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Acompanhe o texto com essa música.

Capítulo Único.


"Oi, meu bem,

Eu nunca soube como começar nenhum dos meus textos. Aliás, acho que nunca soube dar uma introdução satisfatória a qualquer coisa que já fiz. Lembra aquela primeira vez que nos encontramos? Eu não lembro. Ok, estou mentindo. Dizer que não me recordo deste dia seria a maior farsa espalhada aos cantos do mundo. Mas claro, como poderia esquecer-me daquela garota de cabelos brilhantes, realçados com uma fita azul, que combinava com seu modelito? E de que modo poderia ter ficado guardado num canto esquecido e empoeirado de minha mente que, sem querer, ao passar pela vitrine da livraria que você observava, fiquei tão atraído pela figura, que tropecei na calçada derrubando meu café e queimando a minha mão? Ainda posso ouvir a risada musical pronunciada por seus lábios, antes de ir ajudar-me a levantar. Seu toque leve, ajeitando os óculos tortos no meu rosto, o sorriso tranqüilo. Até então, amor à primeira vista só era conhecido nos meus contos, tão surreais, quase inexistente, e logo ali, a minha frente, podia sentir minhas bochechas esquentarem, ao apertar sua mão, que ajudava a me erguer. Contudo, tão rápida quando surgiu, rápido se despediu, o aceno leve, parecendo ser a um velho amigo de infância, e me deixou ali, sorrindo idiotamente, enquanto balançava a mão queimada, tentando aliviar a dor.

Poderia tudo ter acabado ali, não? Éramos dois estranhos, sem qualquer laço, mesmo uma linha fina que nos unia. Mas acho que a sorte estava do meu lado, ou quem sabe o cupido resolvera me favorecer desta vez. Penso que é obtuso logo eu nunca ter me apaixonado. Seria eu considerado um hipócrita, ao escrever contos de romances shakesperianos, histórias de amores sofridos, se nunca tive aquele disparar no coração, as famosas borboletas no estômago, descritos nos mais belos enredos de amor?
Agora, entretanto, isso não importa. Prefiro focar na memória de quando te encontrei perdida, entre as várias pessoas que circulavam por aquele centro de estudos. Seu 'olá' tão delicado, a minha vergonha de vê-la depois daquele desastrado acidente, agora motivo de risada. Você queria saber onde ficava a sala de Prática Vocal I. Disse ser uma caloura da faculdade de Música. Não respondi nada, só a guiei até a sala, achando o silêncio incômodo, porém, sem saber como quebrá-lo.

'- Você é tão tímido.', disse, ao deixá-la na porta da sua classe. Concordei com um sorriso enrubescido, coçando a nuca, tal como um nerd metido a artista como eu faria. Contudo, num surto de coragem, pude chamá-la para tomar um café, ao fim de sua aula. Deixou que o silêncio pairasse no ar, motivo este que deixei a coragem ser substituída por uma insegurança. Por que uma garota tão bonita sairia comigo? Não que eu fosse horrivelmente feio, porém, não era o estereótipo de beleza masculina, com músculos super desenvolvidos, cercado de mulheres. Eu preferia meu estilo artista. Ou nerd, como alguns idiotas chamavam. Sabia que não era um imã de garotas, mas funcionava com algumas. E acho que funcionou com você, pois depois de toda aquela demora quase infinita, me respondeu com um sim. E aí sim pude respirar normalmente. É estranho que eu nem lembrava de ter prendido o ar, mas vai saber, não?

Naquele dia, naquele momento em que tomávamos uma xícara de café fumegante, entendi que eu poderia ter achado minha alma gêmea. Cada palavra era fascinante, sedutora, envolvente como uma melodia agradável aos ouvidos. Você disse que eu não era muito de falar, porém, como falar se podia ouvir um monólogo seu para sempre? Ri de seus comentários e o tempo passou, conforme eu falava sobre um pedaço ínfimo da minha vida. Contava que estava estudando para ser fotógrafo, que desenhava um pouco, e escrevia algumas crônicas e contos para o jornal da faculdade. Em certos, parecia que estava tão absorvida em seus pensamentos e em outros, absorvendo cada palavra que eu dizia. Entretanto, o sorriso continuava pintando seus lábios de uma forma tão perfeita, tão certa. Você não sabe, mas ao chegar á minha casa, peguei meu caderno de desenho e rabisquei cada parte em branco, cobrindo-o com traços semelhantes aos seus. Semelhantes, porque você seria única. Nem a foto mais real poderia capturar tudo aquilo que você trazia.

Os dias passaram, nos envolvemos cada vez mais. Os motivos dos meus sorrisos vinham sempre por causa do que saía de seus lábios. Por causa daqueles gestos inconscientes, como colocar os fios de cabelo para trás da orelha, tirando-os do rosto; como aquele sorriso pequeno surgia ao ver as crianças brincando naquele parque que íamos para conversar. Aquele parque, que serviu de cenário para muitas fotos suas. Aquele parque que serviu de local para nossas conversas filosóficas, sem sentido, papo furado para evitar o silêncio. Aquele parque que tem aquela árvore específica, na qual o nosso primeiro beijo aconteceu. Parecia um clichê, na verdade. O encaixe perfeito de nossas bocas, cada movimento que, mesmo um pouco desajeitado, ainda parecia sincronizado como uma valsa ensaiada. Diante deste acontecimento, acho que só posso dizer que tudo melhorou.

Nossa relação poderia ter sido predita há muito pelos românticos do século XV. Continha algumas doses de paixão, umas pitadas de ciúmes e alguns grãos de brigas. Não devia me culpar, oras. Sendo tão atraente, claro que os lobos cairiam em cima. Lobos estes, com certeza mais bonitos, num patamar acima do meu. Eu tinha e tenho ciúme, porque seria impossível não ter. Eu sou egoísta, admito. Não podia evitar não querer compartilhá-la com o mundo. Minhas brigas tinham fundamento, mas meus argumentos não. Neste ponto, concordo plenamente com você. Porém, cada briga parecia aumentar nossa paixão. Irônico, talvez.

Inúmeras as vezes que você sentava no sofá, aquele que ficava na varanda do meu apartamento do terceiro andar, e observava o pôr do sol, o rosto apoiado na grade. Sempre devaneando. E nesses momentos, eu me pegava tentando transcrever essas cenas, esses shots, para o branco do papel ou para fotos. Eu guardava cada retrato que tirava seu. Alguns eu acho que você nem sabe que existiu, como a primeira vez que fizemos amor. Obviamente não daquele instante em especial. Estávamos ocupados demais, distraídos em excesso, nos deliciando com toques certeiros, beijos apaixonados, encaixes perfeitamente moldados. Acordar horas mais tarde, sentindo seu cabelo espalhado no meu peito, seu diafragma se abrindo e fechando com a respiração tranquila. A face tão relaxada. Seus dedos entrelaçados nos meus, tão frouxos, como se você me sugerisse num gesto mudo que, quando eu quisesse, poderia deixá-la. Tal pensamento deveria ser considerado pecado. Mas eu te deixei. Deixei por tempo suficiente para pegar minha câmera e voltar, tirando fotos do seu corpo coberto apenas por um lençol branco e fino, que contornava suas curvas. As fotos pareciam mágicas, de tão irreais. Aquele momento parecia mágico.

Todos os instantes em sua presença eram deliciosamente apreciáveis. Minha mente viaja entre as memórias no qual eu desenhava suas poses, suas expressões, enquanto se perdia na história de um livro, no qual a capa te chamara atenção. Nas lembranças de quando eu escrevia, você cismava dar uma de fotógrafa, pegando minha câmera e tirando fotos minhas, sorrindo igual a uma criança travessa, que acabara de fazer mais de uma das suas brincadeiras. Lembro de quando você tirou o caderno de minhas mãos, enquanto eu escrevia, sentado na poltrona em frente à cama e, entre seus dedos, levantou meu rosto e uniu nossas bocas. E depois saiu do meu colo e me puxou para a cama, um sorriso faceiro, olhos maliciosos e ao mesmo tempo inocente. Lembro de quando, após fazermos amor (porque entre apaixonados, não é trepada, não é sexo casual. O que havia entre nós era simplesmente uma troca de sentimentos, uma união carnal que se misturava ao turbilhão de emoções.), você começou a se arrumar e deslizou uma meia 7/8 pela perna. Lembro de pedi-la para repetir aquele ato e após tê-lo feito, eu a puxei de novo para cama, porque cada gesto seu era excitante.

Esperava que pudesse recordar a comparação que fiz sobre nosso relacionamento ter sido escrito há muito por gênios do Romantismo. E acho que conhece bem os finais gregos que davam a cada uma dessas histórias estupendas de amor. Você me ligara, avisando que demoraria um pouco para chegar ao meu apartamento. Não deixou que a buscasse, não queria me dar trabalho. Ah, querida! Este talvez foi seu maior erro. Os minutos passaram, transformando-se em horas. Aquele preocupação de início, dera lugar a um sentimento aterrorizado. Já era muito tarde e você ainda estava fora. Contudo, aquele sentimento de alivio percorreu meu corpo ao pegar o celular e ver seu número me ligando. Assim que atendi, porém, não foi sua voz que escutei. Era do hospital geral da cidade, que havia ligado do próprio celular de uma paciente. A tal paciente havia sido assaltada e esfaqueada várias vezes. Restava-lhe um pouco de vida, sendo a chance de recuperação muito baixa. Não tardei a correr até o maldito hospital, gritando com enfermeiras, implorando, com lágrimas quentes escorrendo pelo meu rosto. Eu precisava vê-la.

Entrar naquela sala e ter aquela visão causou uma dor excruciante em mim. Você tão ferida, a pele sedosa repleta de hematomas. Ainda estava sedada por causa dos analgésicos, mas não saí de lá, por nenhum segundo sequer. O médico saía e entrava na sala e dava um sorriso fraco ao me ver. Aquele sorriso denunciava o estado em que você se encontrava. Consegui conversar um pouco com você. Você confessou que na agenda do seu celular, ao invés do meu nome, estava escrito 'marido'. Disse isso tocando meu rosto, num tom de lamentação profundo, as lágrimas se acumulando nos cantos dos olhos. Você sabia. Você tinha certeza que não nos casaríamos. Tudo por causa de uma pessoa que resolvera amaldiçoar duas vidas.

O ápice da ópera chegou e você não pode se lembrar de nada do que está rabiscado neste papel. Os sentimentos descritos com tanto fervor, as lembranças tão nítidas ainda em minha mente nunca poderão ser recordadas por você, porque você já não está mais nesse mundo. Não entendo essa negação em usar alguns verbos no passado, porque em certos momentos, não consigo aceitar que você não entraria mais por aquela porta, o sorriso traiçoeiro, em meio à inocência de seu rosto. Que você não ficará devaneando, perdida em seus próprios debates, cantarolando uma música com sua voz graciosa. Não entendo que seu toque já não é quente como era, na verdade, nem existe mais. Que seu cheiro não permanece mais em minhas roupas, embora eu insista que possa sentir os rastros. É impossível de absorver que simplesmente não poderá ler esta carta, nunca. Contudo, mesmo assim me desculpo pelas manchas das lágrimas de sangue que escorreram pelos meus olhos. Sinto a vida esvair-se de mim a cada lágrima que escorre. Não tenho certeza se estou vivo, já que minha vida não está mais aqui comigo.

E após o auge da nossa ópera, chegamos ao fim. Ao fim de tudo. Ao fim dessa carta. Ao fim da linha. A luz agora me chega aos olhos. Com ela, acompanham-se aquelas ideias fixas, que contaminam a mente, quase igual a uma droga, tornando-se viciante. O que eu escrevi aqui não se compara à realidade das minhas memórias.
Nem as palavras mais doces ou os adjetivos mais elaborados poderiam descrever tamanha perfeição como a tua.

Adeus, meu amor.

Do seu ."


Então o papel se encheu de pigmento vermelho, vindo do corpo, manchando e espalhando o que um dia significou vida. Aquilo que um dia exalou vivacidade, jazia agora, morto, tal qual aquelas tragédias gregas. O final triste do que um dia foi chamado de feliz.

Fim.


Nota da Autora: Ah, o amor *-*. Com um poder tão destrutivo, tão trágico, ainda é um dos sentimentos mais puros que existe. Ah, querida leitora, ame um dia de cada vez. O amor não é eterno, mas as lembranças são. E essa história foi inspirada em alguns textos do blog Entre Todas As Coisas, do Daniel Oliveira. Ele é um lindo de 19 anos (e eu não o conheço, mas sou apaixonada pelos textos dele), que escreve muitíssimo bem. Leiam, se puderem, é muito legal. Bem, eu fico por aqui, espero que tenham gostado! Um beijo pra That, que ajudou nas frases finais, ela é uma beta super fofa e mordível <3. E um beijo pra você, leitora.
Nanda Araújo.

Nota da Beta: Wow. Não estou em condições de falar alguma coisa, histórias com morte não me fazem bem.

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