Eu tinha decidido. Por mais que eu gostasse da dor, eu já estava no meu limite. Por mais masoquista que eu fosse, era demais. Eu não tinha um motivo para viver. Perdi todo mundo: meus pais, meu irmão; o restante da minha família não merecia minha atenção, um bando de hipócritas que só te procuram quando querem algo. Não, eles nem saberiam do que aconteceria comigo. Não precisavam saber e muito menos se importariam. Nunca tive um namorado, a única fonte de amor que tive na vida foram meus pais. Não havia por que continuar viva. Simplesmente não afetaria a vida de ninguém, nem de meus vizinhos. O máximo que poderia acontecer seria fingirem que estava de luto, mas não haveria motivos, afinal, eu não mantinha contato com ninguém. No colégio, eu era a deslocada, a autista, a garota de 17 anos que sempre fazia os trabalhos sozinha, mesmo quando eram em grupo. Eu estava sozinha no mundo. E, sozinha, sairia dele.
Eu já tinha tudo na minha mente. Seria fácil e talvez indolor, apesar de eu preferir sofrer um pouco. A dor era boa, muitos não acreditam, achariam que eu era louca. Mas essa era a verdade. Ela era melhor do que não sentir nada, mil vezes melhor. Ao sentir dor, pelo menos você mostrava que ainda estava vivo, não era uma casca vazia. Porém, para mim, já bastava. Enquanto havia alguém para me impedir, eu apenas sofria sozinha. Agora, sem ninguém, não havia motivos para não fazê-lo.
Caminhei em direção à ponte, onde, por sorte, eu presumo, estava completamente vazia. Abaixo dela, uma pista com mais de quatro faixas para os automóveis. A ponte existia pois naquela pista não havia faixa de pedestres. Era um monte de carros passando em alta velocidade, e, se você tentasse atravessar por baixo, provavelmente morreria. Mas existe um motivo para eu não usar desse artifício. Se por algum motivo o carro me visse e parasse, então meu plano iria por água a baixo. Não, eu não seria tão estúpida. O modo como eu faria era bem mais prático e melhor. Eu me jogaria dali de cima quando um caminhão passasse. Ele nem me veria, seria rápido, meu feito estaria concluído.
Andei até a parte da ponte que ficava bem em cima da faixa para caminhões. A pista, ao contrário da ponte, estava com tráfego intenso. Aproximei da grade de onde eu pularia, me preparando para o momento. Não havia muito que pensar, eu tinha certeza do que estava fazendo, por isso não perderia tempo me prolongando.
Subi na grade, me sentei sobre ela e olhei para a pista. Por algum motivo, naquele momento, os caminhões pararam de passar. Só me restou esperar. Parecia que alguém lá em cima não queria que eu fizesse aquilo. Era ridículo que, prestes a me matar, meus pensamentos foram parar em Deus. Se eu acreditava? Eu tinha minhas dúvidas, mas sabia que se ele existisse, não ficaria nada contente com o que eu estava prestes a fazer. E eu não me surpreendi em não sentir absolutamente nada quanto a isso.
Eu já estava ficando irritada de não vir nenhum caminhão. Eu tinha certeza daquilo, se Deus existisse mesmo, e o tal livre arbítrio também, ele podia parar de tentar me impedir. Não ia adiantar. Nada me impediria.
Ao longe, eu vi um caminhão vindo em alta velocidade. Havia chegado a hora que tanto havia esperado. Calculei mentalmente o tempo certo para pular e sorri quando vi que se aproximava. Respirei fundo uma última vez, me sentindo plena antes de pular para meu fim.
Mas a sensação que eu achei que fosse ter não aconteceu. Eu não sentia meu corpo caindo, eu não estava enxergando a famosa Luz. Nada daquilo veio. Meu sentimento de plenitude se foi, tão rápido eu percebi que alguém me segurava. Olhei para cima, para saber quem foi o estúpido que adiou meus planos.
– Sua maluca! O que estava pensando? – o ser estava me segurando pelo pulso, e eu, na situação que estávamos, não consegui ver seu rosto direito.
– Estava pensando em fazer exatamente o que você está me impedindo de fazer. – respondi, tentando, inutilmente, conter a raiva que senti daquele infeliz.
– Sua louca! Não devia fazer isso!
– Você não é ninguém para me dizer o que eu devo ou não fazer! – eu não acreditava que estava discutindo com aquele idiota.
– Largue de bobagem! Sua vida não pode estar uma merda tão grande para você fazer esse absurdo!
– Você não sabe de nada sobre mim, cara! Me larga e me deixa morrer!
– NUNCA! – o jeito que ele falou, definitivamente, não era de alguém que estava impedindo um desconhecido de se matar.
Tentei me ajeitar para enxergar melhor seu rosto e, apesar da posição que estávamos, consegui vê-lo melhor. O rapaz era e tinha cabelos , que, no momento, caíam sobre seu rosto; não consegui ver seus olhos, mas podia dizer que seu rosto era bonito. Percebi, por fim, que não o conhecia.
– Olha só, cara, você está me atrapalhando. Eu não te conheço, você não tem necessidade nenhuma de estar aqui. Se você, por um acaso, for algum religioso que acha que eu vou para o inferno por isso ou algo do gênero, eu prefiro que você me solte antes que eu queira quebrar seu braço por ficar falando ladainha.
– Você pode não me conhecer, mas eu te conheço. E, em hipótese alguma, vou te soltar. Então, seja boazinha e colabore subindo...
– Conhece é? Posso saber da onde?
– Sou do seu colégio.
– Ah, ótimo! – resmunguei – Nunca ninguém prestou atenção em mim, e agora, justamente quando eu estou prestes a deixar de existir, você resolve me notar? Não, obrigada. Não quero sua ajuda, nem sua amizade, nem o caralho a quatro. Agora me larga.
– Você nunca percebeu, mas eu sempre te notei. – ele falou baixo, de modo que eu quase não o escutei.
Aquilo, de alguma forma, me fez sentir estranha. O que era aquilo? Eu não era invisível, afinal?
– Olha, cara... – falei, tentando ser o mais compassível possível na minha situação. - Valeu mesmo, mas essa não é a hora de você querer ser meu amigo, ok? Você teve tempo o suficiente para isso, não tentou antes porque não quis, agora é tarde.
– Mentira! Eu sempre quis, sempre vi você isolada, com uma mistura de dor, tristeza e solidão no rosto. Muitas vezes eu quase fui falar com você, mas sempre algo atrapalhava.
Fiquei sem fala por um momento. Eu não podia acreditar que aquilo estava acontecendo... Eu achava que minha existência não influenciava ninguém, e agora ele simplesmente me mandava uma dessas...
– Olha, cara... – olhei para ele, da forma que dava, mentalmente perguntando o nome dele.
– . .
– Olha, , bacana saber que eu não era totalmente invisível, mas isso não vai me fazer mudar de ideia... Seja bonzinho, e, como um ato do amigo que você gostaria de ter sido, deixe que eu faça o que eu quero, sim?
– Um amigo não deixaria você fazer isso. E o que eu quero... – ele se interrompeu por um momento – E eu muito menos!
Bufei de frustração.
– Cara, não vai adiantar... Eu estou decidida. Você só está adiando... Vamos ficar aqui até seu braço ficar sem força, e você acabar me soltando... Eu não me importo de sentir meu braço doer mesmo... Agora você, eu acho que sim. Então... você decide: ou me deixa morrer agora, ou ficamos enrolando aqui até você acabar me soltando, mesmo que involuntariamente.
– Dane-se meu braço! Sua vida é mais importante! – falou firme e minhas estruturas se abalaram... Por fim, suspirei.
– Você... tem certeza de que quer ser meu amigo? Desculpe, mas eu não sou legal nem nada... Não tenho amigos, nem namorado, e você acha que é por quê? – soltei um risinho debochado.
– Eu posso ser, é só você deixar... – ele soltou e eu olhei para ele confusa. A que ele se referiu exatamente? Ele mordeu o lábio. – Olhe, se a sua razão de estar fazendo isso é porque acha que é invisível, que ninguém se importa com você e ... – fez uma pausa – Que não é amada... Pode ir subindo agora, porque está enganada!
Um click foi feito na minha mente, mas eu não queria encarar o pensamento que ele me trouxe... Não era possível. Não havia razão.
– Se eu dissesse... – começou – Que, no fundo... – ele pausou e achei que ele não fosse terminar, mas, por fim, seu olhar se tornou determinado e sua voz, mais forte – Eu não quero ser só seu amigo, você subiria? – nossos olhares se encontraram, sua mão apertou ainda mais firme meu pulso e sua voz ficou tímida. – Sobe, por mim?
Eu fechei os olhos, sendo atingida por suas palavras... Ali estava a minha chance, eu estava tendo a oportunidade de sentir tudo aquilo que eu achei que não existisse. Seria eu capaz de voltar atrás e me agarrar a essa chance?
Minha cabeça estava uma zona, eu não sabia o que fazer. Aquele cara estava me mostrando que o motivo pelo qual eu quis acabar com tudo não era válido. Apertei meus olhos com força antes de olhar para baixo. Os carros ainda passavam velozmente, sem nem se darem conta do que se passava. E, mais uma vez naquele dia, os caminhões pararam de vir. Seria aquilo um sinal? Respirei fundo e tomei minha decisão.
Olhei para novamente, cujos olhos estavam desesperados e angustiados. Fechei novamente meus olhos antes de suspirar, para então abri-los decididos para ele e assentir.
Antes de eu usar meu braço livre para me agarrar ao braço dele, pude ver seus olhos aliviados. Ele me ajudou, naquela tarefa árdua, até que, por fim, eu alcancei a grade e então, novamente com a ajuda dele, passei para a parte de dentro.
Meus pés mal tocaram o chão e um abraço forte me foi imposto. Pude ver ali o desespero que ele sentiu durante todo esse tempo, e a alegria e o alívio de me ter ali em seus braços. O abraço demorou, e, quando ele me soltou, disse:
– Você não vai se arrepender, eu prometo!
Então, me beijou, de forma que eu me senti nas nuvens. Ele beijava muito bem, e, apesar de eu só ter beijado uma única vez, o nosso beijo foi perfeito. Nosso encaixe me fez ver o porquê de tudo isso.
Era para acontecer, tinha que ter sido assim. A parada dos caminhões, justamente ele me salvar... Meu anjo, meu protetor.
Como dizia uma frase que vi por aí: “Deus escreve certo por linhas tortas, porque se fossem retas, nossos caminhos nunca se cruzariam.”.
Se eu acreditava em destino? Se eu acreditava em Deus depois de tudo isso? Minha resposta era sim para ambas.
Meu nome é . Nesse dia, a vida me deu um motivo para continuar nela. E você, já encontrou o seu?
FIM
Nota da autora (24/06/2012): Primeiramente, eu quero dizer que não precisam se preocupar que eu não quero me suicidar hahahahahahahahaa. Essa fanfic surgiu, simplesmente, do nada. Eu estava na madrugada de ontem pra hoje, ouvindo Pain doThree Days Grace, e um surto de inspiração surgiu e eu comecei a escrever ao som da música repetidamente... Isso em plena cinco horas da manhã hahahahaha. Fui terminá-la sete e meia da manhã. Eu fiquei impressionada como ela fluiu tão bem, e por fim achei que ficou boa. Mas, quem me dirá isso serão vocês! E ai? Suas opiniões, sinceras é claro :)
UPDATE: Se você leu a fic, e se identificou com a personagem e também pensa em fazer o mesmo, esse recado é pra você: Minha querida, tenha calma. Você veio a Terra por um motivo, e tenho certeza que não era somente para sofrer. Se você ainda não encontrou o seu motivo para continuar viva, acredite: Ele virá! Pode demorar, mas ele virá. Então, espere e não faça besteiras. Um dia, o seu anjo virá a seu alcance. Seja paciente ^^.
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