SIBERIA
Fic by: Nathieli Cervo | Beta: Didi



“When you come back I won’t be here” // She said and gently pulled me near // If you wanna talk you can call // I know it’s not your fault

Dentro daquele costumeiro quarto, nós brigávamos. Não era a primeira vez, mas eu não aguentava mais toda aquela pressão psicológica. Ela não tem o direito de cobrar sentimentos de mim. A amo, mas infelizmente sou do tipo frio, o que dificulta com que eu consiga demonstrar importância e afetividade. Chegou a hora de tomar uma atitude. Daríamos um tempo e talvez tudo se resolvesse. Um passo a porta e ouvi sua voz deplorável e fraca.
- Quando você voltar, eu não estarei aqui - ela disse chorosa e com certo ódio, mantendo os olhos apertados. Pensei em desistir no exato momento em que ela gentilmente me puxou para perto, encarando-me com ternura. Eu não sabia de mais nada.
O fato é que eu estava farto daquela sentença, não tinha mais certeza de nada. Nem ao menos sabia se a amava. Por dois anos acreditei que sim, porém acabei caindo na rotina. Acordar, fazer café-da-manhã para Cherry, mimá-la no sofá da sala, preparar o almoço, passar à tarde com ela num parque. Depois ir à conhecida sorveteria, satisfazer suas vontades, voltar pra casa, aturar as mesmices de “Sorvete engorda. Não deveria ter comido tanto”, preparar a salada para o jantar e finalmente eu me sentia libertado ao cair no sono.
- Precisamos conversar - ela disse se recompondo. - Quero saber o que fiz de errado nessa relação. Sou muito feia pra você, é isso? - perguntou fazendo drama e apertando meu braço com força.
Bufei e rolei os olhos. Aquela mulher conseguia me irritar com seus ataques de futilidade. Para mim, beleza era o de menos. Ela não era a mulher mais linda do planeta, mas a meiga Cherry que eu achava ter me apaixonado não existia mais. Ela me fitou, como se implorasse por uma reação. Ela não sabia, mas eu a trocava por profissionalismo. Queria ser promovido no emprego e definitivamente estar com ela não ajudaria. Egoísmo? Não, amor próprio.
Aí eu pensei se estava fazendo a coisa certa para depois não me arrepender. Não sou do tipo que deixa orgulho de lado e de repente volta atrás de decisões. Respirei fundo, já sabia que o que estava disposto a fazer. Olhei brevemente para garota a minha frente e não soube dizer se toda aquela cena era falsidade ou amor.
- Se você quiser conversar, pode ligar - ela disse e por um momento pensei que ela estava conformada. A vi secando as lágrimas com a mão livre - a outra ainda prendia meu braço. -, mas não ouse me procurar - terminou com um ar superior.
E isso só fez com que eu refletisse: não era culpa dela.
- Eu sei que não é sua culpa - admiti. Cherry levantou a cabeça e seu olhar demonstrava surpresa. Mordeu os lábios e eu vi a tentação se aproximando.

I just smiled and said “let go of me” // But there’s something that I’ve just gotta know // Did someone else steal my part? // She said it’s not my fault

Eu não voltaria atrás. Então, apenas sorri e disse:
- Solte-me - olhei diretamente para meu braço, onde suas unhas pintadas de vermelho me apertavam.
Ela me soltou e tornou a baixar a cabeça. E depois riu. Escandalosamente.
- Vai - ela disse ainda rindo. - Não preciso mais de você e nem você precisa mais de mim, certo?
- Certo... - gaguejei. Estranhei sua atitude, confesso que fiquei impressionado. - Acho que foi o suficiente - falei aleatoriamente e ela me soltou. Rainha do drama.
- Mas tem uma coisa que quero saber - ela falou, parando de rir aos poucos. Posicionou suas mãos nos bolsos traseiros da calça jeans cinza e aproximou-se lentamente. Dois passos, para ser mais preciso. - Alguém roubou o meu lugar? - franziu o cenho, preocupada. Fiz menção de responder, mas ela apenas disse, repetindo minhas palavras: - Eu sei que não é sua culpa.
Dei de ombros e puxei a alça da mala de rodinhas, arrastando-a pelo hall de entrada do prédio. Não ousei olhar para trás, sabendo que Cherry sorriria vitoriosa caso eu o fizesse. Sorri triste para zelador do prédio e o mesmo me devolveu um olhar piedoso. Ignorei. Não queria que sentissem pena de mim, já não bastava eu estar deixando parte de minha vida para trás?
Caminhava pelas ruas, pensando para onde iria. De maneira alguma para casa de meus pais. Voltar a morar com eles seria no mínimo ridículo para um homem como eu. Precisava arrumar uma casa urgentemente. Enquanto isso ficaria num hotel. O enorme outdoor posto na esquina indicava que o hotel mais próximo estava a menos de 500 metros. Ótimo, teria que caminhar meio quilômetro, já que nem carro tenho.
E como se não bastasse, quando estava quase chegando ao meu destino, uma chuva fina e gelada começou a cair. De início era fraca, mas logo depois de uma trovoada intensificou-se. Corri o máximo que pude e em menos de cinco minutos estava na frente do hotel, cujo nome nem prestei atenção. Vi-me no final de uma fila para conseguir um quarto. O que mais poderia acontecer?
Gritos ao longe foram ouvidos. A voz fina de uma moça se sobressaía ao do rapaz que tentava inutilmente explicar algo para ela, que o ignorava e não media suas palavras. O xingava sem nenhum pudor. Sorri ao concluir que não seria somente eu na fossa. Não que eu estivesse, é modo de falar.
- Morra, seu desgraçado - ela gritou enquanto gesticulava rapidamente. - Quero que você vá para o quinto dos infernos. Você e aquela cadela!
Todos assistiam pasmos àquela cena, mas retomaram seus lugares ao notarem que a moça nos encarava indignada.
- E vocês? - ela gritou. - O que estão olhando, seus palermas? Nunca ouviram falar de subterfúgio? - começou a chorar, mas não deixara de gritar. - Cuidem de suas vidas - disse baixinho, escorando na parede e deslizando até o chão. Levou as mãos à cabeça e escondeu-se entre os joelhos. Ainda podia ouvir seus soluços.
A fila começou a andar e eu rezava que quando fosse minha vez existisse um quarto disponível. De canto de olho, pude ver um guarda aproximar-se da garota. Ele parecia ser estupidamente grosso com ela e ela apenas alegava não ter onde ficar. Estavam mesmo a expulsando do hotel? Coitada... Sabia exatamente o que ela estava passando. Ninguém gosta de ser corno. Pensei em ajudá-la, mas como abrigaria e ficaria sozinho com uma desconhecida num quarto de hotel? Era loucura demais. Desisti desse devaneio no momento em que a moça chamou-me atenção, perguntando o que eu desejava.
Não era óbvio? Eu estava num hotel e na mente dela, de certo, eu pediria uma pizza.

Then my heart did time in Siberia // Was waiting for the lie to come true // ‘Cause it’s all so dark and mysterious // When the one you want doesn’t want you too

- Um quarto - pedi. Ela começou a digitar alguma coisa no computador.
- Só temos quartos com cama de casal - disse sem tirar os olhos do monitor.
- Tudo bem - dei de ombros e suspirei. - Área de fumantes, por favor - falei e ela olhou-me instantaneamente atordoada, mas logo voltou a concluir o cadastro.
- Desculpe a intromissão - ela disse vagamente -, mas não entendo como um moço tão bonito pode fumar sabendo que isso acaba com a vida - virou-se de costas e entregou-me um cartão do que seria o quarto 304.
Tomei-a de suas mãos bruscamente e ela entreabriu a boca confusa. Odeio quando sou julgado.
- No final, eu morro de câncer, não você - disse seco. Foda-se a educação nesses momentos.
Andei com passos largos em direção ao elevador, dando uma última checada na garota que relutava contra o guarda para não ser expulsa do hotel. Coitada, estava numa situação pior que a minha. Sei que uma caridade não faria mal a ninguém, mas agora o egoísmo prevalece comigo. Ela parou por um momento e por cima do ombro do segurança fez com que nossos olhares se encontrassem. Ela sorriu pra mim e eu devolvi, sorrindo verdadeiramente pela primeira vez no dia. Dei um passo à frente e senti um cutucão.
- Vai entrar ou não, imbecil? - um garotinho aparentando seis anos perguntou. Mal criado. Desviei o olhar dela e fuzilei o menino. Ele saiu correndo, com medo obviamente, e eu entrei no elevador, apertando o botão que levava ao terceiro andar.
Uma música muito emo começou a tocar, deixando um peso na minha consciência. E eu previ que se continuasse refletindo, o arrependimento tomaria conta de mim. Não me lembro direito, mas a letra dizia algo sobre término de namoro. Nada mais perfeito. Uma trilha sonora pro meu dia insuportavelmente decadente. “Não, sai! Sai da minha cabeça, maldição!” Eu pensava e minha respiração já estava descontrolada. Não conseguia mais evitar, fato. Toquei com o dedo abaixo do olho esquerdo e eu as senti. Lágrimas. Elas escorriam, eu não conseguia controlar. Totalmente inevitável.
Aí eu senti como se meu coração tivesse cumprido pena num lugar gélido, frio. O ar ficou pesado e eu me senti tonto. Não conseguia respirar direito, o que tornava o lugar como uma geleira na Sibéria. É, o clima propiciava essa sensação. Peguei-me pensando que tudo seria melhor se fosse mentira, que eu estivesse sonhando. Esperava acordar desse pesadelo e as mentiras se tornariam verdade. Acima de tudo, confesso que todo aquele amor por Cherry não tinha desaparecido, apenas estava um pouco apagado.
Ouvi um barulho e a porta do elevador abriu-se revelando um enorme corredor com cinco portas brancas e um sinalizador informando que eu estava na ala fumante. Subitamente inalei o odor de nicotina. Eu precisava fumar. Tirei a carteira do bolso e coloquei um cigarro na boca. Guardei a carteira, tirando agora do bolso um isqueiro. Acendi e o guardei também. Dei uma tragada, me sentindo mais leve e de repente algo me dizia que tudo ficaria bem, que era apenas uma fase ruim.
Com uma mão segurava o cigarro e com a outra manejei o cartão o inseri na abertura da porta, destrancando-a. Entrei, fechando-a em seguida e analisei o quarto, encantado. Uma cama king box, frigobar, ar-condicionado, televisão LCD, DVD, closet. No banheiro havia uma banheira e a mesma era fechada por uma espécie de box, tendo acima um chuveiro. Dentro da banheira, o aparelho de hidromassagem. Sorri, me imaginando ali dentro, relaxando e fumando. Cena de filme.
Traguei mais uma vez, depositando as cinzas na pia. Abri a torneira fazendo-as desaparecerem junto com a água. Soltei a fumaça, deixando a sensação de prazer me invadir mais uma vez. O calor estava me incomodando e lá fora ainda chovia. Peguei o controle na cabeceira da cama e liguei o ar-condicionado, ajustando para 20ºC. Olhei através da porta de vidro, um pouco afastada do quarto, podendo ver uma pequena varanda coberta. Lá havia sofás e uma mesa de centro. Abri a tal porta para que o ar circulasse e respirei fundo, sentindo o cheiro de chuva e terra molhada. Nada melhor. Deitei num dos sofás e terminei com aquele cigarro. O apaguei no cinzeiro posto sobre a mesa.
Situação perfeita para um dia romântico - não passara das onze da manhã ainda - com alguém que se ama. E não sozinho e solteiro, que era meu estado civil agora.
- Cara, como sou idiota - disse debochado, rindo de mim mesmo. É, eu sou. - E gay - ri mais alto ainda.
Decidi tomar banho senão ficaria gripado - eu ficara ensopado por causa da chuva, mas estava quase seco. Levantei e peguei a mala que tinha deixado ao lado da cama. Joguei-a em cima da cama e deixei-a aberta. Mais tarde a desfaria e arrumaria todas as roupas no closet. Desliguei o ar-condicionado, pois a temperatura do quarto já estava amena e lembrei que ganharia dinheiro se deixasse a porta de vidro escancarada. De fora, vinha uma brisa refrescante. Liguei o chuveiro e a televisão, situando num canal de músicas. Aumentei o volume e, dançando, voltei ao banheiro. Liguei a hidromassagem e desliguei o chuveiro. Deixei a porta aberta para que eu pudesse ouvir as músicas. Me despi e entrei na banheira, fechando a portinha de vidro escura. Uma música conhecida começou a tocar e eu identifiquei. Era ‘Never miss a beat’ do Kaiser Chiefs.
Comecei a cantar, falhando uns pedaços, mas aos poucos fui decorando a letra. Dez minutos se passaram e eu fiquei com preguiça de largar todo aquele conforto. Poderia dormir ali, passar horas. E eu estava me divertindo, sem precisar de ninguém. Concluí que seria feliz sem Cherry. Porque tudo isso é muito escuro e misterioso quando quem você quer, não quer você? Hum, não sei. A única coisa que sei é que vou superar e dar a volta por cima.

I was drifted in between // Like I was on the outside looking in // In my dreams you are still here // Like you’ve always been

Enrolei a toalha em volta da cintura e sacudi a cabeça quase inundando o banheiro. Ri sozinho abobalhado. Fechei a porta do banheiro e diminuí o volume da televisão, que dessa vez passava um clipe da Beyoncé. Não dei importância e, só agora notando, encarei o espelho grudado na parede.
- Isso aí, garanhão - falei, analisando meus músculos. - Ir à luta - pisquei para o meu reflexo. - Mulheres de Santa Monica, me aguardem! - disse abrindo um sorriso malicioso.
Revirei a mala até encontrar uma roupa decente. Olhei no relógio: onze e meia. Demorei no banho feito donzela. Achei a roupa perfeita. (n.a: roupa) vesti-a e depois penteei o cabelo. Escovei os dentes e passei um pouco de gel no cabelo para deixá-lo bagunçado. Borrifei perfume da Yardley importado de Londres. Como sou uma pessoa com a auto-estima elevada, novamente voltei a mirar o espelho. Pensei estar tudo certo, mas alguma coisa faltava. Ah, claro. O relógio. Na mala não estava, em nenhum dos bolsos. Estranho... Achei que o tivesse colocado no pulso antes de sair da casa de Cherry. Ótimo, era tudo o que eu precisava. Recapitulei minha manhã e realmente, deixei o relógio na casa da ex. Bufei e rolei os olhos. Mais tarde passaria na casa dela para pegar meu pertence.
Minha barriga roncou e eu peguei o cartão que dava acesso ao quarto. Enfiei o celular no bolso de qualquer jeito, larguei o maço de cigarros em cima da cama e saí, batendo a porta. Fui assoviando algo feliz enquanto descia as escadas - não estava com saco para esperar o elevador chegar do oitavo andar. Rapidamente cheguei ao hall de entrada, entreguei a “chave” do quarto para a mesma moça intrometida que vira mais cedo. Ela evitou olhar-me diretamente. Não avisei o horário em que voltaria, não tinha noção do tempo que ficaria zanzando pelas ruas. E para minha sorte, a chuva tinha parado, mas por pouquíssimo intervalo.
Caminhava e observava as pessoas. Crianças correndo, adolescentes se pegando, velhinhos alimentando os pássaros com pipoca, mulheres praticando jogging, carros poluindo o ar, motoqueiros e seus barulhos ensurdecedores, gays desfilando, rebolando, saltitando e rodando suas bolsinhas, enfim... Olhando todas essa população, sorri contente, pois não me encaixava nesses grupos. O grupo a quem pertenço deve estar trancado dentro de casa fazendo o quem sabem melhor: contabilizando e administrando uma empresa. Talvez seja nesse grupo que me encaixo. Enquanto não descubro, vamos ao Burger King.

- E aí, cara? - Chad aproximou-se. Ele usava um avental que o indicava como atendente do Burger King.
- Fala, Chad - o cumprimentei com um aceno de cabeça.
- O que vai ser hoje? - ele perguntou com a caneta pronta em cima do papel.
- O de sempre - falei desanimado, dando de ombros.
- Número cinco e uma coca - ele anotou. - Certo?
- Certo - eu concordei desviando minha atenção para o lado de fora, onde voltava a garoar. Seu semblante tornou-se de interrogação ao ver o quão distraído eu estava. - É pra hoje eu vou ser obrigado a frequentar o McDonald’s? - larguei irônico, encarando-o.
Chad riu e desculpou-se, desaparecendo de minha vista na velocidade da luz. Entediado, esperei até que meu pedido chegasse para que simplesmente pudesse comer em paz e deixasse de lado as atormentações. Mas, eu ganhei mais do que um simples pedido do Burger King. Ganhei a insuperável e incomparável companhia de Chad. Ele tirou o avental, jogou por cima do balcão e gritou algumas coisas para uma colega e sentou-se - sem ser convidado, devo frisar - paralelo a mim. Não demonstrei nenhum tipo de reação e continue a deliciar-me com o hambúrguer, as batatas fritas e a coca. Nada mais saudável para almoçar do que comida industrializada! Chad franziu a testa na esperança que eu me manifestasse e foi o que eu fiz.
- Vai perder seu emprego - disse antes de colocar ketchup numa batata frita. Coloquei na boca e mastiguei, sentindo a língua arder por causa da temperatura.
- Não me importo - ele riu. - De qualquer forma, sou o que mais se esforça aqui - deu de ombros. - E caso você tenha se esquecido, meu pai é o dono e ele não ousaria deixar o querido filho sem uma ocupação.
- Ah, é mesmo... - disse vagamente. Meus pensamentos estavam longe e eu não queria ter uma recaída.
- O que aconteceu cara? - ele perguntou parecendo sinceramente interessado. Como eu não tinha ninguém mais além dele para desabafar, fui logo falando.
- Terminei com a Cherry - disse sério me endireitando. Chad ficou confuso, mas logo processou a informação.
- Sério? - ele indagou e concordei.
- Não aguentava mais ser cobrado por um amor que nem ao menos ela sente - larguei. - Aposto que se roubassem meu cartão de crédito meus gastos seriam significantemente menores - disse desdenhando e Chad gargalhou.
- Já não era sem tempo. Aquela garota é superficial - disse com obviedade.
- Fazer o quê? Não havia alguém melhor, havia? No fim, ela foi apenas meu passatempo... - disse a fim de me convencer de que ela não servia para mim. E que se o destino nos separou é porque ela não é a metade que me completa.
Alguns segundos de silêncio constrangedor.
- Eu estava confuso com muitas coisas - disse bebendo um gole da coca, que por causa do gelo virara uma espécie de água suja. - Sentia muitas vezes estar por fora da situação, como se não tivesse mais controle.
- Como se estivesse lá fora observando tudo o que está acontecendo aqui dentro? - ele disse e parou para pensar. Olhei para ele confuso. - Esqueça, nem eu entendi.
Analisei sua frase por um tempo e conclui que era exatamente isso.
- Entendi - falei.
- O que? - ele perguntou.
- Sua frase, idiota - falei e ri.
- Aaaaah - ele sibilou. - Eu não - e arrumou sua franja imaginária.
- Assim - falei, começando a filosofar -, eu me sentia deslocado naquela relação. Estava presente de corpo apenas enquanto uma parte de mim assistia tudo de fora, tipo reprovando, sabe? - ele concordou numa pose de psicólogo - E isso foi se acumulando até o momento em que explodiu. Boom - terminei.
- Hum - ele falou. - Se importa de traduzir pro meu idioma? - ele fez uma careta, envergonhado.
Rolei os olhos.
- ‘Cabô, mané - simplifiquei rindo. Se soubesse que só precisava resumir em duas palavras, teria poupado todo aquele raciocínio.
Sua expressão suavizou-se, o que indicava que ele acabara de compreender.

- Soube que o Will tá na cidade? - ele disse de repente.
Demorei a identificar quem era Will, mas acabei me lembrando do garoto do cabelo lambido que era capitão do time de futebol na época escolar.
- E? - perguntei com desdém.
- Não tinha nada melhor pra comentar mesmo - disse rapidamente. - Ele parou naquele hotel que eu não lembro o nome.
- Ajuda muito - falei.
- Pois é... - ele coçou o queixo. - É aquele que fica a quase um quilômetro daqui. Tem um outdoor enorme a duas quadras.
- Sim, eu sei qual é - falei interrompendo-o. - Que sina! É o mesmo hotel em que eu estou.
- Boatos que ele trouxe a namorada - ele comentou. ‘Grande coisa’, foi o que eu pensei. - Ela era da nossa classe, não tenho certeza.
E depois eu não ouvi mais nada. Uma única pessoa veio a minha cabeça, mas não podia ser ela. Fiz um enorme esforço para identificar seus traços faciais, mas fracassei. Mal me lembrei de seu nome. Despertei dos pensamentos, pois meu celular vibrou anunciando que eu acabara de receber uma mensagem. Li e mordi o lábio inferior de nervosismo. Um simples torpedo mexera comigo. Então, voltei a prestar atenção ao que Chad dizia. Ele percebeu o desconforto. Confiava nele, então passei o celular por cima da mesa.
- “Em meus sonhos você ainda está aqui” - ele leu e engoliu seco. - “Como sempre esteve” - continuou. - Mas é muita cara-de-pau! - exclamou e devolveu-me o celular.
- Não ligo - disse desligando e guardando o objeto no bolso. - Cherry é passado.
- Um passado bem presente - ele riu e eu o encarei. - Desculpa, quis descontrair.
Sorri irônico e ele mudou de assunto rapidamente. Agradeci mentalmente do fundo do meu coração e resolvi me concentrar nas bobagens que ele proferia.

Oh and my heart did time in Siberia // Was waiting for the lie to come true // ‘Cause it’s all so dark and mysterious // When the one you want doesn’t want you too (want you)

- A gente se vê - dei um abraço rápido nele. - Valeu cara, por me aturar.
- Faço o que posso. Até mais - ele gritou quando eu estava fechando a porta do local.
Liguei o celular apenas para visualizar o horário. Como consegui aturar aquela mala por mais de três horas? Certo, ele é meu melhor amigo e não tenho direito de reclamar sobre. Parei por um instante, pensando no que faria a seguir para matar tempo. Lembrei de meu passatempo favorito assim que avistei uma banca de revistas. Sorri feito criança e bastava dar mais alguns passos para entrar na banca. Bisbilhotei alguns discos de vinil maravilhado, afinal, eram relíquias. Quem ainda fabricava esse tipo de coisa? Um estalo veio em minha mente e recordei que estava ali a procura de outra coisa. Procurei entre as revistas de palavras cruzadas, criptogramas, cruzadinhas e achei a solução para meu tédio. Estava ali, me chamando, parecia gritar “Me compra! Me compra!”.
Estiquei a mão para pegar a única revista de Sudoku disponível da banca. Na capa estava estampado que era do nível intermediário. Uma mão foi junto com a minha e agarramos juntos a revistinha. Uma garota. Ela riu e soltamos. Olhei atentamente para seu rosto e subitamente ele me pareceu familiar. Paranóia! Nunca havia visto tamanha beleza naquela cidade. Traços finos e perfeitamente desenhados. Por um segundo desejei que não estivesse numa situação pós-término de namoro.
- Acho que procuramos pela mesma coisa - ela disse e riu tímida. - Mas só tem uma - baixou a cabeça e colocou uma mecha do cabelo pra trás da orelha. Sexy, incrivelmente sexy.
- Como sou um bom cavalheiro, faço questão que fique com ela - eu disse sorrindo.
- Tudo bem, pode levar - deu de ombros. - Nem estava com muita vontade mesmo.
- Tenho uma proposta - ela levantou o olhar para o meu, parecendo interessada. Um bom começo. - Eu compro e nós podemos fazer juntos, que tal? - sugeri e ela pôs as mãos na cintura.
- De jeito nenhum! - exclamou e eu suspirei derrotado. Qual era a dela em me dar um fora em público? - Pago a metade.
Uma luz se acendeu.
- E quanto àquela questão de cavalheirismo? - perguntei enquanto nos dirigíamos ao caixa.
- Assim ou nada feito - ela disse com a voz mandona. E de cara gostei dela.
Pagamos e saímos dali. Ela me guiou até uma praça e, como todos os bancos estavam ocupados, tivemos que sentar debaixo de uma árvore. Conversávamos sobre assuntos aleatórios tipo clima, música, cinema, livros, política e até futebol. É, futebol. Agora eu digo: com essa eu casava.
- Aqui vai um 6 - disse apontando para o quadrado branco da revista. Ela desenhou o número com a caneta azul. - E ali, 2 - apontei pra outro. Ela fuzilou-me com o olhar.
- Sem graça - murmurou baixinho e soltou a mão no meu braço.
Gemi de dor.
- Quem manda não ter o raciocínio rápido? - rebati e ela suspirou.
- Eu... - disse pausadamente - não estou com cabeça pra isso. Digo, em matéria de lógica.
Retorci a boca. Algo estava errado e eu, obviamente, resolvi dar uma de bom moço.
- Quer contar? - perguntei carinhosamente, com cuidado.
- Pode ser - ela disse e posicionou-se com os joelhos encolhidos ao meu lado. - Briguei com meu namorado hoje.
Preferi não perguntar o motivo. Se ela quisesse continuaria falando.
- Descobri que ele estava me usando pra se esquecer de outra - ela riu nervosa -, sendo que me traía com ela, de vez em quando sempre. É como se o seu coração...
- Cumprisse pena na Sibéria - disse viajando.
- Eu ia dizer ‘fosse dilacerado’, mas isso que você disse também serve - ela disse enquanto guardava a revista de Sudoku na bolsa. - Então você espera que tudo seja mentira e essas mentiras tornam-se verdades - ela fungou e eu deduzi que estava chorando. - Porque é tão escuro e misterioso quando aquele que você quer...
- Não te quer de verdade - suspirei pesadamente. - Entendo - disse e bufei. Passei a mão nos cabelos.
- Hum? - ela falou indicando que estava praticamente boiando.
- Estamos na mesma - falei e rimos.
- Bem-vindo ao clube - ela disse e me abraçou de lado.
Ela contou-me sobre sua vida e eu fiz o mesmo. Conversamos por um determinado tempo.
- Que horas são? - perguntou olhando diretamente para mim. Finalmente percebi o quão envolvente era o brilho de seus olhos.
- Quatro horas e sete minutos - disse e ela agradeceu, voltando a fitar o ambiente em volta. - Quer fazer alguma coisa? - indaguei.
- Tipo o quê? - disse levantando-se.
- Temos várias opções - disse e comecei a enumerar: - Cinema, sorveteria, paintball, ou simplesmente podemos ficar aqui curtindo o canto dos pássaros...
- Paintball! - ela disse animada e eu concordei de imediato. Seria divertido.
Levantei e me posicionei ao seu lado. Não demoramos muito para chegar à arena de Paintball.

I gave myself away completely // But you just couldn’t see me //Though I was sleeping in your bed // ‘Cause someone else was on your mind // In your head

Pegamos as armas e nos posicionamos atrás dos fortes de defesa. Ajustei a arma e saí procurando-a. Apesar de ter a leve impressão de já tê-la visto em algum lugar, não consigo lembrar. Será que ela tinha a mesma impressão? Memória fraca é o caos. Fui atingido nas costas e quando virei para trás me deparei com ela rindo escandalosamente. Sorri maléfico.
- Melhor correr - sugeri.
Ela gritou e começou a correr. Segui pelo mesmo caminho, mas como sou homem e tenho certa vantagem sobre ela no quesito velocidade a alcancei facilmente. Fiz um barulho com a boca e ela ficou estática.
- Hasta la vista, baby - disse com a voz mais grossa do que o normal, no maior estilo James Bond.
Apertei o gatilho. Uma, duas, três vezes. O macacão dela que era preto se tornou um arco-íris. Ela estava multicolorida e se contorcia no chão de tanto rir. Aproximei-me e fui atingido no peito. Levantou ágil e a guerra estava declarada. No final, éramos mais tinta do que pele. A munição tinha acabado então sentei escorado num dos paredões.
- Nunca me diverti tanto - ela disse tirando os óculos de proteção e sentando ao meu lado.
- Nem eu - falei sincero. E era verdade. Sorri para ela, que devolveu meu gesto.
- Se não se importa, vou tirar essa gosma do cabelo - ela disse e fez uma careta de nojo ao passar a mão na cabeça.
- Vai lá - falei e apontei o chuveiro com a cabeça.
Observei-a de longe. Estava com os olhos fechados e a água que escorria levava embora pelo ralo a tinta colorida. Sorri involuntariamente e me imaginei junto dela. Além de amizade. Sim, valeria a pena investir. Sei que me dei por inteiro naquele relacionamento, mas Cherry parecia não poder me ver. Concluí que apesar de estar dormindo na cama dela, havia outra pessoa em sua mente, na sua cabeça. Meu lugar fora substituído muito antes de eu imaginar. Daria a volta por cima. E seria agora.
Ela esticou a mão para ajudar a me levantar e eu pensei em pregar aquela velha brincadeira de puxá-la, mas hesitei. Já estava com sua roupa normal - jeans e uma blusa de alças - e eu logo me livrei daquela vestimenta pesada. Fomos embora.
- Sabe - ela começou - Sinto como já conhecesse você - fitava o nada. O céu escurecia e o sol desaparecia.
- Engraçado - ela olhou-me de canto - porque eu tava pensando a mesma coisa há cinco minutos.
Andávamos em silêncio e a única coisa que não colaborava era o barulho estrondoso vindo do céu, o que indicava que em pouco tempo o clima chuvoso voltaria. Paramos numa esquina, a que eu deveria dobrar e seguir caminho para o hotel. Ela baixou a cabeça e começou a brincar com as unhas.
- Obrigada por me fazer companhia - agradeceu. - Pra que lado você vai?
Analisei a rua.
- Pra esquerda - respondi.
- Vou reto - complementou olhando naquela direção.
- A gente se vê? - perguntei receoso desviando olhar para ela que aparentava ter ficado surpresa.
- Claro - respondeu com um enorme sorriso. Beijou minha bochecha e preparou-se para atravessar a rua.
Pigarreei e ela voltou alguns passos.
- Hum - murmurei sem ao menos saber como pedir o que eu queria. Necessitava de coragem - Pode me dar o número de seu telefone? - soltei rápido arfando.
- Vamos fazer o seguinte - ela disse tirando um objeto preto da bolsa. Identifiquei como sendo seu Iphone. - Você me passa o seu número - esticou o braço e eu peguei o celular, anotei meu telefone e devolvi. - Sabe, por via das dúvidas. Tenho quase certeza que você não vai me ligar - falou guardando o celular.
- Quem disse que não vou? - perguntei levemente ofendido.
- A maioria dos homens não liga - disse como se fosse óbvio.
- Não faço parte da maioria - rebati.
- Eu espero... - sorriu fraco e deu às costas para mim. Acompanhei seu caminhar até que desaparecesse entre a multidão.
Suspirei e tomei outro rumo, contrário ao do hotel que me hospedava.

When I came back she wasn’t there // Just a note left on the stairs // If you wanna talk give me a call

Cumprimentei o porteiro do apartamento e resolve subir pelas escadas. No meio do caminho achei um papel meio amassado, mas endereçado a mim. Como ela tinha tanta certeza que eu voltaria? Ah, claro. O relógio. Enfiei o papel amarelado no bolso e aproveitei para pegar a chave que iria devolver. Subi o restante dos degraus com certa pressa e rapidamente cheguei ao topo. Contei até dez antes de abrir a porta e adentrei o apartamento. Continuava organizado e eu jurei sentir o cheiro de perfume masculino pairando no ar. E ela não estava lá. Soltei o ar preso, aliviado. Era pura sorte.
Abri a porta do quarto e não encontrei nada de anormal por lá. Larguei a chave ao lado do aparelho de som e avistei meu relógio. Tratei de colocá-lo no pulso e deixar o local. Parei na porta e pela última vez olhei em volta do local onde eu morara por dois anos. Arqueei uma sobrancelha, achando-me um completo masoquista, que gostava de sofrer. Bati a porta de madeira com toda a força e o estrondo ecoou pelo corredor vazio. Magicamente, uma felicidade me invadiu e, dessa vez, desci de elevador, cantarolando YMCA. Algumas pessoas ririam de mim, outras ficariam espantadas, mas eu não ligava.

Despi-me, a fim de tomar outro banho relaxante daqueles enquanto fumava. Sacudi a calça para me certificar de que não havia deixado dinheiro no bolso ou qualquer outra coisa de valor, mas o que eu vi cair me chamou a atenção. Eu ainda não lera aquele bilhete. Tomei-o em mãos e sentei na beirada da cama, o abrindo. Numa letra fina, rabiscada e deformada estava escrito:
“Se você quiser falar comigo, me ligue”

Heart did time in Siberia (oh yeah yeah) // Was waiting for the lie to come true // ‘Cause it’s all so dark and mysterious // When the one you want doesn’t want you too (When the one you want doesn’t want)

Bufei e taquei aquela inutilidade longe. O que ela queria no final das contas? Deixar-me com remorso? Se for isso, estava conseguindo. E toda aquela sensação esquisita voltou a me atormentar, não preciso nem dizer o que eu estava pensando. Toda aquela história de Sibéria, mentira tornar-se verdade, escuridão, mistério, amor não-correspondido, no final, serviu para alguma coisa. A imagem de Cherry sumiu de minha mente, dando lugar a ela. Na minha imaginação, ela sorria. Dizia solucionaríamos todos os problemas e os enfrentaríamos juntos. Então, não soube dizer se aquela que queria nesse exato momento não me queria também. Sacudi a cabeça, não concordando comigo mesmo. Não seria tão fácil quanto parecia.
Liguei a banheira e todo aquele processo novamente. Acendi um cigarro e continuei fumando até que a banheira enchesse por completo. Lá fora, a chuva cessara e o céu estava estrelado. Noite linda para sair e se divertir, mas acompanhado. E se ela não me ligasse? Como sou trouxa, deveria ter anotado seu número também. Soltei a fumaça pela boca, vendo-a se deteriorar no ar. Desliguei os mecanismos que enchiam a banheira e tratei de mergulhar meu corpo na água reconfortante. Dei mais uma tragada e apaguei o toco que sobrara do cigarro. Mirei o cesto de lixo, acertando-o em cheio dentro dele. Ri orgulhoso. É, sou bom de mira. Fiquei naquela enrolação por mais de vinte minutos e poderia ser mais, se não fosse pelo meu celular tocando.
Enrolei a toalha em volta da cintura, como de costume, e com a outra secava meu cabelo. Olhei no identificador de chamadas e a única coisa que dizia era: “Número confidencial”. Só o que me faltava! Abri o frigobar e encarei as variedades postas ali. Peguei um Red Bull e não me importei com o fato de que mais tarde não conseguiria dormir por causa dos efeitos daquele energético. Puxei a argola e tomei um gole. Aquilo tinha gosto de guaraná, mas continuava sendo uma bebida ótima. Larguei a latinha na cabeceira da cama, liguei a televisão e escancarei a porta de vidro da mini-varanda. Estava colocando o pijama - poderia ser uma boxer, mas eu ainda estaria vestido para dormir - e meu celular voltou a tocar. Depois de apertar o mudo no controle, corri para atendê-lo.
- Quem fala? - perguntei sem nem um pingo de educação.
- Basta duas horas longe de mim para se esquecer de que eu existo, então? - uma voz feminina fingiu estar ofendida e riu. Ela.
- Não tenho culpa se você não quis me dar seu telefone - me defendi. - E você, não cansa de mim fácil.
- Fazer o que? - disse. E ficaram uns dois segundos de silêncio. - Tá ocupado? - perguntou.
Pensei em dizer que estava me preparando para mofar vendo televisão com Red Bull até altas horas da madrugada, mas ocultei esse fato.
- Não - respondi monossilabicamente.
- Quer sair? Também não tenho nada pra fazer...
- Claro - concordei tentando não demonstrar minha empolgação.
- Perfeito - ela disse rapidamente. - Me encontra daqui uma hora na frente daquela banca, tudo bem?
- Certo, estarei lá - assenti sorrindo.
- Beijinhos, até mais - ela disse e desligou sem deixar que eu respondesse.
Empurrei o restante da bebida e ao ver as roupas espalhadas sobre a cama, refleti que já passara da hora de organizar o closet. No final, vesti algo mais social. (n.a: roupa)

My heart did time in Siberia (Siberia) // Was waiting for the lie to come true (I’m waiting, I’m waiting) // ‘Cause it’s all so dark and mysterious // When the one you want doesn’t want you too (want you too)

- Está atrasado - ela pôs a mão na cintura e me encarou. - Trinta segundos.
- Desculpe - dei de ombros e ela sorriu, aproximando-se de mim. Estava linda num vestido de cetim rosa claro e os cabelos levemente ondulados. No rosto, maquiagem delicada. - Vamos? - ofereci o braço e ela enganchou-se em mim. Partimos rua abaixo.
- Alguma sugestão? - perguntou afastando uma mecha do cabelo.
- Podemos dançar um pouco, para descontrair - sugeri.
- Exato - concordou. - Conheço o lugar perfeito.
- Qual? - perguntei curioso.
- Você verá - ela piscou para mim e me guiou pelas ruas de Santa Monica.
Chegamos ao local, que não estava lotado, mas ainda assim fervendo. Celltruz é o nome. Um nome diferente, mas chamativo. Criativo também. Ela me puxou pela mão e a batida de alguma música eletrônica penetrou meus ouvidos, fazendo com que eu tivesse vontade de dançar, mesmo não sabendo. Peitamos algumas pessoas até um lugar mais centralizado e ficamos perto do bar. Depois de várias músicas decidi pegar algo para beber.
- Já volto - falei perto de seu ouvido por causa da música alta. - Minha garganta tá seca. Quer que eu traga algo?
- Qualquer coisa! - disse no mesmo tom que eu. - Até água serve.
- Aguenta aí - falei e depois saí.

- Um drink ‘Sex on the beach’ e uma água sem gás - pedi ao bartender que fez uns bagulhos esquisitos e depois me entregou a bebida.
Bebi, sentindo a vodka queimar a garganta e ele colocou a garrafa d’água junto de dois canudinhos no balcão. Paguei e tentei procurar por ela, não a achando de imediato. “Droga, onde ela se meteu!”, eu me questionava. Ouvi berros e vaias.
- Briga! Briga! Briga! - as pessoas gritavam eufóricas, mas não me importei. Ela não tinha cara de barraqueira, tinha?
Então eu vi a cena de um casal brigando e tive um dejávu. Ela apontava o dedo para o cara e gritava esbaforida. Sim, era ela mesma. Então aquela garota é a mesma cuja expulsão do hotel eu presenciei. Escandalosa? Não! Escandaliciosa. Apertei os olhos para enxergar melhor e me aproximei para tirá-la daquela confusão. Atrás do cara, se escondia outra mulher. Aquele era seu suposto ex-namorado.
- Você tá bem? - perguntei segurando sua mão.
- Nunca estive melhor - ela não olhou para mim, uma vez que encarava o cafajeste que reconheci sendo como Will. É, ele mesmo. - E você piranha, não precisa se esconder, não precisa ter medo. Esse projeto mal-sucedido de ser humano é todo seu.
- Vadia - sibilei ao ver Cherry. - Tomara que você sofra e sinta todo aquele negócio da Sibéria - os dois fizeram cara de tédio.
- Que eu já mencionei - a garota ao meu lado disse. - Deixa esses dois, vamos embora querido? - falou segurando meu colarinho. Sorri malicioso e entrelacei nossas mãos, deixando duas passagens diretas para Sibéria nos encarando pasmos. Ah, você entendeu.

Siberia, Siberia (when the one you want doesn’t want you too)

- Acho que quando me casar vou querer passar a lua-de-mel na Sibéria - ela disse brincando.
Eu ri. Não, gargalhei.
- O que foi? - perguntou apertando minha mão.
- Então quer dizer que era você que berrava lá no hotel hoje - comentei.
- Força do hábito - disse sem se importar.
- Ah, a sua água - disse lhe entregando a garrafa e os dois canudos.
- Obrigada - agradeceu. - Vamos sentar ali? - aponto para um banco sem as guardas.
Ela sentou normal e eu de lado, com uma perna de cada lado do banco. Ergui a cabeça e comecei a contemplar as estrelas. Elas brilhavam ao redor da lua, que nos iluminava - e a deixava mais linda, se fosse possível. Ela largou a garrafa no chão e apoiou as mãos atrás de seu corpo. Inclinou-se e respirou pela boca pesadamente, soluçando de leve. Assustei-me e notei uma lágrima solitária deslizar em sua face. Antes que eu pudesse me manifestar, ela o fez.
- Não pensei que seria tão difícil superar essa situação de querer alguém que não me quer. Eu não vou conseguir - disse mordendo o lábio e seus olhos transbordaram. Lentamente, suas lágrimas eram secadas pelo vento.
- Ei, linda, escuta - disse acariciando delicadamente sua bochecha. - Olha pra mim - pedi manhoso e ela o fez, sorrindo fraco. - Esquece ele, esquece que vocês tiveram uma história juntos, mesmo que momentaneamente feliz - ela fez que sim com a cabeça. - E eu acho que tá na hora de se preocupar com quem quer você - disse sorrindo.
Ela fechou os olhos e eu, com certo medo, colei nossos lábios num selinho inocente. Fiquei sem reação. Que impulso foi esse? Ela entreabriu a boca e me passou confiança. Aprofundei o beijo e mão que estava em seu rosto foi parar na sua cintura. Ela, por sua vez, apoiou a mão em meu pescoço. Depois de um tempo, nos separamos. Ri sozinho e ela também. Como eu era idiota!
- A propósito - estiquei a mão rindo ainda, sem jeito -, . Prazer.
- - ela apertou minha mão sorrindo. - Prazer? Só mais tarde - disse maliciosa e forçando a mão, me puxou para mais um beijo.

E eu não imaginava o que o destino guardava para mim. Três anos depois estaria na Sibéria, passando a lua-de-mel. O que parecia mentira tornou-se verdade. Da escuridão veio a luz e eu desvendei os mistérios do amor, agora, com alguém que me queria. Porque amar não é olhar um para o outro e sim para a mesma direção.


Fim.


n.a: Primeira fic do McFLY que eu escrevo. Essa é Jones. Quero agradecer, primeiramente, ao meu ser lerdinho por existir. Sem ele, não existiria nem a banda. Segundo, a paciência e competência da beta Didi. E terceiro, mas não menos importante, a todas que lerem. Vocês fazem tudo isso valer à pena. Sobre a fic: achei ela diferente das outras que já escrevi. Quanto a música, é do BSB nemgosto. Notaram que a história não se passa em Londres? Pois é, meu sonho é conhecer Santa Monica. Vai que eu topo com Nick Carter por lá... pronto, falei demais x.x Enfim, obrigada de verdade. Beijones <3

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