Acordei com um barulho irritante que eu logo reconheci como o despertador. Esfreguei os olhos e me virei para o outro lado, tentando ignorar o barulho insistente. Coloquei o travesseiro em cima da cabeça, mas nada parecia silenciar aquele despertador maldito. Não havia outra saída a não ser me levantar e começar o dia. Chutei a coberta para longe e respirei fundo três vezes, tentando afastar o mau humor matinal. Eu quase não havia dormido durante a noite, então eu sabia que não seria a melhor das manhãs. Levantei-me e abri as cortinas do quarto, revelando um céu incrivelmente azul e uma paisagem encantadora de prédios antigos e carros apressados na rua. Um sorriso formou-se involuntariamente em meu rosto. Como eu amava Edimburgo e como eu amava aquela arquitetura dos séculos passados. Tomei um banho, coloquei uma roupa que fosse suficiente para o friozinho daquela manhã ensolarada e sentei-me na bancada da cozinha, tomando meu café quase sem açúcar. Liguei a televisão para acompanhar as notícias diárias. Nada muito interessante, nada que se destacasse.
Morar sozinha é uma arte. Você tem que se acostumar com a solidão. Tem manhãs sozinha, tardes sozinha, e noites sozinha. Algumas vezes eu desejava que estivesse ali comigo, mas normalmente era agradável ter o meu próprio espaço, eu havia me acostumado com a minha própria companhia nesses quatro meses em Edimburgo. Claro que de vez em quando meus amigos de faculdade passavam por ali, deixando marcas de bebida no tapete e copos quebrados pelo chão, mas em época de provas era um silêncio absoluto aquele apartamento do décimo andar.
Ouvi o interfone e percebi que estava atrasada. Por sorte Patrick era uma pessoa paciente e já estava acostumado com os meus atrasos diários. Peguei minha bolsa e corri até o elevador, na esperança de ser a mais rápida possível. Saí do prédio e encontrei um Patrick sorridente dentro do carro.
- Não sei como você consegue ser tão bem humorado de manhã. - eu coloquei o cinto de segurança e apoiei a cabeça na janela, fechando os olhos e tentando cochilar por mais cinco minutinhos.
- Você é a parte mal humorada do casal, eu não. - Patrick insistia nessa história de sermos um casal, mesmo eu dizendo trilhões de vezes que não éramos. A gente já saía tinha uns dois meses, mas eu nunca disse que queria ser parte de um casal, como se fosse uma instituição ou coisa assim. Depois de eu fiquei com um certo trauma de me apegar às pessoas. Fiz uma careta com esse pensamento, era uma pessoa tão distante agora que nem parecia real tudo o que havia acontecido em Surrey.
- Eu só queria dormir mais um pouquinho... - eu praticamente supliquei e Patrick desligou o rádio, compactuando com a minha vontade de dormir.
Mas a breve lembrança que tive de não me deixou cochilar nem por um segundo. Fazia tanto tempo que eu não pensava nele, e fazia mais tempo ainda que eu não tinha notícias dele. Logo que cheguei a Edimburgo perdi o celular em uma festa e acreditei que fosse por força do destino não ter mais contato com , eu precisava mesmo seguir com a minha vida. Fiz prometer que não daria o meu novo número a ninguém e jamais pedi o número dele, mesmo isso passando pela minha cabeça várias vezes. O que eu diria ao ligar? "Sinto sua falta" ou "queria você aqui", não me parecia certo, não me parecia justo. Eu precisava tentar viver de uma maneira diferente, conhecer novas pessoas, fazer novos amigos e recomeçar em um lugar que jamais me faria tanto mal quanto Surrey me fez. Também nunca fui à Londres, apesar de suplicar ao telefone toda semana. Eu sempre dava uma desculpa de que estava muito ocupada. Não que nós nos falássemos muito, a ligação semanal durava cerca de dez minutos, porque uma de nós sempre tinha coisas a fazer e tínhamos que desligar. Fomos acostumando com o tempo a ficarmos longe uma da outra, acho que a gente acostuma com a ausência do outro, fica mais fácil de conviver com os fantasmas do passado. Então desde que saí de Surrey não vi mais ninguém, não ouvi mais a voz de , não ousei tocar mais no nome dele com qualquer outra pessoa. Guardei no fundinho do coração o amor que era pra ele, mas que não houve oportunidade de crescer. Aceitei que às vezes a vida é mesmo dura com a gente, e que não há outro jeito a não ser esquecer. E eu tenho tentado viver assim, com meus novos amigos e Patrick tentando nos transformar em um casal o tempo inteiro.
- A gente se vê no almoço, ok? - eu disse ao entrarmos no prédio da universidade. Eu cursava Letras e Patrick fazia Economia, então não tínhamos nenhuma aula juntos.
- Sem atrasos. - ele respondeu e eu sorri, Patrick sabia que eu sempre me atrasava.
- Vou dar o meu melhor. - eu arqueei a sobrancelha e ri. O garoto me deu um beijo rápido e tomamos caminhos opostos.
Entrei na sala e me sentei no fundo, como de costume. Eu adorava as aulas de Literatura Inglesa I, e eu precisava distrair os meus pensamentos de . Olhei pela janela e pensei em Patrick, e em tudo o que havia acontecido na minha vida desde que me mudei para Edimburgo. Conheci Patrick no campus, logo no primeiro mês de aulas. Eu estava sentada em um banco lendo um dos romances de Charles Dickens e ouvi uma voz dizer "você só pode ser estudante de Letras pra estar lendo Dickens a esta hora da manhã", e mesmo depois de eu ter lançado um olhar mortal para ele, o garoto sentou-se ao meu lado e sorriu, e eu não consegui resistir. Desde então ele tem tentado ganhar o meu coração de todas as formas possíveis, enquanto eu só tento manter distância de todo esse romance. Não que Patrick não seja um cara legal, porque ele é e eu gosto bastante dele, mas não sei se consigo me apegar à outra pessoa depois de tudo o que aconteceu em Surrey. Eu preciso de um tempo, sem ter que me preocupar com qualquer outra pessoa que não seja eu mesma. Patrick e eu não planejamos nos encontrar e nos conhecer, mas aconteceu e eu não sei mais lidar com o fato de gostar de alguém. Eu nem sei se quero gostar de alguém.
- Um doce pelos seus pensamentos! - eu ouvi Carrie dizer e acordei do meu transe momentâneo.
- Eu estaria diabética se aceitasse o doce toda vez que você dissesse isso. - eu arqueei a sobrancelha e ela riu.
- Como você é bem humorada, ! - ela disse ironicamente e foi a minha vez de gargalhar. Carrie foi a primeira pessoa que falou comigo na universidade e é o mais próximo que eu tenho de uma amiga de verdade em Edimburgo. - Estou curiosa pra saber o que você acha do novo príncipe, eu estou tentando conversar com as pessoas sobre isso, mas ninguém me dá atenção o suficiente.
- Príncipe? Que príncipe? - senti minhas mãos suarem. Tentei não demonstrar nenhuma emoção, mas o meu coração estava acelerado.
- Você não viu o noticiário hoje? - eu me lembrava de ter ligado a televisão enquanto tomava o café, mas não prestei atenção em nada porque Patrick havia tocado o interfone logo depois. - Os assessores da rainha comunicaram esta manhã que há um terceiro herdeiro do trono. Dá pra acreditar nisso? - Carrie parecia super empolgada e eu só sentia o meu corpo inteiro gelar.
- Jura? - eu disse, sem esboçar nenhuma emoção. - Quem será esse herdeiro misterioso?
- Vai ter uma festa amanhã no Palácio de Buckingham para que esse tal herdeiro seja apresentado à sociedade. Não é macabro que eles tenham escondido esse príncipe por tanto tempo? - ela fazia caras e bocas enquanto me contava o que tinha visto na televisão. - Todos estão tentando adivinhar quem é, pode ser qualquer pessoa!
- Pode ser até um cara que a gente já ficou, imagina que louco seria? - eu me forcei a dizer e ri com a minha própria ironia. Então finalmente sairia da sombra e tomaria o lugar que era seu por direito. Eu não sabia se deveria me sentir feliz ou triste por isso. O meu coração ainda estava acelerado com tantas lembranças de vindo à tona no mesmo dia.
- Eu iria surtar, com certeza. - Carrie riu e eu abri um sorriso fraco. - Vou fazer plantão hoje em todos os sites de fofocas pra ver se descubro alguma coisa antes. Acho que estou obcecada por esse novo príncipe. - ela mexia freneticamente no celular. Acessando os sites de fofocas, imagino eu.
- Com certeza vai ser um grande dia em Londres. - eu pensei em como iria reagir quando soubesse. Eu tinha certeza que ela iria me ligar em êxtase, gritando como uma louca. Eu não queria pensar nisso, Londres estava a horas de distância e não fazia mais parte da minha vida. Logo ele se tornaria o Príncipe-Perdido-Que-Voltou e o Palácio de Buckingham era onde deveria ficar para sempre. - E com certeza vai ser um grande dia em Edimburgo, tendo que estudar pra tantas provas ao mesmo tempo! - eu tentei desesperadamente mudar o assunto.
- Só mais um mês pras férias, vamos nos focar nisso! - ela sorriu e nossa atenção foi desviada para o professor que acabava de entrar na sala.
Esta podia ser uma das minhas matérias favoritas, mas eu não consegui prestar atenção em uma frase que o professor dizia, porque a minha cabeça rodava em pensamentos sobre . Parecia que desde que eu acordei tudo queria me fazer lembrar ele, e agora essa notícia de que o terceiro príncipe seria apresentado para o mundo. O que eu deveria sentir? Era irritante que o meu coração acelerasse vez ou outra ao pensar no garoto, e eu me esforçava ao máximo a não viajar no passado e relembrar dos nossos momentos juntos. Eu não podia fazer aquilo comigo mesma, eu precisava me focar no presente. Fechei os olhos pra tentar afastar esses pensamentos, mas o dia em que fui embora de Surrey me veio à cabeça. correndo entre as pessoas, e me olhando através da janela com aqueles olhos que eu tinha certeza que jamais esqueceria. A mensagem no celular, o borrão que ele havia se tornado na minha vida. "Eu amo você. Meu Deus, como eu amo você". Eu nunca esqueceria aquelas palavras. Senti os meus olhos encherem d'água, mas eu precisava resistir, eu precisava parar de me torturar daquela maneira. Mas nada fazia as palavras de sumirem da minha mente. Eu amo você. Eu amo você. Eu amo você. Que inferno! Eu estava a ponto de explodir! Peguei minha bolsa e saí da sala quase que correndo, tendo a certeza que Carrie estaria com um grande ponto de interrogação na cara.
Cheguei ao corredor e senti que estava sufocada. O meu coração estava acelerado, eu sentia uma incontrolável vontade de chorar e precisava de alguém ou qualquer coisa que conseguisse me acalmar. Peguei o celular e mandei uma mensagem pra Patrick, dizendo que estaria sentada no jardim do campus e que precisava falar com ele urgentemente. Certamente ele iria me encontrar assim que lesse o meu recado. Caminhei até o jardim principal e me sentei em um banco, ainda me sentindo mal por ter tantas lembranças do por perto. Flashes da última vez que eu o tinha visto se misturavam com flashes dos sete meses que passei na clínica Samadhi, e eu sentia como se uma grande bola de neve do meu passado estivesse correndo atrás de mim. Senti meus olhos marejados mais uma vez, mas me senti incrivelmente aliviada ao reconhecer Patrick nas escadas do prédio principal. Ele demorou alguns segundos pra me achar, mas veio correndo assim que me viu. Ele sentou ao meu lado e me encarou, e eu não sabia o que dizer.
- O que aconteceu, ? - ele perguntou depois de alguns segundos em silêncio e eu não aguentei e comecei a chorar. Senti Patrick me abraçando e eu apoiei minha cabeça no peito dele, molhando um pouco sua camisa. O meu corpo tremia de tanto que eu chorava, e eu pensei que finalmente estava soltando a dor que havia sentido nesses quatro meses longe de Surrey. Tentei tanto jogar todas as lembranças pra debaixo do tapete, tentei tanto fingir que não existia mais, pra acabar tendo um surto no meio da universidade. E o pior de tudo é que eu estava chorando por no abraço de uma pessoa que gostava de mim, eu me sentia a pior pessoa do mundo em potencial.
- Nada. Eu só... - eu tentei falar entre as lágrimas. Forcei-me a parar de chorar e respirei fundo. - Eu só me lembrei de algumas coisas do passado e entrei em pânico. - Patrick me encarava e eu pensei em como eu devia estar horrorosa com os olhos inchados. Passei as mãos no rosto pra enxugar as lágrimas e me senti um pouco mais leve. - Desculpe ter te tirado da sua aula, eu só precisava muito ver você.
- Prefiro ficar com você do que na aula daquele velho chato! - Patrick sorriu e eu me senti incrivelmente mais calma. Era engraçado como ele conseguia me acalmar em segundos, era uma das coisas que eu gostava bastante nele.
- Eu sou chata, mas pelo menos não sou velha. - eu disse rindo e Patrick arqueou a sobrancelha, me surpreendendo com um beijo rápido nos lábios. Eu não podia negar que, apesar de tudo, era bom ter alguém que se importava comigo. Era bom estar com alguém que não colocaria a minha vida em risco.
- O que você acha da gente sair daqui? - Patrick levantou-se e estendeu a mão pra que eu me levantasse também. - Esquecer esse frio chato e passar o dia em casa, vendo qualquer porcaria na televisão?
- Você tem que trabalhar depois da aula, Pat. - eu disse como se fosse óbvio. Patrick trabalhava em uma empresa de marketing, na área financeira. Ele já era um veterano da Universidade de Edimburgo.
- Eu ligo para o escritório e digo que não estou me sentindo bem, é só compensar amanhã. - ele abriu um sorriso que mais parecia o sorrir de uma criança levada. - Não me olhe assim, foi você que me ensinou a mentir.
- E você aprendeu muito bem. - eu dei o dedo médio pra ele e nós dois rimos. - Tudo bem, eu aceito passar o dia inteiro tendo que aturar você. - Patrick passou o braço pela minha cintura e nós caminhamos juntos para o estacionamento.
Era um momento agradável. Caminhar com Patrick sob o sol, mesmo que estando frio, e vê-lo sorrir como uma criança. Ele tinha o cabelo loiro, que mais parecia ser dourado sob a luz do sol. Os olhos eram verdes e combinavam muito bem com os dentes perfeitamente brancos. Eu não sabia como um cara tão bonito tinha se apaixonado por mim, acho que era meio que um presente do destino depois de ter feito tanta merda na minha vida.
Chegamos ao apartamento dele e eu me joguei no sofá enquanto Patrick ligava para o escritório e dava uma bela desculpa para ficar em casa, ele tinha mesmo aprendido muito bem a mentir. Liguei a televisão e fiquei passeando pelos canais, mas a maioria deles só falava sobre as últimas notícias, o que incluía e sua família real. Irritei-me com esse assunto que parecia estar me perseguindo e desisti de assistir à TV, bufando em frustração. Fechei os olhos e tentei me concentrar em qualquer coisa que não fosse sobre , e a voz de Patrick me fez voltar à realidade.
- Não tem nada de bom na TV? - ele perguntou e me entregou uma xícara de café, exatamente da maneira que eu gostava: com um cubinho de açúcar e bem forte. Eu abri um pequeno sorriso, Patrick sempre se lembrava de fazer tudo da maneira que eu mais gostava.
- Está todo mundo obcecado com a família real. - eu disse mais ranzinza do que pretendia.
- Ah, eu vi o noticiário quando acordei. - ele comentou e depois tomou um gole do próprio café. Eu permaneci em silêncio porque queria fugir daquele assunto. - Você não vai mesmo me dar espaço pra sentar? - Patrick arqueou a sobrancelha e eu gargalhei ao perceber que ele ainda estava em pé e eu estava deitada, ocupando o sofá inteiro. Sentei-me e o vi juntar-se a mim, passando o braço pelas minhas costas, me puxando pra mais perto.
- Isso é muito melhor do que estar na aula. - eu me aninhei nos braços do garoto e abri um pequeno sorriso. Senti uma ponta de irritação ao ouvir o meu celular tocando.
- Eu pego pra você. - Patrick realmente sabe o quanto sou preguiçosa. Ele esticou-se até a minha bolsa e pegou o meu telefone, entregando-o a mim.
- Oi, Joey. - eu atendi ao ver o nome de na tela. Por favor, que não seja pra falar do novo príncipe.
- Chandler! - eu a ouvi dizer, com certeza ela estava sorrindo. - Como eu sei que você é um pouco esquecida, resolvi te ligar pra lembrar que neste fim de semana é o meu aniversário. - eu franzi a testa tentando contar mentalmente os dias pra ter certeza se o que ela estava falando era verdade. - Bom, pelo seu silêncio posso perceber que você já tinha esquecido, sua ingrata! - gargalhou e eu abri um sorriso, vendo Patrick me encarar e sorrindo também.
- Você sabe que não sou boa com datas... E então, o que você vai fazer? - eu perguntei, tomando mais um gole de café.
- Obviamente você vem para Londres me ver.
- Obviamente. - eu repeti, sentindo o meu coração apertar. Eu queria estar em qualquer lugar menos naquela cidade.
- Vou dar uma pequena festa em um pub, você vai amar!
- Aposto que sim. - eu revirei os olhos.
- Então, a pergunta que não quer calar. Só coloco o seu nome na lista ou você vai trazer alguém? - eu não pude evitar um sorriso. Eu nunca havia mencionado Patrick pra , porque sabia que ela ia me encher o saco. Mas tinha um faro aguçado pra esse tipo de coisa e já devia estar desconfiando de alguma coisa há algum tempo. Droga.
- Vou levar alguém. - eu olhei pra Patrick e dei de ombros.
- Eu sabia! Você não me engana, Chandler! - ela praticamente gritou ao telefone. - Então está confirmado. Agora preciso ir, tenho uma aula insuportável pra aturar. Beijo! - ela desligou antes que eu pudesse responder.
- Temos aniversário da no final de semana. - eu resolvi soltar a bomba logo de uma vez e Patrick arqueou a sobrancelha. - Em Londres. - ele abriu um pequeno sorriso e eu quis fugir daquela situação. Eu não sabia como ia apresentar Patrick aos meus amigos de Surrey e no pior das hipóteses, como eu iria apresentá-lo ao caso ele aparecesse depois de virar um príncipe conhecido. - Você não precisa ir se não quiser, sei que talvez você tenha trabalhos pra fazer no fim de semana e... - eu ia dizendo quando Patrick tapou a minha boca com a mão.
- Você fala demais. - ele disse rindo e eu franzi a testa. - Eu quero ir com você. - ele tirou a mão da minha boca e eu o encarei. - Quero ir pra qualquer lugar com você. - eu apoiei minha cabeça no ombro dele e fechei os olhos, me permitindo aproveitar aquele momento em que você sente que tudo pode ficar perfeitamente bem.
Acordei com o despertador tocando e virei-me para o outro lado, tentando ignorar que já era hora de sair da cama. Senti a mão de Patrick subir pelas minhas costas nuas e abri um sorriso.
- Você não quer se atrasar pra primeira aula, né? - eu o ouvi dizer perto do meu ouvido e soltei um riso baixo.
- Na verdade, seria perfeito chegar atrasada. - eu virei-me e o encarei. Patrick tinha um sorriso perfeito nos lábios e mal dava pra acreditar que ele havia acabado de acordar. Como alguém consegue já acordar bonito assim?
- Também pensei nisso. - ele respondeu distribuindo selinhos pelo meu rosto. - Mas você sabe que não é assim que funciona. - ele encostou o nariz no meu e eu encarei aqueles grandes olhos verdes. - Vou fazer o café. - Patrick me deu mais um selinho e se levantou da cama.
- Você está me torturando. - eu me enrolei nas cobertas e ouvi a gargalhada dele, que já estava fora do cômodo.
Levantei-me lentamente e fui me arrastando até o banheiro. Tomei um banho rápido e quente e procurei por alguma roupa minha nos armários de Patrick. Por sorte achei um jeans e uma blusa que combinassem e penteei o cabelo. O cheiro de café fresco invadiu minhas narinas e eu andei como um zumbi até a sala, encontrando Patrick sentado à mesa.
- Você sabe que tem um monte de roupa minha no seu armário? - eu sentei-me ao lado dele, tomando um gole de café.
- Sei. - ele sorriu. - Tem um monte de coisas suas pelo apartamento todo. - Pat colocou a mão sobre a minha e eu me senti um pouco incomodada. Eu gostava dele, mas não estava pronta pra ficar de mãos dadas ou agir como um casal normal. Eu precisava fazer as coisas no meu próprio tempo.
- Eu sou bagunceira mesmo! - tentei dar um ar cômico à conversa e tirei minha mão debaixo da dele para pegar a caneca de café. - Sobre a viagem para Londres, eu estava pensando em irmos de carro, o que você acha?
- Perfeito. - ele sorriu. - Podemos sair no sábado de manhã, eu pego você em casa.
- Gosto assim, de eficiência! - eu gargalhei quando vi Patrick rolar os olhos.
Terminamos de tomar o café rapidamente e corremos para o carro, Patrick detestava chegar atrasado para as aulas.
Parecia que o assunto principal de todos os professores era a festa do palácio de Buckingham e o tal terceiro herdeiro misterioso. Todos só sabiam falar em como isso era um fato histórico e que nós estaríamos vivendo um grande momento da monarquia. Eu só conseguia pensar em como devia se sentir em relação àquilo tudo. Como ele estaria agora? Depois de 18 anos no anonimato, como seria ser apresentado a todos e nunca mais poder levar uma vida normal? Ri com esse pensamento e percebi que nunca mais faria parte da minha vida. Os nossos mundos eram completamente opostos.
Patrick me levou em casa antes de ir para o trabalho e eu me afundei no sofá, juntando coragem para ligar a televisão e acompanhar a festa do palácio de Buckingham. Eu queria e não queria assistir, havia uma batalha interna em mim. Tanta coisa havia mudado na minha vida pelo fato de ser um príncipe e eu guardava uma certa mágoa disso. Uma mágoa que era reforçada pelo mesmo pensamento que me assombrava todos os dias “será que nós dois teríamos dado certo se ele fosse uma pessoa comum?”. Em algum momento se apaixonaria por outra pessoa e o caminho ficaria livre para sermos felizes. Mas não era assim que funcionava. A rainha me odiava e nada jamais passaria por cima dela.
Já tinha uma hora e meia que eu estava com os olhos grudados na TV e os repórteres cobrindo a festa só aumentavam o suspense acerca da revelação de . Eu já havia visto a maioria dos convidados chegarem, já tinha decorado os estilistas das roupas que as celebridades estavam usando, já tinha anotado mentalmente os erros e acertos nos trajes de gala, e já tinha roído todas as minhas unhas também. O meu celular não parava de apitar com as mensagens de Carrie, que havia insistido em assistir comigo, mas eu dei a velha desculpa de que não estava lá muito interessada no assunto, eu não saberia reagir perto de qualquer pessoa ao ver a verdade de vir finalmente à tona.
Arregalei os olhos quando a jornalista anunciou que a rainha ia começar a falar e aumentei o volume da TV, sentindo o meu coração bater mais forte. A rainha havia começado um discurso sobre as tradições da monarquia e tudo o que eu ouvia era um blábláblá sem fim, e eu não conseguia esconder as caretas que eu fazia para a TV, acho que o nosso desprezo uma pela outra era mútuo mesmo. Quase adormeci de tédio durante os vinte minutos desnecessários de discurso e senti o meu corpo inteiro vibrar ao ouvi-la dizer que havia chegado a hora do mundo saber quem era o terceiro herdeiro direto do trono da Inglaterra. A hora era agora. Eu sentia o meu coração batendo em uma velocidade incrível, como se eu estivesse naquela festa, vendo tudo pessoalmente. Senti que ia desmaiar quando ouvi o nome que eu já conhecia tão bem sair da boca da rainha e em questão de segundos apareceu ao lado dela, impecável em seu traje de gala, com o cabelo milimetricamente arrumado, como eu sabia que ele detestava. Ele tinha um sorriso convincente nos lábios, o mesmo que eu já vira milhões de vezes. Os olhos estavam mais que nunca e eu senti uma pontada no peito quando a câmera deu um close neles. Eu os conhecia tão bem, já haviam sido meus. Senti meus olhos marejados ao ouvir dar o seu primeiro discurso como príncipe, com a voz firme e o olhar impenetrável. Vendo-o ali naquele ambiente e parecendo tão natural em meio à família real eu pude perceber o que todo o exército da rainha havia tentado me falar e eu não havia ouvido: havia nascido para aquilo. Ele era um príncipe. Ele falava e andava como um príncipe. E nenhum amor do mundo poderia desfazer aquela verdade. era o terceiro herdeiro direto do trono do Reino Unido. era uma garota perdida em Edimburgo. Não havia qualquer conexão relevante entre nossos destinos.
Fui acordada dos meus pensamentos pelo toque incessante do meu celular. Eu não precisava olhar o visor pra saber quem era. Respirei fundo para aguentar qualquer reação que viesse de .
- VOCÊ VIU ISSO? - eu mal atendi e ela já estava gritando. Eu provavelmente estaria nas mesmas condições se já não soubesse da verdade.
- Vi. Quem diria, hein? - tentei parecer um pouco surpresa, mas certamente nem repararia nas minhas reações.
- Eu estou em choque! Como ele conseguiu esconder da gente por esse tempo todo? - ela falava sem parar do outro lado da linha e eu tinha certeza que estava gesticulando também. - Aquela filha da puta da Kayla namora um príncipe! Eu nunca gostei dela, aposto que ela sabia de tudo e só por isso deu em cima do ! Ai, não sei nem o que pensar, Chandler! - finalmente havia parado para respirar e eu senti que havia ficado um pouco surda.
- e Kayla ainda estão juntos? - eu odiei a mim mesma por sentir o coração pesado com tal informação. Eu já deveria ter imaginado isso. - De qualquer maneira, isso não me interessa. E você só não gosta da Kayla porque ela está com ele. Você odiaria qualquer pessoa que estivesse com o , até eu. - tentei fazer uma piada com a minha desgraça e ri quando bufou.
- Você nunca faria isso comigo. - o meu riso desfez-se em menos de um segundo. não sabia o quanto poderia estar errada e eu me sentia a pior pessoa do universo. - Não é? Você é a única pessoa em quem eu confio.
- É. - eu desviei os olhos para a TV no mesmo momento que aparecia o sorrindo e cumprimentando diversas pessoas. Eu tinha a sensação de que o meu coração poderia explodir a qualquer momento. - Eu nunca faria isso com você. - senti uma lágrima descer pelo meu rosto e resolvi mudar o assunto. - E os preparativos para o seu aniversário? Como andam?
Conversei com por mais 10 minutos antes de finalmente desligar, ela queria terminar de ver a festa de pela televisão. Eu preferi mudar o canal e continuar afundada no sofá, tentando manter os meus pensamentos longe de enquanto assistia a um filme de comédia qualquer. O dia ia ser longo.
Eu corria feito louca pelo apartamento, pegando as últimas peças de roupas e entulhando-as dentro da mala. Patrick tocaria o interfone em menos de cinco minutos e eu estava, como sempre, atrasada. Eu havia achado uma ótima ideia arrumar as minhas coisas na manhã de sábado, eu poderia acordar uma hora e meia antes do horário combinado com Patrick e tudo estaria certo. Mas é claro que eu joguei o celular longe quando ele despertou às oito horas e virei para o lado, jurando para mim mesma que fecharia os olhos apenas por dez minutinhos. Acordei com a ligação de Pat, querendo se certificar de que eu estava pronta e eu tive que disfarçar a voz sonolenta e afirmar que sim, óbvio que eu estava pronta, aliás, estava prontíssima. E então a correria começou. Banho, pentear os cabelos, correr pelo quarto, molhar o chão inteiro, procurar roupas apropriadas para Londres, fazer um café de qualquer jeito, colocar a calça aos pulos enquanto resmungava alguns palavrões. Definitivamente eu nunca seria uma pessoa matinal. Nem que a minha vida dependesse disso.
Fechei a mala tendo que sentar em cima dela devido ao excessivo número de roupas e dois segundos depois, eu ouvi o interfone tocar. Gritei que já estava descendo e encarei o meu reflexo uma última vez no espelho do banheiro. O meu cabelo estava preso em um rabo de cavalo totalmente bagunçado, eu tinha pequenas olheiras embaixo dos olhos e um sorriso torto nos lábios. É, dava pro gasto.
Corri para fora do prédio e Patrick estava, como de costume, encostado no carro me esperando. Encarei aqueles olhos verdes brilhantes no sol e abri um sorriso, pensando mais uma vez em como o universo tinha me presenteado com um cara maravilhoso. Pat guardou minhas coisas no porta-malas e entramos no carro.
- Não se assuste com a , ela pode ser um pouco efusiva às vezes… - eu avisei, já prevendo os ataques rotineiros da minha amiga.
- Acho que eu aguento. - Patrick sorriu, sem tirar os olhos da estrada. - Ela não pode ser pior que você.
- Vai se ferrar! - eu disse, mas acabei sorrindo. Eu era mesmo terrível, Patrick tinha toda a razão.
Tivemos uma viagem tranquila e agradável. A estrada não estava cheia e fazia uma manhã ensolarada, apesar do frio. Um dia atípico em Londres, talvez por culpa do aquecimento global, mas eu estava grata pelo céu incrivelmente azul projetado acima de nós. Demoramos um pouco para chegar ao apartamento de , Patrick demorou a aceitar que precisaríamos da ajuda do GPS. Depois de algumas voltas desnecessárias por Londres, finalmente chegamos ao prédio em que morava. Senti um frio na barriga ao entrar no elevador, eu não a via há quatro meses e esse era o máximo de tempo que tínhamos ficado totalmente separadas.
- Chandler! - gritou assim que abriu a porta. Fui recebida com um abraço tão forte que achei que pudesse sufocar ali mesmo.
- Oi, Jo! - eu disse quando finalmente consegui respirar. - Também senti saudade!
- E então? É ele? - disse e apontou para Patrick, que estava atrás de mim. Eu abri um sorriso tímido e balancei a cabeça.
- Esse é o Patrick. - eu o apresentei. - E essa é a . - eu não me lembrava da última vez em que eu tinha sentido tanta vergonha na vida.
- Já ouvi tantas coisas sobre você que parece que já nos conhecemos. - Patrick disse e gargalhou, escandalosa como sempre.
- Você é mais bonito do que eu imaginava! - disse e eu dei um tapa no braço dela. - O que foi? - ela me olhou, tentando bancar a inocente. - Mas é verdade!
- Eu disse que ela era efusiva. - eu sussurrei para Patrick enquanto encarava o celular.
- Podemos ir então? - pegou a bolsa que estava no sofá e eu a encarei, um pouco confusa.
- Pra onde? Mas nós já vamos sair? - eu senti o meu corpo um pouco mole de sono.
- Tivemos uma pequena mudança de planos. - ela abriu um pequeno sorriso e eu sabia muito bem o que aquele tipo de sorriso significava: bomba. - Acontece que o nosso amigo príncipe achou que fosse uma boa ideia passar o fim de semana do meu aniversário em um de seus castelos… - ela respirou fundo, como se ainda estivesse tentando assimilar o fato de que era da realeza. - Não é demais?
- O que? Mas… Como assim? - eu tentava ignorar o fato de que minhas pernas haviam amolecido só pela menção de .
- Todo mundo foi pra lá ontem, mas como você e o não se dão muito bem eu sabia que você não iria querer ir pra lá sozinha. Achei melhor irmos juntos… - ela sorria e eu permanecia em estado de choque. - Agora podemos ir? Não quero me atrasar, o pessoal está nos esperando! - me puxou até o elevador e Patrick veio logo atrás.
Eu só me preocupei em andar até o carro no piloto automático, minha cabeça girava em milhões de pensamentos. Era tão inesperada a notícia de ver . Era tão assustador imaginar ele e Patrick juntos no mesmo lugar. Achei que fosse desmaiar quando sentei no banco do carona. Meu Deus, que final de semana esse seria!
- Alguém pode me explicar essa história? - Patrick disse enquanto dirigia e soltou um risinho.
- Você não contou pra ele? - ela me perguntou e eu engoli em seco.
- Não achei que fosse algo importante… - tentei parecer natural.
- Você só pode estar brincando, Chandler! - rolou os olhos.
- Nós estudamos com o , o tal terceiro herdeiro do trono. - eu expliquei a Patrick.
- Ele era do nosso grupo de amigos! - ela inclinou-se para frente, para ficar mais perto de nós dois. - Mas a não gostava muito dele.
- Você me conhece... - eu encarei Patrick e ele riu. Era quase criminoso fingir para Pat que isso era verdade. Mas o que mais eu poderia fazer? - é apaixonada por ele até hoje.
- E você pode me culpar? - ela arqueou a sobrancelha. - O cara é maravilhoso.
- Nem tanto, . - eu sentia vontade de rir de tão ridícula que aquela cena era. Vontade de rir e de vomitar ao mesmo tempo, eu não conseguiria escolher.
Patrick dirigiu por algum tempo até chegarmos em Windsor, uma cidade parte do condado de Berkshire. Entramos em uma pequena estrada que daria até os portões do Castelo de Windsor, e eu tinha calafrios toda vez que pensava em encarar os olhos de de novo. Eu queria prolongar o máximo que pudesse aquele curto caminho até o Castelo, mas por ironia do destino, chegamos em poucos minutos. Havia guardas nos portões e eu me senti dentro de um filme, era um cenário surreal demais para se estar. desceu do carro e andou até eles, e eu a observava, apreensiva. Vi falar com um dos guardas e depois pegar o celular, parecia estar ligando pra alguém. Depois de alguns minutos, ela voltou para o carro.
- Houve um problema na lista. O seu nome não está liberado, Chan. - ela disse, com a testa franzida. - Mas eu liguei pro , ele está vindo resolver isso.
- Que ótimo. - eu resmunguei e encarei o campo verde pela janela do carro. Como eu tinha sido ingênua em achar que iria entrar facilmente em uma propriedade real sendo que a própria rainha me odiava. Eu provavelmente era a número um da lista negra dela. Por que isso não passou pela minha cabeça antes? Não era um problema na lista, o meu nome não estava barrado a toa.
e Patrick conversavam alegremente, mas o meu mau humor repentino não me permitia participar da conversa. Eu apenas observava a fachada do Castelo de pedra e desejava nunca ter saído de Edimburgo. Os portões se abriram e eu pude reconhecer saindo deles. O meu coração acelerou de uma forma incrível e eu me senti paralisada. Ele se aproximava de nós e eu só queria sair correndo. e Patrick saíram do carro e eu me vi obrigada a fazer o mesmo, tentando ao máximo não ter nenhum contato visual com . Concentrei-me nos meus sapatos e achei que fosse morrer quando ouvi a voz dele.
- Ei. - ele disse e eu não me mexi. - . - levantei a cabeça ao perceber que era comigo. E o inevitável aconteceu. Encarei aquelas imensidões e me senti totalmente entregue. sorriu e parecia ser o mesmo garoto que conheci na Conrad. O cabelo bagunçado, aquele jeito de me olhar, o sorriso estampado no rosto… Eu poderia esquecer por alguns segundos que ele era o príncipe de uma nação. Ele não era de ninguém. era meu.
- Oi. - eu abri um pequeno sorriso e me concentrei em não pular em cima dele e beijá-lo. Patrick estava bem ali. Eu tinha que repetir isso na minha cabeça como se fosse um mantra.
- Desculpe por isso. - ele disse simplesmente e eu entendi perfeitamente o que ele queria dizer. Nós dois não precisávamos de mais explicações, sabíamos exatamente o que havia acontecido. - Você tá bem?
- Tô sim. E você? - era torturante falar com sem poder encostar nele. Se eu colocasse um dedo na pele dele eu não conseguiria parar nunca mais. Uma coisa era tentar viver bem longe, outra coisa era estar cara a cara com o . Eu me sentia uma viciada em abstinência. Eu sentia a minha mão tremer.
- Esse é o Patrick! - disse antes que pudesse responder e eu tive um mini infarto. - O namorado da . - O QUE? Eu ia matar aquela garota. Eu me imaginei colocando em um foguete e a mandando para bem longe. Tentei permanecer calma, mas o meu coração pulava ao perceber que havia franzido a testa.
- Eu sou o , prazer. - ele esticou a mão e os dois se cumprimentaram. Eu não sabia o que fazer diante de tal situação. Eu também não poderia gritar na frente de Patrick que ele não era o meu namorado, seria constrangedor demais para todos. Então eu engoli o momento como se fossem milhões de canivetes na garganta. - Acho que podemos entrar agora. - eu o ouvi dizer, porque já não conseguia encará-lo.
Entramos os quatro no carro e eu permaneci encarando a paisagem pela janela enquanto adentrávamos o Castelo de Windsor. A construção era toda em pedra e era tão grande que seria impossível percorre-lo por inteiro em apenas um dia. Patrick estacionou ao lado dos outros carros e nós saímos. nos guiou até a sala de estar e eu estava maravilhada com a grandiosidade daquela construção. Eu jamais poderia imaginar o quão bonito um castelo poderia ser e estava abismada com a realidade. Papéis de parede dourados, quadros enormes de pessoas que jamais saberíamos os nomes, móveis tão incríveis que pareciam ter sido feitos à mão. andava com naturalidade pelos cômodos e eu só pensava em como eu queria poder passar alguns longos minutos em cada um deles só para observar todos os detalhes com calma. Era muito surreal estar ali.
- Oi, sua mané! - disse assim que me viu e eu gargalhei.
- Não se iluda, . - eu o abracei e senti como se estivesse na Conrad de novo.
Foi uma sucessão de abraços. Primeiro , depois , Rebecca, Steffy e infelizmente, Kayla. Apresentei o Patrick a todos como apenas “Patrick” e fiquei imensamente agradecida por não ter complementado com a palavra “namorado”.
- O dia está lindo, o que vocês acham da gente aproveitar essa raridade meteorológica ao invés de ficarmos aqui dentro? - colocou os óculos escuros, se achando totalmente descolado.
- O que você tem em mente? - arqueou a sobrancelha.
- Piscina. Não é óbvio? - ele deu de ombros.
Todos concordaram com a ideia. Estava mesmo quente e um dia como aquele não podia ser desperdiçado. Um mordomo guiou Patrick e eu a um quarto, enquanto os outros já tinham subido as escadas correndo para se trocarem. Eu já achava esquisito o suficiente estar com um mordomo - coisa que eu só via na televisão, mas a quantidade de portas naquele corredor era além do esquisito. Eu havia contado pelo menos uns dez cômodos até finalmente chegarmos ao que seria o nosso quarto naquele fim de semana. As nossas coisas já estavam lá e eu parei um minuto para apreciar os detalhes daquele lugar. A janela enorme ao lado da cama permitia que alguns raios de sol penetrassem as cortinas, dando um tom diferente ao papel de parede. Havia quadros nas paredes que retratavam paisagens que eu jamais havia visto. Havia uma porta que revelava um banheiro todo branco e marrom, e eu imaginei se um dia eu teria um gosto tão bom para decoração. Tudo ali era incrível e agora eu entendia perfeitamente a fixação das pessoas por castelos.
Coloquei o meu biquíni e puxei Patrick para fora do quarto, ignorando os seus pedidos de ficarmos mais cinco minutinhos lá dentro. Descemos as escadas e seguimos o eco das vozes, e depois de errarmos o caminho duas vezes conseguimos chegar à área da piscina. Era um local aberto, a grama era incrivelmente verde e havia uma piscina enorme e rodeada por espreguiçadeiras e pequenas mesas. , Kayla, e já estavam dentro da água, estava deitado em uma das cadeiras e Rebecca e Steffy estavam sentadas na beira da piscina. Sentei-me enquanto observava Patrick tirar a camisa e não pude deixar de sorrir, eu estava mesmo ferrada com Pat e no mesmo lugar.
- Não me diga que vai ficar aí sentada. - Patrick jogou sua camisa em cima de mim e eu levantei o dedo médio pra ele, que riu.
- Eu gosto de ficar no sol. E isso não aconteceu muitas vezes desde que eu saí do Brasil. - eu prendi o cabelo em um coque improvisado.
- Você vai mesmo dificultar as coisas? - ele arqueou a sobrancelha e eu não entendi o que aquilo significava.
- O que isso quer dizer? - eu perguntei e vi Patrick se aproximar de mim, com um sorriso no rosto.
- Quer dizer que se você não quer entrar na água por bem, vai entrar por mal. - e antes que eu pudesse pensar em algo, Patrick me pegou no colo e pulou na piscina. O meu corpo chocou-se com a água gelada e quando voltei à superfície Pat me encarava.
- Eu vou te matar, Patrick! - eu nadei até ele e joguei um pouco de água em seu rosto.
- Vai, é? - o garoto colocou as mãos na minha cintura e me encarou. Os olhos verdes dele estavam iluminados pelo sol e eu não saberia definir o quão lindo aquilo era. Foi inevitável a aproximação dos nossos rostos e eu sentia a respiração de Pat confundir-se com a minha.
- Não. - eu disse baixo e beijei-o rapidamente. Distribuí beijos por todo o seu rosto e Patrick ria e me abraçava, me fazendo esquecer por alguns segundos que havia outra pessoa no meu coração.
- Vocês são lindos juntos! - gritou do outro lado da piscina e eu desviei a atenção para onde ela estava. me lançou um olhar furioso e eu engoli em seco. Nunca o tinha visto me olhar daquele jeito. Eu não sabia muito bem como reagir, então apenas desviei o olhar para , que ainda sorria pra mim.
Mandei um beijo no ar pra ela e nadei até a beira da piscina, saindo e me deitando em uma cadeira ao lado de . Patrick nadou até o restante do grupo na água e integrou-se à conversa. Eu fechei os olhos e senti o sol começar a esquentar a minha pele.
- Acho que vai afogar o Patrick a qualquer momento. - disse e eu ri.
- Isso me dá o direito de afogar a Kayla? - o garoto gargalhou.
- A te ajudaria nessa missão. Ela reclama da Kayla dia e noite. - eu podia imaginar as coisas que dizia, e ter que conviver com a namorada de em Londres devia ser um castigo pra ela. Pra mim seria o fim.
- não poderia ter escolhido mais irritante. - eu abri os olhos e observei na piscina. Ele ria de algo que havia dito e eu desejei, com todas as minhas forças, poder estar perto daquela risada de novo. Era tão bom, fazia o coração ficar quentinho.
- Ele escolheu mais irritante. - eu arqueei a sobrancelha, ainda observando . Agora ele estava falando e eu prestava atenção em todos os gestos do garoto. - Escolheu você. E eu não conheço garota pior que . - eu encarei e abri um sorriso enorme, em parte por ele me lembrar que me amava e em parte por ele achar que eu era a mais irritante de todas, aquilo fez eu me sentir especial de alguma forma.
Passei um bom tempo tomando sol ao lado de , conversando sobre qualquer coisa vez ou outra. Kayla e Steffy sentaram ao meu lado e eu quis perguntar a Deus por que ele estava me castigando tanto. Tentei ignorar a presença da namoradinha de , mas por algum motivo desconhecido Kayla achou que era uma ótima ideia iniciar uma conversa.
- Achei muito legal todo mundo estar reunido aqui. - ela disse, parecendo estar realmente super animada. Eu tive que me esforçar muito para não bufar alto.
- Sim, está sendo ótimo. - eu respondi, tentando não ser muito grosseira.
- Esse castelo é demais! - Steffy disse enquanto prendia o cabelo molhado. - Como é namorar um príncipe, Kayla? - eu quis ser uma avestruz pra poder simplesmente enfiar a minha cabeça no chão e só tirar quando aquele assunto estivesse encerrado. Eu não queria acabar com o meu humor tendo aquele tipo de conversa, porém parecia que eu não teria outra escolha.
- A minha ficha ainda não caiu, eu acho. - ela sorriu. - tem milhões de compromissos durante a semana e nós almoçamos com a avó dele algumas vezes… Conhecer a rainha foi assustador, mas ela foi muito simpática comigo. - Kayla tinha a testa franzida, como se tentasse se lembrar de todos os detalhes. Eu só queria que ela falasse tudo de uma vez e enterrasse a faca no meu peito logo. - Mas o continua o mesmo, pelo menos comigo. Ele é um amor, nós saímos pra jantar todos os dias e ainda viajamos em alguns finais de semana. A nossa rotina a dois está normal. - ela riu. Eu sentia o meu coração diminuir ao imaginá-los juntos. Os dois jantando juntos, viajando juntos, dormindo juntos. O casal e Kayla. Kayla e . Eu sentia vontade de vomitar. E de chorar. Ou os dois juntos.
- , você não quer tomar alguma coisa? Vamos lá dentro pegar. - levantou-se e piscou pra mim. Fui atrás dele e agradeci mentalmente por ter um amigo que sabia exatamente quando arrumar uma desculpa esfarrapada para me tirar de alguma enrascada.
Andamos até a cozinha e pegou duas cervejas, me entregando uma. Eu disse que queria ficar alguns minutos sozinha e ele voltou para a área da piscina, me deixando com meus próprios pensamentos. Respirei fundo umas dez vezes e senti que estava na hora de voltar lá pra fora, mas quando juntei toda a coragem necessária, entrou pela porta e acabou com os meus planos. Ele estava todo molhado e tinha alguns fios de cabelo grudados no rosto. Aqueles olhos me encaravam, mas eu não conseguia lê-los, eu não sabia o que se passava na cabeça de naquele momento.
- Você parece bem feliz com o seu namorado. - ele disse enquanto andava em minha direção. Eu reconhecia o tom de sarcasmo de , e tudo o que eu não queria era uma briga.
- Ele não… - eu perdi a voz ao perceber o quão próximo estava de mim. Poucos centímetros nos separavam e eu achei aquela proximidade um pouco perigosa. Eu não me controlaria por muito tempo estando tão perto dele.
- Ele sabe de tudo o que você gosta? - disse no meu ouvido e eu tive que fechar os olhos com força pra tentar manter algum controle sobre o meu corpo. - Eu sei. - ele passou a mão pelo meu cabelo e eu pensei seriamente em desmaiar ali mesmo. - Ele te beija da mesma maneira que eu? - beijou o canto da minha boca e abriu um pequeno sorriso ao perceber que eu prendia a respiração. Aquilo era torturante demais pra mim. - Ele sabe em quais partes você é mais sensível? - o garoto deslizou a mão pela minha barriga e segurou forte em minha cintura. Naquele instante eu achei que eu a) fosse morrer b) viraria pó c) derreteria. Fazia muito tempo que o cheiro de estava guardado na minha memória e agora eu me sentia embriagada de novo. Aqueles segundos pareciam intermináveis com o garoto segurando a minha cintura e nossos lábios tão próximos. Em um impulso eu poderia acabar com a distância que restava e aquietar o meu coração gritante. Mais do que querer beijar , eu precisava daquilo, era uma necessidade.
- Eu acho que aquela porta dá na cozinha... - nós ouvimos a voz de Kayla e eu empurrei com força. Sentia o meu peito subir e descer em uma velocidade absurda. Ele ainda me encarava, tão sério quanto eu. Peguei minha cerveja quando vi Kayla entrar no mesmo cômodo.
- E aí, gente? - ela disse, sorrindo. Beijou nos lábios e foi em direção a geladeira, talvez a procura de algo para beber. Senti-me a pessoa mais idiota do mundo e percebi que mantinha os olhos baixos, fitando os pés. Eu não sabia se sentia mais raiva ou mágoa daquela situação toda.
- Fique longe de mim. - eu sussurrei ao passar por e finalmente saí da cozinha, com o coração sangrando.
O dia se arrastou na piscina e quando a noite caiu, todos nos arrumamos para o jantar de aniversário de . A mesa era enorme e estava toda decorada em azul e branco, tudo nos mínimos detalhes. Eu encarei aquela quantidade de talheres ao lado dos pratos e fiquei imaginando como alguém conseguia se lembrar da função de cada um deles. Tive que observar o começar a comer para imitá-lo e não correr o risco de errar o talher, eu estava muito confusa! O jantar em si correu bem, eu e Patrick nos sentamos bem longe de , então nem dava pra manter qualquer contato visual que fosse. Cantamos todas as canções de parabéns que conseguimos nos lembrar e sorria o tempo todo, feliz por ser o centro das atenções mais uma vez. Eu estava feliz por ela ter um aniversário maravilhoso, mas tudo o que eu queria era voltar pra Edimburgo e nunca mais pisar em Londres.
Passamos algumas horas jogados na sala e bebendo cervejas, até que o cansaço chegou e um a um fomos subindo para nossos respectivos quartos. Patrick e eu erramos o caminho algumas vezes e nossas gargalhadas davam eco naqueles corredores, era muito difícil se achar em um castelo tão grande.
- Você está quieta. - Patrick disse. Nós dois estávamos deitados na cama e eu estava me esforçando para não encará-lo. Eu só tinha em minha cabeça.
- Estou com sono e acho que bebi demais. - eu menti. Eu mal tinha tomado cerveja, me sentia nervosa demais perto de . - Só preciso dormir, amanhã vou acordar melhor. - eu disse, antes que Patrick tentasse me beijar ou algo do tipo. Eu não conseguiria tirar a roupa pensando em outra pessoa.
- Boa noite, linda. - ele me deu um selinho e eu virei para o outro lado, fechando os olhos com força e rezando para cair no sono o mais rápido possível.
Eu não conseguia dormir. Simplesmente não conseguia. Contei carneirinhos milhões de vezes, mas sempre me perdia no meio por estar pensando em . Eu não aguentava a imagem de e Kayla juntos, e também não aguentava pensar que o garoto estava tão perto e no entanto não havia nada que eu pudesse fazer. O destino era mesmo um filho da puta.
Virei-me cuidadosamente para o lado e vi que Patrick dormia tranquilamente. Ele tinha um semblante angelical e eu desejei estar perdidamente apaixonada por ele, seria tão mais fácil. Poderíamos ser felizes juntos. Mas nada na minha vida vinha com facilidade… Bufei e resolvi me levantar, não adiantava nada ficar naquela cama se eu não conseguia dormir. Talvez um passeio lá fora me fizesse bem, eu poderia observar o céu até ficar realmente cansada. Olhei para o relógio que marcava três da madrugada, todos deviam estar dormindo profundamente.
Concentrei-me para lembrar do caminho certo até a parte de fora do castelo e consegui chegar à porta principal. Uma brisa soprava lá fora e eu senti o meu corpo arrepiar. A área verde do castelo era tão imensa que nem dava pra enxergar os portões de saída de Windsor. Caminhei silenciosamente com os pés na grama até chegar à área da piscina e encontrar alguém sentado e com os pés na água. Ah, não. Era azar demais encontrar ali. Meu primeiro pensamento foi dar meia volta e ir embora, mas o garoto olhou pra trás e me viu, antes que eu pudesse obrigar os meus pés a se moverem na direção contrária.
- Não vai embora. - ele disse. Choques elétricos percorriam o meu corpo enquanto aqueles olhos me encaravam. Sentei-me ao lado dele e também coloquei os pés na água.
- Que gelado. - eu reclamei, e um silêncio profundo instalou-se entre nós. Eu tinha medo de dizer qualquer coisa e acabar em uma briga. Eu não suportava mais me sentir magoada em relação ao . Eu só queria ficar ali, quietinha e tentando não estragar mais nada.
- Gosto de ter você aqui. - ele quebrou o silêncio inesperadamente. Eu percebi um pequeno sorriso se formar em meus lábios. - Não aqui no castelo, mas aqui ao meu lado. - nós dois encarávamos nossos pés na água, eu tinha medo do contato visual e acho que pensava da mesma maneira.
- Parece tão natural, né? - eu balançava os meus pés, fazendo pequenas ondas na piscina. Qualquer distração servia, eu só precisava manter meus olhos longe dos dele.
- Acho que o amor é isso. Sentir-se confortável ao lado de uma certa pessoa, mesmo quando tudo em volta parece tão errado. - eu senti o meu corpo inteiro paralisar. Eu não queria ter que entrar nesse assunto, mas agora parecia inevitável. Amar era uma coisa tão distante e tão dolorosa, que eu havia colocado o sentimento em uma caixinha e guardado bem no fundo da memória. - Nós parecemos dois idiotas aqui. Mal conseguimos nos encarar e dizer a verdade. - eu levantei a cabeça e vi que o garoto me olhava. Nossos olhos estavam hipnotizados e eu não conseguia dizer uma palavra sequer. Eu mal conseguia respirar. - Eu amo você. - disse e colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. Sua mão deslizou do meu cabelo até a minha bochecha e só então eu percebi como sentia falta daquele toque.
- Meu Deus, como eu amo você. - eu respondi, fazendo alusão à mensagem que ele havia me enviado no dia em que parti para Edimburgo, e o garoto riu antes de aproximar o rosto do meu e me beijar. Fechei os olhos no momento em que os lábios de tocaram os meus, e me entreguei àquele momento. Eu sentia tanta saudade do beijo de que poderia ficar ali para sempre. Eu o amava, e esse era o amor mais impossível do mundo.
- Eu não quero mais ter que ficar longe de você. - ele disse quando partimos o beijo. Eu passei a mão pelo cabelo dele, bagunçando-o do jeito que eu gostava. - Eu não quero mais ter que namorar a Kayla pra despistar a minha avó. Eu quero ficar com você. - pegou a minha mão e entrelaçou nossos dedos.
- Isso é um pouco impossível. - eu apertei levemente a mão dele. - Eu sou a inimiga número um da rainha. - eu ri, achando um pouco de graça na situação catastrófica.
- Mas isso foi antes. Agora todos sabem quem eu sou. Eu não tenho mais que me esconder. - ele passou o braço pela minha cintura, me puxando para mais perto e eu encostei a cabeça em seu ombro. - Eu quero ficar com você, se você ainda quiser ficar comigo. - beijou o topo da minha cabeça e eu senti um fio de esperança dentro de mim. Eu sabia que ainda tinha Patrick na jogada, e a rainha, e , e ainda . Eu sabia que era um plano impossível. Eu sabia que alguma merda viria a acontecer. Mas eu não pude resistir dizer a verdade. O meu coração gritava aquelas duas palavras que estavam prestes a sair da minha boca.
- Eu quero.
Senti um peso em minhas costas e abri os olhos lentamente. Pisquei algumas vezes por causa da claridade e encarei a janela por alguns segundos. O dia estava cinza, e havia nuvens pesadas no céu. Virei-me lentamente na cama e meu coração saltou ao ver dormindo tranquilamente ao meu lado. O peso em minhas costas era o braço dele atracado na minha cintura e lentamente as lembranças foram surgindo uma a uma em minha mente. Estávamos na área da piscina de madrugada, passamos horas nos beijando e finalmente resolvemos subir, pois nossos olhos não aguentavam mais permanecer abertos. me levou para um quarto no final de um corredor enorme e nós ficamos nos encarando e sorrindo até ambos desmaiarem de sono. Estávamos em outra realidade, em outra dimensão, em um mundo só nosso. E eu queria que aquilo durasse pra sempre, mas sabia que o mundo real não seria tão gentil assim.
Passei a mão pelo cabelo de , enrolando os meus dedos em alguns fios e constatei que uma das melhores coisas da vida era observar alguém que a gente ama dormindo. Ele parecia tão tranquilo, eu sentia o meu coração inchar de tanto amor ali dentro. Observei o garoto dormir por mais alguns minutos e o vi abrir os olhos e sorrir quase que instantaneamente.
- Você estava me olhando dormir? - ele arqueou a sobrancelha.
- Aham. - eu respondi, abrindo um sorriso maior do que eu havia planejado.
- Só isso? Não vai ter nenhuma piadinha ou comentário maldoso sobre como eu durmo? - disse em um falso tom de surpresa e eu gargalhei.
- Não abuse da sua sorte, . - revirei os olhos e ele me puxou pela cintura, colando nossos corpos e deixando nossos rostos a centímetros.
- Nossa, mas você está mesmo apaixonada por mim. - o garoto disse com sarcasmo e eu teria dado um tapa nele se não tivesse sido surpreendida por um beijo.
Encarei e ele abriu um sorriso largo. Eu me sentia completamente embriagada pelo cheiro dele. Eu amava tudo sobre , agora eu entendia. O cabelo, o sorriso, os braços, a feição séria, as rugas na testa. Eu conhecia cada centímetro daquele garoto, até os defeitos. Os defeitos continuam sendo ruins quando a gente os ama?
passou a mão pelo meu rosto e arqueou a sobrancelha quando ouvimos barulhos vindos lá de fora. Fomos obrigados a reconhecer que ainda existia um outro mundo além do qual havíamos criado naquele quarto. Não podíamos mais ignorá-los, era hora de levantar.
- A gente só precisa aguentar o resto do fim de semana. - eu tentei parecer otimista, mas sabia que seria horrível ter de encarar Patrick. E mais horrível ainda seria ver e Kayla juntos.
- A gente já aguentou muito mais que isso. - me abraçou pela cintura quando me levantei e depositou um pequeno beijo em meu pescoço. Ele tinha razão. - A partir de segunda-feira, você é minha. Sem ninguém pra atrapalhar. - ele me encarou. - Ouviu bem?
- Ouvi. - eu sorri. Os olhos de me causavam tontura.
- Nem e nem . Ninguém. - ele me encarava firmemente. Meu pensamento voou até . Eu não podia fazer isso com ela. Eu teria que ter a conversa mais dura da minha vida e precisaria estar preparada. Eu não sabia nem por onde começar, mas ainda tinha dois dias pra pensar. Estava na hora de deixar de fazer tudo pelos outros e fazer algo por mim.
- Ninguém. - eu beijei e saí do quarto, antes que me enrolasse na cama com ele de novo.
Andei pelo castelo seguindo as vozes que ecoavam pelos corredores e encontrei Patrick e na sala principal. Patrick me encarou e sorriu, e eu me senti uma vagabunda sem coração. Desviei a atenção daqueles olhos verdes e fitei os sapatos, tentando pensar no que dizer.
- Que milagre foi esse que você acordou mais cedo que eu? - Patrick perguntou e eu fingi estar analisando minhas unhas, tudo para adiar ao máximo o contato visual com ele. Que bom que ele pensava que eu tinha acordado mais cedo e não passado a noite em outro lugar, com outra pessoa.
- Perdi o sono. - murmurei. Eu me sentia a pessoa mais suja do universo. Mas pensar em acordar ao lado de fazia tudo valer a pena.
- Estamos esperando os outros para o café da manhã. - entrou na conversa e eu agradeci mentalmente.
- Nossa, eu estou faminta! - eu disse, com um pequeno sorriso nos lábios. Patrick me abraçou de lado e eu fechei os olhos, tentando suportar toda aquela tortura. Ele não merecia ter o coração partido por ninguém, muito menos por mim.
Como se alguém tivesse ouvido as minhas preces, os outros apareceram na sala em questão de minutos e por último, o casal que eu mais detestava na face da Terra: e Kayla. Arqueei a sobrancelha quando me encarou e tentei permanecer calma. Só mais alguns dias, se tudo desse certo.
A mesa do café da manhã era enorme e estava totalmente coberta de comida. Todos os tipos de pães, sucos e frutas. Eu nunca havia visto nada igual em toda a minha vida, parecia até parte do cenário da Maria Antonieta de Sofia Coppola. me encarava vez ou outra, ele estava sentado do outro lado da mesa, e toda vez que nossos olhos se encontravam eu sentia um calafrio arrepiar todos os pelos do meu corpo. Patrick estava ao meu lado e, como sempre, tentava ao máximo me agradar. Eu acabava cedendo um ou dois sorrisos pra ele, mas me sentia um lixo por dentro. Eu não sabia por quanto tempo mais conseguiria aguentar aquela situação. Eu nem prestava atenção em Kayla, estava tentando evitar ao máximo esse tipo de aborrecimento. Só mais dois dias, eu repetia dentro da minha cabeça, como se alguma mágica fosse acontecer durante esses dias e fazer tudo ficar bem. Não ia funcionar daquele jeito, mas não custava ter um fio de esperança. A gente precisa de alguma coisa pra se agarrar às vezes.
- A que horas as pessoas vão chegar? - perguntou. daria sua festa oficial de aniversário a noite.
- Está marcado para as dez horas. - ela sorriu e tomou um gole do café. - Vai ser a festa mais incrível de todas! - suspirou.
- Vai mesmo. - disse e abriu um pequeno sorriso ao me encarar. Ele estava aprontando alguma coisa?
Resolvemos dar uma volta na cidade durante a tarde, pra aproveitar o dia antes que as nuvens pesadas do céu começassem a pingar. Vez ou outra tinha que parar para dar atenção a alguém na rua, era engraçado como ele era reconhecido agora. parecia ter toda a paciência do mundo com as pessoas que o cercavam.
- Ei, cuidado com isso aí. - dizia ao cara que estava montando os equipamentos de som. A sala em que a festa estava sendo montada era tão grande que caberia uns dois apartamentos meus ali dentro. Cansava as pernas só de ir de um extremo do cômodo ao outro.
- Você está muito descontrolada. - eu brinquei, recebendo um dedo médio em resposta.
- Quero que tudo fique perfeito. - disse e lançou um olhar feio para um cara que estava arrumando o bar.
- Vai ficar mais que perfeito. - eu peguei a mão dela e puxei-a. - Mas agora você precisa subir e se arrumar. Precisa estar pronta quando seus convidados começarem a chegar. - abriu a boca para protestar, mas fui mais rápida. - Eu tomo conta das coisas por aqui. Prometo que vou ser bem durona com eles!
- Não duvido disso. - a garota riu e andou para fora do cômodo.
Havia muitas pessoas trabalhando naquela sala. O bar estava montado e dois barman arrumavam as garrafas de bebida, os equipamentos de som estavam quase prontos, a iluminação havia sido instalada mais cedo, e o pessoal do buffet entrava e saía com uma frequência impressionante. Ia mesmo ser uma festa maravilhosa e merecia. Ela adorava ser o centro das atenções e naquela noite eu tinha certeza de que nada poderia tirá-la de lá.
Eu supervisionei a montagem da festa até o último funcionário me dizer que estava tudo ok. A escuridão da noite já havia tomado conta do céu e eu imaginei que todos deveriam estar se arrumando. Eu estava suada de tanto correr pra lá e pra cá com os preparativos e precisava urgentemente de um banho. Olhei para o relógio e constatei que já passava das nove da noite e eu, como sempre, estava atrasada. Corri escadaria acima e entrei no quarto, encontrando Patrick com a toalha enrolada na cintura. Meu Deus.
- Achei que você nunca fosse sair de lá. - ele disse, sem nenhuma noção do que a figura dele de toalha fazia com os meus sentidos. Ou melhor, falta de sentidos.
- Está tudo finalmente pronto agora. - eu abri um sorriso forçado, me concentrando mais em permanecer calma. - Preciso tomar banho, eu estou nojenta.
- Você está muito distante de nojenta. - Patrick se aproximou de mim, colocando as mãos na minha cintura. - Eu poderia até tomar outro banho com você agora. - ele deixou um rastro de beijos pelo meu pescoço e eu fechei os olhos por um breve momento, tentando não perder o resto dos sentidos que ainda me restavam.
- A vai te matar se você me atrasar. - senti as mãos dele apertarem minha cintura enquanto meu corpo era lentamente conduzido até o banheiro.
- Vai valer a pena. - ele fechou a porta atrás de nós com o pé e subiu as mãos até a barra da minha blusa, tirando-a e jogando-a no chão.
- Foda-se a festa. - eu murmurei, puxando a toalha de Patrick e acabando com o resto do espaço que havia entre nós.
Ajeitei o meu vestido uma última vez no espelho e retoquei o batom, eu estava pronta. Patrick estava sentado na cama e observava todos os meus movimentos, o que me deixava um tanto quanto constrangida.
- Você está linda. - ele disse quando me virei. Por que Patrick tinha que ser agradável o tempo inteiro?
- Você não vai me seduzir pra ficar no quarto de novo, Pat. - eu arqueei a sobrancelha e ri.
- Droga, achei que funcionaria. - ele levantou-se e me deu a mão, puxando-me para fora do cômodo.
A festa da estava lotada. Claramente Patrick e eu havíamos atrasado mais do que o previsto, porque não tinha como aquela quantidade de pessoas terem chegado em um curto espaço de tempo. Eu não conhecia ninguém, o que era meio óbvio já que e eu íamos em faculdades diferentes e morávamos em cidades diferentes. Era curioso ser uma estranha entre os novos amigos da minha melhor amiga.
- Não tem um rosto conhecido aqui. - eu comentei com Patrick, desistindo totalmente de encontrar meus amigos em meio àquela multidão.
- Então a única solução é começar a beber. - ele me guiou até o bar, com a mão na minha cintura.
- Adoro quando você lê meus pensamentos. - eu ri, pedindo para o barman dois shots de tequila.
- Tequila, ? - Patrick arqueou a sobrancelha.
- Tequila.
Depois de alguns shots e duas cervejas, Patrick e eu estávamos rindo de qualquer coisa. A festa parecia muito mais divertida agora que eu me sentia levemente bêbada. Vi do outro lado da sala e puxei Patrick.
- Parabéns! - eu gritei, abrindo os braços.
- Onde você estava? - pegou a cerveja da minha mão e tomou um gole.
- O Pat que me atrasou! - eu ri e ela franziu a testa.
- Vocês não podiam deixar pra fazer essas coisas depois da festa, não? - a garota arqueou a sobrancelha e eu levantei o dedo médio.
- Que coisas? - a voz de invadiu a conversa e eu tirei o sorriso do rosto na mesma hora.
- Esses dois são pervertidos! - disse aos risos e eu senti o olhar pesado de sobre mim. Eu não ia conseguir fugir daqueles olhos mortais, então o encarei, sentindo que o garoto me fuzilava silenciosamente. Merda.
- Aqui, amor. - Kayla entregou uma cerveja a quando se aproximou. Eu abri um pequeno sorriso vitorioso, não porque gostava da presença dela, mas porque estava tão errado quanto eu. Eu sentia o meu sangue ferver, mas continuei sorrindo enquanto ele abaixava a cabeça e desviava o olhar. O sujo querendo falar do mal lavado.
- Vem, eu preciso te apresentar pra todos os meus amigos! - me puxou pela mão.
Fui apresentada a todo tipo de pessoa, e nem se importava se eu detestava esse tipo de coisa. Tive que sorrir infinitas vezes para pessoas que eu jamais lembraria o nome. sempre jogava o cabelo para o lado antes de chegar perto de algum garoto, desde mais nova ela achava que esse gesto a deixava mais sensual. Eu era apresentada como “, minha melhor amiga que mora em Edimburgo” e a cada vez que ela repetia aquela frase eu ficava imaginando o que era ser uma melhor amiga. Qual era a definição desse cargo? Um dos pré-requisitos era deixar pra trás o garoto que você ama? Colocar a outra sempre à frente? O que era, afinal, esse tipo de amizade?
- Está feliz? - eu perguntei, enquanto pegávamos bebidas no bar.
- Essa festa está melhor do que eu imaginei. - tinha um brilho no olhar. - Vai sair na internet, nos jornais, em todo tipo de mídia. Você consegue imaginar isso? Todas as pessoas estão tirando fotos com o . - ela apontou pra , que estava em um canto conversando com algumas pessoas e vez ou outra alguém parava para cumprimentá-lo e tirar uma foto.
- Está pronta para virar uma celebridade londrina? Já consigo ver as manchetes: garota brasileira muda-se para Londres e vira a rainha das noites inglesas. - eu ri, tomando um gole do meu drink.
- Agora só falta a melhor parte: beijar o príncipe. - a garota abriu um pequeno sorriso ao encarar de longe.
- Você vai o que?! - eu engasguei com a bebida e tossi algumas vezes. Não, não e não.
- Posso colocar a culpa na bebida. É o meu aniversário, jamais brigaria comigo, não acha? - me encarava com um sorriso no rosto e eu tentava manter a calma. Respira. Um, dois, três. - E não é como se fosse um segredo que quero beijá-lo desde a primeira vez que o vi. - mas era o meu segredo. E eu tentava desesperadamente guardá-lo. - Você lembra? Daquele primeiro dia na Conrad? - eu lembrava perfeitamente a primeira vez que pus os meus olhos em . Tão bonito e tão arrogante. Nem parecia que ia virar a minha vida de cabeça pra baixo.
- Você está maluca. - eu balancei a cabeça, tentando não demonstrar a frustração que eu sentia. - Kayla está aqui. Lembra? A namorada dele? - eu arqueei a sobrancelha, como se fosse óbvio que beijar não era uma boa ideia.
- Até parece que gosta dela. Aposto que não termina esse relacionamento por preguiça ou algo assim. - tomou o resto do seu drink rápido demais. - Preciso de mais álcool, você vem comigo?
- Sim. - eu afirmei, precisaria estar ao lado dela o máximo de tempo possível para impedir que a garota beijasse .
- Até que enfim te achei! - senti uma mão no meu braço antes mesmo de começar a andar e reconheci a voz de Patrick. - Preciso falar com você.
- Vamos até o bar com a . - eu peguei a mão dele.
- Não. - Patrick abriu um pequeno sorriso. - Preciso falar a sós com você. - hesitei um pouco para responder. Olhei para , que deu de ombros. - É importante.
- Tudo bem. - eu não poderia recusar esse pedido. Vi afastar-se e rezei para que nada acontecesse enquanto eu estivesse com Patrick. Eu só queria ter uma noite calma.
Patrick segurou a minha mão e me guiou pela festa. Algumas pessoas sorriam pra mim enquanto nós passávamos, e eu imaginei que talvez fossem alguns dos amigos que havia me apresentado antes. Observei ao fundo, ainda rodeado de pessoas e rindo enquanto conversava. Um sorriso apareceu em meu rosto quando o vi gargalhar, ele estava longe demais para que eu pudesse ouvi-lo, mas eu sabia muito bem o som que aquela risada tinha. E eu queria estar ali, rindo com e observando-o arquear a sobrancelha casualmente. Eu queria tanto estar com ele que doía.
- Pronto. - Patrick disse ao pararmos perto de uma parede. Estávamos em um canto da festa, uma parte mais livre por não haver pessoas dançando por perto. Patrick continuou segurando a minha mão. - Eu preciso muito falar com você e preciso que você me ouça.
- Está bem. - eu disse, com um pouco de medo do que poderia ser o assunto. Patrick nunca tinha conversas sérias comigo.
- A gente já sai há algum tempo e eu sempre me divirto muito quando estou com você, . É como se eu virasse outra pessoa e não o cara chato que estuda Economia. - Patrick sorria enquanto falava e eu imaginei o quão bêbado ele estaria em uma escala de 0 a 10. Eu certamente estaria perto do 7.
- Você só é chato às vezes. - eu disse, em tom de brincadeira. Patrick riu e eu voltei a encarar os olhos verdes dele. Desejei que estivéssemos embaixo do sol, porque os olhos de Pat ficavam cor de mel sempre que a claridade do dia se refletia neles. Era uma das coisas mais lindas que eu já tinha visto.
- Eu adoro as raras vezes que você dorme na minha casa, porque eu me sinto feliz de acordar ao seu lado. Gosto do seu mau humor matinal, gosto de te fazer café e te observar assistindo às notícias da manhã na TV e reclamando de todas elas. - Patrick falava e eu sorria. Eu era mesmo bem mal humorada antes do meio dia. Mas não entendia aonde ele queria chegar com essa conversa. Qual era o assunto mesmo? - Eu sei que estas não são exatamente as palavras que você gostaria de ouvir, mas não consigo mais deixar de dizê-las. - o garoto ficou sério e me encarou, e um súbito frio na barriga me acometeu. - , eu estou completamente apaixonado por você. - eu pisquei uma, duas, três vezes. Abri a boca pra falar, mas as palavras pareceram abandonar-me. Eu queria sair correndo dali. Patrick era um cara maravilhoso. Por que eu não poderia estar apaixonada por ele também?
- Pat, eu… - tentei completar a frase, mas nada sairia bom. Que desculpa eu poderia arranjar para essa declaração? Eu não tinha saída. Eu não queria magoa-lo. Desviei o olhar e passei os olhos pela festa, como se alguma daquelas pessoas pudessem me salvar. E aí eu o vi, o cara por quem eu era completamente apaixonada. me observava e eu senti minhas mãos suarem. Nada poderia ser mais sufocante que aquele momento.
- Não fala nada, eu ainda não terminei. - Patrick apertou minha mão e eu voltei a minha atenção à ele, temendo o que mais estaria por vir. - Quero estar com você o tempo que puder, o tempo que você permitir. Olho pra você e enxergo a garota com quem eu sempre quis estar. Estou apaixonado por você e preciso que você seja minha. Minha namorada, . - fechei os olhos ao ouvir aquelas palavras. Eu não podia encarar Patrick naquele momento. Um milhão de coisas passaram pela minha cabeça em poucos segundos. O dia em que Patrick e eu nos conhecemos, me encarando na Conrad, Patrick me encontrando depois das aulas, me abraçando. Tentei limpar a mente, mas não consegui. Ouvi ao fundo Pat chamando meu nome e abri os olhos, encontrando-o ainda me encarando. Cruzei o olhar pela sala e encontrei os meus olhos favoritos sobre mim. Eu estava a um passo de pirar.
- Patrick, eu não posso. Não agora. - eu disse e me virei, andando rápido entre as pessoas, tentando de todas as maneiras atravessar aquele mar de gente e sair dali. Minha cabeça rodava entre mil lembranças, e eu precisava de um lugar longe daquela festa para me acalmar.
Corri pelos corredores do castelo até finalmente achar uma porta que dava para o lado de fora. Senti a brisa bater em meu corpo e os meus pelos arrepiaram. Encostei-me a parede e encarei o céu negro acima de mim. Droga. Tudo o que eu queria era um final de semana tranquilo. Eu não tinha o direito de machucar Patrick, mas jamais poderia namora-lo com os meus sentimentos estando com outra pessoa. E eu tinha combinado de acertar as coisas com o logo após este fim de semana. Mas como seria possível? gostava dele e eu também não poderia machucar a minha melhor amiga. Eu não queria machucar ninguém, mas tomar conta do bem estar de todo mundo estava me matando. Eu estava sangrando por outras pessoas. E ninguém sangrava por mim.
- Você corre rápido. - ouvi a voz de e percebi que ele estava ao meu lado.
- O que está fazendo aqui? - eu perguntei, com o coração sobressaltado.
- Percebi que tinha alguma coisa errada. - ele abriu um meio sorriso. - Você está bem?
- Não, . - eu disse, sentindo uma tonelada saindo das minhas costas. - Patrick está apaixonado por mim e quer ficar comigo. Você está atrás de mim quando deveria me deixar em paz e viver sua vida de príncipe. Eu amo você, mas isso está acabando comigo. - eu falava rápido, sem pensar direito nas palavras. Eu precisava colocar tudo pra fora. - Não quero magoar Patrick, não quero magoar você e não quero magoar a . Mas parece que qualquer passo que eu der vou deixar os três feridos. Eu não aguento mais essa responsabilidade. Eu não pedi por isso. - bufei em frustração e fechei os olhos com força. Eu sentia vontade de socar a parede, mas sabia que não seria muito inteligente da minha parte.
- Te amar também acaba comigo. - eu o ouvi dizer, quase em um sussurro. - Mas eu prefiro ficar acabado a deixar de apreciar toda vez que você bufa alto. Ou toda vez que você me chama pelo meu nome e nunca pelo apelido. - eu sorri, sem perceber.
- . - eu abri os olhos e o chamei pelo apelido. Eu o pude ver sorrindo pelos olhos, toda vez que sorria ele quase fechava as pálpebras. E aí eu percebi que tudo ficava muito mais bonito toda vez que ele sorria.
- Estou bem aqui. - ele disse, colocando as mãos no meu rosto. Poucos segundos com eram necessários para me fazer esquecer o mundo.
- Amar você faz tudo em volta de mim desmoronar. - e era verdade. Querer estar com ele destruía tudo ao meu redor, envolvia machucar pessoas que eu gostava. Continuei encarando aquelas imensidões e senti que poderia me afogar nelas. - E eu não me importo.
- Podemos construir tudo de novo. - aproximou o rosto do meu, deixando apenas um pequeno espaço entre nós dois. Eu sentia a respiração dele misturar-se com a minha e essa sensação era reconfortante. - Eu e você. Vamos construir tudo de novo. - ele acabou com a distância restante entre nós e me beijou.
Apoiei minhas mãos na cintura de e me deixei levar pelo beijo. Beijá-lo era parecido com a sensação de se sentir em casa. Era seguro, era conhecido, era o que me deixava calma. Beijar era o meu lar. Eu sabia que nenhum outro me causaria esse mesmo efeito e era por isso que eu tinha que ficar com ele.
Fui trazida de volta à realidade quando uma voz ecoou em nossos ouvidos e eu senti uma leve falta de ar.
- O que vocês estão fazendo?! - gritou ao presenciar a cena que ela jamais imaginaria na vida.
segurou a minha mão e nós dois trocamos um rápido olhar antes de concentrarmos nossa atenção à . Estávamos prontos para ver o mundo desmoronar.
Cinco dias se passaram desde aquela festa. Cinco silenciosos dias se arrastaram. Peguei a minha xícara de café e me afundei no sofá, encarando a televisão desligada. Meu celular vibrava em cima da mesa, devia ser de novo, mas eu não ia atender. Eu não havia falado com ninguém nos últimos cinco dias. A imagem de vinha à minha cabeça a todo momento. Ela paralisada, sem acreditar no que via. Eu e de mãos dadas e em choque. Eu queria que ela tivesse gritado e me xingado de todos os nomes, mas tudo o que fez foi correr de volta para a festa. E eu corri também, rumo aos portões do castelo. Eu precisava ir embora, fugir daquele pesadelo, entrar em uma nova realidade. Peguei o primeiro trem de volta para Edimburgo, ignorando todas as chamadas no meu celular. , Patrick e me ligavam incessantemente. Mas era o silêncio de que me incomodava. Nenhuma ligação, nenhuma mensagem, nada. Cheguei em casa e me afundei na cama, desejando não acordar mais, mas levantei na manhã seguinte com as dezenas de notícias espalhadas nos jornais e na internet. Matérias sobre a festa da , “o grande aniversário da amiga do príncipe.” “Amiga do príncipe faz festa em Castelo de Windsor.” “ recebe convidados em sua festa de aniversário, príncipe é anfitrião.” Todas as manchetes queriam dizer a mesma coisa. Muitas fotos de e sorrindo, como se vivessem em um mundo perfeito. Como se aquela festa não tivesse acabado em desastre. No dia seguinte, ainda restavam algumas notas sobre a festa de aniversário de , mas outra manchete surpreendente tomava a frente das fofocas “príncipe termina romance com Kayla e é alvo de especulações sobre um amor secreto.” O segredo que eu guardei com a minha vida estava estampado em todos os jornais, em todos os lugares. Eu quis sumir. Quis voltar para o Brasil e esquecer toda a minha vida no estrangeiro. Tudo tinha saído muito pior do que o planejado e agora eu não tinha nem coragem de encarar as pessoas na rua. Eu não queria ver ninguém, não queria falar com ninguém. A campainha do meu apartamento tocou algumas vezes durante os cinco dias de exclusão, mas eu apenas permaneci em silêncio até que a pessoa tivesse ido embora. Eu não estava pronta para encarar o mundo. Eu me sentia tão culpada.
Era quinta-feira e eu precisava entregar um trabalho na faculdade. Eu queria ignorar a responsabilidade, mas cedo ou tarde eu teria que sair do meu casulo. Eu não podia ignorar todo mundo pra sempre. Levantei-me do sofá e me olhei no espelho. O meu reflexo mostrava uma pessoa exausta. E eu estava mesmo, exausta daquela situação. Exausta de ter medo de dar qualquer passo em falso. Peguei minha bolsa e saí de casa, deixando o meu celular em cima da mesa, eu ainda não queria atender as ligações. Tentei colocar uma música para me distrair no carro, mas nada funcionava. Estacionei do lado de fora do campus e caminhei lentamente até o prédio de Letras. Alguns conhecidos me cumprimentavam e eu apenas forçava um sorriso, apressando o passo até a sala do professor. Deixei meu trabalho em cima da mesa e respirei aliviada, eu estaria de volta ao meu apartamento dentro de alguns minutos.
Atravessei o campus para chegar ao carro e evitei ao máximo olhar para os lados, não queria ter que parar para conversar com nenhum conhecido. De longe vi alguém encostado no meu automóvel, e não precisei de mais de um segundo para reconhecer a figura de . Ótimo, tudo o que eu precisava era de mais drama. Ele não tinha percebido que eu queria um tempo pra mim?
- O que aconteceu com o seu celular? - ele perguntou assim que eu me aproximei, nós permanecemos sérios.
- Está em casa. - eu respirei fundo e contei mentalmente até 5. - Eu não quis falar com ninguém.
- Então você viu as minhas milhões de ligações? - arqueou a sobrancelha.
- Sim. - eu murmurei. Algumas pessoas pararam para olhar a cena. Não a cena em si, mas , o príncipe. Pude notar algumas pessoas cochichando e me senti azeda. Odiava aquilo. - Podemos conversar em outro lugar? - eu perguntei baixo e ele olhou em volta, percebendo as mesmas pessoas que eu.
- Na sua casa? - ele respondeu e eu assenti, e nós dois entramos no carro, deixando um profundo silêncio tomar conta da atmosfera.
Não olhei para sequer uma vez enquanto dirigia rumo ao meu apartamento. Concentrei-me totalmente à direção e ignorei a presença dele. Eu sentia o meu coração pular com ele ali, mas também sentia a raiva de através do silêncio. Eu não tinha forças pra brigar. Estacionei o carro na minha vaga da garagem e senti minha garganta arder com a presença das lágrimas. Eu não queria chorar, mas parecia tão inevitável. Eu odiava tudo naquela situação. Eu odiava o silêncio de . Poucas vezes o vi irritado de verdade e em todas as vezes senti um medo profundo. Medo de não conseguir fazê-lo voltar ao normal, medo dele perceber que eu não valia a pena todo aquele sofrimento. Apoiei minha cabeça no volante e tentei respirar fundo, mas as lágrimas me venceram e eu comecei a chorar ruidosamente. Bati a mão no painel algumas vezes em frustração, tentando dissipar toda a raiva e mágoa. Senti segurar uma das minhas mãos e depois me puxar para um abraço desengonçado dentro do carro. Senti que ia desmoronar de novo, mas me acalmei a força e me desvencilhei dele.
- Não quero ser uma fraca idiota. - eu disse e saí do carro, vendo fazer o mesmo.
- Você não é. - ele respondeu e nós andamos até o elevador.
- Bom, bem-vindo à minha casa. - eu disse ao abrir a porta do apartamento e deixá-lo entrar. parecia examinar tudo, olhando para cada detalhe com bastante atenção. Eu o deixei a vontade enquanto checava quantas ligações perdidas o meu celular tinha. Muitas.
- Eu gosto dessa foto. - ele disse olhando um porta-retratos que eu mantinha ao lado da TV. Era uma foto com a minha família, a mesma foto que ficava no meu mural em Surrey e que ele já havia visto.
- Eu sei. - eu o encarei, pensando em alguma maneira de começar o assunto. - Como você sabia que eu iria pra faculdade hoje? - perguntei e sentei-me no sofá.
- Eu não sabia. - ele sentou-se também, mas um pouco distante de mim. - Tenho te ligado todos os dias. Vim ao seu apartamento, mas você não atendeu. Eu não sabia mais como te procurar. Então resolvi que um dia você apareceria na aula e dei sorte de ter te visto correndo pelo campus hoje. - abriu um pequeno sorriso, mas logo voltou ao semblante sério. - Não quero brigar com você, mas não consigo fingir que não estou irritado.
- Você não é o único. - eu disse, com mais sarcasmo do que havia planejado. - Você não acha que eu me irrito? Que eu não estou irritada desde o começo? Você se esqueceu de tudo o que aconteceu comigo, ? A minha cota de irritabilidade já atingiu o limite há muito tempo, está além! - eu fechei as mãos e bufei. - E não ouse dizer agora que adora me ver bufar.
- , eu não tenho culpa de ser parte da família que tenho. Eu simplesmente nasci na família real e ponto. - ele começou, e eu via como tentava controlar o tom de voz, para que não saísse mais alto por conta da irritação. - Eu não escolhi ficar escondido por 18 anos. Eu não escolhi ver minha mãe morrer em todos os jornais do mundo. Eu não escolhi viver sob regras que sufocam a minha vida. - me encarava e eu senti uma pontada de medo. Odiava quando seus olhos pareciam um mar em tempestade. - E eu também não escolhi me apaixonar por você. Mas aconteceu. Eu fui te ajudar no primeiro dia de aula e o seu desprezo me fez te querer. E depois descobrir que você era uma pessoa totalmente inconstante me fez te amar. Você não pode me culpar por isso. Não tenho culpa que somos de mundos diferentes. Mas chega desse jogo. - o garoto franziu a testa. - A nossa situação é essa. Ou a gente aceita ou a gente deixa o outro ir embora. Não consigo mais ficar nessa indecisão. Não consigo mais te amar e não poder te ter.
- A minha melhor amiga não fala mais comigo. - eu disse, tentando pensar em bons argumentos para rebater . - O que mais eu vou ter que perder pra fazer isso dar certo?
- A pergunta certa seria: quem mais você vai colocar na frente do que você quer, ? - ele estava completamente sério e eu só queria que ele sorrisse. Tudo melhorava quando sorria. Merda. - Eu estou aqui, indo contra a vontade da minha avó, indo contra todo o sistema da monarquia do qual eu faço parte, pra poder ficar com você. E você não vai ficar comigo por causa da ?
- Eu vou ficar com você. - eu suspirei. - Só estou irritada, . Porque não sei como resolver isso. Não sei como fazer voltar a falar comigo. E não sei o que dizer quando encontrar Patrick. Mas vou ficar com você. Porque você é um mané e eu tenho uma forte atração por esse tipo. - eu abri um pequeno sorriso e o vi fazer o mesmo. Finalmente estávamos nos entendendo.
- E por que a gente tem sempre que brigar pra dizer o que queremos? - ele riu. - Vamos mudar essa tática daqui em diante, ok? - se aproximou de mim no sofá e passou o braço pelos meus ombros.
- Aham. - eu concordei, afundando meu rosto no pescoço dele e fechando os olhos. - Qualquer coisa pra você não ir embora.
- Não vamos a lugar algum. - ele respondeu e passou a mão pelo meu cabelo.
Ficamos algum tempo ali, apenas abraçados e sentindo a presença um do outro. Era tão raro termos momentos a sós que mal dava pra acreditar quando acontecia. Só nós dois, longe de toda aquela loucura.
Ficar perto de era uma sensação tão estranha que eu me perguntava se um dia me acostumaria com isso. Nunca tivemos tempo o suficiente para ficarmos juntos e nos acostumarmos com a presença um do outro, porque sempre havia obstáculos no caminho. Mas agora eu sentia que alguma coisa ia dar certo, alguma coisa estava diferente.
- Eu preciso acabar de resolver esse problema. - eu disse, depois de muito tempo em silêncio. A imagem de Patrick me passou pela cabeça e não era justo deixar que as coisas terminassem desse jeito. Aqueles olhos verdes mereciam mais. - Preciso fazer isso pra me sentir em paz com você. - eu encarei , que mantinha os olhos fechados e algumas rugas na testa.
- Eu sei. - ele disse, abrindo os olhos e me fazendo ficar perdida naquelas imensidões . - Mas por que é tão difícil deixar você ir?
- Porque toda vez alguma merda acontece. - eu ri. - Mas não temos mais o que esconder, não é? Não tem nada pra acontecer agora.
- Preciso voltar pra Londres hoje. - fez uma careta e eu prendi o riso. - Odeio esses compromissos e as aulas da faculdade, principalmente agora que tudo o que eu quero é ficar perto de você. - ele me deu um selinho e ambos sorrimos.
- Vai ficar tudo bem. - eu repeti as palavras que ele costumava me dizer. Nós levantamos e andamos em direção à porta.
- Espera. - falou de repente. - Não posso deixar você sair por essa porta sem antes te fazer dizer uma coisa. - ele permaneceu sério, deixando um suspense no ar.
- O que foi? - eu respondi, com o meu coração levemente acelerado. Parecia até uma bomba.
- Repita comigo. - ele instruiu e eu o observei atentamente. - Eu sou a namorada de . - o garoto falou e eu abri um pequeno sorriso, aliviada por não ser nada bombástico.
- Porra, você me assustou. - ele arqueou a sobrancelha enquanto eu dava um leve tapa em seu ombro. - Não posso repetir isso ainda.
- Vai atrás de mim quando puder? - me segurou pela cintura e eu agradecia mentalmente o fato dele ser tão compreensivo com este assunto.
- Vou. - eu o beijei e senti que as coisas estavam mais próximas que nunca de darem certo. - Pode esperar.
Dirigi até a empresa onde Patrick trabalhava e minha cabeça girou em mil pensamentos enquanto subia as escadas até o andar pretendido. Eu não fazia ideia de como iria encará-lo e nem o que iria dizer. Não existia maneira fácil de lidar com a situação e eu teria que ser forte e admitir os meus erros, sem tentar fugir de tudo aquilo. Agora era a hora de amadurecer, eu não tinha mais 17 anos e não podia mais agir como uma adolescente inconsequente, ainda mais se tratando do coração de um cara tão maravilhoso como Pat. Abri um pequeno sorriso para a secretária do escritório e pedi para que chamasse Patrick pelo telefone. Eu não conseguia sentar de tamanha ansiedade. Os minutos que se passaram pareceram eternos e eu só queria que Pat passasse por aquela porta, e meu coração parou de bater por um segundo quando isso aconteceu. Ele tinha um semblante sério, não sorriu quando me viu e eu tentei ler alguma coisa naqueles olhos verdes, mas eles pareciam irredutíveis. Senti a palma das minhas mãos suarem. Eu parecia uma criancinha assustada.
- Preciso falar com você. - eu ouvi minha voz pronunciar as palavras.
- Vamos pra uma sala de reunião. - ele me guiou para dentro do escritório e entramos em uma sala vazia. - Eu já sei o que você vai dizer. - Patrick me encarou e eu senti um calafrio atravessar o meu corpo.
- O quanto você sabe? - eu perguntei.
- Acho que sei do mais importante. - ele disse, ainda me olhando sério. - Eu estava bêbado, mas percebi o nervosismo de e na festa e depois notei que você tinha sumido. - eu queria enfiar uma faca no meu próprio peito, porque eu mal acreditava no quão egoísta eu tinha sido em simplesmente abandoná-lo em uma festa onde ele não conhecia ninguém. - E então ouvi seus amigos comentando sobre você e , e tentando acalmar . Juntei as peças, não foi tão difícil. E depois você não atendeu as minhas ligações, o que só confirmou tudo.
- Patrick. - eu comecei, mas hesitei um pouco em continuar. O que eu poderia dizer? Eu estava errada. - As coisas foram muito mais complicadas do que você sabe. - fui sincera, afinal ele sabia apenas da parte final de toda a história que envolvia e eu. - Essa história é muito mais sombria do que parece. E existem partes que eu gostaria de deixar no passado. - a imagem da clínica Samadhi passou pela minha cabeça em um flash. - Sinto muito que eu tenha te envolvido nisso. Sinto muito que não consegui retribuir o seu sentimento. Você é um cara tão maravilhoso, Patrick. Se você soubesse o quanto eu queria me apaixonar por você também… - eu parei, observando aqueles olhos verdes ficarem mais doces, do jeito que eu os conhecia.
- Gosto de você, mas não vou te torturar. - ele abriu um pequeno sorriso que desapareceu em segundos. - Não entendo o que se passa na sua cabeça e pensei que eu pudesse te fazer mudar. Não sei, talvez porque eu tenha gostado muito do seu jeito.
- Pat. - eu tentei interrompê-lo, mas sem muito sucesso.
- Não vou ser uma pedra no seu caminho, . Olhando pra você agora sei que jamais poderíamos ficar juntos porque os seus olhos são outros quando você está perto do . Só agora consigo perceber isso. - ele colocou a mão na testa, como se quisesse processar direito os pensamentos. - Olha, eu acho isso uma perda de tempo. Nada mais pode ser dito. Sei que você sente muito e eu sinto muito também. Mas isso não muda muita coisa. - Patrick deu de ombros, e eu senti claramente o quanto ele estava magoado. Eu tinha o dom de afastar as pessoas que me queriam bem.
- Desculpa. Eu não… - parei no meio da frase, eu não sabia mais o que dizer. Eu não tinha mais o que dizer.
- Preciso voltar ao trabalho agora, . - ele disse, quase de forma grosseira. Eu sabia que ele estava se esforçando para ter aquela conversa. E era muito difícil ver aqueles olhos verdes sem luz alguma perto de mim. Senti-me a pior pessoa do mundo. Essa sensação estava muito frequente ultimamente.
- Tudo bem. - eu falei, quase como em um sussurro, enquanto via Patrick sair pela porta e me deixar ali sozinha com o fantasma da culpa. Nem sempre as coisas vão como o planejado.
Cheguei em casa e enfiei a cabeça no travesseiro. Eu tinha resolvido a primeira parte do problema e já sentia vontade de morrer. Patrick era a parte mais fácil, e tinha me doído na alma ter aquela conversa. Eu não queria nem imaginar como seria encarar . Chequei o meu celular e não havia nenhum sinal dela. Eu também não tinha feito nenhuma ligação ou mandado alguma mensagem, me sentia culpada demais para falar qualquer coisa. Eu havia estragado a festa de aniversário da minha melhor amiga beijando o cara por quem ela era apaixonada. Pontos pra você, . Pontos no seu placar De Como Ser Uma Zero A Esquerda. Enfiei novamente a cabeça no travesseiro e soltei um grito abafado. Como era difícil ser adulta e lidar de frente com os problemas. Eu só queria empurrar tudo para debaixo do tapete e deixar assim. Mas não, eu teria que encarar a fúria de . Ela podia ser pior que eu nos meus piores dias de mau humor. Eu não queria ligar porque poderia não atender, o jeito era aparecer na porta dela, a maneira mais direta possível.
Peguei um casaco e entrei em um táxi, descendo na estação de trem de Edimburgo. Peguei o primeiro trem para Londres e encostei a cabeça na janela enquanto via a paisagem passar. Lembrei-me de uma temporada em Friends, onde o Chandler se apaixonava pela namorada do Joey e ficava com ela, brigando com o melhor amigo por isso. Mas no final ficava tudo bem, os dois riam e esqueciam da garota. O Chandler colocava a amizade acima daquilo e as coisas voltavam ao normal. Mas eu não queria perder . E Chandler não amava a garota, ele ficou com ela durante dois episódios só! E Joey estava longe de ser um amigo egoísta como era. Ela queria todas as atenções voltadas para si, enquanto Joey ficava feliz de estar apenas com os seus amigos. Ri um pouco com esses pensamentos sobre Friends e cochilei no trem, até ser acordada pelo tranco que o vagão dava ao parar em alguma estação. Eu havia chegado em Londres. Era a hora da verdade.
Bati na porta do apartamento de , sentindo minhas pernas tremerem. Eu suava frio, o meu coração estava descompassado e eu tinha calafrios na barriga. Às vezes me batia uma vontade de sair correndo, mas minhas pernas mal conseguiam se mexer. Eu precisava ser forte. Eu precisava fazer isso por mim. Eu tinha que dizer “não” pelo menos uma vez na vida para .
- O que você está fazendo aqui? - ela disse assim que abriu a porta e me viu. Não havia um sorriso, não havia um ataque de raiva. Havia uma indiferença que eu nunca havia notado nela antes.
- Não é óbvio? - eu arqueei a sobrancelha, tentando manter a calma. às vezes gostava de tornar tudo mais complicado, mas hoje eu competiria com ela se fosse necessário. Parecia um campo de batalha.
- Eu não tenho tempo agora. - ela continuou me encarando, e eu quase conseguia ver um sorriso de deboche em seus lábios. O meu sangue começou a esquentar.
- E eu não tenho tempo pra fazer charme. - eu falei, passando direto por ela e entrando no apartamento. fechou a porta e eu senti a hostilidade no ar. Eu imaginava que seria ruim, mas isso estava dez vezes pior.
- Você veio aqui pra fazer o que? Se gabar? - ela arqueou a sobrancelha. – Pra cantar vitória?
- Eu vim pra dizer que depois de todos os seus esforços pra se tornar a pessoa mais egoísta do mundo, você conseguiu. Parabéns, . - o meu sangue já estava em ebulição e eu queria soltar todas as verdades que havia guardado por anos. A expressão de cinismo no rosto dela me dava ânsia, parecia uma pessoa completamente diferente da amiga que eu tinha no Brasil. - Vim pra dizer que apesar de você achar que sabe tudo, você não sabe nem da metade. Não sabe que tive que afastar de mim diversas vezes porque eu só pensava em você. Eu sempre te coloquei em primeiro lugar. Você é minha irmã, caramba! - eu fechei as mãos, tentando conter a raiva e a frustração.
- Eu jamais teria uma irmã como você. - ela respondeu, praticamente enfiando cem facas nas minhas costas. Como é que é? - Eu confiava em você, .
- Eu sinto muito se você não está acostumada a levar “nãos”, mas esse vai ser o primeiro que você vai levar de mim. - eu apontei o dedo pra ela. - Eu não vou desistir do por você. Eu não vou colocar, mais uma vez, a sua felicidade acima da minha. Eu não vou fazer as suas vontades.
- Sabe, eu achei que você tivesse vindo aqui pra pedir perdão. - abriu um sorriso sarcástico. Meu Deus, quem era essa pessoa e onde estava a minha amiga? - Eu estava disposta e te perdoar e fingir que nada havia acontecido. Você foi uma amiga de merda, sabia disso?
- Inacreditável. - eu balancei a cabeça e fechei os olhos, tentando me acalmar. O tempo todo fiz tudo tentando protegê-la e no final das contas ela achava que eu tinha sido uma merda de amiga. Mas eu não dava uma dentro mesmo! - O que aconteceu com você? Cadê a minha Joey?
- Eu não posso mais ser a mesma agora que vi quem você realmente é. - ela praticamente cuspiu as palavras e eu senti uma onda de raiva sair dos seus olhos. - Eu não tenho mais nada pra falar pra você, . E eu gostaria muito que você fosse embora. Eu perdi você naquele dia da festa, a pessoa que está aqui eu não reconheço mais. - a garota abriu a porta do apartamento e eu entendi perfeitamente o recado.
- Acho que posso dizer o mesmo. - eu a encarei, andando até o elevador e ouvindo o estrondo que a porta fez quando bateu.
Depois de tirar as fotos com do meu apartamento e chorar até desidratar, eu passei dias tentando aceitar que eu não podia fazer as pessoas mudarem de ideia. Todos tinham o direito a uma decisão e eu precisava respeitá-las, mesmo que isso significasse ficar para trás. Parecia o fim de uma era. O fim de e . Alguém me disse uma vez que crescer significava deixar as pessoas partirem, e eu nunca tive tanta certeza de que crescer era um processo doloroso. Eu entendia perfeitamente o Peter Pan agora.
Demorei mais alguns dias para voltar à rotina normal das aulas, encontrei Patrick algumas vezes no campus, mas não trocamos uma palavra sequer. Ele ainda me encarava com aqueles melancólicos olhos verdes e eu não ousava me aproximar para dizer qualquer coisa. Ele jamais entenderia a minha história, e algumas verdades ficavam melhor omitidas. Acho que todo mundo tem um pouco disso, não é? Nunca conhecemos as histórias das pessoas por completo. Cada um tem segredos que não são compartilhados com ninguém, como diria Frank Warren. Os segredos são os que nos fazem únicos no mundo.
Carrie teve diversos surtos quando a poeira baixou e pudemos conversar direito. Tive que explicar tudo o que aconteceu, desde ter conhecido na Conrad até a festa de aniversário de . Ela ouviu tudo atentamente, dando gritinhos animados em cada parte da história. Era bom ter alguém com quem conversar em Edimburgo, uma pessoa pra chamar de amiga. Eu conhecia Carrie há pouco mais de cinco meses, mas eu tinha a sensação de que seríamos ótimas companhias uma para a outra. Era bom estar com alguém que não te conhece durante a vida inteira, dava pra compartilhar histórias e curiosidades sobre mim mesma e me deliciar com as reações.
Passei um mês inteiro em silêncio. Foi o tempo que demorei para colocar a minha vida de volta aos trilhos. Eu nem sabia qual era a última vez que o meu celular tinha sido carregado, o pobre coitado estava jogado em um canto da sala, totalmente apagado. respeitou a distância que coloquei entre nós, acho que no fundo ele sabia que eu precisava de um espaço pra conseguir digerir essa nova realidade. Eu o via uma vez ou outra pela televisão, e um sorriso sempre aparecia no meu rosto quando isso acontecia. Era inevitável esconder a felicidade ao vê-lo, mesmo através de uma tela de LCD. Depois de tudo o que aconteceu entre nós, decidi que era hora de nos dar uma trégua e ter uma vida calma. Eu só precisava ir atrás dele.
Peguei um táxi até a estação de trem de Edimburgo e embarquei para Londres. Eu iria até a Universidade de Westminster e procuraria por , daria um jeito de achá-lo. Eu precisava fazer as coisas darem certo dessa vez. O trem parou em Londres depois de algumas horas e eu contemplei o céu cinzento da cidade. Às vezes eu sentia saudade da cor azul do céu brasileiro, aqui raramente o céu mudava de cor e, quando isso acontecia, era por conta do aquecimento global. Senti-me embriagada pelo clima londrino, eu definitivamente poderia viver naquela cidade. Um táxi me deixou no campus da Westminster e eu me perguntei como encontraria naquele mar de estudantes. Claro que eu poderia perguntar a qualquer estranho em qual sala o príncipe estava estudando, mas eu não queria chamar atenção. Andei pelo campus observando as pessoas e entrei em um prédio da universidade, tentando pensar em algum plano que me levasse até . Passei em frente de algumas salas e olhei pela janelinha das portas, mas nada de . Continuei andando distraidamente até que trombei em alguém.
- ? - arqueou a sobrancelha e eu comecei a rir. Obrigada, universo, por conspirar a meu favor pelo menos uma vez na vida.
- Cadê o ? - Eu perguntei, quase soando totalmente desesperada.
- No prédio ao lado, na sala 325, eu acabei de sair de lá. - respondeu, sorrindo.
- Eu poderia te dar um beijo na boca agora por essa ajuda! - Apertei as bochechas dele, sentindo-me uma pessoa diferente por tamanha demonstração de afeto.
- Eu passo. - riu e recebeu meu dedo médio no ar em resposta.
Corri pelo campus até chegar ao prédio que havia mencionado e corri mais ainda nas escadas para chegar no terceiro andar. Eu estava ofegante, o meu coração pulava desesperado dentro do peito, eu precisava urgentemente encontrar e estava na hora de ficarmos juntos. Quase tropecei no meu próprio pé quando cheguei na sala 325 e olhei pela janelinha, achando sem dificuldade alguma um sentado e compenetrado na aula. Ele tinha algumas rugas na testa e mantinha um semblante sério, eu quis correr e agarrá-lo pelo pescoço, mas me contive. Encarei-o por alguns segundos, na esperança de que o garoto olhasse para a porta e me visse ali. Tentei acenar, dei alguns pulinhos, mas nada. Ninguém nem sequer notava a minha presença, aquela aula deveria ser muito boa ou muito importante mesmo. Só me restava uma opção: entrar e pedir para falar com . Eu sentia as minhas bochechas queimarem só de imaginar todos da sala olhando pra mim, um momento de total vergonha para a minha vida, mas era agora ou nunca. Respirei fundo três vezes tentando acalmar o meu coração, mas não funcionou - e ainda me trouxe um frio na barriga. Girei a maçaneta com cuidado, sentindo os meus batimentos cardíacos aumentarem e senti que ia ter um infarto quando abri a porta e o professor imediatamente olhou pra mim.
- Pois não? - Ele perguntou, sendo mais educado do que eu esperava. Eu abri a boca pra tentar falar alguma coisa, mas minha voz não saía. Aquilo tudo só ficava mais constrangedor a cada segundo que passava. - Você está bem? - O professor continuou tentando se comunicar comigo, e eu só pensava em como eu parecia uma completa idiota parada ali.
- Estou. - Eu respondi, ainda tentando colocar os meus pensamentos em ordem. Nem ousava olhar para a turma, foquei toda a minha atenção naquele professor.
- E você quem é? - Ele arqueou a sobrancelha e eu senti meu estômago dar voltas com os calafrios que o atravessavam. Eu precisava falar. Eu precisava repetir aquelas palavras. E tinha que ser agora.
- Eu sou a namorada do . - Eu falei, abrindo um sorriso tímido logo em seguida. Desviei o olhar para e o vi com um sorriso incrivelmente grande nos lábios. Cara, o sorriso dele definitivamente era minha luz no fim do túnel. - Preciso falar com ele. - Respirei fundo por ter finalmente parado de parecer uma estranha e começado a agir com mais naturalidade.
Vi se levantar e pedir licença ao professor antes de passar por mim e fechar a porta. Ficamos alguns segundos nos encarando, tentando achar as palavras certas para o momento. Eu só conseguia pensar no quão feliz estava por poder dizer na frente de todo mundo que era meu e eu não precisava mais ter medo de ser perseguida por ninguém. era o meu amor.
- O seu esforço é louvável, , mas você errou a frase. - O garoto disse sorrindo e eu sabia que alguma gracinha estava por vir. Eu o conhecia melhor que ninguém. Conhecia todos aqueles sorrisos. - Namorada de . E não . - Ele frisou a diferença entre o apelido e o nome.
- Eu sou a namorada de . - Repeti certo desta vez, rindo entre as palavras por não ser capaz de segurar o quão bem ele me fazia. - Está satisfeito agora?
- Eu esperei muito tempo pra ouvir isso. - Ele respondeu, encostando o meu corpo na parede e passando a mão pelo meu cabelo, me beijando segundos depois. - Ei, vamos sair daqui.
- Então quer dizer que o grande príncipe da Inglaterra vai matar aula? - Eu provoquei, vendo fazer uma careta.
- Quer dizer que o grande príncipe da Inglaterra vai aproveitar o dia ao lado da sua namorada - ele arqueou a sobrancelha, pensativo. - Eu adoro repetir essa palavra.
- Já tô ficando diabética com esse romantismo todo. - Revirei os olhos ironicamente e o garoto fez o mesmo.
pegou a minha mão e andamos pelos corredores do prédio, chegando ao portão que dava acesso ao lado de fora do campus. O garoto parou subitamente antes de atravessar o portão e me encarou, apertando minha mão um pouco mais forte.
- Está preparada para revelar ao mundo o nosso segredo? - perguntou e eu tomei alguns segundos para pensar. Sim, eu estava preparada para sair das sombras, definitivamente. Depois de partir um coração e desfazer os laços com uma irmã, eu estava pronta pra qualquer coisa.
- Que bom que vesti essa calça skinny, vai fazer parecer que tenho uma bunda maior nas fotos dos jornais. - Eu respondi e o garoto gargalhou. Eu poderia me perder naquela risada pra sempre.
- Você é terrível. - sorriu e nós demos o primeiro passo para fora do prédio. Estava na hora de encarar o mundo.
xx
Abri a porta do meu apartamento e suspirei ao encontrá-lo escuro e vazio. Eu havia passado dois dias maravilhosos ao lado de em Londres e voltar pra casa naquele momento parecia uma tortura. Enfim eu era a namorada do príncipe. Namorada. Era bom o jeito que essa palavra soava. Eu não precisava mais de desculpas para encontrar o ou de argumentos caso alguém descobrisse alguma coisa, porque agora o mundo inteiro sabia que estávamos juntos. E eu não conseguiria descrever em palavras como era bom não viver mais nas sombras. Eu estava feliz. Eu era feliz, afinal. Sorri com essa conclusão e sentei no sofá, pegando o celular e checando as milhões de mensagens que eu havia recebido nos últimos dias de amigos e familiares e que eu havia ignorado até então. Comecei a rir com várias mensagens exageradas, pessoas escrevendo em caixa alta o quão surpresas estavam com as notícias que viram nos jornais. Eu sabia que o meu namoro com o seria alvo da mídia, mas não fazia ideia do que me aguardava. Cliquei em alguns links que meus amigos me enviaram e me deparei com muitas reportagens sobre mim. Fotos que eu nem havia percebido que tinham sido tiradas. Manchetes com letras enormes “ , a escolhida do príncipe” ou “O mistério acabou: conheça a namorada real!”. Era surreal o modo como as pessoas estavam tratando da minha vida pessoal. Eu, uma garota do interior, uma estrangeira, jamais imaginaria que a minha vida se tornaria um livro aberto na primeira página do jornal. Algumas revistas criticavam as roupas que eu usava ou o tipo de corte de cabelo que eu já estava acostumada a ter há anos, e eu pensei até quanto eles podiam apontar erros em uma desconhecida. Ninguém sabia quem eu era ou da onde eu tinha vindo. Eles não sabiam da minha história. Como poderiam tirar tantas conclusões sobre mim só por eu estar com ? Joguei o celular na mesa de centro e fechei os olhos, bufando. Como eu poderia achar que namorar o príncipe seria fácil? Como eu poderia ter sido tão ingênua? E por que eu me importava tanto com o que aquelas pessoas estranhas falavam sobre mim? Eu mal me reconhecia naquele momento. Talvez fosse o primeiro impacto com a nova realidade, talvez no dia seguinte eu conseguisse digerir melhor as coisas e voltar a ignorar o que as pessoas achavam de mim. Eu só precisava dormir e esquecer a saudade que eu já sentia do .
Destravei o despertador e abracei o travesseiro. Eu queria continuar ali até me fundir com a cama e nos tornar uma coisa só, mas sabia que não poderia perder as aulas. Levantei-me e abri as cortinas, olhando a paisagem de Edimburgo que eu tanto adorava. Olhar pela janela todas as manhãs sempre afastava o meu mau humor. Comecei a cantarolar qualquer música enquanto me arrumava e liguei a cafeteira. Uma fina chuva caía lá fora e eu tinha o pressentimento que iria congelar no minuto em que saísse. Ouvi meu celular tocando e torci para que não fossem mais mensagens de pessoas eufóricas querendo saber como eu consegui ficar com o príncipe. Mas, por sorte, era o príncipe em pessoa ligando.
- Bom dia! - Eu disse ao atender a chamada e me peguei sorrindo como uma idiota. nem havia dito nada ainda e eu já estava sorrindo.
- Bom humor matinal? Isso é novidade pra mim - ele riu e eu rolei os olhos, mesmo sabendo que ele não veria.
- O que você quer? - Eu perguntei e ouvi uma gargalhada do outro lado da linha.
- Essa é a que eu conheço - eu abri um sorriso. - Eu acordei agora para ir para a aula e queria ouvir a sua voz pra tentar não sentir tanto a sua falta. Isso é brega? - Senti minhas bochechas arderem e agradeci que o garoto não podia ver.
- Muito brega - respondi e ele riu. - Eu também estou com saudade, fui dormir ontem pensando nisso. Queria poder te ver agora - suspirei.
- Você foi dormir pensando que estava com saudade de mim? Isso sim é ser brega. - disse e eu conseguia imaginar o sorriso estampado no rosto dele.
- Será que a gente não consegue ser um casal normal? - Eu perguntei.
- Nós somos um casal normal, todos os outros que são diferentes - ele respondeu. - Eu adoraria continuar discutindo as teorias do nosso amor, mas eu preciso levantar e me arrumar antes que eu perca a primeira aula.
- E eu preciso desligar antes que você solte mais breguices. Teoria do nosso amor? É sério isso, ? - Eu ria e o ouvia gargalhar do outro lado. - Eu amo você, até com as breguices. Tchau.
- Eu amo você - ele disse e depois desligou.
Eu amava todas as vezes que dizia essas três palavras, soavam tão diferentes na voz dele. Coloquei o celular dentro da bolsa e encarei meu reflexo sorridente no espelho. Eu não conseguia esconder a minha felicidade. Eu tinha vontade de explodir só de pensar que eu e finalmente estávamos juntos. Oficialmente. Para o mundo inteiro. Eu era a garota mais sortuda do Reino Unido e eu sabia. Eu sabia bem.
Tomei o café o mais rápido que consegui e saí, enrolando o cachecol no pescoço e sentindo até os ossos congelarem. Poucos minutos depois eu já estava no campus da universidade e todas as pessoas passavam apressadas por ali, olhei no relógio e percebi que estava dez minutos atrasada para a aula. Corri e cheguei na sala a tempo, sentando-me atrás de Carrie.
A aula arrastou-se, em parte porque a matéria era um pouco chata e em parte porque eu não conseguia tirar da minha cabeça. Eu queria aproveitar aquele momento de felicidade o máximo que pudesse até alguma coisa ruim acontecer. Era sempre assim.
- Você está em todos os lugares da internet, garota! - Carrie disse assim que a aula terminou.
- Eu sei! - Disse em um tom desesperado. - Eu não sei o que fazer!
- Você não tem que fazer nada, só aproveitar. - Ela riu e eu notei algumas pessoas nos olhando enquanto andávamos pelos corredores. Ótimo, então até na universidade as pessoas iam ficar me encarando.
- Tá vendo? As pessoas ficam me olhando - eu cochichei, com medo de que outras pessoas pudessem ouvir. - E algumas pessoas na rua até me cumprimentam - fiz uma careta e Carrie riu.
- O que você queria? Você é a namorada do príncipe, o mundo inteiro te conhece agora - ela arqueou a sobrancelha. - Você se tornou uma pessoa pública. Todo mundo vai estar sempre olhando pra você.
- Eu nunca tinha pensado por esse lado, sabe? - Nós sentamos na escadaria do prédio da próxima aula. - Eu não conheci o como um príncipe. Ele era só… - eu sorri. - Nós éramos só e , o casal secreto da escola.
- Tem só alguns dias que vocês estão namorando, . - Carrie disse com uma voz firme. - Você está assustada agora porque todos olham pra você e todo mundo quer saber como esse romance todo foi acontecer, mas você vai se acostumar com isso. Quero dizer… Você deixou muita coisa pra trás pra estar com o , né.
- Sim, parti o coração do Patrick e arranquei o coração da . Basicamente - ri da minha própria piada triste. Falar o nome da em voz alta era estranho. Eu evitava pensar nela, mas sempre que acontecia uma pontada de saudade apertava dentro de mim.
- Acho que agora é só ignorar todas essas notícias sobre você - a garota sorriu.
- Você não faz ideia de quantos emails não lidos existem na minha caixa de entrada - eu ri. - Vou apagar todos. Que gente chata! - Nós gargalhamos. Eu me sentia bem melhor agora que Carrie havia me acalmado sobre a situação toda. Era óbvio que as pessoas iriam falar sobre mim.
- Agora que você está de boa com a sua fama… - Ela arqueou a sobrancelha e eu sabia que algo estava por vir. - Que tal arranjar um primo ou algo assim do para a sua querida amiga? Pode ser parente distante! - Ela disse e eu gargalhei alto, chamando a atenção de algumas pessoas. Mas eu não me importava mais.
O resto da semana passou correndo. e eu nos falávamos por telefone todos os dias, e toda vez que eu ouvia a voz dele, eu sentia uma saudade imensa. Eu ouvia a risada dele e ficava imaginando a cena dentro da minha cabeça. Todos os dias eu sentia uma vontade incontrolável de entrar no trem e ir até Londres só para vê-lo. Eu queria tanto estar com ele todos os dias.
Corri pelos corredores até conseguir encontrar a minha sala. Eu sempre estava atrasada, eu simplesmente não conseguia funcionar pela manhã. Mas pelo menos era sexta-feira e eu planejava viajar no sábado e encontrar . Eu estava extremamente ansiosa para que as aulas do dia acabassem logo e eu pudesse correr para a casa para arrumar as minhas coisas e esperar pela manhã seguinte. Eu só tinha que ligar para e avisar que iria. Certamente ele tinha compromissos com a família e outras coisas, mas, se eu pudesse vê-lo por 30 minutos, já me faria feliz. Eu estava tão animada!
Entrei na sala e abri um sorrisinho para o professor, querendo me desculpar pelo atraso. Sentei no lugar de sempre e tentei prestar atenção na aula, mas estava distraída demais com os meus próprios pensamentos.
- Nossa, finalmente a aula terminou! Eu precisava muito te contar uma coisa, meu Deus do céu, foi tão difícil ficar em silêncio nesses 50 minutos! - Carrie dizia rápido demais, quase atropelando as palavras.
- Calma! - Eu comecei a rir. - Me conta agora. - Guardei o caderno na bolsa e nós saímos da sala.
- O está aqui! - Ela disse, parecendo super empolgada.
- Como assim? - eu franzi a testa, tentando entender como poderia estar na minha universidade e porque Carrie saberia disso e eu não. - Eu falei com ele pelo telefone antes de vir pra cá.
- Eu o vi andando pelo campus quando cheguei, achei que fosse alguém muito parecido, porque eu sabia que você iria me avisar se ele viesse. - ela tomou ar antes de continuar, pois falava tudo muito rápido. - Mas depois ouvi algumas pessoas comentarem sobre a mesma coisa.
- O está aqui? - Eu senti o meu corpo se agitar por inteiro. Apressei o passo até a parte externa do campus e percorri os olhos por todo o gramado. Havia muitas pessoas por ali, mas certamente eu conseguiria encontrar se ele estivesse entre elas.
- Ele estava com uma camisa azul. - Carrie disse, parando ao meu lado.
- Mas tem um monte de gente de camisa azul aqui. - Eu ri, ainda tentando encontrá-lo em meio a multidão. - Espera, já sei… - eu peguei o celular e liguei para o garoto.
- Me ligando duas vezes pela manhã? Você deve estar morrendo mesmo de saudade de mim. - Eu o ouvi dizer quando atendeu e senti o meu coração pular só de pensar que ele estava por perto.
- Cadê você? - Eu perguntei, mais desesperada do que pretendia.
- Como assim?
- Cadê você, ? Eu sei que você está por aqui e que está de camisa azul. Eu ia para Londres amanhã, mas você já está aqui! Onde? - Eu o ouvi gargalhar do outro lado da linha.
- Eu estou no estacionamento, encostado no carro. - Disse e eu desliguei sem nem me preocupar se o garoto tinha algo a mais a dizer. Eu só precisava encontrá-lo.
Murmurei qualquer coisa para a Carrie e saí andando apressadamente pelo campus. Eu queria correr, mas isso chamaria muito a atenção de todos os estudantes que estavam ali. Andei o mais rápido que pude até o estacionamento da universidade. O meu coração estava quase saindo pela boca, eu sentia uma animação fora do normal. Em um mar de carros eu encontrei o que procurava em questão de segundos, porque estava encostado na lataria e éramos os únicos ali. Eu já conhecia bem aquela cena.
- Oi! - Ele disse quando corri para perto dele e nos beijamos. Era muito bom beijar depois de sete dias só tentando lembrar como era a sensação.
- Não acredito que você está aqui! - Eu disse, com a felicidade estampada na cara. Eu não conseguiria parar de sorrir nem se quisesse.
- Como você soube? Eu ia esperar até as suas aulas terminarem. - Apoiou as mãos na minha cintura.
- Você acha mesmo que o príncipe ia andar pelo campus e ninguém ia notar? - Arqueei a sobrancelha e ri. - Não estamos mais na Conrad, .
- E o que mudou? Estou novamente te tirando da aula para me encontrar em um estacionamento deserto. Já não fizemos isso antes? - Ele abriu um sorriso irônico.
- Essa cena me veio à cabeça assim que cheguei aqui e te vi encostado no carro - passei os meus braços em volta do pescoço do garoto. - Mas dessa vez eu não vou voltar pra aula - eu aproximei o meu rosto do dele e nossos narizes se tocaram. Dava pra sentir nossas respirações se misturarem. - O que você quer fazer? - Eu disse baixo.
- Eu tenho algumas opções. - ele riu antes de me beijar.
xx
O toque do celular de me fez acordar. Esfreguei os olhos e virei pro lado, encontrando deitado e abri um sorriso, eu poderia acordar ao lado dele todos os dias.
- Eu não vou atender. - ele murmurou, passando o braço pela minha cintura e me puxando para mais perto.
- Eu não vou nem sair da cama. - Eu disse, dando uma rápida olhada na janela e notando que estava chovendo.
- Você tem mesmo a melhor cama do mundo. - Ele riu e passou a mão pelo meu cabelo.
- Ou nós que ficamos exaustos demais e acharíamos que até o chão seria a melhor cama do mundo. - Eu disse enquanto olhava pra ele. Aqueles olhos ficavam tão doces quando estavam comigo. E aquele cabelo bagunçado combinava muito bem com eles.
- Eu sei que te deixo exausto. - arqueou a sobrancelha e eu dei um tapa em seu braço, rindo.
- Não estrague o momento. - eu o vi sorrir e senti que tudo dentro de mim derretia. Que efeito o sorriso dele tinha em mim!
- Nunca pensei que amar você pudesse ser tão bom. - me encarava e eu me sentia feliz. - Eu jamais imaginaria que amar alguém seria assim… Se sentir tão vulnerável e não ligar.
- Você é a única pessoa com quem não me importo em ser vulnerável. - Eu passei as mãos pelas costas dele e enterrei minha cabeça em seu pescoço. - Sei que não vai me machucar.
- Nunca. - Ele beijou o topo da minha cabeça. Ficamos por mais uma hora enrolados nos lençóis. Eu passaria o resto da minha vida enrolada nos lençóis com o .
- Eu estou com fome, mas não quero levantar - murmurei.
- Vou fazer o café. - Ele me deu um beijo e levantou, indo para a cozinha. Eu abracei o travesseiro e senti falta do corpo dele deitado ali. O que era ridículo, pois estava apenas no outro cômodo. - Vou comprar pão - ele colocou a cabeça na porta do quarto e sorriu.
- Vou te amar pro resto da vida se você fizer isso - eu ri e pensei que o amaria pro resto da vida mesmo sem o pão.
- Então vou comprar pão todos os dias. - Ele tinha um sorriso maroto nos lábios e eu tentava encontrar algum defeito nele. Não tinha nenhum.
- Vou te amar por todas as vidas - fiz uma careta e ri. Nós dois sabíamos que era verdade.
- Bregas - ele respondeu rindo.
Ouvi a porta bater e pensei em como o meu namorado era maravilhoso por sair debaixo da chuva só para comprar pão. Ri com esse pensamento idiota e me achei a mais brega de todas as garotas do mundo. Mas o amor era brega, não era?
A campanhia tocou e eu levantei, me arrastando até a sala. havia saído só havia dez minutos, com certeza tinha esquecido alguma coisa. Provavelmente o guarda-chuva.
- , não me diga que você saiu sem o guarda-chuva e está todo ensopado! - Eu disse antes de abrir a porta e ri, imaginando que encontraria um molhado da cabeça aos pés.
Destranquei a porta e abri e o que encontrei não foi um ensopado. Era uma outra pessoa. Tive que me segurar na fechadura para não cair quando as minhas pernas ficaram trêmulas. Eu abri e fechei a boca diversas vezes, tentando dizer algo, mas nem a minha voz queria sair.
- . - a rainha disse, com o seu cabelo arrumado impecavelmente. A sua roupa sem um pingo de chuva. E aqueles mesmos olhos que pertenciam ao . - Não vai me convidar para entrar, querida?
Nota da autora: (28/06/2015) Chegamos ao fim! Não sei o que sentir ao terminar de escrever o último capítulo de MRPV, uma história que me acompanha desde 2012. Muito obrigada pelo carinho de vocês! Qualquer dúvida, grito, reclamação em: facebook.com/MeuReinoPorVoce (curtam a página para saberem das novidades sobre o livro!) ou ask.fm/sommerpelizon ou sommer_levi@hotmail.com <3