatale.
Observou que os sócios das empresas presentes todos observavam a vice-presidente da Super Records atordoados, provavelmente tendo todo o sangue se esvaído do cérebro para concentrar-se em... outro lugar.
- Bom dia, senhores – deu seu sorriso mais perfeito, enquanto jogava os cabelos e olhos que brilhavam com fúria.
Mike era experiente o suficiente para saber que isso era sempre presságio de tempestade e estava contente em saber que, quem quer que fosse a pobre alma a quem esta ira estava direcionada, ele estava fora do caminho.
Ledo engano.
- Você! – a mulher rosnou, apontando com a mão que segurava a chave do carro diretamente na direção do homem – Você é o homem que está sempre levando Abigail pelos cantos, não é? Mike?
Mike engoliu em seco.
- Ahn...
- Não importa – a mulher descartou o que quer que ele fosse falar com um movimento ríspido de mãos – Eu quero que você me coloque aí dentro.
- Ahn... olha, senhorita, eu sinto muito, mas...
- Escuta aqui, grandão – ela rosnou, agarrando Mike pela gola da blusa e puxando-a com força, deixando os dois no mesmo nível – Ou você me coloca para dentro agora ou o seu patrão vai perder a guarda da Abigail.
Isso fez com que o coração de Mike suprimisse uma batida. Aquilo era impensável. Fez com que ele inclusive deixasse de se sentir ofendido por ter sido chamado de “grandão”.
- Venha comigo – ele resmungou, entrando pela porta dos fundos com uma fumegante às suas costas.

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Amber estava terminando de mandar um e-mail para uma de suas amigas da faculdade, quando ouviu Abigail soltar um guincho de felicidade.
- Professora ! – a menininha escorregou para o chão e correu na direção da professora; Amber engoliu em seco quando viu a mulher.
Conseguia ver com clareza que estava furiosa e quis se esconder embaixo de sua mesa, até que ela passasse; a professora cumprimentou Abigail de maneira um tanto quanto ausente e então seus olhos encontraram a estagiária, que estremeceu.
marchou até ela.
- Onde está o Judd? – perguntou, autoritária.
- Senhorita – Amber começou, imediatamente – eu sinto muitíssimo, eu não sabia que a senhorita era...
- Onde. Está. O. Judd? – a mulher sibilou, apoiando-se na mesa e ficando no mesmo nível da estagiária; o que quer que fosse que fazia aqueles olhos brilharem com tanta fúria deixou a mulher assustada.
- Ahn... – apontou para algo ás costas de .
A mulher olhou por cima dos ombros e viu uma sala de reunião com paredes de vidro, que permitiam a visão perfeita do que acontecia lá dentro; todos pareciam compenetrados demais para perceber a invasão.
Amber arregalou os olhos castanhos quando percebeu a intenção da mulher.
- Senhorita , eu sinto muito, mas agora realmente não é...
- Eu quero um papel. Rascunho de preferência. – ergueu as sobrancelhas ao ver que Amber não se mexia e apenas a observava, com uma careta de pânico – Amber. Papel. Agora.
A mulher prontamente obedeceu, entregando-a uma folha A4 de sua pilha de rascunhos; pegou um dos canetões pretos que ficavam em um porta-caneta sobre a mesa da estagiária e começou a escrever algumas palavras em letras garrafais.
- Você veio brincar de forca, professora ? – perguntou Abigail, interessada, depois de morder um pedaço da sua barra de chocolate.
- É, poderíamos dizer que sim – respondeu a mulher, sem erguer os olhos do papel; observou sua obra final, tampou a caneta, abandonando-a sobre a superfície da mesa e marchou até a parede da sala de reuniões.
Amber prontamente pegou o ramal interno e ligou para o departamento de segurança, enquanto Mike Sullivan observava tudo aquilo paralisado e rezava, com toda a fé católica que sua criação irlandesa lhe permitia, que aquilo não lhe custasse o emprego.
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observou confusa aquela mulher que ela nunca vira antes – e ela tinha orgulho em dizer que conhecia todos os funcionários, mesmo que temporários, da Super Records -, mas nada poderia descrever o seu choque quando aquela ilustre desconhecida começou a bater no vidro e grudou um papel nele.
“HARRY JUDD. PRECISO FALAR COM VOCÊ NESSE INSTANTE”.
Todos os olhos lentamente se voltaram para Harry Judd, que parecia ainda mais perplexo do que os presentes, enquanto a mulher do outro lado do vidro bufava e batia ainda com mais força no vidro.
Os McGuys se entreolharam confusos e Harry engoliu em seco quando viu Travis e Granson, dois dos seguranças da empresa, correndo na direção da mulher.
- Ahn. Sinto muito, eu... com licença – levantou-se, sentindo as bochechas pinicando, e saiu da sala de reuniões, bem no momento que cada um dos guardas prendia um braço de – O que você está fazendo? – perguntou, perplexo, em voz baixa para evitar um escândalo, embora fosse inevitável que todos do andar estavam olhando – Quer ganhar uma passagem só de ida para um hospício?
- Dá para pedir para os brutamontes me soltarem? Aí eu explico – ela resmungou, lutando inutilmente com os seguranças pela sua liberdade.
- Para ser bem sincero, não sei se deveria – Harry disse, com as sobrancelhas erguidas. observou-o, com uma expressão neutra; o homem revirou os olhos e massageou o alto do nariz com o dedo indicador – Soltem-na.
Prontamente os dois seguranças a soltaram.
- Precisamos conversar – ela disse, meio ofegante, em parte por vergonha, outra parte por irritação e outra porque Travis e Granson eram muito mais fortes do que pareciam.
- Você acha? – Harry resmungou, irônico – Vamos para o meu escritório.
Abigail observava tudo aquilo com o queixo caído.
- Tio Mike, você viu a professora sendo segurada pelos seguranças? – ela perguntou, os olhos verdes arregalados; quando o homem concordou com um aceno de cabeça, ela vibrou – Foi irado, ou o quê?

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Harry fechou a porta do seu escritório às suas costas e ele e trocaram um olhar tenso; ele soltou o ar, lentamente, e recostou-se contra a batente da porta.
- Eu tenho que dizer que eu nunca achei que você fosse... sabe... – fez uma careta furiosa e fingiu estar batendo em uma parede invisível, imitando-a.
- É – ela resmungou, cruzando os braços – Você não foi o único aqui a ter expectativas frustradas.
Isso o deixou confuso.
- O que você quer dizer? – perguntou.
- Uma mulher veio falar comigo hoje. Elizabeth Quentin, conhece? – a professora perguntou, olhando para o chão; arriscou observar Harry e percebeu que ele tinha uma expressão estranha no rosto.
- Eu sei quem ela é – ele estava repentinamente sério agora – O que ela queria com você?
- Nada demais. Perguntou algumas coisas, eu...
- O que é que você disse? – ele perguntou; o tom não era acusador, mas tinham um quê de desespero que fez o estômago de se revirar, apertou ainda mais firmemente os braços cruzados para tentar amenizar a sensação.
- Eu disse a verdade, Judd – ela retrucou, repentinamente na defensiva.
- E o que isso quer dizer? – ele inquiriu.
- Que a Abigail está bem, e que ama você, mas... – interrompeu-se; aquilo era bem mais difícil do que ela tinha imaginado que seria.
- Mas...? – incentivou-a.
- Bom, ela tem dormido nas aulas, e quando não dorme, está elétrica porque você lhe deu café, não tem feito as lições de casa, ela... ela está atrasada e você nem se importa! – disse tudo de uma vez, mas não sentiu o alívio que esperava.
- Lições? Como eu poderia saber disso! Abigail nunca mencionou...
- Porque ela tem cinco anos, Judd! – retrucou, furiosa – O que é que você espera? Que ela seja responsável? Que ela faça tudo sozinha? Ela é uma criança e precisa de você.
- Estou fazendo o que eu posso! – ele retrucou, irritado.
- Bem, não é o suficiente! – ela rebateu, no mesmo tom – Essa garotinha perdeu os dois pais e você está modelando ela à sua vida. Olha em volta, Judd! A menina passa o dia inteiro no seu trabalho! O que ela faz que crianças deveriam fazer? Cadê as idas nas casas dos amigos? Cadê a hora da lição de casa? Você sabe que ela tem uma agenda? E trabalhos? Você ao menos sabia que tinha uma reunião de pais e mestres hoje?
Harry não conseguiu responder àquilo; todos aqueles pensamentos e preocupações jamais cruzaram pela sua cabeça.
Achava que estava sendo um ótimo pai substituto, dando a atenção e o carinho que Abigail precisava; jamais passara pela sua cabeça que apenas isso não seria o suficiente.
- Pare de tentar adaptá-la à sua vida! Você precisa se adaptar à vida dela. Ela precisa de um pai, Judd. Ela precisa ser criança e ter alguém que assuma as responsabilidades por ela. Você pode fazer isso ou não? – prosseguiu, furiosa – Não sei se você percebeu, mas aquela tal de Quentin? Ela tá louca para tirar a Abigail de você, ela só precisa de uma desculpa! E você está dando milhares de mão beijada!
Finalmente se calou, aguardando pela resposta do homem.
Mas ela não veio.
E, então, percebeu o porquê: Harry Judd estava com os olhos avermelhados e seu pomo de adão subia e descia rapidamente, indicando...
Oh, não.
Ela viera preparada para uma briga, não para um homem chorando.
- Por favor, não chore – ela disse, imediatamente – Eu não vou saber o que fazer se você começar a chorar.
Isso fez com que ele desse um sorriso amargo; estava se revelando uma mulher com muitas facetas.
- Você vem aqui, joga na minha cara que estou sendo escroto com a única coisa que tem significado na minha vida e quer que eu faça o quê? Ria de felicidade e componha uma música sobre isso?
- Não – ela aproximou-se e, incerta, colocou uma mão sobre o ombro dele – Eu quero que você diga que eu estou errada. Que você é melhor do que isso e que vai se esforçar mais por ela, porque aquela garotinha lá fora – apontou, de forma genérica, para o lado de fora – Aquela garotinha te ama mais do que tudo e ela merece a melhor versão de você.
Harry considerou o que ela falara.
- Você está certa. Mas não é tão fácil assim, não é simplesmente... eu não pedi por isso. Quero dizer, agora que aconteceu, não consigo imaginar uma benção maior do que ter a Abigail na minha vida, mas... mas metade do tempo, eu não sei o que fazer. E, agora, descobri que estou fazendo tudo errado, é... é complexo. E cansativo. E eu simplesmente preciso de alguém que consiga me ajudar, ou pelo menos indicar o caminho. E eu não sei onde vou arranjar isso.
Os dois ficaram em silêncio.
- Olha – suspirou – Eu sinto muito pelo escândalo e tal... espero que não tenha maiores consequências.
- Quê? – Harry, abruptamente retirado de seus pensamentos, demorou alguns segundos para entender a colocação da mulher – Ah? Aquilo? Não se preocupe, eu acho que eu meio que mereci. Quero dizer... você ter vindo até aqui só para puxar minha orelha? Foi bem legal da sua parte. De um jeito bizarro. E aterrorizante.
não pôde evitar um sorriso e revirou os olhos.
- Venho de novo, se você não melhorar.
- Tente não interromper uma reunião na qual um contrato de alguns milhões de euros esteja envolvido – ele retorquiu.
Ela ergueu as sobrancelhas.
- Se for preciso, interrompo de novo. E não há dois armários armados que vão me impedir disso – os dois deram sorrisos cúmplices um para o outro – Tenho que ir, Judd.
- Tá certo – ele se afastou da porta, permitindo-lhe a passagem – Bom te ver, professora . Preferiria circunstâncias diferentes, admito. Mas ainda assim...
- É, sei – ela fez uma careta, passando por ele.

X


estava apoiada na mesa de Amber Schweeps, observando um desenho que Abigail lhe mostrava quando saiu do escritório de Harry Judd.
- Hey, você! – acenou e aproximou-se – É você a mulher psicótica que atrapalhou a minha reunião? - fez uma careta, preparando-se para uma bronca – Querida, nunca poderei te agradecer o suficiente. Quero dizer, foi um aperto, OK, mas o fato de que eu consegui retomar as rédeas da reunião e mostrar para Thomas Fletcher que eu consigo fechar um contrato mesmo quando uma louca desvairada aparece batendo na parede de vidro parecendo disposta a fechá-la? Valeu a pena completamente.
- É. Então, tá. De nada, eu acho – respondeu, incerta.
- Eu sou , vice-presidente da Super Records – estendeu a mão que prontamente apertou.
- . Professora da pequenininha aí – indicou Abigail com um aceno de cabeça; a garota sorriu, erguendo os olhos do próprio desenho.
- Professora , eu achei super legal você brigando com os seguranças. Vai fazer de novo? - ela perguntou, empolgada – Porque eu assisti Karate Kid com o tio Harry antes de ontem e eu tenho uns movimentos super maneiros para te ensinar!
Com a deixa, a garotinha escorregou da cadeira para o chão e começou a imitar movimentos de artes marciais, atacando um vaso de plantas impiedosamente.
- Ela não é simplesmente a coisa mais adorável? – perguntou para a mulher que acabara de conhecer, reconhecendo nas expressões atraentes e sérias da mulher a mesma devoção que sabia que seu rosto devia refletir.
- É. Ela cresce dentro de você. Como um bichinho de estimação – acrescentou, casualmente – De qualquer forma, tenho que ir. Apareça quando quiser, para que eu possa esfregar mais ainda a minha superioridade administrativa e persuasiva na cara do Fletcher – jogou um beijinho no ar e foi embora.
olhou o relógio e resolveu que também estava na hora de ir embora; despediu-se de Abigail, desceu as escadas que davam acesso à entrada dos fundos e foi embora.

X


- O que a professora queria falar com você, tio Harry? – Abigail perguntou, enquanto observava Harry desligar o computador com um suspiro exausto.
- Ah. Nada demais, Gail. Assunto de gente grande.
Abigail parecia extremamente desconcertada.
- Ela te falou das lições de casa, né? – perguntou, um tom de lástima em sua voz fina – Olha, tio Harry, eu sinto muito que eu esqueci, mas eu já fiz todas e tá tudo bem agora, tá? Não vou mais esquecer, eu prometo.
Ele sentiu a garganta se fechando.
- Você não tem culpa, Gail. Eu deveria ter te ajudado. Me desculpe, OK? – ele abaixou-se, ficando no mesmo nível dela – Já sei. Vamos para casa, eu vou preparar uma pipoca, vamos revisar a sua lição de casa e, se der tempo, podemos assistir um pouco de Discovery Kids.

X


Dougie estava sentando em sua mesa; sentia-se cansado, exausto e, repentinamente, sentia o peso das ações do dia anterior. Terminara com Frankie, a garota pelo qual se sentia apaixonado desde que se interessava por garotas. E pelo quê? Por um fantasma do passado.
Sorriu, amargo, quando percebeu a ironia do destino: quando estava com , fantasiava como seria ter uma celebridade nos braços; agora que tinha a celebridade, não conseguia abandonar a lembrança da garota que marcara a sua adolescência, com seu sorriso fácil e aqueles brilhantes cabelos .
Puxou do pequeno barzinho que tinha atrás da mesa uma garrafa de Jack Daniels, escolheu um copo simples de cristal e serviu-se uma dose. Observou o líquido âmbar, enquanto sua mente cruelmente sobrepunha as duas mulheres que não lhe saíam da cabeça: e Frankie.
Dougie deu um gole do Bourbon e sentiu-o descer queimando pela sua garganta; fez uma careta, e abriu os olhos, para encarar uma foto de Frankie que tinha sobre a sua mesa, os dois estavam abraçados, sorrindo para o fotógrafo – não lembrava bem daquela noite, mas tinha quase certeza de que fora Gio quem os fotografara.
Com um longo gole, esvaziou o copo, deixando-o de lado e pegou o porta-retratos, observando os detalhes de Frankie: as expressões atraentes e sedutoras e aqueles olhos escuros que transpareciam sua segurança.
Ele amava Frankie. Sabia disso, porque sempre que se lembrava da cena da morena lhe dando as costas e caminhando pelo corredor em direção à porta, sentia seu coração se espremer de maneira dolorosa.
Frankie era autoritária e mimada, mas havia coisas nela que também deveriam ser valorizadas: era firme, segura de si e inalcançável. Tinha a habilidade de se adequar a qualquer situação de forma tão espantosa e admirável que, às vezes, Dougie se sentia como um patinho feio e inadequado ao seu lado.
Essa era a diferença primordial entre Frankie e : com , tudo era mais simples. Não, simples não era a palavra. Certo. A garota era simplesmente essência, ao contrário de Frankie, que era composta por diversas camadas, uma mais complexa e enigmática do que a outra.
Instintivamente, levou a mão ao bolso do seu casaco e tirou de lá a foto de . Segurou a foto ao lado do porta-retrato e observou as duas: comparou a cor dos cabelos, dos olhos, as expressões.
Seus olhos azuis se prenderam na foto meio amassada que estava em sua mão direita; sem sequer sentir seu ato, ele deixou gentilmente o porta-retrato com a foto de Frankie sobre a mesa e segurou a foto com as duas mãos, observando-a atentamente.
Depois de nove anos observando a mesma foto com uma frequência que ele reconhecia não ser saudável, ele a sabia de cor. Ele gostava, particularmente, do sorriso de naquele foto.
Gostaria de poder se lembrar o que é que ele tinha dito para fazê-la sorrir daquele jeito; perguntou-se se ainda saberia fazê-la sorrir assim, se a encontrasse na rua.
O pensamento óbvio de que ele sequer a reconheceria se cruzasse com ela em uma rua fez com que ele se deprimisse, e seu estômago afundasse. Encheu seu copo novamente e bebeu mais um gole de seu Bourbon.
Então, está certo. Ele amava Frankie. Mas se ele amava Frankie, o que sentia por ? Por que sempre que pensava nela, o ar lhe faltava e tudo o que ele mais gostaria de fazer era encontrá-la.
“E o que você faria se a visse?”, uma voz perguntou em sua mente, zombeteira, “O que diria?”
Dougie hesitou, procurando por uma resposta. Pegou o copo e deu mais um gole, quase como se esperasse que a bebida lhe trouxesse a resposta, mas ele sabia que não havia resposta para aquela questão.
Pelo menos, não uma satisfatória.
Diversas vezes ele imaginava a cena em sua cabeça; geralmente, ele a encontrava depois de um recital de piano, nos bastidores, com um buquê de lírios, que eram suas flores prediletas.
Às vezes, ele pedia desculpas e tentava explicar o que fizera com que ele agisse daquela forma; às vezes, nem sequer era preciso: se arremessava sobre ele, abraçando-o pela nuca e beijando-o com gentileza e urgência.
Mas ele sabia que aquilo era apenas fruto da sua imaginação; a que ele conhecia era orgulhosa e teimosa como uma mula. Provavelmente, se a encontrasse, não teria coragem de se aproximar.
Seria covarde, como havia sido nove anos atrás.
Encheu mais um copo e sorveu-lhe metade do conteúdo com um gole ávido. Estava cansado de pensar; faria qualquer coisa para que aqueles pensamentos se afastassem da sua cabeça.
Ligou seu computador, enquanto terminava de esvaziar seu copo. Serviu-se de mais uma quantidade generosa de bourbon enquanto mapeava sua biblioteca no iTunes. Pensou em Blink 182, mas sabia que isso faria com que se lembrasse de .
Estava cansado de se lembrar de ; movido pelo álcool, selecionou todas as músicas do Blink que tinha e deletou-as.
Seus olhos azuis escanearam os cantores. Escolheu Beatles.
E engoliu todo o conteúdo do seu copo em um gole, enquanto os primeiros acordes de Eleanor Rigby começaram a tocar.

X


estava sentada em seu sofá, zapeando a televisão, mas ao perceber que nem mesmo aquilo acalmaria sua mente, desligou-a e jogou o controle na almofada ao seu lado.
Apoiou o queixo em um de seus joelhos e observou as unhas do seu dedo do pé, estendido, atentamente; trocara de cor umas duas ou três vezes desde que chegara em casa.
Suspirou e tateou o criado-mudo ao lado do sofá, até que sua mão tocasse o telefone sem fio, tirou-o da base e digitou um número automaticamente, prendendo o aparelho entre sua orelha e o ombro, enquanto o ouvia tocar.
- ? – a voz de chegou aos seus ouvidos, finalmente.
- Oi, – ela murmurou, infeliz.
- ? O que foi? – a amiga parecia preocupada – Você está bem?
- Eu fui falar com Harry Judd hoje – disse, sentindo seu coração afogar com este pensamento, lembrando-se da conversa e de como Judd reagira ao que ela falara.
- Oh – soltou, confusa – E como foi?
- Nada legal. Ele foi bonzinho e gentil e... eu me senti ridícula por fazer com que ele se sentisse tão mal, quando ele obviamente não estava fazendo nada por maldade – ela suspirou.
- Bem, eu disse que você estava se irritando com pouca coisa – concordou, enquanto se ajeitava em sua poltrona, embrulhada por uma manta, com um de seus livros de psicanálise na mão – E como você está se sentindo?
- Como merda – ela respondeu, com sinceridade.
- Bem, então faça alguma coisa que faça com que você não se sinta tão mal – disse, com simplicidade – Nunca se pode voltar e mudar o passado, mas sempre é possível começar agora e fazer um novo futuro – profetizou.
- Mas o que eu poderia fazer? Ensiná-lo a ser um bom pai? – perguntou, irônica, mas arregalou os olhos quando as palavras que dissera finalmente fizeram sentido – ? Te ligo mais tarde!
E desligou, mordendo de maneira ausente a antena do telefone, pensativa.

X


Abigail passara a maior parte da noite andando pela casa, agarrada a Maxwell, dando-lhe ração e acariciando-lhe as orelhas frágeis; depois de jantar e trocar seu uniforme pela sua blusa de dormir e se deitara, obediente: não sem antes pedir por uma música.
Quando Harry finalmente se deitou em sua cama, cruzou os braços atrás da cabeça e fechou os olhos, exausto.
Não precisou abri-los para saber que tinha alguém ao seu lado; conseguia sentir com perfeição a presença ao mesmo tempo fria e morna que ele não sentia há mais ou menos uma semana.
- Vocês poderiam ter me avisado – resmungou, sem sequer abrir os olhos.
- Nah. E que graça teria? – Charlie perguntou, imitando a posição do amigo, com um sorriso relaxado no rosto – Ninguém teve essa mamata de ter pais falecidos indicando o caminho, não daríamos essa moleza para você.
- É – Harry disse, entre os dentes – Não seria justo com os outros participantes, certo?
- Fico feliz que você entenda – Charlie disse, seu tom de voz denunciando um sorriso debochado – De qualquer forma, tinha que acontecer assim.
Houve um breve instante de silêncio, enquanto Harry ponderava sobre as últimas palavras do amigo.
- O que você quer dizer com isso? – questionou, franzindo o cenho, os olhos ainda fechados.
- Bem... – Charlie espreguiçou-se – Agradeça-me mais tarde, Juddy.
Nesse instante, seu celular começou a tocar, estridente, do bolso de sua calça; ele abriu os olhos, assustado e, ao olhar em volta, constatou que estava sozinho no quarto.
Balançou a cabeça, afastando os pensamentos sobre Charlie de sua mente e observou o visor do celular: não reconheceu o número que apareceu no identificador.
- Alô? – resmungou, meio sonolento, atendendo a ligação.
- Harry? Harry Judd? Aqui é a – a voz ansiosa da mulher do outro lado da linha fez com que todo o sono que sentia fosse drenado de seu corpo.
- Ah... oi. Por que você está me ligando? Está tudo bem? – questionou, perplexo.
- É... – fechou os olhos e mordiscou o lábio inferior, tentando juntar sua coragem e controlar as borboletas que pareciam fazer uma festa em seu estômago – Eu posso te ajudar. Se você quiser, claro.

“Show me what it's like
To be the last one standing
And teach me wrong from right
And I'll show you what I can be

Say it for me
Say it to me
And I'll leave this life behind me
Say it if it's worth saving me
Nickelback – Savin’ Me



Capítulo 10 – Count on Me

“You can count on me like one, two, three
I'll be there
And I know when I need it I can count on you like
Four, three, two
And you'll be there
Cause that's what friends are supposed to do
Bruno Mars – Count On Me


Harry sentiu um misto de sensações ao ouvir a voz de informando-o que poderia ajuda-lo com Abigail; a primeira, foi sentir seu corpo se arrepiar com o tom de voz rouco da voz da mulher e a segunda foi uma onda de alívio que o envolveu.
Desde que a mulher entrara como um trovão na Super Records, falando todas aquelas coisas, ele não conseguia pensar em nada que não fosse como conseguiria adaptar sua vida para que Abigail fosse tratada como merecia e que, ao mesmo tempo, não prejudicasse nem a banda, nem a empresa.
- Você está falando sério? – perguntou, assim que conseguiu falar; seu tom de voz era afobado e exultante – Senhorita , isso seria ótimo. Eu não sei como eu poderia sequer começar a agradecê-la.
- Eu tenho regras – ela o interrompeu, a voz firme.
- Ah – ele hesitou – Que seriam...?
- Na verdade, é uma regra só – a mulher corrigiu-se – Ficarei com a Abigail depois da aula, faremos a lição de casa e todo o resto, mas você tem que pegar ela às oito horas em ponto. Para fazer a sua parte.
Harry piscou, perplexo; aquela era a imposição dela? Aquilo era ridículo. Ele podia fazer isso.
- Combinado – ele respondeu.
- Mas eu estou falando sério. Todos os dias. Às oito em ponto. Ou eu não vou ajudar – ela frisou com veemência.
- OK! – ele soltou, sentindo-se quase que pessoalmente ofendido.
- Promete? – ela perguntou, desconfiada.
- Prometo – ele resmungou, agora pessoalmente ofendido.
- Então... combinado – a voz dela ficou mais suave e ele sentiu que agir de maneira tão incisiva não era uma coisa fácil para a mulher do outro lado da linha – Eu posso ficar com a Abigail em casa, ou na sua casa...?
- Na minha casa, acho melhor – ele disse, deitando-se novamente na cama, observando o teto perfeitamente pintado de branco – Deixarei a chave extra na portaria e liberarei seu carro, para que você possa estacionar aqui dentro do prédio. É um Punto Preto, certo? Qual é o número da placa? - Harry anotou a resposta da professora em uma nota fiscal que encontrara no bolso da camisa – Perfeitamente anotado, senhorita . Obrigado.
Houve um breve segundo de silêncio.
- De nada – ela suspirou – Só não estrague tudo, OK?
E desligou o telefone.
“Hum”, Harry pensou, observando o próprio celular, sentindo-se incomodado, “Que voto de confiança”.

X


checou seu relógio, enquanto o elevador a transportava até o seu andar: não eram nem seis horas da manhã ainda. A mulher costumava chegar na Super Records antes mesmo que o sol despontasse no horizonte e isso lhe era um motivo de orgulho.
A verdade era que ela apreciava trabalhar no silêncio e aquele era o único horário em que não havia milhares de vozes atrapalhando seus pensamentos ou pessoas entrando em seu escritório sem qualquer pudor, tirando-a de seu trabalho.
Quando as portas metálicas se abriram, ela percebeu que havia algo errado em seu paraíso particular: a primeira evidência era a luz acesa, no final do corredor, contrastando com o negrume do restante do prédio e, por último, ela conseguia ouvir música tocando.
Baixinho, mas ainda assim.
Franziu o cenho e, imediatamente, vasculhou o conteúdo de sua bolsa, apenas relaxando quando sua mão se fechou em volta do seu spray de pimenta. Lentamente, caminhou pelo corredor, preparando-se para o pior.
Parou com as costas encostadas na parede, bem ao lado do escritório de Dougie Poynter, fechou os olhos, tentando juntar toda a sua coragem, e então deu um pulo para dentro do recinto, apenas para encontrar o loiro debruçado sobre a mesa, inconsciente.
- Senhor Poynter?! – ela perguntou, perplexa.
O homem continuou imóvel; sentiu seu coração batendo mais rápido quando percebeu a garrafa quase terminada de Jack Daniels e o copo próximo da mão do loiro.
E se ele tivesse sofrido um coma alcóolico?
Olhou em volta e encontrou uma régua de 30 centímetros em cima de um dos arquivos do baixista e prontamente a pegou. Usou-a para cutucar o homem na bochecha.
Dougie soltou um resmungo e moveu-se, defendendo-se do objeto.
soltou o ar, aliviada pelo fato do homem estar vivo e, logo em seguida, foi invadida por uma onda de irritação: quem ele pensava que era para preocupá-la daquela forma?
Com um grunhido, segurou com firmeza a régua e baixou-a com firmeza contra a tampa da mesa, fazendo um barulho ensurdecedor e rachando a régua de plástico ao meio.
Desesperado Dougie Poynter saltou, acordado, engasgando com o ar que sorveu rapidamente, os olhos azuis arregalados.
- O que foi isso? Uma bomba? – perguntou, olhando em volta, sobressaltado.
ergueu as sobrancelhas e ergueu a régua quebrada, mostrando que fora ela quem fizera o barulho.
- Ah... eu... ah – Dougie passou a mão pelos cabelos, sentindo seu corpo inteiro dolorido – Ai – gemeu.
A mulher olhou para a mesa completamente desorganizada do homem e ergueu as sobrancelhas; ponderou se realmente queria saber o que estava acontecendo e revirou os olhos, resolvendo por agir com o requinte que a educação exigia.
- O que é que aconteceu? – com um suspiro, ocupou uma das cadeiras livres.
Dougie atribuiu seu surto de honestidade ao fato de que sua boca estava seca, sua cabeça martelava levemente, seu estômago revirava e sua mente ainda estava meio nublada em razão do álcool.
O que quer que fosse, fez com que ele soltasse, quase como se em uma confissão culposa:
- É a . Não, é a Frankie – franziu o cenho – Ou talvez seja eu – ponderou por alguns segundos – Não. É a . É tudo culpa da .
observou-o por alguns segundos.
- Quem é ? – perguntou, lentamente.
Dougie olhou em volta da sua mesa, e agarrou o porta-retrato de sua foto com Frankie, e depois a fotografia de .
- Essa é a Frankie – disse, com a voz um pouco embargada – Ela me chutou por causa da . E essa – mostrou a foto – é a . Ela é , viu? Eu gosto do cabelo dela, você não gosta do cabelo dela? Eu gosto do all-star também.
Ele estava praticamente esfregando a foto no rosto de a essa altura e a mulher pegou a foto em suas mãos, empurrando-o de volta para sua mesa, com uma expressão enojada.
Dougie Poynter parecia emanar álcool por todos os poros de sua pele.
Observou a foto, com curiosidade; a garotinha sentada no balanço, sorrindo para um Dougie consideravelmente mais novo, tinha lindos cabelos e parecia à vontade em sua companhia.
- Engraçado... – comentou, erguendo os olhos para encarar Dougie – Nunca ouvi você falando nela.
- Eu não falo dela para ninguém – ele respondeu, deprimido, enquanto começava a brincar com seu copo de cristal.
- Por quê? – a vice-presidente perguntou, prontamente afastando a garrafa do homem.
- Porque machuca – ele retorquiu, dando de ombros – E faz uns nove anos que eu não a vejo, então... qual é o ponto?
considerou a questão.
- Se vocês não se veem há nove anos, como ela pode ter sido o motivo do seu término com a Frankie? – questionou.
Dougie ergueu os olhos azuis infelizes e foi a primeira vez em muito tempo que quis abraçar alguém. Ele parecia tão perdido e confuso, que quase parecia uma criança.
- Eu falo que a Frankie foi o meu primeiro amor, mas isso é mentira – ele respondeu – A Frankie foi minha primeira paixãozinha. Eu a via na televisão e sonhava em um dia tê-la comigo. A ... a foi a primeira pessoa de verdade que olhou para mim e foi capaz de... de gostar do que viu. Não porque eu tocava baixo, não porque eu tinha dinheiro, não porque eu fazia parte de uma banda... mas porque... – ele deu um sorriso infeliz – Eu não sei o que ela via em mim. Nunca vou entender como uma garota como poderia ter olhado para um cara como eu uma segunda vez, mas ela olhou. E eu deixei... eu fiz ela ir embora. Como se supera isso? – ele questionou, inconformado.
A mulher de cabelos ficou calada, porque não tinha uma resposta para aquilo.
- Frankie encontrou essa foto e ficou possessa. Quero dizer, quem não ficaria, certo? Uma foto de uma ex-namorada em uma caixa, dentro do armário. Eu ficaria possuído – ele deu um sorriso infeliz – Ela foi muito razoável, pediu para que eu jogasse a foto fora e tudo seria esquecido. Eu já doei lagartos por causa dessa mulher e ela me pede para jogar uma foto fora e eu não consigo. Sinceramente? Eu mereci esse pé na bunda.
baixou os olhos para a foto que segurava, pensativa; não esperava ter que lidar com esse tipo de conversa antes das seis horas da manhã.
- Por que você escolheu a ? – ela perguntou, afinal.
Dougie ficou alguns segundos em silêncio, considerando a questão.
- Porque ela usa all-star com vestido, porque dava risada de todas as minhas piadas, porque me ajudou a dar o nome do meu primeiro lagarto... porque faz nove anos que não a vejo, mas ela ainda é a primeira pessoa que vem na minha cabeça, quando eu realmente quero contar alguma coisa para alguém – ele deu de ombros – Porque abrir mão dessa foto seria abrir mão da única coisa que eu ainda tenho dela. E eu não estou pronto para isso.
olhou em volta.
- Você não me parece estar tentando muito – disse, finalmente.
Dougie observou-a, o cenho franzido.
- Tentando o quê?
- Esquecer a .
Dougie olhou para baixo, numa confissão tácita de culpa.
- Escute, senhor Poynter, eu posso não ser especialista no assunto, mas o que o senhor está fazendo não me parece muito... saudável – escolheu a palavra, cuidadosamente – Você pode viver o resto da sua vida olhando para trás ou você pode enterrar o passado e começar a viver o presente e aproveitar todas as oportunidades que surgirem. Talvez você nunca vá estar pronto, talvez esquecer seu passado seja o tipo de coisa cuja iniciativa dependa de você.
Houve um instante de silêncio, enquanto Dougie observava as próprias mãos, pensativo.
- Uma coisa eu posso te garantir – prosseguiu – Não vai ser bebendo garrafas de Jack Daniels e chorando sobre a foto dela que você vai superá-la.
Ela aguardou uma resposta por alguns segundos, mas Dougie continuou olhando para baixo, em silêncio.
Ela suspirou.
- Bem, tenho que ir para a minha sala – disse, colocando-se de pé e colocando a foto sobre a mesa, entre ela e o homem – Espero que fique melhor logo, senhor Poynter, de verdade.
- Leve a foto – ele pediu, sem erguer os olhos. Sua voz estava baixa e parecia frágil.
- O quê?
- Você poderia levar a foto e... sumir com ela, por mim? – ele pediu, erguendo a cabeça, parecendo desolado – E nunca me devolver, mesmo que eu implore?
ergueu as sobrancelhas.
- Senhor Poynter, o senhor tem certeza do que está me pedindo? – perguntou, lentamente.
Ele concordou com um aceno de cabeça.
- Está certo – ela deu um sorriso compreensivo, pegando a foto e guardando-a dentro da bolsa – Sua foto estará à salvo comigo.
- Obrigado – ele resmungou.
- Não me agradeça ainda... – ela sorriu, afastando-se em direção à porta – Recomendo que você vá dormir em uma cama, agora.
Com essas palavras, saiu do escritório do homem loiro.

X


- Bom dia, tio Harry – Abigail desejou, entrando na cozinha já de uniforme; enquanto o homem fritava dois ovos em uma frigideira, a garotinha abriu a porta da geladeira e pegou uma cenoura fresca – Já deu café da manhã para o Max? – ela perguntou.
- Já conversamos sobre isso – Harry disse, sem erguer os olhos da frigideira que chiava.
- O Max é minha responsabilidade, eu sei – a garotinha revirou os olhos verdes – Pode cortar uns pedacinhos da cenoura para mim?
- Assim que terminar aqui, eu corto. Enquanto isso, troca a água dele – sugeriu.
Abigail saltitou até a gaiola de Maxwell e abaixou-se, abrindo-a, afagou o coelho um pouquinho, e então pegou a tigela de água dele. Jogou a água antiga na pia da área de serviços e encheu-a novamente com água da torneira.
- Aqui está, Max. Água novinha para você – cantarolou Abigail, acariciando o focinho do bichinho – Já vou trazer o seu café da manhã, tá bom?
Abigail ficou observando Harry transferir os ovos fritos da frigideira para os pratos com uma espátula, prestativa; obediente, afastou-se enquanto ele manuseava a frigideira quente e a colocava dentro da pia, abrindo a torneira e deixando que a água esfriasse o utensílio.
Harry cortou algumas raspas de cenoura e entregou-as a Abigail que, rapidamente, colocou-as na tigela de comida de Max.
- Abigail, lave as mãos antes de vir comer – lembrou-a, enquanto colocava a mesa do café da manhã.
- OK! – ela berrou da área de serviço, e ele ouviu o barulho da torneira sendo aberta e, momentos depois, fechada.
- Com sabão! – ele acrescentou.
- Ah. OK! – ela berrou, de novo, e ele ouviu a torneira ser aberta de novo, riu sozinho, enquanto colocava dois pães de forma na torradeira.
Quando Abigail chegou, Harry já tinha lhe servido leite no seu copo favorito da Lola, de Charlie e Lola, presente de Danny. Colocou a torrada com manteiga e metade do ovo frito em seu prato de plástico.
- Obrigada, titio Harry, pela comida – Abigail estava com as mãos juntas, como se estivesse orando.
- Abigail, o que está fazendo? – ele perguntou, perplexo.
- A irmã Greta, lá do colégio, disse que a gente tem que agradecer todos os dias aquele que coloca comida na nossa mesa – a garotinha respondeu, já dando uma mordida em sua torrada.
Harry jogou a cabeça para trás e gargalhou.
- Acho que a irmã Greta não se referia a mim, Gail – ele disse, assim que conseguiu falar.
- Eu não vi ninguém mais colocar comida na mesa – a menina retrucou, franzindo o cenho.
- É complicado explicar isso – ele disse, com sinceridade, sobretudo porque nunca fora um homem muito religioso – Mas ela queria falar de Deus, tenho certeza.
- Bem. Ela claramente cometeu um equívoco, porque Deus cria mundos, não coloca comida em mesas – ela revirou os olhos.
- Equívoco? – Harry arqueou as sobrancelhas.
- É. Significa erro – Abigail sorriu, orgulhosa – A professora explicou para a gente, na aula de ontem.
- Por falar na professora – Harry disse, lembrando-se do que combinara com a mulher na noite anterior – Eu preciso te contar uma coisa que acho que você vai gostar.
- O que é? – a menina perguntou, curiosa.
- A professora vai ficar com você todas as tardes, até eu chegar da Super Records – ele disse, sorrindo ao ver os olhos verdes de Abigail começarem a brilhar, maravilhados – O que acha?
- QUE DEMAIS, TIO HARRY! VAI SER MUITO LEGAL, A GENTE VAI BRINCAR MUITO...
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- ... E SE DIVERTIR PARA VALER! EU ESTOU TÃO FELIZ, PROFESSORA, VAI SER TÃO DIVERTIDO! VAMOS PODER BRINCAR DE FORCA? E EU VOU TE MOSTRAR O MAX! APOSTO QUE VOCÊ VAI GOSTAR DELE, É O COELHO MAIS FOFO DE TODO O REINO UNIDO. EU ACHO QUE DO UNIVERSO TAMBÉM, MAS O TIO HARRY...
- Abigail, calma! – riu, segurando a garotinha que saltitava em volta dela; a ruivinha a encontrara na entrada do colégio e não conseguira parar de falar – Não fale tão alto! – disse, abaixando-se para ficar na altura da menina – Esse é o nosso segredo, tá? Nenhum dos outros alunos pode saber, para não acharem que eu gosto mais de você do que dos outros, tá?
Abigail concordou.
- Mas você gosta? – ela perguntou, com um sorrisinho maroto.
- Pare de ser tão espertinha e vá para a sala de aula – a professora disse, brincalhona, puxando de leve o rabo de cavalo da menina.

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estacionou seu Punto na vaga que o porteiro lhe disse para ocupar; ela e Abigail desceram do carro, tagarelando. Pararam na portaria e, enquanto a ruivinha segurava a porta do elevador, correu até o porteiro e pegou a chave do apartamento de Harry Judd.
Quando abriu a porta, Abigail disparou como uma flecha, deixando olhando em volta, perplexa; era o apartamento mais espaçoso, lindo e bem decorado que ela já tivera o prazer de visitar.
Tudo estava limpo; provavelmente o prédio tinha algum serviço terceirizado de limpeza, porque não acreditava de verdade que Harry Judd pudesse se dar ao trabalho de lavar a própria louça.
Ainda abismada, deixou sua mochila sobre o sofá de couro preto.
- Professora ! – Abigail ofegou, às suas costas, e ela virou-se para encontrar a garota segurando uma bola de pelos cinzentos – Conheça o Max. O coelho mais fofo de todo o Reino Unido – ela proclamou, caminhando até a mulher, que não pôde evitar soltar um guinchinho apaixonado, ao ver o animal – Quer pegar no colo? – ofereceu Abigail, com um sorriso.
pegou a bolinha de pelo e Max observou-a, com os olhos escuros curiosos, o fucinho mexendo-se ao ritmo de sua respiração acelerada.
- Olá, Max! – disse, passando a ponta do dedo na orelha do animal, carinhosamente.
- Max, não precisa ficar com medo – Abigail explicou, sentando-se no braço do sofá, ao lado da professora – A professora é nossa amiga.
sorriu, e voltou a acariciar o bichinho.
- Eu acho que você estava certa, Gail; ele é o coelhinho mais fofo de todo o Reino Unido – concordou, rindo, devolvendo o bichinho à dona – Agora, vamos fazer a lição de casa.

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Abigail estava tomando banho; tinha tirado esse momento de folga para dar uma espiada naquele luxuoso apartamento. Enquanto ouvia a garota cantarolando ‘Party In The U.S.A.’ da Miley Cyrus, colocou-se a observar as fotos que Harry Judd tinha sobre a lareira.
Ele com os companheiros da banda, uma foto dele com os pais e seus irmãos e, por último, uma foto dele com Charlie e Claire Dickens. Ela sorriu e pegou essa foto na mão, para analisá-la melhor.
Os três pareciam muito novos, provavelmente ainda estavam no colegial; Claire tinha os cabelos ruivos presos em uma longa trança e os olhos castanhos brilhavam, sapecas.
Ela estava no meio dos dois garotos, abraçando o ombro deles e puxando-os para um abraço. Harry sorria, o mesmo sorriso relaxado e sexy que ele dirigira a algumas vezes, parecendo completamente alheio ao poder que tinha, enquanto Charlie fazia uma careta.
Passou um dos dedos sobre o rosto de Claire e sentiu seu celular vibrando no bolso de sua calça. Devolveu o porta-retrato no local de onde o retirara e pescou o celular.
Era .
- Fala, .
- E aí, como é? – a mulher perguntou, do outro lado do telefone.
- É como morrer e ir para o céu das revistas de design – respondeu , rindo – O apartamento é o apartamento mais lindo que eu já tive o prazer de conhecer.
- Ah, eu quero todos os detalhes depois. Posso dormir na sua casa hoje? – perguntou a psicóloga.
franziu o cenho; conhecia a melhor amiga há tempo o suficiente para saber que jamais pediria para dormir na sua casa num dia de semana por um motivo tão banal quanto aquele.
- , o que tá rolando? – perguntou, num tom de voz acusador.
Ouviu bufar do outro lado da linha.
- É minha vizinha. Aquela de setenta e cinco anos, sabe? – respondeu com um “aham” – Então, ela arranjou um namorado novo. Que também é da idade dela. E eles são os dois um pouco surdos e parecem querer ter certeza de que o outro perceba que eles estão gostando, então... tá bem desagradável. Preciso de um lugar para passar a noite, . Por favor, me aceite – ela choramingou.
- Você traz o vinho – riu.
- Combinado! Você é a melhor, te amo! – vibrou do outro lado da linha – Me dê um toque quando chegar em casa! – disse, e depois desligou o telefone.

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estava andando pelos corredores da Super Records, olhando em volta, com as sobrancelhas erguidas; estava tão distraída que nem percebeu que Tom Fletcher, entretido na leitura de uma notícia em seu iPhone, caminhava na direção oposta à sua.
Os dois corpos trombaram um contra o outro; Tom rapidamente se restabeleceu e, instintivamente, amparou com a mão livre.
- Sinto muito, senhor Fletcher – a mulher disse, discretamente soltando-se da mão do loiro – Escuta... Você viu a Abigail?
- Ah, não. Harry me disse que agora ela vai passar as tardes com a professora dela, enquanto ele estiver trabalhando - Tom disse, enquanto guardava o iPhone dentro do bolso.
- Hum... – perguntou-se porque sentia-se revoltada pelo fato de que Harry Judd lhe tirara a convivência com Abigail sem sequer lhe dar um aviso prévio – Espera. A professora não é aquela maluca de ontem? Que entrou aqui e meio que... – girou o dedo indicador em círculos do lado da própria orelha – Isso é seguro? Quero dizer, e se ela dá uma de louca completa e joga a Abigail da janela, ou...?
Interrompeu-se ao perceber que Tom Fletcher a observava, os olhos brilhando divertidos, enquanto seus lábios estavam contorcidos, tentando esconder um sorriso.
- Do que está rindo? Isso não é engraçado, Fletcher.
Tom inclinou a cabeça.
- Você parece uma mãe preocupada. – comentou – E isso é muito adorável, mesmo vindo de você.
- Cale a boca, eu não me importo – ela resmungou, incomodada, e se odiou ao perceber que suas bochechas pinicavam.
- Você está vermelhinha! Oh meu Deus, , você não apenas tem um coração, mas ele está ativo! – Tom riu, e involuntariamente apertou a bochecha da mulher.
imediatamente deu um tapa na sua mão e resmungou alguma coisa que poderia ser interpretada como “eu quero que tudo se exploda” ou “Tom Fletcher, eu espero que você se...”.
- De qualquer forma – Tom revirou os olhos, divertindo-se com a situação – Você viu o Dougie?
- Ah... se não me engano, ele vai chegar um pouco atrasado hoje. Se chegar – respondeu, escolhendo cuidadosamente as palavras; não queria expor o baixista.
Tom franziu o cenho, considerando a informação.
- Ele disse o motivo? E por que ele falou com você e não comigo? – o loiro questionou, claramente ofendido.
A mulher não pôde evitar o sorriso que se formou em seu rosto; agora não era uma mera questão de manter sob sigilo algo que ela julgava confidencial sobre Dougie Poynter: ela tinha em suas mãos uma oportunidade para irritar Thomas Fletcher.
E não a desperdiçaria.
- Bem, aparentemente ele reconhece quem é que realmente tem competência para gerenciar a Super Records – ela cantarolou, sorridente – Agora, me dê licença, Fletcher. Tenho que ir trabalhar.
Acenou para um Tom completamente inconformado, enquanto caminhava em direção ao seu escritório.

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Dougie ouviu seu celular tocando e tateou o criado-mudo ao seu lado; apertou o botão send e sem se dar ao trabalho de abrir os olhos, murmurou um “alô”.
- Você está bem? – a voz preocupada de Tom fez-se ouvir do outro lado da linha.
- Quê? Ah... tô – respondeu, a voz embargada pelo sono.
- Que bom. Agora – pigarreou – Posso saber por que você avisou a que faltaria e não me avisou?
Dougie quase chorou, quando o berro de Tom fez com que sua cabeça latejasse e ele se arrependesse imediatamente da quantidade abusiva de bourbon que tomara na noite anterior.
- Eu não avisei ninguém – Dougie resmungou, incomodado – Eu passei a noite aí, bebendo e resmungando por causa da Frankie. Ela me aconselhou a vir dormir em casa, só isso.
Houve uma breve hesitação.
- falou isso? Tem certeza? – perguntou, finalmente.
- Ou um clone alienígena dela – Dougie choramingou – Posso dormir agora?
- Tá legal – Tom concordou, desligando o telefone.

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- E é assim que eu dou comida para o Max, viu? – perguntou Abigail, assim que fechou a portinhola da gaiola do coelho, depois de colocar novas raspas de cenoura.
- Uau! Você cuida dele muito bem, não é? – perguntou , enquanto enfiava um dedo entre as grades e acariciando a cabecinha peluda do coelho.
- Eu tenho que – Abigail respondeu – O tio Harry disse que o Max é minha responsabilidade, então eu tenho que fazer tudo. Menos cortar a cenoura, isso eu tenho que pedir para um adulto – ela emendou, franzindo o cenho.
sorriu, e bagunçou os cabelos de Abigail.
- Bem, eu não sei se você vai querer, mas eu acho que tenho um jogo de mico dentro da minha bolsa. Quer jogar?

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Harry olhou para o relógio no seu computador e constatou que eram quase sete e meia; levantou-se de um pulo, vestiu seu paletó e desligou a máquina.
Passou apressado pelo escritório dos amigos, despedindo-se, e apertou o botão do elevador umas vinte vezes. Precisava chegar em casa antes das oito; não queria dar mais motivos para que pegasse no seu pé.
Quando estava caminhando em direção ao estacionamento, encontrou um menino de não mais do que oito anos, segurando uma caixa de papelão cheia de rosas.
- Quer comprar uma, moço? – o menino ofereceu.
Harry pensou em recusar, mas quando seus olhos encontraram os olhos do menino, simplesmente não teve coragem.
- Me vê duas – pediu, tirando uma nota de uma libra da carteira.

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olhou o relógio, distraidamente, enquanto Abigail escolhia uma das cartas que ela segurava como um leque; a menininha colocou a mão rechonchuda sobre a carta com o desenho de uma gata e fez uma careta presunçosa.
Essa era sua tática de jogo: toda vez que Abigail colocava a mão sobre uma carta que não fosse o mico, ela assumia uma expressão vitoriosa e, quando a garotinha pegava o mico, ela fingia estar chateada.
Não era muito justo, ela admitia, mas era divertido ver a reação da garota ao ver que tinha sido enganada.
Já era a quinta vez seguida que elas jogavam e percebeu, incomodada, que eram quase oito e vinte. Harry Judd estava atrasado.
Abigail, surpreendendo a professora, optou pela carta da gata.
- Sabia! – a garota vibrou, quando viu que era um felino e não o mico – Eu sabia que você estava tentando me enganar de novo! – e fez uma dancinha da vitória que fez rir.
Nesse momento, a porta do apartamento se abriu e Harry Judd entrou. Abigail deixou as cartas sobre a mesa e correu para cumprimentar o padrinho, dando-lhe um abraço apertado.
- Boa noite, tio Harry! Como foi no trabalho? – ela perguntou, saudosa.
- Foi muito legal, Gail – ele sorriu, bagunçando-lhe os cabelos, afetuosamente – Já fez a lição de casa? – ele perguntou.
- Sim! E já tomei banho, também! – a garotinha respondeu, saltitante.
- Ótimo. Então, será que você pode brincar um pouco com o Max, enquanto eu converso com a professora um pouquinho? – ele pediu.
Abigail concordou, e correu para a área de serviço.
- Senhorita , será que poderíamos...? – ele indicou a gigantesca sacada da cobertura; ele abriu a porta de correr de vidro e os dois foram para fora.
- Judd... – começou, pronta para repreendê-lo.
Nesse instante, Harry puxou de dentro do bolso interno do paletó as duas rosas.
- Essa é porque eu cheguei atrasado – ele disse, entregando-lhe a primeira – E essa é para agradecer por tudo o que você tem feito. Eu sou realmente muito grato. E eu sei que eu cheguei depois do horário, mas eu saí às sete e meia da Super Records, o trânsito estava horrível, se tiver qualquer coisa que eu possa fazer... – enquanto falava, Harry sacou o seu maço e puxou um cigarro de lá de dentro.
- Pare de fumar – ela disse, com simplicidade, segurando as duas rosas em uma só mão.
- O quê? – ele perguntou, perplexo, com o cigarro entre os lábios e o isqueiro em mãos, os olhos fixos nela.
- Bem, você perguntou o que você poderia fazer para recompensar e eu estou te pedindo para parar de fumar – ela respondeu, como se fosse muito óbvio.
- Mas... mas... mas eu trouxe flores – ele disse, parecendo perdido.
- Olha, se você está planejando morrer de câncer no pulmão, eu nem sei o que eu estou fazendo aqui, Judd – disse, revirando os olhos – Então, aqui estão as suas rosas, e boa sorte com a assistente social.
Ela estava caminhando de volta para dentro do apartamento, quando Harry Judd olhou para o céu e respirou fundo antes de falar:
- Tá legal.
deu um sorriso presunçoso, mas certificou-se de mascará-lo quando girou nos calcanhares e caminhou de volta até o homem alto; deu um sorrisinho cínico e estendeu-lhe a mão.
- O maço – ela pediu.
- Eu acho que não gosto mais de você – ele resmungou, enquanto entregava o maço à mulher.
- Estamos fazendo isso pela Abigail, você não precisa gostar de mim – observou a mulher, divertida – Agora, isso aqui também me pertence – colocou-se na ponta dos pés e tirou o cigarro que estava entre os lábios de Harry – e minhas rosas. Eu quero de volta.
Harry ficou olhando para o chão, incomodado, mas entregou-lhe as rosas.
- Nunca tentei parar de fumar antes – ele disse, num resmungo.
- Ótimo, sempre tem uma primeira vez para tudo – sorriu – Escute, Judd, essa menina já perdeu os pais, não podemos... você não pode – corrigiu-se – se dar ao luxo de fazê-la perder mais alguém importante.
Harry considerou aquilo, e então fixou seus olhos nos dela.
- Você é irritante, sabia disso? – ele perguntou, erguendo as sobrancelhas, mas a forma como seus olhos azuis brilhavam indicava que ele não pensava isso de verdade.
- Já fui informada disso por algumas pessoas durante minha existência – ela sorriu, entrando na brincadeira – Boa noite, senhor Judd. Até amanhã.
- Até – ele disse, e observou-a deslizar a porta e entrar; quando ela a fechou, do lado de dentro, seus olhos se encontraram novamente e ela deu um sorrisinho e acenou, despedindo-se.
Ele acenou de volta e, enquanto observava-a se afastar em direção à porta de entrada, não pôde evitar sentir que aquele era o momento ideal para fumar um cigarro.

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- Foi tão divertido, tio Harry! – Abigail suspirou – Você e a professora são as pessoas mais legais de todo o Universo! Já sei! – ela pulou no sofá, fascinada pela própria ideia que seu cérebro formulou – Por que é que vocês não se casam?
Harry riu.
- Não é tão fácil assim, Gail – ele disse, enquanto zapeava pelos canais da TV, procurando por alguma coisa que pudesse assistir com a afilhada que não fosse colorido, educativo e com músicas irritantes.
Desistiu depois de alguns segundos, colocando no Discovery Kids.
- Eu acho que ia ser muito legal – ela insistiu.
- Shh. Não me atrapalhe, está passando Charlie & Lola – ele resmungou, zombeteiro, jogando uma almofada na afilhada.

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enfiou o dedo na campainha da amiga; quando atendeu, estava enrolada em seu roupão felpudo e secava os cabelos escuros com uma toalha avulsa.
- E então? Como está a vida sexual da sua vizinha?
- Não sei, fiquei o dia todo trancada no consultório brincando de tetris até você me ligar. Não vamos falar sobre isso – ela disse, em tom definitivo – Espero que esse relacionamento não dure muito – fez uma careta.
- Trouxe o vinho? – perguntou, abrindo passagem para que a amiga entrasse em seu apartamento.
- Claro – ergueu sua bolsa espaçosa de couro – Como foi seu dia na mansão do Judd?
- Bem, eu e Abigail ficamos no apartamento, basicamente. Ela me mostrou o Max – disse, enquanto as duas caminhavam em direção à cozinha.
- Max? O senhor coelho que é o coelho mais fofo de todo o Reino Unido, potencialmente do Universo? – riu , enquanto abria o armário da amiga, escolhendo duas taças de cristal – Que honra!
- Eu sei! E ele é realmente adorável! – sorriu, enquanto pegava uma peça de queijo de dentro da geladeira e começava a fatiá-lo – Você sabia que Harry Judd fez ela ser responsável pelo coelho? Ela que tem que dar a comida, a água, trocar o jornal e tudo mais. Achei isso bem legal.
- Rosas – disse , repentinamente.
- O quê? – perguntou, as sobrancelhas erguidas.
- Rosas. De quem são essas rosas? – perguntou, apontando para as duas rosas que ganhara de Harry naquela noite.
- Ah. Minhas. Então, como eu dizia, o Max – continuou, sentindo as bochechas pinicando. Não queria conversar sobre as rosas ou sobre Harry Judd.
- Suas como? Você ganhou de alguém ou comprou para você mesma? – insistiu no assunto, observando a amiga atentamente; e eram amigas por tempo o suficiente para que a professora soubesse que não adiantaria mentir.
- Eu ganhei – admitiu – Mas não significa nada.
- Você ganhou rosas e nem me contou? Quem foi? Quem te deu? – praticamente pulava, exultante – Foi ele, não foi? O Judd! Isso é tão empolgante, você vai ter um caso com uma estrela do rock! Isso é tão anos 80!
- Eu não vou ter um caso com ninguém – sibilou , séria, voltando sua atenção para o queijo – Ele me deu uma rosa como agradecimento e outra como um pedido de desculpas, por ter chegado atrasado. Não é nada demais, pare de ficar pulando que nem uma adolescente com meio cérebro.
- Ouch – fez uma careta, enquanto servia as duas taças com o vinho – Eu só estou dizendo...
- Nós estamos fazendo isso pela Gail – interrompeu-a Mesmo se eu quisesse alguma coisa, o que não é o caso, eu não faria nada. Relacionamentos significam complicações e, acredite, é a última coisa que Abigail precisa no momento.
- Isso é verdade – concordou – Que tal um poker? – sugeriu, entendendo pelo tom de voz da amiga que o assunto estava encerrado.
- Ótimo – sorriu, grata pelo fato de ter uma amiga que a compreendesse tão perfeitamente.

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- Vamos, Abigail, estamos atrasados! – berrou Harry, enquanto apertava o botão do elevador avidamente.
A menina apareceu, correndo, os cabelos ruivos presos em um rabo de cavalo e a mochila roxa nas costas.
Eles desceram direto para o estacionamento e, de lá, direto para a escola; Harry nem percebeu, mas estava andando a mais de 80 quilômetros por hora.
E Abigail, olhando pela janela, enquanto balançava as perninhas ao ritmo de The Killers, sequer reclamara.

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- O que você quer dizer com “ele não deixou a chave”? – perguntou , observando o porteiro com os olhos castanhos arregalados.
- Sinto muito, senhorita , mas o senhor Judd não deixou nenhuma chave essa manhã.
Abigail observava tudo aquilo com os olhos verdes arregalados.
- O que vamos fazer agora, professora ? – a garotinha perguntou.
ficou em silêncio, brincando com a chave do seu carro, enquanto considerava a questão.
- Vamos para a minha casa.

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Na manhã de sexta-feira, Dougie já se sentia consideravelmente mais sóbrio; passar o dia anterior em casa, dormindo e considerando sua atual situação fez com que ele sentisse duas coisas: desespero e arrependimento.
O primeiro sentimento se relacionava ao fato de que era um assunto não apenas sagrado, como secreto: nunca comentara sobre ela nem mesmo para os seus melhores amigos. Ela era uma parte dolorosa do seu passado que ele preferia esconder.
Apenas uma pessoa soube sobre ela: Frankie. E olhe no que dera.
O arrependimento também estava ligado a : queria sua foto de volta. Tomara sua decisão de se livrar dela regado pelo álcool e, agora que a sobriedade voltava a lhe comandar a mente, tudo o que mais queria era resgatar sua foto.
A primeira providência que tomou quando chegou à Super Records foi correr até o escritório de ; encontrou-a debruçada sobre alguns gráficos, analisando-os atentamente.
- Bom dia, ! – desejou, colocando um sorriso relaxado no rosto.
A mulher ergueu os olhos e sorriu para ele.
- Bom dia, senhor Poynter! Sente-se melhor? – perguntou, genuinamente interessada.
- Sim, sim – ele respondeu, casualmente, entrando no escritório e ocupando uma das cadeiras que ficavam de frente à mesa da vice-presidente – Já que estamos falando sobre isso... eu gostaria de te pedir uma coisa. Duas, na verdade.
observou-o, atentamente, sentando-se em sua cadeira giratória e deixando de lado os gráficos.
- Pois não – deu a deixa para que ele prosseguisse.
- Primeiro, eu... – engoliu em seco, sentindo as bochechas queimarem – Eu realmente gostaria que você não comentasse com ninguém sobre a , eu não contei para nenhum deles e não quero ter que falar sobre isso agora – concordou com um aceno de cabeça – E, segundo... eu não sei bem como falar isso... – envergonhado, passou a mão pelos cabelos.
- Não – respondeu, com simplicidade.
- O quê? – questionou Dougie, perplexo.
- Se você vai pedir a foto de volta, nem peça – ela retorquiu, calmamente – Porque não vou devolvê-la.
Dougie abriu a boca, mas, por alguns segundos, nenhum som saiu de seus lábios.
- Por ordem de quem, posso saber? – perguntou, finalmente.
- Sua – ela deu de ombros.
- Eu não... – e então, a memória de pronunciar as palavras “mesmo que eu implore” lhe invadiram e ele se odiou um pouquinho mais pela bebedeira da noite anterior – Eu estava bêbado, , não se pode levar em consideração as palavras de um ébrio.
- Engraçado. O Dougie bêbado de ontem à noite parecia muito mais sensato do que o sóbrio de agora – ela resmungou, cruzando os braços – Senhor Poynter, te dar a foto seria ruim para você. O que é ruim para você é ruim para a Super Records. E eu sou encarregada de assegurar de que nada ruim aconteça a Super Records. Agora, xô – acenou com a mão, expulsando-o – Tenho trabalho a fazer.
- Mas, ... – ele tentou, sentindo seu coração diminuir.
A mulher tinha voltado sua atenção para a atividade anterior e, sem erguer os olhos, prosseguiu:
- E, senhor Poynter, por favor, você poderia chamar Lewis, da Contabilidade, para mim?
- Você vai me dar minha foto? – perguntou, colocando-se de pé.
- Não.
- Então, chame-o você mesma – resmungou, marchando para fora do escritório da mulher.
observou-o se afastar, perplexa; revirou os olhos e pegou o telefone ao lado do computador, digitando o ramal do departamento.

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Harry estava terminando de ouvir uma música que uma banda de Essex enviara por e-mail, quando seu celular começou a tocar, estridentemente; tirou os fones do ouvido e sacou-o.
Viu no leitor “” e franziu o cenho.
- Boa tarde, professora – ele disse, assim que atendeu a chamada.
- Boa tarde, senhor Judd. Estou ligando só para avisar que você nos deixou trancadas para fora hoje – olhou de lado para Abigail que riu.
- O quê? Não, eu... – Harry enfiou a mão no bolso do terno e sentiu a chave lá, fechou os olhos e xingou-se mentalmente – Eu sinto muito, me esqueci. Se quiser deixa-la aqui, eu...
- Não, escute, estamos indo para a minha casa. Vou mandar o endereço por mensagem e você vem buscá-la às oito horas, está bem?
- Certo. , nem sei como te agradecer.
- Fumou hoje? – ela perguntou.
Harry sentira a vontade de fumar o dia inteiro, mas o fato de não ter nenhum cigarro por perto o ajudava a distrair sua vontade.
- Não.
- Ótimo – ela riu – Nos vemos mais tarde.
- Até – ele despediu-se e desligou o telefone.

X


Abigail e estavam entretidas em seus próprios afazeres; enquanto a ruivinha terminava sua lição de casa, corrigia alguns exercícios dos alunos.
Quando a campainha tocou, estridente, as duas deram um pulinho, sobressaltado; afastou a cadeira e levantou-se, cobrindo rapidamente a distância entre a mesa da sala e a porta, antes que a pessoa resolvesse atolar o dedo na campainha novamente.
Abriu a porta e encarou , segurando em uma mão a caixa de transporte de animas, com Tiesto.
- Ele pode ficar com você hoje à tarde, por favor? – pediu, os olhos castanhos suplicantes – Ele está meio mal humorado e nervoso. Eu acho que ele ficou incomodado com todo aquele sexo animalesco com o qual ele teve que conviver na noite passada.
- , é o Tiesto. Ele é mal humorado e nervoso desde que você adotou ele. Você deveria se preocupar se um dia que ele viesse todo carinhoso e feliz para perto de você – disse, recostando-se contra a batente da porta, impedindo a passagem da amiga – E de qualquer maneira, eu tenho visitas.
estreitou os olhos.
- Quem é? – perguntou, inclinando a cabeça – É o seu amado...? – antes que ela conseguisse terminar a pergunta, a cabecinha de Abigail surgiu no espaço entre o quadril de e a porta.
- Doutora ! – a garotinha sorriu, acenando – Ah, e um gatinho! Boa tarde, senhor gato! – Abigail espremeu-se, passando por e ficando na altura da caixa que guardava o gato.
lançou um olhar arrogante na direção de , que arregalou os olhos e começou a fazer que não com a cabeça, pedindo desesperadamente para que a amiga não fizesse o que quer que ela tivesse acabado de planejar.
- Abigail – disse, numa voz cantada – O que você acha de cuidar do Tiesto para mim, hoje? Eu consideraria isso o maior favor do Universo!
- Ah! – a garotinha aplaudiu, exultante – Eu posso, professora ? Eu já quase terminei a lição de casa, e...
deu um sorriso largo.
- Claro, Gail.
Abigail soltou um gritinho histérico e correu para dentro do apartamento, provavelmente para terminar a lição de casa. estreitou os olhos castanhos na direção da amiga, que devolveu-lhe um sorriso angelical.
- Eu te odeio – decretou , enquanto pegava a caixa de transporte com Tiesto dentro – De verdade.
- E eu te amo. Você é a melhor amiga do mundo, obrigada por quebrar esse galho por mim! – agradeceu , lançando um beijo no ar para a amiga, antes de chamar o elevador.
rosnou e fechou a porta do apartamento com o pé.

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Harry estava terminando de ler uma notícia, quando Mike Sullivan entrou em seu escritório, com as correspondências.
- Boa tarde, senhor Judd – o homem desejou, com um sorriso largo – Como está a Gail?
- Boa tarde, Mike – Harry sorriu, afastando-se do computador para dar atenção ao homem – Ela está ótima. Agora, ela fica com a professora até eu sair do trabalho.
Mike Sullivan soltou um assovio.
- Aquela mulher é assustadora. Linda, não me entenda mal... mas antes de ontem? Quase me borrei nas calças, e olhe que ela é quase metade do meu tamanho – ele ponderou.
Harry gargalhou, lembrando-se de como entrara como uma tempestade na Super Records, deixando todos perplexos.
- É verdade. Aterrorizante, ela é mesmo. Escute, Mike, você tem alguma coisa muito importante para fazer agora? – perguntou Harry, enquanto revirava seu bolso atrás de algo, surpreendeu-se em ver como ele estava espaçoso, dado a ausência de seu maço. E, então, teve vontade de fumar – Pode me fazer um favor?
- Claro, senhor Judd. É só pedir.

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- Terminei! – Abigail vibrou, fechando o caderno e escorregando da cadeira para o chão, correndo até o local onde Tiesto estava guardado – Posso soltar ele agora? – pediu, ansiosa.
- Pode – gemeu – Mas, Gail, tome cuidado, o Tiesto pode ser muito... temperamental.
- Está certo – Abigail concordou, ausente, enquanto lutava contra o tranco da gaiolinha.
- Vou pegar um suco. Quer? – ofereceu , levantando-se e espreguiçando-se.
- OK! – Abigail disse, ainda com sua concentração completamente focada em abrir a gaiola.
estava servindo dois copos de suco, e quando voltou encontrou uma cena inacreditável: Abigail estava sentada com pernas de índio e Tiesto estava deitado no seu colo, calmamente, deixando que ela acariciasse sua orelha.

X


Harry estava mexendo a perna, ansioso; há alguns segundos, estava revirando suas gavetas atrás de uma nota fiscal e encontrara um maço de cigarros na terceira gaveta.
E, agora, sua vontade de fumar estava insuportável.
Tinha passado uma parte razoável do dia bem, mas aquilo era tentação demais; olhou para o teto e, lentamente, reabriu a gaveta. Encarou o maço por alguns segundos e pegou-o.
Observou-o por alguns segundos, recostando-se contra a cadeira.
“Um cigarro só. Quero dizer, está exigindo demais. Se você fumar só um cigarro ainda assim seria um enorme avanço para quem fuma, o quê? Quase um maço por dia. Sozinho? O que é um cigarro? Eu respondo. Nada. Nadinha”, Harry usou o dedão para abrir o maço, convencido.
Nesta hora, seu celular vibrou e ele viu que era uma mensagem. De .
Suspirou e deixou o maço de lado, abriu a mensagem:
“Caxton Street, 147, apto. 25.
NÃO FUME.

Harry rosnou, guardou o celular no bolso e pegou o maço; levantou-se de sua mesa e caminhou imponente até o escritório de Danny. Encontrou o moreno sentado em sua cadeira, os dois pés apoiados na mesa, enquanto dedilhava sua guitarra.
- Danny, hey. Presente para você – arremessou o maço na direção do vocalista que pegou-o no ar.
- Um maço de cigarros? – Danny ergueu as sobrancelhas e abriu o maço – Começado? Poxa, Harry, não sei nem como te agradecer – ironizou.
Harry resolveu ignorar a ironia e sentou-se na cadeira vaga.
- Estou parando de fumar – disse, dando de ombros.
Danny ergueu as sobrancelhas.
- Por quê? – perguntou.
- Alguma coisa a ver com não querer morrer de câncer no pulmão e deixar a Abigail sozinha – ele resmungou, incomodado – está me obrigando.
Danny deixou a guitarra de lado, enquanto concordava com um aceno de cabeça, considerando o que acabara de descobrir.
- Espero que o sexo valha a pena – disse, por fim.
- Nós não... isso não tem nada a ver com... – Harry resmungou, incomodado.
- Você está parando de fumar e nem está transando com a mulher que está te obrigando a essa tortura? – Danny admirou-se; assoviou, perplexo – Cara, isso é muito triste.
- O que é muito triste? – perguntou Dougie, enfiando a cabeça dentro do escritório.
- Harry está parando de fumar – Danny mostrou o maço, ilustrando o seu argumento.
- Sério? – Dougie entrou no escritório e sentou-se na cadeira ao lado do baterista – Legal, mas por quê?
- Por causa da Abigail – Harry respondeu, ao mesmo tempo que Danny respondeu “porque ele quer pegar a professora ”.
Dougie lançou um olhar confuso para os dois.
- Abigail ou pegar a professora ?
- Abigail – Harry respondeu com firmeza – Câncer de pulmão e etc.
Dougie franziu o cenho, abriu a boca para responder, mas Tom escolheu esse momento para entrar no escritório de Danny.
- E aí, o que está pegando?
- Harry está parando de fumar para pegar a professora – Dougie e Danny responderam ao mesmo tempo.

X


estava impressionada com a forma como Tiesto estava amigável com Abigail, até deixara que a professora lhe acariciace a barriga, ronronando.
Quando a campainha tocou, olhou para o relógio e constatou que eram dez para as oito horas da noite. Quando ela abriu a porta, ficou surpresa e satisfeita em ver Harry Judd parado à sua frente.
Ele parecia ainda mais alto, com a luz do corredor brilhando atrás dele, parecendo criar uma aura em volta dele.
Ou talvez fosse apenas a mente dela pregando-lhe truques.
- Abigail! Seu tio está aqui, arrume suas coisas! – berrou, e então voltou-se para o homem à sua frente - Senhor Judd! Você está no horário! – ela riu.
- Para compensar a dor de cabeça – ele deu um sorriso sem graça – E isso é para evitar os próximos – ele disse, estendendo-lhe um envelope.
pegou o envelope e observou Harry, desconfiada.
- O que é isso? Se for dinheiro, eu não quero – ela disse.
Ele riu.
- Não é dinheiro. Apenas abra – incentivou-a.
Ela abriu e colocou a mão dentro, puxando de lá uma chave; sua expressão deve ter entregado sua confusão, porque Harry sorriu.
- É uma cópia da chave do meu apartamento. Para você nunca mais ficar trancada para o lado de fora – ele fez uma careta – Eu realmente sinto muito por isso.
arregalou os olhos castanhos.
- Senhor Judd, eu realmente acho isso um exagero... – ela disse, devolvendo a chave dentro do envelope e estendendo-o para o homem – É só não esquecer de deixar a chave para mim, eu não posso aceitar sua chave.
Nesse momento, Abigail surgiu, sorridente, com sua mochila roxa nas costas.
- Tio Harry, você conhece o Tiesto, gato da doutora ? – ela perguntou, puxando-o para dentro do apartamento de .
- Licença – Harry sorriu, sendo puxado pela afilhada; aguaixou-se do lado de Tiesto, que estava esparramado no tapete. Acariciou levemente a cabeça do bichano e, então, levantou-se – Você tem um apartamento adorável.
- Obrigada, senhor Judd – ela disse, nervosamente, segurando o envelope com as duas mãos.
- Me chame de Harry – o homem pediu, e seus olhos encontraram os olhos castanhos da professora por alguns segundos – Você tem a chave do meu apartamento agora.
- Não, eu...
- Ah, que legal! – Abigail cortou-a, saltitante – Agora você pode vir visitar a gente sempre que quiser, professora ! Isso não é ótimo?
deu um sorriso.
Era impressão dela, ou estava todo mundo usando aquela ruivinha adorável contra ela?
- É, vai ser ótimo. Obrigada pela chave... Harry. – ela sorriu e então, balançou a cabeça – Gostaria de alguma coisa para beber? Eu acho que tenho suco e... ahn... água.
Harry deu um sorriso que fez seu corpo inteiro derreter; ele abaixou-se novamente para coçar a orelha de Tiesto, que ronronou com a carícia. Qual era o problema daquele gato?
Só era um completo tirano arisco com ela?
- Agradeço, professora , mas acho que já está na hora de irmos. Não queremos dar mais trabalho, não é, Gail?
Abigail concordou, ausente, enquanto passava a mão pequenina na barriga do gato.
- Não é incômodo algum e me chame de – ela sorriu, sentando-se na ponta do seu sofá, observando os dois.
Harry ergueu os olhos de Tiesto e seus olhos azuis encontraram os olhos de , os dois se observaram por alguns segundos, e ele se colocou de pé, com um sorriso tímido, enquanto enfiava as duas mãos no bolso da calça.
- Vamos, Gail, está na hora – ele disse.
Abigail soltou um grunhido sofrido.
- Professora , nós vamos brincar de novo amanhã? – perguntou a garotinha, erguendo os olhos verdes para encarar a mulher.
- Gail, amanhã é sábado, não tem escola – respondeu, carinhosa.
- Ah... – Abigail olhou para os próprios pézinhos, decepcionada – Mas você tem a chave do apartamento do tio Harry agora! – ela se recordou, animada – Pode ir brincar comigo amanhã!
arregalou os olhos e entreabriu os lábios, surpresa. Seus olhos foram até Harry, questionando-o; mais do que isso, pedindo que ele a ajudasse.
- Abigail, eu não... – a professora começou, incerta.
- Nós poderíamos brincar de monopoly! Nós três! O que você diz, tio Harry?
Olhos azuis e escuros se encontraram; os lábios de Harry se contraíram em outro sorriso irresistível.
- Eu não me importaria, a não ser que a tenha algo mais importante para fazer...
Aqueles olhos eram hipnotizantes; quando deu por si, estava dizendo:
- Não, não tenho nenhum plano. Amanhã está ótimo.
- Às onze, então – Harry agendou, enquanto Abigail saltitava envolta dos dois, rindo, contente e satisfeita; os dois caminharam até a porta e se apressou em levantar-se a abrir a porta para eles.
- Até amanhã, professora – Abigail disse, feliz, pulando para o corredor e correndo escada abaixo.
- Até amanhã, – Harry sorriu, segurando a mochila roxa da garota em uma das mãos – ABIGAIL, ESPERA! – ele berrou, também sumindo pelas escadas.
recostou-se contra a batente da porta, observando o corredor vazio; lentamente, um sorriso bobo tomou conta de seu rosto.

X


Quando Harry abriu a porta do apartamento, Abigail passou por ele como um cometa e correu para a área de serviço.
- Desculpe, Max! Você está com fome? Com sede? Vou te dar sua comidinha agora, prometo! Tio Harry, você pode cortar uma cenoura para mim, por favor? – a garotinha pediu, enquanto se ajoelhava ao lado da gaiola do coelho e o pegava no colo; com a mão livre, pegou a tigela de água – Max, hoje eu conheci o Tiesto, é um gatinho muito legal, vocês poderiam ser amigos!
Harry riu, enquanto ouvia a afilhada tagarelando com o coelho; lavou as mãos na pia da cozinha e pegou uma cenoura, colocando-a sobre a bancada. Abriu a gaveta para pegar uma faca, quando o telefone começou a tocar.
Estendeu a mão para pegá-lo, apertou o botão e prendeu-o entre a orelha e o ombro.
- Alô? – atendeu, enquanto começava a cortar pedacinhos da cenoura.
- Olá, seu desnaturado! – a voz de Emma invadiu seus ouvidos – O que é que uma mãe tem que fazer para ouvir notícias do seu filho caçula?
Harry sorriu.
- Oi, mãe. Desculpe, as coisas estão meio loucas por aqui... – ele respondeu.
- Sei. Seu pai te mandou um ‘olá’. Queremos saber o que você vai fazer para o aniversário da Gail – ela disse, distraída; Harry conseguia imaginá-la cozinhando enquanto falava com ele.
“Espera. O quê?”, o moreno questionou, mentalmente.
- Aniversário, o quê? – ele perguntou, perplexo.
Emma riu do outro lado da linha.
- Ora, querido, não me diga que você esqueceu que o aniversário de Abigail é no dia 16?
Harry olhou rapidamente o calendário digital que estava em cima da porta da cozinha: dia 10 de dezembro.
“Que droga!”, pensou, revoltado.
- Não, mamãe, claro que não esqueci... – deu uma risadinha nervosa – Eu vou fazer algo fantástico. Sensacional. Tenho que ir. Nos falamos amanhã. É... tchau.
Desligou sem dar tempo para que a mãe desligasse; esticou-se para espiar a área de serviços e viu Abigail beijando a cabecinha peluda de Maxwell, enquanto rodopiava com ele.
Certo, não era motivo para pânico. Ele ainda tinha seis dias para planejar uma festa, qualquer um poderia fazer isso.
Ele só precisaria ser competente e...
Um sorriso espalhou-se no seu rosto, enquanto ele pegava seu celular de dentro do bolso da calça.
Seis dias era tempo mais do que suficiente se você tivesse a seu favor.
Apertou send.

“That's what friends are supposed to do, oh yeah
You can count on me cause I can count on you
Bruno Mars – Count on Me


Capítulo 11 – Just Dance

“Wish I could shut my playboy mouth (oh oh oh oh)
How'd I turn my shirt inside out? (inside out right)
Control your poison babe, roses have thorns they say
And we're all gettin' hosed tonight (oh oh oh oh)”
Lady Gaga – Just Dance

- Seis dias, Harry Judd? Você é o quê, doente mental? – explodiu, do outro lado do telefone – Qualquer pessoa com meio cérebro sabe que é impossível planejar uma boa festa em seis dias. Você é louco. Sem chance. Não vou colocar meu nome nesse fiasco.
Harry empurrou a porta do seu quarto com o pé; não queria que Abigail ouvisse aquela conversa e descobrisse que ele tinha se esquecido de seu aniversário.
Que tipo de pessoa faz isso com outra?
- Por favor, , faça isso pela Abigail! – ele suplicou – Eu sou um péssimo padrinho, você não pode penalizar a pobre Gail pelos meus atos inconsequentes. Como você vai conseguir dormir à noite sabendo que a Abigail vai ter um aniversário horrível e você poderia ajudar e não o fez?
Ele deu um sorriso ao perceber que não tinha uma resposta para isso; Tom comentara com ele o acesso que a mulher tinha tido ao descobrir que Abigail estava sob os cuidados da “psicótica que tivera um ataque”.
- Isso vai sair caro, você sabe – ela disse, por fim.
- Você tem toda a minha conta bancária para usar – ele ofereceu, prontamente.
Ele ouviu-a bufar do outro lado da linha e sorriu, porque sabia que a tinha vencido.
- Está certo. Mas estou fazendo isso porque eu sei o quanto é ruim ser uma criança e não ter uma festa de aniversário decente. Da próxima vez? Te deixo na mão, a não ser que você me dê dois meses de antecedência para planejar. Estamos combinados, Judd? – perguntou ela, séria.
- Mais do que combinados. Isso é um pacto.
- Certo. Passarei aí às dez e meia amanhã, para buscá-la. Boa noite – e desligou o telefone.
Harry suspirou e deitou-se na cama, observando o teto.
Fechou os olhos, sentindo a tensão nos seus ombros levemente se aliviar; descalçou os sapatos com os próprios pés e se empurrou para o centro da cama.
- Ah, isso é bom – murmurou, enquanto sua cabeça afundava no travesseiro de penas de ganso.
- Sabe, você fala muito sozinho. Isso não pode ser normal – Harry não abriu os olhos, mas sorriu com o comentário.
- Olá, Charlie. Como foi o seu dia?
- Não contamos as coisas assim. Não tem mais dias, nem noites. É bem divertido. Mas não se apresse, ainda preciso de você para cuidar da minha princesa – Charlie imitou a posição do amigo e ficou observando o teto – E aí, como é que foi o seu dia?
Harry abriu um dos olhos e observou o amigo com o canto dos olhos.
- Achei que agora você fosse tipo onipotente e oniconsciente.
- Eu morri, não fui promovido a Deus – Charlie respondeu, revirando os olhos.
Harry riu.
- Ponto. Estou parando de fumar. Não fumei nem um cigarrinho hoje – Harry abriu os dois olhos e ficou observando o teto.
- Ouvi dizer – Charlie resmungou – Agora, sou eu, então seja sincero: está fazendo isso por quem? Pela professora bonitinha, pela Gail ou por você mesmo?
Harry considerou, e então riu.
- Definitivamente não é por mim – deu de ombros – Eu acho que é um pouco das duas. Não me entenda errado, eu não estou apaixonado pela , mas eu sei que preciso dela para ficar com a Gail.
Os dois se entreolharam, em silêncio por alguns segundos.
- Você viu a última? Esqueci o aniversário dela – Harry rosnou, rompendo o silêncio, inconformado com sua negligência.
- Nah – Charlie descartou seu motivo de preocupação com um aceno negligente – Problema vai ser o dia que você esquecer a data do seu aniversário de casamento, Juddy. Além do mais, você tem a ao seu lado. Aquele furacão resolve qualquer problema.
Aquilo era verdade e fez com que Harry ficasse um pouco mais tranquilo. Fechou os olhos, relaxado. E, quase sem sentir, adormeceu.

X


estava correndo há quase vinte minutos; “Always Up With You” do Alphabeats tocava em seu iPod nano, atado ao seu antebraço.
Sentiu-se leve, enquanto a paisagem bucólica do Kennington Park passava por ela, as árvores desfolhadas porque o inverno já se instalara e provavelmente demoraria muito pouco até começar a nevar.
Correr era uma das poucas coisas que realmente a ajudava a desestressar depois de uma semana cansativa de trabalho; era um costume correr por meia hora nos dias de semana, quando conseguia sair da Super Records antes do horário do parque fechar, e uma hora nas manhãs de sábado e domingo.
Olhou seu relógio digital e constatou que eram quase oito horas da manhã; parou um pouco, perto de um banco, e pulando de um pé para o outro, pegou sua garrafinha de água e deu um gole longo.
Nessa hora, sentiu o bolso do seu casaco vibrando; estranhando, resgatou seu celular lá de dentro, quando olhou o visor percebeu que no mero ato de pegar o telefone, atendera-o.
Imediatamente, levou-o à orelha.
- ?
- Olá, meu lindo girassol – a voz melosa com um leve sotaque francês fez com que ela fechasse os olhos e se xingasse por não ter ao menos se dado ao trabalho de checar quem ligara – Aqui é o Klaus.
- Eu sei – ela disse, abrindo novamente sua garrafa e dando um longo gole.
O homem riu do outro lado.
- Você não retornou nenhuma das minhas ligações, sua espertinha – ele disse, bem humorado – Se não te conhecesse melhor, diria que está me ignorando.
- Eu estive sem tempo – disse, sem nenhuma sinceridade – E meu celular está ruim, não consigo ver as ligações, e... enfim – nunca fora uma boa mentirosa e não estava disposta a tentar melhorar essa habilidade por Klaus Demien.
- Entendo... Bom, estou ligando para perguntar se você não quer vir a esta balada que estou organizando, vai ser open bar e insana. Sou o responsável pela lista VIP, então...
Revirou os olhos; aquela era uma das aproximadamente duzentas e trinta e sete coisas que ela odiava em Klaus: era um adolescente de vinte anos preso no corpo de um homem de quase quarenta.
E parecia se orgulhar disso.
- Não sei, Klaus, estou meio ocupada hoje – disse, com um suspiro.
- Promete pensar no meu caso? – ele fez uma voz de criança que deu a a vontade de bater com a cabeça do homem contra o concreto.
- Prometo – ela mentiu – Klaus, eu realmente tenho que desligar, estou ocupada.
- Entendo. Um beijo, meu girassol – ele cantarolou.
Ela apenas revirou os olhos, desligando o telefone sem despedir-se.
Deu play no seu iPod e voltou a correr.

X


Harry espreguiçou-se e abriu os olhos, observando o quarto iluminado pelos raios de sol; rolou na cama, ficando de frente para o relógio digital ao lado do criado mudo.
Eram nove e meia. Escorregou para fora da cama, movendo a cabeça de um lado para o outro, aliviando a tensão. Caminhou até o banheiro, despindo-se de seu terno lá dentro.
Ligou o chuveiro e entrou no box, deixando a água quente escorrer pelo seu corpo. Fechou os olhos, aproveitando a sensação.
Terminou o banho e amarrou a toalha em volta do sua cintura; caminhou para fora do box e, depois de passar as mãos pelos cabelos, tirando o excesso de água, entrou no quarto da afilhada.
Parou encostado na batente e sorriu perante a visão pacífica de Abigail dormindo, abraçada com Desdemond; sentiu uma onda de afeto tão forte o envolver que quase perdeu o ar.
Na época em que era apenas seu padrinho, já achava que era impossível amar Abigail mais do que amava, mas agora entendia que ele estava completamente enganado; naqueles tempos, Abigail era sua criança favorita, agora ela era a sua vida.
Jamais veria a morte de seus amigos como uma coisa positiva; se pudesse escolher, Charlie e Claire Dickens ainda estariam vivos e os papéis fraternos pertenceriam a eles, mas não conseguia evitar sentir que a existência permanente de Gail em sua vida era o maior conforto que ele poderia ter para a perda de seus amigos.
Ás vezes, andava pelas ruas e via algum livro do qual ouvira Claire comentar ou passava por uma loja e tocava uma das músicas favoritas de Charlie. Nestas freqüentes ocasiões, sentia seu coração se comprimir e a garganta fechar, aquela vontade de chorar desesperadamente baseado simplesmente no pensamento de que nunca mais poderia comentar sobre um livro com Claire ou jamais poderia discutir uma banda nova que Charlie tinha descoberto.
Lembrou-se de uma noite há aproximadamente um ano e meio.

X


Harry estava alternando o peso de seu corpo entre um pé e outro; segurava em uma mão uma sacola com um ursinho de pelúcia gigante e, na outra, uma garrafa de vinho francês, safra de 1988.
Tinha uma gigantesca novidade que precisava dividir com os melhores amigos e tivera que controlar toda a sua ansiedade para não deixar escapar durante as diversas conversas telefônicas que tiveram durante o dia.
Claire abriu a porta, com um sorriso, e ele a cumprimentou com um abraço bem apertado; gostava do cheiro da amiga, era algo floral e delicado. Fazia com que ele se lembrasse dos melhores momentos da sua infância.
- Que bom te ver, Harry! – ela exclamou, enquanto pegava a sacola com o vinho de sua mão – Estávamos com saudades!
- Tiiio Haaarryyy! – uma pequena Abigail surgiu das escadas, os cabelos ruivos curtinhos e uma risada sapeca nos lábios, abraçada ao seu fiel amigo Desdemond. A garotinha veio correndo em sua direção e deixou que ele a pegasse no colo.
- Olá, Gail! Como você está? – perguntou, sorrindo, enquanto esfregava seu nariz carinhosamente na bochecha da garotinha, que ria.
- Estou bem, tio Harry! O que você trouxe para mim? – perguntou, tentando espiar o conteúdo do pacote.
- A Juddy só vai te dar o presente depois que você comer suas verduras – Charlie disse, surgindo da cozinha com uma tigela repleta de verduras.
Abigail arregalou os olhos verdes, e voltou sua atenção para o padrinho.
- Isso é verdade? – perguntou, como quem diz
“como você pode me trair desse jeito? Achei que fôssemos amigos!”.
- Comer verduras é importante, Gail – Harry disse, colocando-a no chão, enquanto tomava o cuidado de deixar a sua sacola em algum lugar bem alto, longe de seu alcance – Agora, por que você não me conta sobre o seu dia?
Abigail o observava, com uma expressão de irritação.
- Te conto sobre o meu dia depois que você comer todas as suas verduras – respondeu, com simplicidade, dando as costas para o padrinho e caminhando em direção à sala de jantar.
- Ela ilumina o recinto, não é? – Charlie comentou, brincalhão – Isso aí é minha culpa – admitiu – Eu sempre fui o rebelde. Se eu pudesse escolher, Abigail seria inteiramente uma reprodução miniatura da Claire. Seria tão mais fácil de lidar.
Os dois observaram Claire colocando a mesa, enquanto ria das reclamações indignadas da filha de quatro anos, que parecia inconformada com os termos para o recebimento de seu presente.
- Nós vamos abrir uma gravadora – Harry disse, sem desviar o olhar da dinâmica das duas.
- O quê? – Charlie perguntou, observando o amigo com os penetrantes olhos verdes.
- Eu, Tom, Danny e Dougie. Nós vamos abrir uma gravadora – sorriu – E pensamos em convidar você para fazer parte de um dos nossos caça talentos. Ouvindo músicas de bandas desconhecidas, shows em bares sujos...
Harry sorriu, ao ver como os olhos do amigo pareceram divagar, maravilhados, com aquela perspectiva; então, eles se escureceram novamente, lembrando-se da realidade.
- Meu tempo passou, Harry – ele disse, com um sorriso sincero no rosto – Sou um pai agora, não posso me dar mais ao luxo de agir como um adolescente. Abigail pode adoecer a qualquer momento e onde você acha que eu devo estar? Em um show juvenil, enchendo a cara enquanto ouço um cara tatuado berrar alguma coisa sobre sexo e drogas, ou em casa, lendo um livro, depois de um dia exaustivo no trabalho?
Aquela tinha sido a primeira vez que ele realmente percebera a mudança no perfil dos amigos; Claire sempre fora tranqüila, mas Charlie era a definição mais pura de “porra louca”.
Oferecendo-lhe o emprego dos sonhos e observando-o recusá-lo com um sorriso no rosto, Harry percebeu o quanto seu melhor amigo amava sua filha. E isso fez com que ele sorrisse de volta.
- A vaga sempre estará lá para você, caso mude de idéia – Harry concluiu.
- Realmente espero não mudar – Charlie suspirou – E então? Vinho para os velhos?
Harry riu.
- Por favor.


X


Harry percebeu, perplexo, que uma lágrima descia pela sua bochecha, limpou-a, ausente, e resolveu deixar Abigail dormir por mais alguns minutos, caminhando até seu quarto para trocar de roupa.

X


acordou preguiçosamente às dez da manhã; aquilo era um luxo ao qual se deu o prazer de aproveitar, espreguiçando-se na cama e continuando deitada por mais uns bons vinte minutos.
Fechou os olhos, com um sorriso, ao se recordar que tinha planos para hoje: uma agradável tarde jogando Monopoly com uma corajosa garotinha de cinco anos e... Harry Judd.
Sentiu seu estômago revirar, ao recordar-se de como Harry Judd fazia com que ela se sentisse; desde o primeiro momento em que o vira, ajoelhado em frente ao túmulo dos Dickens, ela sentira uma pontada de desejo.
Não poderia negar que um homem alto, musculoso, atraente e bem humorado como Harry Judd arrancaria suspiros de qualquer mulher e, oras, ela não era feita de ferro.
Perguntou-se, enquanto chutava os lençóis para longe e caminhava em direção ao seu banheiro, como seria estar entre os braços firmes e musculosos de Harry Judd: ele a seguraria com firmeza e violência ou gentilmente?
“Não importa”, pensou, com veemência, “Harry Judd é território proibido para você”.
Ligou o chuveiro e deixou a água quente levar seus pensamentos.

X


estava há alguns quarteirões do apartamento de Harry Judd quando ligou, informando-o de que estava a caminho; encostou o carro em frente ao edifício e observou, satisfeita, o homem e Abigail saírem pelo portão, caminhando até o seu Mini Cooper preto.
- Bom dia, , já te disse o quanto eu te amo hoje? – Harry Judd brincou, enfiando a mão enluvada pela janela aberta do carro, cumprimentando a mulher.
revirou os olhos, mas aceitou o cumprimento.
- Oi, tia ! – Abigail colocou-se na ponta dos pés, para conseguir ver melhor a mulher e acenou; aquela manhã de inverno estava particularmente fria, motivo pelo qual a garotinha estava enluvada e seus cabelos ruivos estavam protegidos por uma touca de lã roxa – Você vai me ajudar com o meu aniversário? – perguntou, animada.
- Sim, Gail! – sorriu – Por que não entra no carro?
Harry abriu a porta do carro para Abigail, que sentou-se ao local do passageiro, balançando as perninhas, alegre.
- , não precisa se preocupar com valores. Se for preciso, use o cartão coorporativo da Super Records e me dê as notas fiscais que eu mesmo deposito o dinheiro na conta da empresa, OK? – a mulher concordou com um aceno eficiente e ele voltou sua atenção para a afilhada – Agora, você, mocinha – disse, brincalhão, com o dedo em riste, fazendo com que Gail sorrisse – comporte-se direitinho, obedeça a tia e não dê trabalho, está bem? E não saia de perto dela! – acrescentou, enquanto prendia o cinto de segurança em volta da afilhada.
- Tá certo, tio Harry! – a garotinha concordou, contente.
Harry sorriu e puxou a toquinha da afilhada mais para perto do coro cabeludo, certificando-se de que estava bem encaixada.
- Bom divertimento, vocês duas – desejou, afastando-se do carro e fechando a porta, acenando.
ligou o carro, engatou a primeira marcha e afastou-se.
Harry ainda acenava para elas, enquanto ficava menor no retrovisor.
“Babão”, pensou, revirando os olhos, mentalmente.

X


Gio saiu do banheiro enrolada na toalha e rapidamente correu para debaixo dos cobertores de novo, encostando os pés frios em Tom que, ainda adormecido, soltou um berro, afastando-se da namorada.
- Gio, você morreu, por acaso? – choramingou, enrolando-se completamente no cobertor felpudo, de forma que todo o seu corpo estivesse protegido de qualquer tentativa maléfica da morena que ria, ao seu lado.
Ela sentou-se, despiu-se de sua toalha e começou a se vestir.
- São onze horas e estou com fome – ela disse, enquanto vestia uma calça jeans – Quais são os planos para hoje?
Tom rolou na cama, desvencilhando-se dos cobertores e levantando, com um gemido cansado.
- Estou com saudade dos Guys. Queria fazer alguma coisa – disse, dando de ombros.
- Saudades? – Gio ecoou, terminando de abotoar um casaco de lã preto – Você os vê todos os dias, amor.
- Sim, mas não como antes, sabe? – ele retrucou, resgatando a calça que usara no dia anterior debaixo da cama de casal – Quero dizer, eu não me arrependo nem por um segundo de abrir a Super Records, mas desde que isso aconteceu, nos vemos o tempo todo e mal somos amigos. Parece que somos companheiros de trabalho, discutindo lucros, dívidas... Eu sinto falta de conversar sobre peidos e Star Wars com eles.
Gio sorriu, caminhando até o namorado e apertando-lhe uma das bochechas.
- Então, por que não os convida para uma pizza aqui em casa? E uma sessão de Star Wars? – acrescentou, erguendo as sobrancelhas.
Tom sorriu, puxando-a pelo pulso para o seu colo. Beijou-lhe com gentileza os lábios.
- Sabe de uma coisa? Continue assim e pode até ser que eu me case com você – piscou.
Gio riu e levantou-se, indo em direção à cozinha.

X


Dougie estava deitado em sua cama, observando o teto, agarrado a um travesseiro; sentia-se sozinho sem Frankie pelos cantos da casa, enchendo o recinto com sua presença.
E sentia-se incompleto, sem a foto de ao seu alcance.
Para Dougie Lee Poynter, términos de relacionamento eram, em todos os aspectos, muito semelhantes às gripes. Você poderia passar o dia inteiro sentindo-se bem e forte, mas quando está sozinho, tudo começa a doer e fraquejar, e só o que você quer são duas cápsulas de remédios, uma tigela de sopa e o colo de sua mãe.
Patético, ele sabia. Mas também verdadeiro.
Seu celular começou a tocar e ele prontamente o pegou; tinha a esperança de que talvez fosse Frankie, resolvendo dar a ele uma nova chance. Mas era Tom.
Atendeu mesmo assim.
- Alô? – perguntou, sentindo que sua voz saíra como um gemido torturante.
- Dougie? – Tom parecia preocupado – Você está bem?
Dougie soltou um som indefinido, mas que Tom rapidamente conseguiu identificar como um “não”.
- Escute, conversei com a Gio e estamos pensando em oferecer uma sessão de Star Wars regada com muita pizza. Só os episódios quatro a seis, é óbvio, que são os únicos que prestam...
- Não, obrigado – Dougie fungou.
Houve um breve instante de silêncio.
- Mas... mas... mas é Star Wars e pizza. Como você pode...?
- Foi mal, Tom – Dougie resmungou – Deixa para uma próxima, pode ser?
Desligou o telefone enfiou a cabeça embaixo do travesseiro, esperando que o sono viesse. Ou o fim do mundo.
Quem chegasse primeiro.
X


Harry estava deitado em seu luxuoso sofá de couro, enquanto zapeava os canais da televisão com o controle, seu desânimo era notável; ele costumava saber como aproveitar seu tempo nos finais de semana, mas isso fora antes de Abigail surgir na sua vida.
No último mês, ele passava os sábados e domingos na companhia da afilhada e, ocasionalmente, de seus melhores amigos, assistindo a filmes e comendo as mais diversas espécies de baboseiras.
Agora que Abigail estava fora de casa, era como se ele não se lembrasse de mais nada.
“Elas não devem demorar muito”, pensou, consolando-se.
Nesse momento, seu celular começou a tocar. Em algum lugar.
Harry olhou em volta, procurando pelo aparelho; colocou-se de pé e começou a procurar embaixo das almofadas. Quando percebeu que não estava lá, começou a vasculhar em cima da mesa.
Finalmente encontrou o Blackberry no meio de alguns papéis. Era Tom.
Quando apertou “send”, a campainha começou a tocar.
- Que diabos...? – caminhou até a porta, enquanto atendia o telefone – Oi, Tom.
- Harry! Que bom falar com você! Cara, eu to preocupadíssimo com o Dougie, eu... – Harry abriu a porta de casa bruscamente e seu coração quase parou de bater quando percebeu parada, segurando uma sacola nas mãos e com um sorriso nervoso no rosto.
- Ahn... Tom, te ligo depois – disse, perplexo, desligando o celular e guardando-o no bolso; a recordação de marcar com para que ela viesse brincar com Abigail atacou-o naquele instante e ele se odiou por ter esquecido.
o observava, curiosa.
- Que cara é essa? E bom dia, eu trouxe um bolo de cenoura – acrescentou, estendendo a sacola que segurava que Harry prontamente a aceitou.
Enquanto imaginava o que poderia dizer para justificar aquela situação, afastou-se da porta, dando entrada para .
- Onde está Gail? – a mulher perguntou, entrando no apartamento e olhando em volta, buscando pela garota.
- Ahn... ela não está – ele disse, fazendo uma careta, enquanto a mulher se voltava para encará-lo, surpresa – Ela saiu com a para resolver detalhes da sua festa de aniversário.
o encarava, os olhos arregalados, em pura incredulidade.
- E por que é que você não me avisou? – Harry passou a mão pelos cabelos e ela imediatamente entendeu – Você esqueceu, não foi?
Ele abriu a boca para objetar, mas preferiu não mentir; concordou com um aceno envergonhado de cabeça.
Aquilo magoou mais do que ela esperava. Era óbvio que aquilo não significava nada para Harry Judd, ela era só a mulher que ajudava a cuidar de Abigail, mas ela tinha a sensação de que talvez... apenas talvez... ele também estivesse pensando nela antes de adormecer. Talvez estivesse ansioso para vê-la, como ela estava para vê-lo.
Mas é claro que aquilo era idiotice; ele era uma estrela do rock, um ídolo britânico. Ela era uma professora de primário.
- Bem – suspirou, tentando parecer relaxada – Não tenho nada para fazer aqui, então...
- , espere! – ele a interrompeu, parecendo arrependido – Abigail vai ficar feliz em te ver aqui, quando voltar... por que é que você não fica? Ela provavelmente não demora.
- Mas, Harry...
- Por favor... – ele inclinou levemente a cabeça – Eu tenho uma coleção de mais de cento e cinquenta filmes e pipoca. Garanto que será, no mínimo, divertido.
Tinha uma certa súplica nos olhos azuis do moreno e se detestou ao perceber que queria ficar.
- Certo, mas se passar do meio-dia e a Abigail ainda não estiver aqui, eu vou embora – cedeu.

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- E então? – perguntou, enquanto batucava com os dedos ao ritmo de Miley Cyrus – Já sabe do que vai querer que seja a sua festa?
Abigail estalou os lábios, pensativa.
- Eu gosto muito de Enrolados, sabe? O desenho da Disney sobre a Rapunzel e o princípe dela, que na verdade é um ladrão, mas ele é bonzinho bem no fundo. E tem o cavalo que parece um cachorro – Abigail riu, divertindo-se com suas recordações do filme – Mas o Kevin gosta de Transformers, então eu não sei.
observou-a com o cenho franzido.
- Não entendi. O que tem a ver?
- Bom, eu gosto do Kevin – a garotinha explicou, enquanto suas bochechas ficavam levemente rosadas – E quero que ele venha à minha festa. Então, pensei que se eu fizesse a festa de Transformers, ele viria.
soltou uma risadinha pelo nariz, enquanto engatava a segunda marcha, para sair do sinal vermelho.
- Querida, deixe-me explicar uma coisa antes que você fique mais velha e mais burra – disse, calmamente – Suas vontades vêm sempre em primeiro lugar. Se esse tal de Calvin...
- Kevin – corrigiu Abigail oportunamente.
- Kevin for na sua festa, ele tem que ir por você. Nunca faça nada pelos homens. Eles simplesmente não merecem. Hoje, é uma festa de Transformers, amanhã você está no meio de um monte de marmanjos suados e fedidos, em um jogo do Manchester United. Entendeu?
- Ahn... acho que sim – Abigail retrucou, incerta.
estacionou o carro com habilidade.
- Chegamos. Agora, vamos atrás da sua festa de Encrencados.
- Enrolados – corrigiu Abigail, lutando contra seu cinto de segurança.
- Que seja.

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Danny Jones estava deitado, completamente esparramdo, em sua cama de casal king size. O som estridente que veio de seu celular demorou alguns segundos para tirá-lo de seu sonho que envolvia uma moto Harley Davidson e pelo menos duas garotas com saias de couro curtas e apertadas.
Resmungou baixinho e, sem checar quem ligava, atendeu o telefone.
- Alô – rosnou.
- Eu acho que o Dougie está morrendo – Tom retorquiu.
Danny prontamente sentou-se, sentindo todo seu sono esvair-se em um segundo.
- O quê? Como assim? O que ele fez? Ele está bem? – chutou os cobertores e começou a correr pelo quarto, pegando peças de roupas.
- Ele se recusou a vir aqui em casa assistir Star Wars e comer pizza! – exasperou-se o loiro, incrédulo, do outro lado da linha – Dougie já ficou devastado antes, mas nunca... assim, sabe?
Danny parou no meio do quarto, o celular pressionado entre sua orelha e seu ombro, enquanto puxava as calças jeans pelas pernas.
- Fletcher, você queria me dar um ataque cardíaco, é isso? – perguntou, perplexo – Eu já estava achando que o Dougie tinha se jogado de alguma janela, ou...
- Não, mas eu não sei. Quinta-feira ele já não foi trabalhar, a disse que... A ! – urrou, satisfeito – Ela certamente sabe de alguma coisa, não acha?
Danny piscou, tentando fazer seu cérebro funcionar; mas acabara de ser tirado – brusca e cruelmente, vale recordar – de seu sono e, geralmente, seu cérebro tinha um período de inércia que poderia durar de cinco a dez minutos, dependendo de quantas horas de sono tivera na noite anterior.
- A , o quê? – perguntou o moreno, terminando de vestir sua calça jeans e sentando-se em sua cama, com um suspiro.
- Já te ligo, Danny – Tom terminou a ligação abruptamente.
Danny observou o celular com o cenho franzido; depois deu de ombros e deitou-se na cama novamente, voltando a dormir imediatamente.

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- Então... – Harry olhou em volta, perguntando-se o que poderia oferecer para a mulher que se livrava de seu cachecol – Está muito frio lá fora?
observou-o com as sobrancelhas erguidas e deu um sorriso.
- É. Parece que o inverno está chegando de vez – ela disse, deixando sua bolsa junto com seu cachecol em uma das poltronas de couro.
Harry sorriu.
- Desculpe o assunto nada a ver – pediu – Eu... não sei o que fazer – admitiu, com uma careta.
- Você mencionou alguma coisa sobre pipocas e filmes – cruzou os braços, sentindo borboletas em seu estômago – Gostei dessa ideia.
Harry deixou que seu sorriso se alargasse um pouco mais; havia muitas coisas que ele gostava em . Uma delas eram suas feições atraentes, o jeito como seus olhos sorriu.
- Nunca assisti.
Harry arregalou os olhos, genuinamente incrédulo.
- Você está brincando.
- Não – ela enfatizou com um aceno de cabeça – Eu sei, é um absurdo. sempre tenta me fazer assistir aos clássicos, mas...
- Não fale mais nada, herege – ele disse, com o dedo em riste – Vamos sanar essa falha inacreditável neste momento.

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A vendedora observou enquanto Abigail andava pela loja, observando os enfeites.
- Ela quer uma fantasia de princesa Enrolada.
- Rapunzel – berrou Abigail, do meio de uma arara de vestidos cor-de-rosa.
- Meu Deus, esse negócio muda de nome o tempo todo – rosnou – Enfim, você sabe do que estou falando? – perguntou para a vendedora.
Kelly Heinheart, a vendedora de cabelos pretos curtos e brilhantes olhos azuis aquiesceu e passou a analisar o catálogo de fantasias no computador; ergueu os olhos com um sorriso.
- Vocês são sortudas; no tamanho dela, temos apenas mais uma fantasia – a mulher disse, saindo de trás do balcão – Vou buscá-la para que a garotinha possa experimentá-la.
- Obrigada – deu um sorriso educado e, com os olhos , começou a varrer a loja, procurando por Abigail. Mas a garota não estava em nenhum lugar - Abigail? – perguntou, meio num sussurro, enquanto andava pelos corredores que se formavam entre as araras – Abigail, cadê você?
Sua bolsa começou a vibrar e, enquanto sussurrava o nome da garota, vasculhando as araras, puxou seu celular de dentro. Era Tom Fletcher.
- Bom dia, senhor Fletcher – disse, ausente, enquanto olhava em volta.
- Bom dia, senhorita imediatamente franziu a testa, tinha algo de errado no tom de voz do homem – Preciso conversar com você.
- Pode falar – ela disse, soltando um suspiro de alívio quando Abigail surgiu do meio de uma arara, os cabelos bagunçados – Espere – pediu, colocando a mão sobre o bocal do celular – ABIGAIL, ONDE VOCÊ ESTAVA?
A garotinha paralisou, os olhos verdes arregalados.
- Eu... eu... ah... – deu um sorrisinho envergonhado – Eu estava vendo os vestidos.
- Nunca mais saia de perto de mim desse jeito, está bem? – resmungou, pegando a garotinha pelo cotovelo e puxando-a para perto – Desculpe, Fletcher, fale.
- É o Dougie. Ele está estranho. E eu não sei o que é, mas sei que você foi a última pessoa a falar com decência com ele, então imaginei que talvez você pudesse ao menos me iluminar sobre o que é que...
- Desculpe, mas não posso fazer isso – ela disse, com seriedade – As coisas que Dougie me contaram são particulares. Se ele quiser contar para você, então que saia da boca dele.
Houve um breve instante de silêncio.
- Isso foi lealdade amistosa? – perguntou o homem do outro lado da linha, com uma pontada de divertimento em seu tom de voz.
revirou os olhos ; Kelly surgiu de uma escada com um vestido medieval roxo, Abigail começou a pular, alegre, e liberou-a de sua mão para que fosse experimentá-lo.
- Isso é o princípio da ética intersubjetiva, Fletcher. Mas, acredite em mim, o senhor Poynter vai ficar melhor – disse, conclusivamente.
- Eu não tenho tanta certeza – Tom resmungou – Quero dizer, conheço o Dougie há muito tempo. E eu sei que ele é uma pessoa quando está bem, mas quando fica deprimido... ele não é como eu ou você, nesse sentido.
- Qual é o seu ponto, senhor Fletcher? – perguntou , um pouco impaciente – Cada um tem o seu tempo para curar as próprias feridas, talvez o de Dougie seja só um pouco mais lento do que o nosso...
- O meu ponto – retorquiu o homem do outro lado – é que Dougie precisa da gente mais do que ele acha. Se depender dele, vai ficar deitado em casa, deprimido, considerando ligar para Frankie e implorar para que ela o aceite de volta. E então, vai fazê-lo. E aí, ela vai dizer não. E ele vai ficar pior. E vai se afastar mais e mais. E eu não sei se é só a Frankie, mas eu sei que você sabe de alguma coisa que nenhum de nós sabe, então...
Houve um breve instante de silêncio.
- Está certo – a mulher cedeu, com um suspiro – Vou ligar para ele. Te ligo de volta.
E desligou, pensativa.
“Desde quando eu me importo?”, perguntou-se, em pensamentos.
Então, ouviu os passinhos e a risada de Abigail; ergueu os olhos e encontrou a menina rodopiando com o vestido no corpo, alegre.
- Olha, tia , eu sou uma princesa! – berrou, rodando pela sala, fazendo com que a saia do vestido rodasse ao redor do seu corpinho – Tem até uma coroa, olha – apontou com a mãozinha gorducha para ornamento prateado em sua cabeça.
- Uau! Você está linda mesmo! – sorriu , e então voltou-se para a vendedora, sua expressão ilegível – Vamos levá-lo – estendeu o cartão de crédito corporativo.

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Harry estava estourando a pipoca, enquanto estava incumbida de colocar o blu-ray de “O Poderoso Chefão” para reproduzir no aparelho do homem.
Sentiu o cheiro de pipoca vindo da cozinha e sorriu para si mesma; se alguém lhe contasse há três meses que passaria uma manhã de sábado sentada no sofá de Harry Judd assistindo a um filme sobre a máfia italiana, ela provavelmente teria internado a pessoa em um manicômio.
Mas ali estava ela.
Observou quando o menu de O Poderoso Chefão apareceu na gigantesca tela da TV LED de 42 polegadas de Harry Judd e resolveu ir para a cozinha, ajudá-lo com a pipoca.
- Tudo pronto – anunciou, enquanto entrava no recinto; a cozinha de Harry Judd era gigantesca, lotada pelos aparelhos mais sofisticados e balcões de mármore que fariam qualquer apresentador de culinária ficar com inveja – Você gosta de cozinhar?
- Tenho meus dias – ele deu de ombros, com um sorriso, enquanto desligava a boca do fogão em que estava a panela e, habilmente, despejava o conteúdo dentro de uma vasilha gigantesca – Gosto de cozinhar quando quero.
Ela sorriu.
- Precisa de ajuda? – ofereceu-se.
- Hum... – Harry considerou a questão, observando em volta – Você poderia pegar nossas bebidas. O que é que você quer tomar? – perguntou; quando respondeu com um encolher de ombros tímido, ele complementou – Veja o que tem dentro da geladeira e escolha alguma coisa.
sentiu-se enrubescer; não se sentia à vontade nem mesmo para abrir a geladeira da casa de , mas caminhou até a geladeira de Judd e abriu-a.
Observou, perplexa, a abundância de comida, mas não havia nada que pudesse ser bebido: não havia suco, ou refrigerante. Nem mesmo um jarro de água.
- Não tem nada – ela disse, por cima dos ombros.
Harry arregalou os olhos, lembrando-se que no jantar da noite anterior ele e Abigail haviam bebido a última garrafa de Coca-Cola que tinham.
- Já sei! Eu tenho um espumante sensacional no meu bar... – ele disse, enquanto terminava de derrubar a manteiga derretida sobre a pipoca – Pode ser?
- Mas bebida alcóolica antes do meio-dia? – soltou , surpresa – Não é muito cedo?
Harry deu uma risadinha.
- Relaxe, professora , hoje é sábado. E, além do mais... tenho certeza que já passou das seis horas da tarde em algum lugar no mundo.

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Naquele momento, Abigail e estavam na loja de bolos; os mais diversos e variados bolos estavam sobre mesas.
- O que, exatamente, a senhorita deseja? – perguntou a vendedora, uma mulher de aproximadamente cinquenta anos, com cabelos curtos e grisalhos; os olhos achocolatados ampliados pelas lentes dos óculos.
- Peça os detalhes para a pequenininha aqui – disse , apontando para Abigail que estava sentada em uma cadeira, com um sorriso – É o aniversário dela. Eu só pago.
A mulher sorriu e sentou-se de frente para Abigail.
- Eu quero um bolo de chocolate bem grande, assim ó... – começou a ruivinha, gesticulando com as mãos.
sorriu e virou de costas para a cena, pegando seu celular e procurando o nome de Dougie Poynter entre seus contatos. Encontrou o nome e apertou o send.

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Dougie segurava seu celular nas mãos, observando-o atentamente. Fazia quase uns vinte minutos que estava em um grande dilema psicológico; metade dele queria ligar para Frankie e implorar para que ela o aceitasse de volta, a outra metade, provavelmente a racional, impedia-o de fazê-lo.
Mas estava enfraquecendo.
Com um suspiro, foi até seus contatos e encarou o nome ‘Frankie’ por alguns segundos; seu dedo lentamente foi até o botão send.
Estava prestes a apertá-lo quando seu celular começou a tocar e o nome de surgiu no seu visor.

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Harry posicionou a gigantesca tigela de pipoca entre ele e no espaçoso sofá, serviu duas taças de espumante, pegando uma e entregando a outra para a professora e deu play no filme.
Sentou-se no sofá e observou a mulher com o canto dos olhos; estava com os olhos fixos na tela, enquanto levava algumas pipocas até os lábios. Então, como se percebesse que ele a estava observando, a mulher voltou os olhos na sua direção.
- O que foi? – perguntou, erguendo as sobrancelhas.
Ele sorriu, desviando o olhar.
- Não acredito que você nunca assistiu esse filme; é quase como nunca ter experimentado chocolate – comentou, levando algumas pipocas aos lábios.
- Eu não me orgulho disso – ela retrucou, defendendo-se – Acontece que eu nunca tive tempo, sempre surgia algo mais importante ou interessante para fazer.
- Pare de falar – pediu Harry – Você só está piorando a sua situação.
riu e jogou uma pipoca em Harry, que aterrissou no seu colo; o homem pegou a pipoca e comeu.
- Que tipo de coisas? – ele perguntou, virando seu corpo na direção da mulher ao seu lado e dando um gole da sua taça de espumante.
- Ahn? – soltou, dando um gole discreto na sua taça também.
- Você disse que tem coisas mais “interessantes” – fez aspas com os dedos – que “O Poderoso Chefão”. Quero saber quais são essas coisas.
riu.
- Hum... – soltou, enquanto tentava pensar em alguma coisa – Sair com minhas amigas para algum pub ou sair para dançar...
- Então, você gosta de dançar... – ele comentou, estalando os lábios.
- Fiz ballet quando eu era pequena, dos seis, sete anos até quase os quinze; mas começou a tomar muito do meu tempo e eu não queria seguir para esta área... Quero dizer, vida de bailarina é dureza. Não entraria nessa nem louca – revirou os olhos, levando algumas pipocas até os lábios.
- Mas você gostava das aulas? – ele perguntou.
considerou a questão cuidadosamente.
- Às vezes. No começo, foi só por causa da minha mãe, sabe? Ela gostava da ideia de ter uma filha bailarina. Na volta, no carro, ficava me perguntando sobre como foi o treino e, depois, me fazia mostrar todos os passos para ela; ela dava risada, tentava imitar... era bem divertido – sorriu – Hoje em dia, ela só pensa nos bailes beneficentes da igreja e isso faz bem para ela.
- Nunca ouvi falar da sua mãe – ele comentou, surpreso; era óbvio que a tinha uma família, mas se surpreendeu ao perceber que isso nunca fora um tópico abordado por eles.
- Tenho um pai e uma mãe. Mas sou filha única – sorriu – Não nos falamos tanto quanto deveríamos – ela admitiu, as bochechas corando -, mas eles nunca estão em casa. Eu tentava ligar, e era sempre “querida, a mamãe está ocupada, te ligo em dois segundos” e ela não retornava. Parei de ligar e, ocasionalmente, eles ligam para saber se vou passar os feriados com eles ou ver se não morri.
Harry deu um sorriso; não conseguia imaginar Emma sem ligar para ele pelo menos uma vez por mês, para checar como estava seu “bebê”. Christopher já era mais reservado, mas ele sabia que seu pai recebia de bom grado notícias dos filhos pelos lábios da esposa.
- Você tem sorte – ele sorriu – Minha mãe colocaria uma coleira com GPS em mim, se eu permitisse. Me liga sempre que pode. Já teve uma época, no começo do McFLY que ela me ligava todos os dias. Alguns dias, até mais do que uma vez. Precisei berrar com ela para que ela diminuísse a frequência.
- Você tem sorte – retorquiu – É injusto, eu sei que não sou mais criança e que meus pais estão ajudando pessoas que precisam deles de verdade. E talvez seja egoísmo da minha parte querer que a vida deles continue girando em torno de mim, mesmo depois que cresci. Mas sinto falta deles.
Ela sabia que aquilo era um pouco do álcool falando; era fraca para bebida: uma taça de qualquer coisa já era o suficiente para fazê-la falar todas as verdades. Com duas, ela fazia strip-teases em cima de mesas.
- De qualquer forma – ela pigarreou – Estamos perdendo o filme – disse, apontando para a televisão com a mão que segurava a taça de cristal.
Harry Judd deu um sorriso largo e atraente, que fez com que o coração da mulher batesse mais rápido.
- Esquece o filme. Uma coisa mais importante apareceu – ele disse, dando mais um gole, os olhos azuis fixos na professora por cima da taça – Estou conhecendo .
A mulher riu.
- Quem é herege agora? – perguntou, divertida.

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- Oi, – Dougie soltou, entediado.
- Você ligou para a Frankie? – a mulher perguntou, com um tom acusador na sua voz.
- Não – respondeu o loiro, “mas estava quase”, acrescentou, em pensamentos.
- Por que não sai com os meninos? – perguntou .
- Bom, Danny vai querer ir a alguma balada gastar rios de dinheiro e beijar qualquer coisa que respire e não tenha um pomo de adão. Harry está muito ocupado com a Abigail e eu não quero aborrecê-lo com os meus problemas. E o Tom vai estar com a Gio e a última coisa que eu quero agora é ver um relacionamento funcional – Dougie respondeu – Então... prefiro ficar em casa sozinho.
- É isso, então? Você vai passar o dia inteiro embaixo das cobertas, sentindo pena de você mesmo? – impacientou-se.
- É. É bem parecido com os meus planos – Dougie concordou, com desinteresse.
revirou os olhos, enquanto observava a vendedora de bolos anotar o pedido de Abigail, atentamente.
- Além do mais, não tem nada promissor para fazer – continuou Dougie, sentindo-se culpado pela própria inércia – E não estou afim de gastar dinheiro para ficar deprimido em público.
Imediatamente, o cérebro de deu um estalo, enquanto sua memória lhe recordava um evento anterior.
- E se eu te disser que consigo entradas VIPs para uma balada absurda que acontecerá hoje à noite? – perguntou, enquanto a parte racional de seu cérebro convulsionava só em pensar pelo que teria que passar para fazer Klaus lhe fornecer a entrada – Posso conseguir para você e para os meninos. O que me diz?
Dougie sentou-se em sua cama, quase convencido; boa bebida, boa música e boa companhia de graça era o tipo de coisa que poderia tirar sua cabeça de todo o dilema Frankie e .
- Como você conseguiria isso? – perguntou, perplexo.
- Não se preocupe com isso, querido – disse, com um tom de voz relaxado – Se eu conseguir, você vai sair da sua transe de autopiedade e se divertir um pouco?
Dougie hesitou.
- OK...
- Ótimo. Te ligo em alguns minutos – despediu-se, terminando a ligação.
Abriu seus contatos e procurou o contato “Não Atender 17”; respirou fundo e apertou o send, enquanto ponderava o quanto odiava sua própria vida.
- Klaus? Oi, é a ...

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Harry já estava na sua terceira taça de espumante, estava na metade da sua segunda, a pipoca tinha acabado e “O Poderoso Chefão” estava pausado há quase uma hora.
aprendera diversas coisas sobre Harry Judd: sabia agora que ele tinha dois irmãos mais velhos, sendo que Katherine, sua irmã mais velha, pegava muito mais no seu pé do que Thomas, seu irmão mais velho.
Aprendeu que ele sempre foi tímido e que entrar no McFLY não foi só bom porque ele ficou famoso, mas porque foi graças à banda que ele encontrou sua família. Ela gostava do jeito que seus lábios se contraíam em um sorriso tranquilo enquanto falava sobre os amigos.
Descobriu que Harry respeitava Tom, e que gostaria de ter a capacidade de foco e concentração do amigo; que via em Danny uma personalidade relaxada e extrovertida que ele sinceramente invejava e que tinha Dougie como um irmão mais novo a quem assumira a responsabilidade de ensinar tudo.
E, então, surgiu o assunto Charlie e Claire: os olhos dele brilhavam de uma forma alegre e triste, ao mesmo tempo, enquanto ele relembrava os tempos de infância, as aventuras na adolescência, as brigas do casal e, depois... Abigail.
Sua expressão desmanchou-se em uma de verdadeira devoção; ouvindo-o contar sobre peripécias de Abigail desde a época em que usava fraldas até alguma frase divertida que a garota soltara no dia anterior, a professora teve a certeza absoluta de que ele amava aquela garotinha mais do que qualquer outra coisa no Universo.
Mas não era só ela quem estava aprendendo; Harry também estava ouvindo atentamente às suas confissões.
Ele percebera que o fraco de eram seus alunos; conhecia todos pelo nome e conseguia apontar os defeitos e qualidades de todos. Gostava da maioria de seus colegas de trabalho e, apesar de não concordar com algumas das medidas adotadas pela diretora Dolores Carying, nunca a contrariava.
Também descobrira que ela tivera apenas um namorado sério durante toda a sua vida, Jeremy Carter, que ela encontrara transando com a secretária sobre a mesa de seu escritório, em uma firma de advocacia.
Sua expressão, atraente, ficava risonha, quando o assunto era sua melhor amiga, . Contou sobre todas as suas desventuras durante a adolescência e os romances mais ridículos – como a vez em que se apaixonou pelo garoto que se vestia como uma Salsicha por uma lanchonete de Brighton; ela o beijou escondida de todos e depois o ameaçou de morte se contasse para alguém sobre aquilo.
O romance durara fatídicos três dias, antes da garota resolver que sua vida social era mais importante do que um caso com um cara vestido de salsicha.
As gargalhadas dela eram sinceras, quando comentava sobre as empreitadas de seus pais em seus eventos, que nem sempre davam certo e, ao mesmo tempo, assumiu um tom completamente nostálgico quando falava de sua infância.
- Sabe? Agora até fiquei com saudades das minhas aulas de ballet! – suspirou, dando mais um gole do seu espumante, sentiu um formigamento agradável na boca do estômago; riu – Eu achava um saco, mas também gostava de toda a pressão. De ter que ser perfeita. Cada movimento era um sacrifício. Ainda tenho pés de bailarina, veja! – esticou a perna.
Em algum momento durante a conversa e a bebida, a professora sentira calor e sob o consentimento do dono da casa, tirara sua bota e sua meia. Seu pé tinha a palma levemente côncava, como era de se esperar de alguém que tivesse praticado ballet por quase dez anos.
Harry percebeu, perplexo, que queria segurar aquele pé delicado, e depois usar essa mesma mão para acariciar aquela perna longa e firme...
“Harry, não”, repreendeu-se em pensamentos, “Isso seria errado”.
- Harry? – inclinou levemente a cabeça e acenou – No que você está pensando?
Ele piscou os olhos azuis e sentiu as bochechas pinicando, numa confissão de culpa.
- Estava pensando que eu também danço – mentiu, mas optou por dizer uma verdade sobre si mesmo.
- Tá brincando! – soltou , perplexa – Dança o quê?
- Tango – ele disse, sentindo suas bochechas corarem ainda mais. Talvez devesse ter pensado em outra coisa para falar.
jogou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada deliciosa, que fez o corpo inteiro de Harry se arrepiar; observou desejoso a pele alva de seu pescoço agora exposta e, por um momento, quis inclinar-se em sua direção e depositar um beijo em seu pescoço; sentir seu gosto e respirar sua fragrância.
- Eu sempre quis aprender tango! – ela soltou, batendo palmas – Será que você não poderia me ensinar?
- Não... eu aprendi a dançar num negócio idiota. Eu não sou profissional, nem nada do gênero. É bem capaz que eu te ensine tudo errado – ele rapidamente descartou a possibilidade.
- Ah, não! Vai ser divertido! Tenho certeza que você vai conseguir me ensinar pelo menos alguns passos! Nada muito difícil! Prometo que vou me esforçar! – ela observou-o com o lábio inferior levemente destacado, numa expressão que fez com que ele quisesse mordê-lo – Por favooor, Harry.
Naquele exato instante, se tivesse pedido para Harry se jogar da torre Eiffel usando apenas uma cueca cor de rosa, ele o faria sem pensar duas vezes.
- Tá bom – ele sorriu, vencido, mergulhando naqueles maravilhosos olhos .

X


e Abigail estavam dentro do carro, rumando em direção ao apartamento de Judd; as compras foram feitas, as encomendas foram agendadas, tudo estava em seu devido lugar.
- Uau, tia ! Foi o máximo! – Abigail vibrava, dentro do carro – Já vimos quase tudo! Minha festa vai ser a festa mais legal de todas, mal posso esperar para contar para o tio Harry! Você acha que o Kevin vem?
- Ele será um idiota se não aparecer – respondeu, ausente.
- Oh! – exclamou Abigail, consternada – Você disse a palavra com i.
revirou os olhos.
- Foi mal.
Na verdade, sua concentração estava muito longe da garotinha ao seu lado ou dos detalhes da festa que tinha que planejar para dali a oito dias; sua mente estava no fato de que tivera que passar por cima de sua dignidade para tirar Dougie Poynter de uma depressão.
Klaus era um número na sua gigantesca lista de erros que ela pretendia esquecer, mas que agora era forçada a encarar em troca de entradas VIPs para uma balada.
Verdade seja dita, estava se sentindo uma prostituta.
Suspirou, freando bruscamente em um sinal vermelho.
- Mas a gente ter conseguido acertar tudo para a minha festa não é a única coisa legal do dia de hoje, sabia, tia ? – continuou Abigail, aparentemente superando a grosseria da mulher.
- Ah, não? E o que mais fez seu dia feliz?
- Eu te chamei de tia hoje o dia todinho e você não reclamou uma vezinha sequer – Abigail segredou, rindo.
sorriu também.

X


Harry selecionou uma música de tango que tinha em seu iPod e, quando ela começou seus primeiros acordes, ele gesticulou para que se aproximasse.
A mulher mordeu de leve o lábio inferior, parecendo nervosa, e colocou-se de pé, um pouco bamba por causa da bebida. Caminhou até o homem e parou próxima dele.
- Vamos começar com o básico. Você vai dançar, fazendo um movimento quadrado – ele disse, didaticamente – Primeiro, mova essa perna para trás – tocou com delicadeza a perna esquerda de ; ela o fez – Agora faça sua outra perna acompanhá-la.
obedeceu, rindo toda vez que errava o passo, mas, no geral, absorvendo as explicações com facilidade e naturalidade. Quando Harry percebeu que ela dominava o básico, aproximou-se.
- Agora, podemos dançar. Você tem que passar o braço esquerdo pelos meus ombros, assim – ele disse, puxando-a para mais perto e posicionando o braço dela – E agora me dê essa sua mão. Assim. Isso. – ele sorriu – Certo. Agora, vou passar a mão na sua cintura e te trazer para mais perto, assim – com um movimento firme, ele enlaçou a cintura de , grudando os corpos; olhos azuis e se encontraram por alguns instantes. Harry pigarreou – Você lembra dos passos?
engoliu em seco, repentinamente muito consciente do braço forte e firme de Harry em volta de sua cintura; do calor que seu corpo emanava e da fragrância máscula que envolvia seu olfato.
Lentamente, concordou com um aceno de cabeça.
- Então... comecemos – ele falou lentamente, também tentando manter seu foco longe da sensação agradável do corpo feminino e macio de contra o seu.
Harry não imaginou que eles fossem conseguir se mover com tanta facilidade; mas os dois estavam bailando pela espaçosa sala sem qualquer dificuldade.
olhava para ele, seus olhos sorriam, mas ela também parecia concentrada em não falhar nos passos. Em algum momento, entretanto, ela tropeçou em uma almofada que estava no chão e Harry teve que apertar ainda mais o braço em volta dela para evitar um acidente.
Consequentemente, os dois ficaram próximos.
Perigosamente próximos.
Os olhos de Harry alternavam dos olhos arregalados de para seus lábios, levemente entreabertos e aparentemente tão macios; mordeu o próprio lábio inferior, enquanto cogitava quais seriam as consequências se desse vasão a sua vontade.
engoliu em seco, sentindo seu coração batendo rapidamente.
Nesse momento, ouviram o barulho da porta do elevador se abrindo e a voz estridente de Abigail e a grave de , no segundo seguinte, a porta do apartamento foi escancarada e as duas entraram.
- Professora ! – berrou Abigail, completamente ausente à tensão no ar – O que você está fazendo aqui?
Rapidamente os dois se recompuseram e Harry deu um passo para trás, afastando-se um pouco mais da mulher.
- Nós só estávamos dançando – disse, rapidamente, os olhos fixos em que os observava com as sobrancelhas erguidas.
- É. Tá bom. Sei – disse, deixando bem claro pelo tom de voz que não acreditava um segundo sequer nas palavras do homem – Harry, deixarei as notas fiscais na sua mesa, segunda-feira. Então, dançarinos, a garotinha está sob a custódia de vocês agora.
estava tão envergonhada que não conseguia erguer os olhos dos próprios pés.
- Obrigado por tudo, – Harry disse, com sinceridade, deixando a vergonha de lado.
- Agradeça-me quando tudo estiver certo – descartou, com um aceno de mão – De qualquer forma, arranjei alguns VIPs para uma balada hoje, mas acho que você estará ocupado, certo? – gesticulou na direção de e Abigail.
Harry sequer hesitou antes de responder.
- Fica para uma próxima, – disse, com um sorriso – Mas obrigado pelo convite.
- Está certo. Bem, um bom sábado para vocês – ela desejou, acenando – Nos vemos na segunda-feira, então.
Abigail correu até a mulher e abraçou-lhe, despedindo-se.
- Obrigada, tia – murmurou.
- De nada, querida – sorriu, passando a mão pelos cabelos da menina – Agora, licença, tenho minha dignidade para assassinar. E quero estar pelo menos apresentável ao vê-la partir.
Harry e trocaram olhares perplexos, enquanto a mulher saía pela porta, fechando-a delicadamente às suas costas.

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- Gio? Tivemos uma pequena mudança de planos – Tom disse, enquanto entrava na sala, encontrando a namorada deitada no sofá, lendo um livro; a mulher ergueu os olhos castanhos na direção do namorado.
- O que houve?
- conseguiu entradas para uma super balada e vamos para ajudar Dougie a superar sua depressão – Tom respondeu, sentando no sofá e colocando os pés da namorada no seu colo, massageando-os, ausente – Algum problema para você?
Gio fez uma careta de leve.
- Não gosto de ir nesses lugares com você. É sempre horrível ver todas aquelas garotas te assediando – resmungou, deixando o livro de lado – Mas se é para o bem de Dougie...
Tom deu um sorriso e mordeu o dedão da namorada de leve, fazendo-a gargalhar e lutar para se soltar das mãos do namorado.
- Você é a melhor – ele disse, com um sorriso.
- É... ouvi dizer – riu Gio, chutando ele de leve – Agora, vaza. Você está atrapalhando a minha leitura.

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saiu do banho enrolada em uma toalha, os cabelos pingando gotas de água; ela e suas colegas da faculdade tinham marcado um reencontro e, embora ainda não tivessem decidido com certeza onde ocorreria o evento, conhecia as amigas o suficiente para saber que tudo seria decidido em cima da hora e que era melhor já estar preparada.
Terminava de secar os cabelos com uma toalha avulsa quando seu celular começou a tocar; encontrou-o no meio de suas cobertas e atendeu-o imediatamente.
- Olá, Abby, qual é a boa? – atendeu, sorrindo.
- Uma balada insana que vai rolar! Acho que conseguimos entrar! – urrou a garota do outro lado e riu, divertindo-se com a animação da amiga – Vai ser épico, ! Mas precisamos ir cedo para a fila e temos que estar gatas para passar pelos seguranças. Você tá dentro?
já abriu seu guarda-roupa, buscando por uma roupa que fosse ao mesmo tempo quente e glamourosa; sorriu, quando seus olhos encontraram um vestido verde musgo de lã que comprara quase pelo preço de sua alma.
E, finalmente, ele valeria a pena.
- Estou sempre dentro – disse, com um sorriso, enquanto puxava o cabide.

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Danny despertou com uma nova ligação, mas desta vez era o nome de Dougie no visor. Franziu o cenho e atendeu a ligação com a voz abafada pelo sono.
- Fala, Dougie – disse, espreguiçando-se.
- O que você vai fazer hoje à noite? – o loiro perguntou, animado, do outro lado da linha.
- Ahn... não tenho nada planejado – Danny respondeu, sentando-se na cama e esfregando um dos olhos com o pulso, soltando um bocejo – Por quê?
- E se eu te disser que a conseguiu entrada VIP para a gente em uma balada open bar sinistra? – o baixista perguntou, como quem não quer nada.
- Bem, eu te diria que meus planos para essa noite são ir a uma balada open bar sinistra.
- Bom saber – Dougie riu – Nos encontramos todos na casa do Tom às oito.
Danny riu também.
- Bom ver que você está melhor, cara – disse, escorregando para fora da cama – A gente se vê.

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- Ah, não, tio Harry! – Abigail resmungou, inconformada – Eu caí de novo na sua casa. Não cobra o aluguel de mim, por favor! – ela pediu, fazendo biquinho.
- Abigail, jogo é jogo – Harry riu – Vamos, nem é tanta coisa, são só 7 libras.
- São só 7 libras... – a garotinha resmungou, contando seu dinheiro fictício – Dá para comprar uma barra de chocolate Hershey’s com 7 libras.
teve que morder o lábio inferior para evitar soltar uma gargalhada; o jogo já se estendia por horas e Abigail se mostrava uma péssima perdedora a longo prazo, o que era extremamente divertido.
Nesse momento, seu celular começou a tocar em cima da mesa, ao lado do tabuleiro; viu que era e, com um gesto para a garotinha e Harry, atendeu a ligação.
- Oi, .
- Que tal uma balada hoje comigo e com as minhas adoráveis ex-colegas de faculdade? – perguntou a mulher, antes de corresponder ao cumprimento – Vai ser sensacional. Mas a gente tem que chegar com antecedência na fila e rezar para deixarem a gente entrar.
- Ah... Que horas? – ela perguntou.
- Na verdade, a gente tem que sair daqui uma hora, mais ou menos. Mas dá tempo para você se trocar e ir, né?
mordeu de leve o lábio inferior, confusa; adorava sair de balada com , ainda mais com as amigas dela, que eram tão ou até mesmo mais loucas do que a amiga, mas algo dentro dela não queria sair da casa de Harry Judd.
Estava se divertindo muito com Abigail e com o homem; aceitar ir à balada significaria ter que sair mais cedo de lá e ela não queria isso. Na verdade, assustou-se com o tanto não queria que aquele momento entre eles três terminasse.
- ? Você está aí ainda? – a voz de tirou-a de sua transe e, envergonhada, ela percebeu que Abigail e Harry a observavam, provavelmente esperando que ela terminasse a ligação para continuar o jogo.
- Ah. Sim. Desculpe... eu acho que vou passar – disse, afinal.
- Você tem certeza? – perguntou, parecendo decepcionada.
- Tenho, , mas divirta-se por mim, OK? – disse, rindo.
- Está bem. Aproveite o Judd gostosão por mim, OK? – riu, do outro lado da linha, fazendo corar – Te ligo para contar as novidades amanhã.
- Tá certo, um beijo, – e desligou. Deu um sorriso amarelo para os colegas de jogo – Desculpem.
- Tudo bem, esse jogo tá muito chato mesmo. Vamos fazer outra coisa? – implorou Abigail, e então arregalou os olhos verdes – Vamos assistir Harry Potter?

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soltou um suspiro aliviado quando viu Tom, Dougie, Gio e Danny surgindo na rua, caminhando em sua direção; ela estava parada na frente dos seguranças que guardavam a entrada da boate, enquanto uma fila perfeitamente organizada se estendia além da virada do quarteirão.
- Boa noite, temos nome na lista – disse , assim que o grupo a alcançou – Somos , Daniel Jones, Dougie Poynter, Thomas Fletcher e Giovanna Falcone.
O homem analisou a lista em suas mãos, impassível e abriu a porta, permitindo a entrada do grupo; o local estava escuro, iluminado de forma meio psicodélica, e, do teto, pendiam pequenos cristais que brilhavam dependendo da incidência da luz.
A ala era bem ampla, repleta de jovens bem vestidos que se agitavam ao som da música; algumas aglomerações encontravam-se em torno dos três balcões, onde barmen exibicionistas arremessavam garrafas, enquanto preparavam os mais diversos tipos de bebida.
Imediatamente, pegou sua bolsa de mão e resgatou seu celular de dentro dela, digitando avidamente.
- O que está fazendo? – perguntou Dougie, espiando por cima do seu ombro.
- Mandando uma mensagem para o Klaus, ele está com nossas pulseiras de open bar. E, acredite em mim, precisarei de muito álcool para sobreviver a esta noite – acrescentou a última parte em um resmungo; enviou a mensagem e guardou o celular – Sentindo-se melhor?
Dougie concordou com um aceno de cabeça e sorriu.
- Com dois shots de Jack Daniels eu estarei nas nuvens – ele profetizou.
Ela sorriu.
- É assim que eu gosto – voltou-se para os demais – Gente, precisamos esperar o Klaus aqui por alguns minutos, e...
- Não será preciso, meu girassol – uma voz grave e, ao mesmo tempo, melosa fez-se ouvir e fez uma careta, antes de recompor-se e virar-se na direção de Klaus com seu sorriso mais carismático – É bom te ver, .
- É bom te ver, também, Klaus – ela deu um sorriso e enlaçou o braço no dele; Klaus Demien era um homem extremamente atraente, alto, de ombros largos, cabelos castanhos bem claros e brilhantes olhos azuis escuros que brilhavam com bom humor – Deixe-me te apresentar meus amigos...
- Desnecessário – descartou Klaus, com um sorriso, estendendo a mão livre na direção dos homens – Vocês devem ser os integrantes do McFLY, minha irmã, Sophie, é apaixonada por vocês. Ficará muito feliz em saber que os conheci – sorriu, simpático – A mocinha não conheço.
Tom franziu o cenho, mas não disse nada, enquanto Giovanna corava sob o olhar encantador daquele homem que mais parecia um deus grego.
- Essa é Giovanna Falcone, namorada do Tom, tire seus olhos de lince de cima dela – bronqueou .
- Eu jamais olharia para outra mulher com você nos meus braços, minha querida, e você sabe disso – ele riu, puxando-a para mais perto – Mas, bem, antes que eu me esqueça, aqui estão – puxou uma pulseiras de plástico e, uma a uma, prendeu-as nos braços do presente, deixando por último – Na saída, os seguranças cortarão elas de vocês. Basta apresentar ao barman e pedir a bebida. Divirtam-se, crianças – ele acenou, voltando sua atenção para a mulher em seus braços – Que eu e a senhorita temos muito papo para colocar em dia – terminou, malicioso.
deu um sorrisinho falso.
- Yeeey – disse.

X


Harry estava ao telefone, pedindo uma pizza, enquanto e Abigail procuravam pelos três primeiros filmes da saga de Harry Potter no meio do acervo de filmes.
Já tinham encontrado “Harry Potter e a Pedra Filosofal” e “Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban”, mas o paradeiro de “Harry Potter e a Câmara Secreta” ainda era desconhecido.
Foi Abigail quem o encontrou, entre a primeira geração de Star Trek e um DVD de um show ao vivo do The Doors.
- Achamos, tio Harry! – berrou Abigail, correndo para a sala abraçada com os três DVDs.
- Ótimo, porque acabei o pedido. Previsão de entrega para vinte minutos – informou, enquanto acomodava-se em um canto do sofá. Abigail, sozinha, colocou o DVD no DVD player e levou o controle para o tio, sentando-se no lugar vago entre ele e a professora.
- Estou muito feliz que você está aqui, professora – Abigail sorriu, abraçando uma almofada, satisfeita – Hoje o dia foi muito legal.
sorriu e seus olhos se desviaram da ruiva para seu padrinho e sentiu suas bochechas queimarem levemente.
- É verdade, Gail. Foi muito legal mesmo – sorriu.

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ia empurrando os jovens bêbados que se esfregavam na pista de dança, enquanto tentava alcançar um dos bares. O mais próximo. A última uma hora e meia com Klaus tinha sido algo muito parecido ao inferno.
Lutou com algumas pessoas para chegar até o balcão e estendeu o braço com a pulseira na direção do barman que prontamente veio lhe atender; ela pediu um mojito e apoiou o rosto em uma das mãos, enquanto observava entediada o barman arremessar as garrafas para cima, como se fosse um malabarista.
“Tenho certeza que se ele parasse de dar uma de circense, faria os drinks em metade do tempo”, pensou.
Foi nesse instante que sentiu uma mão quente tocando seu ombro; fechou os olhos, rezando para que não fosse Klaus e virou-se para ver quem a tocava.
Era Tom.
- Até que enfim encontrei alguém! – ele exclamou, parecendo agoniado – , você pode ficar, por favor, com a Gio enquanto eu vou ao banheiro? – pediu.
pegou seu mojito e observou-o, com as sobrancelhas erguidas.
- Quê? Por quê? – ela perguntou, perplexa.
- Ahn... digamos que ela não está em condições de ficar sozinha – ele disse, envergonhado, enquanto indicava com a cabeça a namorada; arregalou os olhos ao encontrar a morena, geralmente tão comportada, abraçada a uma pilastra, rindo.
– OK. Mas não demore. Não posso ficar parada no mesmo lugar por muito tempo, ou o Klaus pode me encontrar.
Tom franziu o cenho e abriu a boca, para perguntar o que a mulher quisera dizer com aquilo, mas uma pontada em suas áreas baixas indicou que ele não teria tempo para o luxo da curiosidade, então, ele simplesmente fez um sinal de “ok” com os dedos da mão esquerda e correu em direção ao banheiro mais próximo que pudesse encontrar.
deu um gole da sua bebida e marchou até Gio.
- Precisa de alguém para se apoiar? – perguntou, inclinando a cabeça.
Gio ergueu os olhos na direção de e deu um sorriso largo, envolvendo a mulher com os braços, em um abraço frouxo e desengonçado.
- ! – exclamou, com a voz embargada – Sabia que você é a mulher mais bonita que eu conheço? – Gio perguntou – E aquele Klaus? – assoviou, abanando-se com uma das mãos – Que pedaço de mau caminho. Você tem sorte.
- Ah. Obrigada – sorriu, enquanto caminhava de volta até a pilastra, tentando livrar-se um pouco do peso da morena – Mas ele não é tudo isso. Mesmo. Ele meio que me usa como se eu fosse um troféu ou sei lá. Eu quero mais do que isso.
Giovanna observou-a atentamente, os olhos estreitos.
- Ah. Que seja. Ele é o maior gostoso – ela disse, rindo – Sabe quem também é o maior gostoso? O Tom. Mas eu gostava mais dele gordinho e sem todas aquelas fãs em cima dele. E você? Você gosta mais do Tom gordinho ou do Tom gostoso?
fez uma cara enojada.
- Eu não gosto do Tom de jeito nenhum, Gio – disse, solenemente.
- Que bom – sorriu Gio – Por que você é bonita demais. Já te falei isso? Você é muito bonita. Você deveria casar com o Klaus e... e... e depois... tirarem várias fotos. Porque vocês são muito bonitos. É – concluiu, convicta.
riu, divertindo-se, e deu mais um gole na sua bebida.
- Até que enfim encontrei vocês! – Danny surgiu do meio de algumas pessoas – Um homem não pode mais sair à caça em uma balada sem se perder de todos os seus amigos?
considerou a questão.
- Não, Danny, você tem que escolher. Ou fica com seus amigos, ou pega mulher.
Danny inclinou a cabeça, pensativo.
- É, você tá certa. Vejo vocês por aí – acenou, dando as costas e começando a caminhar de volta para a pista.
olhou em volta, com as sobrancelhas erguidas.
- DANNY, ESPERA! – berrou; o homem revirou os olhos azuis e caminhou até elas – Onde está o Dougie?
Danny estreitou os olhos, tentando se concentrar.
- A última vez que eu o vi, ele estava... não, espera. Esse era o Tom. GIO! – ele berrou, notando a presença da morena – Olha só o seu estado! – riu, divertido – Quantos copos você bebeu?
Gio também estava rindo.
- Danny – disse, com um tom de voz sério – O Dougie.
- Ah. Ah, é. Eu não sei onde ele está, desculpe – deu um gole do copo que estava na sua mão – Mas vou te recompensar te dando a maior honra do Universo: escolha a garota que será a senhora Jones essa noite – disse, envolvendo os ombros de com um dos braços.
olhou em volta e deu um sorriso maldoso quando viu uma mulher de quase quarenta anos, movendo-se de maneira meio antiquada, junto com um grupo de amigas da mesma idade.
- Seja boazinha – acrescentou Danny, depois de acompanhar o olhar da mulher.
riu.
- Eu escolho! – berrou Gio, erguendo os olhos – Eu escolho aquela ali! – disse, apontando para um mulher de cabelos e olhos , que usava um vestido de lã verde musgo e ria, enquanto dançava com algumas amigas.
Os olhos azuis de Danny Jones faiscaram, aprovando a escolha.
- Valeu, Gio. , fica para a próxima – disse, afastando-se com um aceno.

X


mal conteve um berro de felicidade quando Dynamite do Taio Cruz começou a tocar; deu mais um gole em sua marguerita e começou a se mexer ao ritmo da música, fechando os olhos.
Já tinha ficado bêbada umas duas doses atrás e agora estava apenas aproveitando a sensação agradável de ter seus pensamentos completamente cobertos pela batida da música.
Nesse instante, sentiu duas mãos firmes sobre sua cintura e alguém a virou; depois, sentiu seu corpo sendo pressionado contra um outro corpo, esguio e firme. Um cheiro masculino marcante.
Abriu os olhos castanhos para encarar os olhos azuis de Danny Jones.
- Eu conheço você! – ela soltou, perplexa, a voz meio embargada – Você é aquele cara. Daquela banda, não é? Do Harry Judd e da...
- É. E hoje é o seu dia de sorte – ele interrompeu-a, inclinando-se na direção dela, trancando seus lábios aos da mulher; considerou afastar-se, mas verdade seja dita, Danny Jones era potencialmente o homem mais bonito que tentara se aproximar dela desde que conseguira entrar na balada.
E, Deus do céu, ele beijava bem; afastou a mão com o copo de bebida para o lado do corpo e com o braço livre envolveu o pescoço do homem, aprofundando o beijo.
Danny puxou-a para mais perto, soltando um grunhido leve contra seus lábios.
- ! – berrou Abby, os cabelos loiros caindo em frente aos olhos, enquanto cambaleava na direção da amiga – Nós combinamos que não ficaríamos com ninguém! Larga esse cara e vem se divertir com a gente! – exigiu, batendo com o sapato de camurça no chão com força e quase caindo e começando a rir, amparada por Heide e Candance, as outras amigas de faculdade.
empurrou Danny com força e encarou-o, através de olhos semicerrados.
- Foi mal, cara – disse, dando um tapa amistoso no ombro do moreno – Eu vou lá, arrasar com as minhas amigas. Paz – deu-lhe as costas e foi embora.
Danny acompanhou-a com o olhar, enquanto se juntava às suas amigas; nesse momento, sentiu uma mão pequena e fria puxar seu pulso, de leve.
Olhou na direção da pessoa e encontrou uma menina morena, de olhos azuis, baixinha, que lhe sorriu, insinuante.
- Você não é o Danny Jones? – ele sorriu e voltou sua atenção para a garota.

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Dougie estava recostado contra uma pilastra, terminou seu shot de Jack Daniels em um único gole e sentiu sua visão embaçar por um segundo; nesse meio tempo, viu uma garota de cabelos passar por entre a multidão.
Imediatamente, olhou para os pés dela e viu que usava um par de all-stars roxos; arregalou os olhos azuis e jogou o copo no chão. Embrenhou-se no meio das pessoas que dançavam, exaltadas, seguindo a garota de cabelos .
“Não é ela”, uma voz alertou-o, em pensamentos.
Mas ele a afastou, com força; por tudo o que ele sabia, poderia estar naquela balada. Não era só porque eles nunca mais tinham se vistos que ela precisava necessariamente estar do outro lado do continente.
Empurrou um casal que parecia mais preocupado em tentar dar início a uma relação carnal do que em dançar para o lado e teve que correr para conseguir ver para onde a mulher estava indo.
- , espera! – ele sussurrou, porque a perplexidade não lhe permitia berrar. Apressou ainda mais o passo e estendeu a mão, sentindo seu coração bater com força quando seus dedos se fecharam em volta do pulso fino e macio da mulher, puxando-a em sua direção.
A mulher que o observava não se parecia em nada com a ; os cabelos eram obviamente falsos, e os olhos não eram , mas azuis escuros – provavelmente lentes de contato. Confuso, olhou para os pés da moça. Saltos de bico finos pretos. Nada de all-star.
Ela ergueu as sobrancelhas, perplexa.
- Eu... Achei que você fosse outra pessoa.
Ela franziu o cenho, numa expressão que dizia claramente que achava que ele era um louco e afastou-se em direção ao banheiro feminino.
Dougie sentiu a garganta apertar e passou a mão pelos cabelos, possesso com sua própria imaginação, que agora lhe pregava truques. Estava de saco cheio de tudo e queria ir para casa.
Rumou em direção à saída, estendeu o braço para um segurança que cortou-lhe a pulseira. Acenou para um táxi, entrou e deu um endereço de seu apartamento.
O local do qual sequer deveria ter saído, para começo de conversa.

X


Abigail estava apoiada em , adormecida desde mais ou menos a metade de Harry Potter e a Câmara Secreta. Quando o filme terminou, Harry levantou-se e pegou a afilhada cuidadosamente no colo.
- Vou lavá-la para o quarto – sussurrou para a professora.
bocejou e espreguiçou-se, colocando-se de pé e devolvendo as almofadas para o sofá; depois, recolheu os pratos sujos de pizza e os copos que usaram para tomar Coca-Cola e levou-os para a cozinha.
Ligou a torneira, e começou a ensaboar a louça.
- Você não precisa fazer isso – Harry observou, recostando-se contra a batente da porta da cozinha.
sorriu, continuando a limpeza.
- Sei que não, mas é o mínimo. Você já pagou a pizza – lembrou-o.
- Uma pizza não chega nem perto do que você merece por me ajudar com a Gail – ele disse, afastando-se da porta e aproximando-se da mulher.
- Eu já disse que não precisa agradecer por isso – corou – Abigail é uma garota muito especial e ela merece ser feliz. Faço isso por ela.
Harry sorriu.
- Você é mesmo muito gentil, sabia disso, professora ? – ele perguntou, enfiando as mãos nos bolsos da calça, porque tinha uma vontade incontrolável de tocar aquela mulher.
Mas era inalcançável e ele sabia disso; por isso, era bom manter suas mãos onde pudesse controlá-las.
sorriu e continuou a lavar os pratos, porque não sabia como responder àquela afirmação. Harry Judd fazia com que ela se sentisse como uma adolescente envergonhada.
- Eu te deixei sem graça? – ele zombou, inclinando-se na direção dela.
A mulher soltou um grunhido incomodado que fez Harry rir.
- Foi bom te ter aqui hoje – ele disse, afinal.
olhou para ele e sorriu.
- Foi bom estar aqui – respondeu – Você e a Abigail são ótimos um para o outro. É legal ver a dinâmica de vocês.
- Espero conseguir fazer a Quentin pensar assim – ele disse, ficando repentinamente sério.
- Ela vai – disse, também séria, terminando de enxaguar o último copo e colocando-o no escorredor – Bem. Acho que está na minha hora – suspirou, colocando as mãos na cintura – Obrigada pelo convite, Harry.
- Obrigado por ter vindo – ele sorriu, cortês, acompanhando-a até a porta – Então... nos vemos segunda feira? – perguntou, enquanto apertava o botão do elevador por ela.
- Claro – ela sorriu, satisfeita, já pegando a chave do carro de dentro da bolsa – Até, Judd – ela disse, entrando no elevador.
- Até, – ele acenou, quando a porta metálica do elevador se fechou.

“Just dance, gonna be okay (da-da-doot-n)
Just dance, spin that record babe (da-da-doot-n)
Just dance, gonna be okay (duh-duh-duh)
Dance, dance, dance, just ju-ju-just dance”
Lady Gaga – Just Dance


Capítulo 12 – Birthday

“You say it's your birthday
It's my birthday too, yeah
They say it's you birthday
We're gonna have a good time
I'm glad it's your birthday
Happy birthday to you

The Beatles – Birthday


acordou na manhã seguinte com um braço pesado e musculoso envolvendo sua cintura; usava um conjunto de calcinha e sutiã rendado preto que valorizava suas curvas e quis chorar quando constatou aonde o álcool a havia levado.
Para a cama de Klaus Demien. De novo.
Soltou um gemido enojado, enquanto se libertava do homem; olhou o relógio digital no criado mudo ao lado da cama e constatou que ainda não eram nem nove horas da manhã.
Agradecendo mentalmente seu costume de acordar cedo, caminhou pelo quarto na ponta dos pés, recolhendo suas roupas e seus sapatos. Saiu do recinto esforçando-se para não fazer barulho algum e, no corredor, vestiu-se rapidamente.
Encontrou sua bolsa jogada no meio da sala e a chave do seu carro lá dentro; tentou se recordar de onde o estacionara, mas não conseguia lembrar. Revirou os olhos, sentindo-se estúpida, e saiu do duplex do homem, fechando a porta cuidadosamente às suas costas.
X


Dougie acordou debruçado sobre a mesa da sua sala; piscou os olhos e moveu a cabeça de um lado para o outro, sentindo-a latejar levemente. Passou a mão na bochecha e sentiu-a levemente dolorida.
Olhou para o local sobre o qual adormecera e encontrou um caderno antigo; sua letra rabiscava as linhas de maneira irregular. Provavelmente obra de sua coordenação motora prejudicada pelos oito shots de Jack Daniels da noite anterior.
,
Achei que te vi ontem à noite, mas não era você.
Algum dia você vai me dar a oportunidade de pedir perdão olhando nos seus olhos?
Eu sinto muito por ter sido um babaca.
Eu sinto sua falta,
Dougie”.

Soltou um grunhido e colocou-se de pé, arrancando a folha do caderno; aquela era uma mania que ele tinha, quando estava fora de si. Ou quando sentia muito a falta de .
Escrevia-lhe cartas que nunca poderia mandar, porque não sabia seu endereço.
Pensou em jogar aquela folha no lixo, ou então na privada e observá-la se desfazer, sendo sugada pela água. Mas não conseguiu.
Ao invés disso, caminhou até seu quarto e puxou de debaixo da sua cama um envelope pardo, sentou-se no chão e abriu o envelope. Puxou de dentro um pedaço de guardanapo no qual pôde ler, escrito em sua própria caligrafia, “Escrevi uma música hoje. Acho que você ia gostar dela, chama ‘Transylvania’. É divertida. Sinto sua falta. Dougie”.
Sentiu-se patético, mas era verdade o que dissera para : ainda era para que ele queria correr, quando algo lhe acontecia. E, invariavelmente, era para ela que corria.
Ainda que ela não tivesse como saber disso.
Dobrou cuidadosamente a folha do caderno e guardou-a junto às demais, dentro do envelope, voltando a escondê-lo em seu esconderijo inicial.

X


Tom rolou na cama e começou a apalpar o local que Gio costuma ocupar ao seu lado; ergueu a cabeça do travesseiro confuso ao constatar que ela não estava lá.
Ouviu alguns sons estranhos do banheiro e, com um grunhido, escorregou para fora da cama, enrolando-se no cobertor; recostou-se contra a batente da porta do banheiro e observou enquanto a namorada, debruçada sobre a privada, vomitava.
- Que visão adorável... – ele cantarolou, brincalhão – Como está se sentindo?
- Como um lixo – ela resmungou, limpando a boca com a parte de trás da mão; ergueu-se, meio fraca, e caminhou até a pia do banheiro, enxaguando a boca e, depois, escovando os dentes – Nunca mais eu vou beber – disse, a voz abafada pela escova de dente.
Tom riu, rumando de volta para cama; adorava promessas de ressaca.

X


estava espalhada em sua cama, adormecida, quando seu celular começou a tocar; abriu os olhos com dificuldade e pegou o aparelho em cima do criado mudo.
- Alô? – resmungou, sonolenta.
- Abre a porta para mim – ouviu a voz de ; franziu o cenho e afastou o celular do ouvido lendo o nome da amiga no visor.
- ? Que porta?
- A do seu apartamento. Duh – a mulher respondeu, em tom óbvio, antes de desligar o celular.
observou novamente o aparelho em suas mãos com o cenho franzido; depois, com um gemido sofrido, chutou as cobertas e caminhou até a porta, destrancando-a.
Abriu-a e deu de cara com uma digna de fim de festa; maquiagem borrada, olhos avermelhados e cara de destruída.
- Por que não tocou a campainha? – perguntou, incrédula, concedendo passagem para a amiga.
- Minha cabeça explodiria – ela resmungou, enquanto caminhava automaticamente até o sofá da amiga e se deitava, com um gemido – Não consigo achar as minhas chaves. Vou dormir aqui. Boa noite.
considerou perguntar como a amiga havia perdido as chaves, mas voltar para a cama parecia muito mais promissor. Resmungou um “boa noite” e voltou para o próprio quarto.

X


Harry sentiu algo fofinho sendo empurrado contra o seu nariz; fungou e virou a cabeça para o outro lado. Sentiu o seu colchão ceder levemente, como se alguém tivesse subido nele e, então, sentiu a mesma coisa peluda tocando seu nariz.
Lentamente, abriu os olhos azuis, para encarar dois olhos amendoados e um nariz que movia-se ritmicamente.
- PUTAQUEOPARIU, O QUE É ISSO? – ele berrou, rolando para longe e sentando-se.
Quando conseguiu se acalmar, percebeu que Abigail estava ajoelhada em sua frente, os olhos verdes arregalados.
- Tio Harry! – exclamou, perplexa – Você falou um palavrão! Na frente do Max! Que tipo de exemplo é esse? – perguntou, genuinamente ofendida.
- Ah, Gail, desculpe... – ele grunhiu, espreguiçando-se – Você me assustou! O que está fazendo aqui com o Max, afinal de contas?
- Bem, o Max está com fome e eu não posso cortar a cenoura – ela explicou, enquanto caminhava até a borda da cama e descia, ainda segurando o coelho – Olha, tio Harry, você assustou o Max! O coração dele tá batendo super rápido! – observou, preocupada.
- Eu quase tive um ataque cardíaco e não vejo você preocupada com isso – resmungou Harry, colocando-se de pé – Vamos para a cozinha preparar o café do Max.

X


terminou de colocar um prato e um copo na pia e ligou a torneira, pronta para lavá-los, quando ouviu um gemido.
- Quer parar de destruir a casa? Uma pobre ébria está tentando dormir – choramingou , sentando-se em um dos banquinhos da cozinha – A balada foi irada. Você deveria ter ido.
- Eu estava ocupada – respondeu, evasiva.
- Você estava fazendo sexo animal com Harry Judd? – perguntou, massageando as próprias têmporas.
- Não – a professora retorquiu, imediatamente.
- Nah. Então, acredite em mim, não foi uma boa troca – disse , com um aceno descartando qualquer argumento da amiga – Aquela balada foi insana.
riu.
- Acredito, é só olhar para os seus restos mortais – a mulher disse – E aí, aceita um café?
- Não, mas se você quiser cortar a minha cabeça fora... – a psicóloga suspirou – Mas e aí? Como foi o seu encontro com Harry Judd?
- Não foi um encontro – replicou , com veemência – Fui lá para brincar com a Abigail...
observou a amiga atentamente.
- E vocês não tiveram nenhum momento sozinhos? Só os dois? – questionou, desconfiada.
considerou mentir, mas chegou à conclusão que realmente queria contar para alguém sobre o que aconteceu, quando estavam longe de Abigail... Sentiu seu estômago dar uma cambalhota e voltou-se para a amiga que a observava com um sorriso presunçoso.
- Acho que estou encrencada – admitiu, finalmente.
alargou seu sorriso.
- Conte-me mais – pediu, batendo no banco livre ao seu lado; o ocupou, com um suspiro.
- Bem, quando eu cheguei, a Abigail não estava em casa. Ela tinha saído com a , que é vice-presidente da Super Records, para ver os detalhes do aniversário dela. E eu queria ir embora, quando ele me disse que a Abigail não estava e que ele simplesmente tinha esquecido de me dizer, mas ele pediu para eu ficar e... eu fiquei – admitiu, envergonhada – E ficamos conversando, e depois dançamos, e... E acho que é possível que eu talvez esteja sentindo alguma coisinha por ele. Mínima. Mas ainda assim...
ficou em silêncio por alguns instantes, considerando o que a amiga falou.
- Vocês dançaram? – ela ecoou, finalmente.
- Ahn. É – sentiu as bochechas esquentarem – Ele estava me ensinando tango.
ficou observando um ponto fixo à sua frente; soltou um assovio longo.
- Garota, você está encrencada – soltou, finalmente.

X


Abigail estava abraçada à Desdemond, enquanto Harry tocava a campainha do apartamento de Tom; Gio atendeu a porta, com um sorriso.
Cumprimentou Harry com um abraço, depois abaixou-se, ficando na altura de Gail, e bagunçou-lhe os cabelos.
- Estão todos aqui? – perguntou Harry, olhando em volta.
- Tom está arrumando a sala de vídeo e acho que o Dougie está com ele, e o Danny...
- Estou aqui – Danny surgiu da porta da cozinha, usando óculos escuros e segurando uma garrafa de cerveja – Tive que buscar meu remédio. Nada melhor para curar uma ressaca do que beber de novo.
Abigail observou tudo com curiosidade.
- Tio Danny, o que é ressaca? – ela perguntou, inclinando a cabecinha.
Danny arregalou os olhos azuis e voltou-os para Harry que apenas o observava com as sobrancelhas erguidas.
- Excelente questão, Abigail – Harry disse, casualmente – A bomba é sua, Danny – colocou a mão sobre o ombro do amigo e rumou em direção à sala de vídeo.

X


estava sentada no sofá, zapeando os canais da TV; parou quando viu o rosto familiar de Jennifer Aniston. Ou era uma comédia romântica ou Friends, qualquer um dos dois estaria de bom tamanho.
Ouviu a porta do seu banheiro sendo aberta e, no segundo seguinte, estava sentada ao seu lado, enrolada em uma toalha, enquanto usava outra toalha para secar os cabelos castanhos claros.
- Então, você está apaixonada pelo Ringo da nossa geração – comentou, casualmente.
- Não disse apaixonada – esclareceu , levemente irritada; já estava começando a se arrepender de sua decisão de contar a verdade para a amiga – Eu disse que eu estava sentindo alguma coisa.
- Gostandinho, então. Que seja. Isso é tão romântico – ela comentou, alegre.
revirou os olhos, soltando o ar pelo nariz com força, contrariada.
- Isso não é romântico, , é patético. Encaremos a realidade: o cara se esqueceu que eu ia visita-lo. Eu sou... e ele é... e ainda tem a Abigail – foi a confusão nos olhos de que fizeram com que deixasse as brincadeiras de lado e se concentrasse na amiga – Não vai acontecer.
- Mas pode acontecer – disse, com honestidade.- Tá, e então, ? – perguntou, uma mágoa verdadeira no olhar – Ele é famoso, com milhares de garotas mil vezes mais bonitas que eu aos pés dele. Se não consegui nem mesmo a fidelidade de Jeremy, que era um completo porco, como é que vou conseguir a de um cara que é idolatrado por uma quantidade considerável de adolescentes loucas?
não sabia o que responder e percebeu isso; de certa forma, isto a magoou e a confortou ao mesmo tempo e na mesma medida.
Ela estava certa e era melhor assumir seus problemas agora, enquanto ainda tinha seu coração sob controle, do que mais tarde.
Quando fosse tarde demais.
Ainda assim, sentia como se um pequeno espeto tivesse sido enfiado em seu coração. Ficou em silêncio por alguns segundos, tentando lidar com aquela situação, então resolveu mudar de assunto.
– O que mais você tem para me contar da balada?
considerou a questão.- Pode ser que eu tenha sonhado, mas... tenho a impressão que peguei o Danny Jones ontem – comentou, hesitante.

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estava se esfregando em sua banheira, sentindo a água quente queimar sua pele e retirar toda a sujeira; não importava com quanta força passasse a bucha pela sua pele, ainda se sentia suja.
Odiava cometer erros; não suportava cometê-lo duas vezes.
Ouviu o barulho de mensagem do seu celular, que estava em seu quarto e fechou os olhos, bufando: podia apostar sua mão direita que era uma mensagem melosa e irritante de Klaus.
Prendeu a respiração e escorregou o corpo na banheira, ficando completamente submersa.

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Harry pegou uma das cervejas que estavam dentro de uma balde de prata com o emblema da Heineken escrito; deu uma batidinha de leve com o gargalo na parede e abriu-a.
- E então, como foi ontem? – perguntou, dando um gole, enquanto observava a coleção de filmes de Tom, que tinha pelo menos o triplo de títulos que ele.
- Sensacional. Até a parte que o anão de jardim sumiu – respondeu Danny, cutucando com o pé um Dougie que estava sentado em um dos puffs da sala de vídeo, lendo a sinopse de algum filme trash de terror dos anos 80 – e fez todos ficarmos procurando por ele que nem loucos.
- Eu já pedi desculpas – resmungou Dougie – Já disse, fiquei com sono e quis voltar para casa, não achei nenhum de vocês para avisar e resolvi ir embora sozinho. Isso é um crime agora?
- Vamos deixar os juízes analisarem – propôs Danny – Eu estava me pegando com duas meninas. Uma ruiva nesse braço, uma morena nesse – disse, mostrando primeiro o braço direito e depois o esquerdo, fazendo o gesto como se segurasse duas cinturas imaginárias – E tive que parar para procurar você, Bela Adormecida. Para mim, isso não é só crime, isso é um... um... atentado terrorista.
Harry, Tom e Dougie riram.
- Foi mal, cara – Dougie disse – Mas pense de todas as doenças venéreas que te poupei – acrescentou.
- Enfim, por que você não foi? – perguntou Tom, voltando-se para Harry.
- Bom, primeiro, não sei se vocês se lembram, mas eu tenho uma criança de cinco anos sob a minha guarda – deu um sorriso, dando um gole de sua garrafa – Segundo, estava em casa.
Os três homens trocaram olhares significativos.
- E aí, como foi? – perguntou Danny – Finalmente fez sua iniciativa de largar os cigarros valer a pena?
Harry pegou a primeira capa de DVD que conseguiu encontrar e arremessou na direção do amigo; Danny berrou um “ouch” ao mesmo tempo que Tom grunhiu “meu Star Trek com os comentários do diretor, NÃÃÃO!”.
- Não aconteceu nada e nem vai acontecer – Harry disse, com simplicidade, recostando-se contra o armário em que Tom guardava seus filmes – E agora você me deixou com vontade de fumar, seu cretino – resmungou.
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pigarreou.
- E ele simplesmente chegou e te agarrou? – perguntou, certificando-se.
- Sim – concordou, enquanto enfiava um pedaço de croissant na boca – Eu estava dançando, de repente ele me gira e me beija. Acho que a gente conversou um pouco antes, mas... – apontou para a própria cabeça – Sabe como é. Pode ser minha imaginação.
- Hum – deu um gole de seu cappuccino, pensativa – E como foi?
considerou a questão e então um sorriso espalhou-se em seu rosto, lentamente.
- Como beijar Alex Johanson, no segundo colegial. E, ao mesmo tempo, nada a ver com beijar Alex Johanson – tentou explicar – Porque no caso do Alex, o que fez com que fosse tão bom era o fato de eu ter esperado um ano e meio ele me dar atenção, com o Jones ele simplesmente... manda muito bem.
apoiou o queixo em uma das mãos, observando a amiga, os olhos brilhando com divertimento.
- Acho que isso comprova a teoria de que existem só sete pessoas no mundo e o resto é um truque com espelhos – disse.
riu, concordando com um aceno de cabeça.

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Dougie estava na sacada do apartamento de Tom e Gio, fumando um cigarro, quando Harry entrou.
- O que está fazendo aqui? – perguntou Dougie.
- Resolvi ficar aqui, sentindo o cheiro do cigarro, já que não posso mais fumar – Harry riu, recostando-se na parede – Como você está, Doug?
Dougie tragou e considerou a questão; soltou a fumaça que estava em seus pulmões pela boca, lentamente.
- Estou ótimo – disse, por fim, dando de ombros.
Harry ergueu as sobrancelhas.
- Você estava com sono? – o baterista retomou o argumento que o baixista usara na sala de vídeo – Qual é, Dougie, nós praticamente te criamos. Sabemos quando você está mentindo.
Dougie observou a fumaça soltando-se da brasa do cigarro, pensativo; se confiara em , como poderia não confiar em seus melhores amigos?
- Certo. Olha, é uma história meio longa, então... você vai ter que ter paciência – disse – Tem certeza que quer saber?
Harry revirou os olhos.
- Lógico que quero – respondeu.
- Eu tive uma namorada, anos atrás. A minha primeira namorada, e...
- A – Harry concluiu.
Dougie arregalou os olhos azuis, e ficou de boca aberta, sem saber o que dizer.
- Eu... ah... quem te disse isso? – perguntou, perplexo.
- Você fala dessa menina toda vez que fica muito bêbado, desde que entrou no McFLY – Harry disse, revirando os olhos – Mas nunca conseguimos tirar muita coisa de você; geralmente fica resmungando o nome dela e falando que você sente muito. E aí você apaga.
Dougie continuou encarando Harry como se não conseguisse acreditar no que estava acontecendo; piscou os olhos mais algumas vezes.
- Vocês nunca... por que vocês nunca... como? – perguntou, por fim.
Harry riu.
- Morremos de curiosidade, mas nunca perguntamos, porque você nunca mencionou ela quando estava sóbrio... – deu de ombros – Danny queria muito no começo, mas conseguimos fazer ele desencanar.
Dougie sentiu sua garganta apertar: como pudera esconder algo tão importante de seus amigos, quando eles eram tão compreensivos?
- O que tem a ? – Harry questionou, incentivando-o a falar.
O baixista considerou contar tudo o que acontecera, mas ainda não estava pronto para toda essa honestidade; decidiu que falaria o necessário.
- Estava meio bêbado e achei que tinha a encontrado na balada, persegui a coitada da mulher pelo salão todo para descobrir que não era a . Fiquei chateado e fui para casa – deu de ombros, tragando novamente.
- Entendo – Harry respirou profundamente – Achávamos que você esqueceria a com a Frankie.
- Eu também achei – Dougie deu um sorriso triste, batendo as cinzas de leve em um cinzeiro que Gio lhe entregara – E você com a professora? – perguntou o loiro, os olhos fixos de forma pensativa na paisagem.
- O que tem ela? – perguntou o moreno, recostando-se contra a mureta, ficando ao lado do Dougie; através da porta de vidro que separava a sacada do interior do apartamento encontrou Abigail gargalhando, enquanto perseguia Danny que fugia dela, também gargalhando, Gio arrumava a mesa com a ajuda de Tom.
- Ah, qual é? Nós praticamente te criamos e blábláblá – Dougie comentou, irônico, enquanto dava uma nova tragada em seu cigarro – O que está rolando?
Harry considerou a questão.
- Eu não sei – respondeu, com sinceridade – É diferente agora. Antes era tão mais simples, mas agora eu tenho que pensar na Gail e no bem estar dela... Ontem, esqueci de avisá-la que Abigail ia sair com a e ela apareceu, passamos a manhã toda e parte da tarde juntos e foi ótimo; eu quase... quase... E aí a Abigail chegou e ainda não me decidi se não gostei dessa intromissão ou se sou grato por ela.
Dougie observava o amigo com os olhos azuis brilhando em um sorriso; lentamente, ele soltou fumaça pelos lábios.
- Acho que você está encrencado – disse, rindo.

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Era segunda-feira de manhã quando entrou marchando no escritório de Harry, encontrando-o ouvindo uma banda que um dos caça talentos da Super Records indicara.
- Quem é um milagre divino na Terra? – a mulher perguntou, tirando o fone de ouvido do baterista do plug – E conseguiu o melhor salão de festas da cidade para o dia 18 de dezembro?
Harry abriu um sorriso sincero.
- Você, . Tá falando sério? – perguntou, perplexo.
- Sim, tenho alguns contatos e consegui o Altitude London – Harry engasgou, maravilhado – Agora, temos mais uma questão para considerar – a mulher sentou-se na cadeira em frente a ele – a música.
- O que tem a música? – ele perguntou, franzindo o cenho.
- Está quase tudo certo, mas pensamos em uma música ao vivo. Estávamos considerando se vocês poderiam tocar no aniversário – informou, casualmente, enquanto puxava do bolso de seu casaco uma folha de papel – Aqui está a playlist de Abigail.
Harry analisou-a: Justin Bieber, Miley Cyrus, Emily Osment...
O homem considerou como poderia recusar o convite de tocar na festa da afilhada sem ser um completo desaforo; poderia convencer Tom, Danny e Dougie a tocarem suas próprias músicas e talvez algumas outras.
Mas Justin Bieber e Miley Cyrus?
- Na verdade, , eu quero poder aproveitar a festa de Gail – ele disse, cuidadosamente – Então, por que é que você não contrata algum artista para se apresentar?
deu um sorriso largo e levantou-se.
- Como quiser, senhor Judd. Tenha uma boa tarde – desejou.

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e Abigail saíram do elevador, descendo no andar do apartamento de Harry Judd; em frente à porta tinha um envelope branco, escrito “Para: Abigail” em uma letra caprichada.
Rapidamente, a ruivinha abaixou-se e abriu o envelope, feliz. Assim que olhou o conteúdo, soltou um gritinho exultante.
- São os convites para o meu aniversário, professora ! – vibrou, fazendo uma dancinha, enquanto a mulher ria da empolgação da garota e destrancava a porta do apartamento.
Abigail entrou correndo, deixou sua mochila sobre o sofá, colocou o envelope em cima da mesa e foi até a área de serviço, praticamente pulando de felicidade, trocou a água de Max, abraçou-o, acariciou-o, tagarelou com ele por alguns segundos.
- Agora, licença, Max, mas tenho que ir ver o convite para o meu aniversário! – disse, apressada, colocando o coelho dentro de sua gaiola e correndo de volta para sala.
estava se divertindo com a hiperatividade da menina.
- Onde vai ser o seu aniversário? – perguntou a mulher, inclinando-se na direção da menina, que finalmente abria o envelope e tirava de dentro dele um dos convites; os convites eram pequenos quadrados de papel cartão brancos, com as palavras impressas em vermelho vivo, que diziam “Você está cordialmente convidado para o aniversário de seis anos de Abigail Grace Dickins, no Altitude London, dia 18 de Dezembro, às 18 horas. A apresentação deste cartão é indispensável para entrar no prédio” – Você vai fazer uma festa no Altitude London? – engasgou.
- Acho que sim – Abigail sorriu – Por quê?
A professora ponderou se mencionar que era um dos locais de evento mais caros e cotados da cidade faria alguma diferença para a ruivinha à sua frente e resolveu que não. Deu um sorriso e deu de ombros.
- Ouvi dizer que lá é muito legal – disse, com simplicidade.
Abiagil sorriu, exultante, e puxou de dentro do envelope uma folha de papel comum; era um bilhete.
- Abigail... – a menina leu, pronunciando bem as palavras – Peça para a sua professora te ajudar com o nome dos seus amigos. Depois, me passe os nomes para que os coloque na lista. . Ah, que legal! A tia me mandou um bilhete – sorriu.
também sorriu.
- Acho que ela quer que eu te ajude a preencher os convites. Vamos fazer a lição primeiro e, depois, fazemos isso, que tal? – a professora teve que morder o lábio inferior para não rir da carinha de desolação no rosto da menina.
- Está bem... – Abigail murmurou, guardando o convite e o papel dentro do envelope novamente – Mas vamos rápido – sugeriu, sonhadora – Quero arrumar logo os convites do meu aniversário.

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- E aí, – Tom disse, entrando no escritório da mulher, que o cumprimentou com um aceno de cabeça, sem desviar os olhos verdes da tela do computador – Vim aqui te agradecer pela ajuda com a Gio no sábado. Acho que minha bexiga teria explodido se eu não tivesse te encontrado.
- Sem problemas – ela disse, distraída.
Nesse momento, o celular da mulher começou a tocar; pegou-o, observou o visor, revirou os olhos, e devolveu-o para a mesa, ignorando-o.
Curioso, Tom pegou o celular e observou o visor. O nome do contato era “Não atender 17”.
- Quem é esse? – perguntou, apontando para o celular.
- O Klaus – ela respondeu.
- Por que 17? – questionou, genuinamente curioso, sentando-se na cadeira livre em frente à mesa da mulher.
soltou o ar lentamente e voltou sua atenção para Tom, percebendo que ele não a deixaria se concentrar.
- Porque tiveram 16 outros erros antes dele – ela disse – Será que você pode sair agora? Está me atrapalhando.
- Por que erro? – Tom a ignorou – Klaus parecia gostar de você de verdade, não conseguia tirar os olhos de você a noite toda... Aquele cara é louco por você, .
- Não – retrucou, num resmungo – Ele é louco por isso – apontou para o próprio rosto – Klaus está pouco se lixando para o que penso ou o que sinto; eu sou um belo troféu que ele pode mostrar para seus colegas. Ele tem o carro do ano, a casa mais bonita, com a melhor decoração e a mulher mais bonita que ele pôde encontrar. Não me formei com honra em Cambridge para ser namoradinha de um cara que não sabe fazer uma soma simples sem a ajuda dos próprios dedos.
Tom a observou por alguns segundos, considerando seu argumento.
- Por que voltou a falar com ele, então? – perguntou.
- Ah, Fletcher, quando é que viramos melhores amigos? – ela choramingou, revoltada – Eu tenho que trabalhar, OK? Sai da minha frente.
Então, a ficha de Tom caiu.
- Você fez pelo Dougie! – exclamou, ficando de pé, rindo – Acho que estou vendo um padrão, ... seu coração só bate por pessoas com menos de um metro e meio.
observou-o inexpressiva por alguns instantes; então, colocou os fones de ouvido e voltou a atenção para o monitor do seu computador.
- O que você está fazendo? – perguntou Tom.
- Te ignorando – ela respondeu, começando a digitar alguma coisa.

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Harry abriu a porta do apartamento e encontrou e Abigail debruçadas sobre a mesa de jantar.
- Olá – Harry sorriu, aproximando-se – O que estão fazendo?
- Tio Harry! – Abigail berrou, feliz – Olha, pega aqui – estendeu um dos convites em sua direção; o homem prontamente o aceitou.
- O que é isso? – perguntou.
- O convite do meu aniversário – sorriu Abigail, pondo-se de pé na cadeira, ficando quase do tamanho do padrinho – Viu aqui? – apontou para o alto do cartão, onde estava escrito “Tio Harry” com a caligrafia infantil da garota – Fui eu que escrevi – sorriu, as bochechas coradas de satisfação.
Harry riu e seus olhos encontraram os olhos da professora.
- Olá, – ele disse, acenando – Onde está o seu convite?
A mulher retribuiu o sorriso e ergueu seu próprio convite; afastou sua cadeira e começou a preparar-se para ir embora.
- Já vai? – perguntaram Harry e Abigail ao mesmo tempo, ambos parecendo um pouco decepcionados.
sentiu suas bochechas arderem um pouco.
- Ah... eu tenho que ir... – na verdade, queria evitar ficar muito perto de Harry Judd: melhor prevenir do que remediar – Harry, deixei a lista de todos os alunos da sala nessa folha – apontou para uma folha de papel A4 sobre a mesa -, você ajuda a Abigail a terminar os convites?
Harry concordou.
- Não quer ficar nem para jantar com a gente? – o homem ofereceu, os olhos brilhando amistosamente.
Aos poucos, ela se perdeu dentro daqueles olhos azuis e, lentamente, sua vontade de se afastar se esvaiu; lógico que seria melhor se manter afastada, mas era mais do que óbvio para ela que Harry Judd jamais olharia para ela como nada além do que a professora de Abigail.
Então, não teria problema, certo?
Um sentimento platônico era tolerável.
- Está bem – ela sorriu, e Abigail festejou, enquanto guardava os convites para liberar a mesa para a janta.

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- Uau! – Nora leu de novo o convite – Esse lugar não é aquele em que você consegue ver toda a cidade dele?
Abigail hesitou.
- Não sei – disse, enquanto as duas caminhavam pelos corredores do colégio – Mas você vai, né?
- Lógico que eu vou – Nora sorriu – Vai chamar o Kevin?
- Você acha que ele vai? – Abigail perguntou, baixinho, as bochechas coradas.
- Você não vai saber se não perguntar – Nora abriu a porta da sala – Galera, aniversário da Abigail semana que vem! – a garota anunciou, fazendo com que todos os alunos que estavam na sala ficassem agitados.
Abigail deu um largo sorriso e foi de mesa em mesa, entregando os convites para os amigos.

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guardou sua bolsa no armário, na sala dos professores, e saiu para o corredor. Nesse momento, encontrou com uma figura familiar, de olhos castanhos amendoados e cabelos loiros.
- Bom dia, senhorita – desejou-lhe Elizabeth Quentin, com um sorriso cordato; ela saía da diretoria, acompanhada pela senhora Carying.
- , que bom encontrá-la – a diretora sorriu, bondosa – Certamente já conhece a senhora Quentin, assistente social responsável pelo caso da Abigail Dickens, não?
precisou de alguns segundos para absorver aquela informação; forçou um sorriso e estendeu a mão na direção de Elizabeth.
- Claro, claro que a conheço. Conversamos na semana passada – disse, aliviada ao perceber que sua voz soava honesta e relaxada – A que devemos sua presença hoje, senhora Quentin?
Os olhos castanhos brilharam, satisfeitos, por trás dos óculos.
- Hoje vim conversar com Abigail – disse, com simplicidade.

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- Altitude London? – Danny leu o nome do local no convite que Harry acabara de lhe entregar e soltou um assovio – Isso sim é que é festa. Posso levar uma acompanhante?
- Não – Harry disse, sério – acabou de me entregar o orçamento do aluguel deste local e eu pago por cabeça. O único aqui que tem direito a levar uma acompanhante é o Tom e isso só porque ele e a Gio estão juntos desde os oito anos de idade. Dougie, se você for ter um acesso de ligar para a Frankie implorando para ela voltar, por favor faça isso depois do dia 18 – acrescentou, voltando-se para o baixista.
Dougie lançou-lhe um olhar de poucos amigos e, depois, com um sorrisinho cínico, fez um sinal de jóia com a mão que não segurava o convite.
Tom deu uma risadinha, mas qualquer comentário que fosse fazer foi interrompido por um apito no celular de Harry, anunciando uma mensagem. O moreno prontamente puxou o aparelho do bolso.
“Elizabeth Quentin está aqui. Vai conversar com a Abigail. ”.
- Merda – Harry soltou, por entre os dentes – Merda, merda, merda, merda.

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Abigail foi acompanhada por um bedel até uma sala vazia, no fim do corredor; a porta estava aberta e ela conseguiu ver uma mulher de cabelos loiros curtos sentada na mesa da professora.
- É aí, Abigail – a bedel sorriu, indicando a porta.
A ruivinha entrou, hesitante, sentindo um misto de medo e terror; assim que surgira na sala de aula, uma bedel apareceu à porta e pediu que Abigail a acompanhasse, mas ninguém lhe explicou muito bem o que estava acontecendo.
- Bom dia, Abigail – sorriu a mulher, indicando uma cadeira à sua frente – Será que nós podemos conversar?
A garotinha observou-a, sem falar nada, e sentou-se; suas bochechas estavam rosadas e os olhos verdes, arregalados.
- Eu sou Elizabeth Quentin – continuou a assistente social, num tom de voz agradável – Você sabe por que está aqui? - Abigail mordeu de leve o lábio inferior e negou com um aceno de cabeça; a mulher sorriu, compreensiva – Estamos aqui para conversar sobre você.
- Sobre mim? – Abigail ecoou – Achei que eu já fizesse isso com a doutora .
Elizabeth ergueu as sobrancelhas.
- E quem seria essa? – perguntou.
- Minha psicógola – Abigail respondeu, fazendo uma careta, sentindo que a palavra saíra errada.
- Psicóloga – corrigiu a assistente social, amavelmente.
- É – Abigail deu um sorriso aliviado – Isso.
- Interessante... – murmurou a mulher, anotando algo em sua prancheta – Agora, eu quero conversar sobre você e seu padrinho, Harry Judd. Como é viver com ele?
Os olhos verdes imediatamente começaram a brilhar, como geralmente faziam quando pediam à garota que falasse de seu padrinho.
- É muito divertido; o tio Harry é a pessoa mais legal do planeta – disse, com um suspiro.
Elizabeth deu um sorriso educado, e prosseguiu em suas anotações.
- Ouvi dizer que seu rendimento no colégio caiu um pouco – Elizabeth prosseguiu – Isso é verdade?
Abigail hesitou; será que aquela mulher estava ali para prendê-la por ter copiado a lição de casa de Nora?
- Sim, mas já resolvemos isso – disse, rapidamente – Agora que a professora está me ajudando com as lições de casa, eu...
- Espere – pediu a assistente social, interrompendo-a – O que você quer dizer com isso?
- Agora eu faço as lições com a ajuda da professora – a menina respondeu, lentamente, perguntando-se qual parte daquele conceito era tão difícil de entender.
- E o seu padrinho? – perguntou a mulher.
- Tio Harry trabalha até de noite e então vem para casa – a garotinha respondeu.
- E o tio Harry te ajuda com seus trabalhos ou lições de casa? – questionou Elizabeth.
Abigail considerou a questão.
- Não, ele não é muito bom com essas coisas – disse Abigail.
A assistente social ergueu as sobrancelhas, interessada.
- Como assim, Abigail?
- Ah, bem... – a garota hesitou, tentando conseguir explicar melhor o que dissera – O tio Harry ele é... ele trabalha muito e é muito legal. É como se esse fosse o trabalho dele. Me ajudar com as tarefas e essas coisas é o trabalho da professora .
A mulher entrelaçou os dedos das duas mãos e apoiou os cotovelos sobre o tampo da mesa, equilibrando o queixo entre os dois dedos indicadores.
- Interessante, Abigail, conte-me mais sobre isso...

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Na saída para o recreio, pediu que Abigail esperasse um instante; quando as duas ficaram sozinhas na sala de aula, a professora se aproximou.
- Como foi com a senhora Quentin? – perguntou, baixinho.
Abigail ergueu os olhos, confusa.
- Ah... a gente conversou – disse, dando de ombros.
- Sobre o quê? – a professora insistiu.
- Eu, o tio Harry, você... Essas coisas.
- Eu? – ecoou – O que tem eu?
Abigail começou a relatar a conversa passo a passo, ou pelo menos o que lembrava dela; assim que terminou, a professora a dispensou e pegou seu celular.
Logo que Abigail sumiu pelos corredores, ela procurou o nome de Harry nos seus contatos e apertou o “send”.
- Como foi? – Harry perguntou, antes mesmo de cumprimentá-la.
- Não sei – respondeu, mordendo de leve a pele ao lado da unha do dedão – Abigail parecia tranquila. Ela mencionou que eu estou ajudando vocês.
Harry hesitou do outro lado da linha.
- Isso é ruim? – questionou.
- Acho que não, quero dizer... não sei – suspirou – Eu não sei o que passa pela cabeça da mulher, Harry.
O homem soltou o ar, lentamente, tentando organizar seus pensamentos.
- Já foi, não é? Agora nos basta esperar pela próxima aparição dela – murmurou.
- É... – concordou , também sentindo-se impotente – Mas não se preocupe, Harry. Vai ficar tudo bem, você vai ver.
- Estou contando com isso – ele retrucou.

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acenou para antes de fechar a porta do consultório; aquela seria sua última sessão com a garota: Abigail já superara completamente sua fobia de alta velocidade e a psicóloga não via mais sentido em insistir na terapia.
- Bom dia, Abigail, como você está? – perguntou, com um sorriso.
- Ótima, doutora ! – a ruivinha sorriu, sentando-se no divã e procurando algo em sua mochila; soltou uma exclamação satisfeita e tirou de dentro de um dos bolsos exteriores dois papéis brancos – Toma, para você e para o Tiesto.
A psicóloga ergueu as sobrancelhas e aceitou os papéis.
- O que é isso? – perguntou.
- Os convites do meu aniversário – riu a garotinha – Você vai, não vai?

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Depois do jantar, Harry estava lavando a louça, enquanto a secava e guardava no armário da cozinha; estavam em silêncio desde que Abigail fora dormir.
A professora sabia que o homem ainda estava abalado pela visita repentina da assistente social e não sabia muito bem como abordar o assunto.
- Eu estive pensando – foi Harry quem quebrou o silêncio, os olhos fixos no prato que ensaboava – E, quer saber? É uma boa coisa, não é?
- Ahn? – perguntou, confusa.
- Elizabeth Quentin saber de você – ele completou – Ela saber que você está aqui e me ajudando... prova que quero o melhor para Abigail – quando seus olhos se encontraram, pôde ver o desespero nas íris azuis.
- Lógico, Harry – ela concordou, com um sorriso – Mostra que você está se empenhando, sim. Eu já te disse que vai dar tudo certo, esqueça isso.
Harry hesitou, mas concordou com um aceno de cabeça.

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Dougie e Danny estavam coçando os próprios olhos, sonolentos, enquanto Tom digitava o número do celular de Harry, para avisar que eles estavam à porta do apartamento.
Eram seis horas da manhã de uma quinta feira e eles tinham combinado uma surpresa para Abigail, mas tudo deveria ser feito sigilosamente. Antes mesmo que Thomas pudesse apertar o send, Harry abriu a porta do apartamento, com o dedo indicador sobre os lábios.
Gesticulou para que os amigos entrassem e apontou o quarto de Abigail; o quarto cor-de-rosa estava escuro, mas eles conseguiram identificar os instrumentos plugados e cuidadosamente localizados no canto esquerdo.
Nas pontas dos pés, todos entraram, ocupando seus instrumentos.
- Birthday? – perguntou Tom, num sussurro, referindo-se a uma das músicas do Beatles.
Abigail acordou logo nos primeiros acordes da guitarra de Danny, sentou-se na cama com um sorriso de orelha à orelha, abraçada a Desdemond; apenas quando Danny cantou o primeiro trecho da música ela a reconheceu.
Com um gritinho histérico, chutou os lençóis e correu até os homens, dançando com sua camiseta “I get high with a little help from my friends” ao ritmo da música, gritando a letra junto com Dougie.
Quando a música terminou, todos riram e foram cumprimentar a garota devidamente.

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Era sábado de manhã quando Harry foi brutalmente tirado de seu sono pelos toques regulares e irritantes do seu celular; ainda com os olhos fechados, tateou o criado mudo ao seu lado até que sua mão tocou o aparelho e atendeu-o.
- Alô? – resmungou.
- Cadê você, Judd? – berrou uma furiosa, do outro lado da linha – Estou sozinha tendo que administrar a festa do aniversário da sua afilhada. Percebe algo errado nesta frase?
Harry sentou-se, espreguiçando-se:
- Sinto muito, , estou a caminho – ele prometeu.

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- Obrigado por ficar com ela, – Harry disse, com um sorriso franco, segurando Abigail em uma mão e uma mochila com a roupa para o aniversário em outra – Aqui está tudo o que ela precisa. Passo aqui lá pelas cinco e meia para pegá-la, está bem? Você aceita uma carona? – acrescentou.
ainda sentia o cérebro um pouco lento, por causa do sono, mas deu um sorriso e concordou com um aceno de cabeça.
- Você é a melhor – ele disse, entregando-lhe a mochila – Obrigado, de verdade.

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Quando ele finalmente chegou ao Altitude Londres, quase ficou sem ar; o lugar que geralmente era tão sóbrio, com detalhes apenas em preto e branco, estava completamente decorado como se fosse uma selva, com folhas espalhadas pelos chãos, com árvores e pedras postiças, formando caminhos da entrada até o palco armado, a mesa de presentes e as mesas de comidas, estavam estacas de madeira com lâmpadas na ponta que simulavam fogo.
estava berrando com alguma mocinha sobre como ela deveria fazer os arranjos de forma que eles parecessem naturais e bem feitos e não “uma coisinha qualquer que eu poderia comprar na porra do México”.
- Até que enfim! – grunhiu, caminhando até ele – O que achou?
- Está... uau! – ele disse, sem fôlego.
- É, eu sei – ela sorriu – Mas ainda vai ficar melhor, o pessoal da decoração ainda vai trazer um castelo fictício; contratei algumas barracas de baboseiras, como pipoca e cachorros-quentes. Mas, enfim – revirou os olhos – Poderia ter ficado melhor se você tivesse me dado mais do que míseros seis dias.
Olhando em volta, não tinha nada que ele pudesse imaginar mais bonito e bem elaborado do que aquilo; mandaria uma carta para o Papa, exigindo a canonização de quando tudo aquilo estivesse terminado.
- Bem, queria que você me ajudasse a reservar as mesas, venha... – segurou-o pelo cotovelo e puxando-o.

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Abigail saiu do banho enrolada em sua toalha; ajudou-a a vestir sua roupa de aniversário: um vestido verde, que combinava com seus olhos, e ressaltava sua pele alva, uma meia calça grossa para proteger as perninhas do frio e sapatilhas pretas.
- Você está parecendo uma princesa – suspirou, tendo que se segurar para não espremer Abigail.
A garotinha sorriu, passando a mão vaidosamente na saia do vestido.
- É porque você ainda não viu o vestido do parabéns – segredou a menina, os olhos verdes brilhando com satisfação – Aí sim eu vou parecer uma princesa de verdade. Falta muito? – a menininha perguntou, ansiosa.
olhou o relógio.
- Não, seu tio deve estar chegando a qualquer momento... – nesse momento, a campainha tocou; as duas trocaram olhares significativos e sorriram – Olha só!
Abigail correu até a porta e tratou de envolver-se em uma echarpe e verificar o coque que improvisara, antes de agarrar sua bolsa e caminhar para a sala; seu coração quase parou quando viu Harry Judd parado, vestindo o que parecia ser seu melhor terno, segurando a afilhada no colo.
Ele estava mais bonito ou era impressão sua?
Seus olhos se encontraram e ela percebeu quando aquelas maravilhosas íris azuis pareceram se demorar um pouco mais nela do que de costume; ela admitia que talvez tivesse se arrumado um pouco mais do que o normal, mas ela também precisava se sentir bonita de vez em quando.
E, da última vez que ela checara as leis inglesas, aquilo não era crime.
Sorriu.
- Olá, Harry – aproximou-se – Vamos?
Ele pigarreou, afastando sua atenção da mulher.
- Olá, – colocou Abigail no chão – Vamos, sim.
- Como está lá, tio Harry? – perguntou Abigail, ansiosa.
- Ah, você não perde por esperar... – ele riu; enquanto eles desciam as escadas. Acenaram para o porteiro uma despedida e entraram no carro do baterista.

X


Quando eles chegaram, Tom, Danny e Dougie já estavam lá, servindo-se de bebidas com os barmen que estavam vestidos como se fossem da época medieval.
quase teve um ataque cardíaco ao perceber que as garçonetes usavam vestidos da época, andando entre as mesas com cestas com salgadinhos; as barraquinhas que serviam algodão doce, pipoca e cachorros quentes eram feitas de madeira rústica.
- Tio Harry... – Abigail ofegou, sem conseguir precisar o quanto amara tudo aquilo; em volta deles, Londres se estendia, misteriosa e maravilhosa com todas as suas cores.
- Agradeça a tia – Harry sugeriu; a garotinha saiu correndo atrás da mulher, que analisava algumas taças de vinho, certificando-se de que estavam perfeitamente limpas.
A garotinha passou como um foguete pelos três homens que caminhavam em direção a eles.
- É, ela é só a aniversariante – Tom fingiu desprezo – Não é como se nós fôssemos querer falar com ela, nem nada do gênero.
Dougie riu, enquanto Danny surrupiava um salgadinho de dentro da cesta de uma garçonete.
- Cara... – começou Dougie, olhando em volta – Cara... – desistiu, dando um gole de sua taça.
- Eu sei – Harry riu – Não quero nem pensar na minha conta do cartão de crédito esse mês.
Danny fez uma careta.
- É, se eu fosse você, aproveitaria o open bar ali – apontou para o balcão onde estavam os barmen – Quanto a mais vocês estão pagando para esses caras se vestirem desse jeito?
Harry deu de ombros.
- Dê uma garrafa de Pinot para o Danny e ele faz de graça – Dougie sugeriu.
Os quatro riram.
observava a dinâmica dos quatro impressionada; assistira algumas entrevistas com eles antes de conhecer Harry – e algumas depois também – e sempre achara fascinante como eles ficavam à vontade juntos.
- Professora que fala com bichinhos de pelúcia – Tom notou sua presença, bem humorado – E aí? – esticou a mão na sua direção.
sorriu e aceitou o cumprimento.
- Cadê sua namorada? – perguntou.
- Gio não pôde vir, já tinha um compromisso – Tom sorriu – Mas ela mandou um presente para a Gail, já coloquei no poço dos desejos. Aliás, de quem foi essa ideia genial?
- – Harry respondeu.
- Qualquer um pensaria nisso – Tom resmungou, mudando imediatamente de opinião.
Harry revirou os olhos.
- O Tom não consegue admitir que a é melhor do que ele em algumas coisas – explicou para .
- Ela não é melhor...! Judd, não me dirija a palavra hoje – Tom disse, convicto – Meu copo está vazio. Vou pegar mais bebida. , você quer alguma coisa?

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A festa estava sendo um absoluto sucesso; todos os colegas de sala de Abigail compareceram, assim como todos os seus parentes. Até mesmo Ariadne e o marido conseguiram arranjar um voo de última hora da Irlanda para Londres e garantiram sua presença no aniversário da sobrinha.
chegou atrasada; os cabelos castanhos claros estavam presos em uma trança grossa e comprida, caminhou até e cumprimentou-a com um abraço.
- Isso aqui é uma festa de outro planeta ou o quê? – comentou, perplexa, enquanto aceitava uma taça de vinho que lhe era oferecida por um garçom usando vestes da época.
riu.
- Eu sei! – caminharam até a mesa em que estavam sentadas, junto com os Guys – Você chegou na hora, eles vão servir o jantar!
- O quê? Vai ter jantar? , como é que você não me avisa isso! – soltou, esganada – Comi em casa! Vou ao banheiro vomitar, já volto.
gargalhou, mas segurou a amiga com mais firmeza, só por via das dúvidas.

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Harry estava conversando com Anthony Dickens, quando sentiu uma mão pequena e macia em seu pulso; virou-se e deparou-se com sua mãe. Sorriu e abraçou-a com firmeza.
- Querido, você está de parabéns – ela sussurrou, sorrindo – Por tudo. Essa festa, Abigail... tudo. Estou tão orgulhosa... – a voz da mulher fraquejou.
- Mamãe, sem choros, por favor – ele pediu, afastando-se e observando-a com afeição.
- Eu sei, desculpe – ela fungou, usando o dedão para secar uma lágrima solitária.
- E aí, mané – o sorriso de Harry alargou ao perceber Katherine, sua irmã mais velha, parada atrás da mãe, de braços dados com Christopher – Faz tempo que não te vejo.
Harry afastou-se gentilmente da mãe e foi abraçado pela irmã com firmeza; Katherine sempre fora alta e, em muitos aspectos, uma moleca. Andava por Chelmsford de calça jeans e boné e estava sempre pronta para jogar esportes com os meninos.
Ela fora o verdadeiro inferno da sua vida; Thomas, seu irmão do meio, era tranquilo e do tipo estudioso.
- Onde está Tom? – perguntou, olhando em volta, ao recordar-se que o irmão também confirmara a sua presença.
- Está certo. Obrigada, senti sua falta também! Eu estou ótima, irmãozinho, obrigada por perguntar! Ah, jura? Bom, estou planejando passar as férias na França – Katherine embarcou em uma conversa imaginária, enquanto lançava um olhar maldoso na direção do irmão – Quer saber, tampinha, gostava mais de você quando eu conseguia te prender no armário embaixo da escada.
Harry riu e revirou os olhos.
- Faz dez anos que eu sou maior do que você, dá para parar de me chamar de Tampinha? – pediu.
Katherine enfiou uma bolinha de queijo na boca, considerou a questão, e negou com um aceno de cabeça.
- E aí, Harry! – Tom acenou, surgindo da entrada do salão 360º do Altitude London – Como você tá? – os dois se abraçaram.
- Bem, Tom e você? – observar o irmão era quase como ver uma versão de si mesmo, apenas dois anos mais velho e com uma profissão enfadonha.
Depois da conversa, Harry voltou-se para o pai e o abraçou com força.
- Sua mãe queria te ligar todos os dias, tive que inventar quarenta atividades diferentes para mantê-la longe do telefone – sussurrou ao ouvido do filho, divertido.
Harry riu.
- Obrigado, pai.

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Danny estava sentado em uma mesa ao lado da mesa onde estavam e ; ele encarava atentamente a última.
- Danny, sua mãe não te falou que é falta de educação ficar secando uma garota desse jeito? – perguntou Dougie, cotovelando o amigo.
Danny se recompôs.
- Não é isso – sussurrou – Eu tenho a impressão que conheço ela de algum lugar.
Tom observou .
- Hum. Ela parece ter dignidade e ser inteligente. Não consigo imaginar o que vocês dois poderiam ter em comum – ele disse, descartando a possibilidade.
Dougie riu, concordando com um aceno de cabeça; Danny lançou um olhar carrancudo para os dois.
- Odeio vocês – decretou, afinal.

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caminhou altiva até o local onde estava um palco com as cortinas fechadas; diversos olhares curiosos haviam analisado o local e as conclusões óbvias eram de que o McFLY se apresentaria.
Os lábios da mulher formaram um sorriso, enquanto ela pensava o quanto adorava chacoalhar as expectativas do público em geral; gostava de surpreender e sabia que era isso o que a atração faria.
- Convidados, convidados! – disse, pegando o microfone, dando seu melhor sorriso – Boa noite! Agora que tenho a atenção de todos vocês, gostaria de apresentá-los a nossa atração principal – os primeiros acordes de “Baby” começaram a soar por todo o salão e, perante os olhos perplexos das crianças, os incrédulos dos McGuys e os confusos dos convidados mais velhos, o adolescente entrou no recinto pela porta dos fundos, cantando os primeiros versos da canção.
Imediatamente, as pessoas formaram um círculo em volta do palco; as crianças berrando histéricas, pulando, dançando e cantando ao som do fenômeno de dezesseis anos de idade.
caminhou para perto de Harry com um sorriso.
- Você contratou o Justin Bieber – o homem soltou, por entre os dentes, mascarando seu desespero com um sorriso amarelo.
- Eu, não, queridinho, você contratou o Justin Bieber e está pagando uma fortuna por isso; se eu fosse você, aproveitaria – acrescentou, dando uma piscadinha e abriu caminho em direção ao balcão dos barmen.
Mal se afastou, Harry estava cercado por Danny, Dougie, Tom, e .
- Isso é o máximo, Harry! – riu, perplexa – Essas crianças nunca vão esquecer essa noite!
Harry observou o perfil dela, sentindo algo como uma sensação morna envolvendo todo o seu interior.
- Quer dançar? – perguntou, estendendo-lhe a mão, sentindo-se como um adolescente.
observou-o, levemente surpresa, e então jogou a cabeça para trás, soltando aquela gargalhada que fazia com que todo o seu corpo se arrepiasse e depois concordou com um aceno de cabeça.
- Adoraria – ela aceitou a mão e os dois foram para o meio das crianças, rindo, começando a se mexer ao ritmo da música.
Tom assoviou.
- Alguém está filmando isso? – perguntou.
- Deixa comigo – disse Dougie, prontamente, começando a filmar a cena com o seu iPhone – Quanto você acha que conseguimos tirar dele por esse filme?
Danny soltou um som pensativo.
- Acho que não podemos pedir a dignidade, ela acabou de se despedir – comentou, divertido.
riu do comentário, chamando novamente a atenção do moreno; os olhos azuis de Danny faiscaram.
- Gostaria de dançar também? – ofereceu, lançando-lhe seu melhor sorriso.
A psicóloga deu uma risada, divertida.
- E a sua dignidade? – questionou, erguendo as sobrancelhas.
- Ah, o Daniel não reconheceria a dignidade nem se ela aparecesse e lhe desse um chute na bunda – Dougie respondeu pelo amigo, os olhos azuis ainda fixos em Harry e dançando.
- Obrigado, Doug - Danny resmungou, mas voltou-se para sorrindo – E então?
A mulher revirou os olhos, terminou todo o conteúdo que sobrava em sua taça em um único gole e estendeu a mão na direção do moreno; Danny deu um sorriso largo, pegou a mão da mulher e puxou-a para a pista de dança.
Os dois se entreolharam por alguns minutos, enquanto dançavam ao ritmo de “Somebody to Love”.
- Eu te conheço de algum lugar? – o moreno perguntou, inclinando levemente a cabeça.
- Isso é uma cantada? – perguntou, erguendo as sobrancelhas, divertida.
- Funcionaria se fosse?
- Não – ela respondeu, rindo.
- Então é só uma pergunta – Danny retrucou, também rindo.
gargalhou e Danny sentiu-se contagiado, gargalhando junto.
- Você abusou sexualmente de mim em uma balada – ela respondeu, ficando repentinamente séria.
Toda a cor sumiu do rosto do moreno e ela conseguiu ver o desespero estampado em seu rosto, enquanto ele parecia tentar revirar seu cérebro atrás de qualquer indícios de aquele argumento ser verdadeiro.
Ela gargalhou novamente.
- Não foi bem um abuso, eu meio que consenti – ela disse, e Danny literalmente suspirou de alívio, isso fez com que ela se divertisse ainda mais – Nós estávamos na balada...
- ... open bar! – Danny concluiu, satisfeito por finalmente entender de onde achava que a garota lhe era familiar – Eu sabia que te conhecia de algum lugar.
- Estou lisonjeada que você consiga se lembrar de mim, o estado que você estava... – ela comentou, rindo.
Dougie e Tom continuavam parados, observando tudo aquilo, abismados; Molly Dickens, dançando de maneira exagerada, surgiu do meio da criançada e puxou o baixista para a pista.
Rindo, o loiro a acompanhou; Tom ficou sozinho observando tudo aquilo e sentiu um aroma feminino forte ao seu lado, virou-se para encarar .
Ela dava alguns goles na sua taça de vinho, observando a multidão.
- Ótima festa – ele elogiou, à contragosto.
- Eu sei – ela retrucou, indiferente.
Houve um breve instante de silêncio entre eles, apesar da música alta.
- Quer dançar? – ele ofereceu, incerto do que fazer.
- Com você? – ela retrucou.
- Ahn... é – ele respondeu, levemente confuso.
- Ahn... não – ela retrucou, dando um sorrisinho maldoso e afastando-se.
Justin Bieber a essa altura já tinha puxado Abigail para o palco e agora cantava “U Smile I Smile” dedicando à garota, que parecia estar prestes a explodir de felicidade e vergonha, as bochechas quase atingindo a mesma tonalidade dos cabelos.
Tom terminou sua bebida e entrou no meio da pista.

X


Depois do corte do bolo, Abigail, usando seu vestido de Rapunzel, ofereceu o primeiro pedaço do seu bolo ao padrinho e o segundo a Justin Biber.
Harry encontrou Alice Cooper e Molly Dickens sentadas em uma mesa um pouco afastada, algumas lágrimas escorrendo-lhes as bochechas.
Aproximou-se, porque sabia o que as estava magoando: a ausência de seus filhos.
Diversas vezes durante a noite, Harry sentira a ausência de seus amigos. Sabia que, em um mundo ideal, seriam Charlie e Claire organizando aquela noite, e não ele – ou , no caso.
Puxou uma cadeira e sentou-se entre as duas.
As mulheres o observaram, os olhos avermelhados.
Harry deu um meio sorriso e passou um braço sobre o ombro de cada uma daquelas mulheres que ele via como segundas mães.
- Eu também sinto falta deles – sussurrou, enquanto deixava que as mulheres chorassem em seus ombros.

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Já era o fim da festa e a maioria dos convidados tinha ido embora; continuavam apenas Harry, , , Dougie, Danny, e Tom terminando de levar os presentes para o carro.
Quando terminaram de fechar o porta-malas do subaru; Harry e subiram até o último andar e chamou pela a afilhada, não recebendo respostas.
- Gail? GAIL? – ele chamou de novo, olhando em volta. Os garçons estavam desfazendo grande parte dos enfeites. Ouviu um barulhinho dentro do poço dos desejos e aproximou-se, espiando seu interior.
Abigail estava sentada com pernas de índio, segurando um prato com um pedaço de bolo em cada mão.
- Gail, o que está fazendo? Você não me ouviu chamar? – perguntou, exasperado; Abigail ergueu os olhos na sua direção, mas não respondeu.
Os olhos estavam avermelhados e ele só percebeu que ela estava chorando quando uma lágrima desprendeu-se de seus cílios e escorreu silenciosa e solitária pela sua bochecha.
- Bolo de chocolate era o bolo que a mamãe mais gostava – ela disse, como se aquilo fosse autoexplicativo. E, de certa forma, o era – Queria que eles estivessem aqui – ela disse.
- Eu sei, Gail, eu também queria – ele disse, a voz saindo com dificuldade; fora difícil se manter firme ao ver Molly e Alice chorando, não sabia se conseguiria sê-lo tendo que apoiar Abigail – Mas tenho certeza de que eles estão aqui, observando você com muito orgulho.
A menina fungou e concordou com um aceno de cabeça.
- Por que você está aqui? – perguntou Harry, baixinho.
- É um poço dos desejos, não é? – ela olhou para os pratos em suas mãos, decepcionada – Mas acho que é de mentirinha. Porque eu vim aqui, mas meus pais não apareceram.
Ela começou a chorar copiosamente e Harry sentiu lágrimas descendo pelas suas bochechas sem qualquer controle; apoiou a testa na borda do poço e deixou-se envolver pelo luto junto com a afilhada.
limpou discretamente uma lágrima com o dedão e afastou-se, respeitando a intimidade do momento.

X


Harry estacionou o carro no meio-fio, abriu a porta do carro rapidamente, sentindo o ar frio da noite londrina o envolvendo e correu até o outro lado do carro, abrindo a porta para , que sorriu, agradecida.
Abigail estava adormecida no banco de trás, exausta depois da noite.
- Uau, está frio! – abraçou-se, esfregando os próprios braços, sua respiração saindo em vapor – Acho que vai nevar em breve.
- É, acho que sim – Harry sorriu, acompanhando-a até a porta de seu prédio; resmungou ao perceber que o porteiro não estava e começou a vasculhar sua bolsa, atrás de suas chaves – Foi bom te ver hoje, – Harry disse, finalmente – Obrigado por ficar com a Abigail nesta tarde.
sorriu, distraída, enquanto continuava sua busca.
- Não se preocupe, Harry, obrigada por me convidar. A festa foi mesmo incrível – ela disse, com um suspiro – Nunca mais vou conseguir aproveitar nenhuma festa infantil depois dessa.
Harry sorriu.
- Não agradeça, você faz parte da nossa vida agora – ele disse – Da minha e da Abigail.
ergueu os olhos para encará-lo; suas bochechas estavam coradas, mas Harry não soube precisar se era por frio, vergonha ou satisfação. Talvez fosse um pouco dos três.
Observando aquela mulher, Harry sentiu seu coração bater um pouco mais rápido e mais firme, e seu estômago dar uma leve revirada. E, de repente, ele percebeu o que queria fazer mais do que qualquer coisa, provavelmente desde o final de semana passado.
soltou um grunhido satisfeito quando finalmente encontrou suas chaves, ela escolheu a chave da porta principal e encaixou-a na fechadura, destrancando-a, mas antes que pudesse abrir a porta, Harry envolveu a maçaneta com sua mão, impedindo-lhe a passagem.
Ela ergueu os olhos, confusa com a atitude do homem.
- Harry, o quê...? – mas antes que ela pudesse terminar, Harry se inclinou na sua direção e fechou seus lábios sobre os dela.
Não tentou aprofundar o beijo, não encostou nenhuma de suas mãos nela; apenas tocou seus lábios nos dela por algum tempo, que poderia ter sido um micromilésimo de segundo ou uma eternidade.
não saberia dizer.
Mas assim como começou, terminou.
Harry afastou-se, os olhos azuis brilhando com algo que parecia ficar no meio termo entre diversão e afeição; ele girou a maçaneta e abriu a porta, liberando a passagem para a mulher.
- Boa noite, – ele disse, com um sorriso tranquilo.
continuou observando-o com os olhos escuros arregalados; não conseguia assimilar o que tinha acontecido. Harry a observava com as sobrancelhas erguidas.
- Ah... – ela soltou, engolindo em seco – Ah... Boa... ah... Eu... Boa noite, Harry – disse, entrando no prédio automaticamente.
Harry sorriu e começou a caminhar em direção ao carro; quando destravou o carro com o controle da chave, viu um floco pequeno e tímido de neve pousando sobre sua mão enluvada.
Depois, um novo sobre o seu ombro.
Olhou para o céu e viu milhares de flocos caindo timidamente, num show particular; quase como se os céus soubessem de sua iniciativa e a estivessem abençoando.
Seu sorriso se alargou um pouquinho, ergueu os olhos e observou a janela do apartamento de , as luzes acesas; abriu a porta e entrou no carro, deu a partida no carro e saiu em direção ao seu apartamento.

“I would like you to dance (birthday)
Take a cha-cha-cha-chance (birthday)
I would like you to dance (birthday)
Ooo, dance, yeah”
The Beatles – Birthday



Capítulo 13 – Don’t Give Up

“All our dreams are gone
With a loss of faith
We're still hanging on
For another day
It's so hard to see
That it's going to get better
And when will that be
It's hard to say”
Don’t Give Up – Eagle-Eye Cherry

estava se abraçando, protegendo-se de um vento frio que resolvera escolher aquele momento inoportuno para importuná-la; olhou para os dois lados na esperança de encontrar algum táxi, mas nada.
O Altitude London estava fechado e a única maneira de chegar em casa era congelando o traseiro, aguardando pela boa vontade de algum taxista.
Suspirou e começou a vascular o interior de sua bolsa, procurando pelo seu celular; se ia ficar uma eternidade ali, exigia ao menos a companhia do seu bom e amado tetris.
Ainda estava buscando pelo seu celular quando um carro esportivo preto encostou próximo a ela e a janela do motorista baixou; identificou o rosto sorridente de Danny Jones.
- Precisando de uma carona? – ele perguntou, bem humorado.
hesitou, mas antes que pudesse recusar oficialmente a oferta, o vento frio ficou ainda mais forte e, lentamente, alguns flocos leves de neve começaram a descer do céu.
- Obrigada – ela disse, abrindo a porta do banco traseiro e escorregando pelo banco de couro.
- Ah, não. – Danny disse, tamborilando com os dedos no volante, acompanhando o ritmo de Bruce Springsteen, - Sinto muito, mas eu não vou de motorista.
revirou os olhos e agradeceu que estava usando calças; sem sair do carro, mudou do banco traseiro para o do passageiro.
- Bem melhor assim – Danny Jones dirigiu-lhe um de seus sorrisos brilhantes e engatou a primeira marcha – Aonde eu te deixo?
Antes que pudesse responder, seu celular soltou um bipe, indicando a chegada de uma mensagem; estranhando o horário, a psicóloga abriu-a.
Era de .
“Ele me beijou e eu não sei o que fazer”, dizia a mensagem.
- Caxton Street, 147 – deu o endereço de em resposta.

X


Harry tirou os sapatos de Abigail e deitou-a em sua cama, carinhosamente e cobriu-a. Observou a afilhada com afeição e depositou-lhe um beijo na testa.
Saiu do quarto na ponta dos pés, fechando cuidadosamente a porta às suas costas e caminhou até seu quarto, sem conseguir reprimir um bocejo; espreguiçou-se e sentou-se em sua cama.
Seus pensamentos vaguearam imediatamente para e a sensação dos lábios macios e quentes da professora contra os seus; fechou os olhos, sentindo todo seu corpo clamando por repouso, e arrancou os sapatos com os próprios pés.
Depois disso, livrou-se de sua calça, do terno e de sua camisa e enfiou-se debaixo das cobertas apenas de boxers. Deitou-se e soltou um bocejo.
- Já está decente? – perguntou uma voz feminina e ele sorriu, abrindo apenas um dos olhos o suficiente para identificar Claire Dickens sentada ao seu lado, as duas mãos sobre os olhos.
- Sim, madame, você pode olhar agora – ele riu.
Claire deu um sorriso e tirou a mão dos olhos, voltando sua atenção ao amigo.
- Posso dizer que estou orgulhosa de você? – perguntou, recostando-se contra uma almofada.
Harry fechou os olhos, com um sorriso satisfeito no rosto.
- Por favor.
Claire riu.
- E você deu uma agarradinha na – continuou, risonha – Como foi?
O sorriso no rosto do homem se alargou mais um pouco e ele fechou os olhos, permitindo-se voltar àquele momento.
- Foi... incrível. Ela é simplesmente... – tantos adjetivos positivos passaram pela sua mente naquele instante, mas ele era absolutamente incapaz de escolher apenas um – Diferente de qualquer garota com quem eu tenha ficado antes.
Claire considerou o argumento do amigo por alguns segundos.
- Considero isso um elogio – disse, finalmente.
Harry riu.
- Eu também – respondeu.
Claire esfregou as mãos uma na outra, observando atentamente a parede de Harry; foi só quando ela soltou uma fungada que ele percebeu que ela estava quase chorando.
- O que foi? – ele perguntou, desesperado; odiava quando mulheres choravam na sua frente.
Ele se sentia inapropriado e, geralmente, falava algo que piorava a situação.
- Não é nada – ela murmurou, limpando as lágrimas discretamente – Eu estou orgulhosa de você, de verdade. Muito, muito. Mas sinto tanta falta da Gail, dos meus pais...
Harry apoiou-se nos cotovelos, observando a amiga com curiosidade.
- Então, você não aparece para eles do jeito que aparece para mim?
Claire sorriu, os olhos avermelhados, e negou com um movimento de cabeça.
- Eles não precisam de mim como você precisa – ela disse, com um sorriso – Seu bebezão.
- Espera aí, o que você quer...? – mas nesse momento seu celular começou a tocar e ele acordou; estava sozinho.
Era uma mensagem de sua irmã.
“Ae, Juddy, ótima festa. Estou orgulhosa. Sis”.

X


estava sentada no seu sofá; a televisão estava ligada, mas ela não conseguia pensar em nada que não fosse o que acontecera na frente de seu prédio.
Seus lábios pareciam formigar só de recordar a sensação dos lábios de Harry tocando os seus; sentiu todo seu corpo se arrepiar e apertou com mais firmeza o cobertor em torno de seu corpo.
respondera sua mensagem dizendo que estava à caminho e ela mal podia esperar para desabafar com a amiga; tantos pensamentos confusos passavam pela sua mente.
Por um lado, estava exultante. Então, sim, Harry Judd também sentia algo por ela. Mas por outro... como é que os dois poderiam ser tão idiotas a ponto de se meter em uma situação delicada como aquela?
E ainda tinha a Gail.
Suspirou, infeliz, perguntando-se por que tudo tinha que ser tão complicado quando se tratava dela.

X


Danny estacionou o carro em frente ao prédio de e saiu do automóvel para ser abraçado pelo frio da noite londrina; a neve continuava a cair, dançando pelo ar.
Entretanto, antes que ele pudesse chegar ao lado de , a mulher já estava descendo do carro sozinha.
- Muito obrigado por estragar meu gesto de cavalheirismo – ele resmungou, embora seus olhos brilhassem com divertimento – Posso te acompanhar até a porta do seu prédio?
- Gostaria que você pudesse, mas isso é impossível – ela sorriu, cordata, enquanto ajeitava a bolsa no ombro.
Danny piscou, confuso.
- Como assim...? Ah...
- Eu não moro aqui – ela disse, dando um sorriso – Esse é o prédio da .
O homem ergueu as sobrancelhas.
- Entendi. Bem, neste caso, posso te acompanhar até a porta do prédio da sua amiga? – corrigiu sua questão.
sorriu.
- Você sabe que a sua carona e me acompanhar até a porta não aumentarão as chances de você me beijar no fim da noite, certo? – ela questionou.
Danny arregalou os olhos, fingindo surpresa.
- Não? Bem, nesse caso, tchau e bênção. Espero que você não congele aqui sozinha – ele disse, acenando, enquanto caminhava de volta para o carro; começou a gargalhar e Danny deu meia volta, rindo também – Eu sei disso. Um cara não pode simplesmente ser legal sem querer nada em troca?
A mulher parou para considerar a questão.
- Não, homens são geneticamente impossíveis de fazer algo sem estar atrelado a segundas intenções. Aliás, essa vai ser a minha tese de doutorado – acrescentou, enquanto caminhava ao lado do homem em direção à entrada do prédio.
resmungou baixinho ao perceber que o porteiro não estava e ficou feliz que Danny Jones estivesse lhe fazendo companhia; detestaria ter que esperar na neve.
Apertou no interfone externo o número do apartamento da amiga e logo em seguida, ouviu um estalo no portão, indicando que o abrira para ela.
- Bem, é isso – suspirou, sorridente – Obrigada pela companhia, senhor Jones.
- Disponha – Danny sorriu – E, viu, sem segundas intenções.
inclinou a cabeça levemente e virou-se para o homem.
- Isso foi a coisa mais legal que algum homem já fez por mim... – suspirou, apoiando as duas mãos no peitoral do homem, aproximando-se perigosamente – Talvez, eu...
Percebeu o olhar hipnotizado do homem e sorriu quando Danny Jones instintivamente envolveu sua cintura com os braços.
- Sem segundas intenções, uma ova – mostrou-lhe a língua – Boa noite, senhor Jones.
Danny jogou a cabeça para trás e gargalhou alto, soltando-a.
- Boa noite, . Foi um prazer inenarrável encontrá-la hoje – ele disse, com sinceridade – Espero que possamos ser amigos sem segundas intenções – acrescentou.
já estava abrindo a porta e voltou-se com um sorriso divertido.
- Gostaria de ver você tentar – ela disse, acenando um adeus.
Danny soltou uma risadinha, enquanto caminhava em direção ao seu carro; ele teria que conseguir o número daquela garota de qualquer jeito.

X


abriu a porta para que a cumprimentou com um abraço.
- E então? – perguntou a amiga, fechando a porta com o pé – Como foi o beijo?
hesitou, considerando a questão.
- Foi tão... delicado. E gentil. E... perfeito – ela soltou um grunhido que ficava no meio termo entre um suspiro e gemido – O que eu faço agora?
puxou a amiga pela mão e as duas se sentaram no sofá.
- O que você quer fazer? – perguntou.
abriu a boca, mas ficou alguns instantes em silêncio, sem saber muito bem como responder aquela pergunta.
- Eu gosto dele – disse, finalmente – E estaria mentindo se dissesse que eu não adoraria outro beijo. Mas... é tudo tão complicado. E a Abigail...
- Vamos fingir que não existe nenhuma Abigail – disse, séria – E então?
corou, mas não respondeu.
As duas ficaram em silêncio por alguns instantes, até que puxou para um abraço e beijou-lhe carinhosamente o topo da cabeça.

X


Harry estava tomando uma xícara de café, o apartamento estava vazio, já que Alice Cooper passara de manhã para passar o dia com a neta no shopping.
O moreno estava sentado à mesa, bebericando um pouco do conteúdo de sua xícara, enquanto lia o jornal. Quando a campainha tocou, estridente, ele ergueu as sobrancelhas surpreso e olhou para o relógio de pulso.
Dez horas da manhã.
Abriu a porta de entrada e deu de cara com Dougie Poynter; o loiro deu um sorriso e estendeu na direção do amigo um engradado repleto de cervejas.
- Não estava afim de passar a tarde de domingo sozinho – o baixista disse, entrando no apartamento sem ser convidado – Mas como a boa educação exige, trouxe bebidas. Deixo você tomar uma, se for bonzinho e me cozinhar algo no almoço.
Harry riu.
- Pode ser macarrão? – disse, observando Dougie, à vontade, abrir a porta de sua geladeira e colocar as cervejas dentro do congelador.
- Lógico – o outro respondeu – Cara, que festa sinistra.
Harry riu, enquanto procurava na dispensa massa para macarrão.
- Eu sei, ainda não sei como agradecer o suficiente – Harry sorriu, enchendo uma panela com água – Por sinal... ah... aconteceu outra coisa ontem também.
- O que foi? – perguntou Dougie, enquanto se recostava contra a batente da porta com uma cerveja já em mãos – Pegou a professora finalmente?
Harry ficou em silêncio, sentindo as bochechas queimarem.
Dougie arregalou os olhos.
- SEM CHANCE! – berrou – E como foi?
Harry hesitou, considerando a questão.
- Foi... diferente.
Dougie fez uma careta.
- Tão ruim, é?
- Quê? Não! Foi... é que não foi um beijo, sabe? Foi mais um... tocar de lábios.
- Tocar de lábios – Dougie ecoou, dando um gole da sua garrafa – Que baitola.
Harry riu e pegou uma cerveja também.
- Eu nem deveria ter feito isso. Você devia ter visto a cara dela – ele balançou a cabeça – Acho que se eu tivesse dado um soco na cara dela, não ficaria tão surpresa.
- Você gostou? – Dougie perguntou, erguendo as sobrancelhas.
- Foi como... – ele hesitou, observando o amigo com uma expressão desconfiada – Não vou falar. Você vai dizer que eu sou baitola.
- Não vou te chamar de baitola – prometeu Dougie, dando mais um gole.
Harry observou o amigo por alguns segundos e então deu de ombros.
- Quando eu a beijei, senti como se uma corrente elétrica passasse pelo meu corpo. E olha que nem foi um beijo de verdade.
Dougie contraiu os lábios.
- Seu gay.
- Você prometeu!
- Prometi não chamar de baitola – lembrou-o Dougie, depois riu – Mas estou feliz por você. De verdade. parece ser uma ótima pessoa. E aprovo os atributos físicos também.
Harry revirou os olhos.
– Ela é. Mas não exageremos – acrescentou – Foi só um beijo.
- Que seja. Brindemos ao fato de que um de nós dois aqui tem uma vida amorosa em potencial – sugeriu Dougie, batendo sua garrafa contra a de Harry – Boa sorte.

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acordou sozinha em sua cama, encolhida embaixo de três cobertores. fora embora de táxi no final da noite, porque disse que Tiesto não a perdoaria por passar duas noites seguidas fora de casa.
Sentou-se e observou seu celular. Nenhuma ligação perdida. Nenhuma mensagem.
Tentou descobrir como isso fazia com que ela se sentisse: aliviada ou chateada? Um pouco dos dois, possivelmente.
Chutou os cobertores e foi até seu guarda-roupa; pegou a primeira calça quente o suficiente para protegê-la daquela manhã friorenta, uma blusa de frio e calçou botas acolchoadas.
Puxou uma bolsa de pano qualquer de dentro do armário, encontrou sua bolsa pequena e elegante que usara na noite anterior e colocara todo o conteúdo desta naquela. Depois, adicionou apenas o celular e marchou para fora de casa.

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espreguiçou-se como um felino faria, soltando um murmúrio satisfeito ao sentir seus músculos estendendo-se, aliviando a tensão; sorriu ao lembrar-se da noite anterior.
Aquilo fora um trabalho bem feito.
E se orgulhava de poucas coisas como se orgulhava de um trabalho bem-feito.
Sentou-se na cama e pegou o celular no criado-mudo. 23 ligações perdidas. Todas de Klaus.
Tinha uma mensagem também.
Por puro sadismo, abriu-a:
“Seu celular deve mesmo estar com problema! Bom, se você conseguir ver essa ligação, me ligue! Quero te ver, girassol! ;)”
O sorriso que se desenhou nos lábios bem delineados foi quase maldoso. Ela fechou o celular e caminhou em direção ao banho.

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Quando a campainha tocou, minutos depois, Harry observou a porta, confuso, e olhou o relógio. Ainda era cedo demais para ser Abigail, voltando com os avós, e ele não esperava mais ninguém.
Olhou para Dougie, que deu de ombros.
Quando ele abriu a porta, deparou-se com Danny, Tom e Gio, observando-o com sorrisos largos.
- O que diab...?
- Você beijou a professora, Hazz! – Danny vibrou, abraçando o amigo rapidamente – Cerveja! Quero cerveja! Onde tem mais?
Harry observou aquela cena bizarra com as sobrancelhas erguidas.
- Por que estão aqui?
- Queremos brindar o fato de que você finalmente se moveu em relação a professorinha – riu Tom, enquanto ajudava Gio a tirar o sobretudo preto.
- Fico muito feliz, Harry – Gio disse, com um sorriso sincero, caminhando até o amigo e abraçando-o – Ela é uma evolução notável em relação às anteriores.
Harry revirou os olhos.
- Repentinamente, todos estão tão interessados pela minha vida amorosa. Posso saber por que eu?
- Muito simples – Danny respondeu – Não há graça nenhuma torcer pelo príncipe e pela princesa aqui – apontou para Tom e Gio com a garrafa – e Dougie, bem...
- Obrigado! – a voz de Dougie veio, da cozinha, em um meio termo entre carrancudo e divertido.
- Você tem a Georgia! – indignou-se Harry – Qual é? Vocês estão em um tempo há um mês, mas eu já vi as mensagens que você tá mandando para ela por celular! É questão de tempo até vocês voltarem. Por que vocês não focam no Danny?
- Porque é o Danny – Gio disse, observando as próprias unhas – Ele vai estragar tudo em breve. Já você e a professora. Isso, sim, tem potencial.
- Está certo – Danny disse, ofendido – Não quero mais falar sobre isso.

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fora quase até o outro lado da cidade para pedir uma xícara de cappuccino. Era irracional, mas ela se deu este direito.
Sentou-se em uma mesa ao ar livre, em um pequeno e charmoso café, que ela considerava o melhor de Londres, e puxou “The Time Traveller’s Wife” de sua bolsa de pano, começando a lê-lo, enquanto o garçom não se aproximava.

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Muitas pessoas poderiam não considerar racional correr em um frio de quase 8º C, mas para irracional era parar uma tradição. Ao invés de correr pelo parque, como geralmente costumava fazer, resolveu correr até o Missan Café, seu favorito e nos arredores de sua casa.
Assim, agradava a si mesma, podendo se exercitar ainda que apenas um pouco, e não causava uma impressão de completa lunática a possíveis desconhecidos.
Estava levemente ofegante quando chegou ao café, mas seus olhos não se concentraram no balcão, e sim em uma mulher morena, empacotada em roupas grossas de frio, que estava lendo um livro.
Aquela não era...?
Sim, ela tinha certeza.
nunca esquecia um rosto.
Debruçou-se sobre o balcão e pediu um café amargo e um croissant; depois, marchou até a mesa que a mulher solitária ocupava.
- Licença, você não é , a professora da Gail? – perguntou, colocando a mão sobre o encosto da cadeira desocupada, do outro lado da minúscula mesa.
- Ah... – ergueu os olhos escuros, surpresa, e então encontrou , com seus cabelos loiros presos em um competente rabo-de-cavalo alto, usava um moletom da GAP e, ainda assim, parecia recém-saída de uma revista de moda – Sim, sou eu. Você é a... Desculpe, não lembro seu nome – admitiu, envergonhada.
- , vice-presidente da Super Records. Não se sinta mal, eu que sou ótima para lembrar de nomes e datas. Este lugar está ocupado? – perguntou, já afastando a cadeira e ocupando-o antes que a professora pudesse responder.
A verdade é que geralmente sentaria em uma mesa afastada e tomaria seu café tranquilamente, enquanto lia as últimas notícias do dia em seu iPhone.
Mas hoje, em particular, queria companhia.
E considerou como um empurrãozinho do destino que encontrasse justamente aquela figura enigmática no café da sua esquina.
- Não sabia que você morava por aqui – comentou , casualmente, apoiando o rosto em uma das mãos, observando guardar seu livro dentro da bolsa.
- Eu não moro – a mulher deu um sorriso – Na verdade, moro bem longe daqui. Apenas... fiquei com vontade de vir aqui. Gosto do cappuccino e dos pães – deu de ombros.
- Entendo... é, é o melhor café da cidade, na minha opinião. E não é tão caro... – concordou, observando a mulher atentamente. Algo estava errado. – Como está a Abigail?
O rosto pensativo da professora desmanchou-se em um sorriso ao pensar na ruivinha.
- Ah, ela estava exultante. O Harry me falou que você organizou tudo aquilo. Parabéns! Aquela festa... uau – disse, genuinamente sem palavras.
sentiu seu ego inflar como um balão de ar, mas empurrou seu orgulho para o lado; se Abigail não era o problema, então...
- E o Judd? – perguntou, incisiva.
Percebeu, com satisfação, que o sorriso se apagou e um brilho confuso apareceu em seu olhar.
- Ah... está bem também – forçou um sorriso.
- Ele parece gostar de você – comentou, cuidadosamente analisando como a mulher reagia àquela informação; arregalou os olhos e suas bochechas ficaram levemente avermelhadas – E você gosta dele também, não é? Eu vi o jeito que vocês estavam dançando quando o Bieber estava cantando e, amiga, se vocês conseguem fazer aquele pop infantil parecer uma balada apaixonada, então...
- Não fale isso – interrompeu-a antes que conseguisse se impedir.
- Ora, e por que não? – quis saber a mulher.
- Porque... é complicado. E eu não quero... – hesitou, tentando colocar o que sentia em palavras – Ele é um baterista de uma banda mundialmente conhecida. Eu sou uma professora de primário. Quais são as chances de isso dar certo?
- Mínimas – respondeu .
sentiu seu estômago afundar.
- Mas ainda são maiores do que as chances dele com qualquer outra celebridade na face do planeta – a mulher do outro lado da mesa prosseguiu, calmamente, enquanto o garçom do café servia-lhe seus pedidos.
A professora observou a executiva por alguns instantes, perplexa.
- O que você quer dizer com isso?
- Bem – pegou sua xícara e apreciou a sensação da porcelana quente contra seus dedos frios – As pessoas costumam achar que um relacionamento entre celebridades têm muito mais chance de funcionar do que um relacionamento entre uma celebridade e uma pessoa normal. Mas isso é a maior mentira, de verdade. Duas estrelas juntas é muito ego, muita pressão, muita insegurança, muita intriga. É muita loucura, na verdade – bebericou um pouco do seu café – Ninguém aguenta.
deu um gole no seu cappuccino, pensativa; nunca tinha considerado aquilo daquele jeito.
Será que estava partindo de todas as premissas erradas?
- Na verdade – prosseguiu , com o cenho franzido – Um relacionamento com uma pessoa normal pode ser justamente o que toda a celebridade precisa. Um pouco de normalidade dentro de uma vida tão desequilibrada e louca.
observou maravilhada a mulher à sua frente; observou como os olhos de eram sinceros e pareciam realmente ser uma janela para sua alma, os cabelos perfeitamente cuidados, as unhas bem feitas, a boca bem desenhada.
Aquela mulher provavelmente nem sabia o que era ter um coração partido; deveria ter milhares de homens fazendo fila em frente ao seu prédio, implorando por uma chance.
- Você já se apaixonou? – perguntou , finalmente, mudando de assunto.
- Quê? – piscou os olhos, pega de surpresa pela pergunta – Ah, sim, claro. Me apaixono todos os dias. Ontem, vi uma bota da Jimmy Cho, quase que enfartei. É minha mais nova obsessão.
jogou a cabeça para trás e gargalhou.
- Não isso. Quero dizer sobre homens. Já se apaixonou por um homem, é claro.
- Ah. Não. Não me interesso por essas coisas – disse, com verdadeiro desdém.
arregalou os olhos.
- Ah. Mulheres? Eu não julgo, então...
Foi a vez de gargalhar; ao contrário de sua aparência, tão fria e formal, sua risada era verdadeiramente gostosa de se ouvir, era descontraída e lírica.
- Não. Não me interesso por mulheres também. Eu simplesmente... não me interesso – disse, dando de ombros.
- Uau, isso é o máximo! – aplaudiu-a , rindo – Então, você nunca teve seu coração partido.
deu um gole na sua xícara de café e deu de ombros novamente; na verdade, anos atrás, um homem despedaçou seu coração em tantos pedacinhos quanto era possível fazê-lo.
Mas isso era um segredo que ela levaria consigo para o túmulo.
- Como você consegue isso? – perguntou , admirada.
- Eu tenho uma teoria, é muito simples. Sabe como dizem que os homens não têm sangue suficiente, então ou ele está concentrado no pênis ou no cérebro? – riu e concordou com um aceno de cabeça – Pois bem, com as mulheres a situação é bem similar. Nossa espécie não tem sangue o suficiente para o cérebro e para o coração. A partir do momento que um assume, o outro simplesmente para de funcionar. Eu simplesmente escolho o que nunca vai me deixar na mão.
concordou com um aceno de cabeça, os olhos escuros arregalados.
- Aqui – disse, pegando um guardanapo da mesa – Por favor, me dê um autógrafo.

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- Ligou para ela? – perguntou Gio.
Harry piscou, confuso.
- Ah... não.
- Por que não? – perguntou Dougie.
Harry hesitou.
- O que aconteceu, voltamos para a sexta série e esqueceram de me avisar? – perguntou.
- Nós nunca saímos da sexta série – lembrou-o Tom, enquanto servia-se de um pouco de macarrão.
- É. Isso está se tornando mais óbvio a cada instante que passa – o moreno resmungou – Escutem. Estava tudo bem. Tudo ótimo. Eu dei um beijo nela e estava tudo maravilhoso. Vocês estão transformando isso em um inferno. Não quero ter que ligar para ela, porque vocês querem que eu ligue. Tem muita coisa para se considerar.
- OK. Se você resolver não ligar para ela, então eu posso? – pediu Danny.
Harry fuzilou-o com os olhos.
- Tá certo, então. Foi mal aí – Danny revirou os olhos.
Nesse instante, a porta do apartamento se abriu e Abigail entrou correndo; segurava várias sacolas e Molly e Anthony Dickens a seguiam, rindo.
- Uau! – Abigail exclamou, observando todos os presentes – O que vocês estão fazendo aqui? – perguntou.
Todos olharam para Harry, que fez um movimento discreto com a cabeça, implorando-lhes para que não dissessem nada.
- Viemos te ver! – soltou Gio, depois de alguns instantes de silêncio.
Todos concordaram imediatamente e Abigail sorriu, feliz.

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Harry estava empilhando a louça suja na cozinha, com a ajuda de Alice Cooper.
- Passar esse final de semana aqui foi muito proveitoso, Harry – a mulher disse, assumindo a pia da cozinha com propriedade – Faz algum tempo que Oliver e eu não nos divertimos.
Seus olhos ficaram tristes e Harry quis poder dizer alguma coisa, mas não conseguia pensar em nada; resolveu por ficar em silêncio e começar a secar tudo o que estava no escorredor.
- Por falar nisso – Alice pigarreou – Você, por acaso, teria a chave do apartamento de Charlie e Claire? Esquecemos a nossa cópia e resolvemos passar essa tarde lá, tirando as coisas do apartamento e... – a voz dela falhou e ela optou por ficar em silêncio.
- Claro, tia Al – ele sorriu – Sem problemas.

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Harry entrou no quarto, depois que todos foram embora e Abigail já estava bem empacotada em sua cama. Sentou-se na cama de casal e pegou o celular do seu bolso.
- Você deveria mandar uma mensagem – opinou Charlie, surgindo às suas costas.
- E dizer o quê? – Harry perguntou, observando o celular em sua mão.
- Gostei muito do beijo. Tentarei com a língua da próxima vez, como um homem – sugeriu o amigo, sentando-se ao lado do moreno.
Harry revirou os olhos.
- Vai se foder – resmungou.
- É, alguém aqui tá precisando, né? Mas nesse ritmo, a Abigail vai perder a virgindade antes de você resolver tomar uma atitude em relação à professorinha.
- Você não tem nada melhor para fazer? Sério? Mesmo depois de morto, me encher o saco ainda é seu hobby número um?
- Algumas coisas nunca envelhecem, você sabe – Charlie riu.
Os dois ficaram em silêncio por alguns segundos.
- Eu gosto dela – disse, finalmente – Mas e se eu ferrar tudo?
- Beijar ela e não dar sinal de vida depois é realmente um ótimo jeito de não ferrar as coisas – concordou Charlie, sarcástico.
- Ah, Charlie, que saco! – Harry pegou o celular e digitou rapidamente a primeira coisa que lhe veio em mente.
Charlie inclinou-se para ler.
- Boa noite e uma carinha feliz? – resmungou – É, o Dougie tá certo. Você é o maior baitola desse mundo.

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saiu do banheiro de pijama, os cabelos secos, apenas com a pontas úmidas. Deitou-se em sua cama, ligou a luminária ao lado da cama e pegou seu livro.
Estava na metade da primeira página que começara a ler, quando seu celular apitou ao seu lado. Pegou-o e, perplexa, percebeu que era uma mensagem de Harry Judd.
Sentiu seu coração parar de bater e borboletas dando verdadeiros rasantes em seu estômago.
Abriu-a.
“Boa noite :)”.
Jogou a cabeça para trás e gargalhou; ela não sabia muito bem porque, mas sentiu-se repentinamente aliviada e leve.
Digitou de volta.
“Durma bem, Harry”.
Sentindo-se misteriosamente melhor, recostou-se contra sua cama e voltou a ler com um sorriso sereno nos lábios.

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Harry deixou Abigail no colégio pontualmente e chegou à Super Records antes dos demais integrantes da banda; assim que sentou-se em sua aconchegante cadeira, entrou em seu escritório.
- Bom dia, senhor Judd – desejou-lhe com um sorriso – Aqui estão os relatórios de acesso do Super City. Você poderia entregar os outros para o Fletcher, o Jones e o Dougie, por favor? – pediu.
- Claro – ele sorriu, aceitando os papéis grampeados.
- Por sinal, adivinha com quem tomei café da manhã ontem? – ela acrescentou, cruzando os braços.
Harry hesitou, estranhando a pergunta.
- Com o... cara que te chama de girassol?
- Quem, o Klaus? Não! – revirou os olhos com desprezo – Com a . Sua namoradinha.
- Qual é, hein? Colocaram um outdoor em algum lugar com isso? – ele resmungou, incomodado – E ela não é minha namoradinha.
- Por enquanto – deu de ombro – Enfim, bom dia de trabalho. Se precisar de mim, sabe o meu ramal.
Quando voltou-se na direção da porta, encontrou um homem usando um terno, que acenou-lhe um cumprimento enquanto passava por ele.
Lançou um olhar confuso para Harry.
- Senhor Harry Judd? – o homem perguntou; Harry concordou com um aceno de cabeça e ele prosseguiu – Meu nome é Emerson Owl, sou oficial de Justiça do Estado. O senhor está sendo processado pelo Reino Inglês.

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andava entre as carteiras de seus alunos; todos estavam debruçados sobre seus cadernos, compenetrados na lição de sala. Eles tinham que escrever uma carta para a pessoa que mais amavam no mundo inteiro.
Teve que segurar algumas risadas; Nora Herr estava escrevendo uma declaração de amor para Justin Bieber, Clarice Kogan remetera sua carta para Britney Spears.
Inclinou-se levemente na direção de Abigail e pôde ler:
“Tio Harry,
Obrigada por me dar o Max e por me deixar dormir tarde nas sextas-feiras e por pedir pizza sempre que eu quero e por assistir Lazy Town comigo e por me deixar dançar com o Justin Bieber no meu aniversário.
Obrigada por ser o melhor tio de todo o Universo.
Com amor,
Abigail”

Ao lado do escrito, ela fez um desenho de traço bem infantil de uma garotinha de mãos dadas com um homem alto e de olhos azuis.

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Harry não conseguia entender nada do que aquele homem dizia; palavras como “negligência”, “despreparo” e “guarda” eram repetidas com frequência e a cada vez que eram pronunciadas, ele sentia como se um punhal fosse enfiado com mais força dentro do seu peito.
Quando o oficial de justiça finalmente terminou a leitura da petição inicial, estendeu um papel na direção do moreno.
- Se o senhor pudesse, por favor, assinar no local indicado – ele pediu.
Perplexo, Harry aceitou o pedaço de papel em um gesto ausente, assinando-lhe sem prestar a menor atenção ao que fazia.
- Obrigado, senhor Judd. O senhor tem oficialmente dez dias a contar de hoje para apresentar sua contestação ao juízo indicado – instruiu-o o homem – Tenha um bom dia.
O homem afastou-se; Harry, ausente, percebeu que estava parada, ao lado da porta, os olhos arregalados, tão incrédula quanto ele.
Então, era isso.
Ele se esforçara, abrira lugar para Abigail em sua vida e agora ela simplesmente lhe seria arrancada dele, porque uma mulher de cinquenta anos azeda achava que ele não tinha capacidade?
- Harry... – começou, a voz fraca.
O homem prontamente colocou-se de pé, segurando com tanta força a petição inicial que a amassou.
- Onde você vai? – perguntou, perplexa.
- Tirar satisfações – ele rosnou, passando por ela como um trovão em direção às escadas.

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Quando Tom e Danny chegaram, minutos mais tarde, encontraram sentada na cadeira de Harry, olhando para o nada, catatônica.
- ? – estranhou Danny – O que aconteceu?
umedeceu o lábio com a língua, lentamente, enquanto tentava organizar seus próprios pensamentos. Hesitante, começou a relatar o ocorrido de momentos atrás.
- Merda – murmurou Dougie, que chegara silenciosamente no meio da explicação – Merda.
- O que foi? – perguntou .
- Ele vai fazer merda – o baixista respondeu – Temos que ir atrás dele antes que seja tarde demais.
Os três concordaram e juntos, saíram em direção ao elevador.
- Alguém sabe onde ele está? – perguntou Danny, enquanto apertava o botão vinte vezes, ansioso.
- Só pode estar em um lugar – respondeu Tom, sério.

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Harry estacionou o carro em frente ao prédio da assistência social, sentindo o fluxo de sangue passando como um ruído irritante pelas suas orelhas; subiu as escadas que davam acesso à entrada do prédio de dois em dois degraus e passou tão rapidamente pela recepção que sequer fora notado.
Caminhou altivo, lendo os nomes nas portas dos escritórios; encontrou o nome “Elizabeth Quentin” em um escritório no fim do primeiro corredor. Pela janela, conseguiu ver a mulher de cinquenta anos digitando algo em seu computador, compenetrada, enquanto uma xícara descansava ao lado de seu monitor.
Segurou com tanta força na maçaneta que sentiu as extremidades metálicas machucando a palma calejada de sua mão; respirou fundo, tentando manter a calma, e abriu a porta.
- Posso saber que porra é essa? – ele perguntou, incisivo, jogando a petição inicial em cima da mesa da mulher.
Elizabeth afastou-se lentamente do seu computador; sua expressão surpresa foi rapidamente substituída por uma de indiferença, enquanto pegava o papel que Harry colocara sobre sua mesa e desamassava-o com as próprias mãos.
Leu-o atentamente.
- Parece-me se tratar de uma petição inicial de uma ação para retirar-lhe a guarda de Abigail Dickens – ela disse, virando para a segunda folha – É. É isso mesmo.
Harry rangeu os dentes.
- Como você pôde fazer isso? – perguntou, sentindo seu corpo todo tremendo.
A mulher deu um sorriso paciente.
- Senhor Judd, eu não fiz nada – ela disse, calmamente, escolhendo uma página em especial da petição – “O réu demonstrou notável negligência e despreparo para ser guardião de um menor, levando a criança sob sua custódia para locais obviamente inapropriados para sua idade”... – folheou a petição– “Certa vez, ministrou-lhe café para que acordasse”, “demonstrou inconteste desinteresse pelo desempenho acadêmico da menor”... – ela ergueu os olhos – O que, exatamente, eu fiz aqui? Foi tudo o senhor.
Harry sentiu toda sua sanidade e autocontrole esvaírem lentamente; cerrou os punhos e tentou normalizar sua respiração.
- Eu cometi erros – sibilou – Estou tentando consertá-los.
- Senhor Judd, não é nada pessoal – a mulher disse – Mas o senhor não tem condições de ter uma responsabilidade desta nas costas. Nós dois sabemos disso. Apenas estou pensando no melhor para a garota.
Nesse momento, Harry agarrou a tampa da mesa da assistente social, que arregalou levemente os olhos, surpresa com a atitude violenta.
- Eu sou o melhor para a Abigail – disse, com dificuldade.
- Já não cabe mais a mim decidir isso, senhor Judd – ela disse, lentamente – Agora, eu gostaria que o senhor se retirasse, porque eu poderia simplesmente emendar esta inicial e adicionar às suas medidas extremamente responsáveis a invasão de um órgão público e a ameaça a uma servidora pública.
Lentamente, Harry soltou a mesa.
- Você está errada – ele disse, pegando a petição inicial num gesto brusco.
- Então, prove – ela o desafiou.

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Assim que Dougie estacionou seu carro junto ao meio-fio do edifício da assistência social, todos desceram do carro. Tom varreu a rua com os olhos, mas não conseguiu identificar o carro de Harry em local algum.
- Acho que ele não veio para cá – disse Danny, passando a mão pelos cabelos curtos.
- Esperem aqui – aconselhou, enquanto subia rapidamente as escadas de mármore; os homens observaram-na se debruçar sobre o balcão da recepção e trocar algumas palavras com uma recepcionista.
Segundos depois, ela voltava à marcha rápida.
- Nós o perdemos. Ele estava aqui agora há pouco, acabou de sair – ela disse, mordendo o lábio inferior, ansiosa – Para onde ele pode ter ido?
- Para casa? – sugeriu Dougie.
- Deixem comigo – Tom rapidamente puxou seu iPhone do bolso.

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Abigail e estavam aconchegadas embaixo dos cobertores, sentadas no sofá; a garotinha ruiva estava debruçada contra a professora, que começara a ler o primeiro capítulo de “Harry Potter e a Pedra Filosofal” para a garota.
Estava no meio da enigmática conversa entre Alvo Dumbledore e Minerva McGonnagall quando o telefone sem fio ao lado do sofá começou a tocar.
Prontamente, estendeu-se em sua direção e o atendeu.
- Residência de Harry Judd? – Abigail cutucou-a e ela riu, complementando – E Abigail Dickens.
- , oi – Tom respondeu do outro lado da linha, a voz tensa – O Harry está por aí?
- Ah... não. Por quê? O que houve? – perguntou, preocupada, mas tentando manter o tom de voz tranquilo para não assustar Abigail, que agora prosseguia a leitura do livro sozinha.
E, a julgar pela testa enrugada, com alguma dificuldade.
- Ah... não sei – o homem admitiu, com um suspiro – Mas não se preocupe com isso, está bem? Se o vir, por favor... peça para que entre em contato conosco.
- Pode deixar – ela respondeu, sentindo seu coração apertar.
O que estava acontecendo?

X


Harry estava dirigindo há meia hora sem destino; não sabia para onde ir. Sabia todos os lugares que não queria ir, mas não conseguia pensar em um lugar sequer onde gostaria de ficar.
Seu celular tocava insistente no bolso do terno, mas ele não queria atender; sabia que eram seus amigos que a essa altura já deveriam saber do ocorrido.
Não queria ter que responder perguntas, dar explicações ou ouvir conselhos.
Com um baque, Harry percebeu onde estava: embora não soubesse para onde queria ir, aparentemente seu subconsciente estava se encarregando de seu destino.
Ele estava na rua do antigo prédio de Charlie e Claire.

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- É inútil, ele não atende! – Tom grunhiu contrariado, enfiando o celular dentro do bolso da calça.
- Deem um tempo para ele – disse, embora fosse inegável que ela também estava preocupada – Talvez ele precise de um tempo para digerir toda essa informação. Sozinho.
- Eu sei bem como é isso – Dougie concordou, lembrando-se de seu dilema interno com – Talvez seja melhor deixar como está mesmo. Quando ele precisar de nós, saberá onde nos encontrar.

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Harry enfiou a mão no bolso da calça e sentiu a chave lá; guardou-a quando Alice lhe entregou no dia anterior; rapidamente, subiu as escadas e foi até a porta, destrancando-a rapidamente.
Quando entrou na sala, encontrou diversas caixas de papelão empilhadas, com palavras escritas com um canetão preto de ponta grossa na caligrafia de Alice Cooper.
Roupas para doação. Talheres. Toalhas. Toalhas de mesa. Livros.
Tudo o que um dia pertencera aos seus amigos estava agora encaixotado; menos uma coisa. Um alguém. Abigail.
Soltando o ar lentamente, permitindo-se finalmente mergulhar no misto de complexos sentimentos que assaltavam seu cérebro e coração, Harry apoiou as costas contra uma parede e deslizou até o chão, sentando-se.
Repentinamente, seus olhos encontraram uma nova caixa de papelão.
Bebidas.
Sentiu a garganta ficar repentinamente seca e sentiu que talvez se desse um gole de um bom whisky fosse se sentir melhor, mais relaxado. Talvez esquecesse todos os seus problemas por um instante.
Caminhou até a caixa e abriu-a, observando as garrafas de vidro brilharem. Passou o dedo por elas, tentando decidir qual das bebidas seria mais adequada para ajudá-lo.
- Não faça isso, Harry – a voz de Claire fez-se ouvir.
Ele ergueu os olhos para encontrar os amigos recostados contra a batente da porta da cozinha, ambos com os olhos fixos nele.

X


Abigail estava particularmente cansada naquele dia; talvez por esse mesmo motivo, adormecera às sete e meia. Com alguma dificuldade, transportou a garota do sofá para a cama.
Fechou a porta do quarto da menina com cuidado às suas costas e verificou o relógio mais uma vez, preocupada; desde aquela ligação, no meio da tarde, não recebera mais ligação nenhuma nem de Harry, nem de seus amigos.
Nesse exato momento, o telefone começou a tocar; ela atendeu-o quase que imediatamente, agarrando a extensão mais próxima.
- Alô? Harry? – perguntou, ansiosa.
- Ah. Não, desculpa. É o Dougie – a voz do outro lado parecia infeliz – Então, ele ainda não apareceu?
- Não – ela respondeu, com um suspiro – O que está acontecendo?
Dougie hesitou do outro lado da linha; se existia alguém em toda Inglaterra que merecia saber o que estava acontecendo, esta pessoa era .
Mas não deveria ser ele a contar.
- Sinto muito, – ele disse, com honestidade – Mas não cabe a mim dizer. Tenho certeza que Harry preferirá te contar ele mesmo. Quando ele aparecer.
mordiscou de leve o lábio inferior, sentindo seu estômago doer com toda aquela tensão.
- Ok. Está certo. Obrigada.
- E quando ele aparecer, se você puder... pedir para ele nos ligar ou qualquer coisa. Seria muito útil – acrescentou Dougie, cuidadosamente.
- Pode deixar – ela murmurou.
- Boa noite.

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Os olhos de Harry alternavam da garrafa de bebidas para o casal parado a alguns metros de distância.
- Juddy, nós sabemos que você está assustado e chateado, mas essa não é a resposta – Charlie disse lentamente – Afaste-se das bebidas.
Harry resmungou e empurrou a caixa para longe, mas continuou sentado.
- O que eu faço agora? – perguntou, sem erguer os olhos para os amigos, observava as próprias mãos calejadas, tentando entender todos os sentimentos que o envolviam.
Desespero era o mais patente; era ele que fazia sua respiração parecer tão pesada e sair com dificuldade. Mas ele também se sentia irado e desapontado.
Os dois ficaram em silêncio e Harry rangeu os dentes, sentindo toda sua ira começar a se direcionar aos seus falecidos melhores amigos.
- Vocês sabiam disso? – perguntou, sua voz saindo como um rosnado.
- Sabíamos – Claire admitiu, depois de uma breve pausa.
- Isso é simplesmente fantástico – ele soltou uma risada sarcástica e infeliz – Vocês se metem em tudo: na minha vida pessoal, na minha vida amorosa, e não se dignam a me avisar que isso poderia acontecer?
- Não cabe a nós te dizer o que o futuro te reserva, Juddy – Charlie respondeu, pacientemente – Além do mais, é contra as regras.
Harry soltou um grunhido desdenhoso.
- Contra as regras? Encher meu saco para me fazer mandar uma mensagem para a , beleza. Dizer ‘cara, vai com calma, pode ser que eles queiram tirar a Abigail de você’? Ah, não. Isso é demais para pedir de vocês! E você - voltou-se, de forma acusadora para Claire, que arregalou os olhos em surpresa – E seu papo de “você precisa da gente mais do que todo mundo”. Tá certo. Cadê, então? Cadê a ajuda de vocês quando eu precisava?
- Harry, nós sentimos muito, mas temos que deixar você viver a sua vida, não podemos nos meter. Seria errado e injusto!
- A Abigail ser tirada de mim é certo e justo, então.
- Se você estiver sendo um pai bosta – Charlie retrucou secamente.
Harry arregalou os olhos e voltou sua atenção para o loiro que o observava com os olhos verdes espreitados.
- Charlie, não... – Claire começou, a voz trêmula.
- Eu não vou deixar você entrar na minha casa e me insultar, Judd, e insultar a minha mulher – Charlie sibilou, colocando-se entre a esposa e o amigo – Não pode nos culpar por ter pisado na bola. Essa ação é a colheita do que você plantou.
- Charlie... calma... – Claire colocou a mão no braço do marido.
Charlie soltou-se da esposa.
- Pare de agir que nem um menino mimado de quinze anos e aja como um homem, tá certo? – rosnou – Nós não merecemos essa atitude e a Abigail precisa de mais do que um marmanjo de quase 30 anos que se encolhe todas as vezes que as coisas não saem como planejado.
Harry suspendeu a respiração, sentindo o peso das palavras do amigo.
- Saia da minha casa – Charlie disse, com firmeza – Você não é bem-vindo aqui enquanto estiver agindo dessa forma.
Harry acordou; ele estava abraçado a uma garrafa de Jack Daniels perfeitamente lacrada. Sentindo seu coração batendo rapidamente a boca do estômago apertada, devolveu a garrafa dentro e olhou para seu relógio.
Oito e meia.
- Merda, merda, merda...

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estava encolhida embaixo de uma manta no sofá de couro de Harry Judd, tentando se distrair enquanto lia mais algumas páginas de “The Time Traveller’s Wife” quando ouviu o barulho da porta sendo aberta.
Quando Harry entrou no apartamento, ela suspendeu a respiração; os olhos dele estavam avermelhados e algo no jeito como ele a encarou fez com que ela sentisse toda sua infelicidade.
- Desculpe – ele olhou para o chão – Eu perdi noção do tempo. Onde está Abigail? – perguntou, olhando em volta.
- Dormindo. Harry, onde você estava? – ela perguntou, aproximando-se – Todos estão te procurando. Danny, Tom, Dougie... todos ligaram aqui que nem loucos! O que aconteceu?
Olhos azuis e se encontraram por uma fração de segundos e Harry desviou-os novamente, mantendo-se em silêncio.
- Você não quer me contar? – ela questionou, sentindo um misto de mágoa com decepção.
Harry ergueu os olhos novamente, hesitante.
- Não é isso... eu só... eu não... – passou a mão pelos cabelos escuros – Não quero falar sobre isso. Agora.
Foi a vez de desviar os olhos.
- Eu entendo – concordou com um aceno de cabeça, os olhos brilhando magoados – Acho que é minha deixa, então. Boa noite, Judd.
Harry observou enquanto ela ia até o sofá, dobrava a manta e guardava o livro dentro de sua bolsa, ajeitando-a nos ombros. Os olhos se encontraram novamente quando ela caminhava em direção à porta.
Ela deu um sorriso fraco que não alcançou aqueles olhos intensos e, murmurando um novo “boa noite”, ela abriu a porta e parou no hall, apertando o botão do elevador.
Antes que pudesse dar por si, Harry caminhou até a porta, abriu-a novamente; virou-se, o cenho franzido em confusão.
Sem dizer uma palavra sequer, Harry estendeu a mão, tomando uma das mãos da professora entre as suas e a puxou para dentro do apartamento novamente.
- Harry, o quê...? – ela começou, mas algo no olhar profundo que ele lhe direcionou fizeram com que ela se calasse e apenas o seguisse em silêncio.
Ele guiou-a pelos corredores até chegarem à sua suíte; abriu a porta para ela e depois de entrarem, fechou-a cuidadosamente às suas costas. Quando voltou-se para a mulher, apenas a observou, incerto de como explicar-lhe toda aquela situação.
Então, com um suspiro, puxou o papel completamente amassado do bolso interno do terno e estendeu-o para a mulher.
Ainda com uma expressão confusa, aceitou-o e desamassou-o com as mãos, começando a leitura; enquanto a mulher ficava em silêncio, andando em círculos e lendo a petição, Harry sentou-se no canto de sua cama, afundando o rosto em suas mãos.
- Isso é... o que eu acho que é? – ela perguntou, a voz fraca.
Harry afastou a mão do rosto e ergueu os olhos para ver ; seus olhos estavam avermelhados e isso fez com que a mulher sentisse a própria garganta apertar.
- Eles querem tirá-la de mim – ele murmurou.
dobrou cuidadosamente a petição e deixou-a sobre a escrivaninha de Harry e, depois, caminhou até ele, ajoelhando-se ao seu lado. Cuidadosa e carinhosamente, ela tomou as duas mãos dele nas suas.
- Você vai dar um jeito nisso, Harry – ela disse, os olhos transparecendo segurança e confiança – Nós vamos dar um jeito nisso. Todos nós: eu, você, Abigail, Tom, Danny, , Dougie...
Harry ergueu os olhos, sentindo uma centelha de esperança pela primeira vez desde que recebera a intimação.
- Não quero perdê-la – ele disse, seus olhos fixos naqueles maravilhosos olhos de – Mas estou com medo de falhar.
- Você perdeu uma batalha, Harry, não a guerra toda – ela disse, apertando as mãos do homem nas suas com mais firmeza – Você não está sozinho. Se a vadia da Quentin não consegue ver a pessoa maravilhosa que você é, o pai dedicado... então todos nós mostraremos. Droga, Harry, eu presto testemunho vinte vezes se for necessário.
Ele umedeceu levemente os lábios, absorvendo cada palavra que a mulher dizia como se fossem sua salvação; na verdade, em todos os aspectos, elas eram.
- Não desista, está bem? E nunca mais suma desse jeito, quase morri de preocupação – ela pediu, largando as mãos dele para enquadrar-lhe o rosto, analisando-o.
Ele deu um meio-sorriso e ela sorriu de volta; ele ergueu as mãos e tomou as mãos de entre as suas.
- Eu não sei o que seria de mim sem você – ele disse, com um meio-sorriso.
Foi a vez de rir, sentindo as bochechas corarem; então, soltou-se de Harry e colocou-se de pé, espanando a calça na altura dos joelhos.
- Não fale besteiras – disse, sem olhar para ele – Você se viraria muito bem sem mim, talvez demorasse um pouquinho mais de tempo para se adequar, mas...
Harry colocou-se de pé e caminhou até ela, estava ocupada demais procurando pela sua bolsa para perceber essa movimentação; ele colocou as mãos sobre a sua cintura e girou-a, fazendo com que ela o encarasse de frente, depois firmou as mãos em sua cintura, impedindo-a de se afastar.
- , olhe para mim – ele pediu.
Com as bochechas coradas, ergueu os olhos.
- Quando eu estou dizendo que você é fundamental para mim, não descarte isso como se não fosse verdade – ele disse, lentamente – Se não fosse por você, eu provavelmente teria recebido essa intimação dois dias depois de Abigail chegar em casa.
- Harry, isso não é... – interrompeu-se ao senti-lo apertar com um pouco mais de firmeza na cintura.
- Eu estou falando – ele disse, os olhos fixos nos dela – Quando eu terminar, você pode falar.
engoliu em seco e concordou com um aceno discreto de cabeça.
- Eu nunca te agradeci o suficiente – ele continuou – Por tudo, pela sua paciência, por me ajudar, por adorar tanto a Abigail, por estar sempre por perto – sem perceber, os dois caminhavam a passos lentos até que estava com as costas pressionadas contra a parede e Harry estava perigosamente próximo; suspendeu a respiração, sentindo seu coração bater com força e borboletas se agitando em seu estômago – Você é uma peça fundamental na minha vida.
Ela sentiu as pernas fraquejarem e instintivamente apoiou as mãos nos braços de Harry que a envolviam.
- Eu... eu faço isso pela Abigail – ela disse, sem firmeza – Não precisa agradecer.
- Só pela Abigail? – ele perguntou, a voz rouca.
Ela desviou os olhos e concordou com um aceno de cabeça.
Ele soltou um risinho baixo que fez com que ela engolisse em seco.
- Fale isso olhando nos meus olhos – ele a desafiou.
Hesitante, ergueu os olhos, mergulhando naquele mar azul. Abriu a boca, mas não conseguiu dizer aquilo. Seria simples mentir, mas algo a impedia sequer de pensar.
Sentiu uma onda elétrica espalhar-se por todo o seu corpo quando uma parte da mão fria dele tocou uma área descoberta de sua pele e fechou os olhos, suspendendo sua respiração.
Quando abriu os olhos novamente, encontrou os olhos azuis de Harry presos nela, observando cada reação dela a ele; o homem inclinou-se até que seus lábios ficassem a apenas alguns centímetros.
- Foi o que eu pensei – ele murmurou, e no momento seguinte juntou seus lábios aos dela.
A primeira coisa que ela sentiu foi a barba dele por fazer roçando levemente contra o seu rosto; os lábios dele eram firmes e experientes. Ela permitiu que ele aprofundasse o beijo e soltou um grunhido leve quando o baterista apertou-a ainda mais em seus braços.
Harry sentiu algo dentro dele rosnar, vitorioso; ele soube no momento em que tocou seus lábios aos lábios macios e doces da mulher que não teria volta.
Sentiu as mãos trêmulas de lentamente enlaçarem seu pescoço e puxá-lo para ainda mais perto. Como conseguira ficar toda a sua vida sem aquilo?
Ele ergueu uma das mãos que estavam na cintura de até sua nuca e pressionou-a. Mordiscou-lhe de leve o lábio inferior e o gemido sôfrego que ela soltou fez com que arrepios se espalhassem por todo o seu corpo.
Ofegante, inclinou a cabeça para trás e Harry começou a direcionar os beijos para a pele alva de seu pescoço, lembrando-se imediatamente do quanto quisera fazer aquilo no sábado que passaram juntos.
arregalou os olhos quando sentiu Harry mordiscar seu pescoço suavemente; olhos se encontraram novamente, mas foi interrompido quando inclinou-se, e beijou-o novamente. Harry soltou um murmúrio de aprovação e desceu as duas mãos até as pernas de , puxando-as, de forma que a mulher envolveu-lhe a cintura com elas.
Harry caminhou, ainda sem interromper o beijo, até sua cama, onde deitou-se sobre ; ela soltou um gemido baixinho quando sentiu o peso dele sobre seu corpo.
Nesse momento, uma batida fraca na porta fez-se ouvir.
- Tio Harry? – era Abigail – Você está aí? Eu tive um pesadelo.

“Now we're breaking away
From what holds us down
And this could be the day
That brings out the light

Now we're marching on
With the will of never giving up
This time we'll have won
Without a fight

Don’t Give Up – Eagle-Eye Cherry



Capítulo 14 – All I Want for Christmas

“All the lights are shining
So brightly everywhere
And the sound of children'
Laughter fills the air”


e Harry se entreolharam, a respiração suspensa por alguns segundos; o quarto estava completamente silencioso desde a batida de Abigail e ambos se sentiam como adolescentes pegos na hidromassagem do quarto dos pais.
Abigail bateu na porta novamente e Harry rapidamente girou o corpo, saindo da cama; colocou-se de pé imediatamente, alisando as vestes com as próprias mãos.
Os dois se entreolharam novamente e, após um aceno mútuo, Harry escancarou a porta.
- Claro que estou aqui, Gail. Com o que você sonhou? – ele perguntou, abaixando-se para ficar da altura da afilhada.
Se Abigail estranhou o fato da professora estar no quarto de seu padrinho, não demonstrou; simplesmente iniciou um relato de seu assustador pesadelo que envolvia duas cenouras assassinas e um Max voador.
aproveitou a deixa para despedir-se rapidamente, recolher seus pertences e sair do apartamento.

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estava esticada em seu sofá, embaixo de duas mantas grossas. Tinha um pote de sorvete de creme em uma mão, uma colher de sopa em outra e Tiesto preguiçosamente acomodado sobre a sua barriga.
Seu celular precisou tocar três vezes até que ela o percebesse; tateou o chão ao seu lado até encontrar o aparelho e atendeu-o instantaneamente.
- Alô?
- Aconteceu de novo – a voz de do outro lado da linha era apenas um som abafado, miúdo. Envergonhado.
- O quê? – perguntou, os olhos ainda fixos nas imagens na tela de sua televisão.
- O Harry e eu. Nós nos beijamos. De novo – ela gemeu.
imediatamente sentou-se, fazendo com que Tiesto pulasse de sua barriga para o chão com um miado incomodado e rumasse para outro recinto do apartamento. Depois, colocou a televisão no mudo.
- Calma. Como assim? Mas se beijaram como? Tipo, francês ou aquele selinho de primário?
ficou em silêncio, culpada.
- Ah, essa é a minha garota! – riu , apertando melhor as mantas envolta de seu corpo – E como foi?
hesitou, tentando imaginar como colocar em palavras o que sentira.
- Eu... fiquei toda mole. E... e... Ah, estou com vergonha! – chiou , do outro lado – Mas não sei o que fazer, ! E se... eu não quero complicar as coisas.
- Já está um pouco tarde para se preocupar com isso, não acha? – perguntou , erguendo as sobrancelhas.

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Harry deitou-se em sua cama e abraçou Abigail com firmeza; a menina resolvera que estava muito amedrontada com as cenouras malignas para dormir sozinha naquela noite.
Fechou os olhos e sentiu o cheiro floral do cabelo da afilhada; seu coração se comprimiu ao pensar que ele corria o risco de não ter mais o luxo de sentir aquele cheirinho tão gostoso todos os dias.
Mas então lembrou-se de sua conversa com .
Perder Abigail não era uma opção; ele convenceria o juiz de que ele era o certo para ela ou seu nome não era Harry Mark Cristopher Judd.
Então, sua mente divagou para seus melhores amigos, com quem discutira à tarde. Ele não sabia se eles eram reais ou alucinações de sua mente, mas sentia-se miserável por ter discutido com eles.
- Sinto muito – murmurou, baixinho, para não acordar Gail.
- E deveria mesmo – a voz de Charlie era carrancuda e bem humorada ao mesmo tempo – Você foi o maior babaca conosco.
- Eu sei – Harry não ergueu os olhos – Eu estava com medo. Eu estou com medo, como posso resolver esse problema?
Charlie acomodou-se ao seu lado na cama.
- Você lembra do que o seu pai costumava nos dizer quando pedíamos ajuda com algum problema nosso? – perguntou.
Harry hesitou, revirando sua memória atrás da resposta; sorriu ao recordar-se.
- A resposta está aí em algum lugar, basta procurar – recitou, num sussurro.
- Esse é mesmo um conselho muito sábio – a voz de Claire surgiu do outro canto do quarto; Harry abriu os olhos e encontrou a amiga abaixada ao lado da cama, observando a própria filha, os olhos castanhos brilhando com afeição.
- Um pouco vago também – Harry resmungou, suspirando – O que isso quer dizer? Procurar o quê?
- Você vai saber quando encontrar – Charlie disse, enigmaticamente.

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Harry acordou, os olhos azuis arregalados; imediatamente escorregou da cama para o chão e começou a revirar seu quarto. Abigail acordou, sentou-se na cama e coçou os olhos, sonolenta.
- O que você está fazendo, tio Harry? – perguntou.
- Procurando – ele respondeu, enquanto vasculhava o conteúdo de uma gaveta.
- Pelo quê? – ela questionou, descendo da cama e acompanhando-o pelo quarto.
- Não sei – ele retorquiu, sinceramente.
- Hum – Abigail franziu o cenho, considerando a resposta – Quer ajuda?
Harry riu.
- Claro, por que não?

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checou uma última vez o conteúdo de sua bolsa para se certificar de que não esquecera nada, pegou a chave de seu carro e abriu a porta de sua casa; assustou-se ao deparar-se com um policial que estava prestes a tocar sua campainha.
- Bom dia, senhorita – ele desejou – Você poderia me responder algumas perguntas?
estreitou os olhos, desconfiada.
- Estou sendo investigada por alguma coisa? – perguntou.
O homem riu.
- Não, a senhorita não está. É só que... aconteceu um pequeno incidente com a senhora Blossom, sua vizinha, e gostaríamos de fazer algumas perguntas...
fez uma careta; a senhora Blossom era uma velhinha solitária e irritadiça que costumava reclamar com ela sobre tudo. Por esse mesmo motivo, costumava evitá-la sempre que possível.
- O que aconteceu com a senhora Blossom? – questionou.
O policial hesitou e, num ato automático, retirou seu chapéu, segurando-o com as duas mãos.
- A senhora Blossom faleceu – respondeu, cuidadosamente – Pelo estado do corpo, ela poderia estar morta há dois ou três dias. Estamos tentando entrar em contato com seus familiares. A senhorita saberia informar se ela possuía algum parente próximo?
abriu a boca, mas não conseguiu dizer nada; rapidamente re-encenou todas as conversas breves que tivera com a vizinha. Lembrava-se de ela ter comentado algo sobre um sobrinho, mas não tinha certeza.
- Eu não sei – retrucou, com verdadeiro pesar e sentido-se ligeiramente culpada por nunca ter prestado atenção à mulher – Realmente não sei, oficial. Mas, pelo que me lembre, ela não possuía filhos. Talvez um sobrinho, mas não tenho certeza absoluta.
O policial pareceu decepcionado.
- Está certo – ele suspirou – Bem, obrigado pela sua ajuda, senhorita, e sinto muito por qualquer inconveniente.
- Está tudo bem – observou o homem se afastar e, repentinamente, sentiu-se inundada por uma onda de sensações e sentimentos que geralmente não lhe pertenciam.
Com o semblante franzido, caminhou a passos duros e determinados até o seu carro.

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Harry e Abigail estavam revirando o quarto do homem inteiro há quase vinte minutos; o baterista começava a se sentir idiota. Como poderia estar procurando algo que não sabia o que era?
“Você vai saber quando encontrar”, a voz de Charlie ecoou em sua mente.
Harry abriu seu armário e estava olhando dentro dos bolsos dos seus ternos, enquanto Abigail se abaixava ao lado de sua cama, espiando no vão entre ela e o chão.
- Tio Harry, quem é... – a menina fez uma careta, tentando ler – Simmas Hooterville?
Harry rapidamente afastou-se do armário e foi até a afilhada, pegando o cartão de suas mãozinhas. Lembrou-se da aparência simples e competente de Simmas Hooterville, o advogado de seus amigos.
“Você vai saber quando encontrar”.
Ele sorriu e passou o dedão sobre o nome do advogado.
- Parabéns, Abigail. Você encontrou! – os dois festejaram, rindo – Agora, vamos nos arrumar, já está quase na hora do colégio.

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Quando Harry chegou na Super Records naquela manhã, a única pessoa que já estava trabalhando era . Caminhou até o seu escritório e bateu à sua porta, quando ouviu o “entra” da mulher, entrou.- Bom dia, . Como está?- Ah... bem – voltou sua atenção para o homem – E você? Melhor? Já resolveu o que vai fazer a respeito da intimação? Porque eu andei pensando e olhe: – puxou uma lista que acabara de imprimir – esses são os melhores advogados de Londres. Me dei a liberdade de procurar alguns nas proximidades também, e...- Eu já tenho um advogado – ele a interrompeu.- Já? – piscou os grandes olhos verdes, surpresa – E quem é?- Bom, não tenho exatamente. Mas acho que ele aceitará o caso. É por isso que vim aqui, preciso que você encontre o número do escritório dele para mim – ele pediu. franziu o cenho; achava perigosa e estranha a estratégia que Harry Judd parecia querer adotar, mas deu de ombros.- Está certo. Qual é o nome dele?- Simmas Hooterville – ele respondeu, sacando sua carteira do bolso e tirando o cartão que o advogado lhe dera no enterro de seus amigos – Aqui está tudo o que sei dele. analisou o cartão por alguns instantes e então voltou-se para o homem.- Harry, o que te faz achar que esse homem pode resolver as coisas? – perguntou.- Porque Claire nunca escolheria um advogado incompetente – ele respondeu, com simplicidade – Posso contar com você?- Claro – ela acenou, decidida.Harry sorriu e deixou o escritório.
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Quando Harry chegou em seu escritório, encontrou Tom, Danny e Dougie sentados, com expressões graves no rosto; observou-os com as sobrancelhas erguidas.
- Pois não?
- Olá, Harry – Dougie deu um sorriso sarcástico – Você não tem mais celular, não?
Harry coçou a testa, desconcertado.
- Eu sei, gente, foi mal, mas é que ontem...
- Nós estávamos preocupados, sabia? – Tom interrompeu-o, parecendo verdadeiramente furioso – Ligamos para sua casa umas vinte vezes, no mínimo. E você se digna a mandar uma mensagem que seja, dizendo ‘cheguei em casa, estou puto, mas vivo’? Não foi só você que ficou devastado com a notícia, tá legal?
Harry piscou, perplexo, e voltou-se para Danny, na esperança de encontrar aqueles olhos azuis brilhando com diversão, mas o que encontrou foi tanta recriminação quanto nos outros dois pares de olhos.
- Não foi nada legal, cara – Danny resmungou.
Harry suspirou.
- Vocês estão certos, me desculpem, ok? Eu não estava pensando direito – ele murmurou, envergonhado – Mas tudo está se encaminhando. está procurando pelo contato do advogado que Claire e Charlie contrataram e vou começar a montar minha defesa. Abigail não vai a lugar algum.
- Nós sabemos que não – Dougie disse, colocando-se de pé – É por isso que viemos aqui. Se você precisar de alguma coisa, qualquer coisa, pode contar com a gente: podemos testemunhar ou qualquer coisa do gênero.
Harry sorriu, sentindo-se a pessoa mais agraciada em todo o universo por ter os amigos que tinha.
- Obrigado, gente – ele disse, baixinho.

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terminou de secar os cabelos de Abigail e ajudou-a a escolher um vestido e sapatos para passar a tarde; como aquele fora o último dia de aula antes das férias de inverno, a garota não tinha lição de casa para fazer.
As duas resolveram que a melhor forma para passar a tarde seria brincando de Barbie Veterinária e Abigail já estava havia meia hora desenvolvendo o enredo da brincadeira.
- Nós somos irmãs – ela dizia, enquanto erguia os braços para ajudar a colocar seu vestido – E eu sou a mais velha, está bem? E eu sou veterinária e você é minha ajudante. Eu cuido dos gatos e você dos cachorros. O cavalo é o mais legal, então a gente pode alternar, uma hora eu cuido do cavalo e outra hora você cuida dele. O que acha?
teve que se controlar para manter o rosto sério.
- Acho que você pode cuidar do cavalo sozinha, eu gosto muito de cachorros – disse, piscando um dos olhos com cumplicidade.
Abigail arregalou os olhos verdes, maravilhada.
- Você é a pessoa mais legal do universo, professora – ela suspirou.
riu e fechou o zíper do vestido azul de Abigail; prontamente, a garotinha sentou-se em sua cama, erguendo os pezinhos para que a professora calçasse sua sapatilha.
- O que você vai fazer no Natal? – a menininha perguntou, curiosa.
- Vou passar com os meus pais, em Worthing – a professora sorriu, enquanto afivelava a primeira sapatilha – E você?
- Vou passar em Chelmsford, com os meus avôs. Por que é que você não vem com a gente, professora ? Vai ser super legal! A vovó Al sempre faz o melhor peru de todos e a vovó Molly faz um chocotone delicioso, com aqueles biscoitinhos que parecem gente, sabe? Tipo o biscoitinho do Shrek! É o máximo, você não pode perder!

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Harry estava sentado na sala de espera simples do escritório de Simmas Hooterville; assim que ligara passando-lhe o número do advogado, ele agendara a reunião para aquela mesma tarde.
Precisava fazer tudo o mais rápido possível, não queria dar sorte para o azar.
Não podia se dar esse luxo.
- Senhor Judd, o doutor Hooterville o atenderá agora – a secretária disse, indicando a porta de madeira simples com um aceno de cabeça.
Sentindo-se nervoso e ansioso, Harry colocou-se de pé e atravessou a sala de espera com alguns passos largos. Abriu a porta e encontrou Simmas sentado atrás de uma mesa repleta de pilhas de papéis e pastas; o advogado prontamente colocou-se de pé para receber o baterista.
- Boa tarde, senhor Judd – ele sorriu, estendendo-lhe a mão; os dois trocaram um aperto firme de mão – Sente-se – convidou o homem, indicando as cadeiras estofadas vazias em frente à mesa.
Harry o fez.
- Bem... – Simmas deu um sorriso tranqüilo – Fiquei surpreso com a sua ligação, e bem curioso também. O senhor não quis tratar do assunto por telefone...
- É delicado – Harry disse, lentamente – Prefiro conversar pessoalmente. Envolve a guarda da Abigail.
- Entendo – o homem murmurou – O que houve, o senhor gostaria de renunciar?
Harry arregalou os olhos azuis, perplexo; como é que aquele homem poderia sequer considerar aquilo?
- Não, muito pelo contrário – Harry negou com um movimento de cabeça – Veja – puxou a petição inicial que lhe fora entregue no momento da citação para o advogado – Eles querem tirá-la de mim e... eu quero ficar com ela.
O homem rapidamente varreu as páginas da petição com os olhos.
- Tudo o que eles dizem aqui é verdade? – Simmas perguntou, erguendo os olhos dos papéis em suas mãos.
Harry hesitou por alguns instantes, antes de responder.
- Sim. Mas não desse jeito. Foram erros. Não me toquei do que estava fazendo e estou melhor agora. De verdade – começou a se sentir desesperado – O senhor tem que me ajudar.
Simmas deixou a petição de lado.
- Essa é uma ação complicada, senhor Judd, e eles têm um bom material para fazer qualquer juiz acreditar que o senhor simplesmente não tem condições de manter uma criança sob sua custódia.
- Mas eu tenho, doutor Hooterville, eu tenho. Eu amo essa garotinha mais do que qualquer outra coisa no mundo inteiro. Infernos, gosto mais dela do que de tocar em shows. E, se fosse o caso, se eu realmente não fosse a pessoa mais apropriada, seria o primeiro a abrir mão do meu direito se fosse o melhor para ela. Mas eu sou o melhor para ela. Claire e Charlie enxergaram isso antes de mim, mas agora consigo ver. Não posso perdê-la.
Simmas considerou aquelas declarações por um breve instante.
- Está bem – ele disse, afinal – Como Abigail está lidando com essa notícia?
- Ela não sabe – Harry respondeu – E gostaria de manter assim, ela tem apenas seis anos. É nova demais para entender ou ter que lidar com esse tipo de situação.
O advogado concordou com um aceno breve de cabeça.
- Uma sábia decisão – ele murmurou – Por sorte, teremos mais do que dez dias para entregar a contestação, com o Natal chegando. Preciso do maior número de documentos que comprovem que o senhor é um responsável competente e preparado, você consegue juntar isso?
Harry piscou os olhos, perplexo, tentando pensar em qualquer tipo de documento que fosse hábil para esse tipo de comprovação.
- Existe esse tipo de coisa?
Simmas considerou a questão.
- Testemunhas. Quero uma lista de toda e qualquer pessoa que possa comprovar que você tem melhorado e que ache que você é a melhor opção para a Abigail. Você pode fazer isso?
- Quantas pessoas posso trazer? – perguntou Harry, ansioso.
- Dez.
- Vou trazer vinte – Harry murmurou.
Simmas deu um largo sorriso e concordou com a cabeça; não havia nada mais gratificante em seu serviço do que se envolver em causas que significavam tanto para alguém.
E aquela causa, ele conseguia perceber, significava o mundo para Harry Judd.

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estacionou o carro na garagem de sua casa e estava caminhando em direção à sua porta de entrada, quando percebeu uma movimentação na casa da senhora Blossom.
Cautelosamente, aproximou-se da cerca, abaixando-se de forma que apenas seus olhos ficassem visíveis para quem quer que estivesse invadindo a propriedade de sua falecida vizinha.
Rapidamente, vasculhou o conteúdo de sua bolsa atrás de seu celular e, assim que o encontrou, fechou a mão em volta dele. Ainda abaixada, contornou a cerca e caminhou até a casa da senhora Blossom.
Encostou-se contra a parede, entre a porta de entrada e a janela que dava a visão da sala de jantar; respirou fundo e contou até cinco mentalmente, preparando-se para espiar, quando a porta da frente repentinamente se abriu.
Ela soltou um berro e apontou o celular para quem saía, como se estivesse empossando uma arma.
Uma mulher negra, com os cabelos cheios presos em um rabo de cavalo, observava-a com os olhos amendoados arregalados; ela usava uma calça jeans e uma blusa com os dizeres “voluntária” e, em suas mãos, trazia uma gigantesca caixa de papelão.
- Que diabos...? – a mulher soltou, perplexa.
respirava com dificuldade, ainda sentindo o susto deixando seu corpo fraco.
- Ah. Desculpe, eu... er... – pigarreou – Achei que estavam roubando a casa.
Os olhos castanhos da mulher se iluminaram e ela jogou a cabeça para trás, soltando uma gargalhada sonora e divertida.
- Ah, não, não precisa se preocupar com isso. Somos voluntários e, já que a senhora Blossom não tinha herdeiros, o governo ficou com os bens dela; estamos aqui para recolher o que encontrarmos e encaminhar o que der para a doação.
concordou com um aceno de cabeça.
- Entendo – deu um meio-sorriso – Neste caso, é melhor eu parar de te atrapalhar.
- Ah, não. Estamos quase acabando – a mulher sorriu – É mesmo uma pena, não é? Que alguém morra e não tenha ninguém para manter suas coisas, contar suas histórias. Isso aqui – indicou a caixa em seus braços – são os diários da senhora Blossom. Uma história inspiradora. É mesmo uma pena que tenhamos que jogar no lixo.
- Jogar no lixo? – perguntou , curiosa.
- É. Não podemos manter nada na casa, pode trazer ratos ou insetos – ela deu de ombros – Bem, de qualquer forma, uma boa noite para a senhorita.
A mulher se desviou de e começou a caminhar em direção à lixeira que ficava ao lado da caixa de correio da senhora Blossom.
- Não, espera! – guardou o celular dentro da bolsa e caminhou até a mulher – Eu posso... ficar com eles? Os diários?
A mulher voltou-se para ela, parecendo surpresa.
- Sério?
- Ah... é. Acho que sim – também estava surpresa por querer lê-los, mas algo na partida repentina da senhora Blossom fez com que ela se arrependesse de não ter tentado conhecê-la melhor.
- Está certo – a mulher deu um sorriso, entregando a caixa para que arfou um pouco sob o peso dela – Aqui está. Este é um ato muito bonito, senhorita...
- completou, enquanto lutava parta equilibrar sua bolsa e a caixa ao mesmo tempo – Bem, obrigada. E boa noite.

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Quando Harry entrou no apartamento, encontrou Abigail e brincando de “stop”; as duas ergueram os olhos e sorriram para ele. Ao mesmo tempo, ele foi invadido por sentimentos diferentes, mas ambos bons e envolventes.
Imaginou que o que sentiu quando viu o sorriso de Abigail seria a mesma coisa que Charlie sentia, quando ela lhe sorria quando ele chegava em casa depois de um dia de trabalho.
E quando lhe sorriu, ele sentiu como se um pedaço dele estivesse flutuando e o outro pedaço, implorando para levá-la para algum lugar mais privado e repetir a cena da noite anterior.
- Boa noite – ele disse, sorrindo, retribuindo o abraço da afilhada e pegando-a no colo – Como foi o último dia de aula?
- Ótimo! – Gail sorriu – Quando vamos para Chelmsford, visitar meus avós?
- Depois de amanhã, Gail. E a lição de casa? – perguntou, colocando-a no chão.
- Estou de férias, tio Harry! – ela revirou os olhos, como se ele não entendesse de nada – Não tem lição de casa nas férias.
Harry riu.
- Está certo – foi então que ergueu os olhos para e percebeu que ela já estava se arrumando para ir embora, sentiu uma decepção estranha tomar conta de seu corpo, mas mascarou isso mantendo seu sorriso – Já vai?
Ela sorriu e, quando passou o cachecol em volta do pescoço alvo, uma mecha de seus cabelos castanhos caiu sobre seu rosto; Harry sentiu uma vontade tão forte de tocá-la que teve que colocar as mãos no bolso da sua calça para se controlar.
- Está um pouco tarde e eu tenho que arrumar minhas malas, vou para Worthing visitar meus pais amanhã de manhã – ela respondeu.
- Você não vem me ver amanhã? – perguntou Abigail, seu tom de voz era tão perplexo e magoado que não conseguiu não rir.
- Poxa, Gail, eu também preciso ver os meus pais, né? Não posso só ficar brincando! – ela disse, abaixando-se para ficar da altura da garotinha.
Abigail fez um biquinho, mas concordou com um aceno de cabeça; então, seus olhos se acenderam, como se ela tivesse tido uma ideia brilhante.
- Já sei! – ela disse – Espera um pouco, professora !
E saiu correndo para o seu quarto.
Assim que se viu sozinho com a mulher, Harry aproximou-se um pouco mais; instintivamente, recuou um passo. Por mais que tivesse gostado de beijá-lo, não achava que era prudente que aquele cenário se repetisse.
- Eu fui falar com Simmas Hooterville hoje. Ele era o advogado de Claire e Charlie. Ele aceitou me defender – ele disse, dando um meio-sorriso – Preciso juntar uma lista de testemunhas para falarem no tribunal a meu favor. Será que você poderia testemunhar em meu favor no tribunal?
- Harry, mas é lógico – ela respondeu, perplexa – Não precisava nem perguntar. Servirei como testemunha e com o maior prazer. Depois, vamos esfregar aquela sentença na cara daquela... – Abigail voltou abraçada a um cachorrinho de pelúcia – pessoa – ela completou, contendo-se.
- Olha, professora , eu trouxe um cachorro para você lembrar de mim, enquanto estiver longe, lá com o seu papai e a sua mamãe. O nome dele é Rooter e ele é super bonzinho. Ele tinha um ossinho de pelúcia, mas eu perdi – ela fez uma cara de decepção – Você não quer se despedir do Max, antes de ir embora? Porque eu acho que ele vai ficar com saudades de você.
sorriu, pegando o cachorrinho de pelúcia com uma mão e deixando que Abigail a guiasse até a área de serviços com a outra; abaixou-se para ficar na altura da gaiola do coelho e acariciou-lhe a cabecinha com um dedo, entre as barras.
- Tchau, Max, eu vou viajar e volto daqui a duas semanas. Se comporte, está bem? E coma as suas cenourinhas – disse, séria; Harry teve que mordiscar o lábio inferior para não rir – E tenha um bom ano novo.
- Isso – Abigail abaixou-se ao lado da professora e começou a falar com Max também – Não fica triste, Max, a professora volta logo. Né? – voltou-se para , insegura.
- Antes que você perceba, estarei de volta – prometeu.
Abigail abraçou a professora.
- Abigail, dá um tempo para a professora – Harry riu – Ela vai passar as festas de fim de ano com os pais, não é como se ela estivesse se mudando para o Iraque.
Abigail afastou-se, envergonhada.
- É que eu vou ficar com saudades – ela murmurou.
- Eu também vou ficar – disse, comovida – Mas, olha! – vasculhou sua bolsa, até que encontrou uma caneta bic – Essa é a minha caneta favorita. Fique com ela enquanto eu estiver longe e, quando eu voltar, você me devolve. Pode ser?
Abigail arregalou os olhos e pegou a caneta, observando-a com reverência.
- Está certo – ela respondeu, maravilhada.
- Tá certo, vocês duas – Harry riu, revirando os olhos – Gail, vai colocar seu pijama, enquanto eu acompanho a professora até a porta.
- Está bem – Abigail disse, correndo para dentro da cozinha; estava quase chegando na porta que dava acesso à sala de jantar, quando girou nos calcanhares e voltou correndo na direção dos dois, jogando-se novamente na professora, dando um novo abraço, dessa vez bem apertado e breve – Volte logo, professora .
E sumiu para dentro da cozinha de novo.
percebeu perplexa que estava com os olhos marejados.
- Que droga – ela murmurou, endireitando-se e esfregando os olhos – Eu vou sentir falta dela mesmo.
- Eu vou sentir a sua falta também – Harry disse, divertido, observando a mulher; aproximou-se um pouco mais, até que estivesse relativamente presa entre ele e uma das paredes da área de serviço.
Harry lentamente ergueu uma das mãos, usando-a para colocar uma mecha dos cabelos da mulher atrás de sua orelha. Com essa mesma mão, ele tocou levemente a bochecha da professora e inclinou-se na sua direção.
estava de olhos fechados e sentiu a respiração quente dele contra sua bochecha; ainda sentia o dedão dele acariciando sua bochecha, espalhando ondas de calor por todo o seu corpo.
- Harry, não – ele pediu, a voz trêmula.
Harry hesitou, mas ainda se manteve perigosamente próximo.
- O quê? – ele perguntou com a voz rouca.
- É melhor... não – ela respondeu, engolindo em seco. Abriu os olhos e percebeu que Harry a observava com as sobrancelhas erguidas, surpreso – Isso... olha, eu não... – ela suspirou, perguntando-se como poderia colocar seus pensamentos em palavras – Não podemos nos dar ao luxo.
- O que você quer dizer com isso? – ele perguntou.
- Que é complicado demais isso que estamos fazendo – ela disse – Nós dois. Tem a Abigail e se um de nós dois acabar se magoando, como ela fica?
Harry hesitou.
- Você não acha que está pensando muito no futuro?
- Bem, alguém tem que pensar – ela retrucou, incomodada – Eu não sou assim, Harry. Sei que você está acostumado com garotas que aceitam beijos ocasionais e alguns amassos sem compromisso, mas eu não sou assim. Quando eu estou com alguém, eu estou com alguém. Não sei brincar de meio-termo.
- Então, você está me pedindo para ter algo sério? – Harry perguntou, perplexo; detestava se sentir encurralado e agora tinha a impressão de que o empurrava em direção a um precipício.
- Quê? Não! – exclamou, desesperada. A última coisa que queria agora era que ele achasse que ela estava pressionando-o a ter um relacionamento – Olha. Se isso fosse normal – gesticulou, indicando eles dois – Se fôssemos apenas uma mulher e um homem que se pegam de vez em quando, nós não teríamos essa conversa. Eu esperaria para ver quais eram as suas intenções, para descobrir o que você quer de mim e, no fim, o que eu quero de você, mas nós não temos esse tempo, Harry.
Ele a observava com as sobrancelhas erguidas, parecia que tinha acabado de levar um soco na boca do estômago; quando mandara Abigail para o quarto, esperava por uma sessão tranquila de beijos com a professora que não saía de seus pensamentos e agora estava levando uma lição de moral?
A Providência estava realmente contra Harry Judd nos últimos dias.
esperou alguns instantes para ver se o homem responderia ao que ela dissera e ao perceber que ele estava chocado demais para dizer qualquer coisa, prosseguiu.
- Olha, eu não quero te pressionar. Verdade seja dita, eu nem mesmo sei se eu quero alguma coisa com você – ela disse, cuidadosamente, porque era verdade. Não importa o quanto gostasse de Harry Judd e o quanto seus beijos fizessem com que suas pernas ficassem bambas, não sabia se poderia confiar nele em um relacionamento e aquilo era basilar para ela – Mas a Abigail é importante demais para deixarmos que ela fique em segundo lugar. Se continuarmos com isso, podemos nos magoar e, se nos magoarmos, podemos magoá-la. E eu não quero isso.
Ela ergueu os olhos e fixou-os nos olhos azuis que ainda a observavam, enigmaticamente; o que quer que Harry Judd estivesse pensando, ela sabia que ele não estava nada satisfeito com que ela dissera.
Mas não conseguia entender: se ele não queria nada sério – e aquela reação perplexa demonstrava aquilo com clareza -, porque se importaria em não poder ficar com ela?
Ele provavelmente tinha uma fila de garotas aos seus pés.
- Você está certa – ele disse, desviando os olhos do dela; sua voz era grave e seu tom, seco – Não se preocupe, nunca mais voltará a acontecer. Deixe que eu te acompanhe até a porta.

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“28 de abril de 1962,
É triste o dia em que resolvemos começar um diário porque não temos mais com quem conversar. Mas a verdade é simplesmente essa: minha vida está uma loucura e não me sinto à vontade para discuti-la com ninguém.
Ao mesmo tempo, sinto que vou explodir se não tirar todos esses pensamentos da minha cabeça, se não expressá-los de alguma forma. Então, cheguei à única conclusão razoável: conversar comigo mesma.
Ouvi em algum lugar que escrever é a melhor forma de se compreender ou qualquer coisa do gênero e acho que vale a tentativa.
Meu nome é Bridget Blossom e eu tenho quinze anos, moro em Teignmouth, uma cidadezinha pequena. Ás vezes, pequena demais para o meu gosto.
Meu pai saiu de casa; minha mãe continua me dizendo que ele saiu em uma viagem a negócios, mas eu acho que é mentira. Acho que ele simplesmente saiu de casa, como alguns homens – e, em um número bem menor, algumas mulheres também – vêm fazendo.
Ele não disse ‘adeus’, ele não disse ‘não volto mais’, ele não disse ‘te amo, filha’. Um dia, simplesmente acordei e ele tinha desaparecido.
Suas roupas ainda estão no armário, mas percebi que sua gravata favorita sumiu, assim como seu par de sapatos sociais mais novo. Minha mãe não sabe, mas eu ouço ela chorando todas as noites, até dormir.
Na frente dos amigos, ela mantém a história da viagem, mas vejo algo de diferente nos seus olhos; um brilho triste que se tornou habitual.
O que minha mãe não entende é que, em uma cidade pequena como a nossa, as notícias correm rápido. Rápido demais. Algumas garotas, como Maddison Square, começaram a pegar no meu pé.
Veio repleta de simpatia falsa, falando sobre como ela sente muito sobre meu pai ter ‘sumido sem dar aviso’, mas que isso era muito comum em ‘famílias mais simples como a minha’.
Ainda disse que rezaria por nós.
Não respondi nada para ela, apenas sorri em agradecimento e fui embora, mas eu tenho uma ótima sugestão do que ela pode fazer com as rezas dela.
De qualquer forma, está tarde e eu tenho colégio amanhã.
Boa noite.”


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Tom foi o primeiro a chegar na Super Records na manhã do dia 22 de dezembro e isso foi uma surpresa até mesmo para ele; verificou o escritório de duas vezes, chegando até mesmo a procurar por ela embaixo de sua mesa – não seria a primeira vez que ela se escondia dele lá.
Mas nada.
Dando de ombros, ele caminhou até o seu escritório, onde começou a ouvir algumas das bandas que os caça-talentos haviam indicado; estava ouvindo uma música tediosa, quando viu a silhueta de passando rapidamente pelo corredor.
Rapidamente, deu pause na música e saiu correndo para alcançá-la; não poderia perder a oportunidade única de sentir-se um trabalhador mais esforçado do que ela.
- Muito bonito – ele disse, alto; percebeu os ombros de ficarem tensos e ela paralisar no meio do corredor, como uma criança pega no flagra durante uma travessura – Meia hora depois do seu horário. Tem certeza que você não é irlandesa?
girou nos calcanhares e Tom quase deu um berro; ela tinha olheiras profundas sob os olhos que, por sinal, estavam vermelhos. Em uma mão segurava um copo de café da Starbucks e, na outra, um livro de aparência antiga.
- Eu perdi a hora ontem – ela disse, em tom apologético – Sinto muito, prometo compensar ano que vem.
- Eu estou apenas brincando com você – ele disse, rindo – O que foi que te deixou tão envolvida?
- Ah... um livro. Meio – revirou os olhos e estendeu o diário para o homem – Minha vizinha morreu e eu acabei ficando com os diários dela. Por algum motivo muito bizarro. E eu estava lendo e... é isso.
Tom observou-a com as sobrancelhas erguidas e depois voltou a atenção para o livro.
- Nada mórbido. Muito normal. O que você acha de umas férias? – ele sugeriu.
fuzilou-o com os olhos.
- Haha. Muito engraçado – resgatou o diário com um gesto brusco – E não fique se achando, você chegou um dia mais cedo do que eu. Precisa chegar outros quinhentos e vinte e oito para que fiquemos quites.

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estacionou o carro na frente da casa dos ; ela e desceram para pegar as malas da psicóloga. Assim que apertaram a campainha, a porta se abriu e elas foram saudadas pelo abraço apertado de Gunther .
O homem tinha o cheiro familiar de carne e carvão; o motivo disso era o fato de ele ser completamente apaixonado por carnes e sempre se dar ao luxo de fazer um churrasco privado todos os finais de semana.
- Minha , que saudades! – ele disse, apertando a filha com força – E vejo que você trouxe o Lúcifer.
- Tiesto, pai – corrigiu com veemência.
- Tem certeza? Acho que Lúcifer combina muito melhor com ele – o homem respondeu, olhando de canto para a caixa onde Tiesto estava deitado, parecendo completamente entediado.
- Pai, ele te arranhou uma vez. E você foi para cima dele com um daqueles negócios pontudos que parecem um harpão. Foi o instinto animal dele respondendo.
- Mais para instinto infernal – o homem resmungou – Ele estava perto das minhas carnes. Todos sabem que ninguém pode ficar perto das minhas carnes sem uma autorização por escrito, reconhecida firma no cartório e...
- Ah, pai, tá. Cadê a mãe? – revirou os olhos.
O homem deu um sorriso e indicou o interior da casa com um aceno; passou por ele berrando por Theresa – “mãe, o papai tá com aquele papo estranho de carnes de novo! Achei que você ia leva-lo para a terapia!” -; os olhos castanhos e divertidos do homem finalmente recaíram sobre , que tinha um sorriso no rosto.
- Minha filha postiça favorita! – ele sorriu, tomando as duas mãos pequenas e delicadas de entre as suas, calejadas pelos anos trabalhando como mecânico – Cada vez mais linda! Obrigado por trazer a nossa , parece que essa menina só aparece quando é arrastada até aqui por correntes.
riu.
- é um espírito livre – ela respondeu – Não gosta de se sentir presa por ninguém. Bom, tio Gun, tenho que ir! Meus pais me esperam! Mande um beijo para a tia Thes?
- Pode deixar, querida – ele deu um sorriso e beijou-lhe a testa – Nos vemos na ceia de Natal.

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“20 de dezembro de 1963,
Estou furiosa.
Hoje é o dia da minha graduação; me formei do colegial – com honra ao mérito, diga-se de passagem -, fui oradora da turma e, adivinha?
A cadeira que meu pai deveria ocupar está completamente vazia. Um buraco no meio de milhares e milhares de pessoas que se importam. Que acham que vale a pena se deslocar de suas casas para ver seu filhos, sobrinhos, netos ou conhecidos se formarem.
Mas meu pai?
Não, ele não se daria a todo esse trabalho.
Ele está ocupado demais transando com a futura senhora Blossom.
E quer saber a pior parte? A pior de todas?
Minha mãe ainda o defende.
Às vezes, eu tenho quase tanta raiva dela quanto tenho dele. Como ela pode ainda querer fingir que está tudo bem, quando ele a humilhou publicamente?
Eu não entendo ela.
E isso faz com que eu queime por dentro.
Sei que não é justo, mas é como me sinto”.

deu um sobressalto quando ouviu uma batida em sua porta e, sentindo-se culpada como um adolescente pego lendo uma playboy, escondeu o diário na primeira gaveta de sua mesa.
- Pode entrar – disse, enquanto fingia digitar algo no computador.
- Oi, tia – Abigail sorriu, entrando no escritório.
A mulher prontamente afastou-se da mesa e levantou da cadeira, caminhando até a garotinha; não percebera que sentia saudades da menininha até vê-la.
- Olá, Gail – passou a mão pelos cabelos ruivos da garota – Como está?
Abigail sorriu, e só então a mulher percebeu que ela escondia algo atrás das costas.
- O que é isso? – ela perguntou, tentando espiar, mas Abigail ficava se virando de forma que ela não conseguisse ver o que escondia.
- Não pode espiar, tia ! – Abiagail ralhou, rindo – É seu presente de natal – a menininha disse, mostrando um pacote retangular envolto em papel de presente – Mas só pode abrir no dia do natal, tá? Senão o papai Noel vai ficar chateado com você – sussurrou, como se estivesse contando um segredo sagrado.
- Ah, tá... – respondeu, no mesmo tom, enquanto guardava o presente dentro da sua bolsa – Eu não ia querer isso.

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Harry estava terminando de organizar os CDs de demos que ele tinha que ouvir antes de viajar para Chelmsford, quando ouviu um pigarreio vindo da porta do seu escritório; ergueu os olhos azuis para encontrar Tom, Dougie e Danny parados, observando-o.
- Amanhã todos em Chelmsford para ver você virar avô? – perguntou Danny, risonho.
- Como sempre – Harry riu – Minha mãe não me perdoaria por passar meu aniversário longe de casa.
- Que seja, cara – Dougie disse, jogando-se em uma das cadeiras vazias em frente à mesa do baterista – Contanto que ela faça aquele bolo de sorvete.

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Assim que estacionou o carro na garagem da casa de seus pais, a porta da frente se abriu e os dois vieram quase correndo na sua direção, abraçando-a ao mesmo tempo.
- Uou – ela disse, sentindo-se sem ar e deixando que sua mala caísse no chão para conseguir retribuir o abraço duplo – Senti a falta de vocês também.
Os dois se afastaram e os olhos brilhantes de Jodie e Walter analisaram o rosto da filha.
- Puxa, como você está crescida! – seu pai suspirou.
- Pai, eu tenho o mesmo tamanho desde os dezessete anos – ela riu, revirando os olhos.
- Eu ainda lembro de você, apenas uma garotinha, que me via como um herói...
- Wal, querido, pare – Jodie afastou o marido, revirando os olhos – mal chegou em casa e você já está fazendo com que ela queira voltar para Londres.
riu.
- Não é para tanto, mãe – ela disse, abaixando-se para pegar sua mala, mas seu pai fora mais rápido e agora a carregava com uma única mão – E, pai, você ainda é meu herói.
Os três caminharam juntos para dentro da casa.

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estava terminando de digitar um relatório acerca dos balanços financeiros do ano de 2010, quando percebeu Dougie Poynter entrando em seu escritório.
- Olá, – ele sorriu, sentando-se em uma das suas cadeiras – Onde vai passar o Natal?
- Na França, com a minha avó e seus três monstros de estimação – ela resmungou, distraída, enquanto relia o relatório, modificando alguns trechos, pensativa.
- Cachorros, gatos...?
- Minhas duas tias e minha prima – retorquiu.
Dougie hesitou, observando-a com os olhos arregalados.
- É. OK – ele pigarreou – Enfim. Vim aqui te dar seu presente de Natal.
ergueu os olhos, sentindo-se incomodada; qual era dessas pessoas que queriam enchê-la de presentes? Estavam começando a fazer com que ela se sentisse mal por não ter comprado nada para ninguém.
- Não precisa, Dougie. É sério – ela disse, com um resmungo.
- Mas por quê? Presentes de natal são uma das poucas boas coisas que o homem inventou – ele argumentou, perplexo. Que tipo de pessoa não gosta de receber presentes de natal?
- Esse é um jeito de ver as coisas, Dougie, querido. Mas do meu ponto de vista, isso só faz com que pessoas como eu, que acham o Natal a maior babaquice, se sintam mal por não comprar presente para os outros.
- Não precisa retribuir. De verdade – ele empurrou um embrulho na direção da mulher – Abre.
olhou-o desconfiada e abriu o embrulho, descobrindo um porta-retrato de vidro, com desenhos de rosas nas margens.
- Muito bonito, Dougie – ela disse, colocando-o sobre sua mesa – Obrigada.
- É. Legal, né? Você pode colocar, tipo... uma foto de você e da sua avó. E das suas tias e da sua prima. Uma foto especial. Falando em fotos especiais...
- Dougie Lee Poynter, se você me deu um presente de Natal só para me pedir a foto de volta, achando que eu vou me sentir mal e devolvê-la... – ela resmungou, num tom de voz perigoso.
- O quê? Não! Jamais. – Dougie arregalou os olhos, fazendo-se de desentendido – Ahn... só por curiosidade. Você ainda tem a foto da , né? Não colocou fogo, nem nada.
- Não. Por enquanto – ela acrescentou em tom de ameaça.
- Certo. – Dougie prontamente se colocou de pé, caminhando para fora do escritório - Entendi. É... Feliz Natal lá com a sua família. E tudo de bom. E não queime minha foto, por favor.
Sumiu porta afora.

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Harry e Abigail chegaram em Chelmsford na manhã do dia 23 de dezembro; o dia estava particularmente frio e ameaçava nevar no fim da noite. Por esse motivo, tanto Harry quanto Abigail estavam empacotados nas roupas mais quentes que encontraram em seus armários.
Abigail correu em direção à porta de entrada da casa dos Judds, apesar dos protestos de Harry, que lutava para carregar as malas que tirara do porta-malas.
A menina apertou a campainha com o dedo enluvado repetidas vezes; Katherine abriu a porta segurando um bastão de basebol, parecendo pronta para acertar quem quer que fosse, até que os olhos baixaram para encontrar a ruivinha que lhe acenava alegremente.
- Oi, tia Kate! – ela abraçou a mulher e correu para dentro.
- Belo jeito de cumprimentar as visitas – Harry zombou, passando pela irmã.
- Visitas? – Katherine riu – Eu estava guardando isso para cumprimentos mais familiares.
Harry fez uma careta para a irmã que retribuiu mostrando-lhe a língua. O cheiro de bolo vindo da cozinha e o som de risadas e conversas indicavam que o resto da família estava na cozinha.
O baterista deixou as malas ao lado do sofá e caminhou até o recinto.
- Olha só, se não é o meu aniversariante! – riu Emma, afastando-se do fogão para abraçar o filho com força.
- Olá, mãe – o baterista sorriu, retribuindo o abraço. Abigail estava sentada no colo de seu irmão, Tom, e os dois estavam enfiando os dedos dentro da panela de caldo de chocolate – Gail, não coma chocolate logo pela manhã.
- Ah, tio Harry... – Abigail resmungou – O tio Tom está fazendo também, por que eu não posso fazer?
- Porque faz mal e o tio Tom é um bobão.
Abigail fez uma careta, mas escorregou para o chão e ficou na ponta dos pés para conseguir abrir a torneira e limpar o dedo sujo.
Harry riu e cumprimentou Tom que resmungou-lhe um palavrão e depois abraçou o pai.

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estava sentada embaixo de dois cobertores no sofá de seus pais, assistia algum programa de notícias sobre os famosos, enquanto sentia o cheiro do café da manhã que sua mãe preparava na cozinha.
- E não é apenas Lindsay Loham que está enfrentando a justiça – o apresentador disse.
- Não é mesmo – concordou a apresentadora ao seu lado – Harry Judd, que apareceu em diversas fotos acompanhado de sua afilhada, Abigail Grace Dickens, em pubs e backstages de shows, está sendo processado.
- Isso mesmo, Diana – o homem sorriu para as câmeras, enquanto ao lado direito da tela uma foto de Harry, Abigail e os demais integrantes do McFLY estavam sentados em uma mesa, repleta de cervejas e comidas – Aparentemente, o Estado não julga o baterista como adequado para cuidar de uma criança. Qual é a sua opinião? Estamos com uma enquete aberta no site nesse exato momento, basta acessar...
desligou a televisão e prontamente sacou seu celular do bolso da calça; procurou o nome de Harry Judd entre seus contatos e apertou “send”.

X


Tom, Gio, Dougie e Danny chegaram em Chelmsford um pouco antes das onze horas e já se juntaram à bagunça na cozinha; Harry sentiu seu celular vibrando e rapidamente pegou-o em sua mão.
Viu o nome de no identificador de chamadas e hesitou, considerando se conseguiria ouvir a professora no meio de todo aquele barulho.
- Vou atender essa ligação lá fora, está certo?
Sua pergunta foi prontamente ignorada pelos presentes, que conversavam alegremente, enquanto Emma, satisfeita por ter sua casa cheia, arrumava a mesa na sala de jantar com a ajuda de Katherine e Cristopher.
Ele apertou o “send” e levou o telefone à orelha.
- Espere um pouco – pediu, enquanto atravessava a casa a passos largos até chegar à porta de entrada; abriu-a e parou na varanda da casa.
Sentou-se no último degrau da escada que dava acesso da rua até a casa.
- Pronto. Pode falar – ele disse, finalmente.
- Certo – a voz de estava hesitante e ele se perguntou se ela estava arrependida pelas coisas que falara no dia anterior – O processo está aparecendo na TV.
Foi a vez dele de hesitar, tentando assimilar as palavras da mulher.
- O quê? – soltou, afinal.
- O processo da guarda de Gail – ela respondeu – Acabou de passar em um programa de fofocas.
Harry engasgou, perplexo.
- E o que eles falaram?
- Bem... eles foram bem neutros, acho – ela respondeu, pensativa – Mas tá rolando uma enquete na internet e tudo mais.
Harry ficou em silêncio, tentando se controlar: eram raros os momentos em que ele realmente detestava ser uma figura pública, mas este era um deles.
Se fosse um cara normal, ninguém estaria palpitando em sua vida, mas sendo as coisas como eram, logo metade da população mundial estaria decidindo o que seria melhor para ele ou para Gail sem sequer terem trocado uma palavra com eles.
- Que ótimo presente de aniversário – ele resmungou, esfregando com a mão livre o rosto.
Houve um breve instante de silêncio do outro lado da linha.
- É seu aniversário hoje? – perguntou, surpresa.
- É. Obrigado por isso. – ele respondeu, mal humorado; ele sabia que não era culpa dela tudo o que estava acontecendo, mas não podia evitar se sentir irritado e ela era a pessoa mais próxima para redirecionar sua irritação.
Além do mais, seu ego ainda não estava cem por cento curado da conversa que tiveram no dia anterior; ela o desprezara e agora jogava aquele monte de merda em cima da sua cabeça. Bem no dia do seu aniversário.
- Harry, eu sinto muito. Eu não sabia... Olha, eu... parabéns – ela disse, a voz fraca – Só achei que você deveria saber.
Ele bufou, observando as ruas tranquilas de Chelmsford; repentinamente, um vento frio passou por ele e teve que se abraçar para manter-se aquecido.
- Tá tudo bem, . Entrarei em contato com Hooterville e verei o que fazer – ele disse.
- Está certo. Bem... feliz aniversário. E... feliz natal – ela desejou.
- Obrigado. Feliz natal para você também – ele disse e desligou o telefone.
Ficou alguns segundos sentado quando a porta se abriu e de lá saiu Danny Jones; o moreno sentou-se ao lado dele.
- E então – ele disse, acompanhando o olhar do baterista – O que você está fazendo aqui?
- A me ligou – Harry respondeu, dando de ombros.
Danny soltou um “hum” pensativo, e depois prosseguiu.
- Lugar inadequado para um sexo por telefone – soltou.
Harry riu e deu um soco brincalhão no braço do amigo.
- Não tem nada a ver com isso. Aparentemente, a ação sobre a guarda da Gail já caiu na boca da mídia – ele respondeu, dando de ombros, sentindo-se repentinamente deprimido.
Danny considerou a questão e soltou um assovio.
- Que merda, cara – ele respondeu – E feliz aniversário.

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Harry estava ajudando a mãe a levar os pratos para a cozinha quando ela se aproximou.
- Querido, o que houve? – ela perguntou, baixinho, enquanto posicionava as pilhas de pratos dentro da pia – Você está chateado desde que voltou para dentro de casa. Algum problema?
Harry hesitou, mas logo começou a contar todos os recentes acontecimentos para Emma, que ouvia tudo de olhos arregalados, soltando algumas exclamações de surpresa em alguns momentos durante a narrativa.
- E a Gail? Como ela está lidando com isso? – quis saber.
- Ela não sabe – ele respondeu, com firmeza – E quero que continue assim.
- Bom, mas com a mídia querendo devorar todos os detalhes dessa história, como isso será possível? – ela perguntou, erguendo as sobrancelhas.
- Eu não sei, mãe, mas eu vou dar um jeito – ele respondeu.

X


A manhã do dia 24 de dezembro foi tumultuada; Harry e Danny acordaram com Emma convocando-os para ajudar a preparar a ceia natalina. Esse ano, como em todos os outros desde que Harry tinha treze anos, as famílias Judd, Dickens e Cooper passariam a data comemorativa juntas.
E, naquele ano, Emma se comprometera a organizar a festa; não achava justo ocupar a cabeça de suas amigas, após um evento tão trágico quanto o que elas foram forçadas a encarar com a morte de Claire e Charlie.
Danny estava anotando a lista de compras que Emma berrava, enquanto revirava sua dispensa; Harry, Katherine e Tom estavam polindo os talheres de prato que os Judds só usavam em ocasiões especiais.
- Harry e Katherine, quero que vocês dois vão ao mercado fazer as compras – Emma disse, pegando a lista que Danny anotara.
Katherine pegou a lista da mão de Emma e analisou-a com o cenho franzido.
- E esse garrancho? Precisamos dos Olhos Azuis aí para traduzir esses hieróglifos – ela disse, indicando Danny com um aceno de cabeça.
- Hey! – o moreno exclamou, ofendido.
Emma soltou um “shh” irritado e ficou alguns instantes em silêncio, como se fosse um general considerando a alteração de posicionamento de suas tropas durante uma guerra.
- Está certo, podem levá-lo – ela cedeu, afinal – Mas voltem antes das dez.

X


Desde que e tinham onze anos, suas famílias passavam o Natal juntas; era aquele tipo de convenção natalina que desprezava convites ou reafirmações. Simplesmente acontecia.
Por esse motivo, às onze horas, na manhã do dia 24 de dezembro, e estavam andando pelos corredores lotados do super mercado, tentando encontrar os ingredientes faltantes na lista de Jodie , a responsável pela ceia daquele ano.
- Ovos – leu – Ovos, ovos, ovos...
As duas vasculhavam a estante com os olhos, buscando pelas caixas de ovos quando acidentalmente esbarrou em alguém.
- Desculpa, eu... Jeremy?! – ela engasgou, quando se deparou com seu ex-namorado; um ano caiu bem em Jeremy Kullens.
- ! – ele sorriu, afastando-se para observá-la melhor – Você está maravilhosa.
- Ah... você também – ela respondeu cuidadosamente, mas, na verdade, aquilo era o mais puro eufemismo. O um ano separados fez maravilhas a Jeremy: seus ombros pareciam mais largos, seus cabelos cor de areia pareciam mais brilhantes e seu rosto parecia ainda mais anguloso.
rapidamente intermediou a situação.
- Compras, lembra? – ela sussurrou, segurando a amiga firmemente pelo cotovelo – Jeremy! Olha só, se não é você! – ela fingiu uma expressão de surpresa e felicidade – E então, continua fodendo sua secretária?
O homem arregalou os olhos e abriu a boca, mas de lá não saiu uma só palavra, enquanto uma , também surpresa, era empurrada pela amiga.
- Obrigada por isso – a professora sussurrou, assim que recobrou a consciência.
- Não pense nisso – a psicóloga aconselhou – Pense em trigo. Em que corredor você acha encontraremos trigo?

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desceu do táxi, pegou sua mala compacta e lançou um olhar aterrorizado para a casa de dois andares de sua avó, Grandmére Louise. Respirou fundo, segurou com firmeza a alça da mala e caminhou até a porta de entrada.
Antes que tivesse a oportunidade de tocar a campainha, a porta se abriu e Louise surgiu, recebendo a neta com um abraço apertado; a mulher era baixinha e magra, os cabelos completamente brancos estavam presos em um coque e ela usava roupas de lã para proteger-se do frio.
- Minha pequena! – ela exclamou, afastando-se para observar a neta – Você está tão magrinha! Entre, Amelie, Sophie e Cécile estão na cozinha, não param de falar em você!
“Imagino”, pensou, revirando os olhos, enquanto deixava a mala perto da escada que dava acesso ao segundo andar, onde os quartos ficavam.
Passara toda sua infância naquela casa, mas nunca se sentira em casa; algo em Vernon sempre fizera com que ela se sentisse presa.
Hesitante, entrou na cozinha; Sophie e Amelie eram suas tias e elas e sua avó eram o mais próximos de ‘mães’ que ela teve, considerando o falecimento precoce da sua quando ainda era um bebê.
- ! – exclamou Amelie, colocando-se de pé e abraçando a sobrinha – Estávamos justamente falando sobre você. Cécile, mostre à sua prima!
Cécile deu um sorriso largo, mostrando seus dentes perfeitos; os cabelos cor de trigo estavam presos em uma longa trança e os olhos azuis brilhavam com uma alegria cega.
Sem dizer uma só palavra, a mulher estendeu a mão e mostrando um anel com um diamante gigantesco reluzindo no seu dedo anelar.
- Joshua me pediu em casamento! – ela berrou, e sua mãe e sua tia comemoraram conjuntamente.
- Sério? – ergueu as sobrancelhas, indiferente – O que é que esse desastre tem a ver comigo?
As três mulheres a observaram perplexas.
- Bem – soltou Sophie – Queríamos saber quando é que você planeja se casar.
- Hoje é sexta, então... – soltou um ‘hum’ pensativo – Nunca.
Amelie aproximou-se de Cécile e colocou as duas mãos sobre os ombros de sua filha, protetora.
- Não precisa usar essa máscara de indiferença com a gente, – a mulher disse – Nós sabemos que você também sonha em encontrar o amor.
arregalou os olhos e observou as três, as sobrancelhas erguidas.
- Er... não. Não é, não – ela disse, atônita – E, de qualquer forma, eu já sou casada. Com o meu trabalho.
As três se entreolharam e, num piscar de olhos, Cécile, Sophie e Amelie estavam sentadas de novo à mesa, as cabeças juntas, sussurrando. não ouviu muito bem, mas teve a impressão de ouvir a frase “eu sempre soube que era lésbica”.
Deu de ombros e abriu o armário de bebidas, procurando por algo que fizesse aquele natal tolerável.
“Olá, Jack!”, cantarolou mentalmente.

X


Era fim de tarde e Dougie estava caminhando pelas ruas de Corrighan; estava tão frio que parecia que o vento o cortava os pedaços de pele que não estavam protegidos por qualquer peça de roupa.
Ele estava tentando arranjar bons motivos para não visitar a mansão dos , mas ele sabia que o faria – era uma tradição, desde os quinze anos, sempre que voltava para sua cidade natal, visitava a antiga casa de .
Talvez parte dele esperasse encontra-la lá, esperando por ele.
Mas aquilo era uma loucura, ele sabia que os haviam se mudado e não voltariam para a Inglaterra.
Com um suspiro vencido, começou a caminhar mais rapidamente por aquelas ruas que ele conhecia tão bem; aos poucos, a silhueta da mansão de três andares em uma das ruas mais antigas de Corrighan começou a destacar-se contra o céu acinzentado.
Dougie sentiu um formigamento atravessar seu corpo e seu estômago se contorcer, o que geralmente acontecia sempre que se aproximava da casa: era a sensação incômoda da esperança.
Finalmente chegou próximo da mansão, escondendo-se atrás dos arbustos completamente desprovidos de folhas. Espiou a casa por entre os gravetos desfolhados: as janelas estavam brilhantes, sinal que a casa estava ocupada.
Dougie sentiu o coração suspender as batidas momentaneamente: era a primeira vez em quase dez anos que havia qualquer movimentação na casa. O mais próximo de qualquer sinal de vida humana que ele encontrara fora os jardineiros, cuidando das plantações e aparando a grama.
A porta da frente abriu-se com um rangido e ele afastou-se alguns passos prudentes, mantendo os olhos azuis fixos na casa.
Uma garotinha loira, de mais ou menos oito anos, desceu correndo a pequena escada que ligava a frente da casa ao jardim frontal e começou a brincar na neve.
- Michelle, não demore – berrou uma voz feminina de dentro da casa – Você tem que tomar banho em vinte minutos, se quiser receber presentes do Papai Noel.
- Tá bom, mãe! – a menina respondeu, por cima dos ombros, depois voltou a sua atenção para a bola de neve em suas mãos. Começou a brincar de jogar a bola de uma mão para a outra quando Dougie sem querer pisou em um graveto seco e o barulho fez-se ouvir à distância.
A garotinha ergueu a cabeça e vasculhou o cenário ao seu redor com os olhos azuis claros, até que eles pararam sobre Dougie. Hesitante, ela aproximou-se, tentando discerni-lo dos arbustos desfolhados.
- Olá? – ela perguntou, aproximando-se – Tem alguém aí?
- Ahn... sim – Dougie surgiu do meio dos arbustos, encabulado – Oi.
- O que você estava fazendo aí? – a garotinha perguntou, ignorando o cumprimento, o cenho franzido.
- Eu estava... – hesitou, buscando pela palavra certa – procurando por uma amiga minha que costumava morar aí. .
Michelle manteve o semblante franzido.
- Não tem ninguém com esse nome aqui – a garotinha disse, dando de ombros – Você gosta de torta de neve?
Dougie hesitou, erguendo as sobrancelhas.
- Ahn... claro – ele respondeu, perplexo.
- Então, sente-se – a garotinha empurrou-o em direção à escada – Vou fazer uma para você.
Ainda sem entender perfeitamente a situação, Dougie obedeceu e sentou-se no último degrau, abraçando os joelhos para proteger-se do frio; quando ergueu os olhos para o teto do terraço, encontrou uma pequena lagartixa espreitando-se rapidamente em direção a uma das quinas.

X


Quase nenhum dos alunos do sétimo ano percebeu quando a professora Howler posicionou-se em frente ao quadro negro, segurando as duas mãos atrás das costas.
Ela precisou pigarrear duas vezes até conseguir controlar a sala que estava particularmente agitada, já que era o primeiro dia de aula e grande parte dos amigos foram separados por viagens e estavam colocando as novidades em dia.
- Obrigada – ela deu um sorriso doce, quando todos se calaram e sentaram-se, olhando para frente – Vim aqui apresentar a vocês – ela gesticulou e uma garota de cabelos ondulados entrou na sala, abraçada a sua mochila, parecendo envergonhada – Ela acabou de ser transferida e eu gostaria muito que vocês fossem legais com ela.
Dougie observou a garota sem muito interesse; podia dizer pelo jeito como ela se vestia e pelo fato de ter uma beleza notável que ela seria o tipo de garota que seria amiga de Paty Simons e namoradinha de Johnattan Smith.
O tipo de garota que não olharia para ele duas vezes. E, na verdade, ele preferia assim.
A garota acenou um ‘oi’ com a mão, envergonhada, e ocupou um lugar vago ao lado de Paty Simons, que imediatamente apresentou-se.
Foi mais ou menos na metade da aula de gramática que alguns alunos começaram a se agitar e Paty soltou um berro, horrorizado, apontando para alguma coisa no chão.
Era um inofensivo lagarto. Até a professora estava pálida, parecendo incapaz de continuar a aula.
Johnattan levantou-se de seu lugar com um sorriso descolado no rosto.
- Deixa que eu cuido disso – ele disse, revirando os olhos e erguendo um dos pés, como se estivesse pronto para pisar no bicho.
- Não, espera! – Dougie berrou, colocando-se de pé tão rapidamente que derrubou metade do material que estava sobre sua carteira; rapidamente ele cortou caminho até onde o réptil e o garoto estavam e abaixou-se, ficando imóvel por alguns segundos, antes de agarrar o animal em um movimento brusco.
Colocou-se de pé e todos se afastaram o máximo que conseguiam dele; algumas garotas cobriram os olhos com as mãos, espiando por frestas entre os dedos.
Ele caminhou calmamente até o corredor, parando assim que chegou a uma janela aberta, onde colocou o lagarto que rapidamente escapuliu.
Quando o garoto voltou para a sala de aula, todos o observavam com nojo; quando ele sentou-se em sua carteira, percebeu que tanto a garota que sentava à sua frente quanto a que sentava às suas costas se espremeram em seus assentos, tentando ficar o mais distante dele possível.
Dougie olhou por cima do ombro e viu Johnattan sussurrando algo no ouvido de Thomas Crown, seu melhor amigo; os dois o olhavam como se ele fosse um alienígena.
No final da aula, ele começou a recolher seu material e guardá-lo dentro da mochila, preparando-se para ir para a aula de Álgebra.
- Sai, Garoto Lagarto – a voz enojada de Paty fez-se ouvir e, revirando os olhos e sem se dar ao trabalho de olhar para a cara da garota, Dougie ajeitou a mochila nas costas e começou a caminhar em direção à porta.
Depois da aula de Algebra, ele estava guardando alguns livros no seu armário, quando ouviu alguém pigarrear às suas costas. Voltou-se pronto para mandar quem quer fosse para o inferno, mas engasgou ao perceber a garota nova parada, abraçada a um caderno, com um sorriso tímido.
- Ah... Olha, se você veio tirar sarro... – ele começou, na defensiva.
- Não! – a garota interrompeu-o, os olhos arregalados como se a ideia fosse absurda – Não, eu... Olha, prazer, meu nome é . Você é o Dougie, certo? É apelido para Douglas?
- Não. É só Dougie – ele disse, incomodado, ainda não entendendo qual era a da garota; olhou em volta, desconfiado. Depois, olhou para cima, quase como se esperasse encontrar um balde com sangue de porco pronto para ser jogado em cima dele.
Mas não tinha nada.
Voltou sua atenção para ela, confuso.
- Certo. Dougie, então – ela sorriu – Aquele negócio com o lagarto?
Ele suspendeu a respiração, esperando que ela dissesse algo como
“foi tão nojento que eu tive vontade de arrancar meus olhos fora”, mas ela deu um sorriso maroto.
- Foi a coisa mais irada que eu já vi na minha vida – ela riu – Como você
conseguiu fazer uma coisa dessas? Será que você não pode me ensinar como fazer isso, um dia desses?
Dougie arregalou os olhos, absolutamente perplexo, abriu a boca, mas antes que conseguisse responder, uma voz do fim do corredor fez-se ouvir.
- ? – Paty chamava a garota – Nós vamos para a sorveteria, você vem ou não?
- Já vou! – berrou, os olhos faiscando com divertimento – Tenho que ir, Dougie. Nós nos vemos – ela acenou um adeus e girou nos calcanhares, caminhando na direção do grupo de garotas que observava a cena com os narizes enrugados, como se estivessem sentindo um cheiro horrível.
Dougie voltou a guardar seu material no armário, mas conseguiu ouvir Simons soltar um
“o que é que você estava fazendo falando com ele?” enojado e perplexo, mas não ouviu a resposta da garota.

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- Moço? – Michelle acenou a mão na frente de Dougie, tirando-o de seu devaneio – Aqui está a sua torta.
Repentinamente, o homem sentiu-se indisposto.
- Certo. Obrigado – ele pegou o pedaço de neve esculpido na forma de um bolo – Vou comer em casa. E, Michelle? – a menina ergueu os olhos, curiosa – Não fale com estranhos, é perigoso.
Com essas palavras, ele sumiu pelo mesmo caminho que tinha aparecido.

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desceu a contragosto as escadas, estava usando uma calça jeans que emoldurava suas pernas bem torneadas e, para seu desespero, fora forçada a usar um casaco que sua avó tinha tricotado para ela, no qual seu apelido estava bordado abaixo da imagem de um boneco de neve sorridente.
Joshua, o noivo de sua prima, estava conversando com suas tias e com sua avó; sentou-se em uma poltrona perto da lareira e puxou o diário de Bridget Blossom da bolsa e voltou a lê-lo.

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“18 de junho de 1970,
Mal posso acreditar. Depois de anos, de pessoas me olhando torto, de professores duvidando da minha capacidade e de ter que me reafirmar quase todos os dias, estou me formando na faculdade.
Eu entendo que a sociedade me olhe estranho, mas eu não tenho culpa se eles não entendem que o futuro da mulher é na rua, trabalhando de igual a igual com os homens, e não em casa sendo vistas e usadas como objetos substituíveis.
Um dia, as pessoas vão entender meus esforços e minha mãe vai parar de me olhar como se eu fosse um alienígena. Seria bom se ela parasse de ficar me oferecendo homens e perguntando sobre casamento – não quero me casar.
Homens não merecem confiança, são todos uns porcos. Como o meu pai.
Por sinal, pergunte-me se ele compareceu à minha formatura”


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Abigail estava correndo pelo jardim dos Judd, enquanto brincava de guerra de bola de neve com seu avô, Oliver. Harry sentou-se segurando um copo com conhaque e Danny sentou-se ao seu lado.
- Quase natal – o vocalista sorriu – Já sabe o que vai pedir para o Papai Noel?
- É, acho que sim – ele suspirou.
- E o que seria? A professora seminua enrolada em papel de presente? – Danny riu, dando um gole do seu conhaque.
Harry riu.
- Tenho outras prioridades no momento – Harry respondeu, acompanhando Abigail correndo em círculos, gargalhando, enquanto era perseguida pelo avô – E, de qualquer forma, a já deixou bem claro que não quer nada comigo.
- Sei – Danny bufou, caçoando.
- É verdade – ele olhou em volta, para assegurar-se de que ninguém ouviria sua confissão – Eu e nos beijamos algumas vezes... desde a festa.
Danny abriu a boca para soltar alguma pérola, mas foi impedido pelo olhar do amigo.
- Só que ela terminou tudo. Algo sobre “não querer que ninguém saia machucado” – ele deu de ombros – E ela também disse que nem sabe se quer algo comigo. Eu sou um baterista rico de uma banda famosa, como ela pode não saber?
Danny riu.
- Cara, você tá caidinho por ela.
- Cala a boca e bebe seu conhaque – Harry resmungou – E eu não estou caidinho por ninguém.

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“14 de Agosto de 1977,
Eu só gostaria que o Brandon entendesse que simplesmente não posso me casar. Eu sei que ele quer ter uma família e filhos, mas eu não...
Eu tenho medo.
E se ele for como meu pai?
Não posso correr esse risco. Eu prometi a mim mesma que nunca passaria pelo o que minha mãe passou.
Acho que não tem jeito.
Tenho que terminar com ele”.


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- Acho que você não foi boa esse ano – anunciou, sentando-se ao lado de no sofá luxuoso da casa dos .
- Quê? – piscou os olhos, confusa, desviando sua atenção do “Grinch” que passava no especial de Natal – Por quê?
- Não estou vendo nenhum embrulho com mais de um e oitenta que se pareça com um baterista – a psicóloga riu, dando um gole no seu espumante – Logo, acho que Papai Noel não recebeu sua cartinha – fez uma caretinha de ‘que dó’ e deu mais um gole.
revirou os olhos, mas não pôde evitar rir.
- Eu dei um ponto final – ela disse, dando de ombros, tentando evitar aquela sensação ruim que sentia sempre que pensava no homem – Não ia dar certo e ainda temos que pensar na Gail.
- Você deu um fora no Harry Gostosão Judd? – perguntou, perplexa.
- Não. Não dei um fora, apenas disse que era melhor parar com toda a pegação – disse, envergonhada.
riu.
- E como ele lidou com a rejeição? – perguntou, interessada.
- Bem até – respondeu, pensativa – Fiquei até um pouco decepcionada.
começou a rir.
- O que foi? Qual é o problema? – perguntou, o cenho franzido.
- Nós, mulheres. Damos o pé na bunda e ficamos tristes quando eles não ficam miseráveis – ela jogou os cabelos para trás, gargalhando – Acho que somos tão racionais quanto babuínos.
fez uma careta e bebericou da sua própria taça de espumante.
- Eu não dei nenhum pé na bunda. E, certamente, não sou nenhum babuíno.

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“28 de fevereiro de 2009,
Uma menina nova se mudou para a vizinhança, o nome dela é . Olho para ela e me lembro de mim, parece um cubo de gelo, só pensa em trabalho e a quantidade de homens que aparecem rastejando por ela e que ela dispensa sem pensar duas vezes é absolutamente espantosa.
De qualquer forma, gostaria de avisá-la os perigos da vida que está levando: do sofrimento que é viver sozinha, da solidão e da depressão.
Já tentei aconselhá-la algumas vezes, mas ela sempre finge me ouvir e depois se tranca em sua casa. Acho até mesmo que está me ignorando, à toa.
Que seja, sofrerá com os próprios atos, certamente.
Espero que ela encontre alguém que derreta todo esse gelo antes que seja tarde demais”.

fechou o diário com uma careta; muita verdade jogada na sua cara em apenas alguns poucos parágrafos.
Ainda estava aconchegada na poltrona ao lado da lareira, sentindo um calor agradável emanando do fogo. Estava pronta para voltar para sua leitura quando ouviu passos na escada; ergueu os olhos para encontrar Cécile enrolada em um robe.
- Ainda acordada? – a morena perguntou, sentando-se na outra poltrona.
- Eu estava lendo – respondeu, erguendo o diário.
- Interessante esse livro?
- É um diário. E, sim, muito informativo. Descobri que provavelmente vou morrer sozinha, solitária e depressiva e meus vizinhos demorarão três dias para encontrar meu corpo.
Cécile ergue as sobrancelhas e os olhos azuis brilharam com um misto de perplexidade e diversão.
- Profundo.
- É... – ficou observando o fogo, pensativa – Muito.

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Já tinha passado da meia-noite e Harry estava sentado no sofá, lutando contra o sono – todos esses meses acordando às seis horas da manhã para levar Abigail para a escola fizeram com que ele se acostumasse a dormir muito antes da meia-noite.
Foi então que Alice Cooper e Molly Dickens sentaram-se cada uma de um lado seu.
- Olá, querido. Parece cansado – disse Alice, com um sorriso preocupado.
- Estou. Um pouco. Mas nada que uma cama não resolva – ele sorriu.
As duas mulheres trocaram olhares significativos.
- Viemos propor uma coisa – disse Molly, com um sorriso bondoso, pegando uma das mãos de Harry entre duas das suas – Sua mãe nos contou sobre o processo e sabemos que você deve estar cansado e estressado, então... por que não deixa Gail passar o resto das férias de inverno aqui em Chelmsford conosco? Assim, pode ter um tempo para você.
Harry hesitou; parte dele sabia que uma folga seria boa para ele, mas parte dele simplesmente não queria ficar sem sua afilhada.
- Eu não sei...
- Vai te fazer bem, querido – Alice sorriu – E a Gail também. Assim, quando ela voltar, você estará com as energias recarregadas. O que me diz?
Harry vasculhou a sala e encontrou Abigail adormecida no colo de Oliver Dickens que, ausente, acariciava os cabelos ruivos da neta, enquanto conversava com Emma.
- Está bem – ele concordou, ainda sentindo-se dividido.

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- Como assim, vocês viajam hoje à noite? – perguntou, perplexa, enquanto tomava mais um gole do seu café.
- Ah, querida, sinto muito se esquecemos de te avisar – Jodie disse, parecendo verdadeiramente consternada – Mas seu pai e eu estamos em um projeto “sopa para um 2011 mais solidário” e temos que passar essa semana ajudando na organização e é do outro lado do país.
revirou os olhos.
- Se não tem jeito, né? Volto para Londres depois do almoço – ela murmurou, incomodada.

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- Bom dia, tio Harry – Gail murmurou, depois de bocejar, sentando-se à mesa de café da manhã.
- Bom dia, Gail – ele sorriu, enquanto começava a preparar um leite para a afilhada – Precisamos conversar.
- O quê? Não fui eu – ela disse, séria.
Harry riu.
- Não, não tem nada a ver com nada desse gênero – ele balançou a cabeça – O que você acha de passar o resto das férias de inverno aqui, hein? Com seus avós e todo esse espaço para brincar...
- Você vai ficar também? – a garotinha perguntou, apoiando o queixo em uma das mãos.
- Não, tenho que ir trabalhar – ele disse, em tom apologético – Mas é aí que está. Aqui, você pode se divertir. Lá em Londres, você teria que ir para a Super Records todos os dias comigo.
- Eu não me importo – Abigail disse, prontamente – Eu gosto de ir lá. Tem o tio Dougie e o tio Danny e o tio Tom e a tia – ela ia acrescentando um dedo para cada pessoa que mencionava – E o tio Mike. Eu gosto de todo mundo lá.
- Mas você não tem saudade de brincar com seus avós? – ele perguntou – E aqui você também tem o Backer. E o Max, você não acha que o Max ia gostar de ficar em um lugar bem grande para brincar, só para variar?
Abigail hesitou, considerando a questão.
- É verdade – ela disse – Mas vou ficar com saudades, tio Harry.
- Eu te ligo todos os dias – ele prometeu.
- Mesmo? – ela perguntou – Promessa de dedo mindinho?
A garotinha estendeu o braço, o dedo mindinho para cima; Harry riu e rapidamente entrelaçou seu próprio dedo mindinho com o da garota.
- Promessa de dedo mindinho.

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jogou sua mala em um canto da sala e marchou até o quarto, mal humorada. Sabia que seus pais não fizeram por maldade, mas existiam poucas coisas que ela odiava mais do que se sentir desprezada.
Era o fim da tarde do dia 25 de dezembro e ela estava sozinha, em casa, enquanto a maioria das famílias normais estava preparando a janta juntos e demonstrando o quanto se amam.
Colocou seu pijama mais aconchegante, marchou até a geladeira, abriu-a e pegou um engradado de chantilly. Sentou-se no sofá e ligou a televisão, ficou zapeando até que encontrou uma maratona de episódios natalinos de séries de comédia.
Abriu a boca e esguichou uma quantidade abusiva de chantilly dentro dela. Era Natal e cinco quilos de pura gordura sem culpa era o que ela se daria de presente.

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Harry não sabia muito bem o que fazer com sua liberdade recém adquirida, por isso mesmo deixou-se levar por Danny até um pub nas proximidades.
Os dois se sentaram no balcão e começaram a conversar, enquanto o barman continuava enchendo o copo deles; depois da quinta dose de Green Label, Harry começou a sentir uma vontade familiar que há algum tempo não se manifestava.
- Merda – murmurou, observando o fundo do seu copo – Quero fumar.
Danny, num gesto dramático e exagerado, abriu seu próprio maço e tirou de dentro um único cigarro.
- Então fume, cara – ele disse, entregando-o ao amigo – Você está de férias do mundo, colega. Faça o que quiser.
Harry observou o cigarro em suas mãos, convencido; Danny escorregou o isqueiro para ele sobre o tampo da mesa e o baterista estava quase acendendo-o quando o barman pigarreou.
- Nada de fumar dentro do pub – indicou uma placa perto da entrada – Terá que sair para fumar, senhor.
- É para já. Já volto, Danny – Harry disse, escorregando para fora do banco e caminhando até a saída.
Quando saiu do pub, foi saudado por uma corrente de ar tão fria que quase o fez mudar de ideia e voltar para dentro, mas manteve-se firme.
Levou o cigarro até os lábios e lutou um pouco com o isqueiro, até conseguir fazer a chama sair pela saída. Protegendo-a do vento com a mão, Harry começou a levá-la para perto de sua boca.
vai ficar muito decepcionada com você”, uma parte de seu cérebro apontou, com veemência.
Harry hesitou, seus pensamentos não muito claros, e então ouviu a voz de Danny ecoando em sua cabeça.
“Você está de férias do mundo, colega. Faça o que quiser”.
Jogou o cigarro no chão, guardou o isqueiro de Danny no bolso da calça jeans e correu até seu carro, estacionado na esquina.

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- Você vai pagar por tudo? – o barman perguntou a Danny
.- Quê?
- Seu amigo acabou de pegar o carro e sumir – o homem disse, apontando para a parede de vidro do pub, de onde era possível ver o carro preto de Harry disparando pela rua.
- Filho da puta – rosnou Danny, dando um soco no tampo do balcão – Levou meu isqueiro.

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estava rindo da cena em que Sheldon, de The Big Bang Theory, perguntava a uma vendedora qual tipo de cesta de presentes ele deveria levar para Penny, quando alguém começou a bater na sua porta.
Perplexa, olhou para o relógio. Era quase meia-noite e ela não estava esperando por ninguém.
Não só não estava esperando por ninguém, como seu interfone não tocara, o que provavelmente queria dizer que era algum vizinho, precisando de um pouco de açúcar.
Resmungando, colocou-se de pé, bem no momento em que o visitante indesejado resolveu que seria uma boa ideia atolar o dedo na campainha. Abriu a porta bruscamente e quase teve um ataque cardíaco ao encontrar Harry Judd recostado contra a batente da sua porta, parecendo mais sexy do que da última vez que o vira.
Ela não saberia precisar, mas tinha algo a ver com o jeito que os olhos azuis brilhavam, com uma determinação desconhecida para a professora.
- Harry? – sussurrou, perplexa, observando-o como se ele fosse louco – O que foi?
- Posso entrar? – ele perguntou, sério.
hesitou, confusa, mas logo concordou com um aceno de cabeça e abriu passagem para o homem.
- Aconteceu alguma coisa com a Abigail? O que aconteceu? Você estava bebendo? – ela perguntou, surpresa, sentindo o leve odor de álcool que o corpo dele emanava.
- Abigail está bem, com os avós em Chelmsford, ficará lá até o final das férias de inverno. Não aconteceu nada. Ainda. E, sim, eu estava bebendo – ele respondeu, virando-se para ela.
franziu o cenho, confusa.
- Harry, o que você está fazendo aqui? – ela perguntou, aproximando-se, preocupada – Quer se sentar?
- Não – ele respondeu – Eu estou bem.
- Sei – ela disse, lentamente.
- Eu estava com o Danny, sabe? Danny Jones, meu amigo. E estávamos bebendo para comemorar o fato de que estou de férias e não preciso me preocupar com a Gail por uma semana. E, então, vem uma vontade louca de fumar – ele prossegue, aproximando-se de – e ele diz que eu posso fumar, porque estou de férias. E é isso o que eu vou fazer...
abriu a boca, incomodada, para lembrá-lo de seu acordo, mas ele colocou um dedo frio sobre seus lábios, pedindo que ela continuasse em silêncio.
Engolindo em seco, ela o faz.
- Então, vou para fora fumar, porque não posso fumar lá dentro. Mas estou com o cigarro na boca, o isqueiro na mão, e tudo o que eu penso é em você e em como você ficaria decepcionada comigo. E então eu percebo que eu não quero fumar. Eu quero você – ele conclui, a voz rouca.
Pouco menos de um metro divide os dois, mas para Harry parece um abismo. Ele dá um passo para a frente, mas recua a mesma distância.
- Harry... – ela solta, a voz trêmula – Você está bêbado e provavelmente vai se arrepender de tudo o que acabou de dizer. Então, por que é que você não volta para a sua casa e nós dois fingimos que não aconteceu nada?
Harry estreitou os olhos, nunca imaginou que teria que batalhar tanto para conseguir se abrir com alguém. Parecia que estava determinada a colocar todas as barreiras que conseguia encontrar entre eles.
Mas não hoje.
- – ele disse, pacientemente – Eu vou me aproximar de você e eu recomendo que você não recue nenhum passo. Pode ser?
engoliu em seco e cruzou os braços, mas concordou com um aceno de cabeça.
Ele se aproximou lentamente e algo na forma como ele a observava fez com que ela ficasse repentinamente sem ar. Ele parou tão próximo dela que ela conseguia sentir o cheiro da sua colônia e seu estômago se contraiu.
Como ele podia ter tanto efeito sobre ela sem nem ao menos tocá-la?
- Aqui – ele disse, esticando a mão e colocando afetuosamente uma mecha dos cabelos castanhos atrás da orelha – Eu não vou me arrepender do que eu disse amanhã de manhã.
ergueu os olhos e prendeu-os no de Harry; por algum motivo, sua habilidade de pensar parecia ter sido completamente drenada do seu cérebro.
- Mas a Gail... – ela soltou, atordoada.
Harry deu um sorriso e lentamente envolveu a cintura de com uma das mãos e inclinou-se, dando-lhe um beijo afetuoso na testa.
- É isso o que eu mais gosto em você – ele disse, abraçando-a e apoiando a bochecha no topo da cabeça da professora – Você está sempre pensando na Abigail – ele afastou-se e seus olhos azuis voltaram a encontrar os olhos de – Mas está na hora de você parar de usar a Gail como escudo.
- O quê?! – ela soltou, perplexa – Eu não...!
Então, ele a interrompeu, tomando os lábios da professora entre os seus; a princípio, a mulher estava hesitante, mas em segundos começou a corresponder à altura.
descruzou os braços e abraçou o homem pelo pescoço, usando uma das mãos para arranhar levemente a sua nuca.
Ofegante, Harry desvencilhou-se dos lábios da mulher e afastou-se levemente, olhando-a novamente nos olhos.
- Eu não vou te magoar, – ele sussurrou, suavemente – Eu nunca vou te magoar – ele acariciou sua bochecha com as costas de sua mão – Você acredita em mim?
sentia seus lábios inchados, suas pernas bambas e a visão fosca; mas seu interior parecia transbordar algo morno e agradável.
- Harry, me leve para o quarto – ela murmurou, colocando-se na ponta dos pés e roçando os lábios nos dele – Agora.
Ela juntou os lábios aos dele e ele sorriu, puxando-a para mais perto, enquanto aprofundava o beijo. Harry lentamente enfiou a mão fria dentro da blusa do pijama da professora e ela sentiu sua pele inteira arrepiando com a sensação dos dedos frios dele acariciando sua pele quente.
Ela ofegou e arqueou o corpo, deixando Harry apropriar-se de seu pescoço, beijando-o e mordiscando-o, enquanto caminhava a passos cegos pela sala, até que ele estava prendendo a professora entre seu corpo e a parede.
Rapidamente, ele puxou as pernas dela, incentivando-a a enlaçar sua cintura com as pernas bem torneadas e atraentes que ele tanto cobiçara naquele sábado.
E agora seriam suas.
Ele soltou um grunhido satisfeito, quando sentiu o corpo dela tão próximo do seu e voltou a beijá-la com fervor. soltou um gemido rouco contra seus lábios quando sentiu seu corpo começar a responder às carícias cada vez mais ousadas de Harry.
- Esquece o quarto – ofegou ao ouvido do homem, mordiscando-lhe o lóbulo – Pode ser no sofá mesmo.
Ele deu uma risada rouca e voltou a beijá-la, enquanto caminhava com ela pendurava nele até o sofá branco e confortável da professora; sentou-se, com ela perfeitamente aconchegada em seu colo, sem interromper o beijo por um segundo.
As roupas rapidamente desapareceram e, com um grunhido apressado e impaciente, eles se tornaram um.

“'Cause I just want you here tonight
Holding on to me so tight
What more can I do
Oh, Baby all I want for Christmas is you


Capítulo 15 – You Got Me

“Oh, I just can't get enough
How much do I need to fill me up?
It feels so good it must be love
It's everything that I've been dreaming of
I give up. I give in. I let go. Let's begin
Cuz no matter what I do
Oh (oh) my heart is filled with you”
You Got Me – Colbie Caillat


acordou um pouco depois das sete horas da manhã; estava deitada embaixo dos cobertores, usando apenas sua calcinha. Tateou a cama ao seu lado e abriu os olhos escuros, surpresa, ao perceber que estava vazia.
Imediatamente chutou os cobertores e vestiu uma blusa e uma calça de moletom.
“Ele foi embora”, uma sirene foi ativada dentro do seu cérebro, “Bom, é lógico que ele foi embora, que tipo de homem ficaria? É como minha avó sempre dizia, ninguém vai querer comprar a vaca, se pode ter o leite de graça, eu...”
Então, o barulho ensurdecedor de algo metálico caindo no chão ecoou pelo pequeno apartamento, vindo da cozinha. Com o cenho franzido, correu até a cozinha.
Lá, encontrou Harry Judd vestindo as roupas amassadas do dia anterior, com uma expressão envergonhada.
- Desculpe – ele murmurou, as bochechas coradas – Eu queria fazer um chocolate quente, mas a leiteira escapou da minha mão...
sentiu um alívio e uma felicidade tão grande ao vê-lo ali, parecendo tão grande e desengonçado no meio da sua cozinha, que sentiu que poderia flutuar.
- Está tudo bem – sorriu, recostando-se contra a batente de sua porta, tentando não parecer muito contente com a presença dele – Achei que você tinha ido embora.
Harry riu.
- Depois de ontem à noite? Você precisará de uma medida cautelar para me manter longe de você – ele disse, num tom que era ao mesmo tempo brincalhão e carinhoso
. sentiu as bochechas queimando.
- Para – ela pediu, envergonhada.
Harry puxou-a para perto, colando os corpos; passou as mãos pelos cabelos bagunçados da professora e sorriu.
- Bom dia, professora – inclinou-se e beijou-lhe de leve os lábios.
- Bom dia, Harry Judd – ela respondeu, com um sorriso abobado.
Ele observou-a por mais alguns segundos, os olhos azuis presos naqueles maravilhosos olhos .
- Como você gosta do seu chocolate quente? – ele perguntou, soltando-se dela e voltando à sua missão inicial.
- Como eu gosto dos meus homens: quentes e doces – ela respondeu, com um sorriso malicioso.
Harry gargalhou.
- É, acho que posso providenciar isso.

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Eles fizeram amor depois do café da manhã e, quando Harry disse que precisava tomar banho para ir para a Super Records, também fizeram amor no chuveiro.
sentia que seus pés mal encostavam no chão; Harry era um amante completamente diferente de como ela imaginara.
Nem mesmo em suas fantasias mais bondosas poderia imaginar um homem tão carinhoso, sexy e perfeito.
Assim que se jogou no sofá, usando um moletom confortável, o cheiro inebriante do homem assaltou-a e as memórias de tudo que aquele sofá presenciara atacaram sua mente.
Ela foi invadida por uma felicidade tão gritante, tão simplesmente fora do normal que correu para o quarto, procurando pelo seu celular.
Precisava falar com . E precisava falar com ela agora.

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estava terminando de arrumar suas coisas; voltaria para Londres no próximo ônibus, um de seus clientes teve uma crise e precisava encontrá-lo antes que cometesse alguma loucura.
- Não acredito que você já vai – Theresa murmurou, decepcionada, recostada contra a batente da porta.
- Mamãe, já conversamos sobre isso – a mulher deu uma risada, enquanto acariciava Tiesto que se debatia, tentando se soltar da dona.
- Eu sei – a mulher suspirou, sentando-se ao lado da filha, na cama – Mas é difícil, sabia? Sinto sua falta. Talvez eu marque um horário com você.
- É uma boa ideia – riu, dando uma cotovelada gentil na mãe – Para com isso, vai.
Nesse instante, o celular da psicóloga começou a tocar. As duas mulheres trocaram um olhar significativo e, segurando uma risada, pegou o celular.
- Calma, senhor Fuentes, não faça nada precipitado – disse, assim que apertou o botão “send”.
- Ahn... quê? – a voz perplexa de do outro lado da linha fez com que gargalhasse.
- , é você! – riu – Achei que fosse um paciente meu que está dando a louca em Londres. Estou voltando para Londres no próximo ônibus.
riu do outro lado da linha.
- Poxa, que divertido.
- Nem me fala...
- Eu tenho novidades – sentou-se no sofá, analisando as unhas do pé atentamente – Acho que fui uma boa garota, no fim das contas. E, querida, o Papai Noel me recompensou. E como.

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rastejou até a cozinha e jogou-se em uma das cadeiras de madeira pintada de branco; eram as mesmas desde que ela se lembrava por gente.
- Caiu da cama, foi? – perguntou Grandmére Louise, sem sequer desviar sua atenção da leiteira que estava sobre o fogão.
- Fui expulsa, isso sim – resmungou, escolhendo um dos bonecos de biscoito que sobraram da ceia na noite anterior, arrancando-lhe a cabeça com uma mordida.
- Pesadelos?
- Pesadelos.
- E posso saber que tipo de coisa pode ser tão séria a ponto de te tirar da cama?
hesitou, mas resolveu por se abrir com aquela mulher que fora como sua mãe, assumindo seu papel a partir do momento que sua mãe falecera.
Relatou toda a história, desde seu primeiro encontro com Bridget Blossom até a passagem que vira sobre ela no diário da mulher.
- Sonhei que estava velha, morando sozinha. Então, eu sinto essa dor no peito e quero berrar por ajuda, mas sei que é desnecessária. Estou sozinha, entende? E sei que estou sozinha. Vou morrer sozinha. Isso não é assustador o suficiente para você? – perguntou, dando de ombros.
- Ora, querida – a mulher aproximou-se da neta, dando-lhe um afago carinhoso nos cabelos – Você não vai morrer sozinha. É uma mulher linda e bem resolvida, encontrará...
- Eu não vou me casar, vovó – interrompeu-a, emburrada.
A mulher revirou os olhos; ali estava sua neta, que ela costumava assemelhar a uma centelha ardente, determinada e firme. Sempre fiel a si mesma.
- Bem, então, se eu fosse você, começaria a arranjar bons amigos. Ou animais de estimação – a velhinha disse, voltando-se para perto do fogão.
- Até que não é má ideia... – comentou, pensativa, dando mais uma mordida no biscoito, agora tirando do homenzinho descabeçado o braço esquerdo.

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Harry estava sentado em seu escritório, ele cantarolava “Imagine” enquanto lia o relatório do balanço financeiro da Super Records de 2010 que enviara a todos por e-mail antes de viajar para a França.
Estava lendo a parte que descrevia os custos que tiveram com a área de publicidade quando Dougie entrou em seu escritório.
- Bom dia, Hazz – o baixista desejou, soltando-se em uma de suas poltronas.
- Bom dia, Doug – ele desviou sua atenção do monitor do computador – Já voltou? Achei que fosse ficar mais um tempo por Corrighan.
- É, mas... achei que seria melhor assim – o outro deu de ombros – Muita coisa para fazer aqui, na Super Records.
A verdade é que algo de muito estranho estava acontecendo com ele; de certa forma, é como se o término com Frankie fizesse com que todas as memórias de voltassem mais fortes do que nunca.
E ver as ruas pelas quais eles costumavam andar juntos, as praças onde eles costumavam escapar para dar beijos escondidos do pai da garota e de seus amigos... era doloroso demais.
Harry observava o amigo com o cenho franzido; sabia que tinha algo de errado, mas assim que abriu a boca para expressar sua preocupação, Danny Jones entrou no escritório, parecendo possesso.
- Seu filho duma puta! – exclamou, fazendo com que tanto Harry quanto Dougie arregalassem os olhos – Você me deixou sozinho para pagar a conta no pub ontem. E ainda levou meu isqueiro!
A expressão de Dougie permaneceu surpresa, mas Harry jogou a cabeça para trás e começou a gargalhar. Depois, colocou-se de pé e vasculhou o conteúdo do bolso de sua calça jeans, seus dedos roçaram no isqueiro e ele prontamente devolveu-o ao amigo.
- Aqui está, Danny. Foi mal, eu esqueci – ele disse com um sorriso.
- Esqueceu? Como você pôde simplesmente esque... – então, Danny interrompeu-se, analisando o amigo atentamente – Você está usando a roupa de ontem, mas está de banho tomado... e esse sorriso idiota no rosto...
- Você fez sexo! – berrou Dougie, concluindo o raciocínio de Danny – Foi com ela, não foi? A ?
Harry hesitou, mas depois concordou com um aceno de cabeça.
- É, agora eu entendo como você pôde me esquecer, levar meu isqueiro e me deixar com uma conta de duzentas libras para lidar sozinho. Seu sangue foi todo drenado para o seu pinto.
Harry mostrou o dedo do meio para Danny, que prontamente ocupou a outra cadeira vaga ao lado de Dougie.
- E então? – Dougie apoiou o rosto nas duas mãos e piscou os olhos rapidamente e fez uma voz afeminada – Conte-nos tudo.
- Ah, qual é, gente. Nós não estamos mais na sexta série! – o baterista resmungou, contrariado.
- Achei que já tivéssemos tido essa discussão – a voz de Tom fez-se ouvir da porta do escritório e, com um sorriso que fazia com que a covinha se destacasse, o homem entrou e sentou-se no apoio de mão da cadeira de Dougie – E então, o que é que aconteceu?
- O Harry transou com a professorinha – Dougie e Danny responderam juntos.
Tom gargalhou.
- Até que enfim! Como foi, conte-nos mais! – pediu o loiro.
Harry revirou os olhos.
- Isso é estúpido – disse, em tom decisivo – Vocês são estúpidos.
- Você foi à casa dela, certo? – Dougie perguntou, mudando de tática.
- É – Harry respondeu a contragosto.
- E como ela atendeu a porta? Pelada, de calcinha e sutiã, só de calcinha, só de sutiã, com uma baby-doll sexy, uma camisola transparente...? – Danny interrompeu-se quando percebeu o olhar perplexo dos outros três homens sobre ele – Qual é, quero só mais alguns detalhes para conseguir imaginar a cena melhor. Na minha cabeça.
Harry hesitou, ainda olhando estranhamente para o amigo.
- Ela estava usando um pijama normal – respondeu, afinal.
E assim prosseguiram o interrogatório, até conseguirem uma boa noção do que tinha acontecido na noite anterior.
- Mas agora vocês estão, tipo... juntos? – quis saber Tom, interessado.
Harry hesitou, considerando a questão; por mais que gostasse de sua liberdade de solteiro, não podia negar que queria ter por perto, poder beijá-la, abraçá-la, sentir seu cheiro, sentir seu corpo se movendo sob o dele, ouvir seus gemidos roucos e sua risada sexy.
E certamente não queria que nenhum outro homem tivesse o direito de ter esses mesmos luxos que ele estava tendo; já tivera relacionamentos abertos durante a sua vida, mas a mera ideia de um homem tocando a professora já era o suficiente para fazer seu sangue ferver.
Nada de brincar de meio-termo, como ela mesma dissera.
De certa forma, ele sabia que quando tomasse a iniciativa de tomá-la nos braços e beijá-la, não teria mais volta. Nem ele queria que tivesse, àquela altura.
- É. Nós estamos tipo juntos – Harry sorriu.

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chegou em Londres pouco depois do horário do almoço; guardou as roupas que estavam em sua mala e tomou um longo banho. Arrumou-se e pegou a chave do carro, pronta para ir para a Super Records.
Entretanto, assim que pisou fora de casa, seus olhos foram atraídos para a casa abandonada ao lado da sua, a residência que Bridget Blossom ocupava antes de falecer.
Fechou os olhos, sentindo um arrepio; o pensamento de que fora ser tão dedicada ao trabalho que fizera com que a senhora Blossom morresse solitária e sozinha cruzou sua mente.
Suspirando, entrou no carro, mas seu destino já não era mais o mesmo.

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estava sentada no sofá da sala de esperas do consultório de há quase vinte minutos quando a porta finalmente se abriu e saiu, acompanhada por um senhor meio gorducho, com uma expressão consternada.
- Então, senhor Fuentes, lembre-se: conte até vinte e então se pergunte se vale à pena espancar o caixa do supermercado, está bem?
- Ele estava muito lento, não foi minha culpa... – o homem dizia, inconformado – Quem demora cinco minutos para contar moedas? Quem?
A psicóloga trocou mais algumas palavras com o homem e, depois que ele sumiu pelo corredor, voltou-se para a amiga parecendo exausta.
- Preciso de um cupcake – ela disse.
- Ótimo! – riu – Vamos naquela confeitaria aqui embaixo – sugeriu.
As duas desceram o elevador juntas, conversando; dava detalhes da noite anterior, enquanto se abanava, brincalhona, e soltava comentários divertidos no meio da narração da amiga.
Pararam perplexas quando perceberam que a pequena lojinha ao lado da entrada para o prédio comercial onde o consultório de era estava com alguns andaimes que não permitiam a visão do que estava lá dentro.
- Frank, o Cup Cake Factory fechou? – perguntou, perplexa, para o porteiro.
- Acho que sim – o homem respondeu, dando de ombros – Mas tem uma outra, dois quarteirões para baixo.
As duas se entreolharam e deram de ombros, começando a caminhar juntas, voltando a conversar sobre os eventos da noite anterior.

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foi guiada pelo GPS até o petshop mais próximo de sua casa; estacionou o carro e pegou sua bolsa. Estava esperando para atravessar a rua, quando ouviu seu nome sendo berrado.
Olhou por cima dos ombros e conseguiu identificar a professora de Abigail, , acompanhada pela psicóloga da garota, .
- , oi! – sorriu, puxando para perto – Essa aqui é...
- A doutora interrompeu-a, apertando a mão da psicóloga – Eu sei.
Houve um breve silêncio desconfortável.
- Então... o que você está fazendo aqui? – perguntou, afinal.
- Eu preciso comprar um animal de estimação – ela respondeu.
- Isso é muito legal! – sorriu – O que você quer, um gato, um cachorro, um canário...?
franziu o cenho; tinha se esquecido desse pequeno detalhe.
- Não sei, qual deles vai saber avisar a vizinhança se eu tiver morrido? – ela perguntou, casualmente, começando a vasculhar sua bolsa atrás dos seus óculos escuros.
e se entreolharam, perplexas.
- Ahn... eu não sei – respondeu, hesitante. Depois, balançou a cabeça; estava tão acostumada com pessoas loucas falando coisas sem sentido que não se demorou muito com a pergunta de – Vamos comer cupcakes, quer ir com a gente?
Instintivamente, abriu a boca para recusar o convite, mas então a voz de sua avó ecoou em sua mente.
“Bem, então, se eu fosse você, começaria a arranjar bons amigos. Ou animais de estimação”.
Se conseguisse os dois, então suas chances de ter uma morte solitária e completamente indigna seriam bem diminutas, certo?
- Claro – sorriu – Por que não?

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Harry entrou no escritório de Simmas Hooterville às duas horas em ponto; enquanto almoçava, recebeu uma ligação do advogado, pedindo que ele fosse até o escritório para que eles pudessem montar a contestação juntos.
Encontrou Simmas sentado atrás de seu computador, digitando avidamente; ele sorriu para o baterista, colocou-se de pé e cumprimentou-o com um aperto de mão firme.
- Boa tarde, senhor Judd. Como passou o Natal?
- Muito bem, doutor. E o senhor? – ele perguntou, sentando-se.
- Igualmente. E a pequena Abigail?
- Passando o restinho das férias de inverno com os avós, em Chelmsford. Vou buscá-la no Ano Novo – sorriu, esfregando as mãos uma na outra; o escritório do advogado estava um pouco frio – E então, do que o senhor precisa?
Simmas sorriu e moveu o monitor do seu computador, de forma que Harry pudesse ver a tela; um documento do word estava aberto.
- Trabalhei na sua contestação, ela já está completa – ele explicou – Mas eu gostaria que o senhor lesse e me falasse se tem algo que gostaria de acrescentar.

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Cada uma das mulheres tinha dois cupcakes em sua frente; apenas observava a dinâmica entre e . Depois de vinte minutos, percebeu o silêncio da executiva.
- Sentimos muito, , nós estamos te entediando? – ela perguntou, realmente preocupada.
- Ah. Não, na verdade, isso está sento muito instrutivo – a outra respondeu, dando mais uma mordida em seu cupcake de chocolate com avelã.
e trocaram olhares confusos.
- O que você quer dizer com isso? – perguntou a psicóloga.
hesitou, então deu de ombros e resolveu lidar com isso como lidava com todas as demais coisas na sua vida: de forma prática e profissional.
- Eu tenho uma proposta para fazer a vocês duas – ela disse, cruzando os braços e recostando-se na cadeira da confeitaria.
- Proposta? – ecoou, surpresa – Que tipo de proposta?
- Vocês viram minhas amigas e eu pago todas as nossas saídas – a mulher disse, com simplicidade
.- Como é que é? – perguntou , engasgando com a própria saliva.
- Me parece um conceito muito simples, vocês se tornam minhas amigas e em troca, eu pago as coisas. Por exemplo, os cupcakes. Eu pago os cupcakes – ergueu um dos bolinhos para ilustrar seu argumento.
- Mas... por quê? – perguntou, surpresa.
- Bem, eu tenho essa vizinha velha. Tinha essa vizinha velha. Ela era sozinha, sem marido, sem filhos, sem amigos. Sem animais de estimação. Ela morreu e só encontraram o corpo dela três dias depois explicou – Eu não vou arranjar um marido, então preciso dos outros dois.
- Mas você não tem amigos? Tipo, nenhum? – perguntou, surpresa.
hesitou, sentindo-se encurralada; sua vida inteira nunca se importou em ter pessoas por perto, mas agora, vendo as duas mulheres observando-a como se ela fosse de outro planeta, sentiu-se envergonhada desse fato.
- As garotas nunca gostaram de mim e os homens sempre gostaram demais de mim – ela deu de ombros – Então... sempre achei que estaria melhor sozinha.
e se entreolharam, surpresas. Aquilo não era algo que esperassem ouvir de uma mulher atraente e aparentemente bem resolvida como .
- Quer saber? – disse, dando um sorriso – Acho que podemos ser suas amigas de graça.

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Quando Simmas finalmente salvou a última versão da contestação, os dois relaxaram nas cadeiras. Harry nunca achou que fosse tão exaustivo fazer um documento, mas gostou do fato de Hooterville permitir que ele ajudasse na criação.
- Muito obrigado novamente, doutor – Harry disse, enquanto vestia o terno e preparava-se para sair.
- Um prazer, senhor Judd – o advogado colocou-se de pé e estendeu a mão em sua direção – Tem mantido a Abigail longe das televisões?
Harry franziu o cenho, analisando as palavras do homem.
- Então você também viu? – perguntou o baterista.
- Acho que toda a Inglaterra sabe a essa altura – o homem disse, inclinando a cabeça.
- E então? – Harry perguntou, inseguro do que isso significaria para o caso.
Simmas considerou a questão e deu de ombros.
- Tecnicamente? Não faz a menor diferença. Trata-se de direito de família e quem decide é um juiz, não um júri. Mas é sempre bom ter a imprensa do seu lado, ajuda aqui – disse, apontando para a própria cabeça – Mas se eles não estiverem, não esquente. Nós sabemos qual é o lado correto dessa briga.
As palavras do homem acalmaram Harry que sorriu, aliviado.
- Boa tarde, doutor.
- Boa tarde, senhor Judd.

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- E esse cachorrinho, o que acha dele? – perguntou , pegando um filhote de cocker hiperativo que prontamente começou a lamber seu rosto – Ele diz ‘sou fofo, estou pronto para te encher de carinhos e ser seu melhor amigo’!
observou a cena horrorizada.
- Não, obrigada. Não tem algo que não precise de muita atenção, não encoste sua língua nojenta em mim, mas ainda assim possa chamar meus vizinhos se alguma coisa acontecer comigo?
engasgou, perplexa.
- Escute, , por que é que você não escolhe um gato, então? – sugeriu , escolhendo um filhote laranja de olhos verdes que soltou um miado baixinho – Eles são independentes e, ainda assim, você não vai se sentir sozinha em casa.
observou o felino atentamente e finalmente pegou-o em suas mãos, trazendo-o para perto do corpo, pensativa. Então, tentou afastá-lo e percebeu que o bichinho fincara as garras em sua blusa.
- – ela disse, lentamente, como se quisesse acreditar que aquilo não estava acontecendo – O que é que essa coisa laranja está fazendo com a minha blusa de 150 libras?
- Ahn... isso acontece às vezes. Bastante até – ela engasgou – Mas eles são...
- Não, obrigada – ela devolveu o gato para a psicóloga – Não quero nada que destrua minhas roupas.
- Mas, , olha para ele – argumentou, erguendo o gatinho de forma que ele ficasse com o fucinho a apenas alguns centímetros do nariz de .
A executiva recuou alguns passos, o nariz enrugado. Foi então que esbarrou em algo e virou-se para ver o que era: uma bancada gigantesca, repleta de aquários com os mais diversos tipos de peixes.
- Olhem para isso disse, maravilhada, os olhos brilhando.
e se entreolharam, confusas.
- Mas, , olha para esse gatinho! Ele diz ‘vou te dar todo o espaço que você precisa e é só você guardar bem suas roupas caras, não deixar nada espalhado e trancar bem o armário que prometo não dar muitos prejuízos’ – disse, ainda com o gatinho em mãos.
- É – concordou a executiva, distraída, enquanto seus olhos seguiam um peixe dourado que nadava entre diversos outros – Mas esse diz ‘oi, meu nome é irrelevante, não vou te dar trabalho nem prejuízo e ainda combino com a decoração da sua sala’ – voltou-se para a atendente mais próxima – Vou levá-lo.
revirou os olhos e devolveu o gato com pesar para o local onde ele estava com outros filhotes.
- Espero que ela seja vizinha do Aquaman – comentou, mordaz, para que riu do comentário da amiga.
Nesse momento, o celular da professora começou a tocar, ela prontamente olhou e era uma mensagem de Harry. Deu um sorrisinho bobo e abriu-a:
“Queijo e vinho na minha casa hoje? Eu te busco. Traga uma troca de roupas, não garanto te deixar voltar para casa ;)”

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Harry sentou na sua poltrona, no escritório, quando a resposta de chegou em seu celular.
“Pode deixar. HAHAHA”.
Ele não pôde evitar o sorriso que se formou no seu rosto.

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estava observando enrolada em sua toalha, os cabelos molhados colados na nuca e os olhos analisando atentamente o conteúdo do seu armário; o que deveria usar para o vinho e queijo na casa de Harry?
Metade dela sentia-se uma idiota por estar há quase dez minutos considerando a descartando roupas como uma garota de quinze anos, enquanto a outra metade simplesmente insistia que aquilo era caso de vida ou morte.
Arriscou um olhar para o rádio relógio no criado mudo, ao lado de sua cama e soltou um grunhido agoniado ao perceber que faltava menos de vinte minutos até o horário que Harry marcou passar para buscá-la.
Rapidamente, enfiou um conjunto de calcinha e sutiã verde e rendado, por cima vestiu uma calça jeans simples, uma blusa e um casaco por cima.
Secou os cabelos e quando se observou no espelho do banheiro, teve vontade de rir: não acreditava que ficara minutos sem fim tentando escolher uma roupa bonita para terminar vestida como uma solteirona desencanada.
Considerou tirar a roupa e vestir qualquer outra coisa, mas seu celular começou a tocar, avisando-a que seu tempo acabara. Rapidamente enfiara seus pés, que já estavam envolvidos por meias fofas de lã, dentro das botas mais próximas, agarrou sua mochila e atendeu o celular, já correndo em direção à porta do seu apartamento.

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A primeira coisa que Harry percebeu quando correu em direção ao carro era o fato de que ela estava vestida como se fosse dar uma volta no mercado e não sair para um encontro e achou isso adorável.
A professora entrou no carro rapidamente e fechou a porta logo em seguida, como se quisesse se certificar de que o frio congelante daquele final de dezembro ficaria do lado de fora.
Essa foi outra coisa que ele achou adorável.
prontamente afivelou o cinto e, abraçada à sua mochila, ergueu os olhos para encará-lo e sorriu; ele adorou o jeito como aquele sorriso simples alcançara os olhos e fizeram com que eles brilhassem.
- Oi – ela disse, parecendo repentinamente tímida.
- Oi – ele respondeu, com um sorriso relaxado; estendeu a mão e tocou as bochechas frias da mulher, coradas em razão do vento frio. Os dois se observaram por alguns segundos e então ele se inclinou, beijando-a com suavidade.
Quando ele se afastou, entreabriu os lábios, parecendo hipnotizada.
- Não acredito que perdemos mais de um mês das nossas vidas nos cumprimentando de qualquer outra forma que não seja essa – ela murmurou, divertida.
Harry gargalhou, concordando com a cabeça, e ligou o carro.
- Estive com Simmas Hooterville hoje, o advogado – o homem comentou, casualmente, enquanto parava o carro em razão de um sinal vermelho – Terminamos a contestação.
observou o perfil de Harry atentamente; podia perceber que, apesar do tom de voz tranquilo, a linha de seu maxilar estava tensa, entregando sua preocupação.
Ela estendeu a mão e passou os dedos pelos cabelos escuros e curtos do baterista, chamando a atenção dele para ela.
- Vai ficar tudo bem – assegurou-o com uma voz calma e firme.
Ele se perdeu dentro daqueles olhos por alguns segundos.
- Eu sei que vai – ele respondeu.
Uma buzina impaciente do carro de trás lembrou-o de que o sinal já estava verde.

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estava sentada com pernas de índio no sofá da sua sala; seu notebook estava posicionado em seu colo e um pequeno aquário com um peixe dourado estava na mesinha ao seu lado.
- Aqui está, Dourado. Aparentemente, eu só posso te dar comida uma vez por dia ou se não você pode morrer de comer. Sabe por quê? Porque os peixes têm uma memória a curto prazo de apenas cinco segundos. Interessante, não é? É como se você tivesse Alzheimer – ela desviou os olhos da tela do computador e observou o peixe que nadava em círculos, rapidamente – Acho que se eu morrer você vai se preocupar por cinco segundos e depois esquecer de mim.
O peixe continuou nadando, alheio às palavras de sua dona.
- Droga – a executiva resmungou, fechando seu notebook e ligando a TV da sala, procurando por algo que valesse a pena assistir – Eu devia ter comprado o gato.

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Sobre a mesa de centro da sala de jantar de Harry, havia duas taças de vinho e uma tábua de madeira com diversos tipos de queijo já pela metade. No sofá, os dois estavam abraçados com uma manta cobrindo os corpos nus.
Harry estreitou os braços em torno de que soltou um murmúrio, aprovando sentir o corpo firme e quente do homem mais próximo do seu.
- Eu me pergunto – ele murmurou, mordendo-lhe de leve o ombro direito e fazendo com que ela sorrisse – qual é o nosso problema com sofás.
riu, movendo-se desajeitadamente no sofá até que se virasse ficando de frente para Harry; os dois se entreolharam por alguns instantes antes que ela o beijasse novamente.
- Acho que somos ansiosos demais para chegar até o quarto – ela opinou, assim que conseguiu separar seus lábios dos dele.
- É – ele considerou, movendo-se novamente e encaixando em cima dele, de forma que agora ele estava deitado sob o peso da professora – É uma boa explicação.
fechou os olhos e repousou a cabeça no espaço entre o pescoço e o ombro de Harry, aproveitando as carícias que este fazia em seus cabelos, distraído.
- Conte-me sobre o seu dia – ele pediu, sua voz saindo como um sussurro rouco ao pé do ouvido da professora.
sorriu e esforçou-se para manter os olhos abertos; alguma coisa na mistura de vinho, com o sexo que acabara de compartilhar com Harry e agora o cafuné faziam com que ficasse extremamente sonolenta.
- Meu dia foi ótimo – disse, erguendo-se de forma que pudesse encará-lo diretamente nos olhos – Acordei com um homem gostoso fazendo café da manhã para mim... – começou, divertida, fazendo Harry rir – E depois fui almoçar com a minha melhor amiga. Aliás! – ela jogou a cabeça para trás e gargalhou – Você nunca vai adivinhar o que aconteceu hoje!
Harry inclinou a cabeça, genuinamente curioso.
- O que aconteceu hoje?
- Eu e a encontramos com a , por acaso! Convidamos ela para comer cupcakes com a gente e ela estava super estranha.
- Esse é o normal dela – Harry interrompeu-a – é a profissional mais competente que existe na face da Terra, mas ela é o ser humano mais disfuncional que eu já tive o prazer de conhecer.
riu.
- Ela fez uma proposta de amizade – ela disse, erguendo as sobrancelhas.
Harry franziu o cenho.
- Uma o quê?
- É – sentou-se no sofá, sentindo-se repentinamente mais desperta; enrolou-se na manta para ocultar seu corpo nu – Ela está estranha. Acho que tem a ver com a vizinha dela que faleceu e demoraram três dias para descobrir.
- Não estou entendendo – Harry disse, enchendo as duas taças com a garrafa de vinho que estava ao pé da mesa, dentro de um balde. Pegou um para si e entregou o outro para a mulher que agradeceu com um aceno de cabeça e deu mais um gole.
- Acho que ela está com medo de morrer sozinha, então quer amigos e um animal de estimação.
- Animal de estimação – Harry ecoou – É, acho que agora ela pirou de vez. E ela comprou um animal de estimação?
concordou, com um aceno de cabeça.
- Comprou. Um peixe dourado.
- Mas como isso vai fazer ela se sentir menos sozinha, ou sei lá?
- Não sei. Mas sei que ele combina com a decoração da sala dela, isso deve valer alguma coisa – riu, dando mais um gole do seu vinho e aproximando-se de Harry. Nesse momento, o celular do homem começou a tocar.
Ele estendeu a mão e viu o nome de sua mãe; atendeu, sabia quem era.
- Olá, Gail – ele disse, carinhoso.
- Oi, tio Harry! – a menininha berrou, do outro lado da linha – Como estão as coisas por aí?
- Está tudo ótimo – ele disse, sorrindo enquanto observava cortar um pedaço de queijo e levá-lo aos lábios, distraída – E por aí?
- Tudo bem também, o Max está com saudades de você. Ele me disse.
Harry riu.
- É? Bem, diga ao Max que estou com saudades dele. Sabe de quem mais estou com saudades? – ele perguntou.
- De mim? – Abigail sugeriu, rindo.
- Acertou! E você, não está com saudades de mim?
Abigail deu uma risada alegre do outro lado da linha.
- Claro que estou! Estou com saudades de todos vocês, da professora , do tio Dougie, do tio Danny, do tio Tom e da tia . Você pode falar para eles que estou com saudades quando vê-los?
- Pode deixar – ele sorriu, sentindo seu coração se apertar; não percebera o quanto sentia falta de sua pequena até ouvir sua voz – Está se comportando?
- Sim.
- Obedecendo o vovô e a vovó?
- Sim.
- Almoçando e jantando direitinho?
Abigail gargalhou do outro lado da linha.
- Você está engraçado – ela comentou – Tio Harry, preciso desligar, o vovô Oliver está me chamando para jogar Can-Can com ele! Boa noite!
- Boa noite, Gail. Eu te amo.
- Eu amo você também – ela respondeu com displicência – Tchau.
A linha ficou muda; Harry deixou o celular sobre a mesa de centro.
- Abigail está com saudades de você – ele informou à professora, puxando-a para mais perto e beijando-lhe o pescoço, fazendo um caminho até chegar aos lábios com gosto de vinho da mulher – Acho que estou começando a ficar com saudades suas também – ele murmurou, entre os beijos.
sorriu, deixando a taça de vinho no chão ao lado do sofá e passando os braços em volta do pescoço do homem, puxando-se ainda para mais perto, até que seus corpos estivessem completamente grudados.
- Eu tenho uma ótima sugestão de como matá-la... – ela sussurrou em seu ouvido e depois mordeu-lhe de leve o nódulo da orelha.
Harry sentiu o corpo todo estremecer e reagir às provocações da mulher; com uma risada rouca e sexy ele sentou-se, encaixando as pernas da professora em volta de sua cintura.
- O que você está fazendo? – perguntou, ofegante, enquanto sentia os lábios dele explorando seu pescoço novamente e voltando-se para baixo.
- Vou levar você para o quarto – ele disse, colocando-se de pé; nunca imaginou que ele teria tanta facilidade para transportá-la da sala até o quarto e riu o caminho inteiro.
Quando ele finalmente jogou-a na cama, a primeira coisa que sentiu foram os lençóis frios contra a sua pele quente.
A segunda foi o corpo quente de Harry sobre o seu, seus lábios se buscando com selvageria, enquanto suas mãos experientes exploravam seu corpo trêmulo.

X


Quando Harry acordou na manhã seguinte, estava sozinho em sua cama; nada ali entregava a presença de , a não ser pelo cheiro dela impregnado em seus travesseiros.
Chutou os lençóis, vestiu uma cueca boxer e escolheu a primeira calça jeans que encontrou; saiu do quarto e foi até a cozinha.
Lá, encontrou usando apenas a camisa que ele usara na noite anterior; ele era consideravelmente maior do que ela, o que fazia com que a peça de roupa servisse na professora como um vestido que acabava no meio de suas coxas.
Sorriu e recostou-se na batente, em silêncio, enquanto observava a mulher espremendo laranja para preparar um suco natural para o café da manhã.
jogou o bagaço da laranja no lixo e ergueu os olhos, finalmente percebendo a presença do homem.
- Bom dia – ela desejou, com um sorriso, voltando a espremer laranjas.
- Bom dia – ele respondeu, aproximando-se – O que está fazendo?
- Café da manhã – ela deu de ombros, virando-se para ele e permitindo que ele lhe desse um beijo de bom dia – Você preparou para mim, quando dormiu em casa. Estou retribuindo o favor.
Harry puxou-a para mais perto e beijou-a novamente. Os dois ficaram se observando por alguns instantes e sentiu que estava flutuando.
- Quer ajuda? – ele disse, finalmente, usando uma das mãos para ajeitar os cabelos da professora.
- Eu adoraria – ela respondeu.

X


- Bom dia, Dourado – disse , deixando sua bolsa apressada em cima da mesa de centro da sala e correndo até um dos armários da cozinha; tirou de lá o pequeno frasco com comida de peixe e despejou um pouco na água.
Observou o peixe nadar até a superfície e começar a abocanhar a comida.
- Cuide da casa enquanto estou fora – ela ordenou, batendo de leve com a chave do carro no aquário e pegando sua bolsa novamente.

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Harry e estavam sentados à mesa de jantar, comendo; Harry estava se deliciando com uma torrada com manteiga e um copo de suco, enquanto a mulher estava sentada, tomando suco e lendo o jornal, com as duas pernas esticadas no colo do homem.
- Nunca cheguei a te perguntar – Harry soltou, depois de dar mais um gole no seu suco – Por que voltou mais cedo de Worthing?
franziu o cenho, pega de surpresa pela pergunta; então, arregalou os olhos, entendendo a que ele se referia.
- Ah, sim. Meus pais têm um projeto beneficente para o final do ano e eu fiquei de lado – ela revirou os olhos, dando de ombros – Mas fico feliz por isso.
Harry começou a massagear um dos pés da mulher, distraído, enquanto mergulhava naqueles olhos .
- Eu também – ele disse, inclinando a cabeça – Então, você está livre no Ano Novo.
- Sim – ela disse, dando mais um gole em seu suco – Por quê?
- O que acha de passar o Ano Novo comigo em Chelmsford?

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- E o que você disse? – perguntou , ansiosa, enquanto entregava o dinheiro para a caixa da padaria.
- O que mais eu poderia dizer? – perguntou, do outro lado da linha, parecendo ao mesmo tempo constrangida e exultante – Eu disse que sim, mas estou morrendo de preocupação. Estou feliz que as coisas estejam indo tão bem, mas...
- Você se preocupa demais – opinou , guardando o troco que a mulher do caixa lhe estendeu e saindo da padaria – Deixe estar. Vocês estão tão lindos juntos! Quem diria que o rock star seria um verdadeiro príncipe encantado, hein?
suspirou do outro lado da linha.
- Eu sei, eu sei. Tá bom demais para ser verdade.
- Para com isso, ! – riu a psicóloga do outro lado da linha – É verdade e tá maravilhoso. Só isso conta.
- É... Acho que você está certa.

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- Como vai o Dourado? – Harry perguntou, enfiando a cabeça no escritório de que ergueu os olhos, perplexa – me contou – ele disse, rindo, quando percebeu a confusão da mulher.
- Ah – deu de ombros – Ele vai bem. Fica nadando em círculos e comendo. Você sabia que peixes têm uma memória de só cinco segundos?
- Eu não sabia de quantos segundos eram – Harry disse, sentando-se em uma das cadeiras livres à sua frente – Mas sabia que era pouco, por quê?
- Acho que se acontecer alguma coisa comigo, ele não vai nem perceber – murmurou, infeliz – E eu gastei quase cinquenta libras naquela... coisa.
Harry riu.
- E esse seu medo de morrer sozinha, huh?
olhou-o, incomodada.
Não sabia que amigas tinham o direito de sair por aí espalhando detalhes pessoais das vidas uma das outras para desconhecidos.
Teria que perguntar às garotas depois, anotou mentalmente.
- Não é de morrer sozinha que eu tenho medo – ela retrucou – É das pessoas demorarem três dias inteiros para descobrir isso.
- Aí você comprou um peixe – Harry concluiu, erguendo as sobrancelhas, de forma meio cínica.
revirou os olhos.
- Temos que começar de algum lugar, né? Cachorros lambem sua cara, o que é nojento, gatos destroem suas roupas, peixes...
- ...combinam com o seu sofá – ele terminou por ela, gargalhando.
“Eu vou matar a , decidiu.
- Olha, Judd, por mais que eu aprecie você vir aqui no meu escritório às dez horas da manhã para encher o saco sobre a minha mais recente aquisição – ela disse, cruzando os braços e lançando-lhe um olhar duro – Eu tenho que trabalhar e, até onde eu sei, você também. Então, que tal...? – gesticulou em direção à porta do escritório.
Harry ergueu as mãos, com as palmas viradas para frente, como quem se desculpa e levantou-se da cadeira; assim que ele deu as costas para ela, lembrou-se de algo.
- Harry, espere – ele se voltou para ela, com uma expressão confusa, enquanto ela revirava o conteúdo do interior de sua bolsa e tirou de lá de dentro um embrulho – É o meu presente de Natal. Para Gail. Diga para ela que o Papai Noel entregou na minha casa, sem querer.
Harry riu, comovido; nunca esperou um ato desses de e, agora que ela o tinha feito, encaixava-se perfeitamente com a atitude da mulher em relação à sua afilhada.
- Pode deixar, – ele disse com um sorriso.
- Obrigada – ela sorriu de volta e, logo depois, fechou a cara – Agora vaza.

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Por muita coincidência, Harry encontrou todos os seus amigos sentados no escritório de Tom, conversando.
- Bom dia. O que houve? – o moreno perguntou, recostando-se contra a batente da porta, já que todas as cadeiras estavam ocupadas pelos outros três integrantes do McFLY.
- Nada. As coisas estão meio paradas nesse final de ano – Danny deu de ombros, recostando-se na cadeira – Estamos combinando alguma coisa para hoje à noite.
- Sério? Tipo o quê? – Harry questionou, interessado.
- Japonês! – Tom respondeu, animado – Vamos sair para jantar! Por que você não vem e traz a junto?
- Você pode chamar aquela amiga dela, a psicóloga, se quiser também! – Danny adicionou, com um sorriso maroto.
Harry ia responder, quando berros começaram a ser ouvidos no corredor e o som de saltos altos batendo contra o chão rapidamente; segundos depois, surgia ao lado do baterista, ofegante, apoiando-se nele para recuperar o fôlego.
- O pessoal do Paul McCartney ligou – disse, a voz saindo em baforadas de ar – Eles querem saber se temos horário livre hoje para discutir os detalhes do projeto social!

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Elizabeth Raymond e Howard Noman chegaram à Super Records pontualmente às duas horas da tarde e, imediatamente, foram guiados por uma das recepcionistas até a sala de reunião.
Segundos depois, entraram Harry, Danny, Dougie, Tom e , com expressões sérias e profissionais no rosto. Todos se cumprimentaram com apertos de mãos firmes e se apresentaram rapidamente.
- O senhor McCartney se desculpa pela sua ausência – disse Lizzie, sentando-se em uma das cadeiras estofadas de couro e vasculhava o conteúdo de sua pasta de couro – Mas ele está resolvendo alguns problemas pessoais e não pôde comparecer.
- Não há problemas – garantiu Tom, sentado entre e Danny – Já tivemos o prazer de conversar com ele da primeira vez e aquele encontro já foi extremamente instrutivo.
Howard deu um sorriso tranquilo.
- Mas esse não é o único motivo da ausência de McCartney – esclareceu o homem – Nós sabemos que Paul é muito persuasivo e que raramente qualquer pessoa lhe diria “não”. Esse é um dos motivos porque ele não está aqui hoje, muitas pessoas com quem Paul conversou aceitaram na hora, sem pensar duas vezes, mas elas não ponderaram exatamente no que implica aceitar uma responsabilidade como essa.
Todos os presentes ali sabiam exatamente o que Noman queria dizer; estar frente a frente com Paul McCartney tinha um quê de hipnose. E também era bem verdade que negar um pedido de um dos dois Beattles que ainda estavam vivos era quase tão grosseiro quanto arrotar na frente da rainha.
Ou transar no confessionário de uma Igreja.
- Nós entendemos perfeitamente o que vocês querem dizer, senhores – Dougie respondeu – E acho que falo por todos nós quando digo que estando Paul McCartney aqui ou não, mantemos nossa posição.
Todos os outros integrantes da banda e concordaram com um aceno de cabeça; Elizabeth e Howard sorriram, satisfeitos, e entregaram a cada um deles uma cópia do contrato que haviam padronizado para as instituições sociais.
Passaram as duas horas seguintes discutindo cláusulas e detalhes, até que a reunião se aproximou do fim.
- Vocês já pensaram onde querem fazer a sede de vocês? – perguntou Elizabeth, satisfeita, enquanto começava a arrumar suas papeladas e guardá-las em sua bolsa.
- Ainda não – Tom respondeu, franzindo o cenho.
- Não se preocupem com isso ainda, são diversos detalhes menores, mas igualmente essenciais, que acredito que devem ser debatidos entre vocês - Howard disse, colocando-se de pé – Apenas pedimos uma resposta o mais brevemente possível.
- Teremos uma resposta até o final dessa semana – garantiu Harry, apertando a mão de Elizabeth e depois a de Howard.
- Isso – concordaram os outros.
Elizabeth e Howard acenaram e saíram da sala de reunião, sendo acompanhados pelos demais até os elevadores; despediram-se novamente e assim que as portas metálicas se fecharam, Tom, , Dougie, Danny e Harry olharam um para os outros, ansiosos.
- Temos muito o que discutir – foi a primeira a falar – Reunião amanhã?
- Não – Tom disse, mal conseguindo conter a própria animação – Sushi hoje à noite.

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- Então, é oficial assim? – perguntou , divertida, enquanto ajudava a prender um colar de prata com um pingente de meia-lua que combinava com a roupa elegante que usava.
- O que você quer dizer? – riu, enquanto observava o próprio reflexo; não gostava de se arrumar, mas tinha que admitir que valia a pena quando o fazia.
- Já estão se apresentando para os amigos... ele vai te chamar para conhecer os pais dele – murmurou, entregando uma jaqueta de couro preta para a amiga – Vista isso, vai combinar com sua bota.
agradeceu e vestiu a jaqueta.
- Eu já conheço os pais dele, – revirou os olhos.
- Mas você foi apresentada como “, a professora da Gail”, não como “, minha namorada” – divertiu-se a mulher.
arregalou os olhos e perguntou-se se essa perspectiva a assustava ou deixava-a ansiosa; resolveu que ficava em algum ponto entre esses dois sentimentos.
Seu celular começou a tocar e ela nem checou o visor, sabia quem era.
- , vamos – ela disse, pegando a amiga pela mão e puxando-a para fora do quarto; atendeu o celular – Estamos descendo, Hazz.

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O restaurante japonês tinha um clima agradável e era bem decorado; embora fizesse um frio absurdo do lado de fora, os aquecedores funcionavam em seu interior, fazendo com que a primeira coisa que Harry, e fizessem ao chegar no recinto fosse tirar os cachecóis.
O maitre indicou a mesa que havia reservado e lá já estavam Tom e Gio; assim que avistaram o trio, o casal levantou-se para cumprimentá-los.
- Gio – Harry disse, depois de abraçar a namorada do amigo – Essa aqui é a .
As duas se cumprimentaram com um sorriso.
- Eu sei quem ela é, já ouvi falar algumas vezes – ela sorriu, simpática – E você é...?
- – a psicóloga respondeu, prontamente estendendo a mão para a morena – Sou a vela oficial do casal aqui – indicou Harry e com um aceno de cabeça, fazendo com que todos rissem.
- Vamos pedir alguma coisa para beber? – sugeriu Tom, sentando-se novamente e pegando o encarte de bebidas – Acho que vou querer um saquê. E vocês?
Todos concordaram em pedir o mesmo e, assim que o garçom parou perto da mesa para anotar os pedidos, Danny e Dougie chegaram.
- Bem a tempo! – Harry exclamou, cumprimentando os amigos – O que vão querer beber?
- Saquê – os dois responderam ao mesmo tempo.
- Qualquer coisa que tire esse frio de mim – Danny acrescentou; então seus olhos acenderam quando percebeu a presença de – Olha quem está aqui, se não é a senhorita “não confio em homens”.
riu, enquanto observava o músico ocupar o lugar livre ao seu lado.
- Nunca disse isso. Eu disse que homens funcionam pensando em sexo, não que não confio neles – ela o corrigiu.
Todos estavam sentados, conversando animadamente, quando chegou, esbaforida, com a maleta de seu notebook em baixo do braço.
- Desculpem o atraso – pediu, sentando-se entre Harry e Tom – Mas estou aqui. E trouxe meu notebook para anotarmos nossas decisões.
- Decisões? – Giovanna perguntou, franzindo o cenho – Do que a está falando?
Harry, Danny, Dougie e Tom se entreolharam, os olhos brilhando com uma satisfação de pessoas que compartilhavam um segredo.
- Esse jantar não é um simples jantar – disse Tom, calmamente, passando um dos braços pelo encosto da cadeira da namorada, calmamente. Nós temos um anúncio para fazer.
- O quê? O que é? – perguntou , curiosa.
- Vamos assinar um contrato e dirigir uma entidade sem fins lucrativos cujo objetivo é educar musicalmente as crianças menos providas de recursos financeiros – respondeu, os olhos varrendo o encarte de bebidas – Querido – ergueu a mão e prontamente um garçom parou ao seu lado – Eu quero um pouco de conhaque. Obrigada.
Quando voltou a atenção para a mesa, percebeu que todas as mulheres a observavam com os olhos arregalados, surpresas, e os homens a observavam contrariados.
- Que foi? – perguntou, ingênua.
- ! – Tom exclamou, exasperado – Você estragou toda a diversão! Nós queríamos deixá-las no suspense um pouco!
- Ah – piscou os olhos, surpresa – Nesse caso, esqueçam o que eu disse: não assinamos nada e não vamos fazer nada. Foi um lapso meu, desculpem.
deu uma risadinha; ela adorava o fato de ser tão segura de si e, ao mesmo tempo, tão inapta socialmente. Ela simplesmente tinha vontade de trancá-la numa sala e estudá-la até entender completamente aquele cérebro.
- Bem – soltou, também achando graça da situação – Por que é que vocês não explicam melhor essa história?
- Paul McCartney foi a Super Records algum tempo atrás – Harry optou por começar a explicação – Ele nos propôs um projeto social que se resumiria a criar um local onde as crianças, sobretudo as mais simples, como a falou, pudessem encontrar um refúgio na música.
- Nós compramos a ideia de primeira – Dougie continuou, empolgado, enquanto se servia de um pouco de salada aperitivo – Mas só hoje a equipe do Paul veio falar mesmo com a gente, para estabelecer os detalhes.
- E estamos aqui hoje não apenas para comemorar – Danny concordou, enquanto agradecia ao garçom que surgira da cozinha, colocando as bebidas pedidas em frente aos clientes – Mas também para discutir alguns detalhes menores, como o nome do instituto, método, objetivo, esse tipo de coisa.
- Uau – os olhos de brilharam, sonhadores – Vocês vão mesmo mudar a vida de muitas pessoas, nisso eu posso apostar.
- A música já salvou a nossa vida mais vezes do que podemos contar – Tom respondeu, dando um sorriso que acentuava sua covinha na bochecha – Está na hora de retribuir o favor mesmo.
deu um gole no seu conhaque e sentiu a bebida descer rasgando e esquentando todo o seu corpo.
- Isso é mesmo muito legal, ótimo e tudo mais – ela disse, revirando os olhos – Podemos ir ao trabalho agora? – afastou um pouco as coisas que estavam à sua frente na mesa e abrindo o notebook.

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A mesa deles foi a última a ser desocupada naquela noite, recebendo olhares carrancudos dos funcionários, que não poderiam voltar para casa enquanto eles não pagassem a conta.
Mas, verdade seja dita, nenhum deles estava sóbrio o suficiente para se importar; grande parte dos detalhes já estavam acertados, como o nome do instituto – SoulMusic, música para a alma – e também decidiram que queriam que a sede fosse em Londres.
Ponderaram que os imóveis na capital londrina costumavam ter preços exorbitantes, mas resolveram que valeria mais a pena pagar caro, mas ter tudo próximo o suficiente para controlarem tudo com maior facilidade, sem a necessidade de viagens longas.
se prontificou de ligar para todos os corretores que conhecia na manhã seguinte para procurar um imóvel que pudesse comportar algo grandioso como a SoulMusic, assim como enviar a papelada final para Noman e Raymond.
- Acho melhor irmos embora – opinou, olhando para o balcão onde a maioria dos garçons estavam recostados, já vestidos com suas roupas normais, apenas observando o grupo – Ou seremos expulsos a pontapés.
Todos riram e concordaram, afinal de contas estava tarde. desligou seu notebook, satisfeita, guardando-o em sua bolsa e Harry acenou para um dos garçons, indicando que queriam a conta.
Um dos garçons veio com uma expressão alegre no rosto e o baterista fez questão de pagar a conta sozinho, mas todos contribuíram com notas de dez libras de caixinha, para aliviar o clima de tensão.
Saíram rindo e conversando; estava meio apoiada em Danny, Harry e estavam de mãos dadas, assim como Tom e Gio; Dougie e caminhavam juntos, um pouco para trás.
- Aliás, antes que eu me esqueça – disse, revirando o bolso externo de sua bolsa e puxando de lá de dentro um papel embrulhado – Feliz natal, Dougie.
Dougie piscou os olhos, lento; o álcool não costumava ser benéfico para o seu raciocínio e com as mãos ágeis, abriu o embrulho.
- Um vale presente de um pet shop? – ele perguntou, piscando os olhos azuis, confuso.
- É. No valor de um lagarto. Você gosta, não é? – ela perguntou, com o cenho franzido – Acho que vai te fazer bem.
Dougie ficou observando a mulher por alguns instantes, sentindo uma onda de gratidão e carinho tão fortes que não conseguiu se conter e abraçou-a.
- Isso é muito legal. Mesmo – ele disse, afastando-se e sorrindo – O melhor presente de natal.
revirou os olhos e afastou-o.
- Não se acostume, OK? E nunca mais me dê presentes de natal, odeio ter que retribuir favores.
Danny estava rindo de algum comentário de , quando resolveu fazer a sugestão que estava em sua cabeça a noite inteira:
- Quer outra carona para a casa, doutora ?
observou-o atentamente por trás dos olhos embaçados pela bebida e então riu.
- Não posso aceitar, estou com a e o Harry, lembra?
Danny deu um sorriso largo e indicou o casal que parecia entretido em uma conversa, alguns passos à frente deles; estavam de mãos dadas, conversavam baixinho e estava com a cabeça apoiada no ombro do homem.
- Eu sei que você está com eles. A questão é: eles estão com você? – ele perguntou, erguendo as sobrancelhas.
considerou a questão por alguns instantes.
- Você sabe que eu aceitar, isso não vai...
- ... aumentar as minhas chances de te levar para a cama, te beijar, e etecetera – ele concluiu, com um tom de voz que ficava em algum lugar entre entediada e divertida – Eu sei disso, OK? Sem segundas intenções, eu prometo – ergueu as duas mãos no ar, na altura dos ombros.
gargalhou, apoiando-se um pouco mais no músico.
- Está bem, senhor Jones. Agradeço a carona.

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Danny e estavam rindo no carro; o moreno acabara de relatar mais um de seus épicos casos amorosos que acabaram em desastres e estava com a barriga dolorida de tanto gargalhar.
Danny Jones era uma criança presa no corpo de um adulto e ela simplesmente adorava isso; sem contar que ela conseguia perceber muito bem uma aura problemática no homem.
E isso ela adorava ainda mais do que homens com personalidades juvenis.
Repentinamente, ela ouviu algo no rádio e parou de rir, maravilhada; sem pedir licença, aumentou o som do rádio e as batidas de Tiesto fizeram-se ouvir.
- Você gosta de música eletrônica? – ele perguntou, interessado, enquanto balançava levemente o corpo no ritmo da música, respeitando as limitações que estar sentado e dirigindo impunham.
- Não de tudo, mas gosto do Tiesto. Aliás, é o nome do meu gato – sorriu.
Foi a vez de Danny sorrir.
- Eu toco como DJ de vez em quando em algumas boates – informou-a, parando o carro por causa de um sinal vermelho – Na verdade, por que você não...?
Mas sua pergunta foi interrompida pelo dedo indicador da psicóloga em seus lábios.
- Shh – ela disse, séria – Sem me chamar para sair, lembra?
Danny revirou os olhos.
- Não estou te chamando para um encontro propriamente dito – ele disse, voltando a andar quando o farol ficou verde – Só estou te chamando para me ver arrasar na pista de dança.
lançou um olhar desconfiado para o moreno.
- E você é bom? Tiesto-bom?
- Eu sou bom, acho – ele respondeu, pensativo – Você poderia ir lá e me dizer o que você acha. Sem segundas intenções, prometo.
recostou-se no banco do passageiro, observando o asfalto que se estendia em uma faixa cinzenta e infinita até o horizonte, sendo contornado por prédios baixos de tijolos.
- Acho que não me mataria ir – concedeu, afinal.
Danny sorriu e aumentou um pouco mais o volume do rádio, deixando que as batidas envolventes de Tiesto fizessem com que o carro vibrasse.

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vestiu uma blusa de flanela que Harry lhe jogou para proteger-se do frio do quarto e começou a pentear os cabelos escuros com os dedos, enquanto Harry, apenas de cuecas, saía do quarto e voltava minutos depois com a capa de um DVD nas mãos.
- O que é isso? – ela perguntou, interessada, engatinhando até a ponta da cama, ficando mais próxima dele.
- O Poderoso Chefão – ele respondeu, colocando o DVD no Blu-Ray Player e entregando a capa para que a garota visse – Hoje você não sai daqui enquanto não assistir. Você poderia fazer a pipoca, enquanto arrumo as coisas aqui – ele sugeriu.
riu.
- Está certo – respondeu, escorregando da cama para o chão e correndo em direção à cozinha.
Abriu o armário da dispensa e pegou um pacote de pipoca, colocando-o no micro-ondas e ligando-o. Enquanto ouvia o zumbido do aparelho funcionando, procurou na geladeira por algo para beber; encontrou uma garrafa fechada de coca-cola e decidiu que eles já haviam bebido álcool demais por uma noite, puxando a garrafa.
Quando recuou, trombou contra o corpo quente e firme de Harry e sorriu, quando sentiu os braços dele envolverem seu corpo, num abraço terno.
Eles ainda não haviam dado nome àquilo que estavam vivenciando, mas ela sentia que aquilo era completamente desnecessário: Harry fazia com que ela se sentisse como uma princesa.
Aquilo não era o suficiente?
- Deixa que eu te ajudo – ele disse, sorrindo, depois de dar um selinho longo e carinhoso na professora – Vou pegar os copos e a travessa para a pipoca.
Os dois começaram a trabalhar juntos na cozinha; em menos de três minutos, a pipoca quentinha e cheirosa estava dentro de uma travessa de prata inox funda e, na cama de casal de Harry, uma bandeja servia de mesa, com dois copos cheios de coca e a primeira cena do Poderoso Chefão pausada na tela da televisão.
Os dois entraram embaixo dos cobertores e Harry se sentou com as pernas abertas, de forma que sentou-se no meio delas, apoiando-se no baterista que apoiava-se em vários travesseiros.
Eles estavam no meio do filme quando Harry soltou, casualmente, uma pergunta:
- Você vai mesmo passar o Ano Novo em Chelmsford?
Ela moveu-se, ao mesmo tempo envergonhada e incomodada com a pergunta.
- Acho que sim. Por quê? Você mudou de ideia?
Ele riu, espreitando ainda mais os braços em volta da professora.
- Não, nada disso – ele apoiou o queixo no topo da cabeça da mulher e, distraído, começou a fazer movimentos circulares com o dedão na lateral do quadril da mulher – Eu apenas estive pensando que não acho que deveríamos fingir que tudo está normal e que nada mudou.
sentou-se, afastando seu corpo um pouco do de Harry e olhou-o por cima do ombro, o cenho franzido.
- O que você quer dizer? – perguntou, afinal.
Harry pegou o controle do Blu-Ray e deu pause no filme; ficou alguns instantes em um silêncio receoso, como se tentasse descobrir como dizer o que queria.
- Harry? – instigou-o, erguendo as sobrancelhas.
- Eu queria te apresentar como minha namorada – ele soltou, afinal – Ia ser muito estranho?
hesitou, ficando em silêncio. O coração batia com força contra o peito e sentiu como se não conseguisse respirar.
- É o que somos? – ela perguntou, engolindo em seco.
- Bem – Harry pigarreou – Eu gosto de você e não é como se eu quisesse você com outros caras. Então... acho que sim. Ou não?
sorriu e inclinou-se na direção dele, tocando-lhe os lábios delicadamente com os seus.
- Então eu acho que sim também.

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- Eu sei que vai ser caro – rosnou para o corretor do outro lado da linha telefônica – O negócio é muito simples: eu quero um imóvel gigantesco, de preferência já construído. O preço não é um problema.
- Eu devo ter alguma coisa – o homem balbuciou, do outro lado da linha – Podemos agendar algumas visitas? Quando você pode?
olhou para o relógio de pulso de ouro.
- Daqui a cinco minutos – respondeu.
O homem soltou uma risada nervosa do outro lado da linha.
- Tenho um horário às dez horas da manhã. Pode ser?
- Está ótimo – a mulher sorriu, satisfeita.

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Danny estava se arrumando para ir para a Super Records quando seu celular começou a tocar: viu o nome de Dougie no visor e atendeu.
- Fala, Dougster – disse, enquanto enfiava o pé dentro de um tênis.
- Oi, Danny – a voz do baixista ressoou do outro lado da linha – O que você está fazendo?
- Me arrumando para ir para a Super Records – ele respondeu, enquanto observava seu reflexo no espelho – Por quê?
- O que você acha de me acompanhar para outro lugar?
- Qual lugar? – Danny perguntou, interessado.
- Vou a um petshop, comprar um lagarto novo – Dougie respondeu, animado.
Danny gargalhou; sabia muito bem que uma das maiores tristezas de Dougie – talvez até maior do que o pé na bunda que levara de Frankie e qualquer que fosse o trauma que tivera com a tal de que ele sempre mencionava quando estava bêbado – era o fato de que tivera que se livrar de todos os seus lagartos de estimação.
- Tô dentro, cara.

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Tom estava atrasado, ele reconhecia isso; mas essa era uma das inúmeras vantagens em ser dono de seu próprio negócio: ninguém nunca pegava no seu pé com horário.
- Nove e meia! – surgiu em seu escritório assim que ele se sentou em sua mesa – Isso lá é horário de chegar no trabalho, Fletcher?
Isso é, ninguém pega no seu pé com horário. A não ser que você tenha no seu quadro de empregados .
- O que você quer, ? – ele perguntou, ligando o computador.
- Você – ela respondeu e Tom engasgou com a própria saliva, olhando para ela pela primeira vez naquele dia, os olhos castanhos arregalados com o mais puro espanto.
- O quê? – ele questionou, ofegante.
revirou os olhos.
- Marquei horário com um corretor às dez horas para ver alguns imóveis onde a SoulMusic poderia se encaixar – ela explicou rapidamente – Queria que alguém fosse comigo e, bem... você é o único que chegou.
- Ah – ele sentiu as bochechas pinicando; em que tipo de mundo ele poderia imaginar dizendo algo com qualquer conotação que não fosse profissional? – Bem, nesse caso, claro. Poderemos ir juntos.
- Ótimo. Daqui a meia hora nos encontramos na garagem – ela disse, analisando o relógio – E nós vamos com o seu carro.
Girou nos calcanhares e saiu andando.

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- Dentro desse valor de vale-presente – o atendente do petshop disse, analisando o cupom que dera a Dougie na noite anterior – Você pode escolher quase qualquer lagarto que temos.
- Eu quero esse – Dougie respondeu, imediatamente, apontando para um lagarto esverdeado com diversas manchas pretas que estava sozinho em um viveiro, andando rapidamente sobre as pedras.
- Menos esse – o homem respondeu, dando um sorriso amarelo.
Danny aproximou-se um pouco mais do viveiro, observando o lagarto; nunca conseguira entender a fascinação dos amigos por aquelas coisas nojentas e fedidas, mas aprendera a respeitar e chegara até mesmo a sentir uma afeição por Buffy, antes desta falecer.
- Por que esse não? – perguntou o vocalista.
- Bem, o valor do cupom não cobre o preço dele. Mas você pode complementar, se realmente quiser. Esse é um teiú-brasileiro – respondeu o vendedor – Ele está pequenininho agora, mas pode crescer até um metro e meio de cumprimento. Eles são um pouco agressivos também, mas se você tomar o cuidado necessário, certamente não terá problemas.
Dougie observou o homem, enquanto este dava a explicação e, terminada a explanação, aproximou-se de Danny e, juntos, os dois observavam o réptil que agora estava repousando sobre um galho, calmamente.
Dougie teve a impressão de que o teiú estava retribuindo seu olhar e sorriu. Nenhum outro lagarto chamara sua atenção da forma que ele chamara e, mesmo sabendo que ele poderia ficar gigante, resolveu que era aquele bichinho esverdeado e esguio que ele queria.
- É esse – ele decidiu.

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- Vocês têm certeza? – perguntou o corretor, mal acreditando na sua própria sorte.
A mansão abandonada que ele mostrava para o casal à sua frente era o quarto imóvel ao qual os levara; todos os anteriores, casarões bem cuidados em ótimos bairros foram solenemente rejeitados, mas assim que entraram no terreno abandonado e viram o imenso casarão, meio mal cuidado, contornado por um mato muito alto, os olhos e castanhos de e Tom brilharam.
Foi quase como se eles tivessem feito a decisão juntos.
O homem não conseguia entender muito bem o porquê de eles preferirem aquela construção em especial a todas as outras; é verdade que era maior e possui uma boa área útil e aproveitável em volta, com alguns metros quadrados de área verde em volta, mas a casa precisaria de uma boa reforma e ele tivera a impressão de ouvir a senhorita resmungar mais de uma vez que eles precisavam de um imóvel o mais cedo possível.
Demoraria pelo menos seis meses para tornar aquilo habitável.
- Qual é o valor? – perguntou , observando encantada os detalhes da construção.
- Um e meio – respondeu o homem, hesitante.
Tom franziu o cenho e andou em volta do salão gigantesco e circular no primeiro andar; um milhão e meio por um imóvel daquele tamanho com uma casa daquela magnitude era certamente um preço muito baixo.
- Alguém morreu aqui? – perguntou, sério.
O corretor gargalhou.
- Não – o homem garantiu, assim que conseguiu respirar – É apenas um imóvel bom em um bairro ruim. Coisas assim acontecem o tempo todo. Que família rica vai querer morar em um dos piores bairros de Londres?
Tom considerou a questão e resolveu que a resposta era satisfatória.
- Vamos comprar – ele decidiu.
- Vocês não querem nem...? – o corretor questionou, atordoado.
- Fletcher, será que não é mais prudente mostrar para os outros antes? – perguntou, preocupada, aproximando-se do loiro.
- A vantagem de ter morado por anos com meus sócios – Tom disse, enquanto puxava o cheque da Super Records de dentro do bolso interno do seu terno – É que os conheço tão bem quanto conheço a mim mesmo – desviou os olhos castanhos na direção de – Eles vão amar isso daqui.

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Harry deixara em casa e estava se encaminhando para a Super Records quando seu celular apitou, avisando a chegada de uma nova mensagem.
Era de Tom.
“82, Olive Road, Newham. Estou esperando por você”.

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Dougie encaixou o gigantesco viveiro que comprara para o lagarto no banco traseiro do seu carro e sorriu para Danny.
- O que achou da minha aquisição? – perguntou.
- Eu ainda sou mais um labrador, mas você quem sabe – Danny riu, passando o braço pelos ombros do amigo – Ele é da hora, cara. Qual vai ser o nome?
- Ainda não pensei nisso – Dougie franziu o cenho, mas antes que pudesse continuar seu raciocínio, seu celular apitou ao mesmo tempo que o de Danny.
Os dois puxaram seus celulares e encontraram uma mensagem de .
“82, Olive Road, Newham. Venham agora. É URGENTE”.
Os dois se entreolharam e, sem dizer nada, entraram em seus carros.

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Harry foi o primeiro a chegar e, apesar de suas perguntas, Tom e optaram por esperar por Dougie e Danny antes de explicarem o que estava acontecendo; em menos de dez minutos, os outros dois chegaram.
- O que é isso? – perguntou Danny, olhando em volta.
- Isso... – fez um gesto amplo com os braços – É a SoulMusic.
Dougie, Harry e Danny trocaram olhares confusos até que, lentamente, tudo começou a fazer sentido.
- Vocês querem dizer que...? – Dougie exclamou, olhando em volta. Aquilo era o máximo, uma mansão gigantesca.
- Sim – Tom sorriu, erguendo as sobrancelhas para , como quem diz “eu não te disse?”.
- Uau – disseram Harry e Danny ao mesmo tempo.
- Eu sei – riu – Nós já assinamos o contrato e pagamos. As papeladas saem em três dias, no máximo.
- Podemos...? – Danny indicou as escadas de madeira que davam acesso aos andares superiores.
- Claro – Tom respondeu.
Imediatamente, ele e Dougie subiram as escadas, sendo seguidos de perto pelos outros três. Os degraus guinchavam sob o peso deles e quando Tom segurou o corrimão, teve a sensação de que ele quase caiu.
- OK. Olha, achei o lugar o máximo. De verdade – disse Dougie, surgindo de dentro de um dos primeiros quartos do segundo andar – Mas isso está caindo aos pedaços. Vamos precisar de quanto tempo para reformá-lo até que seja saudável colocar crianças pulando por aí?
- O corretor disse que precisaríamos de seis meses – Tom respondeu, e sorriu quando viu Harry, Danny e Dougie arregalando os olhos – Mas esse cálculo é baseado em pessoas normais. Nós temos a .
Todos os homens riram e lançou-lhes um olhar desgostoso.
- Falo isso como um elogio – Tom emendou, ainda rindo.

X


sentou-se no sofá de e ficou acompanhando a amiga com o olhar, enquanto esta tentava capturar Tiesto de debaixo do sofá.
- E como foi a sua carona com o senhor Jones? – perguntou a professora, rindo.
- Ah. Então – levantou-se do chão, segurando Tiesto no colo e, com alguma dificuldade, entregou seu celular à amiga – Primeira mensagem.
Obediente, vasculhou o celular da amiga até encontrar uma mensagem de Danny Jones, com os dizeres “D Club. Sexta-feira às 18 horas. Eu te busco”.
- Então vocês vão a um encontro – ela disse, sorridente.
- Não. Não é um encontro – corrigiu a amiga, rapidamente – Eu só vou estar lá. E ele vai tocar como DJ e vou escutar. Aliás, por que você não vai comigo?
olhou para a amiga com uma expressão descrente.
- Primeiro, não vou porque estarei em Chelmsford. Segundo, é um encontro, não vou ser a vela – acrescentou, adicionando um dedo para cada motivo.
revirou os olhos.
- Bem, e como está se sentindo a respeito disso? Passar o Ano Novo com Harry, quero dizer.
Tiesto lutou para sair do colo da dona, mas segurou-o com mais firmeza, acariciando atrás da orelha; por fim, o felino se deu por vencido e deitou-se, permitindo que as carícias continuassem.
- Ele disse que vai me apresentar como sua namorada – guinchou, escondendo o rosto em uma das almofadas do sofá da psicóloga – Estou morrendo de vergonha.
- E de felicidade – completou a amiga, dando-lhe uma cotovelada amistosa.
- E de felicidade – concordou , dando um sorriso largo.
X


estava entretida, mandando um e-mail para o corretor com todos os detalhes e informações pedidos para o preenchimento do registro, quando ouviu alguém pigarreando.
Desviou os olhos da tela de seu computador, mas o que viu não era exatamente o que esperava: deu de cara com uma coisa que parecia uma cobra, olhos escuros e esverdeada.
Soltou um berro ensurdecedor e, instintivamente, empurrou sua cadeira para trás, até que ela conseguisse colocar a maior distância possível entre ela e a coisa bizarra.
Só então percebeu Dougie, com um sorriso largo, segurando aquela coisa em suas mãos.
- Oi, – ele disse – Vim aqui te mostrar o seu presente de natal para mim.
- Ah... ah... – levou a mão ao peito, sentindo seu coração bater com tanta força que parecia prestes a explodir – Certo. Estou muito... feliz. Nunca mais traga isso para perto de mim. É sério.
Dougie assumiu uma expressão ofendida e trouxe o réptil para mais perto do próprio rosto; gostava dele. O animal observou-o por alguns segundos e depois esticou a língua rosada para fora, recolhendo-a em seguida.
- Como você pode não gostar dele? – exclamou Dougie, derretido – Ele é a coisa mais fofa do mundo.
observava toda a cena perplexa.
- Obviamente isso é uma questão de opinião – a mulher disse, lentamente.
Dougie franziu o cenho, mas voltou a observar o animal com uma expressão apaixonada.
- Não sei que nome dar a ele – disse, por fim, optando por ignorar o último comentário da executiva – Nada parece bom o suficiente – e, pensativo, começou a murmurar alguns nomes desconexos, testando-os.
Imerso em seus pensamentos, o baixista começou a sair do escritório. escorregou sua cadeira para mais perto do computador e colocou as mãos sobre o teclado, pronta para retomar sua missão, quando ouviu a voz de Dougie novamente.
- Ah! – ergueu os olhos e o viu voltando para dentro do escritório – Esquecemos de dar tchau.
E ele fez o lagarto mexer a pata fronteira, como se estivesse acenando um “adeus”. Depois, sumiu.
ficou alguns instantes, os olhos fixos na porta de seu escritório.
- Deus – murmurou – Criei um monstro.

X


Naquela noite, Harry e resolveram jantar no apartamento pequeno, mas aconchegante da mulher; os dois estavam colocando a mesa, enquanto esperavam que a pizza chegasse.
- Encontramos o imóvel onde será a SoulMusic – Harry informou, bem humorado, enquanto posicionava os pratos, um do lado do outro.
- Sério? – questionou, surpresa – Mas já? E onde?
- Sim, a e o Tom foram procurar hoje e encontraram um que se encaixava como uma luva. Precisará de umas boas reformas, é verdade, mas o lugar é incrível. Uma mansão abandonada em Newham – fez uma careta ao ouvir o nome do bairro e Harry percebeu isso – Eu sei, não é um ótimo bairro, mas o objetivo de SoulMusic não é justamente ajudar as crianças mais necessitadas?
concordou, pensativa.
- É verdade – colocou uma garrafa de vinho sobre a mesa e abriu um sorriso para o namorado, aproximando-se dele até colar os corpos; Harry sorriu de volta e envolveu a cintura da professora com os dois braços – Eu acho um ato lindo, esse que vocês estão fazendo pelas crianças.
Harry inclinou-se e beijou-a.
- Eu devo tudo isso a Abigail – ele disse, com honestidade, assim que o beijo terminou – Por falar nisso, vou ligar para ela. Acho que está na hora de contar. Sobre nós dois.
hesitou; repentinamente, ficou receosa e afastou-se lentamente de Harry.
- E se ela não gostar? – perguntou, a voz fraca.
- Tá brincando? – Harry riu, puxando-a para perto novamente – Ela está rezando por isso desde que nos conhecemos.
Subitamente foi invadida por uma onda morna que fez com que todos os pelos do seu braço se arrepiassem e teve a sensação de que flutuava.
De repente, tudo parecia certo demais.

X


Abigail estava passando aquela noite com a vovó Molly e o vovô Anthony; estava deitada no sofá, assistindo Lazy Town na Discovery Kids, enquanto acariciava o topo da cabeça da Backer com uma das mãozinhas.
- Abigail! – berrou vovó Molly da cozinha – É o Harry no telefone. Para você!
Como um foguete, a garotinha desceu do sofá e saiu correndo até a cozinha, derrapando no tapete, mas se safando de se esborrachar no chão por pouco, segurando-se no balcão.
Molly soltou uma de suas sonoras gargalhadas.
- Acho que alguém quer muito falar com você – disse para Harry, que riu do outro lado da linha.
- Me dá, me dá, me dá! – Abigail pulava, animada, pegando o telefone da mão da avó – Oi, tio Harry!
- Oi, Gail – a voz dele estava tensa do outro lado da linha – Como você está?
- Muito bem, e você?
- Também. Estou com saudades.
- Eu também! – Abigail sentou-se em um dos bancos próximos do balcão – Mas você vem amanhã, não é? O Vovô Oliver disse isso.
- Sim, eu vou amanhã – Harry riu – E não vou sozinho.
- Não? – Abigail soltou, surpresa – Quem você vai trazer?
Harry hesitou, do outro lado da linha.
- Alguém que você gosta muito e que sempre fica com você, quando eu não posso – ele disse, cuidadosamente.
- NÃO ACREDITO! – urrou Abigail, saltando do banco e fazendo uma dancinha – A professora vem? Sério?
- É – Harry gargalhou – Eu tenho outra coisa para te contar.
- O que é? – a garotinha perguntou, ansiosa.
- Eu e a professora , bem...

X


mordeu o lábio inferior, receosa; mesmo que Harry dissesse que Abigail simpatizava com a ideia de um relacionamento entre eles, não ficaria tranquila até que tudo se resolvesse.
Suspendeu a respiração quando Harry soltou a novidade por telefone e o instante entre a fala do homem e a reação da garota pareceu durar uma eternidade.
De repente, um guincho muito forte fez-se ouvir; Harry fez uma careta e afastou o celular do ouvido e tudo o que ela conseguia ouvir era:
“NÃO ACREDITO, TIO HARRY! AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH! ISSO É O MÁXIMO! AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH! O MAX VAI FICAR TÃO FELIZ, MAL POSSO ESPERAR PARA CONTAR PARA ELE!”.
Olhos azuis e se encontraram e eles sorriram, igualmente aliviados.

One look from you I know you understand
This mess we're in you know is just so, out of hand
You Got Me – Colbie Caillat



Capítulo 16 – Happy Xmas (War is Over)

“And so this is Christmas
I hope you'll have fun
The near and the dear one
The old and the young”
John Lennon – Happy Xmas (War is Over)
- Está nervosa? – Harry perguntou, espiando pelo canto dos olhos; ela usava óculos escuros e tinha os dois pés apoiados no painel do carro dele, observando a paisagem pela janela ao seu lado, enquanto mordiscava de leve o lábio inferior.
Ela voltou a atenção para o homem e deu um sorriso tímido.
- Um pouco – admitiu.
Ele soltou uma risadinha nasalada e, mantendo uma mão firme ao volante, levou a outra à perna da namorada, num gesto assegurador.
- Não se preocupe, OK? Não tem como alguém não se apaixonar por você – ele disse, carinhoso.
sentiu as bochechas pinicarem e sorriu para ele, sentindo-se um pouco melhor.

X


Dougie estava sentado no primeiro degrau da escada simples que dava acesso a porta mal pintada da sua casa até o estreito caminho de pedras até a rua, equilibrando seu violão no colo e dedilhando-o, de olhos fechados.
A casa dos Poynter nunca poderia ser considerada a casa mais bonita nem a mais bem cuidada da rua; não que em sua estrutura a casa fosse diferente das demais, mas o pequeno jardim que se estendia da entrada da casa até o começo da calçada estava maltratado e tão alto que se uma pessoa pisasse lá com o pé nu, veria o mesmo desaparecer até a altura dos tornozelos.
Mas o garoto nunca se importou com isso; Paul Poynter, seu pai, sempre achara um desperdício gastar o pouco dinheiro que ganhava com algo inútil como um cortador de gramas automático e sua mãe, Sam, estava ocupada demais mantendo dois trabalhos para sequer reparar que existia grama dos dois lados do caminho de concreto pelo qual ela se arrastava depois de um dia exaustivo de trabalho. Jazmine era pequena demais para gastar mais do que alguns segundos da sua atenção pensando que sua casa era a mais desleixada do quarteirão.
Ele não estava pensando em nada disso enquanto seus dedos deslizavam pelas cordas de seu violão com tanto talento quanto maestria; ele não saberia dizer no que pensava, na verdade, mas sabia que o som que tirava daquele instrumento parecia acalmar sua mente.
Dougie não saberia dizer se ficara tocando por um minuto ou por uma hora, mas quando finalmente encerrou sua canção improvisada, ainda de olhos fechadas, ouviu o som de palmas.
Abriu os olhos surpreso e encontrou aplaudindo-o, com um sorriso largo no rosto e um livro encaixado embaixo dos braços.
- Uau – ela disse, afinal – Você manda muito bem, Dougie.
- Ah – Dougie sentiu suas bochechas pinicando – Obrigado, .
Ela inclinou a cabeça, observando-o atentamente.
- Não fique com vergonha – pediu, entrando na propriedade dos Poynter sem ser convidada e sentando-se ao lado dele, no último degrau, completamente alheia ao desconforto do garoto – É um elogio. Não deveríamos ter vergonha das coisas que fazemos bem.
Dougie soltou um resmungo incomodado que fez soltar uma risada que desarmou o garoto; ele não conseguia entender, mas sempre que ouvia o som alegre do riso de nos corredores do colégio sentia-se bem.
Desde que eles tiveram aquela conversa breve no corredor, trocaram algumas palavras rápidas e ansiosas. Por mais que Dougie secretamente apreciasse o fato de que parecia querer conhecê-lo, metade dele não entendia como a garota que estava enlouquecendo grande parte dos meninos da sétima série – e alguns meninos mais velhos – queria com ele.
- O que você está fazendo aqui, ? – ele perguntou, sem rodeios.
arregalou os olhos , como se estivesse surpresa com a pergunta, e depois sua expressão se suavizou.
- Não se preocupe, não estou te perseguindo – ela riu, erguendo o livro que carregava – Vim pegar esse livro emprestado com a Andrea. Sabia que ela mora no fim da sua rua? De qualquer forma, estava voltando para casa quando ouvi alguém tocando e segui o som. E era você – ela deu um sorriso gentil, Dougie desviou os olhos dela – Eu também toco um instrumento, sabia?
- É? – receoso, ele voltou os olhos na sua direção – E o que é?
- Piano – ela respondeu, sorrindo.
- Você é boa? – ele perguntou, a voz um pouco acima de um sussurro.
Era difícil para ele manter uma conversa com ela; não sabia muito bem por que, mas parte dele tinha medo de se abrir para ela.
- Acho que sim – ela encolheu os ombros – Toco desde os seis anos. Meu pai é louco por música clássica e acabou passando um pouco disso para mim – ela sorriu.
- Eu toco baixo também – ele disse, sem sentir; depois desviou o olhar.
Ela sorriu, mas resolveu não dizer nada e também desviou os olhos do perfil atraente do garoto; os dois jovens ficaram alguns segundos observando a rua vazia.
- E quando é que você vai me ensinar a pegar lagartos na mão? – ela perguntou, finalmente, cutucando-o com o cotovelo de forma brincalhona.
Dougie deu um meio-sorriso.
- Por que você quer aprender isso? Não tem nojo?
- Um pouco – ela admitiu, depois de considerar a questão por um breve instante – Mas quantas pessoas podem dizer que pegaram um lagarto na mão? Eu só conheço uma – e lançou um olhar de admiração na direção do garoto, que não pôde evitar um sorriso.
- É difícil pegar um lagarto selvagem. Eu só consegui fazer aquilo naquele dia porque a atenção do animal estava todinha naquele babuíno do Smith – Dougie cuspiu o nome do rapaz com desprezo, mas logo lançou um olhar arrependido na direção de ; ficou ao mesmo tempo aliviado e contente ao perceber que ela tinha um sorriso divertido nos lábios e algo na forma como seus olhos brilhavam parecia indicar que ela compartilhava da aversão dele pelo garoto – A questão é que a maioria das pessoas que eu conheço gostam de cachorros, gatos, esquilos e ovelhas. Eu, não. Quero dizer, não odeio nenhum desses animais, eu só gosto muito de lagartos.
riu, interessada.
- Por quê? – perguntou.
Dougie franziu o cenho; a maioria das pessoas que descobriam sobre a sua fascinação por répteis enrugaram o nariz e lhe dirigiram olhares de nojo. Não faziam questões, apenas julgavam.
Desta forma, o garoto nunca precisou realmente refletir pela sua preferência. Questionado, não sabia apontar quais eram os motivos de seu gosto.
- Eu não sei – ele deu de ombros.
- Como não? – apoiou o queixo nas mãos, analisando-o – Você tem que saber, pensa um pouco mais.
Dougie revirou os olhos.
- Por que é que você quer saber? – perguntou, afinal.
Foi a vez de dar de ombros, mas ela manteve os olhos fixos nos dele.
- Não sei também. Acho que quero te conhecer melhor.
Dougie abriu os olhos e ficou observando o teto do seu quarto; seu peito subia rapidamente e ele sentia seu corpo inteiro formigando.
Droga de sonho.
Droga. De. Sonho.

X


espreguiçou-se quando ouviu seu celular apitar, informando a chegada de uma nova mensagem. Pegou o celular e com a visão embaçada pelo sono conseguiu distinguir o nome de Danny Jones.
Sentou-se.
“Passo na sua casa às oito horas. Be ready to party. Danny”.
Entrou em pânico.

X


estava sentada à sua mesa, passando pelo que parecia ser a vigésima vez o relatório que o departamento financeiro fez sobre os lucros e prejuízos da Super Records.
Como era de se esperar em uma empresa que acabara de ser aberta, a Super Records ainda estava dando prejuízo, mas ela ficou abismada ao ver o quanto a margem de prejuízo havia diminuído em apenas um ano.
Provavelmente 2011 seria o primeiro ano de lucro da empresa, e isso fez com que se sentisse extremamente bem humorada.
Nesse momento, seu celular começou a tocar em cima da mesa, ao lado de seu computador. Ela olhou o nome de no visor e atendeu a ligação.
- Oi.
- ? Oi, sou eu, a – a voz da mulher do outro lado da linha tentava parecer tranquila, mas poderia identificar um “quê” de pânico por trás da aparente tranquilidade – O que você está fazendo?
- Estou na Super Records – a mulher respondeu, equilibrando o celular entre a orelha e o ombro, enquanto digitava algumas anotações.
- Mas hoje é véspera de ano novo! – espantou-se a psicóloga do outro lado da linha.
- Eu sei, mas certas coisas simplesmente não podem esperar até o ano que vem para serem feitas – respondeu, revirando os olhos.
Por que é que as pessoas não conseguiam entender seu comprometimento com o trabalho?
- Certo... – hesitou do outro lado da linha – Falando em ano novo, como vai passar a virada?
- Sozinha em casa assistindo TV, acho – a executiva respondeu, despreocupada – Por quê?
- Acho que tenho planos para você – cantarolou , do outro lado da linha.

X


Harry estacionou o carro junto ao meio fio, sua casa era visível contra o céu cinzento de dezembro; ele e trocaram olhares. O dele era divertido e o dela, ansioso.
- Não entre em pânico – ele disse, com um sorriso.
concordou com um aceno relutante de cabeça e os dois desceram do carro; Harry foi até o porta-malas e pegou as duas malas e os dois começaram a caminhar lado a lado em direção à porta da casa.
Mas não tiveram sequer o tempo de chegar até a escada que dava para a sacada; a porta da casa dos Judd abriu-se abruptamente e Abigail surgiu, correndo animadamente na direção do casal e jogando-se na direção de Harry, que teve que soltar as malas para conseguir abraçar a afilhada.
Abigail esfregou o rosto contra a blusa do padrinho por alguns instantes, depois, soltou-se dele e abraçou a professora com força.
Ergueu os olhos verdes e observou os dois, com um sorriso largo.
- Oi – disse, finalmente.
Os dois sorriram.
- Oi, Gail – responderam, juntos.
Harry equilibrou as duas malas em uma mão. Com a outra, pegou uma mão de Abigail, que pegou uma mão da professora e, juntos, os três entraram na casa.

X


Danny Jones poderia não ser esperto em muitos aspectos, mas em um ele era expert: pegar mulheres. E tinha que admitir uma coisa para si mesmo: nunca quisera tanto pegar uma mulher como queria pegar , a psicóloga que parecia ser imune ao seu charme.
Mas não por muito tempo, ele resolveu; seria seu beijo da meia-noite ou seu nome não era Daniel Jones.
- Então, espera – Dougie pediu, sentado em uma cadeira ao lado do viveiro de seu lagarto, ao qual ainda não conseguira dar um nome – Você chamou a para um encontro que não é um encontro, mas que você quer que seja um encontro.
Danny ficou em silêncio por alguns instantes, considerando a questão do amigo.
- É. Isso mesmo – concordou, afinal.
- Isso não faz sentido – Dougie franziu o cenho.
- Faz, faz sim. Apenas pense comigo: por algum motivo simplesmente além de qualquer racionalização humana, não quer sair comigo. Então, eu a chamei para me ver tocar como DJ na balada de hoje à noite e ela aceitou. Para mostrar que isso não é um encontro, vou levar o maior número possível de pessoas junto. Ou seja, você, o Tom e a Gio. O Tom e a Gio provavelmente vão ficar mais preocupados babando um no outro, é aí que você entra. Como uma peça fundamental e essencial para a minha conquista. Você é o meu guarda-costas – Danny terminou, de forma óbvia.
- Seu... guarda... costas – Dougie ecoou, relutante.
- É! – o moreno concordou, animadamente – Você vai cuidar dela e se certificar de que nenhum homem se engrace com ela até que eu consiga me livrar da minha função como DJ e, finalmente, possa dar o beijo da meia-noite nela.
Dougie piscou os olhos, observando o amigo com uma expressão vazia.
- Danny... – ele começou, incerto de como dizer ao amigo que suspeitava de sua sanidade mental.
- Qual é, Dougster, vamos! Eu sempre te ajudo em tudo o que você pede, o que custa quebrar um galho para mim de vez em quando? – perguntou Danny, insistente.
Dougie revirou os olhos.
- OK. Está certo. Mas eu não vou ficar fungando no cangote dela – avisou.
- Eu quebraria seu nariz se você fizesse – Danny riu.
Mas tinha algo de sério nos seus olhos.

X


e Harry encontraram o resto da família Judd na cozinha, onde geralmente estavam; Katherine e Tom Judd estavam sentados à mesa, cada um com uma xícara de chá quentinha nas mãos, enquanto Emma observava a chaleira no fogão e Christopher colocava a louça lavada no escorredor.
A primeira coisa que sentiu ao ver aquela cena foi algo muito parecido com um calor gostoso dentro do seu peito; adorava quando via famílias funcionais unidas, filhos e pais juntos, naquele clima intimista que só anos de uma convivência amorosa, mesmo que turbulenta, poderia proporcionar.
- Mãe, pai, Tom, monstra – Harry disse, referindo-se a cada um dos presentes e recebendo um revirar de olhos da irmã mais velha – Essa aqui é , minha namorada.
Abigail deu um apertão mais forte na mão da professora e lhe sorriu, demonstrando sua felicidade perante a nova situação da professora e do padrinho.

X


checou o número ao lado da porta antes de tocar a campainha; ouviu o barulho de passos apressados dentro do apartamento e de algo caindo no chão. Abruptamente, a porta de entrada se abriu e apareceu, enrolada em uma toalha, com outra menor envolvendo os cabelos como se fosse um turbante.
- O que diabos...? – a executiva começou.
- Entra – interrompeu a amiga puxando-a para dentro do apartamento com força e rapidez, fechando a porta em seguida para expulsar o frio – Que bom que você chegou. Vem, você precisa me ajudar.
- Ajudar com o quê? – perguntou , confusa, enquanto seguia a psicóloga para dentro do quarto.
- Roupas, cabelo, maquiagem, tudo – revirou os olhos, como se fosse óbvio – O que você acha do Danny?
- Danny, como em Danny Jones? – perguntou, ainda aturdida.
- É. Eu meio que... nós vamos sair com ele. Ele vai tocar como DJ em uma balada e eu acabei aceitando, mas agora estou com medo de isso virar um encontro. E é por isso que você vai junto.
concordou com um aceno de cabeça, mas sua expressão facial continuava a externar sua confusão. Finalmente, cedeu:
- Não estou acompanhando o raciocínio – admitiu.
- É simples. Você é minha desculpa. Se eu não quiser ficar com o Danny, vou te usar como desculpa, solto algo do gênero “é muita mancada ficar com você e deixar a sozinha, afinal ela veio para me acompanhar” – explicou.
- E eu faço isso porque...? – ergueu as sobrancelhas, perplexa.
- Porque somos amigas – respondeu, em um tom de voz ao mesmo tempo óbvio e surpreso – Amigas fazem isso uma pela outra.
- Ah... tudo bem, nesse caso. Mas e se você quiser ficar com Danny Jones? – quis saber a executiva.
- Eu... não sei. Não quero ficar com ele, mas ao mesmo tempo quero. É muito louco isso? – perguntou a psicóloga, fazendo uma careta.
- Sim. Quero dizer, eu acho. Mas você ouve gente louca o tempo todo, então loucura pode ser uma coisa meio relativa para você – resmungou, sentando-se na ponta da cama da mulher.
soltou uma risadinha e concordou com um aceno de cabeça.
- Você está certa. Bem, eu tenho uma pergunta para te fazer: qual dos McGuys mais te atrai? – perguntou, curiosa, observando a outra mulher por cima dos ombros.
arregalou os olhos e observou a psicóloga como se ela fosse louca.
- Eu não... eca. Eu não consigo nem pensar nisso – disse, num tom enojado.
- Certo. Vou mudar a pergunta, então: se houvesse uma epidemia mundial e só sobrasse você e eles quatro para repovoar o mundo, o que você faria?
pensou por alguns instantes.
- Eu diria: ‘foi mal, Terra, mas não existirão mais seres humanos nesse mundo a não ser que os quatro idiotas aqui aprendam a fazer metástase’. – nesse momento, Tiesto pulou em cima da cama, ajeitando-se sobre o travesseiro de e lançando um olhar cauteloso na direção da visitante – Ah, olha só! Você tem uma daquelas coisas que arruínam roupas.

X


segurava uma pilha de pratos nos braços e os posicionava na mesa de jantar, enquanto cantarolava sozinha; Harry, Abigail e Katherine tinham saído para fazer as compras para o jantar e ela havia se prontificado de ajudar a colocar a mesa.
Posicionou o segundo prato sobre a mesa, em frente a uma das cadeiras, quando Emma chegou e começou a posicionar as taças de cristal; as duas trocaram um sorriso.
- Achei que eu tivesse pedido ao Tom para colocar a mesa – comentou Emma, enquanto analisava uma das taças cuidadosamente, procurando por alguma sujeirinha que tivesse passado a limpeza de Christopher.
- Ah, eu sei. Desculpe. Eu pedi para fazer no lugar dele – disse, sentindo as bochechas ardendo – Por favor, não fique brava com ele. Ou comigo – acrescentou, em um fio de voz.
Emma soltou uma risada gostosa; ela era calorosa e cativante. Quando deu por si, também tinha um sorriso nos lábios.
- Isso foi antes, quando você era visita – explicou Emma, que decidiu que a taça estava realmente limpa, colocando-a sobre a mesa e passando a analisar a próxima – Agora você é família.
engasgou e sentiu a bochecha ficar ainda mais vermelha; os olhos de Emma se espreitaram, num sorriso silencioso.
- Você vai fazer o meu garoto feliz, ? – perguntou Emma, deixando a taça de lado e voltando a atenção para a professora.
- Ah. Bem. Eu quero – a mulher respondeu, sentindo-se desconfortável – Gosto muito do seu filho, senhora Judd.
- Por favor, me chame de Emma – a mulher pediu, sorrindo – E eu acho que você vai fazer muito bem ao meu menino. A Abigail adora você e ela tem um ótimo gosto para pessoas.
sorriu.
- Obrigada, fico muito feliz em saber disso.

X


Harry andava segurando o carrinho de compras, enquanto Katherine caminhava ao seu lado, com as mãos no bolso do agasalho, e Abigail corria alguns metros a frente deles, buscando as coisas da lista que Emma fizera.
- E então - Katherine soltou, finalmente, observando o irmão com o canto dos olhos – Como foi que você conseguiu aquela mulher? Hipnose, poção do amor...?
Harry deu uma risada sem humor.
- Que gracinha, Kate. Você pode não acreditar, mas eu sou muito envolvente e charmoso e as mulheres gostam de mim por isso.
- Você está certo – Katherine soltou, pensativa – Eu não acredito em você.
Harry revirou os olhos.
- Abigail está fora de si – Katherine prosseguiu, dando uma cotovelada no irmão – Não parava de falar o quanto ela estava ‘muito, muito, muitíssimo feliz’ que o tio Harry e a professora estão namorando.
Harry deu um sorriso verdadeiro e acompanhou a afilhada com os olhos; ela analisava as etiquetas dos produtos, pensativa.
- Achei a farinha, tio Harry e tia Kate! Tem essa aqui que custa 3 libras e essa que custa 4,50. Qual levamos? – perguntou, pensativa.
- A que você quiser, Gail – Kate riu.
- Tá – pegou a mais barata e colocou no carro; ao perceber o olhar inquisitivo dos dois adultos, ergueu as sobrancelhas – A caixa é verde. Eu adoro verde.

X


- Acho que estou pronta – disse, saindo do banheiro pelo que pareceu a centésima vez para que, deitada na cama da psicóloga, estava quase dormindo – O que acha dessa roupa?
Por um instante, considerou soltar um berro desesperado e sair correndo do apartamento, refugiando-se na sua casa, com seu peixe, e fechando o mundo inteiro do lado de fora, como gostava de fazer.
Mas, então, lembrou-se da senhora Blossom e de como não queria morrer sozinha e só ter seu corpo descoberto três dias depois, quando começassem a estranhar o cheiro de carne podre vindo de sua casa.
Por esse mesmo motivo, percebeu que tinha que responder. E odiou-se ao perceber que não só responderia, como seria honesta.
- Gostei mais da outra, aquele vestido preto. Essa calça larga faz sua bunda parecer gigantesca – opinou, escondendo a cabeça no travesseiro, enquanto ouvia soltar algumas palavras em concordância com seu comentário e se fechar dentro do banheiro de novo.

X


Quando Abigial, Harry e Katherine chegaram do mercado, a garotinha foi correndo direto para dentro da casa, buscando por , que estava no quarto de Katherine.
- Professora , oi! – Abigail entrou no recinto, sorridente – Olha, o tio Harry pediu para eu te dar. Skittles só de morango.
sorriu e aceitou o presente.
- Muito obrigada, Gail! Ah, antes que eu me esqueça – começou a vasculhar a própria mala e tirou de dentro o cachorro de pelúcia que a garotinha tinha lhe emprestado – Eu trouxe o Rooter.
- Ah! – os olhos verdes de Abigail brilharam e a garotinha abraçou o brinquedo – Ele cuidou bem de você?
- Muito – sorriu, abaixando-se para ficar na altura da garotinha – Eu senti muita saudade de você, sabia?
Abigail deu um sorriso largo e abraçou a professora com força, espremendo o bichinho de pelúcia entre seus corpos.
- Eu também senti saudades – ela disse, os bracinhos em volta do pescoço da professora – Agora vamos ser como uma família feliz, não é?

X


Harry estava ajudando Christopher a guardar a louça limpa que não seria usada no jantar nos armários.
- Ela te faz feliz? – perguntou o homem mais velho, repentinamente.
Harry hesitou, pego de surpresa pela pergunta do pai; depois sorriu, enquanto colocava um prato limpo que este lhe entregara no topo de uma pilha de seus similares.
- Sim. Muito. Faz algum tempo que eu não tenho o prazer de estar com alguém que não dá a mínima para o fato de eu tocar bateria em cima de um palco ou não – ele disse, com sinceridade – Acho que se apaixonou por Abigail e, depois, por mim. A ordem desses fatores me agrada.
Foi a vez de Christopher sorrir, enquanto entregava um novo prato ao filho.
- Ela parece ser uma boa moça – ele disse – Sua mãe mal conseguiu conter a própria felicidade quando Abigail chegou hoje de manhã berrando as boas novas. Alice e Oliver disseram que ela só falou nisso a noite inteira ontem.
Harry soltou uma risada.
- E pensar que a estava preocupada com como a Gail reagiria a isso – comentou, balançando a cabeça como quem acha graça.
Christopher também soltou uma risadinha; de repente, assumiu uma expressão um pouco mais séria.
- E como anda... você sabe? – apesar do pai ter se negado a pronunciar as palavras, Harry entendeu-as como se tivessem sido claramente ditas.
- Andando – o mais jovem deu um sorriso que pretendia ser confiante, enquanto pegava mais um prato que o pai lhe estendia – Passei essa semana no escritório do doutor Hooterville para concluir a contestação. Falta agora o juiz agendar a audiência e é isso.
Christopher observou o perfil do filho atentamente; ele era um homem de poucas palavras e ao invés de Emma, que sempre estava com o coração na palma da mão, nunca fora muito bom em dizer o que sentia.
Achava que isso muitas vezes o afastava de seus filhos, por isso se esforçava ao máximo para expressar tudo o que sentia de outras formas. Trabalhara muito para conseguir dar aos filhos tudo o que eles desejavam e sempre estivera lá para todos eles.
Mas sabia que precisava dizer o que sentia naquele momento.
- Estou muito orgulhoso de você, filho – ele disse, a voz saindo com alguma dificuldade – Você se tornou um homem e eu tenho tanta sorte em poder dizer que assisti essa transformação.
Harry hesitou, surpreso com as palavras do pai. Depois, deu um sorriso e abraçou-o.
A verdade é que Harry também tinha dificuldade de se expressar verbalmente; e, assim como o pai, acreditava que gestos poderiam falar mais alto que palavras.

X


queria morrer; naquele momento, detestava sua curiosidade e a maldita senhora Blossom por fazerem com que ela lesse aquele diário e tivesse amigas.
Fazia mais de três horas que estava enfornada na casa de que finalmente tinha conseguido escolher as roupas que usaria para aquela noite, mas agora começava uma nova epopeia em cima de que maquiagem usar.
Os sapatos seriam os próximos.
estava rezando para que penteados também não fossem encarados como um tópico de dúvidas.
- Então, eu acho que vou com algo básico – disse , afinal, depois de ficar alguns instante observando o próprio reflexo no espelho.
- OK.
- Ou será que eu deveria ir com algo mais escuro... ou simples, mas sexy?
- OK – repetiu .
enfiou a cabeça no vão da porta entre seu quarto e o banheiro.
- , você não está sendo muito útil – disse, como quem meramente aponta um fato.
costumava achar que poderia se dar bem em qualquer coisa na qual se empenhasse, mas não estava preparada para ser amiga de ninguém.
Ela achava que o conceito era simples, mas as poucas vezes em que teve que fazer “coisas de amigas”, tudo parece muito mais complexo e cansativo do que seriados como Sex and the City faziam parecer.
Ela ainda estava tentando entender conceitos básicos, como por exemplo, a necessidade feminina de ir ao banheiro acompanhada por outro ser do mesmo gênero.
Já fora obrigada a acompanhar ao banheiro na noite do sushi e simplesmente não conseguia entender qual era a lógica de ficar do lado de fora de uma cabine, enquanto a outra ficava lá dentro fazendo o que quer que fosse, enquanto era obrigada a conversar sobre coisas sem sentido.
Que não tinham nada a ver com banheiro.
- Desculpe – disse, lentamente – É que isso é difícil.
- O quê? Me ajudar a escolher as coisas?
- Fingir que me importo com o que você escolhe – respondeu.
observou-o com os olhos arregalados por alguns instantes e depois gargalhou, ao perceber o quão desolada e infeliz parecia, sentada na sua cama com os pés descalços, no meio do que pareciam três pilhas gigantescas de roupas que foram descartadas pela psicóloga.
- Desculpe te entediar – disse, sinceramente, caminhando até a executiva e empurrando uma pilha de vestidos para o lado, sentando-se ao lado da mulher e pegando suas duas mãos; observou-a com as sobrancelhas erguidas – Mas a amizade é assim mesmo. Eu sei que parece complicado e eu não sei bem como explicar, mas fazemos coisas sem sentido pelas pessoas que gostamos, porque sabemos que elas fariam o mesmo por nós.
- Tipo... ir ao banheiro comigo? – a outra perguntou, cautelosa, como se não tivesse muita certeza da resposta.
riu novamente.
- É. Isso mesmo. Ou te ajudar a escolher roupas para um encontro. Ou lembrar de você quando você morrer – acrescentou, divertida.
observou-a por alguns instantes, como se estivesse começando a entender melhor a dinâmica.
- Use uma maquiagem simples, já que você quer mostrar que não tem interesse nele. E se for fazer algo com o seu cabelo, use um coque.
Os olhos de brilharam em aprovação.
- Essa é a minha garota – murmurou, apertando de leve a bochecha de e levantando-se para voltar para o banheiro.

X


Abigail estava sentada na cama de Katherine, obediente, enquanto deixava que penteasse seus cabelos longos e ruivos; ela já estava usando um vestido verde musgo que era um de seus favoritos, com uma meia-calça grossa e branca para protege-la do frio e, por cima, uma casaquinho cinza.
- Você está tão bonita – riu – Vai ser a garotinha mais linda dessa noite!
Abigail riu e inclinou a cabeça para trás, de forma a conseguir ver a professora.
- Eu vou ser a única garota hoje à noite, professora – apontou, divertida.
riu e concordou com o argumento, enquanto com o auxílio da escova juntava todo o cabelo de Abigail em uma de suas mãos, preparando para prendê-lo em um rabo de cavalo alto quando a porta do quarto se abriu e Harry surgiu.
Ela sentiu seu coração bater descompassado quando viu o quão bonito ele estava; usava uma calça jeans normal e uma blusa de lã vermelha que parecia antiga, mas ele parecia tão à vontade daquele jeito e o sorriso largo que estava estampado em seu rosto era tão genuíno que ela poderia jurar que ele estava muito mais bonito do que jamais estivera em qualquer foto para revistas.
Com a possível exceção daquele ensaio para aquela revista, na qual todos eles estavam pelados; ela nunca admitiria isso em voz alta, mas fizera uma procura no google algumas semanas antes de ter tido seu primeiro beijo com o baterista.
- Como vão as minhas duas mulheres preferidas em todo o mundo? – ele perguntou, carinhoso, entrando no quarto e fechando a porta com cuidado às suas costas.
Seus olhos percorreram o rosto de antes de se voltar para a afilhada e sentiu uma dor quase física no fato de que passaram o dia inteiro sem sequer um toque de lábios.
Mas ele sabia que estava nervosa, sentindo-se acuada em um território que não lhe pertencia, e ele jamais faria nada que a fizesse se sentir ainda mais desconfortável.
- Tio Harry! – Abigail vibrou, mas ainda ficou imóvel por alguns instantes, permitindo que terminasse de prender seus cabelos, para então escorregar para fora da cama e jogar-se no padrinho – O que foi?
- Eu esqueci de te dar uma coisa – ele disse, fazendo uma careta.
Abigail franziu o cenho e afastou-se, percebendo que Harry estava escondendo algo às costas.
- O que é isso? – ela perguntou, começando a rodear Harry que movia-se também em círculos, mantendo-se sempre de frente para a afilhada, de forma que ela não conseguia ver o que estava escondendo.
- Para de ser curiosa que eu te digo – ele riu e também gargalhou, divertindo-se com a cena.
Prontamente Abigail parou como uma estátua no meio do quarto.
- Pronto – disse, mal conseguindo conter a ansiedade – O que é?
Harry trocou um olhar divertido com e finalmente revelou o embrulho que levava às costas.
- A tia pediu para te avisar que o Papai Noel esqueceu esse presente para você na casa dela – ele disse, entregando-o para a garota que soltou um berrinho histérico, sentando-se no chão e rasgando todo o embrulho, revelando o conteúdo.
Era uma caixa com uma Barbie vestida como a Rapunzel, em Enrolados, junto com um Ken, vestido de Finn, e ainda vinha com o cavalo.
Abigail quase teve um ataque cardíaco.
- AH MEU DEUS DO CÉU! O PAPAI NOEL ACERTOU EM CHEI O! AH MEU DEUS! AH, EU VOU MOSTRAR ISSO PARA A VOVÓ EMMA. JÁ VOLTO! – ela berrou, agarrando a caixa e saindo do quarto como um furacão.
Quando a porta se fechou com um estrondo, Harry e trocaram um olhar cúmplice. Ele aproximou-se da cama e ela se levantou; sentiu seu corpo inteiro se arrepiar quando ele a envolveu com os braços e puxou-a para mais perto.
- Senti sua falta hoje – ele murmurou, enquanto usava uma das mãos para colocar uma mexa dos cabelos castanhos para trás da orelha de .
Ela sentiu as bochechas pinicando e era como se uma onda morna invadisse o interior de seu corpo; Harry Judd fazia com que ela se sentisse nas nuvens com só algumas palavras e isso era mágico para ela.
- Eu também – ela admitiu, envergonhada.
Olhos azuis e se encontraram novamente e Harry começou a inclinar-se na direção da professora, os lábios se aproximando desejosos.
A porta se abriu.
- Ah, pelo amor de Deus, vão para um quarto. Quero dizer, um que não seja meu – exclamou Katherine, enojada.

X


Danny observou seu próprio reflexo uma última vez pelo retrovisor do carro; então, saiu e foi até o apartamento. Apertou a campainha do interfone e quando o som de que alguém atendeu do outro lado fez-se ouvir ele berrou um “É O DANNY” antes que pudesse perguntar quem era.
Ele subiu rapidamente as escadas até o andar do apartamento e checou o número novamente antes de apertar a campainha; a porta se abriu e surgiu.
Danny arregalou os olhos e ficou alguns instantes observando , pensativo. Baixou os olhos azuis para o papel na sua mão e, indiscretamente, deu alguns passos para trás, verificando novamente o número do apartamento.
- A mora aqui, Jones – revirou os olhos, resolvendo por tirar o coitado de seu mar de confusão.
- Ah... – ele respondeu, visivelmente aliviado – O que você está fazendo aqui?
- Eu vou junto – respondeu, dando de ombros, enquanto abria espaço para que o moreno entrasse no apartamento de .
- Você... vai junto – Danny franziu o cenho, enquanto tentava absorver a informação – E por que isso, posso saber?
hesitou, considerando a questão.
- Acho que não posso te falar. Confidencialidade entre amigas – explicou.
Danny lançou outro olhar longo para a mulher à sua frente; na verdade, seu cérebro tinha entrado em colapso a partir do momento que havia atendido a porta do apartamento de .
- O que você quer dizer com... – mas antes que ele pudesse terminar, ouviu o som típico de salto alto batendo contra o chão, indicando que uma mulher se aproximava.
Olhou por cima dos ombros e ficou sem ar; entrava na sala com uma calça jeans envelhecida e uma jaqueta de couro, nos pés ankle boots e os cabelos castanhos estavam presos em um coque meio solto.
No rosto, uma maquiagem tão discreta que se não fosse pela cor de rosa leve acima dos olhos, ele acharia que ela não estava usando nada.
- . Uau – ele disse, ofegante.
revirou os olhos às costas dele e teve que mordiscar de leve o lábio inferior, para evitar uma risada.
Danny achou aquele movimento especialmente sexy.
- Essa coisa velha? – desdenhou a própria roupa com um gesto de mãos – Foi a primeira coisa que peguei no armário.
engasgou com a própria saliva, mas felizmente Danny Jones estava ocupado demais babando na psicóloga para notar.

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Harry estava brincando com Abigail; os dois estavam sentados no tapete felpudo que ficava em frente à lareira, já acesa, e Harry segurava em uma mão Finn, enquanto Abigail segurava a Rapunzel em uma mão e o cavalo na outra.
Ele ouviu o som de alguém descendo as escadas e ergueu os olhos para ver quem era; que erro. Sua boca se escancarou e ele ficou momentaneamente sem ação, deixando Abigail, alheia à apatia do padrinho, brincando sozinha.
deu um sorriso tímido e acenou na direção dele; ela usava um vestido de inverno de lã, um pouco largo, de forma a não delinear seu corpo perfeitamente, mas deixando espaço para uma imaginação.
E Harry Judd era um homem muito imaginativo.
As pernas bem torneadas que ele conhecia muito bem estavam cobertas por uma meia calça grossa e os pés estavam protegidos por uma bota de cano alto e salto fino.
Os cabelos estavam soltos, caindo como uma cascata sobre os ombros e, apesar de não usar maquiagem alguma, os lábios estavam brilhantes, indicando que ela provavelmente passara um gloss neles.
Abigail franziu o cenho quando percebeu que Harry não estava mais interagindo na brincadeira e ergueu os olhos, inquisitiva; ao perceber o olhar vidrado do padrinho, acompanhou-o até chegar à professora.
- Professora ! – ela ofegou, largando a boneca e o cavalo em cima da mesa de centro e correndo até a mulher – Você está linda! Parece uma modelo do America’s Next Top Model.
riu do elogio.
- Obrigada, Gail, você também está linda – seus olhos encontraram os de Harry que finalmente conseguiu se recompor.
- Vem brincar comigo? – pediu Abigail, puxando a mulher pela mão – O tio Harry vai ficar te olhando que nem um bobo e não vai mais conseguir falar.

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Quando Daniel, e chegaram ao La Roots, o lugar já estava bombando; uma fila de pessoas encolhidas para se proteger do frio estendia-se até o final da esquina e assim que as pessoas identificaram Danny Jones, olhares curiosos começaram a ser lançados na direção do trio.
O moreno puxou o celular do bolso enquanto caminhavam em direção aos seguranças na entrada; ele murmurou um ‘elas estão comigo’ e o homem deu um passo para trás, permitindo a entrada dos três.
não podia negar que gostava desse tipo de poder e teve que se controlar para não lançar um tchauzinho irônico para as garotas na fila que, usando vestidos minúsculos, estavam quase se fundindo em um só corpo para se proteger do frio.
- O que você está fazendo? – perguntou , apontando para o celular nas mãos de Danny.
- Mandando uma mensagem para o Dougie e para o Tom; preciso saber se eles já entraram ou se ainda não chegaram – explicou.
Nesse momento, o celular na mão do vocalista apitou e ele abriu a mensagem de Dougie.
- Ele, o Tom e a Gio estão perto do bar. Vamos lá – ele disse e, gentilmente, puxou pelo cotovelo.
- Você vai tocar agora? – perguntou a psicóloga, enquanto acompanhava o homem.
- Não, ainda não – Danny respondeu, dando um sorriso largo – Preciso esperar o DJ que está tocando agora terminar o repertório dele. Começo tocar lá pelas dez horas e vou até quase a virada do ano novo.
- Então você passa o ano novo na pista? – quis saber , interessada.
- Lógico. Eu também mereço um beijo de meia noite, não acha? – ele ergueu as sobrancelhas, divertido.
riu.
- Isso é o que veremos.

X


não podia negar que estava se divertindo; apesar de ainda se sentir um pouco tímida na presença de pessoas tão espontâneas como os Judd, sempre dava risada dos comentários mordazes de Katherine, ou se comovia com as atitudes maternas e carinhosas de Emma.
A verdade é que uma pequena parte dela tinha inveja daquela família e desejava poder ver um pouco dessa união na sua própria família.
A outra parte dela se ressentia por ter um sentimento tão baixo, quando aquela mesma família que ela invejava recebia-a de braços abertos e um sorriso caloroso no rosto.
Até mesmo Tom, com quem mal trocara mais do que algumas palavras, estava se esforçando em tornar a estadia dela agradável e sempre saía de seu caminho para ajudá-la ou fazê-la se sentir confortável.
Christopher estava contando uma história divertida sobre uma das vezes em que eles acharam que Harry tinha desaparecido, mas na verdade Katherine o tinha amordaçado e trancado dentro do armário embaixo da escada e ficara com vergonha de admitir.
Então, permitira que os pais ligassem para a polícia e só foi explicar o que aconteceu quando, no final da noite, o delegado viera à sua casa informar que as buscas haviam sido inconclusivas e vira sua mãe começando a chorar, desesperada, abraçada com o seu pai que deixava algumas lágrimas silenciosas caírem pela bochecha.
Isso lhe rendera a maior surra de sua vida e um castigo recorde de quatro meses sem televisão e nem sair com os amigos.
Todos estavam rindo, enquanto Katherine e Harry trocavam farpas fraternais e, quando sentiu o homem ajeitar-se melhor e abraçá-la com um pouco mais de firmeza, enquanto Abigail estava deitada no seu colo, sorrindo, sonolenta, ela soube que jamais estivera tão feliz em toda a sua vida.

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- , NÃO ACREDITO QUE VOCÊ ESTÁ AQUI! – berrou Giovanna, afastando-se do namorado, já um pouco alegre – O Tom fala que você não se mistura, mas olha só, Tom. Ela está aqui.
Apontou para com a mão que não estava segurando o copo e riu; Tom deu um sorriso amarelo perante as sobrancelhas arqueadas de .
- Eu não disse isso, querida – Tom disse, gentilmente, esticando o braço e trazendo Giovanna para mais perto.
- Disse, disse, sim. Você disse ‘a nunca vai a nada, porque ela acha que é boa demais para se misturar com a gentalha’. Eu lembro de cada palavra – ela apontou para a própria cabeça.
Dougie escondeu o rosto nas mãos e começou a rir; Tom manteve seu sorriso intacto no rosto e puxou o copo das mãos da namorada.
- Acho que já chega de margueritas para você por hoje – disse, gentilmente.
estreitou os olhos, mas manteve um sorriso cordial.
- Não, Gio, querida, eu tenho certeza absoluta que o que eu disse foi que eu não gostava de me misturar com o seu namorado – ela disse, gentilmente – O senhor Fletcher estipulou o sinônimo sozinho.
Sem dar oportunidade para uma resposta, ela foi até o balcão do bar, parando ao lado de Dougie que ainda estava rindo.
- Se divertindo? – ela perguntou, olhando-o de lado.
- Desculpe, mas isso foi hilário – o baixista concordou, enquanto erguia o dedo para o barman, indicando que queria mais um pedido.
- O que é isso que você está bebendo? – quis saber .
- Apple Martini – ele respondeu.
fez o número dois com a mão, indicando que queria o mesmo que Dougie e o barman concordou com um aceno de cabeça, começando a preparar os drinks.
Nesse momento, Britney Spears começou a tocar e soltou um grunhido satisfeito; Danny observou-a com curiosidade.
- Você gosta? – ele perguntou, indicando a música com um aceno de cabeça genérico.
- Desde que eu tenho doze anos de idade – riu – Eu aprendi a dançar assistindo o clipe de “Oops! I Did It Again”.
Os olhos de Danny faiscaram e ele riu, imaginando a cena.
- Deve ter sido adorável – ele disse.
- Minha mãe não aguentava mais me ver de macacão vermelho pelos cantos – ela discordou, fazendo com que ele gargalhasse.
Danny olhou para o relógio de pulso.
- Tenho que ir, – disse – Sirva-se no bar e nos vemos mais tarde – ele piscou e misturou-se na multidão.

X


Durante o jantar na casa dos Judd, a diversão foi ainda maior – porque estava muito bem temperada com a comida maravilhosa de Emma e Katherine que puxara o talento da mãe para comida.
- Falemos mais sobre a Juddy – opinou Tom, dando mais um longo gole em seu conhaque – Quero dizer, é a primeira visita da namorada dele aqui em casa e a mamãe nem mostrou a foto dele pelado com dois anos de idade.
Katherine imediatamente colocou-se de pé.
- Mamãe, por favor, deixa eu pegar a foto – implorou – Lavo a louça do jantar.
Harry lançou um olhar em pânico na direção de Emma que, sorrindo, acenou para a filha, deferindo o pedido.
- Mãe! – o moreno soltou, perplexo.
Emma soltou uma risadinha histérica e divertida; isso e as bochechas avermelhadas eram evidências de que bebera mais do que devia.
- Ah, querido, Kate tem razão – ela riu, depois voltou-se para , que gargalhava da situação, acompanhada por Abigail – A foto é adorável, você não vai se arrepender.
lançou um olhar divertido na direção de Harry, que parecia tentar resolver se ficava chateado, irritado ou se também achava graça da situação.
- Tenho certeza de que não vou.

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Danny tinha acabado de assumir o posto como DJ e a pista estava agitada; o grupo composto por Gio, Tom, , e Dougie estavam pegando novas bebidas e preparando-se para entrar na pista e aproveitar o som providenciado pelo amigo.
Dougie estava atento aos homens que acompanhavam e com o olhar, mas como não conseguia descobrir qual das duas os homens estavam cobiçando, resolveu que cuidaria das duas.
Tom, por sua vez, estava ocupado demais amparando Giovanna para que ela não tropeçasse nos próprios pés e caísse no meio da pista, enquanto ria das coisas sem nexo que a namorada berrava.
Quando deu mais ou menos onze e quarenta, as pessoas na balada já estavam começando a se agitar, procurando pelos seus parceiros para o beijo da meia noite.
Homens e mulheres, homens e homens e mulheres e mulheres negociavam entre si, checando interesses e afinidades. Podia ser um costume sem significado, mas ser o primeiro beijo do ano de alguém tinha uma certa carga emocional.
- Sabe, na verdade, o Tom e a Gio têm muita sorte de não ter que participar dessa humilhação pública de ter que implorar carinho para um desconhecido – opinou ; ela e Dougie estavam apoiados em que lutava para não ceder sob o peso de nenhum dos dois.
- É. Sem contar que eles não têm que ficar cuidando de dois bêbados – a mulher resmungou, entre os dentes – Por falar nisso, por que é que vocês não vão procurar o beijo da meia noite de vocês e me deixam respirar um pouco, hein?
Dougie, bêbado demais para se lembrar de sua função, desencostou-se corajosamente da amiga.
- Está certo. E você, não vai procurar o seu beijo da meia noite? – questionou, pensativo.
- Não. Eu não acredito nessa babaquice de querer começar o seu ano novo com um estranho – ela disse, categórica.
- Isso é mesmo muito profundo – opinou , também desencostando-se da amiga – Acho que eu vou aderir... esquece, loiro gostoso se encaminhando na minha direção. Mas começar o próximo ano novo sozinha será uma das minhas intenções para 2011.
O homem finalmente conseguiu matar a distância entre eles; sorriu para e seus olhos verdes límpidos, meio azulados, brilharam de um jeito irresistível.
- Oi – ele cumprimentou, com um sorriso tímido, mas ao mesmo tempo seguro de si – Ahn. Oi – cumprimentou e Dougie com um aceno de cabeça – Eu te vi do bar e... Ahn. Desculpa, faz um tempão que eu não faço isso. Acabei de sair de um relacionamento realmente muito longo e acho que esqueci como ser solteiro.
sorriu, achando-o adorável; depois, olhou por cima dos ombros, procurando por aprovação. sorriu e ergueu os dois dedões e Dougie apenas observava a cena com o cenho franzido.
O fato de ter um homem cercando fazia com que algum tipo de sirene disparasse em seu cérebro, mas ele não conseguia entender muito bem o porquê.
- Eu sou – ela disse, dando um sorriso encorajador e apertando a mão firme e grande do homem.
- É um nome muito bonito – ele opinou.
O sorriso dela se alargou um pouco mais.
- Obrigada.
- Bem, então... – ele coçou a cabeça, parecendo desconsertado – Eu gostaria muito de saber se...
Nesse instante, a batida eletrônica foi mudada para a chamada de Oops! I Did It Again, o inconfundível começo chamativo, o gemido de Britney Spears encheu o recinto; imediatamente, todos os presentes – inclusive - soltaram um berrinho incrédulo.
Instantaneamente, voltou a atenção para o pódio onde Danny estava. Os olhos dele estavam fixos nos aparelhos na mesa de som, parecendo completamente ausente ao público que parecia delirar com o ataque “old school”.
Ela sentiu seu coração bater mais forte e não percebeu a expressão levemente confusa do homem, que parecia desconsertado por ter sido interrompido.
Danny, então, introduziu a batida de “Cooler Than Me” de Mike Posner e, durante quase três minutos, ficou mesclando as duas músicas, fazendo o público geral ser levado à loucura.
voltou os olhos para o homem, que ainda estava parado ao lado dela.
- Desculpe – ela disse, com sinceridade – Mas eu já tenho o meu beijo da meia-noite. E eu tenho uma política muito estrita de só beijar um cara por noite.

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- Ah, meu Deus, Harry! – exclamou, enquanto analisava a foto que Katherine afobadamente colocara em suas mãos – É fofo demais!
- E olha como ele segura o piupiu dele! – Tom apontou, colocando-se atrás da cadeira da namorada do irmão – Ele estava fingindo fazer xixi como “gente grande”.
Todos gargalharam, menos Harry, que entortou o nariz.
- Vocês são os piores familiares do mundo – resmungou.

X


Dougie estava caminhando com certa dificuldade, ele admitia; mas gostava de pensar que era porque a pista de dança estava lotada de pessoas e não porque bebera dois shots de Jack a mais do que devia.
Estava procurando seu beijo de meia noite e, pelo jeito que algumas garotas lançavam olhares insinuantes para ele, aquela missão não seria exatamente a mais difícil de todas.
Mas ele queria alguém especial.
Alguém parecida com... ?
Olhou em volta e conseguiu identificar um brilho especial: uma garota de cabelos se mexia com as amigas, parecendo se divertir com um copo de plástico em uma das mãos.
Estava se divertindo, e seu sorriso parecia contagiante; era um pouco diferente do sorriso doce e meio tímido de . Aquele era descontraído e meio sexy, de quem sabe que tem todos os homens que quer em um piscar de olhos.
Vinte metros separavam eles; determinado, começou a abrir espaço entre as pessoas em direção à mulher.
- Falta um minuto para a meia-noite! Um minuto, senhoras e senhores! Todos procurem seus parceiros antes que seja tarde demais e tenham que começar o ano novo sozinhos! – imediatamente as pessoas na pista se agitaram.
Dougie empurrou um casal que resolveu que não precisavam esperar até a virada do ano para começar a se amassar como se tivesse chegado o final do mundo e fechou uma mão em volta do cotovelo da garota de cabelos .
Ela virou a cabeça na direção dele; seus olhos castanhos se arregalaram, surpresos. Depois, sua expressão se suavizou, como quem aprova a surpresa.
Mas algo aconteceu na cabeça de Dougie; imediatamente ele começou a fazer uma comparação entre aquela desconhecida e . O jeito como os olhos de brilhavam com gentileza, ao invés dessa forma vulgar e aproveitadora que parecia fazer os olhos daquela garota brilhar.
Era muito provável que aquela mulher fosse mil vezes mais bonita que .
Mas ela não é a ”, ele completou, em pensamentos.
Com uma expressão enojada e confusa, ele tirou as mãos da mulher.
Estava farto.
Farto de procurar por em outros rostos, em outros perfumes, em outros abraços.
Chegava.
Então, a voz de ecoou em sua cabeça.
“Eu não acredito nessa babaquice de querer começar o seu ano novo com um estranho”.
E, sem se dar ao trabalho de dar uma explicação qualquer à mulher que ainda o encarava com confusão, deu-lhe as costas e começou a empurrar a multidão à sua frente, tentando voltar para o local onde estavam seus amigos.
- E agora? Que tal começarmos a contagem?
Todos juntos começaram a berrar:
- DEZ...


- Vamos, os fogos estão começando! – berrou Abigail, apontando pela janela para o céu escuro, que se iluminava com algumas bolas gigantescas e coloridas.

- NOVE...


Danny desceu do pódio que ocupava como DJ e teve que literalmente empurrar algumas mulheres que se jogavam na sua frente, com o convite de serem seu beijo de meia noite implícito nos sorrisos insinuantes.
Danny Jones só tinha olhos para uma aquela noite.
Continuou caminhando por entre a multidão, espichando o pescoço e buscando por , ao mesmo que tempo que rezava para que ela já não tivesse escolhido alguém para dar o beijo da meia-noite.

- OITO...


Dougie finalmente conseguiu encontrar seus amigos entre a multidão; chegou ao grupo no mesmo momento em que ouvia dispensar um cara com o jargão clássico:
- Querido – ela disse, com um tom de voz que parecia ser gentil, mas que na realidade transbordava cinismo – Garotas com corpos como o meu, não saem com caras com rostos como o seu.
O homem torceu o nariz, mas antes que pudesse responder qualquer coisa, Dougie afastou-o de com um empurrão.
- – ele disse, afobado – Seja o meu beijo da meia-noite.

- SETE...


Harry saiu da casa apressado, com Abigail no colo e ao seu encalço, toda a família Judd estava no jardim dos fundos, observando o céu se iluminando em diferentes pontos pelas bolas de fogo que eram os fogos de artifício.
- Uau, tio Harry! – exclamou Abigail, os olhos verdes brilhando – É lindo, não é?
- É – ele sorriu, observando o perfil da afilhada – É maravilhoso.
E, sem sentir, sua mão livre procurou pela mão de .
Eles entrelaçaram os dedos.

- SEIS...


estava olhando aflita para a multidão: não conseguia encontrar Danny Jones em lugar algum.
Completamente alheia ao conflito que estava se desenvolvendo entre e Dougie começou a abrir caminho entre a multidão, se desvencilhando das mãos ansiosas dos homens que tentavam puxá-la.
- DANNY? – ela começou a berrar.

- CINCO...


- Dougie, o que diabos...? – começou a perguntar, perplexa.
- Espera – o homem pediu, erguendo uma das mãos – Deixe eu fazer o meu ponto antes de dizer “não”.

- QUATRO...


Danny começou a entrar em verdadeiro desespero.
- ! – berrou – , CADÊ VOCÊ?

- TRÊS...


- DANNY! DANNY! – berrava, espichando o pescoço para olhar por cima da multidão e, finalmente, o viu.
Ele parecia procurar por alguém também.
Procurava por ela, mas se movia na direção contrária a que ela se encontrava.
Rapidamente, a psicóloga começou a empurrar as pessoas, abrindo passagem até o vocalista.

- DOIS...


- Fale, então – concedeu, sentindo-se extremamente desconfortável.
- Não entenda errado, por favor. Não é que eu queira nada com você, não como uma namorada – Dougie franziu o cenho como se a mera ideia de ter qualquer coisa com fosse impensável – É só que... eu cansei de correr atrás de mulheres imaginárias. Não quero passar meu ano novo beijando uma desconhecida e esperando que talvez esse ano vá ser diferente. Que talvez eu milagrosamente encontre a Chuck ou alguém que faça eu me sentir como ela fez. Eu cansei. Eu quero paz esse ano, , eu quero ser feliz. E a minha vida inteira eu só consegui ser feliz perto dos meus amigos, então...? – ele ergueu as sobrancelhas, deixando a pergunta implícita.
mordiscou o lábio inferior, em dúvida.

- UM!


empurrou uma última garota e jogou-se sobre Daniel; o moreno voltou-se, surpreso, e parecia estar prestes a afastá-la dele quando olhos azuis e se encontraram.
Ele sorriu, incrédulo.
- ! – exclamou, perplexo.
- Cala a boca e me beija, antes que seja tarde demais! – ela berrou, segurando-o com as duas mãos pelo colarinho da blusa.
Danny sorriu e chapou os lábios contra os dela.

X


- Feliz ano novo, amor – desejou Tom, inclinando-se na direção de Gio e beijando-lhe os lábios.
Mas arregalou os olhos quando viu, atrás da namorada, uma cena inacreditável.
X


- Oh, Deus – revirou os olhos e puxou Dougie pelo colarinho – Vem, antes que eu me arrependa.
Qualquer pessoa que visse aqueles dois se beijando, saberia que tinha algo estranho – talvez fosse o fato de que fora um dos poucos selinhos dados na virada do ano ou talvez fosse a completa ausência de química entre eles.
Mas o que realmente importava era que aquilo não era um mero beijo.
Não, era muito mais do que aquilo: era um gesto simbólico.

X


Harry e se entreolharam e beijaram cada um uma bochecha de Abigail.
A garota gargalhou, divertindo-se.
Depois, os dois se beijaram; um beijo terno e carinhoso, enquanto os fogos explodiam no céu escuro acima deles.
Com uma mão em volta dos ombros de e a outra amparando Abigail em seu colo, Harry Judd imaginou que não existiriam premissas melhores para o começo de um novo ano.

- FELIZ ANO NOVO!

“A very Merry Christmas
And a happy New Year
Let's hope it's a good one
Without any fear
John Lennon – Happy Xmas (War is Over)



Capítulo 17 – Smile for the Paparazzi (parte I)


“Party queens:
If you wanna be seen,
take a shit where you sleep,
and smile real wide for the pa-pa-pa-pa-parazzi everywhere”

Laurence Greece, uma repórter de quarenta e sete anos, observava a tela de seu computador, o rosto apoiado em uma das mãos, enquanto esperava pela criatividade resolver dar o ar de sua graça.
Enquanto metade de seu cérebro tentava lembrar de algo que pudesse valer as setenta linhas que tinha que escrever, a outra parte dele considerava que era justamente o fato de ela estar às seis da manhã do primeiro dia do ano sozinha, no jornal, o motivo pelo qual ela passara a virada sozinha.
Porque nenhum homem aguentava ficar com ela e com a sua obsessão pelo seu trabalho por mais do que algumas semanas.
Fechou os olhos, exausta, e soltou um suspiro. Estava prestes a desistir e deitar sobre seus braços por alguns segundos, quando o seu celular começou a tocar.
Estranhando o horário, pegou-o, identificando o nome no visor e deu um largo sorriso; uma de suas fontes mais polêmicas de informação estava ligando e ela sabia que o que quer que ela oferecesse valeria a pena.
E como.

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Harry abriu os olhos e se espreguiçou, sentindo-se descansado e bem humorado; estava na casa na qual passara toda a sua infância, com uma família que sempre lhe oferecera o apoio que precisara, com a garotinha que roubara um espaço tão grande de seu coração que ele não conseguia mais se imaginar sem ela e com a mulher que só com um sorriso fazia com que ele perdesse o fôlego.
Se aquilo não era um começo de ano promissor, então ele não sabia o que seria.
Ouvindo o barulho que vinha do andar debaixo, Harry chutou os cobertores e colocou-se de pé, rapidamente trocando o pijama por uma calça jeans e o mesmo suéter que usara no dia anterior.
Quando chegou à cozinha, encontrou sua mãe conversando com seu pai, enquanto mantinha um dos olhos atentos em uma chaleira no forno; sorriu para os dois, cumprimentando-os.
- Aqui, Harry, querido, pegue um pouco de ovos mexidos. Em breve, teremos um pouco de chá para esquentar um pouco essa manhã fria – distraída, ela esfregou os próprios braços, inconscientemente enfatizando suas próprias palavras.
- Certo – o homem sorriu, começando a se servir.
- HARRY? – a voz de Katherine veio da sala; tinha um quê de urgência nela que não era comum – HARRY, VENHA AQUI.
Com as sobrancelhas erguidas, Harry saiu da cozinha com o prato em uma mão e os talheres na outra; assim que alcançou o arco que separava a cozinha da sala, entendeu o que a irmã queria com ele.
Na tela da televisão, ele conseguia ver uma foto dele e uma de Abigail.

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soltou um grunhido antes de abrir os olhos , mas arrependeu-se assim que o fez: enquanto seus orbes se moviam rapidamente, tentando identificar o quarto que não conhecia, sentia o pânico começando a tomar conta do seu corpo.
Sentou-se abruptamente com a respiração acelerada, abraçada ao lençol; juntando toda a coragem que tinha, virou-se para o outro lado da cama para descobrir com quem dividira a cama.
Identificou uma silhueta bem coberta, comprida e estirada; o corpo movia-se delicadamente, como se a pessoa estivesse respirando calmamente e quase chorou de alívio quando viu os cabelos de destacando-se contra o lençol branco da cama.
“Certo”, pensou aliviada, “Então nada de muito ruim aconteceu, a não ser que...”, olhou em volta, novamente, “Essa não é a casa da .
E não era mesmo; aquele quarto era grande o suficiente para ter o dobro do tamanho do quarto pequeno e modesto da psicóloga.
Entretanto, antes que pudesse prosseguir com sua investigação mental, a porta do quarto se abriu abruptamente e Danny Jones entrou, esfregando os olhos e andando com as pernas ainda um pouco bambas pelo sono.
- Bom dia, bela adormecida – desejou Danny, interrompendo a frase para soltar um bocejo – Espero que tenham dormido bem, porque minha noite foi horrível. Vou trocar aquele sofá idiota, uma noite deitado lá e parece que passei as últimas horas sendo torturados por chineses, ou sei lá.
ainda estava chocada demais para sequer prestar atenção nas palavras do homem; parte dela estava aliviada por estar no apartamento de Danny com , mas ainda não conseguia entender como aquilo acontecera.
- Vocês estavam muito bêbadas, achei melhor manter vocês por perto, caso precisassem de alguma coisa – ele explicou, interpretando a expressão perplexa da amiga.
- Ah. Você estava melhor do que a gente? – ela questionou, perplexa. Danny ergueu as sobrancelhas, fingindo estar ofendido pela surpresa da mulher. revirou os olhos – Ano novo. Acho que é o presságio de mudanças, afinal de contas.
Danny revirou os olhos e pegou uma toalha dentro do armário, enquanto pegava o controle da televisão em cima do criado mudo e a ligava, tomando o cuidado de abaixar o som para não acordar a psicóloga adormecida ao seu lado.
- ... e o ano novo não trouxe só boas novas – a voz da âncora de um jornal matutino dizia – O juiz da terceira vara de família de Londres designou para o dia 15 de janeiro a data para a audiência de produção de provas e julgamento do caso em que decidirá se o homem manterá, ou não, a guarda de sua afilhada, Abigail Grace Dickens.

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Dougie abriu o pote de ração do lagarto e analisou atentamente o conteúdo; dezenas de gafanhotos mortos estavam lá dentro e um cheiro peculiar saía do recinto.
Ergueu os olhos azuis e encontrou o réptil em cima de um galho, em seu viveiro, observando o dono atentamente, como se soubesse que sua alimentação dependia daquele pote branco.
- Você está com fome? – perguntou Dougie, erguendo as sobrancelhas, aproximando-se; o teiú ergueu um pouco a cabeça para conseguir manter seu foco no homem, que aproximou, e esticou a língua para fora, num gesto rápido. O loiro riu – OK, vou aceitar isso como um “sim”.
Ele depositou alguns gafanhotos em cima de uma travessa que ele deixara especialmente para alimentar o réptil.
- Eu preciso te dar um nome – ele disse, enquanto observava o animal descer rapidamente do galho e caminhar sorrateira e rapidamente até a travessa, abocanhando os restos mortais dos gafanhotos – Que nome te parece melhor? Verdinho? Não, não pode ser. Pesquisei e, pelo jeito, quando você ficar maior vai ficar meio cinzento. Eu poderia te chamar de Zokie II, o que acha?
O lagarto continuou comendo, completamente indiferente às preocupações de seu dono a respeito de seu nome.
- Não. Zokie II não combina. Acho que vou assistir um pouco de TV, enquanto tento pensar em alguma coisa – ele disse, pensativo, largando-se no sofá e ligando a televisão.
Foi a imagem de Harry e Abigail, junto com ele, Danny e Tom em um pub que fez com que ele aumentasse o volume da TV até conseguir identificar o que estava sendo dito:
- As acusações são as mais diversas, Hetch – disse uma repórter, com uma expressão de seriedade – Mas todas elas têm por fundamento o despreparo do homem para cuidar de uma menor de idade. Como você mesmo pode ver nessa foto...

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Tom estava sentado à mesa da cozinha de seu apartamento, bebericando um pouco de chocolate quente, enquanto esperava o pão de forma sair da torradeira.
Ergueu os olhos do jornal que lia quando viu Gio entrando no recinto, enrolada em um robe para proteger-se do frio e com uma expressão de verdadeiro sofrimento no rosto.
- E então? Ressaca? – ele perguntou, divertido.
- Não precisa berrar, Tom – ela choramingou, apesar do namorado ter falado isso em um tom de voz normal.
O loiro soltou uma risadinha, enquanto servia um pouco de chocolate quente na xícara que a mulher lhe estendia.
- Nunca mais vou beber – prometeu Giovanna, sentando-se na cadeira de frente para a do namorado e segurando a xícara com as duas mãos, aproveitando o calor que emanava.
- Acho que já ouvi isso antes – ele comentou, a covinha ressaltada.
Giovanna fez uma careta para ele e deu um golinho na xícara que segurava; depois deu mais um gole e franziu o cenho, como se tivesse pensado em alguma coisa que a incomodara.
- Escuta – ela disse, lentamente – Eu acho que tive um sonho meio estranho. Eu sonhei que a beijou o Dougie.
Tom sentiu todo o seu corpo ficar tenso repentinamente; ele não conseguia entender muito bem porque sempre que se lembrava do fato de que fora o beijo de meia-noite de seu amigo, sentia uma onda de desconforto e irritação percorrer todo o seu corpo.
- Não foi sonho – ele respondeu, o tom de voz quase ríspido.
Giovanna não conseguiu evitar soltar um risinho, alheia ao desconforto do namorado.
- Isso é estranho. Quero dizer, de todos os caras na balada, não é bizarro que ela tenha escolhido ficar com o Dougie? Quero dizer, eles não combinam. Tipo, mesmo.
Tom sentiu seu maxilar ficando tenso e teve a sensação de que estava rangendo os dentes.
- É, eu sei.
Ficou em silêncio, observando o vapor subindo de sua xícara; de alguma forma periférica, percebeu que Giovanna ligara a TV que eles tinham na cozinha, mas não conseguia se concentrar em nada.
Depois que vira Dougie e se beijando, sentiu algo estranho; quase como se um leão dentro dele rosnasse, insatisfeito; simplesmente não conseguira acreditar nos seus olhos.
não deveria beijar ninguém; não era ela que detestava homens?
E se ela resolvesse beijar alguém, tinha que ser o Dougie, de todas as pessoas?
- Hey – a voz de Giovanna tirou-o de seus pensamentos e, por algum motivo, ele se sentiu culpado – Não são o Harry e a Gail na TV?

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Abigail não conseguia entender os adultos, eles eram estranhos demais. Ao contrário das crianças, que sempre dizem o que querem, os adultos pareciam sofrer de algum tipo de problema – talvez todos eles batam com a cabeça em alguma parede de concreto ou algo do gênero na adolescência – que fazia com que fosse impossível para eles dizerem o que realmente pensavam.
Por exemplo, quando ela acordara naquela manhã no dia primeiro de janeiro de 2011 e descera as escadas alegre; assim que ela pisou na cozinha, todos se calaram e lançaram olhares estranhos na sua direção.
Então, ela perguntou:
- O que foi?
E tio Harry respondeu:
- Nada.
Mas era mentira; ela sabia disso, porque ele não olhou para ela quando disse isso e percebeu que algumas das pessoas na mesa – tia Kate e a professora – desviaram os olhos.
- Está tudo bem? – ela perguntou novamente, desconfiada.
- Claro que está, querida – Emma respondeu, mas algo no jeito que os olhos dela brilhavam, como se ela estivesse segurando fortemente algumas lágrimas, fazia com que Abigail soubesse que aquilo também era uma mentira.
Abigail observou a mesa atentamente por alguns breves instantes, constatando expressões estranhas no rosto de cada um dos presentes; eles pareciam tão tristes.
Mas por quê?
Entretanto, antes que ela pudesse fazer outra pergunta qualquer, tio Christopher levantou-se da cadeira, com uma voz animada que parecia um pouquinho forçada, e puxou-a para o seu colo.
– Que tal um pouquinho de suco de laranja?
Abigail não entendia os adultos, ela admitia, mas uma coisa ela sabia: quando eles fingem estar felizes, é melhor fingir acreditar – continuar questionando geralmente faz com que eles continuem chateados e te deixem de castigo.
Isto em mente, ela sorriu e aceitou.

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ouviu um barulho incômodo e resmungou sonolenta, virando-se de costas para a fonte do som; franziu o cenho quando o barulho continuou, insistente, atrapalhando seu sono.
Tateou a cama vazia ao seu lado e encontrou um travesseiro, fechou a mão com firmeza sobre ele e pressionou-o contra sua cabeça, tentando abafar aquele som que impedia seu sono.
Desistiu com um suspiro, jogou o travesseiro para o outro lado da cama e sentou-se com um gemido, alcançando seu celular – a fonte de todo o desconforto -, no chão ao lado da cama.
Seu cérebro registrou apenas de forma superficial o fato de que não estava em sua cama e de que não sabia a quem pertencia aquele quarto.
- Alô? – atendeu, a voz embargada pelo sono.
Era bom alguém estar morrendo, ou cabeças rolariam.
- Doutora , olá! – uma voz feminina, simpática e solícita, respondeu do outro lado da linha – Somos do programa de entrevistas British Afternoon e gostaríamos de saber se a senhorita gostaria de nos dar uma entrevista.
hesitou por um breve instante: do que aquela mulher estava falando?
- Entrevista? – ela questionou, coçando a testa – Sobre o quê?
- Sobre o caso Reino Inglês contra Harry Judd. A senhorita foi psicóloga da garotinha, não é? Ahn... – ouviu um barulho ao fundo, como se alguém tivesse mexendo em papéis – Abigail Dickens?

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Abigail estava sentada na cama de tia Katherine observando enquanto terminava de dobrar seu pijama de coelhinhos e guarda-lo em sua bolsa de viagem.
- Bem – a professora suspirou, colocando as duas mãos na cintura, enquanto observava a mala vermelha com uma expressão crítica – Acho que é isso, não? Ou estamos esquecendo alguma coisa?
Abigail negou com um aceno de cabeça, mas seus olhos verdes brilhavam de um jeito tristonho, diferente do normal.
- Professora ? – a garotinha chamou-a, a voz um pouco acima de um sussurro – O tio Harry tá bravo comigo?
engasgou, os olhos arregalados; rapidamente, cobriu a distância que a separava da garotinha e sentou-se ao seu lado na cama.
- Claro que não, Gail! De onde você tirou isso? – quis saber, preocupada.
- Não sei, ele está todo estranho – a menininha encolheu os ombros, com uma expressão infeliz – Você percebeu que ele não falou comigo hoje? E sempre que ele olha para mim, ele faz uma cara estranha de bravo.
A mulher sentiu seu coração se comprimir ao ver a expressão de infelicidade no rosto daquela garotinha e, por um instante, detestou o fato de ela ser nova demais para poder entender que o motivo pelo qual o padrasto estava tão distante era justamente porque estava com medo de perdê-la.
- Seu tio Harry está preocupado, é só isso. Ele recebeu uma notícia ruim hoje e está com a cabeça cheia, mas não tem nada a ver com você – Abigail manteve os olhos fixos nos próprios pés, a expressão tristonha inalterada – Hey – ergueu o queixo da garotinha com o dedo indicador, fazendo com que seus olhos se encontrassem – O tio Harry te ama muito, está bem? Nada vai mudar isso.
Os olhos verdes de Abigail brilharam e ela concordou com um aceno de cabeça.

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- Eles te ligaram, por que queriam uma entrevista exclusiva com a psicóloga da Gail? – rosnou, batendo com a mão sobre a tampa da mesa da cozinha de Danny – Esses sanguessugas detestáveis.
encolheu os ombros, enquanto aceitava a xícara de café que Danny lhe estendia.
- Harry deve estar furioso – opinou o vocalista, dando um gole em sua própria xícara – Ele sempre se esforçou para viver uma vida tranquila, quando não está com a gente. Agora, do nada, a parte mais importante da sua vida está sob as luzes dos holofotes.
Houve um breve instante de silêncio, durante o qual os três absorviam a informação transmitida pelo homem.
- Sanguessugas – resmungou , ao mesmo tempo que grunhia um “bastardos”.
- O que vamos fazer? – perguntou Danny, afinal.
- O que você quer dizer? – questionou , franzindo o cenho.
- Bem... – Danny observou o conteúdo de sua xícara, pensativo – Eles já vieram atrás de você, . Isso quer dizer que logo, logo eles começarão a bater na minha porta, na da , do Tom, do Dougie. Enfim, vocês sabem como são os jornalistas, se sentem o cheiro de furo, não relaxam até chegarem ao ponto central. Então, minha questão é... o que vamos fazer?
mordiscou o lábio inferior, considerando a questão, enquanto penteava os cabelos com as próprias mãos, também perdida em pensamentos.
- Acho que, primeiro, deveríamos ligar para o Harry – opinou – A vida invadida é dele, acho mais do que válido que seja ele a decidir.

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Harry terminou de encaixar a calça de seu pijama em um vão entre algumas roupas suas e de e observou o conteúdo bagunçado de sua mala de viagem; depois de anos desfazendo e arrumando malas durante as turnês, ele se tornara habilidoso, mas seus pensamentos estavam distantes e se concentrar naquela tarefa – ou, honestamente, em qualquer outra – parecia um sacrifício.
Voltou sua atenção para a pequena pilha de roupas que ainda tinha que enfiar naquela mala antes de fechá-la, quando seu celular começou a vibrar; por precaução, olhou o visor antes de atender.
- Fala, Tom – disse, com um tom de voz cansado – É, eu sei. Eu vi no noticiário também. Ah, estou bem. Não maravilhosamente bem, mas bem. Eu sei que vai dar tudo certo. Obrigado, cara. Okay. Okay. Obrigado pelo apoio, eu ligo assim que chegar em Londres.
Desligou a ligação e ficou alguns segundos encarando o celular que, imediatamente, começou a tocar novamente. Danny.
Harry considerou atender, mas sabia que o amigo também estava ligando para falar sobre as notícias e ele estava cansado de pensar nisso; Harry Judd queria um pouco de descanso.
Esperou a ligação cair para a caixa de mensagens e antes que Danny pudesse ligar novamente, desligou o aparelho.
Queria tranquilidade pelo menos nas suas últimas horas em Chelmsford; quando ele chegasse em Londres, pensaria no que fazer a respeito do súbito interesse dos tabloides pela sua vida íntima.

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- Caixa postal de novo – grunhiu Dougie, apertando o “end” no celular e começando a procurar por um número nos seus contatos – Oi, você viu a TV? É, a matéria sobre o Harry. Conseguiu falar com ele? É, eu também não. Acho que deveríamos nos encontrar. Todos nós. Aqui em casa, que tal? Combinado, , eu ligo para o Tom, então.

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Harry estava lavando um dos muitos pratos sujos na pia; geralmente, o baterista detestava lavar a louça, mas no seu estado atual, estava aceitando qualquer atividade que o mantivesse longe das pessoas: não queria conversar.
Manter qualquer tipo de diálogo exigia um tipo de concentração e empenho que o homem simplesmente não estava disposto a dar.
- Ela acha que você está bravo com ela, sabia? – a voz de fez-se ouvir às suas costas; Harry soltou o ar, pesadamente, e enxaguou o prato e posicionou-o no escorredor.
Depois, secou as mãos em um dos panos de prato pendurados no balcão e deu as costas para a pia, voltando-se para a mulher que o observava, recostada no arco que separava a cozinha da sala.
- Eu não queria que ela pensasse assim – ele disse, com honestidade.
- Eu sei que não, Harry – a mulher disse, compreensiva, caminhando lentamente até ele – Mas você precisa lembrar que Abigail só tem cinco anos. É uma garotinha brilhante, é verdade. Mas ainda assim só é uma criança; ela não sabe do que está acontecendo e você simplesmente se fechou do nada. Ela acha que é com ela.
Harry permitiu-se mergulhar um pouco naqueles olhos e intensos; algo em fazia com que ele se sentisse relaxado e um pouco mais seguro de si: se aquela mulher tão brilhante e firme via nele coisas boas, então talvez tudo aquilo pudesse ser contornado.
- Simmas disse que as matérias não importam – ele disse, a voz profunda e intensa; passou os braços pela cintura da namorada e puxou-a para mais perto – Que o convencimento do juiz não poderá ser influenciado pela mídia, mas... você viu o noticiário? Todos parecem achar que eu sou um monstro.
- Não fale isso – pediu , enquadrando o rosto do homem – Aquelas pessoas só falam isso porque querem audiência, nenhuma delas conhece você de verdade, Harry. Eu conheço. E eu digo que você é um excelente pai e que Abigail tem sorte em tê-lo e qualquer juiz com meio cérebro será capaz de ver isso.
Os dois ficaram em silêncio, perdidos um no outro por alguns instantes; Harry inclinou-se na direção da professora, roçando seu lábio no dela, tentadoramente.
- Diga que vai ficar tudo bem – ele pediu.
- Vai ficar tudo bem – ela sussurrou de volta, sentindo a boca seca e os olhos se fechando instintivamente.
Harry eliminou a distância entre eles selando seus lábios, em um beijo urgente e desesperado; o tipo de beijo que se traduzia em um pedido de socorro que prontamente atendeu.

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Quando Tom chegou na casa de Dougie, apertou a campainha e ficou surpreso quando abriu a porta; descalça, usando um conjunto de moletom antigo do baixista.
- O que diabos...? – engasgou, perplexo – Vocês são o quê, dois irresponsáveis? Um beijo na balada e você já dorme com o Dougie, é isso? Vocês, pelo menos, usaram camisinha?
franziu o cenho e abriu a porta, mostrando a sala do apartamento do baixista, onde se encontravam Danny, e Dougie sentados, cada um com um copo de bebida na mão.
- Meu vestido estava amassado e nojento e eu queria uma coisa mais confortável para vestir – ela sibilou, cedendo passagem ao loiro – Pai.
Tom engoliu em seco e sentiu as bochechas pinicando sob o olhar de estranheza dos amigos; certo, talvez ele tivesse exagerado um pouco, mas se o que passou pela cabeça dele realmente tivesse acontecido, então o sermão faria completo sentido.
- Ah... HAHA... HA. Você achou que eu estava falando sério – ele disse, fingindo um tom de voz completamente displicente – Que gracinha. É lógico que não tinha acontecido nada. Era uma piada.
Oh, Deus.
Ele estava tão feliz que Gio não estivesse presente para ver aquilo.
Houve um breve instante de silêncio, durante o qual , com uma expressão levemente conturbada, trancava a porta do apartamento de Dougie e os demais presentes observavam Tom com as sobrancelhas erguidas.
- Então... o Harry? – o recém chegado sugeriu, depois de pigarrear – Eu consegui falar com ele, algumas horas atrás.

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Harry, e Abigail estavam se despedindo dos Judd e, também, de Oliver e Alice Cooper, assim como Molly e Anthony Dickens que apareceram para dar um beijo de despedida na neta.
Abigail estava sorridente nos braços de Anthony e Harry viu-se perdido naquela visão; talvez ela estivesse melhor com pessoas normais, com rotinas e vidas equilibradas.
Não com o baterista de uma banda que saía em turnê quase todos os anos e não era o maior exemplo de responsabilidade da face da Terra.
- Nem mesmo pense nisso, fedelho – ouviu a voz de Katherine, que tinha um quê de rispidez e advertência.
- O quê? – Harry questionou, meio perdido, sendo retirado bruscamente de seus pensamentos.
- Você tá com essa cara de coitado – ela disse, num tom acusador – Judds não são coitados, Judds são firmes e determinados. Essa cara de cachorro abandonado não vai te levar a lugar algum.
Harry abriu a boca, mas não conseguiu pensar em nada para responder para a irmã; sentiu-se horrorizado ao perceber que sequer cogitara que ele não era o melhor para Gail.
- Vem aqui – Katherine puxou-o pelo cotovelo e abraçou-o, com firmeza – Pare de se preocupar, tá bem? Vai dar tudo certo. Nem pense em desistir, ou serei obrigada a chutar o seu traseiro por toda a eternidade. Estamos entendidos?
Harry sorriu, sentindo-se aliviado.
- Te amo, Kate – murmurou, estreitando ainda mais os braços em volta da irmã.
- Eu também te amo, bocó – ela sorriu, apertando a bochecha do irmão – Se comporte. E cuide bem da professorinha, okay? Ela é muita areia para o seu caminhãozinho, mas não queremos que ela perceba isso, não é?

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- E então, o que vamos fazer? – Danny quis saber – Eles já vieram atrás da , certamente virão atrás de nós.
revirou os olhos.
- Eu tenho uma sugestão, mas ela provavelmente nos colocaria na cadeia – rosnou.
- Talvez devêssemos esperar o Harry – Tom sugeriu, dando um gole na sua cerveja gelada – Quero dizer, sei que todos aqui estamos preocupados com ele, mas também não seria nada prudente invadirmos o espaço dele, né? Temos que saber se ele quer que a gente se envolva ou não; e se quiser, até onde.
Grande parte dos presentes soltou um murmúrio, concordando com as palavras do homem.
- Bem, eu não sei – Dougie pronunciou-se, os olhos fixos no copo de coca-cola em suas mãos, pensativo – Às vezes, temos vergonha de pedir ajuda para os nossos amigos. Harry é meio reservado e eu acho que ele nunca admitiria que nós nos envolvêssemos nessa história, não porque realmente fosse ser o melhor para ele... ou para a Gail... mas porque ele ficaria envergonhado, entende? Já é ruim o suficiente ter pessoas duvidando da capacidade dele, pior ainda seria ter que recorrer aos seus amigos e demonstrar que realmente não consegue dar conta sozinho.
Houve um breve instante de silêncio, durante o qual os presentes pareciam ponderar a respeito do argumento de Dougie.
- Eu só sei – continuou o baixista – que talvez seja bom a gente tomar as rédeas; amigos não deveriam esperar o pedido de ajuda uns dos outros. Deveríamos simplesmente ajudar, sem pedir licença. Fizeram isso comigo uma vez e... e, bem, eu acho que me ajudou bastante, mesmo que eu não conseguisse admitir a princípio.
Nesse momento, Tom interceptou uma troca de olhares significativa entre o amigo e .
E não gostou nem um pouco disso.
- É, talvez o Dougie esteja certo – concordou , sentando-se ao lado do baixista no sofá; Tom percebeu, desconcertado, que segurava a garrafa de cerveja com tanta força que os nós dos seus dedos estavam esbranquiçados.
- Eu também acho – disse, antes que pudesse se controlar.
E resolveu que também seria uma ótima ideia se sentar.
Entre os dois.
Bem, até onde ele sabia, aquele era um sofá de três lugares muito espaçoso, por que é que e Dougie tinham que ficar sentados um do lado do outro, se tinha um lugar vago?
Ele percebeu os olhares curiosos que os presentes lhe dirigiam, mas fingiu que não o fazia.
- Tom... – Danny aventurou-se a falar, chamando a atenção do loiro, que parecia interessado demais no conteúdo de sua garrafa – Você tá estranhão, cara.
soltou uma risadinha nasalada ao seu lado, cruzando os braços e afastando-se o máximo possível dele.
- Eu venho falando isso há mais de um ano, mas quando sai da minha boca é implicância – ela resmungou.
- Eu não estou estranho, okay? Tinha um lugar livre, eu quis sentar. Me processem. Achei que a gente estivesse conversando sobre o Harry. Seria bom se vocês tivessem um pouco mais de prioridade – resmungou Tom, ajeitando-se melhor.
Relutantemente, o assunto voltou a se focar em Harry e Abigail.

X


Harry deveria ter adivinhado; quando viu aquela multidão de pessoas na frente da porta de seu prédio, deveria ter imaginado que não eram transeuntes curiosos em algum caso de suicídio.
Não, era muito pior do que isso.
- O que diabos...? – abaixou levemente os óculos escuros e observou, abismada, a agitação na rua.
Foi quando uma mulher de cabelos loiros e curtos percebeu o carro e conseguiu identificar o motorista.
- ALI! – berrou, apontando na direção do carro – HARRY JUDD, HARRY JUDD, NÓS SOMOS DO BBC, GOSTARÍAMOS DE UMA PALAVRA...
- Merda! – grunhiu Harry, num sussurro, acelerando o carro e passando reto pela entrada da garagem; observou pelo retrovisor muitos dos jornalistas e paparazzi jogando-se dentro de automóveis estacionados na rua e começando a ligar o carro – Merda, merda, merda, merda...
Gail debruçou-se, observando aqueles adultos tão agitados.
- Parece que eles querem muito falar com você, tio Harry – a garotinha observou, apoiando o queixo no encosto do banco, ainda usando o vidro traseiro do carro como se observasse uma televisão – Talvez você devesse parar.
- Não acho que isso seja possível, Gail – Harry respondeu, ainda com a atenção completamente voltada para o retrovisor; apesar de sua rapidez, alguns carros já estavam seguindo-o.
- Podemos ir para o meu apartamento – sugeriu , prestativa.
- Não – ele recusou, categórico – Não vou te sugar para dentro disso. Não é justo – ficou alguns instantes em silêncio, pesando suas possibilidades – Você tem o número da ?

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- É a – informou , com o cenho franzido; ergueu o dedo indicativo, pedindo um segundo de silêncio para os presentes – Oi? Ah, sim. Nós vimos. Eles, o quê...? Filhos da... Claro. Sem dúvidas. Chego lá em vinte minutos. Certo. Certo. Certo. OK. Até.
Ela desligou o celular e retornou o olhar confuso de todos os amigos.
- Preciso de uma carona até em casa – disse, objetiva, enquanto calçava seu sapato de salto alto, mas sem se dar ao trabalho de trocar o moletom que pegara emprestado de Dougie – Os jornalistas estavam fazendo tocaia na frente do prédio do Harry, ele precisa de um lugar para ficar com a Gail.
Houve um breve instante de silêncio, durante o qual todos pareciam absorver a informação.
- Eu levo – Danny colocou-se de pé, também escorregando seus pés dentro do tênis – Aproveito, e te deixo em casa também, .
- OK – a psicóloga sorriu, levantando-se; depois, voltou sua atenção para Dougie e Tom que observavam tudo em silêncio – Conversaremos sobre isso depois. Dessa vez, com o Harry.
Os dois concordaram, enquanto , Danny e caminhavam apressadamente para fora do apartamento.

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- Acho que consegui despistá-los – Harry disse, aliviado; tivera que rodar metade da cidade e acelerar a todo sinal amarelo que aparecia até que finalmente conseguiu deixar o último carro que o seguia para trás.
Mas ainda assim não estava tranquilo.
- Então, a gente ganhou? – perguntou Abigail, posicionando-se entre os bancos de e Harry.
- Ganhamos o quê? – questionou .
- O pega-pega! – a garotinha respondeu, num tom de voz óbvio – Não era isso que estávamos fazendo?
Harry ficou em silêncio por um breve instante, e então estourou em uma gargalhada; tinha nela algo de histérico, aquele tipo de descontração que surge depois de um momento de estresse ou nervosismo extremo.
O fato é que ele começou a rir e continuou assim por alguns instantes, de forma que contagiou as duas outras pessoas presentes no carro.
Ele viu o farol verde se tornar amarelo e acelerou com força, passando-o a uma velocidade absurda para a via interna na qual dirigia, mas era melhor prevenir do que remediar.
Sentiu os olhos úmidos, provavelmente por causa do acesso de riso.
- Quer saber? – ele perguntou, observando a afilhada por cima dos ombros, enquanto esperava o farol vermelho ficar verde – Acho que estamos mesmo. Mas quer saber um segredo?
Os olhos verdes de Abigail se arregalaram, e ela concordou com um aceno de cabeça, reverente.
- Nós nunca vamos perder – ele disse, com um sorriso.
Um sorriso se alargou no rosto da garota.

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Tom estava terminando de lavar os copos sujos que foram abandonados por todos na sala; ele sabia que se dependesse de Dougie, os copos ficariam na sala até que ele contratasse uma diarista para cuidar de sua bagunça ou os utensílios criassem pernas e braços e fossem sozinhos até a cozinha para se limpar.
O que acontecesse primeiro.
- E então? – a voz de Dougie às suas costas o sobressaltou; Tom observou-o por cima dos ombros.
- Então, o quê? – quis saber.
- Vai me contar porque você estava agindo daquele jeito? – o baixista especificou, sentando-se em um banco com seu teiú na mão.
- Jeito? Que jeito? – Tom sabia exatamente do que o amigo estava falando, mas tinha esperanças de que talvez tivesse entendido errado.
Ou que Dougie desistisse do assunto.
- Você tá estranho comigo e com a desde ontem – o outro apontou, acariciando a extensão do corpo do réptil em sua mão – E eu acho que eu sei o motivo.
Embora não soubesse muito bem por que, Tom sentiu sua garganta ficar subitamente seca, bem como uma leve dificuldade para respirar.
Ele não sabia qual era o motivo por trás desse sentimento estranho, e não admitia que ninguém descobrisse antes dele.
- Olha, eu sei que você não gosta da , Tom – Dougie prosseguiu, apesar da falta de estímulo do amigo – E eu sei que você tá preocupado, porque acha que isso pode acabar influenciando na Super Records de alguma forma, mas quero te garantir que nada disso vai acontecer. Eu não sinto nada pela e posso garantir que ela também não sente nada por mim, e aquele beijo não significou nada. Quero dizer, significou, sim; ele quis dizer que eu cansei de correr atrás de mulheres, agora eu quero paz.
Tom franziu o cenho, enquanto terminava de ensaboar o último copo, que por muita coincidência era o que utilizara; sabia que o motivo que Dougie lhe fornecera não era o correto, mas admitia que ele era sensato.
Então, resolveu que, para todos os fins, este seria seu motivo público.
- Hey! Já sei! Como não pensei nisso antes?! – exclamou Dougie, deixando Tom apreensivo – O nome do teiú! Paz!
- Quê? – Tom perguntou, perplexo, voltando-se para o amigo.
- Paz. Vai ser o nome dela – disse, erguendo a mão que amparava o réptil em suas mãos – Acho que ela gostou do nome – opinou, virando o animal de forma que os dois se encarassem.
Paz esticou a língua para fora, tão indiferente ao seu novo nome quanto era ao seu anonimato.
- É... – Tom concordou, incerto, mas aliviado pela mudança de assunto – Acho que ela adorou.

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Danny e já tinham deixado na casa dela e, naquele instante, o homem tinha estacionado o carro junto ao meio-fio, de frente à porta do prédio da psicóloga.
Os dois caminharam juntos, conversando e, em algum momento durante a jornada do carro até a frente do apartamento de , eles deram as mãos, entrelaçando os dedos.
- Pronto – Danny suspirou, parando em frente à porta de madeira; sorriu e recostou-se contra a parede, observando-o – Entregue.
Ela deu um risinho leve.
- Obrigada – respondeu.
Os dois se entreolharam; Danny não sabia muito bem o porquê, mas ele se sentia muito à vontade mergulhando naqueles olhos brilhantes e bem humorados.
Gostava de de um jeito diferente do qual gostava das meninas com quem se enrolara nos últimos tempos.
Sem sentir, ele semicerrou os olhos e aproximou-se dela, inclinando-se na sua direção.
Mas antes que pudesse prosseguir, foi interrompido ao sentir dois dedos sobre os seus lábios, fazendo força contrária ao seu movimento; franziu o cenho e abriu os olhos, encontrando a psicóloga observando-o com as sobrancelhas erguidas.
- Não vamos nos beijar hoje – ela respondeu, simplesmente, à pergunta que ele lhe fazia com os olhos.
- Mas nós nos beijamos ontem – ele reclamou.
- Por isso mesmo – o sorriso dela alargou-se, assumindo uma forma enigmática – Ficar dois dias com uma mesma pessoa implica em diversas pequenas consequências subconscientes que não estou disposta a assumir com você.
Danny balançou a cabeça levemente, tentando compreender.
- O quê?
- Por exemplo, se nos beijarmos agora, nesse instante – ela disse, em tom de voz didático – Todas as vezes que nos encontrarmos... e, considerando o fato de que seu companheiro de banda está namorando minha melhor amiga, vamos assumir, nos encontraremos diversas vezes... você vai querer me beijar e achar que vai conseguir, porque todas as vezes que tentou, conseguiu. Isso faria com que eu ficasse de saco cheio de você e, por mais estranho que pareça, eu gosto de você e não quero que isso aconteça.
- Isso não é verdade – ele rebateu – Eu quis te beijar várias vezes e não consegui, como no aniversário da Abigail ou aquela vez no restaurante.
- Mas você não tinha tentado de verdade até ontem à noite – ela observou.
Danny abriu a boca para retrucar, mas não conseguiu dizer nada: era verdade.
- E esse é exatamente – ela prosseguiu, dando um peteleco divertido na ponta do nariz do vocalista e depois voltando sua atenção para a porta de seu apartamento, destrancando-o com a chave que tirara de dentro da sua bolsa em algum momento durante a discussão – porque não posso deixar você ganhar hoje. Feliz 2011, Danny Jones – desejou, abrindo a porta.
Danny revirou os olhos, divertido.
- Feliz 2011, doutora – ele desejou de volta.
Os olhos se encontraram novamente, mas logo a ligação foi interrompida pela porta sendo fechada.
Danny suspirou e encostou-se na parede, no exato mesmo lugar que a psicóloga estava recostada momentos atrás, e seu sorriso se alargou.
Definitivamente, ela não era como as outras.

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- , você é um anjo! – foi a primeira coisa que Harry disse, assim que a loira abriu a porta para eles; abraçou-a suspendendo-a no ar e depois depositou-a novamente no chão.
foi a segunda a abraçar a amiga, murmurando um “obrigada” aliviado aos ouvidos da loira.
Abigail atacou a mulher como um foguete.
- Tia ! – exclamou, apertando os braços em volta dela – Eu estava com tanta saudade!
abraçou a garota de volta, incapaz de admitir que também sentira falta daquela presença reluzente.
- UAU! UM PEIXINHO! – Abigail berrou, separando-se da executiva e correndo até o aquário ao lado do sofá, colando o nariz no vidro e observando o peixe dourado nadando em círculos – Ele é tão lindo! Vou pegar o Max para apresentá-los!
Os três adultos observaram enquanto Abigail puxava Max de dentro de sua caixa e grudava o focinho do coelho junto ao aquário, murmurando excitadamente sobre como ele e o peixe poderiam ser amiguinhos.
Foi Harry quem quebrou o silêncio.
- Não posso deixar que aqueles jornalistas acabem com o direito de Gail de ter uma vida normal – disse, baixinho, e então teve uma ideia; resgatou o celular do bolso, ligou-o e procurou um contato.
Apertou o “send” e afastou-se das duas mulheres.
- Senhor Judd! – a voz de Simmas veio do outro lado da linha – Tentei te ligar o dia inteiro! O que eles estão fazendo é um completo absurdo! Como pode a mídia saber da data da audiência antes de sermos intimados? Isso é simplesmente ultrajante.
- Não importa – Harry interrompeu-o, sorrindo perante a irritação do advogado; gostou de perceber que os dois pensavam da mesma forma, mas deixar os sentimentos falarem mais alto não era a resposta no momento – Você pode fazer alguma coisa? Eles estão de tocaia na frente do meu prédio.
Houve um breve instante de silêncio, durante o qual o homem ponderava a questão.
- Posso, sim. O senhor tem onde passar a noite? – perguntou.
- Sim, estou na casa de uma amiga com Gail – respondeu.
- Ótimo. Prometo que depois do almoço, amanhã, sua rua estará vazia e o senhor poderá voltar a entrar e sair da sua casa quando bem desejar.
- Obrigado, doutor Simmas – Harry suspirou, aliviado.
- Não me agradeça ainda, garoto. Ah, e feliz 2011.

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terminou de forrar o sofá-cama com o lençol, contando com a ajuda de Harry, enquanto estava tomando banho com Abigail.
- Muito obrigado, – o homem disse, os olhos encontrando os olhos da amiga – De verdade. Nunca vou poder agradecer o suficiente.
hesitou, sentindo-se desconfortável com a situação; pigarreou e voltou a atenção para o lençol em suas mãos, prendendo-o a uma das extremidades do sofá cama.
- Não tem problema, sério – ela disse – Eu faria isso por qualquer um.
- Quer saber? Há dois meses atrás, se alguém dissesse que no momento que eu mais precisei de alguém, foi para a inalcançável e inatingível que eu recorreria e, pior, que ela me ajudaria sem pensar duas vezes, eu mandaria internar essa pessoa num manicômio – ele disse, zombeteiro, mas algo na suavidade em sua voz denunciava uma verdadeira admiração.
- É. Obrigada, eu acho – desviou os olhos, esticando os dois travesseiros que separara para ele e para em um gesto duro, de forma que empurrara os dois contra o peitoral do homem – Tentem não transar no meu sofá.
Harry riu.
- Abigail vai dormir com a gente, não vamos fazer nada com ela no meio – observou.
- Ah, não. Ela vai dormir comigo – retrucou, prendendo os cabelos em um rabo de cavalo – Porque, sabe como é, é melhor para...
- Porque você estava morrendo de saudades dela – ele a interrompeu, os olhos brilhando, divertindo-se com o desconforto da amiga. arregalou os olhos e abriu a boca para retrucar, mas ele se adiantou – Não se preocupe, eu guardo o seu segredo.
Ela fechou a boca e cerrou os olhos.
- Cala a boca, Judd. Vou me arrumar, estou cansada. Boa noite – deu as costas e saiu caminhando a passos duros até seu quarto.
Harry deu uma risada incrédula e deitou-se no sofá cama da amiga; não era o local mais confortável do planeta, mas estava ótimo por aquela noite.

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terminou de secar Abigail e ajudá-la a vestir o pijama; as duas abriram a porta do banheiro e encontraram sentada à sua cama, lendo atentamente alguns papéis.
- A Gail dormirá comigo – informou, sem erguer os olhos do que lia – Você e Harry, no sofá.
Abigail vibrou.
- Eu vou dormir com a tia ! – berrou, rebolando e pulando em círculos; por fim, cobriu rapidamente a distância entre ela e a cama, aconchegando-se ao lado da mulher – Boa noite, professora . Diga ao tio Harry que eu quero que ele tenha lindos sonhos – concluiu, acenando uma despedida com uma das mãos pequenas e gorduchas.
riu.
- Pode deixar, Gail. Boa noite – desejou, mandando um beijo para a ruivinha – Obrigada por tudo, . E boa noite.
- Boa noite - a outra respondeu, indiferente, continuando sua leitura; fechou a porta com cuidado às suas costas.
De repente, uma mãozinha fechou-se em volta do cotovelo de , fazendo com que a mulher desviasse sua atenção do relatório para a garotinha.
- Pois não?
- Você só vai ficar lendo? – a garotinha perguntou, os olhos verdes e grandes parecendo ofendidos – Vamos brincar!
- Agora está tarde, Gail – a mulher retrucou – Você tem que dormir.
Gail fez uma careta e ajeitou-se melhor na cama.
- OK, mas então canta uma música.

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parou atrás de Harry, que estava ao telefone com Tom.
- Sim, está tudo bem – ele disse – Eu sei, desculpe. Eu só não queria conversar com ninguém naquele momento. Eu sei. Eu fui um bosta. OK, desculpa. Tom, vou te comprar flores amanhã, OK? Isso vai fazer você me perdoar – então, ele riu – Amo você, cara. Boa noite.
Ele estava distraído, olhando para o nada, e a professora aproveitou esse momento para sentar-se atrás dele e abraça-lo, encostando o nariz na pele do pescoço do homem e inalando seu cheiro másculo e forte.
Deus, ela gostava daquele cheiro.
- Olá, você – ele murmurou, como um gato satisfeito, esticando as mãos para trás e abraçando-a também.
- Dia difícil, huh? – ela sussurrou em seu ouvido, fazendo com que todo o corpo de Harry se arrepiasse.
Era incrível como só ela tinha esse efeito sobre ele.
- Um pouco – ele disse, inclinando a cabeça para trás, de forma que começou a depositar alguns poucos e leves beijos na extensão de seu pescoço – Aliás, obrigado por ficar ao meu lado.
- Nunca vou sair do seu lado – ela respondeu, estreitando ainda mais os braços em volta dele.
Harry sorriu e voltou o rosto na direção da mulher, mergulhando naqueles inebriantes olhos .
- Isso vai ser difícil – ele murmurou, aproximando os lábios dos dela.
- O quê? – ela perguntou, a voz já falha e os olhos semicerrados.
- A me fez prometer que não transaríamos no sofá dela – ele respondeu.
gargalhou, jogando a cabeça para trás; Harry rapidamente girou sobre ela e os dois começaram a se beijar.

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Harry ouviu indistintamente a voz de murmurando um “droga”; com dificuldade, abriu os olhos e tentou focalizar na mulher.
- Harry, estamos atrasados! – ela disse, passando os dedos pelos cabelos, ajeitando-os, enquanto se colocava de pé e vasculhava sua mala atrás de uma roupa apresentável o suficiente para ser usada em uma sala de aula.
O homem sentou-se e esfregou o próprio rosto, abafando um bocejo.
- Vou acordar a Gail – informou, saindo da sofá e caminhando até o quarto.
Encontrou apenas a pequena na cama, provavelmente já tinha acordado e ido para a Super Records, como era de costume.
- Gail? Querida? Temos que acordar. Você não quer chegar atrasada no primeiro dia de aula do ano, quer?
Gail sentou-se na cama, com dificuldade.
- Mas tio Harry, eu estou sem uniforme – ela murmurou, esfregando um dos olhos e soltando um bocejo.
- Harry, temos um problema – informou , logo em seguida, entrando no quarto com uma expressão preocupada – Estou sem o meu carro.
- A Gail também está sem uniforme – Harry suspirou e Abigail concordou com um aceno ausente de cabeça – E do jeito que as coisas estão, não posso ir para casa para pegar o uniforme.
mordiscou o lábio inferior, tentando pensar em algo.
- Vamos tomar café – sugeriu – Pensaremos em algo enquanto comemos.
Abigail, ainda esforçando-se para manter o sono longe, chutou os lençóis para longe e desceu da cama, seguindo em direção à cozinha.
Harry rapidamente arrumou a cama da amiga e, antes de se juntar às garotas na cozinha, vestiu uma calça jeans e uma blusa; chegando lá, encontrou a mesa já posta e bem servida.
- Vocês sabiam onde estava tudo? – perguntou, perplexo.
- Não, deixou pronto para gente – sorriu, estendendo um saquinho plástico com um sanduíche e um iogurte – E até já preparou o lanche da Gail.
Harry sorriu e sentou-se à mesa, servindo-se com um pouco de suco e torrada.
- Então, esse é o plano – ele disse, tomando um gole do suco – Eu vou deixar vocês duas no colégio, depois, vocês podem ir para a sua casa, já que as coisas estão um pouco complicadas lá no meu prédio.
- E eu vou para a escola sem uniforme? – gemeu Abigail, nada satisfeita com a situação.
- Sinto muito, Gail, mas sim – Harry disse, com firmeza – Não vai dar tempo de passar em casa e depois te deixar no colégio. E é só hoje, tá?
Abigail fechou o rosto e continuou tomando seu leite; não gostava de ser diferente, e, na escola, todos usavam uniforme.
foi a primeira a terminar o café, rapidamente lavou o prato e o copo que usara e foi atrás da mala de Abigail, encontrando uma roupa.
- Vem, Gail, encontrei uma roupa bem bonita para você vestir.
A garotinha soltou o ar, algo entre contrariada e vencida, e foi até a professora trocar seu pijama pelo o que quer que fosse que a mulher escolhera.

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Simmas Hootterville estava terminando de digitar uma petição em seu notebook quando sua filha adolescente, Heather, sentou-se no sofá com uma tigela de leite com sucrilhos e ligou a TV.
- ... é isso mesmo, John! – uma mulher loira de olhos azuis e um sorriso fácil dizia, segurando um microfone próximo ao rosto e com roupas adequadas para aquele segundo dia do ano – Harry Judd não apareceu no seu prédio hoje e estamos aqui, na frente do colégio de Abigail Grace Dickens, aguardando a oportunidade de trocar algumas palavras com o músico.
- PAI! – a menina berrou, querendo chamar sua atenção.
- Já vi, querida – o advogado resmungou, começando a ficar realmente irritado com a situação; será que os jornais não podiam se concentrar em qualquer outra coisa que não fosse seu cliente? – Pode deixar que eu cuido disso.
E voltou a digitar sua petição, consciente que seu pedido teria que ser agora muito mais bem elaborado do que o inicialmente pretendido.

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Harry estava no carro, com sentada ao seu lado no banco da carona e Abigail no banco de trás, mas antes que pudesse dar a partida no carro, seu celular começou a tocar.
- É o doutor Simmas – disse, franzindo o cenho; atendeu o celular – Alô, doutor. Bom dia.
- Bom dia, senhor Judd. Onde o senhor está?
- Estou dentro do carro, vou levar Abigail para o colégio – ele respondeu.
- Não faça isso – o advogado pediu – Pelo menos, não com o seu carro. Tem repórteres lá também.
- Não acredito – ele rosnou.
- Pois acredite – o homem disse – Mas não se preocupe, até hoje à tarde, darei um jeito nisso tudo.
- Está certo, doutor. Obrigado pelo aviso.
- É o meu trabalho, filho. Tenha um bom dia – desejou.
Harry desligou o celular e deu um soco no volante, para descontar sua raiva; então, rapidamente repassou a informação para as duas.
Abigail não conseguiu entender exatamente o que irritava tanto o padrinho dela no fato de ter pessoas do lado de fora de um lugar, querendo tirar foto deles.
Ela, particularmente, adorava tirar fotos.
Houve um breve instante de silêncio.
- Eu tenho um plano – anunciou, repentinamente.


Capítulo 18 – Smile for the Paparazzi (parte II)


- Eu sinceramente não entendo essas celebridades – Bianca Clater disse, enquanto sorvia um pouco de um cappuccino; sentou-se ao lado de um dos fotógrafos da Rolling Stones – Querem ser famosos, mas não aceitam o fato de que a vida deles é algo público.
- Eu sei – o rapaz concordou, fazendo uma careta – Toda profissão tem seu lado positivo e seu lado negativo. Não quer sua vida nos holofotes, viva longe deles.
Aos poucos, um e outro fotógrafo ou repórter começava a se envolver na discussão, todos querendo dar uma opinião.
Entretidos, não perceberam quando um táxi parou perto do portão, descendo de lá uma mulher de cabelos e uma figura menor, usando calça jeans, uma blusa roxa, um boné e óculos escuros.
- Bom dia, professora – desejou o segurança responsável pelo portão, abrindo passagem – E quem é...?
A criança baixou ligeiramente os óculos escuros, revelando olhos verdes e inteligentes que ele reconheceria em qualquer lugar; o homem abriu um sorriso, mas antes que ele pudesse abrir a boca para falar qualquer coisa, Abigail levou um dos dedos indicadores até os lábios, pedindo silêncio.
As duas entraram na escola de mãos dadas.
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Theodore Mitchell estava tendo uma audiência entediante naquela manhã de janeiro, um divórcio litigioso. O mesmo papo de sempre: marido trai mulher, mulher fica possuída pelo demônio e resolve que quer o divórcio, todos os bens e a sanidade do primeiro.
- E, Excelência, minha cliente acredita que ela tem direito aos dois carros esportivos do marido, porque...
- ELE É UM CRETINO, FILHO DE UMA DESALMADA, QUE NÃO TEM O MÍNIMO DE RESPEITO A UM CASAMENTO...
- Katherine, por favor – resmungou o advogado, constrangido – Combinamos que só eu falo, lembra?
- SINTO MUITO, SEU JUIZ, MAS EU PRECISO QUE VOCÊ ENTENDA QUE...
Uma batida discreta na porta fez com que todos se calassem e lançassem um olhar receoso na direção da pessoa que entrava; era um senhor distinto, com um rosto simpático e honesto.
- Excelência, com licença – ele pediu, a voz firme, mas ao mesmo tempo respeitosa – Preciso lhe falar.
O juiz Theodore alternou sua atenção entre as quatro pessoas sentadas em frente a ele, os advogados lendo seus memoriais, entretidos, enquanto seus clientes trocavam olhares como dois lobos prontos para se atracarem e o homem parado à porta, segurando um papel nas mãos, parecendo determinado e, ao mesmo tempo, um pouco desconfortável.
- A que se refere, doutor? – quis saber o magistrado.
- Em relação ao caso Reino Inglês contra Harry Judd. Sou patrono do réu – informou o advogado.
O juiz abaixou os óculos, lentamente, prestando maior atenção ao homem; desde que o processo de Harry Judd chegara ao seu ofício, não ouvia falar em outra coisa.
Mesmo os jornais pareciam interessados no bem estar daquela criancinha. Ou em uma boa fofoca.
De qualquer forma, Theodore agradeceu mentalmente uma pausa racional daquela briga de galos.
- Com licença, doutores, mas atenderei ao pedido do doutor...
- Hooterville – completou o homem, prestativo.
- Hooterville – acatou o magistrado – Retornaremos em instantes. Aproxime-se, doutor, por favor.
- Obrigado, Excelência – Simmas sussurrou, aproximando-se da mesa do juiz.
- Eu é que agradeço – o juiz lançou um olhar significativo na direção do advogado, e depois lançou um olhar de lado para a mesa à sua frente, onde Katherine Laurence agora estava de braços cruzados, sussurrando no ouvido do advogado – Uma petição, eu vejo. Do que se trata?
- Não sei se vossa Excelência tem visto a televisão, mas repórteres estão fazendo campana na frente do prédio do meu cliente e do colégio da interessada. Como o senhor pode analisar, da petição, pedi que tais locais fossem decretados como proibidos para tais pessoas sob pena de multa diária no valor de dez mil libras.
O juiz Theodore analisou a petição, pensativo; quando seus olhos chegaram até a última página, ele assumiu uma expressão severa e profunda.
- Excelência, eu sei que parece desmedido, mas estamos falando de uma criança aqui. Já é difícil o suficiente que estejam querendo tirá-la de seu padrinho, ela também tem que ser limitada em sua liberdade de ser criança?
O magistrado espiou o advogado por cima das lentes dos óculos, depois voltou a atenção para os papéis em sua mão, soltando um ‘hum’ pensativo.
Então, pressionou a extremidade da caneta, fazendo com que a ponta dela aparecesse e escreveu ‘J. Conclusos: Defiro em partes o r. pedido, fixando a multa diária em £ 2.000,00 (duas mil libras) diárias’, depois, num ato displicente, entregou a petição para o advogado.
- Perfeitamente, doutor. Entregue à minha escrivã para que ela avise esses ratos do que vai acontecer a quem não respeitar a privacidade da garota.
- Muitíssimo obrigado, Excelência – Simmas fez uma reverência discreta e saiu apressado da sala, com os papéis em mão.

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Bianca Clater estava se distraindo com seu novo passatempo favorito: uma câmera fotográfica profissional que lhe custara quase todo o seu salário daquele mês.
Tirou a foto de uma pomba que parara ao lado de alguns sacos de lixo na rua e estava observando a foto pelo visor da câmera quando sentiu seu celular vibrando no bolso da calça.
Prontamente sacou-o, equilibrando-o entre o ouvido e o ombro.
- Fala, Chefe – disse, desligando a câmera.
- Senhorita Clater, onde você está? – quis saber o homem com um tom de voz irritadiço.
- Na frente do prédio de Harry Judd, como combinamos...
- SAIA DAÍ IMEDIATAMENTE, A NÃO SER QUE ESTEJA DISPOSTA A VER SEU SALÁRIO E SEU DÉCIMO TERCEIRO SENDO USADOS PARA PAGAR ESSA MULTA! – o homem urrou, do outro lado da linha.
- O quê? Chefe, do que você está falando? – ela perguntou, confusa.
- TEM UMA MULTA JUDICIAL NO VALOR DE DUAS MIL LIBRAS POR DIA! SAIA DAÍ IMEDIATAMENTE, CLATER, OU EU MESMO ME ENCARREGO DE IR CHUTANDO O SEU TRASEIRO DAQUI ATÉ A MALDITA DA ITÁLIA, DE ONDE NÃO DEVERIA TER SAÍDO!
O celular ficou mudo e Bianca observou-o, com as sobrancelhas erguidas.
- Vamos embora, Shreck – resmungou a repórter, dando um tapinha companheiro no ombro do homem negro, de quase dois metros, que era responsável pelas máquinas.
- O que houve? – ele quis saber, confuso, enquanto observava a mulher abrindo a porta do furgão e montar no lugar do carona.
- O Chefe quer que a gente vá embora. Algo sobre uma multa – ela disse, enquanto observava todos os repórteres atendendo seus celulares, provavelmente recebendo a mesma notícia que ela recebera minutos atrás.

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não conseguiu acreditar quando viu a quantidade absurda de pessoas paradas na frente da Super City.
- Malditos sanguessugas – resmungou, caminhando a passos duros e determinada a ignorar todos aqueles jornalistas de quinta.
Aos poucos, os jornalistas começaram a notá-la e seu nome começou a pipocar dos lábios deles como estouros tímidos, ao pouco ganhando volume e força.
- Senhorita , uma palavra, por favor – pedia um, em tom de súplica.
- Senhorita , qual é a sua opinião sobre a ação que o senhor Judd enfrenta no momento? – quis saber outro, em tom profissional.
- Senhorita , o que a senhorita tem a dizer sobre a acusação de abuso sexual que é feita contra o senhor Judd? É verdade que ele molestava Abigail Grace Dickens?
Assim que seus ouvidos registraram a última pergunta, paralisou no caminho, buscando quem quer que tivesse dito aquilo com os olhos; não se importava se o responsável por aquele impropério fosse um armário com o dobro de seu tamanho, ela faria com que ele engolisse o microfone que segurava.
Entretanto, sentiu uma mão firme envolver sua cintura e puxá-la em direção a Super Records, murmurando “sem comentários, sem comentários”, enquanto abria passagem em direção à porta de entrada da empresa.
Foi só quando eles estavam lá dentro, em segurança, que ela se permitiu perceber que quem a levara até lá fora Tom Fletcher.
- Não dê bola para eles – o homem disse, enquanto lançava um olhar rancoroso na direção da porta – Eles inventam qualquer coisa só para chamar a atenção.
- Eu ia... – rosnou, ao invés de terminar a frase – Abuso sexual! Dá para acreditar em uma coisa dessas?
Tom deu de ombros.
- Como eu disse, eles fazem qualquer coisa.
Ele deu as costas e começou a caminhar em direção aos elevadores.
- Fletcher – ela soltou, meio incerta, apressando o passo para alcançá-lo; eram os primeiros a chegar na Super Records, então mesmo tendo falado baixo, sua voz ecoou pelas paredes – Obrigada. Se você não tivesse aparecido, eu não sei o que eu faria...
- Tudo bem – ele disse, sério, apertando o botão do elevador.
parou ao seu lado, observando-o atentamente; seu semblante era ilegível e compenetrado. A mulher não sabia muito bem por que, mas tinha a sincera impressão que o homem estava bravo com ela.
Não que ela se importasse, é claro.
As portas metálicas do elevador se abriram e os dois entraram juntos, mas em silêncio.

X


Assim que Harry estacionou o carro, sabia que chegar até a Super Records seria difícil. Desceu do carro e começou a caminhar rapidamente em direção a entrada.
Os flashs começaram a ser disparados imediatamente e com ferocidade; Harry passou rapidamente por eles e agradeceu que já tivessem colocado dois seguranças do lado de fora para conter os repórteres.
Seu nome era berrado com tanta euforia, que era só isso que ele conseguia ouvir, impossibilitado de separar uma frase da outra.
Rapidamente, um dos seguranças abriu a porta da Super Records e ele rapidamente se esgueirou para dentro da gravadora, consciente de que qualquer palavra que falasse poderia – e provavelmente seria – usada contra ele nos tabloides.
Diabos, ele queria sua vida de dois dias atrás de volta.

X


Quando arriscou uma olhada para o portão principal da escola, ficou genuinamente surpresa ao perceber que ele estava livre e não tinha mais aquele mundo de repórteres espreitando por todos os cantos, atrás de Abigail.
- O que foi? – perguntou a garotinha, surgindo de trás da professora.
- Hum... – continuou com os olhos fixos no portão.
- Eles já foram embora – Frank, o segurança vespertino, informou – Por volta das onze horas da manhã, atenderam os celulares e saíram voando.
- Nossa – arregalou os olhos, mas depois deu de ombros – Melhor assim. Frank, você pode chamar um táxi para nós duas?
O segurança sorriu solícito e, imediatamente, começou a acenar para os táxis que passavam pela rua.

X


Dougie foi praticamente arremessado para dentro da Super Records pelos seguranças que formavam barreiras humanas entre eles e os repórteres, que mais pareciam zumbis loucos pelo seu cérebro.
- Caramba – exclamou o homem, passando as mãos pelas roupas na tentativa de desamassá-las.
Cumprimentou as recepcionistas com um sorriso e entrou no elevador; mal as portas metálicas se abriram, apresentando o segundo andar, surgiu.
- Reunião de emergência – informou, fechando as mãos firmes em torno de seu cotovelo e puxando-o pelos corredores.
Quando eles entraram na sala de reunião, todos os outros homens já estavam lá e Dougie não deixou de perceber um olhar duro que Tom lançou na direção dele e de .
Os dois se sentaram em duas cadeiras vagas.
- Então – Tom começou, depois de pigarrear – Estamos aqui para decidir o que faremos acerca da situação Gail.
Harry soltou um grunhido incomodado e passou as mãos grandes e calejadas pelos cabelos, em um ato expresso de exasperação.
- Eu sinto muito, gente. É sério. Eu não queria que nada disso estivesse acontecendo...
- Harry, qual é – Danny revirou os olhos – Ninguém está te culpando. Aconteceu, isso é um fato. Temos que resolver o que fazer agora.
- O meu plano era ignorá-los – o baterista disse.
- É um bom plano – Dougie opinou – Mas não podemos esquecer que eles estarem aqui pode não ser uma total maldição. Quero dizer, pelo menos você tem o direito a ser ouvido, certo?
Houve um breve instante de silêncio.
- Doug está certo – murmurou; Tom bufou, discretamente, do outro lado da sala – A questão é como você vai fazer isso.
Harry deu uma risadinha desdenhosa.
- Acreditem, isso não será um problema. Desde que sentei na minha mesa às oito da manhã, meu telefone não para de tocar.
- Tá, mas ficar dando um milhão de entrevistas vai ser uma perda de tempo sem tamanho – lembrou-o Tom.
Harry inclinou de leve a cabeça, considerando o argumento do amigo.
- Uma coletiva de imprensa – Danny soltou de forma espontânea – Nós selecionamos os melhores jornais e revistas e lá você pode dar todas as explicações que se fizerem necessárias.
Houve um instante de silêncio, durante o qual cada um dos presentes considerava a solução levantada por Jones.
- Na verdade, até que é uma boa ideia – concordou , surpresa.
- O tom de incredulidade na sua voz me ofende – Danny resmungou.
revirou os olhos.
- Certo, então está combinado – Tom espreguiçou-se – Harry, deixe que eu cuido disso por você, está bem? Tente ter uma vida normal.
- Tom... – o homem começou, incerto.
- É sério – o loiro o interrompeu – Eu não posso fazer muito por você numa situação como essa, mas isso eu posso fazer. Então, não se preocupe.
Harry abriu a boca para protestar, mas interrompeu-se; seus olhos azuis varreram a gigantesca sala de reunião, analisando o rosto de cada um dos quatro presentes.
E, repentinamente, sentiu-se o homem mais sortudo de todo o universo.
- Valeu, é sério. Eu não sei o que seria de mim sem vocês – ele disse, sério.
- Own... Você vai chorar? – perguntou Danny, zombeteiro, mas com um sorriso sincero.

X


Abigail estava se deliciando com um pouco de macarrão e assistindo Discovery Kids enquanto , na cozinha, digitava o número de Harry.
Não gostava de admitir que já o sabia de cor e eles ainda não estavam nem há um mês juntos.
- Oi, – a voz calma e profunda dele fez-se ouvir do outro lado da linha e ela sentiu um arrepio percorrer todo o seu corpo.
- Ahn... oi – respondeu, desconsertada com sua reação – Estou com a Gail aqui em casa, ok?
- Muito obrigado, – ele murmurou, parecendo aliviado – Você é um anjo, eu já te disse isso?
- Já, mas pode dizer de novo, mais tarde – riu – Aparentemente, as coisas estão ficando mais tranquilas. O colégio estava livre hoje à tarde!
- Ah, ainda bem que você mencionou; o doutor Simmas conseguiu uma liminar do juiz e os repórteres estão proibidos de ficar a um quilômetro do St. Paige’s ou do meu apartamento. O resto dos locais não foram protegidos, como a Super Records, mas já é um começo.
- Ah... isso explica muita coisa – ela riu.
- É, então – ele concordou, e pelo tom de sua voz, ela conseguia imaginar aquele sorriso sexy e cansado dele.
- Bem, e como faremos, então? – quis saber a professora.
- , posso pedir para você ir para o meu apartamento com a Gail? Não queria te dar ainda mais trabalho, mas como eu disse, a Super Records tá lotada de repórteres e nada garante que um deles não vá me seguir e a última coisa que eu quero é que você seja sugada para dentro dessa palhaçada toda.
sorriu, recostando-se contra a batente da porta da cozinha, de onde conseguia ver uma Abigail com o rosto coberto de molho de tomate e um riso gostoso no rosto, os olhos verdes fixos na televisão.
Se aquele era o preço a ser pago para estar na vida daquelas duas pessoas, ele era muito baixo.

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Quando Harry finalmente desligou seu computador, sentia-se completamente relaxado; trabalhara muito, analisando gráficos enviados pelo departamento financeiro e demos que foram entregues pelos caça talentos, mas sentia-se quase humano novamente.
Até seu telefone parecia ter resolvido lhe dar uma trégua.
Mas essa sensação não durou muito; bastou chegar ao térreo e ver aquele grupo ansioso de pessoas com máquinas e microfones em mãos para lembrar o mundo que lhe esperava lá fora.
Os seguranças que estavam na porta acenaram discretamente para ele, informando que estavam prontos para socar e empurrar qualquer um que tentasse incomodá-lo.
O único problema era que o maior incômodo que toda aquela situação causava, não havia armário no mundo que poderia afastar.
Porque estava dentro dele, marcado em seu cérebro como uma chapa quente; “eles estão só esperando uma brecha para me devorar como canibais”.

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A Super Records já estava praticamente vazia quando desligou seu monitor; levantou-se, espreguiçando-se, e enganchou sua bolsa no ombro.
Começou a caminhar pelo corredor escuro, em direção aos elevadores, quando ouviu um telefone tocando; girou nos calcanhares e identificou uma luz solitária, ao fundo, bem onde era o escritório de Thomas Fletcher.
Ela queria voltar a caminhar em direção aos elevadores, mas estava curiosa demais para permitir que isso acontecesse; rapidamente, começou a cobrir a distância entre ela e o escritório do homem.
- ... sim, é verdade. O senhor Harry Judd oferecerá uma coletiva de imprensa; certo, deixe-me anotar os dados. Qual é o nome do jornal? – ele parecia exausto, enquanto digitava a resposta da pessoa do outro lado da linha em seu computador – Está certo. Analisaremos o perfil e entraremos em contato. Sim. OK. Não se preocupe. Boa noite.
Ele desligou o telefone e suspirou, demorou alguns instantes para perceber a presença da mulher; olhos castanhos e se encontraram, mas nenhum dos dois disse nada por alguns instantes.
- Você ainda vai se matar assim – disse, finalmente – A nova recepcionista disse que você pediu a ela que todas as ligações de repórteres fossem encaminhadas a você.
- Harry precisa de um descanso – o homem suspirou.
Bem nesse momento, o telefone começou a tocar novamente; Tom inclinou a cabeça para trás e bufou, visivelmente irritado e cansado, mas então se recompôs e esticou a mão em direção ao aparelho.
Entretanto, antes que ele pudesse alcançá-lo, firmou a mão sobre o aparelho, de forma que ele não pudesse atendê-lo.
- Você também precisa de um descanso – e com um olhar duro, ela atendeu a ligação, anotando as informações de mais um jornal de menor circulação que desejava ansiosamente a oportunidade de participar na coletiva de imprensa.
Ela desligou o telefone e voltou a observar o homem atentamente.
- Quantos interessados? – quis saber.
- Mais de duas vezes o que a nossa maior sala de reunião consegue suportar – ele respondeu, ajeitando-se melhor na cadeira – Mas as maiores revistas, jornais e programas televisivos já entraram em contato. Agora é uma questão de passar um pente fino e selecionar aqueles que serão convidados à coletiva – então, suspirou, passando a mão pelos cabelos loiros – Vai ser uma longa noite.
- Que bom – disse, secamente, ocupando uma cadeira e deixando sua bolsa na cadeira livre ao seu lado.
- O que você está fazendo? – ele quis saber, surpreso.
- Te ajudando – ela respondeu, com simplicidade – Se continuar desse jeito, Fletcher, você vai morrer de ataque cardíaco em menos de uma semana. E a Super Records na mão daqueles três chipanzés semieducados que você chama de amigos? Não duraria vinte minutos. Não posso permitir que isso aconteça.
Tom arregalou os olhos, e depois um sorriso debochado surgiu em seus lábios.
- Nunca pensei que isso fosse acontecer – ele disse.
- O quê? Eu ficar além do meu horário? Por favor, Fletcher, faço isso quase todos os dias – ela resmungou, pegando algumas anotações para lê-las.
- Não, você me elogiando – ele disse, com um tom de voz que tinha algo de presunçoso, mas também de satisfeito.
- Eu não te elogiei, tudo o que eu fiz foi reconhecer a ausência de qualquer capacidade que seja dos outros 75% desta empresa – ela disse, sem desviar os olhos da folha que lia – E se qualquer pessoa vier me perguntar se eu disse isso, eu nego até a morte.
Tom deu uma risadinha e voltou a atenção para a tela do seu computador, agora sentindo-se muito mais à vontade e alegre do que se sentia desde a virada do ano.
Parte dele achava que era porque era sempre bom ter companhia, mas outra parte dele estava vibrando pelo fato de que classificara Dougie como um chipanzé semieducado.
E ninguém falaria assim de alguém com quem estivesse saindo ou por quem nutrisse qualquer tipo de sentimento amoroso, certo?

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Dougie abriu a porta do seu apartamento e arrastou-se para dentro do hall, exausto; ele poderia não ser o alvo de todos os flashes, mas isso não queria dizer que a nova dinâmica a que todos eles foram impostos por causa dos paparazzi não tinha efeito algum sobre ele.
Imediatamente depois de descalçar seu Adidas, ele caminhou apressadamente até o viveiro de Paz, pegando o recipiente com os gafanhotos no meio do caminho.
Observou-a com afeição, enquanto a teiú se alimentava e, assim que ela tinha terminado, ele a pegou com uma das mãos, sentando-se no sofá.
- Boa noite, Paz. Como foi o seu dia hoje? Tranquilo? O meu foi tumultuado. Sabe meu amigo, Harry? Acho que ainda não apresentei vocês propriamente. Bem, ele tem uma filha. Não é filha dele de verdade, é afilhada, mas os pais dela faleceram em um horrível acidente de carro e agora ela mora com ele. Ela é o máximo, o nome é Abigail, mas chamamos de Gail. Você vai adorar conhecê-la. De qualquer forma, uma mulher muito maldosa resolveu que o Harry não pode cuidar da Gail e quer tirá-la dele e, agora, todos os jornais estão obcecados pela história toda. É muito triste, eu gostaria de poder fazer alguma coisa – ele manteve os olhos fixos no réptil, o qual também mantivera sua atenção no interlocutor durante todo o relato – O que você acha?
Paz inclinou levemente a cabeça e sua língua surgiu rápida e discretamente, recolhendo-se em seguida.
- É, eu sei. – Dougie concordou com um aceno de cabeça, como se realmente tivesse compreendido o que o animal dissera - É difícil ver nossos amigos em situações difíceis, sem podermos fazer nada. Mas, sabe? Acho que só o apoio já é uma grande ajuda. Harry me ensinou quase tudo que eu sei. Desde que Paul foi embora e eu comecei a morar com eles, Harry tem sido como meu irmão mais velho... e também um pouco como um pai. Sabia que foi ele que me ensinou a barbear? – Dougie deu uma risadinha ausente e depois voltou os olhos para o animal em suas mãos – Você é uma boa ouvinte, Paz.
Ele deitou-se no sofá, apoiando a cabeça em um dos encostos para braço e estendeu-se até que seus pés pendessem; depositou paz em sua barriga e ficou acariciando-a com uma das mãos.
- Sabe quem ia adorar você? A – ele deu um sorriso e seus olhos se desviaram de seu animal de estimação para o teto da sala, sonhador – A primeira coisa que ela faria quando te pegasse nas mãos, seria te dar um beijo. Bem aqui. – com o dedo polegar, ele esfregou afetuosamente o topo da cabeça do réptil e, depois, levou-o para perto do seu próprio rosto e beijou o local – E é isso uma das coisas mais maravilhosas sobre ela, sabia? Ela não tinha nojo, nem preconceito, nem nada. Só uma curiosidade brilhante e envolvente.
Olhos azuis e escuros se encontraram em um novo momento de silêncio contemplativo.
- Eu te mostraria uma foto dela. É a garota mais linda que você poderia conhecer, a . Mas a minha foto está com a agora e, se quer saber a verdade, eu acho melhor assim. Sabe, Paz, eu acho que preciso aprender a deixar as memórias onde elas pertencem: no passado.
Ele suspirou e Paz mostrou a língua uma vez só.
- Bem, eu amo você também.

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estava terminando de lavar a louça quando Harry surgiu, recostando-se contra a batente da porta da cozinha, observando-a com um olhar divertido, envolvente e cansado.
- Abigail está dormindo? – ela perguntou, sem desviar a atenção do prato em suas mãos.
- Sim – Harry suspirou, desencostando-se de onde estava e caminhando lentamente até a mulher; posicionou uma mão em cada extremidade do balcão, prendendo entre seus braços, seu corpo e a pia. Ela fechou os olhos quando sentiu ele aproximando seu rosto de sua cabeça e inspirando longamente, sentindo o cheiro de seu cabelo – Deus, eu adoro o seu cheiro.
sentiu as bochechas pinicando e suas mãos ficaram trêmulas; apenas Harry Judd poderia ter esse efeito tão absolutamente inebriante sobre ela.
- Passe a noite aqui – ele sussurrou, soltando o balcão e plantando as duas mãos firmes e calejadas sobre a cintura da mulher.
- Harry, eu não posso... Já passei noites demais longe da minha própria cama – ela disse, a voz fraca enquanto o baterista roçava o nariz na pele alva e sensível de seu pescoço – Nós não somos casados, você sabe.
Com uma das mãos, ele tirou o prato que segurava e colocou-o na pia. Depois, girou-a até que ela ficasse de frente para ele e pressionou-a com seu corpo firme e quente contra o balcão.
- Por favor, ... – ele murmurou, os olhos azuis, alguns tons mais escuros, transitando dos olhos da professora para seus lábios.
engoliu em seco; ele sabia que a tinha na mão ou fazia aquilo por pura inocência?
Hesitante, ela secou as suas mãos na própria calça jeans e ergueu-as, enquadrando o rosto atraente do homem.
- Dia difícil? – ela perguntou, suavemente, enquanto acariciava a bochecha dele com os dedões.
Ele fechou os olhos, aproveitando o carinho e apenas concordou com um aceno de cabeça.
- Não aguento mais isso – ele disse, baixinho – Essas pessoas querendo saber da minha vida. A Gail... Estão começando a dizer que eu abusei sexualmente dela – ele deu um meio-sorriso que mesclava desdém e incredulidade – E o dia inteiro, quando eu achava que não ia mais aguentar, eu pensava na Gail. E em você. , eu preciso de você essa noite.
Olhos azuis e se encontraram e, por alguns instantes, nada mais parecia existir, a não ser eles dois.
Então, sem pestanejar, colocou-se na ponta dos pés e juntou os lábios ao de Harry, sentindo o corpo dele reagir ao dela. Envolveu o pescoço dele com os braços e intensificou o beijo.
Enquanto os dois, ofegantes e mergulhados um no outro faziam a trôpega jornada até o quarto de Harry, ele teve a certeza vibrante de que enquanto tivesse ao alcance de seus dedos, nada estaria perdido.

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estava acariciando Tiesto e assistindo televisão quando seu celular começou a tocar; pegou-o em cima da mesa de centro e deu um sorrisinho ao ver o nome de Danny Jones.
Apertou o ‘send’ e percebeu o olhar recriminador do gato que pulou do sofá e com a cauda erguida saiu do recinto, como se a recriminando por novamente dar mais atenção ao vocalista de penetrantes olhos azuis e sorriso divertido do que a ele.
- Boa noite, Jones – ela disse, voltando a deitar no sofá, mas sua atenção agora fixa no teto.
- Boa noite, doutora – a voz grave dele fez com que um sorriso se abrisse nos lábios da psicóloga; como um homem poderia ter uma voz tão gostosa de ouvir? – Como foi seu dia hoje?
- Ah. Normal. Quero dizer, mais uns dois jornais tentaram falar comigo hoje, mas já deixei bem claro que não vou dar entrevista alguma. Ouvi dizer... na verdade, vi na televisão... que vocês tiveram que lidar com uma certa Super Records interditada. Confere essa informação?
- E como... – ele riu – Bruce e Johnathan, nossos seguranças, tiveram que ser usados como muralhas humanas entre nós e aqueles monstros com microfones.
riu.
- Fique tranquilo, tudo isso vai se resolver assim que chegar o dia 15 de janeiro – ela suspirou – Assim que o juiz se pronunciar, eles não vão ter mais sobre o que especular e a vida de vocês, com sorte, voltará à normalidade.
- Não que nossas vidas sejam exemplos de normalidade – ele resmungou.
- Bem, acho que hoje provou categoricamente que elas poderiam ser piores – apontou.
Danny riu.
- É, acho que sim.
- Ligou para saber como eu estava ou tinha um motivo maior? – ela perguntou, depois de uma breve pausa – Porque, você sabe, cada minuto a mais que conversamos, são duas horas de carinho que tenho que fazer no Tiesto para ele me perdoar por te dar mais atenção do que tenho dado a ele nos últimos dias.
Danny Jones gargalhou do outro lado da linha.
- Sei lá. Eu só queria... não sei, me distrair um pouco. E aí, eu quis ligar para você. Não sei muito bem por que – ele parecia um pouco confuso – Mas é melhor você ir lá cuidar do seu gato. Não quero causar nenhum conflito de convivência entre vocês.
Foi a vez da psicóloga rir.
- Está certo, então. Boa noite, senhor Jones, durma bem.
- Eu certamente dormirei – ele respondeu, bem humorado – O seu cheiro está no meu travesseiro.
O telefone ficou mudo e o observou com as sobrancelhas erguidas, depois revirou os olhos e com um sorrisinho divertido deixou o celular sobre a mesa, no mesmo lugar que o pegara.
- Mas se não é um Casanova... – murmurou.
E, então, saiu caçando Tiesto para uma boa sessão de massagem e pedidos indiretos de perdão.

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chegou exausta quase às três horas da manhã em sua casa; normalmente, depois de trabalhar até um horário indigno, ela dormiria no escritório, tomando uma ducha no vestiário às cinco horas da manhã e trocando suas roupas por um conjunto reserva que ela deixava em seu escritório para ocasiões como esta.
Mas ela não poderia deixar seu peixinho sem comida.
- Desculpe a demora – ela disse, com um suspiro, deixando sua bolsa sobre o sofá e correndo até o potinho de comida, depositando três bolinhas marrons na superfície da água que foram rapidamente abocanhadas pelo peixe dourado – Tive que ficar trabalhando até muito tarde hoje, selecionando os jornais, revistas e programas televisivos que poderão participar da coletiva de imprensa que daremos na sexta-feira. Espero que você não leve para o lado pessoal, Dourado, mas é possível que eu chegue tarde bastante durante nosso relacionamento. Mas, entenda, não é porque você não é importante para mim, é porque... Deus, estou conversando com um peixe – ela disse, erguendo as sobrancelhas – Isso é sinal de que eu preciso dormir.
Esfregou os olhos e, logo em seguida, encontrou seu celular no meio do conteúdo meticulosamente organizado de sua bolsa, colocando-o para despertar dali a duas horas.
- Boa noite, Dourado. Bons sonhos.

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Depois que Tom finalmente chutou seus sapatos para longe e afrouxou a gravata que usava em torno do pescoço, não teve tempo para mais nada, a não ser deitar-se no diminuto sofá de dois lugares que tinha em seu escritório e dormir.
Mandara uma mensagem para Gio, avisando-a que dormiria na Super Records, mas que eles se veriam no dia seguinte.
Não teve tempo de pensar em muitas coisas antes de adormecer, mas a última imagem que veio em sua mente, estranhamente, não fora Gio e o jeito relaxado e doce que ela assumia quando dormia, mas a expressão extremamente atraente e determinada de enquanto, sentada em frente a ele, ficara até as duas e quarenta da manhã resolvendo algo sobre o qual ela não tinha obrigação ou dever algum.
Seu último pensamento, antes de ser levado pela escuridão de um sono sem sonhos ou conforto, foi que era como uma matrioshka, aquelas bonecas russas que possuem diversas bonecas menores e de materiais diferentes dentro dela; para cada boneca que você abre, tem uma nova lá dentro, diferente da maior, mas igualmente fascinante.

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Às quatro horas da manhã, Harry acordou com rastejando discretamente para fora da cama e, no escuro, tateando o chão atrás de suas roupas.
Ainda sonolento, ele tateou a parede ao seu lado cegamente até encontrar o interruptor e acender a luz do quarto; os dois fizeram uma careta com a repentina claridade.
- Desculpe, eu não queria te acordar – murmurou, envergonhada, enquanto rapidamente colocava sua calça jeans e procurava pelo seu sutiã.
- O que você está fazendo? – ele perguntou, a voz embargada de sono denunciando sua confusão.
ficou de quatro, encontrando seu sutiã embaixo da cama e vestindo-o.
- Eu preciso ir para casa, Harry – ela disse, séria, assim que surgiu de debaixo da cama – Não quero deixar a pequena Gail mais confusa. E também... se eu continuar não aparecendo no meu apartamento, é capaz do proprietário colocar um novo inquilino lá.
Harry esfregou o rosto com um resmungo.
- Tá certo... – ele disse, afinal – Mas ao menos venha me dar um beijo.
deu um sorriso vencido e engatinhou até ele, de sutiã e jeans, sentando-se ao seu lado e enquadrando o rosto másculo dele com as duas mãos e depositando-lhe um selinho carinhoso nos lábios.
Quando estava se afastando, o homem levou uma das mãos até sua nuca e puxou-a para mais perto novamente, trazendo-a para um novo beijo, mais intenso.
Imediatamente, ela sentiu todo o seu corpo enfraquecer e a idéia que estava tão fixa em sua mente de ir embora pareceu desaparecer; repentinamente, ela não tinha nada, a não ser excelentes motivos para jogar seu sutiã embaixo da cama de novo e passar o resto da noite enrolada com Harry Judd embaixo dos cobertores, enquanto ele se encarregava de fazer com que todos seus pensamentos fossem afastados para longe de seu cérebro.
E, Deus, ele era bom nisso.
- Isso foi uma armadilha, não foi? – ela perguntou, ofegante, os lábios inchados, enquanto ele rapidamente se livrava do sutiã que ela acabara de vestir.
- Talvez... – ele murmurou, entre os beijos que depositava no pedaço de pele que acabara de descobrir – Mas se você realmente quer me abandonar, que pelo menos se despeça de maneira satisfatória... – ele voltou a atenção de seus lábios para os dela, enquanto suas mãos firmes e experientes tratavam de livrá-la de sua calça jeans recém-encontrada.
Enquanto Harry Judd deitava seu corpo firme e quente sobre o dela, se perguntou se realmente conseguiria sair daquele quarto antes do nascer do sol.
Quando os dois se uniram, com uma estocada sôfrega e ansiosa, seus olhos se encontraram e ele começou a se mover vagarosamente, fazendo com que ela precisasse morder os lábios para evitar que qualquer barulho saísse deles.
Nesse momento, ela sabia qual era a resposta para sua pergunta; jamais seria capaz de dizer não a Harry Judd.

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Abigail acordou sozinha naquela manhã de terça-feira; com um bocejo, chutou seu cobertor da Barbie e escorregou para fora da cama.
Foi a voz de tio Harry que chamou a sua atenção, ela estava um pouco baixa, mas ainda assim audível:
- Bem, nos vemos depois, então...
Rapidamente, a ruivinha caminhou até a sala e o encontrou junto à porta de entrada do apartamento.
- Tio Harry? O que você está fazendo? Com quem você está falando? – quis saber, curiosa.
Imediatamente, Harry fechou a porta e voltou-se para ela, com os olhos esbugalhados.
- Ah... com ninguém – ele disse, depois de pigarrear – Eu, é...
- Quem está aí? – ela quis saber, tentando empurrá-lo para longe da porta – O que você está escondendo de mim? É um pônei?
A interjeição repentina da menina fez com que Harry desabasse a gargalhar, em parte por diversão e em parte por nervosismo; não queria que Gail soubesse que ela passara a noite ali, mas agora estavam perigosamente próximos de serem descobertos.
Abigail aproveitou-se do momento de distração do padrinho e abriu a porta, mas o hall já estava vazio; o indicador do elevador informava que este estava descendo, provavelmente a caminho da garagem.
Harry suspirou, aliviado; os olhos verdes de Abigail percorreram todo o hall do elevador, buscando por algum indício de com quem o homem estava conversando.
- Eu disse que não tinha ninguém – ele disse, tentando manter uma expressão séria.
Convencida, Abigail fechou a porta e lançou-lhe um olhar grave:
- Meu pai dizia que só malucos falam sozinhos – informou, séria – O que tem para comer?

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- Fletcher? Fletcher? – Tom acordou com alguém o balançando e quando abriu os olhos, para encontrar aqueles olhos vivos de fixos nele, achou que ainda estivesse sonhando – O que você está fazendo aqui? São quase seis horas da manhã!
Ele esfregou os olhos e sentou-se com dificuldade no sofá que usara como cama.
- E você já está de volta? – ele perguntou, surpreso – Mal faz três horas desde que você saiu.
- Tenho meu horário para cumprir e, acredite em mim, toda aquela papelada na minha mesa não vai se resolver sozinha – ela disse, séria – É melhor você ir para casa dormir, Fletcher.
Ele negou com um movimento de cabeça, cansado demais para falar; suspirou e recostou-se contra o sofá por alguns instantes.
- Não, eu vou acordar. Preciso começar as ligações e resolver os detalhes da coletiva. Quanto mais cedo eu começar isso, melhor...
observou-o atentamente, considerando seu argumento; afinal, concordou com um aceno de cabeça.
- Está certo, espere aqui – ela disse e girou nos calcanhares, saindo do escritório dele; Tom fechou os olhos pelo o que pareceu um microssegundo até que sentiu algo macio e cheiroso sendo arremessado contra o seu rosto.
Com dificuldade, abriu os olhos e analisou o tecido em suas mãos: era uma toalha.
- O que é isso? – ele perguntou, confuso.
- Acontece que você não é o único que já precisou dormir no trabalho por causa de serviço – ela disse, secamente – Use o chuveiro do vestiário, eu sempre deixo um shampoo e sabonete dentro do 13º armário.
- Por que no 13º armário? – ele perguntou, o cenho franzido.
Ela revirou os olhos, impaciente.
- É meu número da sorte. Agora, vá lá e tome um banho. Prometo que se sentirá como novo. Ah, e vê se manda minha toalha para uma lavanderia antes de devolver.
Sem mais palavras, ela lhe deu as costas e saiu do escritório.

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esperou pacientemente o barulho do celular de chamando e sorriu ao ouvir a voz sonolenta, mas bem humorada de sua melhor amiga do outro lado da linha.
- Olha só, quem é vivo sempre aparece. Mesmo que seja por ligação. Às seis e meia da manhã.
riu.
- Desculpe, . Mas você também não merece nenhum prêmio de melhor amiga, não me ligou uma vez só esse ano novo.
- Tá certo, ninguém tá pedindo para isso virar uma competição – concordou – E então, como estão as coisas entre você e o Judd?
não conseguiu reprimir um suspiro sonhador.
- OK, isso já diz tudo – gargalhou, do outro lado da linha.
- E você e o Danny? – perguntou.
- Ah, muita coisa para falar – bocejou, obviamente com preguiça – Por que não nos encontramos hoje à noite e colocamos o papo em dia? Estou com saudades.
- Eu também. Está combinado. Naquele pub perto da sua casa? – sugeriu a professora.
- É um plano – sorriu – Eu ligo para a .
- OK. Beijos e bom dia.
- Igualmente.

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Como tinha dito, Tom encontrou o shampoo e o sabonete dentro de uma nécessaire discreta no 13º armário. Ele rapidamente se desfez de suas vestes amarrotadas e colocou-as dentro do armário.
Deixou a toalha sobre o armário mais próximo do chuveiro e ligou-o, tomando o cuidado para deixar a água tão quente quanto seu corpo era capaz de suportar; em alguns segundos, o vestiário estava repleto de vapor.
Entrou embaixo da cascata quente e sentiu todos os músculos tensos do seu corpo começar a relaxar; depois de alguns instantes aproveitando aquela sensação, ele pegou o shampoo de e passou-o em seus cabelos.
Seu estômago pareceu se comprimir quando ele identificou aquele cheiro característico, doce e ao mesmo tempo inebriante que ele sempre sentia quando estava nas proximidades.
Rapidamente, enxaguou o cabelo até que todos os resquícios do shampoo de seu cabelo fossem ralo abaixo, passando, então, a se ensaboar com o sabonete cor de rosa de fragrância suave.
Ele também foi capaz de identificar essa fragrância como um dos indicadores de , um cheiro estranhamente feminino e tão suave que só era possível discerni-lo das demais fragrâncias mais marcantes que a mulher usava quando ela estava a menos de um braço de distância.
Depois de se limpar, ele desligou o chuveiro e rapidamente se enrolou na toalha macia e felpuda de . Foi nesse momento, que um pensamento lhe ocorreu: aquela mesma toalha diversas vezes acariciara o corpo nu de .
Provavelmente, a última vez que aquele pedaço divino de pano fora usado, fora para essa exata finalidade: secar o corpo escultural da vice-presidente da Super Records.
Aquele mesmo corpo que , ainda que tomasse o cuidado de nunca expor de maneira vulgar, sempre usava roupas que faziam com que a mente de um homem divagasse sobre como ele seria sem todas aquelas camadas de tecido.
Ele suspendeu a respiração quando um novo pensamento assombrou sua cabeça: o sabonete que ele usara também viajara por aquele corpo.
E foi a imagem mental de naquele mesmo chuveiro que ele usava pela primeira vez naquela manhã friorenta de terça-feira, ensaboando-se com o mesmo sabonete que ele usara minutos antes que fez com que seu corpo reagisse de uma forma natural, mas ainda assim constrangedora.
Tom engoliu em seco e sentiu o horror tomar conta dele, quando percebeu que precisaria de um banho frio. Urgentemente.

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Abigail estava bebendo água no bebedouro do corredor quando ouviu duas meninas mais velhas sussurrando e olhando para ela de rabo de olho.
Confusa, afastou-se do bebedouro e encarou-as abertamente.
- O que foi? – perguntou.
- Nada – uma das garotas disse, ela era loira, com olhos castanhos e parecia ter uns oito ou nove anos – É só que a minha mãe disse que seu tio é uma pessoa horrível e que ela acha mesmo que devem te levar embora.
- O quê? Do que você está falando? – a garota perguntou, confusa – E o meu tio Harry não é uma pessoa horrível! Sua mãe é uma mentirosa!
O rosto da garota assumiu uma expressão dura.
- Minha mãe não é uma mentirosa! – a garota grasnou – E tá todo mundo falando que eles vão separar vocês, porque o seu ‘tio Harry’ é um bobão que não sabe fazer nada direito.
O bedel foi atraído pelos berros femininos e quando chegou ao local, encontrou Abigail Grace Dickins atracada a uma garota pelo menos dois anos mais velha, grudada nos cabelos loiros da garota como se sua vida dependesse disso, enquanto um grupo de crianças observava tudo com os olhinhos arregalados.

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Harry Judd fora informado do incidente cerca de dez minutos depois do ocorrido e, em menos de meia hora, estava sentado numa cadeira desconfortável, ao lado de uma Abigail chorosa e envergonhada.
- O que aconteceu? – perguntou Harry, parecendo mais perdido ainda do que a garota.
- Senhor Judd, eu não sei muito bem como dizer isso – informou a diretora – Por isso, acho que a própria Gail tem que lhe dizer o que aconteceu.
Harry voltou-se na direção da afilhada que, com dificuldade, ergueu os olhos verdes até os azuis do padrinho e fungou.
- Eu bati numa menina – ela murmurou, envergonhada – Mas ela merecia, tio Harry! Ela ficava dizendo coisas horríveis sobre você e mentiras sobre pessoas que querem separar a gente! E... desculpa. Eu não devia, eu sei.
Harry sentiu todo o ar ser sugado para fora do seu pulmão e, por alguns instantes, foi como se ele não soubesse onde estava, nem o que estava acontecendo.
- Eu... Gail, o que você fez foi muito errado – ele disse, depois de pigarrear para se certificar de que mantinha o controle sobre sua voz – Nunca devemos bater em ninguém, mesmo que a pessoa seja ruim com a gente ou com alguém que amamos muito.
Abigail desviou os olhos para as próprias mãos, envergonhada e chateada.
- Eu sei disso – ela murmurou – Desculpe.
A diretora observou-os por alguns segundos.
- Bem, senhor Judd, acho melhor vocês deixarem para resolver isso melhor em casa – ela disse, com um suspiro – E como é a primeira vez que a Abigail se comporta desta forma, não tomarei nenhuma medida mais séria. Mas realmente espero que isso não se repita.
- Não acontecerá novamente – Harry disse, sério, e Abigail concordou com um aceno frenético de cabeça.
Os dois saíram juntos do escritório da diretora e, assim que fechou a porta, Harry ajoelhou-se para ficar da altura de sua afilhada. Abigail ergueu os olhos verdes e ele percebeu que ela estava prestes a se debulhar em lágrimas.
- Hey, não chore... – ele disse, suavemente, enquanto usava seu dedão para secar uma lágrima tímida que escorreu de um de seus olhos – Está tudo bem.
- Não – ela negou com um aceno de cabeça – Mamãe sempre disse que era errado brigar com os outros. E eu fui má e não obedeci ela. Ela deve estar muito triste comigo.
- Não, Gail, não fale essas coisas – Harry puxou-a para um abraço e depois sentou-se em uma das cadeiras estofadas da sala de espera, colocando-a no seu colo; a garotinha abraçou-o firmemente – Seus pais te amam muito e nada vai mudar isso. Eu tenho certeza.
Ela fungou e os dois ficaram em silêncio por alguns instantes; ela aninhada confortavelmente no colo do padrinho, enquanto este passava a mão pelos seus cabelos ruivos de forma reconfortante.
- É verdade? – a voz fininha de Abigail quebrou o silêncio.
- O quê? – ele questionou.
- Que querem me tirar de você? – a voz era um pouco mais do que um sussurro assustado.
Harry ficou calado, repentinamente incapaz de responder. Não sabia o que fazer: admitir a verdade? Mas estaria uma garotinha de seis anos de idade preparada para lidar com algo daquele gênero? Mentir? Mas era justo mentir sobre uma situação cuja principal envolvida era justamente quem lhe perguntava?
- Conversaremos sobre isso mais tarde, pode ser? – ele pediu, afastando a franja da afilhada e depositando um beijo afetuoso em sua testa – Tenho que voltar para o trabalho agora. Mas pare de chorar, tá bem? Seus pais te amam e eu também. E tudo vai ficar bem.
Abigail fungou e desviou o olhar para as próprias mãozinhas, mas concordou com um aceno de cabeça.

X


Tom estava compenetrado criando um modelo de e-mail informando aos jornais, programas de rádios e televisão, revistas e afins que eles haviam sido selecionados para a única e exclusiva coletiva de imprensa com Harry Judd.
O único problema é que ele não conseguia parar de pensar em coisas que nada tinham a ver com jornalistas e o problema de seu amigo.
Verdade seja dita, Thomas Fletcher era praticamente um homem casado; lógico que ele e Gio ainda não haviam oficializado nada, mas era assim que ele se sentia depois de um relacionamento de quase dez anos.
E ele não se ressentia disso, nem um pouco. Nunca encarara o fato de ter uma namorada esperando-o na Inglaterra como um empecilho para curtir os lugares exóticos que as turnês do McFLY frequentemente o levavam, nem considerava um sacrifício recusar as garotas que se ofereciam para ele como se seus corpos fossem um pedaço de bolo.
Desde que tivera sua primeira namorada séria aos cinco anos de idade, Tom sabia que ele era o tipo de homem que se satisfazia com uma mulher só.
Então, por que diabos ele se vira pensando em no chuveiro?
Como isso poderia estar acontecendo? O que tinha de errado com ele?
E se Gio soubesse ler mentes?
E, como se atraída pelo seu caos, Tom quase teve um ataque cardíaco quando viu entrando em seu escritório com aqueles passos impacientes e aquele ar autoritário.
- E então, como estão os preparativos para a coletiva de imprensa? – ela quis saber, erguendo as sobrancelhas.
- Ah... ah... – era impressão dele, ou ela estava usando um conjunto mais justo do que o usual? – Ah... eu... eu...
franziu o cenho.
- Ah, já era. Ele está tendo um derrame. Vou chamar os paramédicos. Eu sabia que não ia aguentar a pressão... – murmurou, caminhando até o telefone sobre a mesa; no momento em que ela se inclinou para digitar os números, sua blusa branca com decote em V deixou uma parte do seu colo mais à mostra e Tom sentiu sua boca ficar repentinamente seca.
- NÃO! – berrou, fechando os olhos – Eu não preciso de paramédicos. Estou bem. Vai embora.
- O quê? – ela perguntou, perplexa.
- Tá tudo certo. Eu estou dando conta, já estou até enviando os e-mails – ele disse, rapidamente, mantendo os olhos bem fechados para evitar qualquer outra visão que lhe fornecesse uma passagem só de ida para o inferno – Você pode ir. Cuidar de outras coisas. Mais importantes. Tipo... a Soul Music.
ergueu as sobrancelhas.
- Por que você está de olhos fechados? – quis saber.
Sem saber muito bem o que fazer, Tom deu um soco no tampo da mesa, fazendo com que desse um passo para trás, os olhos verdes arregalados.
- Mas que negócio, ! Você está tão desocupada que tem que ficar me infernizando com perguntas inúteis? – soltou um suspiro resignado e fez um gesto displicente com as mãos, enxotando-a – Vai, vai arranjar o que fazer e me deixa trabalhar em paz.
ficou observando o homem por alguns instantes; Tom continuou de olhos fechados, irresoluto.
- Você precisa de férias – ela decretou.
- É. Sugestão anotada. Agora... xô.
encaminhou-se relutante em direção à porta e abriu a boca, pronta para dizer algo, mas mudou de ideia e simplesmente deu as costas para ele, saindo do recinto.
Tom só sentiu à vontade para abrir os olhos quando ouviu os ecos dos saltos de bem distantes; suspirou.
Ela poderia pensar que ele era louco, mas só ele sabia o quanto isso era uma parte de sua luta interna para manter justamente sua sanidade.

X


não pôde evitar perceber que Abigail estava particularmente quieta; ela tentara de tudo para deixar a garotinha mais alegre, desde brincar de Barbie até assistir seus desenhos favoritos.
- Gail, o que está acontecendo? – finalmente desistiu, colocando a televisão no mudo e virando-se para a garotinha, resolvendo pela abordagem direta – É por causa da briga de hoje?
Abigail negou com um aceno triste de cabeça.
- Eu acho que Deus não gosta mais de mim, professora – ela disse, fungando, com os olhos verdes começando a marejar.
- Gail! Não diga uma coisa dessas... o que te faz pensar isso? – a mulher perguntou, perplexa.
A ruiva deu de ombros.
- Primeiro, Ele tirou meus pais de mim. E, agora, quer tirar o tio Harry. Acho que ele está me punindo por aquele dia que eu copiei a lição de casa da Nora – ela fez um beicinho, a apenas alguns passos de se debulhar em lágrimas.
- Mas é claro que não, Gail! – puxou a garota para o seu colo e a abraçou – Nada disso. Isso não é nenhuma vingança de Deus contra você! É só... Olhe para mim – ela pediu e a garotinha obedeceu, relutante – Seu tio Harry vai te explicar tudo hoje, mas, acredite em mim, ninguém vai tirar ele de você. Está bem?
Abigail deu um sorrisinho que não chegou a alcançar seus olhos.
- Foi a mesma coisa que ele disse – ela fungou, coçando a nariz com a costa de uma das mãos – O Tio Harry.
- Pois bem. E seu tio já mentiu para você alguma vez? – questionou, erguendo as sobrancelhas.
A garotinha considerou a questão por alguns segundos e depois negou, com um aceno de cabeça.
- Exatamente – sorriu, abraçando mais uma vez a garota – Você não tem com o que se preocupar, Gail.

X


Tom estava enviando o último e-mail para a Rolling Stones britânica, quando ouviu alguém batendo de leve na sua porta; ergueu os olhos, com medo de que fosse , mas encontrou Harry com um sorriso cansado, uma garrafa de Johnny em uma mão e dois copinhos em outra.
- Está muito ocupado? – quis saber o baterista.
- Nunca estou ocupado demais para os meus amigos – Tom respondeu, gesticulando para que Harry entrasse – E nem para beber em serviço.
Harry riu e entrou no escritório, tomando o cuidado de fechar a porta às suas costas; serem vistos por não era uma possibilidade agradável.
- Fui chamado pela diretora hoje – Harry disse, colocando os copos sobre a mesa e enchendo os dois com a bebida acobreada – Abigail entrou em uma briga.
- O quê? – Tom exclamou, surpreso – A Gail?
- Pois é – Harry deu um meio sorriso infeliz – E adivinha só? A menina com quem ela brigou disse que querem ‘tirar ela de mim’ ou algo do gênero. Então, agora ela sabe.
Tom ficou alguns instantes em silêncio.
- Olha, não sei o que essa menina fez, mas ela certamente mereceu apanhar da Gail – o loiro resmungou.
Harry riu, concordando.
- É uma merda – soltou, sentando-se e dando um longo gole – Ainda bem que eu tenho vocês, porque acho que não aguentaria ter que passar por tudo isso sozinho.
Tom deu uma risadinha.
- Você sabe que sempre pode contar com a gente para qualquer coisa – disse; nesse momento, os dois ouviram o som do salto agulha de no corredor e, imediatamente, Harry jogou a garrafa de whisky para Tom, que a guardou dentro da gaveta, enquanto o baterista posicionava os copos atrás de uma pilha de papéis.
O som de passos continuou, passando reto pela porta; qualquer que fosse o destino de , este não envolvia o escritório de Tom Fletcher.
Tom soltou o ar, aliviado; então, percebeu que Harry o observava atentamente, com o cenho levemente franzido.
- O que foi? – perguntou o loiro.
- Você está estranho – Harry respondeu, resgatando seu copo do esconderijo arranjado às pressas – Foi só ouvir a e pareceu que você tinha visto um fantasma ou qualquer coisa.
Tom sentiu todo o ar se esvair de seus pulmões e, então, assumiu uma expressão culpada.
- Eu tenho uma confissão. Mas você tem que prometer que não vai contar para ninguém, Harry – ele sussurrou com urgência.
Harry ergueu as sobrancelhas, intrigado.
- Claro.
- Eu tive... pensamentos... – Tom hesitou, procurando pela palavra certa – indignos... com a .
Harry franziu o cenho, tentando extrair o sentido daquelas palavras.
- Tipo, eróticos? – questionou.
- Shhh! – Tom sibilou, transtornado – É. No chuveiro essa manhã. Estou me sentindo sujo. Estou quase casado, Harry! Eu estou com a Gio há tanto tempo que nem lembro mais o que é ser solteiro! E eu nunca, nem uma vez, olhei para os lados. E agora, ando tendo pensamentos... você sabe... com a ! Não sei o que fazer.
Harry ficou alguns instantes em silêncio, absorvendo a informação, então jogou a cabeça para trás e soltou uma sonora gargalhada.
- Ah, Tom, se meu pior problema fosse o seu – murmurou, assim que conseguiu se acalmar – Você está muito paranoico! Qual é o problema? é uma mulher muito bonita e o mero fato de você estar em um relacionamento não te torna cego e é normal que você ache outras mulheres bonitas. O que realmente importa é como você se comporta, entende?
Tom soltou um grunhido, mantendo-se em um desconfortável silêncio.
- Estou falando sério, Tom, simplesmente aceite o fato de que a é um espécime adorável de ser humano e que é uma figura agradável aos olhos. Se você for ter uma crise moral toda vez que achar uma mulher bonita, talvez seja melhor pegar essa caneta e enfiar nos seus dois olhos – Harry sugeriu, divertido – Pare de se preocupar tanto, você é o homem mais apaixonado que eu conheço, o fato de você ter tido um pensamento sórdido com outra mulher não muda esse fato.
Tom considerou o argumento do amigo, sentindo-se ligeiramente melhor.
- Acho que você está certo, Juddy – o homem resmungou.
- Eu sempre estou certo – o outro concordou, revirando os olhos; foi nesse instante que a porta se abriu e duas silhuetas se precipitaram para dentro do escritório.
- Bebendo sem a gente! – ofegou Danny, incrédulo.
- Seus... traidores! – concordou Dougie, enquanto procurava no escritório por mais dois copos.

X


Harry chegou pontualmente às oito naquela noite; assim que colocou os pés dentro da sala de estar, colocou-se de pé e pegou sua bolsa.
- Aonde você vai? – quis saber o baterista, intrigado.
- Combinei de jantar com a e a hoje – respondeu, colocando-se na ponta dos pés e dando um selinho rápido no homem – Não dá para ficar. Além do mais, você tem que ficar com a Gail. Acho que ela quer algumas explicações.
Harry concordou com um aceno de cabeça.
- E como ela está? – perguntou ele.
- Meio magoada. Conversei com ela essa tarde e ela ficou um pouco melhor, mas acho que ela ainda precisa de você para confortá-la – foi a resposta que ela forneceu – Gail está no banho agora e eu preparei uma sopa, está no fogão. Ah, e Harry? Está na hora de ir ao mercado novamente.
Ele sorriu e puxou-a para mais perto.
- O que seria de mim sem você? – ele perguntou, dando-lhe um beijo delicado nos lábios.
- Um desastre – ela riu, dando-lhe um beijo mais profundo – Tenho que ir, já estou atrasada! Mande um beijo enorme para Gail por mim, está bem?

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Comecei essa carta três vezes já. Eu tentei começar com , mas não parecia adequado depois de tanto tempo. Então, com , mas ainda assim parecia estranho, como se eu fosse a professora Figgs, durante a chamada. Quando coloquei Senhorita , senti uma dúvida curiosa e repentina se esta seria a colocação certa.
Até onde sei, você pode ser uma Senhora Qualquer-Coisa, casado com algum John Qualquer-Coisa que conquistou seu coração onde quer que você esteja.
E esse foi um pensamento particularmente doloroso, então espero que você ainda seja Senhorita e que seja assim que as pessoas que não têm contato com você te chamam.
De qualquer forma, eu sei que não deveria te escrever essas cartas, mas essa vai ser a última. Eu sei que falei isso nas últimas vinte ou trinta cartas, mas dessa vez é de verdade.
É só que tem muita coisa acontecendo e eu queria te contar, mesmo que você nunca possa verdadeiramente saber. De qualquer forma, comprei uma teiú.
Foi uma espécie de gesto simbólico, sabe? Depois que a Frankie me deixou, não tem por que eu não ter mais um animal de estimação. De qualquer forma, dei a ela o nome Paz.
É o que ando precisando, ultimamente.
Não gosto de me queixar, porque todos os meus amigos estão preocupados demais com o Harry. Sabe, até mesmo que era meu maior apoio com toda a nossa relação – dá para dizer que é isso que temos? - está se matando para dar um jeito de ajudar a situação do Harry com a Gail.
Acho que você não sabe muito sobre eles, então eu vou contar mais ou menos o que aconteceu: eu devo ter mencionado Charlie e Claire Dickens em alguma carta anterior, mas eles eram os melhores amigos de infância do Harry e faleceram recentemente, deixando a guarda da filhinha deles, Abigail, com o baterista.
E, pequenas dificuldades à parte, ele está lidando muito bem com a pressão. De verdade. Só que uma assistente social apresentou uma queixa contra ele e agora tem todo esse processo, onde um juiz vai decidir se a Abigail poderá ficar com o Harry ou não.
Ele não fala muito, mas está visivelmente abalado. Hoje, até bebemos no trabalho para tentar desestressar um pouco!
Quando é que nossas vidas ficaram tão complicadas?
Estou começando a ficar com muito sono, então vou encerrar a carta por aqui.
Paz me pediu para dizer que ela gostaria muito de te conhecer; talvez um dia...
Por favor, não esteja casada.
Com muito carinho,
Dougie”.


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- Até que enfim conseguimos nos ver! – suspirou , abraçando com firmeza – Dá para acreditar que a última vez que nos vemos foi ano passado?
- Há três dias atrás – revirou os olhos.
- Em 2010 – a psicóloga retrucou com desdém – Estamos em 2011. E esse ano promete. Falando nisso, olha quem acaba de chegar...
As duas se viraram para encontrar entrando no pub parecendo ocupada mesmo quando não estava trabalhando, com um andar decidido e os olhos fixos na tela de seu celular.
- Olá, garotas – ela disse, no tom de quem cumprimenta alguns colegas de trabalho – O que há para hoje?
- Margueritas e porções de batata frita! – exclamou , sentando-se na diminuta mesa de madeira e sendo acompanhada pelas outras duas.
- Perfeito – gemeu, jogando o celular dentro de sua bolsa – As coisas estão um caos completo na Super Records.
- Bem lembrado! Ouvi dizer que o Harry vai dar uma coletiva de imprensa! Isso não está passando um pouco dos limites? – quis saber , enquanto gesticulava para o garçom mais próximo.
concordou, com um aceno desgostoso de cabeça.
- Nem me fale. Harry parece tentar fingir que está tudo bem, mas a sensação que tenho é que ele está isso daqui – erguendo a mão, ela deixa um espaço mínimo entre o dedo indicador e o dedão – De ter um ataque de nervos. É realmente muito triste.
- E para piorar tudo, adivinhem quem está cuidando da coletiva de imprensa? – perante os olhares em branco das duas, prosseguiu – Tom Fletcher. Estou tocada e tudo mais, mas... de verdade? Vou ficar impressionada se no e-mail oficial convocando os jornalistas não tiver algo do gênero “fantasia de Star Wars obrigatória”.
e caíram na gargalhada.
- Pare com isso, . O Tom é uma pessoa muito séria, quando preciso, e é tão competente quanto você.
estreitou os olhos na direção da professora de tal forma que esta chegou a sentir medo.
- Diga mais uma barbárie dessas e prometo que vou embora – rosnou.
ergueu as duas mãos, num ato de redenção.
- Não está mais aqui quem... Espere! O que é isso? – perguntou, apontando para um televisor que estava atrás de ; imediatamente, tanto a executiva quanto a psicóloga se viraram para tentar entender a que a mulher se referia.
Na tela da televisão, uma mulher loira falava, gesticulando de forma enervada, enquanto a legenda dizia ‘AFILHADA DE HARRY JUDD AGRIDE FISICAMENTE UMA GAROTA EM SEU COLÉGIO’.
- Garçom? Garçom? – acenou para o mais próximo – Aumenta o volume da televisão, por favor!

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- ... e minha adorada Rachel nunca faria mal a uma mosca! – dizia a mulher loira de cabelos curtos e expressão severa – Tenho certeza absoluta que atitudes tão agressivas só podem ser consequências de morar com um modelo que lhe ensina esse tipo de coisa.
A câmera se focou numa apresentadora de meia idade, que parecia comovida com as palavras da mulher.
- Para analisar a situação, convidamos o psicólogo especializado em psicologia infantil, Matthew Joanes. Matt, o que você acha?
Danny revirou os olhos e desligou a televisão.

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- Hey... – Harry entrou no quarto de Abigail com um pacote de pipoca em uma mão e uma garrafa de coca-cola na outra – Que tal assistirmos um filme?
A garota o observou com os tristes olhos verdes e disse:
- Achei que você ia me explicar aquele negócio de quererem separar a gente.
Harry suspirou e deixou as baboseiras que trouxera em cima do cômodo da afilhada, sentando-se ao lado dela na cama.
- Você quer mesmo saber? – perguntou.
Ela concordou com um aceno de cabeça e ele soltou o ar lentamente, tentando pensar em uma forma prática e simples de colocar tudo o que ela precisa saber em palavras.
- Certo... Sabe quando seus pais foram para o céu? – ele perguntou, afinal, e ela concordou com um aceno de cabeça – Eles me pediram para ficar com você e cuidar de você. Só que não adianta só os seus pais me dizerem que querem que eu fique com você, existem outras pessoas que precisam deixar também.
- Tipo aquela mulher que falou comigo na escola? – Abigail perguntou, hesitante.
Harry deu um meio-sorriso.
- Precisamente como ela. E, digamos... ela resolveu que seria melhor ela ter uma segunda opinião. É por isso que daqui a alguns dias, eu vou ver um homem e mostrar para ele que nós somos bons juntos e que eu cuido bem de você, então ele vai assinar um papel e ninguém nunca mais vai poder separar a gente – ele a observou atentamente – Conseguiu entender?
Abigail devolveu o olhar e concordou com um aceno de cabeça.
- Eu não quero que me tirem de você – ela disse, afinal.
- Não vão – ele disse, sentindo a garganta apertar.
- Então, você mostra para esse homem que a gente é bom junto, tá? – ela pediu, abraçando-o – Porque eu não quero mais ser tirada das pessoas que eu amo.
Harry a abraçou de volta com firmeza.
- Pode deixar.

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Na manhã seguinte, a notícia da briga de Abigail com Rachel Brown estava em quase todos os noticiários e jornais que não tivessem uma matéria mais importante para publicar.
Dado o fato da medida judicial manter os jornalistas longe das proximidades do apartamento e da escola, a garotinha passou a maior parte do dia alheia às repercussões de seus atos, enquanto Harry se tornava mais e mais pressionado por ele.
O site do Independent, um dos jornais de maior circulação, já contava com uma notícia relatando o ocorrido, contando, inclusive, com a manifestação de Dora Huir, uma professora da sexta série, que afirmava vigorosamente que “isso nunca teria ocorrido, se Charlie e Claire Dickens estivessem vivos”.
Apesar de todas as palavras de consolo de Dougie, Danny, Tom, , e até mesmo – que lhe mandara um torpedo -, as ligações para tentativas de imprensa daqueles jornais que não foram selecionados para a coletiva se tornaram mais insistentes e, ainda que existisse a ordem de que nenhuma ligação dos jornais deveria chegar até ele, ainda era possível ouvir os telefones tocando o dia inteiro, o que era igualmente enlouquecedor.
Em algum momento, durante a tarde, seu telefone começou a tocar e, hesitante, ele o observou por alguns segundos, ainda traumatizado demais para se lembrar que nenhuma ligação que fosse remotamente ligada à imprensa lhe seria encaminhada.
Depois do terceiro ou quarto toque, ele conseguiu juntar toda a coragem que tinha e atender a ligação.
- Harry Judd.
- Bom dia, garoto. Como estamos hoje? – a voz que ele tanto ouvira no seu iPod lhe brindava os ouvidos, enquanto Paul McCartney oferecia um gesto de bondade do outro lado da linha.
- Ah... Bem... Você sabe – ele respondeu, dando de ombros.
Na verdade, nem mesmo uma ligação de Paul McCartney parecia capaz de melhorar seu dia.
- Não deixe eles te afetarem, filho – o mais velho disse, calmamente – Aprenda uma coisa sobre essa vida... e eu estou nela há muito tempo, então eu sei o que estou dizendo... eles, os repórteres, paparazzi, a mídia, num todo... eles nos adoram quando estamos bem, mas eles nos amam quando estamos mal. Acho que tem algo de místico em ver a vida das celebridades com algum defeito; provavelmente faz eles se sentirem melhores a respeito deles mesmos e da vida medíocre que possuem.
Harry continuou em silêncio, porque verdadeiramente não possuía nada para dizer.
- Você conhece o “Magical Mistery Tour”? – o ex-Beatle perguntou, resolvendo mudar de abordagem.
- Lógico – Harry deu um meio sorriso – É meu CD favorito. Um dos.
- Pois bem, a mídia detestou. Milhares e milhares e milhares de notícias falando sobre como nós, os Beatles, tínhamos “perdido o jeito” e “falhado”; eles pegaram pesado com a gente, garoto, notícias e mais notícias apontando defeitos. Fomos a primeira banda a monopolizar os três lugares das mais tocadas simultaneamente, bem como os primeiros artistas britânicos a fazer sucesso além do Oceano Atlântico. Na época, os impostos chegavam a quase 90% do que ganhávamos, o que obviamente quer dizer que durante os anos 50 e 60, nós contribuímos mais do que qualquer pessoa para o governo britânico. Mas você acha que eles mencionaram isso em qualquer daquelas notícias?
- Não – Harry respondeu, num suspiro.
- Não – Paul concordou, satisfeito – E eles nunca irão, verdadeiramente. Seja verdadeiro a você mesmo, criança, você sabe sobre a sua vida muito mais do que qualquer tabloide jamais conseguirá saber. Não deixe eles chegarem em você, nem te afetarem.
E, então, magicamente, Paul McCartney tinha conseguido melhorar o dia de Harry.
- Obrigado, senhor McCartney.
- Não me chame assim – o outro chiou, desgostoso – Faz com que eu me sinta velho; eu gosto muito mais de Paul.
- Obrigado, Paul – Harry riu, corrigindo-se.
- Não se preocupe. Somos colegas de trabalho agora e John saberia dizer isso como ninguém: eu me preocupo muito com meus colegas de trabalho. Todos eles eventualmente se tornam meus amigos.
- Espero que sim – Harry concordou, sentindo-se estranhamente fora da realidade por ter uma conversa dessas com Paul McCartney, a lenda.
- Tenha um bom dia, Harry – ele desejou, afinal – E mantenha o que eu disse na sua cabeça.
- Pode deixar.
- Então... será que você poderia, por favor, me transferir para a ? Estou acertando alguns detalhes do projeto com ela.

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- Como você pôde fazer isso? – perguntou, fechando bruscamente a porta do armário de Dora Huir, fazendo com que a professora de matemática da sexta série se assustasse.
- Do que você está falando? – a mulher perguntou, franzindo o cenho e parecendo incomodada.
- Você sabe do que estou falando – bufou – Daquela sua entrevista ridícula para o Independent!
- Ah, isso – a outra revirou os olhos, voltando a abrir seu armário com um olhar desafiador à outra professora – Não fiz nada demais, aqui ainda é um país livre e tenho direito a ter as minhas opiniões.
- Você tem noção do quanto você pode ter piorado a situação para Harry Judd e Abigail? – rosnou, chamando a atenção dos outros professores.
Dora olhou para o teto, fingindo refletir.
- Eu não me importo nem um pouco, falei o que eu acho que precisava ser dito – disse, dando de ombros.
- Exato. Você não se importa nem um pouco. E é justamente por isso que não deveria ter se metido – abriu bruscamente seu armário e começou a tirar os livros que precisaria com gestos violentos – Tenha um bom dia, Huir.
E ela saiu trovejando da sala dos professores.

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Harry estava terminando de redigir um parecer acerca do que achara de uma banda encontrada por um de seus caça-talentos, Freddie Joe, quando seu ramal começou a tocar.
Era Dougie.
- Você definitivamente deveria checar seu twitter – o baixista disse.
- Ahn... certo. Por quê? – mas o telefone já estava mudo.
Intrigado, Harry abriu o Google Chrome e entrou na página do twitter, digitando seu login e senha; entre os trending topics do mundo, estava #WeSupportHarryJudd (#NósApoiamosHarryJudd).
Sentindo sua respiração se suspender e sua garganta apertar, Harry pressionou o link e viu, algo entre horrorizado e maravilhado, milhares e milhares de tweets gentis e amorosos.
@dougiemcfly #WeSupportHarryJudd! Mandem seus tweets se vocês também acham que Harry é um excelente pai!
@Dannymcfly #WeSupportHarryJudd porque ele é um ótimo pai e tudo o que estão dizendo nas notícias é M-E-N-T-I-R-A.
@tommcfly #WeSupportHarryJudd E se você não apoia, é porque você obviamente torce pelo lado negro da força!
@giovannafalcone #WeSupportHarryJudd e sabemos que ele é a melhor opção para a pequena Gail! (:
Não era a primeira vez que ele se sentia tão abençoado pelos amigos que tinha, nem de perto. Então, seus olhos começaram a ser atraídos pelos tweets de suas fãs.
@Crazy_Muna #WeSupportHarry @mcflyharry Harry, na vida surgem obstáculos que ás vezes parecem difíceis de superar, mas não esqueça, enquanto tiver pessoas que o amem ao seu lado, não estará sozinho. Estamos aqui, apoiamos você, não desista! Gail precisa de você, como você precisa dela... mostre para aquela mulher do que você é capaz, acreditamos em você. Força, Harry!
@marrygaletti #WeSupportHarry @mcflyharry EU SEI QUE TU VAI CONSEGUIR PQ TU É MT LINDO, GOSTOSO E obviamente um otimo pai. ADOTA EU! / HUSAIDHIAU as doida.
@danixx1 @mcflyharry, a Gail te acha um bom pai e nós também -q Não desista! #WeSupportHarryJudd
Milhares de mensagens, algumas em inglês, outras em todas as línguas que ele conhecia; inebriado pelas mensagens, leu uma a uma até chegar às primeiras.
@ #WeSupportHarryJudd porque sabemos que só ele sabe fazer a Gail feliz! <3
@ #WeSupportHarryJudd porque sabemos a verdade e não nos deixamos enganar por um bando de oportunistas que só querem quinze minutos de fama!
Harry riu, descontroladamente, sentindo uma onda morna invadindo seu interior; como fora conseguir uma mulher tão brilhante para ter como namorada e uma amiga tão fiel de brinde?
Pegou seu celular e digitou uma mensagem, enviando-a em seguida.

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estava no meio de um ditado quando seu celular vibrou no bolso da calça, discretamente, enquanto continuava pronunciando lentamente algumas palavras para as crianças escreverem, ela sacou o aparelho e leu a mensagem.
“Vi o que você fez no twitter, como poderei te recompensar? Beijos, Harry”.
Ela sorriu e rapidamente digitou uma resposta, enviando-a. Depois, voltou a atenção para seus alunos, que a observavam, aguardando pela próxima palavra.
- Satisfação – ela disse, e todos eles voltaram suas atenções para os respectivos cadernos.

X


O celular de Harry vibrou ao lado de seu teclado; com um sorriso, ele abriu a mensagem que chegara.
“Tenho certeza que você vai pensar em algo. ;) .

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O celular de começou a tocar e ela o atendeu antes de verificar no visor quem queria falar com ela.
- Brilhante – a voz profunda de Danny Jones fez-se ouvir do outro lado da linha – O que vocês fizeram... foi brilhante. De verdade.
riu e observou as próprias unhas, tentando se sentir humilde.
- Bem, não foi grande coisa. E quem começou verdadeiramente foi a , então eu acho que você deveria ligar para ela e não para mim.
Foi a vez do vocalista rir, fazendo com que alguns arrepios descessem pela espinha da psicóloga; Deus, que risada gostosa ele tinha.
- É verdade, mas tenho certeza que ela será muito bem recompensada por Harry. Mas eu acho que quem chegou em segundo lugar também é extremamente importante e quero recompensar você – ele disse, finalmente – Deixe-me levá-la para sair.
gargalhou.
- Típico – murmurou, enxugando os olhos – Danny, eu gosto muito da sua companhia e tudo o mais, mas se você quer me recompensar de verdade, cheque suas premissas. Gostaria muito mais de ganhar como prêmio a coleção completa de Calvin e Haroldo do que um jantar chato em algum restaurante chique.
Danny Jones resmungou do outro lado da linha; aquela mulher era dura na queda. Fazia anos que ele não tinha que se esforçar para sair com alguém e agora se via tendo quase que implorar para ter a companhia de uma psicóloga.
Vai entender.
- Um frapuccino na Starbucks, então? – ele sugeriu, vencido.
- Pronto – a voz da psicóloga sugeria um sorriso – Muito mais a minha cara. Hoje às oito no Starbucks perto do meu consultório.
E a linha ficou muda.
Danny ficou uns bons instantes olhando absolutamente incrédulo para o aparelho na sua mão.

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Quando Harry chegou em seu apartamento com uma garrafa de vinho e uma caixa de pizza, ficou mais do que surpreso e grato em descobrir que Abigail, exausta, já tinha ido para a cama.
- O que é isso? – perguntou.
- Minha retribuição pelo imenso favor que você me fez hoje – ele respondeu, inclinando-se e dando-lhe um beijo rápido – Pizza, vinho e depois um sexo como você nunca fez na sua vida.
- Já disse que eu não vou fazer...
- Não é disso que eu estou falando – Harry riu – Você pode pôr a mesa? Vou dar um beijo de boa noite na Gail.
concordou e começou a se encarregar de colocar os pratos, talheres e taças sobre a mesa da sala de jantar; alguns segundos depois, Harry voltou com um sorriso relaxado.
- Você parece melhor – ela apontou, finalmente.
- Eu me sinto muito melhor. Amanhã é a coletiva de imprensa e eu nem sinto mais como se fosse o fim do mundo, graças a você e todas aquelas pessoas que demonstraram me apoiar – ele sorriu, enlaçando-a num abraço.
sorriu para ele.
- Eu não disse nada além da verdade – murmurou.
- Você é a pessoa mais sincera que eu conheço – ele disse, depositando-lhe um beijo afetuoso na ponta do nariz – E é isso o que eu mais amo em você.
hesitou, perplexa; eles ainda não tinham dito com todas as letras “eu te amo” e aquela era a primeira vez que a palavra amor realmente saía da boca dele.
Os dois se olharam, num momento de mútuo entendimento.
- Eu amo você, – ele disse, lentamente, deixando cada palavra ressoar pela sala vazia.
sentiu sua garganta apertar e estreitou os braços em volta do pescoço do homem, colando seus lábios; o beijo que começou frenético, aos poucos foi se tornando mais e mais urgente.
- Vamos deixar a pizza para depois – ela grunhiu, enquanto sentia ele escorregar a mão pelas suas costas e lentamente subi-la por debaixo do material da camisa da professora.
- Ótima ideia – ele ofegou, puxando-a para o seu colo e rapidamente cruzando a distância entre eles e sua cama de casal.

X


Quando Danny chegou, quase ofegante, na Starbucks que ficava há algumas ruas do consultório de – informação que ele precisou solicitar a -, encontrou a mulher sentada, folheando uma revista distraidamente.
- Este lugar está ocupado? – ele perguntou, com um sorriso relaxado, chamando a atenção da mulher.
ergueu os olhos , surpresa.
- Oh... – sua expressão perplexa foi rapidamente substituída por uma divertida – Na verdade, eu estava esperando por alguém. Mas acho que você pode ser um bom substituto.
Danny gargalhou.
- Espero que sim – puxou a cadeira e sentou-se – E então, o que me conta de bom?
- Nada, na verdade – ela respondeu, apoiando o queixo em uma das mãos e observando-o, com um sorriso – Só que alguém me prometeu um frapuccino e até agora só tive notícias chatas sobre celebridades – para ilustrar sua resposta, ergueu a revista que lia.
Danny deu mais um de seus brilhantes sorrisos.
- Deixa comigo, chefe – e levantou-se, indo em direção ao balcão; observou a forma como a atendente no caixa ficou imediatamente encantada por aquele maravilhoso homem de olhos azuis.
Em alguns instantes, ele voltou com um copo da Starbucks em cada mão.
- Isso foi rápido – ela comentou, impressionada.
- E de graça – Danny deu uma piscadela, sentando-se novamente e entregando um dos copos à psicóloga – Pequenas vantagens na vida de uma pessoa pública: quanto mais dinheiro você tem, menos você tem que pagar pelas coisas.
riu.
- Bom saber disso. E como estão os preparativos para a coletiva de imprensa?
- Ah – Danny deu de ombros – Eu deixo isso ao cuidado dos adultos.

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- Pronto, acho que o sistema de som está bom – Tom deu alguns passos para trás e observando o pedestal que ele e colocaram na maior sala de reuniões, com capacidade para agrupar aproximadamente cinquenta pessoas, se vinte ou trinta dessas se dispusessem a ficar de pé.
Do tampo do pedestal, dezenas de microfones estavam conectados, com uma cascata de fios pretos se destacando à frente.
- Ainda bem – suspirou – Melhor testar, acho.
Tom deu um meio-sorriso e ergueu um dos braços, num ato urgente e, ao mesmo tempo, profissional.
- Senhorita , eu tenho uma pergunta – ele anunciou, como o faria um jornalista.
observou-o inexpressiva por alguns instantes, mas então revirou os olhos e resolveu entrar na brincadeira.
- Pois não, senhor Fletcher.
- Por que a senhorita é tão amargurada?
deu um sorriso cínico.
- Porque sou obrigada a trabalhar do lado de uma pessoa mentalmente incapacitada todos os dias úteis da semana – respondeu, prontamente.
Tom fez uma careta desgostosa.
- HEI!
- Tem essa coisa que minha grand-mère sempre disse... como era mesmo? Ah! Quem pergunta o que quer, ouve o que não quer – ela desceu do pedestal e, sem outra palavra, saiu da sala de reunião, dando o dia por encerrado.

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Abraçados embaixo dos cobertores, Harry estava de olhos fechados, sentindo o cheiro gostoso dos cabelos de ; ele nunca conseguiria entender como ela poderia ter esse efeito tão inebriante sobre ele.
- Já sabe o que vai falar amanhã? – ela perguntou, afinal cortando o silêncio.
Harry considerou a questão, enquanto enrolava uma mexa dos lindos cabelos da professora em seu dedo indicador.
- Não sei. Acho que direi o que meu coração mandar – ele suspirou, puxando-a para mais perto – Como fiz hoje mais cedo, com você.
Ele beijou-lhe a pontinha do nariz e ela sorriu.
- Parece um ótimo plano.

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Quando Thomas Fletcher finalmente chegou em casa, encontrou Gio deitada na cama de casal deles, profundamente adormecida; a maioria das namoradas de celebridades que ele conhecia estariam sentadas em uma poltrona, aguardando seus respectivos companheiros chegar com aquela ansiedade desconfiada.
Estaria ele namorando ou saindo com alguma fã?
Mas Gio era completamente diferente; lógico, ela não era de ferro: se alguma fã um pouco mais abusada aparecesse, ela era capaz de sair do sério e abandonar sua personalidade, em geral, tão tranquila.
Ele livrou-se de seus sapatos apertados, bem como das roupas que usava há dois dias e, sem cerimônia, esgueirou-se para debaixo dos lençóis, abraçando a namorada.
Ela resmungou, sonolenta, e virou-se de frente para ele, abrindo os olhos castanhos com notória dificuldade.
- Olá, você... – murmurou com a voz rouca e um sorriso doce nos lábios – Benvindo de volta.
Ele sorriu, puxando-a para mais perto e encaixando seu nariz na curva do pescoço de Gio, sentindo-se calmo e feliz.
Amava sua namorada e não podia acreditar que por algum instante duvidara deste fato.

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estava gargalhando de alguma história contada por Danny, fazendo com que ele risse também, quando checou o próprio relógio de pulso e constatou que já era quase meia-noite.
- Senhor Jones, a conversa está ótima – ela sorriu – Mas está tarde e eu tenho que trabalhar amanhã.
O vocalista assumiu uma expressão decepcionada.
- Ah, vocês, reles mortais – ele murmurou, zombeteiro.
deu uma risadinha e revirou os olhos.
- Nem me diga – pegou sua bolsa que tinha pendurado na cadeira e posicionou-a no seu ombro, aprontando-se para levantar – Obrigada pelo frapuccino, Danny.
- , espere! – ele pediu, também colocando-se de pé – Deixe-me lhe oferecer uma carona pelo menos.
deu um sorriso, como se já soubesse que ele diria isso.
- Agradeço, mas recuso – disse, com firmeza, estendendo-lhe a mão para despedir-se.
Danny observou aquela mão fina e delicada estendida para ele, como se os dois fossem dois homens de negócios, e não um casal atraente que poderia terminar aquela noite de forma muito mais proveitosa do que essa.
De qualquer forma, ele tomou a mão dela entre as suas.
- Por que você se faz de tão difícil? – questionou, erguendo as sobrancelhas.
deu uma risada seca.
- Talvez seja porque você se faz de fácil demais – ela disse, recolhendo sua mão.
Danny revirou os olhos, revoltado com a forma que suas palavras assumiram.
- , espere. Não foi isso o que eu quis dizer... – ele disse, apertando o passo para acompanhá-la – É só que... eu gosto de você. Qual é o problema?
- O problema, Daniel Jones – ela disse, com um suspiro vencido, parando no meio da calçada, os olhos castanhos fixos nos olhos azuis do homem à sua frente – É que você é lindo, simpático, famoso, rico, interessante e divertido. A maioria das mulheres matariam por um terço desses atributos. Eu sei disso e você também.
Ele abriu a boca para retrucar, mas ela continuou, impedindo-o.
- Por esse mesmo motivo, você tem um letreiro brilhando na sua testa, dizendo “confusão” e, acredite, teve uma época na minha vida que eu adoraria pular em uma confusão tão atraente como você, Jones – ela disse, os olhos fixos nos dele, demonstrando uma determinação que ele raramente via nas mulheres com quem conversava – Mas esse tempo passou e eu cansei de me magoar por algo momentâneo.
Danny não sabia muito bem como lidar com o que acabara de ouvir, por isso, optara pelo silêncio; e foi assim que os dois ficaram por alguns breves instantes, naquela calçada iluminada e vazia.
- Espero que você não me odeie – ela desejou, afinal quebrando o silêncio desconfortável entre eles.
Ele deu um sorriso educado, porque ainda não sabia muito bem como lidar com os sentimentos de rejeição que as palavras dela lhe causavam.
- Não se preocupe quanto à parte de te odiar. Você acabou de me rejeitar, isso fará com que eu me torne obcecado por você. Como psicóloga, você deveria saber disso melhor do que ninguém.
gargalhou, subitamente aliviada.
- Talvez esse seja um plano meu para fazer você se apaixonar por mim – comentou, enquanto fazia gesto para um táxi vazio que passava pela rua.
- Tome cuidado, pode acabar dando certo – ele retrucou de forma provocadora.
O carro deu seta e encostou.
Os dois se olharam, tentando abafar os sorrisos bem humorados que um sempre era capaz de provocar no outro.
- Boa noite, Danny Jones – desejou, já entrando no carro.
- Boa noite, doutora – ele desejou de volta; o táxi deu seta e saiu, levando com ele a psicóloga que, ironicamente, Daniel Jones tinha certeza absoluta de que o levaria à insanidade.

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- Não fomos aprovados! – resmungou Richard Quentim, comumente conhecido como “Chefe” entre seus funcionários.
- Como? – quis saber Bianca Clater, uma de suas jornalistas.
- Não fomos aprovados para a coletiva de imprensa de Harry Judd! – trovejou o homem barrigudo e meio calvo, andando a passos largos e raivosos pelo seu diminuto escritório – Mas que merda! Quase todos os grandes jornais vão ter acesso a essa porcaria, menos nós!
Todos os jornalistas, fotógrafos e cameramen se entreolharam, incertos do que falar para acalmar o chefe do The News.
- Chefe, centenas de jornais não entraram... – tentou Ashton Klinton, a voz fraca.
- NÃO IMPORTA OS QUE NÃO ENTRARAM, GAROTO! Não consegue ver? Temos que olhar para os melhores, sempre, e nos comparar a eles! Jamais aos jornais medíocres! – o homem rugiu, fazendo com que o jornalista imediatamente recuasse, assustado.
- Sinto muito, Chefe – resmungou Ashton, envergonhado.
- Foda-se. Foda-se essa merda desse jornal e todos vocês – resmungou o homem, raivoso, encaixado seu chapéu na cabeça careca e avermelhada – Eu vou encher a cara. Os melhores de vocês, aqueles que ainda têm qualquer tipo de bom senso, são benvindos a me acompanhar.
Saiu fechando a porta do jornal com tanta força que um quadro com a primeira edição do The News, já meio amarelada pelo tempo, caiu no chão com um baque surdo.

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- Bom dia! – Abigail desejou, entrando na cozinha de pijamas e quase matando Harry e de susto.
De acordo com o que Harry havia planejado, Abigail deveria dormir por mais meia hora, o que daria ao casal tempo de tomar uma xícara de café gostosa antes de ir embora sorrateiramente.
- Gail, o que faz acordada? – perguntou Harry, tentando manter a voz calma e descontraída.
Abigail deu de ombros e coçou os olhos, sonolenta.
- Estava muito barulho. Professora ! – afinal, a garota notou a presença da mulher – Você dormiu aqui? Teve uma festa do pijama? Por que não me chamaram?
A última pergunta foi feita na forma de uma acusação e Harry e não puderam evitar gargalhar.
- Não, não é nada disso – pronunciou-se – O seu tio Harry... ele... ele me pediu para te dar uma carona para a escola hoje. É por isso que estou aqui tão cedo.
- Ah... Que legal! – a garotinha vibrou, abraçando o padrasto e, depois, a professora – Isso vai ser bem divertido! Eu adoro ficar com você, professora .
Harry riu, passando as mãos grandes e calejadas pelos cabelos ruivos e compridos da afilhada.
- Agora, por que é que você não vai dar café da manhã para o Max? Ele deve estar morrendo de fome! – Harry entregou-lhe um recipiente com pedacinhos cortados de cenoura.
- É verdade! – Abigail recebeu o quadrado de plástico e saiu correndo em direção à área de serviço – Quer me ajudar, professora ?
sorriu.
- Claro que sim – começou a caminhar até a área de serviço, mas foi impedida por uma mão firme em seu pulso que a puxou com suavidade, mas também com firmeza.
Ergueu o rosto para Harry Judd.
- Gostou do meu raciocínio rápido? – ela perguntou, erguendo as sobrancelhas, sentindo-se hipnotizada por aquele par de olhos azuis.
- É um dos muitos, muitos, muitos atributos que gosto em você – ele murmurou, antes de juntar seus lábios aos dela.
Os dois mergulharam naquele beijo e quando estavam prestes a esquecer do resto do mundo, uma voz fina e impaciente fez-se ouvir: “PROFESSORA , VOCÊ VAI VIR ME AJUDAR OU NÃO?”.

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Quando Harry chegou na Super Records, naquela manhã de sexta-feira, a loucura estava completamente descontrolada; quatro seguranças asseguravam a entrada da gravadora, um estreito corredor era sustentado por barras de metal que se transformavam em barreiras físicas contra os jornalistas, paparazzi e fotógrafos.
Assim que os seguranças o viram, correram em sua direção, puxando-o com rapidez e firmeza para dentro da Super Records, enquanto palavras eram gritadas em sua direção e flashes eram disparados.
- Meu Deus, que inferno! – urrou o baterista.
- E é só o começo – ele ergueu os olhos e encontrou Tom, Dougie, Danny e parados perto do elevador; fora o primeiro quem falara com ele – Está pronto? Eles já estão lá na sala de reuniões.

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Nora e Abigail estavam sentadas, em um canto um pouco mais tranqüilo do playground, cada uma segurando uma Barbie, enquanto criavam histórias nas quais as bonequinhas de plástico eram protagonistas.
- Meus pais falaram que é para eu te dizer que eles sentem muito por todo esse negócio que a televisão ta falando do seu pai e que eles acham que vai dar tudo certo.
Abigail deu um sorriso incomodado; ela não gostava muito de pensar nessas coisas de gente grande.
- Bem, eu sei que vai dar tudo certo. E o tio Harry não é meu pai, ele é meu tio.
Nora cogitou essa informação por alguns breves instantes.
- Mas você mora com ele, não é?
- É.
- E ele cuida de você, não é?
- É.
- E é ele que te acorda de manhã, para vir para a escola?
- É.
- E é ele que te coloca na cama, para dormir?
- É.
- E para quem é que você conta as coisas, e compra as coisas para você e que te deixa dormir na cama dele quando você tem pesadelos?
- O tio Harry – respondeu, lentamente.
- Então... – Nora franziu o cenho, ligando logicamente todas as questões que levantou – Isso não faz dele seu pai?

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Harry sentiu-se repentinamente nervoso; muitos poderiam pensar que era besteira alguém que se apresentasse em palcos para multidões ficar ansioso em frente a pouco mais de cinquenta jornalistas.
Mas a questão principal é que Harry se apresentava para milhares de pessoas, mas sempre no fundo do palco, protegido por sua fiel amiga, a bateria.
Além disso, ainda contava com Dougie, Danny e Tom na frente como obstáculos com os quais podia dividir as atenções e berros histéricos.
Agora, no entanto, todos os olhos estavam fixos nele e seus companheiros de banda, embora presentes, ficariam sentados na fileira da frente, mostrando seu apoio, mas mantendo-se bem longe dos refletores.
subiu até o pódio e, assim que se posicionou lá em cima, toda a sala repentinamente se silenciou.
- Bom dia, senhoras e senhores – ela desejou, com um sorriso profissional que deve ter deixado todos os representantes do sexo masculino presentes suspirando e todas as espécimes femininas fervendo de inveja – Como é do conhecimento de todos vocês, a vida do senhor Judd tem chamado muito a atenção da mídia, ultimamente. Em razão da seriedade dos jornais e programas para os quais trabalham, vocês foram selecionados para essa coletiva de imprensa com o único objetivo de ouvir os dois lados da história, ao invés de dar pernas para os boatos cada vez mais absurdos que estão sendo veiculados.
Houve um breve zumbido de resmungos na sala, mas este também rapidamente se silenciou.
- Dito isto, declaro aberta esta coletiva de imprensa – uma salva de aplausos estrondosa fez-se ouvir – Senhor Judd, por favor.
Harry engoliu em seco e colocou-se de pé, sentindo alguns flashes de câmeras fotográficas às suas costas.

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terminou de secar os longos cabelos ruivos de Abigail com a toalha; a garotinha estava pensativa desde que elas saíram da escola.
- Professora ... – a garotinha disse, finalmente, enquanto ajudava a professora a vestir sua blusa, erguendo os dois bracinhos brancos – A Nora me falou uma coisa.
franziu o cenho.
- Sei – disse, porque sabia que Nora, apesar de esperta – ou talvez justamente por isso -, podia ser bem maldosa quando quisesse.
- E ela disse que o tio Harry é como se fosse meu pai – ela continuou, ainda com um ar pensativo.
ergueu as sobrancelhas, esperando pela conclusão do pensamento da garota.
- O que quer dizer que... se o tio Harry é meu novo papai... você é minha nova mamãe? – ela perguntou, os olhos verdes brilhando com uma curiosidade contente, mas desconfiada.
riu e apertou o nariz de Abigail com o seu, afetuosamente, fazendo-a rir também.
- Não, Gail – suspirou, sentando ao lado da menina na cama – Isso não faz de mim sua nova mamãe. Para isso, tio Harry e eu teríamos que ser casados.
Abigail considerou aquela informação com o cenho franzido.
- Mas é só isso que precisa? – a garotinha perguntou, pensativa.
- É. Acho que sim – as duas ficaram em silêncio por alguns instantes, cada uma em seu próprio devaneio – Certo! – colocou-se de pé, rindo internamente do efeito que Abigail tivera sobre ela levantando a questão do seu possível parentesco – Agora, vou fazer uma sopa para nós duas, o que acha?
Abigail sorriu, concordando com a cabeça.
- Posso brincar lá fora com o Desdemond? – perguntou, puxando seu fiel escudeiro de cima de sua cama.
- Pode – riu – Mas com cuidado, está bem? E coloque suas botas, está um pouco escorregadio lá fora.

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Os jornalistas estavam ávidos, Harry estava há duas horas respondendo perguntas e elas não pareciam estar sequer próximas de terminar; no primeiro intervalo de dez minutos, Tom chegou a sugerir que ele estipulasse um horário para que a coletiva terminasse, mas ele optou por não fazê-lo.
Esclarecer todas as dúvidas agora parecia ser o passo mais sensato a ser tomado e se ele tivesse que ficar em pé, cansado, por oito horas, respondendo perguntas que o faziam se sentir constrangido ou chateado, então ele faria isso.
Diversas mãos se levantavam ao mesmo tempo e Harry tinha dificuldade para escolher a qual daqueles profissionais daria a palavra; já não conseguia mais estabelecer a ordem cronológica delas e a cada segundo novas mãos pareciam florescer entre a multidão de cabeças.
Apontou para uma jornalista jovem e atraente que vestia um conjunto sério salmão; a jornalista colocou-se de pé.
- Senhor Judd, a notícia da ação contra o senhor afetou de alguma forma como o senhor se vê para criar sua afilhada?
Harry hesitou; parte dele achava que devia mentir, dizer que sempre soubera com toda a certeza do mundo que ele era o melhor para a Abigail, mas também não achava que deveria mentir.
Queria que as pessoas o apoiassem pelo cenário verdadeiro, não por uma realidade mascarada.
- Sim. Vocês precisam entender que eu... eu não pedi por isso exatamente. Um dia, eu tinha meus dois melhores amigos e uma afilhada que eu via quase todo final de semana. No dia seguinte, descubro que as pessoas que compartilham uma parte tão gigantesca da minha vida não estavam mais aqui e... e uma garotinha linda, brilhante, divertida e maravilhosa de cinco anos dependia de mim. Eu nunca tinha trocado uma fralda na minha vida, e então eu tinha uma garota de cinco anos que dependia de mim em tempo integral – Harry deu um sorriso de lado, enquanto alguns jornalistas das primeiras fileiras sorriam, demonstrando compreensão – E quando eu achei que tinha pegado o jeito, chega uma intimação. Foi dureza, me fez questionar tudo o que eu tinha conseguido alcançar. Mas meus amigos e todas as pessoas que importam me lembraram que não é o que os outros pensam de mim que importa, é o que a Abigail pensa de mim que importa. E eu sei que ela quer ficar comigo, e eu quero ficar com ela. Eu sou o melhor e eu sei. Não preciso de mais. Eu entendo isso agora.
Harry tentou não demonstrar, mas ficou extremamente aliviado ao ver a maioria dos jornalistas concordando com acenos discretos de cabeça, enquanto faziam suas anotações.

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Abigail estava brincando de baile com Desdemond; os dois rodopiavam abraçados um ao outro, enquanto ela cantava, aos berros, “Teenage Dream” da Katy Perry.
A temperatura estava gelada, e ela sentia a pontinha de seu nariz ardendo, em razão da brisa fria que a envolvia, mas não se importava; gostava de dançar e cantar fazia com que ela se sentisse mais quente.
Quando terminou a música, continuou rodopiando com Desdemond apertado contra o corpo.
- Então – ela disse, vapor saindo de seus lábios – Que música você quer agora, Des?
O ursinho de pelúcia apenas encarou-a em resposta, com os olhos escuros refletindo as luzes que iluminavam a espaçosa varanda do apartamento do tio Harry.
- Você sabe que o tio Harry é tipo meu papai agora? – quis saber Abigail, continuando a rodopiar, os pezinhos na bota deslizando sobre o chão um pouco escorregadio em razão da neve derretida – E a professora vai ser como a minha mamãe, assim que eles se casarem.
Fitou novamente o rosto feliz do ursinho de pelúcia.
- Eu também acho isso bem legal – Abigail riu, apertando o ursinho mais para perto de seu corpo – Que tal um pouco de Miley agora?
Ela começou a cantar “Party in the USA”, enquanto rodopiava um pouco mais rápido.
Não chegou a metade do primeiro refrão.
Em algum momento, durante sua dança, Abigail pisou sem muita firmeza no chão e escorregou, perdendo o equilíbrio e caindo; no meio do processo, bateu com a cabeça no encosto de mão de uma das cadeiras, derrubando-a e caindo, desacordada.

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Eram quase seis horas da tarde quando a coletiva de imprensa finalmente terminou; Harry se despediu dos amigos.
Tudo o que ele mais queria agora era falar para e Abigail sobre a coletiva, dividir como ele estava se sentindo confiante a respeito do rumo que as perguntas tomaram.
Na realidade, após a coletiva, alguns jornalistas vieram falar com ele, em tom de interesse e curiosidade, mas demonstrando apoio à sua causa.
Estava dentro do carro, quando passou por um de seus pubs favoritos; cogitou por alguns instantes e estacionou o carro.
Bem, ele merecia pelo menos uma boa dose de whisky para comemorar, não é? Era a primeira vez em algum tempo que ele se sentia realmente confiante em relação a toda essa história.
Entrou no pub e ocupou um dos bancos forrados no balcão, pedindo ao barman uma dose de whisky puro, enquanto pendurava seu paletó no encosto do banco; quando o homem se afastou para preparar seu pedido, uma mulher sentou-se ao seu lado.
Harry observou-a pelo canto dos olhos; cabelos loiros tingidos, acompanhados por um corpo escultural que era ressaltado por um vestido curto demais para aquele inverno.
- Eu te conheço, não é? – perguntou a mulher – Da televisão. Você faz parte daquela banda, McFLY, não é?
Ele respirou fundo e colocou seu melhor sorriso simpático.
- Sim, sou eu mesmo – respondeu, virando-se de forma a ficar de frente para a mulher.
Ele conseguiu identificar um brilho nos olhos castanhos da mulher que o deixaram pouco à vontade; ele costumava vê-lo bastante nos olhos daquelas fãs mais ousadas que tentavam fazer de tudo para levá-lo para a cama.
- Então, a televisão tem falado bastante de você – ela disse, inclinando o corpo levemente, de forma a lhe proporcionar uma visão melhor do vale entre seus seios – Não acho isso certo.
- Nesse caso, somos dois – Harry forçou um sorriso e agradeceu mentalmente quando viu o barman aproximando-se com um copo de vidro contendo uma bebida acobreada no interior.
Tomaria tudo em um gole só e iria embora.
Ele queria ir para casa ficar com Abigail e , não sentado num balcão de bar, com uma mulher se esfregando nele como uma gata manhosa.
Assim que sua bebida chegou às suas mãos, ele verteu tudo em um único gole.
- UAU. Isso é que é fôlego – a mulher piscou, sedutora – Quer que eu pague um outro drink para você?
Harry negou, com um aceno de cabeça, colocando-se em pé. Mas assim que endireitou seu corpo, sentiu uma vontade insana de ir ao banheiro.
Fazia mais de seis horas desde a última vez que visitara um mictório, portanto, fazia sentido que sentisse agora como se sua bexiga estivesse estourando.
- Tenho que ir ao banheiro – informou, afastando-se rapidamente da garota.

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quase deu um salto quando ouviu um barulho surdo vindo da varanda. Após o barulho, a cantoria também havia cessado.
- Gail? – chamou, mas não obteve resposta.
Rapidamente, desligou o fogão e saiu correndo; seu coração quase parou quando percebeu uma silhueta caída no chão, do lado de fora.
O desespero que a assolou foi tamanho que ela encontrou severas dificuldades para deslizar a porta de vidro que separava a sala da varanda.
- Não, não, não, não, não, não, não... – ela murmurava, baixinho, enquanto corria até a garota e a pegava no colo; entrou em choque quando viu um filete de sangue escorrendo da têmpora esquerda da garota – Gail! GAIL! GAIL! – balançou a garotinha de leve.
Com dificuldade, Abigail abriu os olhos verdes.
- Professora... – ela murmurou, com dificuldade.
- Vem, vamos! – disse, desesperada, sentindo os olhos cheios de lágrimas e a garganta apertando – Vou te levar a um médico.
Ela pegou a garota no colo e rapidamente entraram na casa; ela sentou Abigail no sofá e enquadrou o rosto gelado e pálido da menina entre suas mãos mornas.
- Olhe para mim, Gail. Olhe para mim, vamos – quase implorou; com dificuldade, Abigail obedeceu, os olhos lutando bravamente para se manter abertos – Você não pode dormir, está bem?
Um beicinho se projetou e lágrimas gordas começaram a escorrer dos lábios da garota.
- Está doendo, professora – fungou.
- Eu sei, queridinha – os olhos da professora encheram-se de lágrimas – Fique tranquila, eu vou te ajudar, está bem?
Ainda chorando, a garotinha concordou com um aceno fraco de cabeça.
- Mantenha os olhos abertos, eu já volto – pediu, sentindo seu coração espremido.
Entrou correndo nos aposentos de Harry e, enquanto vasculhava o interior dos armários procurando por uma toalha, ligou para o celular do homem.

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Paola Rosemberg estava sentada no balcão, o banco que Harry Judd ocupara momentos atrás ainda estava vazio; ela batia com as unhas compridas e bem cuidadas no tampo do balcão, enquanto esperava pela porção de tequila que pedira ao barman.
Não gostava quando investia em homens que pareciam não estar dispostos a ficar com ela.
Deu um sorriso ferino; na verdade, ela gostava demais quando investia em um homem que não lhe dava bola.
Tornava a conquista um desafio.
Nesse momento, seus ouvidos captaram um barulho marginal, que pouco se destacava dos sons de conversa e música do pub. Mas era um celular.
Ela procurou pela fonte do som e encontrou o paletó de Harry Judd, pendurado no encosto do banco vazio ao seu lado; lançou um olhar rápido na direção dos banheiros e não viu sinais do dono do aparelho.
Com um sorriso maroto, ela resgatou o celular e observou o nome no visor. . Revirou os olhos e pressionou o botão send até ver o celular começar a se desligar.
Ela tinha um objetivo essa noite e não permitiria que nada se colocasse entre ela, uma cama e aquela delícia musculosa.

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- Merda! – sussurrou, enquanto mordiscava o lábio inferior e caminhava de volta até a sala; Abigail ainda chorava, lutando para manter os olhos abertos.
Tentou ligar novamente, mas dessa vez, a ligação foi direto para a secretária eletrônica.
- Gail, cheguei – ela disse, num tom de voz que pretendia acalmar a garotinha; pegou a toalha e apertou-a em volta da cabecinha da garota – Vamos para o hospital?
A garotinha concordou, lentamente. pegou sua bolsa, equilibrando-a em um ombro e pegou Gail no colo, que encostou a cabeça no outro ombro, choramingando baixinho.
Antes de sair, ela escreveu rapidamente “Abigail se machucou. Estou com ela no hospital” e prendeu-o na geladeira com um ímã.

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Bianca Clater não conseguia acreditar em sua sorte; fora ao pub com seus amigos e, assim que chegara lá, seus olhos identificaram Harry Judd colocando o paletó e conversando com uma mulher loira, atraente, que pareceu levantar-se junto com ele.
Estaria ele saindo com aquela mulher?
Puxou de dentro de sua bolsa a câmera fotográfica e começou, discretamente, a tirar fotos dos dois.
Ah, o Chefe ia amar isso.

“Hear hear! Now you're famous
but do you know the price you pay?
I hope you that ain't contagious
'cause I ain't gonna live that way.
Thank you, no,
But I don't need to go to that spot”


:: Capítulos 19 em diante ::

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Nota da Beta: Comentem. Não demora, faz a autora feliz e evita possíveis sequestros - só um toque. Qualquer erro encontrado nesta fanfiction é meu. Por favor, me avise por email ou Twitter. Obrigada. Amy Moore xx