Um barulho insuportável perturbava meu sono, mas não me atrevi a abrir os olhos. Depois de muito esforço, consegui mover o braço e o estiquei na direção ao som. Tateei o que imaginei ser a mesinha de cabeceira e sem querer esbarrei a mão em alguma coisa, fazendo-a cair no chão. O barulho continuava. Ah, merda. Alvo errado. Continuei tateando o local até que bati o punho em algo duro e quadrado. Meu despertador. Segurei-o, porém ele caiu de volta na mesa. Eu não estava muito disposta. Não tinha muita força para desligá-lo. Coloquei o braço na frente dele e fui escorregando-o pela mesa até ouvir o barulho de algo quebrando e depois o silêncio. Finalmente! Respirei fundo, mas, quando eu estava quase dormindo novamente, ouvi alguém abrir a porta.
Só pode ser brincadeira.
– Que barulho foi esse, ? – minha mãe falou, entrando no quarto. Eu permanecia com meus lindos olhos fechados. – Não acredito nisso. Mais um? – a sua voz demonstrava um pouco de irritação. Acho que ela viu o despertador despedaçado no chão. Mas é só um palpite. – Já é o terceiro essa semana, minha filha. Vou começar a fazer você colocar o alarme do celular para funcionar. Quero ver se ele você destrói!
Bufei, ainda com os olhos fechados. Ela achava mesmo que se o alarme fosse no celular eu não iria atirá-lo no chão? Ele cai no chão quase todo dia. Uma vez a mais, uma vez a menos não ia fazer a menor diferença.
Ouvi o barulho do salto alto – minha mãe é executiva. Usa um sapato de salto preto todos os dias – batendo no chão e depois uma luz irritante invadiu meus olhos.
– AAAAAAAAAAH! DESLIGUE ISSO! – gritei e minha mãe riu.
– Não tem nada ligado, querida. Só abri a cortina.
– Então feche – bufei novamente, enfiando a cara no travesseiro. Tive a vã esperança de que minha mãe me deixaria em paz, contudo a dona Liza não é assim tão legal com sua pobre filha preguiçosa.
– Não fecho. Você tem aula. Vá se arrumar.
– Não vou hoje – abri os olhos e olhei para ela que estava de braços cruzados e veio até mim, arrancando meu lençol sem a menor piedade. – MÃE! – resmunguei, tentando pegar o lençol de volta com um braço só, todavia obviamente não consegui.
– , se você não se levantar dessa cama agora... – ela nem se deu ao trabalho de terminar a ameaça, saindo a passos firmes do meu quarto e levando meu lençol junto. Ah, mãe! Assim não vale. Ok, eu consigo.
Suspirei, me espreguiçando e virando de barriga para cima, encarando o teto por alguns minutos. Levantei-me de uma vez, o que me deixou um pouco tonta. Com a mão na cabeça fui até o banheiro, batendo a porta. Fiz minha higiene matinal e saí dali sem nenhuma animação, abrindo o armário. Fitei as roupas por alguns segundos, apesar de já saber o que vestir. Eu sempre vestia a mesma roupa, dã.
Tirei meu pijama, atirando-o em cima da cama (meu cálculo foi um pouco falho, considerando que ele caiu no chão. Mas o que vale é a intenção, não é?), vesti um sutiã e procurei minha blusa dos Beatles. Depois de revirar o guarda-roupa inteiro, achei-a no meio dos sapatos – como ela foi parar lá eu não tenho idéia – e a vesti rapidamente. Fui até o banheiro e peguei minha calça de malha cinza – uma malha toda larga e super confortável, vale ressaltar – que estava pendurada atrás da porta. Coloquei-a e fui atrás do meu All Star. Não o encontrei. Pus meus óculos e prendi meu cabelo num rabo de cavalo mal feito, descendo (ou seria rastejando?) pelas escadas. Cheguei lá embaixo e meu primo já devorava os waffles que nossa empregada alemã Frida – uma mulher alta, um pouco gorda, muito branca e loira – fazia.
– Frida, você viu meu All Star? – perguntei, sentando-me ao lado de . Ela saiu em direção à lavanderia e logo voltou com os meus tênis. – Obrigada! – sorri.
– Sua mochila está jogada no sofá – ela me lembrou e eu ri. Estava mesmo me esquecendo da mochila.
Coloquei os tênis de qualquer jeito, sem amarrar o cadarço, e, depois de lavar as mãos na pia, peguei um waffle.
– Por que você sempre vai com essas roupas para o colégio? – perguntou, me olhando de cima a baixo.
– De novo isso? – perguntei quando terminei de mastigar. – Já lhe disse: gosto de me sentir confortável.
– Mas você não consegue se sentir confortável com um vestido, uma saia, ou sei lá? Tem que ser com essas roupas todas largas? – ele falou e eu ri, balançando a cabeça negativamente.
– Você sabe que não gosto dessas coisas.
– Para sair com a sua mãe você sempre vai de vestido – ele disse, dando uma enorme mordida em outro waffle.
– Ela me obriga – ri novamente.
– Depois você não sabe por que meus amigos a chamam de nerd. Se você usasse umas roupas mais normais para uma garota, talvez a tratassem direitinho.
– Se eles forem falar comigo só pela beleza que eu não tenho, prefiro ser só sua amiga.
– Ok, acho que você está certa. Desculpe – ele pegou minha mão e a beijou. – E você é absolutamente linda. Ok? Eles só não vêem isso porque você se esconde atrás dessas roupas e desses óculos. Mal sabem que é a garota mais legal e linda dessa cidade.
– Obrigada – sorri, pegando mais um waffle.
é meu primo, tem a mesma idade que eu e estudamos no mesmo colégio. Ele mora aqui desde que seus pais morreram (isso faz quatro anos) e é meu melhor amigo. Só que os melhores amigos dele – , e – são uns idiotas. Vivem me zoando e me chamando de nerd. Eles me tiram do sério! Só porque não gosto de usar maquiagem, uso óculos e roupas largas – e confortáveis. Não se esqueça –, acham que eu sou algum tipo de alien e não entendem por que o fala comigo. Mas não me importo. São uns idiotas. Só são populares porque são bonitos. E delete a última frase.
Mais um detalhe: sou um pouco amiga deles, mas só um pouco. Eles falam comigo quando vem aqui em casa. Só no colégio que é essa implicância. Apesar disso, se eu precisar de alguma coisa – fora do colégio, claro – sei que vão me ajudar. Sou prima e melhor amiga do melhor amigo deles. É meio inevitável a convivência.
– ? – chamou, me assustando. Ele estava com a minha mochila pendurada em um ombro e a dele no outro, com a chave do carro em mãos. Como ele saiu e eu nem vi? Eu, hein. Estou cada dia mais lerda. – Vamos?
Concordei com a cabeça, indo até o escritório me despedir de minha mãe – que milagrosamente não tinha saído ainda – e seguindo com até o carro.
Elite High School – 07h25min
O Elite High School era um colégio relativamente grande. Os muros eram beges e o portão, preto. Era bem sofisticado e cheio de regras, mas mesmo assim tinha muitos alunos. estacionou o carro e eu desci. Como de costume, cada um foi para um lado: foi falar com os idiotas amigos e eu fui falar com as minhas amigas. – de costas para mim – conversava animadamente com e . Aproximei-me delas e dei um tapa na bunda de que gritou.
– QUEM FOI O ANIMAL?! – ela berrou antes de olhar para mim. Virou, me fuzilando com o olhar.
– Múúúúú... – imitei, começando a rir. Logo e me acompanharam. me deu língua e gargalhou. – Bom dia.
– Bom dia, perturbada – ela riu novamente e fomos as quatro sentar em um banco perto da sala de e (elas teriam aula de filosofia no primeiro horário). Avistei sentado com os amigos em algum lugar mais longe. Quando viu que olhei para ele, piscou para mim e eu ri. me cutucou.
– Vamos pra festa da Junie? – ela perguntou.
– Com certeza! – respondeu.
– Não perco por nada – complementou.
– Acho que eu vou – dei de ombros.
– Vai nem que seja arrastada – colocou o indicador na minha cara, ameaçadora.
– Então ‘ta, né... – falei, rindo.
– Fale, nerd! – ouvi dizer, chegando perto de nós com os outros três logo atrás.
– Bom dia, – dei um sorrisinho irônico, olhando para ele.
– Já fez o trabalho de Literatura? – perguntou como quem não quer nada.
– Bela tentativa – sorri ironicamente de novo, levantando-me e entrando na sala de e .
– E no começo do ano você abaixava a cabeça e dava o trabalho para eles copiarem. Nem parece que só passaram alguns meses de aula – riu e tive que concordar. No começo do ano, eu tinha medo de responder a eles, porque ainda não era popular e eles nem sabiam que eu existia. Não sabia o que eles podiam fazer comigo. Agora já sei que só perturbam mesmo e me chamam de nerd, além de serem uns retardados. Mas não tenho medo deles e não faço mais trabalho para ninguém. Resumindo: parei de me importar com o que eles pensam de mim e não faço mais favor para os três patetas sem receber nada em troca (mês passado fiz o trabalho de filosofia para o , porém ele me ajudou a convencer minha mãe a me deixar ir para Paris nas férias. Ainda não sei como ele conseguiu isso, mas conseguiu).
Sentei-me em cima da mesa de , que estava na cadeira, e as meninas ficaram ao nosso redor. Conversamos sobre coisas sem importância e o sinal tocou. Dei tchau para elas e fui em direção à minha sala. Quando estava quase chegando lá, vi vindo em minha direção. Ele tomava um copo enorme de suco de morango e fingiu me ignorar. Ou pelo menos foi isso o que achei. Desviei dele quando passamos lado a lado, contudo ele virou para o mesmo lado que eu e derrubou o suco todo na minha blusa dos Beatles... Esse cara está tão ferrado.
– FILHO DA PUTA! – gritei, dando um tapa nele, que encolheu o ombro.
– Desculpe! Caramba, não a vi aí. Desculpe mesmo! – ele fingiu se preocupar como sempre. Idiota.
Bufei e saí em direção ao banheiro. Quando estava quase chegando lá, ele segurou meu braço.
– O que foi? – falei grossa, me virando para ele. Por alguns segundos achei ter visto culpa em seu olhar, porém foi só por alguns segundos. Uns meninos passaram e ficaram olhando a cena. Desde quando o popular falava com a nerd? percebeu e deu aquela risada irônica, apontando para a minha blusa.
– Bem feito, nerd. Quem mandou ficar no meio do caminho? – o garoto riu de novo, olhando para trás. Os meninos tinham ido embora. Suspirou e sussurrou próximo ao meu ouvido. – Se não quiser aparecer com a blusa assim na aula, no meu armário tem um casaco. Comprei ontem então os caras não vão saber que é meu. Pode ficar com ele para não aparecer essa mancha. Desculpe mesmo. Eu lhe dou uma blusa nova. Prometo. A senha do meu armário é 1326. Vejo você na sala – ele deu meia volta e foi embora.
O que foi isso? Ele abriu uma exceção à regra de não falar comigo civilizadamente no colégio? Se fosse um dia normal, ia me pedir desculpas só quando fosse lá em casa com o e, como sempre, eu ia fingir que aceitava e que não ligava. Espero mesmo que esse retardado me dê uma blusa nova, senão teremos problemas.
Fui até o armário e peguei o casaco, vestindo-o imediatamente, fechando o zíper até cobrir totalmente a mancha. Peguei a mochila e fui para a aula de Biologia. Ainda bem que a senhora Grace ainda não tinha chegado, ou ela provavelmente não me deixaria assistir à aula. Entrei e me sentei na cadeira entre e . Logo a professora apareceu, mas ela veio acompanhada do diretor. O que será que houve? Coisa boa é que não é.
– Bom dia – senhor Ottman começou a falar sério. – Recebi muitas reclamações sobre essa turma, com relação a conversas paralelas na hora da aula da senhora Grace. – ah, ele vai só brigar com os populares retardados que passam a aula conversando. – Já é a sétima vez esse ano que venho aqui alertar vocês sobre isso. Resolvi tomar uma decisão mais drástica agora – o quê? Vai suspender os que conversam? Isso mesmo, diretor. Muito bem! Não converso mesmo. Ele levantou um papel. – Sabem o que é isso? – alguns disseram “não”. Outros idiotas gritaram “um papel?”, causando algumas gargalhadas. – Isso é um mapeamento. Coloquei todos vocês em lugares fixos que vão ser dessa forma até o final do ano. Quem não cumprir, terá uma semana de detenção – COMO?! ELE SÓ PODE ESTAR DE BRINCADEIRA! VAI SOBRAR PARA MIM?! FALE SÉRIO! – Estamos entendidos? – NÃO, SEU VELHO! NÃO ESTAMOS ENTENDIDOS! DO JEITO QUE TENHO SORTE, ELE VAI ME BOTAR DO LADO DE UM IDIOTA! – Destiny? – ele apontou para uma das meninas sentadas na primeira fila. – Por favor, distribua um papel desses para cada um de seus colegas. E vocês vão cada um para o seu lugar. Ok? – ele disse e saiu, voltando depois de alguns segundos. – Senhor ? Vá até a minha sala. Precisamos ter uma conversa – ele apontou para que saiu se arrastando da sala. O que será que ele fez? Não sei o que é, mas é bem feito. Ele vive conversando durante a aula de Biologia. Contudo que quero muito saber o que é, isso eu quero.
Destiny chegou até mim e me deu um papel. Achei meu nome e vi que estava sentada na quarta fileira. Estou sentada do lado de ... AMÉM! E quem é do outr...? ?! SÓ PODE SER PIADA! NÃO CREIO NISSO! NÃO CREIO! NÃO FALEI QUE EU IA ME SENTAR DO LADO DE UM IDIOTA?! NÃO FALEI?! Pelo menos ele não está aqui agora.
Fui até o meu lugar e me sentei. já estava lá e comemorou o fato de nós duas continuarmos sentadas juntas. Viramos para a frente e senhora Grace começou a aula. Vou confessar uma coisa: adoro biologia, mas não estudo quase nada em casa. Só presto atenção na aula.
Depois de uns dez minutos, voltou para a sala com o papel do mapeamento em mãos e se sentou ao meu lado, abrindo o caderno e fazendo alguns desenhos. Voltei a prestar atenção na aula, porém depois de alguns minutos a professora parou de falar e olhou para o idiota ao meu lado.
– Senhor , onde está seu livro?
– Eu... – ele pareceu pensar em uma desculpa. – Esqueci em casa.
– Então se sente com a e acompanhe pelo livro dela.
QUÊ?! NÃO MESMO!
– Não posso me sentar com o ? – ele perguntou, olhando que tinha se sentado ao seu lado. ISSO, POR FAVOR! SENTE-SE COM ELE!
– Você ouviu o que eu disse? Sente-se com a senhorita – falou autoritária e voltou a dar aula como se nunca tivesse parado. me olhou relutante, mas se levantou com uma má vontade enorme e colou sua mesa na minha, colocando a cadeira lá e se sentando pesadamente.
Quando a professora olhava para nós, ele inclinava a cabeça e fingia olhar meu livro. Do contrário só mexia as pernas e batucava alguma coisa, batendo a mão na coxa. Peguei um lápis e risquei o topo da página “Obrigada pelo casaco, apesar de eu não saber o motivo de você ter me ajudado. E espero mesmo que me compre uma blusa nova”. leu, sorrindo de lado (que droga. Esse menino tem um sorriso lindo! E eu nunca disse isso) e pegou um lápis no próprio estojo, respondendo “De nada. Não sou tão malvado quanto você pensa. Ok? E vou lhe dar outra blusa. Não se preocupe”. Demorei um pouco para entender. A letra dele não é a mais legível de todas.
Lembrei-me de que ele tinha saído e resolvi matar minha curiosidade. Peguei o lápis de novo e escrevi na outra página “O que o diretor queria com você?”. Ele demorou alguns minutos para responder, como se pensasse se sou confiável. “Estou por um fio em Biologia. Se não tirar um A nas próximas três provas, vou repetir o ano. E se eu repetir o ano, a minha mãe me obriga a sair da banda.”. “Mas o ano mal começou!”. “Para você ver como sou bom nessa matéria”. Quase ofereci ajuda, mas compreendi o que ele queria. Ele queria que eu oferecesse ajuda sem pedir nada em troca. Até parece.
“Eu sei que você quer a minha ajuda, mas sabe que não ajudo sem receber nada em troca”. Ele riu baixo, confirmando minhas suspeitas. “Nem estava pensando nisso... Ok. Talvez eu estava. Você tem uma semana para pensar no que quer em troca de me ajudar a passar, senão arrumo outra pessoa”. Segurei uma risada. Ele estava falando sério? Não vou pensar em nada. Se ele quiser arrumar outra pessoa para ajudar, ele que arrume. O menino fala como se ele fosse fazer um favor para mim se eu o ajudasse. Até parece.
Balancei a cabeça negativamente e peguei uma borracha, apagando a ”conversa” e voltando minha atenção para a aula. Garoto mais patético.
Biblioteca do Elite High School – 10h10min.
Eu estava na biblioteca comendo calmamente minha barrinha de cereal e lendo um livro do Nicholas Sparks. Eu gostava de passar o intervalo lendo na segunda-feira. Não tinha paciência para o bom humor matinal das minhas amigas. Sim, sou estranha, mas não se preocupe. Nos outros dias eu passava o intervalo com elas. A única exceção era segunda mesmo.
Minha barrinha acabou e coloquei o papel no bolso da frente da mochila para jogar no lixo depois. Não estava com paciência de ir até o lixo agora. Olhei para frente e levei um susto ao ver sentado à minha frente.
– Bu – ele riu, olhando em volta. – Já pensou?
– Faltou à aula sobre os dias da semana, foi? – falei e ele me olhou confuso. – Você disse que eu tinha uma semana para pensar. – sorri irônica e ele concordou com a cabeça, levantando-se.
– Falou, nerd – fez joinha e saiu da biblioteca. Ri baixo, sem chamar a atenção. Ele acha mesmo que vou pensar? Sonhe . Sonhe.
Sala de aula do Elite High School – 12h45min.
Essa aula de Literatura não acaba nunca! E o está no maior dos papos com uma loirinha que senta na minha frente. Não consigo nem prestar atenção. Pior que a única das meninas que está comigo nessa aula é a , mas ela está sentada do outro lado da sala.
O sinal tocou e saí praticamente correndo. Finalmente! Estou morrendo de fome. Saí quase correndo até o carro e (ainda bem!) já estava lá.
– Vamos, ? – ele disse, rodando a chave no indicador.
– Por favor! – quase implorei. Eu estava morrendo de fome. se despediu dos caras e fomos embora. Assim que entramos no carro, ele ligou o rádio e começou a tocar Taylor Swift. Eu cantarolava, balançando a cabeça no ritmo de “Ours”, e riu da minha animação.
– Belo casaco – ele disse e quase enfartei. Claro que perceberia, dã! Ele mora comigo, santa inteligência. Impossível não notar que no caminho para a escola eu não tinha casaco nenhum e, pimba! Na volta estava com um belo casaco azul marinho e o zíper fechado até onde conseguia.
– Eu... – minha mente trabalhava a mil. Eu podia jurar que tinha fumacinha saindo pelas minhas orelhas de tão desesperada que eu estava para conseguir uma desculpa que fosse convincente. Se contasse que o casaco era de , daria um chilique do tipo “por que ele foi legal com você?” e pegaria no meu pé para o resto da vida. O motivo? No primeiro dia de aula, mencionei sem querer que tinha achado bonito e desde então me enche o saco com piadinhas a respeito. – Comprei no sábado, quando fui ao shopping com , mas esqueci com ela.
– Eu fui buscar você no shopping. Como você pode ter esquecido na casa dela? – pobre , tão ingênuo! Eu já tinha pensado em uma resposta. Quando quer, minha mente trabalha com bastante rapidez.
– Eu não disse que esqueci na casa dela. Disse que esqueci com ela – respondi triunfante e ele bufou, revirando os olhos de leve. – Ela comprou uma blusa na mesma loja em que comprei o casaco. Por isso as duas peças ficaram na mesma sacola e...
– A sacola ficou com e ela devolveu o casaco hoje. Saquei – ele sorriu, olhando para mim quando paramos em um sinal fechado. É, quando quer, meu primo é bem inteligente. Acho que ele puxou isso de mim... Ou não.
Quarto – 15h50min.
Já tinha feito as tarefas da escola e cochilado por quase meia hora. Fui acordada por risos escandalosamente altos vindos do jardim dos fundos da casa. Levantei-me, emburrada por ter sido atrapalhada em meu sono, e fui até a janela, abrindo a cortina. A cena com a qual me deparei me deixou sem ar por alguns segundos: , , e estavam na piscina e pareciam se divertir muito. e se levantaram, indo até o bar para pegar o que presumi ser uma cerveja, e não pude evitar encarar descaradamente o abdômen dos dois. Meu primo era ridiculamente lindo, assim como o convencido amigo dele. Bufei, sabendo que não conseguiria retornar ao meu lindo sono, e me sentei na cadeira giratória, ligando meu notebook e checando o meu e-mail. Tinha um cujo endereço eu não conhecia, mas podia bem imaginar só pelo assunto.
De: hurricane@hotmail.com [hurricane@hotmail.com]
Para: [not-cinderella@hotmail.com]
Assunto: Biologia
Vai me ajudar ou não? Estou ficando sem paciência.
.
De: [not-cinderella@hotmail.com]
Para: [hurricane@hotmail.com]
Assunto: Res: Biologia
Tome um calmante, querido. Está muito estressado ultimamente.
Veja se me erra. Não vou ajudá-lo coisa nenhuma. Vá atrás das suas amiguinhas. Se bem que acho que aquelas ali mal sabem Inglês. Quem dirá Biologia. Não que eu ligue para isso. Quero mais que você se ferre. Ainda mais agora que me acordou rindo feito uma hiena na piscina da minha própria casa, que por acaso fica bem perto da janela do meu quarto.
PS: Como você conseguiu meu endereço de e-mail?
.
De: [whatthehell@hotmail.com]
Para: [not-cinderella@hotmail.com]
Assunto: Junie
! As meninas já confirmaram. Só falta você. Vamos à festa da Junie no sábado? Por favooooor! Você nunca foi a nenhuma festa com a gente, amiga. Vamos nessa, please? A banda do seu primo vai tocar lá. Não custa nada aparecer!
Vamos? Por favor! Precisamos de você, mimimi. :/
.
De: [not-cinderella@hotmail.com]
Para: [whatthehell@hotmail.com]
Assunto: NÃO
Desculpe, gatona, mas não vai rolar. Acho ótimo que o tal MacYai toque. Fico feliz pelo – e só por ele -, porém minha ilustre presença não será possível, infelizmente. E que papo é esse de precisarem de mim? Que bobagem, . Vocês sempre vão às festas sem mim e nunca reclamei. E não estou disposta a mudar esse fato.
Desculpe mesmo, porém não estou a fim de ir.
.
Saí do computador e troquei de roupa, tirando aquele short curto e a blusa de alcinha para colocar uma calça de malha – minha amada preta. Amo tanto – e uma blusa dos Strokes bem larga – que era de , mas... Perdeu, playboy! Agora é minha. Troquei porque estava com fome e ia descer para comer algo. E eu não faria isso nem morta com meus trajes anteriores. Acho que ninguém naquele colégio já tinha me visto de short, saia ou vestido. Nem mesmo as meninas. Só , mas enfim... Ele era meu primo e morava comigo.
Desci de três em três degraus – não entendo como não quebrei uma perna até hoje descendo essa escada, porém enfim – e fui quase correndo para a cozinha. Cheguei lá e cortei um enorme pedaço de um bolo de chocolate, comendo-o inteiro na mesma hora. Terminando de comer, fui até a geladeira e enchi um copo de Coca, indo ao jardim dos fundos e me sentando em uma das cadeiras que tinha lá perto da piscina. Os quatro estavam de baixo d’água, acredito que fazendo aquelas competições idiotas de quem agüenta mais tempo, e eu ri, tentando adivinhar quem ganharia. Nem tive tempo de pensar, já que no mesmo segundo se levantou, chacoalhando a cabeça e atirando água para todo lado, começando a rir em seguida. foi o próximo e repetiu o que tinha feito. e levantaram quase igualmente e começaram a rir sem motivo algum, ou isso era o que eu achava.
Quem percebeu minha presença foi que deu um enorme sorriso e gritou meu nome, fazendo os outros três olharem para mim.
– E aí? – sorri, fazendo joinha, e me olhou indignado.
– Essa camisa é minha!
– Não é mais – mandei beijinho para ele, fazendo os outros três rirem. Dei um gole em minha Coca.
– Isso é Coca? – ouvi perguntar.
– Não. Petróleo – sorri irônica e ele me deu língua. Dei tchauzinho para eles e entrei, indo para a sala de TV. Sim, na minha casa tem uma sala de TV. Não sou rica, mas tenho bastante dinheiro.
A sala de TV é separada da sala da entrada da casa e é caracterizada por ter vários sofás e um telão enorme. As meninas adoram e já fizemos várias “festas do pijama” aqui. De qualquer forma, coloquei “Amanhecer – Parte 1” no DVD, liguei a TV e me atirei em um dos sofás, dando play no filme. Preferia os livros aos filmes da saga Crepúsculo, mas estava em profundo tédio e esse era o DVD mais próximo.
Depois dos primeiros minutos, já estava totalmente entretida no filme e só faltei suspirar quando Robert Pattinson falou português... Está aí uma língua que quero aprender um dia. Mas só quando eu estiver muito desocupada, o que não é o caso.
Um barulho ao meu lado me assustou. Dei um pulo e ouvi gargalhar.
– Desgraça. Não o ouvi entrar – ri um pouco também, ainda com o coração acelerado por culpa do susto.
– Você ficou pálida. Achou que fosse quem? O Fantasma da Ópera? – ele gargalhou mais ainda.
– Engraçadinho – zombei, ainda pensando em como eu não o tinha escutado entrar.
– Você não fechou a porta, senhorita esperta – ele disse, como se adivinhasse meus pensamentos, e me assustei novamente, fazendo-o gargalhar. Fechei a cara e voltei a prestar atenção no filme. não falou mais nada.
– Por que ela vai beber sangue? Eca – ele exclamou depois de um tempo, me fazendo rir.
– Por causa da criança.
– Não era para ela comer comidas com nutrientes ou coisa parecida?
– A criança é filha do Edward também. Por isso é meio vampira. A metade vampira dela precisa de sangue e a maneira mais fácil e menos dolorosa de dar esse sangue a ela é fazendo a Bella tomar. Sacou?
– Uhum – murmurou, parecendo entediado, e logo entrou na sala, seguido por e . Os três se sentaram no sofá também. , ao meu lado esquerdo, e , ao direito.
– Não acredito que vocês estão vendo isso – bufou. – Posso trocar, ?
– Fique à vontade – ri e ele foi lá, colocando “Star Wars”. Eu até gostava do filme, mas não estava com a menor paciência de assistir. Subi para o meu quarto e peguei o livro “Querido John”, recomeçando a leitura pela quinta vez.
Minha corrida diária hoje acontecia ao som de Foo Fighters. Eu já corria há vinte minutos e estava toda suada e necessitando de água, mas tinha me esquecido de minha garrafinha. Dei a volta na quadra e retornei o caminho para casa, porém no meio dele não resisti e entrei no mercadinho para comprar uma água.
– Olá, – Sid sorriu quando cheguei ao caixa. Ele é o dono do mercadinho, contudo mesmo assim trabalha direto no caixa.
– Oi, Sid – sorri também, dando o dinheiro a ele e saindo, dando um enorme gole na minha água. Eu estava mesmo precisando daquilo. Comecei a correr, mudando a música.
– Nem para correr você abandona essas calças? – ouvi uma voz ao meu lado e tirei os fones, encarando .
– Erre-me, garoto – revirei os olhos e o ouvi ri. Acelerei o passo, virando em uma esquina e indo pelo caminho mais longo só para não correr o risco de encontrar novamente. Garoto mais irritante. Eu, hein.
Entrei em casa e encontrei e conversando no sofá. Os dois estavam bem sérios e me encararam assim que cheguei.
– Que foi, gente? – eu ri confusa e eles se encararam. – Algum problema?
– Sim, mas a gente resolve. Nem esquente – falou, suspirando, e deu um tapa nele. – AI!
– Peça para ela – ele murmurou, porém mesmo assim ouvi.
– Pedir o quê? – perguntei, mas balançou a cabeça negativamente. Dei de ombros e subi as escadas, tomando um longo e quente banho.
Depois de meia hora saí de lá, encontrando minha mãe sentada na cama com uma caixa no colo que eu sabia muito bem o que era. Ah, não. Já? Mas hoje ainda é segunda, mommy! Que coisa.
– Ah, não! Fale sério, mãe – bufei, colocando um pijama e me jogando na cama.
Deixe-me explicar: minha mãe é obcecada com o fato de eu não ter um namorado. Por isso, ela vive me levando em festas e me apresentando para vários caras, o que é extremamente chato. Já tentei de tudo para fazê-la parar com isso, todavia nada adianta.
– Sim, senhora. Vamos – deu dois tapinhas em minha perna e se levantou, colocando a caixa ao meu lado. – Você tem trinta minutos. Não me faça vir aqui buscá-la – minha mãezinha carinhosa me ameaçou novamente e saiu, fechando a porta.
Bufei e fui até o notebook, ligando-o e checando meus e-mails.
De: [whatthehell@hotmail.com]
Para: [not-cinderella@hotmail.com]
Assunto: Deixe de ser chata
Qual é?! Uma festinha não faz mal para ninguém, ! Mas tudo bem. Não vou insistir.
Ah, o nome da banda é McFly. Não Mac-Sei-Lá-O-Que que você inventou. E eles são realmente bons. Baixei umas músicas ontem. Se quiser, passo para você.
E aí? O que me conta de novo?
Perdi meu celular. Nem adianta me ligar. Mando o número novo assim que meu pai chegar com o chip.
Beijo na bunda. :*
.
De: [hurricane@hotmail.com];
Para: [not-cinderella@hotmail.com]
Assunto: (Sem Assunto)
Você está certa. Minhas amiguinhas realmente não sabem muita coisa de Biologia ou Inglês, mas de outros assuntos elas compreendem muito bem, se é que você me entende.
Não vai mesmo me ajudar? Você ainda tem tempo para refletir...
Quanto à piscina, desculpe por ter rido tão baixo. Seria bom se você tivesse levado um susto maior ainda e caído da cama. O Youtube iria adorar isso. Não sei se conta, porém eu não era o único rindo. Você me ama tanto que já reconhece a minha risada? Uau.
PS: Não interessa como consegui. Quando quero algo, eu consigo. Fim da história.
PS²: Vou lhe dar mais três dias para pensar. Três dias. Reflita bem. Você pode estar desperdiçando ótimas tardes em minha companhia.
.
De: [not-cinderella@hotmail.com]
Para: [whatthehell@hotmail.com]
Assunto: Minha mãe
Adivinha para o que estou me arrumando? Acertou. Mais um “encontro”. Minha mãe não cansa, . Ela não cansa! Eu não agüento mais isso. Não agüento. Sou solteira e estou bem assim. Por que é tão difícil para ela entender isso? Se continuar insistindo nessa história de me empurrar para cima de qualquer alma masculina que vê pela frente, não responderei mais por mim.
Não ligo a mínima para o nome da banda. Eles podem se chamar “ & Os Patetas” e vou continuar não ligando.
PS: não pára de encher meu saco para que eu o ajude em Biologia. Se ele continuar me incomodando, teremos problemas. Muitos problemas. E ele ainda manchou minha blusa dos Beatles com suco de morango. Acredita? Esse idiota está me irritando, . E você sabe o que acontece quando eu me irrito.
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De: [not-cinderella@hotmail.com]
Para: [hurricane@hotmail.com]
Assunto: Dá para esquecer que eu existo?
É sério. Essa história já está me irritando.
Não, eu não conheço sua risada, mas tenho certeza de que a mais ridícula dali era a sua.
Não vou ajudá-lo. Até porque não quero nada em troca. E ajudar de graça eu não ajudo mesmo.
PS: E o Senhor Prepotência ataca novamente. Você não cansa não? As pessoas se irritam com gente que se acha. Sabia? E você está realmente abusando da minha boa vontade. Quer fazer o favor de não me mandar mais e-mails?
PS²: Tardes em sua companhia só seriam ótimas se eu estivesse sentada em uma poltrona super confortável assistindo a você ser devorado por tubarões. Essa sim seria uma tarde bem agradável.
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Desliguei o computador e abri a caixa, não me surpreendendo ao encontrar ali mais um vestido. Não entendo esse pavor da minha mãe com relação a repetir roupas. Sempre que vou sair com ela para esses encontros super agradáveis – não – ela me compra um vestido novo. E odeio usar vestidos. Todos que minha mãe já me deu até hoje estão atirados em uma caixa e nunca serão usados por mim novamente.
Troquei de roupa automaticamente, colocando o sapato preto de salto que estava junto com o vestido e me olhando no espelho. Tirei os óculos e coloquei a lente de contato, penteando o cabelo. É, não estava tão ruim.
– Está pronta? – ouvi minha mãe dizer, enquanto batia na porta. Fui até lá e abri, sorrindo ironicamente. Ela sorriu também, sem parecer notar minha ironia. Virou as costas e foi para a escada. Eu a segui (é bom evitar a Terceira Guerra Mundial de vez em quando. Sabe como é).
Gallileo’s Buffet – 20h45min.
[N/A: nome totalmente inventado.]
Eu já morria de tédio e implorava mentalmente para que minha mãe viesse e me levasse embora. Estávamos na festa de uma empresa muito conhecida e o filho do dono – um engomadinho insuportável – tagarelava sem parar sobre as viagens que ele tinha feito com os pais para a Itália. Não me leve a mal. O garoto era bem bonito, porém ele era um pé no saco. Eita, papinho mais inútil. Deus que me livre.
Concordei automaticamente com alguma coisa que ele falou, ouvindo somente algo como “mãe” e “colegas da imprensa”. Imaginei que a mãe dele tinha chamado-o, já que ele se afastou, sumindo de minha vista.
– Entediada? – ouvi uma voz atrás de mim e dei um pulo assustada. Meu coração quase saiu pela boca e coloquei a mão no peito na falha tentativa de fazê-lo bater mais devagar. Virei-me lentamente, dando de cara com um homem muito bonito que sorria sem graça. – Ops. Desculpe. Não quis assustá-la. Ben – informou, estendendo a mão.
– – foi tudo que consegui responder, colocando minha mão sobre a dele, que a beijou delicadamente. Ele se sentou ao meu lado.
– O meu irmão é muito chato? – apontou para o caminho por onde meu nada querido acompanhante tinha acabado de sair.
– Um pouquinho – confessei, rindo. – Mas já estou acostumada – dei de ombros. – Minha mãe adora me trazer para essas festas e me apresentar para vários garotos. A maioria riquinhos insuportáveis, claro.
– Nossa, deve ser chato – ele entortou o lábio e concordei, sorrindo.
– Você não tem idéia. Não sei o que fazer para ela parar com isso.
– Já tentou conversar? Sei lá... Explicar para ela que você não quer isso – ele falou e o encarei surpresa. Nunca tinha pensado dessa forma, por mais surpreendente que pareça. Eu só dizia a ela que não queria ir e pronto. Não argumentava. E ela sempre conseguia me convencer.
– Boa idéia – falei e ele riu.
– Benjamin? – ouvi uma voz feminina e olhei para o lado, dando de cara com uma cópia da Jennifer Aniston. A garota era linda, loira e alta. Provavelmente namorada de Ben. Ele se levantou e passou o braço pela cintura dela. Sim, definitivamente namorados.
– A gente se vê, . Boa sorte com a sua mãe – ele disse, piscando para mim e sumindo da minha linha de visão. Vi minha mãe se aproximando e me levantei automaticamente.
– Achou alguém interessante? – perguntou animada e segurei os meus impulsos de revirar os olhos.
– Não – fingi tristeza e ela suspirou.
– Tudo bem. Vamos?
– Sim – sorri, já saindo antes que ela me obrigasse a me despedir de todos (tinham uns quinhentos convidados naquele lugar. Dizer oi para metade deles quando cheguei já levou uma eternidade. Não vou passar por isso de novo).
A viagem até em casa foi silenciosa. Entrei e, quando estava quase subindo as escadas, a minha mãe me chamou.
– Amanhã temos uma festa para ir. É aniversário do filho de um colega meu de trabalho. Vai ter vários garotos da sua idade – ela começou e bufei.
– Eu não vou.
– Ah, vai sim, senhora.
– Não quero ir, mãe. Chega disso! Há dois anos você me leva incansavelmente a essas festas insuportáveis, tentando me arrumar um namorado. CHEGA! Não agüento mais – desabafei de uma vez e percebi em seu rosto uma expressão triste.
– Você vai sim! Já pensou se seu príncipe encantado está em uma dessas festas?
– Se ele não apareceu em dois anos, não é agora que vai aparecer, mãe. Chega. Eu cansei.
– Por que essa revolta assim de repente?
– A senhora sempre falou que gostava de honestidade, então pela primeira vez vou ser honesta: eu não gosto disso! Só porque todas as filhas dos seus amigos têm um namorado super fofo e educado não significa que EU também tenha que ter um!
– Por quê? – ela pareceu se revoltar. – Não custa nada procurar. Vai que você encontra? Você não tem um namorado, . TEM?! – gritou, irritada.
– Tenho! – gritei para acabar com a discussão e um silêncio completo se instalou na sala. Percebi naquele momento a merda que eu tinha feito. Mas agora não adiantava mais voltar atrás. Claro que eu não tinha um namorado. Falei aquilo por impulso. Já estava cansada de discutir. Um sorriso enorme apareceu no rosto de minha mãe e juro que vi seus olhos brilharem. Ela veio até mim e me abraçou.
– Jura, querida? Ah, que ótimo. Fico tão feliz por você! Tão feliz! – afastou-se, colocando as mãos em meu rosto e depois me abraçando novamente. Eu deveria ter dito que era mentira, porém ela estava tão empolgada que não tive coragem. Apenas sorri, balançando a cabeça, e afirmei que estava cansada e precisava dormir, subindo para o meu quarto.
Tranquei a porta e liguei o notebook. Tinha poucos e-mails.
De: [whatthehell@hotmail.com]
Para: [not-cinderella@hotmail.com]
Assunto: Calma
Por favor, gatona, mantenha a calma. O e a sua mãe não merecem conhecer a sua ira, tadinhos.
Como foi o “encontro”? Conte. =)
Por que você não ajuda o ? Não custa nada! Você é boa em Biologia, ! O que custa?
Mandei meu novo número por mensagem de texto. Olhe aí seu celular.
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De: [hurricane@hotmail.com];
Para: [not-cinderella@hotmail.com]
Assunto: (Sem assunto)
Você é sempre estressada assim ou sou eu que a deixo desse jeito?
Você ainda tem três dias. Tenho muita paciência. Vou esperar você se decidir, professora.
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De: [not-cinderella@hotmail.com]
Para: [whatthehell@hotmail.com]
Assunto: Minha mãe
Foi um saco como sempre. O cara era um mala, metido. Horrível... Quando chegamos a casa finalmente enfrentei minha mãe e disse pra ela que não queria mais ir a essas festas idiotas. Acabei inventando que tinha namorado e você tinha que ver a cara que ela fez! Foi hilária. Acho que finalmente não vai mais me incomodar com esses encontros idiotas.
E, quanto ao , não vou ajudá-lo. Por que você está do lado dele mesmo? Não entendi.
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De: [not-cinderella@hotmail.com]
Para: [hurricane@hotmail.com]
Assunto: Eu só vou falar mais uma vez:
Não me encha. Cansei de você e da sua prepotência. Irrite-me de novo que você vai ver só quem é a estressada.
Acho melhor esperar sentado, aluno. Já dei a minha resposta, mas se você quiser repito: NÃO.
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Desliguei o computador e me deitei, apagando imediatamente.
Casa dos s – 07h10min
– Acorde, filha – senti alguém me cutucar e depois me sacudir um pouco. Soltei um murmúrio inaudível e não me mexi. Senti meu lençol sendo puxado e caí com tudo no chão. Ainda tonta, apenas olhei para cima, encarando minha mãe sorridente. – Você está atrasada. O seu primo já foi. Eu a levo, mas tem que ser agora. Você tem cinco minutos – concluiu, apontando para o relógio novinho que estava em minha cabeceira e saiu, fechando a porta. Bufei e conferi as hor... O QUÊ?! Ai, Meu Deus, eu estou muito atrasada!
Corri para o armário, trocando de roupa e pondo o “uniforme” de sempre. A única diferença foi o All Star: eu estava com o vermelho dessa vez. Na pressa, não prendi o cabelo. Só coloquei o óculos e desci correndo. Peguei um pacote de biscoitos na dispensa e uma garrafa de água, seguindo até o carro. A minha mãe já estava lá e aquele sorriso assustador continuava grudado no rosto dela. Eu estava começando a ficar com medo dessa felicidade toda. O que será que aconteceu para ela ficar assim?
– Você foi rápida – falou, ainda sorrindo e dando a partida no carro. Comecei a comer calmamente alguns biscoitos. – Então... – pigarreou. – Já falou com o seu namorado hoje?
– Que nam...? – comecei, mas logo uma luzinha acendeu no meu cérebro. Noite passada... Ah, que merda! Ela comprou mesmo a história. Tenho muita sorte mesmo. – Ah, pois é. Já falei sim! – sorri falsamente, rezando para ela não perceber a minha ironia. Obviamente ela não percebeu.
Comi o último biscoito do pacote e guardei na mochila a embalagem para jogar no lixo depois. Bebi um pouco da água e deixei a garrafa no chão do carro.
– E quando você pretende me apresentar a ele? – perguntou com a maior naturalidade do mundo e quase enfartei ali mesmo. Apresentar? Ah, claro. Ia ser uma cena maravilhosa: “mãe, esse aqui é o meu namorado... É... Eu sei. Ele é meio... Invisível”. Onde eu estava com a cabeça quando fui inventar que tinha um namorado, hein? Argh!
– Eu... Vou pensar – respondi, forçando minha voz a permanecer firme. Minha mãe me olhou com a sobrancelha arqueada e eu já soube o que ela perguntaria a seguir. Comecei a formular uma resposta mentalmente.
– Por quê?
– Porque... Ainda estamos no começo... – “belo começo, hein!”, uma voz na minha mente gritava, mas decidi por ignorá-la. – Não quero apressar as coisas.
– Ok. Você que sabe – sorriu novamente e precisei me segurar para não soltar um suspiro de alívio. O assunto estava encerrado, finalmente! Era só eu enrolar minha mãe com esse mesmo papo de “é muito cedo” por uma semana, aí me finjo de triste e digo que terminou o namoro. E, para não começar tudo de novo, faço-me de garotinha sofredora. Isso! Genial!
Chegamos ao colégio e me despedi de minha mãe rapidamente, tentando evitar que o assunto “namorado” viesse à tona mais uma vez. Fui quase correndo até as meninas e gargalhou ao ver a minha cara.
– Deixe-me adivinhar: sua mãe quer conhecer o Senhor Inexistente – falou com voz de filósofa e apontando o indicador para mim. Apenas concordei com a cabeça, fazendo uma careta. e estavam com a expressão inalterada, obviamente não entendendo nada. Expliquei rapidamente o acontecido para elas, que riram, e eu procurava por . Ainda não o tinha visto essa manhã.
Achei-o num banco no outro lado do pátio, conversando com , e . Os quatro tinham expressões sérias e nenhum notou o meu olhar. Nota mental: perguntar o motivo da conversa ao depois.
Finalizei a história para as meninas, contando brevemente o quanto estava me irritando. As duas ficaram ao lado de e disseram para eu ajudá-lo, apesar de eu não saber o motivo. Só achei muito estranho.
Saí da sala alguns minutos depois de bater o intervalo, pois eu não tinha conseguido copiar tudo que estava no quadro e a querida professora fez o favor de avisar que cairia na prova. Portanto tive que ficar. Quando finalmente terminei, vi que já tinha passado cinco minutos. Que ótimo!
Peguei a minha barrinha de cereal na mochila e a devorei no caminho até o banco onde sempre me sentava com as meninas. Chegando lá, vi que ele estava sendo ocupado por duas pessoas que eu não conhecia. Ué, onde elas estavam? Dei uma volta pelo local, mas não as vi.
Como eu bem sabia que tinha uma queda por , resolvi seguir até o outro lado do pátio e perguntar se ele sabia de alguma coisa. Antes de ir até lá, dei meia volta e fui até a cantina, pegando um milk-shake de chocolate de tamanho médio. Segui calmamente até a mesa onde eles geralmente ficavam e percebi que, quanto mais perto eu chegava, mais aumentavam os cochichos ao meu redor. Que merda estava acontecendo? Quando cheguei relativamente perto deles, parei. Entendi de imediato o que estava acontecendo e não culpava os fofoqueiros ao meu redor.
, e estavam lá sentadas com e seus amigos. sentava ao lado de e conversava animadamente com ele. Já e estavam com e , respectivamente. quase engolia uma líder de torcida que usava uma saia que mais parecia uma calcinha e a controlei a minha vontade de jogar meu milk-shake na cara deles para parar com aquela pouca vergonha. Isso ainda é um colégio, pelo amor de Deus! Quem ele pensa que é? Essa cena é no mínimo nojenta.
Respirei fundo, finalmente sentindo as minhas pernas de novo, e andei até eles a passos firmes. Quando cheguei bem perto, todos pararam para me olhar. Inclusive e a put... Quer dizer, garota. O único espaço livre era ao lado de e sua acompanhante e, como eu sentia o olhar do colégio inteiro sobre mim, não tive muita escolha a não ser me sentar. Resolvi colocar um sorriso no rosto para afastar os olhares curiosos e, realmente, olhei pelo canto do olho e percebi que uma quantidade considerável de pessoas tinha parado de olhar para a mesa.
– Mas que porra é essa? Vocês piraram? – perguntei baixinho, inclinando-me sobre a mesa e ainda mantendo o sorriso no rosto, para no caso de alguém ainda estar esperando um barraco de minha parte. Ninguém daquele colégio acreditava na minha sanidade mental por eu andar com , e , que, sejamos honestos, são bem arrumadinhas. Elas usam saias, colares e coisas do gênero. De verdade, ninguém entende o motivo de elas andarem comigo já que, por fora, somos tão diferentes. Não que eu ligue pra isso. Estou só falando. Sabe como é.
– O que foi? Não era você mesma que sempre reclamava de a gente mal falar com as suas amigas? Então! – começou, porém bufei, balançando a cabeça.
– Tudo bem, mas assim... Do nada? De uma hora para outra vocês viraram amiguinhos? Tem alguma coisa rolando que ainda não sei? – perguntei, cerrando os olhos e olhando para . Eu a conhecia bem o suficiente para saber quando a garota mentia, portanto queria que ela mesma me respondesse.
– Vamos conversar? – falou, acenando com a cabeça para um lugar reservado, e concordei, levantando-me. Estranhei vir junto, contudo não comentei nada.
Chegando lá, apenas cruzei os braços, esperando que algum dos dois falasse. foi quem começou.
– Primeiro: ninguém está escondendo nada. Ok? Foi uma situação de emergência em que a gente precisou se reunir para conversar. Não teve jeito – começou, mas não disse mais nada.
– Vai continuar ou quer que eu adivinhe? – perguntei, começando a me irritar, e ela olhou para . Ele deu de ombros e a menina bufou, dando um tapa nele.
– Lembra-se de que no mês passado a gente teve aquele trabalho monstro de trigonometria para fazer? – começou e logo me toquei. Sabia muito bem do que ela estava falando. Foi uma das poucas vezes em que nos juntamos com os “caras” para fazer algo. Tínhamos um trabalho terrível de trigonometria para fazer no dia seguinte, porém até mesmo eu não tinha feito nada e estava super difícil. Era um domingo à tarde e só quem estava no colégio eram as faxineiras e a bibliotecária. Todos nós nos reunimos lá em casa e decidimos ir até o colégio para pegar no armário do professor um livro de onde ele tinha tirado todas aquelas questões. Nós não sabíamos que livro era, tínhamos de que noção de que era um só. Se fôssemos procurar o livro na biblioteca, levaríamos o dia inteiro e era capaz de não ter lá as respostas. Não tínhamos tanto tempo.
Eu sei. É feio, mas eu realmente não tinha escolha. Não iria arriscar tirar um zero.
Enfim, fizemos um sorteio e decidimos que quem entraria na sala para ver o nome do livro seria eu e . Mandaríamos por mensagem o nome do livro para e na biblioteca, eles olhariam e confirmariam se tinham as respostas lá e, em caso afirmativo, eu e sairíamos como se nada tivesse acontecido. Se não tivesse, teríamos que copiar manualmente ou tirar fotos. Mas isso levaria mais tempo. Esse dia não é exatamente um do qual eu goste me de lembrar...
# Flashback
Entramos na sala silenciosamente, mesmo sabendo que as únicas almas vivas naquele colégio eram a bibliotecária e alguma faxineira. Não valia a pena arriscar. Assim que fechou a porta, uma onda de adrenalina correu pelo meu corpo e senti vontade de sair correndo e parar com aquilo. Não era típico de mim fazer algo assim, contudo o trabalho era realmente difícil. Mas, difícil ou não, o fato é que eu me sentia envergonhada por estar fazendo algo assim.
Dei alguns passos para frente e percebi que durante o final de semana os armários dos professores eram esvaziados e abertos para serem limpos. O cheiro de limpeza informava que as faxineiras tinham passado por ali recentemente e haviam colocado as coisas de volta nos armários, porém deixaram as suas portas abertas, talvez para secar o que quer que elas tinham posto lá dentro. Isso significava duas coisas: um – eu só precisaria olhar para dentro do armário e já conseguiria o nome do livro. Dois – as faxineiras poderiam voltar a qualquer momento.
Imediatamente peguei o celular e enviei uma mensagem para , que esperava fora do colégio: “estamos aqui, mas em alerta. Fique por perto da porta, só por precaução”. pareceu chegar à mesma conclusão que eu, já que deu alguns passos, inclinou a cabeça e sorriu, pegando o celular e digitando algo.
– Nome enviado. Agora é só esperar – cruzou os braços e ficou apenas me olhando, sem dizer nada. Senti-me um pouco desconfortável, porém achei melhor ficar quieta. Vamos, ! Ande logo com isso!
Finalmente, o celular de tocou e ele balançou a cabeça afirmativamente, tornando a olhar para mim. Apenas assenti em silêncio. Tinha tudo dado certo, uau!
Seguimos em direção à porta, mas, ao chegar perto dela, vi que a maçaneta estava sendo virada. Ah, merda.
Parei imediatamente e bateu em mim pelas costas, não estava esperando a pausa repentina. Ficamos em silêncio, observando o movimento dela. O único barulho era de ambas as respirações. Até que parou.
– Dona Gretch! Há quanto tempo! – ouvi a voz de e soltei o ar pesadamente, relaxando. Foi por pouco.
– Olá, ! Tempo? Vimo-nos sexta! – ela riu e foi então que percebi que, no susto, tinha agarrado a mão de inconscientemente. Não soltei, porém. Ter a sua mão contra a minha estava me acalmando. Eu estava à beira de um ataque de nervos naquele momento, portanto não pensava claramente.
A maçaneta começou a ser virada novamente, mas parou.
– O que tem aqui dentro, ?
– Ué, não sei – ele falou e gelei. Percebi que tinha apertado a minha cintura. Eu pediria para ele soltá-la, mas estava nervosa demais naquele momento. E se fôssemos pegos? Eu seria expulsa. A minha mãe nunca me perdoaria. Ela acha que sou uma ótima aluna. E sou mesmo. Hoje é o primeiro dia que faço algo errado. Ou quase isso.
– Dona Gretch! – ouvi a voz eufórica de e coloquei minha mão sobre a de , que segurava a minha cintura. Eu conseguia ouvir os meus batimentos, de tão rápidos que estavam, e a respiração de roçava em minha orelha. Ele também estava ciente do perigo que corríamos. Minha vida nesse colégio estava por um fio. – passou mal lá no ginásio. A senhora vai precisar... Limpar uma coisinha. Por favor, venha rápido! – continuou, cada vez parecendo mais eufórica e incrivelmente convincente. Até eu acreditava minimamente naquilo. Ouvi passos e esperei.
Foram dadas duas batidinhas na porta.
– Tudo limpo. Saiam pela direita. Encontramo-nos em casa – ouvi a voz de , seguida por mais passos e então o silêncio.
Estávamos salvos!
Soltei o ar que segurava e sorri, incapaz de esboçar qualquer outra reação. No calor do momento, virei-me e abracei , que incrivelmente retribuiu o abraço. Depois daquela inédita demonstração de afeto, saímos pela direita, controlando o passo para não levantar suspeitas.
# Fim do flashback
Esse foi o dia mais estranho da minha vida. Fora o único dia em que eu havia abraçado e, depois dali, fingimos que nada tinha acontecido e a implicância mútua só triplicou. Nunca tinha contado a ninguém sobre o contato que ocorrera naquele dia. Até porque eu tinha parado para refletir sobre aquilo e não tinha gostado nada do resultado. A verdade é que eu havia gostado de ter assim tão perto, mesmo gritando para mim mesma que era mentira. Eu havia gostado, sim. Não adiantava negar isso. Ele era bem atraente. E era realmente legal quando estava só com os amigos, sem nenhuma garota por perto. É, eu sei o que você está pensando. É feio sim ouvir por detrás da porta, contudo eu estava entediada, poxa! Mas quando não estava só com os amigos, ele era um completo tapado. Além de tratar as mulheres como objeto. Achava-o um idiota.
– Lembro-me sim. E daí? – respondi, temendo o que ela ia dizer a seguir.
– Sabe a Dona Gretch? Foi demitida. E abriu a boca sobre todos os podres de todos os alunos. Claro que ela mencionou a tentativa de de impedi-la de entrar naquela sala – disse e gelei. Sinto que não vou gostar do que ela vai dizer a seguir. – E o diretor chamou o na sala dele e procurou nas câmeras do dia do ocorrido. Viu você e dentro da sala. pediu para me chamarem antes de se explicar para o diretor. Fui lá e vi as imagens junto com ele. O diretor pediu uma explicação e inventamos a maior mentira do universo – suspirou, colocando as mãos em meus ombros. – Por favor, não me mate. Ok? Inventei aquilo só para o seu bem.
– Fale logo, – falei séria e ela assentiu.
– Enfim, o que dissemos foi: você e namoravam – abri a boca com o que ela disse. Como é que é? – E tinham brigado. Não queriam se falar de jeito nenhum. Então nós, melhores amigos inseparáveis, armamos para colocar vocês dois na mesma sala e obrigá-los a conversar e se acertar porque nós...
– Sabíamos que vocês dois tinham sido feitos um para o outro e não agüentávamos vê-los separados – completou com voz afeminada e não consegui rir, de tão perplexa que estava. Tive medo do que ouviria a seguir.
– O ponto é: ele não comprou a nossa história ainda. Fez um monte de perguntas. Inclusive se você e ele ainda estavam juntos, já que pelo que é visto nas imagens vocês obviamente tinham feito as pazes naquele dia – estreitou os olhos para mim e me senti um pouco culpada por não ter contado a ela. – Dissemos que sim, se não ele teria certeza de que era mentira. Então, por enquanto, teremos que agir como melhores amigos e você e , como um casal... Para escola inteira.
– E o falou que só faria isso se você aceitasse ajudá-lo em Biologia. Não temos escolha, . Você vai precisar ajudá-lo – completou e abri a boca, sem acreditar.
– Não creio que vocês fizeram isso. E, além do mais, eu já disse ao que não iria ajudá-lo – concluí, cruzando os braços, ainda sem acreditar que aquilo estava acontecendo.
– Você vai precisar pedir a ele, então.
– Nem morta faço isso, .
– Vai arriscar ser expulsa? Porque, se o diretor não comprar a nossa história, ele vai ligar os pontos mais cedo ou mais tarde. Você sabe disso. E, caso isso aconteça, bye, bye, faculdade – falou e bufei com raiva. Sabia que ela estava certa. Estava arrependida de ter feito aquilo, mas não tinha mais como voltar atrás. E eu ainda precisaria pedir algo ao . Que maravilha.
Revirei os olhos, virando-me e indo a passos firmes em direção à mesa, sem me importar em como e interpretariam a minha falta de resposta. No fundo eles sabiam o que eu faria. Eu não tinha escolha.
Controlei a minha raiva, vendo que ainda se divertia com a estúpida garota. Sentei-me ao seu lado novamente, mexendo no meu milk-shake e tomando mais alguns goles. Cutuquei-o rudemente no ombro e ambos me olharam. A garota me fuzilava, todavia não me preocupei em desviar o meu olhar para ela.
– Posso falar com você? – disse para ele que apenas concordou com um meio sorriso. Levantei-me e saí andando, sem olhar para trás. Quando estava no meio do pátio, parei e me virei, só para conferir se a falsificada tinha vindo junto. Claro que tinha. Que dúvida. Virei a cabeça levemente para ela, com a expressão entediada.
– Em particular – falei enfaticamente e ela não se mexeu. Apenas me encarou, agora com mais raiva ainda.
– O que é que você quer de tão importante, nerd? – perguntou. Só que, diferentemente de , e , o seu tom de voz quando disse a última palavra era de puro nojo, mesclado com uma superioridade que me irritou mais do que qualquer coisa. Já chega. Agora o projeto de Barbie vai ter o que merece.
Arqueei as sobrancelhas, permitindo que surgisse em meus lábios um sorriso irônico. Tirei a tampa do milk-shake que eu ainda segurava e derramei todo o seu conteúdo dentro da blusa da garota. O seu decote era tão grande que rapidamente ela estava toda melecada até a barriga. Ela deu um grito agudo e começou a abanar o local, mexendo as pernas freneticamente. Eu ouvia o barulho de seus pés batendo contra o chão claramente, já que agora a escola inteira estava instalada num profundo silêncio. Todos presenciavam a cena com os olhos vidrados. Consigo até imaginar a cara de olhando para nós.
– Para você é – falei baixinho, mas mesmo assim tive a certeza de que todo mundo ouviu. Virei e comecei a marchar até a biblioteca, ouvindo as risadas atrás de mim irem diminuindo aos poucos.
Sabia que tinha pouco tempo restante de intervalo, então passava os meus olhos pelas estantes sem muito interesse, apenas para minha raiva diminuir. Funcionou. Em pouquíssimos segundos eu já estava perfeitamente calma. Olhei para o lado rapidamente e encontrei me olhando com um sorriso cínico nos lábios.
– O que foi? – perguntei, voltando a encarar a estante. Ouvi-o rir e distingui os seus passos, percebendo que agora ele estava bem perto.
– O que foi? – ele repetiu, rindo mais uma vez. Seu riso foi um pouco alto, já que algumas pessoas próximas nos mandaram fazer silêncio. Ele se aproximou mais. – Era você quem queria falar comigo, professora – sussurrou contra a minha nuca e senti meus pêlos se arrepiarem. Eu sabia o que precisava fazer, mas não tinha idéia de como começar. Tentei manter o meu orgulho adormecido, enquanto pensava nas palavras certas. Se é que havia palavras certas.
Abri a boca para falar, mas nesse momento o meu telefone tocou, alertando mensagem. Virei de frente para para que ele não pudesse lê-la e tentei não demonstrar o meu pânico ao fazê-lo. Era de minha mãe: "oi, filha! Queria avisar que organizei um jantar para sexta-feira lá em casa. Você vai estar lá para me apresentar ao seu namorado. Não é? Beijinhos". Que ótimo. Agora eu realmente não tinha escolha.
Notei o olhar de sobre mim e suspirei, tomando coragem para falar.
– Você sabe que nós temos um problema... – ele apenas continuou me olhando. – E sei que só irá colaborar se eu o ajudar em Biologia – dessa vez ele balançou a cabeça quase que imperceptivelmente. – Tenho três condições – comecei e ele arqueou a sobrancelha num tom divertido, cruzando os braços na altura do peito. – A primeira: vai me explicar direitinho por que raios você e os meninos andam tão estranhos. Segunda: não vão esconder mais nada de mim. Não gostei mesmo de descobrir essa palhaçada toda só agora. Se você souber de algo que não sei e tenha a ver comigo, vai me contar – eu contava nos dedos, os mesmos na frente de seu rosto. Antes de falar a última condição, esperei para ver sua reação às duas anteriores. Ele apenas continuou me encarando. – Terceira: você vai agir como meu namorado. E não somente na escola – finalizei, abaixando a mão. Ele me olhou com uma expressão incrédula e deixou os braços caírem ao lado de seu corpo.
– Você quer que a gente namore... Tipo para valer? – perguntou, sussurrando e com os olhos arregalados. Não consegui segurar uma risada.
– Não! – ri mais uma vez, balançando a cabeça negativamente. Que idéia! – Quis dizer apenas que, quando estivermos perto da minha mãe, você também vai agir como se fosse meu namorado. Só isso – expliquei e a expressão dele se suavizou um pouco. Parecia avaliar o assunto.
– Nesse caso... Também tenho uma condição. – ele tinha um sorriso um pouco pervertido no rosto e cruzei os braços, sentindo um sorriso curioso se formar em meus lábios.
– Jura? E qual seria ela? – perguntei e ele deu um passo à frente, fazendo os nossos narizes roçarem um no outro suavemente.
– Nada de beijos técnicos.
Larguei a caneta na mesa, com raiva, e observei enquanto ela caía no chão, fazendo um singelo barulho. Há alguns minutos peguei meu caderno, com o objetivo de responder de uma vez o questionário de Literatura para ficar livre no final de semana, mas não consegui passar da primeira pergunta. E não é porque eu não sabia. Na verdade, eu conhecia a resposta. O único problema era, de fato, escrevê-la, pois sempre que a caneta tocava o papel, ela se esvaía de minha mente, dando lugar a um só pensamento:
A partir de amanhã passarei a agir como namorada de . Somente agora parei para refletir realmente sobre o que isso significa. E, sinceramente, a idéia me apavora. Onde eu estava com a cabeça quando fui aceitar aquele acordo? E não estava me importando muito com o que as pessoas pensariam da novidade – mas, se pararmos para refletir, acredito que o novo "casal" vai causar uma fofoca daquelas. Aposto que, assim que uma das patricinhas souber, em menos de um minuto o colégio inteiro saberá da novidade – e sim com como eu agiria. A verdade é que, pasmem, só tive um namorado em toda a minha vida. Sim, somente um. Por isso não tenho a menor idéia de como agir, fazendo o papel de garotinha apaixonada. É capaz de eu pegar raiva de mim mesma. Não suporto casais melosos. E, se pararmos para pensar, eu odiava a mim mesma dois anos atrás.
Eu tinha quinze anos quando o conheci: Eric Lyon. Na época, ele tinha dezessete. Eu era uma típica patricinha: passava uma hora me arrumando para ir para a escola, usava uma saia minúscula, fazia academia, comia só comida saudável, achava-me melhor do que todo mundo, além de ser daquelas riquinhas metidas que acham que mandam em tudo e em todos. Agora entendo por que metade do colégio me odiava e a outra metade queria ser como eu.
Já Eric era o típico garoto popular: lindo, causava suspiros em todas as meninas e fazia parte do time de futebol. Conhecemo-nos na festa dada por um amigo em comum, na qual ele convidou quase toda a escola. Foi uma festa bombástica, em uma casa enorme, e arrisco dizer que foi uma das festas em que mais dancei. Foi também a primeira vez que experimentei uma bebida alcoólica, porém é melhor não comentarmos sobre isso.
Ele chegou perguntando o meu nome e começamos a conversar sobre coisas diversas das quais não me recordo agora. Sei que, naquela noite, não permiti que ele me beijasse. Não que ele tenha percebido. Fui bem discreta ao desviar o rosto. Eu já tinha uma queda por ele desde antes de conhecê-lo. Obviamente. Quem não tinha? Todas as garotas daquele colégio eram malucas por ele. Eu não fugia à regra. Na época, já tinha boa parte do orgulho que tenho hoje e não queria ser só mais uma para ele. Por isso continuei puxando assunto, contudo sem permitir um contato maior. Fingi não perceber que ele ficou frustrado por não conseguir nada de mim e fui embora da festa começando a me sentir arrependida. Será que eu não deveria ter deixado?
No dia seguinte, deduzi que não, pois Eric começou a falar comigo e era um fofo. Com o tempo, a minha paixão por ele aumentou e aceitei o convite dele para jantar, aceitando em seguida o seu pedido de namoro.
Quanto tempo durou? Quatro meses. No dia em que íamos completar quatro meses juntos, resolvi fazer uma surpresa e ir até sua casa. Ele estava nos fundos conversando com um amigo e não me viu. Eu ia me aproximar, mas percebi que falavam de mim. Escondi-me para escutar a conversa e me assustei. Eric olhava para o amigo com os olhos arregalados e depois gargalhou, dizendo: "apaixonado? Está maluco? Que tipo de idiota se apaixona? Estou só curtindo. A garota é bonita e rica. O que mais eu podia querer? Mas não é nada demais. Deixe de ser ridículo." E riu novamente. Permaneci por alguns minutos fincada no lugar, sem coragem de me mexer. Porém, depois de um tempo, finalmente voltei a mim e tomei o caminho de volta para casa em velocidade recorde.
Naquele dia mesmo, fiquei sabendo que nos mudaríamos e aquilo não poderia vir em hora melhor. Aproveitei a mudança de cidade para mudar mim mesma. Joguei fora as roupas caras e a maquiagem e adotei as roupas que uso hoje. Prometi para mim mesma que, se fosse para alguém se apaixonar por mim, que se apaixonasse por quem sou e não pelo que visto.
Eu não tinha a mais vaga idéia de como agir perto de , já que precisaríamos fingir estar loucamente apaixonados e, definitivamente, precisaríamos demonstrar isso. Espero que ele saiba o que está fazendo, pois realmente não sei. Com Eric, eu agia feito uma idiota e não estou disposta a agir dessa forma novamente. Muito menos com alguém tão irritante. Portanto, estava no escuro. Eu deveria ficar abraçada com ele o tempo inteiro? Com as mãos entrelaçadas? Andando para lá e para cá como se fôssemos um só? Veremos por quanto tempo suporto isso. Veremos.
Liguei o computador para checar o meu e-mail. Tinha apenas um, de .
De: [hurricane@hotmail.com];
Para: [not-cinderella@hotmail.com];
Assunto: O que você quer saber
Como geralmente cumpro com a minha palavra, vou levar a sério o nosso acordo e espero que você faça o mesmo.
Você tinha perguntado o que estava acontecendo comigo e com os caras. Pois bem... Na verdade, não é nada extremamente interessante, considerando que o problema já foi resolvido, mas você perguntou. Você sabe que eu, , e formamos uma banda chamada McFly. Então, fomos convidados para abrir o show do Foo Fighters em Los Angeles. Incrível, não é? =) O problema era que, devido às minhas notas terríveis em Biologia, a minha mãe tinha me proibido de viajar. É, pode rir.
Porém, como você e eu temos um acordo, agora tudo está resolvido, pois vou poder viajar tranqüilamente sem ser um fora da lei. Legal.
Só uma coisa: não conte ao que você sabe sobre o show. Ele queria lhe fazer uma super surpresa e não quero estragar tudo. Estou contando porque foi esse o combinado, contudo espero que você colabore comigo e mantenha em segredo o que lhe contei.
PS: será que você podia se tornar um pouco mais sociável? É difícil fingir que gosto de uma garota tão irritante como você. Tente melhorar.
.
De: [not-cinderella@hotmail.com];
Para: [hurricane@hotmail.com];
Assunto: RES: O que você quer saber
É óbvio que levarei a sério o nosso acordo e aprecio o fato de você ter sido tão rápido em cumprir parte dele.
Não se preocupe. Não vou contar ao . Sei como ele gosta de surpreender as pessoas.
PS: Não gosta do meu jeito de ser? Foda-se. Não tenho nada com isso. Se quiser acabar com essa palhaçada, fale com a e com o e se entenda com eles. Você estaria me fazendo um imenso favor.
.
Depois de enviado o e-mail, desliguei o computador. Estava muito feliz por . Já imaginou que incrível? Ele deve estar pulando de alegria.
– ? – ouvi a voz do dito cujo e me virei para vê-lo encostado à porta com uma expressão séria.
– Aconteceu alguma coisa? – perguntei preocupada. Ele pressionou os lábios e entrou no quarto, fechando a porta e se sentando em minha cama. Deslizei a cadeira até lá e parei de frente para ele. Esperei em silêncio até que ele finalmente se pronunciou.
– É que... – ele pigarreou, esfregando as mãos. – Eu queria lhe contar uma coisa, mas não tenho muita certeza de como você vai reagir – começou e imediatamente imaginei que ele ia falar do show. Preparei o meu melhor sorriso e discurso de congratulações, quando algo em meu peito me alertou para o fato de ele não estar sorrindo. Em sua face, uma expressão preocupada. Será que aconteceu algo grave? Provavelmente não é tão grave assim. Se não, teria falado de uma vez. Conheço-o bem. O que poderia ser então?
– Fale logo, – resmunguei impaciente e ele deu um breve riso.
– Mas primeiro você vai ter que prometer que vai ser completamente sincera sobre a sua opinião nesse caso e, se for contra, vai me falar na mesma hora. Entendeu?
– Por quê? Do que você está falando?
– Entendeu, ? Sinceridade total – perguntou de novo, ainda sério, e concordei com a cabeça. Comecei a me preparar para o pior, quando percebi algo diferente em seu olhar... Uma espécie de brilho. O meu cérebro processou a informação ao mesmo tempo em que as palavras saíram de seus lábios. – Estou gostando da ... Para valer.
– Uau – é a única coisa que consegui pronunciar e ele abaixou o olhar.
– É, imaginei que fosse dizer isso. Sei que ela é sua melhor amiga e entendo que não queira...
– Não – interrompi-o e ele me olhou curioso.
– Não o quê?
– Não é isso – falei simplesmente e tentei processar a informação. apaixonado por ... Não consegui conter o meu sorriso de felicidade e percebi a sua expressão se suavizando. e ! Será que é possível? Não sei se ela sente algo por ele. A idéia nunca passou por minha cabeça, porém começarei a prestar mais atenção nisso. – Apóio completamente. Sério! Por que você não me falou antes? – ri, dando um leve tapa em seu ombro, e ele deu um largo sorriso, puxando-me para o seu colo.
– Achei que você não fosse querer... Sei lá. É a sua melhor amiga.
– É. E você, o meu melhor amigo. Quer casal mais perfeito? Vá fundo, . A é uma pessoa maravilhosa – sorri novamente, apertando a sua bochecha. Ele revirou os olhos, mas depois também abriu um sorriso.
– Quero a sua ajuda.
– Para o quê? – perguntei.
– Para cavar um buraco no jardim – falou sério e arregalei os olhos.
– Um buraco? Para o quê? – perguntei e ele riu escandalosamente, dando um leve tapa em minha testa.
– Não tem buraco nenhum, tonta. Quero a sua ajuda para conquistar a . Você sabe do que ela gosta e pode me dar uma idéia.
– Lógico! – logo me animei e comecei a pensar em maneiras de descobrir o que achava de sem deixar que ela soubesse sobre o que ele sente.
– Ah, tem mais uma coisa – cutucou a minha barriga para atrair a minha atenção e o encarei com as sobrancelhas arqueadas. – Se a senhorita estiver gostando de alguém, vai me contar.
– Vou – concordei prontamente e ele apenas me olhou. – Mas no momento não tem ninguém – disse e ele assentiu, dando um beijo em minha bochecha e saindo do quarto.
Atirei-me na cama, empurrando a cadeira para longe com o pé, e adormeci rapidamente com apenas a voz de em minha mente: nada de beijos técnicos.
Recepção/secretaria do Elite High School – 09h20min.
Tamborilei os meus dedos em minha coxa, enquanto balaçava a perna. me lançou um olhar irritado e parei. Estamos há dez minutos sentados na sala do diretor, esperando o nosso momento de falar com ele. Tempo suficiente para combinarmos nossa estratégia, juntando com o que já havia inventado.
Para todos os efeitos, a história é essa: eu e nos conhecemos por intermédio de , dois meses antes do ocorrido na sala, e nos apaixonamos logo de cara. Começamos a namorar, porém acabamos discutindo em uma festa e terminamos. Nossos amigos não agüentavam nos ver tristes e separados e armaram aquilo para que fizéssemos as pazes. Funcionou e estamos juntos até hoje. Fim.
Os detalhes a mais que podem ser acrescentados estão combinados assim: um fala, o outro concorda. Pura e simplesmente isso, para evitar possíveis confusões ou discordâncias.
– e ? – ouvi a secretária dizer e nos levantamos. – Podem entrar.
Fomos em direção à porta e entramos, encontrando o diretor com uma cara não muito agradável. Arriscaria dizer que ele inclusive parecia um pouco irônico. Isso vai ser divertido.
fechou a porta e colocou a mão na minha cintura, conduzindo-nos até a mesa dele e afastando a cadeira para que eu me sentasse. Ele está mesmo levando a sério esse teatrinho. Quando estávamos os dois encarando o diretor, ele sorriu, cruzando as mãos atrás da cabeça.
– Do jeito como as fofocas andam, vocês devem bem saber o motivo de estarem aqui – falou e não me mexi. também não demonstrou reação ao que ele disse. – O motivo é esse – continuou e virou a tela de seu computador para nós, iniciando o vídeo.
Primeiramente, apareceram as faxineiras limpando os armários e, segundos após a saída delas, eu e adentramos a sala. Fiquei surpresa. Não tinha idéia de que o tempo entre a saída delas e a nossa entrada tinha sido tão curto. A câmera não tinha um ângulo muito bom e felizmente não tinha som, mas conseguiu filmar a mim e ele perfeitamente. Apareci parando e ele batendo em minhas costas. Depois a mão na cintura e, finalizando, o abraço. Tentei não demonstrar nenhuma reação, mas a verdade é que, olhando assim, não me surpreendi que a desculpa de tivesse sido a de que namorávamos. O abraço tinha sido bastante íntimo e eu não tinha tido noção daquilo na hora.
– Então... – continuou, pigarreando e virando a tela para ele novamente. – Já ouvi uma versão dessa história, mas queria o ponto de vista de vocês. Quero saber como isso tudo começou e qual a justificativa para terem entrado em uma sala restrita a funcionários da escola.
– Estávamos lá porque... – começou, mas foi interrompido.
– Separadamente. Quero ouvi-los separadamente – revelou, cruzando os braços na frente do peito, e novamente contive a minha surpresa. Agora ferrou de vez.
– Senhorita – senhor Ottman começou assim que fechou a porta. Eu falaria primeiro e estava apavorada. Não era muito boa em inventar coisas. O diretor parecia estar se divertindo e pegou papel e caneta para anotar o que eu diria. A cada segundo isso ficava pior. – Gostaria primeiro de avisar que não acredito muito nessa história de namoro. Portanto, quero que você me responda com sinceridade. Se estiver mentindo, saberei.
– Sei disso – respondi, respirando fundo e esperando que a minha criatividade estivesse boa. Mas então um estalo me atingiu: como falarei o mesmo que ? Precisamos falar a mesma coisa, senão ele perceberá de cara que é mentira.
– Primeiramente vou deixá-la a par do que já sei. Eu poderia ser cínico e fingir que não sei que você já tem essa história decorada, mas não farei isso. Nem vou obrigá-la a contar novamente o que já escutei – tossiu, inclinando-se para frente, juntando as mãos. Eu permanecia imóvel. – Você e namoravam e brigaram. Os seus amigos armaram para deixar vocês dois trancados em uma sala, com o objetivo de fazer os dois se entenderem. Vocês se entenderam e estão juntos – terminou, inclinando-se para trás novamente e assenti brevemente com a cabeça. Retornou para frente, dando-me um leve susto, e pegou a caneta, anotando algo no papel. Não consegui identificar o que ele tinha escrito e esperei que se pronunciasse novamente. – O meu único objetivo com vocês dois aqui é comprovar se realmente estão me falando a verdade, portanto farei perguntas sem muita importância, mas quero que você responda. São apenas fatos, mas que vão me ajudar. Acho importante deixar claro para você que suspeito que você e estavam metidos em algum plano para colar no trabalho de trigonometria – falou e eu engoli em seco. Ottman pigarreou. – Podemos começar? – apenas assenti. – Como foi que vocês dois se conheceram?
– Por intermédio de meu primo, – respondi automaticamente como o combinado. O diretor pareceu achar graça da minha resposta.
– Isso eu sei, senhorita . Quero que me conte os detalhes.
Gelei. Detalhes... Que detalhes? Que tipo de detalhes eu poderia dar? Respirei fundo e decidi contar uma versão um pouco modificada da verdadeira, baseada no dia em que realmente conheci . Tomara que ele pense a mesma coisa ou pelo menos em algo parecido.
– Foi há um tempo, quando passou a andar com os caras e...
– Um momentinho – ele me interrompeu. – Quem são “os caras”? – perguntou, fazendo aspas no ar e com o olhar irritado. Ele queria que eu fosse mais direta. Vai ficar querendo, paspalhão.
– , e . Como eu estava dizendo... – encarei-o, cerrando os olhos, e ele apenas sustentou o olhar. – começou a andar com os caras – falei irritantemente e ele revirou os olhos, porém dessa vez não disse nada. – E em um dia qualquer o levou para jogar vídeo-game lá em casa.
– Levou quem? – interrompeu-me novamente e bufei.
– . E, caso o senhor pergunte, o meu primo mora comigo. Dá para parar de me interromper? – exclamei irritada e ele deu de ombros. Tomei isso como um consentimento. – E eles foram jogar vídeo-game lá em casa, os dois, e – expliquei, fuzilando-o. – E então fomos apresentados um ao outro. Eu e – expliquei novamente e o diretor parecia se divertir com a minha irritação. Velho idiota. – E, assim que nos conhecemos, apaixonamo-nos. Foi isso – modifiquei a última parte, que obviamente não era verdadeira, mas suficientemente simples para que repetisse.
O diretor escreveu novamente no tal caderno.
– Certo. E, diga-me, , como foi o pedido de namoro? – perguntou como se fosse a coisa mais normal do mundo e não preciso fazer mágica para perceber que ele estava armando essas perguntas idiotas para nos contradizer. Maldito.
Lembrei-me de um livro de romance que tínhamos lido no semestre passado para um trabalho de Literatura infinitamente difícil. Todos precisaram ler o livro duas vezes para se dar minimamente bem no trabalho. Eu me lembrava perfeitamente da história e esperava que também se lembrasse, pois decidi, naquele momento, basear o nosso “relacionamento” no mesmo entre os personagens principais do livro. Eu só precisava arrumar um jeito de avisá-lo sobre isso depois.
– Foi em um restaurante. Estávamos jantando, até que, de repente, apareceram três violinistas e começaram a tocar a minha música favorita. Ele então se ajoelhou e fez o pedido – falei e imediatamente percebi que fui seca demais, direta demais. Obriguei-me a dar um suspiro que julguei apaixonado e, a contragosto, acrescentei sorrindo: – Foi lindo.
Ele escreveu, provavelmente o que acabei de dizer, e assentiu.
– Sei que acha que estamos perdendo tempo aqui, e eu concordo, considerando que o meu único objetivo é saber que a história é verídica. Portanto farei agora a última pergunta – assenti, segurando-me para não pular de alegria. – Qual foi o primeiro presente que ele lhe deu?
Imediatamente me lembrei do tal livro.
– Um colar – respondi simplesmente e, antes que ele perguntasse o que tinha no pingente, levantei-me. – Posso ir? – ele assentiu e eu saí. Vi que a secretária estava ocupada em seu computador e olhei para , mexendo os meus lábios para dizer: “amarre os sapatos”. Ele imediatamente se inclinou na direção dos pés e fingiu fazer um nó. Sorri e segui na direção da secretária, debruçando-me sobre sua mesa e chamando a sua atenção.
– Bom dia. Terry, você sabe me dizer o nome daquele livro que lemos semestre passado? – dei ênfase nos pontos importantes e falei alto suficiente para que escutasse. – Eu queria tanto lê-lo de novo! O pedido de namoro presente nele é tão romântico! O colar que o principal deu para garota é um gesto tão fofo! – exclamei tontamente e o diretor apareceu, chamando . Ele entrou e rezei para que tivesse entendido o recado.
Esperei enquanto a sorridente Terry procurou para mim o nome do tal livro, apesar de eu saber qual é. Quando ela me disse, apenas concordei com a cabeça, agradecendo, e segui para a cadeira, sentando-me.
Quando saiu da sala, levantei-me imediatamente e o encarei com as sobrancelhas arqueadas numa muda pergunta. “E aí?”. Ele apenas me olhou, cerrando os olhos, e indicou o corredor com um aceno de cabeça. Seguimos até o corredor e, quando nos encontrávamos relativamente longe, paramos em um canto próximo à parede.
– E então? Qual o veredicto? – perguntei já impaciente e franziu a testa.
– Vere-quê?
– Esqueça – bufei, revirando os olhos. – O diretor acreditou ou não?
– Acho que sim – deu de ombros. – Ele não falou exatamente. Só ficou mexendo a cabeça enquanto eu falava e depois me mandou sair. Desejou felicidades no namoro – riu, imitando a voz do diretor teatralmente. Não consegui conter um sorriso.
– Ótimo. E o que ele perguntou?
– Como nos conhecemos, como foi o pedido de namoro e qual o segundo presente que lhe dei. Falei tudo como você disse sobre o tal livro. Ainda bem que eu me lembrava.
– Ainda bem mesmo – suspirei aliviada, mas então um estalo me atingiu. Falou tudo. Segundo presente. Ah, merda. – Sobre como nos conhecemos, o que você disse?
– Disse o que tinha no livro, que se esbarraram na rua e começaram a conversar.
Ah, merda, merda, merda.
– E sobre o segundo presente? – perguntei, apesar de saber a resposta.
– Um colar. Não era isso?
Que beleza. Ferrou tudo.
– Puta merd... – comecei, mas quando desviei o olhar para o lado vi que o diretor vinha em nossa direção, apesar de não ter nos visto ainda. Sem pensar duas vezes, puxei a cabeça de para mim e juntei os nossos lábios. Ele pareceu surpreso, porém não demorou a corresponder. Colocou um dos braços atrás das minhas costas e com o outro me segurava pela cintura. Não quis levar em conta a tal condição “sem beijos técnicos”, portanto mantive os meus lábios bem fechados enquanto levava as minhas mãos até o seu cabelo, mantendo-a por lá. Ouvi um pigarro ao nosso lado e separei o beijo, fazendo cara de surpresa.
– Diretor? Algum problema? – a minha voz soou suave, até mesmo angelical, e pus no rosto um sorriso cínico.
– Não era para vocês terem voltado para a sala de aula?
– Era...? – disse em tom de interrogação e encarei que deu de ombros, também se fazendo de inocente.
– Vão. Agora – nem esperei que ele terminasse de falar. Logo puxei o garoto ao meu lado pelo corredor com a sensação de dever cumprido. Duvido o diretor não ter ficado pelo menos em dúvida agora.
Casa dos s – 13h46min.
– ? – ouvi a voz de e senti que alguém chacoalhava o meu ombro. Resmunguei baixo, virando o meu rosto para o outro lado, mas a perturbação continuou. Por fim me dei por vencida e me virei, encarando . O sorriso em seu rosto era tão grande que chegou a me assustar. – Quero lhe contar uma coisa – quando eu ia abrir a boca para perguntar o que era, ele já falou. – Vamos fazer um show em Los Angeles! – disse e dei um gritinho entusiasmado, pulando em seu colo e o abraçando. Eu já sabia sobre o show, mas não tinha parabenizado o meu primo ainda. – Ah, tem mais uma coisa. Você vai com a gente – ele disse e nessa hora não fingi mais surpresa. Já estava pasma o suficiente. Por essa eu não esperava.
– Eu? – perguntei, sentindo um sorriso se formando no canto do meu rosto.
– Sim – sorriu, depositando um beijo em minha bochecha. – Ah, o vai chegar daqui a pouco.
– E eu com isso? – perguntei, franzindo a testa. nunca me avisava. simplesmente aparecia.
– Ele vem para que vocês estudem Biologia.
– COMO?! – gritei, dando um pulo.
– A primeira prova é semana que vem, . Se o for mal, nada de viagem – ah, claro. Biologia. Já tinha me esquecido completamente. Então a primeira “aula” será hoje.
Quinze minutos tinham se passado quando a campainha tocou. Eu já estava organizada na mesa da sala, com os livros e os cadernos arrumados. Não precisava estudar a matéria. Já a sabia de cor. Fui abrir a porta e conduzi até a mesa, para que enfim começássemos.
– Podemos?
– Foi pra isso que eu vim. Não foi? – falou, bufando, e revirei os olhos.
– Credo, grosso. Se não quer estudar, vá embora então!
– Querer eu não quero – ele deu um riso irônico. – Porém preciso.
Eu já estava quase perdendo a paciência e prestes a me levantar, acabando com aquele acordo estúpido, quando a voz de me interrompeu.
– Nós precisamos. E, se eu fosse vocês, começaria logo com isso – deu de ombros, indo em direção à cozinha. Peguei um livro qualquer, suspirando e rezando para que ele não fizesse mais nenhum comentário.
– Vamos começar por Citologia?
– Cito-quê? – perguntou, enquanto abria o caderno.
É. Isso vai ser mais difícil do que eu imaginava.
As últimas três semanas tinham passado incrivelmente rápido, já que eu sempre tinha algo para fazer. Quanto à mentira, o diretor parecia ter acreditado no pseudo-beijo e comprado a idéia de que e eu éramos um casal. A parte ruim era que, sempre que ele passava por perto, eu tinha que me aproximar mais de ou fazer algo carinhoso.
Como eu havia previsto, a fofoca se espalhou rápido e não duvido que tenha sido a própria secretária do diretor que contou sobre o suposto novo romance. Todos pareciam não acreditar na encenação, o que só me dava uma dor de cabeça ainda maior, já que sempre que percebia alguém nos encarando muito fixamente precisava me aproximar mais ainda dele. Com relação aos beijos-nada-técnicos, não houve nenhuma mudança. e eu não nos beijamos nenhuma vez após aquela ocasião de emergência com o diretor e eu não estava disposta a mudar a atual situação. Quanto mais distante de , melhor. A confusão que me perseguia desde o dia em que nos abraçamos – criando sem querer esse teatrinho idiota – estava se tornando cada vez mais incômoda e eu simplesmente me recusava a pensar sobre o assunto.
O jantar que era para ter acontecido naquela sexta-feira na verdade não ocorreu, pois consegui inventar uma doença qualquer no dia, obrigando a minha mãe a desmarcá-lo. E, nos dias seguintes, sempre que ela sugeria algo do tipo eu simplesmente falava sobre uma prova ou trabalho. Um dia ela chegou a casa quando estava indo embora de nossa tarde de estudos – que rendeu bastante, já que ele tinha tirado B+ na nossa mais recente prova duas semanas atrás – e ficou olhando-o com uma cara estranha. Depois que ele foi embora, encheu-me de perguntas sobre o porquê o amigo de estava lá em casa se o mesmo tinha saído e acabei “confessando“ que era o meu novo namorado. Ela pareceu acreditar e, vez ou outra, ainda me perguntou coisas sobre ele – para as quais invento respostas, obviamente. Porém depois passei a tomar cuidado e fazê-lo ir embora antes de ela chegar. Se bem que eu acho que isso não vai mais acontecer.
# Flashback
O filme estava quase na metade, mas eu queria muito uma pipoca. Olhei para os lados e todos estavam vidrados na tela do cinema, parecendo alheios à minha presença. Apenas me levantei e fui em direção à saída. Chegando lá fora, vi que a fila não estava muito grande. Tinha apenas um homem em minha frente e... Era . Não percebi que ele tinha saído da sala.
Fingi não perceber a sua presença e esperei que ele fosse embora para eu poder comprar a minha pipoca em paz. Enganei-me.
– Já ficou com saudades de mim? – provocou em seu tom irritante de sempre, parando ao meu lado, enquanto eu pedia minha pipoca. Apenas revirei os olhos, entregando o dinheiro ao caixa. O mesmo me entregou uma notinha e segui um pouco para o lado para pegar o meu pedido. continuava grudado em mim.
– Por que você fica me seguindo? – exclamei irritada. Estava passando tempo demais com ele por culpa da historinha de namorados somada às aulas de Biologia, portanto qualquer tempo extra ao seu lado já me causava irritação.
– Credo, garota. Eu só queria um pouco de pipoca. Ficou paranóica que nem a Jodie agora?
Imediatamente reconheci de quem ele estava falando. Não de Jodie Fox, a animadora de torcida que muda a cor do cabelo uma vez por semana, contudo sim de Jodie Gunther, uma garota lá da escola que era da nossa turma. Não é mais, pois as notas dela estavam tão, mas tão baixas, que o diretor resolveu mudá-la de turno, já que durante a tarde tinha menos alunos e seria mais fácil “controlá-la”. O mais engraçado é que ela não costumava ser assim. Mudou quando conheceu o namorado, Gary, que é o típico estilo Eric Lyon: popular e desejado pela metade “feminina” da escola (ênfase no “feminina”, por favor. Pois, quando me refiro à metade “feminina”, refiro-me àquelas que vão ao banheiro na hora do intervalo apenas para conferir se a bunda está arrebitada o suficiente. Acredite em mim... Elas existem e não são poucas). Grande parte da população escolar não entendia o motivo de Gary e Jodie namorarem, porém eu entendo. Ela é uma garota legal e divertida. O único problema dela é o ciúme excessivo. Claro que Gary não tinha como saber disso quando começou a namorá-la. Jodie simplesmente se transformou. Começou a controlar cada passo dele e a dar chiliques cada vez que uma garota chegava perto. Era doentio. Tentei avisá-la uma vez, já que éramos um pouco amigas, todavia ela não aceitou o meu ponto de vista e brigamos. Desde então não tenho mais notícias dela. O controle sobre o namorado era tão grande que ela não tinha tempo de se dedicar aos estudos mais e por isso as notas caíram tanto. Ganhou o apelido de Paranóica e, sinceramente, tinha fundamento.
– É impressionante como você precisa falar mal de alguém. Não é mesmo? – ri irônica e revirei os olhos mais uma vez. A criatura à minha frente estava acabando com a minha paciência.
– Ih, pronto. A defensora dos pobres desafortunados arrumou mais uma queridinha – agora foi a vez de ele abusar da ironia. – A lista já está muito grande, . Melhor você começar a maneirar.
– Defendo quem eu quiser. Fique na sua – o atendente me entregou a pipoca e a peguei, virando de frente para .
– Que drama. Só fiz um comentário. Precisa dessa violência toda? Não é à toa que o Lyon a largou – não tinha como saber, mas tinha tocado em meu ponto fraco. Ele sabia sobre o Eric porque tinha contado (brigamos quando descobri que ele havia aberto o bico para o – na época – novo amigo, mas acabei perdoando-o, já que pretendia me esquecer da existência do ser), porém nunca achei que a informação faria diferença.
Quando saí da casa do Eric naquele dia, lembrei-me de que no dia seguinte ele iria à minha casa (era sábado e em todos os sábados fazíamos algo juntos). Coloquei então o meu melhor sorriso e o recebi. Tentei fingir que nada tinha acontecido, contudo a minha mãe fez o favor de entrar em meu quarto e comunicar que iríamos mudar de cidade à noite daquele mesmo dia. Ele me olhou, incrédulo, e começamos a discutir. Culpava-me por ser indiferente ao nosso relacionamento e então não agüentei mais e contei a ele que tinha ouvido a conversa do dia anterior. Não demonstrando reação, ele apenas respirou fundo e foi embora. só partiu no dia seguinte (ele tinha algo para fazer na cidade antes de ir) e me contou que Eric tinha espalhado para todo mundo que ele que tinha me largado porque eu era uma pedra sem sentimentos. Claro. O orgulho era maior do que qualquer outra coisa.
me pressionou, mas não quis contar a ele a verdade. Sentia-me usada e, na época, ainda não éramos tão amigos. Por isso ele não insistiu. Acabou aceitando a versão de Lyon. Não me surpreende que também tenha aceitado-a. Porém tocar nesse ponto é retornar a um passado que jurei esquecer, lembrar de uma época em que eu achava que tudo era perfeito, lembrar da primeira vez em que fui magoada. Não é uma lembrança que eu aprecie.
– Pode ficar com a pipoca. Espero que morra engasgado – atirei o pacote em sua direção e saí de lá a passos largos, andando sem rumo até chegar a uma praça, onde me apoiei em uma árvore e fiquei apenas parada, fitando a rua movimentada.
# Fim do Flashback
– Ei – levei um susto e olhei para o lado, dando de cara com . Revirei os olhos e descruzei os braços, virando-me para ir embora, contudo ele me segurou pelo pulso, obrigando-me a parar. – Queria lhe pedir desculpas. Não achei que você ainda se importava tanto com o Lyon – falava sem me olhar nos olhos, mas aquilo já era muito além do que eu esperava dele. Um pedido de desculpas? Confesso que estou surpresa.
– Não me importo. É só que... Deixe para lá – dei de ombros, afastando a minha mão da sua. – Está desculpado – dei um meio sorriso, sem querer estender demais aquele assunto. Quanto mais rápido for esquecido, melhor. também sorriu.
– Então... Já que estou desculpado, a gente podia ir estudar Biologia, né? – disse e a minha expressão se tornou incrédula. Era óbvio. nunca pedia desculpas. Eu devia ter adivinhado.
– Impressionante como tem que ter interesse no meio, né? Poupe-me – saí andando sem olhar para trás e segui para casa a pé mesmo. Eu estava bufando de raiva. Mais uma vez, se provou mais idiota do que o esperado. Ele sempre se surpreende. Incrível.
Casa dos s – 19h30min.
“– Você tinha a mim!
– Eu a perdi assim que fui embora com ele.” – Olá, querida pri... Você está chorando? – entrou, dando-me um susto. Eu estava na sala, assistindo a “The Vampire Diaries”, e percebi naquele instante que tinha lágrimas nos olhos. Comecei a rir e pareceu achar a cena bizarra. Limpei as lágrimas, apontando para a televisão, e ele revirou os olhos. – Por que você sumiu do nada? Posso saber? O filme estava só na metade.
– Tive uma discussão com o .
– Eu sei.
– Então por que raios está perguntando? – virei subitamente para ele que deu de ombros.
– Você sabe que vai ter que se entender com ele. Não sabe? A última prova é daqui três dias, no caso sexta, e no sábado a gente viaja para LA! – piscou para mim e ri.
– Estou sabendo. Mas ele foi bem na última prova. Não precisa de mim para estudar para essa.
– Jura? – encarou-me, arqueando as sobrancelhas. O pior é que eu sabia que ele estava certo. Eu tinha deixado conteúdos pendentes com e, se quisesse mesmo ir para Los Angeles, teria que terminar de ensinar a ele a matéria. Merda. – Se eu fosse você, passava na casa dele depois da aula amanhã.
– Vou pensar – foi tudo que respondi. Dei um beijo na bochecha do meu primo e subi, ligando o notebook.
De: [whatthehell@hotmail.com]
Para: [not-cinderella@hotmail.com]
Assunto: Sumiço
Você quer me matar do coração? Que história é essa de sair para comprar pipoca (segundo o ) e simplesmente não voltar mais? Quase tenho um troço! Que raios aconteceu? disse para eu não me preocupar porque era culpa do , mas quero ouvir de você. O que houve?
PS: O seu primo falou que eu estava linda hoje. Todo mundo resolveu surtar ou é impressão?
De: [not-cinderella@hotmail.com]
Para: [whatthehell@hotmail.com]
Assunto: RES: Sumiço
[ironia] Oi, querida. Que surpresa! Eu vou bem, e você? [/ironia] Dá para acreditar que o idiota do fez uma piadinha de mau gosto sobre o Eric? Ele simplesmente olhou para minha cara e falou “não é a toa que o Lyon a largou”. Puta merda, . JURO para você que um dia eu esgano esse garoto. Simplesmente fiquei com raiva e dei o fora dali. Não agüentava mais olhar para aquela cara de uva podre. Argh! Estou pensando seriamente em ignorá-lo daqui para frente.
PS: Qual a surpresa? Você nasceu linda, little star. Pensei que fosse gostar do elogio.
De: [whatthehell@hotmail.com]
Para: [not-cinderella@hotmail.com]
Assunto: Criatividade
Cara de uva podre? Será que posso saber de que tipo de buraco você tira esses apelidos?
Ele fez piada sobre o seu término com o Eric Lyon? Esse garoto realmente não tem medo da morte. Ah, não tem mesmo. Tenho a leve sensação de que ele já se esqueceu do que você fez com a tal líder de torcida. Ainda não entendo como você teve coragem de desperdiçar tanto milk-shake.
Amanhã conversamos melhor sobre a parte de ignorar. Ok?
Boa noite.
PS: Gostei do elogio. Só achei estranho ele vir justo do seu primo.
Depois de ler a resposta, arrumei a minha bolsa e me atirei na cama. Estava muito cansada. Apaguei instantaneamente.
Quarta-feira – 12h58min.
Caminhava calmamente pelas ruas de Londres, indo em direção à minha amada casa. tinha um compromisso em algum lugar (se não me engano, consulta no médico. Algo de rotina) e não pôde me dar carona. O caminho não era exatamente breve, mas não era algo que me mataria de dor. Pelos meus cálculos, devia estar agora na metade do caminho. Mais dez minutos e chegaria a casa.
– Quer uma carona? – ouvi alguém dizer perto de mim e, quando me virei, vi e o seu presunçoso sorriso somado ao carro e aos óculos escuros. Se eu fosse uma das garotinhas fúteis do colégio, estaria babando agora. Como não sou, apenas revirei os olhos e continuei andando. – Qual é, ? Vai continuar me ignorando até quando? Você sabe que as pessoas estão começando a notar que não nos falamos hoje.
– Do que você me chamou? – perguntei apenas, sem diminuir o ritmo. Percebi que o automóvel me acompanhava.
– . Não é esse o seu apelido?
– É, mas apelido é algo para ser usado por pessoas próximas.
– Outch. Perdão, senhorita – exclamou num tom grave e não consegui conter uma pequena risada. – Vamos. Entre aí. Dou-lhe uma carona.
Estava realmente começando a ficar frio. Por isso acabei entrando no carro. Inalei o perfume presente lá e me segurei para não suspirar. Menta. Eu adorava menta. Sentia-me em casa. Costumava perfumar o meu quarto com esse aroma quando a minha avó vinha me visitar. Ela adorava. Conseqüentemente, também passei a gostar.
Quando acordei de meus devaneios, percebi que seguíamos por um caminho estranho.
– Ei, aonde estamos indo?
– Minha casa.
– ! – exclamei surpresa.
– Relaxe. Hoje você é minha convidada. Já avisei a sua mãe – deu um sorriso torto, como que rindo de uma piada interna. Não queria nem imaginar o que a minha mãe tinha dito a ele. Só esperava que eu ainda tivesse uma casa. Conhecendo a peça, já era capaz de eu estar prometida em casamento. Ok, não é para tanto.
Parecia estranho eu não conhecer a sua casa, considerando que é o melhor amigo do meu primo e tudo mais, porém realmente nunca havia estado lá. Era uma casa grande e visivelmente recém-reformada. O tom claro do amarelo se destacava e as portas e as janelas chegavam a brilhar. estacionou bem na frente e entramos, sendo recebidos por uma governanta de sotaque estranho (depois fui descobrir que ela era brasileira) que nos conduziu à mesa. Fiquei com água na boca ao sentir o cheiro de lasanha que exalava da cozinha. Uma garotinha de cabelos escuros passou correndo por nós e subiu as escadas. pegou a minha bolsa e a deixou no sofá, fazendo sinal para a escada. Subimos e ele parou em frente a uma porta rosa, abrindo-a. A garotinha tinha em mãos duas bonecas e penteava os seus cabelos. deu duas batidinhas na porta e a pequena nos olhou, sorrindo. Parecia ter uns onze anos.
– Lucy, essa é a minha amiga . , essa é minha irmã Lucy.
– Olá, Lucy – sorri, acenando para ela que se levantou e veio em minha direção. Abaixei-me e ganhei um abraço.
– Você é bonita – disse, tocando a minha bochecha.
– Obrigada, princesa – ri sem jeito. Não reagia muito bem a elogios.
– O almoço está pronto. Vamos? – ouvi dizer e me levantei. Lucy segurou a minha mão.
– Vamos, . Você se senta perto de mim – puxou-me e seguimos para a mesa.
Durante o almoço, a garota me contou sobre seu dia na escola, sobre as suas amigas e o que gostava de fazer. Arrisco dizer que a garota foi a amiga que conquistei mais rápido. Ela era um amor. nunca me falara que tinha uma irmãzinha.
15h05min.
Eu brincava com Lucy enquanto lia uma revista. A tal governanta então chegou dizendo que era hora de ela fazer a lição de casa. Aproveitei a deixa e sugeri a que fôssemos estudar Biologia. Ele pareceu surpreso com a sugestão, mas não discutiu.
Procurei estudar com ele todo o conteúdo que faltava para deixar o dia seguinte apenas para revisão. estava pegando o jeito e era cada vez mais fácil ensiná-lo. Das duas, uma: ou eu era uma ótima professora ou ele era secretamente um gênio. Eu apostava na primeira opção.
Quando (finalmente!) terminamos, passou na casa de para me buscar. Lucy pediu para eu voltar no dia seguinte e acabei mudando a aula de lugar. Em vez de ser em minha casa, seria na de . Eu não conseguiria dizer não à fofa garota.
Quinta-feira – Casa dos s – 14h30min.
Quem abriu a porta para mim foi a governanta e, quando entrei, percebi que dormia no sofá. Revirei os olhos e decidi falar com a sua irmã antes de acordá-lo, já que foi ela o principal motivo de eu ter vindo hoje.
– Lucy? – chamei, olhando para a escada. A garota desceu correndo e pulou em meus braços. Percebi que ela soluçava. Firmei-a em meu colo e fui em direção ao sofá (não o que estava. O outro), sentando-me e a colocando em cima de minhas pernas. Ela enterrou o rosto em meu pescoço e continuou chorando. – Ei, o que houve? – perguntei suavemente, afagando o seu cabelo. Esperei até que os soluços diminuíssem e a tirei delicadamente do abraço, olhando o seu rosto vermelho. Com o dedo, limpei algumas lágrimas que pendiam em sua bochecha. Quando começou a falar, ainda soluçou vez ou outra, porém consegui compreender o que dizia.
– Umas meninas da minha sala me chamaram de chata hoje na escola – disse. – Eu sou chata, ?
– Claro que não, princesa. Você é a garota mais legal que eu conheço – sorri e ela beijou a minha bochecha. – Essas meninas são más e não sabem o que dizem. Não ligue para elas.
– Mas o Grabel riu também – encarou o chão e subitamente entendi. O tal Grabel era o garoto de quem Lucy gostava.
– Tenho certeza de que ele não concorda com elas, pequena. Você é a menina mais linda e legal que conheço. E olhe que sei das coisas, hein?! – falei, arqueando a sobrancelha, e ela riu lindamente.
– Você já gostou de alguém, ? – perguntou como quem não quer nada.
– Já, sim.
– Conta para mim? – pediu, piscando os olhos, e não pude recusar. Já me encontrava hipnotizada pela menina.
– Quando eu tinha mais ou menos nove anos, fui passar as férias em um lugar lindo. Fiquei um mês lá com a minha mãe e umas amigas dela. Conheci um menino da minha idade e passamos a brincar todos os dias. Foi o meu melhor amigo durante aquele mês e acabei... Gostando dele. Ele era mais ou menos do seu tamanho. Tinha os olhos da cor dos seus. Quando fui embora, ele me deu uma flor e me fez prometer nunca esquecê-lo. Ainda tenho essa flor. Sabia? – terminei e a menina me olhava encantada. Era verdade. Eu ainda tinha a flor guardada. Aquele menino foi o meu primeiro amor e nunca irei esquecê-lo.
Um barulho me assustou e percebi que não só tinha acordado, como acabara de subir as escadas na maior das velocidades. Voltou com um papel em mãos e, por sua expressão, achei melhor logo olhar o que era. Era uma foto daquela mesma viagem.
Eu sorria ao lado de meu primeiro amor com a flor que ele me entregara em mãos, àquela época ainda vibrante. Ele também sorria e tinha a mão apoiada em minha cintura. Uma fotografia adorável.
Foi então que um estalo me atingiu e eu deixei o papel cair.
O menino da foto era .
– Acho que deveríamos ir sem ele – resmunguei impaciente, deixando o meu corpo cair sobre uma cadeira qualquer e nada confortável próxima ao local onde todos se reuniam num torto círculo.
– Não podemos partir sem ele e você sabe disso, – foi quem respondeu, revirando os olhos, e mostrei o dedo do meio para ele, causando algumas risadas.
Já estávamos há meia hora no aeroporto. Faltava esse mesmo tempo para que nosso vôo partisse daqui e adivinhe? Nem sinal de . Eu não o via desde aquele dia em sua casa, quinta-feira. O choque que se apossou de mim ao descobrir que justo ele tinha sido o meu amor de infância fora tão, mas tão grande, que não tive outra reação a não ser sair correndo dali. Depois de uma noite inteira sem pregar o olho, não foi preciso fingir uma dor de cabeça. A que eu realmente sentia já foi suficiente para convencer minha mãe e da minha necessidade de faltar à aula. A prova de Biologia perdida não seria problema para mim. Tinha tirado nota máxima nas anteriores. O meu primo resolveu não perguntar o que aconteceu para eu ficar de tal forma, mas estava escrito em seus olhos que ele percebera o meu estado de choque. E eu rezava para que não tivesse aberto o bico.
A viagem começava a me assustar. Realmente ficar “sozinha” com ele não estava nos meus planos. Ainda mais depois de descobrir tal coisa. Quem diria? Logo ele. Quais eram as chances disso acontecer? Uma em um milhão? Com essa “sorte”, se eu tivesse ganhado na loteria, seria mais útil. Mas não. Tenho que reencontrar o meu amor de infância. É incontável o número de noites nas quais já sonhei, mesmo que por poucos segundos, reencontrar o menininho que me tratou de forma tão doce. Eu sonhava com o que ele estava fazendo, com qual seria a sua aparência, se ele ainda pensava em mim. No que se refere à aparência, não posso negar que superou minhas expectativas, mas nunca o imaginei tão perto e, ao mesmo tempo, tão longe. é um perfeito idiota e não acredito realmente que ele seja capaz de sentir algo por alguém. Ainda mais por uma garota como eu, que não dá a mínima para roupinhas de marca e manicure. E ficaria por isso mesmo. Eu estava decidida a ignorá-lo e não tocar mais no assunto “infância”. Quanto à minha quedinha por ele... Bem, eu iria superar. Confesso que tinha me feito sentir algo diferente quando descobri quem ele era, mas não iria deixar tal informação anular completamente tudo o que eu já sabia sobre ele. era um galinha. Não era?
– Olhe só quem resolveu aparecer! – ouvi a voz irônica de e não me movi, já sabendo do que se tratava.
– O meu alarme não tocou – disse com a voz mais rouca que o normal, denunciando um cansaço monstruoso. Parece que não fui a única que dormiu mal.
– Agora que os dois pombinhos estão aqui, temos um comunicado – quem se manifestou foi e entrou em meu campo de visão. Ele usava uma roupa casual, com o destaque para os óculos escuros, que eu apostava serem para esconder as olheiras. Tinha medo do que ia ouvir e mantive o meu olhar cravado em meu primo que sorria. – O teatrinho continuará. Acho importante lhes dizer.
– Como é que é? – murmurei pasma. Achei que pelo menos nessa viagem me veria longe do romance fingido.
– Culpa de vocês – deu de ombros. – O diretor acreditou tanto no romancinho dos dois que disse para nós que iria acompanhar o show pela internet e também que ouviu certas pessoas comentando sobre uma surpresa que o senhor faria no show para a amada namorada – antes de ele completar a frase, já estava de pé, fuzilando com o olhar.
– Que merda você andou espalhando por aí dessa vez? – estava desafiadoramente à sua frente, porém ele não demonstrava nenhuma reação. Permaneceu em silêncio. Um silêncio gritante que contrastava com a barulheira antes presente. Agora parecia que não escutava mais nada. Os olhos de me encararam profundamente e ele não pronunciava uma só palavra. Tornando-me novamente ciente da presença ao meu redor, retomei a postura defensiva. – O gato comeu a sua língua?
– A minha não, mas pelo jeito ele andou comendo a sua – a sua voz era fria, áspera, e percebi a que ele se referia. – Está com medo de falar comigo? Ou é medo do que posso lhe dizer? – ergueu as sobrancelhas numa expressão acusadora e me segurei para não abaixar a cabeça. Ele estava certo. É óbvio que estava. Mas não daria o braço a torcer.
– Não sei do que você está falando – foi tudo que eu disse e dei as costas para ele, seguindo em direção ao portão de embarque bem na hora em que chamaram o nosso vôo.
Um tempo depois, chegamos a Milão para fazer uma escala. Tínhamos uma hora até que saísse o nosso vôo para Los Angeles e eu começava a me sentir desconfortável com o olhar de cada vez mais forte sobre mim. Por fim, acabei me levantando para ir até uma livraria ver se achava algo que me distraísse. Parte de mim queria acreditar que não, mas sabia quem me seguiria até lá. Tinha absoluta certeza.
– Não vou deixá-la ir embora – sussurrou perto de meu ouvido e o meu corpo inteiro estremeceu. Lembranças invadiram a minha mente no mesmo momento e fiz esforço para continuar em pé.
# Flashback
Narração em terceira pessoa
– Não vou deixá-lo ir embora, pai. PAI! – a menininha berrava, aos prantos, enquanto observava o pai ir embora cheio de malas e com uma expressão furiosa no rosto. Ele decidira se separar e simplesmente foi embora, ignorando os gritos da filha e os protestos da mulher. Outro espectador da cena era o pequeno , que também tinha lágrimas nos olhos e assistia com o coração apertado ao sofrimento da pequena . Ele não entendia o que estava acontecendo ou o motivo da gritaria. Só sabia que a pequena estava chorando e isso doía nele também.
Quando a porta do carro foi fechada, a menina caiu no chão de joelhos, enterrando o rosto entre as mãos. O seu pequenino corpo tremia. Ela não acreditava que o pai estava indo embora. A mãe da garota também estava tremendo, porém de raiva. Quem aquele homem pensava que era para abandoná-la? Entrou correndo na casa onde estavam passando as férias e começou a arrumar as malas, decidida a ir embora. Estava farta daquele lugar.
foi correndo até a melhor amiga, abraçando-a sem saber o que dizer. Como ele diria algo, se nem sabia o que se passava? A menina o abraçou e permaneceram assim até que o choro cessasse. A mãe da menina apareceu e disse que iriam embora. Ela apenas balançou a cabeça, olhando para o novo amigo. Ele a puxou até uma árvore e já tinha os olhos marejados.
– Prometa que não vai me esquecer.
– Eu prometo, .
– Eu... – ele suspirou, sem saber o que dizer. Nunca se despediu de ninguém antes Ainda mais alguém tão importante. – Vou lhe dar dois presentes para você não se esquecer de mim... Um – disse, aproximando-se da garota e grudando os seus lábios rapidamente. O primeiro beijo de ambos. – E... Dois – pegou uma rosa caída ali perto e estendeu para a garota. – Quando você for uma super-princesa de verdade, use os seus poderes para me encontrar de novo. – disse e os dois riram em meio às lágrimas.
Quando se conheceram, usava um vestido rosa e , uma roupa de super-homem. Ela ficava dizendo que era uma princesa, mas ele queria brincar de super-herói. Entraram então em consenso: ela seria uma super-princesa. Problema resolvido. Fizeram essa mesma brincadeira durante o mês inteiro.
– Vamos tirar uma foto! – a mãe do menino apareceu e eles se abraçaram de mal jeito, mirando a câmera.
Fim da narração em terceira pessoa
# Fim do flashback
Os meus olhos já estavam cheios de lágrimas, mas não me mexi. Quando pensei que tinha tocado em meu ponto fraco ao mencionar Eric, não tinha a menor idéia de que ele sabia sobre o meu pai, que abandonou a mim e a minha mãe quando eu era pequena. Mencionar esse fato causava em mim um efeito infinitamente maior do que o idiota do Lyon. Meu pai era meu verdadeiro ponto fraco. E era o único que realmente sabia disso.
Estava prestes a desabar. Por isso não resisti quando ele virou o meu corpo em sua direção, envolvendo-me num abraço forte e carinhoso que eu nunca imaginaria receber do melhor amigo do meu primo. Porém aquele ali não era o melhor amigo do meu primo... Era o meu. A cada dia, os meus sentimentos por mudavam mais. No começo do ano, eu praticamente não o suportava e agora permiti que me abraçasse. Cômico, se não trágico.
– Vôo 1113, com destino a Los Angeles, embarque imediato pelo portão de número 5 – uma voz robótica falava por todo o aeroporto e me soltei do abraço, evitando o olhar do rapaz à minha frente. Parte de mim tinha medo do que podia encontrar por lá. No olhar de , sempre vi algo casual, mas no de ... Eu não iria descobrir tão cedo.
Saí de lá praticamente correndo e sequei as lágrimas antes de me juntar aos outros. abriu a boca para perguntar algo, mas o silenciei com o olhar. Sentaria ao lado dele no avião e contaria tudo. Estava me sentindo mal por esconder coisas daquele em que confio tanto.
me encarava pasmo. Ele parecia extremamente surpreso com o que acabei de contar e claramente não sabia o que dizer. Eu também não o ajudei. Apenas virei a cabeça para o lado e passei a mirar o céu. Quando tornei a olhar novamente para o lado, quem estava me encarando não era mais , e sim .
– Ei – ele disse com a voz suave.
– Ei – repeti, dando um sorriso torto. Nunca me senti tão desconfortável ao lado de uma pessoa como me sentia no momento. Era desesperador.
– Por que a super-princesa não usa os seus super poderes para me contar o que se passa dentro da cabeça dela? – disse, cutucando de leve o meu ombro com o próprio.
– Talvez porque nem ela mesma saiba o que pensar – a resposta fluiu por meus lábios antes que eu tivesse tempo de pensar sobre ela.
– Ajuda se eu disser que também não sei?
– Ajudar não ajuda, mas obrigada pela informação – sorri sincera e o escutei rir baixinho.
– A professora de Biologia me ligou ontem...
– Até a professora, ? Olhe, olhe... – brinquei e gargalhamos. Senti a tensão que nos rondava se dissipar completamente, dando lugar a uma sensação de familiaridade que me confortava. Agora podia sentir que éramos realmente amigos e me senti bem com isso.
– Engraçadinha – ele disse irônico. – Ela ligou para me parabenizar pelo resultado da prova.
– Jura? Parabéns! – sorri largamente e, sem pensar, dei um abraço torto em , que pareceu surpreso e devolveu o abraço de modo desajeitado. Permanecemos um tempo assim até que o soltei devagar e cometi o erro de olhar em seus olhos. Percebi que encarava os meus lábios e começava a se aproximar, porém o afastei e virei o rosto para o lado. Ele não ia me beijar. Ia?
– E... Em homenagem à minha incrível professora que tornou isso possível... – começou em tom de suspense e mexeu na mochila por alguns segundos, até que tirou de lá um pacote de presente que me entregou. Abri curiosa e tirei de lá uma camisa dos Beatles parecida com a que eu tinha. – Falei que lhe daria uma nova. Não falei?
Quando chegamos ao hotel, fui direto para o meu quarto, jogando-me na cama. A viagem foi no mínimo estranha. estava sendo gentil e atencioso comigo, o que era extremamente bizarro, considerando que até tempos atrás apenas nos suportávamos. Tinha algo muito estranho acontecendo entre nós dois e eu não fazia idéia do que era. Porém sei que esse acordo sobre fingirmos ser namorados tinha mexido comigo, pois tinha me permitido enxergar um que eu não fazia idéia que existia.
Para afastar quaisquer pensamentos que pudessem me confundir ainda mais, abri o notebook para checar is meus e-mails. Tinha um de .
De: [whatthehell@hotmail.com]
Para: [not-cinderella@hotmail.com]
Assunto: Amizade
Você por acaso conhece o conceito dessa palavra? “Aquele que é amigo, companheiro, camarada”, aquele que CONTA quando está fodidamente apaixonado por . Magoou os meus sentimentos. Sabia? Até o seu primo tinha conhecimento do fato e a sua melhor amiga aqui, nada. Para que contar, não é mesmo? Essa é esperta demais. Daqui a pouco ela descobre. Não precisa contar. E se você vier com desculpas de que não me contou por culpa da viagem, vou aí colar um chiclete no seu cabelo. Acho que você se lembra bem do que aconteceu na última vez que fiz isso. Existe uma coisinha chamada celular. Já ouviu falar? É bem útil de vez em quando.
.
De: [not-cinderella@hotmail.com]
Para: [whatthehell@hotmail.com]
Assunto: RES: Amizade
Você conhece o conceito dessa palavra? Pelo jeito, não. Desde quando você troca segredinhos com o meu primo? Posso saber? Para que contar, não é mesmo? Essa é esperta demais. Daqui a pouco descobre...
E sobre o , não tenho nada a declarar. Não sei do que você está falando. Ele foi meu casinho de infância, mas foi só. Nada de mais.
Mas você, mocinha, tem sérias explicações para dar. Pode começar.
.
De: [whatthehell@hotmail.com]
Para: [not-cinderella@hotmail.com]
Assunto: Não mude o foco da conversa
Você sabe que odeio quando faz isso. Sim, eu e andamos conversando bastante ultimamente. E daí? Grande coisa. Até parece que vou me casar com ele ou algo do tipo. Por favor, né? Agora vamos voltar ao que interessa: você e o senhor bonitão. Nada de mais? Nada de mais, ? Tem certeza? Estou bastante ciente do abraço no aeroporto e do presentinho que ele lhe deu. Nem venha para cima de mim com mentiras, que não rola. Você está apaixonada por ele, mas se recusa a admitir. Diga-me uma coisa: vocês já se beijaram? Tipo, beijo mesmo. Sem ser o teatrinho idiota para enganar o diretor. Aliás, fiquei sabendo também do beijo que você deu nele no corredor... Acho que vamos precisar de uma aula sobre “conceitos da amizade”. Você parece ter se esquecido completamente de quais são.
.
De: [not-cinderella@hotmail.com]
Para: [whatthehell@hotmail.com]
Assunto: (Sem assunto)
Não estou apaixonada por . Ok? E quanto ao resto do e-mail, vou simplesmente fingir que não li.
.
De: [whatthehell@hotmail.com]
Para: [not-cinderella@hotmail.com]
Assunto: (Sem assunto)
Você que sabe... Só não diga que não avisei. Agora vou indo. Tenho um jantar com a família.
.
Fechei o computador com força, fechando os olhos e respirando fundo. estava delirando. Claro que estava. Era humanamente impossível que eu sentisse algo por ... Não é? Claro que é!
Ou não?
– Pronta, ? – escutei a voz de , seguida por duas batidinhas na porta, e murmurei um “sim”. Já estava quase na hora de o McFly ir passar o som e eu me arrumava para o show.
Coloquei um vestido preto básico, um cinto com tachinhas e um sapato de salto vermelho. Fora o que achei de mais básico no meio das roupas que minha mãe tinha me dado. Coloquei as lentes de contato e brincos e então estava pronta. Não tinha me olhado no espelho, mas não havia tempo para isso. Apenas saí, achando o corredor vazio. Chamei o elevador e, quando a porta abriu, dei de cara com .
– Ei. – disse, sorrindo e apertando o botão do térreo. Percebi que ele não respondeu nada e desviei meu olhar para seu rosto, no intuito de descobrir o motivo. A expressão em sua face chegava a ser cômica. tinha os olhos arregalados e me olhava de cima a baixo sem parar.
– ? – perguntou incrédulo e mantive minha expressão inalterada, sem entender o motivo da surpresa do garoto.
– Algum problema? – devolvi a pergunta num tom indeciso.
As portas do elevador se abriram e saiu sem me dar uma resposta. Segui-o e chegamos a uma limusine. Ele abriu a porta para mim e entrei, sentando-me ao lado de e na frente de . – Oi, gente. Desculpe o atraso – falei, dando um meio sorriso, e um silêncio completo se instalou. O único barulho ouvido fora o da porta que fechou ao adentrar o veículo. Todos estavam me encarando e suas expressões revelaram-se, mesmo que minimamente, similares à de no elevador. Novamente, não compreendi bulhufas.
– Caramba, . Você está muito gostosa – ouvi a voz de , seguida de um tapa proveniente de , e logo compreendi o espanto de todos. O vestido, é claro. Tinha me esquecido do detalhe de que passei 90% do tempo até agora usando somente calças. Levando em consideração que os 10% se referem ao tempo que passei em casa ou saindo com a minha mãe, não é de se surpreender que tenham ficado surpresos ao ver minhas pernas descobertas.
Outro silêncio, desta vez constrangedor, instalou-se no local e senti que fosse minha obrigação quebrar tal desconforto. Ri, tentando disfarças minhas bochechas levemente coradas, e dei de ombros. Minha reação pareceu ser suficiente a todos ali, já que logo engataram em outro assunto, do qual vez ou outra participei com algum comentário. Porém não estava de forma alguma envolvida naquela conversa. Minha real atenção se desviava de para a janela. Para porque, bem, era impossível não olhá-lo. Estava absurdamente lindo e parecia saído de Hollywood. Os meus olhos inconscientemente pairavam sobre ele o tempo inteiro e, quando esse encontrava meu olhar, eu o desviava para a janela. Não queria pensar sobre isso, contudo as palavras contidas no e-mail de pareciam dançar ao meu redor, enlouquecendo-me aos poucos.
A passagem de som foi relativamente tranqüila e evitei o contato com ao máximo. Vez ou outra sentia seu olhar sobre mim, porém não mirava em sua direção. Apenas fingia não notar. Depois de eles terem ido conhecer o Foo Fighters (a conversa foi boa, pelo que deu para deduzir da cara dos meninos quando retornaram), o show começou.
O lugar, que antes parecia enorme, agora parecia cômico de tão pequeno que estava. Pessoas chegavam sem parar, cada vez lotando mais, até que eu (em pé no canto do palco, atrás da cortina) não enxergava mais o piso. Tinha gente demais. E estavam extremamente animados. Cantavam algumas músicas junto com o McFly e dançavam sem parar. Era uma energia maravilhosa. Até eu estava enérgica e dançando. Tentava me distrair, porém a todo momento minha mente retornava à seguinte informação: faria alguma surpresa para a amada namorada ainda nesse show. A “amada namorada” era eu, que teria que agir como a boboca apaixonada aos olhos de todos os presentes. Não fazia idéia de que surpresa era essa.
– Esta é a nossa última música – ouvi a voz de e desviei meu rosto da platéia para o palco. Então me enganou e não terá surpresa nenhuma? Espero que sim. – E ela é um cover – quando disseram isso, todos gritam animados. Uma faixa de luz deslocou-se da platéia, indo parar exatamente no rosto de que sorriu, pegando o microfone.
– Esta música é dedicada à minha namorada aqui presente – ah, merda. Sou eu.
Dei dois passos para frente, intimidada pelo olhar dos outros três em minha direção, e a luz passou rapidamente por mim, causando alguns gritos, depois retornando a . – Escolhi-a porque a banda nos traz boas lembranças e sei que ela ama essa música. Essa é para você – ele terminou, piscando para mim, e mantive o sorriso mecânico grudado em meu rosto até que os primeiros acordes de I Wanna Hold Your Hand, dos Beatles, começou e tomei a liberdade de sumir das vistas de todos. Corri até o banheiro, fechando a porta e corando violentamente longe das vistas de qualquer um. Tenho a plena noção de que tudo aquilo foi pura encenação, porém não foi teatro nenhum o fato de ter acertado completamente na escolha da canção. Era, sem dúvidas, a mais tocada de meu iPod. Pergunto-me como ele sabia disso.
Apesar de estar com a porta fechada, consegui ouvir a música tranqüilamente, como se ainda estivesse ao lado do palco. Não sabia que os garotos tinham tamanho talento. A interpretação estava impecável e única ao mesmo tempo.
Quando a canção terminou, fiquei por alguns minutos no mesmo lugar até que decidi ir parabenizar os meninos pelo show maravilhoso. Segui pelo corredor até uma porta de cor verde com o nome “McFly” na porta. Entrei sem bater, mas não falei nada. O camarim estava lotado de garotas (que presumo que tenham pulado no palco e seguido até o camarim, tendo a plena noção de que a banda principal só começaria em cinco minutos) que se penduravam aos montes nos quatro garotos. Observei a cena sem qualquer reação, porém quando pousei meus olhos em algo dentro de mim mudou. Algo que não compreendi de imediato, mas que gritava de raiva. Ele desviou o olhar das garotas e olhou nos meus olhos por poucos segundos. Poucos, já que, quando faz isso, saí correndo dali, batendo a porta com força e retornando ao meu cantinho, encolhida no banheiro por mais uma vez.
Como se vindas do além, em poucos segundos meu olho estava coberto por elas. Lágrimas. Muitas delas, que escorriam por meu rosto freneticamente e, por mais que as limpasse, continuavam retornando, cada vez mais fortes e em maior quantidade. Soluços ameaçam escapar por minha garganta, porém não permiti. Estava ocupada demais descobrindo o motivo de tal cena patética. Durante um mês inteiro me recusei a pensar sobre minha repentina proximidade com e o que isto causava em mim. Recusei-me a dar razão a que estava completamente certa. Recusei-me a perceber o efeito involuntário que a simples menção ao nome dele causava em meu corpo. Recusei-me a pensar sobre as borboletas que passeavam dentro de mim quando o via, ou quando tínhamos que nos aproximar demais por culpa do “acordo”. Simplesmente recusei-me e agora tal recusa me castigava, aparecendo com força total, revelando o que por semanas evitei admitir. Eu estava, sim, apaixonada por . Fodidamente apaixonada, como disse minha melhor amiga. E eu sabia que isso não poderia acontecer em hipótese alguma. Eu não deveria me apaixonar por . Deveria odiá-lo! Odiá-lo por me obrigar a passar por esse teatrinho idiota. Odiá-lo por não dar a mínima para ninguém e viver cercado daquelas líderes de torcida sem cérebro. Odiá-lo por destruir a imagem que eu possuía de meu amor de infância, destruindo conseqüentemente quaisquer esperanças que eu ainda possuía no amor. Cheguei a sentir raiva de mim mesma por sentir qualquer coisa boa por ele. Lembrei-me de quando brigávamos e eu realmente sentia raiva dele. Era tal sentimento que eu deveria ter por ele nesse momento: raiva.
– Eu odeio você, – falei numa tentativa de convencer a mim mesma da fraca mentira.
– Obrigado pela parte que me toca – escutei uma voz rouca vinda do outro lado da porta e dei um pulo assustada. Era ele, sem dúvidas.
– O que você quer? – perguntei, sendo grossa. Passei as mãos pelo rosto para limpar as lágrimas, enquanto pegava o celular para conferir o meu estado. Estava perfeitamente normal e meus olhos não estavam vermelhos. Ótimo.
– Quero que você saia daí – disse e ri irônica.
– Vá sonhando.
– Você que sabe – ele disse, ficando em silêncio. Percebi que não se mexeu, mas também não falou nada. Que idiota. Não vai vencer essa. Não mesmo. Uma hora ele há de sair dali. Ninguém agüenta ficar em pé em frente à porta de um banheiro por muito tempo.
Distraí-me das preocupações relativas a quando a gritaria da platéia aumentou e os acordes da primeira música começaram. Sou louca por Foo Fighters e, apesar de estar trancada em um banheiro com um idiota na porta, não ia deixar de aproveitar as músicas. Aos poucos, ao fim de cada canção, ia cada vez me esquecendo mais de onde eu estava. Cheguei a fechar os olhos para aproveitar melhor as músicas.
Quando Best Of You começou, dei um gritinho de alegria e me levantei, começando a dançar e cantar a música como se não houvesse amanhã. Em uma de minhas loucas coreografias, acabei esbarrando a mão na maçaneta da porta, que abriu facilmente por não estar trancada. No momento em que a música alcançou o refrão, entrou e fechou a porta atrás dele, vindo até mim e me prensando contra a parede. Por um momento, inebriada por seu perfume, não tive reação alguma a não ser encará-lo, esquecendo-me de tudo que nos rodeava. Ele encarou os meus lábios, como se pedisse permissão, e apenas sorri brevemente – um gesto que ele interpretou como aquiescência, já que no segundo seguinte tinha a boca colada à minha.
Separei meus lábios minimamente e sua língua veio ao encontro da minha, aprofundando o beijo pela primeira vez. Levei minhas mãos ao seu pescoço e ele me puxou mais para perto, segurando firmemente minha cintura. Ouvi duas batidinhas na porta, mas não dei importância. Seja quem fosse, logo iria embora.
– , sei que está aí – ouvi a voz de meu primo e me separei de imediatamente. Que merda eu estava fazendo?
Levei as mãos aos lábios, incapaz de acreditar no que acabara de fazer, e saí correndo dali, passando direto por sem nem ao menos olhá-lo. Perdi totalmente o juízo. E a culpa é do idiota do .
vai adorar a informação. E, pela primeira vez, não queria mencionar uma só palavra a ela.
“Inteligentes escutam a mente. Estúpidos escutam o coração. Seja estúpido.” – Demi Lovato.
Dei vários e vários passos, andando sem rumo pelos bastidores do local. O barulho repetitivo do meu salto, que torturava o chão sem dó com suas incessantes e cruéis pisadas, deixava-me ainda mais inquieta e meus pensamentos surgiam cada vez mais rápido, acompanhando o ritmo de meus pés que aceleravam inconscientemente. Se continuasse assim, em pouco tempo estaria correndo.
Um corredor pelo qual passei me pareceu terrivelmente familiar e percebi, a contragosto, que estava andando em círculos. Exausta e sem conseguir sentir meus dedos dos pés, encostei-me ao batente de uma das inúmeras portas presentes ali. Senti-me incapaz de acompanhar o rumo de meus pensamentos, que mudavam a cada suspiro. Minha relação com tinha passado de algo corriqueiro para uma montanha russa inexplicável em um período de tempo extremamente curto, deixando-me desnorteada e perdida na discussão implacável que fora travada entre minha mente e meu coração, cada um com uma opinião. Era como nos desenhos animados, em que o personagem se encontrava com um diabinho e um anjinho, cada qual em um ombro, dizendo-lhe o que fazer. Meu grande dilema era descobrir se o tal “diabinho” era o coração ou a mente.
A parte racional de mim gritava que eu deveria fingir que o beijo nunca aconteceu e ficar perto de apenas quando fosse exigido por nosso acordo. Já meu coração acreditava piamente que aquele beijo tinha tido um significado que ia muito além de puros negócios.
Enquanto refletia sobre isso, senti a porta às minhas costas ser aberta e fui puxada para dentro. Por estar em uma péssima posição, apoiada de mal jeito, quando fui puxada acabei me desequilibrando. Porém fui segurada por aquele que me puxou, que logo descobri ser...
– – disse, impaciente e encarando a porta com uma vontade enorme de sair por ela imediatamente.
– Nem pense nisso, – sussurrou contra o meu cabelo, já que ainda estávamos meio abraçados devido ao fato de ele ter me segurado. A proximidade estava me incomodando e não me atrevi a mexer um só centímetro. O que não pude deixar de fazer, obviamente, foi respirar. E o efeito devastador que o perfume de causava em mim me atacou novamente, obrigando-me a fechar os olhos. Assim que o fiz, a lembrança dos lábios dele sobre os meus surgiu em minha mente e, no susto, afastei-me, indo até o outro lado da sala parcialmente vazia e encostando a testa à parede gelada, respirando fundo. Não ouvi nenhum outro barulho e quando me virei dei de cara com , que mantinha no rosto uma expressão indecifrável. – A gente precisa conversar. E sabe qual é o mais bizarro? É você quem fica fugindo de mim. Não era pra ser o contrário?
– O psicólogo doido por conversas aqui é você, e não eu – disse e ele sorriu largamente, provavelmente tendo a mesma lembrança que eu.
Naquelas férias em que nos conhecemos, anos atrás, costumávamos brincar na gangorra quase todos os dias. Em um desses dias, começamos a conversar sobre o futuro, sobre sonhos e coisas do tipo. Falei ao garoto que eu ainda não tinha decidido o que queria fazer quando fosse maior e ele revelou que gostava de conversar com as pessoas e queria ser psicólogo. Na hora eu não sabia o que a palavra significava e nem ele sabia explicar, mas depois perguntei à minha mãe sobre isso e compreendi. Era uma lembrança antiga, sim, contudo continuava fresca na minha memória. Aquele verão fora realmente especial para mim. E eu apostava que para também tinha sido. É, meu coração havia marcado um ponto.
– Ok, senhor psicólogo. Analise-me – desafiei, encostando-me à parede num tom descontraído. Ele deu um sorriso torto e mordeu o lábio inferior, aproximando-se de mim.
– Vamos ver. Por onde eu começo? – disse, olhando-me de cima a baixo e dando mais um passo em minha direção. – Você está extremamente confusa por descobrir que o cara que acha um completo idiota já foi seu amor de infância e não quer de forma alguma conversar com ele sobre isso – riu, dando mais um passo. Agora eu já conseguia sentir seu perfume novamente. Todavia me concentrei no que dizia. – Ainda não sei exatamente o motivo de tal relutância, porém acho que você tem medo do que vai ouvir – abri a boca para discordar, mas ele me interrompeu. – Nem adianta negar. Ok? Nem adianta levantar essa muralha que construiu em volta do seu coração, porque sou invulnerável a ela. E o psicólogo aqui sou eu – completou, piscando para mim, e fechei a boca, respirando fundo. Eu estava com medo do que ia ouvir, sim. – Você me acha um galinha sem tamanho, um total...
– Babaca – completei e ele riu.
– Obrigado. Um total babaca... – entortou a boca com o comentário e foi minha vez de dar um breve riso. Só que eu estava nervosa demais para conseguir rir de verdade. – Além de me julgar incapaz de nutrir por alguém qualquer sentimento romântico. Mas, ao contrário do que você pensa, já me apaixonei sim. Duas vezes – levantou os olhos, olhando nos meus com uma profundidade que me assustou. – E pela mesma pessoa. Só que eu não sabia disso até pouco tempo – meu coração, batendo freneticamente, causou-me uma momentânea falta de ar, em conjunto com a sensação inebriante que me tomou, já que agora tinha encostado a cabeça ao meu ombro, com o corpo mais próximo do que nunca. Era isso mesmo que eu tinha escutado? tinha se apaixonado por mim?
– Vai me desculpar, senhor psicólogo, mas não acredito em você. Acho-o um galinha, sim, porém não acredito que já tenha se apaixonado. Com todas aquelas lindas líderes de torcida ao seu redor, como seria capaz de se apaixonar, ? Desculpe, mas eu não compro essa – ele pareceu bastante surpreso com a minha afirmação, já que levantou a cabeça e permaneceu me olhando por um momento, até me puxar pela mão na direção de um comprido espelho fixado ao lado da porta.
– Você não tem a menor noção sobre si mesma. Tem? – riu, divertido. – Diga se acredita em mim agora, vendo o que eu estou vendo – quando ele me puxou mais para o lado, deixando-me completamente na frente do espelho, compreendi o que ele dizia. Não havia prestado atenção em meu reflexo até aquele momento, mas eu estava realmente muito bonita. E com uma expressão de extrema surpresa no rosto. Observei pelo reflexo se aproximar e envolver os braços ao redor de minha cintura de modo carinhoso. – E então? – sussurrou e fechei os olhos, respirando fundo antes de tentar me afastar dele novamente.
– Não... – sussurrei e tentei sair do meio dos braços de , mas ele me segurava com firmeza e não pude me mexer.
– Não custa nada tentar. Custa? – continuava sussurrando e deu um beijo demorado em minha bochecha quando terminou de falar. Eu me encontrava no ápice das emoções e a discussão entre meu coração e minha mente estava cada vez mais acirrada. Dessa vez ouvi a razão e me afastei de , cruzando os braços e retomando a postura defensiva de sempre.
– Não custa tentar? – ri irônica. – Você acha que isso aqui é o quê? Loteria? Custa tentar sim. E custa muito. Você acha que construí essa muralha em volta do meu coração por quê? Porque sou fã da arquitetura imaginária? No momento em que eu confessar estar apaixonada por você, muitas coisas vão estar em jogo. Ou acha que é fácil gostar de um perfeito imbecil? É impossível adivinhar o que passa pela sua cabeça e num segundo um mar de calmaria consegue se transformar numa violenta tempestade. Você acha que gosto disso? Ou que acho divertido? Pela primeira vez, não tenho a menor idéia de onde estou pisando, então acho que custa muito tentar sim – terminei meu discurso, triunfante ao ver a expressão de espanto que havia se apoderado do rosto de . Finalmente disse a ele aquilo que estava preso dentro de mim há tempos.
Ele respirou fundo, levando as mãos à cabeça. Aproveitei o breve momento e saí correndo dali, pegando um táxi e retornando ao hotel. Mandei uma mensagem para avisando, se não ele ficaria preocupado.
Cansada de andar de um lado para outro, sentei na cama e equilibrei o notebook em minhas pernas, ligando-o. Tinha apenas um e-mail, de . Estranhei. Nunca tinha recebido qualquer e-mail dele. Ainda mais com um assunto tão intrigante. Abri-o.
De: [blablubla@hotmail.com]
Para: [not-cinderella@hotmail.com]
Assunto: Leia isso
Oi, . Sei que nunca nos falamos por e-mail, e pessoalmente não temos a proximidade que eu gostaria, mas mesmo assim me sinto no dever de lhe mostrar uma coisinha. Primeiramente, preciso lhe implorar para que nunca, em hipótese alguma, mencione a que lhe mostrei isso. Ok? Não sei se os outros caras perceberam, porém para mim é óbvio que vocês dois se gostam e tem alguma coisa os impedindo de estarem juntos nesse momento. E sabe qual é o meu palpite? O problema está em você, nerd. Você e esse seu orgulho que não dão o braço a torcer de forma alguma. Leia o e-mail que eu recebi de :
>>> Ei, dude.
>>> Sei que vai achar estranho eu lhe mandar um e-mail quando estamos lado a lado, mas preciso falar isso para alguém e, bem, confio em você. E exatamente por confiar lhe peço segredo absoluto no que vou dizer agora. Sabe a ? É, essa mesmo. A nerd. Estou fodidamente apaixonado por ela. Tipo, para valer.
>>> ...
>>> Tudo bem. Dou-lhe um tempinho para absorver a informação e passar o choque.
>>> Na verdade, desde que ela entrou no colégio, sinto-me estranho em relação a essa menina. não é aquele tipo de garota fútil, sabe? Ela é sincera, inteligente e... Aconteceu. Quando dei por mim, já estava louco por ela. Nunca disse a ninguém, e você deve estar achando estranho eu falar justo agora, mas descobri uma coisa que me levou a ficar ainda mais apaixonado. Lembra-se daquela garota que conheci quando era bem pequeno, no verão? Aquela que foi embora e nunca mais vi, daquela foto antiga, sabe? Aquela que prometi que, se algum dia voltasse a encontrar, não deixaria escapar de novo? Adivinhe quem é ela. , a própria.
>>> O pior é que ela parece não acreditar que o que sinto por ela é para valer. Acha que é só mais uma. E não sei como provar para ela que não é. Mas, ... Estou perdidamente apaixonado por ela e a garota aparentemente não dá a mínima para a minha existência.
>>> Minha vida é uma merda. Pode falar.
>>> .
Viu só, ? O cara gosta de você, de verdade.
Agora vê se larga esse orgulho idiota e vai atrás dele. Dê uma chance para a própria felicidade, garota!
.
Minhas mãos tremiam sem parar e, após ler o e-mail várias vezes seguidas, deixei o notebook de lado e parei para pensar. Tudo o que vinha à minha mente era: é verdade.
Distraí-me com um barulho vindo do corredor. Eles voltaram. O que significa que está aqui. No quarto ao lado.
Quando o silêncio se espalhou novamente pelo exterior do quarto, saí e fui em direção à porta de , que estava entreaberta. Empurrei-a levemente, mas fui surpreendida por que estava saindo. Quando me viu, sorriu e piscou para mim, como se soubesse exatamente o que fui fazer ali.
Adentrei o quarto pé ante pé e estava de costas para mim. Apenas o observei, passando os olhos por toda a extensão do seu corpo, sem conseguir acreditar no quão cega eu estava sendo ao negar que sentia algo por ele. Era tão óbvio! Eu só me recusava a admitir.
Pareci assistir em câmera lenta ao momento em que ele se virou para mim, o que contrastava demasiadamente com os batimentos de meu coração, que parecia bater cada vez mais rápido. Tive a impressão de que conseguia ouvi-lo, de tão freneticamente que palpitava dentro do meu peito.
Quando ficou de frente para mim, encaramo-nos por um tempo sem dizer absolutamente nada.
Lembrando-me do motivo que me fez ir ali, sorri brevemente e fui a passos firmes até ele, colocando a mão por trás de seu pescoço e grudando os nossos lábios. Quando se recuperou do susto, colocou a mão em minhas costas, segurando-me com firmeza e grudando nossos corpos ainda mais. Dessa vez mais consciente do que nunca, apesar de tomada pela leve insanidade que se apossava de mim sempre que estamos próximos, fui eu quem aprofundou o beijo e levou a mão livre até minha cintura, permanecendo por lá. Finalizou o beijo e levou os lábios até meu pescoço. O sorriso em meu rosto é enorme.
De repente, o corpo de enrijeceu e ele ficou tenso. Afastei-me dele, deparando-me com encostado à porta. Seu semblante era fechado e em seus olhos reconheci algo que me assustou.
Mágoa.
– Sei que você me deu todo o apoio quando lhe contei que gostava da , mas não consigo concordar com isso, . Desculpe, porém não consigo – disse com a voz suave. Depois que o vi parado na porta, arrastei-o até meu quarto e então entramos em uma discussão terrível. Ele não concordava de modo algum que eu ficasse perto de . Nunca havíamos discutido de forma tão verbalmente violenta. Quando ele percebeu lágrimas se formando em meus olhos, levou um tempo para se acalmar e tentar me explicar a situação mais tranquilamente. Eu amava meu primo, mas não entendia o motivo de ele se opor de tal maneira ao meu relacionamento com . Se é que podemos chamá-lo disso.
– , isso aqui não é uma troca de favores. Você não é obrigado a concordar com nada. Só não entendo o motivo de você parecer tão machucado. Fiz alguma coisa?
– Você não. – disse o nome de modo seco e me preocupei. O que podia ter acontecido?
A porta do meu quarto foi aberta e entrou. imediatamente se levantou e saiu, fechando a porta atrás de si. se sentou ao meu lado na cama e percebi que seus olhos estavam vermelhos. Depositei um delicado beijo em seus lábios e ele me abraçou forte, puxando-me para o seu colo.
– Quer me contar por que vocês dois estão desse jeito? – disse suavemente, afagando seus cabelos, e ele murmurou um “sim”, mas demorou um pouco até começar.
– No avião, quando estávamos vindo de Londres pra Milão, disse que percebeu algo estranho acontecendo entre nós dois e me perguntou o que era. Na hora, não pensei direito e disse que não, não sabia de nada. Meio que indiretamente, ele me perguntou se eu sentia algo por você. Podia jurar que ele lhe contaria se eu dissesse alguma coisa, então prontamente respondi que não. E ele me fez prometer pela nossa amizade que eu falava a verdade e que não queria nada com você. E eu prometi, . Pela nossa amizade. Eu prometi – a última frase saiu num sussurro e o abraço, mais forte ainda. O assunto era mais delicado do que pensei.
Tomei o seu rosto entre minhas mãos e pensei em brigar com ele por ter prometido algo que não poderia cumprir, porém algo em sua expressão me alertou a não fazê-lo. Algo me dizia que estava arrependido, mas não sei exatamente por quê. Era arrependimento por ter falhado com o melhor amigo ou por ter ficado comigo?
– Entendo se você quiser esquecer o que...
– Não! – me interrompeu, envolvendo-me mais ainda em seus braços. – Já a perdi uma vez e demorei anos para reencontrar. Dessa vez, não cometo o mesmo erro. Sinto muito, porém vai ter que entender isso. Por mais difícil que seja decepcionar o meu melhor amigo, dessa vez vou lutar por você – terminou e fiquei sem palavras pela primeira vez desde que o conheci.
Com a enorme confusão instalada em minha mente, demorei a reparar no silêncio que se instalou no quarto. Desviei o olhar de minhas mãos entrelaçadas e passei a mirar a face de , que por sua vez tinha o olhar fixo no chão. Tentei imaginar como me sentiria se estivesse em seu lugar. E se eu tivesse falhado com ? Meu coração se apertava só de pensar. Por que faria a uma promessa desse tipo? Se bem me lembro, no e-mail ele dizia que não ligo para ele – o que, obviamente, não poderia estar mais longe da verdade. acreditava tanto assim nisso a ponto de fazer uma promessa? Tais pensamentos eram complicados demais e nenhuma solução plausível me veio à mente.
Segurei o seu rosto, virando-o em minha direção, e tentei sorrir encorajadora.
– Ei – murmurei e ele finalmente olhou em meus olhos. – Sei que a situação é delicada, mas vamos dar um jeito. Ok? – terminei e ele me olhou confuso, um meio sorriso ameaçando aparecer.
– Nós? – perguntou e sorri mais uma vez.
– Estou ao seu lado, . Pensei que você soubesse disso – disse com a voz suave e ele se limitou a um sutil dar de ombros. Envolvi meus braços ao redor de seu pescoço e ele me abraçou mais uma vez.
Fechei a porta com cuidado para não acordar que – finalmente! – havia relaxado. Mirei o corredor vazio, permanecendo imóvel por alguns instantes, porém a voz de me despertou e por um momento cheguei a pensar que estava falando comigo. Depois percebi que ele estava ao telefone. Aproximei-me mais da porta entreaberta de seu quarto, mas não entrei.
– Pois é, . Eu sei disso – meus instintos se acenderam quando ele mencionou o nome da minha melhor amiga e fiquei ainda mais encostada à parede. – Mas, princesa, ele prometeu! – ele reclamou e meu queixo caiu levemente por culpa do apelido usado por ele. – Não. A também não sabe sobre nós dois, mas vou contar para ela. E vai ser logo. Juro. E deixe que com o eu me entendo. Ok? Beijo. Amo você – lágrimas já molhavam todo o meu rosto e voltei correndo para o meu quarto, batendo a porta com força e me sentando na cama com o rosto entre as mãos.
e ? Juntos? Pelas minhas costas?
Senti-me traída... Duplamente traída.
entrou no quarto e sua expressão era preocupada. Provavelmente ouviu o barulho da porta. Logo entrou atrás dele e dei um pulo, levantando-me.
– Você – apontei para ele e minha voz era áspera. – Saia daqui. Agora – disse com os lábios cerrados e ele arregalou os olhos, confuso. Não disse mais nada. Apenas deixei as lágrimas caírem sem medo. Percebi que não se mexeu e balancei a cabeça. – Tudo bem. Então saio eu – saí de lá e, em vez de entrar no elevador, fui pelas escadas. E subi até minhas pernas começarem a doer, entrando em um andar qualquer e me arrastando até o final do corredor, onde me sentei no chão.
era um completo... Nem sei se existem palavras para descrever.
Fez uma ceninha por causa de , porém namora secretamente a minha melhor amiga. Não entendo até agora por que manteve tal segredo, se tempos atrás eu já havia dito que apoiava. Ele achou que eu tivesse mudado de idéia? Ou não confiava em mim o suficiente para contar?
Senti o meu celular vibrar no meu bolso e era uma mensagem de , perguntando como foi o show. Quer que eu mesma conte para que ela. Não precisa fingir que não sabe de nada, porque o namoradinho já contou. Atirei o celular longe, porém ele bateu no pé de alguém.
– – murmurei com a voz um pouco mais controlada. Observei quando ele veio calmamente até a mim e se sentou ao meu lado no corredor. – Você já sabia? – perguntei, mesmo já sabendo a resposta, e ele me olhou confuso. Esqueci que não contei a ele o que ouvi. – Sobre e .
– Como você...? – ele começou, com os olhos arregalados, e me limitei a um dar de ombros, escorando a cabeça em seu peito, sentindo-o me abraçar e depositar um carinhoso beijo em minha testa.
Domingo – No carro, em Londres – 19h45min.
E amanhã retornaremos à rotina. Ou ao que restou dela.
Eu não estava mais falando com e ignorava as tentativas dele de se desculpar. Não atendia às ligações de e estava cada vez mais próxima de .
Muitas mudanças para um único final de semana.
Sei que uma hora terei de falar com ele, porém quero retardar tal conversa o máximo que puder, para estar de cabeça fria quando acontecer e não falar nenhuma besteira.
Encarei minha mão entrelaçada com a de e sorri. Pelo menos algo de bom aconteceu. Minha mãe que o diga. Sempre a pegava nos encarando pelo retrovisor. Ela não pareceu reparar no fato de que eu e ainda não trocamos uma só palavra. Se reparou, é porque não quer comentar na frente de meu suposto namorado.
Paramos em frente à casa de e ele apertou de leve minha mão, olhando em meus olhos. Assenti levemente com a cabeça. “Vou ficar bem”, foi o que disse com um leve movimento dos lábios. “Fique”, era o que realmente queria falar, porém não o fiz. Ele assentiu e me deu um beijo rápido, saindo do carro. Observei-o entrar em casa, sumindo de minhas vistas, quando minha mãe pôs o carro em movimento novamente. Logo senti seu olhar sobre mim.
Um, dois... – Qual dos dois pretende me contar o que está acontecendo? – perguntou e um silêncio completo se instalou dentro do carro. Liza deu um suspiro frustrado, porém não insistiu no papo. Quando chegamos a casa, subi direto para o quarto e uns quinze minutos depois minha mãe entrou, fechando e trancando a porta. Sua maneira de nos dar privacidade. Imediatamente corri até ela, que me envolve em seus braços, e me esqueci de qualquer problema.
Minha mãe era, definitivamente, meu porto seguro. Apesar de tudo, era a pessoa na qual mais confiava. Sempre fomos muito próximas.
Ainda abraçadas, seguimos para a cama e nos sentamos lado a lado. Finalmente vi que ela possuía um DVD em mãos. Um filme.
– Você faz a pipoca e eu, o chocolate quente? – perguntou, arqueando as sobrancelhas, e sorri, concordando com a cabeça, enquanto a acompanhava até a cozinha.
Segunda-feira – Elite High School – 12h50min.
Fim da aula e nem sinal de . O que será que tinha acontecido?
Eu havia pensado em ligar para seu celular, mas eu não tinha seu número. Como havia sido trocado o horário de minhas aulas, agora eu tinha matemática e o único que poderia ter o número dele e estava na sala comigo era . Para consegui-lo, teria de falar com ele. Quase todos tinham saído, mas ele ainda estava arrumando a mochila e, após um leve suspiro, segui até ali. Ele me encarou com as sobrancelhas arqueadas e evitei seu olhar.
– não veio hoje – consegui dizer e ele continuou colocando os livros dentro da mochila, respondendo a minha afirmação com apenas um aceno de cabeça. – Você pode me dar o número do celular dele? – perguntei e disse um número que logo anotei na palma da mão. Ele fechou a mochila e começou a se virar para ir embora, mas o chamei quando estava quase chegando até a porta. – Você não está nem um pouco preocupado? – meu primo abaixou a cabeça, deixando transparecer um fiapo de culpa, contudo ele não se virou em minha direção. Apenas deu de ombros e saiu da sala.
Percebi que sou a única ali dentro e aproveitei o silêncio para ligar para . Chamou várias vezes, mas ninguém atendeu. O que aconteceu com você, garoto? Suspirei frustrada e estava prestes a discar o número novamente quando entrou na sala. Revirei os olhos e peguei minha bolsa, prestes a sair para ir até a casa de .
– Agora não, – murmurei ao passar por ela, mas a mesma segurou minha mão com força, impedindo-me.
– Agora sim, . Precisamos conversar. Você não pode me ignorar para sempre – queria dizer que, sim, posso ignorá-la se quiser, porém parte de mim necessitava ouvir o que ela tinha a dizer. Cruzei os braços, assumindo uma postura defensiva, e me virei para ela. – Nunca menti para você, . E não é agora que vou começar – suspirou, olhando em meus olhos, e consegui reconhecer que estava sendo sincera. – Estou com desde sexta-feira. Aconteceu tudo muito rápido e, quando percebi, vocês já tinham viajado. Sei que você estava cheia de coisas na cabeça e achei que fosse algo importante demais para lhe contar por telefone ou e-mail. Nunca passou pela minha cabeça esconder de você, . Nunca. Poxa, acha mesmo que eu ia esconder algo assim de você? De forma alguma. É minha melhor amiga. Eu não conseguiria mentir para você nem se eu quisesse. E não quero – esticou a mão que não hesitei em segurar. Essa tinha sido minha primeira briga com desde que nos conhecemos e, depois de ouvir a verdade, que eles realmente não tinham mentido para mim, dei alguns passos para frente e a abracei forte. O som de sua risada era suficiente para que eu soubesse que estávamos bem novamente. – Você ia para algum lugar ou estava apenas fugindo de mim? – perguntou e ri, afastando-me.
– Eu ia até a casa do . Ele não veio hoje e não atende minhas ligações.
– Levo você até lá. Vamos – esticou o braço e saímos da sala abraçadas.
Logo chegamos à casa de , porém esperou no carro. Fui até a porta, hesitante e com um péssimo pressentimento. Nunca tenho essas coisas, mas meu coração subitamente ficou apertado. Toquei a campainha, ainda receosa. Assim que a porta se abriu, Lucy veio correndo até mim e acabamos colidindo.
– Segure-a! – escutei a governanta dizer e, por reflexo, agarrei o braço da pequena que se contorce para se soltar. Ela tinha o rosto cheio de lágrimas e o leve aperto em meu peito se multiplicou.
– O que houve, pequena? – abaixei-me e sequei algumas lágrimas que pendiam em sua bochecha. A menininha se aninhou em meus braços e ouvi os passos da governanta, que chegou ao meu lado parecendo nervosa. Ela acariciou as costas da menina e tentou acalmá-la, sussurrando coisas: “ele ficará bem, ele ficará bem...”, o que acabou me deixando nervosa. Quem era “ele”? Será que...? “Seu pai ficará bem”, ela murmurou, interrompendo meu raciocínio, e fiquei preocupada. Havia acontecido algo com o pai de ... Será que era grave?
Apertei mais ainda a pequena contra mim e segui até a sala, onde, com um aceno, a governanta pediu para que eu levasse a pequena até o quarto. Subi a escada devagar, tanto pelo peso da garota em meu colo quanto pelo fato de eu ainda estar preocupada com o pai de . O que será que tinha acontecido?
Após deixá-la no quarto aos olhares da mulher, desci as escadas devagar, ainda tentando imaginar o que poderia ter acontecido. Ao chegar ao último degrau, reparei que tem uma mulher bem vestida na sala, falando ao celular. Ela, ao contrário de mim, reparou em minha presença rapidamente e com um aceno pediu para que eu aguardasse. Esperei, sem me mexer, enquanto ela finalizava a ligação. Os meus instintos acenderam, indagando se aquela ali não seria a mãe de meu... Bem, a mãe de . Eu conseguia perceber em suas feições certos traços familiares, porém não tinha como ter certeza.
Ela então desligou o celular e fiquei tensa. Fui para perto dela, receosa.
– Você deve ser a – disse com um fraco sorriso.
– Sim. E você é...? – perguntei, apesar de já imaginar a resposta.
– Nina. Mãe de – ela pareceu se lembrar de algo e deu um breve riso. – E de Lucy. Vi que você já conhece minha pequena.
– Aham – concordei, sorrindo pela primeira vez, porém o sorriso foi apenas breve. – O que houve com...?
– Meu marido? – ela perguntou, dando um suspiro. – Ele passou mal hoje pela manhã e está no hospital desde então. Lucy estava com ele na hora em que desmaiou. Por isso precisei ficar por aqui acalmando a menina. Não quero levá-la ao hospital agora...
– E ...?
– Está lá. Era com ele que eu estava falando agora. já está bem melhor, agora apenas em observação – suspirei aliviada. – Preciso falar com Lucy primeiro, mas dentro de algumas horas irei ao hospital também. Você quer carona?
– Não precisa. Minha amiga está aqui fora esperando. Mas obrigada – fui até ela, dando um breve abraço, e segui até a porta, percebendo que nem se mexeu. Ela apenas me olhou quando entrei no carro e disse a ela o nome do hospital que ouvi Nina mencionar ao telefone. Em poucos minutos chegamos lá.
– Tem certeza de que não quer entrar? – perguntei pela terceira vez e, como previ, novamente negou.
– Melhor não – sorri e acenei com a cabeça, saindo do carro. Fui em direção ao hospital, sem ter a menor idéia de onde encontrar . Resolvi, então, ir até a recepção ver se alguém conseguia me informar alguma coisa. Antes de chegar lá, porém, vi-o. Ele estava em uma das cadeiras brancas do outro lado da sala de espera e tinha a cabeça enterrada entre as mãos. Não havia mais ninguém ali, mas, mesmo assim, não demonstrou perceber minha aproximação. Sentei-me ao seu lado e ele continuou sem se mover. Decidi não interromper seus pensamentos, portanto permaneci calada e imóvel.
– Não pensei que você viesse – escutei-o dizer, ainda sem se mover, e sorri por ter percebido minha presença.
– Claro que viria. Somos... – o que nós éramos? Alguma coisa entre amizade e namoro, mas qual era o termo apropriado? Amigos com benefícios? Nunca tínhamos falado sobre isso, então eu não sabia. – Eu me importo com você – consertei rapidamente e ele finalmente levantou a cabeça para me olhar. Seus olhos brilhantes e vermelhos me transmitiam apenas carinho e sinceridade. Seu rosto estava cansado e arrisco dizer que nunca o vi tão preocupado. – Ele vai ficar bem – tentei tranqüilizá-lo, acariciando de leve sua bochecha quente. Ele fechou os olhos com a sensação e me aproximei um pouco mais. – E você também – completei, encontrando seus olhos mais uma vez. Um esboço de sorriso apareceu no canto de sua boca enquanto ele dizia, segurando a minha mão:
– Agora eu vou.
Hospital – 15h50min
.
– O que foi? – perguntei a , assim que ele desligou o telefone.
– Minha mãe não vai poder vir – deu um sorriso amargo. – É claro que não – abaixou a cabeça, deixando-me perplexa. Nunca imaginei que pudesse ter problemas com a mãe, já que ele parecia sempre tão... Inquebrável? Algo similar.
Sem saber o que dizer, apenas o encarei em silêncio. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, reparei que estava vindo em nossa direção. Por impulso, meus olhos se voltaram para e a expressão em sua face era indecifrável. Quando meu primo parou em nossa frente, decidi deixá-los conversar em paz. Dei um beijo no rosto de e, sem dizer palavra, saí dali. Será que os dois finalmente se entenderiam? Eu esperava que sim. E, se tinha vindo até aqui, era porque estava disposto a esquecer tudo o que aconteceu.
Estava tão imersa em meus próprios pensamentos que não tinha consciência da direção que estava tomando até que, sem querer, esbarrei em um médico.
– Desculpe! – murmurei, seguindo por outro caminho e indo parar em frente a uma pequena cafeteria.
Sem saber quanto tempo havia se passado e se os dois já tinham terminado de conversar, entrei e pedi um suco, com mil coisas na cabeça. Mexi o suco distraída, porém o barulho de uma cadeira sendo arrastada à minha frente me despertou. O que me surpreendeu mais foi ver quem acabara de se sentar à minha mesa.
– – ele disse com o mesmo sorriso estonteante de sempre.
– Eric Lyon – murmurei, sem conseguir esconder minha estupefação. Meu ex-namorado estava ali, à minha frente, e eu não tinha idéia de como reagir.
– Uau. Você continua linda – ele disse, encarando-me, e disfarcei meu desconforto enrolando a ponta do cabelo entre os dedos.
– E você continua... Você – disse com um breve riso. E não mentia. Eric não mudou nada, fisicamente falando. Seu modo de agir, contudo, parecia irreconhecível. – Só que mais... – continuei, mas ele me interrompeu.
– Humano? – deu de ombros. – É.
– Por que você está aqui? – mudei de assunto e ele me encarou confuso. – Digo... No hospital.
– Minha namorada. Ela... – ele pigarreou, parecendo desconfortável, Cruzou as mãos na frente do rosto e, quando me encarou novamente, percebi que seus olhos brilhavam, tomados por uma emoção que nunca imaginei ver nele. – Descobriu que tem câncer há algumas semanas. Está na quimioterapia – finalmente falou numa suavidade que me impressionou.
– E você continua aqui... – acabei verbalizando meus pensamentos sem querer e senti minhas bochechas esquentarem. – Nossa, desculpe! Eu não...
– Tudo bem – ele disse com um meio sorriso, dando de ombros. – O Eric que você conheceu não ficaria. Compreendo o seu espanto – ele suspirou. – Mudei muito depois que você foi embora.
– Como assim? – perguntei e ele estendeu a mão, segurando a minha com ternura. Meu espanto foi tão grande que não consegui falar mais nada. Quando foi que Lyon se transformou desse jeito?
– Sem você ali, percebi quão pouco valor eu dava para as pessoas importantes. Só depois de perdê-la percebi que estava realmente apaixonado por você, ao contrário do que queria acreditar – deu um riso baixo e acho que sei ao que ele se referia: ao momento em que descobri tudo. – Quando você se mudou, todos aqueles que falavam comigo passaram a me ignorar e percebi o quão artificial era o mundo no qual eu me orgulhava tanto de viver. Então decidi me afastar – sorriu com sinceridade. – Passei a morar aqui e conheci a Alexis. E ela me mostrou o que é se importar com alguém de verdade. Devo a ela quem sou hoje. A ela e a você – levou minha mão aos lábios, depositando ali um beijo. Não fui capaz de dizer nada, então apenas permaneci ali segurando sua mão até que o silêncio me incomodou.
– Fico muito feliz por você ter se tornado essa pessoa, Eric – deixei um sorriso ocupar os meus lábios. – Aprendi a deixar o medo e o orgulho de lado e isso me trouxe alguém muito especial também.
– Ele é muito sortudo por ter você – ele disse e uma lágrima escorreu por meu rosto. A maravilhosa sensação que me tomou trasbordava por meus olhos e eu não parava de sorrir. Qualquer coisa ruim que eu ainda guardava sobre ele se esvaiu de mim naquele segundo.
– Preciso ir – ele disse e nos levantamos. Sequei as lágrimas com as costas da mão e o garoto beijou minha bochecha, abraçando-me. – Foi muito bom ver você.
– Digo o mesmo – respondi com toda a sinceridade que coube dentro de mim. – Estou orgulhosa de você – sorri, afastando-me dele, e o observei ir até o caixa.
Saí dali, encontrando e na porta com expressões surpresas. A de era magoada e não entendi nada. Ele, de repente, virou-se e saiu dali. Ignorando , saí atrás dele. era muito mais rápido do que eu e apenas o acompanhei. Ele parou quando chegou ao estacionamento e não demonstrou perceber que eu estava ali.
– O que aconte...? – comecei, mas fui interrompida pelos lábios de , suaves sobre os meus. Um barulho me assustou e acabei aproximando nossos corpos ainda mais. Um pingo acertou minha cabeça e percebi então que começara a chover. Não me mexi, porém. A sensação inebriante que o beijo de causava em mim me dominava de tal forma que nem me preocupava o fato de estar completamente molhada. Ele colocou a mão em minhas costas, aproximando-nos mais do que achei ser possível. Pus a mão atrás de seu pescoço, separando os nossos lábios um pouco para que eu pudesse respirar.
– Desculpe – ele sussurrou contra minha boca e, ao invés de explicar, aquilo apenas me confundiu ainda mais. Pelo que ele estava se desculpando?
– Vai me explicar o porquê de ter me agarrado desse jeito ou o quê? – perguntei sem mover um só centímetro. Ele riu, segurando a minha mão.
– Você não muda, né, garota? Sempre violenta.
– Quando você me conheceu, eu já era assim. Não é verdade? – disse, rindo logo depois e sem me dar ao trabalho de negar o que ele disse.
– E eu me apaixonei do mesmo jeito – pronto. Ele havia dito. Ali, na lata. Sem hesitar. E eu continuava o encarando, sem expressão, parecendo um poste. Ler e ouvir os outros me dizendo era uma coisa. Agora ouvir o próprio falando, com tanta certeza do que dizia, era assustador.
– Eu... – comecei, gaguejando, porém passos (ainda bem!) me interromperam. Era . Confesso que quase pulei em cima dele.
– Ei, vocês! – ele sorriu, sem perceber que atrapalhava. – Saiam da chuva! Tenho novidades – soltei a mão de imediatamente e fui correndo até meu primo, sem mirar na direção do outro em nenhum momento. Encarei, ao invés disso, o celular que estava segurando. – Acabei de falar com Rachel e ela disse que...
– Espere... – interrompeu. – Quem é essa?
– A filha do diretor – ok, confesso que dessa eu também não sabia. – Enfim. Falei com ela e a menina disse que está se mudando... – olhou significativamente para nós dois. – Ou seja... Um novo diretor estará na escola amanhã e o “namoro”... – fez aspas no ar. – De vocês não será mais necessário. Na escola. Fora dela, é claro, se vocês quiserem continuar... – deixou a insinuação no ar, saindo dali.
Não precisei olhar para o lado para saber que me observava. Senti seu olhar sobre mim, ainda mais quando o único barulho ali era o da chuva, que agora caía mais violentamente do que antes. Era impossível não reparar no silêncio constrangedor.
– Aconteceu alguma coisa? – ele perguntou, mantendo a distância. Obviamente percebeu o meu desconforto ou pelo menos desconfiava dele. – Foi o que eu disse? Você...
– Não! – vire-me para ele, interrompendo-o. – Não tire conclusões precipitadas, por favor. Conversamos amanhã. Prometo – sem dar tempo para que ele respondesse, saí dali rapidamente, ligando para e pegando carona com ela até minha casa.
Chegando lá, deitei-me na cama, mas não dormi. Permaneci encarando o teto e sem o menor sono.
Então tinha dito... Estava apaixonado por mim. Eu sabia que a reciprocidade era verdadeira, apesar de não ter como ter certeza disso. Ter que fingir namorar alguém por quem você não é apaixonado é fácil. Contudo, quando isso muda, a coisa complica. Como eu agiria daqui para frente? Se eu confessasse os meus sentimentos, iríamos evoluir para algo mais sério... Correto? Estaria – o popular e “pegador” da escola – pronto para algo assim, para valer?
Eu iria arriscar e descobrir por conta própria?
Ah, iria sim.
– Bom dia! – disse, enquanto descia as escadas. Então percebi que minha mãe não estava ali. Apenas . Fui até ele, beijando sua bochecha.
– Espere... Isso é um sorriso? – ele disse, encarando-me com uma expressão engraçada. – A essa hora da manhã? Já sei! – sorri também. – Está ansiosa para a viagem. Acertei? – a viagem! Eu iria para Paris no dia seguinte! Não tinha arrumado coisa alguma ainda! Como pude esquecer? Com tudo o que estava acontecendo, acabei não pensando nas férias que estavam chegando. – Pela sua cara, acho que errei. Se não é por causa da viagem, então por que seria?
– Cadê a minha mãe? – perguntei, ignorando as perguntas de .
– Arrumando as coisas da sua viagem, né, cabeçuda?! Já que, pelo visto, você nem lembrava que ia para fora do país – ele riu e dei um tapa em sua cabeça. – Agora, sim, reconheci-a. Aquela felicidade toda estava me assustando. Sabia?
– Ai, . Cale a boca – ri novamente, apesar de preocupada. Como pude esquecer algo assim? A viagem pela qual esperei tanto! Era uma tonta mesmo.
– Você não vai à aula hoje? – ele pergunta e o olhei confusa.
– Ué, claro que vou. Por que a pergunta? – não respondeu, apenas aponta para o relógio e dei um pulo. Era muito tarde! Eu já tinha perdido as primeiras aulas e já estava quase na hora do intervalo! E ? Ele estava esperando uma resposta minha! E se tivesse interpretado meu atraso, ou falta, como um “fora”? Droga.
Sem pensar mais, subi correndo e peguei minha mochila, saindo em disparada, sem me despedir de .
– , espere! – ele gritou, mas eu já estava longe demais para voltar. Então apenas mantive meu ritmo, parando para descansar apenas quando cheguei à frente da escola, escutando o sinal indicando que o intervalo tinha começado. Entrei devagar e ninguém me perguntou o que eu estava fazendo ali tão tarde. Simplesmente caminhei até o pátio.
E então o vi. . Ele estava do mesmo jeito do primeiro dia de aula desse ano, quando o vi na escola pela primeira vez. Só que, dessa vez, as circunstâncias eram muito, mas muito diferentes. Ao vê-lo cercado por aquelas líderes de torcida estúpidas, meus olhos se encheram de lágrimas. E, bem na hora, o idiota olhou para mim. Seus olhos se arregalaram, mas saí praticamente correndo dali, sem prestar atenção ao local para onde estava indo (isso estava se tornando um hábito). Deixei meus pés me guiarem. Só queria me afastar.
Minha mente gritava “canalha, canalha, canalha! E você, estúpida, acreditou nele!”. Eu sabia que, tecnicamente, não tínhamos nada. Mas, pô, ele tinha dito ontem que estava apaixonado por mim. Trocou de idéia assim, do nada? Pensei que ele tinha mudado... Mas é óbvio que não mudou. Eu deveria ser só parte de uma aposta e agora simplesmente fingiria que nada nunca tinha acontecido. Ia tudo voltar a ser como era antes, quando nem conversávamos direito?
Parei quando quase bati a cara na parede, percebendo que fui parar na biblioteca. Havia estantes ao meu redor e a única saída dali era o lugar por onde entrei. Ótimo. Não queria companhia. Escondi o rosto entre as mãos na tentativa de acalmar os nervos. Aproveitei para sumir com qualquer lágrima que ameaçava aparecer. Não iria chorar por isso. Não mesmo.
Quando tirei as mãos do rosto, levei um susto e acabei batendo as costas na parede.
– O que você quer? – falei irritada, mas não se abalou.
– Precisamos conversar – ele disse e ri baixo de forma irônica.
– Jura? – ri novamente. – Acho que não. Já entendi o recado. Ok? – dei um passo à frente, porém abriu os braços, fechando totalmente a passagem e me impedindo de sair dali.
– Recado? – ele pareceu confuso e tive vontade de socá-lo. – Que recado?
– Você conseguiu o que queria, . Parabéns – disse irônica. – Pode voltar lá para os seus amiguinhos e líderes de torcida. A nerd irá sobreviver – tentei passar novamente, mas desta vez ele me segurou pelos ombros.
– Do que você está falando, ?
– Para você, é – foi tudo o que disse, afastando os braços dele para finalmente sair dali.
Meio correndo, meio andando, só o que sei é que em poucos segundos eu estava no meio do pátio. Quando achei que ia conseguir ir embora, o menino me alcançou e segurou meu braço, puxando-me contra si. Minha raiva se misturou com a mágoa e não consegui mais identificar o que estava sentindo.
– Por que você está agindo desse jeito? – falou baixo e, já que estávamos próximos, escutei perfeitamente. Senti olhares sobre nós, mas não me mexi. O que me impressionava é que ele parecia realmente surpreso. Foi isso o que me moveu e acabei dando uma risada irônica, afastando-me dele.
– Que jeito? – falei alto, o que atraiu a atenção das pessoas ao nosso redor, mas não me importei. Nem olhei em volta. – Algum outro além do da idiota que você achou que eu fosse? – ele arregalou os olhos e revirei os meus. Lágrimas ameaçaram aparecer, mas as afastei, sentindo raiva de mim mesma por me sentir tão fraca e dependente de tais emoções. Eu costumava saber controlá-las. Parece que perdi essa habilidade. – Parabéns, – bati palmas, o que deu um ar sombrio ao pátio que estava completamente silencioso. A raiva ameaçou tomar conta de mim e me esforcei para controlá-la. – Conseguiu. Eu me apaixonei por você – confessei, balançando a cabeça, e escutei algumas exclamações de surpresa vindas da “platéia”. – Mas não se preocupe... – completei amarga. – Eu vou superar – terminei, indo embora correndo para casa e finalmente deixando as lágrimas, visitantes tão incomuns a mim, tomarem conta de meus olhos e, numa fração de segundo, do meu rosto inteiro.
Três horas depois...
– , abra a porta, por favor. Sou eu – escutei a voz de e fui correndo até o banheiro, enxugando minhas lágrimas e lavando o rosto, abrindo a porta logo depois. entrou sem dizer nada. Apenas se sentou em minha cama. – Ele não...
– Se for para defender o idiota, nem comece – interrompi, já cansada daquele assunto. Eu tinha passado as últimas horas preparando as coisas para a minha viagem e decidira continuar fazendo isso até o dia seguinte pela manhã, quando partiria. Ignorar seria a melhor decisão a partir dali. Eu já tinha conhecido alguém parecido com ele e não queria passar por todo o sofrimento de novo. Era uma atitude infantil, porém decidi simplesmente ignorar meus próprios sentimentos e tudo o que tinha vindo junto com eles.
– Você pode pelo menos me escutar? – ele pediu, levantando-se e parando em minha frente. – Se não quiser acreditar ou se preferir me expulsar daqui, vou entender – quando escutei a última parte, dei um beijo em sua bochecha, sorrindo fraco. Ele sorriu também, sabendo que tinha me convencido, mas logo ficou sério novamente. – Que fique bem claro que só estou lhe contando isso porque ele é o meu melhor amigo e devo isso a ele. Mas acho sem sentido o que ele fez. Ok? Em minha opinião, não justifica nada – concordei e ele continuou. – só fez aquilo porque ontem, quando ele se declarou, você reagiu de forma estranha e ele achou que aquilo fosse um sinal de que você não ia querer nada com ele. Ficou com medo de levar um fora. Ridículo, eu sei. Mas é a verdade. O cara nunca quis magoá-la e, nessa parte, realmente acho que ele foi sincero.
– Ele devia ter pensado nessa parte antes, né? – respondi e saiu dali, deixando-me sozinha. Voltei à minha arrumação, mas os pensamentos não me abandonaram.
era um idiota, idiota, idiota.
Mas droga.
Eu amava aquele idiota. Pra caramba.
Minha mãe me acompanhou até o local do check-in e, em poucos minutos, estávamos instaladas em frente à sala de embarque, faltando meia hora para meu vôo. Ela não entendeu o fato de eu não querer esperar , contudo não julgou ou perguntou nada – coisa pela qual agradeceria em outro momento. Depois de um dia inteiro tentando esquecer e ignorando suas tentativas de falar comigo, estava exausta desse assunto e não suportaria ter que explicar tudo a ela. Foi uma surpresa que minha mãe tenha respeitado isso. Talvez eu não tenha sido a única a mudar durante esse tempo.
Assustei-me quando vi entrando no aeroporto. Ele veio quase correndo até mim, dando-me um abraço.
– Ei, quase que perco você, hein? – ele disse, rindo, mas não me soltou. Permanecemos abraçados e ri sem jeito.
– Desculpe não ter esperado por você. É que...
– Eu sei – ele me interrompeu. – Você me viu saindo para conversar com . Não é? E não quis que eu desse um jeito de vocês dois conversarem. Eu entendo, priminha. Não se preocupe. Nunca a pressionaria – disse com a voz suave e achei estranho que ele permanecesse me abraçando. Deve estar já sentindo minha falta.
Meu vôo foi anunciado nos auto-falantes e tentei me afastar de meu primo que permaneceu no abraço.
– ... Eu preciso ir.
– Eu sei. Só mais um pouquinho... – ele suspirou. – Vou sentir tanto a sua falta...
– Eu sei, priminho. Eu sei. Também vou. Mas nem vou ficar fora por tanto tempo assim. Viu? Vai passar rapidinho – respirei fundo, acariciando suas costas. – E aproveito para esquecer o – falei baixo e o rapaz riu.
“Última chamada para o vôo...” – Eu, sinceramente, espero que você não faça isso. Vá logo. Boa viagem – disse misterioso, finalmente me largando. Dei um abraço em minha mãe e acenei para eles enquanto ia em direção ao avião.
No portão de embarque, percebi que eu era a única atrasada. A aeromoça me esperou com um sorriso no rosto, como se me conhecesse, e achei estranho, porém não falei nada. Apenas entreguei a ela minha passagem. A mulher demorou um pouco para liberar minha entrada, conferindo coisas que não achei que fossem necessárias. Finalmente, uns cinco minutos depois, indicou-me o caminho até o avião, desejando “uma ótima viagem” de forma tão animada que, mais uma vez, encarei de forma suspeita. Será que eu a conhecia de algum lugar?
Quando cheguei perto da aeronave, a aeromoça e o piloto estavam parados na porta e se afastaram, permitindo a minha entrada. Quando adentrei o local, achei estranhíssimo o silêncio presente ali, já que, em todas as outras viagens que eu tinha feito, o interior dos aviões era tão barulhento... Várias pessoas conversando ao mesmo tempo de forma frenética.
E então parei no corredor entre as poltronas, sentindo meu coração chegar à boca.
Ele estava ali.
.
Do outro lado do corredor, apenas a alguns passos de distância. Nas mãos, ele tinha um telefone – aquele que as aeromoças usam para se comunicar com os passageiros.
– Sabe... – ele começou e sua voz ecoou por toda a aeronave. – Quando eu era pequeno, conheci uma menina. Ela era linda – sorriu largamente e senti minhas pernas ficarem bambas. Eu sabia de quem o garoto estava falando. – Amei-a durante muito tempo, mesmo que só tenhamos nos visto durante algumas semanas. Foi ela quem me ensinou o que era estar apaixonado e, apesar de não saber disso na época, fiquei completamente apaixonado por ela. Foi minha melhor amiga durante um verão. Muitos anos depois, quando já não acreditava mais no amor e nem em nada parecido, outra garota entrou em minha vida. Ela era ainda mais linda. E a amei com a mesma facilidade – nesse momento, senti meus olhos ficarem marejados. Esse era o poder que exercia sobre mim. Eu era quase uma pedra de gelo, mas era só ele aparecer que todas as minhas defesas desmoronavam. – Qual foi a minha surpresa, então, ao descobrir que as duas eram a mesma pessoa? – ele respirou fundo, olhando em meus olhos. – Nunca fui bom em expressar meus sentimentos e isso me fez cometer uma besteira muito grande, com medo de me magoar. O que não reparei foi que, com isso, acabei magoando outra pessoa. A minha garota. Aquela que prometi a mim mesmo que nunca decepcionaria, porque, dentre todas as outras mulheres do mundo, era ela quem detinha cada pedaço do meu coração. E a menina nem ao menos tinha se esforçado para conseguir isso – não estávamos tão próximos um do outro, mas vi seus olhos brilharem com uma intensidade que me afetou ainda mais. Meu coração batia em uma velocidade louca. – Cada uma dessas rosas... – ele começou e cada passageiro do avião levantou uma rosa vermelha acima da cabeça. De repente, várias delas entraram em minha linha de visão. Quantas tinham ali? Cinqüenta? Cem? Eu não fazia idéia. Porém, eram muitas. – Representa mil motivos pelos quais quero você de volta. Mas o maior deles você já sabe... – disse, soltando o telefone e vindo em minha direção. Parou a um passo de distância e olhou diretamente em meus olhos, desviando-os apenas para tirar uma rosa do bolso e entregá-la a mim. – Eu amo você. Muito. Mais que tudo. Volta para mim? – a sinceridade em seu olhar era tanta que nem hesitei em deixar um sorriso tomar conta do meu rosto.
– Sempre – sussurrei, colando nossos lábios. Escutei uma explosão de palmas e assovios que me fizeram rir contra a boca de . Ele me segurou pela cintura, aproximando-nos ainda mais. Separei-nos um pouco, apenas por um instante, para dizer a ele aquilo que eu sempre soube, mas nunca admiti. – Eu amo você, idiota. Nunca duvide disso – sorriu largamente, abraçando-me forte. – Como o deixaram entrar aqui?
– Do mesmo jeito que deixaram todos os outros. Eu vou a Paris com você, amor – respondei e ri, beijando-o novamente.
Essas, definitivamente, seriam as melhores férias de todas.
Fim
Nota da autora: Olá! Antes de tudo, queria esclarecer uma coisa para vocês: não, o seu guy não comprou a passagem para Paris naquele momento. Ele já estava planejando ir para lá. As coisas só se “completaram”. Achei que ia cortar o clima se eu explicasse ali no meio da cena, mas foi isso. Não se assustem. O cara não chegou simplesmente e disse “ah, to a fim de viajar”, não, ÇSDOKFDÇOSKFÇ.
Enfim... Estou meio triste, mas feliz ao mesmo tempo. Escrever essa fic foi um desafio porque, por mais que eu esteja no colegial, não nasci para escrever fanfic colegial, SÇODFKÇOSDFK. A idéia da fic me pareceu boa quando surgiu e decidi dar uma chance para mim mesma e encarar o desafio. Gostei muito dessa fic. E gostei muito de escrevê-la.
Quero agradecer por todos os comentários, tweets, e-mails, perguntas e mensagens no tumblr e no formspring. Tudo isso me fez continuar a lutar contra os bloqueios e terminar isso aqui. Muito obrigada mesmo por terem acompanhado a evolução da Only Business e a minha própria evolução, porque sei que aprendi muito escrevendo essa fic.
Eu amo vocês. E vou aproveitar para citar alguns nomes em agradecimento: Bruna, Paula, Luisa, Mariana, Caroline, Luisa, Luíza. E também às diferentes beta-readers e amigas que me acompanharam nesse processo: Ana, Mandy, Fran, Jaque, Sevie. Obrigada, obrigada, obrigada a tooooodas que fizeram parte desse projeto de alguma forma!!!!!
Obrigada a vocês, leitoras lindas, que me agüentaram durante esse tempo todo. Espero ter dado um final digno para vocês. Comentem e me digam o que acharam! :D
Vemo-nos por aí em muitas outras fics. Prometo!
Um beijo e um queijo,
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