Coloquei um hoodie qualquer, logo ajeitando as luvas grossas em minhas mãos e calçando as botas pretas por cima do jeans rotineiro. Voltei-me para o espelho, observando a profundidade das olheiras que perduravam-se no contorno de minhas pupilas e a palidez predominante em minha pele. O que eu havia me tornado? Há dias sem ingerir algum alimento por inteiro, passando contínuas noites em claro, revirando-me em meus lençóis recitando minhas conhecidas injúrias. Desde o princípio, soube que não terminaria com um buquê de rosas vermelhas nas mãos. As linhas haviam sido moldadas com clareza. Talvez fosse um presságio de todas as relações que presenciei. Ou compartilhei. Não que as mãos que passearam por minhas curvas fossem tão macias ou seguras de si quanto as dele, quando sorrateiramente ele acariciava meu pescoço, fazendo o pequeno trajeto de minha jugular com seus lascivos lábios e logo eu recitava em sussurros meus mais temidos sonhos e inesquecíveis fracassos, terminando com um sorriso petulante da minha parte e aquelas famosas três palavras. Um fio de lágrima escorregou-se impertinentemente de meus olhos, talvez a incógnita fosse essa: haviam diferenças! Não apenas nas mãos ou nos braços e até mesmo no olhar... Porém, no despertar. No choque lúcido de pele contra pele. Na ânsia voluptuosa por reciprocidade. E, principalmente, no frenesi em toda e qualquer utopia interna. Quisera eu que ele fosse apenas mais um número ou nome empoeirado em minha agenda e que passássemos a noite inconscientes no consumo de qualquer substância ilícita para que no dia seguinte eu não me preocupasse em me lembrar de fatos conjugados no passado e então eu iria embora sem produzir um ruído sequer, não iria ao menos olhar para trás, porque se tratava apenas de volúpia. Aliás, o que seria mais prazeroso do que saciar a fome? Em um domingo nebuloso poderíamos nos ver no supermercado e apenas trocar olhares com um meio sorriso, representando a falta do sentir falta. Afinal, ninguém é de ninguém. Nada mais justo, nada mais saudável. Era fácil rir da ausência de graça em que minha vida se encontrava. Complicado era encarar o quanto aquele sentimento havia me cegado. Uma tragada entre dois copos de qualquer bebida forte que meu dinheiro pudesse pagar. Era o que eu precisava. Ultimamente, parte de mim me força a estar sóbria, a gravar todo e qualquer traço desse sofrimento para que em um futuro distante eu não cometa o mesmo erro. Olhei novamente para o reflexo no espelho, dessa vez, atentamente. Engoli em seco. Por mais que a verdade contraísse todas as minhas artérias, a negação não era a melhor saída. Eu ainda o amava, pensei. Definitivamente, esse era o verbo que nunca foi frequentemente usado em meu impecável vocabulário. Portanto, entre todos os equívocos, não me prezaria aumentar a lista, mesmo que a vulnerabilidade caminhasse vagarosamente sobre minha pele, eu iria traçar um caminho novo para a minha vida. Com ou sem ele, repeti em alto e bom som para a garota assustada a minha frente antes de pegar uma bolsa, descer as escadas e começar meu caminho ao trabalho.
Flashback – 7 meses atrás.
“Meu expediente havia acabado e era o meu dia da semana de fechar a cafeteria. Coloquei tudo em seu devido lugar, troquei de roupa, livrando-me daquele uniforme, desfiz o coque em meu cabelo, deixando-o solto e levemente cacheado nas pontas. Percebi que seu comprimento estava um pouco abaixo de meus seios, consequentemente necessitando de um corte, não que eu realmente me importasse com isso. Apaguei as luzes, fechei as cortinas e as janelas. Após sair, tranquei a porta e enfim liguei o alarme. Encostei-me na parede e encarreguei meus olhos para a breve função de observar o movimento nas ruas, que no caso não era tão intenso desse lado da cidade. Coloquei minha bolsa no chão como de costume e me sentei. Animada pus me a procurar o que tanto ansiava desde o fim de meu horário do almoço, quando senti o plástico atingir minha mão, meus lábios se esticaram facilmente em um sorriso, não demorei a retirar o isqueiro da bolsa e o último cigarro que me restara. Acendi-o, recostando calmamente minha cabeça na parede e tragando o máximo de nicotina que podia. A famosa sensação de calmaria começou seu passeio pelo meu corpo. Expirei a fumaça devagar, consequentemente fechando os olhos e tentando fazer o máximo para que aquela sensação perdurasse eternamente. Longos minutos se passaram e a escuridão caia em gotas geladas por meus olhos, internamente eu me questionava se havia estrelas no céu ou não. Ouvi passos se aproximando. Pude sentir a presença de alguém e mesmo assim continuei como estava, eu não tinha o que temer. Na verdade, não tinha absolutamente nada e era exatamente o porquê estava tranquila ao fato de que poderia ser um ladrão.
- Eu não tenho dinheiro e nada de valor então nem perca o seu tempo comigo. – falei, sugando mais um pouco daquela nicotina e expirando-a. Ouvi uma risada nasal. - Eu não sei o motivo por estar rindo, mas sinceramente eu não estou brincando, pode olhar tudo se quiser. – cerrei os olhos e arrastei minha bolsa mais para frente.
- Você sabia que isso pode te matar? – o ouvi perguntar e ignorei qualquer que fosse sua crítica dando de ombros.
- Por que você simplesmente não foi embora ainda? – questionei com raiva, finalmente abrindo os olhos.
Deparei-me com um homem a minha frente, sua estatura era média, independente da escuridão da noite, suas íris eram tão marcantes ao ponto de não me deixar observar mais nada que não fosse o fascinante colorido que elas traziam. Não que eu ligasse para ele ou algo do gênero, mas era algo que por tamanha beleza não poderiam passar despercebidas.
- Porque eu não sou um ladrão como você pensa e queria saber se a cafeteria realmente já fechou... - perguntou a mim. Revirei os olhos.
- É óbvio que já fechou. Você está, por acaso, vendo alguém lá dentro? – retruquei nervosa. Ele apenas suspirou e repetiu meu ato com os olhos.
- Você trabalha aqui? – questionou-me novamente.
- Sim, você pode ir embora agora? – perguntei, já perdendo a paciência. Será que eu não poderia ter o privilégio de ficar sozinha sem que nenhum estranho viesse a me perturbar?
- Pelo visto hoje não é o seu melhor dia. Mas será que você não poderia abrir e me preparar um café, eu não queria voltar para casa tão cedo, não tem nenhuma outra cafeteria por aqui e eu pago o quanto precisar. – ele falou gentilmente. Ansiando em me ver livre o mais rápido possível dele, levantei-me inalando irritação.
- Se eu fizer você vai embora e me deixa em paz? – perguntei impaciente, pegando as chaves. Desliguei o alarme, abri a porta e acendi as luzes.
- Sim, eu prometo. – respondeu, me seguindo quando eu adentrei a cafeteria.
Liguei a cafeteira, preparei o café e aproveitei para fazer um para mim. Era ele quem iria pagar mesmo.
- Você vai ter que pagar o meu também. – comentei, trazendo as xicaras e me sentando em uma das mesas junto com ele. Tomei meu café silenciosamente pensando em como encontraria minha casa quando chegasse. Observei as feições do homem que de algum modo totalmente desconhecido ele não me era nada estranho.
- Tenho a impressão de que te conheço de algum lugar. – falei e seus lábios contorceram-se em um sorriso amarelo.
- Deve ser só impressão. – disse hesitante, abaixando os olhos. – Aliás, o café está ótimo. Você gosta de trabalhar aqui? – perguntou-me ansiosamente, mudando de assunto. Dei de ombros, bebendo mais um pouco daquele líquido quente.
- É a única coisa que a vida me oferece. – murmurei com descaso. – Não é como se eu tivesse alguma escolha. – passei a mão pelos cabelos.
- Você sempre pode escolher. – contrariou-me, passando a me observar atentamente.
- Não nas condições de vida que eu tenho. – disse, bebendo todo o conteúdo da minha xícara. – Com essa sua aparência, é compreensível que você nunca irá entender... Tanto faz. – dei de ombros.
- Como assim? – ele parecia intrigado.
- O seu jeito, suas roupas, o modo de falar. Você deve ser mais um desses riquinhos metidos que nunca passou por dificuldades na vida. – confessei.
- Talvez você esteja certa. – ele falou, arqueando as sobrancelhas. – Talvez. – finalizou.
- Eu sei que estou. – comentei.
- Por que está tão certa de si? – perguntou, mordendo o lábio inferior.
- Simplesmente porque eu sei. – disse, recolhendo minha xicara e me levantando.
- E se eu tivesse a chance de te mostrar que você está errada? – perguntou, levantando-se também e me seguindo.
- Você não tem. – sorri de lado.
- Ah! Não vá me dizer que você está receosa? – perguntou instigante. - Se você tem tanta convicção não deveria ter medo de me dar uma chance. – me desafiou, espalmando suas mãos no balcão e arqueando seu corpo próximo do meu enquanto eu fazia as contas no caixa.
- O que eu ganho com isso? – murmurei mostrando interesse, retirando a nota fiscal e apoiando meus cotovelos no balcão, ficando próxima a ele.
- Se você ganhar, eu prometo que nunca mais me verá por aqui. – ele falou convicto de si.
- Só vou aceitar porque quero saber quais vão ser as suas táticas inúteis para tentar mudar minha opinião. Porém, isso pode ser perigoso. – ri.
- Se eu fosse você não comemoraria vitória tão cedo. – disse ele expirando superioridade.
- Acho que você só deveria pagar a conta e ir embora, que tal? – perguntei. Entreguei sua nota fiscal, logo recebendo o dinheiro. Fechei o caixa.
- Vou embora, mas pode ter certeza que não é a ultima vez que você vai me ver por aqui. Ainda vou mudar sua opinião. – ele sorriu. Apaguei as luzes e abri a porta, saímos e fechei-a; em seguida, liguei o alarme.
- Você faz muitas promessas... Espero que honre sua palavra. – falei. Ele apenas sorriu e continuou pensativo. - Boa noite. – peguei minha bolsa e comecei a caminhar.
- Será que eu poderia saber seu nome? – o ouvi gritar. Virei-me, observando-o parado, mexendo nos cabelos nervosamente, esperando por uma resposta.
- Boa noite! – repeti e voltei a minha caminhada. Duvidando que eu fosse vê-lo novamente. Quem em sã consciência iria perder seu tempo com alguém como eu? Se ele fosse inteligente o bastante não apareceria nunca mais.”
Flashback off – 7 meses atrás.
- Jack conseguiu alguns vips para nós. É um pub novo que abriu esse mês, dizem que lá é muito bom, acho que você deveria nos acompanhar. – Claire me convidou, enquanto eu lavava alguns pratos.
- Não sei se é uma boa ideia. – murmurei, estava cansada demais para fingir animação. Minha cama era tudo o que eu precisava. Virei-me para Claire, vendo-a revirar os olhos, ela respirou fundo e parou de secar as louças.
- Eu estou cansada de te ver assim. – ela começou, passando as mãos nervosamente pelo rosto. – Eu não aguento mais. Você é a minha melhor amiga e eu te amo, eu sei que é difícil esquecer o que aconteceu. Mas você é mais forte do que isso, não deixe esse sentimento acabar com você. Acompanha a gente hoje, todos estão sentindo sua falta. – ela terminou e aquelas palavras. de alguma forma, pesaram dentro de mim. Era a cruel realidade. Eu não poderia deixar essa agonia e tristeza tomar conta do que eu era. Mesmo que parecesse impossível virar o jogo. Eu poderia deixar de dar as cartas, mas não de apostar, mesmo que não se passasse de um blefe.
- Que horas você vai passar em casa? – perguntei, forçando um sorriso.
- Às dez, amanhã é nosso dia de folga, não quero voltar tão cedo. – ela sorriu maliciosamente.
- Espero que a noite seja boa. – murmurei.
- O pessoal vai ficar feliz em te ver de volta. Principalmente o Matt. – ela falou. E eu tenho que confessar que me assustei quando ouvi o nome que havia sido mencionado. Matt. Ele era meu melhor amigo. Sempre fora. Conhecemo-nos no orfanato e ele sempre cuidara de mim como se eu fosse sua irmã mais nova. Ele havia me procurado depois que tudo isso aconteceu. Depois que ele aconteceu. Mas eu simplesmente estava incapacitada para dar atenção ao Matt, o que era de longe uma atitude miserável, pois ele sempre esteve ao meu lado, independente do que eu fizesse e das minhas burrices inegáveis. A questão era que a relação entre Matt e eu oscilava-se em um laço incondicional e uma atração carnal. Convivíamos com uma amizade colorida. Nada sufocante. Éramos a segunda opção de cada um. É aquela história de que ficávamos “socialmente”, ou seja, um, simplesmente, aproveitava-se do outro quando estávamos cansados demais para sair à procura. Mas me coloco a prova de fogo, era certo que o que tínhamos não se passava de desejo. Eu nunca quis iludir ou criar suposições para o nosso relacionamento complicado, então desde o começo fui precisa o bastante quando disse para ele que o que fizéssemos não teria reconhecimento ou evolução. Porém, depois que ele se sentiu ameaçado por eu estar apaixonada, - palavra cuja eu nunca irei me acostumar a conjugar em uma frase com a minha pessoa -, simplesmente se afastou. Na verdade, ele me avisara. Dissera aquelas tantas palavras como todos os outros. “Isso nunca vai dar certo”, murmurava ele nervoso enquanto fumava um cigarro, esparramado em minha cama. Era uma convicção de se assustar. Como se ele conhecesse meu destino. Mais do que isso. Na realidade, ele me conhecia. E para qualquer um que me visse há meses, perceberia. Era mais que notável a ausência de graça. Eu era , uma órfã, que preferiria um cigarro a roupa ou insignificância material, andava sem medo pela escuridão de Londres. Alguém como eu, que recebia um mísero salário, trabalhava em uma cafeteria qualquer, mal tinha roupas para me vestir, havia tido uma infância lastimável no orfanato, o que eu iria temer? Não que eu fosse infinitamente corajosa, apenas não tinha receio do que pudesse acontecer. Talvez fosse preguiçosa demais para buscar a ação dos fatos. Eu era orgulhosa. Características que faziam parte de um passado, não tão distante. Nunca me deixava ser influenciada. Muito menos por sentimentos ilícitos. Eu era teimosa. Era o rascunho da indigência. Era imprevisível. Eu era a miséria..
- Isso vai ser épico. – falei, sentindo o olhar de Claire confuso sobre mim.
Flashback – 7 meses atrás.
“Acordei assustada com um ruído alto, um palavrão e alguns murmúrios. Matt, imaginei. Revirei-me na cama, preguiçosa. Olhei para o relógio, 3:00pm. Logo sentindo uma dor de cabeça insuportável. Merda. Era a ressaca. Amaldiçoei-me por beber tanto. Entretanto, era sempre assim, eu jurava que não faria de novo, mas não poderia ver uma garrafa de tequila novamente e lá estaria eu, em mais um capítulo de amor e ódio.
- Pensei que não iria acordar nunca. – a voz rouca de Matt preencheu meus ouvidos e seu corpo se fez presente em minha visão quando adentrou o quarto. Ele usava apenas uma boxer preta, seus cabelos loiros estavam sem pentear, mas permaneciam anormalmente iluminados. Entretanto, meu olhar se intercalava entre suas íris incrivelmente azuis e seu abdôme completamente nu.
- Acordei com você gritando de dor igual a um retardado. – reclamei, me sentando na cama e me arrependendo pela rapidez do ato, porque senti minha cabeça latejar mais forte. – Ei, eu preciso de aspirina. – pedi.
- Você bebeu demais ontem, . – ele falou, me repreendendo.
- Cala a boca e pega logo a aspirina pra mim, Matt. – disse impaciente. Vi ele revirar os olhos e sair do quarto. Não demorou para que ele aparecesse com o remédio e um copo de água. O agradeci e tomei a aspirina.
- Você vai passar o dia inteiro na cama? – questionou-me quando voltei a me deitar.
- Não sei, essa dor está insuportável. – reclamei manhosa.
- Talvez a gente possa melhorar essa dor de cabeça...- ele disse, erguendo as sobrancelhas sugestivamente.
- Eu já tomei remédio, daqui a pouco melhora. – murmurei evasiva, me cobrindo com o cobertor.
- Não se faça de desentendida, bobinha. – o ouvi dizer, enquanto ele se deitava na cama e se juntava a mim, debaixo do cobertor.
- Seja direto, minha cabeça está doendo demais para ler as entrelinhas. – ri baixinho, vendo-o se aproximar. Suas mãos se apoderaram de minha cintura, seus lábios com um sorriso malicioso capturaram os meus em um selinho demorado, dei permissão para ele aprofundar o beijo e logo sua língua começou a brincar com a minha. Quando nosso fôlego já se dissipava, ele mordeu de leve meu lábio inferior, cessando o beijo. Agilmente retirou as únicas peças de roupa que usávamos, sua boxer e minha camiseta. Puxou-me para perto e um calafrio percorreu-se por meu corpo quando nossos corpos se uniram puritanamente nus.
- Vamos acelerar o efeito do remédio. – deixei uma breve risada escapar após ouvir aquelas palavras sendo sussurradas em meu ouvido, antes que ele pudesse selar novamente nossos lábios. Definitivamente, eu iria passar o dia inteiro na cama.
Desliguei o chuveiro, me sequei e fui até o quarto para procurar alguma roupa. Tentei não fazer barulho, já que Matt estava dormindo. Depois que me troquei, fui até a cozinha, peguei uma tigela, o cereal e leite. Misturei tudo e me sentei no sofá. Liguei a televisão, colocando em um desses canais que passam vídeos e coisas de bandas o dia inteiro. Comi rapidamente, mesmo não estando atrasada para o trabalho. O problema era que eu estava morta de fome, praticamente não havia comida nada no dia anterior. Quando estava me levantando, algo na televisão me chamou atenção. Era uma banda, uma boyband. Revirei os olhos. Quem em sã consciência ouviria esses garotos que apenas querem saber de dinheiro e fama? Suspirei, mas me assustando com a imagem que vi. Quando o vídeo começou, reconheci um dos integrantes, com a mesma estatura média, aquele sorriso de lado e as íris marcantes. Lembrei-me que havia se passado exatamente uma semana desde o dia que o vi na cafeteria. Pois é, alguém já ganhou a aposta.”
Flashback off – 7 meses atrás.
Aproveitei que estava no meu horário de almoço e disse para Claire que precisava espairecer um pouco. Deixei a cafeteria e resolvi caminhar por ali. O sol estava no alto, era primavera. As flores destacavam-se entre a paisagem. Fiquei atenta por onde os meus passos me levavam. Avistei ao longe um pequeno parque. Parei e me sentei em um dos balanços. Algumas crianças corriam para lá e para cá, gritavam, sorriam e outras choravam. Os pais estavam sempre por perto, orientando, chamando a atenção e cuidando delas. Fiquei imaginando como seria aquela sensação, de carinho, de atenção. Porque nunca tive o prazer de saborear esse sentimento. Era tudo muito amargo para mim. Meus pais me rejeitaram, me deixaram no orfanato logo depois que nasci. Fui criada lá, fora uma infância turbulenta e que eu realmente não desejava para ninguém. Mas por mais horrível que tenha sido, aquelas pessoas me acolheram. Não era obrigação ter algum sentimento ou compaixão por mim, por isso eu não tinha quem culpar a ausência de sentimento em minha vida, eles estavam apenas fazendo seus respectivos papéis profissionais. Eu nunca fora atrás de meus pais. Era perda de tempo e burrice. Se eles me rejeitaram, por que eu iria correr para os braços deles? Eles fizeram suas escolhas, antes mesmo que eu pudesse ter o domínio das minhas. Triste realidade, pensei antes de sair dali e voltar para a minha rotina.
Flashback – 7 meses atrás.
"- Alguém teve folga dos shows e resolveu aparecer. – falei em um tom de escárnio, quando o vi se aproximando da cafeteria, exatamente como aquele outro dia. Eu, sentada na beira da porta, fumando e ele parado a minha frente.
- Como você descobriu? – disse assustado, parecendo receoso. Sua expressão tornou-se evasiva e seus lábios contorceram-se em uma linha reta.
- Você cogitou a possibilidade de que eu não iria descobrir? – questionei-o.
- Sim. – ele falou, permanecendo sério.
- Pois é, mas eu descobri e como eu disse, estava certa. É uma pena, mas acho que você deve dar meia volta e ir embora. Eu ganhei. – falei, encarando-o, esperando que ele girasse seus tornozelos e caminhasse para o mais longe dali.
- Não, o fato de você descobrir que eu tenho dinheiro não significa que eu seja mesquinho. – disse, sentando-se ao meu lado. – Você não ganhou. – murmurou irritado.
- Ainda não. – insisti completamente desolada, observando-o sentar-se próximo a mim.
- Será que você poderia, em algum momento, por favor, ser gentil? – ele pediu enquanto observava a movimentação na rua.
- Não, o que eu ganharia com isso? – perguntei, já tendo conhecimento da resposta.
- Ok... Nada, mas o que você ganha afastando todos ao seu redor com essa antipatia? – questionou-me, arqueando as sobrancelhas.
- Nada... Por qual motivo eu te trataria bem se eu nem ao menos te conheço? – proferi tais palavras completamente irritada com aquela situaçãozinha formal e hipócrita em que nos encontrávamos.
- Não seja por isso. – ele respondeu. – Meu nome é , faço parte de uma boyband, amo trabalhar com música e sinceramente não sei o que seria de mim se não estivesse fazendo isso. – disse rapidamente, estendendo a sua mão para que eu pudesse aperta-la. Ignorei.
- Meu nome é , a única coisa que faço da vida é trabalhar nessa cafeteria, sou uma viciada. – apontei para o cigarro. – Tenho poucos amigos... e acho que é só isso. – terminei, tragando novamente.
- Você já tentou parar? – falou enquanto eu expirava toda aquela fumaça.
- Já. – disse, me sentindo cansada. O dia fora longo.
- E não conseguiu? – perguntou-me, novamente. Aquele nível de curiosidade em cima da minha vida me incomodava completamente.
- Não. – respondi rude. Se eu estava fumando, era óbvio que minha tentativa frustrada de parar fora inútil.
- Seus pais não te repreendem por fumar? Você parece ser tão nova. – insistiu. Senti uma dorzinha bem pequena e bem no fundo do peito.
- Não, eu não tenho pai e nem mãe. – disse baixinho.
- Ah...- o ouvi responder como se ele houvesse descoberto algo que mudaria a vida de alguém. – Eu sinto muito. – ele abaixou a cabeça. Abracei meus joelhos, tragando e sentindo a famosa leveza passear por todo o meu corpo.
- Você não tem que sentir nada. Eles me rejeitaram. Eu respeito a escolha deles. – murmurei, engolindo em seco uma vontade repentina de chorar, encarando suas íris e vendo-as carregada de pena. Não me assustei ou me senti triste por aquilo. Era costumeiro. Todos me olhavam dessa maneira quando eu falava sobre os meus pais e era esse o motivo que eu preferia simplesmente não falar. Sobre nada.
- Acho que eu te entendo... - manifestou-se. Continuei quieta, com a cabeça encostada na parede, meu cigarro em uma mão e o isqueiro na outra. O homem ao meu lado mantinha-se em silêncio. Longos minutos se passaram assim. Acendi mais um cigarro, fazendo-o revirar os olhos. Como se eu fosse ligar para o que ele pensa. - A vida não é fácil, eu sei... - ele começou proferindo tais palavras em um timbre de voz propositalmente sutil. – Mas eu sei que se você realmente quiser mudar, você consegue. – terminou, puxando meu cigarro e o atirando na rua.
- Mas que porra você pensa que tá fazendo? – perguntei irritada, me levantando, cerrando os pulsos, me segurando para não deformar alguma parte do rosto de .
- Eu quero te ajudar, . Você precisa de ajuda! – ele disse, parecendo surpreso com a minha reação.
- Eu não quero sua ajuda. Você não entende, ? Não existe talvez na minha vida, você nasceu com uma família, com tudo que eu queria ter e não tive. Você nasceu cheio de dúvidas, porque tem o poder da escolha. Mas eu não tenho, nunca tive. Eu não escolhi morar em um orfanato e ser criada por aquelas pessoas que pouco ligavam para mim, eu não escolhi estar aqui hoje, eu não escolhi trabalhar nessa porcaria de cafeteria e ganhar uma miséria. Eu não escolhi ter que aprender tudo sozinha. Eu não escolhi nada. Minha vida sempre se mostrou certa, sem talvez ou incertezas. Nunca tive dúvida do que me tornaria ou do meu fim, e muito menos tenho de que preciso de ajuda ou de alguém mesquinho o bastante que acha que depois de tudo que eu passei possa me ajudar. Vá para o inferno! – cuspi aquelas palavras, repudiando qualquer segundo que eu passara ao seu lado e sai dali batendo os pés. Esperando nunca mais vê-lo na minha frente.”
Flashback off – 7 meses atrás.
Quando cheguei em casa, perguntei-me se era realmente uma boa ideia sair hoje. Eu sentia falta de todos, porém estava receosa com o que poderia acontecer. Fui para o banho, não demorei muito, porque quem paga a conta de água sou eu e o meu dinheiro não cai do céu. Então, logo sai. Coloquei um vestido que era de Claire e estava jogado no fundo do guardarroupa, uma jaqueta preta e minhas botas. Eu sabia que poderia passar o tempo que for na frente do espelho me arrumando e nada mudaria meu humor, então apenas tentei esconder as olheiras e passei um pouco da maquiagem que Claire me emprestara, para tirar a palidez do meu rosto. Afinal, quem seria eu sem Claire? Ela era algum tipo de anjo, que no caso não partilhava de asas, porém de ombros macios e tequila. Até que eu me encontrava apresentável, pensei. Ouvi algumas batidas na porta e fui atender. Pensei que fosse Claire, mas me deparei com Matt. Senti-me envergonhada por não vê-lo há tanto tempo.
- Oi. – o ouvi falar, sem nenhum sinal de sentimento em sua voz.
- Oi, Matt. Entra. – falei, lhe dando espaço para entrar. Ele entrou.
- Quer beber alguma coisa? – perguntei, mas logo me arrependendo, porque provavelmente não teria nada, já que eu não havia feito compras há algumas semanas.
- Não, obrigado. – falou e eu agradeci mentalmente. – Pode sentar. – murmurei, apontando para o sofá. Sentamo-nos.
- Eu senti sua falta. – ele confessou, olhando para baixo.
- Eu também. – disse.
- É sério? Você se esqueceu de mim depois que se apaixonou por aquele cara. – falou seriamente, cerrando os pulsos.
- É sério, Matt...- respondi.
- Você mudou. Não é a mesma. Eu te avisei, . – falou, sustentando o olhar.
- Não fala assim, Matt. – choraminguei.
- Era uma missão suicida, como só você não viu, ? – perguntou nervoso, batendo no estofado do sofá. Balancei a cabeça, assustada e com uma vontade imensa de desabar em lágrimas.
- Não me culpe por o que eu me tornei, eu já me certifico em fazer isso a cada segundo, Matt. – disse, me levantando. Comecei a andar e parei na janela do apartamento, fiquei ali, de braços cruzados. Esperando que o vento roubasse aquela angústia de dentro de mim.
- Como é o amor? – o ouvi questionar. Suspirei.
- Pacífico, mas traiçoeiro. É algo em constante contraste e incerteza. Não é como se você pudesse opinar, é instintivo. Do mesmo jeito que ele tem o poder de te fazer feliz, tem o poder de acabar com você. – respondi, ainda incerta.
Senti as mãos de Matt em minha cintura, ele me virou de frente para o seu corpo.
- Com o tempo e comigo do seu lado, você vai superar ele, eu tenho certeza. Você é forte, . – ele falou. Trazendo seu rosto próximo ao meu. Não sabia se era certo fazer aquilo. Mas não fiz nenhuma objeção quando Matt selou nossos lábios. Apenas amaldiçoei-me mentalmente pela precisão de que talvez a superação do que aconteceu, demorasse mais tempo do que eu esperava, já que quando a língua de Matt brincou com a minha, meus olhos continuavam abertos e minhas mãos coladas ao meu corpo. Eu não sentia nada, absolutamente nada.
Flashback – 7 meses atrás.
“Era em torno de 3:00pm e a cafeteria estava praticamente vazia. Havia apenas três pessoas. Uma garota que intercalava-se em tomar seu café e usar seu celular, do outro lado, um homem lendo um jornal e atrás dele tinha uma mulher que lia um livro que eu não consegui enxergar qual era seu nome. Ouvi aquele som irritante de quando alguém entra na cafeteria e me preparei para atender, levantei-me do banco que estava sentada atrás do balcão e peguei o bloco de papel, para marcar o pedido. Olhei rapidamente o homem a minha frente. Imaginando que nunca tinha o visto antes por ali, ele usava um boné e óculos escuros.
- O que o senhor deseja? – perguntei, enquanto ele tamborilava seus dedos em cima do balcão.
- Me desculpar, . – quando ouvi sua voz, percebi que estava enganada e quisera eu nunca ter o visto. Ergui meu olhar e ele retirara os óculos escuros e o boné. Um disfarce para ninguém reconhecê-lo, imaginei.
- ... - falei, suspirando no final.
- Eu me equivoquei e peço perdão pelo que eu fiz. Foi um erro tentar te ajudar, você parece perfeitamente bem do jeito que está. Essa é a sua vida. – falou, olhando para os lados e certificando de que ninguém estava ouvindo nossa conversa.
- Ok, eu te desculpo. Agora, tchau! – disse impaciente.
- Eu não vou embora da sua vida, antes de te provar que não sou mesquinho como você pensa que sou. – o ouvi falar convicto e tive a impressão de que independente do quanto eu chutasse ele para sair do meu caminho, ele voltaria. Suspirei e balancei a cabeça.
- Me diga, com todas as palavras, o que você quer de mim? – o questionei.
- Eu só quero que você me dê uma chance. – ele falou, arqueando as sobrancelhas e esperando minha resposta.
- Meu expediente acaba daqui duas horas. – murmurei, vendo-o sorrir levemente.
- Estarei te esperando. – disse ele, logo colocando seu boné e os óculos novamente. – Você não vai se arrepender. – o ouvi falar, e logo sua silhueta se dispersou até a porta e desapareceu. Fiquei em dúvida, pela primeira vez na vida, se realmente eu não iria me arrepender, mas essa era a única maneira de afastá-lo logo de mim. Ou não.
Arrumei minhas coisas, peguei minha bolsa e me despedi de John, hoje era seu dia de fechar a cafeteria. Eram 5:00pm. Desci o degrau, procurando por uma imagem conhecida, e encontrei do outro lado da rua. Ele havia retirado o boné, mas os óculos escuros ainda estavam lá. Atravessei a rua.
- Qual é a dos óculos escuros e do boné? – perguntei, quando me aproximei.
- Hm... não quero ninguém me reconhecendo. – ele confessou.
- Disfarce. – falei, pegando um cigarro e o isqueiro em minha bolsa.
- Sim. – murmurou impaciente. – Vamos, quero te mostrar uma coisa.
- O quê? – perguntei quando começamos a andar.
- Surpresa. – ele murmurou.
- Que coisa mais clichê! Até parece que somos namorados e esse é nosso primeiro encontro. – comentei ironicamente.
- Tecnicamente, esse é nosso primeiro encontro! – suspirou, sorrindo de leve. Seu sorriso era bonito, pensei.
- Não encare como se eu gostasse de estar aqui, a única coisa que eu quero é te ver logo longe de mim. – falei, finalmente acendendo o cigarro. Suguei aquela nicotina e soltei a fumaça, rotineiramente. Levantei a cabeça, sentindo a brisa e o vento balançar os meus cabelos.
- Mas você é quem escolheu estar aqui. – respondeu. De esguelha o vi mexendo nos cabelos. Olhando-o assim, detalhadamente, se eu o encontrasse em algum dos lugares que vou, se dividíssemos um cigarro e ele me pagasse uma bebida, eu poderia até me interessar por aquelas íris.
- Você não me deixou outra escolha. – suspirei.
- Vem por aqui. – ele me puxou gentilmente pela mão e senti meus dedos estremecerem quando tocaram os seus. Que porcaria era aquela? Sua pele era macia, mas eu não via motivo para meu corpo reagir ao seu toque. Era o efeito da nicotina, imaginei. Dobramos a esquina e chegamos a um estacionamento.
- Wow, que elegância! O nosso encontro vai ser em um estacionamento? – perguntei, rindo.
- Pensei que você fosse mais inteligente, . – ele parou, o que me fez parar também. Soltou minha mão e entrou no local, me deixando lá fora. Em alguns minutos, um carro saiu de lá e estava no banco de motorista.
- Entra logo, porque ainda temos muito que andar. – ordenou de dentro do carro. Balancei a cabeça e abri a porta. Sentei-me, fechando-a e tragando mais uma vez.
- Aqui dentro não. – ele disse, retirando o cigarro da minha mão e jogando-o para fora do veículo. Dessa vez, apenas disse alguns palavrões e não ousei colocar meus olhos nele em toda a viagem.
Bati a porta do carro com força quando chegamos, respirando fundo e achando outro cigarro dentro da minha bolsa. Parei para observar a paisagem repleta de árvores.
- Vem, você tem que me seguir. – falou. Começamos a subir um morro e adentramos ainda mais a floresta. Tropecei várias vezes em alguns galhos e obstáculos que encontrava. apenas ria da minha falta de destreza.
- Chegamos! – exclamou animado, depois de longos minutos de caminhada.
- Eu não estou vendo nada. Me desculpe. – confessei confusa. Ele puxou meu braço e me levou até uma ponte. Passamos por lá, e chegamos ao que parecia o ápice de onde estávamos.
- É lindo. – sorri verdadeiramente, vendo uma bela cachoeira e o sol se pondo no céu. A agua cristalina caía e batia contra as pedras, sucessivamente. Ela não era tão alta. As rochas eram grandes e pareciam ser perigosas. Mas me senti hipnotizada com a vista. Era como se eu estivesse em algum filme. Tudo perfeitamente bonito.
- Você fica linda sorrindo verdadeiramente. – o ouvi murmurar. Ignorei o comentário e puxei sua mão. – Vamos – falei. Começamos a descer o morro e devido a minha ansiedade, acabei pisando em falso e torci o pé. Ótimo, .
- Ei, se acalma. Vem aqui. – me ajudou a levantar, cuidadosamente colocou uma de minhas mãos em seu ombro e segurou minha cintura, levando-me até uma das rochas enormes perto da cachoeira. Sentou-me, esticou minha perna e eu senti meu calcanhar latejar. Doía demais. Ele retirou minha bota calmamente e molhou suas mãos na água que batia na rocha. Massageou meu pé, o que no começo fez doer mais, porém logo a dor estava se esvaindo.
- Está melhor? – ele perguntou, preocupado.
- Sim. – respondi, tentando mexer o pé e vendo que não latejava mais. Joguei o cigarro que estava na mão fora e fiquei ali, apenas a observar a paisagem.
- Você vem muito aqui? – questionei, completamente intrigada.
- Sim, sempre quando preciso descansar e espairecer. – ele disse, deitando-se na rocha. Fiz o mesmo.
- Obrigada por me trazer aqui. – agradeci, enquanto mexia nas unhas, envergonhada. Ele soltou uma risada nasal.
- Você é imprevisível. – falou.
- Não entendo. – comentei.
- Um dia você vai entender, relaxa. – disse ele. E assim, ficamos ali, deitados, vendo o sol se pôr, até as estrelas aparecerem, em completo silêncio. Não me incomodei, até porque nunca fui muito boa com as palavras. Sem concluir alguns pormenores, apenas me deixei levar pela sã e pura brisa da noite. Era algo novo para mim, não precisar de alguma droga ilícita para me sentir bem ou leve por dentro. Era assim que as garotas se sentiam em seu primeiro encontro?”
Flashback off – 7 meses atrás.
- Como o Jack conseguiu vips para gente sendo que esse pub é um dos melhores de Londres? – perguntei, entrando no carro de Matt, no banco de carona e Claire entrava atrás.
- Jack tem seus contatos. – ele respondeu e piscou, logo ligando o carro. Olhei para Claire pelo espelho retrovisor e ela sorriu maliciosamente. Matt ligou o rádio, seguindo o trajeto. Iríamos encontrar o pessoal na casa de Jess, que era perto do pub. Depois de 15 minutos, chegamos. Deparamo-nos com uma música alta saindo de dentro da casa.
- A festa já começou aqui, ou é só impressão minha? – perguntei, sentindo um calafrio passar pelo meu corpo. Fazia tanto tempo que não saíamos juntos.
- Vamos logo, não quero perder nada hoje. – Claire disse, nos puxando e entramos. A música estava alta, mas a casa não estava tão cheia, apenas pessoas conhecidas. Vi no sofá da sala, Tony e Emily se pegando. Ed estava encostado perto da escada com uma garrafa de cerveja. April se encontrava sentada em um dos degraus da escada, batendo o pé impaciente.
- Olha quem resolveu aparecer. – Chris chegou, vindo da cozinha e me abraçou. Retribui o abraço. – Finalmente se lembrou dos amigos? – sussurrou em meu ouvido.
– Eu nunca iria me esquecer dos meus irmãos, Chris. – respondi, saindo do abraço e vendo Jess descer as escadas correndo e quase chutando April, que xingou alguns palavrões devido a desatenção da garota.
– Sua vadia, eu não acredito que você veio. – ela deu um tapa de leve em meu braço e também me abraçou.
– Pois é. – murmurei. A porta atrás de nós se abriu bruscamente e eu vi um homem de estatura alta entrar, ele tinha um sorriso nos lábios quando seu olhar se cruzou com o meu, seus cabelos estavam rebeldemente espalhados pelo rosto, os olhos claros pareciam famintos por algo desconhecido. Em uma de suas mãos eu vi um pacotinho pequeno, contendo um pó dentro. Exatamente como nos velhos tempos. Era Jack.
- A encomenda chegou! – ele disse, chacoalhando o pacote em sua mão. Fomos todos até a cozinha, cada um pegou sua parte, quando fui pegar a minha para enrolar, Jack não deixou. - Eu enrolo pra você. É meu presente de boas-vindas. – ele falou, sem retirar aquele sorriso do rosto em nenhum minuto sequer. Vi-o enrolar o pó e dá-lo para mim. - A noite só está começando. – ele gritou e todos vibraram, trouxe rapidamente o pó para perto do nariz, já sentindo meu corpo se arrepiar. Inspirei todo o conteúdo, saboreando aquela sensação única e ilegal de poder. Matt sorriu para mim, com as extremidades dos olhos azuis um pouco avermelhadas. A cozinha parecia pequena para nós quando aquela brisa se espalhou por todo o meu corpo. Alguns sorrisos bobos e maníacos escapavam-se pelos nossos lábios. Exatamente como os velhos tempos. Oh, velhos tempos.
Flashback – 6 meses atrás.
“Descemos até uma das rochas, levava uma cesta enrolada em uma toalha. Paramos e ele estendeu a toalha na enorme pedra, retirando frutas, alguns sanduíches e quatro garrafas de cerveja.
- Você veio preparado. – comentei, logo me sentando. Ele sorriu e concordou com a cabeça. Abriu duas cervejas e me deu uma. Tomei um pouco do líquido e peguei um dos sanduiches enquanto observava a cachoeira. Há um mês que nós passamos por aqui toda a semana. Mas dessa vez, o sol estava no alto. Era tarde de sábado, meu dia de folga. me convenceu a sair de casa e eu realmente queria passar minha tarde naquele lugar.
- Gostou? – ele questionou-me quando terminei de comer o sanduíche.
- Sim. – respondi. Deixei minha bolsa de lado e tirei minhas sandálias, mesmo sendo primavera, fazia muito calor e eu não iria ficar parada enquanto tinha uma cachoeira linda a minha frente. Retirei minha camiseta e meu short, sem pudor ou vergonha alguma de , ficando apenas em minhas roupas íntimas. De esguelha, observei o homem sentado ao meu lado me olhar confuso.
- Você não vai ficar parado aí, não! Vem! – disse e logo desci da rocha e pulei na água.
- Você é louca. – o ouvi dizer e ri alto. Ele tirou a camiseta, a calça jeans, o tênis, ficando apenas com uma boxer preta. Senti um calafrio percorrer pelo meu corpo quando vi seu abdôme completamente nu. era gostoso, não que isso mudasse algo entre nós, eu ainda o queria fora da minha vida, mesmo que o tempo que estávamos passando fosse bom, pelo menos era isso o que eu achava até então. Ele pulou na água e logo se aproximou de mim, a profundidade não era tanta, então não tínhamos realmente o que temer.
Quando começou a escurecer, saímos da água e voltamos para a rocha, sentei-me a procura de um cigarro. Peguei-o, me deitei, sentindo minha pele nua se arranhar nas pedras, xinguei mentalmente, mas continuei na mesma posição.
- Você tem um pra mim? – questionou-me e eu não tinha ideia sobre o que ele estava falando.
- Um o quê? – perguntei, pegando minha bolsa e procurando um isqueiro.
- Um cigarro... - ele disse baixo, parecendo envergonhado.
- Por que você quer um cigarro, ? – Eu realmente não sabia onde ele queria chegar com aquilo.
- Porque eu quero experimentar. – ele confessou, mexendo nervosamente no cabelo, o que com alguns dias de convivência conclui que era uma mania dele.
- Eu não me responsabilizo por nada. – falei, pegando o cigarro na minha bolsa e entregando-o. Sentei-me, achei o isqueiro e acendi o meu, logo o vendo fazer o mesmo.
- Inspira devagar e depois solta a fumaça. Devagar! – o alertei. Inspirei a nicotina e soltei a fumaça, sentindo aquela famosa anestesia arrastar-se por entre minhas artérias. Virei-me para , certificando-me se ele estava indo bem e o vi tossindo, todo desajeitado. Dessa vez era eu quem achava graça na sua falta de destreza.
- Não ri de mim só porque você é experiente. – ele soltou com dificuldade em meio as tosses.
– Isso acontece com todos, bobinho. – tranquilizei-o. – Tenta novamente. – disse. Ele se acalmou e tragou, mas dessa vez com sucesso. – Viu? Conseguiu! O que achou? – perguntei extasiada. Ele demorou a responder, seus olhos estavam fixos nas estrelas que cobriam o céu.
- É uma sensação boa... - murmurou inquieto e eu concordei com a cabeça.
- Por que a vontade repentina de experimentar? – Tenho que confessar que a curiosidade dançava por dentro de mim.
- Eu queria te entender melhor o porquê você fuma tanto. – explicou simplesmente, me deixando confusa, ele contrariou sua ética apenas para tentar me entender? Havia algo errado.
- É como uma fórmula de escape. – confessei.
– É, eu imaginei. – falou, finalmente me olhando nos olhos. Suas íris coloridas cintilavam na antagônica escuridão.
- Eu só preciso experimentar mais uma coisa. – ele disse. Suas íris estavam mais marcantes e cintilavam como as estrelas. Meu Deus, de onde eu havia tirado esses pensamentos? Balancei a cabeça.
- Eu não tenho nenhum tipo de erva aqui. – falei.
- Não é isso... - murmurou.
– Então o que é? – perguntei, mexendo com as mãos, impaciente, esperando que ele falasse logo, mas sua resposta chegou a mim de outra maneira, porque logo senti seus braços me puxarem para perto e seu olhar se encaixar com o meu. Com uma das mãos ele segurou meu rosto e encostou seus lábios nos meus, senti algo formigar por dentro de mim. Dei permissão para que ele aprofundasse o beijo e sua língua enroscou-se com a minha, elas começaram a se mexer em uma sincronia perfeita. Ele levou a outra mão na minha cintura, colando nossos corpos e a minha foi parar em seus cabelos. Nós nos mexíamos calmamente, deixando o tempo nos levar, ele era delicado e me tocava com um cuidado inexplicável, como se eu pudesse me quebrar a qualquer momento. Eu não tinha mais fôlego, mas não queria cessar o beijo. Brinquei com o seu cabelo enquanto ele massageava minha cintura, em alguns segundos o beijo começou a ficar intenso, ele segurou minhas costas, me deitando cuidadosamente e se colocando por cima de mim. Eu sabia o que poderia vir a acontecer se nós continuássemos aquilo e cogitando essa possibilidade, desfiz o beijo, o empurrando e saindo dali, deixando-o, obviamente, assustado. Eu simplesmente não poderia. O que era aquela sensação de vulnerabilidade passeando pela minha pele? Eu não poderia. Juntei minhas roupas e peguei minha bolsa.
- , espera! Aonde você vai? – ele perguntou e começou a me seguir. – Me espera, não me deixa aqui. ! – gritou meu nome e eu não ousei olhar para trás. Comecei a correr, mas estava muito escuro e tropecei várias vezes.
- Você vai fugir, é isso? Fugir não vai mudar o que você está sentindo! – o ouvi gritar e peguei uma de minhas sandálias e joguei em sua direção, tentando acertá-lo, mas ele conseguiu desviar.
- Eu não estou sentindo nada! – gritei.
- Então por que você tá fugindo? Você tem medo, , você tem medo! – eu ri sem graça.
– Do que eu poderia ter medo, ? – perguntei, continuando a andar.
- Eu não sei, talvez você tenha gostado do que acabamos de fazer e está com medo de mudar sua opinião sobre mim. – ele disse ironicamente, me deixando nervosa o bastante para parar de andar.
- Eu não tenho medo! Isso que acabou de acontecer foi um erro! – falei.
- Se você não tem medo, por que fugiu? Por que simplesmente não deixou seu corpo reagir a suas vontades? Eu sei que você gostou, seu coração está acelerado, não está? Eu sei. Você está se controlando porque por menos que você goste da ideia, tem uma força maior dentro de você que quer estar perto de mim. Você se acha a dona da razão, mas está assustada porque pela primeira vez não tem convicção do que está sentindo, porque sabe que pode estar colocando seu mundo nas mãos de outra pessoa. E sabe como eu sei de tudo isso? Porque eu sinto o mesmo. Eu sinto cada pedacinho de mim pedir... Pedir não! Implorar por você. – ele confessou nervoso, mexendo nos cabelos e foi se aproximando de mim, eu não sentia mais minhas pernas e não ficaria surpresa se desabasse a qualquer momento.
- Você ganhou a aposta, não é quem eu pensava que era, então já pode ir embora. – disse, dando de ombros, tentando fingir que cada palavra que ela havia proferido não tivesse efeito algum sobre mim.
- Esse é o problema, . Alguma coisa saiu errada. – falou, dando um passo a frente.
- O quê? – perguntei. – Eu não me importo mais com a aposta. Eu quero mais. – ele falou, dando outro passo e ficando extremamente próximo a mim. Nossos narizes se tocavam. E pela primeira vez em toda a minha vida, eu poderia jurar que meu coração fosse pular a qualquer momento pela minha boca.
- O que você quer? – perguntei atordoada.
- Você. – dirigiu-se a mim, sustentando firmemente seu olhar no meu, selou nossos lábios, sem aprofundar. Ficamos naquela posição por longos minutos, porque talvez fosse tudo que precisávamos. Apenas a presença alheia. Seus braços colaram nossos corpos em um abraço. Pela primeira vez em toda a minha vida rebelde e sem graça, me senti protegida. Eu não diria que era minha felicidade, mas sim que, até então, ele era a parte antagônica do meu quebra-cabeça perdido.”
Flashback off – 6 meses atrás.
Descemos do carro, e percebi o quanto o pub estava cheio. Jack entregou a pulseira vip de cada um e entramos facilmente. A música estava absurdamente alta, mas o lugar era lindo. Afinal, era o pub mais famoso de toda a cidade de Londres. Tinha uma extensão inteira de parede que era coberta apenas por vidro, e uma escada para o andar de cima. Fui para o bar pedir alguma bebida enquanto Matt e Claire resolveram que iriam dançar. Sentei-me e pedi uma cerveja, queria começar a noite sóbria. Apenas começar, repeti. Nas primeiras horas, fiquei entre a pista de dança e o bar, apenas bebendo e dançando. Jack me parou e me chamou para beber em uma dessas idas e vindas minhas. Pediu tequila para o barman.
- Você nunca fica por baixo, J. – disse.
- E você ainda não me contou o porquê de ter se afastado. – ele me encarou, pedindo por alguma resposta. Apenas Claire e Matt sabiam sobre o que aconteceu. Se Jack soubesse, nada acabaria bem. Ele era vingativo demais. Iria atrás dele onde quer que fosse e não descansaria enquanto não deixasse seu rostinho bonito deformado. Jack era o mais velho de todos nós e sempre cuidou da gente, principalmente de mim que era a mais nova.
- Apenas cansaço. – desconversei.
- Vocês estão tão certos de que podem mentir, simplesmente como se eu não conhecesse cada linha de sua existência. – ele falou lentamente, enquanto passava os dedos pelo meu rosto, me deixando assustadoramente arrepiada.
- Eu te juro que é apenas cansaço, Jack. – falei cinicamente, me forçando a parecer mais convincente.
- Não precisa me dizer, eu vou achar quem fez isso com você e acabar com a vida dele. Você sabe que eu sempre descubro, . – murmurou, me deixando receosa. Nossa bebida chegou, mas minha atenção foi levada ao alvoroço na entrada do pub. Havia alguns seguranças e garotas gritando, logo vi cinco silhuetas saírem daquela multidão. Eu estava prestes a revirar os olhos, mas ouvi um barman cochichar com o outro. “É aquela banda famosa”, os cinco homens se aproximaram e sem precisar de muito esforço, o reconheci. Seus cabelos estavam maiores e rebeldes, a barba estava para fazer e seus olhos continuavam perfeitamente marcantes. Senti uma corrente elétrica se passar pelo meu corpo quando seu olhar se cruzou com o meu indiscretamente, tal efeito aumentou quando percebi que Jack nos observava. Ótimo.
- Acho que acabei de descobrir o que queria. – ele falou, sorrindo bobamente e bebendo o conteúdo no seu copo. Receosa com o que estaria a acontecer, também virei a tequila de uma vez, sentindo as extremidades do meu corpo queimarem.
- Isso vai ser épico. – repeti para mim mesma e sai à procura de alguma solução.
Flashback – 5 meses atrás.
“- Que bagunça é essa, ? – me perguntou quando entrou no meu quarto pela primeira vez.
- Me desculpa, mas eu não tenho dinheiro para pagar alguém que limpe isso para mim. E não tá tão ruim assim, confessa vai. – disse o empurrando de leve.
- Tudo bem, até que está razoável. – brincou. – Mas eu acho que nós poderíamos fazer algo melhor além de opinar sobre o estado do seu quarto. – continuou.
- Sério? O quê? – me fiz de desentendida e ele me puxou para perto.
- Provável que eu vou ter que te mostrar. – ele disse e eu soltei uma breve risada.
– Estou esperando. – falei. Ele selou nossos lábios e, antes que pudesse aprofundar, sussurrou um “bobinha”, o que me fez sorrir entre o beijo. Puxando-me pela cintura com força, colou nossos corpos. Imóveis, lentamente, ele encaixou seus lábios nos meus. Um sobre o outro, sem pressa e com uma delicadeza indescritível. Meu coração pulsava fortemente e isso só aumentou quando ele mordeu levemente meu lábio inferior. Docemente ele passou a língua contornando os meus lábios e esperando a passagem para deslizá-la dentro de minha boca. O que não demorou a acontecer. Instantaneamente, o clima havia mudado. De acordo com seus movimentos e o jeito que ele me carregava até a cama, apertando uma de minhas coxas junto ao seu corpo, fazia o calor irradiar pelo espaço que nós ocupávamos. O fôlego se dissipava, a lentidão que até então era marcada pela delicadeza ao toque, havia se transformando em uma guerra sem fim. Um devorando o outro, deliciosamente. Ansiando pelo conhecimento de quem dominaria quando a noite acabasse. Os beijos, as carícias e a vermelhidão deixada por ambos os corpos, não nos apetecia. Falo por porque ele atuava de tal maneira. Eu necessitava de mais e tive conhecimento disso quando senti minha intimidade pulsar. apertou-me mais para perto de si, como se tentasse fundir nossos corpos, enquanto eu tremia dos pés a cabeça, sentindo nossas intimidades roçarem através das roupas. Minha pele ardia fervorosamente a cada toque. Contrariada com o prazer inexplicável e o efeito que ele tinha sobre mim, tirei meus lábios dos seus, ouvindo seu gemido frustrante e com as mãos, que antes se encontravam cravadas nas costas do homem, eu desabotoei sua camisa agilmente e a mesma já estava espalhada por um canto qualquer do quarto. Meus lábios deixavam a pele de seu tronco, que até então sentia falta de pigmentação, completamente rubra, enquanto ele inspirava fracamente e passeava suas mãos pelos meus cabelos. Vi os músculos dele se contraírem, ouvi um suspiro pesado quando uma das minhas mãos passou pela parte inferior de suas costas, arranhando-o ferozmente. Mas antes que eu pudesse sorrir vitoriosa, a parte de trás de meu corpo bateu contra o colchão macio e minha visão periférica foi preenchida por , agora por cima, subindo meu vestido ao ponto de tira-lo completamente, aproveitando para deslizar suas mãos por onde, até então, não havia o feito.
– Acho que você deveria se redimir. – Ele me disse, passando de leve a língua pelo lóbulo da minha orelha. – Ou vai se envergonhar quando a noite acabar. – Finalizou mordendo meu pescoço. Ri brevemente.
– Receando a derrota, ? Desde quando? – sorri ironicamente.
– Nunca. Apenas te preservando das alterações que seu belo corpo pode sofrer. – Segurou-me fortemente, fitando-me, logo apertei seu membro sobre a calça, deixando-o estremecido e fazendo-o suspirar pesadamente.
– A questão, ... - comecei. – É que você acha que pode me vencer. Mas é muita incerteza para alguém como eu. – Sorri, desabotoando suas calças enquanto ele desvencilhou-se da mesma. Aproveitei desse movimento para rapidamente inverter as posições e ficar agora por cima, deixando minha intimidade roçar-se com a dele propositalmente. Sorri vendo a expressão do homem a minha frente se contorcer em consecutivos suspiros de prazer. – Essa guerra já é minha. – sussurrei, intercalando meus lábios pelo seu pescoço e tronco. Fortemente, pela milésima vez naquela noite, ele me segurou pela cintura, aproveitando-se para deslizar as mãos pelas minhas nádegas, apertando-as com vigor, fazendo-me gemer baixinho. Ele sorriu.
– Arrogante. – Mais uma vez ri brevemente. – Que vença o melhor. – As últimas palavras dele foram a deixa para que nossos corpos voltassem a se devorar de uma forma um tanto quanto selvagem. Ambos exalavam brutalidade e excitação. Não havia espaço, tempo e nem desejo por ternura, mesmo que houvesse carinho, fazer aquilo acontecer, não era apenas uma ambição, porém, uma necessidade na situação em que nos encontrávamos. Minha calcinha preta logo seguiu o mesmo caminho de todas as outras peças de roupa que nos impedia de sentirmos um ao outro inteiramente, completamente e puritanamente nus. O suor se dissipava por toda a nossa extensão humana, que freneticamente dançava por aqueles lençóis brancos. A língua dele se arrastava e contornava cada canto do meu corpo, me fazendo gemer alto. Meus seios, minha boca, minhas tatuagens, minha pele abaixo do umbigo, minha nuca. parecia querer fazer questão de conhecer cada mísero detalhe de mim. A humanidade não nos deixou pensar em preservativo ou em qualquer tipo de doença que viria acarretar no futuro. Eu queria me sentir parte dele, e concluí que ele também, sem que nada pudesse nos atrapalhar. Nossas respirações que, até então, se afobavam entre gemidos, se tornaram ofegantes quando nossos corpos caíram juntamente no colchão, impregnado de um calor pavorosamente carnal. A anestesia se encontrava presente em minhas veias, enquanto eu concluía que aquilo havia sido muito mais que prazer.
- Eu te amo. – o ouvi dizer e senti um formigamento se instalar por todo o meu corpo.
- Eu te amo. – falei em alto e bom som, vendo um sorriso aparecer em seu rosto. Talvez fosse precoce demais. Talvez minha vida houvesse se tornado incerta. Talvez fossem muitos talvez para poucas certezas. Mas de poucas, eu só tinha realmente uma, de que eu o amava. Talvez mais do que a própria vida. Talvez.”
Flashback off – 5 meses atrás.
Olhei-me no espelho, pensando em algo que pudesse impedir Jack de fazer uma burrice. Se eu falasse, ele não iria ouvir, não adiantaria. Era certo. Passei um pouco de água no rosto, tentando fazer com que aquilo amenizasse minha preocupação. Mais uma tentativa frustrada. Caminhei até a porta do banheiro, saí dali convicta do que precisava fazer, não tão precisa de que daria certo. Mas era minha única solução. Procurei Jack por todos os lados e o vi agarrando uma loira perto do bar. Ótimo. Andei por todo aquele espaço e não vi sinal da Claire e muito menos de Matt. Fui para o andar de cima e continuei na mesma. Resolvi procurar lá fora, andei por todos os cantos, mas não encontrei ninguém conhecido. Eu estava nervosa e presa na estaca zero.
- Procurando alguém, ? – aquela voz conhecida soou em meus ouvidos, me arrepiando dos pés a cabeça. Virei-me, encarando suas íris, mas logo me arrependendo de ter o feito, tudo estava vivo demais dentro de mim. Desviei o olhar e suspirei.
- ... - murmurei.
- Será que podemos conversar? – perguntou-me.
- Sim, mas não aqui. Vamos pra minha casa e a gente pode conversar melhor. – disse nervosamente, olhando para os lados e me certificando de que não havia ninguém nos observando. Eu precisava tirá-lo dali. me olhou confuso, mas concordou. Seguimos até o seu carro, porém, me surpreendi com a silhueta familiar que estava encostada no mesmo.
- É incrível como você subestima meu conhecimento, . – ouvi Jack dizer amargamente. Meu coração acelerou quando ele começou a se aproximar de nós. não entendia absolutamente nada e continuou parado. Jack mediu o homem ao meu lado, observando-o de cima a baixo.
- Não faz isso, Jack, por favor. – supliquei, me ajoelhando naquele chão imundo.
- Não é necessário se humilhar, . Eu não tenho escolha, não é algo que eu possa segurar. – ele falou, fitando , e eu senti o pigarro se formar em minha garganta.
- Eu te imploro. – disse mais uma vez, vendo o homem ao meu lado intercalar seu olhar completamente frustrado em mim e no homem a nossa frente.
- Será que vocês podem me falar o que está acontecendo? – perguntou impaciente.
- Presumo que as palavras não irão descrever precisamente tanto quanto o que eu tenho para te mostrar, caro rapaz. – Jack falou calmamente, sem pressa alguma. Levantei-me.
- Me mostre o que tem de mostrar logo e vá embora. – disse e logo senti o baque em meu coração. Ouvi a risada sarcástica do homem a nossa frente e acompanhei o passo que ele deu para frente, fazendo o mesmo para o lado. Jack fechou os olhos e balançou a cabeça. Segurei as mãos do homem próximo a mim que continuava sem entender nada. Realmente, foi tudo muito rápido. Quando vi Jack levantar a cabeça e capturar o rosto de com o olhar enquanto cerrava os pulsos, instintivamente entrei na frente do homem ao meu lado, sem pensar nas consequências. Rapidamente, o que eu imaginava ser a mão de Jack, acertou meu rosto, senti o lugar latejar e minhas pernas cambalearem; caí sobre elas, sentindo o gosto de sangue em meus lábios. Eu não tinha conhecimento se algo havia se quebrado, mas eu sabia que ficaria com um olho roxo. Com a pouca visão que me restava depois da pancada, consegui enxergar o choque em ambos os olhos dos homens presentes ali.
- Você não deveria ter feito isso, . – Jack praguejou e veio até a mim, provavelmente certificar-se sobre o meu estado. Mas foi surpreendido por , que acertou seu estômago. Jack cambaleou para o lado, mas logo se recuperou, revidando e derrubando-o no chão com um soco em sua boca. Vi o sangue escorrer, mas eu estava incapacitada para levantar e impedir que algo acontecesse. Gemi baixinho.
- Por favor, Jack. Eu te imploro. – sussurrei quando o vi chutar as costas de . – Por favor... - repeti. Ele parou e me olhou.
– Espero que um dia você entenda que eu só quero te proteger. – falou e caminhou para longe, nos deixando ali. Lentamente virei meu rosto, vendo reclamar de dor e tentar se levantar. Com muita dificuldade, ele conseguiu e se arrastou para perto de mim. Meus olhos pesavam devido a dor que se alastrava por todo o meu corpo. Passei a mão pelo rosto enquanto um líquido vermelho se escorria pelo mesmo.
- Você está bem? – ele perguntou-me e eu percebi como seus lábios sangravam.
- Dói muito. Mas não importa. Você não está bem. – disse, tentando me levantar, mas ele me impediu.
- Eu mereci, . – ele falou com dificuldade. – Eu te magoei e mereci apanhar. Mas você não, você não deveria ter entrado na minha frente. – continuou.
- Eu escolhi. – eu disse e ele sorriu fracamente.
– Eu queria que você pudesse escolher me perdoar, também. – comentou.
- Desde o começo eu te avisei que seria perigoso, . – murmurei, quando o vi tossir e contrair o abdôme, reclamando de dor.
- Eu tinha absoluta certeza de que valeria a pena. – começou e, mesmo anestesiada com a dor, senti meu coração acelerar-se. – Eu escolhi. – ele repetiu, chegando perto de mim e selando nossos lábios. Senti o gosto amargo, tanto de sangue quanto da saudade e de dor, quando sua língua tocou a minha. Eu sentia sua falta, mesmo que ele tivesse quebrado meu coração em pedacinhos. Quando ele desfez o beijo, a inconsciência se apossou de meu corpo e logo adormeci.
Flashback – 4 meses atrás.
“Já fazia alguns meses que eu e estávamos ficando juntos. Eu não sabia se poderia considerar aquilo como namoro, mas éramos como qualquer casal. Deitei-me na rocha e fiquei observando as estrelas no céu.
- Hey, preciso conversar com você. – ele apareceu e sentou do meu lado.
– Pode falar. – respondi.
- Provável que esse seja o momento certo... - começou. – Nós estamos saindo e eu sei que há reciprocidade, então fiquei me perguntando por que ainda não fizera isso... , você quer namorar comigo? – questionou-me e eu sorri verdadeiramente. Puxei seu rosto próximo a mim e lhe dei um beijo, selando nossa união.
- A turnê começa essa semana. – ele falou, parecendo preocupado.
- Por quanto tempo você vai ficar fora? – Eu sabia que teria que dividi-lo com todas as suas fãs, o que de longe, não me agradou muito.
- Um mês. – murmurou, parecendo pensativo. – Vou sentir sua falta. – confessou.
- Eu também. – falei e corri para pegar minha bolsa. Eu precisava de um cigarro.
- Preciso de um. – comentou. Sem nenhuma objeção ou questionamento, peguei o maço de cigarros, acendemos e tragamos juntos. Suspirei, imaginando como seriam os próximos dias sem ele, concluindo que ele estaria fazendo o mesmo que eu. Quem um dia imaginara compartilhando um maço de cigarros comigo? Pois é, a vida pode ser tudo, menos previsível.”
Flashback off – 4 meses atrás.
Acordei com minha cabeça latejando. Percebi que não estava em meu apartamento, o colchão onde eu estava deitada era mais macio que o meu de segunda mão. Minha cabeça latejou. Tentei abrir os olhos com dificuldade, minhas pálpebras doíam demais. Vi sentado em uma poltrona na minha frente, preocupado, mexendo no cabelo nervosamente e com um curativo no canto dos lábios. Lembrei-me de tudo que aconteceu e imaginei que pudesse estar em seu apartamento. Virei-me, desconfortavelmente, atraindo sua atenção.
- Você acordou. – ele falou e correu até a mim. – Tá melhor? – perguntou-me. Concordei com a cabeça, me sentindo um pouco inebriada, mas não doía tanto quanto antes.
- Por quanto tempo eu dormi? – sentei-me na cama.
- Uma hora. – respondeu, sentando-se também.
- Você tá bem? – perguntei.
– Já estive melhor, mas nada que o tempo não cure. – murmurou, sorrindo amarelo.
- Eu preciso ir para casa. – levantei-me devagar, para que não tivesse o perigo de cair.
– Você tem certeza? – ouvi dizer.
– Sim. – dei o primeiro passo e senti meu corpo fraquejar, parei, mas logo me recuperei e consegui andar normalmente. Senti sua mão segurar meu pulso.
– Eu nunca deixei de te amar. Estar com Ashley só me fazia lembrar mais e mais de você. Mas mesmo te amando incondicionalmente, eu não poderia te apresentar para a imprensa, alguns seres humanos são más e iriam te julgar, eu não queria que você passasse por isso, . – ele tocou minha pele suavemente. – Eles nunca iriam enxergar o brilho que eu vejo em você. E é por esse o motivo que continuei meu namoro com a Ashley. A gente se via pouco, eu fazia de tudo para ser na frente das câmeras. – ele falou, fazendo o pigarro se formar em minha garganta. – Mas foi puro marketing, mostrando que eu estava feliz com Ashley, ninguém nunca pensaria na sua existência e você continuaria sã e salva das câmeras, mantida apenas para mim. – suspirou. – Eu sei que fui errado e egoísta, sobretudo, eu nunca deixei de te amar e enquanto puder, nunca deixarei. – ele terminou e eu continuei paralisada, sem saber como agir. Eu poderia simplesmente ir embora e me ver livre de todo drama que vivíamos, mas eu sabia que quando saísse ainda teria a dor da ausência. Sem pensar muito, puxei meu braço, fazendo-o soltar e me forcei a andar. – Então, esse é o nosso fim? – perguntou. Ignorei-o e continuei. – Por que você sempre foge, ? – parei.
– Porque algo dentro de mim me diz para ficar, entretanto, esses meus instintos tendem a me fazer quebrar a cara. – respondi, encarando os seus olhos e sentindo algo forte bater-se contra meu coração. Ele abaixou o olhar e eu imaginei que aquele fosse o fim. Saí do apartamento sem que ele pudesse me impedir. Senti o vento bater-se contra meus cabelos, procurei nos bolsos da minha jaqueta, mas não achei nenhum maço de cigarros, era tudo o que eu precisava, mas infelizmente estava sozinha. Completamente sozinha. Não que fosse algo novo, era apenas como os velhos tempos.
Flashback – 3 meses atrás.
“Tá livre hoje? – ouvi a voz de Claire preencher meus ouvidos enquanto lavávamos as louças. Era segunda e a cafeteria estava cheia.
- Provável que não. me ligou dizendo que volta hoje e eu queria esperar por ele no aeroporto, para fazer uma surpresa. Estou com saudades. – disse, enquanto secava algumas xícaras.
- Ah, sim, ... Você realmente tá na dele e tá diferente também. Não sai mais com a gente para beber, para fumar. Não é a mesma . – Claire disse enquanto enxaguava os pratos, me olhando seriamente.
- Para com esse papo, Claire! Eu ainda continuo a mesma pessoa. - murmurei, sorrindo de lado.
- Sei... Mas o pessoal está comentando, sabia? – ela parou de lavar as louças e virou-se diretamente para mim. – Todos nós sabemos como isso vai acabar. Eu sou sua melhor amiga, não quero te desejar coisas ruins, mas é sempre assim. É impossível dar certo... . E as fãs? E a mídia? Você acha que vai ser legal para ele apresentar a namorada órfã e que trabalha em uma cafeteria qualquer?
- Ele é diferente. – engoli em seco. – não se importa com essas coisas. Ele gosta de mim, de verdade. Eu sei. Relaxa. – coloquei uma das mãos no ombro de Claire enquanto ela me observava. Ninguém me conhecia melhor que ela. Nem eu. Ela melhor do que qualquer um sabia o que eu estava sentindo. Deixei a cozinha, secando minhas mãos e fui para o balcão.
- Senhor, qual é o seu pedido? – disse ao homem a minha frente enquanto a fila aumentava. O dia seria longo.
Tirei o uniforme, colocando minhas roupas quando meu expediente acabou. Despedi-me de todos e caminhei com Claire, que decidiu me acompanhar até o aeroporto. O caminho até lá passou rápido.
- Você acha que tem muitas fãs? – perguntei.
- Não sei, provavelmente, eles são bem famosos, você sabe. – Claire deu de ombros. – Você realmente gosta dele, não? – ela me questionou. Afirmei com a cabeça. – Eu te amo, . E só quero o seu bem, se você diz que ele gosta de ti, eu irei acreditar e torcer por vocês dois, mesmo que isso não me agrade. – ela murmurou, logo a apartei em um abraço.
- Obrigada, amiga. – sussurrei em seu ouvido.
Ao adentrar o aeroporto, vi que não seria nada fácil encontra-lo, já que a quantidade de pessoas não era pequena. Andamos e avistamos um grupo de garotas adolescentes com camisetas da banda. Aproximamo-nos e sentamos em um dos bancos ali. A cada pessoa que chegava, meu coração acelerava. Era normal sentir ansiedade para observar aquelas lindas íris e sentir logo o calafrio passando pelo corpo? Aquilo era tão novo e, de longe, tão estranho a meu ver. Antes que eu pudesse me mover, ouvi gritos das fãs que se encontravam ao meu lado. Quem parecia ser segurança da banda, se fez presente, logo após os integrantes, um por um. Não foi difícil enxergar aqueles olhos familiares, uma alegria imensa se apossou de mim quando sua expressão se contorceu em um sorriso. Mas não demorou em que logo de seu lado, um corpo entrasse em meu campo de visão. De cabelos loiros e com um sorriso perfeito no rosto, vi aquela mulher segurar sua mão, em uma intimidade até então desconhecida. Não foi uma surpresa, talvez eu já soubesse, apenas não queria admitir a mim mesma. O baque dentro de mim não foi tão forte, não me forcei a ver aquela cena até o final, ainda que tudo parecesse em câmera lenta, desde quando os dois corpos apertaram-se as mãos e lentamente ele puxou o rosto feminino, dando-lhe um beijo nos lábios. Claire sempre esteve certa. Não tive coragem de encará-la, ou de continuar ali. Eu não iria dar mais inúmeros motivos para que ele zombasse da minha pobre vulnerabilidade. Pude jurar que senti o olhar de um dos integrantes da banda em mim. Mas era uma situação tanto quanto imprópria para lembrar seu nome. Então, corri. Eu não queria ouvir o famoso “Eu te avisei” da minha melhor amiga. Doía demais. Pude jurar que um resquício do meu nome se passou por meus ouvidos em uma voz grossa demais para ser a de Claire correndo atrás de mim, desesperada. Mas poderia ser apenas fruto da minha imaginação ou minha consciência tentando chamar atenção ao meu erro. Não parei, nem ao menos quando sai do aeroporto. Eu não me importava que me olhassem torto. Eu corri. Corri para longe. Sentindo repulsa de mim, por ter acreditado em todas aquelas palavras cuspidas por aquele homem que eu achava que conhecia.
As batidas na porta não se cessavam, eu sabia quem era, mas não queria atender. Se dependesse de mim, não queria vê-lo nunca mais. O ouvi dizer que só sairia dali quando eu abrisse a porta e ele pudesse se esclarecer, duvidei e continuei no quarto, deitada em minha cama em uma tentativa frustrada de esquecer tudo o que passamos juntos. De alguma forma desconhecida, seu cheiro estava impregnado em minhas narinas, talvez fosse apenas meu psicológico querendo me culpar por ter imaginado que teríamos um final feliz. Revirei na cama milhares de vezes e resolvi levantar, imaginei que ele não estaria mais na porta, devido às horas que passaram. Abri-a para me certificar de que ele se fora, mas me surpreendi com seu corpo desajeitado sentado no chão. Quando me viu, levantou rapidamente, me suplicando para que eu o ouvisse.
- Você não precisa dizer nada, . – falei. Todos estavam certos, principalmente eu, no começo, quando dizia o quão mesquinho ele era. Pela primeira vez, queria eu estar errada.
- Você tem que me ouvir, . – suplicou.
– Não, eu não tenho. – falei, ameaçando fechar a porta, mas ele foi mais rápido e me impediu, adentrando a casa. – Vai embora, por favor! – pedi. Mas ele se recusou e não moveu um dedo. – Eu nunca deveria ter te deixado entrar na minha vida. – eu disse, balançando a cabeça, enquanto mexia nos meus cabelos nervosamente. Antes que eu pudesse fazer alguma objeção, me colocou contra a parede, segurando minhas mãos do lado do meu corpo, me impedindo de que pudesse escapar. Ele suspirou.
- Aquele dia que eu cheguei à cafeteria, estava atordoado porque havia discutido com Ashley e nós terminamos. Eu estava arrasado, namoramos por longos meses, eu gostava dela, mesmo que as vezes ela não se importasse com o que eu pensava e só corria atrás de compras e mais compras. Ela é atriz, nos conhecemos em uma dessas premiações e eu a chamei para sair. – senti um aperto no peito e meus olhos arderem. – Quando então, naquela noite, encontrei uma garota, ela não era gentil ou simpática, mas exalava sinceridade, dizia o que pensava, sem cogitar consequências. Ela pisava forte e era convicta de suas ações. Algo nela me atraiu, talvez fosse a antipatia, já que todos sempre me trataram bem por interesse na minha fama. Mas ela ainda não sabia e falava comigo como se eu fosse alguém normal, e eu sentia falta de pessoas assim do meu lado. Os olhos daquela garota traziam um enigma que me instigou a querer decifrá-lo. Eu precisava saber o porquê de tanta angústia. E eu iria descobrir. – meu coração batia ferozmente dentro de mim e ele me obrigava a encarar suas íris. Eu não queria parecer fraca, muito menos vulnerável.
– Curiosidade. – disse, ligando os pontos. – Tudo que você sentia era curiosidade. Não é? – perguntei, balançando os braços e fazendo força para tentar sair dali, mas não consegui. Ele empurrou seu corpo contra o meu.
– A primeira vista, foi. – senti algumas lágrimas caírem. – Mas, depois, quando comecei a entender, quando conheci cada centímetro do seu corpo, de seus lábios, a maciez de seus cabelos e seus vícios, u passei a sentir algo que não sentira por ninguém. Era como se eu não precisasse de nada estando perto de você. Quando experimentei o cigarro, aquela sensação era de um modo familiar. A brisa, a leveza invadindo a mente. Você despertava essas vibrações em mim, tanto quanto a nicotina é sua fórmula de escape. Eu tinha encontrado a minha. Você. – ele disse e eu continuei paralisada, minhas mãos tremiam e suavam, as lágrimas continuavam escorrendo por todo o meu rosto. Eu não queria ouvir mais nada, não poderia. Com toda a força que eu tinha, o empurrei e consegui me soltar. Ele me olhou confuso e seus olhos estavam vermelhos. Doeu em mim. Eu tinha o receio de que poderia ser um erro insistir em nós dois.
- Já fomos longe demais. – falei, desviando meu olhar do seu. – Não quero que ninguém mais se machuque. – comentei e ele, frustrado, mexeu nervosamente nos cabelos.
– Eu não posso te perder, eu não posso, eu não posso... – ele repetia freneticamente, passando as mãos pelo rosto e prestes a desabar sobre mim.
- Vai embora, . – gritei, ele me fitou pela última vez e obedeceu. Fechei a porta. Eu precisava descansar. Fui atrás de um cigarro e o acendi. Ele havia me enganado, independente se me amava ou não. De alguma forma, eu sabia que não era a última vez que o veria, as linhas eram estreitas demais para acabar assim, tão fácil.”
Flashback off – 3 meses atrás.
Continuei a andar, não conhecendo nada daquele bairro e esperando que chegasse logo no centro da cidade. Ouvi passos vindo até mim, mas não ousei olhar para trás, apenas acelerei minha caminhada.
- , aonde você vai? Me espera! – aquela voz familiar preencheu meus ouvidos.
- Para o mais longe possível daqui. – respondi receosa de que tenha sido baixo e ele não ouvira.
– Aonde você vai? – perguntou novamente, ofegante enquanto corria.
- Para o inferno. – gritei impaciente. Tentando andar rápido o bastante para me ver livre daquele lugar.
- Me espera, eu vou com você. – sorri internamente pela sua resposta. Senti uma mão segurar meu ombro e me deparei com . Sua franja escorria levemente pela testa e ele tinha um sorriso impregnado nos lábios. Depois de alguns segundos se recuperando, colocou a mão no bolso da calça jeans, procurando algo. - Presumi que você fosse precisar. – falou e estendeu a mão. Observei o maço de cigarros na minha frente e o peguei. Sorri levemente para ele. Peguei um cigarro e ele me passou o isqueiro, acendi o mesmo e traguei, deixando uma risada escapar quando senti a nicotina passear pelo meu corpo.
– Você não vai querer um? – perguntei. – Ele apenas negou com a cabeça, colocando um de seus braços em volta da minha cintura. Não fiz nenhuma objeção. Seria bom ter companhia na caminhada. Já que concluí que ele me conhecia mais do que qualquer amigo meu. Ele sabia o poder que tinha nas mãos, tanto quanto eu. - Você não desiste mesmo, não é? – perguntei completamente extasiada.
- Não. – disse. – Já tentei parar, mas não consegui. – confessou, sorrindo de lado, me lembrando de que eu era sua nicotina.
Em meio à variedade espalhada pelo mundo, nunca pensei que poderia ser sua droga ilícita. Éramos perigosos e poderíamos nos queimar durante o trajeto. Mas ele havia escolhido me acompanhar e eu não poderia deixar de prestigiar essa proeza. Porque, além de todas as discussões, restava um sentimento, o qual nascera contra a nossa vontade, entretanto, não deixava de ser menos intenso. Desisti. De fingir ou me orgulhar da ausência de carinho. Ele havia me mudado, porém, a minha essência ninguém conseguiria tingir. Eu iria até o fim, independente se realmente resultasse no inferno.
- Eu vou te acompanhar para qualquer lugar que você for. – ele sussurrou.
- Eu não tenho escolha mesmo. É isso que você quer? – falei sorrindo de lado, percebendo que o sol já estava aparecendo no céu.
- Eu escolho você. – ele falou, parando e selando nossos lábios. Definitivamente, a noite estava se esvaindo pela eternidade e um novo dia começava. Deixei aprofundar o beijo e senti todas aquelas sensações me invadirem, como há meses. A pronúncia seria perda de tempo, as horas haviam falado por si só. Eu não precisava escolhê-lo, porque desde o começo, minha trajetória foi precisa o bastante para me privar de escolhas e não era agora que ocorreria mudanças. Mas a vida o colocara do meu lado e não seria eu que iria tirá-lo dali. Mesmo que ele fosse um erro, era, de longe, o melhor.