Little Steps - Little Fate Saga 1#
Autora: Gii Zwicker
Beta-Reader: Amy Moore (até o capítulo 20), Vanessa (capítulo 21) e Isabela H. (a partir do capítulo 22)





Capítulo 19 – Nowhere Left to Run

“I've got nowhere left to run
I've got nowhere left to hide
If you leave me
If you leave me
I would die”

Nowhere Left to Run – McFLY


- Mas você já vai? – perguntou a mulher, assim que reparou Harry pegando seu paletó e encaixando-o nos ombros.
- Tenho coisas a fazer – ele respondeu, com um sorriso educado que não chegou a alcançar seus olhos azuis.
Paola Rosenberg colocou-se de pé, prontamente.
- Olha, eu sei que a sua vida anda tumultuada; quero dizer, eu também assisto à televisão – e deu um sorriso que deveria ser descontraído, mas que parecia desesperado por atenção. – O que me diz de só mais um copo de whisky? Por minha conta.
- Escute... – ele hesitou, percebendo que não sabia o nome daquela insistente mulher.
- Paola. Rosenberg – ela esticou a mão, com um sorriso solícito.
- Paola... – ele prosseguiu, dando um rápido aperto nas mãos finas e delicadas da mulher, antes de voltar a vestir seu paletó – Eu tenho uma afilhada e uma namorada – disse essa última parte de forma enfática, como se para se certificar de esclarecer que estava indisponível – E quero vê-las agora, se você não se importa.
A mulher assumiu uma expressão mortificada que foi rapidamente mascarada por um sorriso relaxado.
- Lógico que não me importo. Um homem deve ficar com suas mulheres – ela disse, dando mais um gole em seu drink.
- Que bom que pensamos da mesma forma – ele sorriu, deixando uma nota de vinte libras sobre o balcão – Boa noite.
Saiu do pub sem perceber que uma jornalista jovem, exultante, se aproximava da mulher que ele acabara de deixar para trás.

X

entrou correndo nos corredores do hospital; carregava Abigail no colo e, a cada passo que dava, o corpinho da garota parecia mais e mais pesado. A mulher sentiu algumas lágrimas de desespero se preparando para transbordar de seus olhos, mas tentou segurá-las.
Uma enfermeira prontamente veio ajudá-la, trazendo uma cadeira de rodas; com cuidado, a professora sentou a garotinha.
- Vou priorizar o atendimento dela – a enfermeira informou, analisando o pano molhado de sangue que Abigail tinha em volta da cabeça – A senhorita pode preencher o formulário de entrada dela, com a recepcionista, enquanto eu a levo para a sala um, está bem? – a mulher observou mordiscar o lábio, preocupada – Não se preocupe, cuidaremos de sua filha.
Abigail apenas observava toda a cena com os olhos entreabertos, incapaz de se expressar; simplesmente concordou com um aceno de cabeça e caminhou a passos determinados em direção ao balcão da recepção.

X


A primeira coisa que Harry estranhou quando abriu a porta do apartamento foi o silêncio absoluto de uma casa vazia.
- Gail? – chamou, entrando receoso no apartamento – ? Onde vocês estão?
Sentiu um frio repentino apoderar-se dele e percebeu que a porta que dava acesso à varanda estava aberta, fazendo com que um pouco de neve entrasse na sala.
No meio da varanda, um vulto pequeno e escuro.
- O que diabos...? – ele franziu o cenho, acendendo a luz da varanda e percebendo que o vulto que vira era Desdemond.
Ainda confuso, sem entender nada do que estava acontecendo, ele caminhou até o urso de pelúcia, sentindo os pés deslizando sobre o chão escorregadio pela camada fina de neve; abaixou-se para pegar a pelúcia, quando viu uma pequena poça ao lado dele.
Vermelho.
Imediatamente, entendeu o que aquilo poderia significar e sentiu todo o ar sumir de seus pulmões. Agarrou Desdemond com uma de suas mãos e, com a outra, se impulsionou para ficar de pé.
- GAIL? – berrou, novamente, agora desesperado por uma resposta; algum indício de que estivesse errado.

X

estranhou quando viu o nome de no visor de seu celular, mas não pensou duas vezes antes de atender a ligação.
- Fala, mon amour – atendeu, bem humorada.
- , eu preciso de você – a voz da amiga estava embargada, e isso imediatamente colocou a psicóloga em alerta.
- O que houve? – perguntou, sentindo a boca seca.
- É a Gail... Só vem para cá, por favor? – a voz tinha um quê de súplica – Não consigo falar com o Harry e... – ela soluçou do outro lado da linha, e a psicóloga rapidamente levantou-se da cama, espantando Tiesto.
- Calma, respira e me passa o endereço – solicitou .
Equilibrando o celular entre o ouvido e o ombro, ela anotou o nome do hospital e o endereço no bloco de recados, e desligou o telefone com uma despedida rápida.
Logo em seguida, digitou o primeiro número que lhe veio em mente.
- Danny? Preciso de um favor.

X

Harry mal conseguia raciocinar; precisava encontrá-las.
Se o que ele imaginava que tinha acontecido realmente aconteceu – e a cada segundo que passava, ele se convencia mais e mais de que algo acontecera a Abigail -, ele precisava descobrir onde elas estavam.
Percebeu, então, a luz da cozinha acesa. Caminhou até lá a passos rápidos, mas ao mesmo tempo, entorpecidos. Assim que entrou no aposento, viu o bilhete amarelo fixo à geladeira com um ímã.
Seu coração parou, enquanto seus olhos azuis varriam a mensagem, absorvendo seu conteúdo.
Ele estava certo, Abigail se machucara. a levara para um hospital.
Qual hospital?
Puxou o celular do bolso da calça e percebeu, perplexo, que ele estava desligado; rapidamente, saiu do apartamento, enquanto o ligava.
Digitou o número de .
“Este celular encontra-se fora da área de serviço...”.
“Merda, merda, MERDA”, ele pensou, dando um chute em uma das pilastras do estacionamento e caminhando até o carro.
Iria de hospital a hospital até encontrá-las, se esse fosse o único meio.

X

- ! – berrou, surgindo na extremidade do corredor junto com Danny Jones; a psicóloga correu e enlaçou a amiga em um abraço apertado – Como você está? Como a Gail está?
- Eu estou um caco e a Gail está na sala um; a enfermeira está limpando o corte e eu achei melhor não ficar por perto, neste estado – apontou para o próprio rosto, avermelhado e inchado pelas lágrimas – Não quero desesperá-la ainda mais.
- O que aconteceu? – quis saber Danny, genuinamente preocupado.
passou a mão pelos cabelos, desolada, e relatou o que acontecera detalhadamente.
- Foi minha culpa – concluiu, um fio de voz – Se alguma coisa acontecer a ela...
- Hey! – Danny segurou as mãos de , chamando sua atenção – Não foi sua culpa, a Gail é uma criança e coisas assim acontecem o tempo todo. De qualquer forma, já falei com Tom e Dougie, estão todos a caminho. Harry também deve chegar em breve, aposto.
tentou forçar um sorriso, mas não conseguiu; só de pensar em Harry, seu coração se comprimia. E se ele achasse que fora culpa dela e não quisesse mais que ela cuidasse de Gail?
O que seria de sua vida se não pudesse mais passar as tardes com aquela garotinha encantadora?
Sentiu lágrimas enchendo seus olhos novamente, mas antes que pudesse fazer qualquer coisa, a enfermeira chamou-a, informando que o médico atenderia Abigail agora.

X


O celular de Harry começou a tocar e ele olhou esperançoso para o visor; não conseguiu esconder sua frustração quando percebeu que era Tom quem ligava.
Considerou não atender, não estava em estado para conversar sobre amenidades e nem para fingir que estava tudo bem, mas resolveu por fazê-lo. Talvez Tom tivesse notícia do paradeiro das duas.
- Alô? – ele atendeu.
- Harry! – Tom ofegou, aliviado – Até que enfim, cara! Como está a Abigail? Bem?
- Eu não sei! – Harry berrou, deixando que toda sua frustração saísse – Eu não sei! Acabei de chegar em casa e ver um aviso na geladeira! Você sabe onde elas estão, Tom?
- Sim, no Children’s Hospital que fica a dois quarteirões da sua casa – Tom respondeu, prontamente – Eu e Gio já estamos a caminho. Dougie, Danny, e já estão lá.

X


- Não é tão sério quanto parece – finalmente concluiu o médico, doutor Lance Rosswell, depois de limpar o ferimento; ficou perplexa ao perceber que um cortezinho tão minúsculo como aquele, fora capaz de verter tanto sangue.
- Mas... o sangue... era tanto, eu... – ela ainda sentia a garganta apertada.
Agora que o estresse passara, ela sentia todo o seu corpo trêmulo e uma vontade de chorar inacreditável; ficara com tanto medo que algo sério acontecesse com Abigail, que seu corpo parecia pronto a convulsionar de alívio.
- Eu sei. A cabeça é uma área sensível, com muitas veias, por isso o corte mais insignificante pode ter consequências assustadoras – o médico deu um sorriso tranquilizador, enquanto puxava do bolso do jaleco uma lanterna fina e pequena – Olhe para mim, pequena.
Obediente, Abigail obedeceu, desviando os grandes orbes verdes na direção do médico.
Ele acendeu e apagou a lanterna diversas vezes, direcionando o facho de luz ora para um olho da garota, ora para o outro, observando atentamente as pupilas dela se dilatarem.
- Hum... está tudo certo – ele sorriu – Boa garota – afanou os cabelos ruivos da menina de forma afetuosa, depois pigarreou, endireitando-se – A princípio, está tudo perfeito e foi só um grande susto, mas eu gostaria de mantê-la em observação por hoje, está tudo bem por você?
- Ah... – passou a mão pelos cabelos, incerta – Claro.

X

Quando Harry finalmente chegou ao hospital, não teve dificuldades em identificar um grupo de adultos conversando, sentados em um dos sofás da sala de espera, com copos descartáveis de café nas mãos.
- HARRY! – berrou , aliviada, acenando para ele.
- O que aconteceu? O que foi? Como está a Gail?
- Melhor – a resposta veio de uma voz fraca às suas costas; ele girou nos calcanhares e encontrou com um copo de chá nas mãos, com os olhos inchados e mordiscando levemente o lábio inferior.
- ! – ele exclamou, caminhando até ela e segurando-lhe os antebraços, com medo que ela fosse desabar, de tão frágil que parecia – O que houve? Está tudo bem?
Os olhos de se encheram de lágrimas e ela deixou-se apoiar no peitoral do homem.
- Foi minha culpa, desculpa. Eu não devia ter a deixado brincar lá fora, eu devia ter imaginado... Eu sinto muito, Harry, me perdoe.
- , o que aconteceu? – ele perguntou de forma lenta e enfática.
- Ela bateu a cabeça, e... – não conseguia falar, mesmo sabendo que estava tudo bem, o alívio, o desespero e o medo tomavam conta dela de forma tão absoluta que tudo o que ocupava sua mente eram pensamentos incoerentes.
- , calma – o baterista secou as lágrimas que caíam dos olhos dela com os dedões – Está tudo bem, não é? Me leva até ela?
concordou e puxou-o pela mão até um dos quartos.

X

Abigail estava assistindo televisão; sentia-se bem cansada, mas lutava contra o sono. A Professora dissera que ela não podia dormir, e ela gostava de obedecer a professora , porque ela nunca estava errada.
- Abigail! – ela sorriu ao identificar a voz de Tio Harry; ele entrou a passos rápidos no quarto que ela ocupava e sentou-se na beirada de sua cama – Que susto que você nos deu!
Ela sentiu as bochechas esquentarem.
- Desculpe – pediu num fio de voz.
Tio Harry riu, parecendo ao mesmo tempo aliviado e à beira das lágrimas.
- Não precisa se desculpar, sua bobinha – ele retrucou, de forma afetuosa, passando a mão por seus cabelos lentamente, tomando o cuidado de não tocar o ferimento protegido pelas bandagens – Escute, eu trouxe uma coisa para você.
- Um presente?! – ela perguntou, os olhos brilhantes – Espero que seja um pônei!
Harry riu; mesmo depois de bater a cabeça, um pônei ainda era a coisa que ela continuava esperando.
- Não é um presente novo. É um amigo – ele ergueu a outra mão, que estava atrás das costas, revelando um Desdemond meio encardido e úmido, por causa da neve.
- DESDEMOND! – ela berrou, arrancando-o da mão do padrinho e abraçando-o com firmeza – Obrigada, tio Harry – desejou, com um largo sorriso.
Harry sorriu de volta.
- Posso me juntar a esse abraço? – ele pediu.
O sorriso de Abigail se alargou ainda mais e ela estendeu um dos braços, num convite silencioso; o homem a abraçou e observava os dois da batente da porta, comovida, mas ainda receosa de se intrometer na cena.
Ela não merecia.
- Vem também, professora – a vozinha de Abigail surgiu, abafada pelo corpo do homem que a abraçava – Eu também quero um abraço seu.
Harry afastou-se da afilhada e estendeu o braço na direção da professora, em um novo convite silencioso; em passos rápidos, como se estivesse com medo de que eles se arrependessem do que ofereciam, ela sentou do outro lado de Gail e permitiu-se ser abraçada e abraçar aqueles dois seres humanos sem os quais ela sabia que viver seria intolerável.
No instante seguinte, a porta se abriu e Danny, , Dougie, Gio, Tom e , que chegara minutos antes, entraram no quarto para espiar a garota, as feições preocupadas suavizando-se ao identificar o sorriso da garotinha.

X

Dougie aproveitou o momento em que os demais adultos estavam ocupados despedindo-se de , que iria para casa, para aproximar-se de Abigail.
- Oi, tio Dougie! – ela disse, exultante, acenando para ele.
- E aí, Gail – ele sorriu, enquanto se ajeitava melhor ao seu lado, na cama; em suas mãos, ele segurava sua mochila que, discretamente, abriu, revelando em seu interior uma caixa de sapatos.
- O que é isso? – perguntou, curiosa, sentando-se ainda abraçada a Desdemond, espiando dentro da mochila.
Dougie olhou em volta, como se para se certificar de que ninguém estava olhando.
- Eu trouxe uma surpresa para você – ele disse, colocando a caixa no colo – Preciso te apresentar para alguém.
Abigail franziu o cenho, analisando atentamente a caixa nas mãos do homem, provavelmente se perguntando que tipo de pessoa caberia em um local tão pequenino.
- É uma fada? – perguntou, afinal.
Dougie riu.
- Não – inclinou-se na direção da garotinha, trazendo a caixa para mais perto – É uma amiga minha.
- Mostra logo, tio Dougie! – choramingou Abigail, tentando espiar dentro da caixa.
- Gail, eu te apresento a Paz – ele disse, abrindo a tampa da caixa e finalmente permitindo que a garotinha visse o réptil.
Os olhos verdes de Abigail se arregalaram e ela se aproximou ainda mais, quase colando o nariz na borda do recipiente.
- Uau. É um dragão bebê – exclamou, admirada.
Dougie gargalhou, chamando a atenção de .
- Não, é um teiú. Eles são répteis, não dragões. Ela não cospe fogo, nem voa, nem nada do gênero.
- Ah – Abigail resmungou, parecendo um pouco decepcionada.
- Mas ainda assim é bem legal, não é? – perguntou Dougie; Abigail concordou com um aceno de cabeça enfático – Quer pegá-la?
- SIIIM!
Abigail tomou o animal em suas mãos sem medo nem receio, amparando-o com curiosidade, cuidado e carinho.
Isso fez Dougie sentir um aperto no peito e, uma vez mais, sentiu-se prisioneiro de suas memórias.

X

Dougie estava em pé, ao lado do bicicletário, sentindo-se, ao mesmo tempo, ansioso e desconfiado; deveria encontrá-lo ali, conforme ele havia pedido de manhã, antes de começarem as aulas, mas ele sempre tinha medo de que ela não aparecesse.
Ela já estava cinco minutos atrasada.
“Ela não vem”, uma voz informou, em sua cabeça, com um tom de voz que poderia muito bem ser resumido em um cruel ‘eu bem que te disse’.
Talvez ela finalmente tenha dado ouvido aos seus amigos, que sempre fizeram questão de deixar bem claro o quanto desaprovavam a amizade de e Dougie.
Era besteira, de qualquer forma.
Mas, no exato momento em que Dougie havia se convencido a desistir, ele a viu descendo rapidamente as escadas da porta principal do colégio e acenando na sua direção, afobada.
- Desculpe a demora – ela pediu ofegante, abraçada ao livro de História Moderna – Tive que passar no armário para deixar alguns livros e encontrei Johnathan no meio do caminho, fiquei até agora negando o convite de ir a uma sorveteria com ele.
- Johnathan e seus convites gentis – Dougie revirou os olhos, divertido – Aí está um mal do mundo que nunca precisei encarar.
riu, colocando os cabelos para trás da orelha.
- Deveria agradecer por isso – encolheu os ombros – Além do mais, eu já tinha planos com outro garoto.
Dougie sentiu as bochechas pinicando e aproveitou esse momento para abaixar-se ao lado de sua bicicleta e abrir o cadeado.
- Agora vai me contar o que nos trás aqui? – quis saber , abaixando-se ao lado dele, liberando sua bicicleta rosa.
- Bem que você gostaria – Dougie resmungou – Mas eu já disse que é uma surpresa. Que tipo de surpresa é aquela que você sabe o que é antes de vê-la?
estalou a língua, com uma expressão pensativa.
- Um ato de bondade a favor de uma curiosa incurável? – sugeriu.
Dougie riu.
- Não estou com um ânimo bondoso hoje – equilibrou sua mochila no cesto da bicicleta e sentando-se nela.
Foi a vez de rir.
- Então, acho melhor nos apressarmos – ela disse, também equilibrando sua mochila e montando em sua bicicleta – Não vou aguentar mais essa curiosidade.
Os dois foram pedalando lado a lado, conversando, rindo; era uma pessoa simples, divertida, linda e demonstrava uma vontade de estar próxima de Dougie, que o garoto não conseguia entender.
Ela era amiga dos garotos mais populares do colégio, era convidada para todas as festas e, mesmo assim, fazia questão de criar um vínculo com Dougie, por vezes, como esta, privilegiando-o em relação aos seus amigos da Lista A.
Quando eles chegaram à casa de Dougie, os dois encostaram suas bicicletas no muro e subiram correndo as escadas. Quando os dois chegaram à porta do quarto de Dougie, ele segurou pelo cotovelo.
- Me espere aqui – ele disse, abrindo a porta apenas o suficiente para que conseguisse escorregar para dentro sem que houvesse a possibilidade de espiar o que tinha no interior.
- Não demore – ela praticamente suplicou.
Dougie sorriu e fechou a porta com um clique seco; virou-se e viu o pequeno viveiro com seu lagarto no interior, deitado sobre o tronco que o vendedor incluíra de graça.
Fora preciso horas e horas de súplicas e argumentos até que convencesse Sam, sua mãe, a dar-lhe o dinheiro para comprar Zookie, mas sabia que valera a pena.
Ele colocou a mão dentro do recipiente e pegou Zookie com cuidado e carinho, caminhou a passos relutantes até a porta do quarto e escondeu a mão que segurava o animal nas costas, antes de abrir a porta.
prontamente começou a olhar em volta dele, buscando o motivo de todo aquele mistério.
- – Dougie pigarreou – Quero que você conheça o Zookie.
E, então, ele mostrou a mão que escondia; os olhos de se arregalaram, e ela e o lagarto trocaram olhares silenciosos por alguns instantes que pareciam durar uma eternidade.
- Lindo! – ofegou, esticando a mão na direção do animal; prontamente, Dougie entregou-o a ela – Oi, Zookie! Você é muito adorável, sabia? – perguntou, no mesmo tom que pessoas geralmente se direcionam a bebês ou cachorros mimados, fazendo com que Dougie risse.
Foi quando trouxe o réptil para bem perto do próprio rosto e depositou um beijo carinhoso no topo da cabeça do animal, que Dougie soube, quase perdendo o fôlego ao se deparar com a força do que descobrira.
Estava apaixonado por Maine.


X

- Você é louco? – Dougie foi puxado de suas memórias pelo tom de voz seco e cortante de ; a essa altura, todos os demais presentes, à exceção de Harry e Noami, que não estavam mais no recinto, obsevavam Dougie e Abigail com os olhos arregalados.
- O quê? – o baixista questionou, desorientando.
- Trazer o bebê Godzilla para um hospital infantil? É sério isso? – questionou a executiva, impaciente.
- Não fale assim da Paz, ela é sensível – Dougie retrucou, em defesa de seu animal de estimação.
ia abrir a boca para retrucar alguma coisa desagradável, mas foi interrompida por Abigail.
- Olha, tia ! Não é lindo? – perguntou, os olhos verdes brilhando com fascinação, enquanto ela esfregava o dedão no topo da cabeça do réptil – Acho que ele e seu peixe poderiam ser amigos!
Ao ver Abigail com a cabeça enfaixada, sorrindo alegre, com o animal em mãos, repentinamente, não sentiu mais vontade de brigar.
Na verdade, uma pequena parte dela estava feliz que Paz estivesse ali e que Abigail estivesse bem o suficiente para segurar o animal nas mãos e observá-lo de maneira tão tenra.

X

-... e eu ficava tentando te ligar, e ficava dando caixa postal! Foi horrível, eu nunca me senti tão impotente e desesperada em toda a minha vida, Harry! Nunca mais faça isso, por favor – pediu, limpando uma lágrima solitária que descia de um de seus olhos – Onde você estava?
Harry passou o dedão pela bochecha da professora, limpando a lágrima e fazendo desaparecer parte do rastro que ela deixara.
- Eu estava em um pub, bebendo – ele respondeu, dando um meio sorriso – Eu sei, não é a coisa mais responsável a se fazer, mas é que eu precisava relaxar um pouco depois da coletiva de imprensa – explicou.
forçou um sorriso.
- Ah, é! E como foi?
- Acho que bem produtiva – ele respondeu, abraçando a professora e apoiando o queixo no topo de sua cabeça, que se aconchegou melhor contra o corpo do homem – Veremos amanhã, não é? Nos jornais?
- Acho que sim – ela murmurou, abraçando-o.
- , olhe para mim – eles se afastaram apenas o suficiente para que seus olhos pudessem se encontrar – Nada disso foi sua culpa, está tudo bem? Amanhã, tudo voltará ao normal. Agora, vá para sua casa, tenha uma ótima noite de sono e nos falaremos amanhã, está bem?
Ela concordou, hesitante.
Harry se inclinou e beijou-a com suavidade; sentiu o corpo de trêmulo sob o seu e pensou como seria bom se eles pudessem dormir juntos naquela noite.
Sentia que, naquela noite, quem precisava dele era ela e imaginou que inferno seria para ter que dormir sozinha, depois de todo aquele estresse.
Mas tinha que ficar com Abigail e, infelizmente, o hospital tinha uma política rígida de apenas um acompanhante por leito, além dos pacientes.
- Por que você não chama a para dormir com você hoje? – perguntou – Ela pode te fazer companhia. Não quero você sozinha hoje.
sorriu, acariciando as bochechas dele.
- Não quero atrapalhar mais ninguém, Harry. Olhe o que já fiz! Tirei todo mundo de casa, no meio da noite, para vir a um hospital. Não quero mais dar dor de cabeça.
- Pare com isso, vai – Harry pediu, colocando uma mecha de cabelos dela atrás da orelha – Tenho certeza que a adoraria passar essa noite com você.
colocou-se na ponta dos pés e beijou os lábios de Harry uma última vez.
- Não precisa, de verdade – deu um sorrisinho que fez com que ele tivesse vontade de abraçá-la com força e nunca mais soltar – Boa noite. Eu te amo.
- Eu também – ele sorriu e beijou-lhe a testa – Dirija com cuidado.
- Pode deixar – ela abriu o carro e entrou, acenando um adeus antes de travar o cinto de segurança em volta do corpo.

X

Quando Harry voltou para o quarto, encontrou Dougie, Gio e Tom conversando com Abigail que, estranhamente, segurava Paz nas mãos – e, marginalmente, seu cérebro registrou que deveria perguntar para Dougie como ele conseguira contrabandear o animal para dentro do hospital -, enquanto , e Danny estavam sentados no sofá que seria a cama de Harry por aquela noite.
Acenou para o último grupo e caminhou em direção à cama de Abigail; nada no mundo faria com que ele saísse do lado dela naquela noite.
Cometera o erro de ficar longe e incomunicável por alguns minutos e se encontrara em uma das situações mais desesperadoras de sua vida; não pela primeira vez naquele dia, questionou-se por que se dera ao trabalho de ir ao pub.
Pagara caro por um shot de whisky por vinte minutos de amolação de uma estranha e o desespero escaldante de chegar em casa e encontrar o cenário que o aguardava.
Ao perceber que ele se aproximava, Giovanna prontamente se levantou, cedendo seu lugar ao lado de Abigail para ele; o homem deu um sorriso em agradecimento e ocupou o local, passando um dos braços de forma protetora em volta dos ombrinhos da afilhada e puxando-a para mais perto, como se para se certificar de que ela estava aqui.
E que estava bem.
- Quer segurar a Paz, tio Harry? – Abigail ofereceu, estendendo-lhe o animal – Ela é geladinha. É esquisito, mas é legal – e riu.
Harry sorriu e aceitou a oferta; não porque fosse louco por sentir a textura esquisita da pele de um réptil em sua mão, mas porque aquele sorriso meigo de sua afilhada era capaz de incentivá-lo a fazer o impossível.
Como encarar um juiz, uma assistente social e milhares de paparazzi.
Nesse instante, a porta do quarto se abriu e uma enfermeira enfiou a cabeça entre o vão da porta.
- Sinto incomodar, mas o horário de visitas acabou. Preciso pedir que se retirem e... isso é um lagarto? – perguntou, perplexa, com os olhos azuis arregalados.
- Não – Abigail respondeu, prestativa – É um teiú. O nome dela é Paz. Quer segurar, moça? Mas vai ter que esperar a sua vez, o tio Harry acabou de pegar – a garota concluiu, de forma diplomática.
Todos ficaram em silêncio, mortificados, aguardando a reação da enfermeira.
- Eu... – recuou a cabeça e voltou, segundos depois, com uma expressão severa – Eu vou fingir que não vi isso, contanto que todos vocês... essa teia... teti... coisa inclusa... não estejam nesse quarto da próxima vez que eu aparecer, o que vai ser daqui a dois segundos. Entendidos?
Todos concordaram, com acenos enfáticos de cabeça.
- Foi mal, Harry – Dougie resmungou, tirando com cuidado o animal das mãos do amigo e colocando-o de volta dentro da caixa – Mas a Paz e eu temos que ir. Até, gente.
Todos aproveitaram a deixa de Dougie e começaram a se levantar, preparando-se para sair.
- Ah... ? – Harry chamou a psicóloga, que prontamente aproximou-se, enquanto vestia seu casaco – Posso te pedir um favor?
franziu o cenho, estranhando.
- Ahn... claro. Acho que sim. Se eu puder fazer.
- Será que você não poderia dormir na casa da hoje? – perguntou, com uma expressão séria – Ela parecia muito abalada e eu realmente preferiria que ela não passasse essa noite sozinha.
sorriu.
- Eu posso te deixar lá – Danny ofereceu, aproximando-se de Harry e despedindo-se do amigo com um abraço rápido.
olhou por cima dos ombros, para , que estava ocupada dando um sermão em Dougie, sobre como ele era irresponsável por ter trazido seu réptil de estimação para um hospital infantil.
- Eu tenho uma ideia melhor – murmurou.

X

- Por que estamos fazendo isso, mesmo? – perguntou , observando impacientemente o sinal vermelho, enquanto tamborilava com os dedos no volante de seu Mini Cooper.
- Porque somos amigas da e ela precisa da gente – respondeu, lentamente, como se estivesse falando com uma criança levemente retardada.
- Eu vou ter que ficar horas sentada em uma cama, enquanto ela experimenta milhares de roupas? – resmungou a executiva.
- Não – riu – Mas pode ser que você tenha que lidar com algumas lágrimas provenientes de alívio pós-traumático e culpa inconsciente. Chegamos! Encosta aqui!
- Esse negócio de ser amiga das pessoas é muito difícil – rosnou , enquanto obedecia as instruções da psicóloga – Quero dizer, por que é que eu tenho que dormir na casa dela, sendo que eu tenho que trabalhar amanhã? E eu tenho um peixe, sabia? Ele não pode ficar sem comer.
lançou um olhar veemente na direção da outra mulher; as duas estavam sentadas dentro do carro, muito embora este já estivesse desligado.
- , a opção é sua. Você não precisa ir se não quiser – disse, com um suspiro – Ser amiga é uma coisa difícil, mesmo. Ninguém disse que era fácil. Então, se você quiser voltar para casa, a nunca saberá que você esteve aqui. Para ela, o Danny me deixou.
pareceu aliviada.
- Mas – completou, enquanto abria a sua porta, para sair do automóvel – quando você morrer sozinha e só for encontrada porque seus vizinhos começaram a estranhar o cheiro de esgoto e carne decomposta vindo da sua casa, lembre-se que você poderia ter tido um fim diferente.
Sem esperar qualquer reação da executiva, saiu do carro e começou a caminhar em direção ao prédio de ; deu um sorriso discreto quando ouviu uma porta se abrir e se fechar com um ruído metálico, e depois o bip do carro sendo travado automaticamente.
Olhou por cima dos ombros e viu uma caminhando a passos rápidos em sua direção.
- Você é uma pessoa horrível – decretou a executiva, contrariada, parando em frente ao portão de entrada do prédio.
- E você é uma pessoa muito melhor do que acha que é – respondeu, sorrindo, enquanto revirava o conteúdo de sua bolsa atrás das chaves extras do portão.

X

- Está na hora de dormir, Gail – Harry disse, desligando a televisão e ajeitando o cobertor em volta da afilhada – Eu te amo, está bem?
Abigail sorriu, soltando um bocejo.
- Eu te amo também, tio Harry – ela murmurou, esfregando a bochecha na cabeça fofa e peluda de Desdemond – Desculpa por ter te deixado triste.
Harry sorriu e passou os dedos pelos cabelos ruivos da afilhada, afagando-lhe carinhosamente o couro cabeludo.
- Você não me deixou triste, Gail. Só fiquei preocupado – ele murmurou, inclinando-se na direção da garotinha e depositando um beijo carinhoso em sua testa.
- Não precisava se preocupar, tio Harry – Gail murmurou, remexendo-se no leito, encontrando uma posição mais confortável – Eu estava com a professora . Ela nunca deixaria nada ruim acontecer.
O homem sorriu.
- Eu sei, Gail.
- Boa noite, tio Harry – ela murmurou, já sonolenta.
- Boa noite, Gail – ele respondeu, num sussurro; ficou alguns segundos observando o rosto adormecido da afilhada, permitindo-se sentir abençoado por ela estar bem, dormindo. Viva.
Depois, levantou-se, com um suspiro cansado, e arrumou o sofá cama ao lado do leito, preparando-se para o que seria, ele tinha certeza, uma noite de sono muito desconfortável.

X

estava jogada no próprio sofá, deixando as lágrimas rolarem livremente pelas suas bochechas.
Estava tudo bem e ela sabia disso, nem Harry, nem Gail, nem qualquer dos seus amigos a culpavam pelo ocorrido, mas ainda assim sua mente insistia em criar cenários imaginários que tinham desfechos muito mais sombrios do que o que ocorrera de verdade.
Estava tão entretida em seus pensamentos que não ouvira o som metálico de uma chave sendo inserida em uma fechadura e só foi perceber que havia algo errado quando a porta de seu apartamento abriu e e entraram em sua sala.
- O que estão fazendo aqui?! – ela perguntou, perplexa, limpando rapidamente as lágrimas e colocando-se de pé.
- Viemos passar a noite com você – respondeu, jogando sua bolsa sobre o sofá e correndo para abraçar a amiga.
- É – respondeu , parecendo desconfortável e chique demais para o apartamento pequeno e pouco mobiliado de – Porque nos importamos muito e etc.
lançou um olhar curioso na direção de e, assim que liberou-a do abraço, ela caminhou até a executiva e a abraçou.
lançou um olhar aterrorizado na direção de que gesticulou para que ela respondesse ao abraço da professora; hesitante, a mulher obedeceu.
- Obrigada, . Você é uma ótima amiga, também – fungou.
- Não me deixe apodrecer sozinha em casa e estamos quites – respondeu, séria, mas isso fez com que a professora risse.
- Vocês são as melhores, sério! – então, começou a chorar de novo.
Mas, dessa vez, de felicidade.

X

Harry acordou no meio da noite sobressaltado e acendeu o pequeno abajur que ficava no criado-mudo entre seu sofá e o leito de Abigail; quase berrou ao identificar dois vultos próximos à cama, mas respirou aliviado ao identifica-los como Charlie e Claire.
- Desculpe te acordar – murmurou Claire, suavemente – Queríamos dar uma olhada nela.
- O susto não foi apenas entre vocês, mortais – Charlie acrescentou, observando atentamente a filha adormecida – Ainda bem que a sua namorada estava por perto, para evitar que qualquer besteira acontecesse - Harry concordou com um aceno de cabeça, sonolento – Mas é uma pena que o momento de provação esteja chegando.
Harry esforçou-se para manter os olhos abertos; percebeu marginalmente o fato de que Claire puxou o cotovelo de Charlie, lançando-lhe um olhar veemente.
- O que quer dizer? – perguntou o homem.
- As coisas vão se complicar daqui para frente – Charlie murmurou, ignorando a esposa – Olhe para mim, Juddy – Harry esforçou-se para manter os olhos abertos – Não perca a cabeça.
E, sem conseguir se segurar, Harry adormeceu novamente.

X

Quando acordou, às cinco da manhã, estranhou o fato de que estava apertada em uma cama de casal que ela não conhecia, entre duas outras mulheres.
Demorou alguns segundos para se lembrar dos acontecimentos na noite passada: lágrimas, , pizza, vinho, conversas, risadas. E depois, nada.
Aparentemente, todas elas dormiram na mesma cama.
Mas agora ela tinha que ir para o trabalho e tinha a missão impossível de sair da cama sem atrapalhar o sono de qualquer uma das suas amigas.
“Amigas”, pensou , satisfeita, “É difícil e meio complexo. Mas até que é bem legal”.
Começou a rastejar pelo colchão, tentando escorregar até o lugar onde estavam seus pés, fazendo um caminho vertical até o extremo da cama. Conseguiu fazer isso sem esbarrar em nenhuma das duas, mas assim que seus pés descalços encontraram o chão, eles se enroscaram na calça jeans de e ela caiu no chão frio de taco, com um barulho surdo que fez com que e se sentassem na cama, imediatamente.
- ? Você está bem?
- Ai... – gemeu, colocando-se de pé – Estou. Eu... ai. Preciso ir para o trabalho.
- Mas são... – forçou a visão para enxergar seu relógio de pulso, que esquecera de tirar na noite anterior – Cinco e qualquer coisa da manhã!
- Eu sei. Desculpem. Voltem a dormir, não queria acordar vocês – resmungou a executiva, sentindo-se mortificada.
- Não, espere – bocejou, chutando aos cobertores – Vamos acordar também. Assim, podemos tomar café da manhã juntas.
arregalou os olhos, sem saber se estava mais surpresa pela proposta ou pelo fato de que parte dela aprovara aquilo.
- Às cinco da manhã? – resmungou , enfiando a cabeça em baixo do travesseiro – Vocês duas precisam consultar um profissional, sério.
riu e puxou o cobertor da psicóloga.
- Você tem dois segundos, ou jogarei água em você.
Com base em experiências anteriores, prontamente pulou da cama.
- Pronto. Estou acordada – ergueu as mãos – Vamos comer logo.

X

Harry e Abigail estavam tomando o café da manhã que as enfermeiras trouxeram juntos, quando o doutor que a atendera na noite anterior entrou no quarto.
- Bom dia! – ele sorriu, estendendo a mão para Harry, que prontamente a aceitou – Doutor Rosswell. E aí, pequena? Como estamos hoje?
- Muito bem! – Abigail respondeu, sorridente.
- Posso dar uma olhada no curativo? – perguntou o médico; a garotinha concordou com um aceno de cabeça e Harry levantou-se da cama, para facilitar o acesso do doutor Rosswell à garota.
Habilidosamente, o homem desatou as ataduras em volta da cabeça da garota e ergueu levemente a gaze e analisou o corte.
- Hum! – murmurou de forma aprovadora, deixando as bandagens de lado e pegando novas dentro de uma gaveta – Muito melhor!
- Eba! – festejou Abigail; o médico renovou os curativos – Doutor Ross, faz um curativo no Desdemond também? Ele é meio ciumento – ela sussurrou a última parte, como se não quisesse que o ursinho ouvisse que ela estava fofocando sobre ele.
- Mas é claro! – riu o médico – Onde é que ele se machucou?
- Hum... – Abigail analisou atentamente o urso de pelúcia – Ele machucou a orelha – decidiu.
Harry observava toda a situação com um sorriso no rosto; Abigail simplesmente tinha o dom de conquistar todos que tinham contato com ela, por menor que fosse.
- Certo – o médico cantarolou, puxando do bolso um band-aid com desenhos do Bob Esponja – Acho que isso será o suficiente. Quer colocar você ou ponho eu?
Abigail soltou um guincho, alegre.
- SIIIM! POR FAVOOOR! – vibrou, impulsionando o corpinho para cima e para baixo.
O médico, rindo, entregou-lhe o band-aid; rapidamente, Abigail soltou as abas plásticas e colocou o curativo na orelha esquerda do ursinho.
- Pronto, Dess. Agora você vai ficar melhor – ela sorriu.
Harry e o doutor trocaram olhares divertidos; Lance puxou a mesma lanterna que usara na noite anterior e instruiu Abigail a olhar para ele. Examinou atentamente as pupilas da garota e, dando-se por satisfeito, guardou novamente o objeto.
- Perfeito! Acho que você deve ser algum tipo de super mulher – exclamou o médico, divertido – Já está cem por cento! Queria que todos os meus pacientes fossem como você!
Abigail abraçou Desdemond, envergonhada.
- Então, senhor... Judd – ele leu o nome da prancheta – Foi aparentemente só um susto e não temos com o que nos preocupar. Vou assinar a alta e só peço para que ela continue com o curativo por mais dois dias, pelo menos. Pode ser?
- Perfeitamente, doutor.
O médico sorriu, apertou a mão de Harry e acenou um adeus para Abigail; estava quase alcançando a porta do quarto, quando girou nos calcanhares.
- Não se esqueça de avisar a senhorita – lembrou – Ela estava muito preocupada.
- Não vou esquecer, não se preocupe – Harry respondeu, sorrindo.

X

, e saíram da padaria aonde tomaram café para serem cruelmente recepcionadas pelo frio de Londres. Caminhavam rapidamente em direção ao carro de , quando passaram na frente de uma banca.
- Hey, esperem! – exclamou , estancando na frente da pequena lojinha – Preciso comprar as revistas.
e pararam, voltando-se para a amiga, confusas.
- O quê? – perguntou , franzindo o cenho.
- É! – a executiva revirou os olhos verdes – Harry deu a coletiva de imprensa ontem, lembram? Preciso comprar as revistas e jornais que tenham publicado o que ele disse, para ver como estão as coisas.
- Bem lembrado! – rebateu.
- Vamos te ajudar – ofereceu.
O trio rapidamente começou a revirar as revistas e jornais expostos na banca, empilhando aqueles que tinham qualquer menção ao nome de Harry ou Abigail.
estava passando os dedos por algumas revistas quando encontrou uma em especial que chamou sua atenção.
Tinha o nome de Harry, mas nenhuma menção a Abigail ou ao processo; ao invés disso, tinha uma foto do homem, sentado ao lado de uma mulher loira, em um bar. Os dois estavam conversando e a loira tinha um sorriso insinuante.
A manchete trazia, em letras garrafais “QUEM É A MISTERIOSA SENHORA JUDD?”.
E, repentinamente, sentiu todo o ar esvair de seus pulmões e o chão desaparecer sob seus pés.

X

Mike Sullivan resmungou, segurando cautelosamente o pesado saco de lixo preto com as duas mãos, a entrada dos fundos da Super Records era claramente menos movimentada do que a principal, mas alguns fotógrafos e jornalistas também se encontravam ali, na esperança de algum furo um pouco menos tumultuado.
Ele moveu os braços, reajustando o saco. Uma risadinha fez-se ouvir, atraindo o olhar de um fotógrafo.
- O que foi? – perguntou Mike, com cara de poucos amigos – Nunca viu lixo antes?
- Eu ouvi uma risada. De criança – o homem respondeu, com ar de desconfiado. Mike arregalou os olhos e tratou de se esforçar mais em abrir passagem entre aqueles seres humanos irritantes – E por que você estaria levando o lixo para dentro?
Antes que o homem conseguisse prosseguir com os seus ensinamentos, ou chegasse à uma conclusão indesejada, Mike rapidamente entrou pela porta dos fundos, trancando-a com a ajuda de Hernandes.
Com um suspiro cansado, depositou cuidadosamente o saco no chão e abriu-o, revelando uma garotinha ruiva sorridente.
- Isso foi divertido! – Abigail gargalhou – Podemos fazer de novo?

X

Harry percebeu, no momento que pisou fora do carro, que o fato de ter dado uma coletiva de imprensa no dia anterior não acalmou as coisas com os paparazzi e jornalistas, que se amontoavam num aglomerado ainda maior do lado de fora das portas da Super Records.
Silenciosamente, agradeceu a si mesmo por ter pensado em usar Mike como um plano para colocar Abigail para dentro da gravadora sem que nenhum daqueles sanguessugas pudesse ficar tirando fotos dela e tentando extrair depoimentos de uma criança de cinco anos de idade.
- SENHOR JUDD, A ABIGAIL ESTÁ BEM? – berrou algum jornalista, enquanto ele caminhava rapidamente por eles, auxiliado pelos seguranças.
- ELA ESTEVE NO HOSPITAL NA NOITE DE ONTEM, NÃO É?
- O QUE HOUVE?
- ONDE ELA ESTÁ?
- QUEM ERA A MULHER DO BAR?
- HÁ ALGUM ENVOLVIMENTO ENTRE VOCÊS?
Harry entrou correndo para dentro da gravadora, praticamente empurrado para o interior pelos seguranças, que fecharam a porta com um som surdo.
- Onde está Gail? – ele perguntou, olhando em volta.
- Você está frio! – um berrinho alegre fez com que um sorriso imediatamente tomasse conta de seu rosto.
Harry olhou em volta, mas não conseguia saber para onde ir; Abigail estava escondida.
- Gail, onde você está? – perguntou, ainda varrendo o recinto, procurando por ela.
- Vai ter que me acha-ar! – a garotinha cantarolou, e ele começou a seguir sua voz, que vinha de trás do balcão onde estavam sentadas as secretárias, com sorrisos abafados no rosto.
- Como estou agora? – ele perguntou, parando a apenas alguns passos do balcão; percebeu quando uma cabecinha ruiva surgiu discretamente do lado direito do balcão e olhos verdes o espiaram; ela soltou uma risadinha estridente e se escondeu de novo.
- Quente, tio Harry – ela respondeu, lá de trás.
Ele caminhou rapidamente até o esconderijo de Abigail, rindo, e num gesto ao mesmo tempo brusco e cuidadoso, ergueu-a no colo, fazendo com que a menina soltasse risadas histéricas e se remexesse em seu colo.
- Por que você estava se escondendo de mim? – perguntou ele, brincalhão.
- Não estava me escondendo de você, tio Harry – Abigail respondeu, entre uma risada e outra – Estava me escondendo das pessoas ruins, que nem o tio Mike me aconselhou a fazer.
Harry apertou o botão do elevador, enquanto equilibrava a garota nos ombros.
- O tio Mike é muito esperto. E você também. Se escondeu muito bem – ele disse.
Abigail abriu um largo sorriso, satisfeita com o elogio.

X

deu as aulas da manhã sentindo-se estranhamente entorpecida; sorria, falava com seus alunos, ditava palavras, respondia dúvidas, mas sua cabeça estava a milhares de quilômetros de distância.
Pensava naquela foto que vira, Harry e aquela mulher, sentados lado a lado num bar, parecendo bastante íntimos para um homem que tinha uma namorada em casa, cuidando da garota pela qual ele lutava para conseguir a adoção.
Sentia-se exausta, confusa, humilhada e aterrorizada; ela lembrava da sensação de ter entrado no escritório de Jeremy, para encontrá-lo em cima da secretária, como se fossem dois animais selvagens lutando por um território.
No caso, a mesa de carvalho dele.
Não podia passar por tudo aquilo de novo, as noites insones perguntando-se o que tinha de errado com ela, se era culpa dela de alguma forma, se poderia ter feito algo de diferente.
Meses sentindo-se inferior, infeliz, insegura.
Finalmente conseguira superar, e agora isso?
Ela lá, cuidando de Abigail, desesperada com aquele acidente infeliz, enquanto ele ficava tomando bebidas num pub, com uma loira qualquer?
A sineta tocou, anunciando o intervalo, e todos os alunos saíram correndo da sala de aula, prontos para aproveitar os vinte minutos de guloseimas e diversão.
Os olhos de encontraram uma das poucas carteiras vazias: a de Abigail Dickens.
Com o coração apertado, sentindo a garganta ardendo e os olhos começarem a nublar sua visão, ela sentou-se na carteira pequenina, e escondeu o rosto nas mãos.
Antes que pudesse se render às lágrimas, seu celular começou a tocar. Era .
Ela segurou o celular por alguns instantes, respirando fundo e passando o dedo indicador embaixo dos olhos, limpando qualquer resquício de lágrima. Pigarreou, para ter certeza de que sua voz não soaria embargada pela vontade de chorar.
- Oi – ela atendeu, finalmente.
- Quero saber como você está – disse, prontamente – Quer que eu almoce com você?
- Não é necessário, , sério – respondeu, quase desesperada. Precisava daquele momento sozinha e se estivesse com ela, saberia o quão magoada ela estava.
- , escute – a psicóloga prosseguiu, ignorando a tentativa da amiga de parecer confiante, segura e tranquila – Converse com o Harry, está bem? Você não tem como ter certeza do que aconteceu, nós duas já vimos que os repórteres podem manipular as coisas, e...
- Eu sei, eu sei. Eu estou bem, juro – ela tentou parecer forte; de repente, ouviu dois bipes no fundo da ligação, anunciando uma segunda chamada.
Afastou o celular da orelha e olhou o visor; era Harry.
- É o Harry na outra linha – engoliu em seco – Acho que tenho que desligar.
- Tudo bem – respondeu – Não perca a cabeça, ok?
- Não se preocupe – forçou um sorriso e desligou, atendendo a ligação de Harry – Oi.
- Oi, . Tudo bem? – ele perguntou, carinhoso.
Isso fez com que o interior da professora se revirasse com uma horda de sentimentos que fizeram com que ela se sentisse zonza; agradeceu mentalmente o fato de estar sentada.
- Tudo, e por aí? – ela queria parecer normal, mas não conseguia; tinha noção que sua voz soava um pouco grossa no telefone.
- Tudo ótimo. Consegui esgueirar Abigail para dentro da Super Records sem que ninguém desconfiasse de nada, sem fotos, sem comentários. Foi perfeito. Acho que finalmente parei de me importar com o que os jornais falam – ela conseguia imaginar aquele sorriso lindo dele, que era capaz de derretê-la – A questão é... as coisas estão bem tumultuadas aqui na gravadora. Será que você poderia pegar a Abigail aqui, depois da aula?
ficou alguns segundos em silêncio, tentando se controlar.
“Não perca a cabeça, ok?”, a voz de ecoou em sua mente.
- Okay – respondeu – Eu passo aí, sem problemas.
- Você é a melhor, eu te amo – ele respondeu, alegre.
desligou o telefone com um baque e apoiou o rosto nas mãos, respirando fundo.

X

Harry estava com o dia cheio de reuniões, antes do almoço, tinha que se encontrar com a equipe de tecnologia da informação responsável pela Super City, eles estavam tentando resolver alguns problemas na velocidade, que vinham pelo número cada vez maior de cadastrados.
Depois do almoço, ele tinha uma reunião com algumas marcas que e Tom tinham escolhido dedo a dedo para oferecer a oportunidade de patrocínio da SoulMusic e, por fim, ele e os meninos teriam que se sentar para combinar, entre os convites, quais países integrariam a turnê mundial do McFLY no ano de 2011.
Enquanto isso, ainda precisava dar atenção para Gail, que parecia determinar a encher todo o seu escritório com desenhos coloridos de pôneis, cachorros, gatos... enquanto ela não criasse um zoológico imaginário, com um desenho para representar cada animal, ela não sossegaria.
- Harry – enfiou a cabeça dentro da sala do homem – A reunião já vai começar. É melhor você ir.
- Ah! Certo! – Harry se levantou e começou a juntar uma pilha de papéis no centro da mesa – Você pode ficar com a Gail, enquanto isso? A deve estar chegando a qualquer momento.
sorriu; por dentro, ela se questionava se devia avisar Harry sobre o fato de que a professora havia encontrado a foto dele com aquela loira no bar, mas algo lhe dizia que amigas não faziam isso, por isso, manteve-se em silêncio e concordou com um aceno de cabeça.
- Vamos, pequena – gesticulou para que Abigail a acompanhasse – Vamos para a minha sala, enquanto o tio Harry faz coisas chatas de gente grande.
- Sim! – Abigail também fez uma pilha mal formada com todos os seus desenhos e abraçou-os, levantando-se – Tchau, tio Harry.
- Espera aí! – Harry se ajoelhou e deu um beijo estalado na bochecha rechonchuda e avermelhada da afilhada – Te vejo hoje à noite, está bem? Seja boazinha com a tia e obedeça ela.
Abigail fechou o rosto, numa expressão ofendida.
- Eu sou sempre boazinha. E sempre obedeço – acrescentou.
Harry riu e, com a mão livre, bagunçou os cabelos ruivos da afilhada.
- Até mais – despediu-se de e saiu da sala.

X

estacionou seu carro na frente da Super Records e isso causou um certo alvoroço entre aquele monte de pessoas que estavam na frente da porta, mas assim que ela saiu, toda a multidão pareceu se desanimar.
- Quem é? – perguntou um deles, num sussurro, meio alto.
- Nunca vi antes – resmungou um outro.
- Moça, você é funcionária da Super Records? – perguntou um jornalista, enquanto ela passava por eles, com a ajuda dos seguranças, que receberam ordens de para permitirem a sua entrada – Pode nos colocar lá dentro?
Ela revirou os olhos e entrou no edifício, caminhando até o balcão das secretárias.
- Qual é a sala de ? – perguntou, com um sorriso educado.
- A senhorita é a ? – perguntou uma secretaria novinha, bonita, de cabelos acaju e olhos azuis; concordou com um aceno de cabeça – Quinto andar, última sala à direta.
caminhou a passos firmes até o elevador. Ela não tinha certeza se queria ou não ver Harry, mas sabia que ainda se sentia meio entorpecida, fora de realidade.
Talvez um confronto agora não fosse uma boa coisa; talvez ela simplesmente devesse fingir que nada acontecera. Talvez não fosse nada.
Mas uma boa parte de sua consciência não conseguia se convencer disso.
Encontrou a sala seguindo as indicações da secretaria.
- PROFESSORA ! – berrou Abigail, colocando-se de pé e abandonando os seus desenhos, para correr a abraçar a mulher – Olha – apontou para a própria cabeça – O médico disse que eu já estou bem!
- Nossa, já está curada! – sorriu, fingindo surpresa – Acho que você tem super poderes!
Os olhos verdes de Abigail se arregalaram, fascinada com a hipótese.
- Será?!
e trocaram olhares, rindo da reação da garotinha.
- Então... – a professora deu um tapinha de leve no bumbum de Abigail – Vá pegar suas coisas, nós vamos para casa!
arregalou os olhos.
- Qual é o seu plano? – quis saber.
piscou os olhos , confusa.
- Como assim?
- Para sair daqui – respondeu , revirando os olhos e colocando-se de pé – Sair com a Abigail pela porta da frente é simplesmente impossível, você tem que ter um plano.
- Eu... eu não pensei em nada! – soltou, engasgada.
- Tudo bem, eu resolvo – ela apertou um botão no telefone e uma voz fina e feminina atendeu – Tiffany, chame o Mike e o Max aqui – desligou o telefone e voltou a atenção para a amiga – Isso é o que você vai fazer: o Mike vai pegar seu carro, dar a volta no quarteirão e parar nos fundos da Super Records; é menor lotado do que a porta da frente, mas ainda assim temos alguns fotógrafos e jornalistas lá. Quando ele chegar, ele vai dar um toque no seu celular, o Max, um de nossos seguranças, vai escoltar vocês duas até o carro. Ande rápido, não troque palavras com nenhum deles e tente esconder tanto o seu rosto quanto o da Gail, estamos entendidas?
engoliu em seco; aquilo parecia mais uma missão militar do que simplesmente fugir de alguns fotógrafos inconvenientes.
- ? – questionou, erguendo as sobrancelhas.
- Sim. Não falar nada, não olhar para ninguém e andar rápido.
- Perfeito – nesse momento, a porta da sala de foi aberta e dois homens grandes como armários entraram, um, reconheceu como o homem que costumava buscar Abigail no colégio e o outro era um dos seguranças que tentaram contê-la no dia que ela viera falar com Harry.

X

- Está pronta? – Max perguntou, colocando uma das suas mãos gigantescas sobre a base das costas de , de forma protetora – Temos que ir rápido, senhorita .
Abigail estava enroscada nela como um filhote de sagüi, com o rosto escondido em seu pescoço. remexeu-se sob seu peso, tentando arranjar uma posição em que se sentisse mais confortável segurando os quase treze quilos da garotinha.
Não podia perder o equilíbrio no meio do caminho e colocar toda operação “Sair da Super Records” em risco.
- Certo – ela respirou fundo, colocando uma mão protetora sobre a cabeça de Gail.
- No três – ele sussurrou – Um, dois... TRÊS.
Max abriu a porta com um gesto brusco e, imediatamente, começou a andar, empurrando com ele, em passos rápidos e largos, os poucos jornalistas que estavam do lado de fora ficaram surpresos, a princípio, sem entender muito bem o que estava acontecendo, até que um dele conseguiu identificar as mechas ruivas de Abigail.
- É A GAIL! – berrou um fotógrafo, já erguendo sua máquina e disparando vários flashes.
manteve a cabeça baixa e os passos rápidos, seu único foco era seu carro preto que parecia mais e mais próximo a cada passo; Max continuava ao seu lado, empurrando com mãos firmes e cara de poucos amigos qualquer um que tentasse se afastar.
Jorravam perguntas que ela não conseguia dissociar uma das outras, berradas, mas uma se destacou:
- SENHORITA, VOCÊ SABE ALGUMA COISA SOBRE A MULHER QUE ESTAVA COM O SENHOR JUDD ONTEM, NO BAR? – perguntou uma voz feminina.
No mesmo instante, estancou no lugar onde estava e procurou a pessoa com os olhos, mas não conseguiu identificá-la entre os milhares de rostos que se aglomeravam à sua volta.
- Senhorita , vamos... – urrou Max, com urgência, voltando a empurrá-la e abrindo a porta do carro. se esgueirou para dentro, segurando Gail com força e sentindo seu coração bater rápido, enquanto lutava contra as lágrimas.

X

- Então, está decidido? – perguntou Tom, finalmente, enquanto coçava os olhos, cansado – São tantos países, precisamos fazer um roteiro melhor.
- Não – choramingou Dougie – Estou cansado, com sono, com fome e não sinto meu nariz. Vamos fazer isso amanhã, por favor?
Danny fez uma cara de cachorro sem dono e inclinou-se do lado de Dougie, fazendo pressão para que o amigo aceitasse a sugestão do baterista; Harry riu e, em seguida, também fez cara de coitado e posicionou-se do outro lado de Dougie.
- Vocês são uns molengas – Tom revirou os olhos – Se não fosse por mim, essa gravadora nem iria para frente.
- Você e a – acrescentou Dougie, dando-se por vitorioso e levantando-se da majestosa cadeira de couro e espreguiçando-se.
A maratona de reuniões fora exaustiva e já era quase noite; mesmo Tom, que costumava ser mais resistente que os amigos ao trabalho, sentia-se cansado e, por isso mesmo, resolveu não argumentar muito mais.
- Então, nos vemos amanhã? – perguntou Harry, estralando o pescoço, para aliviar a tensão daquele dia.
Os quatro ficaram em silêncio, sem falar nada por alguns instantes; mas, ainda assim, todos sabiam que estavam pensando mais ou menos a mesma coisa.
- Faz tempo que não fazemos nada – disse Danny, como quem apenas comenta que provavelmente choverá no fim da tarde.
- Só nós quatro – completou Dougie.
Harry e Tom trocaram olhares significativos.
- Acho que não faria mal ir a um pub – concedeu Tom, para a felicidade de Dougie e Danny.
- Eu tenho que voltar para casa – Harry disse, determinado – Tem a e a Gail, e, além do mais, a última vez que eu sai para beber, vocês viram o que aconteceu.
- Ah, certo – Danny revirou os olhos – Você sai para beber e a Abigail corta a cabeça. O nexo causal é inquestionável.
Harry riu.
- Qual é, uma cervejinha com os amigos! – Dougie fez a mesma cara que fizera momentos atrás, para se livrar da reunião; Tom e Danny acompanharam – Pelos velhos tempos.
Harry revirou os olhos, gargalhando.
- O que vocês me pedem sorrindo, que eu não faço chorando? – perguntou, cedendo.
- Essa frase me parece meio equivocada – Tom comentou, abraçando o amigo com força – Mas o que importa é que você vai!

X

Desenhos de animais estavam espalhados por toda a sala; enquanto Abigail se divertia com seus lápis coloridos e seus gizes de cera, varreu a neve para fora da sala e ficou quase uma hora no frio, limpando a marca de sangue que ficara na varanda.
Quando ela finalmente voltou para dentro, ajudou Abigail a arrumar os desenhos um do lado do outro, como se fossem realmente animais expostos em um zoológico.
- Não, professora ! Não podemos colocar os leões do lado dos gatinhos! As leoas vão matar os gatinhos! Temos que colocar um animal que dê medo ao leão... tipo... – ela murmurou, analisando seus desenhos – Os hipopótamos! Vamos colocar os hipopótamos de um lado do leão e os elefantes do outro, o que acha?
- Acho que eles serão excelentes guardas para que o leão não faça nada de errado – as duas sorriram uma para a outra e continuaram a organizar os desenhos.
Depois, brincaram que era uma visitante do zoológico, tirando fotos com a máquina de brincadeira de Abigail, enquanto a garota, fazendo-se de guia, dava discursos sobre cada um dos animas desenhados.
Em algum momento durante toda a diversão, olhou para o relógio e percebeu que já passavam das nove horas. Harry já devia estar lá, com elas.
Imagens dele e de uma loira insinuante se beijando, em algum motel, fizeram com que seu estômago embrulhasse.
- Professora ? – Abigail abanou uma mãozinha na frente de seus olhos – O que foi? Não gostou da minha explicação sobre as focas?
forçou um sorriso, embora sentisse seu coração se despedaçar por dentro.
- Lógico que não! O que mais você tem para me falar sobre elas?

X

Harry pousou o copo vazio de cerveja sobre a mesa; os quatro estavam rindo sobre uma memória do dia em que eles pularam pelados na piscina do The Dutch Palace, em Amsterdã, levando os seguranças à loucura e as fãs, que estavam hospedadas no hotel, ao delírio.
Não podiam mais se hospedar no hotel, mas valera totalmente a pena.
Já eram quase dez horas da noite e Harry sabia que precisava voltar para o apartamento, por mais que adorasse ficar com seus amigos, começava a sentir falta de e Abigail.
- Damas, foi uma noite agradável, mas eu tenho que ir – Harry anunciou, colocando-se de pé e pescando a chave do carro do bolso da calça.
- Oh – Dougie prontamente pegou um guardanapo sobre a mesa e limpou uma lágrima tímida – Promete me ligar?
Harry riu.
- Sempre.
- Então, tudo bem – fungou, fazendo-se de mulher magoada – Vá para a outra. Não me importo.
Harry riu e deu um beijo estalado na bochecha do amigo.
- Você sabe que você é a única – respondeu, carinhoso, fazendo com que Danny e Tom estourassem em risadas bêbadas. Tom tirou uma foto com seu iPhone.
- Isso vai para o twitter – anunciou o loiro.
Harry sorriu.
- Boa noite – despediu-se de cada um dos amigos com um abraço.

X

Abigail já estava dormindo, quando ouviu o barulho da chave na porta; lançou um olhar raivoso na direção do homem que entrava e marchou a passos duros e decididos até a sua bolsa.
- Olá, ! – ele sorriu, caminhando até ela, sem perceber o ódio no olhar da mulher – Estive com saudades.
- Onde é que você estava, Harry? – ela sibilou, esquivando-se dele, enquanto encaixava a bolsa no bolso.
- No pub, com os meninos, e... – ele observou, confuso, quando ela revirou os olhos e passou por ele, saindo pela porta de entrada e apertando o botão do elevador com força.
A porta metálica se abriu e ela entrou no elevador, apertando repetidas vezes o botão da garagem, rezando para que as portas se fechassem rapidamente.
“Tente não perder a cebeça, ok?”, a voz de ecoou pela sua cabeça pela segunda vez naquele dia, mas era tarde demais.
Sua cabeça já estava a galáxias de distância.
As portas metálicas começaram a se fechar, mas antes que elas se juntassem com um baque metálico, Harry enfiou seu braço entre as duas barras de metal, que se abriram novamente.
- O que há com você? – ele perguntou, o cenho franzido, enquanto entrava no elevador.
- Eu não quero falar com você – ela resmungou, apertando-se contra uma das paredes do elevador, tentando ficar o mais longe possível do homem.
sentia como se estivesse mergulhando em um mar de sensações confusas: estava furiosa, porque Harry bebera com outra mulher na noite anterior e nem comentara com ela, enquanto ela corria pelos cantos, desesperada, cuidando de Abigail, que, em última instância, era preocupação dele, porque estivera disposta e fingir que nada daquilo acontecera e como ele retribuía? Ficando fora, bebendo, até às dez horas da noite, sem nem ao menos avisar.
Aquilo era uma palhaçada, e quem e que era o palhaço central, levando a torta na cara, enquanto todos da plateia riam e aplaudiam?
Ela.
- , o que está acontecendo? – Harry perguntou, novamente, parecendo preocupado agora – Você está estranha comigo o dia inteiro. No telefone, mais cedo. E agora, também. O que foi?
A professora lançou um olhar furioso e ressentido na direção do homem, como um animal acuado que teme e despreza o seu predador.
A porta do elevador se abriu e ela marchou para fora, com Harry ao seu encalço.
- , PELO AMOR DE DEUS, FALE COMIGO! – ele puxou-a pelo antebraço, fazendo com que ela se virasse.
Então, ele percebeu as lágrimas teimosas que rolavam pelas bochechas da mulher.
- ! – ele exclamou, tentando puxá-la para perto, enquanto a mulher lutava para se afastar dele – O que foi? Eu fiz alguma coisa? Te deixei chateada? Por favor, pare de chorar e fale comigo!
Harry estava desesperado; detestava ver mulheres chorando, principalmente quando sabia ser ele o motivo das lágrimas.
- Você estava bebendo hoje. No pub! Até às dez horas da noite, enquanto eu estava aqui, cuidando da Gail! – ela rosnou, soltando-se dele e revirando o conteúdo de sua bolsa, atrás das chaves do carro – Afinal de contas, o que é que eu sou, hein? Sua namorada ou a babá?
- O quê? – ele perguntou, perplexo.
- É. Porque, sabe, você me liga e diz que me ama, e quando chega na sua casa, e estou lá, depois de um dia inteiro cuidado da Gail, me beija e diz que precisa de mim, mas ontem à noite, você estava bebendo com outra mulher. Então, me explica. O que é que eu sou? Por que um homem já me fez de otária, Harry, e eu não estou a fim de passar por isso de novo.
Harry piscou os olhos azuis algumas vezes, enquanto absorvia aquela acusação em silêncio; e, então, ele soltou uma gargalhada.
Foi a vez de arregalar os olhos, surpresa e ofendida.
- Você está assim por causa de ciúmes daquela mulher? – ele riu, sentindo-se aliviado.
cerrou as mãos em punhos.
- Eu não estou com ciúmes – sibilou, aproximando-se dele – Estou furiosa, Judd. Quer saber por quê? Então, aqui vai o porquê: estou furiosa porque eu estou aqui, todos os dias, cuidando da Abigail, e estou do seu lado desde então. Sempre. Você sempre pôde contar comigo quando se tratava da Gail. Minha resolução de ano novo foi estar do seu lado e da Abigail para sempre – lágrimas começavam a jorrar livremente, enquanto ela falava; Harry estava com os olhos arregalados – E, ontem, quando aconteceu aquilo com a Abigail, eu precisava de você, Harry. Eu precisava de você, para variar um pouco. Liguei como louca para o seu celular, enquanto a sua afilhada perdia sangue e mal conseguia ficar consciente. Eu chorei, eu me desesperei, eu rezei por um milagre, porque eu não podia contar com você. Eu tive que me virar. E para quê? Para você ficar bebendo algumas num bar, com uma loira qualquer.
fungou, e começou a caminhar a passos largos até seu carro.
Aos poucos, Harry começou a entender; as perguntas sobre a mulher do bar, alguém tinha fotografado eles, e agora que vira a foto, estava pensando que ele a tinha traído.
Ele jamais faria isso, tinha que fazê-la entender isso.
- , espera... Não é o que você ta pensando! – ele exclamou, apressando-se para acompanhá-la – Por favor, deixe-me explicar...
Ela já tinha alcançado a porta do carro e segurou-a aberta.
- Engraçado, foi exatamente o que o Jeremy me disse, quando eu o peguei trepando com a assistente dele – ela deu um sorriso amargurado.
- Eu não fiz nada com ela, ! Você tem que acreditar! – Harry parou do outro lado do carro, observando por sobre o capô – Não aconteceu nada.
- Eu vi, pela foto, você estava realmente afastando ela a pontapés. Foi por isso que você desligou o celular, não foi? Queria privacidade? Valeu a pena? Enquanto eu ligava desesperada, por causa da sua afilhada, você queria um pouco de tempo para conhecer melhor a loira, não é? Qual era o nome dela?
- Eu. Não. Lembro – o baterista sibilou, exasperado; estava começando a perder a paciência com aquela situação, ele não merecia aquele tratamento – Não era importante. , eu juro...
- Não era importante – ecoou , interrompendo-o, revirando os olhos – Você é um irresponsável, Harry Judd, um moleque. Quer saber? Talvez a Elizabeth Quentin tenha razão.
Houve um breve instante de silêncio, em que Harry ficou parado, como se tivesse acabado de receber um soco na boca do estômago, e engoliu em seco, arrependendo-se imediatamente do que falara.
- Harry, eu...
Ele deu alguns passos para trás, como se estivesse em choque.
- Eu... – ele hesitou, parecendo perdido; pelos olhos azuis, ela conseguia ver toda a confusão, mágoa e raiva que passavam pelo corpo do homem; quando ele finalmente travou seus olhos nos dela, ela soube que não tinha mais volta - Vai embora, . Por favor – ele pediu, sério e seco.
- Harry, espera, eu... – ela engoliu em seco, em certa do que dizer; sua raiva e mágoa rapidamente davam lugar a uma culpa e um remorso que ela nunca sentira em toda a sua vida.
, para – ele a interrompeu, com uma expressão que parecia enojada - Só... desaparece da nossa vida.
E enquanto ela observava, com o coração na garganta, os olhos cheios de lágrimas e o peito pesado, o homem entrou no elevador e desapareceu, escondido pelas portas metálicas, que se fecharam com um estalar metálico que ecoou por toda a garagem.


Capítulo 20 – Warzone (parte I)

“I can't believe I had to see
The girl of my dreams cheating on me
The pain you caused has left me dead inside
I'm gonna make sure you regret that night
Warzone – The Wanted


estava quase adormecida quando seu celular, que estava no criado mudo ao lado da cama, começou a tocar. A executiva alcançou o aparelho móvel e ergueu as sobrancelhas ao identificar o nome de no visor.
- Oi, – murmurou, sonolenta, mas lutando para se sentar na cama.
- Você tem alguma coisa para beber na sua casa? Alcoólica? – a psicóloga perguntou, em um tom urgente que rapidamente despertou .
- Quê? Acho que sim. O que houve? – quis saber, curiosa.
- Estamos de plantão – suspirou – Me encontre na casa da em meia hora. Leve algo alcoólico, eu vou levar o sorvete.
considerou questionar, mas desistiu de fazê-lo.
- Te vejo lá – concordou, desligando o celular.
Rapidamente trocou seu pijama por um moletom, enfiou um conjunto social dentro de uma mochila, abriu sua adega, tirou um espumante de dentro, sem se dar ao trabalho de checar a marca, e saiu da casa.
Segundos depois, voltou pela porta da frente, a passos rápidos, jogando a mochila em cima do sofá.
- Só vou te ver amanhã de noite, Dourado – disse, em tom apologético, enquanto abria o recipiente que continha a ração do peixe e selecionava três bolinhas, jogando-as dentro do aquário e observando enquanto o peixe preguiçosamente nadava em direção à comida – Boa noite. Durma bem.
Pegou a mochila e marchou para fora de casa.

X


Quando Harry entrou no apartamento, fechou a porta de entrada com tanta força às suas costas, que o barulho ecoou por todos os cômodos; imediatamente, fechou os olhos, xingando-se por dentro.
Começou a caminhar em direção ao seu quarto, sentindo-se entorpecido; era quase como se estivesse em um terrível pesadelo. Sua mente, cruel, repassava repetidas vezes a conversa com .
Ela achava que ele não era bom demais para a Gail, ela achava que ele não era o suficiente para a única coisa que fizera a vida dele verdadeiramente significativa.
Ela achava que Elizabeth Quentin tinha razão.
- Tio Harry? – a cabeça de Abigail surgiu da porta de seu quarto, espiando-o com os olhos verdes curiosos e sonolentos – Cadê a professora ?
- Ela... – Harry hesitou, sentindo um misto de tristeza e ressentimento – Ela voltou para a casa dela, Gail. Volte a dormir, temos que acordar cedo amanhã.
Gail concordou com um sorriso e entrou no quarto.
Harry fechou a porta do quarto suavemente às suas costas, tentando evitar cometer o mesmo erro de minutos atrás. Seu celular começou a tocar e ele o resgatou do interior do bolso da calça.
.
Ele apertou o botão vermelho, encerrando a ligação, e depois pressionou o mesmo botão por alguns segundos, até que o celular desligasse.
Para o inferno com tudo aquilo.

X


não conseguia respirar, não conseguia ver e não conseguia sentir. Desde que chegara em seu apartamento, a única coisa que se lembrava de fazer, além de ficar ligando incansavelmente para o celular de Harry, que dava direto na caixa postal, era ter aberto a porta para e .
sentou-se ao seu lado, tirando delicadamente o celular das mãos trêmulas da amiga e substituindo-o por uma taça de sorvete de chocolate com avelã.
- Vamos dar um tempo para o Harry, está bem? – sugeriu a psicóloga, carinhosamente – Toma o seu sorvete e respira fundo.
desviou os olhos da parede, lentamente focando-o em ; estava ao fundo, com uma taça de espumante nas mãos, parecendo perdida e preocupada.
- Eu estraguei tudo – soluçou – E agora... Oh, meu Deus! E a Gail?
prontamente abraçou a amiga, acariciando seus cabelos castanhos.
- Você só precisa dar algum tempo para ele colocar os pensamentos em dia. Ele tem que saber que você não quis dizer aquilo, de verdade. Com certeza, amanhã de manhã, as coisas estarão muito melhores.
X


Quando o despertador de Harry tocou, na manhã seguinte, ele bateu com tanta força no rádio-relógio, que o objeto despencou do criado-mudo, espatifando-se no chão. Ele resmungou e ficou observando o teto do quarto, sentindo a ira consumi-lo aos poucos.
Não conseguira dormir direito, é claro. Como conseguira deixar o cheiro dela em todos os travesseiros e no colchão? Em algum momento durante as noites que passara lá, ela ficara espirrando o próprio perfume neles, sem que ele percebesse?
Era a única explicação razoável.
Ele chutou os cobertores e rastejou para fora da cama; escolheu, distraidamente, uma calça, uma camiseta e um casaco.
Saiu do quarto e foi acordar Abigail; enquanto ele fazia o café da manhã, de forma automática, a garotinha se trocou e alimentou Max, o tempo todo tagarelando.
- Você tá bem, tio Harry? – perguntou Gail, sentando-se à mesa e pegando a xícara com leite, analisando-o com os olhos verdes astutos – Tá meio quietão. Estranho.
Harry forçou um sorriso.
- Eu estou bem – ele disse, e então pigarreou. – Eu preciso te dizer uma coisa... Hoje você vai para a Super Records depois da escola, está bem?
Abigail deu um largo sorriso.
- Eba! Eu vou poder ver a tia ! – comemorou enquanto dava uma mordida em sua torrada com manteiga – Mas e a professora ? Ela não vem ficar comigo?
Harry desviou os olhos da garotinha para as notícias que lia em seu iPad.
- A professora tem coisas mais importantes para fazer hoje, Gail – ele disse, simplesmente.

X


As três tomaram café da manhã juntas, numa padaria gostosa e aconchegante a algumas quadras do apartamento de ; chegaria quase duas horas de seu horário habitual, mas resolveu que deveria fazer esse tipo de sacrifício, em prol de garantir que não morreria sozinha e sem dignidade.
- Como você está se sentindo? – perguntou , dirigindo-se à professora, que bebericava seu café, pensativa.
- Estou um pouco nervosa – admitiu, dando de ombros – Quanto mais penso no que aconteceu na noite passada, mais eu sinto vontade de me jogar em um buraco negro. Não deveria ter dito aquelas coisas.
- E o Harry, te atendeu? – perguntou enquanto adicionava uma colher de açúcar em seu café.
A expressão de tornou-se ainda mais entristecida e ela simplesmente negou com um aceno de cabeça, olhando para baixo.
- Talvez você devesse dar um tempo – opinou a executiva – Quero dizer, eu sempre deixo os caras de lado e eles vivem me ligando. Talvez, se você não ligar, ele ligue para você. Depois de um tempo. Quando estiver menos bravo.
mordiscou o lábio, em dúvida; ela sabia que o que dizia fazia muito sentido. Ela havia passado dos limites e magoado Harry, talvez ficar ligando o tempo todo, implorando por desculpas, não fosse a maneira mais correta de resolver a situação.
- De qualquer forma – emendou , depois de dar uma mordida em uma baguete com salada e tomate – Vocês se verão hoje, não é? Depois do trabalho dele? Hoje à noite, você pede desculpas pelo que disse.
refletiu um pouco sobre o assunto, e o mero pensamento de ter que olhar no fundo daqueles olhos azuis magoados e encará-lo depois de tudo o que ela dissera, fizera com que ela sentisse seu corpo todo se encolher.
Ela ainda estava magoada por causa da saída do homem com a loira misteriosa no bar, mas ela entendia que, indiferentemente do que acontecera, nunca deveria ter questionado as habilidades de Harry como padrasto, nem seu comprometimento com Abigail.
- Vocês estão certas – murmurou – Mas acho que não vou conseguir falar com ele. Além de tudo o que aconteceu, parte de mim ainda está muito magoada por causa do bar e da loira desconhecida.
- Você não sabe se aconteceu alguma coisa – ofereceu – E, de certa forma, faz alguma diferença agora? Pelo jeito, vocês já nem são mais um casal. Se ele traiu ou não, é irrelevante.
soltou um resmungo magoado e arregalou os olhos.
- ! – exclamou, com veemência – Não foi legal.
- Por quê? – questionou a executiva, erguendo as sobrancelhas.
- Porque a ainda gosta do Harry, e você esfregar na cara dela o fato de que eles não estão mais juntos não ajuda na situação – sibilou, em voz baixa.
- Ah. Bem – deu uma mordida pensativa em seu lanche – Nesse caso, sinto muito, . Espero que vocês se resolvam, e é super importante decidir se vale a pena continuar chateada por causa de uma traição que pode, ou não, ter acontecido, mesmo depois que o relacionamento acabou.
revirou os olhos e voltou a beber seu café, enquanto afundava mais na cadeira.

X


Harry deixara Abigail no colégio e, à medida que ia dirigindo, sua mente ia repassando todos os acontecimentos da noite anterior, e a cada vez que ele ouvia a voz de dizendo que Quentin estava correta, uma nova onda de raiva se apoderava dele, criando camadas e camadas de um sentimento tão horrível que ele já nem mais se sentia mal pelo término.
Estava furioso com pelo o que ela falara.
Com que direito?
Estava magoada, achando que ele tinha pisado em sua confiança e cuspido no seu amor ao sair para beber com outra mulher?
Pois bem, que ofendesse sua idoneidade, que dissesse que ele não tinha coração, que não tinha nenhum respeito por ela, que dissesse qualquer coisa, menos insultar sua capacidade de ter Abigail em sua vida.
Ela não confiava nele.
No fim das contas, era isso que a noite anterior significava, obviamente: ela não confiava nele como homem, não confiava nele como namorado e não confiava nele como pai.
E a verdade é que ele não fizera nada para merecer aquilo.
Ele era um homem famoso, baterista de uma banda conceituada, não apenas na Inglaterra, como no mundo inteiro. Tinha garotas mandando tweets diários para ele, dizendo coisas como “se você me der um reply, deixo você tirar minha virgindade”.
Ele não gostava disso, mas era como funcionava.
Como ter um relacionamento com uma mulher que pira quando vê uma foto duvidosa nas capas das revistas?
Esse era o pensamento dele, enquanto observava a luz vermelha do semáforo.
Deu um soco no volante, sentindo um novo rompante de ódio.
E se ela não conseguia acreditar nele, então não merecia estar ao seu lado como namorada.
Quando o sinal abriu, Harry apertou o acelerador com tanta força que os pneus do carro guincharam e ele disparou, deixando o carro da faixa ao lado metros atrás.
Mas essa não era a pior parte, para ele. Nem de perto.
“Quer saber? Talvez a Elizabeth Quentim tenha razão”.
Não fora ela quem dissera que ele conseguiria? Que qualquer pessoa poderia ver como ele era a opção certa para Abigail? Como ele tinha condições de ficar com a afilhada, de cuidar dela, de vê-la crescer?
E, então, ela vê uma foto qualquer, sequer lhe propicia a oportunidade de se defender, ou lhe dá crédito algum, como se as últimas semanas não significassem absolutamente nada, e, ainda por cima, retira tudo o que disse durante as mesmas.
Se era assim que ela pensava, eles não precisavam mais dela.
Nem ele, nem Abigail.
Conseguiriam se virar sozinhos.
Como deveria ter sido desde o início.

X


Quando a aula terminou, começou a arrumar seu material, guardando-o no armário de madeira que ficava no canto da sala; pelo canto marginal de seus olhos, conseguiu perceber um vulto ruivo movendo-se em direção à porta da sala.
- Gail? – perguntou, olhando por cima de seus ombros, percebendo que estava sozinha. A passos rápidos, foi até a porta da sala, encontrando Gail tomando água em um dos bebedouros, já com a mochila nas costas – Gail, aonde você vai?
Gail afastou-se do bebedouro, com os olhos verdes arregalados.
- O tio Mike vem me buscar hoje – ela disse, parecendo confusa – Vou ficar na Super Records.
- O quê? – sentiu os lábios secos e a garganta se fechar – Como assim?
- Ué – Abigail exclamou, coçando o topo da cabeça ruiva com o dedo, pensativa – O tio Harry disse que você tinha coisas mais importantes para fazer e que não podia ficar comigo hoje.
Repentinamente, sentiu como se não houvesse mais chão sob seus pés e apoiou-se discretamente no batente da porta, relutante que pudesse literalmente cair.
- Ah... Bem, é verdade – deu um sorriso forçado – Eu tenho mesmo muita coisa para fazer.
Abigail deu um sorriso.
- Tudo bem, professora , não precisa ficar triste – ela caminhou a passos determinados na direção da mulher e a abraçou – A gente brinca amanhã, tá bem?
mordiscou o lábio inferior e deu um novo sorriso, que não chegou a alcançar seus olhos.
- Lógico, Gail – ela passou a mão pelos cabelos da garotinha – Nos vemos amanhã.
Mas ela sabia que elas provavelmente não se veriam amanhã, fora do horário de aula.
Harry Judd estava fechando a porta, e ela sabia disso.

X


Harry estava terminando de revisar seu parecer sobre a demo de uma banda que fora indicada por um dos caça talentos, quando ouviu uma agitação no corredor. Mal teve tempo de registrar essa informação, quando a porta de sua sala foi aberta.
- TIO HARRY! – Abigail berrou, jogando sua mochila no chão e correndo até o padrinho, abraçando-o com afeto.
- Olá, querida! – ele sorriu, pegando-a no colo e sentando-se em sua cadeira novamente – Como foi a aula hoje?
- Muito legal! – Abigail sorriu – É estranho vir para cá. Estou acostumada a ficar em casa com a professora !
Após a manifestação de Gail, houve um momento de silêncio entre ambos. O de Abigail era pensativo, ao passo que o de Harry, tenso.
- Posso ir ver a tia ? – pediu, com os olhos verdes brilhando de alegria.
- Claro, Gail – Harry sorriu, beijando o topo da cabeça da afilhada e deixando que ela escorregasse de seu colo para o chão e saísse correndo como um foguete de sua sala, esbarrando em um Tom surpreso.
- Oi, tio Tom! – Abigail berrou, sem interromper sua corrida até o outro extremo do corredor.
Tom observou Abigail se afastando, sem ter tempo de responder ao cumprimento.
- O que Gail está fazendo aqui? – perguntou, surpreso – Está tudo bem com a ?
Harry revirou os olhos, cruzou os braços e soltou o ar, em uma bufada irritadiça.
- Epa! – Tom arregalou os olhos, entrando na sala e fechando a porta com cuidado às suas costas – Conheço essa linguagem corporal! Não. Por favor, diga-me que você não terminou com ela, Harry.
- Eu não terminei com ela – Harry resmungou, desviando o olhar.
- Certo. Isso foi bem crível – ironizou Tom, sentando-se em uma das cadeiras de frente à sua mesa.
- É verdade. Eu não terminei com ela. Nós estávamos brigando. Foi meio mútuo – rosnou, lançando um olhar para Tom que deixava claro que ele não estava à vontade para falar sobre o assunto.
- Meio mútuo? – Tom ecoou – Como um término de namoro pode ser “meio mútuo”?
- Tom! – Harry grunhiu, esfregando o rosto com as mãos – Nós brigamos, okay? Ela estava com ciúmes, porque viu uma foto minha com uma loira qualquer, em um bar qualquer, e enquanto ela berrava sobre como eu tinha traído ela... O que eu não fiz, e você sabe... Ela soltou que Elizabeth Quentin tinha razão.
Tom soltou o ar, exasperado.
- Tenho certeza de que ela disse sem querer – murmurou, sabendo que de todas as coisas que poderia ter dito, aquela, sem sombra de dúvidas, era a pior.
Harry meramente ergueu as sobrancelhas e inclinou levemente a cabeça.
- Que seja – ele resmungou – A questão é que...
A porta se abriu e Danny e Dougie entraram.
- Por que a Abigail está aqui? A está doente? – perguntou Danny, preocupado.

X


- Oi, tia ! – berrou Abigail, correndo até a mulher e a abraçando – Eu estava com saudades de você!
sorriu e abraçou a garotinha de volta; só cerca de dois segundos depois de ter pegado Abigail no colo foi que a mulher ligou os pontos.
- O que está fazendo aqui? O que aconteceu com a ? – perguntou, franzindo o cenho.
- Ah. Ela tinha coisas mais importantes para fazer – Abigail deu de ombros.
- Coisas importantes para fazer? – piscou os olhos , confusa – Que coisas importantes?
- Não sei – Abigail franziu o cenho, estranhando as perguntas – Mas o tio Harry deve saber, pergunta para ele.
ficou impassível por alguns segundos, observando o rosto sorridente da garotinha, enquanto sentia o seu interior fumegar de raiva.
- Certo – ela murmurou, tentando controlar sua voz, para não transparecer seu ódio – Vamos fazer o seguinte? – sentando Abigail em sua mesa, a executiva pegou um papel rascunho e algumas canetas coloridas, colocando-as na mesa, em frente à garotinha – Por que é que você não me desenha um lindo... Er... Unicórnio... Enquanto eu resolvo algumas coisinhas, huh?
- Tá bom! – Abigail sorriu, já destampando duas canetas, uma azul e outra, verde – Vou fazer um unicórnio de duas cores para você, tia .
- Okay, tenho certeza que vou amar – respondeu, caminhando a passos determinados e firmes em direção à saída de sua sala – Voltarei antes que você possa sentir a minha falta.

X


- Como assim, ‘coisa mais importante para fazer’? – perguntou , perplexa, enquanto equilibrava o celular entre o ouvido e o ombro e tentava engolir seu almoço antes do paciente da uma hora da tarde.
- Eu não sei – mordiscou o lábio inferior, tentando manter sua voz normal e tranquila – Eu entendo ele não me querer por perto, mas o mínimo que eu esperava é que ele ao menos fosse ter a dignidade de me avisar disso, sabe? Ter que descobrir pela Gail foi horrível.
- Não fique assim – pediu, enquanto enfiava uma folha inteira de alface dentro da boca e mastigava, pensativa – Ele está sendo uma criança imatura. Sinceramente, não vale a pena ficar magoada por causa dele.
- Não estou magoada por causa dele, grunhiu, sentando-se no sofá da sua sala, com um suspiro – Eu adoro a Gail! E ele está tirando ela de mim! E eu devo simplesmente ficar parada, assistindo isso?
- Por enquanto, sim – respondeu, decidida – Dê tempo ao tempo, ! Não apresse as coisas e nem tente resolvê-las. Pode acabar piorando tudo.
Houve um breve instante de silêncio na linha, que era interrompido apenas pelo ocasional som de mastigando algo.
revirou os olhos; deveria já ter aprendido que não havia maneira de ganhar uma discussão com sua melhor amiga.
- Você está certa – cedeu, com um suspiro vencido.
- Lógico que sim – rebateu, de forma afetuosa – Escute, hoje você vai dormir em casa, está bem?
- Okay, que horas você sai do trabalho? – perguntou a professora, em um fio de voz.
moveu o pulso, fazendo com que a manga de sua blusa escorregasse, revelando seu relógio de pulso.
- Minha última consulta é às quatro. Então, você pode vir me buscar de carro, o que acha? – sugeriu a psicóloga.
- Parece um plano – sorriu.
ouviu o sininho que deixava na porta do consultório, anunciando que seu paciente chegara. Olhou de forma desejosa para os restos de sua refeição, que não teria tempo de comer, e rapidamente escondeu o prato dentro de sua terceira gaveta, que ficava sempre vazia para essa finalidade.
- Tenho que desligar – suspirou – Se cuida, está bem?
- Okay – sorriu – Boa consulta.
As duas desligaram e ficou observando o celular na sua mão, pensativa. Depois, ergueu os olhos relutantes e olhou em volta, analisando cuidadosamente a sua casa.
Tinha que arranjar alguma coisa para fazer até as quatro horas da tarde, mas a verdade era que depois de mais de um mês passando as tardes na casa de Harry Judd, ela nem conseguia se lembrar como passar as tardes em sua própria casa.
O que era ridículo.
pegou uma de suas almofadas e escondeu seu rosto nela, abafando um berro frustrado.

X


A porta da sala de Harry abriu-se com violência, fazendo com que os quatro homens que ocupavam o recinto dessem uns pulinhos em seus lugares, sobressaltados.
- Vocês três – apontou para Tom, Dougie e Danny – Fora. Preciso trocar algumas palavrinhas com o Judd.
- Uuuh... – Danny comentou, divertido – Ela te chamou pelo último nome, acho que... – interrompeu-se ao perceber o olhar assassino que a mulher lançou em sua direção – Acho que eu vou indo. É. Liga se você precisar de alguma coisa, cara, tipo... Uma carona até o pronto socorro.
Aproveitando a deixa, Tom e Dougie também resmungaram alguma desculpa amedrontada e passaram correndo por , que fechou a porta às suas costas com um baque surdo que fez-se ouvir por todo o corredor.
Harry revirou os olhos, já se preparando para mais um sermão a favor de como ele poderia deixar sair de sua vida, sendo que ela era linda, doce, meiga, interessante, inteligente e adorava Gail.
Bem, nenhum deles estivera lá para ver o quão linda, doce, meiga e adorável ela estava durante sua crise psicótica de ciúmes assassino.
- O que você pensa que está fazendo? – rosnou, aproximando-se dele.
- Faz vinte minutos que estou tentando finalizar o meu parecer sobre o Crazy Heads – ele respondeu – Mas estou sendo constantemente interrompido por pessoas que estão mais interessadas na minha vida pessoal do que em fazer o trabalho delas, dentro dessa gravadora – ele falou essa última parte de forma enfática, lançando um olhar significativo na direção de .
A mulher estreitou os olhos na direção do homem e ignorou o aviso.
- não tem nada de mais importante para fazer. Eu sei disso, porque ela estava contando com o fato de que ficaria com a Gail à tarde para conversar com você sobre ontem – ela sibilou.
Harry revirou os olhos, novamente, e cruzou os braços, observando .
- , eu não quero falar com ela – ele respondeu – Não importa o que ela possa dizer hoje, nada pode apagar o que ela disse ontem. Ela disse que acha que a Quentin está certa, que eu não tenho maturidade, nem responsabilidade, para ficar com a Gail! Então, honestamente, não preciso dela na minha casa. Vou provar que posso, sim, criar a Gail sozinho!
- Você não pode simplesmente parar de falar com ela, Harry! – exasperou-se – Vocês tinham um relacionamento! Não pode simplesmente resolver que isso não existe mais! Da última vez que eu chequei, você tinha vinte e cinco anos de idade, não quatro.
- O que é bem irônico, vindo de uma mulher que renomeia os contatos de caras com quem ela saiu para ‘Não Atender insira-o-número-aqui’ – Harry resmungou, cruzando os braços com ainda mais força, de forma que os músculos se sobressaltaram contra a camisa social que usava.
- Como é que é?! – sibilou, inclinando-se sobre a mesa, até que estava perigosamente próxima de Harry.
- O Tom me contou – Harry rosnou de volta, sustentando o olhar da amiga – E quer saber, ? O Tom poderia sentar aqui e ficar horas dando sermões para mim sobre relacionamentos estáveis e funcionais, mas eu honestamente acho uma hipocrisia do caralho você ficar aqui na minha frente falando como eu deveria ou não me comportar durante um relacionamento, sendo que o mais longo que você teve deve ter durado, o quê? Vinte e duas horas, mais ou menos?
Os olhos de se arregalaram, em choque, e ela teve que morder a língua com força para evitar dar uma resposta à altura para Judd. Respirou fundo duas vezes, enquanto tentava organizar seus pensamentos e formular qualquer frase que não fosse ofender a adorável senhora Emma Judd.
- Okay, Judd – rosnou, afastando-se com esforço da mesa – Você está certo. Faça as coisas do seu jeito – deu as costas e começou a caminhar em direção à porta, a passos rápidos.
Assim que pisou no corredor, fechou a porta com tanta força que as paredes de vidro pareceram balançar. Tom, sobressaltado, apareceu na porta de sua sala.
- O quê...?
- Vai se foder, Fletcher – rosnou, parando perigosamente próxima dele, segurando-o pela camisa – Vai se foder e nunca mais fale sobre mim para ninguém, escutou? Seu porco fofoqueiro.
Largou-o e caminhou como uma tempestade até sua sala.

X


- Você contou para ela sobre o negócio dos contatos? – Tom ofegou, puxando os próprios cabelos em desespero – O que você tinha na cabeça, Harry? Você sabe o que vai acontecer agora? Ela vai, ela vai... Ela vai arrancar minha masculinidade, e depois vai fritar ela como uma banana e me obrigar a comê-la! Eu te contei em confidência, você sabe o que isso significa?
Harry massageava a própria têmpora; sim, ele reconhecia que tinha sido desnecessariamente grosso com , mas ninguém era de ferro.
E fazia mais de uma hora que ele não conseguia ter um segundo de tranquilidade, desde que Gail pisara na gravadora.
Por que, repentinamente, todo mundo se sentia um juiz apto a palpitar na vida dele?
-... E você acha, o quê? Que vai parar aí? – Harry gemeu por dentro, ao perceber que Tom ainda reclamava – Não, ela provavelmente vai começar a matar todos que eu amo, gravando em um DVD. Imagine as coisas terríveis que ela vai fazer ao Marvin! E depois, ela vai me fazer assistir ao DVD, enquanto me mata. Não, ela vai me fazer assistir ao DVD enquanto ela me obriga a comer minha masculinidade frita. Depois, ela vai me deixar preso em uma sala, tocando Justin Bieber para sempre. Harry, olha o que você fez com a minha vida!
Harry colocou-se de pé e começou a caminhar na direção de Tom, que continuava reclamando e criando hipóteses absurdas sobre o que aconteceria com ele, agora que sabia que ele tinha dado com a língua nos dentes.
- Aposto como ela vai começar a apresentar a Gio para todos os ex-namorados gostosões dela, e... Harry? O que você está fazendo? – Tom perguntou, perplexo, quando Harry fechou as mãos com firmeza em volta de seu cotovelo e começando a puxá-lo em direção à porta da sala – Harry, o quê...? Espera aí, cara, você não pode simplesmente me expulsar da sua sala, depois de ter arruinado a minha vida.
Harry continuou em silêncio, uma veia pulsando em sua têmpora de forma preocupante.
Ele jogou Tom porta a fora, fechou-a com um estrondo, antes que o amigo pudesse correr novamente para dentro, trancou-a com as chaves e começou a caminhar em direção a sua mesa.
Tom começou a bater na parede de vidro, berrando, embora a parede fosse à prova de som e fosse impossível identificar o que o loiro falava do outro lado.
Enfim, paz.
Harry colocou o fone de ouvido e, enquanto ouvia o som um pouco sem harmonia e amador de Crazy Heads, continuou a escrever seu parecer.

X


Harry estava trabalhando há mais de três horas quando percebeu um vulto ruivo do lado de fora da parede de vidro. Ergueu os olhos e viu Abigail acenando para ele e apontando para a porta, como quem pede para que ele a abrisse para ela.
O homem prontamente colocou-se de pé, xingando-se internamente por ter se esquecido de Gail; destrancou a porta e recebeu o abraço da garota.
- Oi, Gail, desculpe! – ele disse, pegando-a no colo – Eu estava tão entretido no trabalho! Você deve estar morrendo de fome!
- Não – Gail negou, balançando a cabeça de um lado para o outro – A tia me deu almoço – sorriu.
Harry sentiu um peso no estômago, algo muito parecido com culpa. Não só ele havia se esquecido de sua afilhada, como a pessoa que havia cuidado dela tinha sido aquela com quem ele discutira horas atrás.
- Bom, que bom que temos a tia , né? – ele sorriu, sentando-se à mesa com a garotinha – E então, o que você me conta de bom?
Gail fez uma cara de pensativa, e então arregalou os olhos.
- Puxa, quase esqueci – tirou um pedaço de papel dobrado de dentro do bolso da blusa de frio – O tio Tom pediu para eu te entregar isso.
Pensativo, Harry pegou o papel e o abriu, vendo a letra caprichada e gorducha de Tom:
“Harry,
Seu imenso cuzão, espero que você apodreça no inferno.
Atenciosamente,
Tom”.

- O que está escrito? – Gail tentou ler, mas Harry foi mais rápido e dobrou novamente o papel – O que era, tio Harry? O tio Tom me fez prometer que eu não leria antes de entregar para você! Posso ler agora?
Harry deu um sorriso amarelo e jogou a carta no lixo.
- Melhor não – respondeu – Por que não vai fazer a lição de casa, enquanto eu termino o que tenho que fazer e, então, vamos para casa?

X


e tiveram uma pequena mudança de planos.
Ao invés de comer pizza, tomar vinho e assistir os três filmes de terror que a psicóloga tinha alugado para combater a depressão pós-término de relacionamento da amiga, elas tiveram que vestir seus casacos e botas novamente e caminhar por três quarteirões até chegarem ao PetHouse, a petshop mais próxima, para comprar ração para o Tiesto.
Não era o mesmo que ficar enrolada em dois cobertores, escondendo o rosto no travesseiro toda vez que a trilha sonora desse a entender que um susto aconteceria em breve, mas até onde tocava , ficar observando fileiras e fileiras de ração para gato era distrativo o suficiente para manter seus pensamentos longe de Harry Judd por alguns segundos.
Pegou uma das latinhas ao acaso e observou-a com um leve interesse.
- Espinafre? – perguntou, erguendo as sobrancelhas – Você está falando sério? Existe ração de espinafre?
desviou os olhos das rações que tinha em mãos.
- Sim, mas é horrível. O Tiesto detesta e eu realmente não o culpo, o gosto é terrível – a psicóloga fez uma careta.
observou a amiga com uma expressão neutra por alguns instantes.
- Você... experimentou... ração para gato... de espinafre – murmurou, como se falando as palavras vagarosamente fosse, de alguma forma, transformar aquela situação em algo racional e aceitável.
- Eu experimento todas as rações que compro para o Tiesto! – respondeu, perplexa, como se o simples pensamento de não fazê-lo fosse absurdo – Ele é um gato muito exigente, sabia?
balançou levemente a cabeça.
- Como é que te deram licença para tratar de seres humanos? – questionou, rindo.
Nesse instante de distração, ela esbarrou em uma pessoa que estava ao seu lado.
- Sinto muito – disse, virando-se para a pessoa, e congelou ao perceber de quem se tratava – Tom! Oi!
Tom arregalou os olhos, também surpreso com a presença da professora.
- ! Oi! – ele a abraçou, de forma carinhosa e um pouco desajeitada – Ah... O que você faz aqui? Tem um animal de estimação?
- Ah... Não. – ela sorriu, apontando para , que estava ajoelhada atrás dela, vasculhando o conteúdo das prateleiras debaixo das gôndolas, por algum sabor de ração que satisfizesse as vontades de Tiesto – tem um gato. O Tiesto. Estamos comprando ração para ele.
- Legal. Eu também! – ele sorriu, erguendo de leve o braço e indicando a cesta repleta de latinhas de ração – O estoque de ração está acabando e o Marvin pode ser bem... particular... quando está com fome.
- Eu sei como você se sente – entrou na conversa, enquanto colocava mais algumas latinhas de ração dentro da própria cesta – Tiesto fica muito mal humorado. Oi, Tom!
- O Tiesto é sempre mal humorado – resmungou.
- É porque você nunca se deu ao trabalho de conhecê-lo direito – rebateu.
- Porque eu tenho medo que ele roube a minha alma quando eu fizer isso – retrucou, voltando-se para Tom em seguida – O gato dela é demoníaco.
revirou os olhos e indicou a melhor amiga com um aceno de cabeça.
- E depois ela não sabe por que o Tiesto fica rosnando para ela durante a noite. Eu vou aproveitar que estamos aqui e comprar shampoo para ele.
Saiu com a cesta pelo corredor e virou a esquina, deixando Tom e sozinhos.
- Então... – Tom murmurou, parecendo desconfortável. Pigarreou e voltou a atenção para as intermináveis prateleiras repletas de latinhas coloridas, cada uma indicando um sabor.
- O Marvin gosta de espinafre? – perguntou, oferecendo a lata.
- Sabe que eu não sei? Vou levar para casa – Tom decidiu, aceitando a latinha e colocando-a em sua cesta; os dois trocaram um sorriso e logo o homem ficou sério de novo – , escute... Eu sinto muito por vocês.
- Ah... A gente não precisa falar sobre isso. É sério – ela deu um sorriso agradável ao dizer isso, mas algo no brilho de seus olhos parecia transmitir um aviso.
- Eu sei, mas eu quero que você saiba que eu nunca o vi assim antes – Tom continuou, evitando fazer contato visual com a professora – O Harry, ele... ele é muito diferente de todos nós nesse ponto. Ele sempre teve uma vida tranquila, numa família estável, então, quando as coisas não vão exatamente como ele quer, ele não sabe muito bem como lidar com esse sentimento.
continuou em silêncio, porque achava que se fosse tentar falar qualquer coisa, desabaria em lágrimas. E esse era um luxo ao qual ela não poderia se dar a essa altura do campeonato e na frente de um dos melhores amigos de seu ex-namorado.
- Acho que o que eu quero dizer é: eu sei que tá tudo uma bosta. Mas vai melhorar.
Os dois ficaram em silêncio por alguns instantes.
- O que quer dizer melhorar? – perguntou , a voz um pouco acima de um sussurro, pois temia que entregasse o fato de que estava quase às lágrimas – Quanto tempo eu tenho que esperar? E a Gail? Hoje eu fiquei sozinha em casa, e eu senti tanta falta dela que parecia que meu coração ia se partir em milhões de pedaços.
Tom assumiu uma expressão compreensiva e envolveu os ombros de com seu braço livre, puxando-a para perto.
- Não sei quando, nem como, nem onde, nem por que. Mas vai melhorar. Acredite em mim.
Nesse instante, a voz de fez-se ouvir do outro lado do corredor, chamando para acompanhá-la até o caixa, e a professora aproveitou a oportunidade para escapar daquela conversa que estava praticamente empurrando-a de volta para o fundo do poço.
Quando elas entraram na fila para o caixa que, estranhamente, estava longa para um fim de tarde, estava absorta em seus próprios pensamentos, enquanto fingia ler o rótulo de uma das latinhas de ração que selecionara.
Foi desse jeito que ela não percebeu quando esbarrou com a lata nas costas do sujeito que estava parado na sua frente; ele se virou e ela arregalou os olhos, reconhecendo mais uma pessoa dentro daquela loja.
Os cabelos cor de areia e olhos claros eram simplesmente marcantes demais.
- Senhorita , que surpresa! – o doutro Lance Rosswell sorriu, parecendo verdadeiramente surpreso em encontrá-la.
- Ah. Doutor Rosswell. Olá – ela respondeu, sentindo-se desnorteada.
Esse pet shop era o point da cidade, ou coisa assim?
- Como estão Abigail e Harry? – ele perguntou, educadamente.
queria cavar um buraco no chão e se enterrar ali, antes que encontrasse com Emma e Christopher Judd comprando alpiste para papagaio no corredor ao lado.
- Eu não sei, de verdade – ela respondeu, enquanto andavam para acompanhar a fila – Harry e eu terminamos.
O médico arregalou os olhos e abriu a boca por alguns instantes, mas fechou-a em seguida, enquanto as maçãs das bochechas se tingiam de um tom escuro de vermelho.
- Sinto muito por isso – ele optou por dizer, afinal, mal conseguindo encarar a professora nos olhos.
- Não tem problema – forçou um sorriso, tentando fazer parecer que realmente não se incomodava com a situação – Acontece.
Desconcertado, o médico virou-se para frente bem na hora que um dos caixas ficou disponível; ele encaminhou-se até o local com sua cesta de ração para cachorro.
- Caramba – suspirou – Parece que todo mundo resolveu reforçar o estoque dos animais de estimação no mesmo dia.
- É – forçou um sorriso, mas não conseguia acreditar em seu próprio azar: tudo o que ela queria era um pouco de distração e conseguira encontrar em duas pessoas que fizeram com que seus pensamentos voltassem ao término de seu relacionamento com Harry Judd.
As duas pagaram as quase vinte latas de ração para gato que selecionara a dedo para Tiesto e saíram do pet shop de braços dados, andando rápido, enquanto fumaças de vapor saíam de seus lábios.
- Ah! ! – um berro fez-se ouvir atrás das duas amigas, que se viraram a tempo de ver Lance Rosswell correndo em sua direção. Ele estava ofegante, quando finalmente as alcançou e teve que se dobrar um pouquinho, para recuperar o fôlego.
e o observavam com expressões de surpresa.
- Está tudo bem, doutor? – quis saber , aproximando-se levemente.
- Sim! – ele sorriu, sem graça, endireitando-se – Sim, eu... – ele estava voltando a corar – Senhorita ... . Eu poderia, por favor, falar com você em... er... particular.
ergueu as duas mãos e apontou para a banca, a alguns metros de onde estavam, indicando que esperaria pela amiga lá.
observou a amiga se afastar com os olhos arregalados e depois voltou-os para o médico à sua frente.
- Ahn... sim? – ela perguntou, sentindo sua voz estranha em seus ouvidos.
- Eu... eu não sei muito bem como dizer isso – ele começou, passando as mãos pelos cabelos cor de areia e dando um sorriso largo que fez seus olhos claros brilharem um pouco mais – E eu sei que é recente, quero dizer, deve ser. Tendo em vista que até ontem você e o senhor Judd estavam... – ele pigarreou e prosseguiu, puxando a carteira de frente do bolso da calça – A questão é... aqui está o meu cartão. Se você quiser fazer alguma coisa. Algum dia.
sentia seu coração bater com força, aceitou o cartão e ficou segurando-o por alguns instantes, estática.
- Doutor Rosswell, eu... – ela começou, hesitante.
- Não – ele a interrompeu, dando um sorriso gentil – Não precisa me dar o fora agora. Você não tem ideia de quanta coragem eu precisei juntar para fazer isso. Se não quiser, não me ligue, e só.
abriu a boca para retrucar, mas fechou-a em seguida, dando um sorriso envergonhado e concordando com um aceno discreto de cabeça. Esse gesto fora respondido por um sorriso mais relaxado do médico.
- Bom. É... Boa noite, . Espero que nos vejamos em breve – eles trocaram um último olhar antes de ele girar nos calcanhares e voltar a caminhar na direção contrária.
Quando chegou à banca em que estava, sentia-se entorpecida. Aquele fim de tarde fora realmente surpreendente.
- E então, o que o médico queria? – perguntou , enquanto entregava uma nota de dez libras para o jornaleiro, em troca de algumas revistas.
- Ele me chamou para... – seus olhos encontraram a capa de uma revista; nela, uma mulher loira dava um sorriso largo e as palavras garrafais “SAIBA TUDO SOBRE A MISTERIOSA SENHORA JUDD” se destacavam -... um encontro.
A professora pegou a revista e encarou-a por alguns instantes, mas antes que pudesse folheá-la, arrancou-a de suas mãos com um movimento brusco, devolvendo-a ao seu lugar.
- , não. Não vou deixar você fazer isso com você mesma. Vem, vamos embora. E conte-me mais sobre o médico gracinha – pediu, puxando a amiga pelo braço para longe da banca e da revista.

X


Harry estava cozinhando uma sopa, enquanto Abigail estava jogada no sofá, assistindo televisão e rindo das palhaçadas que os personagens de Lazy Town faziam na tela.
Agora que estava mais calmo, começava a se sentir mal por tudo o que fizera aos seus amigos: sabia que eles não tinham culpa pelo que ele estava passando, mas o fato de que todos estavam em cima dela, pressionando-o, exigindo explicações e justificativas, simplesmente o tirara do sério.
Resolveu que pediria desculpas a todos, no dia seguinte.
Retirou um pouco do conteúdo da sopa com a colher que usava para mexê-la e experimentou-a, com uma expressão cética; não era o melhor cozinheiro e depois que assumira a cozinha, ele havia se dado ao luxo de não mais se preocupar com seus dons culinários.
Agora, a situação era outra.
Sentiu a sopa queimar sua língua e fez uma careta, mas resolveu que ela estava com um gosto satisfatório. Com cuidado e a ajuda de uma concha, ele colocou porções generosas do líquido dentro de duas canecas grandes e arrumou-as em cima de uma bandeja, munindo-a também com talheres e alguns guardanapos.
- O jantar está pronto! – ele exclamou, vindo da cozinha e caminhando cuidadosamente até o sofá, posicionando a bandeja sobre a mesa de centro – Agora, desligue a televisão para que possamos comer.
- Ah, mas está na melhor parte do desenho! – choramingou a garotinha, fazendo bico.
Harry ergueu as sobrancelhas.
- A última vez que eu deixei você comer enquanto assistia desenho, você deixou cair tudo e sujou toda a sua cama – lembrou-a.
- Eu sei, mas eu era uma criança naquela época – rebateu a menininha, cruzando os braços.
- Gail, isso aconteceu semana retrasada – ele retorquiu, controlando-se para não rir da situação.
- Isso mesmo! Já faz muito tempo, estou muito mais mocinha agora – ela franziu o cenho, contrariada.
Harry observou a garota atentamente; ela era teimosa e obstinada, como o pai. E ele teve anos de convivência o suficiente com aquele loiro cabeça dura para saber que, neste caso, a melhor tática era mudar o argumento e tentar o convencimento por outro caminho.
- Está certo, é verdade – o homem cedeu – Mas eu queria conversar com você enquanto comemos. Isso é muito difícil com a televisão ligada.
Abigail observou-o atentamente, os olhos verdes analisando cuidadosamente o padrinho. Lentamente, e com os olhos ainda presos no homem, ela começou a tatear o sofá ao seu lado, até que suas mãozinhas esbarraram no controle. Ela segurou-o, parecendo tão grande em suas mãos pequeninas, e apertou o botão verde, fazendo com que a imagem colorida repentinamente fosse substituída pelo nada.
- Vamos falar sobre o quê, então? – perguntou, escorregando do sofá para o chão e sentando-se ao lado do tio, que já lhe entregou uma colher.
- Por que não começa me contando como foi o seu dia? – sugeriu Harry.
Abigail fez uma expressão pensativa.
- Passamos o dia todo juntos, você sabe o que eu foi meu dia.
- Teve o tempo que você passou com a tia – lembrou-a – Não estava com você aí, estava?
Os olhos verdes de Abigail se arregalaram e ela concordou com um aceno de cabeça.
- É verdade, tio Harry – ela ficou em silêncio, mexendo sua sopa enquanto parecia repassar os momentos que passara com em sua cabeça – Fomos comer no Subway, foi bem legal. Mas a tia tava bem brava hoje.
- Ah, é? - Harry ergueu as sobrancelhas – Como assim?
- É, não sei o que aconteceu, mas ela ficava resmungando o tempo todo. E falando palavras feias – ela sussurrou a última parte.
Harry engoliu em seco e sentiu um misto de desespero e culpa: sabia que teria que se desculpar, mas não tinha parado para considerar que talvez seus amigos não estivessem dispostos a lhe perdoar.
E, naquele instante, aquele pensamento lhe ocorreu.
E se ele tivesse ultrapassado todas as barreiras com e ela nunca mais o perdoasse por sua grosseria?
Mas resolveu não se preocupar com isso naquele momento.
- E a sopa, como está? – ele perguntou, enquanto sorvia um pouco do conteúdo de sua colher.
Abigail fez um biquinho, considerando a questão.
- Está gostosinha – murmurou, por fim – Mas a da professora é melhor.
E lá estava de novo: de volta em seus pensamentos.
Quanto tempo demoraria até que ele esquecesse que tudo aconteceu? Uma semana, um mês, um ano?
- Ah, tio Harry, não fica triste – Abigail inclinou-se, colocando a mãozinha sobre a mão do homem, que estava sobre a mesa de centro – A sopa da professora é melhor, mas tem outras coisas que você faz melhor que ela! Como cantar!
Harry forçou um sorriso e puxou a garota para um abraço.
- Você é a única mulher que eu amo, Gail – disse, de forma afetuosa, dando um beijinho no topo de sua cabeça.
- Não se esqueça da professora ! – Abigail guinchou contra seu peitoral.
“É justamente o que estou tentando fazer”, ele pensou.

X


Assim que chegou em seu apartamento, a primeira coisa que fez foi dar comida para Dourado e conversar com ele sobre seu dia: foi bem explícita a respeito de todos os adjetivos que acreditava se encaixarem com Harry e explicou como ele estava sendo cretino, não apenas com , sua nova amiga, como também com todo mundo que o cercava.
Depois disso, ela tomou banho e vestiu um pijama confortável, sentando-se em sua cama e preparando-se para ler um pouco antes de dormir. Mas, ao invés de alcançar o livro que estava ao seu lado, ela pegou o celular que estava na cabeceira de sua cama e ligou para .
- Alô? – a voz de fez-se ouvir do outro lado da linha.
- Olá! – respondeu – Como estão as coisas? Está com a aí?
- Estou, ! – a voz de surgiu – Estamos com saudades! Por que não está aqui conosco, ajudando-me a esquecer do Harry?
revirou os olhos ao ouvir o nome do homem, sentindo seu sangue ferver. Ah, se ela não fosse uma pessoa civilizada...
- Eu tenho um peixe, você sabe – ela murmurou, cruzando os braços – Não posso negligenciá-lo para sempre - ouviu as duas amigas rindo e sentiu-se um pouco melhor por isso – De qualquer forma, não quero mais ouvir falar no Harry pelos próximos dois séculos.
Houve um breve silêncio do outro lado da linha.
- O que aconteceu? – perguntou .
- Ah, ele está sendo um escroto com todo mundo. Está descontando a frustração do relacionamento de vocês ter ido água abaixo em todos nós, não aguentamos mais. Precisei de todo meu autocontrole para não bater com a cabeça dele contra a mesa vezes o suficiente para que o cérebro escorresse pelas narinas – bufou.
Uma nova pausa, dessa vez sensivelmente mais longa que a anterior.
- Ahn... okay. Sinto muito por isso... acho – a voz relutante de veio do outro lado da linha.
- Está tudo bem – resmungou.
- Ah! Conta para ela, ! exclamou, repentinamente.
- O quê? – quis saber a executiva, curiosa.
- Ai, não é nada... parecia envergonhada, pelo tom de voz – É que... uma coisa muito estranha aconteceu hoje.
- O quê? Pare de fazer mistério, odeio isso. Conta de uma vez! – reclamou .
- Tá certo. Desculpa. Você se lembra do doutor Lance? Aquele que cuidou da Abigail, antes de ontem?
- O médico gracinha? – questionou , recordando-se da imagem atraente do homem.
- É... Acho que sim parecia mortificada – Esbarramos com ele hoje, no pet shop. E... ele meio que... me chamou para sair. considerou a questão por alguns instantes.
- E você disse que sairia, certo? – perguntou.
- Ah... eu não disse nada, na verdade. , acabei de sair de um relacionamento, e eu não me sinto preparada para entrar em outro assim, logo em seguida – a professora argumentou.
franziu o cenho.
- E alguém aqui falou em relacionamento? Estou falando em sexo ardente e selvagem com um médico gostoso e atraente. Vai ver que beleza de remédio que isso vai ser para essa sua foça aguda.
- , eu não estou afim de sexo ardente e selvagem agora! exclamou, horrorizada, mas era possível ouvir as gargalhadas de ao fundo.
- Okay, pode ser um sexo doce e gentil, também. Qualquer coisa. Apenas saia com o cara, você vai ver como isso vai te ajudar. Além do mais, o Harry não merece que você fique choramingando pelos cantos por causa dele.
- Você é louca e eu vou desligar agora. Boa noite riu, e berrou um “boa noite” do fundo.
- Boa noite – respondeu, desligando o celular.
Acendeu a lamparina ao lado de sua cama e abriu seu livro, com um sorriso nos lábios; ter amigas era difícil, confuso e cansativo, mas valia cada segundo.

X


Dougie acordou com o barulho da campainha; abriu os olhos e sentou-se na cama.
Demorou cerca de dois segundos para perceber que não estava em seu quarto, no seu luxuoso apartamento em Londres, mas no seu quarto apertado e bagunçado em Essex.
- Que diabos...?! – mas antes que conseguisse concluir sua frase, a campainha tocou de novo, mais estridente e insistente, desta vez.
Ele chutou os lençóis e sequer estranhou o fato de que sentia calor, ao invés do frio que o inverno deveria trazer consigo. Assim que pisou fora do seu quarto, percebeu que Harry estava atendendo a porta.
Por que Harry estava na sua casa?
- Onde você estava? – uma voz feminina fez-se ouvir e Dougie arregalou os olhos, perplexo.
- Isso não é da sua conta – Harry respondeu, secamente.
Rapidamente, Dougie atravessou a distância que separava ele de Harry e da porta; estava parada do outro lado, usando um vestido roxo e all-star preto; Dougie percebeu que, estranhamente, Harry usava uma bermuda e uma blusa do Blink-182.
Entretanto, o que era mais estranho nisso tudo, não era o fato de que eles estavam vestidos desta forma, mas o fato de que toda aquela situação lhe parecia estranhamente familiar.
- Não é da minha conta?! – ecoou, parecendo magoada e irritada – Eu estava esperando por você! Eu fiquei por duas horas parada, sozinha, no meio do baile!
Dougie arregalou os olhos e seu queixo caiu levemente, formando uma expressão de espanto. Ele precisava impedir Harry, antes que ele dissesse...
- Bem, sinto muito por isso – o homem retrucou, cruzando os braços – Acontece que...
- NÃÃÃO! – Dougie berrou, correndo e colocando-se no meio dos dois, agitando os braços e tentando fazer com que o amigo prestasse atenção nele e não continuasse a frase que ele sabia que terminaria com tudo – HARRY, NÃO FAÇA ISSO!
-... Eu percebi que isso – Harry continuou, olhando através de Dougie, e gesticulando entre ele e – é um erro. Não temos futuro, você não entende?
Quando Dougie percebeu que seus esforços seriam em vão, virou-se na direção de , mas ficou paralisado ao perceber que não era mais a professora de cabelos que estava lá, mas a sua , com os olhos cheios de lágrimas, parecendo perdida e confusa.
- O que você quer dizer com isso? – perguntou, a voz saindo um pouco mais alta que um suspiro.
Dougie abriu a boca, queria poder dizer qualquer coisa que pudesse impedir aquele cenário. Queria pedir desculpas agora e falar que só estava com raiva na hora, mas que em momento algum ele realmente achara que não existia futuro entre eles dois, mas Harry, atrás dele, repetiu as cruéis palavras que ele mesmo pronunciara, anos atrás.
- Eu quero dizer que nós somos de mundos diferentes. O que você tem na cabeça para pensar que nós poderíamos ser mais do que dois adolescentes idiotas trocando beijinhos escondidos da sua família? – Dougie fechou os olhos, odiando Harry por dizer aquilo, mas odiando ainda mais a si mesmo por ter pronunciado aquelas mesmas palavras anos atrás – É melhor terminar essa idiotice aqui, antes que alguém se machuque.
abaixou a cabeça e mordiscou o lábio inferior, tentando controlar as lágrimas.
- Idiotice... antes... que alguém se machuque... – ela repetiu, baixinho, fungando – Está certo.
Ela ficou assim por alguns instantes e Dougie tentou esticar os braços e alcançá-la, mas sua mão a atravessou. Depois de alguns instantes que pareceram eternidades, ela simplesmente deu as costas para ele e saiu andando, rápido, afastando-se.
E embora o Dougie daquela época não soubesse, este, que assistia a tudo, sabia que essa seria a última vez que a veria.
Fechou as mãos em dois punhos e virou-se, pronto para dar uns bons murros em Harry, mesmo que o amigo não fosse sentir, mas deparou-se com os seus próprios olhos azuis encarando-o de volta.
Via raiva, mágoa, desprezo e ódio neles.
E, nesse momento, Dougie acordou, o peito subindo e descendo com sua respiração acelerada e sentindo todo o corpo tremer.
Dessa vez, ele estava em seu apartamento, em Londres.

X


Harry trocou sua roupa por um pijama e sentou-se em sua cama, resgatando o celular do bolso de sua calça jeans. Destravou as teclas e abriu seus contatos, observando por alguns instantes o nome “” em letras pretas e negritas.
Em seguida, ele abriu a opção “enviar mensagem”; quando as linhas em branco surgiram, ele as observou por mais algum tempo, até que seus dedos começaram a deslizar sobre o visor de seu iPhone.
, eu”, ele digitou. Parou, observou o visor por mais algum tempo e depois deletou as duas palavras e suspirou.
Que merda.
Desculpe por”, apagou novamente e jogou-se de costas na cama, soltando um resmungo frustrado.
Desde quando escrever uma mensagem era tão difícil?
Acho que é melhor desse jeito”, digitou e enviou, antes que fosse forçado a rever a mensagem e apagá-la.
Observou o aviso de mensagem enviada e deitou-se na cama, fechando os olhos com força.
- Muito maduro, Juddy – a voz familiar de Charlie sussurrou em seu ouvido – Estou emocionado.
- Cala a boca e me deixa em paz – Harry resmungou de volta, sem abrir os olhos.
Ele não saberia dizer se o amigo falecido desapareceu ou não, visto que não abriu os olhos para verificar, mas nenhuma outra palavra foi dita aquela noite.

X


leu a mensagem três vezes, antes de mostrá-la a .
- Pelo menos ele deu um sinal de vida – a professora murmurou, azeda.
leu a mensagem com as sobrancelhas erguidas.
- É. Vamos brindar esse fato – apressou-se em dizer, enchendo a taça da amiga com um pouco mais de champagne, enquanto dava play no último remake de Massacre da Serra Elétrica.
- Podemos fingir que o Harry é um desses desafortunados jovens que entraram na casa desse maníaco? – pediu , lutando contra o bolo que se formara em sua garganta.
Chega de lágrimas, ele simplesmente não as merecia.

X


Harry acordou na manhã seguinte cerca de meia hora antes do horário, mas resolveu que seria melhor levantar de primeira do que ficar enrolando, sabendo que seus pensamentos voltariam para a professora .
Por este motivo, quando Abigail surgiu na cozinha, ainda de pijamas e com os cabelos ruivos descabelados, encontrou o homem na cozinha, fazendo o que provavelmente seria o café da manhã mais caprichado que ele preparara em anos.
- Omelete com bacon? – admirou-se Abigail, colocando-se na ponta dos pés para espiar a frigideira no fogão.
- Gail, não fique perto do fogo – Harry repreendeu-a, distraidamente afastando-a das proximidades do fogão com o braço que não estava com a espátula – Já deu o café da manhã do Max? Ele deve estar faminto.
Abigail abriu a geladeira, puxando o tupperware onde Harry deixava os pedaços cortados de cenoura, e foi para a área de serviço. Harry sorriu ao ouvi-la desejar bom dia para Max e tagarelar com o coelho sobre o seu dia. Ela ficou algum tempo com o coelho no colo, acariciando suas orelhas macias e gostosas, enquanto continuava rindo e conversando com o animal, que meramente se aconchegava contra o colo da dona, com o fucinho subindo e descendo ritmicamente.
Depois, Gail devolveu Max à sua gaiola, para que ele pudesse comer, lavou as mãos e correu para o quarto, informando que colocaria seu uniforme.
Harry aproveitou a ocasião para colocar a mesa do café da manhã e colocar as xícaras nas quais eles tomaram sopa na noite anterior. Ele e Gail chegaram à sala no mesmo instante e comeram juntos, enquanto conversavam sobre a escola, tio Danny, tio Dougie, tia e tio Tom.
- Foi legal passar o dia com eles – Abigail concluiu enquanto enfiava uma colherada de ovos mexidos na boca – Mas eu já estou com saudades da professora . E você?
Harry engoliu e seco e, por pouco, não engasgou com o café que tomava. Precisou de alguns instantes para se recompor.
- É... eu também – pigarreou – Sobre isso, não sei se conseguiremos ver a professora tão cedo, Gail.
Abigail franziu o cenho, confusa.
- Como assim? – questionou.
- É que... lembra aquela coisa importante, que eu disse que a professora disse que tinha que fazer? Ela ainda não terminou de fazer, então, você vai ter que ficar comigo lá na Super Records por mais algum tempo, não é legal? – Harry certificou-se de usar uma entonação alegre e relaxada, para mascarar a verdadeira natureza daquela notícia.
Abigail tomou um gole de seu leite, em silêncio, pensativa.
- Quantos dias a professora vai precisar para terminar essa coisa importante? – perguntou Gail, finalmente – Dois dias?
Harry começou a se sentir incomodado, mas esforçou-se para não deixar isso transparecer.
- Não tem como saber, Gail. Talvez seja mais.
- Mais do que dois dias? – Abigail ecoou, com os olhos verdes arregalados – Mas é muito tempo sem a professora , tio Harry! – choramingou.
- Eu sei, querida... – Harry esticou a mão, afagando seu cabelo, carinhosamente – Mas vai ser legal ficar comigo também.

X


Danny observou Dougie com as sobrancelhas erguidas.
- Não tenho certeza se compreendi – disse o vocalista, afinal.
Dougie esfregou o próprio rosto e soltou o ar, perguntando-se se escolhera corretamente ao optar por esclarecer seu sonho profético para Danny, que obviamente não era o mais intelectual de seus amigos.
- Danny, preste atenção, por favor, estou te dizendo que eu tive um sonho...
- Tá, tá, tá. Você sonhou que o Harry era você e que a era a tal da e que eles estavam brigando, okay – Danny o interrompeu, parecendo entediado – O que isso tem a ver com qualquer coisa?
- Você não consegue ver? – Dougie questionou, cutucando a testa do amigo, como se pudesse forçar os neurônios de Danny a compreender seu raciocínio – Se eu não fizer nada, Harry cometerá os mesmos erros que eu!
- E isso não pode acontecer – Danny completou, erguendo as sobrancelhas.
- É! – Dougie exclamou, parecendo contente e aliviado – Não posso permitir que isso aconteça, Danny. Não posso deixar que nenhum de vocês passe pelo que eu passei.
A expressão de Danny suavizou-se.
- Isso é muito legal da sua parte – comentou.
- É. E, além do mais, eu meio que tenho essa sensação, sabe? Que se eu conseguir reverter toda essa situação da com o Harry, então, talvez, eu tenha direito à minha segunda chance?
Danny observou-o, com o cenho franzido.
- Okay. Isso é loucura.

X


O sinal do recreio tocou, ecoando pelos corredores vazios e sendo seguido por gritos infantis satisfeitos e o barulho das portas das salas de aulas se abrindo. Aos poucos, os corredores começaram a se encher de crianças, que rumavam em direção ao pátio para se divertir e comer.
estava terminando de guardar os cadernos de desenho dos alunos no armário, quando sentiu uma mão pequena tocando suas costas. Virou-se e encontrou Abigail às suas costas.
- Gail! Oi! – ela deu um abraço apertado na menina; era uma demonstração de carinho que ela tomava cuidado de não praticar na frente dos outros alunos, mas não conseguiu se segurar. Por sorte, a sala estava vazia – Como você está, meu anjo?
- Estou bem – Abigail sorriu – Estou com saudades.
sentiu aquele bolo formar-se novamente em sua garganta, mas pigarreou, tentando desfazê-lo.
- Também sinto sua falta – murmurou – Mas eu tenho outras coisas para fazer e...
- Elas são muito importantes. Eu sei, o tio Harry disse – ela deu um sorrisinho – Eu só vim te dar um abraço. Mas preciso ir, agora. A Nora está me esperando para brincar de Polly.
deu um sorriso e passou a mão pelos cabelos ruivos da garotinha, ajeitando-os.
- Vai lá, então! – murmurou, depois de dar um beijo na testa da garota.
- Termine logo essas coisas importantes para brincarmos, professora ! – berrou Abigail, enquanto corria para fora da sala.
sentou-se na cadeira e ficou alguns segundos ali, sentindo-se extremamente infeliz; estava quase conformada com toda aquela situação, mas então Abigail aparece, lembrando-a do quanto ela amava aquela menina, e do quão importante ela era para ele.
E o quão covarde e imaturo Harry fora por simplesmente dizer “acho que é melhor desse jeito” como se afastar ela de Abigail fosse trazer qualquer benefício a toda aquela situação.
Nem percebeu quando pescou o celular do interior de sua bolsa, mas sabia exatamente o que fazer quando o viu em suas mãos. Puxou de dentro do bolso de sua calça o cartão do doutor Lance e, com movimentos determinados, digitou o número e esperou que ele atendesse.

X


À medida que o julgamento se aproximava, o número de repórteres em volta da Super Records parecia multiplicar; agora, os repórteres pareciam perceber que Abigail era contrabandeada por Mike para dentro do prédio, de forma que quando se aproximava o horário de saída do colégio de Abigail, grande parte dos paparazzi se localizavam na porta traseira da gravadora.
Agora, Mike precisava manobrar a minivan enquanto dois seguranças posicionavam-se entre o automóvel e a porta, abrindo a porta traseira, da qual Abigail descia, correndo como um foguete, entrando na Super Records.
A garotinha não conseguia entender o que tio Harry, tio Dougie, tio Danny e tio Tom achavam de tão ruim naquilo: era mega divertido.
Harry esperava por ela à frente do elevador, os dois se abraçaram, enquanto Harry dizia que tinha pedido um lanche no McDonalds de almoço.
Aquele deveria ser um dos melhores dias na vida de Abigail.

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- Então, você aceitou sair com ele? – questionou , surpresa, do outro lado do celular.
- Sim – mordiscou o lábio inferior.
Agora, depois de ter feito a ligação e informado o doutor Lance, de forma um tanto quanto direta e incisiva, que gostaria de sair com ele, não tinha mais certeza absoluta de que aquilo fora uma boa idéia.
Como dizem: não devemos tomar decisões quando estamos com raiva.
E, naquele momento, ela estava furiosa.
- Ele deve ter ficado feliz ¬– comentou a psicóloga.
ponderou e deu um sorrisinho.
- Sim, ele ficou – sua voz entregava seu sorrisinho e , que conhecia a amiga por quase tanto tempo quanto conhecia a si mesma, foi capaz de identificar a dica.
- Quer saber? Talvez esteja certo. Talvez isso faça você se sentir melhor.
observou as carteiras vazias, prestando especial atenção na que geralmente era ocupada por uma garotinha animada, divertida e inteligente de vívidos cabelos ruivos.
- Espero que sim.

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Harry estava terminando de digitar seu parecer sobre a música dos Crazy Heads, que começara no dia anterior, e Abigail estava deitada na sala do padrinho, com várias folhas sulfite espalhadas à sua volta, com diversos desenhos feitos com os precários materiais disponíveis na gravadora: canetas bics pretas, vermelhas, azuis e marca-textos amarelos, verdes e rosas.
Uma batida na porta fez-se ouvir e Danny enfiou a cabeça para dentro da sala.
- Adorei o pato, Gail – disse, com um sorriso, enquanto espiava o desenho de Gail.
- É um ornitorrinco – Abigail corrigiu-o, endireitando o desenho – Que nem o do Phineas e Ferb.
- Ah... – Danny ergueu os olhos – Claro, não sei como não vi antes. Harry – voltou a atenção para o amigo –, temos que ir para a reunião agora.
Harry concordou com um aceno de cabeça e agradeceu o amigo por lembrá-lo. Resolveu que deixaria a afilhada com e aproveitaria a ocasião para pedir desculpas pelo dia anterior.
Talvez a presença de Abigail amolecesse a executiva.
Harry ajudou Abigail a juntar todos os desenhos e, enquanto a garotinha levava as canetas em suas mãos. Ele bateu na porta da sala de com as costas da mão e, em alguns instantes, a porta se abriu.
fuzilou-o com os olhos, mas sua expressão se suavizou assim que ela percebeu Abigail ao seu lado.
- Oi, Gail! – sorriu – Tudo bem?
- Tudo! – Abigail sorriu, acenando com a mão que estava ocupada com os três marca-textos.
- Tenho uma reunião agora – Harry informou, pigarreando e tentando chamar a atenção da amiga para ele – E gostaria que você ficasse com ela. Só um pouquinho.
- Claro – sorriu para Abigail, abrindo um pouco mais a porta e gesticulando para que ela entrasse.
- Esses aqui são os desenhos dela – Harry disse, erguendo a mão que segurava os papéis coloridos – E eu...
arrancou os desenhos da mão dele e fechou a porta com um estrondo seco na sua cara.
- Okay – ele disse, depois de observar a madeira da porta por alguns instantes, constatando que aquilo não era uma piada – Acho que eu mereci isso.

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estava enrolada em sua toalha, observando atentamente o conteúdo de seu armário, sentindo-se estranha. Por um lado, sentia-se ansiosa para o seu encontro, mas, ao mesmo tempo, sentia certa apatia por toda aquela situação.
Por mais que uma boa parte sua estivesse interessada nesse encontro, outra parte dela parecia relutar contra o mesmo; era muito cedo, tudo estava muito recente, não era o Harry.
Ela afastou esse pensamento com um aceno firme de cabeça.
Nunca mais seria o Harry. Ele parecia firme quanto a isso, e ela respeitaria sua decisão.

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Quando a reunião finalmente terminou, Dougie interceptou Harry a meio caminho para o elevador.
- Vamos tomar um café? – perguntou, já puxando o amigo pelo cotovelo para a copa.
Harry percebeu que ele nunca efetivamente tivera qualquer tipo de opção quanto a este convite, por esse motivo, deixou-se ser arrastado pelo amigo até o recinto bem ventilado e sentou-se em uma das cadeiras.
- Café? – ofereceu Dougie, já se encaminhando à cafeteira e pegando duas xícaras.
- Por favor – Harry concordou com um aceno de cabeça, cauteloso.
Aguardava, pacientemente, que Dougie chegasse ao real objetivo daquele convite.
- Então... como estão as coisas? – o baixista perguntou, de costas para o amigo, enquanto dava os comandos na cafeteira e posicionava a primeira xícara no lugar correto para que esta fosse preenchida com o líquido escuro e amargo que os manteria acordados pelas próximas horas.
- Bem – Harry deu de ombros.
- E com a Abigail? – questionou, agora enchendo a segunda xícara.
- Bem também – rebateu Harry, com o cenho franzido, a cada segundo mais intrigado com aquela situação.
- Entendo... e ela não está sentindo falta de alguém? – Dougie perguntou, de forma desinteressada, enquanto caminhava em direção à mesa, com as duas xícaras.
Harry revirou os olhos, xingando-se internamente por não ter percebido as reais intenções do amigo de primeira: seu término com .
- Dougie, eu vou falar isso uma vez só, e espero que não fique magoado comigo e nem me faça perder a paciência com você: e eu terminamos e nada poderá ser feito sobre isso.
Dougie entregou a xícara para o amigo e sentou-se na cadeira adjacente a dele.
- Eu sei disso – retorquiu, dando um gole em sua xícara – Não estou falando em voltar com ela. Eu perguntei da Gail! A Gail sente falta dela?
Harry lançou um olhar atravessado na direção do amigo e manteve-se em silêncio.
- Vou tomar isso como um sim – decidiu-se Dougie.
- É lógico que ela sente falta da , Dougie, não precisa ser nenhum vencedor de um Nobel para perceber isso – Harry rosnou.
- E você acha isso correto? – Dougie insistiu.
Imediatamente, Harry arrependeu-se de ter aceitado o convite.
- Eu acho que, se a não acredita em mim, ela não precisa me ajudar – Harry retrucou.
- Mim, me! – Dougie ecoou – Não percebe o seu erro?
Harry lançou um olhar feroz na direção de Dougie, mas manteve-se em silêncio.
- Abigail está na sua vida agora, Harry. Não cabe mais eu, me ou mim. É ela e nós, mas, principalmente, ela! Você não pode mais pensar só em você, no que te faz bem e no que te faz feliz, tem que considerar tudo isso do ponto de vista da Abigail também!
- Então, você concorda com a , é isso? – Harry colocou a xícara na mesa com tanta força que um pouco do café transbordou, respigando na toalha de mesa – Acha que eu não penso na Abigail o suficiente, que não sou responsável o bastante?
- Lógico que não, Harry! – Dougie revirou os olhos – Eu só acho que, para alguém que quer ter uma criança sob seus cuidados, você ainda é expressivamente egoísta.
- Ah, isso é simplesmente fantástico – Harry bufou, abandonando sua xícara e colocando-se de pé – Agradeço o café, mas acho que vou voltar para a minha sala agora.
- Harry, espera – Dougie levantou-se, segurando o amigo pelo cotovelo – Só o que estou dizendo é que casais que terminaram por muito mais dão um jeito de conviver pelos filhos. Você e poderiam fazer o mesmo, pelo bem de Gail. Apenas pense nisso, okay?
Harry soltou-se do amigo com um gesto brusco e saiu da copa.

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trajava um vestido de lã escuro, com uma meia-calça fio quarenta e uma bota de cano alto; sentia-se quente, confortável e bonita, o que atendia suas necessidades, respectivamente, na ordem de sua importância.
Seu celular começou a tocar em algum lugar, meio do amontoado de roupas sobre a cama, e por alguns segundos, sentiu todo seu corpo se contrair, achando que poderia ser Lance.
Foi com um misto de alívio e decepção que atendeu .
- Oi, ! – exclamou, enquanto analisava seu perfil no espelho.
- E então? perguntou, do outro lado da linha – Como estamos hoje?
- Nervosas – respondeu, dando um sorriso tímido, enquanto puxava seu estojo de maquiagem de dentro de seu armário de meias – Nunca fiz isso antes.
- Ah, nem vem com esse papo de virgem, porque eu sei muito bem que você já cansou de sair com caras atraentes – descartou a psicóloga.
riu.
- Não estou falando disso. Estou falando de sair com um cara, enquanto eu ainda estou... superando – escolheu a palavra cuidadosamente – outro.
- Também nunca fiz, mas muitas mulheres fazem. Uma de nós tem que passar por essa experiência comentou, casualmente.
- Acho que sim. Te conto como é, depois – rebateu.
- Com todos os detalhes quentes e picantes? emendou.
- ! – a professora exclamou, fazendo-se de surpresa; depois, soltou uma risadinha – Você sabe que sim.
- Dá um ataque cardíaco no doutor, !
- Para de ser piegas, revirou os olhos – Vou terminar de me arrumar aqui. Amo você.
- Amo você também – e a linha ficou muda.

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Harry bateu na porta da sala de e foi recepcionado por uma Abigail sorridente.
- Oi, tio Harry! – riu, dando as costas para o homem e abaixando-se para recolher as milhares de folhas repletas de desenhos que estavam por todo o chão da sala – Achei que tivesse me esquecido!
Harry riu.
- Eu nunca te esqueceria, Gail, você sabe disso – ele disse, ajoelhando-se para auxiliar a afilhada na tarefa de recolher os desenhos.
Neste momento, percebeu que não estava na sala.
- Cadê a tia ? – perguntou para a garotinha, enquanto resgatava um desenho de um cachorro azul de debaixo de uma das poltronas de couro.
- Ah, ela saiu rapidinho – Abigail respondeu, estava ocupada, tampando as canetinhas que usara para criar suas obras de arte.
- Sei – Harry sorriu, e então um desenho em especial chamou sua atenção, e ele o trouxe para mais perto, no topo da pilha de papel que ocupava seus braços.
Eram três figuras amorfas, uma verde, uma amarela e uma azul. A azul era grande e foi só quando ele conseguiu identificar um rostinho sorridente que ele percebeu que as figuras eram pessoas.
Três pessoas.
A amarela era a menor de todas, e estava de mãos dadas com as outras duas.
Abigail, Charlie e Claire?
Eram desenhos recorrentes de autoria de Abigail.
- Gostei desse desenho, seu e dos seus pais – Harry disse, sentindo um nó na garganta.
- Huh? – Abigail levantou-se de onde estava, esfregou os joelhos, e caminhou até o padrinho, espiando o desenho que ele analisava – Ah, não! Não são meus pais, tio Harry – ela revirou os olhos, como se o equívoco fosse evidente e até um pouco embaraçoso – Somos nós, olha! Eu, – apontou para o amarelo – você – apontou para o azul – e...
-... a – ele completou, automaticamente.
Abigail sorriu, como se tivesse orgulhosa do fato de que seu padrinho finalmente conseguia compreender sua arte.
- Sim! Somos uma família agora, não é?
Harry arregalou os olhos, enquanto observava o rosto alegre e angelical de Abigail; por alguns instantes, ele sentiu como se mais nada existisse. Apenas eles, aqueles olhos verdes brilhantes, e as palavras de Dougie ecoando em sua mente.
Levantou-se, repentinamente, derrubando todos os desenhos que carregava nos braços.
- Tio Harry, olha o que você fez! – reclamou a menina, já se abaixando para recolher os mesmos.
Assim que o homem se voltou em direção à porta, encontrou entrando, com as sobrancelhas erguidas, provavelmente surpresa com o caos completo que se instalara em sua sala durante os breves instantes que se ausentara.
- , preciso de sua ajuda – ele disse, segurando a amiga pelos ombros. lançou-lhe um olhar duro, mas ele a interrompeu antes que ela pudesse recusar – Fique com Gail mais um pouco. Busco ela na sua casa, pode ser?
Não deu tempo para que a executiva respondesse, passando por ela como um furacão, enquanto puxava seu celular do bolso da calça.

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olhou o relógio pelo que parecia a centésima vez durante as últimas duas horas. O doutor Lance Rosswell estava atrasado há mais de uma hora e meia. br>Isso era simplesmente fantástico.
Chutada por dois homens em menos de setenta e duas horas.
Jogou-se no sofá, desfazendo-se de sua bota e tateando o chão ao lado do sofá, buscando por seu fiel amigo: o controle remoto.
Nesse exato momento, seu celular começou a tocar, dentro da bolsa que ela abandonara do outro lado da sala. Com um pulo, a mulher correu até o acessório e começou a revirá-lo atrás do aparelho telefônico.

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Enquanto descia o elevador, Harry observou o nome de atentamente e, com um suspiro, guardou-o no bolso, optando por não fazer a ligação.
Queria surpreendê-la.
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- Mil perdões, , eu sinto muito! – o doutor Lance dizia, do outro lado da linha – Eu estava pronto para sair, mas entrou uma criança precisando de atendimento imediato.
- Tudo bem, eu entendo – deu um sorriso triste, mas esforçou-se para que sua voz soasse tranqüila e alegre – É o seu trabalho, não é? Então... deixamos para outro dia?
- O quê? Não, estou indo te buscar. A não ser que... Ah, Deus, eu sinto muito. Nem parei para pensar nos seus planos. Está muito tarde, não é? Mas que droga! Podemos marcar para outro dia, se for melhor para você sorriu ao identificar o pânico e a frustração no tom de voz do médico; era evidente que ele realmente estava ansioso por esse encontro – Mas, se você tiver uma hora do seu dia e não for te atrapalhar, conheço uma cocina italiana sensacional. O que me diz?
não saberia dizer se fora a expectativa na voz do médico, ou o fato de que percebera que ficara realmente chateada ao pensar que não teria o encontro para o qual se preparara, física e emocionalmente, durante toda a tarde daquele dia, mas pegou-se dizendo:
- Estou te esperando, Lance.
- Chego em vinte minutos – ele respondeu, vitorioso.

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Harry estava parado do lado de fora do prédio de há quase dez minutos agora; no banco do passageiro, repousava um buquê com vinte rosas chilenas e, ao lado dele, o desenho de Abigail.
Inicialmente, ele planejava em apenas pedir para que ela voltasse a frequentar a sua casa, como faziam antes de resolver que era uma boa idéia envolverem-se no âmbito romântico, mas percebeu que não conseguiria ficar distante da professora.
Eles poderiam tentar novamente, não é?
Afinal de contas, tudo não passara de um mal entendido idiota e o que eles tinham era forte demais para ser abalado por uma briga estúpida e algumas palavras mal pensadas, ditas em um rompante de raiva, no calor de uma discussão.
Mas ele não conseguia sair do carro; ensaiava milhares de discursos, cada um diferente do outro, com palavras divergentes, tons diversos, mas todos com a mesma mensagem: sinto muito, cometemos um erro, podemos começar novamente?
Quando finalmente se deu por satisfeito com um dos discursos, ele colocou a mão sobre a trava da porta do carro, mas foi impedido por algo que chamou sua atenção. A porta do carro parado à sua frente se abriu e um homem familiar saiu de seu interior.
Aquele não era o médico de Abigail?
Assim que o homem contornou o carro, a porta do prédio de se abriu e a mulher saiu de lá de dentro; Harry quase não conseguiu acreditar: ela estava maravilhosa. Os cabelos castanhos pareciam mais brilhantes e sedosos enquanto ela caminhava na direção do homem, com um sorriso tímido e maravilhoso que ela costumava dar para ele.
Harry sentiu a garganta ficar seca e segurou o volante com força, observando perplexo enquanto o homem, com um sorriso largo, pegava nas duas mãos da professora e a observava de cima a baixo, movendo os lábios no que só poderia ser um elogio à sua aparência esbelta e perfeita.
O médico, então, acompanhou até a porta do passageiro e abriu-a, mantendo-a assim enquanto a mulher deslizava para dentro do carro. Depois, fechou a porta com gentileza e contornou o carro, ocupando o lugar do motorista.
O carro ligou com um som que pareceu ecoar na estrada vazia, mas, sobretudo, dentro da cabeça atordoada de Harry. Os faróis se ligaram subitamente e, em instantes, o carro era apenas um casal de pontos vermelhos minúsculos contra a escuridão das ruas londrinas.

Capítulo betado por: Brunna



Capítulo 21 – Warzone (parte II)


Enquanto estava sentada no banco do passageiro, observando a paisagem noturna das ruas londrinas passando rapidamente pela janela, admitiu para si mesma que aceitar o encontro com o doutor Rosswell – ou Lance, como ele insistira diversas vezes durante à noite – fora a melhor coisa que ela permitira a si mesma nos últimos dias.
A professora nunca fora uma fã em particular de primeiros encontros; em sua opinião, estes eram simplesmente apavorantes com seus silêncios longos e perturbadores, a sensação de azia na boca do estômago, a falta de apetite durante os jantares, as piadas sem graças causadas pelo nervosismo e a incerteza de como encerrar a noite – um “obrigada” seria o suficiente? Ou então um beijo na bochecha? Na boca?
Entretanto, mal pôde explicar seu alívio ao perceber que Lance não era apenas um homem terrivelmente atraente, mas também gentil, divertido e extremamente comunicativo; enquanto houvera silêncios incômodos em outros primeiros encontros, durante este, os dois não conseguiram parar de falar por um segundo sequer, excetuando os momentos em que suas bocas estavam ocupadas com a comida deliciosa do bistrô ou com o excelente vinho escolhido a dedo pelo médico.
Outro grande obstáculo que fora facilmente sobreposto fora a paixão pelas crianças. Como professora de primário, admitia que tinha a tendência de falar sobre os pequenos com quem passava grande parte de seu dia e, por diversas vezes, percebera a apatia paciente com a qual a maioria dos homens com quem saíra ouviam suas histórias, como se escutá-la falando durante horas sobre crianças fosse o sacrifício que teriam que suportar para que pudessem finalmente alcançar a sua recompensa.
No caso, um convite para subir ao seu apartamento ou uma resposta positiva quando eles, casualmente, oferecessem o próprio apartamento para que “tomassem algumas taças de vinho e conversassem um pouco mais”.
Lance, entretanto, sendo um pediatra, parecia tão fascinado por crianças quanto ela, e não apenas parecia se interessar por todas as histórias que a professora tinha para compartilhar, como também oferecera algumas anedotas de seu próprio acervo.
Mas o que mais apreciara em toda a noite fora o fato de que, pela primeira vez em três dias que pareceram eternidades, Harry fora apenas um pensamento infeliz no fundo de sua mente; um pensamento triste que relampejava em seu cérebro durante alguns momentos aleatórios da noite, mas que não tinham mais o poder de derrubá-la.
Pelo menos, não enquanto Lance compartilhava alguma história hilária sobre Johnny, um garotinho de quatro anos que fingia estar doente só para poder sair do consultório com um pirulito, já que a mãe não permitia doces em casa.
- Você está quieta – observou Lance, casualmente, enquanto mantinha as duas mãos no volante – Está tudo bem?
Ela desviou a atenção da janela para o homem ao seu lado e deu um sorriso.
- Está tudo ótimo – respondeu, com sinceridade.
Ele sorriu de volta bem no momento em que eles entraram na rua do prédio da professora. O médico encontrou uma vaga bem em frente ao edifício e estacionou o carro, sem pressa.
Depois, soltou o cinto que o prendia, abriu a porta e, rapidamente, contornou o carro, parando ao lado da porta de e abrindo-a, num gesto cavalheiresco.
- Mademoiselle – ele cantarolou, de forma exagerada, estendendo a mão para ajudá-la a sair do carro.
riu e aceitou o gesto cordial, usando a mão do médico para impulsioná-la para fora do carro. Depois, os dois caminharam lado a lado até a porta do edifício da professora e pararam um de frente para o outro, encarando-se com sorrisos tímidos.
- Então... É isso – disse o médico, colocando as mãos no bolso.
- Sim, é isso – sorriu, abraçando-se para se proteger da fria brisa noturna.
Houve um breve instante de silêncio, durante o qual ambos pareciam tentar descobrir o que deveriam falar um ao outro agora.
- , eu me diverti muito hoje – Lance resolveu quebrar o silêncio – Muito mais do que eu achei que me divertiria, na verdade.
sentiu suas bochechas pinicarem, e desviou levemente o olhar.
- Eu também – concordou.
Quando voltou seus olhos na direção do médico, percebeu que era o momento de se despedir. Em circunstâncias normais, daria um passo na direção dele e se colocaria na ponta dos pés, esperando pela iniciativa final dele de selar seus lábios.
Mas aquelas não eram circunstâncias normais e, por mais divertida que tivesse sido a noite, em momento algum ela pensou naquelas duas horas como românticas. Na verdade, o pensamento de beijar qualquer homem que não fosse Harry Judd parecia fazer com que todo seu estômago se revirasse de forma desagradável.
Idiota ou não, infantil ou não, Harry Judd ainda ocupava uma parte grande demais de seu coração para que ela se desse ao luxo de se permitir qualquer tipo de intimidade com qualquer outro homem sem sentir-se incomodada.
Então, em vez de aproximar-se daquele homem incrivelmente atraente, de cabelos cor de areia, ela deu um passo para trás, em direção à porta de seu prédio.
- Foi uma ótima noite, Lance – ela disse, com delicadeza – Obrigada por tudo. Boa noite.
Lance sorriu.
- Boa noite, .
Ela abriu a porta do prédio e entrou, acenando um último adeus pela porta de vidro antes de dar as costas para o homem e caminhar em direção ao elevador. Lance Rosswell continuou parado na rua por alguns instantes, as mãos nos bolsos, os olhos fixos na entrada do prédio por alguns instantes.
Aquela mulher ia destroçar seu coração em pedacinhos, ele sabia disso. Mas fora um risco que ele conscientemente aceitara ao convidá-la para um encontro logo após o término de seu antigo relacionamento.
Lance balançou a cabeça e começou a caminhar em direção ao seu carro; puxou uma embalagem vazia de chiclete do bolso de sua calça e aproveitou que estava ao lado de uma lata de lixo para desfazer-se da mesma.
Ao puxar a tampa da lata, deparou-se com um volumoso buquê de rosas colombianas, parecendo estranhamente inadequadas jogadas dentro da lata metálica; talvez desilusões amorosas estivessem em alta naquela noite, ponderou o médico, em pensamentos.
Desfez-se da embalagem e fechou a lata de lixo com um som metálico que pareceu ecoar por toda a rua.

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Harry estava dirigindo em silêncio, com uma Abigail adormecida no banco de trás do carro. Fazia o caminho de volta para casa da mesma forma que fizera tudo desde que vira com o doutor Lance Rosswell: no automático, sentindo-se completamente entorpecido.
Ele ficara sentado em seu carro durante todo o tempo em que e Lance demoraram desde o momento que se encontraram, na frente do prédio da professora, até a mulher entrar no carro do médico e o automóvel desaparecer de vista. E continuara sentado, na mesma posição, por cerca de meia hora depois disso, olhando para o nada, sentindo-se vazio, confuso e, por aquele curto período de tempo, permitindo que seus pensamentos ondulassem de acordo com os sentimentos que surgiam: raiva, tristeza, desdém, horror, culpa, mais tristeza, uma nova dose de raiva, pena de si mesmo, raiva novamente, e por aí em diante.
Depois disso, quando finalmente sentiu que tinha controle sobre seu próprio corpo, Harry deu partida no carro e começou a dirigir pelas ruas londrinas. A princípio, achou que estivesse dirigindo a esmo, mas quando deu por si, estacionando o carro dentro do estacionamento da Super Records vazia e abandonada, tanto por seus funcionários, quanto pelos paparazzi, percebeu que viera para o único lugar que parecia fazer sentido.
Não a gravadora, em si, mas no interior daquele prédio grandioso, mais exatamente no subsolo deste, estava o único remédio que conseguia acalmá-lo em momentos como aquele: sua bateria.
Determinado, caminhou até os elevadores, apertou o botão que o levaria até o subsolo, destrancou o estúdio e sentou-se atrás do instrumento, imediatamente sentindo seu corpo relaxar.
Ali ele estava em casa.
E, então, as duas horas que sucederam esse momento foram compostas de uma barulheira caótica, que era desprovida de ritmo ou harmonia. Era simplesmente um homem descontando todas as suas frustrações no único instrumento que parecia ser capaz de receptá-las.
Ele tocou sem nenhuma interrupção, tocou quando o suor começou a empapar sua blusa, e continuou mesmo depois que seus braços começaram a tremer com o esforço, e por muito tempo depois do surgimento da dor muscular que começou a pulsar em todos os músculos dos seus braços, suas pernas e suas costas.
Na verdade, talvez Harry Judd tivesse tocado durante toda a noite, não fosse o fato de que, em determinado momento, apertou o pedal com uma força abusiva e a película que protegia a parte interna do bumbo se rompeu, tornando o mero fato de tocar bateria algo impossível sem o som do bumbo para dar a base.
Ele se levantou, ofegante, e chutou a bateria algumas vezes, terminando de destroçar a película e descobriu que isso também servia como uma excelente forma de descontar suas frustrações.
Depois de deixar o bumbo completamente irreconhecível e seu pé dolorido, Harry resolveu que era hora de voltar para o seu apartamento, mas antes ele tinha que passar na casa de e pegar Abigail.
Quando ele bateu na porta, ficou repentinamente grato pelo fato de que ainda estava furiosa demais com ele para se dar ao trabalho de perguntar aonde ele se metera, ou por que fedia a suor. A mulher simplesmente encarou-o com as sobrancelhas erguidas e deu passagem para que ele entrasse.
Assim que Harry pisou dentro da sala da executiva, encontrou Abigail dormindo no sofá, cuidadosamente coberta por uma manta cor de rosa, com uma expressão serena. Ele estava retirando a manta, quando pigarreou, chamando a atenção do homem para si mesma.
- Leve a manta – ela disse, sequer encarando o homem no rosto – Está frio lá fora e não quero que ela fique resfriada.
Harry deu um meio sorriso e pegou Abigail no colo, enrolando-a na manta e passando pela sala, de volta para dentro do carro, onde acomodou Abigail no espaçoso banco traseiro. A garotinha se remexeu e entreabriu os olhos, com dificuldade.
- Oi, tio Harry – ela deu um sorriso sonolento, depois fez uma caretinha – Você tá fedido.
Harry deu uma risadinha.
- Eu sei, hoje não foi um bom dia – ele disse, baixinho.
- Amanhã vai ser melhor – Abigail murmurou – Minha mamãe sempre dizia isso.
Harry observou a expressão facial de Abigail relaxar à medida que ela era carregada de volta para o mundo dos sonhos.
- Eu realmente espero que ela esteja certa, Gail – ele sussurrou, endireitando-se para fora do carro e fechando a porta com cuidado, para não fazer barulho demais.
Olhou por cima do ombro e viu que a porta de entrada da casa de já estava fechada e não havia sinal da mulher em lugar algum. Harry resolveu que talvez, no dia seguinte, ele tentasse pedir desculpas para ela.
Contornou o carro, ocupando o espaço do motorista.
Ele não tinha certeza de como se sentiria quando seus sentimentos finalmente assentassem e apenas um se sobressaísse.
Mas ele já podia adivinhar que não seria muito bom.

X


estava terminando de pintar a unha do dedão quando seu celular começou a tocar, assustando-a e fazendo com que ela acabasse borrando a pele em volta da unha com o pincel, mas mal teve tempo de xingar.
Ela estava aguardando ansiosamente aquela ligação.
- Como foi? – perguntou, assim que atendeu o telefone.
- Foi muito legal! sorriu ao perceber o tom genuíno de Sério, eu nunca fui a um primeiro encontro tão divertido e descontraído em toda a minha existência.
sorriu.
- Fico muito feliz por você, ! – disse, equilibrando o celular entre o ombro e o ouvido e começando a molhar um algodão com acetona para limpar a sujeira no dedão – E aí, teremos um segundo encontro?
- Ah... Quanto a isso, não sei disse, parecendo em dúvida do outro lado do telefone – Quero dizer, me diverti demais, ri demais, eu me senti muito bem com ele, . Mas... È muito cedo. É definitivamente muito cedo. Enquanto eu estava com ele, Harry surgia na minha cabeça, sabe? De vez em quando. E eu me sentia tão mal. Não importa se Harry e eu não estamos juntos e se ele está sendo um panaca, eu preciso respeitar omeu tempo.
revirou os olhos. Obviamente, não era do tipo que sabia ter diversão desinteressada; ela era do tipo que só andava de mãos dadas com os homens com quem ela poderia imaginar um futuro, três filho, um labrador e uma casa no campo.
E se Lance Rosswell não era aquele cara, então era simplesmente uma pena.
- Mas ele é bem gostoso – opinou a psicóloga – Já disse para ele que não vai ter um segundo encontro?
Houve um breve instante de silêncio.
- Não - respondeu – Eu gostei dele de verdade, sabe? Por que os caras legais aparecem na hora errada?
“Porque talvez eles não sejam o homem certo”
, pensou, mas optou por não dizer nada disso. Ao invés disso, ela gargalhou e disse:
- Bom, então, por que não me conta tim-tim por tim-tim todo seu encontro, já que ele foi tão incrível assim? Não tem nada de bom passando na televisão, mesmo.

X


estava se preparando para dormir quando seu celular começou a tocar. Sorriu ao ver o nome de no visor e atendeu já soltando a pergunta:
- Como foi o encontro com o doutor Gostoso?
- O nome é Lance corrigiu, rindo – E foi muito legal.
- Você seguiu meu conselho? – a executiva perguntou, deitando-se em sua cama e acomodando-se entre seus milhares de travesseiros fofos.
- Em relação a...?
- Ao sexo selvagem – revirou os olhos.
- Nem nos beijamos exclamou, horrorizada.
- Que desperdício – deu um sorriso felino.
deu uma risada constrangida do outro lado da linha.
- Okay, chega de falar de mim decidiu – Como foi a sua noite? Algum modelo sarado te chamou para sair?
deu uma risadinha sarcástica.
- Ah, querida, antes fosse. Hoje tive um encontro exaustivo com uma garotinha de sete anos e com tanta energia dentro de si mesma que acho que se ela ficasse cinco segundos parada em um só lugar, explodiria – resmungou.
- Abigail suspirou, tinha um quê de felicidade, nostalgia e tristeza em seu tom de voz e, imediatamente, se arrependeu de ter compartilhado aquela informação com a professora – Ela ficou aí na sua casa? Por quê?
- Não sei – deu de ombros, revirando os olhos – Harry pediu.
- O que ele foi fazer? – o tom de voz de sugeria uma curiosidade cruel, daquele tipo que as mulheres se submetem, de forma masoquista.
- Eu não sei, . Não perguntei, estou brava com ele – lembrou-a a executiva.
- Mas ele demorou muito? – a professora insistiu.
- Duas, três horas. Não reparei – respondeu, entediada.
- Acha que ele estava com outra mulher? soltou, antes que pudesse se segurar.
- Não sei. Talvez. Ele chegou soado, afinal de contas – respondeu, com o cenho franzido.
engoliu em seco, do outro lado do telefone.
- Ah. Certo. Bem, eu... tenho que desligar, – disse, tentando manter um tom de voz casual – Nos falamos amanhã, okay?

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Dougie estava sentado em algo que parecia ser uma cama, exceto pelo fato de ser dura e extremamente desconfortável. Ouvia passos indo e voltando pelo corredor ao seu lado, mas durante as duas horas que passara sentado dentro de sua cela aprendera que era melhor não acompanhar os donos daqueles pés com os olhos.
A maioria dos policiais eram cerca de apenas três ou quatro anos mais velhos do que ele e, em regra, eram completos babacas. E coisas terríveis acontecem quando você dá poder demais a babacas.
Dougie esfregou o rosto com as mãos, agradecendo o fato de que o delegado ao menos o colocara numa cela em que não havia qualquer outro detento. Seu pai o mataria.
“Mas eu não fiz nada”, ele pensou, confuso e revoltado, “Não mereço estar aqui!”.
Foi tirado de seus pensamentos pelo som de algo metálico batendo contra as barras de sua cela e, relutante, focou sua atenção no delegado, com um semblante que tinha algo de desdenhoso e sarcástico.
- Você tem visita, garoto – cuspiu, seco, dando espaço para que o homem que estava encoberto pelas sombras desse dois passos à frente, finalmente sendo iluminado pelas luzes fracas dos corredores.
Dougie sentiu a respiração prender na sua garganta quando seus olhos encontraram os olhos de Charles , o pai de .
Dougie sentou-se na cama, ofegante, a blusa do pijama colada em seu corpo, em razão do suor. Olhou em volta, batendo com as mãos em seu colchão confortável, como se para se certificar de que aquilo fora apenas um pesadelo.
- Merda... – murmurou, deitando-se novamente e levando uma das mãos à altura do peito, sentindo seu coração acelerado – Mas que grande merda.

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Harry acordou no dia seguinte cerca de meia hora antes do horário que o despertador estava programado, mas resolveu levantar-se mesmo assim. Ainda se sentia entorpecido pelos eventos do dia anterior, mas não fora esse o motivo pelo qual chutara os cobertores e caminhara a passos lentos em direção ao seu banheiro.
O principal motivo era o fato de que ele estava fedendo.
Tomou um longo banho e resolveu que não pensaria mais em ou no doutor Lance Rosswell, aquilo não importava mais. Ele não tinha nada com a professora para ficar todo condoído só porque ela resolveu aceitar um convite para jantar de outro homem.
E se eles tivessem se beijado? Ele também não dava a mínima.
E se tivessem transado? Ele mataria aquele médico maldito com as próprias mãos.
Respirou fundo e tentou afastar a imagem mental do corpo nu de sendo tocado por outras mãos que não fossem as suas, em vão.
“Que inferno, Harry!”, rosnou mentalmente, quase dando um chute na parede de ladrilhos do seu box, “Por que é que você tinha que pensar nisso?”.

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Aquela era uma gloriosa manhã de quinta-feira; apesar de ainda estar muito frio, o sol brilhava timidamente no céu e caminhava calmamente do estacionamento aonde parara seu carro até a escola.
Estava adiantada, principalmente porque simplesmente despertara cerca de uma hora antes do seu alarme e não conseguira mais pregar os olhos.
E, embora fosse de se esperar que o motivo pelo qual ela não conseguisse mais dormir fosse o encontro maravilhoso que tivera com Lance, a verdade é que toda vez que fechava os olhos, vinha-lhe em mente a imagem de Harry sentado, numa mesa, com uma mulher do outro lado, sorrindo para ela de forma sedutora.
Seria a garota do bar?
Ele teria segurado sua mão? Teriam se beijado? Será que ele deixara Abigail na casa de para que pudesse ter o apartamento só para ele? Só para eles?
Ela fechou os olhos e sentiu seu corpo inteiro se contrair com o mero pensamento de Harry com outra mulher.
Racionalmente, compreendia que ela não tinha o direito de se incomodar com o que acontecia na vida de Harry. Em primeiro lugar, eles não estavam mais juntos e, em segundo, ela saíra em um encontro na noite anterior.
Como poderia ser hipócrita a ponto de não suportar o pensamento de Harry com outra pessoa, se ela fizera o mesmo?
Absorta em seus pensamentos, passou pela banca que ficava a cerca de meio quarteirão da escola. Assim que seu cérebro registrou esse fato, ela estancou onde estava, mordiscando o lábio inferior.
Relutante, girou nos calcanhares e caminhou a passos decididos na direção da pequena banca, rezando para encontrar pela revista que tinha em mente.
a mataria se descobrisse o que ela estava prestes a fazer, mas ela não se importava.
Simplesmente tinha que saber.
Encontrou a revista com a foto da mulher loira com um gigantesco sorriso. Teve o cuidado de pegar outras duas revistas antes de puxar, discretamente, aquela revista do stand central.
Sentia seu coração batendo com força e aquela sensação estranha na boca do estômago que as mulheres geralmente sentem enquanto, culpadas, leem as mensagens dos namorados, buscando por indícios de algo que, realmente, não queriam encontrar.
Aquela sensação estranha, que parece ser o perfeito equilíbrio entre uma curiosidade doentia e um medo súbito da decepção.
Entregou as três revistas para o caixa e ofereceu-lhe uma nota de dez libras assim que ele informou-lhe o valor de sua compra. Num gesto rápido e repleto de culpa, ela enfiou a sacola com as três revistas dentro de sua bolsa e continuou seu caminho.

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- MAS O QUE, DIABOS, ACONTECEU AQUI?! – Tom berrou, perplexo, assim que se deparou com o estado da bateria – Jeremy, você sabe o que houve? – perguntou, voltando-se para um dos funcionários da gravadora responsáveis pelo estúdio.
- Não, senhor Fletcher, sério – respondeu o rapaz, com os olhos arregalados – Não estava assim quando eu tranquei o estúdio ontem à noite. Aliás, estava em perfeitas condições.
Tom abaixou-se ao lado do instrumento, tocando seus arredores.
- Isso é inaceitável – resmungou, dando um soco no que restara dos contornos metálicos do bumbo, já retorcidos em razão da violência sofrida – Quero os vídeos de segurança. Quem quer que seja o vândalo que fez isso, vai ter que pagar. E caro.
Com essas palavras, o loiro saiu do recinto pisando duro e bufando.

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Harry sentou-se em sua cadeira, deixando seu corpo relaxar contra o couro limpo e macio que o emoldurava; na verdade, desde que tivera aquela discussão com , a Super Records era um dos únicos locais nos quais apreciava estar.
Na verdade, ficar envolto por coisas como relatórios financeiros, demos de bandas armadoras, pareceres e reuniões era exatamente o tipo de distração que ele precisava.
Principalmente naquele momento.
Estava observando a tela de seu computador, esperando que este finalizasse a inicialização, quando Danny entrou na sala.
- Bom dia, cara – desejou, já ocupando uma das cadeiras livres em frente à mesa do amigo.
- Bom dia – Harry respondeu, tomando todo o cuidado de não parecer tão rabugento quanto se sentia.
- Como você está se sentindo? – perguntou o moreno, ajeitando-se melhor na cadeira.
Harry sabia qual era a intenção por trás daquela pergunta e revirou os olhos internamente, mantendo sua expressão séria e neutra.
- Nunca estive melhor – respondeu.
- Sei. Bom, isso é muito bom – Danny murmurou, parecendo inquieto – E como estão as coisas entre você e a ?
Harry respirou fundo, segurando o ar dentro de seus pulmões por alguns instantes antes de soltá-lo de uma só vez.
- Não estamos – respondeu, secamente, e então resolveu cortar o mau pela raiz – O que você quer, Danny?
- Nada – Danny ergueu os braços, num ato de inocência - As coisas estão pegando fogo lá fora – prosseguiu, dando um sorriso, enquanto apontava por cima dos ombros – Parece que invadiram aqui e destruíram a nossa bateria – fez uma careta, completamente alheio à expressão surpresa e culpada que desenhou-se no rosto de Harry – Tom está possesso. Está esperando o pessoal da segurança trazer os vídeos e disse que vai querer a cabeça de quem quer que tenha feito isso em uma redoma de vidro. Disse que vai colocar na entrada da Super Records e deixar de exemplo para os outros vândalos ou qualquer coisa do gênero.
Harry engoliu em seco, mas tentou agir naturalmente.
- Ah, puxa. Bem... Isso parece um pouco extremo – murmurou, sua voz saindo um pouco mais rouca que o normal.
- É, eu sei. Mas você sabe como o Tom é com esse tipo de coisa – Danny revirou os olhos – E não é só o Tom que está estranho. Todo mundo parece ter sido mordido por algum tipo de bicho do mau humor. Você precisa ver o Dougie. Desejei bom dia para ele e quase tive minha cabeça arrancada do meu pescoço. E...
Nesse instante, a porta da sala de Harry foi aberta num gesto abrupto. Os dois homens sentados viraram-se na direção do barulho e encontraram Tom Fletcher parado, com as mãos no bolso, e uma expressão irada.
- Harry – a voz de Tom soava autoritária e perigosamente baixa – Minha sala. Agora.

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estava caminhando pelos corredores a passos rápidos, com a cabeça a milhão, enquanto fazia algumas anotações em sua prancheta: os Crazy Heads foram aprovados pelos quatro presidentes da gravadora e estavam se encaminhando neste momento para Londres, para uma apresentação ao vivo e, se fosse o caso, a assinatura de um contrato.
Mas, durante a noite, um vândalo inescrupuloso e incrivelmente ardiloso havia invadido o prédio e destruído a bateria do estúdio, o que significava que ela precisava encontrar um novo instrumento em cerca de uma hora e meia.
Estremeceu de raiva, imaginando o que faria quando colocasse as mãos no ser humano irresponsável que cometera aquela loucura.
Estava ligando para a terceira loja de instrumentos que conhecia quando esbarrou em alguém.
- Olha por onde anda, ! – resmungou a pessoa em quem ela esbarrara.
A executiva quase engasgou ao perceber que fora Dougie quem proferira aquelas palavras tão grosseiras.
- Como é que é?! – perguntou, desligando o telefone na cara da atendente e cruzando os braços – Que bicho te mordeu, Poynter?
Dougie fechou os olhos e pareceu respirar fundo para manter sua calma e o pouco de civilidade.
- Desculpe, eu não deveria ter dito isso – suspirou, passando a mão pelos cabelos – Eu dormi muito mal essa noite.
- Huh – revirou os olhos – Pesadelos?
Foi a vez de Dougie revirar os olhos, cruzando os braços com força.
- Mais como fantasmas do passado assombrando de novo – ele murmurou, parecendo ao mesmo tempo irritado e infeliz.
Imediatamente, conseguiu compreender o que aquilo significava. Abriu a boca para dizer algo, mas seus olhos foram novamente atraídos pelo celular em sua mão.
Queria ajudar o amigo, mas, primeiro, tinha que resolver suas obrigações.
- Agora não dá, Dougie – disse, em tom de escusa – Mas assim que eu resolver esse problema da bateria, vamos almoçar e conversar sobre isso, está bem?
Antes que o baixista pudesse recusar o convite, ela deu as costas e saiu caminhando apressadamente, com o celular grudado ao ouvido.

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O sinal finalmente tocou, anunciando o recreio e, em cerca de vinte segundos, fora abandonada por todos os seus alunos, restando apenas ela e vinte carteiras pequenas vazias, com livros abertos sobre elas.
Assim que se certificou de que ninguém estava espreitando e de que nenhum aluno voltaria apressado, alegando ter esquecido a lancheira ou seu bakugan, a professora sentou-se em sua cadeira e respirou fundo algumas vezes antes de pegar sua bolsa.
Hesitou mais alguns instantes antes de deslizar o zíper, revelando o pacote branco em que as três revistas estavam envoltas. Engoliu em seco enquanto puxava-o de dentro da bolsa e, sem pensar muito sobre isso, deixou a bolsa no chão, ao lado de sua cadeira.
Com cuidado, selecionou a revista com a foto gigante da mulher que assombrava seus pensamentos e depositou-a sobre a mesa, à sua frente, completamente fechada. Encarou os olhos castanhos na capa por alguns segundos e quase voltou atrás na sua decisão, tentando se convencer de que ela não precisava saber.
Mas ela precisava saber.
Então, com as mãos trêmulas, abriu a revista e começou a folheá-la, rapidamente, até encontrar a matéria que lhe interessava: “A misteriosa senhora Judd?”.
mordiscou o lábio inferior enquanto seus olhos varriam, ansiosos, as duas páginas da entrevista. A mulher, que ela sabia agora atender pelo nome de Paola Rosenberg, era uma advogada formada por uma faculdade menor, que não tinha vergonha nenhuma em admitir que não se importaria em aposentar seu tailleur para morar com um homem rico que pagasse suas contas enquanto ela criaria seus filhos.
Era o novo feminismo, ela disse ao entrevistador.
Era uma besteira sem fim, opinou .
Paola relatou como conhecera Harry num pub, apenas algumas noites atrás. Diria que ela estava sentada, sozinha, no bar e que ele chegara e se oferecera para pagar um drink. Dissera que negara, a princípio, porque não sabia quem era aquele homem e ela não gostava de dar muita trela para estranhos – poderia ser perigoso -, mas que depois de Harry muito insistir, ela acabou cedendo.
Ele foi muito interessante e culto, ela garantiu, conversaram sobre música clássica e autores conceituados. Eles conversaram durante horas sobre a carreira dela, sobre os lugares exóticos que ambos já conheceram, sobre o assédio que a beleza poderia trazer para a vida de uma pessoa comum. E, no caso de Harry Judd, de uma celebridade.
O incrível é que quando chegou na metade da matéria, estava com um sorriso no rosto. Não porque a entrevista fosse particularmente engraçada, mas porque ela tinha certeza de que cada palavra dita por aquela mulher era uma mentira infundada.
Em primeiro lugar, Paola afirmara categoricamente que Harry não falara sobre Abigail em qualquer momento que fosse durante a noite de amor selvagem dos dois, o que sabia que Harry seria incapaz de fazer.
Ela não conhecia Harry antes de ele ter Abigail em sua vida, mas sabia que desde o momento em que Abigail entrou em sua casa e virou sua responsabilidade, tanto os assuntos quanto os pensamentos do homem frequentemente orbitavam em volta da garota e ele seria incapaz de passar uma noite inteira sem sequer mencioná-la.
Por fim, Paola concluiu seu relato afirmando que Harry convidou-a para ir jantar em um dos restaurantes mais caros da cidade e, depois de ambos terem saboreado uma cara e deliciosa lagosta, ele a levou até em casa. Chegaram por volta da uma hora da manhã, ela informou, e Harry bem que queria ser convidado para subir para o seu apartamento, mas ela se negou.
Entendam, ela não era esse tipo de mulher.
Ocorre, e sabia disso perfeitamente, que à uma hora da manhã do dia em que Harry e Paola se conheceram, o homem não estava implorando para deitar na cama de outra mulher, mas deitado em um sofá desconfortável, ao lado do leito em que sua afilhada estava adormecida, com a cabeça enfaixada.
Além do mais, Harry não conseguiria manter uma conversa por mais de cinco minutos com uma mulher daquelas, ela o conhecia o suficiente para afirmar isso.
Respirando fundo, fechou a revista e jogou-a no lixo. Depois, apoiou o rosto nas mãos. Então, Harry não a traíra e ela fizera um escândalo à toa.
Meu Deus”, pensou, agoniada, enquanto ouvia o sinal tocar, anunciando o fim do recreio, “Eu sou uma idiota”.

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- Uma bateria de cinco mil libras, Harry! – exasperou-se Tom, levando as duas mãos à cabeça, como se tentasse evitar que ela explodisse – O que se passava pela sua cabeça?
Harry afundou na cadeira e, mentalmente, agradeceu o fato de que havia uma mesa de carvalho grande e pesada entre ele e Tom, porque aquilo parecia ser o único objeto que impedia o amigo de se jogar em cima dele.
- Eu sinto muito, Tom – disse, com simplicidade.
- Você sente muito? Você sente muito? Ah, poxa, isso faz com que tudo fique bem, não é? – Tom rebateu, sarcástico – Você sabia que os Crazy Heads estão vindo aqui para fazer a primeira audiência deles com a gente? E o que vamos falar, quando eles chegarem, depois de terem se virado para comprar passagens de ônibus com o próprio dinheiro para encarar essa oportunidade? Que tal “sentimos muito, mas um dos nossos sócios-presidentes é um completo lunático e destroçou uma bateria que custa cinco mil libras porque sim. Então, é isso, arriverdeci, se virem e voltem de novo semana que vem, quando arranjarmos uma bateria nova”.
Harry esfregou o rosto com as duas mãos, tentando manter a compostura.
Isso era tudo culpa da .
Se ela não tivesse resolvido sair com aquele idiota daquele médico, se tivesse ficado trancada em casa, sentindo-se miserável e infeliz – como ele estivera fazendo todo aquele tempo - nada daquilo teria acontecido; a bateria ainda estaria funcionando em perfeitas condições e Tom não estaria berrando com ele como se estivesse prestes a ficar verde, gigante e irracional.
- Tom, eu sinto muito, okay? Foi mal, a minha intenção não era foder com a bateria, eu só queria tocar um pouco e descontar um pouco das minhas frustrações – ele disse, sério – Foi errado e eu juro que vou pagar a nova bateria com o meu dinheiro.
Tom revirou os olhos e deu uma risada sarcástica.
- Que gracinha, você fala isso como se estivesse nos fazendo um favor. É lógico que você vai pagar com o seu dinheiro – Tom bufou e cruzou os braços, emburrado.
Os dois ficaram em silêncio por alguns minutos, cada um olhando para um lado distinto da sala.
- O que aconteceu para você destroçar aquela bateria daquele jeito? – Tom perguntou, finalmente voltando a ser o Tom que Harry conhecia e amava – Nunca vi nada parecido antes.
Harry permaneceu em silêncio, ponderando todas as suas alternativas. Poderia contar a verdade para Tom e tirar todo esse peso da sua cabeça, o que parecia ser algo prudente de se fazer, principalmente porque Tom era sábio e poderia lhe fornecer alguns conselhos para lidar com aquela situação.
Mas falar sobre isso significaria ter que relembrar tudo o que acontecera, colocar em palavras, analisar o que ele estava sentindo. E ele simplesmente não estava a fim de fazer isso agora.
- Eu não estava me sentindo bem – Harry optou por dizer uma meia-verdade.
Nesse momento, a porta da sala de Tom se abriu e surgiu, parecendo cansada e mal humorada.
- Encontrei uma bateria, eles conseguem fazer a entrega hoje, mas alguém da Super Records precisa buscá-la. Avisei o Mike, ele está arrumando o carro e vai partir em segundos.
- Ótimo – Tom respondeu, parecendo tão aliviado que poderia começar a flutuar – Faça o pagamento com o cartão da empresa, o Harry nos reembolsará depois.
- NÃO! – Harry berrou, com os olhos arregalados, atraindo um olhar confuso de e um perplexo de Tom – Não, o Mike não pode ir! Ele precisa buscar a Abigail no colégio.
Tom fechou os olhos e respirou fundo, contando mentalmente até dez, e buscando por sua paz interior.
- Harry – a voz dele soava baixa, mas tinha um quê de muito perigosa nela – Você arruinou nossa bateria, porque você não estava se sentindo bem, e eu perdemos grande parte da nossa manhã tentando resolver a grande bosta que você fez, e agora que conseguimos, você não quer que o Mike vá buscar a merda da bateria nova, por que ele tem que buscar a sua afilhada na merda do colégio? – Tom bateu com as duas mãos no tampo da mesa, colocando-se de pé, com o dedo em riste – Escuta aqui, e me escuta bem. A gente permitia que o Mike saísse do horário de serviço dele para buscar a Gail no colégio, mas isso não é função, nem responsabilidade dele. É sua. Ou você não lembra que é por isso que você baniu a da sua casa? Para provar o quão responsável e independente você é? Então, seja responsável e independente, porra! Você vai buscar a Gail naquele colégio, ninguém aqui vai ficar saindo do próprio caminho só porque você tá agindo como um merda de uma criança de cinco anos de idade que não quer ver a ex-namorada. Nós estamos entendidos?
Harry também colocou-se de pé, com uma expressão furiosa.
Quem era Tom para falar qualquer coisa?
Ele não tinha a menor ideia de pelo que Harry estava passando agora, não sabia como era se sentir despedaçado e miserável, enquanto a mulher que simplesmente não sai da sua cabeça e do seu coração parece ser capaz de seguir em frente com tanta facilidade.
- Escute aqui, você...! – Harry disse, a voz também um pouco mais do que um rosnar.
arregalou os olhos. Os quatro sócios-presidentes da Super Records podiam discordar diversas vezes de opiniões, mas nunca vira nenhum deles daquele jeito. Parecia que os dois estavam prontos para se atracar como dois cachorros raivosos.
Imediatamente, resolveu que precisava tomar uma providência.
- Vocês dois, podem parar! – berrou, colocando-se entre os dois e empurrando-os até que estivesse com os dois braços estendidos e as mãos segurando com firmeza a blusa dos homens, na altura do peito – Hoje não está sendo um bom dia para ninguém e não queremos falar, nem fazer nada de que possamos nos arrepender amanhã, ouviram bem? Não é a hora. Não é o momento. Harry, você vai buscar a Gail e não se comenta sobre isso. Tom, você vai esfriar a cabeça, okay? E quando eu soltar vocês, quero que prometam agir como pessoas civilizadas.
Harry e Tom respiravam rapidamente, os olhos ainda fixos um no outro.
soltou-os, mas, por precaução, manteve-se entre os dois.
- Vou buscar a Gail – Harry rosnou, dando as costas para o casal e saindo da sala, pisando duro.
Houve um breve instante de silêncio em que observou a expressão irritada de Tom e sentiu um leve arrepio tomar conta de si. Ele parecia tão diferente do jeito apatetado e racional que sempre o cercava. Parecia feroz, selvagem... sexy.
A mulher arregalou os olhos e balançou a cabeça, afastando aquele absurdo pensamento.

X


Assim que o sinal tocou pela última vez, anunciando o fim da aula, sorriu para os alunos e deu as costas, começando a apagar o conteúdo que tinha escrito na lousa. Quando finalmente concluiu sua tarefa, virou-se para guardar seus livros e papéis e encontrou Abigail parada, com a mochila nas costas e a cabeça enfaixada, esperando por ela.
- Gail! – sorriu, começando a empilhar os papéis avulsos que estavam sobre a mesa – Como você está?
- Bem – Abigail respondeu, dando um sorriso de volta – Estou com saudades, professora . Já terminou a sua coisa importante?
teve que se esforçar para manter o sorriso no rosto e, quando fazê-lo tornou-se praticamente impossível, abaixou levemente a cabeça, fingindo estar concentrada demais em encaixar os livros e os papéis dentro de sua mochila.
- Ahn... Ainda não, Gail – disse, dando um suspiro.
A expressão alegre da garotinha se fechou um pouco.
- Mas você não pode deixar esse negócio importante de lado só um pouquinho? – perguntou Abigail, franzindo o cenho – Um diazinho só? O Max sente sua falta, sabe.
mordiscou o lábio inferior e forçou um sorriso.
- Eu sei, querida – disse, encaixando a mochila nas costas e abaixando-se, ficando da altura da garota – Eu também sinto muito a falta dele. E a sua também – acrescentou, pressionando afetuosamente o seu dedo indicador contra o nariz da garotinha.
- Então, por que não vem mais brincar com a gente? – Abigail fez um biquinho sentido.
A professora suspirou e, carinhosamente, passou as mãos pelos cabelos lisos da garota, tentando encontrar naquele gesto as palavras que poderiam confortar não apenas o coraçãozinho de Gail, mas o seu também
. - As coisas estão um pouco complicadas agora, Gail – a mulher disse, cuidadosamente – Não só para mim, mas para você e para o seu tio também. Preciso resolver algumas coisas antes de poder brincar de novo – concluiu.
Abigail desviou os olhos, parecendo decepcionada.
- Resolve logo, tá bom? – disse, ajeitando a mochila nas costas – Porque eu tô com muita saudade de brincar de Barbie com você.
sorriu e concordou com um aceno de cabeça, não confiando em si mesma para tentar responder àquela afirmação com palavras sem cair em prantos na frente de sua aluna.
Abigail lançou um último olhar por cima dos ombros e saiu da sala.
Assim que a garota desapareceu de vista, o celular no bolso do casaco da professora começou a tocar e ela, rapidamente, atendeu-o.
- Alô?
- Oi, ! – a voz animada e relaxada de Lance Rosswell fez-se ouvir.
- Oi, Lance! – ela sorriu – Como você está?
- Ótimo! Muito, muito bem. Escute... – houve uma breve hesitação do outro lado da linha – Eu tenho dois ingressos para o show da Adele e eu sei que mulheres gostam dela... Então, eu queria saber se você tem planos para esse final de semana.
fechou os olhos, e respirou fundo, tentando reunir coragem.
Desde que pegara a revista de Paola Rosenberg nas mãos ela sabia que tinha uma decisão séria a tomar.
Por mais que acreditasse piamente que o melhor jeito de curar um coração partido fosse despejando todas as suas mágoas e expectativas em outro homem, não se sentia à vontade com essa situação.
Lance Rosswell era um médico atraente, inteligente, bem humorado e brilhante. E, mesmo que tenham se conhecido por apenas uma noite, a professora sabia que ele merecia muito mais do que ser uma mera distração.
Ele merecia uma mulher que o colocasse em um pedestal e lhe permitisse ocupar o primeiro lugar em seu coração.
não poderia fazer isso.
O seu primeiro lugar estava ocupado por outro homem.
Ainda que ele fosse um babaca completo, às vezes. E infantil. E estivesse fazendo com que ela sofresse.
- Então, Lance... Sobre isso – engoliu em seco e ficou em silêncio por um breve instante, tentando organizar seus pensamentos – Eu gosto de você. Eu gosto muito de você. Mas não estou pronta agora. Não é justo com você, entende? Preciso resolve toda essa situação com o Harry e eu não quero... Você merece mais do que isso. Desculpa.
Houve silêncio do outro lado da linha e, então, ela pôde ouvir o médico suspirar.
- Bem, não posso dizer que eu não estava esperando por isso – o tom de voz do homem era bem humorado, mas ela conseguia perceber um pouco de mágoa mascarada – E eu entendo. Gostaria que as coisas fossem diferentes, afinal de contas, você é uma mulher incrível e... Bom, acho que dizer que eu tive um pequeno ataque cardíaco quando te vi pela primeira vez no hospital seria o tipo de coisa que eu só poderia dizer no nosso terceiro ou quarto encontro, mas como não terei essa oportunidade, gostaria de deixar isso registrado. Você é extraordinária, , nunca deixe que nenhum homem te convença do contrário.
Ela sorriu e, discretamente, secou uma lágrima que escorreu de um dos seus olhos.
- Você é um bom amigo, Lance. Obrigado. Queria que as coisas tivessem sido diferentes.
- Talvez se eu tivesse aparecido três meses atrás... – ele completou.
- Talvez – concordou – Mas tenho certeza que você encontrará uma companhia incrível para o show da Adele.
- Espero que sim, – ele riu – Bem, eu sempre tenho a opção de vendê-los pelo dobro do preço no Ebay.
- Não faça isso – rebateu – Encontre alguém. E vá com esse alguém.
Houve um breve instante de silêncio.
- Tenho que ir agora, ¬– ele disse, afinal – Tenha um bom dia, okay?
- Okay, você também – ela respondeu.
E a linha ficou muda.

X


Dougie estava sentado em sua mesa observando a tela de seu computador; precisava redigir um e-mail ao departamento de contratos para pedir a relação dos locais aonde se apresentariam durante a turnê, mas não conseguia se concentrar o suficiente para executar sequer essa tarefa banal.
Foi interrompido de seus pensamentos por um pigarrear.
Ergueu os olhos e encontrou parada na porta da sua sala, com a sua bolsa gigantesca pendurada em um dos ombros e a chave do carro na mão.
- Vamos almoçar? – perguntou, erguendo as sobrancelhas – Acho que precisamos conversar.

X


Assim que Harry pisou dentro do St. Paige fora cercado por diversos alunos que pediam autógrafos. Instantaneamente, o baterista puxou uma caneta do bolso do paletó e passou a assinar tudo o que lhe era estendido: folhas avulsas, provas de matemáticas, lancheiras, capas de cadernos, braços e blusas.
Estava tão entretido que sequer percebeu que se aproximara até o momento em que a voz suave dela chegou aos seus ouvidos.
- Chega, gente! É uma pessoa, não um bicho no zoológico. Deem espaço – disse – E circulem.
Com resmungos, as crianças obedeceram e, pela primeira vez no que pareceu ter sido uma eternidade, olhos e azuis se encontraram. Harry sentiu o ar quase lhe faltar aos pulmões e ficou impressionado com o quanto precisou se controlar para não mandar tudo ao inferno e simplesmente puxá-la para mais perto, mergulhando naqueles lábios que ele conhecia tão bem.
- Oi – ela disse, chegando mais perto.
Num hábito há muito esquecido, Harry enfiou as duas mãos dentro dos bolsos da calça, de forma a evitar que seu corpo não obedecesse sua mente.
- Oi – ele respondeu, num resmungo.
Os dois ficaram em silêncio por alguns instantes, então Harry resolveu quebrá-lo, sentindo-se desconfortável. Vê-la de tão perto apenas piorava a sensação que ele sentia desde a noite anterior.
Pensar que os lábios que ele tanto desejava naquele momento já pudessem ter sido tocados pelos do doutor Lance Rosswell fez com que ele tivesse que morder o lábio inferior para evitar que um rosnado irritadiço saísse.
- Você sabe da Gail? – ele perguntou, afinal.
- Não – disse, também sentindo-se desconfortável – Mas ela deve estar chegando. Harry, escute, eu estive pensando... Eu sinto muito pelo que aconteceu. Eu sei que não melhora as coisas e nem apaga o que eu disse, mas eu só estava nervosa e queria te magoar...
- Parabéns, seu objetivo foi alcançado com sucesso – ele a interrompeu, dando um sorriso de lado, enquanto desviava os olhos do rosto atraente da mulher para uma embalagem de salgadinho que dançava com o vento.
fechou os olhos por alguns instantes e respirou fundo antes de continuar.
- O que estou querendo dizer – observou o perfil do homem – É que isso não é bom para a Gail. Não tem um dia que ela não venha dizer que sente minha falta e que quer que eu volte a ficar com ela. Você não entende, Harry? Só estamos magoando-a assim! Não é justo! Prometemos que isso não aconteceria!
De repente, toda a irritação que borbulhava dentro de Harry começou a transbordar.
- Você não parecia muito preocupada com a Abigail, ontem à noite, enquanto entrava no carro de Lance Rosswell – ele rosnou.
arregalou os olhos, surpresa.
Por uma fração de segundos, ficou parada, na mesma posição, até que seu cérebro finalmente registrou o significado por trás daquelas palavras.
- O quê? Como você...?! – interrompeu-se, chocada – Você esteve me seguindo?!
- Esse não é o ponto – Harry grunhiu, voltando os olhos e duros na direção da professora – O ponto é que eu não vou simplesmente ficar aqui, olhando você fazer todo esse ato como se fosse a vítima, sendo que nós dois aqui sabemos o que você realmente acha. Não importa se você disse quando estava brava, se disse isso, é porque realmente acreditava naquilo.
Os dois estavam tão entretidos na discussão que sequer perceberam que estavam chamando a atenção de um grupo considerável de alunos e funcionários do colégio.
- Harry, eu só disse aquilo porque achei que tivesse saído com aquela mulher. Eu li a entrevista que ela deu para a revista...
- É lógico que você leu – ele respondeu, revirando os olhos – Acreditar em mim, seria pedir demais, não é?
fechou os olhos, arrependendo-se por ter sequer considerado ter aquela conversa com Harry. Ele estava obviamente além de qualquer argumento e parecia magoado demais com tudo.
- O que eu estou querendo dizer, Harry, é que... – ela tentou, novamente.
- Eu sei o que você está querendo dizer, – Harry cortou-a, novamente – Mas preste atenção no que eu estou dizendo: Abigail e eu estamos bem sozinhos, não precisamos da sua ajuda e não precisamos de você. Está claro?
- O que está acontecendo aqui? – a vozinha de Abigail fez-se ouvir por sobre o silêncio que seguiu a pergunta de Harry.
Harry e prenderam a respiração e observaram a garota, que os analisava com o cenho franzido, confusa, enquanto abraçava dois livros que pegara na biblioteca.
- Nada, Gail – Harry disse, em tom definitivo – Vamos, vou te levar para almoçar e depois teremos um dia super divertido na Super Records.
O homem saiu puxando a garotinha pela mão; Abigail olhou por sobre os ombros, a tempo de ver limpando discretamente uma lágrima que, teimosa, transbordara de um de seus olhos .

X


estava terminando de ajeitar as almofadas sobre o seu divã, arrumando seu consultório para o próximo paciente, quando seu celular começou a tocar sobre a mesa. Rapidamente abandonou sua tarefa e correu até o aparelho.
Sorriu quando viu o nome no visor.
- Ora, ora – disse, atendendo a ligação – Se não é a mais badalada sensação do rock. Encontrou tempo na sua agenda para sua nova amiga?
A risada sonora e gostosa de Danny Jones ecoou do outro lado da linha e expandiu um pouco seu sorriso, enquanto voltava a arrumar o consultório com o telefone prensado entre sua orelha e seu ombro.
- Não vou mentir, minha agenda tem estado meio lotada – o homem respondeu, assim que conseguiu se restabelecer – Mas não teve um dia em que você não tenha passado pela minha mente.
revirou os olhos.
- Não revire os olhos, é verdade – ele advertiu, do outro lado da linha.
Foi a vez da psicóloga gargalhar.
- Como você sabia? Está me espionando? – perguntou, sentando-se em sua poltrona e olhando em volta, só para se certificar.
- Não, eu simplesmente sou um ótimo observador – ele retrucou, a voz sugerindo um sorriso – De qualquer forma, o que você está fazendo? Aceita um companheiro para o almoço?
- Ah, Danny... – suspirou – Acabei de almoçar. De qualquer forma, durante a semana geralmente almoço às pressas, dentro do consultório mesmo. Não seria muito divertido para você.
- Entendo... – ele parecia genuinamente decepcionado, o que fez com que a psicóloga franzisse o cenho.
- Por que não vai com seus amigos? – perguntou.
- Ahn... O clima tá meio pesado hoje. Tom está bravo com Harry. Harry está bravo com o mundo. Dougie está saturno e esquisito. está sempre estressada e bufando pelos cantos. Você era minha melhor opção.
- Última opção, você quer dizer – ela ergueu as sobrancelhas.
- Você jamais seria minha última opção, querida. E não revire os olhos, de novo, é verdade gargalhou quando percebeu que estava prestes a fazê-lo – Como prova disso, mesmo você não podendo almoçar comigo, o que me diz de jantar? Por minha conta.
hesitou.
- O que vamos comer? – perguntou, desconfiada.
- O que você quer comer? – ele rebateu.
- Pizza. Daquelas encharcadas em gordura, que depois que você come, fica com a cara toda brilhando por causa do óleo – ela respondeu, desejosa.
- Conheço um lugar que se encaixa nessa descrição. Te busco na sua casa, às oito? – ele ofereceu.
- É um encontro – ela concluiu.

X


- Então – disse, enquanto gesticulava para que o garçom se aproximasse – Vai ficar parado aí com essa cara de emburrado ou vai me contar o que está te atormentando?
Dougie ficou em silêncio por algum tempo, considerando suas opções. Obviamente, poderia simplesmente dizer que não queria conversar sobre o assunto em questão e continuar levando sua vida ou colocar tudo para fora.
Há algumas semanas atrás, sentado em sua sala, embebedando-se por causa do término de seu relacionamento com Frankie, Dougie descobriu que falar sobre o que te incomodava ajudava você a se sentir melhor.
Era horrível enquanto ele se expressava, traduzindo seu incômodo pessoal em palavras, mas, depois, a sensação era como se uma pedra emocional gigantesca fosse tirada de seus ombros.
Por esse motivo, ele resolveu falar.
- Ando tendo sonhos ruins – ele suspirou, enquanto matinha seus olhos ocupados nas opções do menu – Estão cada vez mais frequentes, sabe?
concordou com um aceno silencioso de cabeça; entendia perfeitamente como sonhos poderiam arruinar seu dia. Ela mesma já tivera sua cota de sonhos ruins. Às vezes, por causa de provas particularmente assustadoras, durante a faculdade. Às vezes, por causa dele.
- Pesadelos são horríveis, Dougie – ela disse, num tom de voz calmo – Mas você precisa se lembrar disso: pesadelos não são reais. São apenas criações do seu cérebro e eles não têm poder algum sobre você. Em muitos aspectos, eles são apenas você mesmo, refletindo aquilo do que tem mais medo, ou que mais te magoa.
Dougie engoliu em seco e, aproveitando esse momento de reflexão, ambos fizeram seus pedidos ao garçom. Quando o homem deu as costas à mesa do casal, o baixista murmurou:
- Não são pesadelos, por assim dizer – ele pigarreou, tendo dificuldades em estabelecer contato visual – São memórias.
ficou em silêncio por alguns instantes, absorvendo o conteúdo daquelas palavras.
- É por causa da tal da de novo, não é? – questionou, erguendo as sobrancelhas.
Dougie abaixou um pouco a cabeça e não disse nada, mas palavras eram absolutamente desnecessárias. Sua expressão corporal já lhe entregara.
- Você tem que acabar com essa obsessão, Dougie – balançou a cabeça, consternada – Essa loucura tem que ter um fim!
Dougie encolheu os ombros.
- Não era assim antes. Está pior. Está muito pior – ele acrescentou, lembrando-se do pesadelo sobre a prisão, dos detalhes, da forma como tudo parecia tão dolorosamente real – Não sei mais o que fazer.
- Pare de alimentar isso – rebateu – É simples. Esqueça que essa garota existiu, Dougie. Ela faz parte do seu passado, pare de puxá-la para o seu presente.
Houve um breve instante de silêncio após estas palavras.
- Eu não posso – ele disse, sem erguer a cabeça – Eu não consigo.

X


Harry estava dirigindo quando seu celular, que estava dentro do guarda-copos, começou a tocar. Prontamente, Abigail tomou o aparelho em suas mãozinhas e atendeu-o.
- Celular do senhor Harry Judd – ela disse, num tom de voz exageradamente adulto que fez com que Harry tivesse que morder o lábio inferior para evitar uma gargalhada – Sim, ele está aqui. Mas ele não pode conversar agora, moça. Ele está ocupado dirigindo.
Houve uma breve pausa, e Abigail continuou.
- Agora, às duas horas? Tá bom. Okay. Beijinhos. Tchau – ela desligou o telefone, com uma expressão séria e profissional.
- E então…? – Harry perguntou, erguendo as sobrancelhas e analisando a garotinha pelo canto dos olhos.
- Era do consultório do doutor Lance. A moça disse que eu tenho que ir lá hoje às duas horas da tarde, para ele ver a minha cabecinha – Abigail sorriu.
Harry apertou o volante com firmeza e desviou seus olhos para o relógio no painel do carro. Faltava meia hora para as duas horas da tarde.
Aquele era, definitivamente, um dos piores dias da sua vida.

X


Assim que o último paciente do dia pisou fora do consultório da doutora script>document.write(Samantha) , seu celular começou a vibrar dentro da gaveta no qual ela o mantinha durante as consultas.
Abriu a gaveta às pressas e sorriu ao ver o nome de no visor.
- Olá, ! – atendeu, cantarolando.
Estava tão absorta em arrumar as últimas anotações sobre seu cliente que sequer percebeu a leve fungada no outro lado da linha.
- Puxa... Que bom humor murmurou, do outro lado da linha – Aconteceu alguma coisa?
riu.
- Na verdade, aconteceu. Hoje, vou sair para jantar com Danny Jones – riu – Não é um encontro nem nada, mas sempre me divirto quando estou com ele. E é bem diferente dos meus planos de ficar sozinha em casa, assistindo algum documentário no Discovery, enquanto abraço meu único companheiro eterno, o Tiesto.
- Ah. Você tem planos para hoje concluiu, a voz um pouco trêmula.
parou o que estava fazendo e ergueu as sobrancelhas, finalmente percebendo o tom triste na voz da melhor amiga.
- ? O que aconteceu? Você está mal? Quer que eu cancele? Posso fazer isso, sem problemas – a psicóloga apressou em dizer.
- Não, não é nada, sério disse, tentando forçar um tom de voz normal – Estou ótima. Só estou... Gripada. É.
revirou os olhos e terminou de arquivar seus documentos, com um suspiro.
- Pare de mentir para mim – rosnou – Te conheço desde sempre, isso não cola comigo. Deixa, eu vou cancelar o jantar e te encontro na sua casa, okay?
- Não! teimou, veemente – Jamais. É sério, está tudo bem. Estou um pouco chateada, mas não precisa cancelar seus planos por mim.
hesitou; sabia que estava mentindo para fazer com que ela não se sentisse obrigada a abrir mão de sua saída com Danny, assim como sabia que a amiga ficaria ainda mais magoada se soubesse que ela havia desistido de seus planos para ficar sentada ao lado dela, acompanhando-a em sua rotina de depressão, composta por consumir o maior número possível de sorvetes, enquanto assistia filmes de terror ou comédia.
Precisava usar toda sua astúcia nesses momentos.
- Vamos fazer o seguinte – resolveu, afinal – Eu vou jantar com o Danny. Te ligo depois e, se você quiser, vou passar a noite com você. O que você acha?
Houve uma breve pausa do outro lado da linha.
- Não. Eu te conheço, vai querer apressar seu encontro...
- Jantar descompromissado – corrigiu .
- ... Que seja – continuou a professora – só para vir cuidar de mim. Não quero. Não preciso. É sério. Vou ligar para a e ela vem ficar comigo. Não precisa se preocupar.
revirou os olhos novamente.
- O que foi que aconteceu, hein? – perguntou, afinal, enquanto terminava de guardar seus pertencentes dentro de sua bolsa e pegou a chave, pronta para trancar o consultório e ir para casa.
- Ah. Coisas idiotas. Harry é um grande porco chauvinista idiota. Fui falar com ele hoje e ele disse coisas horríveis, sobre como ele não precisa de mim, e como eu não me importo com a Gail, porque aceitei sair num encontro com Lance.
- O quê? Como ele sabe disso? – questionou , erguendo as sobrancelhas.
- Ah. Não sei, nem chegamos a realmente discutir isso – a voz de ficou perigosamente trêmula, por esse motivo, ela ficou em silêncio por alguns instantes antes de prosseguir – Mas você quer saber qual é a pior parte? Sinto muito a falta deles. Principalmente da Gail. Mas dele também. E ele está sendo tão absolutamente idiota comigo que eu acabo me sentindo retardada por continuar apaixonada por ele. Isso vai passar, não vai?
- Ao seu tempo, querida – murmurou – Vocês dois estão magoados agora. Vamos precisar de algum tempo até que vocês possam realmente conversar sobre isso, superar tudo isso. É recente, .
- Tudo o que eu queria agora era voltar no tempo suspirou, do outro lado da linha.
- E nunca ter dito o que você disse? – completou .
- Não, e nunca ter permitido que ele me desse o primeiro beijo fungou do outro lado da linha e, pela primeira vez desde que conseguira se recompor no colégio, se debulhara em lágrimas – Eu sabia que isso não ia dar certo. Em que mundo, ? Ele é rico, famoso, lindo, simpático. É o sonho de consumo de toda mulher. Eu sou só... Uma professora. Uma pessoa comum. E, agora, tudo deu errado... Como estava fadado a dar... E... Gail está tão magoada, . Eu vejo nos olhos dela o quanto ela sente minha falta, o quanto ela não consegue entender por que não podemos mais passar nossas tardes juntas. E isso me machuca mil vezes mais do que acordar todos os dias de manhã sem os braços de Harry Judd em volta de mim. E eu sabia que isso ia acontecer, se desse errado. Eu nunca deveria ter entrado nessa. Nunca.
ficou em silêncio, aguardando até que a amiga se acalmasse.
- Vou passar na sua casa depois que terminar de jantar, e não há mais discussões sobre isso – sibilou, encerrando a ligação antes que pudesse objetar de qualquer forma.

X


Abigail estava sentada sobre um leito, sorridente, enquanto o doutor Lance Rosswell, cuidadosamente, prendia uma nova atadura em volta de sua cabecinha ruiva, protegendo a área lesionada.
- Muito bom! Já está praticamente cicatrizado! – ele sorriu – Mas seria bom manter a atadura pelos próximos dois ou três dias. Depois disso, essa princesinha aqui estará pronta para voltar a usar suas coroas – ele enfatizou o fim da sentença ao pressionar, afetuosamente, o nariz de Gail.
A garotinha gargalhou, encostando com leveza na atadura recém-trocada.
- Estou parecendo uma múmia agora – disse, fazendo uma careta que deveria ser amedrontadora, mas só era adorável.
- A mais bonita de todas – Lance completou, fazendo a garotinha corar.
Harry Judd, às costas do médico e com os braços cruzados, simplesmente revirou os olhos, com uma expressão enojada.
- E agora... – Lance tirou do bolso do jaleco um pirulito de tuti-frutti – Aqui está sua recompensa. Por que não espera lá fora, enquanto eu e o seu padrinho falamos sobre coisas chatas de adultos? – ele perguntou, fazendo uma careta.
Abigail concordou com um aceno de cabeça, já se livrando da embalagem do pirulito e enfiando-o na boca, enquanto descia do leito e saltitava em direção à recepção.
- Então... – doutor Rosswell voltou-se para Harry, tirando as luvas que usara e descartando-as em uma lixeira no canto do consultório – A recuperação dela está excelente, senhor Judd. É óbvio que o senhor tem cuidado muito bem dos curativos. Como eu disse, já está praticamente cicatrizado, mas o melhor seria manter as ataduras por mais dois ou três dias, só por garantia. Não queremos que nada aconteça à nossa princesinha.
Nossa princesinha?
Aquele homem era tão pedante. O que é? Ele tinha uma necessidade de roubar todas as mulheres de sua vida? Primeiro, a . Agora, a Gail. Quem seria a sua próxima vítima?
Sua mãe? Kate?
- É, nós realmente não queremos nada disso – Harry respondeu, respirando fundo, e tentando manter um sorriso educado no rosto.
- Ótimo – o médico lhe sorriu - A consulta custa cem libras. O senhor pode acertar diretamente com a recepcionista. Tem um desconto de dez por cento no cartão.
Harry observou-o impassível, mas internamente perguntava-se o quanto doeria se ele desse um soco bem dado no rosto angelical daquele cretino. Faria questão de deixar os lábios dele bem inchados, só para que ele sentisse muita dor na próxima vez que beijasse .
O dragão no interior de seu peito rosnou, incontrolável.
Harry Judd queria perguntar qual seria o valor da consulta, já com o desconto, para que ele pudesse preencher o cheque. Ao invés disso, o que saiu dos seus lábios foi:
- Você a beijou?
Houve um breve instante de silêncio em que Lance o observava com os olhos arregalados, a boca entreaberta, incerto a que o baterista se referia ou de como agir naquela situação.
Harry imediatamente moveu a cabeça e rosnou baixinho, xingando-se, enquanto tirava a carteira do bolso traseiro da calça, num movimento brusco.
- Quer saber? Não é da minha conta – ele disse, colocando uma nota de cem libras sobre o leito em que Abigail estivera sentada – Esquece o desconto. Tenha um bom dia, doutor Rosswell.
E, sem dar a oportunidade para que o médico se pronunciasse, Harry Judd saiu do consultório.

X


tinha acabado de voltar de seu almoço com Dougie quando seu celular começou a tocar. Demorou alguns segundos para encontrá-lo no interior de sua bolsa e atendeu-o rapidamente, sem checar o visor.
- – disse, num tom de voz sério e profissional.
- ? Oi! É a – veio uma voz insegura, do outro lado da linha – Tudo bem?
- Tudo ótimo e você? – a executiva perguntou, sentando-se em sua cadeira confortável e, discretamente, descalçando o seu sapato.
- Ahn... Tudo bem. Você tem planos para hoje à noite? – a professora perguntou, casualmente.
- Não – sorriu, enquanto lia os novos e-mails que chegaram enquanto ela estivera almoçando – Posso ir à sua casa hoje à noite.
- Você é o máximo! suspirou, do outro lado da linha.
Antes que pudesse rebater, a porta de sua sala abriu-se e o rosto de Tom Fletcher surgiu.
- Os rapazes da Crazy Head já estão aqui. Sabe do Harry?
colocou a mão sobre o bocal do celular, para que não ouvisse a conversa.
- Harry foi levar Abigail no médico, mas já devem estar a caminho – fez sinal para que o homem a esperasse e liberou o bocal, voltando-se para , preciso desligar agora. Nos vemos mais tarde. Beijos.
Desligou o celular, rapidamente deslizou os pés para dentro dos sapatos sociais e saiu caminhando juntamente com Tom em direção ao estúdio.

X


Harry estacionou o carro e, rapidamente, livrou-se do seu cinto de segurança, saiu do automóvel e retirou a mochila de Abigail do porta-malas.
- Vamos, Gail! – o homem apressou a garotinha, que lutava para se livrar do próprio cinto de segurança – Estamos atrasados e a última coisa que eu preciso nesse momento é dar mais um motivo para o tio Tom brigar comigo.
- Vocês brigaram hoje? – Abigail perguntou, franzindo o cenho, pulando para fora do carro e fechando a porta do mesmo com tão pouca força que ela ficou em desnível com as demais.
Com um bufar cansado e estressado, Harry bateu com o quadril contra a porta e fechou-a completamente.
- O tio Tom está estressado, é só isso – disse, omitindo a parte em que ele havia destruído uma bateria cara porque descobrira que saíra com o doutor almofadinhas.
- Ah! Okay, e o que vamos fazer agora? – ela perguntou, seguindo-o.
Àquela altura, os paparazzis já haviam percebido a presença dos dois, mas, por sorte, Harry já havia informado os seguranças de que estava chegando e esses criaram barreiras entre Harry e Gail e as demais pessoas que se amontoavam em volta da Super Records.
- Preciso fazer coisas de adulto, agora – ele disse, sério – Você pode ir brincar de pintar na minha sala.
- Mas eu to cansada de brincar de pintar – Abigail choramingou, enquanto os dois paravam de frente ao elevador – É só isso que eu faço. Eu sinto falta de brincar de boneca com a professora . E de assistir TV à tarde. Os melhores desenhos passam de tarde, sabia? – perguntou, de forma acusadora.
- Eu sei, Gail, e eu sinto muito, mas agora é só isso que posso te oferecer – sua voz soou um pouco ríspida.
Abigail ficou em silêncio por alguns instantes.
- Está bem – murmurou.
Harry suspirou e massageou a própria têmpora, culpando-se internamente por agir daquela forma.
- Desculpe, Gail. Eu não deveria... Eu só estou... Escute, por favor, você pode ficar na minha sala um pouco? O tio Tom, o tio Dougie, o tio Danny e a tia estão me esperando no estúdio.
- Até a tia ? – ela choramingou, os olhos ficando gigantes – Por que eu não posso ir com você? Eu prometo que vou me comportar. Não quero ficar sozinha pintando, é chato, tio Harry.

X


Os Crazy Heads eram uma banda do interior, composta por um baterista, um baixista e dois guitarristas, que alternavam no papel de vocalistas. Os quatro estavam sentados em puffs bem confortáveis, em um dos estúdios descolados e repleto de instrumentos e aparelhos que pareciam mais caros do que as casas em que os adolescentes viviam, frente a frente com os três integrantes de uma das bandas que lhe serviu de inspiração e do que deveria ser a mulher mais bonita que eles já viram de perto.
No canto do recinto, Mike Sullivan montava uma bateria que não parecia ser mais simplória do que os demais bens no local.
Todos estavam sentados, encarando-se em um silêncio incômodo.
- Sentimos muito pelo Judd – Tom disse, desconfortável – Ele deveria estar aqui, mas...
- Cheguei! – a voz do baterista o interrompeu. Todos olharam para trás para encontrar o homem entrando no estúdio, segurando uma mochila roxa com uma mão e a mãozinha de Abigail com a outra.
- Isso é ótimo! – sorriu, gesticulando para que Abigail se sentasse ao seu lado.
A garotinha soltou a mão do padrinho e correu até a executiva, sentando-se ao seu lado. Harry deu um sorriso amarelo e sentou-se ao lado de Tom.
- O que você está fazendo? – Tom perguntou, pelo canto dos lábios, num tom baixo.
- Ela não queria ficar colorindo – Harry respondeu, no mesmo tom – Prometo que ela vai se comportar.
Tom lançou-lhe um olhar como quem diz “é bom mesmo” e voltou com um sorriso gentil e receptivo para os cinco adolescentes que os observavam com expectativa.
- Agora que estão todos aqui... podemos começar – ele sorriu – Inicialmente, gostaria de dizer que se vocês estão sentados aqui hoje é porque realmente gostamos do som de vocês – os cinco sorriram, parecendo prestes a explodir de felicidade – Mas não é só isso que é importante. Precisamos conhecer vocês melhor e permitir que vocês nos conheçam melhor.
- Exatamente – prosseguiu Danny – O que nós sentimos, quando começamos, era a impessoalidade entre as gravadoras e a gente. Então, quando criamos a Super Records, nos prometemos que não trataríamos nossos artistas da mesma forma. Não queremos olhar cifras no lugar de pessoas, queremos conhecer vocês, saber do que vocês gostam, saber se as suas necessidades e as nossas necessidades são compatíveis.
Os quatro concordaram com a cabeça, parecendo incertos de como reagir àquelas palavras.
- Bom, nos falem um pouco sobre vocês – pediu Dougie.
- Nós ou a banda? – perguntou um dos guitarristas, os olhos verdes brilhando com confusão.
- Tem diferença? – rebateu Harry.
O baterista, um rapaz negro de olhos achocolatados, deu um sorrisinho, identificando o significado por trás das palavras de Harry.
- Yo, Drew, deixa comigo – disse, assumindo o papel de ser a voz da banda – Meu nome é Derek, tenho dezessete anos e sou baterista da Crazy Heads. Esse aqui é Travis – apontou para um garoto ruivo, um pouco gordinho, que parecia extremamente envergonhado para sequer olhar os demais presentes nos olhos -, ele é nosso baixista, tem quinze anos e aprendeu a tocar baixo sozinho. Aqui do meu lado é o Leonel – apontou um garoto atraente, de olhos verdes azulados e cabelos castanhos ondulados, que deu um sorriso de lado, também encabulado -, ele é italiano, na verdade, o que ajuda muito na parte dos agudos... ninguém berra como esse bastardo. E, por último, esse aqui é o Andrew – por fim, apontou para o garoto de cabelos descoloridos e olhos verdes que se pronunciara anteriormente - Ele e eu somos melhores amigos desde o primário. Fomos nós que começamos a Crazy Heads e, aos poucos, fomos agregando os demais. Somos a formação original, por sinal.
Ao tempo que Derek concluiu sua introdução, os integrantes do McFLY e estavam com sorrisos no rosto; o jovem era carismático e todos os presentes sabiam o quanto isso era importante para o sucesso de uma banda adolescente.
- Por que ‘Crazy Heads’? – a voz fininha de Gail fez-se ouvir.
Todos olharam para a menina e, provavelmente instigados pela curiosidade infantil, olharam para os garotos, em expectativa.
- Ahn... – Derek hesitou – Meus pais. É que eu e o Drew somos do tipo que topam de tudo. Um dia, a gente resolveu que seria uma boa ideia fazer skimboard no telhado de casa. Quando meus pais viram isso, quase tiveram um ataque cardíaco e meu pai ficou horas fazendo um discurso, no qual ele repetia incansavelmente que éramos loucos da cabeça – os presentes riram – Quando resolvemos fazer a banda, isso veio em mente. Parecia certo. E, garota, não tente isso em casa – Derek disse, sério, voltando-se para Gail, que assentiu com a cabeça, os olhos arregalados.
- Certo – Dougie sorriu, satisfeito com as respostas – Agora, vamos ao principal. Será que vocês poderiam tocar alguma coisa para gente? Ainda estão terminando de instalar a bateria... a nossa teve um pequeno problema... – Tom e lançaram olhares discretos na direção de Harry, que pigarreou, incomodado – Então, trouxemos esses violões. Pensamos que vocês poderiam cantar algo para gente.
Aproveitando a deixa, dois dos funcionários da Super Records chegaram com os violões encapados, entregando-os para Leonel e Drew.
Os quatro juntaram a cabeça e sussurraram entre si por alguns instantes.
- Certo... – Drew disse, parecendo um pouco mais à vontade com um violão em mãos – Enquanto aguardamos a bateria ficar pronta, pensamos em cantar uma versão de uma música do One Direction. Sei que vocês provavelmente querem algo nosso, mas...
- Eu gosto de One Direction – Abigail opinou – Ia ser muito legal ouvir vocês cantando algo deles – e concluiu isso apoiando o rostinho nas duas mãos, observando-os maravilhada.
Drew sorriu, encantado com a garotinha.
- Certo... um, dois... um, dois, três, quatro... – e os acordes de “More Than This” começaram. Todos conseguiam reconhecê-los, mas era verdade que Drew e Leonel o faziam com mais rapidez, dando à música um ritmo mais dinâmico e menos melancólico.
Harry estava apreciando o som dos garotos, gostava da harmonia entre eles, do fato como pareciam à vontade com os instrumentos e, sem sombra de dúvidas, Leonel e Andrew tinham uma voz ainda mais interessante ao vivo do que nas gravações que receberam.
O problema foi quando ele começou a prestar atenção na letra da música.
- When he opens his arms and holds you close tonight – cantava Andrew, os olhos fechados enquanto os dedos tocavam as cordas do violão com destreza - It just won't feel right, ‘cause I can love you more than this. When he lays you down, I might just die inside. It just don't feel right 'cause I can love you more than this.
- Can love you more than this – repetiram todos, em uníssono.
À medida que a música ia evoluindo, Harry deixou que seu pensamento voltasse para em seu encontro com o médico da Abigail. O que teriam feito? Qual teria disso a proximidade dos dois?
Ele teria a beijado?
Se sim, que tipo de beijo? Teriam apenas tocado levemente os lábios, ou ela teria permitido-lhe acesso quando ele pediu passagem com a língua?
Nesse caso, ele teria se satisfeito com apenas um beijo?
Harry sabia, por experiência, que apenas um beijo jamais era suficiente. Qualquer homem que tivesse oportunidade de sentir o gosto de raramente se contentaria com apenas isso.
Ele teria tocado em seu corpo de forma lasciva? Beijado seu pescoço e, depois, um pouco mais para baixo? E, depois, ainda mais para baixo?
Aos poucos, todas essas hipóteses se tornaram certezas e Harry sentiu como se todo seu corpo estivesse rejeitando essas imagens. Repentinamente, sentiu-se enojado e não conseguia focar sua atenção naqueles quatro adolescentes cantando aquela música demoníaca.
Ele precisava de tempo.
Ele precisava de espaço.
Deus, ele precisava de um cigarro.
Com este pensamento em mente, Harry colocou-se de pé, surpreendendo todos, e, ignorando os olhares perplexos de todos – inclusive de Andrew e Leonel que, profissionais, não interromperam a música – trovejou para fora do estúdio.

X


Harry soltou a fumaça deliciosa do cigarro pelas narinas e fechou os olhos, apreciando aquela sensação maravilhosa de relaxamento e tranquilidade. Mais dois ou três cigarros e ele estaria pronto para encarar os quatro adolescentes e suas músicas depressivas.
- Posso saber que porra você está fazendo? – a voz de Dougie ecoou às suas costas.
- Fumando – Harry respondeu, erguendo a mão com o cigarro, para ilustrar.
- Você não tinha parado? – Dougie questionou, com uma expressão perplexa.
- Sim, eu tinha. Precisei pedir um maço a um dos estagiários – Harry respondeu.
Dougie o observou por alguns instantes, as sobrancelhas erguidas.
– Você deveria estar no estúdio, e não aqui, fumando. Quer saber? Você tem sorte que sou eu aqui, e não o Tom. Cara, ele vai te matar.
- Eu só precisava de um cigarro – Harry disse, erguendo as mãos na defensiva – Desde quando isso é um crime?
Dougie observou o amigo com os olhos arregalados e, então, sua expressão mudou para uma de profunda irritação.
- Você não se lembra mais, não é? Aqueles garotos precisaram ralar para conseguir chegar aqui, ficaram horas tocando na garagem de suas casas, apresentando-se em bares e restaurantes sem receber nada além de um: “vocês querem dinheiro? Nós que deveríamos cobrar vocês pela oportunidade”. Eles se esforçaram para sentar naquele estúdio, de frente para gente, e mostrar tudo o que eles têm de melhor. Essa é a oportunidade deles. E era o seu dever, como alguém que já esteve no lugar deles, de dar-lhes essa chance. Tem noção do quão desrespeitoso você foi?
- Dougie, relaxa, mas que inferno! Eu já vou voltar lá! – Harry exasperou-se.
- Quer saber? Nem precisa – Dougie rosnou, dando as costas para o amigo e caminhando de volta para dentro da Super Records; estava quase alcançando a porta, quando virou de costas – Sabe... o que quer que você tenha com a , eu gostaria que você resolvesse de uma vez. Você tá se tornando um completo idiota e é muito triste assistir isso.
Harry queria saber o que dizer para aquilo, mas não achou palavras. Soltou a fumaça lentamente e observou Dougie entrando da Super Records.

X


Quando Harry entrou no estúdio de novo, Abigail veio correndo na sua direção.
- Aonde você foi, tio Harry? – perguntou, parecendo preocupada – O tio Tom ficou muito bravo.
Harry deu um sorriso e pegou a pequena no colo.
- Só precisava dar uma voltinha – ele disse, ocupando uma das cadeiras ao lado de Danny, que parecia ter sido o único a não fazer nenhuma careta quando ele se aproximou.
Os integrantes do Crazy Heads já estavam dentro do estúdio, sozinhos, cada um em posse de seu respectivo instrumento e prontos para começar a tocar as suas músicas devidamente, uma vez que a bateria estava pronta.
Ao comando de Dougie, os integrantes começaram a tocar “The sunshine is yours”, uma música cuja melodia fora criada por eles, assim como a letra.
Harry analisou como a letra era poética, a harmonia entre os instrumentos – embora ele pudesse afirmar, também, que os garotos eram ousados demais, com solos de guitarras demais que, certamente, seriam cortados por eles, se assinassem o contrato -, quando percebeu Tom deslizando um pedaço de papel na sua direção, pela mesa de controle.
Harry o pegou o papel e o virou. No verso, havia o seguinte rabisco:
“E eu me preocupando com a possibilidade da Gail agir com imaturidade. Que ingenuidade a minha”.
Harry fechou os olhos, contou até dez mentalmente e embolou o pedaço de papel em um montinho amassado. Jogou-o no lixo e voltou a se concentrar nos garotos, no estúdio.

X


Harry estava sentado em sua mesa, terminando seu último parecer sobre os Crazy Heads; existiam milhares de pequenos problemas que eles teriam que resolver, é claro, mas se posicionaria no sentido de que a Super Records deveria assinar um contrato com eles.
Os quatro garotos eram, obviamente, talentosos.
- Tio Harry, estou cansada – reclamou Abigail pela vigésima vez – Não podemos ir embora agora?
- Estou quase terminando, Gail – Harry suspirou, sem parar de digitar – Mais vinte minutinhos.
A verdade é que eram quase nove horas da noite, e Harry e Abigail eram umas das poucas pessoas ainda no prédio. Mas o homem estava preocupado em deixar qualquer coisa para a última hora e queria adiantar todas as suas tarefas.
Tom estava furioso com ele. Desde que saíra no meio da versão dos Crazy Heads de “More Than This”, tirando o bilhetinho enviado, o amigo sequer olhara em seu rosto. Dougie também parecia bastante irritado. não dissera nada, apenas o observara pelo canto dos olhos, abstendo-se de qualquer comentário, muito provavelmente em respeito a Gail.
Danny era o único que continuara alegre, completamente alheio ao clima tenso que se estabelecera entre os presentes.
- Você disse isso uma hora atrás! – reclamou Abigail, sentando emburrada na cadeira à sua frente, os braços cruzados e o lábio inferior levemente projetado num bico teimoso.
- Mas dessa vez é verdade – Harry retrucou, sem desviar os olhos da tela.
- Eu quero ir embora, eu estou cansada, eu tenho lição de casa para fazer! – Abigail começou a grunhir – Ficar aqui é muito chato, tio Harry. Vamos embora, vai.
Harry sabia que aquilo era, principalmente, o sono.
Com um suspiro, Harry apressou as últimas palavras de seu parecer, salvou o documento e desligou o computador. Colocou-se de pé, vestiu o terno, e observou Abigail disparar na velocidade de um trem para fora da sala, em direção ao elevador.

X


Danny estacionou o carro na frente do edifício em que morava; digitou rapidamente uma mensagem, avisando que estava lá embaixo, e recostou-se preguiçosamente contra a poltrona do carro, ligando o som.
Aquele fora um dia estressante e fingir não se deixar ser atingido por isso fora a parte mais exaustiva: Tom estava furioso com os ataques de Harry, Dougie parecia também estar chegando ao seu limite, até parecia frustrada.
Mas ele entendia, em partes.
Vindo de uma das poucas famílias bem estruturadas que Danny conhecia, Harry estava habituado a ter o que queria. Seus pais nunca foram ricos, era verdade, mas sempre se esforçaram para suprir todas as necessidades e vontades do filho.
O que, no fim das contas, resultava no fato de que Harry não sabia lidar muito bem com as coisas quando elas começavam a dar errado.
Mas Danny sabia qual era a solução para aquele problema: e Harry precisavam se entender.
Estava de olhos fechados, tentando dar formas mais concretas para o plano em sua cabeça, quando ouviu duas batidinhas na janela; abriu um dos olhos e um sorriso espalhou-se em seu rosto ao ver do lado de fora do carro, sorrindo e gesticulando para que ele destrancasse a porta.
Danny apertou o botão que destravava todas as portas e, rapidamente, abriu a porta do passageiro e deslizou para dentro do carro, reclamando do frio lá fora.
O vocalista não pôde deixar de se impressionar com o fato de que ela usava apenas uma blusa azul escura, simples, uma calça jenas clara e, nos pés pequenos e perfeitos, uma sapatilha preta.
Imediatamente, sua mente voltou para as últimas dez mulheres que saíram para almoçar com ele e percebeu que todas elas estavam sempre vestidas demais, usando maquiagem demais, parecendo nervosas demais.
agia como se ele não importasse. Tudo em sua atitude parecia se traduzir em: você não é importante o suficiente para que eu coloque saltos altos e me mutile por uma noite em sua companhia.
E ele amava isso.

X


Harry aproveitou que Abigail estava no banho e que ele já tinha colocado a pizza do jantar no forno para dar um tempo no terraço e fumar um pouco.
Com o cigarro pendendo nos lábios bem desenhados, ele agradeceu Jeremy em pensamentos; o estagiário fora cordial e solícito ao entregar ao chefe todo o seu maço de Marlboro vermelho, sem fazer qualquer pergunta ou responder-lhe com um olhar de reprovação.
Harry sentiu seu corpo relaxar à medida que a fumaça do cigarro envolvia seus sentidos, com todas as maravilhosas toxinas que ele fora obrigado a negligenciar por causa de .
...”, ele pensou, ressentido.
Era culpa dela que tudo estivesse tão confuso.
Se não fosse o fato de que estava pronta para outra, enquanto ele ainda remoía seu relacionamento recém-destruído, esperançoso por uma possível emenda, ele não teria destruído a bateria, o que faria com que ele não discutisse com Tom, o que também faria com que Mike pudesse buscar Abigail, o que evitaria toda aquela conversa cheia de farpas entre os dois no colégio e o que também evitaria o momento constrangedor no consultório do doutor Lance Rosswell, o que deixou ele irritado ao ponto de simplesmente abandonar uma sessão no estúdio com uma banda que poderia ser a próxima sensação adolescente.
- O que você está fazendo?! – Harry girou nos calcanhares e encontrou Abigail enrolada em sua toalha, observando-o com os olhos verdes arregalados – Isso é um cigarro? – ela teve o cuidado de pronunciar a palavra quase como se fosse um palavrão, com uma careta enojada.
- É só um cigarro, Gail, por favor – Harry suspirou, dando uma última tragada antes de jogar o cigarro no chão e pisar sobre ele, extinguindo a chama.
- Você disse que não ia mais fumar! – Abigail rosnou – Faz mal para saúde, sabia?! Você quer morrer?
- Lógico que não, Gail! Foi só um cigarro, não vai fazer mal algum – ele disse, tentando acalmar os ânimos, guardando o maço dentro do bolso.
Abigail o encarava com um olhar acusador, mas se manteve em silêncio. Neste ponto, parecia-se muito com Claire.
- Gail, escute... – Harry suspirou, aproximando-se da afilhada – Eu sei que você está cansada. É por isso que está assim, não é? Hoje o dia foi muito chato, lá na Super Records.
Abigail fez um biquinho.
- Eu sinto falta de brincar de bonecas com a professora – ela choramingou – Não tem nada para fazer na Super Records, só pintar, pintar, pintar. E todo mundo tá sempre ocupado demais para ver os meus desenhos de unicórnio – ela fungou, depois fez uma careta – Você tá cheirando esquisito.
Harry deu uma risadinha e entrou na sala, fechando a porta de vidro que dava acesso ao terraço da cobertura.
- Eu sei que está chato, Gail, e eu sinto muito por isso. Vamos fazer assim, amanhã mesmo começaremos a procurar por uma babá para ficar com você à tarde, enquanto eu trabalho, está bem? – ele disse, enquanto começava a caminhar em direção à cozinha.
- Não! – berrou Abigail, às suas costas.
Harry olhou por cima dos ombros, confuso.
- O quê?
- Eu não quero uma babá. Eu quero a professora – Abigail respondeu, aturdida – Você disse que ela ia voltar quando terminasse a coisa importante dela!
Harry hesitou, procurando pelas palavras certas.
- Gail, a professora não poderá mais ficar com você – ele optou por dizer a verdade.
- O quê? – os olhos verdes de Abigail se arregalaram e a garotinha pareceu perdida e magoada – Por quê? O que eu fiz?
- Nada, Gail, você não fez nada, é só que...
- Então, o que você fez? – ela o interrompeu, com uma expressão desafiadora.
Harry arregalou os olhos azuis, surpreso com a colocação da garotinha; como ela podia simplesmente assumir que a culpa era dele pela situação? Fora quem dissera que ele não tinha capacidade para cuidar de Gail e também fora ela quem pulara nos braços do primeiro homem que surgiu três dias depois do término entre eles.
Como qualquer dessas coisas poderia ser sua culpa?
- Eu não fiz nada, Gail – ele respondeu, sério.
- Você fez ela chorar, ela está triste, sabia? Todos os dias, ela aparece toda triste na sala de aula! – Abigail retrucou, o dedo em riste – Eu vi você sendo ruim com ela hoje, você fez ela chorar!
- Eu não fui ruim com ela! – Harry rebateu, sentindo o sangue esquentar.
- Foi, sim, é só isso que você faz ultimamente. É ruim com as pessoas, faz coisas feias! Todo mundo ficou triste quando você foi embora hoje!
- Não foi minha culpa! – o homem rosnou, sentindo como se a voz fina e elevada da afilhada tomasse todos os seus pensamentos, fazendo com que ele ficasse tonto – Não é minha culpa se a não se importa mais com a gente!
Repentinamente, só houve silêncio. Harry estava com os olhos fechados, tentando normalizar a sua respiração e acalmar seus pensamentos, quando de repente, sentiu um impacto forte contra a boca do seu estômago e abriu os olhos para ver Abigail parada em frente a ele, a mãozinha fechada num punho, os olhos cheios de lágrimas.
Sua afilhada de seis anos de idade acabara de lhe dar um belo de um soco na boca do estômago.
Ele arcou o corpo, tentando controlar a dor e esperando que, de alguma forma, o ar conseguisse chegar aos seus pulmões.
- A professora se importa comigo, sim! – Abigail disse, a expressão no rosto era irritada – Você é um homem muito, muito mau! É por isso que todo mundo está bravo com você! Você fala coisas ruins que são mentira, só para deixar todo mundo triste! Eu não gosto mais de você!
Harry ofegou, perguntando-se se o fato de que não conseguia pensar nas palavras certas era porque seu pulmão falhava em juntar o oxigênio necessário para tanto, ou pelo simples fato que aquele olhar acusador que ela lhe direcionava o fizera se lembrar tão dolorosamente de Charlie.
Antes que ele pudesse pensar em fazer qualquer coisa, Abigail girou nos calcanhares e se fechou em seu quarto. Ele precisou de alguns instantes para conseguir se levantar e caminhar até a porta branca fechada.
Tentou abrir a porta, girando a maçaneta, mas descobriu que ela estava trancada.
- Abigail, abra essa porta! – ele berrou, batendo no material de madeira com as mãos abertas.
- NÃO! – veio a voz do outro lado.
- ABIGAIL! ABRA ESSA PORTA, PRECISAMOS CONVERSAR! – ele berrou de volta, começando a sentir um misto de irritação com desespero.
- NÃO QUERO CONVERSAR COM VOCÊ! VOCÊ É UM TIO HARRY MUITO RUIM, QUE DEIXA TODO MUNDO TRISTE E EU NÃO QUERO MAIS SER SUA AFILHADA!
Harry rangeu os dentes e deu um soco na porta, sentindo cada palavra da afilhada despedaçando seu coração.
- GAIL, PARE COM ESSAS BABAQUICES E SIMPLESMENTE ABRA A PORRA DESSA PORTA!
- VOCÊ FALOU DOIS PALAVRÕES! – ela retrucou, ainda resoluta em manter sua decisão.
- GAIL, ABRA ESSA PORTA AGORA! EU ESTOU MANDANDO! – ele sentiu a irritação tomar conta dele e deu mais dois socos na porta que, resistente, sequer se moveu.
- VOCÊ NÃO É MEU PAI, EU NÃO TENHO QUE TE OBEDECER! – a voz da garotinha fez-se ouvir do outro lado, em conjunto com um som forte que ressoou na altura do rosto de Harry, indicando que algo havia sido arremessado contra a porta – VAI EMBORA!
- EU POSSO NÃO SER SEU PAI, ABIGAIL GRACE DICKENS – Harry berrou, irritado – MAS ENQUANTO VOCÊ MORAR SOB O MEU TETO, TERÁ QUE OBEDECER AS MINHAS REGRAS! ABRA ESSA PORTA!
- NÃO TEM PROBLEMA, PORQUE EU NÃO QUERO MAIS MORAR AQUI! É TUDO CHATO SEM A PROFESSORA , EU TENHO QUE IR NA SUPER RECORDS O TEMPO TODO. NÃO POSSO BRINCAR DE BONECAS, NEM VER TV, NEM BRINCAR DE LAZYTOWN OU DE ZOOLÓGICO.
Harry rosnou e deu uma mais um soco na porta, sentindo-se enérgico.
- ÓTIMO! ENTÃO, SE MUDA DE UMA VEZ! – deu um chute na porta branca do quarto da afilhada e, tremendo de ódio, marchou até o próprio quarto, fechando a porta com tanta força que o barulho desta chocando-se contra a batente de madeira ressoou por todo o apartamento.

X


estava terminando de arrumar uma mochila com um pijama e roupas para o dia seguinte quando o celular começou a tocar. Atendeu o aparelho sem atentar-se ao nome no visor.
- Alô? – ela ouviu, em silêncio – Okay, estou a caminho. Fique calma e me espere.

X


estava saindo do banho, enrolada em uma toalha enquanto usava uma segunda como turbante para secar seus cabelos, quando identificou o toque de seu celular. Precisou de alguns instantes para localizá-lo em meios aos seus edredons.
Atendeu-o prontamente.
- Oi, – disse, feliz.
- Oi, parecia séria – Desculpa, mas vou ter que desmarcar hoje.
Repentinamente, sentiu como se toda a animação que conseguira juntar com o decorrer do dia esvaísse por seus poros.
- Ah, bem... – a professora estranhou o tom de voz tenso da amiga – O que houve?
- Mudança de planos resmungou, sem dar muitos detalhes – Nos vemos depois. Desculpe.
E a linha ficou muda.

X


Harry estava deitado em seu quarto, no escuro, com um travesseiro sobre seu rosto, enquanto tentava conter todos os sentimentos que tomavam conta de seu interior: a raiva decorrente de todo o estresse proporcionado pela briga com Abigail estava dando espaço a uma sensação de remorso e desespero.
Abigail era a pessoa mais importante do mundo para ele. Como aquilo pôde acontecer?
Estava preparado para se levantar e tentar conversar novamente com sua afilhada quando a campainha do seu apartamento tocou. Com o cenho franzido, confuso pelo fato de não estar à espera de nenhuma visita, ele caminhou apressadamente pelo corredor até chegar ao hall de entrada.
Abriu a porta e ficou perplexo ao encontrar parada de frente para ele.
- O que você...?
Ela ergueu uma das mãos, interrompendo-o com uma expressão acusadora.
- Cadê a Gail? – perguntou, empurrando-o para o lado e entrando no apartamento.
- Ela está no quarto, mas nem adianta, está trancada há meia hora e... – o discurso de Harry fora interrompido pelo som de uma maçaneta sendo destrancada e a porta do quarto de Abigail abriu-se.
A garotinha saiu de lá de dentro com uma expressão solene, carregando Desdemond em um braço e puxando sua mochila da escola no outro.
- Minha mala está pronta, tia – informou, tomando o cuidado de evitar olhar para o padrinho, que observava toda a cena com os olhos arregalados – Vou só buscar o Max.
- O que está acontecendo aqui?! – Harry perguntou, seguindo a afilhada para dentro da área de serviço.
Sem sequer dirigir-lhe um olhar, a garotinha deixou a mochila ao lado da executiva, que observava toda aquela cena com uma expressão impassível, e deu as costas aos dois, encaminhando-se na direção da área de serviço, onde a gaiola de Max ficava.
Harry alternava sua atenção da entrada da cozinha, recinto que dava acesso ao destino de Abigail, para , atônito.
- Isso é sério? O que está acontecendo? – perguntou, sentindo-se perdido.
- Abigail me ligou, dizendo que vocês tinham brigado e que queria morar comigo – respondeu, dando de ombros – Ela chorava muito, quase não entendi o que ela dizia.
A mulher não disse mais nada, mas sequer era necessário: a expressão séria e desdenhosa estampada em seu rosto parecia transmitir todo o seu descontentamento com Harry.
- Primeiro, você não sabe o que aconteceu. Abigail me deu um belo de um soco e depois se trancou no quarto e não abria a porta de jeito algum! – ele exclamou, inconscientemente tentando se defender – Segundo, você não pode simplesmente levar Abigail embora, eu sou o tutor dela, não você!
fixou as orbes no homem à sua frente, parecendo furiosa.
- Ouça as suas próprias palavras, Harry! – sibilou, mantendo o tom de voz baixo e sempre atenta à porta da cozinha – Abigail jamais faria uma coisa dessas a não ser que você merecesse. Ela está magoada, triste, brava e não há santo neste mundo que fará com que eu a deixe aqui com você.
Harry passou as mãos firmes pelos cabelos bagunçados.
- Isso é ridículo, . Foi só uma discussão estúpida – murmurou.
- Convença Abigail a ficar e não a levarei – a mulher retrucou, dando de ombros e cruzando os braços, sem suavizar sua expressão facial.
Como se aproveitando a deixa, Abigail surgiu da porta da cozinha segurando a gaiola de Max com as duas mãos.
- Pronto – disse, parando de frente para , ainda forçando seus olhos pequeninos e determinados para longe do padrinho.
Harry observou a cena com uma expressão dolorosa; nunca vira Abigail tão brava com ninguém antes. Ela estava resoluta em ignorar sua presença e parecia ser capaz de alcançar seu objetivo sem maiores problemas.
- Gail – Harry disse, a voz instável – O que você está fazendo?
Abigail ficou em silêncio por alguns instantes, observando Max saltitando dentro da gaiola.
- Você disse para eu me mudar – a garotinha murmurou, sentida, num fio de voz – É o que estou fazendo.
Pela primeira vez desde que saíra do quarto, Abigail direcionou os olhos verdes na direção do padrinho e ele pode ver que eles estavam levemente avermelhados. A pessoa mais preciosa para ele estivera chorando, trancada em seu próprio quarto, porque ele era idiota demais para aprender a controlar seu temperamento.
- Gail, eu... eu sinto muito – ele disse, abaixando-se para ficar na altura da garota – Eu não quis dizer aquelas coisas.
- Então, por que disse? – ela rebateu, lançando-lhe um olhar acusador e magoado – Você disse que a professora não se importava comigo, e depois disse dois palavrões e ficou berrando comigo e mandou eu ir embora. Se não queria fazer essas coisas, por que é que você fez, então?
Harry ergueu os olhos a tempo de ver a expressão de incredulidade, desaprovação e desdém no rosto de , que simplesmente revirou os olhos e desviou o olhar, respirando fundo, como quem está se controlando para manter-se distante da conversa.
Então, voltou sua atenção para a afilhada, que o observava com os olhos marejando, esperando por uma resposta. Mas, por mais que Harry quisesse, não conseguia simplesmente dizer “fiz tudo aquilo porque estava bravo e descontei em você, porque estava no caminho”.
Abigail respirou fundo, cansando-se do silêncio do padrinho.
- Vamos, tia – disse, dando as costas e cobrindo rapidamente a distância entre o local em que ela e Harry estavam para o saguão de entrada.
Colocando-se na ponta dos pés, a garotinha apertou o botão do elevador e, instantaneamente, a porta metálica abriu-se, dando acesso ao interior moderno e luxuoso do elevador.
- Tia ! – Abigail berrou, apressando a mulher.
pegou a mochila de Gail com uma das mãos e Desdemond com a outra e ajeitou-se para sair. Quando estava na altura da porta de entrada, virou-se para o homem que, parado, sozinho, no meio da sala, parecia um manequim inadequado.
- Você é um verdadeiro babaca, Judd – sibilou.
Harry engoliu em seco, sentindo todo o seu corpo dormente, incapaz de pensar com clareza, dizer qualquer coisa ou sequer mover-se.
Tudo o que ele viu foi fechando a porta e, por trás da madeira, ouviu o barulho de portas metálicas fechando-se com suavidade.
O que seguiu isso foi aquele silêncio incômodo da solidão.

X


corajosamente vestiu um abrigo - uma blusa e um moletom -, preparando-se para encarar uma noite friorenta. Suas amigas não poderiam ficar com ela, mas isso não queria dizer que ela simplesmente se renderia à depressão.
Harry Judd era um idiota e ela estava cansada de sofrer por ele.
Compraria dois copos de sorvete da Häagen-Dasz e alugaria três ou quatro filmes para distrair sua atenção. Algo bem engraçado ou aterrorizante. Na verdade, qualquer coisa que não orbitasse em volta de um casal que se ama, mas tem que encarar diversos problemas até ficarem juntos e serem felizes para sempre.
Vestiu um gorro e se olhou no espelho: estava horrível, nenhuma peça de roupa sequer combinava, mas ela estava se sentindo confortável e quentinha.
Pegou a chave do carro e analisou-a, considerando se valeria a pena gastar seu combustível por causa de três quarteirões, resolvendo, afinal, por descartá-la.
Andar faria bem, poderia colocar seus pensamentos em dia.

X


Harry estava sentado na beirada da cama de Abigail, observando o quarto abandonado da afilhada. Lembrou-se do esforço dele e de seus amigos para montar aquele quarto, de como se sujaram de tinta e de como Tom tinha planejado cada enfeite.
Abigail deveria estar ali.
Agora, por sua causa, todos estavam bravos com ele, e sua pequena, a única coisa que realmente lhe importava, preferira ir morar com a ter que aturá-lo.
- Merda... eu fodi tudo – murmurou para si mesmo, esfregando o rosto com as mãos.
Aos poucos, todos os sentimentos confusos que ele sentia começaram a subsidiar, até que restou apenas uma profunda e absoluta tristeza. Estava sozinho, afastara , seus amigos estavam bravos com ele e Abigail também.
E permitiu-se chorar pela primeira vez em muito tempo. Sentiu as lágrimas quentes pingando nas palmas calejadas de suas mãos e seu corpo inteiro parecia tremer com soluços incontroláveis.
Não saberia dizer se ficara aos prantos por dois minutos ou três horas, mas algo chamou sua atenção. Era o cheio floral específico de Claire que alcançou suas narinas.
Metade dele queria erguer a cabeça e encontrar a amiga, chorar abraçado a ela, como fizera diversas vezes durante sua amizade, mas sua outra metade estava envergonhada. Como poderia olhar nos olhos da amiga, sabendo que também a decepcionara?
- Não acabou ainda, Harry – a voz dela sussurrou em seu ouvido – Acerte as coisas.
Ele abriu os olhos e olhou em volta, procurando por Claire, mas o quarto estava vazio.

X


caminhava de volta para o seu prédio com mais sacolas do que pretendia. Inicialmente, queria comprar apenas sorvete e alugar alguns filmes, mas acabou comprando algumas outras coisas que, na hora, pareceram-lhe imprescindíveis, como três barras de chocolate, um engradado de cerveja e salgadinhos.
Suspirou, feliz e aliviada ao ver os contornos de seu edifício destacando-se à distância, os músculos de seus braços estavam começando a reclamar sob o peso das sacolas sustentáveis.
Já estava começando a pensar na logística que teria que adotar para conseguir destrancar a porta de entrada do prédio sem colocar qualquer das suas preciosas sacolas no chão, quando uma visão fez com que ela parasse de andar, congelada, e todo o ar sumisse de seu pulmão.
Harry Judd estava sentado na escada que dava acesso ao seu prédio.
Os dois ficaram paralisados por alguns instantes, observando-se. mordiscou o lábio inferior, tentando controlar todas as emoções que a visão dele provocavam, e Harry parecia ocupado demais observando todos os detalhes do rosto da professora para tentar articular qualquer palavra.
O homem não pôde deixar de observar que o silêncio entre eles costumava ser fácil e confortável, antes do fim. Agora, o silêncio era uma prova de que o orgulho poderia colocar uma parede invisível e quase impossível de ser transpassada por duas pessoas que um dia compartilharam mais intimidades do que qualquer um que visse aquela cena poderia supor.
Ele abriu a boca, pensando em tudo o que queria e precisava dizer a , mas optou por um simples:
- Precisamos conversar.

“I throw my armour down
(Jogarei minha armadura no chão)
And leave the battleground
(e deixarei o campo de batalha)
For the final time now
(pela última vez)
I know I'm running from a warzone
(Eu sei que estou fugindo da zona de guerra)”



Capítulo 22 – True Friends

“Such a sight to see
Shining light for me
So i might believe
There's a sparkle light shining
vibrantly inside of me”
Emblem3 – True Friends



e Danny entraram rindo no carro do homem; ambos sentiam a barriga cheia e o coração leve, o tipo de sensação que só era proporcionada por um jantar composto por ótimas pizzas e uma companhia agradável.
- Bem... – Danny deu partida no carro e olhou para a psicóloga com as sobrancelhas erguidas. – Para onde agora?
Em resposta, abriu sua bolsa e começou a remexer seu interior por alguns instantes, até finalmente puxar seu celular. Com um dedo indicador erguido, ela pediu um momento para Danny e discou o número de .
- ? – a voz da professora estava estranha, era um sussurro estrangulado.
- Oi! Estou indo para sua casa agora, está bem? – a psicóloga respondeu.
- Ahn... Melhor não ¬– continuava com o mesmo tom esquisito.
- , o que você tem, hein? – quis saber a amiga.
- O Harry está aqui. Preciso desligar. – e a linha ficou muda.
ficou observando o celular em suas mãos por alguns instantes, o queixo caído. Seu rosto era uma perfeita máscara de confusão e surpresa.
- O que houve? – perguntou Danny, preocupado.
- A ... E o Harry... – ela se interrompeu, resolvendo por recomeçar a frase. – O Harry está na casa da nesse instante.

X

saiu da cozinha com o celular na mão; Harry estava sentado em seu sofá, parecendo grande e desengonçado naquele recinto que já testemunhara diversas demonstrações de amor dos dois.
- Era a . – a professora murmurou, sem saber muito bem por que se sentira na obrigação de informá-lo.
Desde que fora surpreendida pela imagem de Harry Judd sentado na frente de sua porta, esperando por ela e pedindo por uma oportunidade para conversarem, a mulher sequer conseguira pensar direito.
Sem palavras, simplesmente concordou com um aceno de cabeça e, com um gesto mudo, pediu para que Harry saísse da frente da porta. Com as mãos trêmulas, deixou as sacolas de compra no chão e começou a tentar encaixar a chave na fechadura. Depois de duas ou três tentativas, ela finalmente conseguiu fazê-lo e abriu a porta.
Voltou-se para pegar suas sacolas, mas percebeu que Harry já se encarregara disso. Mordiscou o lábio inferior e subiu as escadas rapidamente, sentindo o coração batendo com força e sua mente completamente enrolada em pensamentos desconexos.
No momento em que ela conseguiu abrir a porta do seu apartamento, o celular começou a tocar e ela abandonou Harry, contente por ter uma desculpa para tirar aquele homem do seu campo de visão, e reconfortou-se em sua cozinha para conversar com .
Mas, naquele instante, estava frente a frente com Harry Judd e eles não poderiam continuar nesse silêncio desconfortável para sempre.
- Então... – ela murmurou, a voz soando um pouco incerta. – O que você está fazendo aqui?
Harry mordiscou o lábio inferior, parecendo incerto de como responder àquela pergunta.
- Eu estou sozinho. – ele respondeu, incapaz de encarar a mulher nos olhos.
- Eu percebi isso. Onde está a Gail? – perguntou , cruzando os braços.
- Não... – Harry moveu a cabeça de um lado para o outro, encarando-a nos olhos pela primeira vez desde que entraram no apartamento. – Você não entende. Eu. Estou. Sozinho. Você, , Tom, Dougie, Abigail... Todos se cansaram de mim.
ficou em silêncio por alguns segundos, perdida naquele encantador par de olhos azuis, enquanto seu cérebro lentamente processava aquela informação.
- A Abigail se cansou de você? Harry, ela é louca por você! O que você fez? – o tom acusador na pergunta fez Harry dar um meio-sorriso ao lembrar que esta fora a mesma postura adotada por sua afilhada em relação à professora.
As duas eram tão parecidas que chegava a doer-lhe por dentro.
- Desde que... – ele hesitou, respirando fundo, tentando encontrar uma forma de se expressar. – Desde que acabou... – embora ele não tivesse sido específico, sabia que ele se referia ao relacionamento deles -, eu não tenho... Eu... Eu não tenho agido da forma mais correta.
- Não me diga. – murmurou, irônica, desviando os olhos.
- Eu sei. – Harry pigarreou. – Eu sei que eu errei, está bem? Já estou pagando caro por isso.
Os dois ficaram em silêncio por alguns instantes, sem ousarem olhar um para o outro.
- O que aconteceu entre você e a Gail? – ela perguntou, quebrando novamente o silêncio.
Harry hesitou, passando uma das mãos grandes e calejadas pelo cabelo. Suspirou enquanto considerava que ele devia ser honesto com a mulher, se queria a ajuda dela.
- Eu... Eu disse uma coisa muito ruim. – Harry respondeu.
ergueu as sobrancelhas e cruzou os braços.
- O que você disse?
Houve um breve instante de silêncio, durante o qual o homem tentava reunir toda a coragem necessária para dizer a verdade.
- Eu disse que você não se importava mais com a gente. – ele disse, focando seus olhos no rosto da professora.
- VOCÊ O QUÊ? – berrou e, instantaneamente, Harry colocou-se de pé, num instinto de autopreservação. – O que você tem na cabeça, Harry Judd? Merda?
A decepção, a mágoa e a irritação que tremulavam nos olhos que ele tanto apreciava tornavam a missão de encará-la com dignidade impossível. Por isso, ele desviou os olhos novamente e esfregou o rosto, num ato frustrado.
- Eu sinto muito. Eu não queria que nada disso acontecesse. – ele disse, aproximando-se de que, prontamente, recuou alguns passos, deixando bem claro que não desejava tê-lo por perto. – Eu só... Eu vim aqui ontem. Pedir desculpas, tentar... Tentar... Eu não sei... Eu tinha rosas e tudo mais. – ele se movia, desconfortável, lançando olhares rápidos na direção da mulher enquanto enfiava as mãos no bolso, porque não sabia o que fazer com elas. – Mas eu vi você com o doutor Rosswell e pensar em você com ele... Eu perdi a cabeça.
Harry observava atentamente os próprios sapatos enquanto um silêncio desconfortável e ressentido ocupava o ar em sua volta. De repente, ele ouviu um fungar baixo e, surpreso, ergueu os olhos para encontrar chorando.
- ...?
- Você é um babaca, Harry Judd! – ela rosnou, num tom que só não soava mais acusador porque sua expressão chorosa dava-lhe um ar de fragilidade. – Você é um tremendo idiota! Como é que você se atreve? Eu errei, okay? Não devia ter dito que você não era responsável o bastante, não devia ter deixado o ciúme levar o melhor de mim... Mas qual é a sua desculpa por ter sido uma pessoa tão... Intragável... Nos últimos dias? – ela usou uma das mãos para secar as lágrimas. – Eu odeio você. Eu odeio você, eu odeio você e eu odeio você. Odeio você e seus sinais confusos. Até hoje à tarde, eu não era necessária. Você lembra? EU TENTEI FALAR COM VOCÊ! – ela berrou, o som saindo entrecortado por causa do choro. – E agora você vem aqui dizer que é minha culpa, porque eu aceitei sair em um encontro com outro homem? Você não falava comigo! Não tem direito de exigir nada de mim! Eu nem beijei o Lance, por... – e ela se interrompeu, furiosa consigo mesma.
Poderia ainda ser apaixonada por aquele gorila idiota de quase dois metros de altura. Mas ele jamais ouviria isso de sua boca novamente.
Harry, por sua vez, estava com a respiração suspensa. dissera muitas coisas no último minuto, mas uma em especial atraíra toda a sua atenção.
- Então, você não ficou com o doutor Rosswell? – ele perguntou, tentando parecer casual, mas sabendo que sua voz entregava sua ansiedade.
- É lógico que não! Eu só aceitei porque eu não tinha mais nada para fazer! – ela retrucou, irritada. – Não sei se você lembra, Judd, mas você não retornava as minhas ligações. Foi a melhor coisa que eu fiz a mim mesma, se quer saber. Me diverti muitíssimo naquela noite.
Harry sentiu a alfinetada, mas nada daquilo importava.
Ela não beijara o médico.
- E por que você não o beijou? – o homem perguntou.
estava com a cabeça baixa e, frequentemente, levava as mãos ao rosto, numa tentativa falha de secar o caminho das lágrimas. Ela nem conseguia definir se as lágrimas eram de revolta, tristeza ou raiva. Talvez fossem consequência de todos os três.
De repente, os dedos firmes e calejados de Harry Judd tocaram seu queixo, com suavidade, puxando seu rosto cuidadosamente em direção à luz. As lágrimas desciam menos frequentemente, mas sua visão ainda estava embaçada demais para que ela conseguisse definir a expressão exata no rosto do homem.
Mas sabia que ele estava mais próximo dela do que ela gostaria.
- , por que você não quis beijar o doutor Rosswell? – ele perguntou, novamente, com um tom de voz determinado.
fungou, tentando controlar sua respiração e impedir mais lágrimas de caírem.
- Não é da sua conta. – ela sibilou, afastando a mão dele de seu rosto com um gesto brusco. – Não lhe devo mais satisfações.
- Você está certa. – Harry disse, com um aceno de cabeça, dando mais um passo na direção da mulher. – Você não me deve nada. Eu não deveria ter ficado bravo. Mas o mero pensamento das mãos dele nas suas... – ele deu mais um passo na direção da professora, que recuou um passo, tentando manter uma distância segura do homem. – Os lábios dele sentindo o seu gosto... – ele deu mais um passo e sentiu suas costas contra a parede, repentinamente consciente de que estava encurralada e Harry estava a apenas dois passos de distância. – Considerar... Mesmo que por um segundo... Segurar você nos braços dele, sentir seu cheiro... – Harry colocou uma mão espalmada em cada lateral do corpo de , prensando-a contra a parede. A mulher fechou os olhos, engolindo em seco, sentindo o cheiro familiar de Harry invadir todos os seus sentidos e os lábios dele roçarem de leve sobre os seus, até fazerem uma caminhada lenta e dolorosa até seu ouvido esquerdo. – Te possuir... Eu não podia tolerar esses pensamentos, ... – lentamente, ele voltou o caminho torturante até os lábios dela. – Isso estava me enlouquecendo, porque eu...
conseguiu juntar toda a sua força de vontade para colocar os dedos sobre os lábios de Harry e empurrá-lo com firmeza para longe de si.
- Harry... Não. – disse, com firmeza. – Eu sou uma professora de primário e você é o baterista de uma das maiores bandas do mundo. Vocês têm fãs em lugares que eu nunca nem pensei em conhecer, como a Guatemala e o Brasil! O seu lugar é ao lado de uma modelo da Victoria’s Secret, que seja incrivelmente linda e intocável, e não ao lado de uma mulher que está sempre suja de tinta para pintura de dedo. Não me importa o que você sente, não me importa nada do que você disse agora. Nós somos de mundos diferentes, Harry. A única coisa que temos em comum é a Gail. – ela observou a expressão dele transitar de confusa para magoada e, por fim, para uma de compreensão resignada. – Eu vou te ajudar com ela, contanto que você prometa que isso – usou seu dedo indicador para indicar eles dois – nunca mais vai acontecer. Já fizemos o nosso test-drive. Não funcionou. Não adianta nadar contra a maré.
Harry sentiu como se seu coração estivesse sendo cruelmente pisoteado e, apesar de todos os seus esforços para encontrar algum argumento que pudesse rebater o alegado pela professora, não conseguira pensar em nada.
E, em seguida, repreendeu-se por sequer querer fazê-lo.
Sua prioridade agora era trazer Gail de volta para casa, fazer com que sua afilhada o perdoasse, não se reconciliar com a sua ex-namorada.
- Você está certa. – ele disse, a voz um pouco acima de um sussurro. – Nunca mais vai acontecer.
Houve mais um breve instante de silêncio entre os dois, no qual era possível ouvir o som de corações partidos batendo em descompasso.
- Onde está a Gail? – questionou.
- Na casa da . – ele respondeu, incapaz de encará-la nos olhos.
o observou criticamente por alguns instantes e, então, começou a caminhar em direção ao seu quarto.
- Aonde você vai? – Harry perguntou.
- Buscar minha bolsa. – ela respondeu, sua voz ecoando pelo corredor.

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passou as mãos pelos cabelos enquanto observava Abigail posicionar Desdemond em seu sofá e, em seguida, sentar-se no chão, puxando sua mochila para mais perto de si.
Autossuficiente, a garotinha deslizou o zíper de sua mochila e segurou-a ao contrário, despejando todo o seu conteúdo sobre o tapete da sala. Barbies, roupas para Barbies, Kens e acessórios depositaram-se como uma pilha assustadora.
Os olhos de se arregalaram.
- O que é isso? – perguntou, perplexa.
Abigail observou a mulher com as sobrancelhas erguidas.
- Bonecas. – a garotinha respondeu, num tom de voz óbvio.
- Eu sei que são bonecas. – rapidamente caminhou até o lugar aonde Gail estava sentada e ajoelhou-se ao seu lado, puxando a mochila vazia para perto e inspecionando-a, incrédula. - Você trouxe bonecas?
- Não. – Abigail retrucou, como se a ideia fosse absurda. – Eu trouxe o Desdemond também!
- Gail! – agora tateava o fundo da mochila, inconformada. – E as suas roupas, escova de dente, uniforme?
Abigail observou-a com os olhos arregalados, considerando a questão.
- Ah. Bem. Deve ser por isso que a minha mãe não me deixava fazer as malas. – ela respondeu, encolhendo os ombros. – Eu não tive muito tempo! Só agarrei o que era mais importante!
abriu a boca para retrucar, mas foi interrompida pelo som da campainha.
Rapidamente, colocou-se de pé e caminhou até a porta, espiando pelo olho mágico, arregalou os olhos e destrancou a porta, abrindo-a num gesto brusco que expressava com precisão a sua surpresa.
- ? – a mulher demorou alguns segundos para registrar que Harry Judd estava parado atrás de , com as duas mãos no bolso da calça. – O que vocês...?
- PROFESSORA ! – Abigail berrou, interrompendo e arremessando seu corpinho contra o da outra mulher, abraçando-a com força. – EU ESTAVA COM MUITA SAUDADES!
- Eu sei, meu amor. – respondeu, emocionada, penteando os cabelos da garotinha com seus dedos. – Eu também estava.
- O tio Harry disse coisas muito feias, ele... – assim que a garotinha afastou seu rosto do corpo da professora, percebeu o padrinho parado às costas da mulher e, imediatamente, interrompeu sua fala e fechou seu rosto, numa expressão irritada.
gesticulou para que entrassem e todos obedeceram.
Harry olhou em volta, parecendo desconfortável e ansioso.
- Gail, eu acho que precisamos conversar, eu... – Harry parou de falar, ao perceber que a garota estava deliberadamente de costas para ele e, a cada passo que ele dava, ela parecia dar outro no sentido oposto. – Gail, pare de me ignorar.
- Não estou te ignorando. – ela respondeu, solenemente, enquanto cruzava os braços e empinava o nariz arrebitado. – Estou fingindo que você é uma mosca.
Houve um breve instante de silêncio.
- Isso é ignorar.
- Hum... – Abigail entreabriu os olhos, assumindo uma expressão pensativa. – Então, estou te ignorando. E não vou parar.
Harry abriu a boca para tentar argumentar, mas desistiu na metade do caminho, sentindo-se arrasado. Seu coração já estava despedaçado demais para aguentar outra facada e, honestamente, estava exausto demais para tentar convencer uma garota de cinco anos teimosa a prestar atenção em seu pedido de desculpas.
Deus, desde quando ela era tão parecida com Charlie?
Percebendo o desespero de Harry, pigarreou.
- Gail, por que é que nós duas não vamos conversar um pouco? – perguntou, abaixando-se para ficar na altura dos olhos da criança. – Só nós duas?
Abigail considerou a questão e concordou com um aceno de cabeça, porque sentia falta da professora e realmente queria conversar com alguém.
A mulher levou a menina pela mão até o quarto de e fechou a porta cuidadosamente às suas costas, lançando um olhar tranquilizador na direção do casal, que ficara sozinho na sala.

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Danny estava impressionado com a facilidade com a qual se abria para ele; as outras garotas costumavam se fazer de misteriosas, objetivando instigá-lo a querer conhecê-las melhor.
, por sua vez, parecia agir da forma completamente oposta, mas, ainda assim, conseguia deixá-lo cada vez mais interessado nela, em sua personalidade brilhante, em sua risada solta e divertida, em seus olhos inteligentes e em seus comentários mordazes.
Naquele instante, por exemplo, Danny descobrira um novo aspecto sobre a mulher: a geralmente despreocupada e divertida se tornava um cão de guarda super protetor quando se tratava da segurança e felicidade de suas amigas, sobretudo .
Ele sabia disso, porque desde que ela desligara a ligação com a amiga, sua expressão risonha havia se tornado mais sóbria e suas respostas às tentativas dele de iniciar conversas, monossilábicas.
- Vai ficar tudo bem, você sabe. – ele comentou num tom casual.
- Huh? – murmurou, voltando seus olhos para ele, sendo tirada de seus pensamentos.
- Harry e . – ele completou, dando um sorriso sincero. – São adultos e eu sei que as coisas estão meio estremecidas, mas eu consigo ver que o que eles sentem um pelo outro é muito forte.
- Eu sei... – ela murmurou, mordiscando o lábio inferior. – É só que... Quando a se abre... Quando ela realmente se permite gostar de alguém, ela abaixa todas as defesas. E quando a pessoa a magoa é tão duro para ela conseguir se erguer novamente. Eu... Eu só não quero passar por todo o drama do Jeremy de novo, só isso.
Danny estacionou o carro junto ao meio-fio, bem em frente ao prédio da psicóloga.
- Eu sei que é duro ver nossos amigos magoados, acredite. Ás vezes, eu ouço pessoas se gabando de suas amizades, dizendo “meus amigos são como meus irmãos” e eu rio por dentro, porque isso não é nada. Eu, Tom, Dougie e Harry não somos como irmãos. Somos muito mais do que isso. Eles são uma parte de mim. Quando um deles está magoado, como Harry, eu sinto a dor em mim e isso é desesperador. – virou-se para ele e Danny conseguiu ver no brilho dos olhos dela que ela se identificava com as palavras dele. – Eu sei que você sente isso com a também. Então, eu entendo. Mas quero que você saiba que Harry é uma excelente pessoa e que jamais magoaria ... Ou qualquer pessoa, de verdade... Intencionalmente.
lutou contra o sorriso que se formava em seus lábios, tentando manter uma expressão neutra.
- Bom mesmo, do contrário terei que o assassinar enquanto dorme. – rebateu.
Danny jogou a cabeça para trás e gargalhou.
- Você é sensacional, . – ele disse quando finalmente conseguiu controlar sua voz.
- Você também, Jones. – ela retrucou, inclinando-se na direção do garoto e depositando-lhe um beijo carinhoso em sua bochecha. – Obrigada por hoje à noite. Foi incrível. – levou a mão até o tranco da porta do carro e a abriu – Boa noite.
- Boa noite. – Danny desejou enquanto observava ela se afastar em direção ao edifício.

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Harry observou enquanto andava como um furacão pela sala de sua casa, arrumando com gestos rápidos e eficientes todas as pequenas bagunças que Abigail fora capaz de produzir nas poucas horas que ficara sob seu cuidado.
- Você vai levá-la? – a mulher perguntou, sem voltar sua atenção para o homem, de tal forma que Harry precisou de alguns segundos para perceber que ela estava se dirigindo a ele.
- Para casa? – ele perguntou, surpreso. – Bem, é a intenção.
soltou um suspiro e cruzou os braços, finalmente voltando-se para ele e apoiando a lateral do quadril contra a mesa de jantar.
- Ela veio chorando o caminho inteiro. – disse com uma expressão séria.
Harry hesitou, incerto do que deveria fazer com aquela informação, sentindo seu coração se comprimir em seu peito.
Quando ergueu os olhos, encontrou os orbes e penetrantes de fixos nele e entendeu que ela queria uma postura dele. Queria que ele a assegurasse de que estava fazendo o que era melhor para Abigail ao deixá-la voltar para casa com o homem que quebrara seu pequeno coraçãozinho.
Naquele momento, ele percebeu que não teria que se desculpar apenas com e Abigail, tinham muitas outras pessoas a quem ele magoara durante aquele processo de luto pelo seu relacionamento: , Tom, Dougie e os garotos da Crazy Heads.
Resolveu começar por aquela mulher incrível que estava à sua frente.
- , não vou mais estragar as coisas. Eu agi como um idiota, eu admito. Mas eu só precisei ficar cinco segundos longe da Abigail para perceber que eu não conseguiria suportar ficar sem ela. – ele disse, colocando-se de pé e aproximando-se da sua amiga. – E eu conheço aquela garotinha melhor do que eu conheço a mim mesmo e sei que tenho um trabalho árduo pela frente para conseguir o perdão dela. Mas não é só do perdão dela que eu preciso.
fixou os olhos nos dele rapidamente e depois desviou, com uma expressão emburrada. Harry colocou as mãos nos ombros da amiga, tentando chamar a atenção dela para ele.
- Queimei muitas pontes nesses últimos dias. – ele disse, de forma significativa.
- É, eu sei. Elas ainda estão pegando fogo. Os bombeiros vão precisar de alguns dias até conseguirem apagar. Talvez anos. Talvez nunca apaguem. E mesmo que apaguem, todo o trabalho até reconstruir...
Harry hesitou, um pouco perdido.
- Nós estamos falando da nossa amizade? – perguntou.
- Sim, nós estamos. – ela respondeu, cruzando os braços com mais força.
- Certo... – Harry suspirou, tirando as mãos de , porque sentia que a amiga parecia mais arisca graças ao contato físico. – Eu sinto muito por todas as coisas horríveis que eu disse para você. Sobre os seus relacionamentos...
- Eu lembro o que você disse. – o interrompeu, claramente não querendo voltar àquele assunto.
- É. Então... – Harry pigarreou. – Eu sinto muito. De verdade. Eu não quis dizer aquilo, eu só estava sendo um idiota e não queria que ninguém viesse me controlar racionalmente. Eu estava de coração partido, não poderia me permitir estar errado também.
revirou os olhos e fixou-os em algo perto dos seus pés, sem falar uma palavra. Harry entendeu aquilo como um óbvio sinal de que ele não havia sido perdoado. O fogo na ponte continuava imponente e furioso.
- E eu sei que você só queria o meu bem...
- O da Gail. – ela corrigiu, ainda sem olhar para ele. – E o da . Eu quero que você se dane.
- Certo. , você precisa fazer um esforço aqui, tá certo? Estou tentando pedir desculpas, fica difícil fazer isso quando parece que você está disposta a me chutar para fora da sua casa.
estalou os lábios, a contragosto, e voltou lentamente os olhos na direção do rosto do homem, quase como se esse mero e sutil movimento lhe causasse dor física.
- Fale. – ela resmungou.
- Eu sinto muitíssimo pelo o que eu disse. Eu sei que você só queria ajudar, que você estava preocupada e que, obviamente, estava vendo a situação de uma forma muito mais clara do que eu. Cometi um erro. Existirão muitos outros durante a nossa amizade, do mesmo jeito que já errei muito com os meninos. Mas é isso o que os amigos fazem, não é? Eles perdoam as suas mancadas, não importa o quão ruim elas possam ter sido.
arregalou levemente os olhos.
Amigos?
Ela e Harry Judd eram amigos?
Isso queria dizer que ela tinha mais uma pessoa para...
- Perdoar as mancadas e se certificar que os amigos não morreram e viraram ração para ratos? – retrucou, com um olhar desconfiado.
Harry hesitou, sua face assumindo uma expressão confusa.
- Comida de...? – interrompeu-se, percebendo a expressão determinada nos olhos da mulher. – Claro. Nunca deixaria nenhum de vocês virar comida para rato. – tentou manter uma expressão neutra ao dizer a última frase.
concordou com um aceno discreto de cabeça, com uma expressão pensativa. Depois de alguns instantes, descruzou os braços e estendeu uma das mãos na direção do homem, num óbvio gesto de tréguas.
Harry sorriu, aliviado, e apertou a mão delicada, mas firme, da amiga nas suas.
- Você é a melhor. – ele suspirou.
Ela colocou mais uma mão sobre o aperto e o puxou para mais perto, os olhos apenas duas frestas.
- Faça mais uma lágrima cair dos olhos da Gail ou da e eu te castro. – ela rosnou, num tom de voz baixo e aterrorizante.
Harry engoliu em seco, mas manteve seus olhos fixos nos da mulher.
- É um acordo. – ele disse.
- Não. – ela rebateu. – É uma promessa.

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fechou a porta com cuidado e observou Abigail sentando-se na cama de costas para ela.
- Gail, você sabe que tem que falar com o Harry, não é? – ela disse, aproximando-se da garotinha e sentando-se ao seu lado.
A garotinha fez um bico e cruzou os braços, virando a cabeça para o sentido oposto à professora, deixando claro que aquele não era um assunto desejado.
- Gail, fale comigo. – pediu, passando os dedos pelos cabelos ruivos e sedosos da garota. – Eu senti tanta saudade sua. Você não sente falta de conversar comigo?
Abigail ficou na mesma posição por um breve instante, mas em seguida voltou-se na direção da professora e a abraçou, afundando o rosto na blusa de moletom que a mulher usava, o corpinho tremendo.
- Eu estava com muitas saudades, professora . – ela fungou, tentando não chorar. – As coisas estavam muito chatas sem você.
- Como assim, chatas? – a professora perguntou num tom de gentil, acariciando os cabelos da garota, tentando acalmá-la.
Abigail afastou-se de leve, estabelecendo contato visual com .
- Eu tinha que ir para a Super Records todos os dias. Foi legal no começo, mas depois ficou muito chato, eu não podia fazer nada. As pessoas brigavam comigo se eu falava alto, se eu dançava, se eu cantava, se eu pintava as paredes, se eu desenhava nos quadros e ninguém queria brincar de zoológico comigo. E eu tinha desenhado o elefante unicórnio mais lindo de todos e jogaram no lixo. – os olhos verdes da garotinha se encheram de lágrimas. – Aquele lugar não é divertido. – ela concluiu, fungando de novo.
- Não acredito! – ofegou, soando genuinamente ofendida pela postura dos profissionais da empresa. – Mas vai ficar tudo bem agora, não é?
Gail levou um dos dedinhos até os seus olhos, limpando uma lágrima gorducha que escapou.
- Vai? – perguntou, incerta.
- Vai. E você sabe por quê? – instigou-a a professora.
- Porque eu vou morar com a tia agora? – respondeu a garotinha, fungando.
- Não! Porque eu vou voltar a passar as tardes com você, na casa do Harry! – ela completou, com um tom de voz exageradamente animado.
Abigail fechou sua expressão novamente.
- Não quero voltar para lá. – disse, em tom definitivo. – Ele disse coisas ruins e foi um boboca. Me mandou embora! – exclamou a última parte, indignada.
deu um sorriso compreensivo e puxou a garota para um novo abraço, ponderando sobre a questão em suas mãos. Abigail tinha uma personalidade tão forte por baixo de toda aquela gentileza e doçura que chegava a ser surpreendente.
- Ele disse coisas ruins sobre você. – Abigail murmurou. – Disse que não gostava mais da gente.
apertou com mais força a garota contra os seus braços, percebendo que ouvir aquelas palavras dos lábios dela doía ainda mais do que ouvi-las dos de Harry. Fechou os olhos e pressionou a bochecha contra o topo da cabeça ruiva da garota.
- Você sabe que isso é mentira, certo? – perguntou, num tom de voz baixinho.
Abigail não respondeu, mas sua cabeça se moveu para cima e para baixo, de forma positiva.
- Eu nunca deixei de gostar de nenhum de vocês dois, sabia? Escute, olhe para mim. – pediu e, lentamente, a garota obedeceu, os olhos cheios de lágrimas. – Eu preciso te contar um segredo.
Os olhos verdes de Abigail brilharam. Ela adorava segredos quase tanto quanto adorava sorvete e unicórnios.
- O que é? – perguntou, num sussurro ansioso.
- Sabe como as pessoas sempre dizem que somos nós, os adultos, que cuidamos de vocês, as crianças? – ela perguntou e Abigail concordou com um ávido aceno de cabeça. – Não é exatamente verdade. Às vezes, nós precisamos que vocês cuidem da gente. O tio Harry tá passando por um monte de coisas ruins agora e eu sei que ele não foi um bom menino, mas nós duas sabemos que ele é a melhor pessoa do mundo, não é?
Abigail considerou.
- Tipo, como o Kevin naquele dia que ele machucou o dedo dele, né? Ele é sempre bonzinho comigo, mas ele se machucou naquele dia e eu fui perguntar se ele estava bem e ele foi mau comigo, porque ele estava com um dodói que tava machucando ele. Não é?
- Exatamente. – sorriu. – O tio Harry tem várias coisas na cabeça dele, que funcionam como dodóis. Por isso que ele foi ruim naquele dia. Mas ele está melhor agora e ele precisa de você para ajudá-lo a ficar cem por cento curado. O que você me diz?
Abigail cruzou novamente os braços, sua expressão não estava mais carrancuda, mas pensativa.
- Acho que faz sentido. – concedeu. – Tudo bem, vou cuidar dele. Mas só se você me ajudar. – concedeu.
- Eu vou. – sorriu. – Posso chamá-lo para vocês conversarem?
Abigail mordiscou o lábio inferior, mas concordou com um aceno breve e determinado.

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Giovanna saiu do banheiro enrolada em uma toalha felpuda e sorriu ao encontrar Tom sentado sobre a cama de casal, recostado contra a cabeceira, com um prato no colo e um sanduíche de manteiga de amendoim nas mãos.
- Olha só, permitindo-se uma bomba de calorias! – sorriu enquanto vasculhava o interior do armário atrás de pijamas confortáveis. – Dia problemático?
Tom soltou um resmungo, concordando, enquanto terminava de mastigar o pedaço do sanduíche na sua boca. Quando engoliu todo o conteúdo, deixou o sanduíche sobre o criado-mudo na lateral da cama.
- Você não tem ideia, amor. – ele murmurou, num tom de voz que parecia tremular entre um rosnado e um choramingo. – Hoje foi absolutamente terrível.
- O que houve? – ela perguntou, ainda de costas para ele, enquanto enfiava a cabeça dentro de uma blusa de moletom.
- O Harry. Insuportável. Ele... – soltou um grunhido, incapaz de concluir a frase. – Não quero falar sobre isso, de verdade. Acho que preciso ficar uns três dias sem olhar na cara dele.
Giovanna observou o namorado com os olhos arregalados; era raro que Tom se enfurecesse com alguém, ainda mais se tratando de um dos garotos da banda, mas sabia que uma vez que ele era tirado do sério, apenas o passar do tempo poderia acalmar seu temperamento.
- Você sabe que o Harry está passando por um momento difícil. – ela disse, terminando de se vestir e sentando-se do outro lado da cama.
- Não, ele estava passando por um momento difícil quando terminou com a . Agora, parece que ele resolveu vender a alma dele para o capeta, ou algo do gênero. – Tom retorquiu, inconformado. – Você precisava ver o jeito que ele estava agindo! Parecia uma criança birrenta!
- Tom, calma... – Gio arrastou-se para mais perto do namorado e, cuidadosamente, colocou as duas mãos em seus ombros, começando a massagear os músculos tensos, tentando fazê-lo relaxar. – Você tem que parar de se estressar assim, amor. Vai ter um ataque cardíaco aos trinta anos nesse ritmo.
O homem deixou a cabeça tombar para trás e permitiu-se um sorriso enquanto aproveitava a sensação das mãos macias e competentes da namorada trabalhando sobre seus ombros.
- Eu só... O Harry... Ele... – sua voz ia se tornando mais relaxada e distraída, demonstrando uma óbvia dificuldade em se concentrar. – Com o que eu estava bravo, mesmo?
Gio riu, sentindo o namorado virando-se na sua direção.
Antes que ela pudesse responder, Tom puxou-a na sua direção e os dois começaram a se beijar urgentemente. Tempo era bom para curar as ondas incontroláveis de ira de Tom Fletcher.
Mas existia um outro artifício que era muito mais eficiente e rápido.

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Harry entrou no quarto cuidadosamente e encontrou Abigail sentada na beirada da cama de , os braços cruzados e os olhos verdes fixos nele. Repentinamente, ele se sentiu acuado, como um menino que estava na iminência de ser repreendido por sua mãe, e não pôde evitar dar um meio-sorriso com a ironia daquela situação.
- Gail... – ele começou, colocando as mãos no bolso de sua calça, sentindo-se desconfortável.
- Você não abre a boca enquanto eu não terminar! – Abigail o interrompeu, a voz firme e autoritária.
Harry arregalou os olhos, surpreso e incrédulo. Aquela era a frase que Claire costumava dizer sempre que estava dando um de seus sermões nele ou em Charlie e, por um segundo, o homem confundiu mãe e filha. Sua garganta apertou, mas ele concordou com um aceno de cabeça, indicando aceitar os termos da afilhada.
- Muito bem. Você foi um menino muito, muito mau. – Abigail começou, com o dedo em riste. – Foi mau comigo, com a professora , com o tio Tom, o tio Dougie, os moços da banda...
- Eu sei, eu...
- EU ESTOU FALANDO. – a garotinha ergueu o tom de voz, encobrindo-o com uma expressão acusadora. Harry fechou a boca e ela o observou por alguns instantes, como se estivesse se certificando de que ele não quebraria seu silêncio novamente. – Mas a professora me explicou que vocês adultos tem dodóis dentro de vocês que fazem com que vocês sejam ruins. E que você precisa que eu te ajude a parar de ser ruim. Então, eu vou voltar a morar com você, mas... – ela acrescentou, fazendo com que a expressão de contentamento e alívio de Harry se congelasse. – Tenho algumas condições.
- Condições. – Harry ecoou, confuso.
- Sim. – Abigail empinou o nariz, encarando-o com uma expressão solene. – E são cinco. Um, a professora tem que voltar a brincar comigo todas as tardes. Dois, você tem que me deixar tomar sorvete sempre que eu quiser. Três, você tem que brincar comigo do que eu quiser, quando eu quiser. Quatro, nós temos que comer pizza todos os sábados. E, cinco, você tem que pedir desculpas para todo mundo que você deixou triste. Começando por mim.
Harry deu um sorriso triste ao perceber que a garota, apesar de ter-lhe permitido a possibilidade de conseguir o seu perdão, continuava parada como uma estátua, os braços cruzados e uma expressão fechada.
Ele sabia que tinha magoado a afilhada, mas, até aquele momento, não tinha realmente apreciado a gravidade da situação.
Em passos rápidos, ele fechou a distância entre ele e a garota e ajoelhou-se de frente para ela, ficando mais ou menos da altura da afilhada sentada.
- Gail, eu sinto muito, está bem? Eu estava muito cansado e tinha muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, sabe? E esse sempre foi o meu defeito, às vezes, quando as coisas não acontecem como eu gostaria que acontecessem, eu fico de mal com o mundo. Mas eu já tenho idade o suficiente para entender que nem tudo é como a gente quer. E que tipo de padrinho eu seria para você, agindo desse jeito? – Gail mantinha os olhos fixos na expressão do homem, avaliando as palavras dele. – Mas você é a pessoa mais importante para mim. Então, de certa forma, a professora está corretíssima ao dizer que eu preciso de você. Quando você foi embora... – ele relutou, tentando achar as palavras exatas. – Quando você veio para cá, com a tia , eu senti como... Eu senti como se meu coração tivesse saído pela porta com vocês. E doeu tanto. – ele se interrompeu, novamente, engolindo em seco, ao sentir a garganta começar a pesar e a respiração ficar mais difícil, ao mesmo tempo em que seus olhos se enchiam de lágrimas. – Eu vivo dizendo para todo mundo que eu sou o melhor para você. Que você precisa de mim. Mas a verdade, Gail, é que é justamente o contrário. Eu preciso de você. Você é o melhor para mim. E, nesses últimos dias, eu não tenho agido de forma a honrar isso. Por isso, preciso que você me perdoe. Porque eu não sei se eu posso me perdoar.
Harry fechou os olhos e sentiu um rastro quente formado por uma lágrima que deslizou de seus cílios. Antes que ele pudesse fazer qualquer coisa, sentiu os dedinhos delicados de Abigail limpando as lágrimas e, em seguida, a garotinha jogou seu corpo contra o do padrinho, envolvendo-o em um abraço.
- Tudo bem, tio Harry. Eu te desculpo. – ela disse, baixinho, no seu ouvido, e Harry a abraçou com força, colocando-se de pé e pegando-a no colo. – Eu estava com muita saudade de você. E não gosto de brigar com você. – ela disse com uma expressão chorosa. – Eu não queria morar com a tia de verdade.
Harry deu um meio sorriso e puxou a garotinha para mais perto, dando um beijo no topo de sua cabeça ruiva.
- Eu te amo, Gail – ele disse.
- Eu também, tio Harry. – ela respondeu.

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Dougie empurrava um carrinho de supermercado, sentindo seu corpo reclamar pelo esforço. Após um dia intenso de trabalho, tudo o que ele queria era deitar-se em sua cama e dormir, mas assim que pisou no seu apartamento, percebeu que não tinha coragem de fazê-lo.
E se sonhasse com novamente? Ele realmente acreditava que sua sanidade mental fraquejava a cada memória.
Estava farto de memórias doces, que faziam com que todo seu coração se remoesse com remorso e sofrimento, assim como não suportava mais os sonhos em que revivia os piores momentos da sua vida, sentindo um misto de alívio e amargura sempre que despertava e se recordava de que tudo estava para trás.
O bom e o ruim de seu passado.
Quando vasculhou o interior de seus armários atrás de comida, percebeu que precisava ir ao mercado e aproveitou a deixa para sair de casa. Talvez, se realmente voltasse para casa exausto, fosse capaz de ter um sono sem sonhos.
Por esse motivo, fazia meia hora que ele estava enrolando no supermercado, colocando dentro do carrinho tudo que parecesse saboroso, interessante ou útil. Caminhou lentamente por todos os corredores, analisando embalagens, cores, marcas, produtos, preços, até chegar ao ponto em que seus olhos começaram a arder.
Olhou para o relógio e constatou que passava da meia-noite. Era hora de voltar para casa e tentar a sorte.
- ...Poynter? – o ouvido de Dougie conseguiu distinguir seu sobrenome entre o barulho indistinto que o cercava e girou nos calcanhares, tentando procurar a fonte. – Senhor Dougie Poynter?
Seu coração parou de bater por um segundo quando seus olhos caíram sobre a figura que conjurava seu nome.
Não era nenhuma adolescente que o idolatrava, nem uma mulher atraente que estivesse interessada em cativar sua atenção, mas uma pessoa em específico, que pertencia ao mesmo passado cruel que ele tentava evitar em sonhos.
- Mary!? – ecoou, perplexo, enquanto observava a mulher se aproximar.
Mary Anne Koshinly trabalhou na Mansão dos , em Sussex, e por muitos meses fora uma cúmplice leal do romance dos dois adolescentes. Era ela quem liberava a entrada de Dougie na casa quando o Senhor estava trabalhando e a Senhora estava ocupada com algum evento social e, por diversas vezes, escondera o garoto, salvando-o de seu patrão.
- Senhor Poynter, eu não acredito! – ela ofegou, finalmente o alcançando, segurando seu próprio carrinho com as duas mãos enluvadas. – Quanto tempo! Eu não fico um dia sem pensar no senhor e na senhorita ! Tem a visto?
Dougie forçou um sorriso enquanto sentia seu coração ser apertado por uma poderosa e cruel mão invisível. Ironicamente, percebeu que teria sido melhor ter fugido para o mundo dos sonhos, do que encarar aquela pergunta.
- Na verdade, não. Não desde... – ele pigarreou, preferindo não concluir a frase.
- Oh. – a expressão alegre da mulher se transformou em uma de pesar. – Na verdade, senhor Poynter, eu preciso te contar uma coisa. Eu, ah... – ela se interrompeu, olhando em volta. – Não podemos tomar um café? – perguntou, apontando para o balcão da padaria que estava a apenas alguns metros deles.
Dougie concordou com um aceno de cabeça e, apesar de todos os protestos de seu cérebro, empurrou seu carrinho para perto da bancada. Mary fez um sinal para um dos funcionários, indicando que queria dois cafés, e depois se voltou para o homem.
- O senhor...
- Me chama de você, por favor. – Dougie a interrompeu gentilmente, sentando-se em um dos tripés metálicos que eram fixados ao balcão. – Não sou tão velho assim.
Mary jogou a cabeça e gargalhou isso.
- Isso é verdade, Senh... Dougie. – corrigiu-se rapidamente, ao perceber o olhar de censura que o homem lhe lançava. – Não mudou quase nada desde a última vez que eu te vi.
Dougie observou a mulher atentamente e percebeu que não poderia dizer o mesmo. Mary tinha por volta de trinta anos quando trabalhava para a família ; sempre fora rechonchuda, com cabelos castanhos tão encaracolados que pareciam formar uma aura em volta de seu rosto redondo, de nariz levemente achatado, pele morena com algumas sardas mais escuras na altura das bochechas e um sorriso contagiante.
Agora, embora o sorriso ainda tivesse o mesmo efeito de outrora, seus cabelos estavam repletos de fios brancos e sua expressão suave estava cansada, o corpo estava mais arredondado e ele percebeu que ela fez uma careta para se sentar no banco.
- Como você está, Mary? – perguntou, preocupado.
- Ah, querido, não se preocupe comigo. – ela riu, descartando a preocupação de Dougie com um aceno desdenhoso. – Isso aqui é a PVC.
- PVC? – ecoou Dougie, perplexo.
- É. – o sorriso da mulher alargou. – A Porra da Velhice Chegando.
Dougie não conseguiu se segurar e gargalhou.
- E como anda Pauline? – o rapaz perguntou, quando conseguiu finalmente se controlar.
Aproveitando a deixa com um largo sorriso, Mary Ann abriu sua bolsa e vasculhou o interior, até tirar de lá dentro uma carteira tão grande que poderia ser usada como uma bolsinha. Abriu-a e revelou fotos de três crianças; Dougie reconheceu a mais velha, que parecia ter, pelo menos, dezesseis anos: era Pauline, a filha de seis anos que Mary levava ao trabalho, às vezes, para brincar com Greyson.
- Tive mais dois filhos. – explicou Mary Ann, sorridente. – Tyler e Bruce, hoje estão com sete e nove anos, respectivamente. Pauline está quase indo para a faculdade, mas me ajuda bastante com os meninos enquanto estou no trabalho.
Dougie observou a foto das três crianças sorridentes, abraçadas, e perguntou-se como deveria ser morar em uma família alegre desse jeito.
- E o que você está fazendo aqui em Londres? – Dougie perguntou, finalmente distraindo sua atenção.
- Estou trabalhando para uma família. – a expressão da mulher tornou-se séria. – Dougie, eu preciso te falar uma coisa. Isso tem me comido viva todos os dias, desde que... Na verdade, faz tanto tempo, que eu nem me lembro de quando começou. Fui eu.
- O quê? Você o quê? – Dougie perguntou, confuso, o cenho franzido.
- O relógio. – ela desviou os olhos, parecendo envergonhada. – O relógio do senhor , fui eu quem colocou na sua mochila.
Os olhos azuis de Dougie se arregalaram e, por alguns instantes, ele sentiu como se não conseguisse respirar ou pensar direito.
Nesse momento, o homem por trás do balcão colocou cuidadosamente duas xícaras fumegantes de café na frente dos dois, mas nenhum deles se moveu para pegá-las. Dougie olhava para o nada, absorvendo a informação, inerte, enquanto Mary Ann o observava com uma expressão que mesclava preocupação e culpa.
- Dougie, eu...
- Por quê? – ele perguntou, seco, interrompendo-a. – Por quê, Mary?
Quando ele fixou os olhos nela, Mary Ann sentiu-se tão envergonhada que foi incapaz de sustentar o olhar do homem. Fixou sua atenção no conteúdo escuro de sua xícara e mordiscou o lábio inferior, mas sabia que lhe devia uma resposta.
- Ele me pediu. Quero dizer, ordenou. Charlie é incapaz de pedir qualquer coisa. – ela disse, lentamente, como se pesasse mentalmente todas as palavras, antes de pronunciá-las. – Entrou na cozinha, um dia à noite, e disse que sabia que eu estava encobrindo vocês dois. Disse que se eu não fizesse o que ele estava pedindo, seria forçado a me despedir pela minha deslealdade. – os olhos dela se encheram de lágrimas. – Quebrou o meu coração ter que fazer aquilo, Dougie. Eu juro. Mas eu tinha uma filha para sustentar, Marcos estava desempregado, na época, e eu precisava tanto daquele dinheiro. Se eu pudesse voltar no tempo... - Ela se interrompeu e, discretamente, secou uma lágrima que desceu de um dos olhos. – Mas não posso. Então, eu sinto muito. Por favor, me desculpe.
Dougie continuou sentado, olhando para nada, sentindo as informações rodando em seu cérebro entorpecido enquanto uma mescla de sentimentos parecia tomar seu corpo como ondas gigantes e poderosas.
Ele levou as duas mãos até a xícara de café, mas desistiu na metade do caminho, fixando os olhos azuis e atormentados nas próprias mãos.
- Não consigo. – ele disse, finalmente, num sussurro. – Eu gostaria muito, mas não consigo.
Os olhos castanhos e brilhantes de Mary Ann pareceram perder o brilho e ela suspirou, num misto de compreensão e decepção.
- Dougie, por favor, entenda. Eu não podia perder o emprego, eu tive que fazer isso, eu não podia perder...
- E o que eu perdi, Mary?! – ele fixou os olhos, repletos de mágoa e raiva nela. – E o que eu perdi por causa disso? O quê? Agora, só porque você me encontrou num supermercado, resolve que é uma boa hora para aliviar sua consciência e eu tenho que simplesmente sorrir e dizer que só porque está no passado, está tudo bem? Não tem um dia, nesses últimos nove anos, que eu não repasso o que aconteceu na minha cabeça, Mary Ann! Eu fui para prisão por causa desse relógio!
Mary Ann arregalou os olhos, perplexa.
- Você, o quê? Dougie, eu não sabia... Eu... Ele me disse que... – Mary Ann arregalou os olhos.
- Não quero saber o que ele te disse. – Dougie a interrompeu, puxando a carteira de seu bolso e tirando uma nota de dez libras, colocando-a sobre o balcão, entre as duas xícaras. – Estou atrasado, tenho que ir embora.
Ele viu a expressão surpresa de Mary tornar-se miserável e deu as costas para ela. Estava caminhando em direção aos caixas, empurrando o carrinho, e sequer olhou para trás.

X


Harry dirigia em silêncio, com ao seu lado e uma Abigail adormecida no banco de trás.
Uma vez mais, ele observou a rapidez com a qual duas pessoas que, no passado, compartilharam tamanha intimidade, poderiam construir um muro emocional. Por mais que ele revirasse seu cérebro atrás de algo – qualquer coisa – que pudesse falar para a mulher ao seu lado, nada parecia adequado ou interessante.
, por sua vez, não parecia muito interessada em se comunicar com ele, o que o deixava nervoso e angustiado em iguais medidas.
Teria sido tão rápido esquecê-lo?
Quando Harry percebeu, já estava estacionando o carro junto ao meio-fio, em frente ao edifício em que morava. Houve um breve instante de silêncio desconfortável entre os dois, durante o qual foi possível ouvir a respiração suave de Abigail vindo do banco de trás.
- Bem... Boa noite, Harry. – desejou, depois de pigarrear.
Ela apertou o botão para se liberar do cinto de segurança e colocou a mão na maçaneta, pronta para abandonar o veículo e deixar toda aquela confusão para trás, mesmo que apenas por uma noite.
- , eu... – ela congelou onde estava, voltando sua atenção para ele, com a porta do carro já aberta e metade do seu corpo para ele. – Ahn... Obrigado. Por tudo. Eu não... Não teria conseguido sem você.
Ela forçou um sorriso.
- Bem, não tem de quê. – ela terminou de escorregar para fora do carro e concluiu, antes de fechar a porta. – Boa noite, Harry. E bons sonhos.

X


Dougie andava pelas ruas de Corringham, tinha acabado de escapar de mais um encontro secreto com , enquanto os pais da garota estavam fora de casa, e tinha um sorriso tranquilo e relaxado brincando em seus lábios.
Foi quando ele ouviu o som de uma sirene às suas costas; a curiosidade fez com que ele olhasse por sobre os ombros e franziu o cenho ao perceber que a viatura policial estava estacionando junto ao meio-fio, enquanto um policial descia do carro, com os olhos fixos nele.
- ...bate com a descrição – ele ouviu o policial que estava fora do carro dizer para o que estava sentado no banco do piloto. – Hey, garoto. Você mesmo. De onde você vem?
- Ah... Branksom Ave. – Dougie respondeu, no automático, apontando para a direção de onde viera.
O policial trocou um olhar significativo com o colega e voltou a atenção para Dougie.
- Recebemos uma denúncia sobre um relógio roubado. – ele continuou, com uma expressão séria e autoritária. – Gostaríamos de permissão para revistar sua mochila, senhor.
Dougie hesitou, perplexo. Do que aquele homem estava falando?
- Evidentemente... – continuou o oficial, interpretando a hesitação do garoto como uma admissão de culpa. – Não podemos forçá-lo a nos mostrar o conteúdo de sua mochila, sem uma ordem judicial. Mas, do meu ponto de vista, é só adiar o inevitável, garoto. O que vai ser?
Dougie considerou que não tinha o que temer, obviamente aquilo era apenas algum mal entendido, afinal de contas, ele não roubara nada de ninguém; com um movimento de ombros, soltou-se de sua mochila, entregando-a para o policial, que aproximou-se dele para tomar o objeto em suas mãos; em seguida, os dois caminharam até a viatura estacionada e o homem depositou a mochila sobre o capô.
- Preciso que o senhor abra para mim. – pediu o policial.
Dougie deslizou o zíper central da mochila e deixou-a bem aberta, de forma que o oficial pudesse ter livre acesso ao seu conteúdo. As mãos grandes e firmes do homem remexeram o interior de sua mochila, sem pudor, até que ele deu um meio-sorriso presunçoso e, de algum lugar no meio de todos os livros, canetas e cadernos, puxou um relógio metálico de aparência cara que o garoto nunca vira antes em sua vida.
- Eu não... Isso nunca... Seu guarda, eu... – Dougie balbuciava, incrédulo.
- O senhor terá que me acompanhar até a delegacia, ladrãozinho. – o homem disse, fechando o zíper da mochila e jogando-a nas mãos do garoto. – Preciso algemá-lo? – indicou a viatura com um aceno de cabeça.
Repentinamente, a boca de Dougie ficou seca, seus pensamentos confusos. Tudo o que sua cabeça parecia ser capaz de calcular era a imagem do relógio sendo retirado de sua mochila e a expressão de desdém no rosto do policial.
As acusações e as implicações que o homem falou ainda estavam distantes de serem processadas por sua mente aturdida, quando sentiu uma mão firme envolver seu cotovelo.
- Eu não... Eu não fiz... Eu juro que não fiz... Isso é um engano... – ele murmurava, perplexo e entorpecido, enquanto era empurrado para dentro da viatura. – Eu não roubei esse relógio.
- Claro que não. – o policial ao volante revirou os olhos. – Eles são todos santos.
Os dois policiais deram uma risadinha cúmplice e o carro tremeu quando o motorista deu-lhe a partida.
Dougie sentou-se em sua cama, respirando com dificuldade, sentindo o seu cabelo colado à sua testa, em razão do suor.

X


Quando Harry chegou ao seu apartamento, caminhou com Abigail desmaiada nos seus braços até o quarto da garotinha. Parou em frente à porta aberta e observou a silhueta de todos os móveis que compunham o quarto feminino que montara para afilhada há poucos meses.
Hesitou e continuou seu caminho em direção ao seu próprio quarto, carregando a garota.
O pensamento de ficar sem Abigail tinha sido aterrorizante e ele simplesmente precisava dormir abraçado à sua afilhada, apreciando o fato de que estavam juntos novamente, mesmo que isso significasse ser chutado e socado a noite inteira.

X


acordou no meio da noite, confusa. Sentou-se na cama e passou a mão pelos cabelos levemente bagunçados, estranhando o fato de ter despertado. – geralmente, dormia tranquilamente a noite inteira.
BÉÉÉÉÉÉM.
Arregalou os olhos, percebendo que o que realmente a despertara fora o som da campainha. Tinha alguém na sua porta.
Seus olhos se fixaram no relógio digital no criado-mudo ao lado de sua cama; os números vermelhos indicavam que já passava das duas horas da manhã.
BÉÉÉÉÉÉÉM.
Engoliu em seco e, cuidadosa e relutantemente, deslizou para fora da cama. Caminhou na ponta dos pés até a porta do seu quarto e observou a porta da entrada, xingando-se mentalmente por ter fechado as janelas da sala, de forma que não conseguia ver quem estava na sua porta, apenas sua silhueta mal definida.
BÉÉÉÉÉÉÉM.
Caminhou até a porta, mas tomou o cuidado de pegar o abajur que ficava do lado do seu sofá, pronta para usá-lo como arma, caso fosse necessário. Parou em frente à porta e respirou fundo antes de colocar mão sobre a maçaneta.
BÉÉÉÉ...
Abriu a porta.
ÉÉÉÉM.
- Dougie? – ela exclamou, perplexa, quando reconheceu a pessoa parada na soleira de sua porta. Relaxou um pouco. – O que você está... – percebeu que ele segurava uma gaiola com aquele animal asqueroso. – Por que isso está aqui?
- Eu tive um pesadelo, não consigo ficar em casa. – ele respondeu com simplicidade. – E não podia deixar Paz sozinha.
Houve uma pausa, durante a qual continuou parada com a mão na maçaneta, perplexa demais para falar ou se mexer, e Dougie a observava, os olhos meio inchados devido ao cansaço, com a gigantesca gaiola em mãos.
- E você veio aqui porque...?
- Eu já disse. – ele respondeu, dando de ombros. – Pesadelos. Não quero dormir sozinho. Eu vou ficar com o sofá, não tem problema. – disse, imaginando que estivesse preocupada em ter que dividir a cama com ele.
- Você não tem outros amigos, não? – perguntou, revoltada por ter sido a eleita para ser acordada às duas da manhã.
Maldito dia em que resolveu se importar com os problemas de Dougie Poynter.
- Sim, mas Harry tá meio enlouquecido desde que terminou com a , o Tom está com a Gio e o Danny sempre está acompanhado, então tenho medo de atrapalhar. – ele respondeu e depois bocejou. – Sabe, tá frio aqui fora.
revirou os olhos e abriu mais a porta, dando passagem para Dougie e o animal repugnante que trazia a tiracolo. Esse negócio de ter amigos era muito mais complicado do que as séries de televisão faziam parecer.
- O que houve? de novo? – ela perguntou, dando as costas para ele e começando a andar em direção ao seu quarto para pegar um travesseiro e roupa de cama para arrumar o sofá.
- Não. Mais ou menos. Bem, de certa forma. – ele murmurou, coçando um dos olhos enquanto colocava a gaiola com Paz em cima da mesa de centro. – A verdade é que... Acho que estou enlouquecendo.
- Você, o quê? – questionou, voltando para a sala com uma pilha composta pelo travesseiro, um lençol e um cobertor, todos cor de rosa.
- Achei que estava melhor, . – ele murmurou, pegando os itens dos braços da amiga e assumindo a tarefa de arrumar sua cama provisória. – Realmente achei que estava. Mas, então, de repente... Eu só sonho com isso. Eu só consigo pensar nisso. E hoje... – ele hesitou, perguntando-se se seria capaz de relatar a conversa que teve com Mary Ann.
Optou por não fazê-lo. Teria que explicar qual era a relevância do relógio escondido e nenhum de seus amigos sabia do episódio em que quase passara uma noite na prisão, por causa de Charles , e ele não estava disposto a contar agora.
- Hoje foi pior. – ele disse, dando de ombros. – Acho que estou chegando ao meu limite, . – os olhos azuis dele encontraram os verde dela e conseguiu identificar a verdade neles.
- Talvez você precise de ajuda. – ela sugeriu, sentando-se em uma poltrona.
- Você acha? – ele perguntou, irônico, finalmente terminando de arrumar o sofá e sentando-se nele, enquanto descalçava o tênis com os próprios pés. – Faria qualquer coisa para que tudo isso parasse. – ele murmurou com sinceridade.
podia sentir o desespero, a exaustão. Ela sabia como era ser obcecado por algo inútil e infrutífero. Um passado que jamais retornaria. No caso dela, então, algo fictício, que nunca existiu e nunca existiria.
- Vamos pensar em algo. – ela prometeu, colocando-se de pé com um gemido cansado. – Boa noite, Dougie. E mantenha essa coisa longe do Dourado. – acrescentou, apontando para Paz.

X


Depois que Harry deixou Abigail no colégio, parou o carro na Super Records e caminhou impassível pela massa de paparazzis e jornalistas, que impediam em obstruir a porta de entrada da gravadora, com a ajuda dos seguranças.
Ao invés de dirigir-se à sua sala, como de costume, caminhou até o departamento jurídico da empresa e enfiou a cabeça dentro da sala, satisfeito ao perceber que os dois advogados que davam conta dos contratos e processos da Super Records já estavam sentados em suas cadeiras.
- Bom dia, senhores. – desejou, entrando na sala. – Como estamos hoje? – perguntou.
- Muito bem, senhor Judd, obrigado por perguntar. – respondeu Robert, observando o chefe por trás dos óculos de aro fino. – O que deseja?
- Gostaria de saber se o contrato dos Crazy Heads já está pronto. – ele disse, objetivamente.
- Estou terminando-o agora mesmo, senhor. – respondeu o outro advogado, Mathew. – Algum motivo especial?
- Não, nada com o que precisem se preocupar. – Harry sorriu. – Quando estiver pronto, por favor, me encaminhem por e-mail.
Sem mais uma palavra, saiu do recinto.

X


estava sentada na sala de professores, esperando o horário de início das aulas para assumir sua turma e, no meio termo, resolveu ligar para .
As duas não haviam se falado desde a ligação da psicóloga na noite anterior e, ainda que tivesse considerado entrar em contato com a amiga, não tinha certeza de como se sentia em relação aos últimos eventos e não se sentia confortável o suficiente para analisar todos os acontecimentos na companhia da mente minuciosa de .
- Ah, eu estava tão preocupada! atendeu ao telefone. – O que houve?
ofereceu um breve relato de tudo o que acontecera: sua ida ao mercado, o encontro com Harry sentado na escada do seu prédio, a conversa dos dois em seu apartamento e a viagem para convencer Gail a fazer as pazes com o padrinho.
- E como você se sente a respeito disso? – perguntou a psicóloga, preocupada.
- Eu... Eu não sei. Por um lado, estou feliz. Muito feliz. Posso ficar com Abigail de novo e é disso que eu sentia falta. Mas ontem... Harry e eu... Parecíamos estranhos, entende? Isso é... – hesitou, buscando pela palavra exata em sua mente – Tão... Triste, acho. Esse é o grande problema, não é? Pisamos na bola com o nosso relacionamento e agora somos duas pessoas desconfortáveis, tentando compreender os novos limites dessa nova relação esquisita.
Houve uma breve pausa do outro lado da linha e sabia que a amiga estava ponderando suas palavras.
- Mas você ainda gosta dele? – quis saber a psicóloga, afinal.
O sinal tocou, reverberando por todos os corredores e dentro da sala dos professores, e fechou os olhos, agradecida por aquele ato de complacência divina.
- Tenho que ir, . Nos falamos depois. – disse, rapidamente, terminando a ligação antes que a amiga pudesse protestar.
Ela ainda não estava pronta para assumir algumas verdades.

X


Harry encontrou conversando com Danny, parados no corredor em frente à sala da vice-presidente. Os dois discutiam brevemente os temas que seriam abordados durante a reunião daquela tarde.
- Aí estão vocês! – Harry sorriu, aproximando-se. – Preciso de um favor.
revirou os olhos.
- Lá vem... – murmurou.
- É rápido. Vou ter que sair para fazer uma coisa e preciso que vocês me cubram. – ele disse, sério.
- Sair? – Danny ecoou, perplexo. – Harry, temos reunião hoje à tarde! Sobre o Soul Music! Você não pode não estar aqui! Tom vai querer te matar!
- Vou chegar a tempo para a reunião, prometo. – o baterista disse, colocando uma mão no ombro de Danny e a outra no de . – Por favor, eu preciso acertar as coisas com todo mundo, por isso tenho que sair.
- Você deveria começar se desculpando com o Tom. – observou, com o dedo em riste. – E a forma de fazer isso seria agindo como um sócio responsável.
- Tenho que sair justamente para melhorar as coisas com Tom. – Harry retorquiu, sério. – Por favor?
revirou os olhos. Para quem teve que acordar às duas horas da madrugada para permitir que um dos sócios da empresa em que trabalhava pudesse dormir em seu sofá, porque estava com medo de estar enlouquecendo, o que era inventar umas mentirinhas para o outro, que estava atrás de redenção?
- Tudo bem. – deu de ombros. – Mas é melhor que você esteja aqui para a reunião. – concluiu de forma ameaçadora.
Danny concordou com um aceno de cabeça e, enquanto dava as costas aos homens, encaminhando-se à sua sala, os dois começaram a caminhar juntos.
- E então...? – perguntou Danny, com um sorriso presunçoso nos lábios. – Como foi com a , ontem?
- Como você...? Ah... – a expressão surpresa de Harry tornou-se neutra. – Você estava com a , não é? Aliás, o que há entre vocês dois?
- Infelizmente, nada. Mas não tornemos isso sobre mim e não tente contornar o assunto, quero saber o que aconteceu. Vocês voltaram? É por isso que você está assim? – perguntou, gesticulando para o amigo.
- O que isso quer dizer? – Harry perguntou, espreitando os olhos para o amigo.
- Ah, você sabe. Todo aquele “estou louco porque fui deixado” que você tem assumido nos últimos dias. – Danny respondeu.
Harry observou o amigo por alguns instantes, ponderando se deveria contestar aquela colocação, mas decidiu que ela era justa.
- Não voltamos. – disse, sério, enquanto os dois entravam em sua sala. – E não vamos voltar. Acabou mesmo. – ele não pôde evitar sentir um aperto de leve no peito. – Não é para ser.
- O que isso quer dizer? – Danny questionou, perplexo.
Harry era louco por e qualquer um podia ver isso. Os dois se davam bem juntos e a professora não era apenas atraente, mas também divertida e inteligente. Era raro que o baterista conseguisse se relacionar com alguém assim. E, como amigo dele, o vocalista sentia-se na obrigação de lutar pelo direito de que seu amigo tivesse uma namorada decente, com quem ele pudesse conversar e sentir-se à vontade.
- Ah, você sabe... – Harry murmurou enquanto sentava-se em sua cadeira e ligava seu computador. – Eu sou um músico mundialmente conhecido e ela é uma professora de primário, somos de mundos diferentes, nunca daria certo, eticétera.
Assim que o amigo concluiu sua frase, Danny o encarou com uma expressão que era uma mistura de surpresa e perplexidade.
- Você acredita em metade dessa merda que você acabou de dizer? – perguntou, afinal.
Harry hesitou e considerou mentir, mas optou por dizer a verdade.
- Não. Mas acredita e... Não tem ponto em tentar discutir. – ele disse, coçando a nuca enquanto carregava sua caixa de entrada. Sorriu ao ver o e-mail de Mathew com um anexo.
Abriu o documento de Word e passou os olhos rapidamente pelas palavras escuras. Apertou o comando de impressão e, em questão de instantes, o contrato estava completamente impresso.
- O que é isso? – perguntou Danny, desistindo do assunto .
- Meu pedido de desculpas. – Harry respondeu enquanto colocava as folhas de A4 dentro de um envelope com o emblema da Super Records. – Estou indo. Seja bonzinho e me ajude. – disse enquanto caminhava em direção à porta.
- Pode deixar. – Danny respondeu, mas já não tinha mais ninguém com ele na sala.

X


Quando finalmente entrou na sala de aula, percebeu que grande parte dos alunos já estava no interior do recinto, alguns em pé, conversando, outros sentados em suas carteiras, absortos em qualquer outra atividade.
Seus olhos encontraram olhos verdes que a observavam atentamente e tanto a professora, quanto a aluna, sorriram. Passariam a tarde inteira juntas, brincando e apreciando a companhia uma da outra.
E era realmente difícil apontar qual das duas tinha sentido mais falta disso.

X


Danny estava em sua sala quando Tom apareceu à sua porta.
- Viu o Harry por aí? – perguntou com o cenho franzido. – Eu precisava falar com ele.
- Ah... Eu... Vi. – Danny respondeu, lentamente, enquanto se colocava de pé, sentindo-se nervoso e agitado; nunca fora um excelente mentiroso.
Houve um breve instante de silêncio esquisito entre eles enquanto Tom observava o amigo com uma expressão de expectativa e Danny revirava seu cérebro atrás de algo convincente que pudesse dizer para salvar a pele do amigo.
- E você pode me dizer onde ele está? – Tom perguntou, finalmente, num tom de voz lento e pausado, como se falasse com uma criança retardada.
- No banheiro. – Danny soltou, num rompante. – É. No banheiro.
- Certo. – o outro respondeu, hesitante. – Então. Okay. Obrigado.
Danny arregalou os olhos ao ver Tom saindo de sua sala.
- TOM! ESPERA! AONDE VOCÊ VAI? – berrou, atravessando sua sala em questão de um piscar de olhos e correndo para alcançar o amigo.
- Falar com ele. – o outro respondeu, lançando um olhar de “o que há de errado com você hoje?” para Danny. – Acho que preciso me desculpar com ele por ontem. Quero dizer, tudo bem, ele estava sendo um verdadeiro irresponsável, mas eu devia dar um desconto. Não acha?
- É, é, é. – o moreno concordou, nervoso – Mas você precisa fazer isso agora?
- O que você quer dizer com isso? – Tom perguntou, franzindo o cenho.
- Um homem não pode mais nem mijar em paz nessa gravadora? – Danny retorquiu, injuriado. – Olha, Tom, isso é um pouco não respeitar a privacidade dele, não acha?
Tom assumiu uma expressão de completa confusão.
- Danny, nós moramos juntos por anos. Eu já tomei banho com a Gio enquanto você mijava no banheiro ao mesmo tempo! Não existe isso de “privacidade” entre a gente e...
Nesse instante, Dougie surgiu dos elevadores com os cabelos molhados, típicos de quem tinha acabado de tomar banho, e caminhou em direção aos dois, assobiando.
- Alguém viu a ? – perguntou, interrompendo a conversa dos dois. – Preciso devolver a chave da casa dela.
A boca entreaberta de Tom imediatamente fechou-se com um som esquisito de dentes chocando-se um contra o outro e, imediatamente, os olhos castanhos do homem se fixaram no baixista.
- Devolver a chave da casa dela? Por que você tem a chave da casa dela?
- Eu dormi lá. Melhor sono que tive em noites! – Dougie sorriu, parecendo relaxado. – Sabe, a parece fria e distante, mas foi muito acolhedora ontem.
- Acolhedora? – Danny observou, surpreso, quando Tom pareceu se concentrar apenas em Dougie, empurrando o antigo tópico para o esquecimento. – O que você quer dizer com isso?
Dougie ergueu as sobrancelhas.
- Apareci ontem à noite na casa dela. Ela me acolheu na casa dela. Acolhedora. – ele disse, lentamente, depois franziu o cenho. – O que há de errado com você?
- Eu só... Por que você foi para casa dela? Sua cama quebrou? Assaltaram sua casa? Ela pegou fogo? – Tom continuou o questionário.
A expressão de Dougie endureceu.
- Não quero falar sobre isso. – disse e começou a andar. – Agora, com licença, preciso achar a .
Danny e Tom se entreolharam, mas antes que o moreno pudesse dizer qualquer coisa, o loiro deu as costas para ele e começou a correr atrás do outro homem que estava a alguns metros à frente deles.
- DOUGIE, ESPERA!

X


- Vamos começar de novo. – decidiu Derek. – Dessa vez, Travis, vai com calma. Acho que o arranjo tá muito rápido, não dá nem para sentir a base da música direito. – o ruivo concordou com um aceno de cabeça. – E, Drew, pare de fumar cigarros, parece que está cada vez mais difícil para você conseguir manter as notas longas.
O garoto de cabelos descoloridos não falou nada, mas fez uma careta de poucos amigos.
Derek voltou a assumir seu lugar atrás da bateria e, erguendo as mãos acima da cabeça, bateu as baquetas uma contra a outra três vezes, determinando o momento exato em que todos os instrumentos entraram, para o começo de “Crazy Eyed Woman”, uma música que Drew tinha composto para sua ex-namorada, Nathalie, em homenagem ao dia em que ela descobriu que ele a traíra com sua prima.
“Eyes once bright like the sky
Now shining amber,
Oh, my.
Have you ever seen so much anger?”

A música tinha um toque de rock, um pouco de reggae e todos eles sabiam que todas as melodias e letras eram resultado do trabalho duro de quatro garotos, que empenhavam sua criatividade e tempo livre em se dedicar ao que mais amavam: a música.
Quando os últimos acordes da música reverberaram, o som de palmas fez-se ouvir de algum lugar no canto da garagem escura e abafada de Derek. Os rapazes arregalaram os olhos ao perceberem um homem alto, de olhos azuis, aproximando-se, com a chave do carro em uma das mãos e um envelope na outra.
- Harry Judd? – exclamou Drew, surpreso. – O que está fazendo aqui?
Harry sorriu.
- Bem, eu fugi de vocês ontem. O justo era que eu viesse vê-los tocar. – respondeu com simplicidade. – Não posso simplesmente entregar o contrato para vocês. – ergueu a mão com o envelope. – Sem dar meu selo de aprovação completo, certo?

X


Abigail colapsou no sofá, rindo, ofegante. Ela e professora passaram os primeiros momentos juntas fazendo a lição de casa, mas depois brincaram de zoológico, mímica e, depois, gastaram exaustivamente suas últimas energias brincando de esconde-esconde.
também despencou do lado da garota e a abraçou, rindo e sentindo o corpo inteiro quente pelo excesso de exercício, mas seu coração estava leve.
- Estava com muitas saudades, professora . – murmurou Abigail, aconchegando-se na mulher.
apoiou o queixo no topo da cabeça da garotinha e sorriu.
- Eu também, querida. Eu também.

X


- Então, obrigado. – Dougie disse, entregando as chaves na mão de . – Você foi de muita ajuda ontem, eu não teria conseguido sem você.
- Okay, entendi. De nada. – ela disse, guardando a chave dentro da bolsa, mas seus olhos estavam concentrados na porta de sua sala. – O que ele está fazendo aqui? – indicou Tom com um aceno de cabeça.
- Ah... Ele me seguiu. – Dougie respondeu, espiando o amigo por cima dos ombros.
- Por quê? – espreitou os olhos na direção de Tom, que observava os dois conversando com evidente curiosidade.
- Eu... Preferi não perguntar. Ele está com, você sabe, olhos de louco. – Dougie falou baixinho, com medo que o amigo ouvisse. – Por experiência, sei que é melhor não questionar. Ele fica esquisito e, na maior parte das vezes, ele simplesmente fala palavras, mas elas não se conectam muito bem e não fazem sentido com a pergunta. É só constrangedor e esquisito.
- Entendo... – murmurou e então pigarreou, chamando a atenção de Tom. – Deseja algo, Fletcher?
- Não... Eu só... Estou... Olhando... Vendo... Esperando... Gosto da sua mesa. – ele concluiu, sem muita convicção.
Os olhos de voltaram para Dougie, que encolheu os olhos e franziu o cenho, como quem diz “eu avisei”.
- Bem... – revirou os olhos. – Tem mais alguma coisa ou eu posso voltar para o trabalho? – perguntou.
- Só isso. E, de novo, obrigado.
- Me agradeça levando seu amigo esquisito para longe de mim. – ela disse, séria, voltando a digitar algo no computador.

X


estava observando o armário de Abigail com atenção enquanto analisava suas roupas e escolhia uma para a garota vestir assim que saísse do banho, quando o telefone começou a tocar.
Saiu correndo, seguindo o barulho, até encontrar um dos inúmeros aparelhos da casa na mesa de centro da sala. Atendeu ao telefone ofegante:
- Casa do Judd? – disse.
- ? Oi, aqui é a Emma. – a voz familiar da mãe de Harry soou em seus ouvidos. – Como estão as coisas por aí?
- Ah. Oi! Tudo bem... E por aí? – respondeu, hesitante, sentindo seu coração bater com força.
Emma sabia que ela e Harry não estavam mais juntos?
- Tudo ótimo! Continua cuidando bem do meu filhinho?
Não, ela não sabia.
ficou em silêncio por alguns instantes, então resolveu fazer a única coisa que parecia sensata.
- Lógico, está tudo ótimo por aqui. – ela retrucou.
- Ah, excelente notícia! Você o faz tão feliz, querida. – Emma ronronou do outro lado da linha, satisfeita.
deu uma risadinha nervosa do outro lado da linha.
- Pois é... – murmurou, incomodada. – Ele também me faz muito feliz. – concluiu, porque achou que era o que Emma esperaria que ela dissesse.
- Ótimo! De qualquer forma, avise Harry que amanhã vamos para Londres, está bem? Sei que não há lugar no apartamento dele para todos nós, por isso ficaremos em um hotel, mas amanhã de manhã poderemos tomar um café da manhã delicioso juntos, o que me diz?
engasgou do outro lado da linha.
- Parece ótimo. – murmurou, quando finalmente conseguiu controlar sua voz. – Vai ser brilhante. Ótimo. Incrível. Mal posso esperar.
- Excelente! Beijinhos! – cantarolou Emma, finalmente.
- Beijinhos... – rebateu, sem o mesmo ânimo.
O telefone ficou mudo e ela sentiu seu coração despencar.
Deus, onde havia se metido?

X


Harry chegou correndo, ofegante, na Super Records. Faltavam vinte minutos para a reunião e ele tinha certeza que receberia pelo menos duas multas por excesso de velocidade, mas não podia correr o risco de piorar sua já fragilizada situação com Tom.
Parou na frente da sala do Danny.
- E aí, como foi? – perguntou, ansioso. – Tom percebeu?
- Ah. Sobre isso. Não. – Danny franziu o cenho. – Na verdade, desde que Dougie chegou dizendo que dormira na casa da , estranhamente, Tom parece obcecado por esse assunto.
Harry suspirou, aliviado.
- Isso é ótimo, Danny. Obrigado pela cobertura. – disse com franqueza.
- Acredite em mim, não fiz muita coisa. – Danny sorriu.
Harry sorriu de volta e agradeceu que tivesse tido o bom senso de não magoar pelo menos aquele integrante do grupo. Depois, recuou em direção ao corredor e começou a caminhar na direção da sala de Tom, encontrando-a vazia. Franziu o cenho, pensativo, e observou seu relógio, percebendo que estava quase na hora da reunião.
Nesse instante, seus ouvidos captaram a voz de Tom vindo do outro lado do corredor, da sala de Dougie.
- ...Não estou entendendo sua preocupação, Tom! – a impaciência no tom de voz do baixista conotava irritação. – Já te expliquei tudo o que tinha para explicar! Não estava a fim de dormir sozinho, fui para a casa da , ela me deixou dormir no sofá dela. Qual é o problema?
Tom alternava o peso de um pé para o outro.
- É inapropriado. – ele disse, finalmente. – Ela é sua empregada.
- Ela é minha amiga. – Dougie rebateu, irritado. – E era a única pessoa com quem eu poderia contar numa hora daquelas! Você estava com a Gio e eu não queria atrapalhar o momento a dois com você, o Danny devia estar em alguma balada ou com alguma mulher desconhecida na cama, Harry estava todo esquisito e malvado, e... Oi, Harry, não percebi você aí. – Dougie pigarreou quando identificou a silhueta de Harry recostado ao batente da porta.
- Por favor, não parem por minha causa. – Harry ergueu as sobrancelhas com um meio-sorriso.
Dougie abriu a boca, mas calou-se em seguida, porque não tinha a intenção de continuar aquela discussão idiota com Tom, que parecia irracionalmente incomodado com os eventos da noite anterior.
- Eu só estou dizendo para o Dougie... – Tom interveio, voltando-se para Harry em busca de apoio. – Que ele não precisa dormir na casa da . Somos praticamente irmãos, afinal de contas, se for para ele pedir ajuda para alguém, que fosse para a gente! Não acha?
Harry ponderou a questão.
- Acho que tanto faz. Somos todos amigos dele, inclusive a . Ele deveria pedir ajuda para a pessoa com quem ele se sente mais à vontade. Embora eu tenha que concordar que magoa um pouco ver você se virando para a , porque sente que não vou te acolher como você precisava. Eu te ensinei a se barbear, Doug! – ralhou, amigavelmente.
- Mas tem tanto acontecendo com você, Harry! Com a Gail, a e tudo mais. E você estava meio assustador, admita. – Dougie retrucou. – E, desculpe, Tom, não queria demonstrar que me importava mais com a do que com vocês, eu só... A parecia ser a única pessoa que eu menos atrapalharia.
- Você sempre pode vir para a gente por ajuda. – Tom disse, em tom apaziguador.
- Bom saber. – Dougie sorriu.
- É, que lindo. Adoro reconciliações... – Harry riu, desencostando-se da batente e entrando na sala. – Aproveitando a deixa, quero pedir desculpas pela forma como tenho agido com todos vocês. Então, como totens de amizade, isso daqui é para você. – ele jogou quatro maços de Marlboro vermelho e um envelope na direção de Dougie. – E isso é para você. – entregou um envelope com o logo da Super Records para Tom.
- Cigarros e... Um vale de duzentas libras no petshop? – admirou-se Dougie, com um sorriso.
- É, vou parar de fumar de novo. E tenho certeza que você pode encontrar algo bem legal para a Paz dentro deste orçamento. – Harry retrucou, com um sorriso.
- Valeu, Harry. – Dougie suspirou, sem tirar os olhos do cartão de vale-presentes.
- E isso aqui é...? – Tom puxou o conteúdo do envelope; primeiro, veio o contrato dos Crazy Heads, assinado por todos os integrantes e, em um relevo maior, um Blu-Ray de “De Volta para o Futuro”. – O contrato dos Crazy Heads! E o Blu-Rauy de “De Volta para o Futuro”.
- Tem a versão comentada do diretor nesse. – Harry acrescentou, prestativo.
Os olhos castanhos de Tom brilhavam em admiração.
- Você é o máximo. – disse Tom, numa voz que parecia hipnotizada. – Pelo quê está se desculpando, mesmo?

X


ergueu as sobrancelhas quando percebeu seu celular vibrando sobre a sua mesa de cabeceira; Tiesto o observava atentamente, com a cabeça inclinada.
Deu um sorriso ao identificar o nome de .
- Resolveu parar de fugir de mim? – perguntou.
- Não dá para brincar agora. Fiz uma coisa muito idiota. – choramingou do outro lado da linha.
- Novidade. – suspirou .
- . – a professora resmungou, exasperada. – Estou falando sério.
- O que aconteceu? – perguntou a psicóloga, revirando os olhos.
- Eu meio que... Marquei um café da manhã em família com a família do meu ex-namorado e pode ser que minha ex-sogra ainda ache que é minha sogra. – respondeu tão rápido que precisou de alguns segundos para compreender.
- A mãe do Judd não sabe que vocês terminaram? – perguntou, finalmente conseguindo entender o significado por trás das palavras da amiga.
- Não! – sussurrou agoniada enquanto observava Abigail rindo, com os olhos fixos na tela da televisão. – Ele não contou para ela! Por que ele não contou para ela? O que eu deveria ter feito? E não é esquisito? Quero dizer, não estamos mais juntos, mas eu estou na casa dele, atendendo ao telefone...
- Muitas perguntas. Ele, provavelmente, se esqueceu de comentar isso com a mãe dele, ou o amor por você ainda é latente e ele tem intenções de te conquistar de novo? Não sei. Que tal você agir como uma adulta e perguntar para ele?
ouviu o som de chaves na porta e concluiu que era Harry.
- Merda. – sussurrou, baixinho, certificando-se de que Abigail não identificaria seu linguajar. – Ele chegou.
- Pergunte para ele! – ordenou , do outro lado.
- Tchau. – desligou o celular, apressada.

X


Harry teve um pouco de dificuldade para abrir a porta do seu apartamento, afinal de contas, estava equilibrando uma pizza gigantesca e quente em uma das mãos enquanto tentava encaixar a chave certa dentro da maçaneta. Além de tudo, o cheiro maravilhoso do pacote redondo e pesado que segurava parecia fazer todo seu estômago se contorcer.
Era sexta-feira.
Dia de pizza, de acordo com as condições de Abigail.
Assim que ele abriu a porta, deparou-se com no canto da sala, de frente para a porta, observando-o com os olhos arregalados e as bochechas levemente coradas.
Deus, ela estava linda.
- Sou só eu. – ele disse, interpretando a expressão dela como uma de susto. – E trouxe pizza.
- EBA! – a voz de Abigail fez-se ouvir de um canto oculto da sala e, repentinamente, a TV ficou muda, indicando que havia sido desligada pela garota. – Muito bom, tio Harry! Achei que fosse esquecer.
Harry riu, desviando sua atenção de para a garotinha ruiva, que corria em sua direção.
- Jamais. E você vai ficar muito feliz em saber que eu também pedi desculpas para todo mundo com quem eu fui mau. – ele acrescentou enquanto colocava a pizza embrulhada sobre a mesa. – Que tal me ajudar a colocar a mesa? – perguntou para a afilhada. – Janta com a gente, ?
Ela não soube distinguir, pelo tom de voz, se aquilo era uma pergunta ou um pedido, mas diante dos olhos pidões de Abigail, foi incapaz de recusar.
- Não tem nada para comer em casa... – ela resmungou, sentindo seu estômago se oprimir de forma horrível. – Por que não?
Harry deu um sorriso e Abigail saiu saltitante para dentro da cozinha; os dois adultos a seguiram. colocou os pratos na mesa enquanto Abigail estava incumbida dos talheres e Harry, dos copos.
Em cerca de vinte minutos, estavam comendo, enquanto ouviam Abigail narrar o dia de aventura e diversão que tivera na companhia da professora; quando os três tinham terminado de comer, Harry colocou-se de pé e começou a recolher os partos sujos, empilhando-os e colocando todos os talheres utilizados sobre o do topo.
- Gail, vá escovar os dentes. – Harry disse. – E coloque um pijama.
Abigail concordou com um aceno de cabeça e levantou-se da mesa, correndo em direção ao corredor que dava acesso ao banheiro.
- Eu te ajudo. – disse, prontamente recolhendo os copos usados.
- Obrigado. – Harry sorriu e os dois caminharam para a cozinha, colocando tudo o que tinha sido utilizado dentro da pia. – Gail está muito feliz em ter você de volta.
- É... – resmungou, esfregando as mãos soadas na calça. – Eu... Eu também estou. Senti falta dela.
Harry concordou com um aceno silencioso de cabeça e virou-se em direção à pia, dando a entender que lavaria a louça.
- Deixa que eu faço isso. – pediu, desesperada para poder fazer algo com as suas mãos, que pareciam esquisitas e desconfortáveis.
Harry abriu a boca para retrucar, mas ela o empurrou com suavidade e liberou o acesso para a pia. Com habilidade, pegou a espuma e começou a esfregas os talheres utilizados, deixando-os ensaboados na borda da pia.
- Sua mãe ligou hoje. – ela disse, a voz trêmula.
- Ligou, é? – Harry recostou-se contra o balcão, os braços cruzados, os olhos fixos naquela mulher que parecia ser capaz de tirar seu fôlego ao fazer a mais banal das atividades.
- É. Olha que engraçado. – forçou uma risada descontraída. – Ela marcou um café da manhã em família amanhã. Quer que eu vá junto. Acho que você se esqueceu de comentar que... Bem... Nós não... Enfim.
Harry hesitou, considerando as palavras da mulher.
- Eu... É verdade. Não contei para ninguém da minha família. – Harry concordou, envergonhado. – Não precisa se preocupar, eu... Café da manhã em família? Amanhã? Não tenho tempo para ir para Chelmsford.
- Você não vai para lá. – rebateu, passando a limpar os copos. – Eles vem para cá. Lembra? Para o julgamento?
- Não pode ser. – Harry franziu o cenho, puxando o celular do bolso da calça. – O julgamento é só dia 15 e hoje é dia... – ele parou de falar, em choque, ao constatar que era dia 12 de janeiro. – O julgamento é daqui a dois dias. – murmurou, em transe.
estava passando a bucha ensaboada no primeiro prato quando olhou para Harry e seu coração quase partiu quando percebeu que ele não estava preparado para a proximidade do tribunal.
- Harry... – deixou o prato de lado e ligou rapidamente a água, limpando as mãos cheias de espuma. – Já falamos sobre isso. Você não tem com o que se preocupar. Vai dar tudo certo.
- Eu tinha esquecido. Minha cabeça, eu estava... Segunda-feira. Daqui a dois dias! – Harry ofegou, parecendo perdido. – Eu não preparei nada.
- Hey, calma... – aproximou-se, colocando uma mão em cada ombro do homem. – Você não precisa se preocupar com nada. O doutor Hotterville está cuidando de tudo isso.
Olhos azuis e olhos se encontraram novamente e pareceu mergulhar dentro do pânico e da tristeza que pareciam dominá-la como ondas revoltas de um mar em tormenta.
Sem conseguir se controlar, ela deu dois passos na direção dele, tirando as mãos de seus ombros e passando os braços em volta da cintura firme do homem, apoiando sua cabeça em seu ombro e abraçando-o com firmeza, tentando passar para ele a segurança que ela sentia.
- Não posso perdê-la também... – ele murmurou ao pé de seu ouvido.
sentiu todos os pelos de sua nuca se arrepiarem ao sentir o hálito quente dele contra sua pele fria e todo seu corpo pareceu estremecer quando ele colocou os braços em volta dela, pressionando-a contra seu corpo firme e musculoso.
- Você não perdeu ninguém, Harry. – ela sussurrou, desapoiando sua cabeça dos ombros dele para encará-lo no fundo dos olhos. – Somos todos seus amigos e estamos todos aqui para você.
- Você sabe o que eu quero dizer... – ele murmurou, os olhos ainda fixos nos dela, como se buscasse por algo.
engoliu em seco porque sabia exatamente o que ele queria dizer. Mordiscou o lábio inferior e sabia que deveria empurrá-lo, afastar-se, mas não conseguia desviar seus orbes das dele, e todo seu corpo parecia não responder a nenhum comando dela.
Ele inclinou o rosto lentamente na direção dela e, gentil e sutilmente, seus narizes roçaram um no outro. fechou os olhos, tentando controlar o turbante de emoções que pareciam jorrar de seu interior.
Harry alternava sua atenção entre os olhos fechados de , observando sua expressão de rendição, e seus lábios entreabertos e, num movimento leve, posicionou-se de forma a prensar o corpo dela entre o corpo dele e a superfície da geladeira.
Ele sentia falta daqueles lábios, sentia falta dos braços dela em volta do corpo dele, sentia falta de sentir seu corpo frágil contra o seu.
Ele queria saborear aquele momento.
Roçou a ponta de seu nariz contra o dela e depois traçou um caminho com a mesma leveza pela bochecha dela, até que seus lábios estavam perigosamente próximos dos lábios de .
Ele pressionou ainda mais seu corpo contra o dela, sentindo todo ele latejar de desejo, consciente de que conseguia senti-lo também, porque ela soltou um suspirou que parecia mais com um choramingo trêmulo.
- Harry... – ela sussurrou, tentando desviar a atenção dele.
Ele aproveitou o momento em que os lábios dela se movimentaram para pronunciar seu nome e, com gentileza e destreza, prendeu o lábio inferior dela entre seus dentes, arrancando um gemido entrecortado da professora.
Ele soltou os lábios dela e a professora abriu os olhos, as bochechas coradas e a respiração ofegante. Ele queria ver aceitação nos olhos dela quando se inclinasse para iniciar o beijo pelo qual tanto ansiava.
- O que é que vocês estão fazendo? – a voz de Abigail fez-se ouvir da porta da cozinha. – Não estão brigando, não é?
Imediatamente, empurrou Harry para longe, recobrando seu autocontrole, envergonhada por ter sido tão fraca a ponto de deixar-se levar por aquele momento.
- Lógico que não, Gail. – forçou um sorriso, tentando parecer jovial e despreocupada. – Eu estava só dando um abraço no seu tio, porque somos amigos.
- Ele estava te mordendo. – Abigail observou, perspicaz. – Pessoas só se mordem quando não gostam uma das outras. Que nem os cachorros. Você estava sendo mau de novo, tio Harry? – perguntou com uma expressão brava.
- Não! - sentiu suas bochechas pinicando e quis que um buraco se abrisse à sua frente, para que pudesse desaparecer para dentro dele. – Não é nada disso, Gail.
- Foi uma mordida de amizade. – Harry ofereceu, passando a mão pelos cabelos, tentando disfarçar sua frustração. – Nós, adultos, fazemos isso.
Abigail ficou em silêncio por alguns instantes, durante os quais resolveu voltar sua atenção para a louça ensaboada que ainda precisava terminar de lavar, com as mãos trêmulas de vergonha.
- Vocês são esquisitos mesmo. – observou. Depois, soltou um bocejo. – Estou com sono. Vou dormir. Boa noite, tio Harry. – caminhou até o padrinho e deu-lhe um abraço. – Boa noite, professora . – fez o mesmo com a mulher e marchou para fora da cozinha.
Harry e continuaram em silêncio na cozinha por alguns instantes, sendo apenas possível identificar o som da água corrente que usava para limpar o resto da louça.
- Eu sinto muito. – Harry disse, afinal. – Eu não devia...
- Não, você não devia – interrompeu-o, friamente. – Era a minha condição, lembra?
Harry ficou em silêncio, olhando para a mulher à sua frente.
- Eu não consegui me controlar. Desculpe. É só que eu...
- Só que você, nada. – irritou-se a mulher, colocando o último prato no escorredor e virando-se para ele, com uma expressão acusadora. - Chega, Harry. Não é para ser. Achei que tivéssemos concordado a respeito disso. Não é bom para a Gail. E como se não fosse o suficiente, ela nos pega naquela situação embaraçosa... – a mulher soltou um grunhido, frustrada, enquanto massageava as próprias têmporas.
- Eu sinto muito. – ele murmurou, olhando para os próprios pés.
- Foi minha culpa também. Eu nunca deveria... – interrompeu-se, fechando os olhos e respirando fundo. – Vamos parar de falar nisso, está bem? Águas passadas. Não vai mais acontecer. Certo? – ela pareceu genuinamente preocupada quando o olhou nos olhos.
- Certo. – Harry concordou, vencido.
- Ótimo. Avise sua mãe que não pude ir ao café da manhã. Você poderia aproveitar e explicar para ela que não estamos mais juntos e evitar uma cena desconfortável no tribunal. – acrescentou, secando as mãos em uma toalha. – Bem... É melhor eu ir embora. Até segunda-feira, Harry. E não se preocupe. – ela acrescentou, virando-se para ele da porta da cozinha. – Vai dar tudo certo.
Ele deu um meio-sorriso e concordou com um aceno de cabeça, mas não se sentia tão confiante.
Quando ouviu a porta da frente se fechando, anunciando a partida de , soube, que independente da decisão do juiz na segunda-feira, a vida que ele sonhara semanas atrás, que parecia ao alcance de seus dedos, estava a galáxias de distância naquele momento.


Capítulo 23 – Permanent

“I know he's living in hell every single day
And so I ask oh god is there some way for me to take his place
And when they say it's all touch and go I wish I could make it go away
But still you say”
David Cook - Permanent

Harry abriu a porta de vidro da Flower Power City Bakerym – a padaria favorita de seus pais – e encontrou toda sua família sentada em três mesas, que tiveram que ser unidas para comportar o número absurdo de pessoas; seus pais estavam sentados, e ao lado deles estavam Tom e Kate. Na outra extremidade da mesa, estavam Anthony e Molly Dickens, e Alice e Oliver Cooper, pais de Charlie e Claire.
- Vovô! Vovó! – Abigail berrou, soltando-se da mão de Harry e correndo até os avós, sorridente. – Estou tão feliz que vocês vieram me visitar!
Harry sorriu para a cena e caminhou até uma cadeira livre ao lado de Katherine.
- Onde está a ? – sua irmã perguntou, olhando para a porta de entrada da padaria, esperando a professora surgir.
- Ela não vem – Harry disse, movendo-se desconfortavelmente na cadeira que ocupava e evitando estabelecer contato visual com qualquer dos presentes.
- Por que não? – quis saber Emma, inconformada. – Conversei com ela ontem mesmo por telefone e a convidei eu mesma! Ela disse que viria! O que houve?
Harry ficou alguns instantes em silêncio, ocupando-se com a tarefa de passar manteiga num pedaço de pão integral que estava dentro da cesta artesanal no meio da mesa.
- É que... – ele disse, finalmente, erguendo os olhos para encontrar os olhos escuros e preocupados de sua mãe. – É que... nósnãoestamosmaisjuntos.
Todos os parentes de Harry franziram o cenho, tentando entender o que ele dissera.
- Desculpe, querido. É que, o quê? – perguntou Emma, finalmente.
- O perdedor não está mais com a . – Katherine respondeu no lugar do irmão, revirando os olhos e dando uma mordida em sua baguete.
- Katherine! – Christopher ralhou. – Não fale assim.
- É meio que verdade – Harry rebateu, lançando um olhar carrancudo na direção da irmã. – Embora eu goste de acreditar que a parte sobre eu ser um “perdedor” seja discutível.
- Se você deixou uma mulher incrível como aquela escapar, você é um perdedor. – Tom, seu irmão, observou, dando um gole em sua xícara de café.
- Eu disse que era para ele não deixar que ela percebesse que era areia demais para o caminhãozinho dele. – Kathe suspirou, dando um gole em seu suco de laranja. – O perdedor é um perdedor, mesmo sendo uma celebridade mundial.
Harry bufou, incomodado.
Aquele café da manhã começara de forma promissora.
X


estava sentada de frente para em uma mesa simples na Cup Cake Factory, que ficava a cerca de dois quarteirões do apartamento da psicóloga.
- Estou feliz que você tenha parado de fugir de mim – disse, enquanto contornava a cobertura de chocolate branco do topo do cup cake à sua frente e levava o dedo aos lábios, saboreando o chocolate. – Podemos conversar melhor sobre a sua situação com o Harry.
- Não tenho nenhuma situação com o Harry – resmungou, incomodada. – Minha situação é com a Abigail e só com ela. Harry e eu somos passados. História. Não existimos mais um para o outro, romanticamente falando.
- Sei – murmurou, de forma condescendente, deixando claro que não acreditava em uma palavra que a amiga falou.
- Estou dizendo a verdade – rebateu, teimosa.
- Se é verdade mesmo, então, por que não olha nos meus olhos quando diz isso? – a psicóloga perguntou, desafiadora.
hesitou e deu um gole em sua xícara de capuccino, antes de erguer os olhos e retornar o olhar da amiga. Abriu a boca, pronta para repetir suas palavras anteriores, mas as imagens da noite passada inundaram sua mente. O corpo quente e firme de Harry pressionando o seu, enquanto ele mordiscava seu lábio inferior, deixando suas pernas bambas e sua respiração fraca.
- É... complicado – disse, depois de engolir em seco. – Certo. Talvez não esteja tão no passado quanto gostaríamos, okay? Mas estamos trabalhando nisso.
Um sininho fez-se ouvir, informando que um novo cliente tinha entrado o estabelecimento, mas não precisou olhar para trás para descobrir quem era. A cara embasbacada do atendente dizia tudo.
- Sinto muito pelo atraso – o tom de voz firme e objetivo de fez-se ouvir às costas da professora. – Esse lugar é do outro lado de Londres para mim. Da próxima vez, podemos escolher algo perto de onde eu moro, para variar?
- Claro – respondeu, enquanto empurrava uma cadeira entre ela e , para que a executiva pudesse se sentar. – Bom dia, .
- Bom dia, . , bom dia! – desejou feliz, enquanto ajeitava sua bolsa no encosto da cadeira. – E então, sobre o que estamos falando?
- Sobre e Harry – respondeu.
- De novo? Eles não tinham terminado? Vamos falar sobre isso para sempre? – perguntou, incomodada.
- Não para sempre – respondeu, divertindo-se com a insatisfação da mulher. – Só enquanto o assunto estiver quente.
- E quanto tempo isso vai demorar?
- Não dá para ter certeza, – foi a vez de responder. – Às vezes, no dia seguinte. Outras vezes, demoram anos.
- Argh – a executiva fez uma careta. – Vocês, mulheres, são tão... mulherzinhas.
riu gostosamente.
era adorável com o seu jeito meio robótico, parecendo que realmente tentava compreender os detalhes que compunham uma relação complexa como amizade, deduzindo tudo como se fosse um padrão matemático.
Era uma pena que as coisas não funcionassem assim. Relações entre seres humanos não poderiam ser resumidas a números e estatísticas, porque tudo girava em torno de infinitas variáveis que duvidava que até mesmo o mais atento estudioso pudesse identificar: sentimentos, fatos, personalidade, intervenções de terceiro... Tudo estava envolvido em um relacionamento, além das duas pessoas.
Mas ali estavam duas pessoas com quem ela sentia não possuir qualquer dificuldade para se comunicar. e eram divertidas, únicas e incríveis.
Enquanto ouvia contando para sua teoria sobre as mulheres não possuírem sangue o suficiente para alimentar ambos o coração e o cérebro ao mesmo tempo, pegou-se sorrindo, sentindo-se agradecida por tê-las em sua vida.
X


O final de semana passara voando. Harry não saberia dizer ao certo se era porque sua família, os Dickens e os Coopers estiveram em seu apartamento durante os dois dias, movimentando-o e ocupando sua mente com coisas banais, como ingredientes para o almoço e comprar doces para a sobremesa, ou se simplesmente decorria do fato que ele estava aterrorizado pela chegada da segunda-feira, o que evidentemente fazia o dia se aproximar na velocidade de um furacão.
Domingo à noite, Harry despediu-se de todos eles, que saíam pela sua porta em fila indiana, prometendo que se veriam no dia seguinte, o que fez com que Harry desse um sorriso forçado, sentindo seu coração ser espremido com as, então familiares, sensações de ansiedade e desespero, que pareciam tomá-lo sempre que pensava no julgamento.
Quando se despediu de Alice, que era a última da fila, todos se encolheram dentro do elevador e desapareceram assim que as portas metálicas se fecharam.
Harry suspirou, observando o hall vazio por alguns instantes, antes de fechar a porta de entrada de seu apartamento e trancá-la.
Moveu os ombros, tentando aliviar a pressão que sentia, e caminhou até a sala, onde encontrou Abigail dormindo no sofá, meio sentada, com a cabeça apoiada no descanso para o braço, uma expressão serena no rosto.
Sorriu e afagou de leve os cabelos ruivos da afilhada, colocando uma mexa solta atrás de sua orelha delicada, para em seguida puxá-la para o seu colo, tomando o cuidado para não acordá-la durante o processo.
Caminhou com a garotinha aconchegada no seu colo até o quarto cor de rosa, mas hesitou antes de adentrá-lo, sentindo o peso da afilhada em seus braços e a respiração leve dela contra seu pescoço, o calor reconfortante do corpo dela contra o seu, inconscientemente estreitando um pouco mais os braços em volta dela.
Observando a cama arrumada, com os lençóis cor de rosa e as almofadas roxas, Harry ponderou que no dia seguinte um juiz teria o poder de decidir se aquele quarto continuaria em seu apartamento, ou se voltaria a ser um estúdio.
Fechou os olhos, sentindo seu coração se comprimir de forma dolorosa com este mero pensamento. E, pela segunda vez em menos de uma semana, ele optou por trazer Abigail para sua cama e passar a noite abraçado à sua afilhada, ainda que isso significasse receber socos e chutes a noite inteira.
X


Harry abriu os olhos e encarou o teto perfeitamente pintado de seu quarto. Com um suspiro cansado, ergueu a cabeça apenas o suficiente para espiar o relógio digital no criado-mudo ao lado da cama.
Eram 6:17 da manhã.
Embora em dias normais ele já estivesse preparando o café da manhã neste horário, aquela segunda-feira não tinha nada de comum. Naquela segunda-feira, Harry caminharia de mãos dadas com Abigail para dentro de um prédio imponente, sentariam-se de frente a um homem vestindo uma toga, e poderiam sair em carros separados, destinados a viver separadamente, porque um homem que pouco os conhecia teria achado que esse era o melhor.
Verdade fosse dita, Harry sonhou com o julgamento a noite inteira e, como Abigail chutara-o e socara-o diversas vezes durante a noite, despertando-o, ele teve cerca de treze sonhos diferentes.
Em alguns, o juiz era um homem bondoso, que mal deixava a Procuradoria falar, já concedendo a guarda a Harry. Na maioria, entretanto, o juiz o olhava com desprezo, enquanto parecia saber de cor todas as suas falhas e todos os seus defeitos, dissecando-os em voz alta, na frente de um público numeroso que comparecera para prestigiar o julgamento. Sentados, estavam seus amigos, , Abigail, Charlie, Claire, sua família, mas também tinham algumas ex-namoradas, que sorriam de forma felina - como se torcessem para que ele perdesse o julgamento -, e também tinham homens com câmeras fotográficas e filmadoras no lugar das cabeças, que ocasionalmente disparavam flashes de luz que o cegavam.
Por isso, Harry resolveu levantar, mesmo sendo muito mais cedo do que o necessário. Era melhor e mais útil começar a se preparar para o dia terrível que teria à sua frente, ao invés de encarar mais pesadelos aterrorizantes.
X


acordou e tateou, sonolenta, o criado-mudo ao lado de sua cama, buscando pelo seu celular. Quando suas mãos finalmente tocaram o aparelho, ela o puxou para perto de seu rosto e apertou uma tecla qualquer, fazendo o visor se iluminar.
Eram 7:00.
Soltou um suspiro, satisfeita com a perspectiva de que poderia dormir por, pelo menos, mais uma hora até que precisasse se levantar, trocar-se e buscar para que fossem juntas ao tribunal, já que estavam indicadas como testemunhas.
No entanto, assim que fechou os olhos , o celular que ainda segurava em sua mão começou a tocar. Sonolenta, ela apertou a tecla do “send” e levou o aparelho até o ouvido.
- Alô?
- ! Aqui é a !
- Hum – resmungou, cansada demais para incentivar uma conversa.
- Certo – resmungou do outro lado da linha. – Sei que você está com sono, mas o Danny me ligou para dizer que todos eles estarão no apartamento do Harry hoje de manhã para tomar café da manhã juntos. Eles meio que querem ficar com o Judd para ter certeza que ele não vai enlouquecer com a pressão e simplesmente fugir com a Abigail.
- Hum – a professora resmungou de novo.
- Você não quer ir? – insistiu.
Isso despertou , que sentou-se na cama de um pulo, agarrando o celular com força.
- ! Você sabe que as coisas estão esquisitas e a família do Harry estará lá! Vai ser muito estranho! – grunhiu, frustrada pelo fato da amiga sequer sugerir tal coisa.
- Eu sei disso, document.write(Na)! – advertiu. – Mas não estão fazendo isso apenas pelo Harry, né? A Gail também estará no apartamento. Não sei, acho que pode ser bom. Além do mais, não é o fim do mundo, você e o Harry apenas terminaram! Vocês ainda podem conviver no mesmo espaço.
mordiscou o lábio inferior, sentindo-se culpada porque a displicência de à respeito da relação dela e de Harry apenas fazia com que ela se recordasse de que nenhuma de suas amigas estava completamente inteirada da complexidade do seu novo relacionamento com o baterista.
Não tivera coragem de contar que eles já haviam quase se beijado. Duas vezes.
Sempre que estava perto do homem, seu coração batia mais rápido e sentia que todo o seu corpo era atraído na direção dele. Ainda estava perdidamente apaixonada por ele, sabia e aceitava esse fato, embora não conseguisse admiti-lo em voz alta para mais ninguém, mas estava na hora de controlar seus sentimentos.
Como fazia.
Deixar que seu cérebro mantivesse o controle, ao invés de seu coração.
Certamente seria menos doloroso.
- Certo – disse, afinal, porque achava que talvez fosse bom estar perto de Harry com um monte de pessoas em volta deles, os ajudaria a se comportar e obedecer às novas regras do jogo. – Pela Gail.

X


Harry estava sentado no seu sofá vestindo apenas o short de seu pijama, permitindo que o friozinho do começo de janeiro acariciasse seu corpo, enquanto assistia a uma daquelas séries americanas antigas que canais como a ABC ou a FOX adoravam passar no período matutino.
Bocejou e estava com a xícara a meio caminho em direção dos seus lábios, quando sua campainha tocou. Olhou o relógio na televisão e notou que mal passavam das 7:30 da manhã.
Com o cenho franzido, ele deixou sua xícara sobre a mesa de centro da sala e caminhou até a porta. Espiou no olho mágico e, imediatamente, destrancou a porta, abrindo-a.
- Mãe, pai, o que vocês...? – interrompeu-se, assim que percebeu que não eram apenas os seus pais que ocupavam o diminuto hall de entrada entre a saída do elevador e a porta do apartamento de Harry.
Seus irmãos também estavam lá, assim como Danny, Dougie, Tom, Gio, , e .
E todos carregavam sacolas plásticas de compras em seus braços.
- Mas o que diabos...? – ele começou novamente, perplexo.
- Sai da frente, perdedor – ordenou Katherine, empurrando o irmão para o lado enquanto entrava no apartamento. – E aproveita para trocar de roupa, vestir algo mais decente, sabe? Está menos quatro graus Celsius lá fora. Se vista de acordo.
X


Depois de um farto café da manhã servido na mesa de jantar e na mesa de centro da sala, o numeroso grupo de pessoas que ocupava o apartamento de Harry Judd passou a resolver, de forma barulhenta e pouco organizada, a logística dos carros.
Chegaram à conclusão que Harry não deveria dirigir, visto que teria que lidar com os milhares de paparazzis, motivo pelo qual acreditavam que a chegada e a saída do homem e de Abigail deveriam ser rápidas: descer do carro e atravessar a distância até o tribunal sem falar com ninguém, e depois de volta.
resolveu a outra problemática envolvendo o assédio dos paparazzis. Como tinha plena certeza que nenhum policial se disporia a fazer o papel de guarda-costas, ligou para os dois seguranças da Super Records, que chegariam ao tribunal para escoltar Harry e Gail de fora do carro até a segurança de dentro dos tribunais.
O doutor Simmas Hotterville informou, durante uma ligação, que o juiz Theodore indeferiu o pedido dos veículos de mídia de acompanhar o julgamento no interior do tribunal, considerando a privacidade e segurança de Abigail.
Harry continuava incapaz de decifrar qual seria o final daquele julgamento, mas aquela medida fora suficiente para que ele ficasse um pouco mais tranquilo: quem quer que fosse aquele magistrado, parecia ser uma pessoa sensata e se importar com o bem-estar de sua afilhada.
E, honestamente, ele não poderia pedir por mais do que isso.
Os outros carros foram montados considerando-se o número de carros disponíveis e a quantidade de pessoas que precisavam ser transportadas até o local do julgamento. Assim que o relógio de pulso de Harry informou serem nove horas da manhã, todos os presentes recolheram seus pertences e, juntos, abandonaram o apartamento.

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- Está preparado, filho? – Cristopher perguntou, assim que estacionou o carro junto ao meio-fio, possibilitando que Harry descesse na frente do Tribunal, tendo apenas que atravessar o mar de paparazzis e fãs, ao invés de caminhar do estacionamento mais próximo até o edifício.
Harry observou os fotógrafos com as câmeras fotográficas a postos, prontos para conseguir quantas fotos quanto precisassem para pagar as contas. Ele também conseguiu identificar os fãs, em sua maioria garotas entre quatorze e vinte anos, alguns acompanhados pelos pais, mas quase todas segurando cartazes com palavras de apoio ou declarações de seu amor indomável por um dos integrantes do McFLY.
Abrindo espaço pela multidão, estavam os dois seguranças da Super Records, aproximando-se do carro com alteza e determinação, empurrando todos os que tentassem entrar no seu caminho.
- Sim, pai – ele respondeu, virando-se para Abigail, que estava ao seu lado. – Pronta para brincar de corre-corre?
- Sou profissional – Abigail respondeu, dando um sorriso largo, enquanto apertava mais Desdemond contra o seu peito.
- Certo – Harry trocou um sorriso com sua mãe, que ocupava o lugar do acompanhante. – No três, então. Um. Dois. E... – Harry pressionou a maçaneta do carro com uma mão, enquanto com a outra segurava delicadamente a mão da afilhada. – TRÊS!
Harry e Abigail escorregaram para fora do carro no exato instante em que os seguranças postaram-se um de cada lado da porta traseira. Assim que os corpos dos dois deixaram completamente o veículo, Tony, um dos seguranças, fechou a porta com firmeza às suas costas, e o carro deu a partida, movimentando-se para longe de todo aquele caos.
A passos rápidos, Harry e Abigail, escoltados pelos dois homens gigantescos, seguiam a passos rápidos, evitando todas as perguntas gritadas pelos repórteres e todas as juras de amor berradas pelas fãs.
Os flashes eram sucessivos, embora quase invisíveis na luz da manhã nublada londrina e, em apenas alguns instantes, Harry e Abigail cruzavam a porta de entrada do tribunal, sendo recepcionados por um ambiente mais quente e tranquilo.
- Adoro esse jogo – Abigail gargalhou, enquanto rodopiava nos próprios pés, abraçada a Desdemond.
- Eu estou um pouco cansado dele, na verdade – Harry deu um sorriso entristecido e sentou-se em um dos longos bancos de madeira que estavam encostados nas paredes compridas e elegantes do hall de entrada do tribunal. Abigail sentou-se ao lado dele.
- É hoje que o senhor juiz vai decidir se eu posso morar com você, não é? – ela perguntou, observando o padrinho atentamente.
- É. – Harry tentou parecer tranquilo ao dizer aquilo.
- E depois que o juiz disser que eu posso morar com você, todas essas pessoas vão embora, não é? – a garotinha continuou seu raciocínio.
- Acho que sim. Espero que sim – corrigiu-se.
- Então, tio Harry! – Abigail exclamou, aproximando-se mais do padrinho e dando-lhe um abraço carinhoso. – Não precisa ficar cansado. Logo, logo, vai acabar.
Harry retribuiu o abraço da afilhada, ciente do quanto ela estava correta.
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Todos estavam reunidos no hall de entrada, recebendo olhares curiosos dos juízes, advogados, promotores, procuradores e funcionários do tribunal que passavam por eles. Harry estava entretido conversando com Tom, que estava fazendo um comentário particularmente engraçado sobre a beca de um dos juízes que atravessara a entrada apressado como uma noiva, quando sentiu uma mão em seus ombros.
Virou-se e sorriu ao identificar o doutor Simmas Hotterville parado às suas costas.
- Simmas! – exclamou, puxando o homem para um abraço. – Como estão as coisas lá fora?
- Caóticas – o homem respondeu num resmungo, enquanto trocava a maleta que segurava de mão. – Estou feliz que eu tenha largado meu baixo e optado por ser advogado ao invés de músico. Você tem que lidar com esse tipo de loucura todos os dias?
- Não. Só quando seus melhores amigos morrem e deixam a guarda da sua única filha para você. – Harry respondeu, dando um sorriso triste.
- Certo. – Simmas pareceu desconcertado pela sua resposta, e Harry sentiu-se levemente culpado por isso. – Enfim. Senhor Judd, se você me permite... Gostaria de ter uma palavrinha com o senhor, antes do julgamento começar.
- Ah. – Harry automaticamente vasculhou os presentes com os olhos, encontrando Abigail no colo de Danny, que conversava animadamente com e , seus olhos encontraram rapidamente , que retribuiu o olhar, mas logo voltou-se para o homem ao seu lado. – Claro.
Os dois se afastaram do grupo, sem chamar muita atenção, e pararam em um canto mais afastado, nos corredores que davam acesso a algumas das salas de julgamento.
- Eu só gostaria de revisar alguns pontos. Em primeiro lugar, gostaria de informá-lo que o juiz acabou de indeferir o pedido de uma audiência aberta à mídia. – Harry suspirou, aliviado. – Em segundo... Vai manter sua posição sobre manter Abigail fora da sala de julgamento?
Harry considerou a questão dele por um momento.
- Sim. Quero dizer, já deve ser uma situação que mal cabe na cabeça dela. Ela não consegue entender por que estamos fazendo isso. Não vejo sentido em fazê-la sentar por horas, ouvindo pessoas que ela não conhece decidindo sobre a vida dela sem que ela possa ser ouvida. Não parece... certo.
O advogado lhe deu um sorriso e uma palmada reconfortante nas costas largas do cliente.
- Tenho muito orgulho em representá-lo, senhor Judd – disse. – Seus amigos estariam orgulhosos de você.
- às vezes, tenho minhas dúvidas. – Harry deu um sorriso de leve.
- Oh, acredite em mim, Harry, eu sei. – Simmas indicou de leve o aglomerado de pessoas, informando que eles poderiam retornar para perto delas. – Os advogados, invariavelmente, são as pessoas que mais conhecem seus clientes.
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Todos estavam ocupando a sala de espera para o julgamento. Harry estava de pé, andando de um lado para o outro, incapaz de ficar parado. Abigail estava sendo distraída por todos os presentes, que pareciam empenhados em manter a garota entretida e alheia ao ambiente esquisito e sóbrio do Tribunal.
- Já sabem quem vai ficar com ela? – perguntou o doutor Simmas. – O ideal seria alguém que não esteja na lista de testemunhas e que tenha muita paciência com crianças.
- Bem... A pessoa que eu tenho em mente tem apenas o primeiro requisito – Harry disse, os olhos fixos em , que conversava com Dougie e , sentados em um canto mais afastado da sala. – Mas vai ter que servir.
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- Como assim, eu vou ter que ficar com a Abigail? – estava com os olhos arregalados, parecendo perplexa. – Por quanto tempo? De onde veio isso?
Harry gesticulou para que ela falasse mais baixo, enquanto puxava a amiga pela mão para fora da sala de espera.
- Eu sei, desculpe. Tinha me esquecido desse pequeno detalhe, mas acontece que eu acho melhor a Abigail não assistir a tudo isso. Um monte de adultos falando sobre a vida dela, decidindo coisas que ela ainda não consegue entender... Não vejo necessidade de fazê-la passar por isso. Mas preciso que alguém fique com ela aqui fora. Alguém que não esteja listado como testemunha e que saiba lidar com a Abigail.
engoliu em seco, sentindo-se encurralada.
Lógico, ela amava Abigail quase como se fosse de sua família, mas não estava esperando aquele tipo de responsabilidade.
- Qual é... – Harry murmurou, identificando a hesitação da amiga – Você sempre fica com ela na Super Records!
- Mas é diferente! – sibilou. – Lá na Super Records, se eu fico cansada das tagarelices dela, posso simplesmente jogá-la na mão de um estagiário ou entregá-la para você, para o Tom, para o Dougie... Eu tenho pessoas com quem eu posso contar quando chego ao meu limite! E agora? Com quem eu vou contar?
- Hank e Carlton estão aqui – o homem respondeu, imediatamente, referindo-se aos seguranças.
revirou os olhos.
- Eu sei, mas...
- Sabe... – Harry a interrompeu, recebendo um olhar carrancudo e amuado da amiga. – Há dois dias, mais ou menos, você recebeu uma ligação de uma garotinha em prantos. Você não pensou duas vezes, em menos de cinco minutos estava na minha porta, pronta para levá-la para sua casa e cuidar dela. Cadê essa ? É dela que a Gail precisa agora.
abriu a boca para retrucar, mas seus olhos instintivamente encontraram Abigail sentada no colo de seu avô Oliver, brincando de bate-palmas com sua avó Molly, enquanto parecia divertir todos os adultos à sua volta.
- Está bem – ela soltou um suspiro, vencida. – Eu fico com ela.
Harry deu um abraço apertado na amiga e, assim que se separaram, deu um beijo em sua testa.
- Você é a melhor amiga do mundo – disse, segurando em seus ombros, com um sorriso largo e agradecido.
- É, quem diria – resmungou, ao mesmo tempo envergonhada e satisfeita. – E olha que sou uma novata. Nesse negócio de amizade.

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- Reino Unido contra Harry Mark Christopher Judd – o oficial de justiça saiu de dentro da sala com uma prancheta em mãos. – A sala está liberada. Mas, antes disso, terei que solicitar aos senhores Cristopher Judd, Oliver Cooper, Anthony Dickens, Thomas Fletcher, Daniel Jones, Dougie Poynter, , , Emma Judd, Alice Cooper e Molly Dickens que me acompanhem para a sala das testemunhas.
Todos se levantaram e Harry teve a sensação que seu estômago dava reviravoltas incômodas, enquanto se despedia com um abraço de todos aqueles rostos conhecidos de cujas palavras ele era tão dependente. Engoliu em seco e caminhou ao lado do doutor Simmas. Os dois foram os últimos a entrar na sala, que possuía duas colunas de longos bancos de madeira, os quais já começavam a ser ocupados pelos conhecidos e familiares de Harry.
As colunas se estendiam até um local um pouco mais a frente da metade da sala, no qual havia um pequeno balcão de madeira, com uma parte removível, que dava acesso a duas mesas de mogno, colocadas uma ao lado da outra, embora com distância suficiente entre elas para que três pessoas passassem lado a lado tranquilamente.
A uma distância de aproximadamente oito metros das mesas, estava um palanque de madeira de aparência rústica e luxuosa, onde Harry sabia que o juiz Theodore Mitchell ocuparia aquele local, observando ambas as partes de cima. Do lado esquerdo do palanque mais alto, havia um bem menor, com uma cadeira de aparência pouco confortável, com um microfone discreto saindo da mesa de madeira que parecia compor parte do palanque, onde Harry imaginou que as testemunhas e ele seriam ouvidos.
- Senhor Judd – uma voz desconhecida fez-se ouvir às suas costas, e o baterista virou-se para encontrar um homem bem arrumado, com uma expressão satisfeita e profissional no rosto, acompanhado por Elizabeth Quentin, que o observava com uma expressão fria e distante. – Sou Laurence Scott, procurador - os homens apertaram as mãos, num comprimento desconfortável. – Estou aqui para assegurar-lhe de que tanto eu, quanto a senhora Quentin – indicou a mulher com um aceno discreto de cabeça – estamos aqui pensando pura e estritamente nos interesses de Abigail e no que é melhor para ela. Tenho certeza que o senhor entende isso.
- Sim. Esse também é meu objetivo, Senhor Scott. – Harry retrucou, mantendo os olhos firmes no promotor. Lentamente, no entanto, desviou-os até encontrar Elizabeth. – Senhora Quentin. – Murmurou, com um aceno de cabeça, tendo a educação de reconhecer sua presença, mas não sendo gentil o suficiente para conceder-lhe mais do que isso.
Antes que a assistente social pudesse fazer ou dizer qualquer coisa, a portinha no canto da sala se abriu e Theodore Mitchell entrou na sala, trajando uma beca escura, abraçado ao processo referente ao caso de Harry e, embora ele não tenha dito nada ou pedido qualquer tipo de silêncio e organização, todas as conversaram cessaram imediatamente e Harry, Simmas, Quentin e Scott ocuparam seus respectivos lugares junto à mesa.
Harry suspendeu a respiração, tentando se focar no juiz e não deixar que sua mente divagasse para sua afilhada.

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- Eu queria estar lá dentro com todo mundo! – Abigail murmurou, enquanto mexia dentro da bolsa gigantesca que sua avó Alice trouxera, repleta de brinquedos, papéis e canetas coloridas. – Você não está cansada de brincar de forca?
“Estou exausta”, a sinceridade choramingou dentro da cabeça de .
- Um pouco – admitiu, escolhendo cuidadosamente as palavras. – Mas lá dentro estaria ainda mais chato! Sabe como são as reuniões da Super Records? – Abigail concordou com um aceno de cabeça. – Então. É tipo isso. Só que mais longo e mais cansado.
- Coisa de adulto, não é? – Abigail perguntou, fazendo uma careta que demonstrava seu desprezo pelas coisas chatas que as pessoas faziam quando se tornavam adultas. – É tipo nadar. Quando você é criança, é super divertido. Dá para brincar de Pequena Sereia e de quem fica embaixo da água mais tempo. Os adultos só ficam nadando na água por cinco minutos. E depois se cansam e saem. Sabe por quê?
- Por quê? – perguntou, erguendo as sobrancelhas.
- Porque os adultos são chatos! Parece que vocês se esqueceram de brincar! – exclamou, indignada, enquanto puxava uma Barbie descabelada e seminua de dentro da bolsa. - As reuniões seriam muito mais legais se vocês brincassem de dança da cadeira antes de começarem – opinou.
teve que mordiscar o lábio inferior para conseguir manter uma expressão neutra. Mas, então, seu cérebro encontrou uma brecha para manter a garotinha entretida por mais um tempo.
Num gesto exagerado, deu um tapa em sua própria testa, fazendo com que Abigail a observasse de um jeito preocupado.
- Você está totalmente certa, Gail! Acho que esqueci como brincar! Por que é que você não me ensina? – pediu, apoiando os cotovelos nos joelhos e o rosto nas duas mãos.
- É UMA ÓTIMA IDEIA! – Abigail vibrou, puxando uma nova Barbie de dentro da bolsa. – Toma, você é a Stacy. Vamos começar com as bonecas, tá, tia ? Depois vamos para amarelinha, desenhos, zoológico, mímicas...
forçou um sorriso, enquanto anotava mentalmente que faria Harry Judd lhe pagar um bônus de Natal especialmente rechonchudo naquele ano.

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Quando o juiz bateu com o martelo de madeira contra o tampo da mesa, o som pareceu ecoar por toda a sala de julgamento. Harry observou, mentalmente, que aquele ato era desnecessário, visto que a atenção de todos os presentes já estava focada no magistrado, não era necessário que ele tentasse atraí-la.
- Declaro aberta a seção de julgamento – a voz rouca e grave de Theodore Mitchell pareceu se propagar pela sala silenciosa. Ele colocou os óculos de leitura com calma e abriu o processo sobre a mesa, a sua frente. Pigarreou antes de prosseguir. – Trata-se de parecer por parte da Assistência Social do Reino Unido no sentido de que o senhor Harry Mark Christopher Judd não é candidato hábil a figurar como tutor legal da menor de idade, Abigail Grace Dickens.
Houve um breve instante de silêncio, durante o qual o juiz ergueu os olhos do processo e fixou-os em Harry, quase como se estivesse tentando, com base naquele contato, descobrir se as acusações da assistente social eram verossímeis.
- Inicialmente, há qualquer evidência ou prova material que desejem apresentar no momento? – questionou ambas as partes, indistintamente.
- Não, Excelência – o Procurador e Simmas recusaram em uníssono.
- Perfeitamente. Neste caso, gostaria de proceder a oitiva das testemunhas. Senhor Procurador, não vejo nos autos a sua lista de testemunhas – apontou, voltando sua atenção para o jovem procurador que ocupava a mesa ao lado da de Harry.
- As testemunhas são comuns, Excelência – informou o homem, prontamente. – Entretanto, se o senhor me permite, gostaria de requerer a contradição de alguns dos nomes apontados pelo Senhor Judd.
O juiz folheou o processo, provavelmente buscando pela petição na qual Simmas apontara os nomes das testemunhas.
- Os nomes, Procurador – pediu, afinal.
- Gostaria que fossem declaradas contraditas as testemunhas Emma e Christopher Judd, por serem genitores do réu, e Thomas Fletcher, Daniel Jones e Dougie Poynter, por serem seus amigos próximos.
- Deferido. Alguma objeção, doutor Hotterville? – questionou o juiz, voltando-se para o advogado de Harry.
- Nenhuma, Excelência. Na verdade, com a vossa concordância, gostaria de eximir referidas testemunhas da oitiva. Acho que com o restante das testemunhas teremos material o suficiente para demonstrar o nosso ponto. E, se for de acordo com a vontade do Senhor Procurador, gostaria também de requerer a desistência da oitiva dos senhores Anthony Dickens e Oliver Cooper.
O juiz desviou os olhos do advogado para o promotor, que assentiu com um aceno de cabeça.
- Nestes termos, defiro o pedido. Oficial – dirigiu-se, então, para o homem bem vestido sentado ao lado da mulher que parecia ser a incumbida de digitar todas as palavras que eram ditas na sala de julgamento. – Por favor, libere as testemunhas dispensadas.
O homem levantou-se, o rosto impassível, e caminhou a passos duros para uma porta na lateral da sala, desaparecendo do campo de visão. Houve um breve silêncio, enquanto os presentes aguardavam que a primeira testemunha fosse trazida.
- O que quer dizer contradição? – Harry perguntou, num sussurro, inclinando-se na direção do advogado.
- Não é contradição. É contradita. Basicamente, o Promotor pediu para que o juiz desconsiderasse tudo o que seus pais e seus amigos poderiam dizer, porque eles poderiam, naturalmente, agir de forma parcial e manipular ou omitir a verdade em seu favor. – Simmas respondeu no mesmo tom.
- Ah. É. Eles poderiam fazer isso – admitiu, pensando, principalmente, nos seus companheiros de banda.
- Neste momento, gostaria de pedir a assistente social Elizabeth Quentin que ocupasse a mesa à minha esquerda, para que possamos proceder sua oitiva – a voz grave de Theodore ecoou pelas paredes e, com uma expressão neutra, a mulher se levantou da cadeira ao lado do Promotor, deixando sua maleta de couro sobre a cadeira, e caminhou a passos decididos até a cadeira, sentando-se de frente para Harry e para os demais presentes que assistiam o julgamento, indiferente às expressões pouco amistosas no rosto de quase todos.

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Danny, Tom, , , Dougie, Emma, Christopher, Alice, Anthony, Oliver e Molly estavam sentados em uma sala fechada, com um policial parado à batente da porta, observando-os atentamente.
Enquanto se acomodavam, o oficial do juízo informara que eles não poderiam se comunicar, sob a penalidade de anularem o julgamento caso o fizessem, motivo pelo qual o guarda estava ali: para garantir que nenhum deles abriria a boca a ponto de comprometer aquele evento tão importante.
- Com licença, John – pediu o oficial, surgindo de trás do policial com uma prancheta em mãos; imediatamente, a atenção de todos os presentes fixou-se nele. – Senhores Douglas Poynter, Thomas Fletcher, Daniel Jones, Emma e Cristopher Judd: os senhores estão liberados da função de testemunhas. Podem se retirar do tribunal, se assim o desejarem, ou acompanharem o julgamento. De qualquer forma, caso qualquer um dos senhores necessite, posso providenciar um atestado de comparecimento para que apresentem em seus locais de trabalhos – todos os citados se levantaram, em silêncio, e passaram entre o oficial e o policial, caminhando em direção à sala de julgamento.
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- Senhora Quentin, como juiz da 15ª vara da Família deste Tribunal e protetor, pelos poderes a mim investidos, tenho a honra e o dever de militar pela justiça dentro deste edifício. Enquanto testemunha num caso de notória importância como este que se apresenta diante de nós, a senhora figura, também, na data de hoje, como uma importante peça para que seja tomada a melhor decisão a respeito do futuro de Abigail Grace Dickens, menor vulnerável cuja detenção da guarda será analisada hoje. Diante deste cenário, advirto-a de que deve responder a todas as questões feitas por mim, pelo doutor Promotor e pelo advogado do senhor Judd com franqueza e honestidade, sob a pena de responder por falso testemunho, nos termos do Código Penal. A senhora compreende?
- Sim, Excelência – ela concordou, inclinando-se na direção do microfone.
A seguir, o magistrado passou a fazer perguntas genéricas, como sua identificação, idade, função, há quanto tempo exerce a função de assistente social, e o endereço em que reside e no qual trabalha.
- Senhor Promotor... – o juiz murmurou, depois de realizar as perguntas, indicando que o rapaz poderia iniciar as perguntas.
- Inicialmente, senhora Quentin, gostaria de agradecê-la por ter comparecido a este tribunal, tendo que inconvenientemente, eu sei, ausentar-se de seu trabalho para servir a esta causa. – Elizabeth deu um sorriso felino e inclinou a cabeça, aceitando as palavras do homem educado à sua frente. – Em segundo, gostaria de agradecer pelos anos de serviços que tem prestado ao Reino Inglês no seu importantíssimo papel de protetora das crianças. Há quantos anos a senhora trabalha como assistente social, mesmo?
- Quinze anos – ela respondeu, tranquilamente.
- Quinze anos exercendo a função de proteger as crianças da Inglaterra, certificando-se de que estão recebendo o amor, carinho, atenção e educação que merecem para se transformarem em adultos conscientes e úteis a esse país – a mulher concordou com um aceno da cabeça. – Perfeitamente. A senhora poderia nos explicar, sinteticamente, por favor, os motivos pelos quais se manifestou negativamente no procedimento administrativo referente à cessão da guarda definitiva de Abigail Grace Dickens a Harry Judd?
- Sim – a mulher pigarreou, aproximando-se do microfone novamente. – Harry Judd é um homem irresponsável, que não está preparado para cuidar e criar uma criança de seis anos de idade. Conforme os artigos de jornais e entrevistas em programas televisivos que guardei, o homem tem levado a garota para bares, bastidores de shows, o rendimento escolar da garota decaiu e, honestamente, a vida dele, como um todo, é incompatível com a presença de uma criança.
- A senhora poderia, por gentileza, especificar um pouco melhor esta última frase? Sobre a vida do senhor Judd ser incompatível com a presença de uma criança?
Harry sentiu o ar esvair-se do estômago. Aquela mulher parecia tão segura ao falar que ele não era a melhor opção para Gail. Desesperado, ergueu os olhos na direção do juiz Mitchell, tentando descobrir se as palavras da assistente social estariam surtindo qualquer efeito sobre a mente do magistrado.
Engoliu em seco ao perceber que o juiz observava o promotor e a mulher com olhos atentos.
Como se sentisse o nervosismo de seu cliente, o Doutor Simmas colocou uma mão sobre o braço do rapaz, tentando transferir-lhe calma.
- Sim, senhor. Harry Judd é, e acredito que não seja surpresa para nenhum dos presentes, uma personalidade mundial. Vive a vida desregrada de um homem cuja única responsabilidade é com a sua música, sobrevivendo num meio onde drogas e prostituição são comuns, e por quanto tempo ele poderá manter o seu mundo profissional afastado de Abigail? Além do mais, existem milhares de outros detalhes, principalmente o que ele pretende fazer com a garota quando sair numa turnê mundial.
- Portanto, a senhora acredita que Harry Judd não deve ter a guarda definitiva de Abigail Grace Dickens?
- Sim – ela concordou, tranquilamente.
- Só para que conste nos autos, Senhora Quentin, seria possível apontar possíveis indicados a ter a guarda definitiva da garota? – questionou.
- Sim. A criança possui avós de ambos os lados da família que seriam opções válidas para exercer o papel de tutores, assim como a irmã de Claire Dickens, a senhora Ariadne Cooper; ela não mora no país, mas acredito que teria condições de criar a sobrinha.
- Perfeitamente. Obrigado, senhora Quentin. Sem mais perguntas, Excelência.
O juiz concordou com um aceno de cabeça e seus olhos pousaram brevemente sobre Harry, que estremeceu, antes de fixarem-se no homem ao seu lado.
- Doutor Hotterville, o senhor possui alguma pergunta para essa testemunha? – questionou.
- Sim, Excelência – o advogado sorriu, lançando um olhar tranquilizador na direção do cliente e levantando-se, caminhando até a assistente social. – Bom dia, senhora Quentin. Gostaria de ecoar os votos de estima do meu colega promotor, a senhora, assim como todas as demais testemunhas, são peças fundamentais para que encontremos a solução mais adequada ao caso de Abigail.
Quentin concordou com um aceno de cabeça e Harry sentiu todos os pelos de seu corpo se arrepiarem, quase como se fosse um gato arredio. Ver o homem que estava defendendo o seu direito de ter Abigail sob sua guarda tratar com tanta civilidade a mulher que era culpada por toda aquela situação fazia com que ele se sentisse esquisito.
- Nestes termos, eu gostaria de fazer uma questão simples. Pode ser respondida com sim ou não. Senhora Quentin, o meu cliente ama Abigail Grace Dickens?
Elizabeth Quentin franziu o cenho, parecendo surpresa com a pergunta.
- Isso não é uma questão de amor, doutor Hotterville – a mulher respondeu, assim que conseguiu organizar seus pensamentos. – Amor não é o suficiente.
- Excelência, essa não é uma resposta a minha pergunta. – Simmas virou-se para o juiz.
- Responda a pergunta, senhora Quentin – o juiz disse, os olhos presos nos dois.
Elizabeth hesitou.
- Sim, acredito que sim – respondeu, os olhos dela fixando-se em Harry brevemente, que sentia seu coração batendo apertado.
Se a mulher que o detestava admitia que ele não era um completo crápula, que ele tinha amor e carinho pela sua afilhada, então talvez o juiz visse isso também.
- Obrigado – o advogado sorriu, cruzando os braços às costas, enquanto matinha os olhos no semblante tranquilo da mulher. – E a senhora acabou de dizer que o amor não é o suficiente – Elizabeth concordou com um aceno de cabeça. – Mas o amor é importante.
- Evidentemente – a assistente social concordou relutante, com o cenho franzido.
Harry tinha a sensação que seu coração batia tão forte que seu corpo parecia se mover de acordo com seu ritmo; seus olhos estavam vidrados em Simmas, e se, naquele momento, todo o Tribunal desmoronasse, era capaz que ele não percebesse.
- Durante esses quinze anos de experiência, acredito que a senhora tenha criado um parâmetro de como deve ser o tutor ideal. A senhora poderia descrevê-lo para mim?
Elizabeth continuou com o cenho franzido, parecendo incapaz de entender aonde o advogado queria chegar com aquela pergunta, mas como nem o Promotor nem o Juiz se manifestaram sobre a questão, esforçou-se para conseguir respondê-la.
- Gosto de dizer que o tutor perfeito deve apresentar quatro características essenciais. Amor, carinho, respeito e responsabilidade.
- E qual você julga que é a mais importante? – questionou o advogado.
- Todas são importantes – ela rebateu.
- Então, você quer dizer que um homem que não tem amor pela criança pela qual é responsável, mas que se lembra de levá-la para o colégio e ao dentista uma vez por ano é melhor do que um homem que ama e é atencioso com essa mesma criança, mas que pode se esquecer eventualmente de levá-la ao dentista por que ficou preso no serviço?
- Não, mas não estamos falando de um homem que se esqueceu de levar uma criança ao dentista. Estamos falando de uma estrela do rock que leva a afilhada para bares e ambientes em desacordo com sua idade, fazendo com que a garotinha fique atrasada em suas lições de casa. Esse não é o ambiente para uma garota de cinco anos, doutor Hotterville.
Harry engoliu em seco, sentindo os olhos escuros de Theodore Hotterville pararem sobre ele, as sobrancelhas levemente arqueadas, antes de o homem voltar a prestar atenção na conversa entre os dois.
- Certo, entendemos seu ponto de vista quando a senhora passou sua versão dos fatos para o doutor Promotor, senhora Quentin. Estou fazendo perguntas objetivas, gostaria que a senhora me acompanhasse – os olhos do advogado estavam fixos nos da assistente social, que concordou com um aceno de cabeça. – Se você estiver avaliando um tutor e ele tiver todos os requisitos, menos um. Qual é o requisito que não pode faltar? Qual é o requisito essencial?
Elizabeth Quentin pensou por alguns segundos e quase deu um sorriso, ao perceber que caíra como uma pata na rede de argumentação do advogado. Quando seus olhos encontraram o do advogado novamente, tinha um brilho de quem sabia que tinha sido cercado.
- Amor, doutor Hotterville. O amor é o requisito essencial.
Simmas sorriu para ela e inclinou levemente a cabeça.
- Obrigado, senhora Quentin. Não tenho mais perguntas, Excelência.
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A sala estava silenciosa, mas estava se sentindo à vontade. Embora estivessem proibidas de falar sobre o caso, o policial tinha sido bondoso o suficiente para permitir-lhes que falassem sobre outros assuntos.
O problema é que sempre que uma delas abria a boca, parecia fechá-la em seguida, com uma expressão amuada. Julgando a partir de si mesma, apostaria que todas estavam em silêncio, porque a única coisa que passava pela cabeça de todas ali era o julgamento, justamente o assunto proibido.
Percebeu que , num óbvio sintoma de seu nervosismo, começou a contornar o interior de uma unha com a outra. Num gesto gentil, pegou uma mão da amiga e envolveu-a na sua.
Os olhos da professora encontraram os da melhor amiga e elas sorriram uma para a outra. Nenhuma delas disse nada, mas palavras nunca foram necessárias entre elas. E aquilo era reconfortante.
Nesse instante, entretanto, o policial liberou passagem para o oficial de justiça.
– Doutora . Preciso que a doutora me acompanhe.
soltou a mão da amiga e espremeu seus lábios, que formaram uma linha tênue esbranquiçada. Levantou-se, sentindo-se um pouco trêmula, e lançou um olhar receoso para as demais mulheres na sala.
Holly e Alice sorriam para ela, de um jeito compreensivo, e piscou para ela, como quem diz “fica tranquila, você consegue”. E, com um suspiro, ela saiu da sala, seguindo os passos do homem baixinho e agitado que a guiava em direção à sala de julgamento.
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- Nome completo? – perguntou o juiz.
engoliu em seco, sentindo o peso de todos os olhos sobre ela e inclinou-se na direção do microfone que ficava sobre a mesa que ela ocupava.
- .
- Data de nascimento?
- 08 de fevereiro de 1987.
- Profissão?
- Psicóloga – o barulho da escrevente digitando as palavras à medida que elas saíam dos lábios de , parecia ter um efeito enervante sobre a mulher, que se pegou esfregando a barra da saia que usava entre os dedos, como uma forma de distrair sua ansiedade.
O magistrado prosseguiu com mais algumas perguntas a respeito de aspectos genéricos de sua vida, como o endereço de sua casa e o de seu escritório. Depois, pigarreou.
- Pronto. Doutora , gostaria de esclarecer que estamos todos aqui, hoje, com o objetivo não apenas de alcançar a justiça, mas de encontrar a melhor solução para o futuro de Abigail Grace Dickens. Isto em mente, devo adverti-la que deverá sempre responder às minhas perguntas, às do doutor promotor e às do doutor Hotterville com franqueza e honestidade, sob a pena de responder por falso testemunho se agir de forma contrária. Compreende? – engoliu em seco, concordando com um aceno de cabeça. - Promotor... – murmurou, deixando subentendido que o Dr. Scott poderia tomar a palavra.
Com um sorriso belo e, ao mesmo tempo, terrivelmente arrogante, o jovem levantou-se e caminhou lentamente na direção da mesa que ocupava.
- Bom dia, doutora. Inicialmente, em nome de todos os meus colegas promotores e de todos os funcionários do Poder Judiciário, gostaria de sinceramente agradecer-lhe por dispor do seu dia para ajudar-nos em uma importante missão no dia de hoje – sentiu-se enrubescer sob as palavras do homem. – Missão essa, todos sabemos, de notória importância porque diz respeito sobre uma vida em formação de uma garotinha de seis anos de idade. Por isso, esperamos que a doutora haja aqui como qualquer pessoa sensata faria: colocando o bem-estar da menor de idade a cima de tudo.
Houve uma breve pausa, durante a qual mal conseguia respirar, enquanto os olhos do Promotor pareciam capazes de perfurá-la.
- Isso dito, gostaria que a doutora nos esclarecesse a sua ligação com Abigail Grace Dickens.
desviou os olhos do rosto bonito do promotor para encontrar os olhos azuis de Danny presos sobre ela. Ele lhe lançou um olhar encorajador e respirou fundo, inclinando-se para perto do microfone novamente.
- Abigail foi minha paciente – respondeu.
- Durante que período de tempo? – ele rebateu.
- Mais ou menos de setembro a dezembro de 2010 – respondeu, com firmeza.
- Três meses de tratamento – concluiu o promotor. – E qual era o motivo de uma criança de cinco anos de idade... À época... Realizar um tratamento psicológico?
- Excelência, objeção! – Simmas levantou-se de sua mesa, interrompendo o homem e chamando a atenção de todos em sua direção. – A doutora não poderá responder essa questão sem quebrar o sigilo profissional entre ela e a paciente.
Theodore Mitchell voltou os olhos escuros na direção do promotor, numa pergunta silenciosa.
- A paciente tem seis anos de idade, Excelência. E se estamos discutindo seu futuro, me parece razoável que tenhamos acesso a esse tipo de informação – esclareceu.
- Objeção indeferida. Doutora , responda a pergunta – o juiz decidiu.
- Gai-Abigail perdeu os pais num acidente de carro. Por esse motivo, criou certa fobia deste meio de transporte. Ela foi encaminhada aos meus cuidados para superar esse trauma.
- E como ela foi encaminhada a você? – perguntou o Promotor. – A escola, a doutora já possuía alguma relação com o senhor Judd?
- Não. Uma amiga minha, , é professora de Abigail, e ela recomendou meus serviços ao senhor Judd – respondeu, começando a se sentir tensa e irritada.
O que aquele homem tentara insinuar? Que ela e Harry eram amantes?
- E três meses não é um período de tempo curto para uma criança superar uma fobia dessa proporção?
- Cada pessoa é de um jeito. Abigail superou rapidamente o trauma e trata-se de uma criança saudável, motivo pelo qual a dispensei da terapia assim que percebi que o trauma não era mais um obstáculo para ela.
- E durante essas sessões, ela falava sobre sua vida com Harry Judd?
- Sim – a psicóloga respondeu, tranquilamente. – Com frequência.
- E a garota sempre se demonstrou satisfeita em morar com o padrinho? – quis saber o promotor.
- Sim – respondeu, com firmeza.
O Promotor concordou com um aceno de cabeça.
- Encerro minhas perguntas, Excelência – disse, dando as costas para e caminhando até a mesa que ocupava.
- Doutor Hotterville, a testemunha está à sua disposição – o juiz murmurou, os olhos presos no processo aberto à sua frente.
- Obrigado, Excelência – Simmas colocou-se de pé e lançou um último olhar tranquilizador na direção de Harry. - Doutora , gostaria de ressaltar os agradecimentos já dispostos pelo meu colega promotor de justiça. Entendemos que ter que comparecer aqui hoje deve ter sido um grande incômodo para todos os presentes.
- Ahn... Está tudo bem – disse, começando a ficar honestamente cansada de toda aquela exagerada educação.
- Perfeitamente – o advogado sorriu de forma bondosa e ela percebeu que se sentia muito mais a vontade com ele do que se sentira com o juiz e, especialmente, com o promotor. – Não vou me estender muito, sei que deve estar cansada. Você disse, se não me engano, que Abigail foi sua paciente durante o curto período de três meses.
- Sim – confirmou.
- Três meses é muito pouco tempo. Fiz terapia por quase dois anos para aceitar quando minha primeira mulher pediu o divórcio. Mas Abigail Dickens precisou de apenas três meses para conseguir superar um trauma causado pela morte precoce de seus pais num acidente de carro.
confirmou com a cabeça.
- Excelência, ele não está fazendo perguntas – o Promotor insurgiu-se, incomodado.
- Vou chegar ao ponto, Excelência. – Simmas rebateu, antes que o juiz pudesse considerar a reclamação do promotor. – O que eu quero dizer é que, ainda que seu argumento de que cada pessoa demora um período de tempo para superar um trauma, três meses para superar esse tipo de trauma me parece muito pouco, ainda mais para uma criança. Estou certo?
considerou a questão em silêncio, por alguns segundos.
- Sim. É um tempo particularmente rápido para superar um trauma psicológico daquela magnitude – respondeu, afinal.
- Perfeitamente. A doutora acha, como todo o seu conhecimento sobre esses causos, que, talvez, a presença do meu cliente na vida de Gail tenha interferido nesse processo de superação?
- Sem sombra de dúvidas – respondeu. – Toda a situação facilitou que esse tipo de trauma fosse superado. Abigail mudou-se de sua casa antiga para uma casa nova, e Harry Judd foi sempre muito carinhoso e compreensivo com a afilhada. Uma criança que se sente amada e protegida é capaz de caminhar jornadas mais compridas e íngremes sozinha do que as que experimentam um ambiente menos estável dentro de casa.
Simmas deu um largo sorriso, fazendo com que , incerta do motivo, experimentasse uma sensação boa de dever cumprido em seu interior.
- Obrigado, doutora . Sem mais perguntas, Excelência.
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sentiu a respiração pesada naquela sala silenciosa, ocupada agora apenas por ela e as mães de Charlie e Claire, além do policial. O mais desgastante era tentar se manter tranquila, embora seu estômago continuasse se revirando avidamente.
A porta se abriu e o rosto que o trio temia e ao mesmo tempo ansiava surgiu no interior da sala.
- Senhora Molly Dickens, poderia me acompanhar? – o homem pediu, os olhos escuros fixos na mulher gorducha, que se levantou com uma expressão determinada e o acompanhou para fora da sala.
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Em primeiro lugar, Harry observou o juiz falar a mesma ladainha que tinha dito às outras testemunhas: agradeceu a presença e explicou como era fundamental o papel de Molly para a decisão daquele caso.
Posteriormente, passou a fazer as perguntas relativas à identificação da mãe de Charlie. Quando finalmente esgotou as perguntas padrão, passou a palavra ao Promotor, que se ergueu de sua cadeira com o mesmo sorriso presunçoso que usou desde que pisou dentro da sala de julgamento.
- Bom dia, senhora Cooper. Se bem entendo, a senhora é mãe do falecido pai da menor?
- Sim – ela disse, o queixo tremendo. Harry percebeu os olhos da mulher se encherem de lágrimas e suspirou, sentindo-se culpado e infeliz por fazer aquela que considerava sua segunda mãe passar por aquilo.
- E você, certamente, acompanhou a criação de Abigail quando ela era ministrada por seus pais biológicos... – ele prosseguiu, indiferente ao emocional abalado de Molly.
- Sim – ela sorriu, lutando contra as lágrimas, provavelmente mergulhando em alguma memória antiga.
- E você honestamente acredita que a criação que o senhor Judd – apontou para Harry – tem fornecido à criança pode se igualar a que seu filho estava dando a ela?
Os olhos de Molly se estreitaram e Harry reconheceu aquilo como um sinal de mau agouro: sempre que os olhos da mulher se tornavam duas frestinhas minúsculas no meio do rosto redondo, queria dizer que o alvo deles estava em apuros.
- Escute aqui, senhor Promotor – ela retrucou, longe do microfone, mas ainda assim alto demais para que sua voz ecoasse por toda a sala, sendo ouvida até mesmo pelas pessoas que ocupavam os últimos bancos próximos da porta da sala. – Harry cresceu na minha casa. Em última análise, eduquei tanto ele como meu próprio filho, assim como sei muito bem que Emma deu uns bons sermões em Charlie quando lhe coube. Charlie era um pai excelente e Harry também está se tornando um. Ele pode ter deslizado algumas vezes, é verdade, mas todo ser humano está fadado a cometer um erro de vez em quando.
O Promotor manteve o sorriso intacto no rosto, embora seus olhos brilhassem de uma forma que dava a entender que não estava satisfeito com a resposta da mulher.
- Não tenho mais perguntas, Excelência – disse, afastando-se da mesa ocupada por Molly, que assumiu um sorriso satisfeito.
- Doutor Hotterville? – o juiz fixou os olhos no advogado de Harry.
- Estou satisfeito, Excelência – o homem respondeu, indicando que não faria mais perguntas a Molly.
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- Toma, tia – Abigail puxou de dentro da mochila um boneco. – Esse é o Ken. Você vai ser o Ken, tá? – entregou-o à mulher. – E eu vou ser a Stacy. Eu sei que o Ken é o namorado da Barbie, mas eu acho que ele combina mais com a Stacy. Não conta isso para a Nora, tá? Ela fica brava.
- Tá certo – observou o boneco mais de perto. Muito bonitinho esse tal de Ken. Será quem faziam em formato humano, se ela pedisse? – Então, vamos lá. – Ela começou a mexer o Ken sobre o banco, caminhando na direção de Abigail, que estava penteando os cabelos da Stacy. – “E aí, Stacy, vamos tomar uma coca-cola no McDonalds?”.
Abigail observou o Ken com as sobrancelhas erguidas.
- O que você está fazendo? – perguntou, afinal.
- Brincando de boneca. Com você – respondeu, sentindo-se repentinamente inapta em razão do olhar desdenhoso da garota.
- Não, tia . Não é assim que brinca de boneca. Primeiro, nós precisamos combinar uma história, e depois eu tenho que te dizer o que eu vou te dizer, e você vai me dizer o que você vai me dizer, e aí a gente brinca. Entendeu? – perguntou, pacientemente, como se falasse com uma criança mais nova.
- Entendi. Claro – suspirou – E aí, qual vai ser a história?
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Quando Alice Cooper saiu, acompanhando o oficial de justiça, afogou o rosto nas palmas de suas duas mãos, respirando fundo. Sentia como se aquela sala se tornasse menor a cada pessoa que a abandonava, até chegar a sensação de que ela estava sendo apertada pelas quatro paredes que a cercavam.
- A senhorita está passando bem? – ela tirou o rosto de seu esconderijo para encontrar o policial encarando-a com uma expressão preocupada.
- Ah. Sim, estou – ela sorriu, endireitando sua postura. – Só um pouco... Nervosa.
- Não fique – o homem deu um meio sorriso. – O doutor Mitchell é um excelente juiz, certamente fará o melhor para a garotinha.
sorriu, incapaz de pensar em nada para dizer.
- É aquela ruivinha, não é? – ele perguntou, numa nova tentativa de quebrar o silêncio. – A garota? Uma ruivinha que está sentada num banco com uma mulher de cabelos ?
Dessa vez, o sorriso que surgiu no rosto da professora era mais natural.
- E elas estavam se divertindo? – perguntou, já imaginando a resposta.
- A garota, sim – o policial respondeu, retribuindo o sorriso. – A loira bonita... Não tanto.
permitiu-se soltar um risinho, sentindo o aperto em torno de seu estômago ceder um pouco.
- Certo... – houve um breve instante de silêncio, durante o qual ela brincou com a barra da blusa que usava, até que pigarreou. – E então, há quanto tempo trabalha por aqui?
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Harry mordiscou de leve o lábio inferior, enquanto observava Alice Cooper responder calma e pausadamente todas as perguntas que lhe eram feitas por Theodore Mitchell. Quando o juiz se deu por satisfeito e passou a palavra para o Promotor, o baterista endireitou-se na cadeira dura de madeira, começando a sentir o desconforto proveniente das quase três horas que estava naquela mesma posição.
- Bom dia, senhora Cooper. Obrigada por vir até aqui hoje, servindo como uma peça tão fundamental para que encontremos a melhor solução para o caso de sua neta. – Alice inclinou levemente a cabeça, como quem aceita as palavras do Promotor, que deu uma breve pausa, antes de prosseguir. – Em primeiro lugar, e como já falamos diversas vezes desde o início desta sessão, gostaria de deixar claro que ninguém neste Tribunal está aqui para questionar o amor do senhor Judd por Abigail Grace Dickens. Quero dizer, claro que a única coisa que questionamos aqui, senhora Cooper, é se ele está preparado para ter uma garotinha sob sua custódia.
Alice concordou com um aceno de cabeça, e o Promotor se sentiu encorajado a continuar.
- Do pouco que conheço da vida de Abigail antes do acidente que fatalmente levou ao falecimento de sua filha e do seu genro – Harry percebeu os olhos de Alice marejarem, mas admirou-a por conseguir manter a compostura e uma expressão impassível no rosto. – Claire Dickens parecia uma mulher responsável e preocupada com ambos, o desenvolvimento intelectual e moral de sua única filha. Você vê essa mesma preocupação refletida nas atitudes do senhor Judd? – indicou Harry com um gesto e os olhos calmos da mãe de sua falecida melhor amiga o encararam.
- Senhor Promotor... O senhor tem filhos? – ela perguntou, tranquilamente.
O Promotor abriu a boca, pego de surpresa pela inesperada virada. Era ele quem deveria fazer as perguntas, não o contrário. Afinal, ergueu os olhos para o juiz que o encarava com as sobrancelhas erguidas.
- Isso é interessante – murmurou Theodore, parecendo realmente instigado. – Responda a pergunta, senhor Scott.
- Ahn... – Laurance hesitou, piscando os olhos brilhantes algumas vezes. – Não. Ainda não, senhora Cooper.
- E o senhor imagina que, se hoje, nesse exato instante, uma criança lhe fosse jogada nos braços, o senhor se sairia como um perfeito exemplo de pai? – rebateu, as duas mãos unidas sobre a tampa da mesa. Antes que o Promotor tivesse a oportunidade de responder, a mulher prosseguiu. – A diferença entre Harry Judd, minha filha e meu genro, é que os últimos tiveram nove meses para ler sobre a paternidade, me fazerem perguntas, perguntarem ao meu marido sobre os pequenos detalhes que envolvem a árdua tarefa de ser um pai. Harry recebeu essa incumbência de um dia para a noite. Não era obrigação dele aceitar, apesar de serem os últimos desejos expressos da minha menina. Mas ele o fez. Sim, ele cometeu um ou dois deslizes, mas todos os pais fazem isso. Não importa o quão perfeito você tente ser perante os seus filhos, sempre estará fadado a escorregar.
O rosto do Promotor congelou numa expressão apreensiva.
- Então, a senhora realmente acredita que sua neta está em boas mãos?
- Sim, eu acredito – ela respondeu, com tranquilidade.
O homem concordou com um aceno impotente de cabeça.
- Sem mais perguntas, Excelência – disse, dando as costas para a mulher e caminhando em direção à sua mesa.
- Doutor Hotteville, a testemunha está à sua disposição – murmurou o juiz.
Alice sorriu para Harry, discretamente, e o garoto retribuiu, certo de que nunca amara aquela mulher com tanto ardor como naquele momento.
- Estou satisfeito, Excelência. Obrigada, senhora Cooper – Simmas disse, bem humorado.
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O policial, que descobriu chamar John Grandance, estava relatando para a professora a primeira vez que ele tinha realmente decretado a prisão de uma pessoa, quando foi interrompido por um leve pigarrear às suas costas.
Era o oficial de justiça.
sentiu seu coração parar de bater por alguns segundos, incapaz de decifrar as palavras que saíam da boca do diminuto homem, mas assim que percebeu que ele a encarava, com as sobrancelhas erguidas, como se esperasse uma reação dela, impulsionou-se do banco, ficando em pé.
Os dois caminharam para fora da sala e o policial acenou um adeus para ela; seu coração batia com tanta força, que tudo o que conseguia ouvir era o som do sangue correndo pelas suas veias e seu corpo parecia se balançar no ritmo das batidas.
Naquele momento, ela compreendeu que aquele seria um daqueles dias que ela recordaria pelo resto de sua vida: o dia em que suas palavras e sua opinião tinham tanto peso que seriam capazes de juntar uma família ou separá-la para sempre.
Foi então que ela viu Abigail sentada num banco, ao lado da , que parecia entediada, embora tivesse um sorriso fixo no rosto, tentando disfarçar o que horas de brincadeiras infantis estavam fazendo com o seu bom senso.
- PROFESSORA – Abigail berrou, feliz, deixando as bonecas em cima do bando de madeira e correndo até a mulher, que parou no meio do caminho para permitir ser abraçada pela aluna. – Já acabou? Podemos ir embora? Está muito chato ficar aqui... – a garotinha lançou um olhar receoso por cima dos ombros. – E eu acho que a tia está começando a ficar malvada – adicionou, num sussurro cauteloso.
riu e bagunçou os cabelos ruivos da garota, piscando para que retribuiu com uma expressão mal humorada.
- Já está quase acabando, meu amor. Mas você precisa ter um pouco de paciência, okay? – disse, num tom reconfortante. – Por que é que você e a tia não vão comer alguma coisa e dar um tempo de toda essa brincadeira? – sugeriu.
- É. Talvez ela esteja rabugenta porque está com fome, que nem a Nora! – os olhos verdes da garota brilharam. – E eu...
- Senhorita ! – o oficial pigarreou, e ergueu os olhos para perceber que ele encarava a cena, parecendo insatisfeito por ter que esperar.
- Tenho que ir, querida! – disse, em tom apologético, dando um beijinho no topo da cabeça da garota. – Seja boazinha!
- Tá bom! – Abigail disse, enquanto observava a professora caminhar em direção do oficial de justiça. – Mas eu sempre sou!

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Quando a porta lateral se abriu e Harry viu sendo escoltada pelo oficial de justiça até a mesma mesa que todas as demais testemunhas tinham ocupado, Harry perguntou-se como era possível que ela pudesse ser tão bonita, mesmo parecendo perdida e desconfortável.
Os cabelos escuros estavam presos em um rabo de cavalo e ela fez tudo o que lhe foi indicado pelo homem engravatado ao seu lado, com uma expressão de confusão e temor que não combinavam com o ar geralmente tranquilo e em controle que ela assumia normalmente, quando estava em seu elemento.
Quando os olhos azuis e se encontraram, ele deu um sorrisinho que tentava passar a mensagem “obrigado por estar aqui”, mas ela desviou os olhos rapidamente, parecendo ainda mais incomodada.
O juiz teceu os mesmos comentários e agradecimentos que fizera com as outras testemunhas e, após recolher as informações referentes à qualificação da professora, passou a palavra ao Promotor.
- Bom dia, senhorita . Gostaria de reiterar brevemente as palavras do ilustre magistrado, agradecendo sua presença neste tribunal – mordiscou o lábio inferior, parecendo acanhada, mas concordou com um breve aceno de cabeça. – Então... Só para esclarecer, você é professora da Abigail?
- Sim – ela respondeu.
- Mas esse é seu único vínculo com a garota? – questionou.
- Não – engoliu em seco, tendo a sensação que estava caminhando diretamente para uma armadilha, embora não soubesse expressar o motivo desse sentimento. – Eu fico com ela durante o período da tarde, em dias de semana, até que Harry volte da gravadora.
- E a senhorita poderia, por favor, explicar como isso aconteceu? – o homem perguntou, os olhos fixos nela.
- Ah, bem... – hesitou, escolhendo cuidadosamente as palavras. – Não tem muito o que dizer, na verdade. Harry me pediu ajuda e eu aceitei.
- Ele te pediu ajuda... – o Promotor murmurou, confuso. – E como isso aconteceu?
- Ele me ligou, pediu minha ajuda e eu aceitei – respondeu, imediatamente.
- Mas por que você e não contratar uma babá? – ele quis saber.
- Eu... ahn... – hesitou, ao lembrar a situação que ensejara o pedido de auxílio de Harry: o dia em que ela adentrara o escritório como uma onça, furiosa pela falta de responsabilidade e comprometimento do homem. – Nós tínhamos conversado sobre como ele precisava se organizar melhor, para se adaptar a ter Abigail em sua vida.
- Onde vocês conversaram sobre isso? Numa reunião da escola? – sugeriu o homem, observando-a atentamente, como um predador faz com a sua presa.
- Ah... – perdida, focou seus olhos em Harry, por alguns segundos, num pedido de desculpa instintivo de quem percebe que caiu em uma armadilha. – Não. Não foi na escola. Eu fui até a gravadora do Harry e conversei com ele.
- Puxa. Isso, sim, é interessante. É um hábito seu, este de ir até os responsáveis sobre os seus alunos para conversar sobre como eles precisam se organizar para ajustarem a ter os seus filhos em suas vidas?
abriu e fechou a boca, sentindo-se transpirar.
- Não.
- Mas com Harry e Abigail foi diferente... – o Promotor murmurou, com ar de quem estava considerando o assunto. – Aposto que você ficou preocupada com o bem-estar da sua aluna. Percebeu que ela estava muito cansada nas aulas e não entregava as tarefas, como disse para a senhora Quentin – indicou a assistente social às suas costas. – Ou seja, Judd não estava fazendo um bom trabalho no passado. E, sejamos sinceros, se não fosse pela senhorita, ele estaria fazendo um bom trabalho agora?
- Eu... – sentia o coração batendo com força e as palmas das mãos suadas. – Eu acredito que sim.
- Mesmo? – o Promotor inclinou levemente a cabeça, e sua pergunta tinha um tom de provocação.
- Sim – ela respondeu, com firmeza.
- Engraçado você dizer isso... – o homem murmurou, dando as costas para ela e caminhando até a cópia dos autos que tinha sobre a mesa que ocupava. – Porque de acordo com os documentos que eu juntei, as folhas 126 a 130 – percebeu que o juiz abriu o processo e buscou as folhas indicadas pelo Promotor – tem um documento referente à entrada da Abigail em um hospital. Corrija-me se eu estiver errado, senhorita , mas essa é a sua assinatura, certo? – virou o processo na direção dela, entregando-o em suas mãos, aberto na página que continha uma cópia do documento de admissão de Abigail no hospital.
- Sim, essa é minha assinatura – ela respondeu, tentando manter a calma.
- E a hora estava certa? – ele questionou, de volta. – Ou é mentira que Abigail foi admitida às nove horas da noite?
- O horário está correto – murmurou.
- E por que é que tem a sua assinatura no documento, e não a do senhor Judd? – ele continuou.
- Porque ele ainda não tinha chegado da Super Records – ela respondeu, mantendo os olhos firmes no homem altivo e arrogante, sentindo-se mentalmente exausta.
- E era sempre assim? Você ficava com Abigail desde o fim do horário da escola até a hora que Harry Judd voltasse ao trabalho, fosse ela qual fosse? – os olhos dele estavam fixos nela, um sorriso largo tomando o seu rosto, mas não chegando a alcançar seus olhos, que brilhavam de um jeito sarcástico, como se soubessem que ele tinha pegado ela.
- Não. Nós temos um acordo. Eu fico com Abigail até às oito horas, que é o horário que ele geralmente volta da gravadora – respondeu, a voz soando um tanto trêmula.
- Mas não naquele dia – o Promotor acenou levemente com a cabeça. – O que ele estava fazendo de tão importante naquele dia... A senhorita poderia me contar?
Harry fechou os olhos, sentindo o coração comprimido. Pôde ver nos olhos de o quanto ela temia que o rumo das perguntas chegassem à loira misteriosa do bar e as consequências dela.
- Ele... – pigarreou, tentando controlar melhor sua voz. – Ele estava num pub.
- Então, deixe-me ver se eu entendi bem a situação – ele disse, num tom de voz pensativo. – Você, que não é nada da Abigail, estava cuidando dela, em razão de um machucado sério na cabeça... E ele estava num pub, bebendo, com outra mulher. É isso?
sentiu a garganta fechar e lágrimas subiram até seus olhos, mas ela respirou fundo e pigarreou novamente, evitando estabelecer contanto visual com o Promotor.
- Sim – respondeu, simplesmente.
- Os relatos das enfermeiras de plantão naquela noite... que estão nas folhas 128 e 129, Excelência – dirigiu-se ao juiz, enquanto pegava o processo que estava sobre a mesa de - informam que o senhor Judd apenas apareceu cerca de uma hora depois que a garota deu entrada no hospital. Na verdade, e acho isso interessante, uma delas disse que todos os amigos do senhor Judd já estavam no hospital quando ele chegou – fechou o processo com um som abafado que pareceu ecoar pela sala de julgamento silenciosa. – Agora... Senhorita , isso lhe parece a atitude de um homem responsável?
arregalou os olhos, em pânico, e quando fixou-os em Harry percebeu que os dele tinham uma expressão desesperançada, de um animal preso em uma armadilha, ciente de que não havia mais escapatória.
- Não acho justo considerar apenas um evento... – ela começou, esforçando-se para que sua voz não entregasse sua ansiedade.
- Senhorita , responda a pergunta – interrompeu-a o juiz Mitchell.
abriu e fechou a boca algumas vezes. Impotente, abaixou a cabeça e murmurou para o microfone.
- Com base apenas nesse fato, não.
O promotor a observou por alguns instantes.
- Sem mais perguntas, Excelência – ele disse, dando as costas para a testemunha e caminhado até o seu lugar.
O juiz Mitchell concordou com um aceno de cabeça e direcionou os olhos escuros como piche na direção de Simmas. engoliu em seco, tentando lutar contra a sensação sufocante de sua garganta fechando, provocada pela vontade de chorar.
Era para ela ajudar Harry. Mas o que fizera? Caíra como uma pata em todas as armadilhas do Promotor e agora parecia que Harry era um crápula completo.
Fechou os olhos por alguns instantes, tentando manter o controle sobre o turbilhão de sentimentos que assolavam seu interior, como ondas revoltas durante uma tempestade.
Ouviu o barulho de uma cadeira sendo arrastada e, assim que voltou a abrir os olhos, encontrou Simmas Hotterville em pé, observando-a com olhos bondosos, como quem diz: “não se preocupe, está tudo bem; não perdemos a guerra ainda”.
- Senhorita , boa tarde – ele disse, num tom de voz respeitoso e tranquilo que ajudou a se acalmar. – Sei que está cansada e não pretendo tomar muito do seu tempo. Eu só quero saber a sua opinião, com base no convívio diário que tem com o Réu e Abigail. Você acha que ele é a melhor opção para a garota?
- Sim – respondeu para o microfone, sem titubear ou deixar sua voz vacilar.
- Você poderia justificar sua posição, por favor? – pediu, no mesmo tom amável que usara para perquirir todas as testemunhas.
- Ah... – a professora hesitou, considerando a questão. – Bem... para começo de conversa, ele a ama. Isso é evidente. E a recíproca é verdadeira. Posso ficar o dia inteiro brincando com a Gail, mas os olhos dela só brilham quando Harry chega do trabalho. Sim, ele pode ter cometido um erro ou outro no meio do caminho – acrescentou, permitindo que seus olhos se desviassem rapidamente na direção do promotor –, mas não é só isso que conta. Nenhum pai está certo o tempo todo. E é errando que aprendemos. Quando Harry conseguiu enxergar seus erros, fez o possível e o impossível para corrigi-los. E, para mim, é assim que definimos os bons pais: não pelas vezes que eles acertaram durante a educação de seus filhos, mas com base em como eles se posicionaram diante de seus erros.
Quando voltou sua atenção para o doutor Simmas, ele lhe sorria.
- Não tenho mais perguntas, Excelência – disse, afinal.
foi acompanhada pelo oficial de justiça para da sala e instruída por ele que poderia assistir o julgamento agora, junto aos demais presentes, se fosse de sua vontade. Portanto, com a autorização dos policiais que vigiavam a porta, foi-lhe permitida a entrada na sala, ocupando um lugar ao lado de , que estava sentada ao lado de Danny e dos demais integrantes do McFLY.
pegou uma mão de entre as suas e lançou um sorrisinho tranquilizador na direção da amiga.
- Gostaria de ouvir agora o réu – disse o juiz.
Harry colocou-se de pé prontamente, provavelmente já instruído pelo advogado de que isso ocorreria e caminhou até a mesa ocupada pelas testemunhas sem o auxílio de qualquer funcionário público.
Sentou-se e houve um breve momento de silêncio tenso, em que o juiz escrevia algo num papel ao seu lado.
- Senhor Promotor – disse, afinal, erguendo os olhos apenas tempo o suficiente para fixá-lo no seu colega.
Scott deu um sorriso presunçoso enquanto se levantava e caminhava na direção de Harry em passos lentos e calculados.
- Boa tarde, senhor Judd – disse, com um sorriso largo, como se fossem dois colegas que se encontram por acaso na rua, e não lados opostos numa discussão de grave seriedade. – Em primeiro lugar, gostaria de deixar muito claro que ninguém nesse tribunal questiona seus sentimentos em relação à sua afilhada.
Harry concordou com um aceno de cabeça, mas não disse nada.
- No entanto, nos preocupamos se o senhor é a melhor opção para ela. O melhor modelo. Há quanto tempo Abigail está sob sua custódia? – perguntou, afinal.
- Desde novembro do ano passado, quando... – hesitou, sentindo a dificuldade em articular aquelas palavras. – Quando Charlie e Claire faleceram – terminou, com um pigarreio.
- Dois meses, então – concluiu o Promotor; sem aguardar a confirmação de Harry, prosseguiu. – E, nem por um momento, o senhor questionou essa decisão?
Harry hesitou.
- No começo, fiquei com medo – admitiu. – Mas não tenho mais.
- Medo... – o Promotor pronunciou a palavra lentamente, como se quisesse experimentá-la em sua boca. – Interessante. Do que, exatamente, você tinha medo?
Harry hesitou, tentando colocar seus pensamentos e temores em palavras.
- De não conseguir. De não ser bom o suficiente para ela. De falhar com os meus amigos – ele murmurou. – Tive medo de muita coisa.
- Mas... Você não tem mais – o Promotor prosseguiu.
- Não – Harry concordou.
- E você realmente acha que uma criança de seis anos de idade está em boas mãos sob os cuidados de uma estrela do rock, como você? – questionou.
Harry sentiu uma onda de fúria assolá-lo, e antes que pudesse se controlar, viu-se se inclinando na direção do microfone e retorquindo, num tom de voz baixo e perigoso:
- O que o senhor quer dizer com isso?
- Você acha que os hábitos que a sua vida lhe impõe são compatíveis com a criação de uma criança? – reformulou o Promotor, não demonstrando ter se afetado pelo tom hostil do Réu.
- Parei de beber por ela. E de fumar também. Tenho mudado todos os hábitos que acho que possam afetá-la de forma negativa – respondeu, na defensiva.
- E as turnês? – quis saber o Promotor. – Vai deixar de fazer as turnês por ela?
Harry abriu a boca, mas não foi capaz de responder.
Ele e os garotos estiveram no processo de produção de seu último CD e ainda nem estavam considerando as turnês, por isso o assunto sequer lhe passara pela cabeça. O sorriso de Laurance se estendeu, ao perceber que pegara o homem desprevenido.
- Não tinha pensado nisso, Judd? – questionou, num tom inocente.
Os olhos azuis do baterista vasculharam os rostos presentes atrás de Laurance Scott. Podia perceber as expressões apreensivas de seu advogado, seus amigos, seus parentes e e, por um instante, sentiu aquela sensação entorpecedora proveniente da compreensão de que, talvez, aquele fosse o fim.
De que, talvez, tivesse caído numa armadilha profunda demais para que fosse capaz de escalar para fora dela e sair daquela situação incólume.
“Charlie, Claire, eu sinto muito”, pensou, enquanto tinha a sensação de que todos à sua volta pareciam mover-se em câmera lenta. “Não vou conseguir convencê-los. Talvez eles estejam certos. Talvez ela fique melhor com a tia Al ou a tia Molly...”.
Mas, antes que ele pudesse se inclinar por sobre o microfone e confirmar a teoria de Smith de que ele sequer tinha considerado as implicações das longas turnês mundiais do McFLY sobre a vida de Abigail, uma brisa pareceu tomar conta do ambiente, trazendo o perfume floral de Claire e, repentinamente, sentiu-se mais calmo.
De alguma forma, sentiu que ela estava ali, com ele, em pé ao seu lado, com a mão em seu ombro. Teve medo de olhar para confirmar sua teoria, mas permitiu que seu cérebro e seus pensamentos se acalmassem por alguns instantes.
- As turnês... – ele começou, deixando que seus pensamentos se ajeitassem propriamente antes de prosseguir. – São longas, é verdade. Mas isso não quer dizer que eu precise ficar todo o tempo longe de casa. Meu apartamento ficará disponível para Alice, Molly, Oliver e Anthony para que fiquem com a Abigail enquanto eu não estiver, mas me prontificarei a voltar para casa sempre que a distância entre dois shows for maior do que três dias. E, quando as turnês acontecerem durante as férias, tenho toda a intenção de levá-la comigo para conhecer lugares e pessoas novas. Lógico, observando sempre os ambientes adequados à sua idade. Aprendi esse tanto.
Laurance franziu levemente o cenho. Durou apenas uma fração de segundos, antes que ele reconstruísse sua expressão arrogantemente agradável, mas foi tempo o suficiente para que Harry percebesse que ele não esperava aquela resposta.
- Entendo. Interessante. Mas você acha que é o certo? Que você fique, o quê, meses fora de casa, enquanto Abigail tem que ficar em casa, longe da sua supervisão?
Incrivelmente, agora que tinha a sensação de que Claire estava por perto, de alguma forma pareceu ser capaz de manter a calma e a tranquilidade para procurar a resposta mais adequada a todas as perguntas do promotor.
- Entendo que existam profissões que permitam aos pais que fiquem todos os dias com seus filhos. Entendo, mesmo. Mas, infelizmente, não é o meu caso, senhor Promotor – respondeu, escolhendo cuidadosamente as palavras. – Advogados, professores, funcionários de fábricas, mecânicos, padeiros... Todos eles podem trabalhar durante o dia e passar as noites com seus filhos. Eu não terei essa possibilidade sempre. Nem os atores, nem os diretores de grandes empresas, ou os grandes empresários do comércio exterior. Nossos trabalhos exigem tempo longe de casa, quer seja se apresentando, atuando num outro país ou em outra cidade, quer seja discutindo o preço de suas ações com os demais acionistas em outro lugar do país, ou do mundo, ou negociando com outros empresários espalhados pelo globo. Faz parte das nossas profissões e nossas famílias precisam aprender a conviver com as nossas ausências. E, como eu já disse, tentarei retornar para Abigail com a maior frequência possível.
O Promotor pareceu considerar a resposta dele por um breve instante.
- Compreendo. Mas quando você diz que ficar ausente por longos períodos de tempo “faz parte” – ele usou os dedos da mão para simbolizar as aspas – da sua profissão e que sua família precisaria se habituar a isso... Senhor Judd, Abigail não é sua família. E, claramente, ela não precisa ser forçada a aceitar viver com alguém que passará longos períodos de tempo longe dela. Ora, a criança já perdeu os pais, não lhe parece que ela, talvez, fosse preferir ficar com alguém mais... Presente?
Harry sequer considerou a questão.
- Meus amigos me escolheram. Os pais dela. E o senhor não os conheceu, obviamente, mas eu conheci. Claire era a pessoa mais consciente do mundo. Ela nunca fazia nada sem pensar dias sobre o assunto e considerar todas as hipóteses e riscos. Quando eu disse que tive medo no começo, esse era o único pensamento que me fazia continuar ‘Claire disse que posso fazer isso’. Ela considerou toda a família dela e toda a família de Charlie, também. Mas me escolheram. Eu, de todos. E, sim, há o contratempo das turnês, mas fora isso... estou sempre com ela. E é justamente aonde quero estar. E acredito que posso dizer o mesmo por ela.
O Promotor inclinou levemente a cabeça, concordando brevemente.
- Estou satisfeito, Excelência – disse, afinal.
- Doutor Hotterville... – o juiz murmurou, e Harry percebeu Simmas levantando-se de sua cadeira com uma expressão calma e tranquilizadora.
- Bom dia, senhor Judd – ele disse, cruzando os braços atrás das costas. – Sei que esse tem sido um dia cansativo para o senhor, por isso garanto que não farei muitos questionamentos.
Harry deu um meio sorriso que não chegou a alcançar seus olhos.
- Gostaria de começar fazendo algumas perguntas simples. Primeira, como você conseguiu a guarda temporária de Abigail?
- Quando Charlie e Claire faleceram – Harry respondeu. - Eles me escolheram para ser o tutor dela.
- E isso foi uma surpresa, presumo?
- Com certeza – Harry respirou fundo, ainda conseguindo sentir a essência de Claire. – Quero dizer, eu nem tinha ideia disso. E eles faleceram de forma tão... Repentina. E, no mesmo dia em que perdi dois dos melhores amigos que eu já tive, ganhei a responsabilidade de cuidar da única filha deles, minha afilhada.
- O senhor admite que adotou algumas medidas equivocadas? – questionou, erguendo as sobrancelhas.
- Sim, claro. Era tudo novo para mim. Nunca tive filhos, e, de repente, eu tinha uma de cinco anos. Não estava preparado, no começo – sua expressão ficou mais dura, decidida. – Mas estou agora.
- E, a partir do momento em que você percebeu seus equívocos, tomou providencias para contorná-los?
- Com certeza – Harry afirmou. – Não errei de propósito. Evidentemente, assim que percebi as coisas erradas, me esforcei para acertar tudo. Talvez, eu tenha precisado da ajuda de muitas das pessoas que estão sentadas nessa sala hoje – seus olhos instintivamente procuraram os olhos escuros de . – Mas não houve uma atitude minha que tenha sido tomada com outro objetivo, que não o bem-estar de Abigail.
- Eu tenho só uma pergunta. Uma última: se o senhor achasse que qualquer outra pessoa fosse o melhor para Abigail, o que faria?
- Para começo de conversa, eu não estaria aqui – Harry respondeu, quase que imediatamente. – Conheço todas as outras pessoas que poderiam ocupar meu cargo, caso Vossa Excelência entenda que eu não tenho capacidade ou responsabilidade para isso, e são todas pessoas excelentes. Quatro delas ajudaram a me criar – seu olhar se demorou em cada um dos pais de seus falecidos amigos. – E Abigail estaria em ótimas mãos. E quero deixar bem claro que não pretendo desrespeitar ninguém quando digo isso, mas eu sinto, dentro de mim, que sou a melhor opção para ela. Se eu tivesse um pingo de dúvida, jamais estaria aqui batalhando por algo que poderia ser ruim para ela.
- Então, só para esclarecer: o senhor abriria mão de Gail, se achasse que era o melhor para ela?
Harry considerou o cenário, e não teve dúvidas ao responder:
- Exatamente.
O doutor Simmas deu um leve sorriso.
- Sem mais perguntas, Excelência – disse, afinal.
Doutor Simmas estava se preparando para voltar para a sua mesa, quando foi interrompido pelo pigarreio do juiz Mitchell.
- Eu quero ouvir a garota – disse, afinal.
Harry arregalou os olhos, congelando a meio caminho de erguer-se da cadeira. Havia sido uma decisão dele manter Abigail o menos envolvida quanto fosse possível em toda aquela situação, mas agora o juiz parecia estar interessado em ouvir a sua versão.
- Excelência, o meu cliente solicitou que Abigail fosse mantida distante do processo, em razão de sua idade...
- Doutor Hotterville – o juiz não chegou a erguer a voz, mas seu tom autoritário foi o suficiente para fazer com que o advogado se calasse. – Corrija-me se eu estiver errado, mas me parece ser Abigail Dickens a pessoa mais interessada no deslinde deste caso. Quero ouvir o que ela tem a dizer.
Quando os olhos de Simmas encontraram o de Harry, ele sentiu seu coração afundar ao perceber que não haveria argumentação.

X


estava exausta. Ninguém lhe dissera que cuidar de uma criança por algumas horas num local fechado e sem distrações poderia ser vinte vezes mais cansativo do que uma reunião de negócios.
Ela e Abigail já tinham brincado de tudo o que ela podia imaginar e manter um sorriso entretido no rosto da garotinha estava se tornando cada vez mais difícil, à medida que a agitação da ruivinha parecia crescer a cada minuto que tinham que ficar sentadas no banco do lado de fora da sala de julgamento.
- Estou cansada de ficar aqui – Abigail resmungou. – Está chato. Já brincamos de tudo. Quero assistir televisão – decidiu. – Onde tem televisão aqui, você sabe, tia ?
Mas antes que conseguisse juntar energia o suficiente para responder a pergunta de Abigail, a porta de carvalho da sala de julgamento se abriu e o mesmo homem que ela vira acompanhando as testemunhas saiu, com uma expressão nervosa, caminhando até as duas.
- Acabou? – perguntou, um pouco ansiosa demais.
- Infelizmente, não – o homem respondeu. – O juiz quer ouvi-la.
O cérebro de demorou alguns instantes para processar essa informação.
- O quê? Não! O senhor não pode... Ela tem só seis anos! – disse, colocando-se de pé entre ele e a garotinha. – E o Harry me disse que...
- Senhorita, eu não sei se eu fui claro o suficiente: o juiz quer ouvi-la. Vou precisar pedir aos policiais que te segurem, enquanto eu a levo? – questionou, com uma expressão neutra que parecia desafiar a obstar o seu caminho.
- Tia – Abigail abraçou uma de suas pernas. – O que está acontecendo? – ela tinha uma expressão desconfiada e perdida, espreitando o homem com os olhos verdes.
soltou-a de seu corpo e abaixou-se, ficando na altura da garotinha.
- Ouça, Gail – passou a mão cuidadosamente pelos cabelos ruivos da garota. – Lembra que tem um homem que vai decidir se você vai continuar morando com o tio Harry? – a garotinha concordou com um aceno de cabeça. – Então, ele quer conversar com você.
- Sobre o quê? – ela perguntou, receosa; mas antes que pudesse responder, o homem abaixou-se também.
- Garotinha, precisamos ir. Será rapidinho, não precisa se preocupar – disse, num tom de voz afável, esticando a mão para que Abigail a aceitasse. – O juiz Mitchell é muito bonzinho.
Abigail parecia incapaz de falar qualquer coisa e, com os olhos verdes arregalados, foi puxada sala adentro pelo oficial de justiça, lançando um último olhar desesperado e perdido na direção de .
De alguma forma, isso encheu de uma fúria nunca antes experimentada e, em cerca de cinco segundos, ela conseguiu juntar todos os brinquedos, livros de colorir, lápis e canetas dentro da mochila cor de rosa e marchou para dentro da sala.
X


Abigail precisou da ajuda do oficial de justiça para se sentar na cadeira ocupada por Harry e pelas outras testemunhas. Quando finalmente ela se ajeitou, parecendo pequena e perdida, o oficial teve que ajustar o microfone para que ele ficasse o mais próximo possível dela.
Ela pareceu olhar em volta da sala, reconhecendo os rostos que a encaravam. Quando os olhos verdes encontraram os azuis do padrinho, Harry viu refletidos neles medo e assombro que pareciam fazer Abigail parecer ainda mais nova do que seus seis anos de idade.
Harry sentiu-se repentinamente irado com toda aquela situação. Se ele tivesse sido mais prudente, mais cauteloso, nada disso estaria acontecendo. Se tivesse agido como uma pessoa responsável desde o primeiro dia, Abigail não seria forçada a estar numa situação tão desconfortável.
Nesse momento, ouviu um resmungar às suas costas. Olhou por cima do ombro e viu com Desdemond nas mãos. Ela gesticulou para que ele pegasse o urso de pelúcia, o que Harry fez, prontamente.
- Doutor Simmas... – ele murmurou, com o urso em mãos. – Será que eu posso...?
Simmas pigarreou, chamando a atenção do magistrado.
- Excelência, o Réu pede permissão para entregar o urso de pelúcia à garota – disse.
- Desdemond! – Abigail ofegou.
- Concedida – disse, apoiando o rosto em uma das mãos, enquanto observava Harry cobrir rapidamente a distância entre ele e a afilhada.
Harry entregou o ursinho para Abigail e sorriu para ela, um gesto que pretendia acalmá-la.
- Gail, está tudo bem, okay? – ele disse, tentanto parecer relaxado, embora as horas de julgamento tivessem o exaurido. - Estamos todos aqui por você. Por que queremos o melhor para você.
Abigail concordou, espremendo Desdemond num abraço apertado, enquanto espreitava o padrinho com olhos receosos.
- Excelência, objeção! – o Promotor colocou-se de pé. – O Réu está conversando com a menor!
- Concedido. Senhor Judd, retorne ao seu lugar – o magistrado disse, no mesmo tom autoritário que usara com Hotterville momentos antes.
Harry lançou um último olhar na direção de Abigail antes de dar-lhe as costas e caminhar até o seu assento.
- Então... Você é que é a famosa Abigail Dickens? – perguntou o juiz, usando um tom de voz afável e agradável que nenhum dos presentes tinha ouvido até aquele momento.
- Sim – Abigail respondeu, espiando o magistrado por entre as orelhas felpudas de Desdemond.
- Querida, preciso que você fale mais perto do microfone, okay? – ele disse, e Abigail concordou com um aceno de cabeça, ainda escondida atrás do brinquedo. – Você está assustada?
Abigail inclinou-se na direção do microfone, afastando Desdemond apenas o suficiente para poder falar no instrumento.
- Sim – disse, parecendo amuada. – Um pouco.
- Não há necessidade, pequena – Theodore Mitchell respondeu, num tom de voz tranquilo. – Todas as pessoas que estão aqui se importam com você, e apenas querem o seu melhor.
Abigail permitiu que seus olhos varressem a sala uma vez mais, reconhecendo os rostos familiares.
- Eu sei – ela respondeu, fixando, afinal, os olhos no padrinho.
- Vou passar a palavra agora para o senhor Promotor – o juiz continuou, no mesmo tom de voz bondoso. – E tudo o que você precisa fazer é falar a verdade, está bem? Você pode fazer isso?
- Sim – Abigail respondeu, os olhos agora focados em Laurence, que caminhava em sua direção com um sorriso gentil, muito diferente daquele que estivera em seu rosto para todas as outras pessoas que questionara.
- Antes de qualquer coisa, gostaria de dizer que você é linda como uma princesa e eu consigo entender completamente porque todos estão aqui batalhando pelo seu bem-estar – Abigail corou e abraçou Desdemond com ainda mais força, envergonhada. – O juiz Mitchell já disse, mas eu vou fazer algumas perguntas bem simples, está bem?
- Certo – ela concordou, ainda ressabiada.
- Você gosta de viver com o seu padrinho?
- Sim. Gosto muito – ela respondeu, prontamente.
- Mas é diferente, não é? De como era antes, com os seus pais?
Abigail ficou com uma expressão tristonha, enquanto considerava a pergunta.
- Um pouco – ela respondeu, pensativa. – Em primeiro lugar, porque não tem mais a minha mamãe e o meu papai por perto. E minha mãe era professora no meu colégio, então eu via ela sempre e ela sempre me ajudava com as lições de casa. Isso mudou também. Mas não muito. Porque o tio Harry não pode me ajudar com as lições de casa, mas a professora me ajuda! E eu não tenho mais lições atrasadas, sabe? – ficou em silêncio por alguns instantes, considerando. – Mas nem tudo mudou. Porque o tio Harry me lembra bastante o meu pai. E ele canta para mim, de noite, se eu pedir. E se eu insistir bastante, ele até canta Justin Bieber. Meu pai nunca aceitava cantar Justin Bieber para mim – apontou, como se isso fosse um ponto positivo. – E ele cuida muito bem de mim, o tio Harry. Assiste os meus desenhos, faz pizza e sempre brinca comigo, mesmo que ele esteja muito cansado de trabalhar. E sabe qual é a melhor parte, seu Promoter? – Laurance abriu a boca, provavelmente considerando corrigir a garota, mas mudou de ideia e meramente concordou com um aceno de cabeça, instigando-a a continuar. – Eu gosto muito de ficar com o tio Harry, porque eu sinto que é como se eu estivesse com os meus pais ainda. Às vezes, ele fala muito parecido com o meu pai, ou age de um jeito parecido com o da minha mãe. E eu posso falar com ele sobre os meus pais quando eu tenho saudade. Quando tento falar com os meus avôs, eles começam a chorar e eu me sinto mal.
Harry sentiu seu coração afundar e tudo o que ele mais queria era se levantar da cadeira que ocupava e marchar até sua afilhada, pegá-la no colo e fugir para algum lugar onde assuntos como seus pais falecidos nunca mais precisassem incomodá-la, a não ser que fosse de seu desejo.
- Eu entendo... – os olhos astutos de Laurence vasculharam o rosto de Abigail, quase como se ele buscasse por algum indício de qual deveria ser sua próxima pergunta, mas não encontrou nada, por isso limitou-se a dizer. – Não tenho mais perguntas, Excelência.
- Certo. Doutor Hotterville...? – o magistrado ergueu os olhos.
- Não tenho perguntas para a menor, Excelência. – Simmas respondeu, em tom firme.
- Perfeitamente. Neste caso, está dispensada...
- Espera! – Abigail objetou. – Você não vai perguntar?
O juiz hesitou, confuso pela interjeição da garota.
- Perguntar o quê, querida? – perguntou.
- Se eu quero morar com o tio Harry! É por isso que estamos aqui, não é? – franziu o cenho, ainda abraçada a Desdemond.
O magistrado soltou uma risada nasalada silenciosa, e concordou com um aceno de cabeça.
- E a senhorita quer?
- Sim. Muito. Por favor, não me tire da casa do tio Harry – ela adicionou, os olhos verdes brilhando, magoados. – Por favor, por favor.
O juiz manteve uma expressão neutra, e Harry inclinou-se na direção do advogado, sussurrando:
- Ela poderia fazer isso?
- Não tenho certeza – Simmas tinha um meio sorriso no rosto. – Mas estou feliz que tenha feito.
O oficial ajudou Abigail a descer da cadeira que ocupava e a acompanhou até o corredor entre as fileiras de compridos bancos de madeira. Ela trocou olhares incertos com Harry, quando passou por ele, mas parecia compreender que não poderia se aproximar dele naquele momento, porque passou reto por ele.
No entanto, assim que identificou sentada no primeiro banco atrás do padrinho, soltou-se do oficial e correu até ela, sentando-se ao seu lado, como se buscasse por conforto.
Harry ponderou se deveria insistir para que ela aguardasse do lado de fora com algum adulto, mas resolveu que se ela já tinha deposto em juízo, assistir o restante do julgamento não poderia ser tão ruim assim.
Finda a oitiva das testemunhas, o magistrado deu novamente a palavra ao Promotor, que se levantou e, com uma atitude pomposa e arrogante que o acompanhara durante todo o julgamento, expôs os motivos pelo qual acreditava que Harry não era hábil para cuidar de Abigail.
Bem, eles se amavam e existia um evidente carinho mútuo entre eles. A acusação não negava esses fatos. Mas seria o amor entre eles o suficiente? Harry Judd era uma personalidade pública, solteiro e sua vida não parecia ser receptiva às atenções e necessidades exigidas por uma criança de seis anos de idade.
Por cerca de uma hora e meia, o Promotor apontou todas as inúmeras falhas que Harry cometera durante o curto período de tempo que teve Abigail sob suas guardas, refletindo se seria mesmo o mais sensato deixar uma órfã sob os cuidados irresponsáveis de um músico irresponsável.
Por fim, concluiu pedindo que o magistrado considerasse estes pontos. Harry Judd obviamente poderia continuar a visitar a afilhada e passar períodos de tempo com ela, se assim o desejasse, mas não era razoável que tivesse a fundamental responsabilidade de zelar por ela em tempo integral e em ser responsável pela sua educação e formação como ser humano, quando possuía tantos atributos que eram evidentes óbices a esta função.
Após quase uma hora e meia de ter alguém com o dedo em riste em sua direção, apontando todos os motivos pelo qual o magistrado não poderia confiar a educação de uma criança aos seus cuidados, Harry sentia o coração pesado, repleto de um mau presságio que não conseguia afastar.
Assim que o Promotor finalizou seu discurso, a palavra foi passada a Simmas Hotterville, que no papel de advogado do Harry, rebateu cuidadosamente cada uma das acusações e dúvidas levantadas pelo Promotor.
- Ora, Excelência, se é este o parâmetro, então que proíbam todos os famosos de terem filhos! Exijo, com base na igualdade constitucional, que todos os artistas ingleses sejam processados pelo Reino Inglês, uma vez que possuem carreiras como a do meu cliente que exigem que fiquem muito tempo longe de suas residências. Aliás, gostaria de abranger minha solicitação para todos os pais e mães cujos empregos exijam essa ausência – disse, com coerência. – Evidentemente, não é suficiente. Não pode ser. São estilos de vidas diferentes, mas daí a dizer que a pessoa não tem possibilidade de criar uma criança me parece uma tentativa inconstitucional e arbitrária de privar um ser humano de criar uma família.
Prosseguiu falando sobre o amor. Sobre como milhares de crianças todos os dias viviam com pais violentos, em casas quebradas e sem amor. Afirmou que Abigail tinha sorte de ter tantas pessoas responsáveis e amorosas desejando sua guarda, mas que o que ela tinha com Harry Judd era o mais próximo de uma relação pai e filha que ela poderia ter com qualquer das outras opções.
Dissertou sobre os erros também. Afirmou que eram humanos e necessários. Que aprendemos com os nossos erros muito mais do que com nossos acertos e que o simples fato de que Harry tinha corrigido todos os seus equívocos era prova mais do que o suficiente de que ele estava empenhado em sempre oferecer o melhor à sua afilhada.
O discurso foi tão longo quanto o do Promotor, e Harry sentia-se dividido e diminuído, ciente de que era o centro das atenções. Pensara o tempo todo em como isso poderia ser ruim para Abigail, mas não era ela quem estava sendo julgada, mas ele.
Os olhos analíticos e críticos do juiz Mitchell constantemente se fixavam nele, como se querendo medir suas reações frente às acusações e a tese da defesa e, durante todo o período de três horas durante as quais ocorreu o debate, Harry sentiu-se como um rato de laboratório, perdido e inadequado.
Finda a fala de Simmas, o juiz pigarreou.
- A sentença será proferida hoje. Se vocês puderem aguardar... – sem mais delongas, levantou-se e caminhou lentamente em direção à porta de madeira que dava acesso ao seu gabinete.
A espera foi enervante, mas pelo menos Harry pôde segurar Abigail em seus braços durante o período. Simmas ficou na sala, mas aconselhou-o a ir comer alguma coisa na lanchonete que ficava dois andares abaixo e foi o que o baterista fez, acompanhado por seus amigos e familiares, que o tempo todo transmitiam mensagens de conforto e otimismo.
- Está evidente que você vai ficar com a guarda – disse Katherine, revirando os olhos. – Até porque, se o juiz não te der a guarda, vou arrebentar a cara dele.
- É – Tom, irmão de Harry, surgiu entre os irmãos. – Aí, sim, as coisas ficariam interessantes.
Eles comeram rapidamente, receosos de que o juiz chegasse à sala de julgamento antes deles, e Harry percebeu que se sentia ainda mais incomodado sentando entre aquelas pessoas conhecidas do que quando estava sob o olhar clínico do magistrado.
A mesa era reinada por um silêncio desconfortável, quebrado por esparsas tentativas de conversa que sempre tinham um fim rápido e desprovido de empolgação. Ainda que fosse o futuro de Harry e Abigail que estivesse na mão de Theodore Mitchell, todos os presentes se importavam demais para não se deixar preocupar por aquilo.
estava estranhamente quieta e recusou-se a estabelecer contato visual com Harry, o que o deixou extremamente confuso e magoado; todos haviam lhe dirigido ao menos uma palavra de conforto, mas a professora se mantivera distante e silenciosa.
Quando eles voltaram para a sala de julgamento e ocuparam seus respectivos lugares, o silêncio voltou a reinar no local como se o magistrado estivesse presente. Harry, sentado ao lado de Simmas, aproveitou aquele instante para fazer algumas negociações com Deus.
Quando a porta de madeira pela qual o juiz tinha se retirado abriu-se, todos os olhares se fixaram no diminuto homem de pele negra e cabelos grisalhos, as respirações suspensas e os corações batendo no mesmo ritmo apreensivo.
- Todos em pé – anunciou o oficial de justiça, a voz se propagando pelo salão silencioso. – O senhor doutor juiz de direito Theodore Mitchell fará agora a leitura da decisão.
Como se fosse combinado, todos os presentes se levantaram e Harry olhou por cima dos ombros, analisando os rostos ansiosos das pessoas que realmente importavam na sua vida. Seus olhos varreram o rosto de sua mãe, de seu pai, de , de Tom, de Danny, o sorrisinho confiante de Abigail, que estava ao lado de .
E, repentinamente, seus olhos captaram um movimento marginal no fundo da sala de julgamento. Focou no canto da sala, próximo da porta, e viu Charlie e Claire abraçados, sorrindo para ele.
Charlie deu uma piscadela e ergueu uma das mãos, o punho fechado com o dedão para cima, num sinal de joia.
Harry piscou e, de repente, eles não estavam mais lá.
No entanto, aquilo era irrelevante.
Poderia parecer besteira, mas aquilo o encheu de uma confiança e segurança que ele não sentia desde que recebera a assistente social na sua casa pela primeira vez, tomando a aparição dos amigos como um bom agouro.
Quando Harry voltou a atenção para o magistrado, que agora também estava de pé, com um papel em mãos, ele tinha a impressão de que já sabia qual era o resultado.

Capítulo betado por: Brunna



“Will you think that you're all alone when no one's there to hold your hand?
When all you know seems so far away and everything is temporary, rest your head
I'm permanent
I'm permanent”
David Cook – Permanent




Capítulo 24 – I Don’t Want to Miss a Thing
“I could stay awake just to hear you breathing
Watch you smile while you are sleeping
While you´re far away and dreaming
I could spend my life in this sweet surrender
I could stay lost in this moment forever
Well, every moment spent with you
Is a moment I treasure

Aerosmtih – I Don’t Want to Miss a Thing

Abigail tentou prestar atenção nas coisas que o juiz estava falando, ela realmente tentou. Mas era muito difícil e ela culpava diversos fatores por isso: em primeiro lugar, ela estava sentada no último banco de madeira, tão longe do homem que mal conseguia distinguir o rosto dele direito.
Em segundo lugar, os adultos geralmente falavam de um jeito diferente, com palavras complicadas como “negligência” e “displicência”, mas o Senhor Juiz não falava difícil; ele falava outro dialeto. De verdade, por mais que a garotinha se concentrasse nas palavras do homem, ela só conseguia identificar uma ou outra palavra perdida num mundo de palavras que não faziam o menor sentido. Em determinado momento, Abigail estava quase certa de que ele estava inventando algumas delas.
Então, quando ela percebeu que não adiantaria se focar no discurso, resolveu reparar nas pessoas. Em teoria, o plano era perfeito: se as pessoas que ela conhecia estivessem sorrindo, era um bom sinal; se não, então as coisas estavam dando errado.
Primeiro, ela tentou se concentrar nos seus avós, que estavam sentados ao seu lado esquerdo. Vovó Al e Vovó Molly estavam sérias, a primeira torcia as mãos, parecendo ansiosa, enquanto a segunda mordiscava o lábio inferior. Ambas estavam com os olhos fixos no campo central da sala de julgamento, onde tio Harry, doutor Simmas Hotterville, o juiz, a assistente social e o promotor estavam. O único problema é que nenhum dos sinais parecia concreto, não dava para ter certeza do que estava acontecendo.
Abigail tentou ver o rosto de quem ela podia ver, sentada no último banco, e resolveu erguer os olhos verdes para tia , ao seu lado, e ela também tinha a mesma expressão séria e compenetrada de suas avós. A tia Emma, o tio Christopher, o tio Tom e a tia Katy também estavam com expressões similares, nem felizes, nem tristes: só sérias.
Finalmente, desistiu de tentar descobrir e resolveu perguntar.
- Tia ... – começou, mas foi interrompida por um “shh” por parte da mulher.
Abigail se contraiu, envergonhada e contrariada, enquanto tentava se concentrar de novo nas palavras do juiz. Mas ela sabia que era inútil, mesmo que ela entendesse o que ele dizia – o que continuava não sendo o caso -, ela tinha perdido muitas coisas do que ele disse, e não conseguiria entender o discurso no meio.
Então, resolveu tentar novamente.
- Mas eu... – ela sussurrou, baixinho.
- Abigail! – sussurrou, na sua direção, com uma expressão veemente, deixando claro que ela não deveria falar.
Foi nesse momento que a mulher percebeu a expressão perdida da garotinha e, com um suspiro vencido, abriu a grande bolsa de couro e puxou de dentro o seu iPhone, desbloqueou-o e entregou-o à garota.
Não eram respostas, mas tinha Angry Birds.
XxXxX
O juiz Theodore Mitchell não deve ter demorado mais do que vinte minutos para ler a sentença, mas Harry estava tão absorto em suas palavras que parecia ter durado horas.
De início, ele fez um relato de todas as provas juntadas até o momento da sentença e, depois, comentou os pontos mais importantes dos testemunhos prestados. Theodore devia ser um excelente juiz, porque durante metade do seu discurso, ele se manteve tão imparcial, que Harry fora incapaz de decidir qual seria sua conclusão.
Mas, então, ele começou a perfilar um por um todos os erros que Harry cometeu, afirmando que, em que pese o amor seja importante, evidentemente não poderia ser o único critério a ser adotado pelo Judiciário para atribuir uma função tão absurdamente importante como uma guarda de uma criança a uma pessoa.
Nesse momento, Harry sentiu seus olhos se encherem de lágrimas e sua garganta se fechando. Precisou respirar fundo algumas vezes e Simmas, percebendo o desconsolo de seu cliente, pousou a mão de forma reconfortadora sobre seu braço.
- No entanto – Mitchel continuou sua leitura, erguendo brevemente os olhos do papel que segurava para observar Harry, em pé, segurando as duas mãos em frente ao corpo -, e acredito que isto restou comprovado nesta data, errar é humano. E exigir de um homem que vire um responsável elegível de um dia para a noite é irracional.
Harry arregalou os olhos, atrevendo-se a sentir uma pontada de esperança.
- Harry Mark Christopher Judd errou diversas vezes desde que recebeu a menor em sua casa, mas a evolução desde este momento é notável. Não há fórmula quando estamos falando de famílias e é justamente esse fato que torna tão difícil o trabalho exercido por mim, juiz de família. A lei não diz o que é um bom pai, não diz o que é um bom lar e certamente não estabelece critérios específicos para garantir o melhor caminho para a criança. Nestes termos, todos os passos que damos, dentro e fora dessa corte, também podem ser em falso.
- O que é importante, no entanto – prosseguiu -, é a intenção. O amor não é o fator exclusivo que garante um bom pai, mas é fundamental. E não há dúvidas da existência deste sentimento entre o Réu e a afilhada que, ressalte-se, em juízo, expressou sua vontade de permanecer sob os cuidados do padrinho.
- No mais, não pode prosperar o argumento de que o Réu não teria condições de cuidar da menor, em razão das imposições naturais ao seu trabalho. As constantes viagens que são impostas pela sua carreira como músico são esporádicas, ainda que longas, permitindo um planejamento adequado do seu tempo de ausência; nestas ocasiões, a garota poderá ficar sob os cuidados dos avós. Ademais, reitero que o Réu tem apresentado posturas que coadunam com o que entendo como responsáveis, comprometidas e focadas no interesse da menor e, ainda, com o apoio de familiares, tanto seus, quanto de Abigail, para exercer sua função.
- Nestes termos, julgo improcedente a demanda do Reino Unido, concedendo a guarda definitiva de Abigail Grace Dickens a Harry Mark Christopher Judd. Neste ato, considero as partes intimadas da decisão – ele concluiu.
Quando os olhos escuros do juiz recaíram sobre Harry, o senhor deu um meio sorriso cúmplice. O réu, por sua vez, mal conseguia acreditar no que estava ouvindo. As lágrimas chegaram com a violência de uma onda aos seus olhos, mas os motivos de transbordarem era outro, não a desolação de perder a Abigail, mas a felicidade e o alívio advindo da compreensão de uma vitória tão esperada e merecida.
Sentiu uma mão puxando-o pelo braço, e quando percebeu que era Simmas Hotterville, ele puxou o homem para um abraço apertado, dando tapas em suas costas, enquanto gargalhava e chorava ao mesmo tempo.
- Eu sempre soube que você conseguiria, senhor Judd – garantiu o advogado, quando o abraço terminou, com as duas mãos nos ombros do cliente.
- Não teria conseguido sem você – Harry garantiu, sentindo como se o peso do mundo tivesse sido retirado de suas costas.
Deus, aquilo era bom.
- NÓS GANHAMOS?! – ele ouviu a voz de Abigail berrando, do fundo da sala, e, rindo, virou-se a tempo de ver a garotinha correndo pelo corredor entre os bancos em sua direção. – TIO HARRY! TIO HARRY! NÓS GANHAMOS!!
Ele abriu a portinhola que separava a área do julgamento dos bancos do público, e saiu bem a tempo de receber a afilhada, que se jogou contra ele como se fosse uma bala. Rindo, ele girou sob o próprio corpo, trazendo-a ao colo.
Abigail nunca parecera tão leve, e sua risada nunca soara tão melódica aos seus ouvidos.
XxXxX
Assim que a sessão de julgamento foi definitivamente encerrada, Harry e seus amigos e familiares estavam do lado de fora da sala, ocupando o corredor, enquanto todos se revezavam para abraçar Harry e Abigail, alguns gargalhando, outros em lágrimas, mas todos igualmente satisfeitos com a decisão proferida pelo juiz.
Harry estava terminando de ouvir as palavras de incentivo da irmã, quando ouviu um breve pigarreio às suas costas. Girou no calcanhar para encontrar Elizabeth Quentin e Laurance Scott parados, como um casal muito pouco usual, aguardando por ele.
Embora grande parte dos presentes dirigisse olhares não muito amigáveis na direção dos dois, nenhum deles pareceu se incomodar com isso, mantendo uma expressão séria e contida.
- Pois não? – Harry perguntou, receoso.
Ele já deveria estar esperando que algo de ruim fosse acontecer. Quentin não parecia ser o tipo de mulher que simplesmente desiste de algo e era pouco provável que ela fosse ficar feliz só porque um juiz disse que Harry era bom o suficiente para Gail, contrariando seu férreo posicionamento.
- Inicialmente, senhor Judd – foi Elizabeth quem respondeu, o que deixou o homem ainda mais apreensivo -, eu apenas gostaria de esclarecer que nunca foi nada pessoal, eu realmente me importo com o meu trabalho e se agi dessa forma, foi porque imaginei que fosse o melhor para Abigail.
Harry olhou de relance e vislumbrou a afilhada gargalhando, sendo levantada no ar por um Tom que também ria, enquanto os dois ensaiavam passos de ballet no meio do corredor.
- Eu compreendo – Harry murmurou.
- Mas talvez eu tenha sido um pouco dura demais – ela continuou, sua expressão suavizando-se um pouco; o baterista arregalou os olhos, assim que as palavras proferidas pela mulher foram devidamente decodificadas pelo seu cérebro. – Estive conversando com o Senhor Scott – indicou o Promotor ao seu lado com um aceno discreto de cabeça –, e resolvemos que não vamos apelar da decisão.
Harry não era nenhum especialista em direito, mas vira episódios o suficiente de Law & Order para saber o que isso significava e, por alguns breve instantes, não foi capaz de dizer nada.
Quando acordara naquela manhã, ele tinha duas perspectivas: na primeira, ele convenceria o juiz de que era uma pessoa responsável e competente o suficiente para ser incumbido da missão de cuidar e criar de uma garota de seis anos de idade, ou, na temível segunda, o magistrado decidiria que Quentin estava coberta de razão e que ele era um símio incapaz de escolher a própria roupa, quanto mais cuidar de uma criança.
Há cerca de vinte minutos, ele estava aliviado além de palavras ao descobrir que, felizmente, o primeiro cenário se concretizara e estava muito mais do que satisfeito com isso.
Mas, então, a pessoa que criou todos os seus problemas, a assistente social que sentou em juízo de frente para ele, há apenas algumas horas, e disse que acreditava que Harry cuidar de Abigail era um erro, estava em pé, na frente dele, dizendo que concordava com a sentença.
- Eu... eu não... eu... obrigado – ele concluiu, consciente de que seu cérebro não seria capaz de produzir uma frase mais elaborada, mesmo que quisesse.
Aquela sensação de alívio e satisfação própria era tão arrebatadora, que Harry sentiu que lágrimas poderiam transbordar de seus olhos naquele exato momento. Ele sabia que não deveria se importar com a opinião daquela mulher, afinal de contas, fora ela quem duvidara dele no início de tudo, mas era revigorante saber que ela conseguira, finalmente, enxergar o que todos os seus amigos, familiares, Abigail, Charlie e Claire viam nele.
- Mas não entenda isso como uma carta branca para fazer o que quiser, ouviu? – a expressão da mulher endureceu novamente. – Continuarei aparecendo na sua casa para verificar a garota. Por favor, senhor Judd, não faça com que eu me arrependa dessa decisão, ou... – ela não concluiu, mas Harry sabia muito bem o que ela queria dizer.
- Não se preocupe. De verdade – ele respondeu. – Abigail está em excelentes mãos.
Ela concordou e deu um meio sorriso gentil; por um instante, ela não parecia mais uma assistente social ranzinza, mas uma mulher que poderia ser a tia gentil e delicada de alguém, que sempre chegava cheia de presentes no Natal e com várias histórias interessantes sobre as crianças que conhecia em seu trabalho.
- Bom. Tenha um bom dia, senhor Judd – ela desejou, segurando sua mala de couro com as duas mãos. – Tenho mais duas crianças para visitar hoje.
Ela se afastou sem olhar para trás e, antes que Harry pudesse raciocinar, sentiu uma mãozinha na sua. Olhou para baixo e encontrou os olhos verdes de Abigail, inspecionando-o atenciosamente.
- Ela te deixou chateado, a moça ruim? – a garotinha perguntou, com uma expressão destemida.
Harry riu e puxou a afilhada para o seu colo.
- Não. Na verdade, ela me deixou muito, muito – a cada muito, ele pressionou o nariz de Abigail, que fez uma careta e riu – feliz.
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A decisão de irem todos ao apartamento de Harry para comemorar o resultado positivo do julgamento foi unânime e, muito embora todos estivessem cercando Harry, ele sentia que uma pessoa em específico estava extremamente distante.
lhe dera um abraço e sorrira, dizendo que ela sempre tivera certeza de que ele conseguiria, mas seus sorriso não alcançou seus olhos e a forma como ela rapidamente encontrou uma desculpa para afastar-se dele só fazia com que ele se sentisse mais incômodo com toda aquela situação.
Como aquilo poderia ter acontecido? E por que ela estava tão estranha?
Encontrou resgatando duas garrafas de Coca-Cola da geladeira mais tarde e, discretamente, perguntou se ela sabia o que estava acontecendo com .
- Ela está esquisita assim desde o fim do julgamento – respondeu, num tom de voz baixo também. – E ela não fala nada. Tá tão esquisito, Harry – ela olhou em volta da cozinha, como se para se certificar de que ninguém os estava escutando. – A viagem de vinda até aqui foi como ir até um funeral e não importa o quanto eu insistisse, ela só me dava respostas vagas.
Depois disso, Harry manteve os olhos ainda mais atentos na figura da professora. A mulher conversava animadamente com Abigail e os demais convidados, e nenhum deles parecia perceber que suas risadas e sua animação não eram genuínas.
Mas o homem não poderia culpá-los. Nenhum dos presentes a conhecia como ele.
Foi apenas cerca de meia hora depois que as pizzas chegaram que ele teve uma oportunidade de conversar com ela. Aproveitando que a atenção de todos se concentrou em pegar um pedaço de pizza e arranjar algum lugar para se sentar, esgueirou-se para a sacada da cobertura e ficou parada, de costas para o apartamento, apoiada contra a mureta e observando o céu escuro.
Harry pegou dois pratos, colocou dois pedaços de pizza – um de bacon com parmesão, para ele, e um de quatro queijos, para ela – e caminhou até a porta de correr que dava para a sacada. Ela estava fechada e Harry precisou usar um dos pés para abri-la.
Quando finalmente conseguiu fazê-lo, surpreendeu-se ao perceber que continuava de costas para ele, observando o céu, absorta em pensamentos e completamente alheia à sua presença.
- Achei que você precisava comer – ele disse, finalmente.
Sorriu, quando a professora se sobressaltou e olhou-o, por cima dos ombros. Os olhos dela não brilharam como costumavam brilhar e, quando ela sorriu, ele conseguiu perceber que precisou se esforçar para fazê-lo.
- Obrigada, Harry. Não precisava, eu não estou com fome – ela disse, em tom apologético. Ela percebeu que ele tinha escolhido sua pizza favorita e pigarreou, parecendo desconfortável; pegou o prato que estava na mão dele. – Eu vou levar isso lá para dentro...
- , espera – ele impediu que ela entrasse no apartamento empurrando a porta de correr até que ela se fechasse com um ‘clique’. – Eu acho melhor a gente conversar.
Ela pareceu, ao mesmo tempo, perdida e desesperada, e isso lhe partiu o coração.
Desde quando eles eram aquelas pessoas?
- Conversar sobre o quê? – ela perguntou, receosa.
- Não sei – ele encolheu os ombros, mudando lentamente de posição até que estivesse entre ela e a porta. – Você está estranha. Muito quieta. E triste. O que foi?
abriu a boca e, em seguida, fechou-a. Os olhos dela marejaram e, num ato instintivo, virou-se de costas para ele.
- Não é nada – ela disse, lutando para manter a voz firme.
- Como assim, “não é nada”? – Harry ecoou. – Qual é, , eu te conheço melhor do que isso. Hoje é um dia especial, até a está feliz da vida, nós batalhamos por essa decisão e você é a única pessoa que não parece contente. O que houve? – ele perguntou, com firmeza.
- Não é nada, Harry – ela repetiu, com um tom igualmente determinado, ainda com as costas viradas para ele.
- Você não pode, sinceramente, esperar que eu acredite nisso – ele murmurou, em resposta.
- Bem, é a verdade – ela teimou, fixando os olhos no céu nublado, esperando que conseguisse segurar suas lágrimas por tempo o suficiente para terminar aquela conversa ridícula e arranjar uma desculpa para voltar para seu apartamento.
- Não. Não é – Harry retrucou, deixando seu prato sobre uma das cadeiras que estavam lá fora. Depois, segurou gentilmente pelos ombros e girou-a. – Você virou de costas para mim, .
- E daí? – ela perguntou, fixando os olhos escuros no pedaço de pizza em suas mãos. – O céu está bonito hoje.
- Não, não está – ele apoiou dois dedos sob o queixo da professora e forçou que ela erguesse o rosto e olhasse no fundo de seus olhos azuis. – Você está de costas, porque sabe que vou saber que você está mentindo quando eu olhar nos seus olhos.
Imediatamente, sentiu seus olhos se enchendo de lágrimas; ela estivera se controlando desde que caminhara com as pernas trêmulas para fora do banco de testemunha, mas o jeito gentil como Harry se direcionara a ela acabara com toda a sua fachada.
Por que aquele homem tinha que ter tanto poder sobre ela?
sentiu uma lágrima deslizando por sua bochecha e, equilibrando o prato em uma mão, usou a costa da outra para secá-la.
- É melhor a gente não falar sobre isso aqui – era para ter sido uma afirmação, mas saiu como uma súplica. E se detestou por isso.
- – Harry ficou genuinamente preocupado e, quando uma nova lágrima escapou dos olhos da professora, foi ele quem secou ela, carinhosamente, usando o dedão de uma de suas mãos e, depois, acariciou por alguns instantes a pele suave da bochecha dela. – O que está acontecendo? Por que você está triste? Você... você não queria que a gente ganhasse?
Foi o receio e a mágoa no tom da última pergunta que fez com que ela perdesse totalmente o controle; ela tentou negar, mas um soluço saiu e uma torrente de lágrimas transbordou de seus olhos.
Desesperado, Harry pegou o prato que estava na mão dela e colocou-o ao lado do seu e, em seguida, puxou-a para um abraço firme. escondeu seu rosto no vão entre o pescoço e ombro dele e Harry pode sentir as lágrimas dela molhando um pouco de sua pele exposta e a gola de sua blusa.
- , calma... shh... – ele segurou-a com firmeza, passando um dos braços pela sua cintura, e com a mão livre acariciou seus cabelos castanhos, fazendo um cafuné de leve em seu couro cabeludo. – Está tudo bem. Você pode conversar comigo.
Houve um breve instante de silêncio entre eles, interrompido apenas pelo fungar de .
- Eu quase estraguei tudo hoje – ela murmurou, baixinho; se não fosse o fato do lábio dela estar tão próximo do ouvido de Harry, ele provavelmente sequer teria ouvido. – No julgamento. Eu caí em todas as armadilhas do Promotor, Harry. Se vocês dependessem só de mim, teriam perdido o julgamento – a voz dela estava trêmula e frágil, o que quebrou o coração de Harry.
- Lógico que não, ! Não fale isso! Hey... olhe para mim – ele levou as duas mãos até os ombros da mulher e, gentilmente, afastou-a apenas o suficiente para que pudesse olhar no fundo daqueles maravilhosos olhos . – Nada disso é verdade. Se eu tive qualquer chance no julgamento de hoje, foi graças a você. Se você não tivesse aparecido, brava feito uma arara comigo, na Super Records aquele dia, eu não teria melhorado e, agora, eu estaria arrumando as roupas de Abigail dentro de uma mala e mandando-a para viver com os avós dela em Chelmsford. Você sabe disso.
- Mas no julgamento... – ela se interrompeu, tentando impedir um novo rompante de lágrimas. – Quando ele falou naquela noite no bar... Eu poderia ter reagido diferente, Harry. Eu poderia ter dito que não tinha nada demais, que nós tínhamos combinado isso... Eu poderia ter feito parecer... que era algo pequeno e insignificante. Mas eu não consegui. Por que... – ela se interrompeu novamente e Harry suspendeu a respiração, ansioso pela concussão daquela frase. – Eu acho que isso não é mais uma boa ideia.
O homem piscou os olhos, confuso.
- Do que você está falando? – ele perguntou, afinal.
- Harry, não dá. Eu não posso mais fazer isso – ela fez um gesto amplo com as mãos. – Você conseguiu a guarda dela e eu te ajudei enquanto eu pude, mas não acho que seja mais uma ideia tão boa continuar a fazer parte da vida de vocês como eu faço.
Harry hesitou, cada vez mais perplexo com o rumo daquela conversa.
- Como assim? Não foi você quem disse que a Abigail estava triste, que você voltar era o melhor para ela? Eu... eu não estou entendendo.
- Abigail estava triste, sim, porque ela sabia que as coisas não estavam certas entre a gente. Eu posso aparecer às vezes para brincar com ela, mas eu preciso aprender o meu lugar, Harry. E esse lugar é como professora dela. Não como babá e não como família. Ela vai entender se eu explicar que preciso das tardes livres para retomar minhas aulas particulares, mas posso vir aqui alguns dias, brincar com ela, eu só... – ela se interrompeu, ao perceber a expressão magoada no rosto do homem. – Harry, só não posso mais. Eu preciso parar de falar “sim” para os outros e “não” para mim mesma. Vocês estão bem agora! O juiz disse que a guarda é sua e você vai conseguir encontrar uma babá num piscar de olhos. Eu posso até ficar cuidando da Gail, enquanto você procura por uma. Eu treino ela e faço a seleção, se você precisar.
- Mas por que você não pode continuar com a gente? Nós te magoamos, fomos ruins com você? – era ele quem parecia perdido agora, e o seu tom desolado apenas destroçou mais o coração da professora. – Eu não entendo. Eu fiz tudo o que você pediu, não fiz? É o dinheiro? Eu posso pagar você. Quanto você precisa?
negou com um aceno mudo de cabeça.
- Harry, vocês vão ficar bem, é sério – ela disse, fungando. – E é melhor mesmo que façamos isso agora. Não faz sentido. Em breve, Abigail não vai mais ser minha aluna e... e eu nem sou uma babá de verdade. E, além do mais, Harry... – ela hesitou, e resolveu que ele merecia ouvir a verdade. – Como é que eu posso esquecer você, se eu tiver que te ver todos os dias? E quando você trouxer a sua próxima namorada modelo para casa? Como é que eu devo aprender a conviver com isso? Eu preciso de um tempo para mim e, por mais que eu ame a Gail e adore você, eu preciso me respeitar – ela sentiu uma nova lágrima descer pelo seu rosto. – E, hoje, minha mágoa ficou tão clara. Quando o Promotor mencionou a noite do bar, foi como se tudo estivesse acontecendo de novo e... eu só não posso mais, Harry, desculpe.
E, então, lá estava. abriu seu coração para ele, deixando evidente que ainda era apaixonada por ele, mas do que valia se ela se declarava num tom de despedida? De que adianta admitir que ainda o amava, se já tinha dito que não queria insistir no que eles tinham e, agora, que sequer poderiam ficar no mesmo lugar, por que ela precisava esquecê-lo?
Uma sensação quente e desconfortável pareceu ocupar a boca de seu estômago, e ele sentiu uma onda incomparável de sentimentos batalhando em seu interior, tentando assumir o controle de suas ações.
Parte dele queria argumentar que ela não precisava esquecê-lo, se ele não queria esquecê-la. Parte dele queria gritar em frustração, por tudo ser tão difícil. Parte dele queria explicar para ela que nada era racional no amor, e que não fazia sentido todo aquele sofrimento, se eles tinham uma chance de ser feliz. Mas quem venceu foi seu orgulho, e o que ele queria dizer era:
- Tudo bem. Eu entendo – ele tirou as mãos do ombro dela e enfiou-as nos bolsos da calça do terno. – É provavelmente o melhor.
Ela pareceu ao mesmo tempo aliviada e desapontada, e Harry perguntou-se como o amor poderia criar tantos sentimentos antagônicos dentro de uma só pessoa.
- Obrigada por entender – ela disse, secando os olhos com as costas das mãos novamente. – Eu... eu acho melhor eu ir embora agora – disse, dando um meio-sorriso. – Já deu minha hora e eu tenho uma sala de alunos elétricos de seis anos de idade para controlar amanhã.
Harry concordou com um aceno de cabeça.
- Você pode... continuar, enquanto eu procuro por outra pessoa? – ele perguntou, sentindo-se estranhamente oco por dentro. – Por favor?
Ela concordou com um aceno de cabeça.
- É lógico. Boa noite, Harry. E, de novo, parabéns. Eu nunca duvidei que você conseguiria – ela acenou um adeus com a mão e abriu a porta de correr, caminhando para dentro da espaçosa sala da cobertura.
Harry se apoiou no parapeito e observou o céu escuro, que parecia combinar com o seu novo humor. E, apesar de sua vitória na sala de julgamento, sentia-se um completo perdedor.
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limpou discretamente as últimas lágrimas antes de ensaiar um sorriso e caminhar até , que estava no canto da sala, conversando com , enquanto as duas bebericavam vinhos das taças de cristal em suas mãos.
- , oi – ela disse, aproximando-se das duas.
- Oi! – os olhos de rapidamente assumiram uma iluminação diferente ao vasculhar o rosto da amiga. – Você está bem? – perguntou, preocupada.
não confiava em si mesma para falar e manter o rosto sério, então apenas acenou discretamente com a cabeça, tomando o cuidado de desviar o olhar; nada como encarar os olhos preocupados de alguém que te ama para fazer as lágrimas subirem como lavas num vulcão em erupção.
Assim que se sentiu um pouco mais no controle de suas emoções, murmurou:
- Eu preciso ir embora.
- Mas o que aconteceu? – foi quem perguntou dessa vez, os olhos fixos na silhueta de Harry do lado de fora, na sacada, observando o céu escuro. – Foi ele, não foi?
- , por favor não disse mais do que isso, e ficou com medo que, num de seus rompantes instintivos, a executiva marchasse até Harry e o constrangesse, mas o que quer que tenha identificado no rosto da amiga, foi o suficiente para fazê-la suspirar, resignada. – Eu estou bem, de verdade. Só preciso... ir embora.
- Está certo, eu vou só pegar minha bolsa – começou, terminando sua taça de vinho com um longo golo. – E vamos passar no mercado...
- Não – a interrompeu, mantendo o tom de sua voz firme e decidido. – Fique, . Aproveite a comemoração. Além do mais, eu realmente quero ficar sozinha – ela deu um sorriso frágil que tentou passar por corajoso.
- Você tem certeza? – perguntou, os olhos fixos no rosto da amiga, atenta.
concordou novamente com um aceno discreto de cabeça.
- , você pode me dar uma carona? – a psicóloga perguntou, virando-se para a amiga.
- Ahn... claro – concordou, com uma expressão confusa.
Mas o que quer que ela fosse dizer, foi interrompido pelo abraço conjunto que deu nas duas.
- Vocês são as melhores – a professora disse, com sinceridade. – Preciso ir. Nos falamos amanhã?
Quando se afastou das amigas, viu Abigail rindo enquanto Tom e Gio se revezavam, fazendo cócegas na garota. Percebeu que não conseguiria se despedir sem cair em lágrimas e, aproveitando que todos estavam entretidos conversando entre si, agarrou sua bolsa que estava empilhada na poltrona, em meio outras bolsas e casacos, e saiu do apartamento.
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Dougie estava se servindo de mais um pedaço de pizza, quando sentiu uma mão firme em seu ombro. Virou-se a tempo de ver às suas costas, com uma expressão séria.
- Oi, ! – cumprimentou, com um sorriso – Você quer um...?
- Larga – ela disse, tirando o prato das mãos dele com um gesto preciso e colocando-o sobre a mesa, sob o olhar desejoso do baixista. – Preciso de você.
Essa frase foi o suficiente para tirar a atenção de Dougie do pedaço de pizza; sempre o ajudara e ele jamais poderia deixar uma oportunidade de retribuir passar despercebida.
- O que foi? – perguntou, prontamente.
- Não é comigo – ela rebateu. – É com a . E o idiota do Harry.
Dougie franziu o cenho.
- O que têm eles? – questionou, curioso.
- Não sei – respondeu, para a perplexidade dele. – Mas acabou de sair da sacada, onde ela estava com ele, com lágrimas nos olhos, e foi embora.
Dougie hesitou, considerando as palavras da amiga.
- Você quer que eu vá atrás dela? – perguntou, hesitante.
- Não! Eu quero que você – ela espetou o peitoral dele com o dedo indicador – vá falar com ele – apontou de forma nada discreta para a porta que dava para a sacada. – E coloque algum bom senso naquela cabeça oca!
- O quê? Eu? Por que eu? – Dougie questionou, os olhos arregalados.
abriu a boca, mas fechou-a em seguida. No entanto, fixou os olhos nos olhos azuis de Dougie e, mesmo sem que ela dissesse uma só palavra, ele entendeu perfeitamente o porque ele deveria ser o apaziguador.
, ele pensou, infeliz.
E, ao mesmo tempo, isso o preencheu com um fogo e uma determinação que ele não sentia há algum tempo. Uma vez, tentara resolver a situação entre Harry e porque achava que talvez isso fosse ajudá-lo a encontrar .
Agora, queria ajuda-los para que o amigo nunca precisasse passar pelo o que ele passava.
XxXxX
Harry tinha se cansado de observar aquele céu nublado e sem estrelas, mas não conseguia juntar energia o suficiente para caminhar para dentro do apartamento e dar atenção para todos os seus convidados. Por isso, resolveu observar o tráfego nas ruas, pensativo.
Desde quando um relacionamento era tão difícil?
Se ele quisesse alinhar todas as garotas e mulheres que gostariam de ter um relacionamento com ele, formaria uma linha capaz de dar duas ou três voltas no quarteirão de seu prédio.
Por que justamente a única que habitava sua mente parecia não ter interesse no que ele poderia lhe oferecer?
Ouviu o som da porta às suas costas sendo empurrada e passos; olhou por cima do ombro e surpreendeu-se ao encontrar Dougie entrando na sacada, com um meio sorriso, enquanto pescava o maço de cigarros do bolso e, automaticamente, estendia em sua direção.
- Não fumo mais - lembrou-o Harry, com um sorriso que não alcançou os olhos.
- Ah, é verdade – Dougie deu um sorriso e puxou um cigarro. – Foi mal, cara, força do hábito... – usando uma das mãos para proteger a chama do isqueiro do vento, ele acendeu o cigarro.
Os dois ficaram em silêncio, lado a lado, observando a cidade.
- Você não vai querer fazer isso – disse Dougie, repentinamente, tirando o cigarro da boca e soltando o ar, pensativo.
- Isso? – Harry ecoou, erguendo as sobrancelhas. – Isso o quê?
- Deixá-la partir sem lutar – especificou o loiro. – Acredite em mim. Você não vai querer ter que viver com isso.
Harry deu um sorriso anasalado, acompanhando as luzes dos carros com os olhos.
- Você viu, é? – perguntou, sem olhar o amigo.
- Fui informado – Dougie tragou, calmamente, e soltou a fumaça. – E então, o que aconteceu?
Dessa vez, Harry riu de verdade. Mas foi uma risada triste e cômica, do tipo que se solta quando reconhece o quão pouco provável ou ilógica é a situação em que se encontra.
- Bom, pelo o que ela me disse... ela não consegue mais ficar com a gente. Aparentemente, ela ainda tem sentimentos por mim. Mas não quer ficar comigo. Porque somos de “mundos diferentes”. Você sabe, eu sou um baterista numa banda e ela é uma professora e nós não podemos ficar juntos e... O que eu devo fazer, Dougie? A mulher não quer ficar comigo. Eu devo fazer uma lista de motivos porque ela deve ficar comigo e fazer uma procissão daqui até o apartamento dela de joelhos até que ela perceba que eu a amo?
- Se for preciso... – Dougie encolheu os ombros.
- Você só pode estar brincando... – pela primeira vez, Harry fixou os olhos no semblante do amigo, numa expressão perplexa.
Os olhos azuis de Dougie observaram o amigo por um instante, mas depois se desviaram, perdendo-se em um ponto invisível no horizonte e, soltando o ar, lentamente, ele disse:
- A questão é: você vai amar outras pessoas, Harry. Vai amar loucamente outras mulheres e, na maior parte do tempo, vai conseguir não pensar nela. Mas quando pensar... – ele deu um sorriso infeliz e revirou os olhos, como se estivesse se repreendendo por ser tão estúpido. – Você terá que viver para sempre se perguntando o que poderia ter sido. Seu orgulho vale este preço?
Harry considerou a questão cuidadosamente.
Quanto tempo fazia desde que uma mulher entrara na sua vida e a deixara de cabeça para baixo, como fizera?
Todo esse tempo, ele vinha se perguntando “por que”, quando deveria se perguntar “como”; como posso fazê-la compreender o que eu sinto? Como posso demonstrar o quanto ela significa? Como posso provar que nós somos perfeitos um para o outro?
- Experiência própria? – perguntou, afinal, e quando Dougie deu de ombros, tragando novamente, ele acrescentou. – Foi a tal da ?
Dougie não disse nada por um momento, mas então concordou com um aceno discreto de cabeça e continuou com os olhos perdidos no horizonte.
- Ela veio atrás de mim. Eu estava tão furioso com o pai dela... – Dougie hesitou, sentindo uma onda de ira apoderar-se dele; mas ele não era capaz de dizer se se irritava com a memória de Charles ou com sua própria estupidez. – Eu queria magoá-lo. Eu estava tão... e ela estava lá... e ela me lembrou ele. E ela me perguntou o que estava acontecendo e, por um segundo, eu considerei que ficar com ela significaria enfrentar o pai dela, olhar no rosto dele todos os dias... E eu terminei – ele ficou em silêncio. – Amava ela mais do que tudo, mas terminei porque estava puto com o seu pai. Não tive coragem de pedir desculpas quando cai em mim mesmo, cegado pela vergonha e por um orgulho besta. Quando finalmente percebi, Hazz... Era tarde demais. A casa estava vazia e eu soube que ela e a família se mudaram. Eu perdi o amor da minha vida e não tem um dia que eu não me arrependa disso – finalmente, ele fixou os olhos no rosto surpreso do amigo. – Não cometa os mesmos erros que eu. Por favor. Não faça isso com você mesmo.
Harry ficou em silêncio, observando o semblante de Dougie; o baterista sempre assumira que a expressão ás vezes taciturna e infeliz do amigo adivinha de seu conturbado histórico familiar, mas percebeu que tinha tão pouco que sabia sobre Dougie.
Mesmo que o baixista comentasse sobre a garota, ás vezes, quando estava bêbado ou mencionasse seu nome, durante o sono, nunca imaginara que ela pudesse ter significado tanto.
E, por um instante, permitiu-se vestir os sapatos do amigo e se imaginou daqui a dez anos, considerando o que ele poderia ter feito de diferente para ter ao seu lado.
- Vocês podem cuidar da Gail e ficar de olho nos convidados? – viu-se perguntando, antes que pudesse compreender as próprias palavras.
- Claro, Hazz – Dougie sorriu, satisfeito que seu discurso tivesse surtido o efeito desejado.
- Obrigado, Dougster – ele puxou o amigo para um abraço rápido e deu alguns tapinhas amistosos em seu ombro. – Um dia, você vai me contar tudo sobre essa , cara.
- Pode ser – Dougie respondeu, forçando um sorriso. – Mas não agora. Sua prioridade é outra – com um gesto gentil, Dougie empurrou-o na direção da porta.
Harry sorriu novamente. Dessa vez, o sorriso não era mais infeliz; era ansioso e, ao mesmo tempo, receoso, do tipo de quem sabia o que precisava fazer, mas estava com medo de não conseguir fazê-lo.
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viu quando Harry saiu apressado da sacada, caminhando em direção à porta e saindo por ela sem se dirigir a ninguém em específico; por sorte, Abigail estava entretida demais maquiando Tom, enquanto a maioria dos adultos no recinto estava conversando entre si, cada um em níveis diversos de embriaguez, e ninguém pareceu perceber que o dono da casa tinha se retirado.
Os olhos da mulher focaram-se na sacada e, através da porta de vidro, conseguiu ver a silhueta de Dougie. Pegou a taça de champagne que estava bebendo e caminhou até ele.
Embora a porta fizesse um som discreto ao ser deslizada, Dougie não deu sinal algum de ter percebido que alguém estava adentrando o recinto que ele ocupava. deu um gole na sua taça e abraçou-se, protegendo-se do vento frio da noite londrina.
- Então... Deu certo! – ela disse, chamando a atenção do homem para ela. – Harry acabou de sair pela porta como se estivesse sendo perseguido por uma assombração.
Era para ter sido engraçado, mas Dougie manteve seu semblante sério e, num silêncio que não era típico dele, apoiou-se de novo no parapeito que contornava a sacada e observou o movimento dos carros na rua abaixo deles, tentando identificar o subaru preto de Harry saindo da garagem.
- Espero que eles consigam se acertar – ele disse, afinal.
imitou a posição do amigo e também concentrou sua atenção nos carros que costuravam as ruas como vagalumes.
- O que você tem, hein? – ela perguntou, finalmente, dando uma cotovelada discreta no antebraço do baixista.
Dougie hesitou, como se considerasse a questão e, depois de alguns instantes, um sorriso triste tomou seus lábios finos. percebeu que ele parecia estranhamente maravilhoso, com aquele ar soturno de quem está infeliz com o mundo.
- Tive uma epifania – ele disse, afinal, os olhos acompanhando o fluxo dos carros.
Houve um breve instante de silêncio, durante o qual esperou que ele continuasse o raciocínio; ao perceber que ele não o faria, ela pigarreou.
- Sobre...?
- Sobre mim. E . E esse inferno que está na minha cabeça ultimamente – ele estendeu a mão e passou sua taça para ele; com um gole, o rapaz esvaziou todo o conteúdo, devolvendo-lhe a taça vazia – Quando eu conversava com Harry, vi que ele tem uma chance. Ele ainda tem tempo de mostrar para o que ela significa para ele. Eu? – ele deu uma risadinhaa sádica. – Eu não tenho mais nenhuma chance, . Preciso entender isso. Preciso aceitar isso. Faz nove anos, e eu tenho que entender que essa porta se fechou. Não posso continuar obcecado por uma garota que não existe mais no meu mundo.
Quando ele terminou, houve um novo minuto de silêncio.
- Isso não é uma epifania – disse, afinal, num tom de voz de quem aponta um fato. – Você já me disse esse discurso tantas vezes que eu o estava completando mentalmente, enquanto você falava, Dougie.
- Não foi essa a minha epifania – Dougie disse, mordiscando levemente o lábio inferior, e estabelecendo contato visual com a amiga. – Eu preciso de ajuda. Profissional. Preciso esquecer essa conversa de vez.
arregalou os olhos, e os lábios se entreabriram, em choque; mas antes que ela pudesse tentar dizer qualquer coisa, Dougie completou:
- E eu confio em você para me ajudar a encontrar essa ajuda. Ninguém pode saber o meu motivo verdadeiro, a não ser os meninos. E mesmo eles, não agora.
Quando ele ficou em silêncio, sustentou o olhar de ; ela nunca esperara chegar naquele ponto. Ouvi-lo dizer com todas as letras que achava que precisava de um profissional para ajuda-lo a superar o passado, era admitir que aquilo era mais forte do que ele.
Diante desse contexto, só houve uma coisa que ela conseguiu dizer:
- Pode deixar, Dougie – colocou uma mão amistosa no ombro do amigo, que deu um meio sorriso reticente. – Você pode contar comigo.
Dougie concordou com um aceno discreto de cabeça e ele desviou os olhos do rosto da amiga e fixou-os novamente no tráfego abaixo.
- Acho que estou enlouquecendo – ele murmurou, baixinho, e não foi capaz de descobrir se ele estava falando com ela ou meramente pronunciando um fato em voz alta.
- Não estamos todos? – ela perguntou, inclinando-se contra ele.
Dougie apoiou a cabeça no ombro de e os dois permaneceram em silêncio, observando a movimentada noite londrina.
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Harry ficou parado, sentado dentro do carro, estacionado rente ao meio-fio, enquanto observava seu próprio reflexo no retrovisor; ele não se recordava de ter se sentido tão ansioso e nervoso daquela forma desde o seu primeiro show com McFLY.
Recostou a cabeça contra o encosto do banco e forçou-se a respirar lentamente, tentando encontrar a melhor forma de expressar seus sentimentos de maneira que fizesse com que reabrisse a porta que ela estava tão determinada a trancar.
Como já fizera uma vez, dias atrás, ficou repassando na sua cabeça diversos discursos diferentes, cada um com um começo diferente, argumentos diversos, tons de vozes variados – apaixonado, desesperado, suplicante -, mas nada parecia certo.
Frustrado, Harry resolveu fazer o que sugerira para Dougie: uma lista.
Mas para isso, ele precisava de papel.
Olhou em volta e vasculhou o compartimento entre o banco do passageiro e do motorista, mas não havia nada ali além de algumas notas fiscais jogadas. Depois, inclinou-se sobre o banco do passageiro e abriu o porta-luvas.
Mal pôde acreditar na sua sorte quando encontrou uma folha sulfite dobrado ao meio. Puxou-a para fora de seu esconderijo e pescou uma caneta do bolso de sua blusa social, mas antes que ele começasse a escrever os itens da sua lista, resolveu analisar o conteúdo do papel.
Seus olhos brilharam e, repentinamente, nenhuma lista era necessária: ele sabia exatamente o que falar.
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tinha tomado banho e escorregado para dentro de um conjunto velho de moletom que usava para dormir quando todos os seus pijamas bons estavam sujos; ele era velho, aconchegante e quentinho e, naquele momento, ela não poderia pedir por mais do que isso.
Deitou-se em sua cama e tentou ler, mas sua mente estava afoita demais e era difícil concentrar-se nas palavras. Por isso, resolveu marchar enrolada no seu cobertor felpudo até a sala e sentou-se no sofá, ligando a televisão com o controle remoto.
Zapeou pelos canais por algum tempo, até que finalmente resolveu por parar na Discovery Chanel; não sabia muito bem sobre o que falava aquele documentário, mas ela simplesmente não estava disposta a pegar um episódio de um seriado no meio ou assistir um filme começado. De confuso, bastava a sua vida.
Descobriu, por fim, que se tratava de um documentário sobre os animais fascinantes e meio aterrorizantes que viviam no fundo do oceano inexplorado; estava tão entretida pela esquisitice da maioria daqueles personagens que deu um pulinho quando ouviu uma sucessão de batidas firmes na sua porta, que pareciam reverberar por todo o apartamento.
Hesitou, estranhando aquilo. Ninguém interfonou pedindo para subir e estava razoavelmente tarde para ser qualquer um de seus vizinhos. Engolindo em seco, desembrenhou-se do cobertor e pegou o vaso de vidro que estava sobre o centro da mesa, só de precaução.
- QUEM É? – ela perguntou, aproximando-se da porta cautelosamente, como um felino.
- SOU EU – a voz de Harry ecoou do outro lado da porta e ela congelou onde estava, o corpo meio dobrado, as pernas afastadas, o vaso numa mão, erguido levemente acima da cabeça. – ? EU POSSO ENTRAR?
Aquilo fez com que o cérebro de levasse um tranco.
- AHN... CLARO! – ela berrou de volta, colocando o vaso no chão e passando os dedos entre os fios de cabelo, tentando ajeitá-los, enquanto sua mente criava hipóteses prováveis para Harry Judd estar no seu apartamento depois daquela conversa; finalmente, com um suspiro suave e mãos trêmulas, ela destrancou a porta e abriu-a, revelando Harry parado entre ela e o corredor. Eles só observaram em silêncio por alguns instantes, até que resolveu quebrá-lo. – Oi...
- Oi – Harry respondeu, dando um sorriso de lado.
- Oi – fechou os olhos e fez uma careta, percebendo o quão ridícula estava parecendo. – Harry, o quê...?
- Eu quero a professora suja de tinta de dedo quando eu voltar para casa – ele soltou, interrompendo-a e deixando transparecer sua ansiedade; pôde sentir seu nervosismo. – O ponto é: eu já tive modelos e já tive atrizes antes de você. Não foi o suficiente para mim naquela época. E agora que eu conheço você? Não tem nem como comparar.
- Harry...? – o coração de batia acelerado e ela mal conseguia processar as palavras que ele estava proferindo.
Harry Judd estava à sua porta, se declarando para ela? Depois de tudo o que ela disse sobre eles não serem perfeitos juntos?
Antes que ela pudesse completar sua frase, Harry colocou o dedo indicador sobre seus lábios, silenciando-a. Gentilmente, ele subiu o pequeno degrau e adentrou o diminuto apartamento.
- Só... Deixa eu terminar antes, está bem? – ele pediu, num tom de voz gentil, mas igualmente determinado. – Minha vida girou de cabeça para baixo desde que Abigail se tornou minha responsabilidade e eu estava enlouquecendo. E aí você apareceu – a mão que estava sobre os lábios de moveram-se lentamente, e agora ele acariciava sua bochecha. – Você me ajudou a fazer as coisas fazerem sentido. Depois que você surgiu na minha vida, tudo pareceu se encaixar no seu lugar exato.
- E eu não estou falando só porque você me ajudou com a Abigail, mas por causa de tudo. Não é só porque você é linda, incrivelmente inteligente, gentil, divertida, bem humorada e fantástica em todos os sentidos possíveis. E também não é porque o sexo é fora desse Universo, muito embora ele seja. É porque eu sei que o que nós temos é especial.
O coração de batia cada vez mais rápido e sentia a área de sua bochecha que era tocada pela mão de Harry entorpecida; seu coração parecia se banhar nas palavras quentes e ternas do homem, mas seu cérebro lutava para manter um controle cada vez mais tênue sobre a situação.
- Desde que eu fiquei famoso, com os caras da banda, tudo tem sido diferente. Em alguns aspectos, isso é realmente muito bom. Mas em outros... o ser humano é um pouco feio por dentro, você sabe. E desde que eu fiquei famoso e rico, nunca tenho como ter certeza se a pessoa está se aproximando porque se interessa por quem eu sou, ou se interessa pelo que ela sabe que eu possuo. Até você – ele deu um sorriso doce, ao falar isso, e o coração de pareceu derreter em seu peito. – Só tinha uma coisa que parecia importante para você, e é algo que eu sequer possuo. Quero dizer, alguém.
- Abigail... – completou, num sussurro trêmulo.
Harry concordou com um aceno de cabeça.
- Muitas mulheres veriam Abigail como um empecilho. Como uma coisa para tolerar para poder ficar comigo. Mas você... – Harry deu um novo sorrisinho. – Honestamente, se não fosse pela Gail, acho que você sequer olharia na minha direção. E eu sei que você se apaixonou por mim, também. E eu sei que foi o tipo certo de paixão, do tipo que acontece devagar, à medida que você conhece melhor a outra pessoa, e não porque você viu uma foto minha numa revista ou porque você me viu tocando bateria em cima de um palco. Você me ama porque você me conhece, e a recíproca é tão verdadeira, ...
Ela abriu a boca para retrucar, muito embora tivesse que admitir que sequer tinha noção de como responder a tudo aquilo. Àquela altura do discurso, seu cérebro mal era capaz de recordar todos os motivos que tinha meticulosamente articulado para obstar aquele relacionamento.
- E eu sei que você disse que somos de mundos diferentes. Mas, sinceramente, isso é a maior besteira. Você acredita no que você disse? Se ser famoso não é desculpa o suficiente para que eu não possa assumir todos os cuidados por uma criança elétrica de seis anos, por que seria para eu não ter um relacionamento incrível com uma professora de primário que não sai da minha cabeça? Eu... – ele puxou um papel dobrado duas vezes de dentro do bolso do paletó. – Eu queria te mostrar isso – estendeu-o na direção dela.
Sem dizer nada, desviou seus olhos do rosto maravilhoso de Harry para o papel dobrado que este lhe estendia. Sua mão tremia quando ela o pegou e desdobrou-o. Era um desenho infantil que ela sabia ter sido feito por Gail, porque seria capaz de reconhecer os traços da garota em qualquer lugar.
No papel, havia três figuras amorfas, uma verde, uma amarela e uma azul, todas com rostinhos sorridentes. sabia que eram três pessoas. Uma pequena de mãos dadas com duas maiores.
- Quando eu vi, achei que fosse Abigail com Charlie e Claire – ele disse, enquanto a observava analisar o desenho. – Mas não é. Somos nós. Eu, você e ela. Abigail ama você, assim como eu. Lógico, eu jamais pediria que você ficasse comigo por Gail. Se você voltar comigo, quero que seja porque me ama e me deseja assim como eu amo e desejo você. Mas eu gostaria de dizer que esse desenho representa como eu e a Gail te vemos: como família. Muito mais do que uma professora, muito mais do que uma benfeitora que resolveu nos ajudar a amarrar as pontas soltas... Você é uma de nós. Mesmo que não queira. E você pode virar, depois de tudo o que eu disse, e manter sua posição, dizer que não vai dar certo e que você não quer nem mesmo tentar. Milhares de mulheres virão depois, mas nenhuma será você. E eu sei disso. Sempre soube. Se você acha que daqui a um dia, uma semana, um mês ou um ano, vai encontrar um homem que te ame e te deseje mais do que eu, não fique comigo. Espere por esse cara sortudo. Mas se você tem essa mesma sensação ardente de que nós somos o que há de melhor em nós mesmos, em outro corpo... Então, por favor, reconsidere suas opiniões, porque eu não aguento mais ficar sem você. Eu não sei mais ficar sem você.
nem tinha percebido que estava chorando, até sentir Harry limpando as lágrimas dela com as mãos, cuidadoso. Quando os marejados olhos dela encontraram os azuis dele, sentiu-se sugada para dentro de um mundo em que nada existia, a não ser eles dois.
E ela o amava tanto.
E mesmo que seu cérebro tentasse desesperadamente organizar uma lista de todos os motivos racionais pelos quais deveria se manter a galáxias de distância daquele homem, seu coração parecia imerso numa sensação inebriante e morna, que parecia preenchê-la por inteiro.
Ele estava ali, diante dela, pedindo para que eles dessem uma segunda chance ao que tinham. estava surpresa pela sua aparição inesperada, agradavelmente perplexa diante de tudo o que ele dissera, mas o que a deixara completamente sem reação fora a sinceridade em suas palavras, a forma como seus olhos brilhavam, enquanto ele as pronunciava, e como sua linguagem corporal, geralmente tão relaxada e tranquila, parecia um pouco tensa, denunciando que ele estava nervoso.
Que aquilo era importante para ele: tê-la de volta.
Mas, ao passo que seus pensamentos pareciam incapazes de juntar uma sentença coerente, seus olhos não pareciam conseguir parar de produzir lágrimas.
- Hey... – ele sussurrou, enquanto continuava tentando secar o rosto da professora. – Eu não queria te magoar. Sei que é difícil, que já partiram seu coração outras vezes. Mas prometo que nunca faria nada intencionalmente para te magoar.
Isso fez com que chorasse ainda mais, as lágrimas transbordando agora com tanta rapidez que Harry reconheceu sua incapacidade em secá-las, puxando para um abraço carinhoso.
Ela sempre gostou do fato de que seu corpo parecia se encaixar ao de Harry com perfeição, quase como se tivessem sido moldados para se encontrarem. O ângulo entre seu pescoço e seu ombro ficava na altura exata para que ela pudesse recostar sua cabeça e inspirar o delicioso perfume envolvente que parecia natural dele.
- Sinto muito te colocar nessa situação, – ele disse, afinal, apoiando sua bochecha no topo da cabeça da mulher e apertando-a com um pouco mais de força contra o seu corpo firme e quente. – Eu só... eu precisava ter certeza que lutei por você. Que lutei por nós. Que tentei explicar para você o que você significa para mim. Que fiz tudo em meu poder para conseguir o que eu quero. Não quero olhar para trás, daqui a alguns anos, e perceber que talvez eu pudesse ter mudado essa situação se tivesse falado algo a mais, dito algo a mais, eu... Eu te amo. Eu te amo muito. E espero desesperadamente que você me ame de volta o suficiente para vencer os seus medos e confiar em mim. Confiar em nós.
Ela continuou fungando contra o pescoço dele, abraçando-o com firmeza pela cintura e deixando que o cheiro dele inebriasse ainda mais seus sentidos. Como seria possível tentar colocar seus pensamentos em ordem, daquela forma?
Harry, incomodado com o silêncio, sentiu a necessidade de prosseguir seu discurso:
- E eu posso esperar, você sabe. Até você resolver o que você quer – ele continuou, pegando uma mecha dos cabelos dela e envolvendo-a entre dois dedos, nervoso. – Você não precisa responder hoje, se não tiver certeza, eu...
E, assim, como se iluminada por uma luz divina, ela soube. Afastou-se do abraço dele apenas o suficiente para que seus olhos se encontrassem, e Harry perdeu a linha de raciocínio, perdendo-se nos olhos e profundos dela.
não disse nada. Uma vez, ela lera em algum lugar que tudo o que precisamos é de vinte segundos de uma coragem destemida. Às vezes, menos.
Demorou cerca de cinco segundos. Ela se colocou na ponta dos pés e, diante do olhar surpreso de Harry, apesar das lágrimas que ainda transbordavam de seus cílios, pressionou seus lábios contra os dele, firme e decidida.
Imediatamente, Harry apertou ainda mais os braços em volta dela. Tocou os lábios dela com a ponta da língua, gentilmente pedindo passagem para aprofundar o beijo, o que foi prontamente concedida pela professora, que o abraçou pela nuca, ainda na ponta dos pés.
À medida que o beijo se tornava mais exigente, deixando transparecer o desejo crescente e, finalmente, liberado que ambos sentiam, teve a sensação que sua mente rodopiava dentro de sua cabeça, expulsando qualquer pensamento racional que não fosse: “ele é meu”.
Eles tropeçaram às cegas pela sala, os corpos ainda entrelaçados, sem partir o beijo. Harry escorregou as duas mãos que estavam na cintura de para a parte de trás de suas coxas e puxou-a para cima; imediatamente, a mulher envolveu sua cintura com as pernas, enquanto ele amparava-a em seu colo.
A intenção de Harry era chegar até o sofá, mas seu pé esbarrou em algo duro e frio no chão; o que quer fosse, tombou para o lado fazer um barulho alto.
Os dois se separaram e olharam para o vaso caído no chão. Ele não parecia quebrado, mas se preocuparia com isso depois. Depois.
- Por que o seu vaso está no chão? – Harry perguntou, arqueando as sobrancelhas, ainda um pouco ofegante.
esfregou seu nariz ao dele.
- Deixa isso para lá... – ela sussurrou, mordiscando o lábio inferior dele.
- Okay... – ele murmurou, antes de capturar os lábios dela num novo e fervoroso beijo.
Eles finalmente encontraram o caminho até o sofá. Harry inclinou-se, depositando e deitando-se sobre ela. Os dois continuaram se beijando, até que as pernas de ficassem trêmulas. As mãos firmes e calejadas de Harry começaram a percorrer o corpo que ele conhecia tão bem por debaixo do material e, depois de algum tempo, começou a se livrar das peças de roupa que a cobriam.
À medida que sua pele ia sendo exposta, ele a explorava devidamente, usando suas mãos e seus lábios, até que fosse incapaz de manter sua respiração estável.
Harry afastou-se dela apenas o suficiente para puxar calça do moletom dela, junto com sua calcinha, jogando-os por cima de seu ombro. fechou os olhos, inebriada, ao senti-lo voltar a se deitar sobre ela, beijando seus lábios longamente, até que ela ficasse completamente sem ar, para depois traçar uma lenta e dolorosa trilha de beijos úmidos que passou pelo seu pescoço, desceu pelo seu torço e sua barriga...
- Você não quer ir para o quarto? – ela sussurrou, ofegante, usando as mãos para bagunçar os cabelos dele.
Ele ergueu os olhos de onde estava, fixando-os nos dela.
- Teremos tempo... – ele deu mais alguns beijos, chegando perigosamente próximo da sua intimidade. – Planejo fazer sexo de reconciliação em todos os cômodos do seu apartamento essa noite. Duas vezes.
riu, mas antes que ela pudesse dizer algo, ele começou a explorar uma nova área. E, dessa vez, nenhum pensamento foi capaz de quebrar a onda de prazer.
XxXxX
Àquela altura, os familiares de Harry e Abigail já tinham voltado para seus quartos de apartamento. Embora confusos pela repentina ausência do anfitrião, todos se propuseram a almoçar uma última vez juntos, antes de retornarem a Chelmsford ou suas demais cidades natais.
certificou-se de passar o recado para Harry, assim que ele chegasse em casa.
Agora, apenas ela, , Danny, Dougie e Abigail ainda estava no apartamento, ocupados em arrumar a bagunça deixada para trás pelos convidados e pelo dono da casa.
Danny ficou incumbido de distrair Abigail, enquanto os demais adultos empilhavam pratos, guardavam pedaços frios de pizza na geladeira e jogavam fora garrafas vazias de refrigerante e cerveja.
estava encaixando alguns pratos recém-lavados nos escorredores, quando seu celular soltou um bip, anunciando a chegada de uma nova mensagem. Ela puxou o aparelho do bolso de sua calça e deu um sorriso ao ver que o destinatário era Harry.

,
Tem como você ficar com a Gail hoje? Pode ser em casa mesmo... Acho que as coisas vão demorar por aqui. ;)
Você é a melhor.
H.”

revirou os olhos e aproximou-se de , que estava lavando alguns copos.
- Acho que você vai precisar de uma nova carona... – discretamente, ela mostrou o celular para .
À medida que a psicóloga varria a mensagem com os olhos, um sorriso ia crescendo em seu semblante.
- ! ISSO É ÓTIMO! – ela berrou, incapaz de se segurar. Depois, fez questão de controlar seu tom de voz, para não atrair a atenção dos outros. – Tem certeza que não quer ajuda? Posso ficar também, se você quiser.
- Não se preocupe – sorriu. – Eu fiquei com ela hoje a tarde inteira. Eu dou conta. Além do mais, posso aproveitar depois que ela dormir para fazer algumas coisas do trabalho...
revirou os olhos.
- Você precisa de tratamento, mulher – disse, num tom de voz sério, voltando para sua missão de limpar os copos.
- Não, eu preciso de um aumento – a executiva retorquiu, fazendo a psicóloga rir.
XxXxX
Harry estava deitado com em seus braços; ambos estavam sob os cobertores quentes na cama de casal da professora e o homem observava a respiração tranquila da mulher.
Seu corpo estava exausto, mas sua cabeça estava a mil, com reflexões sobre os eventos dos últimos meses, memórias e planos para o futuro. A maioria dos últimos orbitavam em volta de Abigail e .
Quando ele finalmente dormiu, naquela noite, sentindo o cheiro doce que vinha dos cabelos de , ele teve o sono sem sonhos digno de quem tem o corpo exausto e a mente leve.
XxXxX
- Obrigada pela carona – disse, com um sorriso, enquanto Danny estacionava o carro junto ao meio-fio, em frente ao prédio da psicóloga.
- Disponha, – ele deu um sorriso largo, enquanto a observava lutar com o cinto de segurança. – Você sabe que eu vivo pelos nossos momentos furtivos.
gargalhou, finalmente conseguindo se libertar.
- Vive, né? Imagino – acariciou o rosto dele, de forma amigável. – Você é um perigo para o público feminino, Daniel Jones.
Foi a vez de Danny rir.
- Do jeito que você resiste ao meu charme, é difícil acreditar nas suas palavras – respondeu.
observou-o com um sorriso divertido.
- Só por que o amor está em alta hoje e detesto ter minha idoneidade discutida – ela inclinou-se na direção dele e tocou seus lábios com um dela, num selinho amigável. – Boa noite, Danny Jones.
Danny deu um sorriso e acenou um adeus com a mão.
- Nos vemos por aí, – ele rebateu.
XxXxX
Dougie foi o primeiro a ir embora. Ele estava cansado e abatido, e temia que ficar sozinho em casa talvez não fosse a melhor opção, motivo pelo qual enviou uma mensagem para Tom, ordenando que ele convidasse o amigo para passar a noite em seu apartamento, o que ele disse que faria.
Depois, Danny e foram embora poucos minutos depois, conversando animadamente e rindo alto, como era típico dos dois.
Abigail estava deitada no sofá, desmaiada, os braços rechonchudos apertados em volta de Desdemond, enquanto estava sentada no chão da sala, seu laptop aberto sobre a mesa de centro.
Depois de dar uma lida rápida em alguns relatórios da contabilidade, abriu a página do google e, pensando em Dougie, digitou: “reabilitação”. Quando a lista de links azuis apareceu, ela ajeitou a posição, estralando levemente a coluna, e começou a abrir um por um.

Um mês depois...


abriu a porta do apartamento de Harry e foi imediatamente recepcionada por um cometa ruivo que abraçou suas pernas.
- Olá, Gail! – ela sorriu, abraçando a garota de volta. – Tudo bem?
- Sim! Eu estava com saudades – ela fez um biquinho. – Por que você não volta a cuidar de mim de tarde?
- A Beth não está te tratando bem? – perguntou, referindo-se a uma senhora portuguesa que fora contratada para a função de babá há duas semanas. – Ela está aí?
- Não – uma terceira voz respondeu, e sorriu antes de virar na direção de Harry Judd, que observava as duas recostados contra a batente do arco que levava ao corredor; ele usava uma calça jeans e estava com uma blusa social nas mãos, mas ainda não a tinha colocado, então, pôde saborear a visão daquela barriga repleta de tônus bem definido. – Eu já a dispensei para a nossa saída em família.
sorriu e puxou Abigail para o seu colo e caminhou até o homem, dando-lhe um selinho carinhoso.
- O que nós vamos fazer hoje, hein? – Abigail perguntou, entortando a cabeça, curiosa. – O tio Harry disse que eu só poderia saber quando você chegasse. Aonde nós vamos? No cinema? Na pizzaria? No parque? Nós vamos para Disney? – ofegou, incapaz de conter a felicidade que sentiria se a última hipótese fosse verdadeira.
e Harry gargalharam diante da excitação da garota.
- Por que você mesma não descobre? – ergueu as sobrancelhas, com um sorriso enigmático.
Ela devolveu a garota ao chão e lhe entregou sua bolsa.
- Está aí em algum lugar. Dentro de um envelope azul – informou.
Os olhos verdes de Abigail faiscaram e ela correu até a sala, com a bolsa em mãos, pronta para fazer sua exploração.
- Você está linda – Harry disse, puxando-a para um novo abraço e beijando seus lábios de uma forma um pouco mais intensa, aproveitando o fato que a atenção de Abigail estava concentrada em descobrir para onde iriam. – Vai dormir aqui essa noite?
- Eu não estava... – ela começou a responder, mas foi interrompida por um novo beijo, ainda mais exigente. – Quer saber? Amanhã é sábado. Acho que posso dormir aqui – respondeu, os olhos ainda fechados.
Harry riu e beijou a ponta do nariz dela carinhosamente, antes de soltá-la e escorregar a blusa pelos braços, encaixando-a em seu corpo rijo e maravilhoso.
- E então? – ele perguntou, fazendo uma pose casual.
fez uma careta pensativa, esfregando o queixo.
- Dá uma voltinha – ela pediu, e Harry obedeceu. – Agora, no sentido anti-horário – Harry lançou-lhe um olhar atravessado divertido, mas fez o que ela pediu. – Agora, faz uma pose sexy.
- ! – ele rebateu, rindo.
gargalhou, abraçando-o pelo pescoço.
- Você está lindo – deu um beijinho delicado na ponta do nariz dele, e, depois, aproximou os lábios do ouvido do homem. – Mas preferia sem a camisa – sussurrou, mordiscando o lóbulo dele.
Harry riu e beijou-a novamente.
- Veremos o que fazer a respeito disso... – ele murmurou, num tom de voz malicioso que fez o sorriso no rosto da professora se alargar. – Mais tarde.
- ACHEEEEEI! – a voz de Abigail reverberou por todo o recinto e Harry e se soltaram do abraço, mas a mão dele envolveu a dela, intercalando os dedos; a garotinha chegou correndo, segurando o envelope azul escuro com as duas mãos, acima da cabeça.
- E então, o que é? – perguntou , com um sorriso.
- Ainda não abri – Abigail respondeu, parando na frente deles e, abrindo a aba do envelope, espiou no interior. – É papel?!
- É o que está escrito no papel – Harry respondeu.
Com um murmúrio pensativo, Abigail pinçou os papéis dentro do envelope com os dedinhos gorduchos e puxou-os. Eram retangulares e tinham o desenho estampado da cabeça de um leão.
- Tenho que ler? – Abigail perguntou, erguendo os olhos para o casal.
- Agora que você sabe... – piscou para ela.
- Leia só as letras grandes – aconselhou Harry, abaixando-se para poder ver os ingressos. – Aqui – apontou para um grupo de palavras garrafais no centro do papel.
- Hum... okay. – Abigail pigarreou. – O... Re-rei... le... – ela franziu o cenho – ão. Leão. O REI LEÃO? – ela berrou, assim que entendeu o que aquelas palavras significavam. – Nós vamos ver o Rei Leão?
Harry e riram, diante do entusiasmo da garota.
- Sim! – respondeu. – O que você acha?
- Maneeeeiro! – Abigail sorriu, mas depois sua expressão se tornou levemente confusa. – Mas não vai ser perigoso? Quero dizer, leões comem pessoas... Não comem? – ela perguntou, receosa.
Harry gargalhou; ele realmente precisava arranjar um caderno para anotar as coisas que Abigail falava. Poderia usar isso para constrangê-la na frente de meninos, quando a adolescência chegasse.
- Não são leões de verdade. São pessoas vestidas de leão – esclareceu, passando a mão pelos cabelos ruivos da garota. – E é melhor a gente se apressar, ou perderemos a peça.
- Está certo! – Abigail pegou uma bolsinha de poodle cor-de-rosa e colocou-a no ombro. caminhou até o sofá e conseguiu jogar todo o conteúdo que Abigail tinha espalhado de volta para dentro de sua bolsa.
- Vamos? – Abigail perguntou, estendendo uma mão para , que aceitou-a, enquanto a garota enrolou a outra mão livre na mão grande de seu padrinho. – Podemos comer no Burger King depois? – pediu.
- Podemos – Harry respondeu, enquanto abria a porta e os três saíam um pouco desengonçados por serem maiores em largura do que a porta, já que estavam de mãos dadas, mas conseguiram atravessar até o hall do elevador e Harry trancou a porta sem soltar seus dedos da mão suave da afilhada.
Ele pensou no desenho que Abigail fizera, algum tempo atrás e olhou a imagem dos três no espelho do hall. Seus olhos encontraram os olhos de pelo reflexo, e os dois sorriram um para o outro.

XxXxX


Abigail adorou a peça. Todo o caminho de carro de volta para o apartamento – inclusive a parada no drive thru do Burger King – foi percorrido com uma trilha sonora composta por perguntas sucessivas de “qual foi a sua parte favorita?” e “qual é o seu personagem favorito?” e “o que você achou do Timão ser, na verdade, um boneco segurado por um homem vestido de verde?”.
Ela tagarelou sobre a peça até a hora de ir para a cama, ocasião em que se deitou no meio de e Harry, na sua cama com dossel de princesa, e os obrigou a cantar “Hakunna Matata” e “Esta Noite o Amor Chegou” com ela.
Depois da cantoria, menos elétrica e mais sonolenta, pediu ao padrinho que cantasse “A Música do Rei”, e Harry e cantaram “With a Little Help From My Friends”; muito embora Abigail estivesse adormecida depois do segundo refrão, os dois continuaram cantando até o final.
Cada um depositou um beijo de boa noite na testa da garota adormecida e saíram do quarto de mãos dadas. Harry guiou-a até o quarto e, assim que fechou a porta às suas costas, pegou-a no colo, fazendo com que ela gargalhasse escandalosamente.
Para fazê-la parar, Harry tomou seus lábios no seu e, imediatamente, os risos cessaram, sendo substituídos por beijos repletos de desejo e anseio.
Quando eles fizeram amor àquela noite, Harry não pôde evitar sentir aquela mesma sensação que ele experimentava toda vez que tinha por perto; aquela sensação morna e relaxante de voltar para casa, depois de um longo dia de trabalho.

XxXxX


Harry acordou com um som esquisito e quase berrou ao abrir os olhos e encontrar Charlie e Claire em pé, no canto do quarto, olhando para ele com sorrisos largos nos rostos.
- Achei que tivessem me esquecido – Harry disse, lançando um olhar receoso para , adormecida ao seu lado. Escorregou para fora da cama e olhou para os dois. – Querem ir a um lugar mais tranquilo para conversar?
Não queria que acordasse e o encontrasse falando com os fantasmas de seus amigos falecidos ou, pior ainda, sozinho.
- Não se preocupe, ela não vai acordar. E seremos breves – Claire disse, com um sorriso doce, enquanto cortava a distância entre eles e tomava as grandes mãos do amigo entre as suas; era uma sensação, ao mesmo tempo, fria e reconfortante. – Nós sabíamos que você conseguiria, Harry! Tínhamos certeza!
- Pois é, Juddy! – Charlie passou o braço pelos ombros do amigo e o abraçou. – Mandou bem!
- Obrigado – Harry sorriu, verdadeiramente contente com as palavras dos amigos – Vocês me ajudaram muito. Mesmo quando eu não merecia.
- Ah, qual é, Juddy! – Charlie apertou a bochecha do amigo, debochado. – Nós amamos você, mesmo quando é um panaca completo.
- Mas não somos os únicos – Claire disse, com o mesmo sorriso doce que usava desde que Harry acordara; mas, pela primeira vez, Harry percebeu que aquele sorriso tinha algo de melancólico. – Você tem Tom, Dougie e Danny. Seus pais. Meus pais. Os pais do Charlie. E, agora, ... E todos eles estão aqui para ajudar você.
Harry abriu a boca, mas não foi capaz de dizer nada. Seus olhos saltavam do rosto de Charlie, com seu sorriso relaxado, para o rosto de Claire, com sua expressão amorosa e fraternal.
- Mas... – hesitou, sabendo que tinha compreendido o que ela quisera dizer, apesar de Claire não ter sido tão precisa com as palavras. – Posso continuar contando com a ajuda de vocês, certo?
- Está na hora de ir, cara – Charlie intercedeu, segurando o amigo pelos ombros e fazendo-o encará-lo. – Você não quer ser o biruta que fica pedindo conselhos de criação para dois cadáveres para o resto da vida, quer?
- Vocês vão embora? – Harry sentiu a garganta apertada. – De novo?! Mas... mas... eu não entendo.
- Eu sei que não – Claire disse, aproximando-se, com seu tom gentil. – E sentimos muito por isso. Mas Charlie e eu precisamos ir, Harry. Você não precisa mais da gente! Já ajudamos em tudo o que podíamos. E você nos ajudou em tudo o que precisávamos e, agora, podemos seguir em frente... E é o que vamos fazer. Você tem que fazer o mesmo.
De repente, todo o sentimento de luto voltou em Harry como se acabasse de descobrir que seus amigos tinham falecido novamente. Sentiu-se desamparado, miserável e incapaz de respirar. Quando as lágrimas começaram a rolar pelo seu rosto, foi o toque frio de Claire que sentiu em suas bochechas.
- Hey, me escute – ela pediu, com a voz gentil, mas usando um tom firme. – Não tem porque chorar. Nós estamos bem, Harry. Todos nós morremos e está tudo bem, porque é assim que tem que ser. E, agora, vamos seguir em frente, mas isso não quer dizer que você nunca mais vai nos ver ou que nunca mais nos encontraremos. Só quer dizer que você tem que se acostumar a viver sem a nossa presença terrena.
Harry concordou com um aceno de cabeça, mas entender e aceitar não eram o suficiente para mudar o que ele sentia. Pelo menos, não naquele momento.
De certa forma, aqueles seus encontros com Charlie e Claire, por mais que fossem decididamente esquisitos e pouco usuais, talvez até indícios de uma mente insana, faziam com que Harry se esquecesse de que seus amigos não estavam mais lá.
- Juddy, me ouça – Charlie aproximou-se, envolvendo Claire num abraço lateral. – As coisas estão ótimas, cara! Você conseguiu a Gail, tem uma banda famosa, faz turnês pelo mundo inteiro, ganha rios de dinheiro e ainda conseguiu convencer uma mulher incrível a te amar. Você precisa entender que não precisa mais da gente.
- Mas... mas eu... – Harry fungou, tentando controlar seu tom de voz. – Mas eu vou sentir saudade de vocês.
Claire e Charlie sorriram, comovidos. E, quando Harry percebeu, estava sendo abraçado pelos dois.
- Vamos sempre cuidar de você – prometeu Claire. – E da Gail. Mesmo que você não possa mais nos ver, nem nos ouvir. Você acredita nisso?
Harry concordou com um aceno de cabeça, incapaz de dizer qualquer coisa. Manteve os olhos fixos nos rostos dos amigos, tentando memorizar aquele momento o máximo possível.
Pelo menos, dessa vez, teria a oportunidade de se despedir dele.
- E cuide muito bem da minha garotinha, está bem? – Charlie ordenou. – Nada de ser mole com os moleques interesseiros. Abigail só vai encostar-se a uma espécie macho depois dos trinta anos.
Harry sentiu uma gargalhada abrir espaço entre seus soluços e deixa-la se soltar foi como sentir uma fagulha de luz no meio da escuridão dos seus sentimentos.
- Eu... – ele disse, assim que se recuperou. – Eu só queria aproveitar esse último momento para... – hesitou, sentindo a garganta se fechar novamente, mas lutou contra isso. – Para dizer o quanto eu amo vocês. E o quanto estar separado de vocês parte o meu coração todos os dias. Charlie e Claire, vocês foram os melhores amigos que eu poderia pedir. Fala sério, vocês me ajudaram mesmo depois de mortos – ele deu uma risada incrédula, e o casal sorriu. – Mas eu vou sempre guardar nossas memórias com carinho. E vocês têm um lugar no meu coração que ninguém nunca vai tirar, mesmo que se passem cem anos desde a data de hoje. E eu vou me esforçar todos os dias para ser o melhor para Abigail, e sempre farei o que for do interesse dela. E... eu amo vocês. E vai ser um saco não ser acordado no meio da noite pelos seus fantasmas.
Ele ainda chorava, mas sorriu, quando Charlie e Claire riram de seu discurso.
- Nós também amamos você, Hazz – Claire respondeu. – E não temos dúvidas de que você é o melhor para Abigail. Nunca tivemos.
- É, cara. E pense assim, Juddy: nada mudou – Charlie sorriu, piscando para ele. – Você só está mais são.
Harry abriu os olhos e encarou o teto do seu quarto. suspirava ao seu lado, com uma expressão tranquila, e o homem sentia a garganta apertada, as memórias dos sonhos vívidas em sua mente. Levou uma mão ao rosto e percebeu sua bochecha úmida por lágrimas.
Ficou assim por alguns instantes, permitindo-se saborear novamente os indigestos sentimentos do luto. Memórias há muito esquecidas voltaram para sua mente e, quando percebeu que não conseguiria evitar as lágrimas, escorregou para fora da cama.
Inicialmente, pretendia ir para a sala, ligar a televisão e deixar que o som de algum programa noturno abafasse seus soluços, mas impediu-se ao passar pela porta entreaberta do quarto de Abigail.
Entrou nele e resolveu que só tinha uma coisa que seria capaz de fazê-lo se sentir próximo de seus amigos, e isso era abraçar Abigail. Encolheu-se ao seu lado na cama e abraçou-a.
- Tio Harry...? – ela murmurou, sonolenta, movendo-se de forma a apoiar sua cabecinha repleta de fios ruivos no braço do tio. – Eu sonhei com os meus pais, hoje... – ela murmurou, sonolenta.
Harry arregalou os olhos, mas engoliu em seco, tentando manter sua voz calma e suave.
- Foi, é? E o que eles te disseram? – perguntou, acariciando os cabelos dela com a mão livre.
- Que eles precisam ir. Mas que está tudo bem. Porque eu estou com você agora e você vai cuidar muito bem de mim – ela respondeu, num tom de voz arrastado, os olhos ainda fechados. – Eu amo você, tio Harry.
Harry deixou uma lágrima escapar, mas continuou fazendo o cafuné na afilhada.
- Eu amo você também, Gail – sua voz saiu entrecortada, mas Abigail já ressonava levemente e não percebeu.
Harry permitiu-se ficar ali, em silêncio, observando todos os detalhes do quarto da garotinha, enquanto permitia que suas lágrimas percorressem seu rosto livremente.
Aos poucos, com as lágrimas, veio a exaustão; e com ela, o sono.
E ele sonhou aquela noite. Mas Charlie e Claire não estavam lá.
Ele estava com Dougie, Tom e Danny do lado de trás de uma cortina e eles deveriam se apresentar para um público gigantesco, mas nenhum deles parecia ser capaz de encontrar as roupas, então, eles tiveram que entrar em público pelados.
Eles já fizeram isso antes, mas dessa vez era diferente, porque não era um público de duas mil adolescentes loucas e bem humoradas, mas uma apresentação para uma plateia repleta de freiras.
E, embora Harry tenha adormecido em lágrimas, gargalhou a noite inteira durante seu sono.

Capítulo betado por: Brunna



“I don’t wanna close my eyes
I don’t wanna fall asleep
‘Cause I’d miss you, babe
And I don’t wanna miss a thing
‘Cause even when I dream of you
The sweetest dream will never do
I´d still miss you, babe
And I don´t wanna miss a thing

Aerosmith – I Don’t Wanna Miss a Thing



Epílogo


“When you try your best but you don't succeed
When you get what you want but not what you need
When you feel so tired but you can't sleep
Stuck in reverse

Robbie era um garoto de fartos cabelos escuros e lindos e brilhantes olhos esverdeados, que eram ampliados pelos óculos fundo-de-garrafa que ele usava. Estava sentado ereto, enquanto seus pequenos dedos pressionavam as teclas do piano, extraindo de cada uma, seu respectivo som.
- Está muito bom! – disse, aplaudindo o aluno, do lugar que ocupava no sofá.
- Não está, não! – Robbie teimou, cruzando os braços. – Está uma porcaria. O Theo diz que eu pareço um macaco tocando!
revirou os olhos e levantou-se, encurtando a distância entre ela e o aluno; depois, sentou-se com ele no cumprido banco que ficava em frente ao instrumento.
- Olhe para mim – ela pediu, e o garoto obedeceu.
Robb tinha um brilho magoado nos olhos e teve vontade de socar Theodore Callister por ser tão insensível com seu irmão caçula, quando era óbvio que o garoto fazia de tudo para impressiona-lo.
- Não ouça seu irmão. Você sabe que ele gosta de brincar com você – sorriu antes de prosseguir. - Você é um excelente aluno e, um dia, será um grande pianista – disse, num tom de voz determinado. – Mas, para isso, precisar continuar praticando e praticando e praticando.
Robbie confirmou, com um aceno de cabeça um pouco mais entusiasmado.
- Vamos fazer o seguinte... por que você não tira um descanso de cinco minutos e depois retomamos a aula? – sugeriu, erguendo as sobrancelhas bem desenhadas.
- Eba! – Robbie pulou, colocando-se de pé, e correu em direção à escada que dava acesso ao segundo andar da casa; assim que ela ouviu o barulho da porta do quarto do menino se fechando, ouviu o som da porta da frente se abrindo.
Theodore entrava, segurando duas sacolas de compra do supermercado.
- E aí, ? – perguntou, com seu sotaque irlandês; Theo era lindo, com seu cabelo cor de carvão completamente bagunçado e os olhos esverdeados que tiravam suspiros de todas as irlandesas que tinham o prazer de conhecê-lo, efeito esse que só pareceu aumentar depois que ele se tornou uma celebridade, como vocalista da banda “Twisted Poison”, e seu rosto atraente estava na capa de quase todas as revistas.
Ele e estudaram juntos, logo que ela se mudou para a Irlanda. Fizeram os dois últimos anos do colegial juntos e eram o que muitas pessoas considerariam “excelentes amigos com benefícios”.
- Ainda bem que o senhor chegou. Precisamos conversar! – colocou-se de pé, as duas mãos na cintura.
- Se for sobre ontem à noite, aviso desde já que não aceito desculpas como “não significou nada, porque eu estava bêbada”, porque eu estava lá quando nos beijamos e você não estava tão bêbada assim – ele disse, prontamente, enquanto colocava as sacolas sobre a mesa de refeições.
arregalou os olhos e sentiu suas bochechas pinicando.
- Não era sobre isso o que eu queria falar! – guinchou, envergonhada - É sobre Robbie! – caminhou até ele, resoluta, e bateu com o dedo indicador no peitoral do amigo – Theo, como você ousa falar que ele toca que nem um macaco? Você sabe que ele te adora e leva a sério todas as babaquices que você diz!
Theo deu um sorriso de lado que fazia com que seu rosto assumisse um ar maroto, e usou uma das mãos para envolver a mão de que estava contra seu largo peitoral.
- O garoto acha que é o próximo Bethoven – revirou os olhos esverdeados. – Alguém precisava colocar algum bom-senso dentro daquela cabeça.
soltou sua mão da dele bruscamente, num gesto simbólico.
- Ele é uma criança, Theo! Você precisa deixá-lo sonhar! – rebateu. – Você não lembra como é isso, ter noves anos de idade, um sonho e a sensação de ser invencível?
Theo inclinou levemente a cabeça e permitiu-se observar atentamente. Os cabelos estavam presos num rabo-de-cavalo e ela usava calça jeans e uma blusa preta de mangas compridas. E ela era a mulher mais linda que ele conhecia.
- Sonhos não fazem com que você se sinta invencível – ele disse, movendo-se sorrateiramente de forma a prensá-la entre seu corpo e a mesa. – A vida faz. , quando nós nos beijamos ontem, eu me senti invencível.
A essa altura, as bochechas de estavam tão vermelhas que ela sentia como se elas estivessem queimando.
- Theo, pare. Foram só alguns beijos... – ela disse, sentindo-se como um trem desgovernado com as palavras.
A verdade era que o passado ainda a assustava e as cicatrizes poderiam estar fechadas, mas os cortes foram profundos. Depois... dele... vieram outros. Uma porção de rapazes irlandeses que se apaixonaram pelos cabelos , os olhos , as sardas, o sorriso, a gentileza e o sotaque britânico.
E, embora ela tenha se permitido namorar alguns deles – com uma porção ainda menor, chegou a fazer mais do que jamais fizera com ele -, sempre chegava o momento em que ela tinha que terminar o que tinham, porque sentia que não conseguia corresponder ao que os outros sentiam.
O medo e o ressentimento eram maiores do que qualquer sentimento romântico que ela pudesse experimentar.
Até ontem à noite.
Desde que se mudara e seu pai a colocara num colégio particular em Dublin, ela imediatamente fez amizade com Theo, Patrick, Lea e Rachel, com quem mantinha contato mesmo depois da graduação.
Theo e já haviam trocado alguns beijos bêbados e descompromissados e, algumas vezes, até mais do que isso. Perdeu sua virgindade com ele, porque pareceu razoável entregar a coisa mais importante que tinha ao seu melhor amigo, aquele que nunca a tinha decepcionado.
E, desde aquele dia, eles tinham transado algumas vezes, depois de saídas em pubs com os amigos. Mas, no dia anterior em específico, enquanto os dois estavam numa sessão particularmente quente de beijos e escorregou a mão pálida e gelada para dentro da camisa dele, acariciando sua barriga, ele a impediu, segurando sua mão exploradora com a dele, de maneira firme.
- Não – ele ofegara em seu ouvido, para fazer sua voz ser escutada acima do som da música ao vivo. – Eu sei aonde isso vai levar. Vamos fazer sexo hoje à noite e fingir que nada aconteceu amanhã de manhã. Não quero isso. Eu quero fazer isso direito dessa vez, .
- Ahn? – a mulher resmungou, incapaz de compreender o que ele queria dizer.
- Quero te levar para um encontro. Dois, talvez. E, depois, quando fizermos sexo, quero que você esteja sóbria, olhando no fundo dos meus olhos, me mostrando que você não quer apenas transar, mas que você quer fazer isso comigo.
franziu o cenho, enquanto as palavras do amigo começaram a repercutir em sua mente. Um encontro? Como em namorados? Namorar Theo?
Ela só se lembrava de ter empurrado Theo para o lado e saído do Pub, caminhando sozinha em direção à sua casa, enquanto considerava o quão absurda era aquela história.
E, agora, ela estava encurralada entre o corpo do amigo e uma mesa.
- Pensou na minha proposta? – ele sussurrou, no pé de seu ouvido.
- Ahn... Theo, olha... – gentilmente empurrou o amigo. – Eu gosto de você. Eu gosto muito de você. Por que você quer estragar isso com um relacionamento? Agora, nós somos amigos. E se quisermos parar com – lançou um olhar receoso para a escada, certificando-se de que Robbie não estava por perto - o sexo e os beijos, okay, podemos parar e continuar amigos. Mas quando nós virarmos “algo a mais”... Tudo vai ficar tão mais complicado. E, considerando as chances, a maior probabilidade é que isso acabe dentro de um ano, com nós dois nos odiando.
A expressão de Theo mudou de uma de expectativa para uma irritada.
- É tudo culpa dele, não é? Aquele tal de Dougie? – sentiu a penas ficar mais fraca só de ouvir aquele nome, mas manteve a compostura e uma expressão neutra. – Até quando você vai deixar esse cara controlar a sua vida, ? Ele foi um babaca! Nem todos os homens são assim. Eu não sou assim, você sabe disso.
Quando os dois se olharam, Theo se aproximou um pouco mais.
estava confusa. A mera menção do nome de Dougie Poynter ainda era capaz de revirar sua mente e trazer de volta toda a mágoa e raiva que ela demorou anos para enterrar, mas o discurso de Theo era tão... Crível.
E, se fosse para dar uma chance para alguém, se fosse para entregar seu coração na mão de outra pessoa, então, fazia completo sentido que ela o entregasse para seu melhor amigo.
Ele sempre estivera lá para ela. Entrou em briga com rapazes para defendê-la de suas mãos bêbadas e ousadas, comprava-lhe chocolates quando ela estava mal humorada e aparecia na sua casa quando ela precisava de um ombro amigo para chorar, sempre que um de seus muitos relacionamentos terminava.
- Pelo menos, diz que vai pensar a respeito... – ele sussurrou, lentamente, enquanto inclinava-se mais, os lábios roçando nos lábios da amiga.
- Eu... vou... – fechou os olhos e os lábios deles se encontraram.
Theo aprofundou o beijo e levantou pela cintura, sentando-a na mesa e encaixando-se entre suas pernas. Ela deixou que seus dedos finos e longos brincassem com algumas mechas dos cabelos dele, enquanto sentia sua língua dançando no mesmo ritmo que a dele.
Nesse momento, a campainha da porta soou, reverberando por toda a casa.
- Theo... – ela murmurou, conseguindo desvencilhar-se do beijo brevemente – Sua campainha...
Ele capturou novamente seus lábios e grunhiu.
- Deixa tocar.
Mas, ao invés do som da campainha, o que ouviu-se em seguida foi o som de um punho batendo contra a porta de madeira:
- ? – uma voz conhecida vinha do outro lado da porta – , VOCÊ ESTÁ AÍ?
Imediatamente, se desvencilhou de Theo, com os olhos arregalados.
- É o Greyson! – disse, surpresa e apreensiva com a presença inesperada do irmão. – Preciso ver o que ele quer, Theo.
Escorregou para fora da mesa e ela e o amigo abriram a porta; seu irmão caçula, Greyson, estava parado, com os cabelos escuros e olhos negros destacando-se contra a palidez de sua pele.
Ele estava ofegante e parecia prestes a ter um ataque de pânico; assim que seus olhos recaíram sobre a irmã, ele disse:
- É o pai. Estão levando ele.

“And the tears come streaming down your face
When you lose something you can't replace
When you love someone but it goes to waste
could it be worse
?”

Era pouco mais de dez horas da noite quando Dougie ouviu o som da campainha. Devolveu Paz dentro do viveiro e saiu do seu quarto, fechando a porta às suas costas, porque tinha deixado expresso que daria meia-volta e iria embora se aquela “coisa” chegasse a menos de dez metros de distância dela.
Quando Dougie abriu a porta, encontrou a amiga com uma expressão cansada e mal humorada, abraçada a uma pasta plástica transparente. Dentro, havia milhares de papéis que ele sabia se referirem a centros de reabilitação.
era a única que sabia de seus planos de se internar para um tratamento. Não se sentia confortável discutindo o assunto, por isso resolvera apenas contar para seus amigos e familiares quando tudo já estivesse decidido.
E, quando se falava em discrição, era definitivamente a pessoa a ser chamada. Ele sabia que ela tinha ficado além do seu horário nas últimas semanas pesquisando lugares, comparando preços e eficiência profissional, e usado seu horário de almoço para se esconder na sala de reunião com um prato de salada, fazendo ligações secretas.
Mesmo quando Tom ameaçou despedi-la, se ela não lhe contasse o que estava tramando, ela se recusou a dizer. Apenas gargalhou e disse algo como “me mande embora, eu te desafio”.
Dougie jamais seria capaz de expressar toda a gratidão que ele sentia por aquela beldade.
- Acho que eu sei o melhor lugar – ela disse, entrando no apartamento sem aguardar um convite, como era típico dela. – Pesquisei todos os centros mais próximos, mas esse é o melhor, sem dúvidas. Os profissionais são excelentes, fiz uma checagem pelo nome e todos são formados em excelentes faculdades. Dois ou três até com honras. A área comum é ampla e acho que se parece mais com um spa, pela infraestrutura, do que com um centro de reabilitação, o que eu acho que pode ajudar bastante...
Ágil e direta, sentou-se no chão da sala e abriu a pasta, espalhando os papéis sobre a mesa de centro. Relutante, Dougie ocupou um lugar ao seu lado.
Seus olhos claros analisavam os papéis à sua frente, diversas fotos de pessoas felizes abraçadas ou de parques verdes, piscinas, papéis com diversas palavras impressas...
Ele estava aterrorizado.
Diversas vezes, desde que admitira para que precisava de ajuda, ele pensou em mudar de ideia, em dizer para ela que tinha reconsiderado, que estava melhor... mas, então, ele sonharia com , sentiria o perfume dela na rua ou perseguiria uma garota de cabelos ruivos por quarteirões, até perceber que estava apenas sendo paranoico novamente.
E como ele poderia viver nesse mundo, em que tudo gira em torno de uma garota que ele nem sabia mais onde estava?
Com isso em mente, Dougie respirou fundo e esforçou-se para prestar atenção nas palavras de , que puxava papéis e fotos para mais perto, explicando sobre cada instituição.

“Lights will guide you home
And ignite your bones
And I will try to fix you”

e Greyson corriam num ritmo alucinante pelo que pareciam ser intermináveis minutos; o peito de parecia apertado, seu coração batia num ritmo acelerado, ela sentia uma dor pungente logo abaixo da costela, mas não conseguia parar. Não podia parar.
As poucas quadras que separavam a casa de Theo da sua foram superadas com rapidez por ambos, mas de pouco lhe adiantou ver a silhueta conhecida de sua vizinhança, pois destacando-se dentre os carros estacionados haviam duas viaturas da polícia irlandesa.
Dois policiais devidamente trajados encontravam-se do lado de fora, casualmente recostados contra o automóvel como se estivessem aproveitando um dia normal, e não afastando um homem de sua esposa e filhos de forma tão cruel.
“Deve ser um mal entendido”, disse para si mesma, em pensamentos, enquanto ela e Greyson deslizavam sobre a grama ainda um pouco úmida do jardim da frente da casa simples em que moravam.
Os advogados falaram que se eles fizessem exatamente como tinham planejado, Charles jamais precisaria ir para a cadeia. Eles dariam um jeito.
A porta de entrada da casa estava aberta e nenhum dos policiais pareceu se importar com o fato de que duas pessoas estavam adentrando a residência, provavelmente por já saberem de quem se tratavam.
O sol entrava pelas janelas entreabertas, iluminando a sala de estar, mas tudo parecia mais escuro e silencioso. ponderou berrar pelo seu pai ou por sua mãe, mas estava sem fôlego e as lágrimas chegaram aos seus olhos, fechando sua garganta.
Greyson, que tinha apenas quinze anos, parecia aterrorizado e confuso com tudo aquilo e sentiu-se envergonhada, quando as lágrimas desceram pelas bochechas; ela deveria ser forte por ele. Ela era a mais velha.
O som de passos sobre suas cabeças indicou que as pessoas que ocupavam a casa estavam no segundo andar. Os irmãos se olharam e, embora não tivessem pronunciado uma única palavra, começaram a caminhar juntos em direção à escada.
estava completamente trêmula quando pisou no último degrau e soluçou, fechando os olhos, quando percebeu a presença de mais dois policiais parados, um de cada lado da porta que dava acesso ao quarto dos seus pais.
Os dois caminharam lentamente, quase como se temessem que os policiais não permitissem que se aproximassem, mas, embora os oficiais os olhassem com curiosidade, não obstaram sua entrada.
Assim que pisou no quarto, identificou Gwenneth sentada numa poltrona no canto, os longos cabelos soltos como cascatas e o belo rosto escondido nas mãos; seu corpo tremia, com soluços e fungadas.
Charles , por outro lado, era a calma em pessoa. Tinha uma mala de viagem grande aberta sobre a cama de casal bem arrumada e, metodicamente, posicionava camisetas, calças e blusas de frio dentro dela.
Mas tudo isso parou quando ele ergueu os olhos de sua atividade para encarar as duas silhuetas que adentraram o quarto; seus lábios se tornaram uma linha tênue e ele apenas olhou para os filhos, sem dizer nada.
- Pai...? – a voz de não era mais do que um sussurro assustado – O que está acontecendo aqui?
- Tenho que ir, – ele disse, abaixando os olhos e voltando a colocar as roupas dentro da mala – Aparentemente, o presidente da Irlanda finalmente acolheu o pedido de extradição feito pelo Reino Unido.
As lágrimas desciam pelo rosto de , mas ela mal as percebia. Sem sequer notar o que fazia, a mulher atravessou a curta distância entre ela e seu pai, contornando a cama, e o abraçou.
- Isso é só um pesadelo... – ela sussurrou, fechando os olhos e abraçando o pai com força.
“Vou acordar agora”.
Mas quando ela abriu os olhos, ainda estava com os braços em volta do corpo firme de seu pai, sentindo as mãos dele acariciando levemente suas costas, sentindo o cheiro de seu perfume marcante e tendo a visão de sua mãe, que finalmente erguera o rosto das mãos para observar a cena, enquanto uma torrente incontrolável de lágrimas descia dos lindos olhos castanhos.
- Vou dar um jeito nisso, eu prometo – ele murmurou, afastando-se apenas o suficiente para olhar no fundo dos olhos da filha.
- Você já disse isso – Greyson murmurou, chamando a atenção para ele; ele ainda estava parado a apenas alguns passos da porta do quarto, com uma expressão ao mesmo tempo desolada e acusadora – Disse que daria um jeito. Eles estão te levando para a prisão, pai! Como é que isso é “dar um jeito nas coisas”?
Os policiais espiaram dentro do quarto, para se certificar de que tudo estava bem, e depois voltaram a olhar para o corredor, impassíveis.
- Grey, sei que tudo parece confuso agora – Charlie disse, relutantemente afastando-se de e voltando a arrumar sua mala. – Mas eu realmente vou dar um jeito nisso. Vamos achar uma saída. Eu sei que vamos.
O rapaz abriu a boca e parecia pronto para retrucar, mas algo o fez mudar de ideia. Ao invés, caminhou a passos duros até o canto do quarto onde Gwen estava sentada e sentou no chão, ao seu lado, apoiando o rosto no joelho.
limpou uma lágrima com o próprio dedão, enquanto observava como aquela cena era devastadora. Seu pai estava sendo levado para uma prisão na Inglaterra e ele tinha que ser forte, porque as outras três pessoas presenciando a cena estavam aos pedaços.
Pigarreando, endireitou sua postura e caminhou até o armário, que já estava com as portas escancaradas, e as gavetas de roupas do seu pai abertas. Deixou seus dedos finos tocarem algumas delas, pensativa. Lembrava-se de momentos especiais com cada uma delas.
A camiseta verde com detalhes em branco ele usara na sua festa de dezesseis anos. A polo azul escura fora a escolhida para a primeira apresentação de violão de Greyson. Também tinha a camiseta com guizos natalinos, que ele sempre usava durante a ceia.
Engolindo em seco, pegou as três camisetas e caminhou novamente até a cama. Ocupou um lugar ao lado do pai e dobrou as camisetas de forma que elas ocupassem o menor espaço possível dentro da mala.
- Leve essas – ela disse, tentando parecer mais madura e menos abalada. – Gosto delas. Ficam bem em você.
Charles observou a filha com os olhos arregalados, a princípio, mas então sua expressão se suavizou, numa gratidão silenciosa pela atitude da filha. Pegou as camisas e encaixou-as dentro da mala, sem pestanejar.
- Espero não precisar usar essa por lá – disse, indicando a de guizos.
sorriu, mas o riso não alcançou os olhos.
Vasculhou o quarto com os olhos novamente, e parou sobre o criado-mudo, do lado da cama. Um porta retrato simples com uma foto da família na casa antiga, em Essex.
Ela esticou a mão e pegou a foto. Observou-a por alguns instantes, enquanto seu pai continuava a fazer sua mala.
- Você deveria levar isso, também – ela murmurou, estendendo-lhe o porta-retrato. – Para que você não se esqueça de nós.
Charles deu um sorriso triste.
- Como se isso fosse possível, – respondeu, balançando a cabeça; no entanto, virou o porta retrato ao contrário e abriu-o, tirando a foto do interior e guardando-a no bolso de seu casaco.
continuou a ajuda-lo, dobrando roupas e, depois, encaixando-as dentro do interior cada vez mais repleto de roupas, calçados e roupas íntimas. Ás vezes, durante aquele processo, tentava fingir que estavam arrumando a mala para uma viagem de lazer ou a negócios, mas nunca conseguiu viver nesse mundo da fantasia por mais do que alguns segundos.
- Senhor , sinto muito, mas não podemos mais esperar – um dos policiais se pronunciou, sua voz reverberando no interior do quarto – A viatura precisa sair imediatamente.
- Está certo – Charles pigarreou, fechando a mala com um clique. – Já estou pronto. Se eu pudesse apenas me despedir da minha família...
O policial observou-o com uma expressão dura e, por um instante, temeu que ele fosse recusar o pedido, mas, então, o homem suspirou.
- Patrick, leve a mala do Senhor para a viatura. Eu aguardo a despedida.
O outro oficial entrou no quarto, silencioso e obediente; pegou a alça da mala com uma das mãos e ergueu-a, saindo em seguida, a passos firmes.
O policial que estava encarregado de esperar por Charles recuou alguns passos e parou na frente da porta, de costas para a família. entendeu que aquilo era o máximo de privacidade que uma pessoa condenada a ir à prisão poderia usufruir.
Charles suspirou e caminhou até o canto do quarto em que estavam Gwen e Greyson. Primeiro, ajoelhou-se em frente à esposa, que apenas o observou com uma expressão infeliz.
- Eu te amo, Gwen – os lábios dela tremeram, mas ele manteve uma expressão serena, embora seu sofrimento transbordasse nos olhos – E vou encontrar um jeito de voltar para você.
A mulher limpou uma lágrima com a mão e concordou com um aceno trêmulo de cabeça, incapaz de conjurar qualquer frase naquele momento. Quando ela finalmente abriu a boca, sua voz saiu quebradiça:
- Eu te amo também – murmurou de volta.
Os dois se beijaram. já vira seus pais se beijarem diversas vezes durante a sua vida, obviamente, mas nunca assistira um beijo assim: amoroso, doloroso e desesperado. Por algum motivo, ela sentiu que aquilo exigia alguma privacidade e desviou os olhos para os próprios sapatos.
Imaginou que os soldados e suas amantes se beijavam de forma parecida, na véspera da partida daqueles para a guerra.
Quando o beijo finalmente terminou, o casal ficou algum tempo de olhos fechados, com as testas encostadas uma na outra. Depois de alguns breves instantes assim, Charles desencostou o rosto do da esposa, soltou suas mãos e levantou-se, virando-se para a filha.
tentou sorrir, mas não conseguiu. Os dois se abraçaram novamente, com força, porque sabiam que não poderiam repetir aquele ato por um bom tempo, e ele acariciou os longos cabelos da filha com os dedos.
- Vou sentir sua falta, querida – ele disse, sua voz suave. – Tome conta de tudo, enquanto eu estiver fora, está bem? – eles se afastaram suavemente e concordou com um aceno discreto de cabeça – E mais uma coisa: não esqueça de deixar seu talento brilhar. Você o tem escondido por tempo demais.
ensaiou um novo sorriso, mas o peso das últimas palavras do pai fizeram com que fosse possível efetivamente fazê-lo. Por isso, apenas concordou com um aceno relutante de cabeça e fungou, tentando lutar contra as lágrimas presas sob seus olhos.
- Tudo bem. Eu vou tentar – disse, referindo-se a tudo que fora dito pelo pai em tão curto tempo – Eu te amo, pai.
- Eu te amo também, querida – ele disse, apertando de leve sua bochecha e dando um beijo em sua testa.
Depois, girou sobre os calcanhares para encarar Greyson sentado no chão, ainda com a testa apoiada nos joelhos e parecendo completamente alheio ao cenário a sua volta.
- Grey – a voz grave de Charles fez-se ouvir; o garoto relutou, mas acabou erguendo o rosto para encarar o pai. O mais velho não disse nada, mas nem foi preciso, ainda que parecendo contrariado, o adolescente colocou-se de pé e caminhou até o homem – Sei que você está chateado, filho. Eu compreendo. E eu sinto muito que vocês tenham que passar por isso por minha causa... eu amo tanto vocês...
- Não diga isso – Greyson resmungou, por entre os dentes, lançando um olhar duro na direção do pai. – Você não tem o direito de dizer que ama a gente quando está sendo levado para outro país para pagar por um crime, pai.
A expressão de Charles endureceu instantaneamente, mas ele pareceu conseguir superá-la rapidamente. Colocou as duas mãos nos ombros dos filhos e olhou no fundo dos olhos castanhos dele.
- Um dia, você vai entender – ele disse.
Greyson sustentou o olhar do pai por alguns instantes, e depois desviou sua atenção para os próprios pés.
- É melhor você ir, pai – disse, num tom de voz sério. – Os policiais estão te esperando – ele pronunciou essa última frase com um tom monótono, mas a alfinetada foi sentida por todos no recinto.
Charles ficou parado ali, mais alguns instantes.
- Posso te dar um abraço? – pediu para o filho.
Greyson continuou olhando para o chão, mas deu de ombros. O pai deu um passo na direção do adolescente e envolveu-o em seus braços, muito embora Grey se mantivesse rígido e não tivesse retribuído ao abraço.
- Eu amo você, meu filho – disse, num sussurro, ao ouvido do rapaz. – Procure não dar muito trabalho para sua mãe e sua irmã.
Greyson não respondeu nada e, logo em seguida, o policial informou que eles teriam que partir. Charles caminhou até o homem e ergueu os pulsos; o policial prendeu-os com a algema e segurou firmemente a curta corrente entre as pulseiras metálicas que continham o homem.
Charles lançou um último olhar para a família, mas antes que qualquer palavra pudesse ser dita ou qualquer último ato de adeus executado, o policial começou a caminhar para fora do quarto, a passos firmes, puxando-o pelo instrumento metálico em suas mãos.
quis correr atrás do pai, mas suas pernas não pareciam capazes de sequer caminhar; estavam bambas e pouco firmes. As lágrimas que tentara tão corajosamente segurar durante todo aquele tempo finalmente escorreram pelo seu rosto numa torrente interminável.
Conseguiu ensaiar alguns passos na direção da janela do quarto, que já estava parcialmente ocupada pela figura esguia de Gwen . Ficou ao lado da mãe, com as duas mãos na janela fechada, observando seu pai caminhando altivamente atrás do policial na direção das viaturas.
Algumas pessoas estavam paradas em volta da casa, curiosas, observando a cena com olhos arregalados e trocando sussurros entre si. Alguns vizinhos espiavam das janelas abertamente, ou de forma discreta, por entre frestas das cortinas.
Mas, de uma forma ou de outra, todos estavam dispostos a ocupar um lugar e aproveitar o espetáculo de uma família sendo destruída. De uma reputação até pouco tempo irrepreensível encolher-se para caber na parte de trás de uma viatura e ser levada dentro de um carro para além da extensa faixa de oceano que separava a Irlanda da Inglaterra.
Pouco tempo depois que a viatura sumiu de vista, desaparecendo no horizonte, as pessoas lançaram alguns olhares especuladores na direção da residência dos e voltaram aos seus afazeres; num momento, a rua estava cheia de pessoas. No momento seguinte, estava vazia.
As únicas coisas que permaneceram imutáveis foram as lágrimas silenciosas partilhadas por filha e esposa pelo súbito afastamento de um homem de família.

“And high up above or down below
When you're too in love to let it go
But if you never try you'll never know
Just what you're worth”

Dougie estava sentado no sofá de seu apartamento, ansioso; quase todos já tinham chegado, mas ainda esperava por sua mãe e sua irmã, Jazzie. Embora tenha convidado seus amigos, ele era indubitavelmente a pessoa mais silenciosa na reunião.
- Por que estamos aqui, mesmo? – perguntou Danny, sentando-se ao seu lado com uma garrafa de cerveja na mão.
Dougie ensaiou um sorriso, tentando esconder seu nervosismo.
- Tenho um anúncio a fazer. Mas quero esperar todo mundo chegar – adiantou-se, antes que o vocalista começasse a pressioná-lo por maiores detalhes.
e Harry estavam de mãos dadas, conversando com Gio e Tom, enquanto Abigail andava pelo apartamento segurando Paz com carinho, como se ele fosse um bebê. fazia questão de manter a maior distância possível entre ela e a garotinha, o que parecia deixar Gail magoada.
- Mas ele é bonzinho, tia ! – Abigail insistia, perseguindo a mulher pelos cantos. – Pega para você ver!
- ABIGAIL, SAI DE PERTO DE MIM! – berrou , segurando a garota pela testa e empurrando-a para trás, de forma a manter um braço de distância entre elas.
A expressão de Abigail tornou-se contrariada e, num gesto de revolta, ergueu Paz de forma que a cabeça escamosa do réptil tocasse o antebraço da mulher, que soltou um berro agoniado.
- HARRY JUDD, FAÇA ALGUMA COISA A RESPEITO DESSA MONSTRENGA NESSE INSTANTE! – ordenou , enquanto limpava o antebraço no tecido da própria blusa, de forma frenética.
Foi nesse momento que a campainha tocou e Dougie imediatamente pulou para os próprios pés, atravessando a sala com agilidade e abrindo a porta para recepcionar as duas convidadas faltantes, mas inegavelmente essenciais.
- Mamãe Ganso! – Dougie exclamou, genuinamente contente, puxando a mulher para um abraço; quando finalmente a soltou, voltou sua atenção para sua irmã.
Fazia um bom tempo que Jazzie não era mais a garotinha inocente e fácil de enganar que ele torturava em Essex; na verdade, tudo nela parecia berrar que agora era uma mulher forte, determinada e independente.
- Jazzie! – ele disse, abrindo os braços.
A irmã sorriu e encaixou-se neles com facilidade.
- Estava com saudades, Dougster! – ela disse, afastando-se e apertando sua bochecha – Você parece muito pálido e magro! Está comendo direito?
- Com licença – Sam Poynter pigarreou, chamando a atenção dos filhos – Ser neurótica a respeito da aparência do meu filho é meu dever, querida – com uma batida de quadril, afastou Jazzie de Dougie, tomando seu lugar em frente ao homem. – Mas é bem verdade. Está se alimentando direito? Qual foi a última vez que você deu uma caminhadinha no sol, hein? Está dormindo direito?
Dougie sorriu, mas sentiu o coração afundar ao perceber que as respostas sinceras para todas as três perguntas eram negativas.
- Vamos entrar, a pizza já chegou – Dougie desconversou, gesticulando na direção do interior do apartamento.
As duas sorriram e o fizeram. Assim que Jazzie colocou os olhos em Danny, soltou um gritinho estridente e correu na direção do homem, prendendo-o num abraço apertado.
- Danny! Quanto tempo! – ela disse. – Gostei do seu cabelo novo!
Danny sorriu e cumprimentou a irmã do amigo. Logo em seguida, Jazzie estava cercada por Tom, Gio, Harry e . Ela cumprimentou o primeiro casal com um abraço mútuo enfático e depois virou-se para a professora, com os olhos brilhando, curiosos.
- Jazz, essa é , minha namorada – Harry apresentou as duas, com um sorriso. – , essa é a irmã caçula do Dougie.
As duas sorriram e trocaram um cumprimento formal. Depois, Jazzie deu um abraço apertado no baterista.
- Achei que você estivesse namorando uma loira que conheceu num bar... – a mulher franziu o cenho, mas depois voltou os olhos expressivos na direção de . – Mas a é muito mais bonita.
Um gritinho estridente fez-se ouvir, e Abigail surgiu no meio das pessoas, com Paz nas mãos.
- E você deve ser a famosa Abigail! – Jazzie apoiou as mãos nos joelhos e observou a garotinha ruiva, com um sorriso largo. – Uau, você parece uma princesa! E esse e o novo lagarto do meu irmão, aposto.
- É. A Paz – Abigail sorriu, as bochechas coradas de satisfação por ter sido comparada a uma princesa. – Você quer pegar ela no colo um pouquinho? Ela é boazinha, não faz nada de mal. Não dê ouvidos a tia – a garotinha acrescentou, lançando um olhar carrancudo na direção da executiva que, com a ajuda de Sam Poynter, colocava os pratos sobre a mesa, assim como as caixas de pizza.
O cheiro maravilhoso que vinha das caixas invadiu a sala e, imediatamente, todos os convidados caminharam em direção à mesa, ocupando seus lugares.
Dougie ficou parando, engolindo em seco, enquanto sentia o pânico paralisar o seu corpo. Agora seria o momento.
Caminhou a passos lentos na direção da única cadeira vazia, na ponta da mesa, e sentiu todos os olhos sobre ele. Apesar da fome, todos aguardavam ansiosamente o motivo pelo qual o rapaz os convocara para seu apartamento.
- Então, eu... – ele engasgou com as palavras e ficou em silêncio; seus olhos encontraram os de e, com um aceno discreto de cabeça, ela o incentivou a continuar; Dougie pigarreou – Vocês devem estar se perguntando por que chamei vocês aqui... E... ahn... Eu não sei muito bem como... eu... – ele fechou os olhos, frustrado, e concentrou-se o suficiente para soltar, de uma só vez. – EU VOU PARA UM CENTRO DE REABILITAÇÃO.
Por um longo instante, houve o mais completo silêncio; todos olhavam para ele com os olhos arregalados e as bocas entreabertas. Menos Abigail, que estava com o cenho franzido, numa expressão confusa.
- O que é um centro de reabilitação? – ela perguntou, sendo a primeira a cortar o silêncio.
Harry e se entreolharam, incertos de como responder a pergunta. resolveu assumir o comando.
- Bem, sabe como as pessoas vão ao hospital, quando se sentem doentes? – Abigail concordou com um aceno de cabeça. – Então... os centros de reabilitação servem para pessoas que tem problemas internos. Tipo tristeza e... outras coisas.
- Ah... – Abigail concordou, pensativa. – Você está triste, tio Dougie?
Dougie sentiu o peso do olhar de todos sobre ele; conseguia ver na expressão de sua mãe que ela estava preocupada que ele estivesse encarando problemas com drogas, enquanto os demais encaravam-no com uma perplexa curiosidade.
- Um pouco, é – ele respondeu, desconfortável.
- E eles têm palhaços lá? Ou vários episódios de Lazy Town para você assistir? – ela perguntou, curiosa.
- Eu realmente espero que não – Dougie respondeu, sentindo seu estômago revirando.
Era simplesmente inadequado ter uma discussão com uma garota de seis anos sobre as coisas que existiam num centro de reabilitação e o motivo porque as pessoas iam para eles.
De alguma forma, pareceu compreender isso, ou conseguiu ler o desconforto em seu rosto, porque no momento seguinte, ela disse para Abigail que era melhor devolver Paz para o seu viveiro e as duas saíram juntas da sala.
Assim que ouviram o som de uma porta se fechando, os questionamentos começaram:
- São drogas? – perguntou Sam.
- Você planejava nos contar isso quando, exatamente? – demandou Tom.
- É por causa da ? – Harry perguntou, olhando fundo nos olhos de Dougie.
- Por que você tomou essa decisão? – Jazzie questionou, intrigada.
Dougie sentiu como se sua cabeça fosse explodir a qualquer segundo.
- Calma! – elevou sua voz, e todos se calaram. – Calma – repetiu, mais calmo e num tom de voz mais controlado. – Um de cada vez. Não, mãe, não são drogas. Tom: eu falei hoje, não falei? E não se preocupe, não atrapalharei a nossa turnê do “Above the Noise”, pretendo sair de lá antes do início dela. Harry, não é bem por causa dela, é mais por mim. Preciso de um tempo. Jazzie, ahn... pergunta difícil. Eu acho que o Harry me ajudou, quando conversamos sobre a , aquele dia... mas eu também percebi sozinho – franziu o cenho. – E tem me ajudado com os detalhes como selecionar a instituição e todo o mais.
- AHA! – Tom bateu com a mão na mesa, fazendo com que os presentes se sobressaltassem – Era por isso que você estava toda misteriosa! – apontou para a executiva, que apenas revirou os olhos. - ESPERA! Por que a sabia disso, e nós não?
- Ah, já vai começar... - murmurou, baixinho, contrariada. Dougie deu de ombros.
- Sei lá. Porque eu quis.
- Mas isso é um ultraje! – reclamou Tom, mas Gio rapidamente assumiu a tarefa de acalmar o namorado.
- Tá certo... – disse Danny, chamando a atenção da mesa para ele. – E quando é que você parte?
Em seguida, todos os olhos se voltaram para Dougie, quase como se fossem a plateia de um jogo acirrado de tênis. Dougie engoliu em seco e sentiu as bochechas queimando.
- Bem... amanhã.

“Lights will guide you home
And ignite your bones
And I will try to fix you”


estava ajoelhada no chão, terminando de colocar todos os seus pertences dentro das caixas de papelão espalhadas pelo quarto. Era a quarta vez na sua vida que apreciava a sensação de guardar tudo o que possuía em caixas e efetivamente quantificar quantas caixas sua vida ocupava. Eram vinte e duas, por sinal.
De qualquer forma, ela sabia que o que mais valia eram as memórias que construíra naquela casa, e não suas roupas, sapatos ou livros.
Suspirou olhando em volta. Estava tudo praticamente pronto; as portas de seu armário estavam abertas e os cabides estavam vazios, assim como as gavetas. Suas estantes também estavam vazias.
Resolveu vasculhar embaixo da cama e sorriu ao encontrar uma caixa de sapato; fazia tempo que ela não mexia nela, mas recordava-se que costumava guardar pequenos pedaços de recordações lá dentro.
Puxou-a de seu esconderijo e colocou-a sobre o seu colo. Com a palma da mão, limpou a poeira e, depois de encarar a cor roxa da caixa, abriu-a. Seus olhos brilharam quando tiveram o primeiro relance do seu conteúdo.
Fotos com amigos. Tinha um conjunto de quatro fotos que tirara com Theo numa máquina, nas três primeiras faziam caretas e, na última, ela estava dando um beijo em sua bochecha e ele sorria.
Tinha também os primeiros bilhetes que ela trocara com Lea e Rachel.
Continuou vasculhando o interior até que ela encontrou uma foto em específico que estava há muito esquecida: ela e Dougie sorriam um para o outro. Ela estava sentada num balanço e ele, em pé, recostado contra o suporte metálico com sua postura relaxada.
Ela observou as fotos por alguns instantes e, num rompante de ódio, teve vontade de rasgá-la. Mas assim que posicionou as mãos sobre a foto, perdeu a coragem e voltou a encará-la.
Por que Dougie Poynter ainda tinha tanto poder sobre ela?
“Aquele bastardo miserável...”
Sua onda de pensamentos raivosos foi interrompida pelo som de alguém batendo contra a sua porta, muito embora ela estivesse aberta. Rapidamente, devolveu a foto para dentro da caixa de sapatos e fechou-a, erguendo os olhos para encontrar Theo recostado contra a batente da porta.
- Eu ia perguntar qual era a da placa de “venda-se” no seu jardim da frente – ele disse, os olhos varrendo o quarto repleto de caixas de papelão cheias. – Mas acho que já entendi.
deu um sorrisinho triste e levantou-se, cobrindo a curta distância entre ela e o amigo para dar-lhe um apertado abraço. Ele retribuiu, e ficaram assim por alguns instantes, ele inspirando o aroma doce dos cabelos dela, e ela sentindo o calor confortável de um corpo dele.
- Para onde vocês vão? – ele perguntou, afinal.
afastou-se dos braços do amigo e lançou-lhe um olhar ao mesmo tempo envergonhado e temeroso.
- Vamos voltar para casa – ela respondeu.
- Para a Inglaterra? – ele sibilou, perplexo, segurando-a pelos braços. – E quando é que você ia me contar, ?!
desviou os olhos, envergonhada, e sentiu suas bochechas pinicando.
- Desculpe. Eu sei que deveria te contado, mas... é só que... é tanta coisa acontecendo ao mesmo... – ela sentiu os olhos marejando e calou-se, fungando; quando se sentiu um pouco mais sobre controle, prosseguiu. – Todos os dias desde que... ele foi levado... é como se eu acordasse de um pesadelo para outro... Ás vezes, eu estou tão desnorteada, que preciso de um tempo para adequar o cenário da minha vida antes de levantar da cama.
A expressão dura de Theo suavizou-se ao reconhecer a dor e o sofrimento nos olhos da amiga.
- Já terminou de empacotar suas coisas? – ele perguntou, num tom de voz mais brando.
concordou com um aceno de cabeça.
- Muito bom. Então, vamos – ele pegou uma das mãos dela e saiu puxando-a pelos corredores em direção à escada que os levaria à porta de entrada da casa.
- Theo! Espera! Onde nós estamos indo? – ela perguntou, confusa.
- Para um encontro! – ele respondeu, por cima dos ombros. – Você concordou, lembra? E nenhuma mudança vai me impedir de ter o encontro com você.
- Eu não concordei! – ela rebateu, embora ainda continuasse acompanhando os passos do rapaz.
- Eu falei que queria um encontro. Você disse que ia pensar e depois me beijou. É um sim tácito – ele esclareceu, assim que saíram pela porta em direção à noite fria de Dublin.
- Você me beijou! – ela exclamou, perplexa.
- E você não estava exatamente me repelindo com socos e chutes, estava? – ele olhou por cima dos ombros com as sobrancelhas erguidas e os olhos esverdeados brilharam sob a iluminação dos postes públicos. – Vamos, . Um encontro. O que custa?
Ela revirou os olhos, mas não disse nada. Ele sorriu e puxou-a para mais perto, passando seu braço pelos ombros dela. se aconchegou melhor contra o corpo do amigo.
- Para onde estamos indo? – perguntou, afinal.
Theodore deu um sorriso enigmático.
- É segredo – ele respondeu. – Seja paciente.
Eles passaram por um mercado e compraram uma garrafa de vinho e uma embalagem de taças de plástico descartáveis. Depois, continuaram caminhando por mais alguns minutos; apesar das perguntas insistentes de , Theo manteve-se em silêncio.
Foi só quando ela começou a ver o contorno do prédio do colégio deles é que ela compreendeu.
- Theo, não – ofegou, perplexa. – Invadir o colégio é crime, sabia?
- Ninguém vai saber! – ele respondeu, revirando os olhos. – Hoje é domingo! E é nosso primeiro encontro, quero que seja memorável.
- Ah, vai ser – concordou, desgostosa. – A semana em que dois membros da família foram presos.
Theo deu um risinho e puxou-a na direção das portas dos fundos, que ficava próxima das grandes lixeiras. Ela estava fechada por um cadeado grande e metálico.
- Assista e aprenda – ele piscou para a mulher e puxou um clipe do bolso da jaqueta de couro; desentortou-o até que ele virasse uma reta metálica e, com alguns movimentos de punho, o cadeado se abriu. Ele deu um sorriso presunçoso e segurou a porta aberta para .
abriu a boca para protestar, mas resolveu se calar e entrou. Ele a seguiu, fechando a porta às suas costas e guardando o cadeado no bolso.
- Para onde vamos agora, a sala do diretor para preencher alguma fantasia sexual bizarra? – ela perguntou, irônica.
Theo riu e pegou a mão dela novamente.
- Não, vem comigo – e, de novo, começou a guiá-la pelas escadas que ela conhecia tão bem. Quando finalmente subiram o último lance de escada, encontraram uma pequena porta metálica e vermelha estava fechada.
Theodore usou o mesmo truque que utilizara com o cadeado e a porta se destrancou com um clique. Ele a empurrou com a mão e os dois se depararam no teto do prédio; nunca estivera lá, mas ficou sem fôlego.
O telhado em si não tinha nada, era apenas cimentado com um parapeito que o contornava, como se fosse uma gigantesca sacada nada elegante, mas a vista era incrível. Ela olhava em volta, abobada, enquanto Theo já se apoiava num dos cantos do telhado e abria a garrafa de vinha, com duas taças descartáveis separadas.
caminhou até ele, os olhos ainda brilhando, fascinados.
- É incrível! – ofegou, apoiando os cotovelos no muro e deixando seus olhos varrerem a extensa vista. Ela conseguia ver Dublin em sua gloriosa luminosidade, que denunciava sua agitada vida noturna.
- Aproveite bem a vista. Agora que você está partindo, seria bom que você se recordasse precisamente do que está deixando para trás – ele disse, entregando-lhe uma taça cheia.
- Não foi uma escolha minha, Theo – disse, num ar triste – Com meu pai na cadeia e tudo mais, não dá para mantermos a casa sozinhos. Vamos nos mudar para perto dos pais da minha mãe.
Theo deu um gole no seu copo e imitou a posição de , também permitindo que seus olhos apreciassem a vista.
- Sabe... – ele murmurou, fazendo com que se concentrasse nele, enquanto bebericava o conteúdo do seu copo, muito embora ele continuasse observando as luzes da cidade – Eu sonhei com o dia que te levaria para sair. Acho que desde que nós tínhamos dezesseis anos de idade. E, nesses últimos tempos, fiquei me martirizando, dizendo que eu deveria ter insistido na gente mais. Que poderíamos estar juntos há tanto tempo, se eu tivesse sido mais corajoso e menos orgulhoso... – ele deu mais um longo gole e voltou os olhos na direção da amiga. – Mas, agora, eu estou até feliz que eu não tenha feito isso. Porque, do contrário, meu coração estaria ainda mais destruído do que ele está agora.
sentiu os olhos marejando e uma sensação morna e gostosa encher seu ser. Ela gostava de Theo. Percebia isso agora. Se fosse para passar o último dia dela com qualquer pessoa em toda a Irlanda, ele sempre seria sua escolha certa.
Mas aquela declaração também a deixou extremamente desconfortável.
- Você diz isso para todas as garotas que trás aqui? – perguntou, dando-lhe uma cotovelada brincalhona.
Theo deu um meio sorriso e encheu sua taça novamente.
- Você é a primeira garota que eu trago aqui – ele encolheu os ombros.
piscou os olhos, surpresa.
- Sério?
Theo riu e concordou com um aceno de cabeça.
- Aqui é o meu lugar favorito. Venho aqui quando preciso de um tempo do mundo, ou quando quero compor uma música... é o meu santuário. Mas eu queria compartilhar ele com você – ele sorriu e voltou a prestar atenção na cidade movimentada que se estendia além da vista. – Fiquei esperando você ligar, depois que ouvi sobre o seu pai. Queria te dar o seu espaço, sei que você precisa dele agora. Mas, amanhã, eu e os meninos vamos começar nossa turnê pela Irlanda e eu queria te ver antes disso.
entrelaçou seu braço com o dele e apoiou a cabeça no ombro de Theo.
- Fico feliz que você tenha vindo – suspirou. – E obrigada por compartilhar seu santuário comigo. Isso aqui é... – procurou pela palavra certa, mas nada parecia grandioso o suficiente. – Incrível.
Os dois ficaram em silêncio por alguns segundos, apreciando a companhia um dos outros e bebendo.
- Bom. É isso. Agora, nós vamos dançar – Theo decidiu, desencostando-se do parapeito e puxando com ele, que riu.
- Dançar o quê, se não tem música? – ela perguntou, dando mais um gole no seu copo, antes de colocá-lo no chão, encostado na mureta.
Theo ergueu as sobrancelhas e, deixando seu copo no chão, puxou-a pela cintura até que seus corpos se juntassem.
- Esqueceu que está se falando com o “Vocalista Revolução de 2010” do Prêmio Irlandês de Música? – sorriu, mas envolveu o pescoço dele com os braços e deitou a cabeça em seu peito.
Theo, por sua vez, começou a dançar, fazendo-a acompanhá-lo, enquanto cantava “Dancing in the Moonlight” com sua voz tipicamente rouca e suave. conseguia entender porque as fãs do “Twisted Poison” pareciam derreter só de olhar para ele no palco.
Ele a rodopiou quando chegou na parte do “it’s a super natural delight, everybody is dancing in the moonlight”, retornou aos braços dele rindo, e apesar de ele também ter um sorriso no rosto, não interrompeu a música.
Quando finalmente terminou, ele olhou para ela, com um sorriso presunçoso, e eles continuaram se movendo pelo telhado, embora não existisse mais música.
- Quando você vai embora? – ele perguntou, finalmente.
hesitou. Sabia que se falasse a verdade, o coração dele se partiria e não queria que ele ficasse mais chateado do que obviamente já estava, embora Theo fosse excelente em esconder seus sentimentos.
Mas achava que devia honestidade a ele. Afinal de contas, não fora ela, de todas as pessoas, que ele escolhera para compartilhar seu santuário?
No entanto, assim que ela abriu a boca, Theo a interrompeu:
- Quer saber? Não responda. Não quero saber. Vamos fingir que não será em breve. Aliás, vamos fingir que você não vai embora – ele disse, rodopiando ela e sorrindo, quando ela fez o mesmo.
se perdeu naqueles lindos olhos esverdeados, e só sentiu que estavam perigosamente próximos quando percebeu que estava presa entre o parapeito e o corpo dele.
Theo aproximou seu rosto do dela, mas ao invés de tocar seus lábios aos dela, ele desviou e aproximou-os de seu ouvido.
- Mas, se você quer saber a verdade, eu vou sentir muito a sua falta – ele disse, e seu tom de voz era carregado de uma tristeza conformada.
Quando ele se afastou da orelha dela, virou levemente a cabeça e os narizes deles se esbarraram. Ela deu um sorriso triste, que confirmava ser a recíproca verdadeira.
- Também vou sentir a sua falta – ela sussurrou.
E, se num instante eles eram amigos rodopiando no telhado da escola na qual estudaram, no instante seguinte, seus lábios se encontravam com desespero, emergência e angústia.
depositou todos os seus sentimentos naquele beijo. Não só o carinho e afeição que sentia por Theodore – muito embora, bem no fundo do seu ser, ela soubesse que não se comparava ao que ela sentira certa vez por certo outro rapaz -, mas também todos os seus temores em relação ao futuro incerto que se estendia a sua frente.
Theo pressionou um pouco mais seu corpo contra o dela, e a mulher ronronou contra seus lábios, satisfeita, enquanto o puxava pela nuca, intensificando ainda mais o beijo.
gostava dos beijos de Theo. Não só porque ele beijava extraordinariamente bem, mas porque era algo que ela conhecia. Ela se sentia confortável em seus braços, e seus beijos, apesar de exigentes, eram sempre carinhosos.
Foi naquele momento que ela percebeu que aquela era provavelmente a última noite que passariam juntos. Aqueles beijos seriam os últimos e ela nunca mais teria os braços de Theo para envolvê-la, nem seu ombro compreensivo quando os momentos difíceis chegassem, ou seu bom humor característico e suas piadas inconvenientes para alegrá-la.
Ela nem percebeu quando uma lágrima desceu por um de seus olhos, e não interrompeu o beijo por um instante sequer. Ela precisava aproveitar aquilo. E ela precisava dele aquela noite.
Mordiscou o lábio inferior de Theo, que soltou um grunhido satisfeito, e depois começou a beijar e mordiscar o pescoço dele. Theo inclinou a cabeça para trás, facilitando o acesso de e saboreando a sensação dos lábios dela em sua pele.
As mãos dele se tornaram ágeis, acariciando a apalpando todas as áreas que ele conhecia tão bem do corpo de , por causa dos anos de convivência e das experiências que partilhavam.
Depois de algum tempo, retomou os lábios delas nos seus e, colocando as mãos atrás das pernas da amiga, puxou-as, de forma que ela as entrelaçasse em torno de sua cintura.
Às cegas, ele caminhou pelo telhado, ainda beijando-a com ardor, até que encontraram as paredes do cubículo formado por quatro paredes simples, no qual estava a porta avermelhada que dava acesso ao interior do colégio.
ficou feliz que ele teve o cuidado de considerar que eles poderiam acabar caindo do telhado se continuassem naquela posição e naquele local em específico, porque sua mente já estava a quilômetros de distância da realidade naquele momento.
Os beijos e as carícias continuaram, cada vez mais ousados.
Eles se separam, ofegantes, e teve a impressão de que Theo queria dizer algo, mas ele mudou de ideia. Com carinho, ele puxou a camiseta da amiga para cima e ela o ajudou a se livrar do tecido, ficando apenas de sutiã.
Voltaram a se beijar, enquanto sentia seu torso parcialmente nu sendo acariciado pela brisa fria e as mãos quentes e experientes do amigo. Aos poucos, as peças de roupa foram se esvaindo.
Eles fizeram amor pela última vez ali, com o brilho da lua e das estrelas como testemunhas, e a cidade inteira aos seus pés.

“Tears stream down on your face
When you lose something you cannot replace
Tears stream down on your face
And I”

Danny estacionou o carro na frente do imponente edifício branco do The Priory, mas nenhuma das pessoas que estava dentro do carro fez menção de abrir as portas e sair.
Depois de diversas discussões na noite anterior, muito pouco havia sido resolvido, a não ser duas coisas: os meninos levariam Dougie, Abigail cuidaria de Paz e ninguém contaria porque ele estava indo para a reabilitação, deixando a especulação por conta da mídia.
- Então... – Danny tamborilou com os dedos no volante, hesitante. – Chegamos.
- É... – Dougie engoliu em seco.
Ele estava aterrorizado.
Harry estava sentado ao seu lado, no banco de trás, e pareceu ser capaz de ler o pânico em seu rosto; ele geralmente era capaz de fazê-lo.
- Hey – Harry murmurou, colocando uma mão em seu ombro. – Vai ficar tudo bem.
- É, cara – Tom disse, olhando para trás pelo vão entre o assento do motorista e do passageiro – São só algumas semanas e, olhando pelo lado bom, você vai ver que tem casos muito piores do que o seu.
- Isso mesmo! – concordou Danny, enfaticamente, também espiando Dougie – Quero dizer, você é só um cara apaixonado por uma mulher que você não vê a, o quê? Dez anos? Isso é completamente normal – Danny concluiu, embora o próprio tom de voz usado pelo vocalista denunciasse o contrário.
Os quatro ficaram em silêncio, apreensivos. Então, surpreendendo a todos – e até a ele mesmo -, Dougie escondeu o rosto nas mãos e começou a gargalhar.
- Ai, meu Deus – ele disse, entre gargalhadas. – Vocês são péssimos.
Os três o acompanharam, e eles ficaram por alguns instantes sentados, dentro do carro, liberando todo o nervosismo e a tensão na forma de longas e sonoras gargalhadas.
Assim que todos se acalmaram, Dougie se sentia um pouco mais leve. Abriu a porta do carro e empurrou-a.
- Vamos logo com isso – disse, escorregando para fora do veículo.
Os outros três o acompanharam e Danny abriu o porta-malas, tirando a mala de viagem grande que Dougie tinha preparado e entregando-a para o amigo.
- Está certo – Dougie disse, recebendo um abraço caloroso de Tom. – Acho que nos despedimos aqui.
Harry foi o último a dar um abraço no amigo.
- Se cuide – ele disse.
- Entre em contato sempre que precisar – acrescentou Tom, prestativo.
- Tente não ficar são demais – Danny lembrou-o. – Não combina com a nossa vibe.
Dougie riu, grato pelos amigos que a vida lhe tinha proporcionado.
- Podem deixar – ele disse, mas ficou ali parado por algum tempo, ainda incerto; então, suspirou, segurou com ainda mais força a alça de sua mala de viagem, começou a caminhar em direção ao prédio.
Quando o temor começou a se apossar dele, tratou de controlá-lo.
“Pare com isso, Dougie”, disse para si mesmo, em pensamentos, “Está na hora de acabar com essa loucura. A foi embora da sua vida e não vai mais voltar”.

“Tears stream down on your face
I promise you I will learn from my mistakes
Tears stream down on your face
And I”

acordou repentinamente. O livro que estava lendo durante o vôo estava caído em seu colo e ela olhou em volta, desnorteada.
Ao seu lado, sua mãe estava adormecida, a cabeça pendendo para o lado, numa posição claramente desconfortável. Do outro lado dela, Greyson estava com os fones de ouvido e os olhos fechados, recostado contra sua poltrona; no entanto, ela podia afirmar que o irmão não estava dormindo porque seus pés se agitavam e seus dedos titubeavam contra as coxas, no ritmo da música, que ela conseguia ouvir, baixinho, vindo dos fones.
Com um suspiro, pegou seu livro e o abriu, tentando encontrar onde parara sua leitura.
Um som parecido com o de um discreto beep fez-se ouvir e a voz do piloto do avião informou, num tom rígido e profissional:
- Boa noite. O trajeto foi tranquilo e estamos, atualmente, há três mil quilômetros de altitude. Já estamos em território britânico e, conforme o previsto, estaremos pousando a Aeroporto Heathrow em cerca de vinte minutos – ele disse. – A Ireland Airlines agradece a preferência e esperamos que opte por voar conosco novamente.

Capítulo betado por: Brunna



“Lights will guide you home
And ignite your bones
And I will try to fix you”
Coldplay – Fix You


FIM


N/A: SURPRESA! E... Olá pela última vez em Little Steps, minhas lindas leitoras!
Nem dá para acreditar que essa fanfic começou há dois anos. Puxa, percorremos um longo caminho juntas e eu não posso nem começar a agradecer por todo o carinho e apoio que recebi de vocês desde que enviei o primeiro capítulo de Little Steps até agora, que estou escrevendo a última nota, do último capítulo.
Vocês foram incríveis, leitoras maravilhosas. Obrigada a todas que comentaram e fizeram meu dia melhor ou, ainda que não tenham comentado, tenham me falado que gostaram dos capítulos pelo twitter, vocês não têm ideia de como um simples comentário me motivava a continuar escrevendo.
Obrigada pela paciência também. Sei que ás vezes demorei muito para mandar a atualização e, ainda assim, aqui estão vocês. Acompanharam até o final, torceram pelo casal Judd, se apaixonaram pela Gail e nunca deixaram de ser as leitoras incríveis que vocês são.
Hoje, finalmente terminando Little Steps, sinto-me feliz e triste. Feliz porque finalmente contei toda a história que eu queria contar (pelo menos, o primeiro quarto dela, né?), e triste porque é o fim de uma era.
Mas é uma despedida com gostinho de “até logo”.
Little Redemption começará a ser escrita em breve e, embora eu já tenha falado isso no grupo do facebook, estou começando a trabalhar numa história original para tentar publicação. Quando ela estiver mais trabalhada, entrarei em maiores detalhes mais tarde.
Falando no grupo do facebook, se você ainda não curte a página da Little Fate Saga no face, pode fazer isso e ficar por dentro do processo de desenvolvimento de Little Redemption – sempre posto trechos dos próximos capítulos e alguns spoilers por lá. É só clicar AQUI (www.facebook.com/LittleFateSaga caso o link dê errado).
E, por favor, sintam-se à vontade para me importunar no twitter (@giizwicker), adoro conversar com vocês! E também podem seguir o twitter da saga ( @LittleFateSaga).
Vou atualizar a minha lista de e-mails e retomar os e-mails avisando sobre as atualizações! Se você ainda não está cadastrada, deixe seu e-mail nos comentários – ou me mande por DM no twitter ou inbox no face – e eu te adiciono! ;)
Ah, por favor, não deixem de comentar e me dizer o que acharam do final de Little Steps, okay?
Agora, aos comentários da última atualização:
Flaviana: Aqui está uma atualização tripla! Espero que tenha gostado do final da saga!
Marcele: Obrigada! Espero que tenha gostado da surpresa! (:
May: HAHAHA Sim, a Gail voltou na função dela de atrapalhar tudo. HAHA Espero que tenha gostado do final da fanfic!
Cris Turner: HAHA Que bom que você gostou! Aqui está o restinho da fic! ;)
Carrie S.: Eu também ADORO o casal Fletcher, me divirto demais escrevendo as cenas deles! HAHA Eu acabei me atrapalhando e resolvi mandar tudo de uma vez só! Espero que tenha gostado da surpresa! (:
Bia Martins: HAHA Ai, que palavras doces! Espero que esses últimos capítulos tenham respondido pelo menos algumas das suas perguntas! Quero saber o que achou do fim, okay?
Luisa: E aí, descobriu onde está a Poynter? HAHAHA
Vitoria Marques: HAHA Então, você é doidinha que nem a Fletcher? Preocupante! HAHAHA Brincadeira! Que bom que você gostou da fanfic, querida! Aqui está o final dela! Espero que tenha gostado! (:
Clara Papisckys: Sério, admiro muito pessoas como você que leem Little Steps numa sentada! A fanfic é muito grande e eu fico muito contente que você tenha se interessado por ela! Opa, já que é Poynter, quero saber o que achou do Epílogo!
Pronto. Acabou.
Palavras não são suficientes para descrever o quão grata eu sou a cada uma das pessoas mencionadas acima, por acompanharem essa história e reservarem o tempo para me falar o que acharam da história e o que ela os fez sentir.
Também gostaria de agradecer a Dani Goldenberg, Ray, Bells, Leka, Elle e Ands que foram forçadas a ler trechos e mais trechos dessa fanfic até que eu ficasse satisfeita com o feedback delas, como leitoras.
Meninas, sem vocês, nada disso não seria possível.
Amo todos vocês e até a próxima.
Eternamente sua,
Gii Zwicker.

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