"Os planos que fiz"
História por Tiemy | Revisão por Cáh Almeida

Te conhecer, namorar, noivar, casar, ter filhos, envelhecer juntos.
Eu tinha tudo num script perfeito. Iríamos nos conhecer num dia comum, num dia qualquer, desses que a gente sai à toa pela rua pra comprar um pão ou então tomar um suco na padaria. Você viria me perguntar alguma coisa óbvia, e eu lhe responderia com um sorriso divertido no rosto. Você ficaria sem graça e agradeceria, mas quando estivesse quase indo, se viraria e docemente perguntaria meu nome. Eu provavelmente relutaria, mas acabaria dizendo e, sendo educada, perguntaria o seu.
, pode me chamar de !”
E seria a partir dessa pequena troca de informações que nossa historia começaria a existir. Vagarosamente, e sem que suspeitássemos de nada, a princípio.
Depois de alguns dias – talvez até semanas –, o segundo encontro não intencional aconteceria. Você abriria um enorme sorriso e diria meu nome de imediato, surpreendo a garota que sempre achou que os homens não decoravam nada. E então, você me convidaria pra tomar um café e, enquanto caminhássemos pela rua, iríamos conhecendo um pouco mais sobre o outro. Eu perceberia, então, como seus olhos possuem certo brilho misterioso. Iria reparar – inconscientemente – na textura suave de sua voz e no sutil perfume que estaria usando.
Você também faria pequenas observações sobre meu jeito de falar e de sorrir que nunca me deixaria saber, apenas as guardariam pra você, porque você consideraria bobo demais para me contar e especial demais para se descartar.
Trocaríamos telefones e passaríamos a nos falar com freqüência. Aos poucos, sem que percebêssemos, estaríamos entrelaçando nossas vidas e cotidianos de uma forma que pareceria surreal demais para mais alguém entendesse.
Depois de encontros e desencontros, depois de um momento difícil lado a lado, iríamos descobrir que estávamos apaixonados. Seria assim, surpreendentemente espontâneo, e então nos beijaríamos. Sob a chuva ou um grande carvalho, no sofá da minha casa ou no quintal da sua. Não importaria, porque estaríamos desfrutando de um momento único, de qualquer forma.
Corações explodindo, sorrisos abertos, borboletas no estômago. Iríamos nos deitar sob as estrelas de uma agradável noite de outono e ficaríamos falando bobagens e fazendo planos. E você diria, nessa noite, pela primeira vez, eu te amo. E eu sentiria que era verdade. Sem dizer nada, colaria meus lábios nos seus e depois deitaria em seu peito, ouvindo as batidas descompassadas – e, ainda assim, alegres – de seu coração.
Nossa primeira noite seria mágica. Eu sentiria a felicidade, o amor e a paixão correndo livre pelo meu corpo, me dando a certeza de que você era a melhor escolha da minha vida. Você seria cuidadoso e gentil, e mesmo assim me deixaria louca.
Os dias, meses e anos passariam. Teríamos as discussões bobas que quaisquer casais da nossa idade teriam, poderíamos ficar um dia sem se falar, mas logo estaríamos deixando o orgulho de lado para ser o primeiro a ligar e esquecer as palavras ditas. E então ficaria tudo bem, uma vez mais. Mais algum tempo se passaria e então você tomaria uma importante decisão. Estaria certo de que não queria que fosse ninguém mais, além de mim. Além da garota que você conheceu por acaso, mas que não foi por acaso que escolheu para continuar na sua vida. Você planejaria tudo da maneira mais romântica – e brega – que poderia e sem que eu suspeitasse de nada, executaria o plano perfeitamente.
Depois de um dia incrível, enfim, você me olharia ternamente, me deixando sem graça. Eu te perguntaria docemente “o que foi, ?” e então, você sorriria do jeito que eu amo – mas que eu nunca lhe contei – e retiraria uma pequena caixa aveludada do bolso do seu jeans surrado. Meu coração começaria a palpitar desgovernado a partir daí. Ajoelhando-se como um verdadeiro cavalheiro, olharia fundo em meus olhos e diria as quatro palavras que mudariam tudo. "Você quer casar comigo?"
Com lágrimas transbordando de meus olhos, eu diria sim. Repetidas e incontáveis vezes, sim, sem hesitar, nem pensar duas vezes. Seus braços se firmariam em volta de minha cintura e, no fundo, você estaria aliviado porque, insanamente, você chegou a cogitar a possibilidade de eu não aceitar. Grande tolice, a sua. Iríamos pra casa e faríamos amor, desfrutando do momento em que deixávamos de ser apenas namorados para nos tornarmos noivos.
Eu contaria para minhas amigas e já começariam a fazer planos por mim, por nós dois. Quem serão os padrinhos, quem pegará o buque, como serão nossos filhos? E eu apenas riria de tudo. Seus amigos zombariam de você, mas no fundo estariam desejando toda a felicidade do mundo, porque assim são os amigos.
O tempo de preparação passaria voando e, quando nos déssemos conta, você estaria no altar, tremendo e suando e se sentindo um idiota enquanto eu estaria me segurando para não chorar antes de entrar com meu pai pelas portas da igreja. A marcha nupcial se iniciaria e todos os olhares se voltariam para mim, mas eu só iria conseguir ver você. Você, todo charmoso, num lindo smoking preto e o meu sorriso – um pouco trêmulo – estampado no rosto. A cerimônia teria início e, em todo momento, iríamos trocar olhares cúmplices e apaixonados. Eu diria “aceito” com todo orgulho do mundo, exatamente como você.
Receberíamos aquela chuva de arroz e eu jogaria o buquê, que alguém totalmente inesperado pegaria. Entraríamos no carro de mãos dadas, acenando para nossas famílias com largos sorrisos, demonstrando nossa felicidade. Depois iríamos para algum lugar lindo, algum lugar onde ambos queríamos estar juntos.
E, pouco tempo depois que voltássemos da nossa lua de mel, eu descobriria que estava grávida. Assim, sem que tivéssemos planejado. Como no momento em que você hesitou na hora de me pedir em casamento, eu hesitaria em te contar a novidade. Será que ele vai gostar? E se ele não quiser ser pai agora? E se... E se... Milhares de ‘e se’ se passariam pela minha cabeça. Então eu olharia pra aliança que cintilaria em meu dedo e me lembraria que ninguém mais poderia estar ocupando o lugar que você ocupa, e todos os medos e receios iriam embora. Quando você chegasse do serviço, eu estaria te esperando, como nos outros dias. Depois do abraço de boa noite, depois do seu banho, e depois do jantar, eu te contaria. Talvez no meio da partida do seu time de futebol ou no meio do filme. Seria assim, de uma forma espontânea, como sempre fora a nossa relação. Você pararia tudo que estivesse fazendo e me olharia fixamente. Depois de alguns segundos, piscaria repetidas vezes, sem esboçar reação alguma. Quando o medo começasse a me assolar, você reagiria. Daria gritos entusiasmados e me pegaria em seu colo, fazendo a maior bagunça e eu lhe alertaria sobre os vizinhos. Você daria de ombros e continuaria gritando, beijando meu rosto, meus cabelos. Ligaria pro seu melhor amigo, sem se importar com o horário. Gritaria “eu vou ser pai!” pra quem quisesse ouvir e eu sorriria, achando-me tola por ter tido medo.
Uma nova fase se iniciaria na nossa vida. Você começaria a fazer planos pro futuro do bebê que nós nem havíamos descoberto o sexo ainda. Palpites de nomes viriam de todos e demoraria até que entrássemos num acordo sobre qual daríamos ao nosso filho. Ou filha.
Conforme minha barriga fosse se desenvolvendo, começariam os desejos no meio da madrugada e as constantes alterações no meu humor. Mas você permaneceria me achando linda, mesmo quando eu me achasse uma ogra. E você certamente me acharia mais linda agora, do que em todo nosso relacionamento. Você se esforçaria pra estar sempre do meu lado e eu te amaria ainda mais ao reconhecer seu esforço.
Os meses avançariam e a cada dia a ansiedade aumentaria. Numa manhã, eu te daria um belo de um susto ao te ligar e dizer, da maneira mais calma que eu conseguiria: “? Acho que minha bolsa estourou”. E seria aquela loucura toda, você saindo correndo do seu serviço para chegar em casa o mais rápido possível, você esquecendo de pegar a bolsa com as roupas do bebê, esquecendo de trancar a porta de casa. E eu estaria apenas rindo do seu nervosismo, embora estivesse sentindo dor.
Você, que sempre teve medo de sangue, corajosamente assistira ao parto, segurando firmemente minha mão, provando que cumpriria sua promessa. Na alegria e na tristeza, na saúde e na doença e em todos os momentos, até o resto dos seus dias. Muitos gritos e incentivos depois, ouviríamos o primeiro choro de nosso filho. Sim, nosso filho. Um lindo menino que você já chamaria de campeão.
Emocionado, você beijaria minha testa e sussurraria “É um menino! É um menino!”. E, ao sentí-lo em meus braços pela primeira vez, eu teria certeza de que tinha ali a personificação pura do nosso amor. Tudo o que sentíamos um pelo outro resultara no ser que eu amaria com todas minhas forças, eternamente.
E aquela seria nossa vida. Educar nosso filho, trabalhar, crescer juntos. Ter momentos ruins, mas superar tudo isso e descobrir que nosso amor não morreu em nenhum momento. Ter mais um filho depois de dois anos, reviver essa fase mágica e ter a satisfação de ver como nossa família é linda. Ver, aos longos dos anos, nossos filhos se desenvolvendo e vivendo suas próprias histórias.
Vibrar com a formatura na faculdade, o nascimento do primeiro neto, unir todos na época de natal. E, enfim, olhar pra trás e não se arrepender de nada que vivemos.
Era esse o plano que eu tinha feito, muito antes de conhecer você.
Mas, quando eu te conheci, não aconteceu por acaso e não nos demos muito bem, logo de cara. Eu era a garota nova na escola e você criou certa implicância comigo. Vivia me dando apelidos irritantes e encontrando uma maneira de me tirar do sério. Você não era o tipo amável e nunca ficava mais de uma noite com a mesma menina. Ao longo do ano letivo, vi metade das minhas amigas chorarem por você. E você não se importava. Sequer se sentia mal por tê-las iludido, ou por não ter lhes dado chance alguma de demonstrarem o que sentiam – embora eu suspeitasse que nenhuma delas era realmente apaixonada por você. Você era o tipo de brinquedo raro que elas não podiam ter.
Claro que eu não entrava nessa lista.
Eu, sinceramente, me perguntava o que te tornava tão desejável. Você era apenas um sorriso bonito, mas eu tenho certeza de que havia muitos outros assim também. E, quanto mais eu me perguntava, menos eu entendia. Era o desprezo que te tornava tão cobiçado? A ideia de conquistar algo que não se podia ter era o que as faziam correrem atrás de você? Isso era patético.
Num dia, eu conheço um cara que parece se encaixar no plano ideal que eu tinha pro meu primeiro amor. Preenchia todos os requerimentos e um pouco mais, e não demorou para que eu me sentisse apaixonada. Até aqui, estávamos bem. Eu o convidei pro baile da escola, o mesmo baile em que você estava acompanhando a menina mais insuportável do colégio.
Na noite em que eu achei que o primeiro beijo aconteceria, eu descobri que ele nunca viria.
Ele não apareceu e eu me senti uma idiota. Todos tinham seu par e eu estava sozinha. Foi a primeira vez que eu duvidei da minha confiança cega de que histórias de amor verdadeiro eram reais. Eu permaneci forte a noite inteira, me convencendo de que não estava mal por causa do fora que levei. Mas, no final da festa, eu descobri que era uma péssima mentirosa. Eu nunca me dei bem com decepções e era exatamente por causa daquele meu jeito de ser, que eu vivia sonhando acordada. Mas acho que foi tentando fugir da realidade que eu acabei piorando as coisas.
Estava tarde, e meu orgulho não me deixou telefonar pra pedir que meu pai viesse me buscar.
Decidi arriscar uma caminhada de meia hora até minha casa, no meio da noite, sozinha.
Nos primeiros cinco minutos, descobri que estava chorando. Lágrimas ofuscavam minha visão e, por mais que eu tentasse me livrar delas, elas continuavam se acumulando.
De uma forma que eu considerei estúpida demais, você buzinou, assustando-me. Com raiva e vergonha, te ignorei, apertando o passo. Insistente, você continuou seguindo lentamente ao meu lado, baixando o vidro enquanto me mandava entrar.
Ri sem humor, achando um tanto abusivo sua forma de falar. Sequer éramos amigos e de repente você estava querendo ser prestativo, me oferecendo carona?
“Eu realmente acho que você não vai querer seguir por esse caminho sozinha, à essa hora”.
“E eu realmente não me lembro de ter pedido sua opinião, ”.
“Certamente, mas se você tiver um pouco de bom senso, vai reconsiderar. Sabe que pessoas com boas intenções não estão circulando por aí, à essa hora, não é?”
Droga. Ele tinha razão. As ruas pelas quais eu tinha de seguir não tinham muito movimento e já sepassava das duas da manha. Quem poderia dizer o que poderia acontecer com uma garota que anda sozinha nesse horário?
Relutante e com a certeza de que me arrependeria muito disso, entrei no seu carro. Não olhei nos seus olhos e mal respirei direito. E quando fiz isso, me surpreendi. Ao contrário do que eu imaginava, seu carro não cheirava a perfume de mulher. Tinha um agradável aroma de hortelã e oh...
Um agradável perfume masculino. O perfume que emanava de você todas as manhãs, sempre que você passava por mim, em algum momento.
Você até que foi simpático. Perguntou educadamente onde eu morava e no percurso puxou assunto umas duas vezes. Não que eu tenha me esforçado pra ser seca, mas aquilo era estranho demais para que eu conseguisse me comportar como uma pessoa normal.
Silenciosamente, você estacionou no meio fio e eu respirei aliviada quando desci, agradecendo sem jeito pela carona. Você esboçou um quase inexistente sorriso, como se faltasse força para que ele surgisse. Como se faltassem motivos suficientes para seu sorriso aparecer.
Desnorteada, eu dei as costas. Mas você ficou um tempo ainda em frente a minha casa. Não posso dizer que foi uma dedução, porque eu – tolamente – fui até a janela da sala e vi quando foi embora. Não sei exatamente porque reagi dessa maneira, mas aquela foi a primeira noite que eu sonhei com você.
Os dias que se seguiram foram mais estranhos ainda. Havia dias que você não aparecia e, quando aparecia, eu ficava estranha. Como se algo em você me inquietasse mais do que o normal. E, agora que algo mudou, passei a observar você. O modo como você fica sério quando está concentrado em seus pensamentos. A cor dos seus olhos, o modo como seu cabelo cai pra um lado. Isso – e todos os outros detalhes que foram surgindo, dia após dia – me irritam mais do que tudo que você já fez. Porque tudo isso me fez pensar cada vez mais em você. E parece que você percebeu que há algo de errado. Você não me irrita mais, não me dá apelidos estranhos. Você passou a me evitar constantemente. E, quando não tem pra onde correr, sempre arranja uma forma de me machucar. Com sua indiferença, com seus braços ao redor de outras garotas.
E, novamente, ali estava eu, me sentindo uma completa idiota. Por um segundo, eu acreditei que você pudesse ser uma pessoa boa, uma pessoa por quem se valeria à pena rever os conceitos. Mas eu me enganei.
Passei então a evitar você, também. Evitar você e o seu maldito perfume que ficara gravado em minha memória. Eu bloqueava qualquer lembrança que pudesse surgir daquele único momento em que estive próxima de você. Eu acreditava que conseguiria evitar que sentimentos nascessem por você, sem saber que eles já começaram a criar vida dentro de mim. Dentro de nós dois.
Continuamos nesse jogo estúpido, dia após dia. Você finge não me ver e eu finjo não me importar com as coisas que você faz. É irracional, não é? As coisas mudarem só porque você me deu uma carona... Antes disso, éramos apenas duas pessoas que não se suportavam. Por que as coisas tiveram que mudar, agora?
Então, eis que um dia, eu não consigo mais suportar a pressão que todos os pensamentos fazem dentro de mim. Decido que é hora de tirar você de vez de minha cabeça e resolvo dar uma chance para aquele que me deixou esperando no dia baile, o mesmo que consequentemente me obrigou a aceitar sua carona. Os primeiros dias não são fáceis, mas aos poucos eu vou me acostumando. Ele continua sendo um idiota, mas é um idiota que não me deixa pensar em você. Não com a mesma freqüência.
Mas, como era de se esperar, as coisas não são como deveriam. Numa noite comum, você aparece na minha porta. Assim, como quem não quer nada, você resolve aparecer e trazer de volta todos os sentimentos que eu tinha colocado debaixo do travesseiro.
Eu não sei se dou risada, se choro, se acerto um soco no meio do seu nariz por ter me evitado por tanto tempo e por ter transformado uma coisa simples em algo completamente surreal. Na dúvida, eu simplesmente decido fechar a porta na sua cara.
Ou quase isso.
Talvez prevendo o que eu faria ou talvez eu não tenha usado toda a força necessária, você consegue bloquear minha ação e, sem dizer uma palavra sequer, me puxa para os seus braços.
Desarmando-me de todas as acusações e interrogações, você leva seus lábios até os meus, surrando um simples e rouco “eu não posso ficar um dia a mais sem você”.
E mesmo sendo completamente sem sentido, eu entendo. Não posso dizer com certeza quando foi que você se apaixonou por mim, mas sei que o dia do baile foi um passo fundamental para que nossa história começasse. Mas, assim como eu, a aproximação trouxe consigo significados muito maiores do que podíamos compreender, e fugir foi um meio que você encontrou de não entender o que estava acontecendo. Mas quando percebeu que eu não estaria sempre disponível pra você, o medo de perder falou mais alto do que o medo de arriscar.
Foi nesse momento que eu descobri que a vida não segue plano algum, alem do seu próprio.
Não sei o que ela nos reserva pro futuro, mas também não quero descobrir. Não de imediato. No momento, meu único plano é beijar você. Sentir você. Amar você.
E isso é o bastante.

FIM

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