Eu cito três músicas nessa história, mas não é obrigatório ou realmente necessário que você escute enquanto lê, mas caso queira, colocarei aqui os links para o download de cada uma delas. Se vocês quiserem, podem apenas ouvir as músicas antes ou depois da leitura, para entrarem no clima ou terminarem bem. (músicas por ordem de aparição)

¹ Aerosmith - Crazy
² Paul McCartney - Live and Let it Die
³ The Pretty Reckless - Nothing Left to Lose


Nothing Left To Lose

"Nada do que eu já fiz me agrada. E o que eu fiz com amor, estraçalhou-se. Nem amar eu sabia."
Clarice Lispector



Nova York, 12 de Fevereiro de 2012. Em algum lugar perto do Central Park.

Eu estava sentada numa mesa e folheava a última edição a revista Rolling Stone, enquanto esperava uma amiga chegar. Eu sei que deveria esquecer um pouco o trabalho durante o final de semana, mas como ele é a única coisa que importa na minha vida, tenho que manter minha cabeça focada e preparada para os próximos artigos. Sim, eu tenho uma coluna na revista impressa e outra na revista online. Nessa revista online nós temos que seguir o tema proposto e o dessa semana não poderia ser outro: Dia dos Namorados. Esse dia tão festivo para alguns não estava nem um pouco longe, é nessa semana, portanto eu tenho que escrever logo, não posso mais adiar. A grande questão é: como eu escreverei sobre algo que não me é comum e nem um pouco agradável ou confortável? Temas assim deveriam ser estritamente proibidos. Eu prefiro mil vezes escrever sobre as cuecas do meu querido Presidente Obama, do que sobre um dia que serve apenas para movimentar o mercado e fazer as pessoas gastarem dinheiro. É, deu para perceber que eu não sou a favor desse tipo de data comemorativa. Afinal, de que vale comemorar algo que pode ser tão efêmero? Mãe e Pai são eternos. Não no campo físico, obviamente, mas certamente no campo espiritual. Sabe, fazer esse tipo de análise não é do meu feitio, é que essa época do ano não me agrada, não me deixa confortável. Por livre e espontânea vontade.

- Você não larga essa revista nem em um minuto. Isso está se tornando um transtorno obsessivo compulsivo, . – disse, sentando-se ao meu lado e me tirando de meus devaneios. Conheci na faculdade, durante o meu período negro, por assim dizer. Ela foi uma das pessoas, não, ela foi a pessoa que mais me ajudou a me encontrar. É como se eu devesse minha sanidade a ela e esse é o principal motivo pelo qual eu não a matei ainda.
- Eu sei, , eu sei. Prometo que vou procurar um médico. – murmurei, sentindo a revista sendo arrancada da minha mão.
- Você não precisa de um médico, precisa de um namorado. – ela disse, olhando rapidamente a capa da revista, antes de colocá-la sobre a cadeira ao seu lado.
- Eu não preciso de um namorado...
- Então arrume uma namorada, tanto faz, te amarei do mesmo jeito. Você não pode continuar assim, de mal com o mundo. – rolei os olhos, ignorando qualquer exagero comum de sua parte.
- Não jogo no outro time, , só não acho que eu preciso de alguém assim tão desesperadamente. Sempre vivi muito bem sozinha. – respondi rapidamente, enquanto sinalizava com uma mão para o garçom.
- Realmente, você sempre viveu muito bem sozinha. Lembro bem do dia em que cheguei ao nosso quarto e te encontrei desmaiada na cama ou sentada no chão do banheiro com duas poças enormes de sangue embaixo de seus pulsos. – ela disse, dando um sorriso falso no final. – Essas cicatrizes que você esconde sob essas pulseiras são as mais simples que você tem.
- Pode trazer um suco de laranja para mim e um chá gelado para ela, por favor? – pedi rapidamente, enquanto o garçom olhava indiscretamente para os meus pulsos. Retirei as pulseiras do lugar, deixando as finas linhas mais claras bem a vista e sorri abertamente para o garçom quando nosso olhar se encontrou, ele se retirou murmurando alguns pedidos de desculpa.
- Essas cicatrizes são os melhores exemplos para comprovar o fato de que eu estou bem sozinha, porque todas elas foram ocasionadas por uma única pessoa.
- Sim, você. – ela respirou fundo. – Não gosto de falar sobre isso, você nunca aceita o fato de que a errada nessa história é você, que não consegue ver como aquele cara deixou todo o seu mundo de pernas pro ar e sumiu sem dar nenhuma satisfação.
- Se você não gosta de falar, imagine eu? – falei séria, observando se alguém estava prestando atenção na nossa conversa. – Enfim, vamos parar de falar de mim. Como anda o seu novo relacionamento sério? Vi que várias pessoas curtiram sua mudança de status no Facebook. Inclusive aquele babaca que você chamava de namorado.
- O Tyler? – ela perguntou, sorrindo largamente.
- Eu ia perguntar qual foi o outro babaca que você namorou, mas a listagem é bem grande. – disse e recebi um chute dela por debaixo da mesa. – Sem agressões, por favor. Mas de todos os babacas, o Tyler foi, sem dúvidas, o maior de todos.
- Acredita que ele ainda está com a minha prima? – perguntou, fazendo cara de nojo. – O pior é que o idiota ainda foi escolher a mais bonitinha e agora quando eu casar não terei muitas opções de pessoas bonitas para ficar ao meu lado no altar.
- Pra quê você quer outra pessoa bonita para tirar a atenção que deve ser direcionada a você, já não basta eu?
- E por que você tem tanta certeza que estará no altar? – ela indagou, fingindo surpresa.
- Porque, de todas as pessoas do mundo, eu sou a única que consegui te aguentar por dez anos.
- É realmente incrível sua forma que dizer que me ama.
- Tudo relacionado a mim é incrível. – respondi, dando de ombros.
- Inclusive sua autoestima. – ela murmurou.
- Especialmente ela. – disse, sorrindo falsamente para o garçom que se aproximava timidamente.
- Você é uma das pessoas mais amáveis que existem.
- O que eu posso fazer? O mundo me fez assim. – sorri abertamente. – Falando sério agora, você começou a namorar o cara ontem e já está pensando em casamento?
- , ele é maravilhoso e... – ela começou, mas eu a interrompi:
- Nem começa, . Eu tinha pensado que você tinha forçado a barra para não passar o dia dos namorados sozinha, mas isso é sério?
- Claro que é sério, o Josh é tudo o que eu sempre quis. Ele é gentil, carinhoso, atencioso. Ele é o cara, sabe? É ele. – ela disse, com aquele tom apaixonado. – E eu não forço barra nenhuma e posso muito bem passar o dia dos namorados sozinha, só acho um pouco errado. Não passamos o dia das mães e dos pais com eles, então por que não posso passar com um namorado?
- Você é louca! Conhece o cara há duas semanas e já acha que encontrou o amor da sua vida. – bufei, já irritada. – Você não entende, isso nunca dá certo. Nunca.
- Vou ignorar seus comentários. – rolei os olhos. – E não faça essa cara para mim. Enfim, o Josh tem um amigo que é perfeito para você...
- Nem começa, . – praticamente implorei.
- Você pode me ouvir, pelo menos?
- Não. – respondi e ela sorriu. – Não vou mais uma vez nesses encontros que você me arruma. Eles sempre são horríveis.
- , você precisa conhecer o Jeremy. E não tem como você dizer não, eu já marquei.
- É simples, desmarque. – falei séria. Eu odeio quando ela tenta se meter na minha vida e ainda mais quando tenta me arrumar um namorado.
- Ele é legal, .
- Não, ele não é legal, deve ser um babaca como todos os outros.
- Não é porque você teve uma experiência ruim, que todas deverão ser ruins também. Pensa nisso. – ela disse, estendendo sua mão para que eu segurasse. – É tão triste te ver desistindo de tudo tão cedo.
- Eu não desisti de nada, só não encontrei alguém que realmente valesse a pena. Até achei que tinha encontrado um dia, mas eu estava errada. Não sei se aguento outra tentativa errada, . Você, mais do que ninguém, sabe muito bem como eu fiquei. – respirei fundo, segurando firmemente sua mão.
- Ele era tão perfeito assim? – ela perguntou, meio incerta.
- Provavelmente não, mas como eu poderia ter certeza? Eu tinha dezenove anos, qualquer um que fizesse um terço das coisas que ele fez por mim já seria o meu príncipe encantado.
- Realmente. Naquela época, se o cara segurasse a porta da biblioteca para mim, eu já estava pronta para colocar um vestido branco e viver com ele para sempre. – ela sorriu. – Eu sempre achei a história de vocês como a de um filme. Tem tanto tempo que você não fala disso, como foi que tudo começou mesmo?
- De verdade ou na minha cabeça?
- Bem, vamos começar do começo. – ela disse, sorrindo.


Nova York, 07 de Janeiro de 2002. New York University.

I was only 19, you were 29. It's just 10 years, but it’s such a long time.
Eu tinha 19, você tinha 29. São apenas 10 anos, mas parece muito tempo.


Sempre fui do tipo de pessoa que sempre soube o que iria fazer da vida. Bem, pelo menos até terminar o ensino médio e me ver com diversas opções. Confesso que não sou boa com opções, porque sempre escolho a pior de todas. E foi assim, confusa, que cheguei à faculdade. Sem saber o que queria, passei um ano fazendo matérias aleatórias, tentando encontrar o meu rumo. Mas ninguém me disse o quanto isso poderia ser difícil. Queria ser como a minha companheira de quarto, a . Ela é tão decidida, desde sempre soube o que faria da vida e nunca se deixou influenciar por alguma coisa. Já quanto a mim... Bem, eu tenho dezenove anos e estou há um ano tentando decidir, praticamente, quem sou eu. Eu já estava saturada de ouvir meus pais dizendo: “Vai mudar de curso novamente, ? Por que você não se decide de uma vez como as pessoas normais?” Se nem meus pais me acham normal, como eu poderia achar? Mas eu era, infelizmente. Nunca tinha feito nada que fosse motivo de orgulho, tanto para o lado bom, quanto para o lado ruim. Bebidas? Não. Drogas? Nunca. Sexo? Bem, uma vez conta? Não que eu precisasse ser uma adolescente louca, mas um pouco de loucura faz bem, faz parte da vida, mas não há nada na minha vida que me faça me sentir bem, como se eu estivesse fazendo minha estadia nesse mundo valer a pena. Talvez deva ser essa a minha missão no mundo, provar que alguém pode sim passar pela Terra sem fazer nada relevante.

Numa última tentativa, decidi me inscrever num curso de Pintura de um mês de duração, para ver se tem algo que me interesse na área de artes, pois eu já testei carreiras biológicas, de exatas e até mesmo atléticas, mas vi que sou um fracasso em todas elas. Temi para que não fosse um fraco na vida. Logo na primeira aula, eu percebi que seria um mês interessante. Meu professor fazia com que todos os alunos se envolvessem na classe, sendo com encenações, debates ou até mesmo algumas brincadeiras. Eu estava com uma dificuldade assombrosa para começar qualquer trabalho, eu olhava para a tela como se ela fosse algo muito maior do que eu, como se fosse algo além das minhas capacidades. E então ele apareceu. Sentado algumas cadeiras atrás, ele disse que conseguiu perceber minhas dificuldades apenas observando meus movimentos. Quase não acreditei nele, mas eu não tinha muita escapatória, era isso ou mais uma frustração. Sem nem dar muita atenção, nem mesmo me dar ao trabalho de olhá-lo, ouvi atentamente suas orientações e tentei colocar em prática. Nunca fui muito boa desenhando, mas dei o meu melhor. Desenhei a silhueta de uma mulher e até gostei do resultado. Minutos depois ouvi alguns barulhos e percebi umas movimentações e logo após meu novo instrutor estava sentado ao meu lado. Novamente nem lhe dei atenção, mas ao observar sua tela, não pude não me expressar. Era eu em sua tela. Eu estava de costas, com o olhar perdido na direção da janela. Minhas feições estavam calmas e relaxadas, exceto pela região ao redor dos olhos, que possuíam aquelas linhas que surgem quando estamos imersos em pensamentos ou algo assim. Fiquei imaginando como era possível ele ter feito aquilo tão rápido e tão perfeito. Acho que fiquei muito tempo me encarando na tela, pois ouvi uma risada baixa ao meu lado e, pela primeira vez, olhei atentamente para meu acompanhante.

Não vou dizer que meu coração quase parou, ou que eu perdi a respiração, porque isso é muito comum. O que eu realmente senti quando o olhei pela primeira vez foi algo meio surreal. Ele não era novo, eu podia ver apenas pelos traços de seu rosto ou pelas marcas no corpo. Algumas tatuagens fugiam por detrás da blusa branca de botão que ele usava. Era um colorido harmonioso, digno de um artista. Uma de suas mãos tinha uma marca estranha, como uma pequena cicatriz mal cuidada em forma de meia lua. Seus braços não musculosos como dos meninos na minha idade me causaram um pouco de estranheza, assim como o excesso de tinta ao redor de suas unhas. Mas era uma estranheza tão fascinante, que eu não pude me conter. Subi meu olhar até o seu rosto, onde um sorriso fraco estava marcado em seus finos lábios. Sua pele clara quase que reluzia diante de todas as cores da sala, fazendo com que toda a atenção fosse direcionada para ele e tornando impossível que eu tirasse meus olhos dele. Quando olhei em seus olhos, eu me perdi, quase que literalmente. Perdi a linha de pensamento, a fala, os reflexos e a mim mesma. Era como se eu pudesse ver a minha vida virando de cabeça para baixo, mudando completamente de rumo, de direção. Tudo isso apenas olhando em seus olhos. Seus lindos, encantadores e magicamente enlouquecedores olhos . Era óbvio que ele emanava problemas por todos os poros, mas o que pode parar uma jovem boba e facilmente impressionável? Nada! Por isso que eu não vi a hora de me jogar em seus braços e rezar pra que ele me segurasse bem forte. Bem forte mesmo. Eu me sentia tão boba, que diria sim para qualquer coisa que ele me pedisse.

- Parece que você gostou do quadro? – ele perguntou, me trazendo de volta à Terra. Sua voz rouca, firme e melodiosa era como música aos meus ouvidos, eu poderia ouvi-lo durante minha vida inteira e não me cansaria. Durante aqueles poucos segundos que fiquei em silêncio, passaram em minha cabeça milhões de coisas que eu gostaria de ouvir saindo daqueles lábios.
- Aham. – respondi baixo, vendo seu sorriso aumentar. Parece que a minha atitude sem jeito o alegrara. Pelo menos eu tenho algum efeito sobre ele.
- Eu também gostei. – ele disse, levantando e se aproximando. Parou a poucos centímetros de distância e colocou uma das mãos perto do meu queixo. – Posso? – perguntou, olhando diretamente em meus olhos. Afirmei com a cabeça sem saber como minha voz sairia. Eu estava quase em estado de choque. Como isso era possível? Seria algum tipo de encantamento? – Talvez um dia eu possa pintar seu rosto. – completou, levantando meu queixo, analisando minuciosamente. Aproximou-se de forma lenta e torturante, me encarando profundamente. – E, definitivamente, eu preciso pintar os seus olhos.
- Por quê? – balbuciei.
- Como diria o poeta: os olhos são as janelas da alma. É a melhor forma de conhecer alguém. – ele deu de ombros, voltando para o seu lugar.
- Então você quer me conhecer? – perguntei baixo, mais para mim mesma do que para ele, que sorriu abertamente. Me deixando sem resposta, ele voltou a trabalhar em sua tela.


In a heartbeat, I would do it all again.
Numa pulsação, eu faria tudo de novo.


- Nós sabemos que ele queria te conhecer e muito bem por sinal. – comentou, bebendo um gole do seu suco.
- Eu sabia que o era um problema. Como se tivesse um grande letreiro luminoso em cima de sua cabeça, mas eu não quis ver. – respondi, respirando fundo em seguida. – Ele tinha vinte e nove anos na época, dez anos a mais que eu e isso não o impediu de me seduzir.
- Não coloque toda a culpa nele, você estava quase implorando para ser seduzida. Se você não tivesse ido até a casa dele, como eu te pedi incessantemente, nada disso teria acontecido.
- Como eu não iria, ? Ele era lindo, charmoso, sedutor e eu já estava perdidamente apaixonada depois de um dia. Eu nunca tive chance...


Nova York, 11 de Janeiro de 2002. East Village.

Late night sex, smokin' cigarettes
Sexo tarde da noite, fumando cigarros.
I try real hard but I can't forget
Eu realmente tento, mas não consigo esquecer.


Eu devia estar parada ali há uns dez minutos. Toda vez que eu me aproximava da campainha, parecia que algo me puxava de volta e impedia que eu fizesse qualquer coisa. Sei que pode parecer infantil, mas eu não posso evitar. Não é comum ir até a casa de um cara que eu mal conheço, para que eu pose para ele. Imaginem isso, eu sendo uma espécie de modelo vivo para alguém. quase me matou quando eu disse que vinha e me obrigou a prometer que não viria, mas foi só lembrar o que os olhos dele me prometeram, que eu parei de responder por mim mesma. Agora eu estou plantada na porta de um prédio estranho, num lugar mais estranho ainda. Tenho a sensação que cruzarei com algum tipo incomum, como um hippie ou um drogado, ao dobrar qualquer esquina. Respirei fundo, olhando para cima e tentando decidir se entrava ou não. Até que ouvi uma risada num lugar bem próximo.

- Eu estava lá em cima e te vi aqui fora. Até que estava interessante te observar por alguns minutos, mas depois ficou meio cansativo, confesso. Então decidi vir aqui e te levar a força, se for necessário. – arregalei os olhos e dei um passo para trás assim que ouvi a última frase. ainda estava meio encoberto pelas sombras do interior do prédio e eu apenas o reconheci pela voz. Com os cabelos bagunçados e a blusa larga de flanela que usava, ele deu um passo na direção da luz e me deu um sorriso acolhedor. – Não precisa ter medo, prometo que serei um sequestrador bonzinho e cuidarei bem de você.
- Eu não sei se devo... – comecei a falar, enquanto ele se aproximava e eu me afastava.
- Calma, eu estava brincando. – ele sorriu. – Tá meio frio aqui fora, é melhor a gente subir de uma vez. – falou, esfregando uma mão na outra, tentando se aquecer. Bem, eu não estava com frio. Além do cachecol e do casaco pesado que usava, estar perto dele me dava uma sensação estranha, um calor repentino.
- Tudo bem. – eu disse baixo. Ele se afastou, me dando passagem. Assim que estávamos dentro do prédio, ele fechou o portão e tudo ficou meio escuro. Ele passou por mim, esbarrando levemente no meu braço e subiu na frente, me mostrando o caminho. Depois de dois lances de escada, paramos em frente ao apartamento 14, ele girou a maçaneta e abriu a porta já aberta. Me deparei com um ambiente meio confuso. A primeira vista não parecia uma casa, era mais um atelier do que qualquer coisa. Eram quadros e mais quadros, telas e mais telas espalhadas pelo cômodo. Nas paredes as manchas de tinta sobressaiam por cima do branco sujo que estava por baixo. Algumas folhas de jornais e revistas dividiam espaço com almofadas pelo chão. Um grande móvel escuro num canto estava repleto de vidros de tinta e pincéis de todos os tipos. Era tudo muito escuro, ainda mais para um lugar onde um pintor trabalhava. Enquanto eu observava tudo ao meu redor, se apressou e seguiu até a janela, puxando a pesada cortina que impedia que a luz natural iluminasse todo o ambiente.
- Desculpe a bagunça, eu não tenho tempo e nem saco para arrumar nada. – ele disse, dando de ombros.
- Sem problemas. – respondi, retirando a bolsa dos meus ombros. seguiu até o que parecia ser um aquecedor velho e o ligou, minutos depois estava muito mais agradável e quente, o que me obrigou a tirar o cachecol e o casaco. Me agarrei com todas as minhas coisas e continuei em pé perto da porta, quase que reunindo forças para ir embora de uma vez. Até que ele voltou vestindo apenas uma calça preta e com um cigarro preso nos lábios. Eu sempre odiei cigarros com todas as minhas forças, mas ele ficava tão sexy fumando, que eu mudei de ideia durante alguns segundos.
- O cigarro te incomoda?
- Não. – respondi rapidamente.
- Quer beber alguma coisa, sei lá, pra relaxar um pouco. – ele disse, procurando por dois copos. Assim que achou, foi até o grande móvel, tirando uma garrafa de bebida, parecia whisky ou algo do tipo. Era da mesma cor pelo menos. Serviu um pouco em cada copo e estendeu um deles para mim, virando o outro em seguida.
- Não posso. – falei baixo.
- Por que, tem que dirigir ou algo assim?
- Não, tenho que fazer vinte e um anos antes. – respondi e ele riu alto.
- Não tem nenhum responsável por aqui, não precisa ter medo.
- Você é maior de idade e, tecnicamente, deveria ser o primeiro a não me oferecer bebidas.
- Ser maior de idade não significa que eu estou responsável. – ele estendeu o copo novamente.
- Ainda assim, prefiro ficar consciente. – falei e ele deu de ombros, tomando a bebida de uma vez só.
- Sabe, você pode entrar e largar as suas coisas por aí, não precisa ficar aí parada. – ele sorriu, pegando uma tela em branco e apoiando no cavalete. Segui para onde tinha menos coisas espalhadas pelo chão e coloquei meus pertences. Depois voltei meu olhar a ele, que separava alguns materiais, colocava alguns tons de tinta na palheta e procurava um lápis apontado.
- Você não é apenas um aluno do curso, não é? – quebrei o longo silêncio que se instalara. – Você é muito bom pra tá aprendendo agora.
- Não, eu já pinto há um tempo, mas gosto de fazer esses cursos, me aprimorar, reciclar os pensamentos, conhecer algumas pessoas. E o George é meu amigo, gosto das aulas dele.
- Então você sempre procura por algumas meninas para servirem como modelo pra você nessas aulas?
- Menina? Não estou vendo nenhuma menina aqui. – ele disse, voltando seu olhar para mim. – E não, não costumo procurar modelos nas aulas, prefiro garotas de programa, elas não se importam de ficar nuas.
- Ficar o que? – perguntei apressada. Ele apenas riu, pedindo que eu me aproximasse. Hesitei. Vendo que não me movia, ele caminhou até onde eu estava.
- Relaxa, não vou pedir para que você tire suas roupas. – disse, colocando as mãos em meus ombros e me puxando para frente. Ele me posicionou perto da janela, onde a luz era bem intensa. Com uma das mãos no meu queixo, ajeitou meu rosto da forma que ele queria. – Eu não vou pedir que você tire suas roupas. – ele repetiu, olhando nos meus olhos. – Vou esperar até que você faça por vontade própria. – prendi a respiração por alguns segundos e ele sorriu. – Continue olhando para mim, por favor.

Assim como ele pediu, mantive meus olhos presos ao dele ou pelo menos tentei. É meio desconfortável ficar na mesma posição durante muito tempo e cada vez que eu fazia menção de me mover, ele me olhava feio e pedia para que eu fosse boazinha e ficasse quieta. Com todo esse tempo livre, minha mente ficou vagando por lugares estranhos e completamente irreais. Olhando aquelas mãos trabalhando tão suavemente contra a tela, fiquei imaginando como seria a sensação das mesmas passeando pelo meu corpo. Como seria sentir seu toque em minha pele. Seria suave? Seria bruto? Gentil? Forte? Independente da forma, eu o queria. Deus, como eu o queria! Eu estava fora de mim, louca por ele. Tão rápido como eu nunca pensei que fosse possível. Mesmo com todas essas coisas passando pela minha cabeça ao mesmo tempo, eu mantinha a expressão calma. Não podia me revelar assim tão facilmente. Mas era só olhá-lo novamente. Seu corpo com diversas marcas de tinta, seu olhar focado e decidido, a expressão séria. Tudo o tornava ainda mais irresistível. E então ele se afastou, indo até o rádio e ligando o mesmo. Segundos depois uma música suave e envolvente encheu o ambiente.

(n/a: primeira música agora)

- Come here, baby. You know you drive me up the wall... – ele cantarolou com os olhos fechados, balançando suavemente a cabeça de um lado para o outro. Quando retornou ao quadro, ele me olhou novamente, sorrindo fraco.
- Você não tem cara de quem gosta de Aerosmith. – comentei, tentando não me mover.
- Quem vê cara, não vê coração. – ele disse, olhando apenas para o quadro. – E tem muitas coisas que você não sabe sobre mim.
- Talvez não tenha tanta coisa para descobrir. – dei de ombros, tentando parecer superior.
- É, talvez... Ou pode ser que eu seja um pouco mais difícil de ler do que você. – ele respondeu, voltando ao trabalho. – Girl, you been givining me the line so many times it kinda gets like feelin bad looks good...
- Eu acho que não. Homens são simples, principalmente os como você. – falei, respirando fundo em seguida.
- Olhando para você, ninguém diz que você tem tanto conhecimento sobre os homens.
- E não tenho, por isso que eu digo que é fácil.
- Fácil? Então me diga, como eu sou, ? – perguntou, abandonando o pincel e se aproximando. Quando parou a minha frente, esperou que eu me levantasse e me encarou intensamente. – Diga, como eu sou?
- Você é estranho, diria que até um pouco louco. Tem o defeito de achar que pode definir tudo e todos apenas com um olhar. Usa o seu charme para conseguir o que quer e se ele falhar, não medirá esforços para conseguir de outra forma. Parece ser decidido também, além de confiante. Talvez isso possa ser uma pequena mostra de um medo de falhar. Não sei bem, mesmo observando todos os seus movimentos, nunca é possível saber realmente o que se passa em sua mente e isso é um pouco frustrante. Ainda mais quando a minha é um livro aberto. Você tem essa aura misteriosa, perigosa, ameaçadora e altamente envolvente. Como se você lançasse um feitiço sobre as pessoas e deixassem todas a sua mercê. – respondi, evitando seus olhos. Tarefa difícil, pois a cada palavra que saía de minha boca, ele diminuía a distância entre nós dois até que ela fosse praticamente nula. Estávamos tão próximos, que eu podia sentir o que seu coração bater contra o meu próprio peito e, de alguma forma, ele parecia tão acelerado quanto o meu. Se eu não tivesse dado alguns passos para trás na direção da parede, eu, muito provavelmente, teria caído no chão.
- E você, está a minha mercê agora? – perguntou, colocando uma das mãos no meu rosto e fazendo com que eu olhasse em seus olhos. Naquele momento eu soube que estava prestes a encarar tudo aquilo que vi nos seus olhos no outro dia. Eu esperei ansiosamente por esse momento nos últimos quatro dias e tendo ele tão perto, não podia mais negar nada. Eu estou aqui, certo? Eu estou na casa dele, sozinha com ele. Não sou boba, eu sabia que isso aconteceria e estou aqui para isso.
- . – sussurrei seu nome da forma mais calma que pude. – Eu estou a sua mercê desde a primeira vez que te vi.
Ele apenas sorriu, juntando fortemente nossos corpos e me imprensando contra a parede. Seu toque era melhor do que eu imaginava, era forte e gentil ao mesmo tempo, mostrando a intensidade e delicadeza que o momento pede. Seus lábios logo trataram de passear pelo meu pescoço, enquanto eu tentava me agarrar mais a ele. Era como se tudo fosse um sonho e ele estivesse a ponto de desaparecer. E eu não poderia deixar isso acontecer. Nunca. Estava quase desesperada para que nossos lábios se encontrassem de uma vez por todas, mas antes que fosse possível, ele parou e voltou a me olhar, dessa vez de forma quase invasiva. Era como se lesse minha mente, descobrisse tudo o que eu sou, possuo ou acredito.
- Crazy, crazy, crazy for you baby… - ele sussurrou, apertando fortemente minha cintura e fazendo com que um arrepio percorresse todo o meu corpo. Eu realmente não tinha mais salvação. Se eu já estava condenada, era melhor aproveitar bem antes de seguir direto para o inferno. Afastei um pouco seu corpo do meu de repente. me olhou um pouco confuso, com uma sombra sobre seus olhos . Eu fechei os olhos e respirei fundo antes de tirar rapidamente a blusa que vestia. Joguei a peça em algum canto e o puxei novamente ao meu encontro. O toque de nossos corpos foi o bastante para que eu perdesse o restante da sanidade que eu ainda tinha. – Eu disse que cuidaria bem de você... – ele sorriu abertamente, deixando com que nossos lábios finalmente se encontrassem.


Now in a heartbeat, I would do it all again
Agora em uma pulsação, eu faria tudo de novo.


- Eu nem tenho palavras para descrever o que significou aquele momento para mim. A gente nem perdeu tempo para ir até o quarto, sabe? – ri levemente, balançando a cabeça. – Eu tinha perdido a virgindade um ano antes, com um babaca qualquer na escola. Como não tinha sido nada magnífico, eu não pensava que poderia ser aquilo tudo.
- Ele não era um garoto de dezoito anos que estava vendo um par de seios pela primeira vez, . Era um homem que sabia o que fazer.
- Se eu já não estivesse tão louca por ele antes, depois daquilo seria impossível não ficar. – suspirei, lembrando muito bem de como era sentir aquelas mãos suaves de artistas passeando pelo meu corpo. – Não sei se é muito bom ficar lembrando disso.
- É bom lembrar as partes boas, assim como também é bom esquecer as ruins. – ponderou.
- Mas nesse caso está tudo interligado. Assim como ele me levou aos céus, ele também me levou à ruína. E foi tão rápido, que eu nem tive tempo de me preparar.


Nova York, 20 de Janeiro de 2002. East Village.

Callin' out sins just to pass the time,
Chamando pelos pecados só para passar o tempo,
My life goes by in the blink of an eye.
Minha vida se vai num piscar de olhos


Era possível ouvir a música alta quase na esquina. Algo do AC/DC quase estourava as caixas de som do lugar que eu estava prestes a entrar. Apressei o passo, porque não gostava de andar sozinha por esse lugar. Subi as escadas rapidamente e me dirigi ao apartamento 14, bati duas vezes e ninguém respondeu, provavelmente por causa da música. Tentei a maçaneta e vi que a porta já estava aberta. A sala estava de uma forma completamente diferente do outro dia. Não havia mais jornais espalhados e nem quadros por todos os lados. Perto da janela tinha uma mesa com todos os tipos imagináveis de bebida. Um grande rádio tinha surgido e estava encostado na parede ao lado do armário. A pequena mesa de centro tinha se transformado num enorme porta copos, pois havia muito mais lá do que em qualquer outro lugar da casa. Era incrível, sempre estava bem disposto e pronto para qualquer festa que o convidasse e talvez até mesmo para as que ele não tinha sido também. Às vezes nem parecia que ele já estava quase fazendo trinta anos, ele vivia a vida da forma que queria, sem pensar muito no futuro. Como ele mesmo dizia: “De que adianta pensar no futuro, se eu vivo no presente.” Seus planos nunca iam além de dois dias. Ele não gostava de planejar muito para que não prometesse coisas que não poderia cumprir. E foi dessa mesma forma que explicou o que acontecia entre nós dois. não me prometeu nada, nenhum tipo de compromisso ou de futuro, disse que eu precisava saber que nem ele mesmo tem noção do que fará na semana, no mês ou no ano seguinte. Era assim que ele vivia a vida e que continuaria vivendo, então se um dia ele precisasse ir embora, ele iria e nada o faria ficar. É claro que isso me assustou, mas não me impediu de aceitar suas condições. Eu precisava ficar perto dele, de uma forma ou de outra. E se um dia ele precisasse ir, bem, eu tentaria impedir. Pois a única coisa passava pela minha cabeça era que eu estava absurdamente apaixonada por ele.

- Welcome to the jungle, baby. – ele cantarolou, surgindo repentinamente ao meu lado. Tinha um copo nas mãos e um cigarro nos lábios. Sorri, tirando o cigarro de sua boca e depositando um longo beijo na mesma.
- As coisas estão animadas por aqui, dá pra ouvir a música lá da esquina.
- Que isso, é só uma reuniãozinha, alguns amigos. – ele deu de ombros. Observei as pessoas a minha frente e não reconheci ninguém além do George, meu professor de pintura. Ele conversava animadamente com um cara perto da mesa de bebidas e assim que me viu deu um aceno rápido. – Vamos lá, vou te apresentar.
Seguimos até onde a maioria estava e todos pararam de falar um pouco quando nos aproximamos. falou uma série de nomes, mas eu só consegui ouvir e entender alguns. Peter, John, Carl, Janette, Sabine. Foram os poucos que eu consegui captar. Fiquei parada e em silêncio perto deles, não tinha muito assunto e nem consegui me entrosar.
- Bem, o está diminuindo a sua faixa etária. – a garota loira, que eu acho que se chama Sabine, disse. – Nada pessoal, querida. – completou.
- Sem problemas. E eu estou aumentando a minha com ele. – dei de ombros.
- Esse é o pensamento, . – ela disse, virando-se para a mesa de bebidas. – Quer alguma coisa?
- Não sei.
- Ah, não. É impossível vir a uma festa do e não beber. – ela disse, me empurrando um copo. Espiei o conteúdo e aspirei o aroma, o cheio fez o meu nariz arder e eu afastei o copo.
- Não adianta, Sabine, ela não bebe. – disse, aproximando-se. Olhei para ele arqueando a sobrancelha. – Estou mentindo?
Respirei fundo e virei todo o líquido de uma só vez. Minha garganta quase como fogo em brasa no momento. Nunca tinha colocado nada alcoólico na boca, no máximo um gole de cerveja escondido uma vez. A cerveja tinha um gosto forte e meio amargo, era gelada e não descia queimando. Já o que quer que tenha sido o que eu bebi agora, era quente. Muito quente. Fiz uma careta, balançando a cabeça rapidamente.
- É isso aí, garota! – exclamaram. Esbocei um sorriso, enquanto me olhava meio confuso.
- Só espero que essa bebida não te faça dormir e estrague nossa noite. – ele sussurrou em meu ouvido.


Eu me sentia estranha, como se não fosse eu mesma. Já tinha perdido as contas de quantos copos eu tinha tomado. Todos estavam indo pelo mesmo caminho e já tinham alguns jogados pelos cantos da casa. Meus reflexos estavam um pouco lentos, mas eu pude ver que alguém jogou no chão todos os copos que estavam na mesa de centro. De repente um saquinho transparente com algum tipo de pó branco passou de mão em mão até chegar naquele que limpou a mesa. Com o auxílio de um papel enrolado, um a um cada pessoa na sala se revezava a frente da mesa e rapidamente dava lugar a outro. Eu me aproximei para ver melhor o que eles faziam e então o papel chegou à minha mão. Escutei alguns gritos de incentivo e senti um leve empurrão em minhas costas, fazendo com que ficasse mais perto da mesa. Reconheci do outro lado da mesa e ele não me incentivou, nem impediu, apenas mantinha o seu olhar fixo ao meu, enquanto limpava o restante do pó do seu próprio nariz. Percebi que ele estava deixando a escolha em minhas mãos. Eu não poderia negar agora, eu deveria ter passado o papel para frente no momento em que ele parou na minha mão. Ouvi algo como “Anda logo.” “Não prende o papel” Eu sabia que não deveria fazer aquilo, mas de alguma forma, eu queria. Não pela droga em si, mas pelo fato de mudar um pouco a imagem de menina certinha que eu passava. Sem pensar mais, abaixei em direção à mesa e me curvei sobre o pó a minha frente.


I know you want me,
Eu sei que você me quer,
I was only lookin' for a friend.
Eu estava apenas procurando por um amigo.


- Eu fico muito nervosa e até um pouco chocada com a forma tranquila que você fala sobre as drogas. – falou, visivelmente incomodada.
- Mas é uma parte da minha vida, não posso fugir. É melhor conseguir falar abertamente sobre isso, do que ficar, sei lá, retraída. Pode parecer que eu ainda tenho problemas com isso, mas é uma página virada e enterrada.
- Ainda bem, né? Cada vez que você me fala dessa história, eu tenho vontade de matar o . Se fosse possível matar pela força do pensamento, ele era um homem morto. – segurei o riso. Ela sempre ficava muito revoltada quando eu falava sobre ele.
- , não o culpe, não por isso. Foi uma escolha minha, eu poderia ter dito não, mas eu fui em frente. O engraçado é que já estava tão viciada nele, que parece que nenhum outro tipo de droga poderia ser mais potente, tanto que eu parei com facilidade. Quando ele foi embora, isso também se foi com ele.
- Não adianta tentar tirar a culpa dele, . Ele teve papel nisso sim. – ela disse, apontando o dedo para mim. – Se não fosse ele, você continuaria sendo aquela garota calma, tranquila e correta que sempre foi. Ele te desvirtuou...
- Você parece uma velha falando assim. – rolei os olhos. – Nem tudo entre nós era só sexo, drogas e rock n' roll. Nós tivemos nossos momentos.


Nova York, 14 de Fevereiro de 2002. East Village.

And everything I was and everything that I've become
E tudo o que eu era e tudo o que eu me tornei


estava deitado num colchão jogado no chão de um cômodo qualquer, cômodo esse que ele julgava ser um quarto. A luz não funcionava, a janela não abria e nem porta tinha. Não havia nada lá a não ser um colchão velho com um pequeno abajur ao lado e todos os quadros, desenhos que ele tinha feito de mim. Mas mais era necessário, tudo o que eu precisava estava bem ali. Sentei em seu colo e comecei a traçar um caminho desde o seu pescoço até sue umbigo. Ia e voltava. Ia e voltava diversas vezes. Seus olhos estavam fechados e um pequeno sorriso brotava em seus lábios. Nós não falávamos há um tempo e nem era necessário. Passamos o dia inteiro assim, juntos. Apenas nós dois sem nada para interferir. Deitei meu corpo sobre o seu, colocando uma de minhas mãos em seu cabelo e puxando levemente alguns fios. Ele abriu os olhos e olhou fundo dentro dos meus. Havia algo ali naquele olhar, algo que eu não consegui decifrar. Ele me olhava de uma forma diferente, como ele nunca tinha feito antes. Como se, finalmente, ele conseguisse me entender por completo, me conhecido. Minha alma sempre esteve totalmente aberta para ele. Nunca quis esconder nada, sempre foi da minha vontade fazer com que ele entendesse e percebesse o que ele fez comigo, como ele me mudou, me transformou. Não sou mais aquela de antes, é como se houvesse uma antes dele e outra depois. Eu estava doente, doente por ele. Porque o que eu sinto não é saudável o bastante para ser apenas amor. É uma dependência absurda e inexplicável, não compreendida nem por mim mesma.

- It's now or never, come hold me tight. - cantarolou, passando uma de suas mãos suavemente pelas minhas costas, da nuca até a cintura. Sorri um pouco, aconchegando meu corpo mais perto do dele. Num impulso ele trocou de lugar comigo, ficando por cima de mim. - Kiss me my darling, be mine tonight. - ele selou nossos lábios num beijo calmo e, ao mesmo tempo, intenso. Diferente dos beijos nervosos e desesperados que sempre trocamos. Ele estava carinhoso, paciente, sem pressa alguma. - Tomorrow will be too late, it's now or never...
- My love won't wait. - completei, conseguindo um pequeno sorriso dele. - Eu já sou sua, . De todas as formas. – falei, prendendo seu rosto entre minhas mãos.
- E desde quando você conhece Elvis Presley?
- Desde o momento em que eu me apaixonei por um cara que só escuta músicas velhas e me obriga a fazer o mesmo.
- Se apaixonou? – perguntou, sentando-se no colchão e deixando suas mãos caírem ao lado do seu corpo. Repeti seu movimento, ajoelhando-me a sua frente, passando meus dedos pelo seu cabelo.
- Eu te amo. – sussurrei em seu ouvido. Ele respirou fundo, me encarando novamente.
- E você sabe o que é o amor?
- O que eu sei do amor é que ele é pra sentir e não para saber. – respondi, prendendo seu rosto entre minhas mãos. – Eu estou louca por você, . Quero ficar ao seu lado para sempre. É o único espaço de tempo bom o suficiente para mim. – Ainda indeciso, ele me abraçou novamente, bem apertado dessa vez. Me agarrei a ele com todas as minhas forças, cravando um pouco de minhas unhas em seus ombros.
- Você disse para sempre, certo? – ele murmurou. – Sempre é muito tempo. O que acha de começarmos com o hoje?
- Parece ser bom o suficiente para mim agora. - Ele sorriu, inclinando seu corpo sobre o meu mais uma vez.

Do lado de fora, bem lá no céu, apenas a lua e as estrelas eram testemunhas dessa sua promessa e das minhas juras e declarações de amor. Eu nunca fui boa em demonstrar ou falar sobre sentimentos. Sempre foi difícil e até mesmo dolorido falar desse assunto. Talvez seja pelo simples fato de não saber nada sobre amor ou qualquer outra coisa até ele aparecer na minha vida. Eu sempre vou dever isso a ele. Me ensinou de formas tortuosas e até mesmo erradas o que é amar.


Just falls into the end and…
Apenas leva a um final e...


- Foi a primeira e única vez que eu disse eu te amo para um homem. – eu disse, olhando para uma meio chocada.
- Você não tinha me dito isso, essa coisa da promessa e do eu te amo. Por quê?
- Porque é muito doloroso e um pouco vergonhoso mostrar a alguém como você pode ser estúpida, inocente e burra.
- Você não foi burra, , você estava apaixonada. Toda garota apaixonada é meio burra. – ela sorriu um pouco.
- Foi o único dia dos namorados que eu passei com alguém, sabia? – comentei.
- Bem, até hoje, porque você encontrará o Jeremy no dia dos namorados.
- Ótimo, perfeito. – ironizei. – Será que ele ficará magoado com você depois de ficar me esperando durante toda a noite?
- Você não seria capaz! – ela disse, me olhando feio.
- Você sabe que sim. – respondi, olhando no relógio. – , tenho que ir. Preciso resolver umas coisas da revista e escrever um artigo para o patético dia dos namorados.
- Tudo bem, te ligo depois para te dar o endereço do restaurante. – ela se levantou e esperou que eu fizesse o mesmo. Nos abraçamos rapidamente e ela sorriu mais uma vez. – Fique bem bonita, porque o Jeremy é uma gracinha.
- De uma vez por todas, . Filhotes, gatinho e bebês são uma gracinha. E não me importa, não vou conhecê-lo mesmo. – respondi, já me afastando para que a discussão não recomeçasse. Ouvi suas reclamações ao longe e reprimi um sorriso.

Assim que saí de restaurante, fui atingida pelo sol e também pelo frio. Fechei meu casaco e coloquei meus óculos escuros, seguindo rapidamente até o sinal para atravessar a rua antes que o mesmo abrisse para os carros. Caminhei tranquilamente enquanto olhava algumas vitrines e parei em frente a uma livraria que sempre me atrai. Confesso que perdi um pouco de tempo olhando os livros da vitrine, era o meu vício. Sério, qualquer tipo de leitura, desde livros, jornais até bula de remédio e caixas de cereal. Ainda distraída, esbarrei com alguém que saia da mesma loja e acabei por derrubar tudo o que a pessoa carregava no chão. Na mesma hora me abaixei para ajudar a recolher o que eu mesma tinha feito. Enquanto recolhia os livros, meus olhos pararam sobre uma marca familiar. Uma cicatriz em forma de meia lua que tanto chamou minha atenção tempos atrás. Já sentindo meu coração começar a bater mais forte e minhas mãos tremerem, levantei o meu olhar para certificar que era apenas uma enorme e infeliz coincidência. Quando avistei novamente seus olhos , eu não tive dúvidas. Era como se falando sobre ele, eu tivesse conseguido trazê-lo de volta do meu passado diretamente para o meu presente. Era ele, era o .


Nova York, 15 de Fevereiro de 2002. East Village.

Now I see that you and me were never meant
Agora eu vejo que você e eu nunca daria certo
Never meant to be now
Nunca daria certo agora


Ouvi um estrondo e acordei assustada. Apalpei o espaço ao meu lado no colchão e o encontrei vazio. Levantei a cabeça e olhei ao redor. Estava tudo normal, aparentemente. Me espreguicei, vesti minhas roupas e fui procurar o que causou ou o causador do barulho. Segui até a sala e vi um homem que reconheci ser o George. Ele estava retirando todos os jornais do chão e tentando organizar as poucas coisas que tinham. Estava tão concentrado que se assustou quando me viu. Sorri por causa de sua expressão, mas ele não me acompanhou.

- O que foi, George? – perguntei, já confusa.
- Eu só não esperava te ver aqui. – ele disse, voltando a limpar a estante. Nesse momento eu reparei que tudo havia sumido. Todas as tintas que estavam lá guardadas, assim como os pincéis e os outros materiais, tinham desaparecido.
- O que você tá fazendo? Onde tá ?
- Eu pensei que você soubesse. – ele confessou, largando o saco de lixo que carregava.
- Soubesse do quê? Onde ele está? – perguntei apressada, já ficando nervosa.
- Ele... Ele foi embora, . Eu sinto muito. – George respondeu se aproximando lentamente, com os braços estendidos.
- Como assim ele foi embora? – gritei, sem ter a noção correta do que estava realmente acontecendo. Nada parecia se encaixar. Não era possível que ele tenha ido embora, não assim de repente e sem dizer nada. Ele não faria isso comigo, não faria.
- Ele foi embora. Não há como explicar, o é instável, não tem como confiar. – ele disse, colocando suas mãos em meus ombros, como se quisesse me consolar. – Me desculpe, eu deveria ter avisado.
- Instável? Não confiável? – perguntei, rindo ironicamente. Balancei a cabeça lentamente, tentando entender tudo o que aconteceu. Eu me sentia sem chão, sem estrutura, sem nada. Eu estava em estado de choque, não conseguia esboçar nenhuma reação. Era como se eu esperasse que ele entrasse pela porta e dissesse que era tudo uma grande brincadeira. De muito mau gosto por sinal. Mas no fundo eu sabia que era sério, porque tudo dava a entender isso. Nós sempre tivemos um prazo de validade, que eu, teimosamente, não acreditava. Sempre achei que um dia ele iria entender que era comigo que ele deveria ficar e ele ficaria. Mas não, isso nunca aconteceria com nós dois. Nós éramos como uma bomba relógio a pronto de explodir. E no fim, quem ficou segurando sozinha e acabou machucada fui eu. Apenas eu. – Não, George, você não deveria me avisar, até porque, o já tinha feito isso. Ele vem me avisando desde o começo, só que eu fui burra o suficiente para não entender.

Perdida deveria ser a palavra que me definia no momento. Eu me sentia assim em todos os aspectos. Andava sem rumo pelas ruas, sem me importar onde eu poderia parar. Eu já tinha atingido o fundo do poço de qualquer maneira. Se alguém me dissesse há um pouco de mais de um mês que a minha vida seria virada do avesso e depois jogada no lixo, eu não acreditaria. Claro que não, quem iria? Eu nunca entendi ou compreendi como as pessoas podem fazer loucuras por amor e agora eu estou sentindo em minha própria pele. Não desejo isso a ninguém. Ninguém merece ter o coração esmagado, triturado, pisoteado e totalmente retalhado.


Now I'm lost somewhere
Agora eu estou perdida em algum lugar


As piores lembranças que eu tenho em minha mente voltaram numa velocidade absurda. Tudo que eu demorei anos para esquecer, deixando escondido nos cantos mais remotos da minha memória, foram jogados novamente bem em minha da minha cabeça. Eu não estava disposta a passar por tudo isso novamente, reviver toda a aquela dor. Eu queria levantar e ir embora sem nem ao menos olhar para trás. Fazer com ele a mesma coisa que ele fez comigo. Mas como isso é possível se eu não consigo nem ao menos me levantar e encará-lo novamente? Esse é o momento em que eu deveria me mostrar superior e transparecer que nada daquilo influenciou na minha vida, mas será que eu consigo mentir dessa maneira? Pouco provável. Será que também está com esse enorme questionamento na sua cabeça? Será que ele também está se perguntando o que deve dizer ou não dizer? Será que ele se sente culpado por ter feito o que fez? Tantas perguntas e todas deveriam ser respondidas e esse é o momento. Alguém lá em cima deve estar realmente a fim de me testar, mas Ele não poderia ter escolhido outro tipo de teste? Será que era mesmo necessário que eu tivesse que ficar frente a frente com ele mais uma vez? Vi que ele se levantou, já com todos os seus pertences nas mãos, pelo silêncio que se manteve, imaginei que ele estivesse decidindo como começar o nosso ‘acerto de contas’.

- A senhorita se machucou? Se quiser eu posso chamar ajuda. – ele disse, fazendo com que eu o olhasse na mesma hora. Não é possível, é ele, tenho certeza. Aquele tipo de cicatriz não é comum e esses olhos, eu os reconheceria em qualquer lugar, não importa quantos anos se passem.
- Como? – perguntei, me levantando e deixando com ele me olhasse bem.
- Não, é que você demorou a se levantar e eu pensei que tivesse se machucado. – ele deu de ombros.
- . – ouvi uma voz feminina chamar ao longe e ele olhou na mesma hora. É coincidência demais, não tem como não ser ele. – Aconteceu alguma coisa?
- Não, meu bem, eu esbarrei nessa moça e as coisas caíram no chão. – ele respondeu, sorrindo em seguida. – Tem certeza que está tudo bem?
- Tenho sim. – afirmei, ainda em choque.
- Tudo bem então, me desculpe por isso. - ele deu um sorriso fraco e se dirigiu a mulher que tinha o chamado anteriormente. Só agora reparei que tinha um menino junto com eles. Era pequeno ainda, deveria ter uns quatro anos de idade no máximo. Ele sorriu abertamente assim que se aproximou e o mesmo o pegou no colo e colocou sobre seus ombros, em seguida segurou uma das mãos da moça e seguiram pela calçada.
Eu ainda não tinha conseguido me mover, nada daquilo tinha feito sentido para mim. Será possível que ele realmente não se lembre de mim? Tudo bem que já faz dez anos, mas mesmo assim, eu me lembro dele. Será que o que tivemos não foi significante o bastante para ele? Eu não fui boa o bastante? Eu realmente passei dez anos da minha vida sofrendo por um cara de não se lembra de mim? Isso faz com que tudo perca o sentido, que tudo perca o valor. Ainda desnorteada, segui pelo caminho inverso ao que deveria tomar, não queria cruzar novamente com ele. Imersa em pensamentos, as imagens dos meus piores momentos sem ele me invadiram.

Nova York, 22 de Fevereiro de 2002. Village.

Lost between Elvis and suicide,
Perdida entre Elvis e o suicídio,
Ever since the day we died, well…
Sempre desde o dia que nós morremos, bem...
I've got nothing left to lose.
Eu não tenho nada a perder.


Ouvi a porta bater e afundei mais uma vez minha cabeça dentro da banheira. Ela já tinha transbordado e molhado todo o banheiro, mas eu não me importava. Continuei submersa, com os olhos fechados e as mãos em punhos. Os curativos ao redor do meu pulso já estavam encharcados e um pouco de sangue se misturava a água da banheira. Mesmo sabendo que não conseguiria me manter submersa pelo tempo que eu realmente queria, me segurei pelo tempo que consegui. Meu corpo começou a tremer deliberadamente, mas eu não saí do fundo. Abri os olhos, encontrando os de fixos nos meus. Sua expressão aterrorizada era demais para mim. Voltei a fechar os olhos e senti duas mãos segurarem meus braços e me puxarem de volta a superfície. Foi até um pouco doloroso quando o ar retornou aos meus pulmões, minha vontade era privá-los de ar para sempre. Dramática eu? Quem sabe... Na verdade, eu não estava me importando com muitas coisas ultimamente. Coisas ou formas de tirar a minha vida ocupavam grande parte do meu tempo. Meus pulsos já tinham diversas marcas e eu não ligava de fazer mais algumas. Só que sempre estava por perto e impedia qualquer tentativa. Ela não me entendia, na verdade, ninguém me entendia. Meus pais vieram até aqui e tentaram me levar de volta para casa, mas eu não queria ir a lugar algum. Queria ficar sozinha, apenas isso, mas ninguém aceitava esse fato. Tudo bem que eu representava um grande perigo a mim mesma, mas isso deveria ser uma escolha minha, certo? Por que ninguém aceitava isso?

- , você está louca? – disse, tirando meu cabelo da frente do rosto. Fiquei em silêncio, enquanto ela me fazia levantar e sair da banheira, em seguida jogou uma toalha ao redor dos meus ombros e me colocou sentada no chão. – Isso não pode continuar assim, eu não aguento mais ter que te levar correndo para o hospital ou evitar qualquer outro surto suicida. Sério, eu não aguento mais.
- Não faça nada, não estou pedindo mesmo. – murmurei, evitando olhar para ela.
- Então é isso, você quer morrer? Morrer por causa de cara idiota que não te levou a sério? Isso não tem lógica e nem vai trazê-lo de volta. – falou, andando de um lado para o outro, visivelmente nervosa.
- Eu não sei o que fazer, . Eu realmente não sei. – confessei, apoiando a cabeça nos joelhos e respirando fundo. – Ele bagunçou a minha vida, fez o que quis e foi embora. Eu não sei como continuar, não tenho motivação para nada. Se antes eu já não tinha certeza do que fazer da minha vida, agora eu não tenho certeza de nada. Eu não tenho mais nada a perder de qualquer forma.
- Você tem dezenove anos, não pode tratar o fim de um relacionamento como o fim da sua vida. Muitas pessoas passam pela nossa vida e um dia o cara certo vai surgir e ficar. Se ele te tratou como apenas mais uma, você tem que agir da mesma forma.
- Ele pegou tudo que havia de bom em mim, não sobrou nada. Tudo o que eu era, o que eu tinha, ele levou. Agora eu sou um conjunto de restos. Restos da menina que eu fui um dia. Não tem nada da antiga em mim.
- Então, ... – ela disse, ajoelhando-se a minha frente, pegando uma de minhas mãos e colocando entre as suas. – Você vai ter que se refazer. Peça por peça, pedaço por pedaço. Pegue toda essa mágoa, essa tristeza, esses sentimentos ruins que estão dentro de você e coloque para fora de alguma forma. Você tem tanta vida pela frente, pare de agir como se não tivesse alternativas. Dê um rumo a você mesma, faça algo por você. Se ele acabou com tudo de bom que existia em você, comece acabando com tudo que há dele em você. Sim, você se apaixonou por ele, mas tem que saber que nem tudo é eterno. Então você tem que aproveitar apenas enquanto esse relacionamento existe. É como diz a música: “Live and let die...” Viva tudo o que a outra pessoa tenha a te oferecer e quando tudo acabar, deixe morrer. Porque não tem como você viver presa a uma coisa que não é real. Eu estarei aqui para te ajudar em qualquer coisa. E você sabe por quê? Porque eu te amo. – ela sorriu abertamente. – Sua vida não acabou, querida. Ela apenas começou.
- Eu realmente queria que fosse fácil assim, . – sussurrei, me levantando do chão. – Mas se você diz que eu tenho que deixar as coisas irem, se eu tenho que colocar a minha raiva para fora de alguma maneira e esquecê-lo, vamos começar então... – continuei, pegando uma tesoura numa gaveta. Segui até o meu quarto, onde estavam todas as telas que ele tinha pintado de mim. O George tinha passado aqui há uns dias e deixado todas elas, dizendo que não sabia o que fazer, então achou melhor deixá-las comigo. Respirei fundo, enfiando a ponta da tesoura com toda a minha força sobre uma das telas e com os olhos fechados, fui abrindo ainda mais o rasgo e me libertando, como se fosse um rito de passagem. observou tudo em silêncio, deixando que eu tivesse esse momento sozinha. Quando já havia diversos pedaços de pano pelo chão do quarto, peguei a última tela e observei atentamente. Era a primeira, a que ele tinha pintado sem que eu tivesse percebido, a única que não estava “contaminada”. Era praticamente o último retrato de uma que eu já tinha sido. Uma prova de que um dia eu não precisei dele e um motivo para acreditar que não precisarei um dia.


After Jesus and Rock N Roll couldn't save my immoral soul, well…
Depois que Jesus e o Rock'n Roll não puderam salvar minha alma imoral, bem...
I've got nothing left,
Eu não tenho mais nada,
I've got nothing left to lose.
Eu não tenho mais nada a perder.


Não sei bem como eu cheguei em casa, talvez tenha sido algo automático. A única coisa que eu sei é que esse encontro foi primordial e revelador. Pela primeira vez eu entendi tudo o que a sempre falou para mim, aquela coisa de passarem várias pessoas pela sua vida e um dia a certa aparecerá. Talvez tenha sido isso que tenha acontecido com o . Um dia ele encontrou aquela moça, sentiu que era ela e ponto final, sem precisar de mais explicações ou qualquer outra coisa. Foi preciso olhá-lo mais uma vez, senti-lo mais uma vez, para ver entender isso e perceber que nada nunca valeu a pena. Provavelmente as coisas foram intensificadas pela sensação de novidade, eu nunca tinha vivido nada como aquilo, ele foi um divisor de águas e agora eu vejo que foi apenas isso. O não foi o amor da minha vida, ele foi apenas uma parte dela. Uma parte que me mostrou como o amor pode ser bom e ruim, como pode te enriquecer ou te derrubar. Toda aquela dor, que foi minha companheira incansável, não significa mais nada, ele não significa mais nada. Foi apenas um cara por quem eu me apaixonei.
Segui até o closet e peguei um embrulho que estava escondido debaixo de algumas caixas. Retirei de dentro da sacola e desembrulhei, puxando a tela que ele havia pintado de mim, a única que restou. Hoje foi o dia que eu finalmente percebi que eu posso voltar a ser aquela garota que fui um dia, que eu posso deixar todas as cicatrizes para trás e continuar com a minha vida. Sem ressentimentos ou culpa. Sem dúvidas ou medos. Eu posso voltar a ser a .


Rolling Stone On-line


Depois de tudo isso que eu falei, não há como dizer que eu não acredito no amor. Até porque é impossível não acreditar. Eu apenas acho que é um sentimento ambíguo, que pode lhe trazer tanto coisas boas, como também coisas ruins. Eu sou prova fiel dessa afirmativa, só que ao passar por uma experiência ruim, eu resolvi me fechar e isso não é a coisa mais sensata a se fazer. Nada pode lhe impedir de amar, pois quem ama, renasce. Quem ama se torna um ser humano melhor a cada dia, como se esse sentimento te regenerasse. Se por algum acaso não deu certo com alguém, erga a cabeça e procure sua metade. Entre sete bilhões de pessoas, é improvável que não aja pelo menos um para você. Brincadeiras a parte, eu precisei perder dez anos da minha vida para entender algo tão simples. A vida é curta e não se deve perder tempo, é preciso amar quando se é amado, e até mesmo quando o sentimento não lhe é compartilhado. Apenas ame. Ame por um dia, uma semana, um ano ou uma hora. Se entregue! E apenas tenha em mente que não há como exigir o amor de uma pessoa, porque ele acabará sendo algo pela metade ou mentiroso. Independente de motivos, razões ou circunstâncias, o amor será sempre bem vindo. E se por ventura ele acabar? Bem, com toda a vida que temos pela frente, só nos resta procurar por outro e outro e outro... Até porque não temos nada a perder mesmo. E então o que acham de espalhar o amor por aí?
Um bom dia dos namorados para os namorados em si, casados, noivos, solteiros, separados, viúvos e solitários.

Aprendi que não posso exigir o amor de ninguém. Posso apenas dar boas razões para que gostem de mim e ter paciência para que a vida faça o resto.
William Shakespeare

Rolling Stone On-line




Nota da Autora: Nem acredito que finalmente consegui terminar essa fic. Demorei dez dias para escrever essas vinte páginas, sendo em um único dia eu devo ter escrito umas oito. Quem entende?
Bem, quero pedir desculpas pela história meio trágica para o dia dos namorados, é que eu não consegui pensar em nada romântico e interessante. Então usei essa ideia que estava guardado há um tempo. Espero que tenham gostado de qualquer forma.
Um feliz dia dos namorados para todos, que seja um dia muito romântico e feliz. Tanto para os acompanhados, quanto para os desacompanhados, não é? Ok, me calei. Beijos e até a próxima.

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Mel