Story Of Us
Escrita por: Marcella
Betada por: Vanessa


Prólogo

- Eu sei que o que eu to fazendo é errado, e eu quero parar! Mas eu não consigo... – falava com grande esforço, com os olhos vermelhos e o rosto molhado pelas lágrimas que se confundiam com o suor. – Me ajuda, por favor? – já era, tinha perdido, não conseguia vê-lo daquela forma. Por que diabos ele tinha esse poder sobre ela? – Por favor, ! Eu preciso de você!

Desistindo de se fazer de forte, passou a mão por aqueles lindos cabelos, agora embaraçados. Colocou um dedo em seus lábios para impedi-lo de falar novamente. Não precisava ouvir mais nada. Simplesmente não aguentava vê-lo daquela forma. Faria qualquer coisa para colocar de volta aquele lindo sorriso no rosto do garoto. Lentamente, aproximou-se dele e passou os braços por cima de seus ombros, aproximando os corpos, em um primeiro abraço. Um primeiro abraço há muito tempo esperado. Sentiu as mãos do garoto em sua cintura e se sentiu bem, de um jeito estranho, mas bom.

- Vai ficar tudo bem – sussurrou em seu ouvido – eu vou te ajudar.
- Promete? – ouviu o garoto perguntando, sentindo a respiração quente dele em seu pescoço – Promete que não vai desistir de mim dessa vez?
Riu de leve, sem humor nenhum.
- Prometo que vou te ajudar – respondeu – e não vou sair de perto de você. Só se você não me quiser. – deu um beijo na bochecha dele e se afastou. Pegou-o pela mão, do modo como sua mãe fazia com ela quando era pequena e o tirou dali, em silencio. Ninguém precisava saber o que havia acontecido. Não importa o que pensem nem o que dizem a respeito dele. O que importava era que ele estava ali, ao seu lado, segurando sua mão.

- Vai ficar tudo bem. Eu sei que vai. – disse baixinho, mais para si mesma do que para aquele garoto alto andando ao seu lado.

Capítulo 1

Nunca pensei que fosse dizer isso, mas: finalmente de volta aos longos dias na escola! Não aguentava mais aquele hospital, muito menos meus pais, que pareciam que iam morrer a cada vez que me viam. Uma coisa que eu não gosto: pessoas preocupadas comigo. Quer dizer, às vezes é bom, mas não em exagero, né?! E também porque eu não morri, morri? Não! E bom... O ajudou um pouco nessa parte, mas eu não morri! Ah, meu Deus, onde está a minha educação?! Prazer, meu nome é , tenho 17 anos e estou no último ano da escola. E pra você não ficar aí viajando na maionese (alô, mãe, estou usando suas expressões tensas!) eu vou resumir o que aconteceu: quase morri. É. E sim, foi ruim. Quer dizer, não é nada legal capotar com o meu carro lindo. Estava chovendo muito e era bem tarde, e assim, eu estava muito cansada. Mesmo. Bom, foi nessa parte que apareceu o e me levou pro hospital. Se não fosse ele, eu não sei o que teria acontecido. A rua estava vazia e, sinceramente, ainda não entendi o que ele estava fazendo lá. Acho que eu vou falar com ele quando o ver. Tenho que agradecer. Mas confesso que estou com um pouco de medo porque, bom, sempre que falam dele, não é elogiando-o.

O nome é . Estudo com ele desde a 8ª serie. Mas nunca tinha falado com ele. Nunca mesmo. Ele era do tipo de garoto isolado, que não queria a companhia de ninguém, e quando tinha companhia, era aquela turminha da pesada e aquelas garotas atiradas que estão na listinha de todo mundo, e, bom, eu era filha do diretor e tinha um monte de gente falsa ao meu redor. E pelo que falam dele, ele não deveria querer fazer alguma coisa além de beber, fumar e dormir, então nunca cheguei muito perto. Bom, estou começando a achar que as pessoas possam estar enganadas. Então aqui estou eu, no carro da , minha melhor amiga, junto com o , meu primo e namorado da , porque eles estão me levando pra escola e me paparicando tipo, um monte. E eu, claro, estou fingindo que estou escutando o que eles dizem, e assentindo com a cabeça, porque afinal, a pode ser pior do que minha mãe quando quer. Eles não estudam comigo, já terminaram a escola há dois anos, mas disseram que iam me trazer no meu 1º dia de volta à escola, já que meu carro estava acabado, coitado. Depois de muitas recomendações de como pegar um ônibus (como se eu não soubesse) pra voltar pra casa, eu consegui me livrar deles. É nessas horas que eu agradeço o fato de que minha mãe mora em outra cidade e meu pai sempre está ocupado com os assuntos da escola e só volta pra casa pra dormir. E como eu moro com ele, vou ter a casa só pra mim e ninguém pra me perturbar perguntando se tem algo doendo. Não que não tivesse nada doendo, porque tinha, mas ninguém precisava saber disso.

As aulas se passaram rapidamente, com alguns “bem vinda de volta” de alguns “amiguinhos” e professores. Não tinha muitos amigos de verdade ali. No intervalo entre as aulas, eu procurei pelo , não que eu estivesse muito ansiosa pra falar com ele, mas eu procurei, de verdade, e não o vi em lugar nenhum. Existem uns boatos que na hora do intervalo ele saía pra fumar alguma coisa e sempre voltava chapado. Quando as aulas finalmente chegaram ao fim, dei mais uma olhada por ali e depois no estacionamento, mas nem sinal dele. Peguei um ônibus e fui pra casa.
Essa rotina continuou pelo resto da semana.
Mas na sexta ele apareceu no fim das aulas. Estava parado no estacionamento, falando com um dos colegas. Ou discutindo com um dos colegas, pelo que parecia. Esperei por ali e quando ele deu as costas ao amigo e foi em direção ao seu carro, corri atrás dele e segurei em seu braço.
- O que você quer agora? Já não falei... Ah, é você. – ele virou-se de volta ao carro logo que viu quem era. Sacudiu o braço, forçando-me a soltá-lo. – O que foi? – ele disse, continuando a andar ao seu carro.
- Só queria agradecer pela ajuda – disse, em uma voz fraquinha. – Obrigada.
- Ótimo, já agradeceu, pode ir agora.
Foi como levar um tapa na cara. “Ótimo, já agradeceu, pode ir agora.” Que garoto estúpido!
- Precisa ser tão grosso? – não me contive, e falei mais alto do que deveria, chamando a atenção de algumas pessoas em volta. – Só vim agradecer.
Ele se virou lentamente, com o rosto vermelho de raiva e disse alguma coisa que eu não prestei atenção. Ele estava com o olho esquerdo inchado e um pouco de sangue escorrendo do canto da boca.
- Ah, meu deus, o que aconteceu com você? – falei, surpresa, levantando uma mão para tocar em seu rosto. Ele empurrou minha mão para o lado oposto.
- Isso não é da sua conta. Cuide da sua vida.
Abriu a porta do carro, entrou, e simplesmente foi embora. E eu fiquei ali, que nem idiota, olhando até o carro desaparecer.
Queria dizer que não, mas passei o fim de semana inteiro criando um milhão de possibilidades pra ele estar naquele estado. É isso que dá ter uma vida social nula e nenhum namorado. Mas decidi que não iria falar com ele na segunda feira. Quer dizer, não nos conhecemos direito e quando eu vou agradecê-lo por salvar a minha vida, ele é grosso comigo daquele jeito e eu ainda vou atrás dele depois? De jeito nenhum! O problema seria a minha curiosidade, mas eu iria suportar.

Capítulo 2

Já havia se passado dois meses desde aquela conversa super amigável, e eu estava muito ocupada com os preparativos pra uma ‘exposição’ que um dos professores inventou de fazer. E bom, eu sou vice-líder do grêmio estudantil da minha escola, então grande parte do trabalho ficou pra mim e pro William, o líder do grêmio. Na verdade, só entrei pra esse grêmio porque meu pai praticamente me obrigou, ele acha, como todas as outras pessoas da escola, que só porque sou filha dele, tenho que participar de tudo e conhecer todos. Mas o que eu menos quero eram a atenção e a companhia daqueles idiotas que se acham o máximo.
Depois de alguns desentendimentos, estava caminhando para casa finalmente. Estava nervosa e não queria ter que pegar um ônibus e me estressar mais e muito menos pedir carona pra algum “coleguinha” daquela escola estúpida.
Já não bastava ter brigado com o idiota, estúpido do na hora da entrada, só porque esbarrei nele sem querer, ainda tive que ficar o dia todo na escola por causa daquela exposição idiota e tive que ouvir “gracinhas” do meu próprio pai, como se fosse minha obrigação fazer com que aquela exposição desse certo, como se só eu fosse responsável por ela.
Estava a, mais ou menos, quatro quadras longe dali, quando vi se pegando com uma garota sei-lá-de-onde perto de seu carro. Rolei os olhos e continuei andando, tentando ao máximo não ser vista.
- Hey! Espera aí!
Pelo visto não adiantou.
- O que você quer agora? – usei as mesmas palavras que ele usou comigo uma vez. Claro que ele não ia perceber, mas sei lá.
Ele deu um sorrisinho sarcástico. Já disse que odeio quando as pessoas sorriem assim pra mim? Sinto-me burra e incapacitada. Não me pergunte o porquê.
- Vai voltar pra casa a pé? É meio longe, não acha?
- Se é longe ou não, isso não te interessa. – eu sei, fui grossa, mas e daí? Ele era assim comigo também! E eu ainda estava decidindo se achava que ele sabia que a minha casa era longe ou se apenas imaginou que fosse.
- Uau, alguém está precisando de um calmante por aqui.
- E uau, alguém está precisando se tocar de que não tem nada a ver com a minha vida por aqui.
Virei e continuei o meu caminho, ignorando a cara de espanto dele. Mas não dei nem dois passos e senti um braço me segurando e me virando de volta.
- Ok, foi mal por hoje de manhã. Acho que fui um pouco grosso e...
- Ah, você acha? – interrompi-o, revoltada. – Na verdade, você deveria ter certeza de que foi grosso. Aliás, você é assim sempre, já deve ser normal, não é? – ele me lançou um olhar tão diabólico que me dá medo só de lembrar.
- Você não devia falar assim com quem já salvou a sua vida de patricinha popular. Só ia oferecer uma carona.
- Patricinha popular? – ri disso – Você pode até ter salvado a minha vida, mas isso não te dá o direito de falar dela como se soubesse como ela é. E não, muito obrigada, mas eu não quero uma carona com um ser tão desprezível como você. E acho melhor você voltar, a garota ali ta te esperando – apontei pra garota, impaciente, encostada na porta do carro dele, virei-me e continuei o meu caminho, sem olhar pra trás.
E era sempre assim. Nas poucas vezes que nos falávamos, ele era um grosso e eu o tratava da mesma forma que ele me tratava. Até aquele dia.

Capítulo 3

Aquele dia eu acordei com uma sensação estranha. E quando eu digo estranha, eu quero dizer estranha mesmo. Como se algo tivesse pra acontecer. Algo importante. Ignorei e levantei da minha cama linda e aconchegante porque meu pai estava lá embaixo, mandando-me descer. Não sei pra que isso. Ele iria viajar esse fim de semana com uma ‘namoradinha’ que ele arrumou e que tenho grandes suspeitas de que seja a nova professora de matemática lá da escola e queria que eu descesse pra ele me falar as mesmas coisas de sempre.

- Muito cuidado se você for sair, tranque a porta direitinho, não fique acordada até muito tarde, faça todas as suas lições, não esqueça nada no fogão. Qualquer coisa, tem dinheiro no armário da cozinha, mas use somente para emergências. E, por favor, não faça uma festa na minha casa! – Viu? Era sempre isso que ele me falava. Mas espera, ainda falta uma coisa – Se cuida e vem aqui dar um abraço no papai.
Andei até ele, dei um abraço e um beijo e ele foi embora. Voltei pro meu quarto e me joguei na cama. Acordei três horas depois, com o telefone tocando.
- Alô? – atendi sem nem olhar quem era, o que é bem perigoso, poderia ser aquele garoto… Como é mesmo o nome dele? Ah, Lucio, um que ficou mais ou menos três meses me ligando todos os dias, fazendo-me declarações de amor. Até que um dia ele resolveu “tornar público” o “nosso” amor e falou na rádio da escola que queria namorar comigo. Eu mereço, não é?! Bom, depois disso, eu tive que dar um jeito nele, fazer o que…
- Oi, ! É a Anne. – Ouvi aquela voz irritante do outro lado da linha. É, eu deveria mesmo ter olhado antes de atender – Você vai à festa da Natalie com a gente, né?
- Não sei, Anne, acho que eu vou ter umas coisas pra fazer e tal…- Respondi, sonolenta, querendo desligar na cara daquela vadia.
- Ah, não, , você tem que ir com a gente, a festa não vai ser nada sem…

Desliguei o celular e levantei, caminhando até o banheiro. Gente falsa. Só se aproximam de mim quando querem algo. Aposto que quando eu chegasse nessa festa, ela logo ia me pedir algum favor. Tomei um banho e me troquei.
Meus planos eram: ficar em casa e assistir às minhas comédias românticas favoritas e melosas. Eu sei, são grandes planos. Mas não tava com nem um pouco vontade de ficar em casa. Resolvi visitar o , já que ele mora perto da minha casa. Provavelmente a ia estar lá, então poderia ser divertido.
Fiquei lá por volta de duas horas jogando vídeo game e comendo besteira. Só fui embora por que não gosto de ficar de vela atrapalhando eles, né. Mas, por mim, ficaria o dia todo lá. É engraçado, porque no começo eles não se suportavam, mas aí, eu usei os meus poderes de persuasão e os obriguei a conversar por dez minutos. Não dizem que o ódio e o amor são sentimentos semelhantes, e que eles podem mudar de um pra outro facilmente ou alguma porcaria desse tipo? Então, foi o que aconteceu. E eu fiquei feliz de verdade, porque eles combinam, tipo, muito mesmo.
Voltei pra casa, tomei um banho e comi alguma coisa. Mas quando me sentei no sofá pra assistir televisão, aquela sensação estranha voltou. Ignorei-a e fui procurar algum filme pra assistir. Vi que ainda eram cinco horas. Decidi que não estava com vontade de assistir TV. Levantei-me, tirei o meu pijama e coloquei uma roupa qualquer. Peguei o dinheiro que meu pai deixou “somente para emergências” e saí de casa.
Não sabia para onde estava indo, mas entrei em uma Starbucks e comprei um café. Fui para uma praça que havia em frente e me sentei em um dos bancos. Sempre gostei daquela praça, era um pouco longe da minha casa, mas meus pais e eu vínhamos aqui quando eu era criança. E mesmo depois, quando saía mais cedo da escola, sempre passava ali nos dias de sol, só pra olhar as árvores e as crianças correndo e brincando. E não, eu não gosto de crianças, mas até que elas são divertidas quando estão longe de mim.
Àquela hora não tinha muitas crianças por ali, mas mesmo assim, ainda era um bom lugar.
Já tinha escurecido e eu ainda estava ali fazendo porcaria nenhuma, até que notei uma certa agitação na rodinha de velhinhos jogando xadrez. É, eles ficam ali o dia todo, e se você quer saber, eles não são nem um pouco agitados. Então, eu estranhei, claro, e comecei a prestar atenção ao que eles estavam falando. E se você está pensando que eu sou uma pessoa curiosa, você está absolutamente certo. Não consegui ouvir muita coisa, porque não estava tão perto, mas o que eu ouvi foi algo parecido com isso:

-…Lá no beco… Jogado.
- Sangrando?
- Não sei, não olhei.
- Isso é perigoso, pode ser um daqueles assaltos combinados.
- Ele parecia realmente mal. Usava um uniforme de escola.
- Qual escola?
- Aquela, perto da boate chique.

Ok, não me culpem, mas eu fiquei muito, muito curiosa depois disso. Quer dizer, mais do que eu já sou. Principalmente na parte que falaram da minha escola. Qual é, a cidade era pequena, não tinha outra escola perto da “boate chique” que nem é tão chique assim. E por que alguém estaria com o uniforme da escola em pleno sábado? E mais: por que alguém estaria com o uniforme da escola em pleno sábado e jogado em um beco?
Fiquei morrendo de vontade de ir ao tal beco, ver o que tinha acontecido, podia ser algo grave, mas como os velhinhos do xadrez disseram, podia mesmo ser um assalto daqueles combinados. Esses dias, passou no jornal que tinha uma mulher caída lá no bosque e aí uns caras pararam pra ajudar e… Enfim, eu decidi que era melhor ir pra casa, já estava escurecendo, só que pra ir pra casa eu precisava passar na frente daquele beco. Pensei em dar a volta no quarteirão, mas não queria andar, e poxa, se fosse algo perigoso mesmo, seja lá o que tenha naquele beco, já teriam descoberto, não é? Decidi que ia passar por lá e não ia parar de jeito nenhum. Sou alguém que gosta de ajudar as pessoas que precisam e tudo o mais, mas a verdade é que eu sou uma medrosa nível dez mil e não queria arriscar.
Quando estava chegando perto do tal beco, ouvi uns gemidos. Parei por um instante. Não ouvi mais nada, mas fiquei com medo, estava escuro e eu era a única na rua. Decidi continuar andando o mais rápido possível. Já tinha passado do beco e os gemidos tinham parado, continuei andando, mas chutei alguma coisa que fez um barulho enorme. Olhei pra baixo e encontrei um relógio quebrado. Peguei o relógio e o analisei, era diferente, caro e eu tinha a sensação de que já tinha visto ele em algum lugar. Continuei andando e coloquei o relógio no bolso, talvez tivesse conserto. Então eu parei. Peguei o relógio de novo e lembrei onde tinha visto ele antes.

Era o relógio do .

Capítulo 4

Voltei correndo em direção ao beco e só parei quando caí por cima de algo. Ou alguém. É, como eu imaginei, era ele quem estava lá. Ele tossiu e gemeu quando eu caí em cima dele, mas logo levantei e peguei o celular, pra tentar clarear um pouco aquele lugar pavoroso, de tão escuro. Ele estava mal. Muito mal mesmo. Ele estava tentando falar alguma coisa, mas não conseguia. Depois que eu me acalmei o suficiente pra pensar em alguma coisa, tentei levantar ele, enquanto tentava ligar pra uma ambulância. Ele segurou a minha mão e fez que não com a cabeça.

- O que é? Você é idiota, garoto? Vou chamar uma ambulância, fica quieto – empurrei a mão dele pra longe, mas ele segurou a minha mão de novo e conseguiu dizer:
- São só… Uns machucadinhos bobos…

Então eu ri. É, eu ri! Daquela situação, da cara dele e do jeito que ele falou. Quer dizer, o garoto estava com o nariz sangrando, o olho roxo, a boca inchada e estava apertando com uma das mãos a barriga e me dizia que eram só uns machucadinhos bobos.
Tudo bem, eu sabia que morrer ele não ia, mas eu estava realmente preocupada.
- Ei, você acha que quebrou alguma coisa? – perguntei, tentando me acalmar e iluminar com o celular o rosto e os braços dele. Ele negou com a cabeça. – Você devia ir pro hospital…
- Não devia não, me deixa em paz, eu me viro. – As palavras eram rudes, mas ele falou de um jeito tão fraquinho, como se pra falar cada palavra doesse, então nem me importei muito com a ignorância.
- Vem, vou dar um jeito de te levar pra casa… É muito longe?
- Não precisa – ele tentou levantar e quase caiu.
- É obvio que precisa. Vem, te ajudo.

Ajudei-o a levantar mesmo que ele continuasse resmungando. Por algum milagre conseguimos sair daquele beco. Ele apontou o carro dele, estacionado no fim da rua, embaixo de uma árvore. Andei com dificuldade até lá, enquanto ele se apoiava em mim. Peguei a chave no bolso dele e o ajudei a se sentar no banco do carona. Dessa vez ele nem reclamou.
Sentei em frente ao volante e ainda estava tentando decidir se era melhor levá-lo pro hospital ou pra casa dele.

- Onde é a sua casa? – perguntei. Se fosse perto do hospital, eu parava lá e dane-se ele, se não queria ir. – Ok, esquece – liguei o carro e tentei sair o mais rápido possível dali.
- Não, eu não quero ir pro hospital! – ele gritou de repente e eu dei um pulo. – Pode me deixar aqui, eu dirijo.
Encostei o carro de novo e olhei pra ele.
- É o seguinte: você é um grosso e você merece levar mais porrada do que já levou. Já que você não quer ir pro hospital, beleza, vou te levar pra minha casa e cuidar desses machucados, porque não estou a fim de deixar uma pessoa no estado que você tá ir pra casa sozinho, mesmo que seja você. Então, só cala a sua boca.
Virei pra frente e liguei o carro. Depois de um tempo de silêncio, ouvi uma risada, virei pro lado e ele estava rindo e fazendo caretas. Aparentemente, rir doía.
- O quê? – perguntei.
- Nada… - ele disse - Só… Só tenta não capotar com o meu carro também, tá? Dessa vez não vou poder te salvar.
- Vai à merda, .

Estacionei perto de casa. Ajudei-o a entrar e o deixei sentado no sofá da sala enquanto ia pegar a caixinha de primeiros socorros.
Quando voltei, ele estava exatamente do jeito que eu deixei, olhando ao redor. Ajoelhei-me em frente a ele e comecei a limpar os machucados. Por incrível que pareça, ele ficou quieto, só fazia umas caretas de vez em quando. Ele estava com um cheiro esquisito. Quer dizer, tudo bem que ele ficou sei lá quanto tempo jogado em um beco escuro e mal cheiroso, mas não era só isso.
Ele tinha traços realmente bonitos. E delicados também, mas, nem por isso, femininos. Sacudi a cabeça e continuei com meu trabalho.

- É melhor você tomar um banho – eu disse, quando terminei – o banheiro é a segunda porta à direita, subindo a escada. Vou pegar umas roupas pra você. Acha que consegue subir?
- Não precisa, eu já estou indo pra casa. – ele disse, levantando-se. Entrei na frente dele.
- Para de ser teimoso, garoto. Não vou te deixar sair desse jeito. Você não tá bem.
Ele me olhou com raiva. Muita raiva mesmo.
- Você é uma patricinha idiota, sabe? Eu faço o que eu quiser, você não pode me prender aqui.
- … – comecei, tentando controlar a raiva.
- Não, eu quero ir embora. Eu não gosto de você, eu não gosto da sua companhia, eu não gosto de ficar na sua casa e eu não preciso da sua ajuda. – Ele terminou de falar e ficou ali, encarando-me, esperando a minha reação.
Saí da frente dele, caminhei até a estante e peguei a chave do carro dele. Joguei a chave na direção dele, mas ele não pegou e a chave caiu no chão. Caminhei até a porta e abri.

- Tchau. – disse, apenas.
E aquele idiota, ao invés de sair da minha casa de uma vez, ficou ali, me encarando.
- Anda, pode ir. – apontei pra porta aberta e fui até a cozinha. Abri a geladeira e peguei um pote de sorvete pela metade. Peguei uma colher e voltei pra sala.
- Tá aí ainda? – disse, quando percebi que ele ainda estava ali, parado no meio da sala – Sabe, você já pode ir, se quiser.
Sentei no sofá, abri o pote calmamente e liguei a TV. E ele continuava ali parado. Tentei ignorar a presença dele, mas foi impossível, porque ele andou até onde eu estava, arrancou o pote da minha mão, colocou ele na mesinha ao lado do sofá, segurou os meus braços e me fez levantar.
- Qual é o seu problema? – perguntou-me. Empurrei-o pra longe e ele quase caiu. Fiquei me sentindo mal por isso, ele ainda estava fraco.
- Qual é o SEU problema? – gritei, com raiva – Você não queria ir embora? A porta tá aberta, querido. Já que você é tão autossuficiente e não precisa da minha ajuda – enquanto falava, fui até a chave que estava no chão e a peguei, caminhando de volta pra onde ele estava. – então, pega essa sua chave – coloquei a chave com violência na mão dele – vai até a merda do seu carro, liga ele e some!
Ficamos nos encarando por um tempo, então ele disse:
- Ótimo, é exatamente isso o que eu quero. Ficar longe de você. Tchau. – ele foi caminhando até a porta com dificuldade, passou por ela e a fechou com força. Ouvi um barulho do lado de fora e logo depois ele praguejando.
Caminhei calmamente até a porta e a abri. Como eu imaginei, ele estava lá, jogado no chão porque escorregou nos degraus logo em frente à porta da minha casa.
- Tenha cuidado com os degraus na próxima vez – eu disse, com um ar superior, mas mesmo assim, caminhei até ele pra ajudar.
- Não, fica longe. – ele falou, com raiva. Parei onde estava e fiquei observando enquanto ele levantava. Ou tentava levantar, porque ele não conseguiu.
- Tem certeza que não precisa da minha ajuda? – eu disse, chegando mais perto. Queria que soasse como se eu estivesse o esnobando, mas na verdade, soei como uma idiota, preocupada e prestativa.
Ele não respondeu, então presumi que ele precisava da minha ajuda, sim, mas era orgulhoso demais pra admitir.
Depois que ele já estava de pé, peguei a chave do carro que tinha caído no chão de novo e entreguei pra ele.
- Tem certeza que consegue ir pra casa? – perguntei, como uma estúpida. Quer dizer, ele é um grosso e não merece nem o mínimo esforço vindo de mim. Pra minha surpresa, ele olhou pra baixo e falou baixinho:
- Não sei. – depois de um tempo em silêncio ele olhou pra mim e continuou. – Eu não sei se consigo ir pra casa. – suspirou.
- Tudo bem. Anda logo, é melhor você entrar, tá frio aqui fora. Amanhã eu te levo.

Capítulo 5

Talvez eu devesse ter trancado a porta. Talvez eu não devesse ter dormido tanto e talvez eu devesse ter escondido a chave do carro dele. O fato é que quando acordei, ele não estava mais lá. Quase pensei que tinha sonhado aquilo tudo, até olhar um bilhetinho na geladeira, escrito às pressas, com apenas duas palavras:

Muito obrigado.

Arranquei o bilhete dali e o guardei. Queria procurá-lo, falar com ele, mas nem o número do celular dele eu tinha. Achei o relógio dele na mesinha da sala, no mesmo lugar em que o coloquei. É, ele não poderia ter se esquecido de tudo, não é? Não percebi o tempo passar, enquanto pensava em tudo o que tinha acontecido.

“Entrei em casa, ajudando a entrar e coloquei-o no sofá de novo. Subi e peguei umas roupas do meu pai que ele não usava mais. Quando desci, percebi que ele não estava mais no sofá. ‘Ah, que droga! ’ pensei, mas então o vi, no cantinho da sala, olhando uns retratos.
- Ei, ei, ei… Isso é particular. – afastei-o dali e o fiz sentar-se de volta no sofá. Ele não disse nada e isso me preocupou. Ele não é do tipo que fica calado. E eu, sinceramente, preferia-o gritando comigo do que aquele silêncio incômodo. Ele foi até o banheiro tomar banho e eu fui preparar o jantar. Comemos em silêncio. Arrumei o sofá da sala do melhor jeito que pude, por que ele disse que não queria atrapalhar mais do que já tinha atrapalhado. Achei até um pouco gentil, mas, como sempre, ele falou daquele jeito rude dele, como se odiasse o mundo inteiro e fugiria pra Marte pra viver sozinho se pudesse. Depois que ele deitou, fiquei sem ter o que fazer. Por fim, depois de enrolar duas horas na cozinha, subi até o meu quarto. Não estava com sono nenhum, até deitar na minha cama quentinha. Fechei os olhos e dormi imediatamente.”


Ficamos tanto tempo sem nos falar, que teria me esquecido de como é seu rosto, se não o visse quase todos os dias na escola. Vários desses dias, ele aparecia com um olho roxo ou com a boca inchada. Eu ficava intrigada e algumas vezes, passei noites em claro com a , quando ela ia dormir na minha casa, conversando sobre as possibilidades do que acontecia com ele.
Eu sempre tinha vontade de me aproximar, talvez puxar uma conversa, mas tinha medo. Medo de acabar gostando daquele imbecil e me machucar depois, porque eu tenho o incrível dom de fazer coisas ruins se aproximarem de mim e me apaixonar por elas depois. Pois é, caro leitor, sou idiota assim mesmo.
Na última semana de aulas, cheguei atrasada na escola, corri pro meu armário pra pegar meus livros e encontrei o parado ao lado do bebedouro, encostado na parede, com fones de ouvido, fumando um cigarro.
- É proibido fumar nas dependências da escola, sabia? – Falei, em um tom divertido.
- E a filha do diretor vai chamar o papai aqui pra me dar uma detenção? – ele falou, cínico.
- Não, porque o diretor não está na escola hoje, mas a filha do diretor poderia dar uma detenção pra você, se ela quisesse. – sorri, ainda falando em um tom divertido, como se nem ligasse pra ele.
- Duvido.
- Eu também – disse, abaixando-me pra beber água. – Não abuso do meu poder – endireitei-me, dei as costas a ele e fui em direção à sala de aula.
- Ei, espera – esperei ele chegar até onde eu estava e depois continuei andando – Aula de que, agora?
- Matemática.
- Com o Binns?
- É – confirme, encarando-o. – Por que o interesse?
- Por nada. Só não acredito que você está mesmo indo. – riu
- Sim, eu estou. Tem uma sugestão melhor?
- Se tenho?! Claro! E muitas – seu tom amigável estava me assustando, mas me assustei mesmo quando ele me puxou e me prendeu contra a parede, antes que eu pudesse bater na porta da sala de aula.
- O que você tá fazendo? – perguntei, surpresa.
- Te salvando – ele disse, com um sorriso brincando nos lábios – Mas acho que você não quer ser salva… Quero dizer, a filha do diretor, matar aula? Não, acho que não!
Ele me soltou, como se esperasse que eu fosse correndo pra sala, dizendo que fui atacada por uma péssima influência que não queria me deixar assistir à aula.
- Acha que só porque o diretor é meu pai eu não posso matar aula como todos os outros alunos? – sorri.
- Acho, mas se você quiser me provar o contrário…
- Isso foi um convite? – perguntei – sério, você tá começando a me assustar!
Ele riu e quando olhei em seus olhos, vi que era um riso de verdade, diferente de todos os outros que já tinha visto ele dar. Percebi que ele era realmente lindo quando não estava coberto por aquela máscara impenetrável de frieza.
- É um convite sim. Não estou com vontade de ficar na escola e…
- Você nunca está! – cortei-o e ele riu de novo
- Ok, nunca estou. Mas é a última semana de aula. Tipo… é tão desnecessário assistir aulas de matemática.
- Verdade. Pra onde nós vamos? – soltei, sem querer. O ânimo dele estava me contagiando e eu percebi que queria mesmo passar mais tempo com ele.
- Não sei – ele respondeu, sorrindo – Que tal ir lá pro pátio? Não vamos sair da escola, então, se nos pegarem, não podem dizer que não viemos na última semana.
Eu ri e fomos andando. O corredor estava vazio aquela hora e, enquanto conversávamos sobre como a inspetora era chata, velha e enrugada, uma vozinha chata dentro da minha cabeça me dizia: “Como você é idiota… Vai cair nas garras de outro imbecil que só quer se divertir um pouquinho com você.” “Quem disse que ele é assim? E quem disse que eu quero algo com ele?” respondi. “Você quer sim e…” “Cala a boca.” Mandei.

Passamos tanto tempo nos fundos da escola, que só percebemos quando começou a escurecer.
- Caramba, que horas são? – perguntei.
Ele fez menção de olhar no relógio, mas não havia relógio nenhum pra olhar.
- Devem ser umas seis horas…
- Esqueci de falar, o seu relógio ainda tá lá em casa.
- Eu sei – ele disse, me olhando de lado.
- Por que não foi buscar?
- E por que você não me entregou? – rebateu e eu ri.
- Porque… – comecei
- Porque todo mundo tem medo de mim e de falar comigo nessa escola. – ele disse sorrindo sarcástico, mas parecia haver um tom de tristeza em sua voz que ele tentou esconder.
- Quem disse que eu tenho medo de você? – desafiei e virei de lado pra encará-lo. – você não me dá nem um pouco de medo, se quer saber.
Ele me olhou como se quisesse encontrar em mim palavras que não disse a ele, perfurando-me com aqueles olhos profundos, que pareciam tirar um raio-X de mim.
- Não, você não tem – ele concordou – você é diferente.
Encarei-o, tentando entender o que ele quis dizer, mas ele olhou para o lado oposto e eu olhei também.
- Quem fez aquilo com você? – perguntei e ele me olhou com cara de dúvida. – você sabe… aquele dia lá no beco…
Percebi que fiz a coisa errada, porque ele se levantou na mesma hora e andou pra longe de mim.
- Talvez não seja da sua conta. – disse, voltando a usar seu tom sarcástico tão irritante, se afastando ainda mais de mim.
Suspirei e voltei a olhar pra frente depois que o vi virar o corredor em direção às salas de aula. Queria muito ajudar, mas ele não queria ajuda. E depois de conhecer esse outro lado dele, um lado quase sensível, quis conhecer mais. Quis estar perto dele e quis decifrar cada parte dele, aos poucos. Quis que ele fosse meu amigo.
“Você é diferente” ele me disse. E eu queria poder ser “diferente” do lado dele.
“Eu sabia que você se apaixonaria…” ouvi aquela vozinha irritante, e respondi, brigando comigo mesma: “Não estou apaixonada!”
Não ainda.

Capítulo 6

No último dia de aula, cheguei à escola com um peso a mais no bolso e logo detectei o cara alto, encostado na parede ao lado do bebedouro. Caminhei até ele e quando me viu, pareceu surpreso.
- Oi – disse cordialmente – acho que você esqueceu isso comigo. – tirei o bonito relógio do bolso e dei a ele.
Percebi que muitas pessoas nos olhavam, enquanto ele pegava o relógio da minha mão e colocava no pulso.
- Hmm... O brigado.- ele disse, me olhando de um jeito estranho.
- Qual é a sua próxima aula? – perguntei, meio desconfortável com toda a atenção voltada pra mim, mas decidida a ignorar tudo aquilo.
- Sei lá – deu de ombros. Soltei uma risadinha
- Qualquer que seja, duvido que você esteja com vontade de ir – disse calmamente – Quer matar algumas aulas com a filha do diretor? – perguntei com uma sobrancelha erguida. Ele sorriu e o sinal das aulas bateu. Os alunos foram se encaminhando para suas salas e ele continuou me encarando, como se quisesse ter certeza de que ouviu direito e não estava ficando louco.
- Você está querendo arrumar problemas – disse, por fim – Vamos pro pátio de novo? – perguntou, com um sorrisinho fofo. Apenas confirmei e fomos caminhando até lá, rindo do fato de que dessa vez, eu, filha do diretor, estava salvando ele.
Contei tanta coisa sobre mim… Como eu era quando era criança, o que gostava de fazer, que livros gostava de ler, porque meus pais haviam se separado, como conheci a e como juntei ela e o , como sempre quis fugir dessa escola e como odiava todas aquelas pessoas. No começo ele parecia meio retraído, como se tivesse medo de que eu perguntasse sobre a vida dele, mas com o tempo, ele pareceu querer ouvir mais sobre mim. Fazia comentários irônicos e até engraçados. Há muito tempo não me sentia tão bem.
- E os seus pais? – perguntei – São casados? – ele demorou um tempo pra responder e achei que iria mudar de assunto, como fez quando perguntei diretamente algo sobre ele ou a vida dele.
- Meu pai morreu quando eu tinha três anos, mas não cheguei a conviver muito com ele, porque ele se separou da minha mãe logo depois que eu nasci.
- Ah… Sinto muito, não devia ter perguntado. Desculpa. – falei, sem graça.
- Tudo bem… Não me faz tanta falta, sabe? Minha mãe dá conta de tudo. Mas, às vezes, é ruim não ter um pai.
Ficamos um tempo em silêncio. Mas não era um silencio desconfortável, de certa forma, era bom.
Fiz mais perguntas sobre ele e ele pareceu disposto a responder todas. Ficamos tanto tempo ali, que quase esqueci que tinha uma casa, até que fomos interrompidos pela minha barriga roncando.
- Nossa, tem um leão aí dentro? – ele perguntou, rindo, apontando pra minha barriga e eu bati nele, mas ri também.
Fomos até uma lanchonete ali perto e comemos uns pãezinhos.
- Você não é tão ruim quanto as pessoas pensam – disse, com uma cara pensativa – até que você é legal.
- Hmm… Obrigado, eu acho. – ele disse e riu.
Fomos caminhando até a escola, onde estava o carro dele.
- Você não vai me contar, não é? – perguntei, logo depois que ele me ofereceu uma carona.
- Contar o quê? – perguntou.
- Quem fez aquilo com você. – falei.
- Já disse que não é da sua conta – ele disse um pouco bravo, enquanto entrava no carro. – Vai ficar aí? – perguntou, apontando pra mim, que ainda estava parada ao lado da porta.
- Não.
- Então, entra.
- Não, vou andando pra casa, obrigada por oferecer a carona, mas não precisa. Boa noite. – saí andando, mas ouvi a porta do carro batendo e passos atrás de mim.
- Para de ser teimosa… – começou
- Para você de ser teimoso! – falei, virando-me pra encará-lo – eu só queria te ajudar, só isso. Porque já deu pra perceber que a pessoa que fez aquilo com você, continua fazendo. Você aparece na escola com alguma parte do corpo roxa ou quebrada toda semana! Mas você é sempre tão grosso comigo… – percebi que havia um pouco de mágoa na minha voz e me forcei a fazê-la voltar ao normal – se você não quer a minha ajuda, tudo bem, também não preciso da sua ajuda pra nada. Portanto, obrigada pela carona, mas não quero! – virei-me e continuei meu caminho.
- Você não pode me ajudar. – ainda o ouvi dizer, antes do som da porta do carro batendo chegar aos meus ouvidos e antes de saber que meu mais novo quase-amigo estava indo embora e talvez eu não o visse mais.

Capítulo 7

Estava de pijama, sentada no sofá da sala, lendo um pouco. O som da chuva lá fora me reconfortava. Aquele era um idiota e eu não deveria mais falar com ele.
Fechei o livro com um estrondo, quando percebi que já havia lido o mesmo parágrafo 5 vezes e não tinha absorvido nada daquilo. Quando levantei pra ligar a TV, ouvi a campainha tocar. Será que era meu pai, a essa hora? Ele havia dito que voltaria somente na outra semana…
Abri a porta e levei um susto. Era ele. . Todo molhado, com um olhar meio desesperado.
- Desculpa, desculpa… Eu não estou acostumado com tanta atenção de alguém, sabe? Você só quer me ajudar e eu só te trato mal… Você até foi falar comigo na escola – riu, sem graça – ninguém faz isso, nunca. E eu já estou tão acostumado a guardar as coisas pra mim, a ser sozinho, que eu não sei como agir com você – sacudiu os braços, exasperado – Você me entende, não entende?
Fiquei encarando-o um tempo, tentando absorver tudo o que ouvi e tentando saber se eu não estava sonhando com tudo aquilo.
- Fala alguma coisa! – ele disse, batendo o pé e eu achei tão engraçado que comecei a rir. – Sabia que não devia ter vindo – ele disse, com um tom de raiva misturado com mais alguma coisa que não consegui identificar. Decepção, talvez. – sabia que não devia ter vindo aqui essa hora, sou um idiota mesmo. Boa noite. - ele virou as costas e saiu andando.
- Ei, espera – saí correndo atrás dele e só o alcancei quando ele já estava entrando no carro – espera, espera! Eu não queria rir de você, juro. Desculpa. – Ele já havia ligado o carro, mas desligou e saiu de dentro, apoiando-se na porta, encarando-me frustrado.
- Por que mesmo eu achei que você deveria ser diferente? Que você se importasse? – colocou as mãos na cabeça, enquanto me olhava – eu não devia ter vindo, desculpa te atrapalhar.
, Eu tremia por causa da chuva que já havia me encharcado. Afastei o cabelo molhado do rosto e reuni coragem pra responder.
- Quem te disse que não me importo? Se não me importasse, não teria ido atrás de você pra tentar te ajudar, mesmo depois de você ser um grosso comigo. Não teria te trazido pra minha casa, pra cuidar de você quando você precisou. Não estaria tentando ser sua amiga… – comecei a falar mais alto, alterando-me – e não sei se você percebeu, mas por sua causa, eu estou na rua, de pijama e toda molhada. Então, por favor, não diga que eu não me importo! – encarei-o e esperei que ele dissesse algo.
Ele fechou a porta do carro e andou em minha direção, com um olhar decidido. Achei que ele fosse brigar comigo, ser grosso, como ele sempre é, mas para a minha surpresa, ele colocou as mãos em meu rosto e me beijou.

Preciso dizer que foi o melhor beijo da minha vida? Acho que não… Mas digo mesmo assim: foi o melhor beijo da minha vida. E eu nunca pensei que um beijo fosse capaz de me fazer sentir todas as coisas que senti àquela hora. Eu tremia e, dessa vez, não era por causa do frio.
Quando ele me soltou, continuei de olhos fechados, como se pudesse, de alguma forma, prolongar o momento.
- Desculpa, ah… Droga, eu não devia ter feito isso! – ele começou, e instantaneamente abri os olhos, sentindo as palavras me ferirem como facas recém-afiadas. – Agi por impulso, não devia ter feito isso e…
- É melhor a gente entrar – respondi, com a voz mais fria que consegui, tentando não deixar transparecer a revolução que acontecia dentro de mim – A chuva está aumentando…
Puxei-o comigo e entrei em casa, indo buscar toalhas pra nós dois, enquanto pensava no quão idiota eu era. Ele pediu desculpa. Pediu desculpa por ter me beijado e disse que não deveria ter feito aquilo. Talvez a vozinha dentro da minha cabeça estivesse certa. Talvez eu fosse tão idiota que acabei tendo esperanças de novo e quando o que eu vinha negando há tanto tempo que queria aconteceu, eu me senti a pessoa mais feliz do mundo. Mas agora eu percebia que era a mais imbecil do mundo. Ele pediu desculpas. Ele só queria uma amiga, agiu por impulso. Ele não me queria. Mas por que aquele idiota, imbecil, retardado me beijou, então? Quem ele pensa que é, pra fazer esse tipo de coisa? E agora tudo o que eu queria era voltar pra sala e beijá-lo outra vez, mas depois do que ouvi me sentia tão infeliz, que nem sabia se queria olhar nos olhos dele novamente.

Quando voltei pra sala, entreguei a toalha a ele e subi pro meu quarto pra trocar de roupa. A chuva lá fora havia aumentado muito e eu me senti pior. Desci as escadas e entreguei a mesma muda de roupas que havia emprestado a ele da ultima vez. Ele pegou da minha mão, mas continuou parado.
- A chuva aumentou… – disse, e ouvir a voz dele de novo, me fez reviver a cena que eu sabia que iria ficar por muito tempo na minha cabeça. – Mas eu posso tentar ir embora, se você quiser… – me olhou nos olhos pela primeira vez e nada do que eu pensei conseguiu me obrigar a dizer que ele podia ir.
- Não, é melhor você ficar, daqui a pouco essa chuva passa. – respondi aliviada, por perceber que a minha voz estava normal.
- Olha, sobre o que aconteceu…
- Deixa pra lá – eu disse, antes que ele pedisse desculpas novamente – é melhor você ir se trocar – apontei pras roupas encharcadas dele e ele concordou.
Sentei no sofá e tentei me controlar. Era isso que a esperança sempre fazia comigo: decepcionava-me. Por que mesmo eu me permiti ter esperanças? Quis que a vozinha voltasse pra me falar tudo o que eu merecia ouvir, mas até mesmo ela me abandonou. Ouvi os passos dele se aproximando e me levantei, indo até a cozinha. Ele me seguiu até lá.
- Você quer comer alguma coisa? – perguntei
- Não, não estou com fome – disse. Ele ainda me olhava como se quisesse explicar o que havia acontecido, mas eu não daria oportunidade pra ele fazer isso.
- Você está horrível – disse, rindo, quando reparei que ele ficava realmente mal com as roupas do meu pai.
Ele riu também e um ar de naturalidade apareceu entre nós e eu soube o que devia fazer. Ele não me queria do jeito que eu o queria. Mas eu não sabia se conseguiria ficar longe dele depois de tudo. Decidi que seríamos amigos, assim como eu era amiga do e da , somente amigos. Prometi a mim mesma que iria esquecer qualquer outro tipo de sentimento por ele. Talvez eu estivesse apenas confundindo as coisas.
Voltamos pra sala e me lembrei que da última vez que o veio aqui, ele deixou um baralho que usamos pra nos distrair, perguntei ao se ele queria jogar e ele aceitou.
Ficamos muito tempo jogando e conversando, até percebermos que a chuva havia diminuído e ele poderia ir pra casa.
Estávamos olhando pra janela quando percebi seu olhar voltado pra mim. Virei-me e o vi levantar uma das mãos, como se fosse acariciar o meu rosto, mas logo a abaixou.
- Acho que eu tenho que ir – disse. Sorriu aquele sorriso lindo e eu me senti enjoada. Como eu podia sentir tantas coisas em um dia só?
- Tudo bem – disse – eu te levo até a porta.
Fui com ele até lá e esperei ele ir até o carro. No meio do caminho ele virou e voltou até a minha porta, me deu um beijo no rosto e disse, com um sorriso:
- Até amanhã.
- Amanhã é sábado e as aulas já acabaram – eu disse, em um tom de dúvida.
- Eu sei…- ele falou, aumentando o sorriso.
- Então… – comecei - como vamos nos ver?
- Achei que você queria ser minha amiga… - ele disse, em um tom muito meigo pra ele – Já desistiu? – perguntou, sorrindo de novo.
- Bom… Não. – respondi.
- Ótimo – disse – passo aqui às 2 horas pra gente dar uma volta.

Fiquei tanto tempo parada na soleira da porta que só percebi quando o telefone tocou. Atendi e falei um pouco com a . Tive o cuidado de não mencionar nada sobre hoje, contaria a ela outro dia. Depois que desliguei, deitei no sofá e tentei não pensar, mas era impossível.
“Achei que você queria ser minha amiga… Já desistiu?” o sorriso dele voltava a minha mente o tempo todo e me obriguei a falar pra mim mesma que seríamos amigos. Apenas amigos.

Capítulo 8

Acordei às nove horas, tomei um banho e fiquei umas duas horas pensando no que vestir. Depois que percebi o que estava fazendo, me senti tão idiota que desci as escadas correndo e fui preparar o almoço. Quando acabei de comer, tomei outro banho e voltei pro quarto. Não havia deixado nada separado e não sabia o que usar. Coloquei uma calça jeans, uma blusa preta simples e um tênis. Olhei-me no espelho e não sabia o que fazer com o meu cabelo. Deixei-o solto, liso e sem graça como ele sempre foi e desci pra assistir um pouco de TV.
Uma e meia. Eu estava tentando pensar em qualquer outra coisa que não fosse o fato de que ele passaria ali às duas horas. Uma e quarenta e cinco. Estava tentando colocar na minha cabeça que somos apenas amigos, aquele beijo foi um erro que não se repetiria mais e tudo o que eu queria era ajudá-lo, não importava o que ele tivesse. Olhei no relógio. Duas e cinco. Será que ele não viria? Senti-me enjoada de novo e me perguntei o que foi que aquele garoto fez comigo. Fui até o banheiro me olhar no espelho e escovar os dentes. De novo. Duas e quinze. Devia ter acontecido alguma coisa, talvez ele esqueceu algo em casa e voltou pra buscar… Ou talvez ele esqueceu que marcou de dar uma volta comigo, pensei com amargura. Duas e vinte e cinco. É, ele não viria mais. Sentei-me no sofá e tirei o tênis. Fui procurar um filme pra assistir e escolhi um que sempre me fazia chorar e refletir: Sociedade dos Poetas Mortos. O tema do filme ficava vindo a minha cabeça “Cape Diem”, “aproveite o dia”. Que belo jeito o meu de aproveitar o dia. Desisti de ver o filme e sentei no sofá, olhando pro relógio o tempo todo, como se quisesse que ele voltasse a me dizer que ainda era uma e meia, portanto, ele ainda poderia vir. A campainha tocou e eu dei um pulo. Duas e quarenta e dois. Será que era ele? Abri a porta, e sorri ao vê-lo, com uma bermuda cinza e uma blusa azul, os cabelos jogados pra qualquer lado.
- Desculpa a demora – ele disse, olhando pra mim e me avaliando. – Eu tive que comprar umas coisas... Você já está pronta? – Perguntou e então olhou pros meus pés. – Acho que não – disse, rindo.
Deixei-o entrar e fui colocar meu tênis. Perguntei se ele queria algo e ele negou.
Fomos até a praça que eu adoro e nos sentamos lá, olhando as poucas crianças que brincavam. Começou a chover e as crianças foram embora. Corremos pra debaixo de um toldo de uma lojinha que tinha ali perto e começamos a rir de nada, parecíamos dois idiotas. Ficamos ali até a chuva diminuir e depois voltamos pra minha casa. Fomos até o mercado perto de casa e compramos salgadinho e refrigerante. Quando voltamos, peguei um velho jogo de tabuleiro que eu tinha em casa e jogamos até a madrugada. Quando ele foi embora, não consegui tirar o sorriso dos lábios. Fui dormir tão bem que nem percebi que naquele dia não tinha sentido vontade de fazer o que eu fazia todas as noites, depois de viver um dia normal como todos os outros e saber que não teria ninguém do meu lado.
Os dias se seguiram e quase entramos em uma rotina. Dois dias na semana íamos ao cinema, nos outros dias ficávamos na minha casa ou na dele, conversando, assistindo filme, comendo besteira e rindo das nossas histórias. Claro, brigávamos bastante às vezes, mas ao invés de continuar com aquele estranho clichê:“Você me irrita, eu te irrito e depois vamos embora sem nos falar”, tentávamos consertar as coisas, ou mudávamos de assunto ou, ainda, ríamos como idiotas por sermos tão incrivelmente irritáveis.
Depois de umas três semanas dessa rotina, em uma sexta feira, esperei ele chegar às duas horas, como ele sempre fazia. Mas ele não chegou. Quando percebi que ele não viria fui até a casa da e passamos o dia juntas. Contei a ela sobre tudo o que aconteceu na semana.
- E como você se sente a respeito dele? – ela perguntou.
- Ele é meu amigo, só isso. É como você e o . Apenas amigos. – Falei, mas sabia que ela conseguiu detectar a decepção na minha voz.
- … – ela começou cautelosa, e eu sabia sobre o que ela ia perguntar – Você não está fazendo aquilo de novo, está?
- Não, , juro que não – disse, quando ela me olhou desconfiada. – No dia que ele me beijou, sim, mas não foi por causa dele, entende? – eu comecei a falar muito rápido, como sempre fazia quando falava sobre isso, como se prolongar o assunto prolongasse a dor – Foi por minha causa, como sempre é. Eu me senti, sei lá, mal com aquilo. Senti como se ninguém me quisesse… – ela me olhou com pena, e eu senti um pouco de raiva. Odiava quando ela me olhava assim – Mas eu não tenho feito mais isso – falei – ele me faz bem. Passar o dia com ele me faz bem. – Olhei nos olhos dela, querendo que ela visse que o que eu dizia era verdade. – Eu não senti mais necessidade de fazer isso. – terminei. Ela pegou meu braço, e eu já estava preparada para aquilo. Sabia que ela ia querer checar. Não afastei. Apenas a deixei puxar a manga da blusa pra cima e ver que os cortes mais recentes estavam se cicatrizando.
- Continua assim, por favor – ela disse, com lágrimas nos olhos. – Por favor.
- Eu vou continuar. Não vou fazer mais. – Prometi, pela milésima vez, e a abracei forte.
No fundo, eu sabia que a vontade era mais forte que eu. No fundo, eu sabia que só iria quebrar outra promessa. Mas eu odiava vê-la daquele jeito. E de qualquer forma, os cortes estavam sumindo. Talvez eu diminuísse a frequência com que os fazia. E quem sabe um dia eu pararia com isso.
Mas eu sabia que ia demorar. E eu não disse nada pra ela.

Capítulo 9

Ele também não apareceu no sábado nem no domingo. Liguei na casa dele na segunda, mas ninguém me atendeu. Comecei a ficar preocupada que algo tivesse acontecido com ele e igualmente preocupada com o fato de que, talvez, ele já estivesse cansado de ter uma amiga.
Quando ele chegou, na quarta-feira, às duas horas, eu entendi porque ele não tinha aparecido. Ele tinha um olho um pouco roxo. Já estava sumindo, mas eu ainda podia ver. Quando eu perguntei a ele o que tinha acontecido, ele disse que se envolveu em uma briga em uma boate, mas não entrou em detalhes. Alguma coisa me dizia que ele estava mentindo, mas preferi deixá-lo me contar por vontade própria, porque na primeira vez que perguntei, ele me ignorou e na segunda, disse que já havia me falado o que houve, então eu não devia continuar perguntando. Um grosso, como sempre.
Saímos em direção ao carro dele e ele dirigiu até a cidade vizinha – onde as praias eram mais limpas – enquanto conversávamos.
Saímos do carro e a praia estava vazia. Ninguém gostava de ir à praia em pleno inverno. Caminhamos até a areia e nos sentamos. Percebi que ele estava com uma sacola nas mãos, e quando começou a tirar as coisas de lá de dentro, entendi o que ele queria fazer.
- Piquenique! – gritei, feliz, quase pulando no lugar em que estava. Nunca havia feito um piquenique. Ele riu e continuou tirando as coisas de dentro da sacola. Sanduíches naturais, suco de laranja, bolachas e salgadinhos.
- Quase pensei que íamos fazer um lanche saudável até ver isso. – apontei pro salgadinho.
- Se não tivesse um pouquinho de besteiras, não seria um piquenique perfeito. – ele falou, com um sorriso.
Comemos enquanto olhávamos pro mar. Quando acabamos, começamos a conversar sobre as pessoas da escola e a relembrar o que acontecia lá. Ele também não gostava dos alunos e só falava mal. Eu ri muito.
- E aquela vez que aquele menino que eu não lembro o nome pediu pra namorar com você na rádio da escola? – ele disse, gargalhando. Eu ri também.
- Ah, o Lúcio, aquele idiota. - eu senti minhas bochechas queimarem de vergonha.
- Pior mesmo foi a música que ele dedicou a você. – ele riu mais ainda e eu o acompanhei, lembrando da música velha, cheia de saxofones e outros instrumentos que eu não sei o nome. A música era horrível.
- Ele até fez um poema pra mim! – eu disse e coloquei a mão no rosto, como se estivesse com vergonha. Ele riu e puxou a minha mão.
- , flor do meu jardim, meu gramado sem capim, minha rosa sem espinhos... Meu coração palpita por você – ele disse, imitando o poema exatamente como ele foi feito, ainda segurando a minha mão – diga que também me ama e te ensinarei tudo o que sei – ele continuou, tentando conter o riso. – me dê seu coração, que eu te darei o meu...
- Ok, chega, chega! – eu gritei, interrompendo-o e rindo muito. Ele ria tanto, que estava ficando vermelho. Mas uma de suas mãos ainda segurava a minha. Quando percebi, puxei a mão e ele me olhou, surpreso, parando de rir.
- Desculpa...
- Não, tudo bem – falei, tentando rir um pouco, mas até para os meus ouvidos aquela risada soou falsa.
Começamos a conversar novamente e contei a ele mais sobre o e a . Combinamos de passar na casa do qualquer dia pra jogar vídeo game. Ficamos um tempo em silêncio, observando o sol se por.
- Eu e minha mãe vínhamos aqui quando eu era mais novo – ele disse de repente, e o tom de tristeza em sua voz me assustou. Olhei pra ele enquanto ele continuava a falar. – Gostávamos de vir aqui no inverno... Não tinha muita gente e sempre fazíamos um piquenique. Eu contava a ela como estava indo na escola, ela me falava sobre o trabalho... Era bom. – ele terminou, olhando-me nos olhos.
- E por que vocês não vêm mais? – perguntei.
- Eu... Eu comecei a andar com uma turma que não era, digamos, uma boa influência. – Ele disse, voltando a olhar o mar. – Então comecei a achar uma idiotice perder meu tempo vindo aqui com ela nas férias de inverno se eu podia estar com eles, entende? – ele ainda não me olhava, esperei que ele falasse mais alguma coisa. – É impressionante o que as “amizades” erradas podem fazer com as pessoas. – ele falou, e pareceu esperar que eu falasse algo.
- E você continua... Hmm... Andando com essa turma? – perguntei, receosa.
- Não. – ele disse – Mas você queria saber quem fez aquilo comigo, lembra? – olhou pra mim pela primeira vez desde que começou a contar e então eu entendi.
- Por que eles estão fazendo isso com você? – eu perguntei, chocada, um pouco brava por achar isso tão errado.
Ele me olhou como se estivesse ponderando se deveria continuar me contando ou não. Percebi que ele não havia contado isso pra mais ninguém e que tinha sido por isso que ele havia me trazido até ali.
- Eu estou devendo um dinheiro pra eles... – ele começou – muito dinheiro. E eu não tenho como pagar tudo. Eu já paguei uma parte – ele falou – mas ainda falta muito pra minha dívida acabar.
- E por isso eles batem em você? – eu perguntei, ainda completamente atônita.
- Eles batem em mim porque a minha dívida está aumentando ainda mais. – ele me olhou nos olhos. – um deles ameaçou a minha mãe e bom... Eu bati nele. Aquele dia no beco foi a “vingança” deles – ele disse, com raiva, e quando olhou pra frente de novo, consegui ver nitidamente o roxo no olho dele e fiquei com muita raiva também – e eles disseram que se eu não arrumar o dinheiro até o mês que vem, eles vão cobrar dela. Você entende o que isso quer dizer? – perguntou.
- Acho que sim – falei. – eu quero te ajudar. A gente pode conseguir esse dinheiro! – falei.
- Eu vou conseguir – ele disse, apontando pro carro – está quase vendido. – falou.
- O que foi que você comprou deles pra estar devendo tanto? – perguntei, já sabendo qual deveria ser a resposta.
Ele colocou as mãos no cabelo e se balançava pra frente e pra trás, suas mãos tremiam e eu não tive dúvida do que o tinha feito dever tanto.
- Eu não quero te envolver nisso, não quero. Eu tenho medo de que, se eles descobrirem sobre você, te usem pra me ameaçar. Eles já estão me chantageando, usando a minha mãe... E eu não posso deixar nada acontecer com você – ele falou, desesperado – mas eu não consigo parar, eu não consigo parar. – ele repetia, olhando pra mim, e eu não sabia o que fazer. – Eu sei que o que eu estou fazendo é errado, eu sei, e eu quero parar! Mas eu não consigo... – ele disse, com grande esforço, com os olhos vermelhos e o rosto molhado pelas lágrimas que ele agora deixava cair. – Você disse que queria me ajudar – ele disse, pegando a minha mão. – Então, me ajuda, por favor? – eu sabia que não tinha como dizer não, mesmo que eu quisesse. Meu Deus, como era horrível vê-lo daquela forma! Por que ele tinha tanto poder sobre mim? – Por favor, ! Eu não aguento mais decepcionar minha mãe, eu não aguento mais essa situação e eu preciso de ajuda, mas eu não sei a quem pedir. Eu preciso de você!
Desistindo de me fazer de forte, passei a mão por aqueles lindos cabelos, agora embaraçados, e comecei a chorar junto com ele. Coloquei um dedo em seus lábios para impedi-lo de falar novamente. Não precisava ouvir mais nada. Simplesmente não aguentava vê-lo daquela forma. Faria qualquer coisa para colocar de volta aquele lindo sorriso no rosto dele. Lentamente, aproximei-me dele e passei os braços por cima de seus ombros, aproximando os corpos, em um primeiro abraço. Um primeiro abraço há muito tempo esperado. Senti as mãos dele em minha cintura, e me senti bem, de um jeito estranho, mas bom.
- Vai ficar tudo bem, . – sussurrei em seu ouvido – Eu vou te ajudar.
- Promete? – ouvi-o perguntando, sentindo a respiração quente dele em meu pescoço – Promete que não vai desistir de mim? – ri de leve, sem humor nenhum.
- Prometo que vou te ajudar – respondi – e não vou sair de perto de você. Só se você não me quiser por perto. – dei um beijo na bochecha dele e me afastei. Peguei-o pela mão, do modo como minha mãe fazia comigo quando era pequena e o tirei dali, em silêncio. Ninguém precisava saber o que havia acontecido. Não importa o que pensem nem o que dizem a respeito dele. O que importa era que ele estava ali, ao meu lado, segurando minha mão e querendo a minha ajuda.
- Vai ficar tudo bem. Eu sei que vai. – disse, baixinho, mais para mim mesma do que para ele.
É realmente incrível o que amizades erradas podem fazer com as pessoas. Era realmente incrível o poder das más influências, das pessoas que só queriam o mal dos outros e, mais incrível ainda, era o poder que as drogas tinham sobre uma pessoa. Mas eu não as deixaria destruir a vida dele, como já havia destruído tantas vidas. Não, eu cuidaria dele. Ainda não sabia como, mas cuidaria. Eu o tiraria dessa.

Capítulo 10

Decidi que o melhor que podia fazer por seria distraí-lo pelo máximo de tempo que conseguisse, pra evitar que ele sentisse vontade de se drogar novamente. Ele me prometeu que continuaríamos nos vendo e que ele não me abandonaria, assim como eu não pretendia abandoná-lo. Aquela noite, deitada em minha cama, pensando em algo que fosse suficientemente bom para distraí-lo, relembrei grande parte da nossa conversa durante a tarde, enquanto o meu sono não vinha.
“Eu dirigia o carro dele e ainda não tínhamos trocado sequer uma palavra, enquanto ele tentava se controlar e parar de chorar. Percebi como deveria ter sido difícil pra ele se mostrar daquele jeito pra mim e soube quase que de imediato que ele se sentiria com vergonha depois, por isso prometi a mim mesma que não o deixaria se sentir assim. Quando chegamos à minha casa, mandei-o subir até o meu quarto e fui à cozinha buscar um copo de água pra ele e tentar pensar no que falar.
Quando me viu entrar no quarto, ele sorriu e estendeu a mão pra pegar o copo. Percebi que ele parecia bem melhor.
Sem nenhum motivo aparente, pensei no meu pai e no que ele diria se soubesse que eu e o garoto-problema estávamos sozinhos no meu quarto. Afastei esse pensamento e me sentei na cama, dei umas batidinhas no lugar a minha frente, sinalizando que queria que ele se sentasse ali. Ele se sentou e, confirmando o que eu havia pensado que ele faria, disse:
- Me desculpa, não devia ter desabado daquele jeito, eu não costumo fazer isso...
- Tudo bem – falei, acariciando a mão dele que estava próxima a mim – Eu sou sua amiga, lembra? Você não tem que aguentar tudo sozinho. E eu fico feliz de saber que você me escolheu pra compartilhar isso – fui o mais sincera que pude, falei o tempo todo olhando em seus olhos e ele assentiu, sorrindo. Como alguém podia ser tão lindo?
- Você é linda, sabia? – ele disse, me assustando e rindo depois de ver a minha cara de espanto – É serio! – percebi que ele estava corando um pouco e tentei ignorar esse fato, mas achei bonitinho – e se você não quiser – ele continuou, parecendo reunir toda a força que tinha – não precisa me ajudar, não é sua obrigação fazer isso.
Suspirei e me levantei. Caminhei até a janela e pude sentir seu olhar em mim.
- Eu não preciso te ajudar e não, não é minha obrigação fazer isso – comecei e me virei lentamente pra ele – mas eu quero te ajudar.
Ele sorriu, triste, e se levantou também. Olhou pela janela lá fora e apontou pra uma casa em frente a minha.
- Eu morava ali, sabia?
Olhei pra ele, incrédula.
- Quando?
- Morei ali até os 10 anos. Morava com o meu avô e com a minha mãe, mas depois que ele morreu, ela não quis mais morar aqui – ele fez uma pausa e voltou a olhar pra mim – eu me lembro de quando você se mudou pra cá – ele falou, sorrindo – era inverno e eu tinha uns 8 anos. Estava fazendo um boneco de neve na frente de casa quando vi você chegando com o seu pai.
Sorri, lembrando-me vagamente daquele dia. Ele deu uma risada e continuou.
- Você estava brava, e muito fofa, devo dizer, com as bochechas vermelhas e a carinha de irritada. – ele riu mais uma vez.
- Eu me lembro – falei – eu não queria vir pra cá! – senti uma nostalgia enorme se apossando de mim.
- É, e você bateu o pé e disse que a casa era feia e que não ia entrar nela. Detalhe: a sua casa é a mais bonita da rua. – ele me olhou sorrindo e balançando a cabeça negativamente, como se não aprovasse a birra que eu havia feito aquele dia – Você ficou bem uns dez minutos brigando com o seu pai dizendo que não ia entrar...
- Nem mesmo eu me lembro muito bem disso – disse, rindo – E por que está me falando isso agora?
- Porque, naquela época, eu achava as garotas chatas e sem graça. Na escola, eu fugia delas – ele disse, com um sorrisinho sapeca – Mas quando te vi, não sei por que, mas quis ficar perto de você. Acho que porque, mesmo quando você era mais nova, você era uma menininha decidida – ele riu – eu gosto de pessoas decididas.
Eu ri também, sentindo algo se remexendo loucamente no meu peito.
- Me diz o que eu posso fazer pra te ajudar. – falei, de repente.
- Você já me ajuda – ele riu da minha cara de dúvida – Você me distrai, me faz querer passar mais tempo conversando com você do que... Fazendo outras coisas – percebi que ele ainda se sentia incomodado por falar naquele assunto – E eu parei um pouco... Diminuí a frequência, entende? – ele me olhou nos olhos e entendi que estávamos na mesma situação, que eu também havia diminuído a frequência com que me machucava porque ele me fazia bem. Sorri com o pensamento de que eu fazia bem a ele.
- Não sei... Mas acho que se você me deixar ficar mais tempo com você – ele começou, constrangido – já ajuda.
- Claro – falei rápido demais e ri – por mim, tudo bem, eu posso te aguentar mais um pouco.
- Se eu soubesse que ser seu amigo ia me fazer tão bem, teria começado nossa amizade antes – ele falou, rindo e bagunçando o meu cabelo.
Ri junto com ele, enquanto sentia um aperto no peito.”


Soube o que devia fazer pra ajudá-lo. Precisava mantê-lo distraído por tempo suficiente... Não poderia deixar brechas. “Você pode fazer isso... Não vai ser nenhum sacrifício” sorri com meus pensamentos, até ouvir uma vozinha chata me dizer “ele só quer a sua amizade, idiota”. O sorriso se desmanchou e senti vontade de chorar. “Quer saber?” respondi “estou muito satisfeita em ter a amizade dele”. Percebi que já estava adormecendo e me entreguei ao sono, mas ainda pude ouvir a vozinha dizer: “Porque isso é tudo o que você pode ter... Amizade.”

Capítulo 11

Os dias se passaram e eu e fizemos tantas coisas que eu me sentia exausta. Falei com o meu pai sobre ele, porque agora ele nos veria muitas vezes juntos. Já havíamos limpado a minha garagem em um dia e tinha tanta tralha lá dentro, que até agora não consigo entender como aquilo tudo cabia lá. Outro dia limpamos os fundos da minha casa e no outro ajudamos a mãe dele com a mudança. O aluguel do apartamento deles havia aumentado e o dinheiro que ela usava pra pagar era o dinheiro do aluguel da casa do avô de . Como a casa não era alugada pra ninguém há meses e eles não tinham como manter duas casas, se mudaram de volta pra minha rua. Agora éramos vizinhos e eu estava tentando não me empolgar demais com isso, mas admito que as coisas ficaram bem mais fáceis.
Ficamos entretidos com a mudança durante uns bons três dias, revezando entre trazer as coisas e arrumá-las na casa. Divertíamo-nos muito, por mais incrível que pareça, falando besteiras e rindo das fotos de quando era bebê, que a mãe dele ainda guardava.
vendeu o carro e pagaria a dívida no sábado. Ainda não sabia o que ele disse pra mãe dele sobre o carro, porque ele não comentou nada comigo. Insisti em ir com ele entregar o dinheiro, mas ele não deixou e, todas as vezes que eu tocava no assunto, ele fugia.
Já era sexta feira e eu acordei um pouco tarde demais. Me troquei e comi alguma coisa. Quando terminei, dei um beijo no meu pai e disse que ia ver o .
Toquei a campainha, mas ninguém me atendeu. Toquei de novo e nada. A mãe dele devia estar trabalhando e o , provavelmente, dormindo. Tentei abrir a porta e estranhei o fato dela estar aberta.
- ? – chamei. Ninguém me respondeu.
Subi as escadas e parei em frente ao quarto dele. Achei que não devia entrar, porque ele poderia estar de cueca e tudo o mais, e seria constrangedor. Meu coração estava acelerado e eu ainda não sabia o porquê. Abri a porta devagar, tentando olhar lá dentro.
- , a porta estava aberta e...
Parei quando o vi jogado no chão, com as mesmas roupas que ele usava quando saiu ontem da minha casa.
Corri até ele e percebi que ele não estava machucado. Tentei acordá-lo, mas ele não se mexia. Estava entrando em pânico, quando percebi o cheiro estranho que eu havia ignorado até então e que emanava dele.
- Ah, não... – disse, sacudindo-o, desesperada, querendo que ele acordasse e dissesse que estava bem. Coloquei os dedos em seu pescoço, tentando sentir pulsação. Lenta. Muito lenta. Ele respirava pesadamente e eu fiquei com medo, não sabia o que fazer. Estava começando a me sentir enjoada, sentei ao lado dele e coloquei a cabeça entre os joelhos, tentando acabar com o enjoo e pensar no que fazer.
- ? – ouvi-o sussurrar e dei um pulo.
- Graças a Deus – disse, desesperada, olhando pra ele que parecia se esforçar pra manter os olhos abertos. – Você consegue levantar? – perguntei, infeliz, lembrando que já havia feito a ele essa pergunta.
Ele não respondeu e tentei levantá-lo. Levei-o até o banheiro e o coloquei embaixo do chuveiro, rezando pra que a água gelada o fizesse melhorar. Liguei o chuveiro e o deixei lá, de roupa e tudo, e ele pareceu acordar. Encostei-me à parede oposta, tentando me acalmar. Ele me encarava com uma expressão triste que me fez sair dali.
Peguei uma toalha e entreguei a ele enquanto separava algumas roupas. Saí do banheiro, fechando a porta, pra esperar ele se trocar. Voltei para o quarto e abri as janelas, querendo que aquele cheiro fosse embora quando o ouvi entrar no quarto e se deitar de bruços na cama, com os cabelos molhados. Ele olhou pra mim e eu me ajoelhei ao lado dele.
- Desculpa – sussurrou – eu não consegui.
Levantou a mão e tocou o meu rosto, secando uma lágrima que eu não percebi que havia deixado cair.
- Eu não consegui – repetiu, como uma criança.
- Tudo bem – eu disse. Fiz um carinho rápido nos cabelos dele e o vi fechar os olhos – descanse. Vou preparar algo pra você comer - disse, me levantando.
- Não! - ele quase gritou e agarrou a minha mão. - Fica aqui comigo, por favor. Sentei ao lado dele na cama e ele apoiou a cabeça no meu colo. Enquanto eu mexia em seus cabelos, o vi suspirar e fechar os olhos. "Droga", pensei, triste, desejando que se eu fechasse os olhos e os abrisse novamente, ainda estaria deitada na minha cama, preparada pra um dia feliz com .

Ele acordou três horas depois, parecendo melhor e, quando disse que ia pra minha casa, ele pediu que o esperasse.
Tomou outro banho e comeu alguma coisa. O silencio entre nós estava me consumindo e eu não sabia o que dizer. Muito menos o que sentir.
, - Desculpa – ele disse quando nos sentamos no sofá da sala. – eu não queria fazer isso, mas eu estava nervoso, achei que podia me acalmar um pouco... Desculpa!
- Não me peça desculpas – falei, irritada – você não fez nada pra mim.
- Te decepcionei. – ele falou com a cabeça baixa.
- Decepção não é nada comparada ao que você fez com você mesmo! – falei friamente.
O silencio se prolongou e eu queria ir embora. Sentia-me decepcionada, frustrada, um lixo.
- Não quero te levar porque não sei o que eles podem fazer com você. – falou, de repente, se referindo aos traficantes que estavam cobrando ele.
- Você acha que eles podem fazer algo? – perguntei, receosa, me esquecendo de ser fria.
- Não sei, mas não vou arriscar – ele respondeu, decidido.
- Não quero que você vá – disse – não sozinho.
- Eu não vou te levar, nem adianta, já conversamos sobre isso.
- E se acontecer algo com você? – perguntei, me levantando – e se eles te baterem de novo ou fizerem algo pior? Eu quero ir! – ele ia protestar e eu gritei – Você me deve isso, . Eu tentei esse tempo todo te ajudar e no fim, você simplesmente esqueceu de tudo isso, foi lá e se drogou de novo! – ele fez uma cara tão triste, que quase me arrependi do que disse. Quase. – E se acontecer algo com você? – repeti, diminuindo o tom de voz.
- Se acontecer algo comigo – ele me olhou nos olhos, também se levantando – não quero que aconteça com você também.
- Então pode mesmo acontecer algo? – falei, irritada, apontando um dedo na cara dele – você me disse, me garantiu que eles não fariam nada!
- Eu sei – ele gritou – eu sei o que eu falei, mas eu não tenho mais tanta certeza.
- Então você devia ter me dito antes! – gritei também – Eu tinha o direito de saber, não acha?
- Saber do que? – com a nossa gritaria, nem ouvi a mãe dele chegar em casa e agora ela nos olhava, curiosa.
- Nada, mãe! – disse, com raiva. Virando-se de costas pra mim.
- É, não é nada! – eu falei, olhando pra ele. – Nada com o que eu ou a senhora devêssemos nos preocupar – falei, com amargura.
- ... – ele chamou.
- Tenho que ir pra casa. Boa noite.
Dei um beijinho na senhora e tentei sorrir, mas tenho certeza que tudo o que consegui foi fazer uma careta.
Fechei a porta e atravessei a rua, sentindo o ar frio do início da noite bater em meu rosto.
Entrei em casa e meu pai estava jogado no sofá, assistindo TV.
- Mas já...? – perguntou. Sem responder, subi em direção ao meu quarto e bati a porta.

Capítulo 12

Senti-me horrível. Joguei-me na cama e tentei não pensar. Sabia onde aquilo acabaria e eu não queria. “Não pense!”, dizia pra mim mesma, mas não adiantava.
Eu estava me sentindo forte, tão forte com ele ao meu lado aquele tempo todo. Fazia muito tempo que eu não cedia àquela minha vontade idiota, doentia... Por causa dele.
Sentei-me, tentando secar as lágrimas e corri para o banheiro. Encostei-me à parede e ainda tentei resistir. Já havia resistido por tanto tempo. Nós havíamos resistido por tanto tempo! Mas depois de saber que ele não aguentou, me senti encurralada, como se segurasse a ponta de uma corda onde ele havia soltado o outro lado. Foi quando percebi que estava o usando como apoio, me agarrando ao fato de que ele havia resistido às drogas por tanto tempo, que o mínimo que eu deveria fazer seria resistir àquela mania doentia de me mutilar constantemente, vezes e vezes seguidas.
Mas ele se rendeu, por que eu tinha que permanecer forte? Por que tinha que resistir?
Abaixei-me e vasculhei o fundo do armário, procurando a minha velha amiga-inimiga que eu escondia em uma caixinha. Quando achei, me encostei de volta na parede e levantei a manga da minha blusa. Olhei para as cicatrizes dos cortes antigos friamente, posicionei a lâmina e puxei. A dor me invadiu e eu senti aquele pequeno alívio antigo. “Doentio”, pensei, posicionando a lâmina novamente, tentando enxergar através das lágrimas.
Havia conseguido. Não pensava em mais nada, só na dor e no que eu acabara de fazer. Parei depois que fiz o terceiro corte, quando ouvi meu pai gritar de lá de baixo que estava saindo. Pensei ter ouvido vozes lá, mas logo depois ouvi o barulho da porta. Comecei a chorar mais ainda e tentei me controlar. Sequei o rosto depois de largar a lâmina no chão, indo lavar os cortes. Ardeu tanto que quase gritei. Estava observando meu sangue correr pelo ralo misturado com a água...
- O que você fez? – ouvi e dei um pulo, assustada. Virei-me e não acreditei que estava vendo parado na porta do meu banheiro, olhando da lâmina no chão para o meu braço.
- O que você está fazendo aqui? – gritei e tentei fechar a porta.
Ele a empurrou e me encarou, me segurando pelos ombros.
- ... O que foi que você fez? – ele me olhava, incrédulo, mas ainda consegui ver a decepção nos olhos dele, o que me cortou por dentro, mais fundo do que qualquer lâmina poderia ter feito.

Tentar explicar foi a pior parte. Achei que tinha sido difícil quando a descobriu, mas foi um milhão de vezes pior contar pra ele. Ver a decepção nos olhos dele a cada palavra que eu dizia. Tentar explicar pra ele o que eu estava fazendo estava acabando comigo.
Comecei a andar de um lado para o outro, tentando me acalmar e querendo que ele falasse alguma coisa. Não aguentava mais aquele silêncio. Comecei a pensar que ele sentiria nojo de mim, agora que sabia o que eu fazia comigo mesma.
Ele se mexeu na cama e eu olhei pra ele. Vi ele se levantar e caminhar até a porta, fechando depois de sair. Estava tudo acabado. Qualquer coisa que estivesse acontecendo entre nós, havia acabado. Não teria nem a amizade dele.
Fiquei parada lá, sozinha, me sentindo menos que um nada. Ouvi um barulho na porta e o vi entrar de novo.
- Você não pode mais fazer isso! – esbravejou, indo em minha direção e não liguei quando ele agarrou os meus braços e me sacudiu, de tão aliviada que eu estava por ele ter voltado. – Está me entendendo? Não pode! – ele gritava como um louco – Isso é insano, doentio! Já imaginou que você pode se cortar de um jeito sério? Pegar em alguma veia importante? Você tem que parar com isso! É doentio, é perigoso!
- Olha quem fala! – eu ri, me livrando dele – Tem noção do que você faz? – encarei-o, a raiva explodindo no meu peito. – Eu sei que o que eu faço não é certo, mas quem é você pra me falar que o que eu estou fazendo é perigoso? Acha que se drogar é saudável? – gritei e joguei um travesseiro nele – eu pelo menos não dependo de ninguém, não apanho de ninguém e não fico devendo pra ninguém! – joguei outro travesseiro na direção dele, mas ele desviou – Eu não corro o risco de ter um ataque e morrer – joguei o edredom e já estava pensando quanto tempo levaria até conseguir jogar o colchão naquele rosto bonitinho – O que eu faço é errado, eu sei disso! Sei disso e não me orgulho! E você? O que você pode falar de mim? Você é um hipócrita! – terminei e percebi que lágrimas cobriam meu rosto. Minha respiração estava acelerada e eu tentei me recompor. Abaixei a cabeça e, para a minha surpresa, senti braços me envolvendo, em um abraço desajeitado, mas definitivamente um abraço.
Eu estava nos braços dele.

Capítulo 13

Estávamos sentados na cama e ele ainda me abraçava. Ficamos tanto tempo em silencio, que me assustei quando ouvi sua voz de novo.
- Não sei se você se lembra do Mike, um loiro alto, repetente e tal...
- Lembro – eu disse, em uma voz fraquinha.
- Ele estava na detenção e eu também – não entendi aonde ele queria chegar com esse papo, mas escutei, prestando atenção – Não sei o que ele fez, mas eu havia jogado umas bolinhas de papel higiênico molhado no teto do banheiro...
- Eca! – interrompi, olhando pra ele.
Ele riu e colocou uma mecha do meu cabelo atrás da orelha.
- Eu sei – continuou – Sabe como é... Primeiro ano na escola, queria fazer algo pra me divertir, mas...
- E o seu jeito de se divertir é jogando papel higiênico molhado no teto da escola?
- Melhor do que jogar travesseiros nas pessoas, não acha? – ele disse, rindo – comecei a achar que você ia querer jogar a cama também.
Dei um tapa nele e fiz sinal pra ele continuar.
- Enfim, a inspetora me pegou no ato e me levou até a diretoria. E, além de pegar três dias de detenção, ainda tive que limpar aquela sujeira.
- Que você mesmo fez... – interrompi novamente, sorrindo.
- Ok, senhorita Eu-Adoro-Interromper-O-, posso continuar agora? – Ele perguntou, com uma sobrancelha erguida.
- Só mais uma coisa – falei e ele assentiu, de má vontade, me deixando falar. – Meu pai é foda. – falei e ri da cara dele de indignado.
- Ele me fez limpar aquela porcaria todinha e você diz que ele é foda?
- Sim, você mereceu! – falei, com um sorriso e ele bagunçou meu cabelo.
- Agora eu já posso continuar?
- Sim, senhor.
- Ótimo. Bom... Ele estava na detenção e eu também. Começamos a conversar e logo fizemos amizade. Ele me chamou pra ir a uma festa na casa dele e eu fui. Lá rolava de tudo o que você possa imaginar – ele olhou pra mim e continuou. – Já tinha ido a festas assim antes, mas essa era bem pesada. O Mike me ofereceu um cigarro. Era maconha, claro, e eu não queria parecer um idiota perto da turma dele, então aceitei – ele sacudiu a cabeça, como se estivesse pensando que idiota mesmo foi ter aceitado – Depois do primeiro, fumei o segundo, o terceiro e assim por diante. Eu não estava acostumado, fiquei mal e então o Mike me disse pra dormir na casa dele, porque não ia ser legal minha mãe me ver naquele estado. Depois que acordei, achei que tinha ganhado um ótimo amigo, ele não queria que eu me desse mal. – ele parou e eu esperei. – Pensei em não fazer mais isso, mas comecei a sair com a turminha dele e sempre acabávamos do mesmo jeito, jogados na rua, chapados. Eu era o excluído no colégio, me senti bem por ser aceito entre eles, entende? – assenti e ele continuou – Passei da maconha pra cocaína, o Mike sempre me oferecia e eu aceitava. Percebi que não conseguiria mais parar quando eu comecei a pedir pra ele. Quando o que eu tinha em casa acabou, fui atrás do Mike. Até então, ele não me cobrava nada, mas naquele dia ele disse que eu tinha que ir até o fornecedor com ele e ajudar a pagar, se quisesse mais. O lugar era bem tenso, na pior parte da cidade, mas eu já estava lá mesmo, então fui até o fim – ele apertou a minha mão e começou a falar mais rápido, como se quisesse acabar logo com aquilo. – Eu voltei lá mais vezes, mas não tinha dinheiro suficiente. Eu aumentava a quantidade e eles o preço. Começaram a cobrar mais caro do que deveria ser. Roubei a minha própria mãe pra comprar mais droga – ele olhava pra frente, como se estivesse perdido em lembranças ruins. E estava mesmo - Ela desconfiava, eu negava, a gente brigava... Tentei arrumar um emprego pra pagar o que eu já devia, eles abriram uma espécie de conta pra mim e ela só aumentava. Não parei em nenhum emprego, eu me irritava, xingava as pessoas, era grosso e quebrava tudo nas piores situações – ele me fitou, envergonhado, parecendo só se lembrar agora da minha presença – A minha mãe ficou sabendo dessas coisas e teve que pagar os estragos que eu fazia. Nessa época, os poucos colegas que eu tinha na escola se afastaram de mim, não queriam mais papo. Briguei sério com a minha mãe depois que o dinheiro do aluguel sumiu e ela me acusou. Saí de casa e não tinha pra onde ir. Fui pra casa do Mike e dormi lá, fiquei uns três dias, mas ele me disse que não podia mais ficar, que ele não era a minha mãe e que não tinha nada a ver com a minha vida e meus problemas. Briguei com ele e saí de lá arrasado, sem saber o que fazer, fiquei uns dias na rua, que nem mendigo, e sempre drogado, usando tudo o que eu havia pego na casa do Mike. Voltei pra casa quando não aguentei mais. Minha mãe estava horrível – pude ouvir o arrependimento na voz dele - Tinha chamado a policia pra me procurar e tudo... No outro dia o Mike apareceu, disse que a policia tinha ido à casa dele me procurar e acharam drogas lá. Ele não estava em casa, mas o seu pai havia sido preso. Me senti pior e não sabia o que fazer. Começaram a me ligar, me cobrando, e, um dia, um dos caras foi lá em casa, atrás da minha mãe – ele olhou pra mim e eu entendi o que ele quis dizer. Ele bateu no cara que cobrou a mãe dele e aquele dia que o encontrei caído no beco tinha sido a vingança dos caras. – e mesmo depois de tudo isso, de ver a decepção nos olhos da minha mãe, de a ouvir dizer que não sabia o que fazer comigo, depois de mentir pra ela todos os dias e me odiar por isso, mesmo depois de passar dois dias como um mendigo, de pensar que iam me matar, eu ainda queria mais. Arranjei com um velho amigo e tenho usado aos poucos, com medo de que acabe, mas começou a ficar difícil. Os traficantes me ameaçaram, cobraram bem mais do que o que eu devia pelo atraso, eu não sabia o que fazer... Então você apareceu. – ele fez uma pausa, suspirou e recomeçou - Depois que eu te contei, resisti por muito tempo. Até ontem, pra ser mais exato. Mas então eu me senti um merda. Estava com medo, tinha vendido meu carro e não queria mais ver aqueles caras. Queria relaxar, me desligar um pouco do mundo. Depois que saí daqui, andei por aí, sem rumo, e encontrei com o velho amigo de quem eu falei, ele me levou pra uma festa do outro lado da cidade. Alguém deve ter me trazido pra casa, não sei, porque só me lembro de ter chegado até a festa, de me oferecerem droga e depois apaguei. E lembro de que, quando acordei, te vi do meu lado – ele falou, me olhando nos olhos com uma intensidade enorme – você estava lá quando eu mais precisava de ajuda.

Ficamos muito tempo em silêncio. Fiquei pensando em tudo que ele passou, tudo que ele renunciou por causa das drogas. Encarei-o e ele retribuiu meu olhar. Houve um trato silencioso entre nós: não falar mais sobre isso.
Senti que devia a ele uma explicação também e me surpreendi quando percebi que queria contar a ele, desabafar, como ele acabara de fazer.
Passei a mão no meu braço e me preparei pra contar, mas percebeu isso e colocou um dedo nos meus lábios.
- Você não precisa se sentir na obrigação de me contar.
- Eu quero contar. – falei de um jeito estranho, porque o dedo dele ainda estava na minha boca. Ele riu e abaixou a mão.
- É serio, não precisa...
- Eu quero contar – repeti – vai me ouvir ou não? – falei com grosseria demais e me arrependi na mesma hora. Pra minha surpresa, ele colocou uma mão na minha nuca, me puxando pra perto, colando a minha testa na dele.
- Você sabe que não precisa. - ele disse, com uma voz rouca.
Percebi que tinha prendido a respiração quando respirei fundo em seguida, sentindo o cheirinho dele. Meu coração batia tão forte que não me surpreenderia se pudesse ouvi-lo.
- E-eu quero contar... – Falei. Ele sorriu e me deu um beijo na testa.
- Então, conta.
Comecei pela parte mais difícil. Minha mãe. Contei a ele que ela havia traído o meu pai, por isso se separaram. Que ela foi embora de casa sem mais nem menos quando eu tinha seis anos, e ficou meses sem dar notícias. Contei como meu pai ficou destruído e que havíamos nos mudado porque ele não queria ter mais nenhuma lembrança relacionada a ela. Disse que eu não queria vir pra cá porque ainda tinha esperanças de que ela aparecesse na nossa antiga casa, pra ficar, e queria estar esperando por ela. Depois de quase um ano sem notícias, ela entrou em contato, disse que estava vivendo com seu amante e que estava grávida.
- Meu pai pareceu definhar – contei – ele bebia muito e descontava em mim, às vezes. Até hoje não sei se ele se recuperou totalmente. Minha mãe aparecia, às vezes, dando uma de preocupada, me perguntando sobre a escola e os garotos. Conforme fui crescendo, entendi melhor as coisas e comecei a me culpar por ela ter ido embora. Comecei a achar que a vida era injusta com o meu pai, que nunca fez nada de errado. Ele melhorou um pouco e, então, começamos a fingir que nada havia acontecido, não tocávamos no nome dela. Mas eu ainda me sentia culpada, sempre me senti. E o meu pai nunca disse o contrário. O tempo passou e eu me acostumei a ser sozinha. Passava muito tempo em casa, sem ninguém. Meu pai arranjava um milhão de coisas pra fazer e eu percebi que era pra se distrair, pra não pensar nela. Me sentia muito sozinha às vezes, não tinha amigos na escola e o único que eu sabia que podia contar era o , mas ele morava em outra cidade. Teve uma época que cansei de ser forte. Chorava todas as noites, minha vida era uma bagunça, minha mãe não me queria, meu pai provavelmente estava pior que eu e eu não sabia o que fazer pra mudar isso. Começou a voltar a raiva que eu sentia do mundo pra mim. No começo, fazia cortes pequenos e percebi que pensar neles, na dor que eles causavam, me distraía, eu não pensava tanto em tudo o que eu queria mudar e não conseguia. Aliviava. Eu tinha treze anos quando comecei. Então mudei pra nossa escola e as coisas melhoraram um pouquinho, porque conheci a . Mas ela já estava no ultimo ano e eu tinha medo que ela fosse como todas as outras coisas da minha vida: passageira. Ela iria se formar, iria pra uma faculdade e iria me esquecer. No meio do ano, se mudou pra cá, então as coisas ficaram realmente boas. A única coisa ruim é que eles não se entendiam, não conseguiam ficar muito tempo juntos perto um do outro porque sempre brigavam. Tentei mostrar a eles que não era tão ruim ficarem juntos e então eles se tornaram amigos e tudo ficou perfeito. Eles começaram a namorar, fiquei muito feliz por eles e percebi que teria a minha melhor amiga, mesmo depois que ela saísse da escola. Eu havia parado de me cortar. Mas então me senti trocada de novo. Me senti uma intrusa na relação deles. Sempre atrapalhava quando eles queriam ficar sozinhos. Eu era um peso. Eles diziam que não, me queriam por perto, o me apresentou alguns amigos dele, mas nenhum deles combinava realmente comigo. Uma vozinha chata na minha cabeça me dizia que eles tinham pena de mim, porque eu era sozinha. Me afastei um pouco deles e então comecei a fazer de novo... – toquei no meu braço e deixei minha voz morrer no silêncio.
Ele me abraçou forte quando percebeu que não conseguiria dizer mais nada. Quando me soltou, sentou-se de frente pra mim e puxou pra cima a manga da minha blusa, deixando à mostra as marcas que eu mesma havia feito. Não senti vergonha, pela primeira vez.
Ele passou a mão pelo meu braço, cobrindo toda a extensão dos machucados. Devagar, como se tivesse medo de que eles reabrissem, mas com toda a determinação que pôde demonstrar através de seu toque, como se quisesse fazer com que cada uma das feridas sumisse.
- Você não precisa mais disso – ele disse – Não precisa mais se sentir sozinha, porque você não está! Eu vou sempre estar aqui – prometeu – não precisa mais fazer isso – ele repetiu, me abraçando.
- Não vai mais sair do meu lado? – perguntei, retribuindo o abraço.
- Eu não posso – ele disse, com um estranho tom de voz – e mesmo se pudesse, não iria querer.

Capítulo 14

Já era sábado, véspera de Natal, e eu andava de um lado para o outro no meu quarto, esperando ele me ligar quando estivesse voltando pra casa. Almoçamos juntos aquele dia, e eu relembrei nossas últimas horas juntos.
“- Para, seu idiota – eu dizia, rindo, enquanto ele me puxava pra dançar com ele uma música estranha que tocava no rádio. Parecia salsa.
- Anda, , você tem que se distrair, tá parecendo a minha mãe! – ele disse e riu alto da cara que eu fiz – Agora você tá parecendo ainda mais com ela.
Bati nele, mas acabei não resistindo. Ficamos dançando muito tempo na cozinha da Sra. , enquanto ela preparava o almoço e ria de nós, arriscando algumas dancinhas de vez em quando.
Eu, supostamente, estava ali para ajudá-la, mas não deu muito certo.
- Estou sentindo um ar de preocupação por aqui – ela disse, depois de quase dez minutos em silêncio, nos quais eu e apenas trocávamos olhares ansiosos – O que está acontecendo?
- Nada… – respondemos juntos e rimos, ainda nervosos.
- É só… Bom, não gosto muito de Natal. – ele disse o que pareceu ser a primeira coisa que veio à cabeça. Quase cuspi o suco que estava na minha boca, de tão tosca que achei aquela resposta.
- Pelo amor de Deus, , o que isso tem a ver? – a mãe dele disse, rindo, e resmungou algo sem sentido. Logo mudamos de assunto e ela não perguntou mais nada sobre aquilo.
Quando a Sra. se levantou para atender o telefone, disse pra mim:
- Para de fazer essa cara de assustada, ela tá desconfiando.
- Cara de assustada? – perguntei, indignada – Você deveria ver a
sua cara, , parece que está esperando na fila da forca.
Ele riu, mas me ignorou, pois sua mãe havia voltado.
Quando acabamos, fomos para a sala, enquanto a Sra. se arrumava para visitar alguns parentes que disse decididamente que não iria sequer desejar um Feliz Natal.
- Quando você vai? – perguntei, receosa.
- Quando ela sair. – respondeu, simplesmente e sorriu pra mim, tentando me tranquilizar.
- Me deixa ir… - comecei.
- Nem pensar, , já te disse isso.
- Eu não vou aguentar ficar em casa sem saber quando você volta. Sem nem saber
se você volta. – falei, chorosa, rezando pra que ele me entendesse.
Ele me olhou de um jeito que não soube explicar, mas que soube que seria o olhar dele que eu mais amaria. Era como se eu visse carinho nos olhos dele. Muito carinho. Sorri, sem querer, por pensar que, se estivesse certa, aquele carinho seria por mim.
sentou perto de mim no sofá e levantou uma das mãos para acariciar meu rosto, mas sua mãe entrou na sala e ele rapidamente abaixou a mão.
- Estou saindo, crianças – ela disse, de um jeito divertido – comportem-se!
Ela saiu e ouvimos o barulho de seu carro quando este ligou.
- Não vai acontecer nada comigo – ele disse, me olhando nos olhos e eu acreditei nele.
- Promete? – perguntei, como uma criança. – Promete que vai voltar pra mim? – acrescentei e logo senti meu rosto queimar de vergonha. Como sou estúpida.
Ele sorriu e se aproximou mais. Passou um braço por cima do meu ombro e com a outra mão levantou meu rosto, me fazendo olhar em seus olhos.
- Eu prometo – ele disse baixinho, com a voz um pouco rouca e aproximou seu rosto do meu.
Meu coração batia acelerado. Meus sentidos ficaram mais aguçados e eu sentia como se pudesse ler todas as letrinhas daquele livro que estava em cima da televisão, há cinco metros de distância.
- Uau – ouvi uma voz e logo nos afastamos, em um pulo – eu disse pra
se comportarem – a mãe de dizia, com uma expressão de desapontamento no rosto, mas logo sorriu. – Voltei porque esqueci os presentes – acrescentou e subiu correndo as escadas.
Virei-me pra frente e apoiei minha cabeça nas mãos, sentindo meu rosto queimar.
Tão perto.
- , tá tudo bem? – perguntou, tentando tirar minhas mãos do rosto. – Você tá chorando?
Ri ainda mais. Quando ele viu que eu estava rindo, começou a rir também, mas seu rosto também estava muito vermelho e eu não sabia o que falar.
Quando a Sra. desceu as escadas, ainda estávamos rindo. Ela balançou a cabeça e saiu, sem dizer uma palavra.
Olhei pra e ele parou de rir. Levantou e me encarou.
- É melhor você ir pra casa… – ele disse, em uma voz controlada.
- Ok – disse, me levantando e caminhei até a porta. – Boa sorte.
- Espera. – ele me puxou de volta tão rápido que, quando percebi, já estava em seus braços.
Ele me abraçou forte e eu não tinha vontade nenhuma de sair de dentro daquele abraço.
- Não se preocupa, eu vou voltar.
Inteiro – acrescentou e riu. Senti o hálito quente dele no meu pescoço e suspirei.
- Tudo bem – eu disse, lutando pra me afastar dele. – Eu vou te esperar – pisquei e sorri, vendo-o sorrir de volta.”


Meu celular tocou e eu quase o deixei cair no chão, no nervoso pra atender.
- Alô? – falei, ansiosa.
- Feeeeeeeeliiz Nataaaaaaaaaaal, primaaaaaaaaa! – ouvi gritar e suspirei de decepção.
- Ah, oi, .
- Nossa, que animação pra falar com seu primo mais gato e gostoso. – ele disse, rindo. Ri também.
- Claro que você é o mais gato e gostoso. É o meu único primo – disse e ri, quando o ouvi protestar. Sentei-me na cama enquanto conversava com ele.
- A tá te mandando um beijo. Vamos viajar daqui a pouco pra casa da minha mãe, e você sabe, lá não tem sinal, por isso tô te ligando agora – ele disse.
- Manda um feliz Natal pra ela – eu respondi, tentando soar animada – E pra tia também! Você vai agora?
- Tô colocando a mala no carro.
Ouvi um “Feliz Natal, vindo da e sorri.
- Ouviu? – perguntou, rindo.
- Ouvi sim – eu disse, rindo também. – Manda um beijo enorme pra essa ridícula – eu disse, me empolgando – fala que eu amo ela, mesmo que ela seja uma idiota.
- Outch, é assim que trata o meu anjinho? – ele perguntou, indignado.
- Eca – eu disse - Para de ser meloso, !
- Não consigo – ele disse, com uma voz chorosa e eu ri alto. – Tenho que desligar agora, . Se cuida, pequena. E nada de ficar muito tempo com esse tal de . Ainda nem conheci esse moleque, portanto, ainda não te dei permissão pra ficar de agarramentos com ele!
- Agarramentos? – perguntei, rindo – Vai se ferrar, ! – ouvi a gargalhada escandalosa dele e sorri, sentindo saudades. – Feliz Natal, meu chatinho. Quando puder me liga, ok?
- Ok – ele disse – Te amo, prima. Se cuida.
Remexi-me inquieta na cama, me lembrando de e ficando ainda mais preocupada. Joguei-me pra trás e coloquei o travesseiro no rosto. Será que vai demorar tanto assim?
Ouvi o toque do celular e dei outro pulo. Dessa vez olhei no visor e meu peito se encheu de alívio quando vi que era uma ligação dele.
- Já saiu? – perguntei, sem nem dizer um oi.
- Já – ele disse, rindo. – Vem aqui me ver.
- Aqui onde? – perguntei surpresa, me levantando.
- Aqui na porta da sua casa. – ele disse e, como não obteve resposta, acrescentou – Tô aqui, inteiro, esperando você vir checar.
Soltei uma risada estranha e desliguei o celular, jogando ele na cama e correndo até as escadas.

Capítulo 15

Pulei no pescoço dele sem nem esperar que ele dissesse algo. Finalmente pude respirar aliviada.
Ele me abraçou forte, e eu pude sentir o cheirinho de sua pele. Soltei-o quando percebi que estava fazendo uma cena de novela mexicana no meio da rua.
- Como foi lá? – perguntei – O que eles falaram? O que eles fizeram? Eles te ameaçaram? Você conseguiu pagar? – Disparei tão rápido e desesperadamente que riu de mim.
- Respira, ! – ele disse – Eu consegui pagar. Não devo mais nada pr'aqueles babacas – ele me abraçou de novo e tinha um sorriso bobo no rosto. – A partir de agora, vida nova, ! – ele disse no meu ouvido e eu sorri. Quando ele me soltou, foi apenas o tempo suficiente pra parar de me abraçar e colocar as mãos no meu rosto, me puxando pra perto, encostando seu nariz no meu. Senti minha pele arrepiar. Não pude deixar de sorrir, vendo-o tão feliz como estava.
- Vida nova, – eu repeti, baixinho.
Ele me olhou no fundo dos olhos e parecia conseguir ver minha alma.
- Você é tudo – ele disse, se aproximando ainda mais, acariciando meu rosto – Você é tudo.

Estávamos na minha sala, arrumando os presentes de baixo da árvore. Íamos passar o Natal na minha casa. Meu pai disse que Chris, a professora de matemática e provavelmente sua namorada, ia passar o Natal conosco e disse que se eu quisesse, podia convidar . Ele aceitou, pois sua mãe ia passar o Natal com uma irmã e não queria ir.
Não havíamos conversado muito depois da pequena cena em frente a minha casa. Eu não sabia o que pensar sobre aquilo e muito menos o que dizer. Mas o que havia acontecido continuava voltando a minha cabeça, por mais que eu quisesse esquecer.
“Ele me olhou no fundo dos olhos e parecia conseguir ver a minha alma.
- Você é tudo – ele disse, se aproximando ainda mais, acariciando meu rosto – Você é tudo.
Mesmo sem entender o que ele queria dizer, sorri. Fechei os olhos e podia sentir sua respiração na minha boca. Impossível expressar o quanto eu queria aquilo, mas abri os olhos, lembrando da primeira (e única) vez que nos beijamos.
- Não, – eu disse baixinho, querendo mais que tudo dizer que aquilo era o que eu mais queria. Mas não poderia suportar ver o arrependimento em seus olhos depois, como vira da outra vez.
Ele se afastou e senti meu corpo inteiro doer. Abaixei a cabeça, derrotada, e quis ter coragem suficiente pra dizer tudo o que sentia por ele.
- Vida nova – ele repetiu e eu o olhei. Ele sorria e me deu um beijo no rosto – Vida nova,
mas eu ainda quero você nela.”
A campainha tocou e eu fui atender. Não me surpreendi quando vi Chris parada ali, altamente produzida, com um sorriso simpático no rosto.
Senti uma pontada de ciúmes, mas ignorei. Afinal, depois da minha mãe, meu pai merecia ter a chance de seguir em frente.
Para minha surpresa, ela era bem legal. O silêncio de antes de sua chegada havia acabado completamente. Conversávamos sobre estilos de música quando meu pai me chamou na cozinha, alguns minutos antes da ceia. Deixei conversando com ela e me encaminhai até lá.
- – meu pai começou e eu esperei – Eu preciso conversar com você sobre um assunto muito importante… – ele disse, sem jeito.
- Agora? – perguntei, querendo correr. Já sabia que ele iria me contar sobre seu “namoro” com Chris, mas eu já tinha percebido tudo mesmo…
- E por que não agora?
- Pai… – disse - Já é quase meia noite… E eu já sei que você e a Chris estão juntos mesmo, então podemos pular essa parte – falei com um sorriso e ri da cara que ele fez. – Qual é, pai… Tava meio óbvio, não acha?
- Ah, é? – ele disse, afrouxando o nó da gravata. Assenti e ele olhou pra mim, confuso, como se esperasse algo. – Então… Está tudo bem? Quero dizer… Você não vê isso como um problema? Sem gritos, sem…
- Pai - interrompi, encarando-o – Você está feliz? – ele se surpreendeu com a minha pergunta e demorou alguns segundos pra se recuperar. Sorriu e olhou pra baixo.
- Ela me faz feliz – ele disse, ainda olhando pro chão – A Chris me faz feliz.
- Então, por mim tudo bem – eu disse segura, para aquele homem sofrido a minha frente, mas que apesar de tudo, continuara sendo forte. Ele não desistira. E ele merecia outra chance. - Você merece ser feliz, pai, e se é ela quem te faz feliz, por mim tudo bem.
Meu pai sorriu mais ainda e me abraçou. Aquilo foi tão inesperado que, por alguns momentos, não tive reação. Quando retribuí o abraço, senti um beijo na minha cabeça e o ouvi dizer:
- Eu… Eu te amo, minha filha. – Confesso que lágrimas vieram aos meus olhos quando, finalmente, ouvi tudo o que sempre quis ouvir dele.
- Pai, eu… - comecei a dizer, quando me afastei e o encarei, mas uma lágrima escorreu pelo meu rosto e parecia que havia algo em minha garganta, me impedindo de falar. Apenas sorri e ele sorriu de volta, me abraçando novamente.
- Ah, achei que vocês não haviam percebido que já é Natal – ouvi Chris dizer animada, enquanto entrava na cozinha. Consegui ver vindo logo atrás dela e ela me abraçou, impedindo que eu visse qualquer outra coisa. Logo depois, foi até o meu pai e o abraçou também.
Vi parado na porta da cozinha, olhando pra mim, mas me virei de costas, evitando que ele visse que eu havia chorado. Ouvi meu pai dizer um “Feliz Natal, , espero que nos dê menos trabalho quando as aulas voltarem.” Sorri sozinha e sequei o rosto.
Virei-me de novo e pude ver meu pai me dirigindo um sorriso feliz, enquanto saía de mãos dadas com a minha professora de matemática.
- Ei, Feliz Natal – disse, sem jeito.
Sorri e caminhei até ele. Abracei-o forte por muito tempo e ele retribuiu meu abraço.
- Feliz Natal, – sussurrei em seu ouvido e logo depois estalei um beijo em sua bochecha. – Feliz Natal…

Capítulo 16

Eram exatamente 04h16 da manhã e eu e estávamos sentados na sacada de seu quarto desde às duas e meia, que foi quando meu pai e Chris foram visitar a família dela. As coisas entre eles estavam ficando sérias.
A Sra. já havia voltado da casa de sua irmã e estava em seu quarto, provavelmente dormindo.
-... E então ela subiu na árvore a começou a gritar que aquela seria sua nova casa, que seria filha da natureza ou algo assim e que ninguém ia cortar aquela árvore, que ela chamava de Catherine. – me contava a história de uma de suas primas quando era criança.
- Tô com sono – eu disse, depois que acabamos de rir da história. – Mas não quero dormir agora. – encostei a cabeça em seu ombro e ele começou a brincar com meus cabelos.
- Então, fica aqui. – ele disse, animado, mas deixou sua mão cair de um lado e senti seu corpo ficar tenso. Levantei a cabeça e vi que ele estava com uma expressão estranha. Quando percebeu que eu estava observando, virou pro outro lado, tentando esconder o rosto.
- – chamei, colocando uma mão por cima da dele que estava mais próxima de mim, mas ele a puxou pra longe. – O que foi?
Ele continuou em silêncio e ainda não me olhava. Isso me incomodou.
- ...
- Você não queria, não é? – ele me interrompeu, finalmente olhando pra mim.
- Não queria o que? – perguntei, confusa com seu tom de voz.
- Você sabe... Você não queria, em nenhuma das vezes... – ele viu que ainda o olhava confusa e suspirou – Deixa pra lá. – Ele levantou e eu fiz o mesmo, segurando seu braço, impedindo-o de se afastar de mim.
- Do que você tá falando? – perguntei.
- Você sabe do que eu tô falando – ele gritou e pareceu se lembrar que sua mãe estava em casa e que podia acordá-la com seus gritos. Então diminuiu o tom de voz e continuou – Eu sei que eu sou uma pessoa difícil, mas eu realmente achei... Achei que poderia dar certo. – ele me olhou, triste – Mas você não quis, , você não me quis. – Olhei pra ele, incrédula, quando entendi o que ele estava dizendo. – E eu não aguento mais guardar isso pra mim! Não quero te ver longe de mim, , porque eu prefiro te ter como amiga do que... Do que não te ter. Naquele dia que eu fui atrás de você, no dia que tava chovendo e eu te beijei, foi porque desde o começo eu sabia o que eu queria. Eu queria você – meu coração estava acelerado e eu não sabia o que dizer. Ou pensar – Mas eu não sabia como agir, porque você é diferente das outras garotas, eu não sabia como me aproximar, não sabia nem se devia me aproximar! E aí, eu percebi que tinha feito besteira, te beijando daquele jeito, se nem sabia se você também queria! Mas eu quis você mesmo antes de te contar tudo o que te contei, antes de ser seu amigo, antes de ver a pessoa maravilhosa que você é! E ver isso só piorou as coisas, porque eu... Eu te quis mais ainda, entende? E eu tinha que te dizer isso, porque eu não aguento mais te ver todos os dias e fingir que não sinto nada, que não quero nada além de amizade.
- ... Você – comecei, balançando a cabeça, ainda não acreditando no que ouvia. As palavras fugiam de mim, eu nem conseguia pensar direito – Mas foi... Foi você quem não me quis! – eu disse, um pouco alto demais, quando finalmente consegui organizar meus pensamentos.
- O que? – ele disse, pasmo.
- É - eu falei, me empolgando, e as palavras que antes estavam presas, jorraram de minha boca – Quando você me beijou aquele dia, , você me pediu desculpas! Disse que não devia ter feito aquilo. O que você queria que eu pensasse?
- Eu... Eu só disse aquilo porque achei que tinha feito besteira, achei que você não me queria – ele disse, mais calmo, mas ao mesmo tempo agitado, como se as minhas palavras fizessem algum tipo de sentido que eu ainda não havia entendido. – Como você é boba...
- Boba? – eu disse, começando a ficar com raiva dele. – Boba? E por que você tá rindo, seu idiota? – o empurrei, quando vi que ele ria de mim. – Você acha isso certo? – eu continuei, tentando manter a voz baixa, pra não acordar a Sra. – Você acha certo ir à minha casa, me beijar daquele jeito, pedir desculpas e depois fingir que nada aconteceu? E você acha certo vir agora dizer pra mim que queria aquilo?
- ...
- Você acha certo brincar comigo desse jeito? Eu não sou um objeto, , e eu prometi pra mim mesma há um tempão que ia te ajudar, que ia ser sua amiga e que não ia sentir mais nada por você além de amizade, porque achei que amizade era tudo o que você queria ter de mim...
- Não, não era. – ele me interrompeu.
- Cala a boca que eu não terminei! – disse, irritada – E esse tempo todo eu pensei... Eu passei esse tempo todo tentando tirar você da minha cabeça, tentando fingir que não sentia nada por você! E por que, diabos, você acha que eu tinha que adivinhar que você queria algo comigo? – Senti meus olhos se encherem de lágrimas, mas segurei todas elas – Se você... Se você pudesse ver a sua cara de arrependimento depois que me beijou... Que direito você acha que tem de vir me dizer tudo isso agora?
- Pelo amor de Deus, , fui eu quem foi atrás de você! – ele disse, mais alto que eu – E sim, te acho uma boba, porque você é insegura! – ele disse, me encarando – Porque você acha que seria impossível alguém gostar de você e acha que eu não te queria porque, de alguma forma completamente idiota que só existe na sua cabeça, seria mais fácil explicar que eu me arrependi do que eu fiz do que explicar que sim, eu queria você! – pela pouca luz do quarto, eu podia ver que seu rosto estava muito vermelho – Só que, desde aquela vez, você parece fugir de mim! Eu tenho motivos pra achar que você não me queria...
- Eu tava com medo! – gritei, finalmente o interrompendo. – Com medo de realmente me apaixonar por você e perceber que você só queria curtir...
- Tudo bem... – ele disse, diminuindo o tom de voz – Eu te entendo... Mas eu não quero brincar com você, , eu não te quero só por uns dias! – ele se aproximou e tocou em meu braço, hesitante – Mas vê se entende o meu lado também! Você só fugia de mim e depois que eu te contei sobre as drogas, sei lá, a nossa amizade cresceu e eu achei que podia estragar tudo. Porque ter a sua amizade já parecia o máximo que eu poderia conseguir, considerando tudo o que eu te contei e, afinal, quem ia querer um drogado idiota que nem eu?
- Eu queria! – eu soltei, sem querer, mas repeti baixinho – eu queria.
Ele ficou em silêncio, apenas me encarando, e eu não suportava mais ficar ali. Retribuí seu olhar e sorri pra ele, triste, me virando pra ir embora.
- Não quer mais? – pude o ouvir perguntar, antes que eu alcançasse a porta – Você não me quer mais?
Virei-me e fiz o caminho de volta, chegando até ele. Senti raiva, surpresa, ódio, desejo, compreensão, paixão, tudo ao mesmo tempo, sem saber como era possível sentir tantas coisas de uma vez só.
Em um único ato de coragem que eu achei não possuir, coloquei a mão em sua nuca e o puxei pra perto, acabando com a distância entre nossas bocas que, desde que se separaram, eu sonhava em juntar novamente.
Beijei-o com toda a paixão que explodia em meu peito e que eu sabia que não poderia mais controlar. Ele colocou uma mão em meus cabelos e a outra em minha cintura, me puxando pra mais perto, e eu pude sentir seu coração batendo no mesmo ritmo que o meu.
Eu não sabia quem estava mais desesperado por aquilo. Já estava sem ar quando me afastei dele, contrariando a minha vontade de beijá-lo eternamente.
- Isso responde a sua pergunta? – eu disse, com a voz falha.
Ele deu o sorriso que eu amava e me olhou do jeito que me fazia ter a sensação de que ele podia ver a minha alma.
- Você pode calar a boca? – ele disse, de um jeito carinhoso, me puxando de volta pra si – Porque acho que a gente já perdeu muito tempo e eu não tô afim de desperdiçar mais.

Capítulo 17

Três semanas. Fazia exatamente três semanas que estávamos juntos. Que andávamos de mãos dadas, que assistíamos a filmes de terror abraçados no sofá da sala, que ficávamos o máximo de tempo juntos. Três semanas que me fizeram esquecer o que era ficar triste. Três semanas de paz, mesmo com todas as guerras que travávamos todos os dias. Contraditório? Completamente. Mas aquela era a contradição mais linda que eu já havia vivido, e eu não sentia a menor vontade de me livrar dela. E, o que era engraçado, várias vezes me peguei pensando que eu sempre achei realmente meloso quando a ou o me diziam algo assim e agora, eu é que estava nesse estado de idiotice amorosa.
- O é hilário – ele me dizia, fazendo carinho na minha cabeça, que estava em seu colo, enquanto estávamos apertados no sofá de casa. – E agora eu entendo por que a é a sua melhor amiga. Ela é muito legal!
- Tira o olho – eu disse, estapeando ele e fazendo uma cara de brava – Ela é minha, nem vem!
- Outch! Não precisa me bater, !
- É só pra você ficar esperto – eu disse, rindo da cara dele. – E você tá errado, porque ela é muito mais do que legal. E o meu primo é foda, eu sei.
riu e concordou.
- Gostei de conhecê-los, de verdade.
Sentei no sofá e olhei pra ele, tentando arrumar meu cabelo que estava todo bagunçado.
- Que bom que você gostou – eu disse, sorrindo, perdendo a luta pro meu cabelo – Eles são muito importantes pra mim.
- Eu sei. O único problema vai ser quando eu quiser te dar o fora, porque os dois vão querer me matar – ele disse, com uma cara pensativa, mas logo riu da minha cara de surpresa – Tô brincando, tô brincando, não precisa me bater!
Bati nele do mesmo jeito.
Tentei arrumar meu cabelo uma última vez, mas nem adiantou.
- Para com isso – ele disse, puxando a minha mão do meu cabelo – Você tá linda.
- Claro – eu disse, sarcástica – Muito linda mesmo, parecendo a medusa! Realmente, , o seu senso sobre o que é lindo está meio danificado, sabe?
Ele riu alto e eu voltei a deitar a cabeça em seu colo. Estávamos assistindo Star Wars pela vigésima vez, então deixei meus pensamentos vagarem enquanto me fazia cafuné.
“- Anda, , você parece uma noiva pra se arrumar – eu disse rindo e jogando um travesseiro nele, que estava de frente pro espelho do seu quarto, arrumando o cabelo pela centésima vez.
- Fica quietinha aí, , eu tenho que causar uma boa impressão – Ele disse, fazendo uma voz séria.
- Pelo amor de Deus, , é só o e a , não a Rainha da Inglaterra! – exclamei, em um tom óbvio – Pra falar com o meu pai você não se emperiquitou todo desse jeito – eu disse, emburrada.
- Talvez porque eu já o conhecia? – ele respondeu, me fazendo revirar os olhos.
Joguei-me na cama dele e o quarto ficou em silêncio. Quando decidi me levantar e apressá-lo novamente, senti mãos me fazendo cócegas.
- Não! – gritei, entre risadas – Para, , por favor! – eu me debatia, tentando me livrar dele e era difícil saber quem ria mais: eu, que estava sob um ataque de cócegas ou ele, que ria das caras que eu fazia.
- Para, por favor – gritei, quase chorando de tanto rir. Ele gargalhou e se jogou ao meu lado na cama, tentando normalizar a respiração.
Olhei pra ele e vi que ele me observava, com um sorriso nos lábios. Quando ele chegou mais perto para me beijar, virei o rosto e rapidamente subi em cima dele, com uma perna de cada lado de seu corpo e comecei a fazer cócegas nele.
- Vingança! – gritei, enquanto ele ria descontroladamente.
Como eu imaginei, minha vingança durou bem pouco, pois logo ele inverteu nossas posições e prendeu meus braços acima da minha cabeça.
- Ah, seu chato – resmunguei, fazendo bico – nem pra deixar eu me divertir mais um pouquinho. – ele riu alto e se aproximou de mim, me beijando carinhosamente. Quando nos separamos, ficamos apenas nos olhando durante vários segundos.
- Temos que ir pra casa do – lembrei, dando um selinho nele.
- Ok – ele disse, mas não saiu de cima de mim e riu da cara que eu fiz – Tudo bem, nós já vamos. Mas eu quero um beijo primeiro.
- Outro? – perguntei, revirando os olhos e fazendo uma voz de tédio.
- Nossa, tá assim já? – ele disse, indignado.
- Anda logo, vai – eu disse rindo – não quero ficar o resto do dia presa aqui por sua causa – ele balançou a cabeça negativamente e riu, antes de me beijar.
- Você é
tudo – ele sussurrou no meu ouvido, depois de me beijar e eu sorri na mesma hora, enquanto sentia os beijos dele em meu pescoço.

Chegamos à casa do às quatro horas da tarde. Quando abriu a porta, a primeira coisa que fez foi olhar de cima a baixo.
- Já perdeu um ponto comigo, rapaz, pelo atraso – ele disse, com uma cara de desaprovação que eu sabia que era fingimento.
- ! – protestei, indo abraçá-lo, enquanto ria da cara de espanto do .
- Relaxa, cara, era só brincadeira – disse pra , descontraído - ainda não comecei a contar os pontos que você perdeu.
Gargalhei enquanto cumprimentava , sorrindo.
Quando entramos na casa, desceu as escadas correndo e pulou no meu pescoço, me abraçando.
- , esse é o – apresentei, quando nos separamos – , essa é a – ela deu um abraço nele também, como se fossem velhos amigos que não se viam há algum tempo.
- Ouvi falar muito de você! – ela disse, animada.
- Também ouvi falar muito de vocês.
- Bem, espero – disse, olhando pra mim.
- Bem? – perguntou sarcástico – Ela deve é ter falado muito mal, parece que não conhece a minha prima, !
riu com quando eu dei um tapa nele. Fui pra cozinha com a procurar algo pra comer, enquanto os garotos iam pra sala.
- Uau, , ele é um gato mesmo! – disse, piscando pra mim.
Ri alto e ela me acompanhou, fazendo sinal de positivo, aprovando .
Quando voltamos pra sala, e estavam rindo e conversando sobre música. Quando mencionou que tinha uma guitarra, os olhos de brilharam.
- Ele tocava – eu disse pro e ele sorriu, aprovando, como se tocar ou não tocar definisse se uma pessoa é legal ou não.
- Não toca mais? – perguntou, interessado.
- Não... Eu tive que vender a minha guitarra – disse, rapidamente, sem olhar pra .
- Que TRAGÉDIA! – disse, teatralmente, nos fazendo rir. – Sério, cara, como deve ser a sua vida sem uma guitarra? – ele continuou, pensativo – Se você quiser, eu deixo você tocar na minha.
- Nossa, , você gostou mesmo dele – eu disse, surpresa, enquanto meu primo ria e acrescentei para – Ele não deixa ninguém nem ao menos encostar na Joanna.
- Joanna? – perguntou.
- É o nome da minha guitarra – disse naturalmente, como se fosse normal uma guitarra ter nome. – Qual é, dude, ela tinha que ter um nome, é praticamente minha filha! – acrescentou, quando riu.
- Eu entendo – disse, compreensivo – A minha guitarra se chamava Lola.

Quando estávamos quase chegando ao carro da Sra. , gritou lá da porta:
- Ei, , quando quiser, aparece aqui pra jogarmos mais – sorriu a assentiu – E, se quiser, eu consigo uma guitarra emprestada pra tocarmos juntos, aí vou poder saber se você toca mesmo ou foi só fingimento pra conquistar a minha prima! – O sorriso de se alargou e ele deu tchau pro e pra , enquanto eu entrava no carro e também acenava.
- E cuida direito da minha amiga – gritou, com um sorriso, quando já havia ligado o carro – Se não eu mato você!
- Eles são demais – disse, quando viramos a esquina e olhou pra mim feliz – Me trataram como se eu fosse um velho amigo deles e o mais incrível é que foi exatamente assim que eu me senti.”


Abri os olhos, assustada, quando ouvi algo pesado cair no chão. Eu estava no meu quarto, deitada na minha cama e não me lembrava de ter chegado até ali. estava praguejando enquanto levantava a cadeira da escrivaninha, que ele havia derrubado quando tentou chegar até a porta, no escuro.
- ? – chamei, sonolenta.
- Desculpa, , não queria te acordar – ele disse, sussurrando e se ajoelhou ao meu lado, passando a mão pelos meus cabelos – Você dormiu na metade do filme, então te trouxe pra cá.
- Coitado – eu disse, bocejando – Me carregou isso tudo.
- Não tem problema. Você nem é pesada.
- Claro que não – falei, sarcástica – Por que não me acordou?
- Porque fiquei com dó de te chamar – ele disse e fez uma cara pensativa quando acrescentou - e também porque você fica tão linda dormindo.
Eu ri, ainda sonolenta. Ele se levantou e me deu um beijo na testa.
- Aonde você vai? – perguntei, me sentando.
- Pra casa. – ele disse, confuso.
- Não... – resmunguei, fazendo uma carinha triste – fica aqui.
Ele me olhou por alguns segundos e suspirou, derrotado. Sorri quando ele fez sinal pra eu dar espaço pra ele na cama e se deitou ao meu lado.
- Se o seu pai me vir aqui, ele vai querer me matar? – ele perguntou, refletindo, enquanto se acomodava na cama.
Deitei na cama novamente e fingi pensar um pouco.
- Provavelmente.
fez um som estranho com a boca e eu ri.
- Relaxa, eu te protejo! – falei com uma voz que supus ser corajosa e ele riu, virando-se pra mim. Fiz o mesmo e acrescentei - Mas você não tem que se preocupar agora. Meu pai vai dormir na casa da Chris hoje e aposto que ele tem coisas melhores pra fazer, portanto, não vai voltar tão cedo.
riu e acariciou meu rosto.
Olhei nos olhos dele, que eu só conseguia distinguir pela luz fraca da lua que entrava pela janela aberta. Ali, sentindo ele tão perto de mim, soube que sempre foi ele quem eu esperei. Quem eu sempre quis, sonhei, amei... Mesmo sem nem saber disso. Sorri e quando ele sorriu de volta, entendi algo que ele me dizia faz tempo. Ele era tudo.

Capítulo 18

Acordei assustada, tateando a cama e não encontrando . Minha mão se fechou em um pedaço de papel e com a outra, peguei meu celular. Onze e meia. Levantei e abri a janela que devia ter fechado antes de sair. Desdobrei o papel que havia encontrado ao meu lado e li:

“Minha mãe me ligou de manhã, disse que precisava de mim hoje e vou passar o dia fora com ela. Você sabe o quanto eu adoro esses passeios com a mamãe, não sabe?” – sorri, quase conseguindo ouvir a voz dele dizer aquela frase sarcástica. “Quando acordar, liga pra e passa a tarde com ela, não quero que você fique sozinha. Bom, acho que voltarei tarde, então não precisa me esperar. Te vejo amanhã, passo aí pra irmos pra escola juntos. E não se preocupe, você vai aguentar passar um dia sem mim. Provavelmente eu é que não vou aguentar um dia inteiro sem você... Qualquer coisa, me liga! – .”

Sorri para a parte em que ele dizia que não aguentaria passar o dia sem mim e fiquei triste quando lembrei que as aulas começavam amanhã. Mas pelo menos eu e estaríamos juntos, então seria difícil as coisas ficarem ruins.
Fui tomar um banho e me preparar para o meu último dia de férias que, infelizmente, teria que passar sem .

Estava com a no sofá da sala assistindo Grey’s Anatomy. O episódio acabou e estávamos pasmas. Depois de um minuto de silêncio, a gritaria começou.
- Não, não pode acabar assim!
- Como isso? O O’Malley morreu? Tá de sacanagem, né?
- Nãããããooo, o O’Malley não pode morrer!
- A Izzie muito menos!
- Como eles puderam fazer isso?
- Vou chorar, amiga!
Abraçamo-nos, indignadas, chorando o que parecia ser a morte de dois dos nossos personagens favoritos. me soltou e olhou pra mim. Quando nos demos conta do que estávamos fazendo, caímos na risada.
- Cara, como nós somos patéticas! – ela disse, no meio de uma crise de riso.
- Demais! – concordei, gargalhando, tentando respirar – Mas ainda acho sacanagem o O’Malley morrer assim – disse, chorosa e começamos a rir ainda mais.
Depois de um tempo, se remexeu inquieta no sofá e eu olhei pra ela.
- – ela começou, me fitando, e eu sabia que ela queria me perguntar algo – Ele já sabe? Dos... Dos cortes?
Pensei por um momento, antes de responder.
- Sim, ele sabe – disse, por fim, sabendo que não ia sossegar até eu dizer – Eu contei a ele, alguns dias antes de começarmos a... Ficar ou sei lá o que... – eu terminei, confusa por não saber o que eu e tínhamos.
- E o que ele disse?
- Ele me fez prometer que não faria mais isso. Disse que eu não precisava disso, porque agora o tenho ao meu lado... E ele disse também que é ao meu lado que ele vai ficar. – acrescentei, corando e olhando pra baixo.
- AAAAAWN! – disse, com uma carinha fofa e eu joguei uma almofada nela.

Já eram dez horas e se levantou, dizendo que precisava ir.
- – ela me chamou e eu olhei pra ela – Eu... Eu preciso conversar com você. Vai ser rápido, prometo. – acrescentou, sem jeito.
- O que é, ? – perguntei, receosa.
- É... É sobre seus cortes. – ela disse, num sussurro.
- ... – revirei os olhos, irritada – Você sabe que eu não faço mais, eu tô sendo forte, não precisa mais me falar pra não fazer, porque eu não vou...
- Mas, – ela me interrompeu e me olhou firme, pra que eu não a interrompesse – Eu sei que você está tentando. Mas eu também sei que, se algo que possa te deixar triste acontecer, você vai fazer de novo - comecei a protestar, mas novamente ela me calou com seu olhar – Eu sei disso, , porque isso já aconteceu antes! Eu sei que o te faz feliz, que você está feliz com ele, mas a sua felicidade não depende exclusivamente dele. Mesmo que ele não te faça nada, pode acontecer algo que te faça ficar mal de novo. E, ... Ser forte enquanto está sendo feliz, não é ser forte. Porque você não precisa ser forte quando está feliz! O que eu estou querendo dizer... – ela estava um pouco hesitante, mas continuou me olhando de um jeito mais brando – é que você precisa estar preparada. Porque a vida é assim, . Ela te derruba, vezes e vezes seguidas. E o fato de você não ter se cortado mais, não quer dizer que você não vai voltar a fazer isso quando a vida te derrubar e, acredite, ela vai. Porque é isso o que ela faz, . Ninguém é feliz o tempo todo. Todo mundo tem seus momentos de tristeza... E você precisa estar preparada para os seus.
- E como você quer que eu me prepare, ? – perguntei, tentando considerar tudo o que ela dissera.
- Você sabe como, . Você só não quer – ela disse, de um jeito contido, como se esperasse que eu explodisse ou xingasse ela.
- Isso não – falei baixo, olhando pra qualquer lado, menos pra ela – De jeito nenhum – ela ia protestar, mas foi a minha vez de calá-la com um olhar – Eu não preciso disso. Eu posso parar sozinha. Na verdade, eu já parei. Não preciso que um psicólogo tente fazer algo que eu já consegui!
A verdade é que vinha tentando me persuadir a visitar um psicólogo desde que descobriu dos meus cortes. Disse que seria bom pra aprender a lidar com isso. Mostrou-me pesquisas sobre o suposto tratamento e casos que havia descoberto sobre pessoas como eu que deixaram de fazer o que faziam quando receberam ajuda.
- Ok – ela disse, contrariada, depois de me olhar nos olhos por quase um minuto – Você é quem sabe. Mas eu quero que você pense nisso, . Pense em tudo o que eu te falei e que não deixe o seu orgulho te impedir de se ajudar. Se cortar é como uma droga, : vicia. Você pensa que se fizer isso, vai se sentir melhor. E você se sente mesmo, por alguns minutos, horas ou dias. Mas logo esse efeito passa e você sente necessidade de fazer isso mais vezes. Automutilação é uma droga. - ela afirmou, veemente, sem tirar os olhos de mim - Você pensa que pode controlar, que pode parar quando quiser, mas a verdade é que são esses cortes que estão te dominando e não o contrário – eu não conseguia dizer nada, vendo a minha amiga sempre tão calma explodir daquele jeito. Ela não estava brava, muito menos brigando comigo. O que era pior, porque aquilo que ela dizia não era uma repreensão. Era um desabafo. – E, pode acreditar, você só vai se dar conta disso quando perceber que não pode se curar sozinha. Porque isso já é um vicio seu. Desde quando você se corta? Desde os treze? E você acha que ficar um mês sem se cortar é muito? – ela não esperou que eu respondesse pra continuar – Você acha que se curou, mas vai perceber que não quando tiver uma recaída e perceber que, como qualquer outra pessoa viciada em alguma coisa, você precisa de ajuda!
Tentei dizer algo, mas as palavras não saíram. nunca havia falado daquele jeito comigo. Ela sempre me dava broncas, por ser mais velha, mas nunca daquela forma. E perceber que talvez ela pudesse estar certa me fez ficar sem chão. Ela respirou fundo e esperou que eu olhasse pra ela.
- Pensa nisso, ok? Por favor! – ela me abraçou e quando me soltou, segurou meu rosto em suas mãos e me deu um beijo na bochecha. – Não deixa esse vício destruir você, .
Joguei-me no sofá quando a ouvi fechar a porta de entrada e só percebi que estava há horas na mesma posição quando meu pai desceu as escadas, às duas horas da manhã, dizendo que eu devia dormir, pois tinha que ir à escola em poucas horas.
Levantei e caminhei até meu quarto, ainda pensando naquilo quando uma onda de gratidão me dominou. estava preocupada comigo. Ela havia guardado aquilo por tanto tempo com medo que eu me magoasse. Mas, no fundo, ela só queria que eu superasse aquilo e seguisse em frente, sem mais precisar descontar minhas frustrações, tristezas e amarguras em mim mesma.
“Ela está certa” pensei comigo mesma. “Você sabe que ela está certa.” Me joguei na cama e procurei meu celular. Havia uma mensagem do me desejando uma boa noite e informando a hora que passaria na minha casa pra irmos pra escola.
“É, eu sei que ela está certa” pensei, novamente, já me ajeitando na cama. “Mas tem mais alguém que também precisa saber disso.”

Capítulo 19

Tentei falar sobre aquilo com durante toda a semana. Na escola, em casa, quando saíamos, mas algo me impedia de fazer aquilo e toda vez que eu tentava puxar o assunto, eu travava.
Só tínhamos aula de literatura juntos, todas as terças e durante todas as outras aulas ficávamos separados, apenas trocando sms.
Na sexta-feira, quando saímos da escola, fomos ao cinema, pois estrearia um filme que estava louco pra ver.
Quando saímos da sala do cinema, viu a minha cara de desânimo e riu.
- Qual é... Não foi assim tão ruim – disse e eu olhei pra ele, fingindo uma cara de brava.
- Não foi tão ruim? Foi péssimo! Quero meu dinheiro de volta!
Ele riu, uma risada estranha que não reconheci. Olhei pra ele e tentei brincar, pra descontrair.
- Da próxima vez, eu escolho o filme, porque já deu pra perceber que você não faz isso direito!
Aconteceu tão de repente que eu quase pensei que ele estava tirando sarro da minha cara.
- Ah, cala a boca – ele disse, rudemente e quando olhei pra ele, percebi que não estava brincando, como sempre fazíamos.
- Você me mandou calar a boca?! – perguntei, incrédula, erguendo a sobrancelha. Ele passou uma mão na testa, secando o suor e estranhei. Não estava calor.
- É, eu mandei – ele repetiu, dando as costas pra mim.
Fiquei parada no mesmo lugar tempo suficiente pra perceber que não, aquela não era uma brincadeira idiota dele. Corri até ele e o segurei pelo braço.
- , o que aconte... Meu Deus, você tá gelado! – exclamei, surpresa. Como ele podia estar suando e, ao mesmo tempo, frio daquele jeito?
- Me deixa em paz, – ele gritou quando viu que eu não desistiria e eu senti meu rosto queimando quando as pessoas a nossa volta olharam pra nós, prestando atenção à nossa conversa. Ele tremia e eu realmente não sabia o que havia acontecido – Volta pra sua casa que é melhor.
Ele se virou e foi embora, em passos rápidos e decididos e não olhou nem uma vez pra trás. Eu, morrendo de vergonha, saí dali o mais rápido que pude, deixando pra trás os olhares curiosos das pessoas que nos observavam. Parei em um café próximo dali e me sentei. Estava preocupada com o estado dele, mas não iria atrás. Não de novo.

Estava na cozinha da , enquanto e jogavam vídeo game na sala. Era sábado e , às 8 horas da manhã, tinha aparecido na minha porta, pedindo desculpas pelo que fizera e dizendo que não sabia o que havia acontecido com ele. Ele parecia completamente diferente do dia anterior, menos agitado, mas com seu bom humor de volta. Não comentei sobre isso, pois estava feliz de ter me entendido com ele e não queria outra briga.
- I don't give a damn 'bout my reputation – comecei a cantar a primeira música que me veio à cabeça, enquanto eu e esperávamos o bolo que tentamos fazer ficar pronto - You're living in the past it's a new generation!
- A girl can do what she wants to do and that's what I'm gonna do! continuou e logo depois estávamos nos sacudindo pela cozinha, cantando e tocando guitarras invisíveis.
- An' I don't give a damn 'bout my reputation
Never said I wanted to improve my station
An' I'm only doin' good
When I'm havin' fun
An' I don't have to please no one
An' I don't give a damn
'Bout my bad reputation. Oh no, not me
Oh no, not me.

Cantamos juntas e ríamos no refrão.
- NOT ME! – gritamos a frase final juntas e caímos na risada.
Parei de repente de rir, sentindo meu rosto muito quente, quando vi e parados na porta da cozinha, rindo.
, quando percebeu os garotos ali, ficou igualmente vermelha e gritou com eles, mandando eles pararem de rir. Então saiu correndo, com o celular na mão, dizendo que havia filmado e que colocaria o vídeo no YouTube.
“Sem chance!” pensei. Corri atrás dele com nos meus calcanhares, enquanto ria escandalosamente e tentava impedir nossa passagem.
subiu em cima do sofá, tentando parar de rir, quando me joguei nele, tentando pegar o celular. O problema é que ele estava em pé no sofá e, quando se desequilibrou por conta do empurrão que dei nele, nós dois caímos pra trás, direto para o chão.
- Montinho! – Ouvi a gritar, sem nem ao menos me dar tempo de sentir as costas doerem porque caí com força, com em cima de mim. Quase ao mesmo tempo em que soltei um angustiado “Não!”, senti mais dois corpos em cima de mim.
- Vou morrer...! – soltei um grito estrangulado e sentia gargalhar em cima de mim.
Quando finalmente estava livre deles é que me lembrei do celular. Peguei-o de cima do sofá e saí correndo até as escadas, impedindo que eles chegassem até mim antes que eu apagasse o vídeo. Parei de repente e quando viu a minha cara, gargalhou. Não havia vídeo nenhum.
- Não tem vídeo... – eu disse, idiotamente, e levantei os olhos para os garotos, que estavam vermelhos de tanto rir - Eu vou matar você, ! – gritei, correndo até ele, mas chegou primeiro. Pulou em suas costas, dando tapas em sua cabeça enquanto ele corria, tentava se livrar dela e ria ao mesmo tempo.
Parei de correr e ri alto, observando os dois. Joguei-me ao lado de no sofá, que estava passando do vermelho para o roxo, de tanto rir.
- OK – ele disse, depois que jogou a no outro sofá e todo mundo conseguiu parar de rir. – Que tal vocês cantarem outra música pra gente? – disse, com uma sobrancelha erguida e se jogou em cima de mim, gritando: - Apoiado, apoiado!

e estavam se revezando pra tocar o violão. Eles tocavam e eu e cantávamos. Já havíamos cantado I Kissed a Girl, da Katy Perry, Open Your Eyes, do Snow Patrol e Know Your Enemy, do Green Day. E agora estávamos fazendo um cover de Twist and Shout.
- Well, shake it up baby now (Shake it up, baby)
Twist and shout (Twist and Shout)
Come on, come on, come on, come on baby now (come on baby)
Come on and work it on out (Work it on out)

Quando a música acabou, fez uma cara estranha e disse:
- Que cheiro é esse?
Tentei sentir o cheiro do qual ele falava e arregalei os olhos.
- ... – chamei cautelosa.
- O que? – ela perguntou alheia, sem ao menos olhar pra mim, prestando atenção a que dedilhava as cordas do violão.
- Tá sentindo esse cheiro de queimado? – perguntei, no mesmo tom cauteloso de antes.
Ela olhou pra mim e eu a vi franzir a testa e, de repente, arregalar os olhos e abrir a boca em um perfeito “o”.
- O bolo! – gritamos juntas e saímos correndo, enquanto podíamos ouvir os garotos gargalharem na sala.

- Sério, a sola do meu tênis deve ser mais macia. – comentou, quando conseguiu engolir o primeiro pedaço do bolo.
- Vai lá comer a sola do teu tênis então, palhaço! – falei, fingindo estar brava, mas ele me ignorou.
- Cara, eu não vou comer isso, tá horrível – a disse, empurrando o prato que estava a sua frente e que ela, com dificuldade, serviu-se de um pedaço de bolo. Ao ver a garota olhar para o bolo com cara de nojo, suspirou aliviado.
- Que bom, achei que ia ter que comer isso só porque vocês fizeram, mas já que você admitiu que tá ruim, podemos pedir uma pizza, né? – ele disse, com uma carinha fofa e gargalhou, se dirigindo até o telefone.
- Não se preocupa, , o próximo vai ficar melhor. – eu disse, rindo.
- Aham – concordou ironicamente. – O próximo vai parecer a sola do meu chinelo e não a do meu tênis.
jogou uma almofada nele, que riu e fez os pedidos.

Capítulo 20

Estava deitada na minha cama, pensando nas últimas brigas que eu e tivemos. Sempre por um motivo bobo. Sempre porque ele explodia de repente e começava a tremer e suar frio. Estava preocupada com ele e não queria pensar nessas coisas, mas me parecia impossível bloquear os pensamentos.
Lembrei da primeira vez que ele agiu desse jeito e meu coração se apertou.

“- , me passa o guardanapo – pedi, somente pra puxar assunto, já que ele não falava há bastante tempo e parecia nervoso.
- Ele tá mais perto de você do que de mim. Por que não pega? – ele disse e eu me surpreendi com a frieza em sua voz.
Levantei e peguei o guardanapo, logo depois indo me sentar ao lado dele. Passei a mão pelos seus cabelos, mas ele afastou a minha mão rudemente. Sem conseguir falar, me afastei dele, sem entender a rejeição e o ouvi respirar fundo.
- Desculpa... Não queria ter feito isso – a voz dele não estava mais fria, mas agora tremia.
- Tudo bem – disse, ainda estranhando o comportamento dele.
- É sério, – ele disse e se levantou, me abraçando.
- O que tá te aborrecendo, ? – perguntei, olhando em seus olhos.
- Nada – ele disse, rápido demais. – Nada mesmo. Que tal darmos uma volta no parque?
Olhei pra ele e ele parecia se esforçar pra agir normalmente.
- Ok – eu disse e saímos de casa, caminhando devagar e de mãos dadas, sem falar nada.”


Seu comportamento era estranho, cheguei a pensar que ele não queria mais nada comigo, mas quando perguntei, ele riu de mim e disse que eu era louca, que eu tinha sido a melhor coisa que havia acontecido em sua vida, portanto, não devia me preocupar.
Realmente, não me preocupei, mesmo depois de outros momentos estranhos, como o de hoje. Depois de brigarmos porque ele simplesmente mudava completamente de humor e ia pra casa, esperar que eu fosse atrás dele, como sempre fazia. Será que eu tinha motivo pra me preocupar ou esse era somente o jeito dele?
Distraí-me desses pensamentos quando ouvi baterem na porta do quarto.
- Entra – eu disse e meu pai entrou, hesitante, se sentando ao meu lado na cama.
- Eu... vou sair com a Chris agora...
- Comemorar? – perguntei e ele sorriu, ainda desconfortável.
- É, comemorar. – a questão é que, há poucos minutos, ele havia pedido Chris em casamento, depois de jantarmos.
- Tudo bem – eu disse, sorrindo.
- ... Eu preferi pedir a mão dela na sua frente – meu pai começou, parecendo desconsertado – porque você é a mulher mais importante da minha vida – ele disse, olhando em meus olhos e eu me surpreendi. Arregalei os olhos pra ele, vendo-o parecer constrangido – e achei que, já que daria um passo assim tão grande com a segunda mulher mais importante da minha vida, deveria fazer isso na sua frente, porque eu preciso que você saiba que eu amo a Chris demais, mas que nunca vou deixar de te amar também!
Eu ri um pouco, me sentindo feliz por ouvir aquelas palavras, percebendo que todos os anos sem a minha mãe fizeram meu pai crescer muito, aprender muito da vida. Mas alguns meses com a Chris o fizeram se tornar um homem, capaz de amar, ser amado e querer ser feliz.
- Tudo bem – eu disse, depois que o abracei – Pelo menos eu continuo sendo a mais importante – brinquei e ele riu. – Espero que vocês sejam muito felizes! – terminei, sincera.
- Vamos ser – ele disse, convicto, se levantando e dando um beijo na minha testa – Estou saindo agora – assenti e quando meu pai já estava quase na porta, se virou e disse – Ah, já ia me esquecendo... O está lá em baixo.

- Você não tem que se preocupar – disse, deitado na minha cama, enquanto eu andava de um lado pro outro no quarto. Havia acabado de contar que meu pai havia pedido Chris em casamento e o que ele me dissera antes de ir embora. – Seu pai já é bem grandinho, ele sabe o que faz.
- Eu sei disso. Mas não quero que mais ninguém o magoe. – eu disse, chorosa, e fez sinal pra que eu me deitasse ao seu lado.
- Você acha mesmo que ela, a Chris, iria magoá-lo? – perguntou, quando me deitei – Ela é mais nova que ele e tudo o mais, mas você sabe que ela é louca por ele, , dá pra ver só pelo jeito que ela o olha – era verdade. – E só porque a sua mãe fez o que fez, não quer dizer que a Chris vá fazer o mesmo. Pense positivo!
Olhei pra ele sorrindo, agradecida por suas palavras.
- Ok – disse, simplesmente, e ele me deu um selinho.
- Agora a senhorita vai parar de se preocupar com o papai e relaxar? – ele disse, brincalhão.
- Me faça relaxar – eu disse, provocando, e ele riu, apoiando os joelhos de cada lado das minhas pernas, me fazendo ficar embaixo dele.
- Depois não reclame, porque é você quem provoca. – eu ri baixo, sentindo os beijos dele no meu pescoço e me arrepiei quando ele mordeu minha orelha.
Ele me beijou de um jeito que me enlouqueceu e, quando me dei conta, uma de suas mãos já estava dentro da minha blusa, enquanto a outra ele usava pra se apoiar.
Tirei a camisa dele e pude vê-lo sorrir, pervertido.
Depois de mais alguns beijos, ele me perguntou, ofegante:
- Você... Você confia em mim?
Assenti, sem saber se tinha ar o suficiente pra falar.
Ele abriu o sorriso que eu mais adorava, antes de voltar a me beijar e passear com suas mãos pelo meu corpo.

Capítulo 21

Na segunda semana de aula, ainda não havia falado com sobre os tratamentos que estava pensando em fazer. Estava na aula de matemática e Chris explicava umas coisas complicadas e eu não conseguia prestar atenção. As palavras de ainda estavam na minha cabeça e eu precisava falar com ele, mas não conseguia. Passei quase a aula toda pensando em um jeito de dizer e me decidi que não deixaria pra falar com ele depois. Seria hoje, depois da aula.
Vi Anne, a garota chata e fofoqueira que vivia me enchendo o saco, sentada na minha frente, conversando com uma garota que eu não conseguia lembrar o nome e percebi só agora que ela nunca mais falara comigo. Realmente ela não fazia muita falta, mas enfim... Era estranho. Cutuquei-a, perguntando se ela havia entendido.
- Hmm... Eu estou ocupada agora, – e virou-se rapidamente. Achei estranho, mas ignorei. Quando o sinal tocou, arrumei minhas coisas e caminhei até a porta. Estava chegando ao meu armário, quando ouvi a parte de uma conversa que, com certeza, não era pra ser ouvida:
- Não sei o que ela está fazendo com aquele drogadinho – a voz de Anne dizia, com desdém – A filha do diretor com o pior aluno da escola, o que será que o pai dela acha sobre isso?
- Provavelmente não deve achar nada legal. Será que ele... Você sabe... Influenciou-a?
- O que? Você acha que os dois se drogam juntos agora? – Anne disse, rindo – é provável...
Cutuquei-a pela segunda vez no dia e quando ela se virou, seu rosto ficou vermelho ao ver quem era.
- Oi, Anne, se metendo na vida alheia ao invés de cuidar da sua, como sempre? – eu disse, sarcástica, tentando controlar a minha raiva.
Ela abriu a boca, mas não disse nada.
- Vou te dar um conselho, amiguinha. Cuide da sua vida e pare de falar da minha e da do meu namo... – parei, quando percebi que ainda não sabia o que ele era meu – e da vida do . – consertei, rapidamente.
- Você está se metendo em encrenca, , será que não vê? – ela disse, finalmente.
- Já disse pra você cuidar da sua vida! – falei, mais alto que ela.
- Eu estou falando por que quero o seu bem, – ela disse, compreensiva, colocando uma mão em meu ombro. – Aquele drogadinho não é bom o bastante pra você.
Empurrei-a e ela quase caiu, se apoiando na garota que eu não sabia o nome.
Apontei um dedo na cara dela e disse baixo, tentando controlar a minha raiva pra não socá-la:
- Tem uma vida? Então, cuida da sua!
Saí andando, mas esbarrei com Chris no corredor. Pedi desculpas rapidamente e fui até o meu armário, cheia de ódio.
estava lá, me esperando com um sorriso. Dei um beijo nele, fingindo que estava tudo bem e guardei minhas coisas, me dirigindo com ele para a saída daquela escola idiota.

- , posso falar com você? – ouvi a voz de Chris, depois que me despedi de , sem conseguir finalmente falar com ele sobre o que a havia me dito.
- Fala – eu disse, entediada.
-Hmm... É um assunto entre mulheres – ela disse, olhando sugestivamente pro meu pai, que se encontrava jogado no sofá e ele logo se levantou.
- Entendi – disse, apenas, com um olhar curioso e subiu as escadas a caminho do seu quarto.
- O que foi aquilo na escola hoje? – ela disse, sem perder tempo e eu gelei, mas respondi, casualmente:
- Aquilo o quê?
- Aquela sua pequena briga com a Anne. – ela disse, simplesmente.
Não queria ser rude com ela, afinal, ela era realmente legal. Ultimamente ela vinha cuidando de mim, me perguntando se eu precisava de alguma coisa, perguntando se eu queria conversar e eu me sentia à vontade conversando com ela. Ela se preocupava comigo como... Como uma mãe se preocuparia. Meu pai tinha sorte de achar uma mulher como ela, então, resolvi que diria a verdade. Precisava mesmo conversar com alguém.
- Ela... Ela estava falando mal do , dizendo que ele é um drogadinho e que eu não devia estar com ele. – despejei, meio rápido demais.
- ... Você não pode ligar pra todos esses comentários. – ela disse, carinhosamente - Todo mundo sabe o que falam sobre o naquela escola. Mas se você está com ele, acredito que deve ser tudo mentira. Afinal, não creio que há algo de errado com ele, porque se houvesse, você perceberia, já que passam praticamente o dia todo juntos!
- Claro – concordei, receosa.
- E... – ela continuou – Tenho certeza que você não ficaria calada. Você tentaria ajudá-lo. O que dizem sobre ele não tem o menor sentido – ela acrescentou – Não acredito realmente que ele use drogas. Mas elas são um problema sério e pessoas que já fizeram disso um vício precisam de ajuda. Tenho certeza que você faria de tudo pra ajudá-lo.
- Uhum... – concordei, me sentindo enjoada.
- Não ligue pra essas coisas – ela disse, fazendo um carinho na minha mão – Não estrague o que vocês têm por causa dos outros.
- Tudo bem – eu disse, sorrindo forçado. – Preciso terminar umas lições – acrescentei, me levantando.
- As minhas, inclusive – ela disse sorrindo e sorri de volta.
Subi as escadas e me tranquei no quarto, pensando no que ela havia me dito.
Lembrei-me de todas as vezes que parecia distante, tinha dificuldade pra prestar atenção e de quando ele parecia meio eufórico, mesmo sem nenhum motivo aparente. Um dia ele estava normal, no outro também e, no dia seguinte, ele aparecia diferente, mas nunca havia prestado muita atenção nisso, porque ele sabia muito bem como me distrair, mesmo quando ele mesmo estava distraído. Lembrei-me de todos os momentos que ele parecia irritado, que era rude e o jeito como ele suava frio, às vezes, e como suas mãos tremiam.
Liguei pra ele, mas ele não me atendeu. Ele foi embora dizendo que precisaria sair com sua mãe, mas olhei pela janela e pude ver o carro dela na garagem. E agora, ele não atendia o celular.
Meu coração estava acelerado e, dessa vez, eu entendi o que queria dizer com tudo aquilo.

“Você acha que se curou, mas vai perceber que não quando tiver uma recaída e perceber que,
como qualquer outra pessoa viciada em alguma coisa, você precisa de ajuda!”


Frases voltavam à minha cabeça e eu não conseguia controlar.

“Não sei o que ela está fazendo com aquele drogadinho...”

“Não acredito realmente que ele use drogas.
Mas elas são um problema sério e pessoas que já fizeram disso um vício precisam de ajuda.
Tenho certeza que você faria de tudo pra ajudá-lo.”


- Não – sussurrei tão baixo que quase não pude me ouvir. – Ele não pode estar fazendo isso! Eu teria percebido, eu teria...
Eu tinha percebido. Mas como as pessoas costumam fazer quando não querem admitir algo, eu menti pra mim mesma aquele tempo todo.
Mas não podia ser. Simplesmente não podia!
Sentei no chão e tentei pensar com clareza. Estávamos felizes. Estávamos nos curando juntos e eu poderia ajudá-lo sim. E, como a Chris disse, eu perceberia! Claro que eu perceberia se ele continuasse se drogando, por que toda essa insegurança de repente?
“Eu sei que você está tentando. Mas eu também sei que, se algo que possa te deixar triste acontecer, você vai fazer de novo” – ouvi a voz de e a minha cabeça doía.
Finalmente, depois de vários minutos tentando achar explicações pro comportamento dele, não pude mais negar o que já sabia, mas não queria enxergar. Todos aqueles sintomas queriam dizer apenas uma coisa: abstinência. Mas depois dessas mudanças de humor, ele aparecia normal, do jeito que sempre fora. Meu coração se apertou e finalmente admiti pra mim mesma: Ele ainda estava se drogando. Por mais que eu procurasse, não tinha outra explicação, porque éramos viciados, e o vício dele era ainda pior que o meu. Ele pensava que podia controlar, mas ele não podia. Agora eu entendia o que todas aquelas saídas com a mãe e as idas à casa de alguma tia doente queriam dizer: ele estava usando isso como uma desculpa pra sumir por algumas horas, enquanto se livrava de todos aqueles sintomas que claramente diziam que ele era uma pessoa viciada e que as drogas já o controlavam. Porque ninguém se cura assim, sem mais nem menos, só por ter força de vontade. E ele me fazia pensar que estava bem quando, na verdade, ele ainda se drogava escondido.
Comecei a chorar e meus soluços já estavam muito altos quando tentei parar. Arrastei-me até o banheiro e abri o armário. Peguei a caixinha onde escondia aquelas... Aquelas coisas. Em um impulso, abri a caixinha e quando já havia posicionado uma das lâminas, o rosto de veio na minha cabeça, chorando, quando descobriu o que eu fazia comigo mesma. Larguei a lâmina antes que ela pudesse perfurar meu braço. Tentei enxugar as lágrimas, mas foi em vão. Peguei a lâmina do chão, coloquei de volta na caixinha e joguei-a no lixo, o lugar em que eu deveria ter deixado há muito tempo. Eu não conseguia controlar minhas lágrimas, muito menos os meus soluços, mas prometi a mim mesma que controlaria o impulso de pegar a caixinha de volta.
Fiquei ali, tentando ligar pro , mas seu celular estava desligado. Relembrei todas as minhas conversas com a , quando ela quase me implorava pra que eu me tratasse.
Eu não tinha mais lágrimas pra chorar e estava ali há muito tempo quando tomei a minha decisão.
Levantei com dificuldade, sentindo as minhas pernas formigarem pelo tempo que ficaram na mesma posição.
Caminhei até a sala e estava tudo escuro. Tomei água e tentei me controlar, secando o rosto que ainda estava molhado e me recompondo. Voltei para o quarto e peguei meu celular. Eram quatro horas da manhã, mas não liguei. Precisava fazer isso agora, ou não sabia se conseguiria quando amanhecesse.
- Alô – ouvi a voz sonolenta da , quando ela me atendeu somente na terceira vez que liguei, o que fazia sentido, já que ela devia estar dormindo e eu acabara de acordá-la.
- , eu preciso da sua ajuda. – só depois que já tinha dito que percebi como minha voz estava horrível.
- O que aconteceu? – ela perguntou, sem mais nenhum traço de sono na voz. Ótimo, agora eu havia assustado a garota.
- Eu... Eu pensei no que você me falou e decidi que eu quero sim me tratar. – Fui direta, antes que perdesse a coragem, minha voz tão ruim quanto estava antes. - Não quero falhar de novo, , não quero que aconteça tudo de novo. Eu quero me recuperar disso. Não quero mais esse vício doentio, que acaba comigo – minha voz começou a falhar, mas continuei. Não podia parar. – Não quero mais acabar comigo mesma. Não quero te decepcionar, nem decepcionar o e também não quero me decepcionar de novo...
Ela ficou em silêncio e eu quase achei que ela tinha dormido novamente.
- Que bom, amiga – ela disse, e somente naquelas três palavras, conseguiu definir o que eu sentia e mostrar o alívio que ela sentia por mim – Eu sabia que você ia tomar a decisão certa, , eu sabia!
Rimos e senti uma lágrima escorrer pelo meu rosto. Um alívio impossível tomou conta do meu peito quando eu percebi que estaria livre daquilo, daquele vicio idiota e, por mais difícil que fosse me livrar disso, eu não desistiria. Não dessa vez.
- Mas você podia, pelo menos, ter esperado amanhecer, né, criatura! – ela disse de maneira engraçada e rimos, começando a combinar a melhor forma de pesquisarmos os psicólogos mais próximos, sem que e desconfiassem, até que eu pudesse achar um jeito de contar a eles e, principalmente, de fazer entender que ele precisava fazer o mesmo que eu: se ajudar.

Capítulo 22

Saí da sala de aula para retornar a ligação de .
- Fala, chatinha – eu disse quando ela atendeu.
- A sua avó! – ela gritou e eu ri – , a Brit marcou de novo, vai ser amanhã, você pode vir?
Brit, ou Brittany, era amiga da , uma psicóloga recém-formada que concordou em me ajudar. Encontrávamo-nos na casa de , já que Brit ainda não tinha o próprio consultório.
- Não sei, ... O já está desconfiando – respondi chorosa, pois realmente queria ir.
As consultas com Brit estavam me fazendo muito bem. Só pra começar, aconteciam no quarto da , então parecia que eu tinha ido visitar as minhas amigas e não que estava tendo consultas com uma psicóloga. E falar sobre o que eu fazia com uma estranha era incrivelmente mais fácil do que falar para algum conhecido. Eu me sentia mal nas primeiras consultas, mas agora percebia o alívio que era não guardar aquilo só pra mim. Sem contar que, com a ajuda de Brit, comecei a aceitar o que a vinha me dizendo há muito tempo: que, embora eu me sentisse culpada pela infelicidade do meu pai e por minha mãe ter ido embora, aquilo nunca foi realmente minha culpa.
- , você devia contar pra ele! – ela disse severamente – Afinal, a Brittany já te disse que você vai ter que começar a tomar os remédios e você não vai poder esconder isso dele.
- Eu vou contar, . Só não posso contar agora.
- Contar o que? – ouvi perguntar, logo atrás de mim e gelei.
- , mais tarde eu falo com você – eu resmunguei e desliguei sem nem esperar resposta – Oi, , não te vi chegando.
- Percebi – ele disse, grosso. Suas mudanças de humor estavam começando a me irritar – Contar o que? – ele repetiu.
- Ah, nada... Nada de importante – sorri, mas ele não fez o mesmo.
- O que você não quer contar pra mim? – perguntou, tentando manter a voz baixa.
- Quem disse que é pra você que eu tenho que contar? – eu falei irritada – Sério, , essa sua desconfiança já tá enchendo o saco.
- Esses seus sumiços de repente que estão enchendo o saco!
- Interessante – comentei sarcástica – Porque você vivia sumindo por aí, indo pra casa de uma tia doente ou sei lá o que, e eu não fiquei te cobrando nada! – me arrependi na mesma hora quando disse aquilo. Ele sabia que eu quis dizer que todas aquelas saídas eram desculpas pra ele ficar sozinho e se drogar, mas antes que ele pudesse responder, continuei, mais calma: - Eu tenho ido apenas à casa da , . Só isso.
Ele balançou a cabeça negativamente e voltou pra sua sala.
Olhei pro relógio e faltavam quinze minutos pra aula acabar. Caminhei até os fundos do colégio, onde eu e costumávamos fugir das aulas juntos e me sentei no gramado.
Sabia que seria muito mais fácil se eu contasse tudo pra ele. Que há duas semanas consultava uma ótima psicóloga e que logo começaria a tomar os remédios que ela me receitou. Remédios contra depressão, que me impediriam de ter uma recaída. Mas eu não queria contar pra ele antes que ele percebesse que, por mais difícil que seja admitir, ele também precisava de ajuda.
Eu não queria ficar longe dele e era horrível saber que não pude ajudá-lo como pretendia. Mas se teve algo que essas sessões com a Brit me fizeram entender foi que as pessoas precisam querer se ajudar. Que alguém de fora pode conseguir melhoras, como eu consegui, fazendo com que ele diminuísse a frequência com que se drogava e fazendo com que ele não quisesse mais se drogar, mas vícios são coisas sérias e muitas vezes as pessoas pioram seus estados pensando que podem melhorar sozinhas, como nós dois tínhamos feito.
Eu sabia que ele não podia parar sozinho, mas ele não sabia. Ele achava que podia parar sem precisar da ajuda de ninguém. E era isso o que ele sempre me dizia, mesmo no dia em que, depois que percebi o que estava acontecendo, fui até a casa dele e o encontrei completamente drogado.
Deitei na grama e olhei para o céu azul e tão bonito acima de mim e comecei a lembrar daquele dia.

“Sua cabeça estava apoiada no meu colo e, desde que eu entrei no quarto, ele ainda não tinha falado nada. Eu estava certa, então. Mas demorei demais pra perceber os sinais.
Olhei ao redor e senti um aperto no peito. O quarto estava todo bagunçado. Dava pra perceber os fracos contornos do pé de na porta de seu guarda-roupa. Pelo o que entendi, ele havia quebrado quase o quarto todo, mas quando entrei, ele já estava deitado na cama, com a respiração ofegante e as mãos tremendo.
- Eu joguei a caixinha fora – eu disse, finalmente, e esperei que ele olhasse pra mim antes de continuar – A caixinha onde eu guardava as lâminas.
As pupilas dele estavam dilatadas e eu sabia que se colocasse a mão em seu peito, sentiria seus batimentos rápidos. Sua pele estava quente e eu já sabia qual tinha sido a droga que ele usara. Pelos efeitos e por dedução, afinal, ele não tinha mais dinheiro para gastar com cocaína. Ele estava usando algo pior.
- Você... Você já pensou em procurar ajuda? – eu perguntei hesitante – Você sabe... Em um lugar especializado.
- O que você tá querendo dizer? – ele disse, se levantando de meu colo e me encarando.
- Uma clínica... – comecei, mas ele me interrompeu.
- Você quer que eu me interne? – perguntou, furioso, e eu me encolhi.
- Se for o melhor pra você...
- Então, pode esquecer! – ele disse grosso, deitando-se novamente e colocando uma mão no peito – Eu não vou me internar.
- ... Você podia pensar...
- Não preciso pensar, – ele disse ofegante – Eu não vou me internar. Não preciso disso!
- Eu te ajudo a contar pra sua mãe – eu falei, sem ligar pras palavras dele – A gente explica pra ela. Tem uma clínica muito boa, e nem é tão longe daqui...
- Você tem pensado bastante nisso, não? – ele disse sarcástico, se levantando novamente e saindo de perto de mim, andando de um lado para o outro no quarto.
- Tenho – admiti, olhando pra ele ainda sentada – Queria falar sobre isso com você faz tempo. Porque é óbvio que isso é um vício e você não vai conseguir parar sozinho!
- Só falta me chamar de drogadinho também – ele gritou, mas sua respiração estava falhando e suas mãos ainda tremiam.
Ele se desequilibrou quando tentava dar mais uma volta pelo quarto e só não caiu porque se apoiou na cômoda ao lado da cama a tempo.
- Eu achei que você me entendia... Achei que ia me ajudar – ele disse, com uma mão no peito e um olhar triste – E, no entanto, você quer que eu me interne. – sua voz parecia a voz de alguém que estava sentindo dor e isso me fez sentir-me um lixo - Eu esperava isso de qualquer pessoa, . Só não esperava de você.”


O sinal para o fim das aulas tocou e eu me levantei. Precisava pensar e, mais que tudo, precisava ver Brit. Caminhei até a sala de aula e peguei as minhas coisas. Fui embora e não olhei pra trás. Precisava sair dali. Sem o .

Capítulo 23

Eu simplesmente odiava o fato de não conseguir ficar brava com . Odiava o fato de que, todas as vezes que brigávamos, eu não conseguia ficar com raiva por muito tempo.
Mas, para a minha sorte, parecia que a mesma coisa acontecia com , porque dois minutos depois que eu bati a porta de casa estressada, logo que cheguei da escola, a campainha tocou.
Deixei minha mochila de lado e fui atender, lutando para manter a expressão fechada.
Abri a porta e lá estava ele, com os cabelos bagunçados, o uniforme da escola amassado e completamente desleixado, mas com aquela carinha que ele costumava fazer todas as vezes que queria algo de mim.
- O que foi? – perguntei, meio grossa.
Percebi que ele lutou pra não sorrir da minha cara de brava.
Assim, sem dizer nada, ele me puxou pra perto e me abraçou pelos ombros.
Permaneci com os braços ao lado do corpo, lutando pra não abraçá-lo pela cintura.
- Sabe uma coisa que eu odeio? – ele resmungou em meu ouvido – Abraçar alguém que não me abraça de volta! – seu tom de voz era indignado e, me odiando por isso, ri.
Depois disso, não consegui resistir por muito tempo. Abracei-o pela cintura e ouvi ele dizer um “ufa” e suspirar, como se estivesse aliviado.
Revirei os olhos e me afastei dele.
- Diga. – falei, com uma sobrancelha erguida, como se esperasse por algo.
- Dizer o que? – ele perguntou, parecendo confuso.
- Suas desculpas! – respondi, em um tom óbvio, e dessa vez não conseguiu conter o sorrisinho.
- Tudo bem, eu digo – ele falou, se endireitando e tentando ficar sério – Me desculpe por desconfiar de você, por te fazer ficar brava comigo e, principalmente, por ser um cara tão patético que não consegue nem te fazer sorrir!
Como eu sabia que era sua intenção, achei graça da última parte e, sem querer, sorri um pouco.
- Ah, isso foi um sorrisinho, certo? – ele disse, parecendo satisfeito e eu revirei os olhos novamente.
- Por que você tem que ser tão chato? – perguntei, tentando parar de sorrir e fracassando.
- Vou considerar isso como um “eu aceito suas desculpas, meu amor” – no final da frase, ele afinou a voz e, dessa vez, não tentei conter o sorriso.
- Não é como se eu tivesse outra opção a não ser aceitar... – comentei, dando de ombros, e ele se aproximou novamente, segurando meu rosto com as duas mãos.
- E por que você não tem outra opção? – perguntou, me dando um beijo na ponta do nariz.
- Porque eu não consigo não te desculpar. – confessei e, sorrindo aquele sorriso lindo dele, disse baixinho:
- Bom saber.
E então ele fez o que nós dois queríamos que ele fizesse: me beijou.

- Sabe o que podíamos fazer hoje? – ele me perguntou, assim que entrou em casa depois de mim.
- O quê? – perguntei, virando-me pra ele, que colocou as mãos na minha cintura e me puxou pra perto.
- Tirar uma folga. – ele falou, dando de ombros e, como viu minha cara de confusa, explicou: - Você sabe... Passar a tarde como um casal normal.
Ri do último comentário e coloquei as mãos dos dois lados de seu rosto, dando-lhe um selinho.
- Isso parece ótimo – eu disse, sorrindo.
Ele sorriu também, fazendo uma cara sapeca e me pegou no colo rapidamente. Quando eu gritei pra ele me largar, se jogou no sofá junto comigo, enquanto prendia minhas pernas entre as suas e me fazia cócegas, que só parava de fazer pra me beijar.
- Eu vou em casa – ele disse, me dando um selinho – Tomar um banho – outro selinho – E já volto pra gente fazer algo.
Suspirei, derrotada. Por mim, ficaríamos naquele sofá eternamente.
- Tudo bem – falei, mas quando ele ia se levantar, puxei-o pra mim novamente e o beijei.
Precisávamos mesmo de um dia como um casal normal, sem cortes, sem drogas, sem brigas.

Já estávamos há meia hora no parque que eu gostava, e devorava seu vigésimo sorvete.
- Você não tem fundo, não? – perguntei, rindo, enquanto em um ato bem criança ele mostrava a língua.
Revirei os olhos e, com um tom de desdém, disse.
- Ah, você é tão criança!
me olhou com aquela cara que ele fazia sempre que tinha uma ideia da qual eu, provavelmente, não iria gostar.
- Eu sou criança, é? – perguntou, em um tom calmo, e eu assenti, rindo. – Tudo bem – ele disse, dando de ombros – Vou te mostrar quem é criança!
E, dizendo isso de um jeito meio ameaçador, lambuzou meu rosto de sorvete, enquanto eu gritava pra que ele parasse e algumas crianças que passavam ali nos olhavam assustados.
- Para, ! – gritei, já rindo muito, sentindo calafrios por causa do sorvete gelado em meu rosto.
parou e pareceu avaliar meu estado.
Tinha sorvete no meu nariz, nas duas bochechas e algo me dizia que o lugar mais afetado tinha sido o queixo.
Ele começou a rir, e eu, tentando me vingar dele, passei a mão no rosto, tirando um pouco do sorvete, e limpei a mão em seu rosto.
- A-há! – disse, dando uma piscadinha – Quem é que tá limpo agora?
riu de novo, tentando se limpar, enquanto eu fazia o mesmo.
- Posso te matar? – perguntei, quando vi que aquilo não ia adiantar.
- Pode – respondeu, me fazendo olhar pra ele – Mas só depois que eu limpar essa meleca da sua cara.
Então ele me puxou pra perto e começou a distribuir beijos por todo meu rosto, limpando o sorvete enquanto eu ria, não sabendo se achava aquilo fofo demais ou nojento demais.
- Você é um idiota! – eu acusei, assim que ele acabou e eu ainda sentia meu rosto grudando.
- Poxa... – ele resmungou, me olhando com cara de cachorrinho sem dono – Achei que você ia querer retribuir o favor.
Gargalhei e lá fui eu, limpar o rosto de , que entre risadas, me dizia que não era só ele a criança ali.

- Aaaah, eu não quero ir pra casa... – reclamou, assim que vimos que estava ficando tarde, enquanto nós dois estávamos deitados no sofá, ele por cima de mim.
- Aaaah, eu não quero que você vá... – imitei o tom dele, fazendo-o rir.
- Tava esperando você dizer isso – ele riu, depositando mais alguns beijos no meu pescoço.
- ... – chamei, pensando em algo que estava me incomodando já fazia um tempo.
- Quê? – ele disse, sem tirar o rosto da curva do meu pescoço.
- O que nós somos? – perguntei, finalmente.
Ele parou de me beijar na mesma hora. Levantou a cabeça e olhou pra mim.
- Eu... Não sei. – confessou, com um olhar engraçado.
- Hmm... – foi a minha resposta, então ele saiu de cima de mim e se sentou direito no sofá – O que foi? – perguntei, estranhando, e com medo que ele tivesse se assustado com o assunto.
- Tô pensando... – ele disse, meio alheio, olhando pra frente.
Tive que rir da cara dele, que olhou pra mim também rindo.
- Sei lá... – ele começou, coçando o queixo – Nós ficamos... Todos os dias. – ainda parecia pensativo. – Mas não é algo do tipo você fica com quem você quiser por aí! – disse rápido, e eu fiz um bico.
- Poxa, que chato. – brinquei, e dessa vez ele que revirou os olhos pra mim.
- Sabe... – ele disse, agora coçando o braço freneticamente – Nós não podemos ser ficantes.
Aquilo me fez prender a respiração por alguns momentos. Eu não queria ser só uma ficante, isso era óbvio, mas o que nós éramos?
Continuei olhando pra ele, tentando desvendar seus pensamentos, até que a nuvem que cobria seus olhos saiu dali e ele me olhou, sorrindo.
- O que foi? – perguntei, achando a mudança repentina estranha.
- ... – ele começou, se aproximando mais de mim no sofá e segurando minhas mãos entre as suas. – Nós... Eu... – acho que eu teria rido de sua gagueira, se eu não estivesse tão nervosa. Ele estava... Me pedindo em namoro? – Eu te adoro – ele disse por fim, suspirando – Eu adoro passar meus dias com você, adoro tudo o que você faz, adoro até quando você me xinga! – sorri um pouquinho, sentindo como se algo estivesse se mexendo em meu estômago – Você é a pessoa que eu sempre sei que posso confiar, a pessoa com quem eu sempre quero estar e... – ele parou por um momento, olhando no fundo dos meus olhos, daquele jeito que parecia ver minha alma – Eu tenho certeza que te quero do meu lado por muito tempo.
- ... – interrompi, com uma voz melosa, mas ele tampou minha boca, me fazendo arregalar os olhos.
- Espera eu terminar – disse, com uma voz carinhosa, e quando continuou, sua voz estava doce e cheia do sentimento que eu sabia que eu também sentia. – Você quer... Você aceita na...
Mas ele foi interrompido pela campainha tocando e parecia que um balde de água fria havia sido jogado em cima de nós dois.
- Caralho, isso é hora?! – ele reclamou, olhando pra porta e eu não resisti. Gargalhei, esquecendo que segundos atrás estava muito nervosa.
Tentei não ficar irritada com a campainha, que estragou completamente o momento, mas foi meio que impossível. Ele estava quase pedindo...
A campainha tocou de novo, interrompendo meus pensamentos.
Suspirei alto, seguida por , que agora mexia em seus cabelos e parecia um pouco sem graça.
- Vou ver quem é – falei, dando um breve beijo nele – Quando eu voltar você continua! – falei, tentando não rir da cara dele.
Caminhei até a porta pensando em todas as formas que eu poderia me livrar do visitante desconhecido.
Abri a porta e me deparei com um loiro alto, bastante magro, que eu não sabia quem era, mas algo em seu rosto era familiar.
- Pois não? – perguntei, ainda vasculhando minha mente, tentando lembrar quem era ele.
- O tá aí? – ele perguntou, parecendo bastante nervoso, e sua voz me fez resgatar alguma lembrança da qual ele fazia parte.
Não, não podia ser ele!
Olhei para os lados, nervosa e, quando fitei o garoto de novo, tinha certeza de quem ele era.
- Ele não tá aqui. – menti, mas algo se mexeu atrás de mim e vi o garoto loiro parado em minha frente sorrir.
- Não? – perguntou, de uma forma irônica.
Olhei pra trás e ali estava , com uma cara de surpresa.
- Mike? – perguntou, sua voz assustada. – O que você tá fazendo aqui?

Eu tentei me controlar, respirar fundo e todas essas coisas, mas a verdade é que eu estava explodindo.
Aquele parado à minha porta era Mike, o infeliz, energúmeno, imbecil que havia levado pras drogas, que havia se drogado junto com ele e que, depois, ainda o ajudou a se endividar.
Eu queria bater nele!
Mas, ao mesmo tempo, eu tinha medo do motivo que havia o trazido até . O que mais esse idiota podia querer?
Os dois ainda estavam se encarando, e eu procurei a mão de e a apertei. Foi quando ele pareceu acordar.
- ... – ele disse, sem olhar pra mim – É melhor você entrar.
Estava preparada pra negar, veemente, que não entraria de jeito nenhum, mas Mike foi mais rápido.
- Não precisa, dude. – disse, olhando por cima do ombro a rua pouco movimentada àquela hora, parecendo bastante nervoso – É rápido.
então postou-se diante de mim, como que pra me proteger com o corpo, e eu ainda apertava a sua mão.
- Então, fala. – Nunca tinha escutado a voz de tão nervosa. Agora minha vontade de bater em Mike tinha passado, eu só queria que ele fosse embora.
- Eu tô vazando – Mike disse, apertando uma mão na outra, agitado – Tô indo embora. Eles tão atrás de mim, dude!
Eles, pelo o que eu entendi, eram os mesmos que estavam atrás de .
- Você ficou sabendo o que eles fizeram com o Aaron? – Mike continuou falando, parecendo ainda mais nervoso – Eu tenho que ir embora, tenho que sumir daqui!
Por um momento, senti certa compaixão por ele. Mike estava sendo ameaçado, assim como provavelmente toda a sua família. Ele estava magro, assustado... Desamparado.
- E o que você quer que eu faça, Mike? – perguntou, em um tom neutro.
- Eu vou de madrugada – Mike confessou, abaixando o volume de sua voz – Meu pai e eu vamos sair da cidade...
- Eu pensei que ele ainda tava, você sabe... Preso. – interrompeu, parecendo desconfortável.
- Não, soltaram ele faz tempo – Mike fez um gesto com a mão, como se não fosse importante – Ele conhecia um policial e tal...
assentiu, parecendo ficar menos nervoso.
- Tudo bem, o que você quer que eu faça por você? – foi direto, e Mike novamente olhou por cima de seu ombro.
- Eu não tenho mais nada... – ele disse, e eu fiquei sem entender. – Não tenho mais nada...
, diferente de mim, pareceu entender.
- Eu não tenho quase nada comigo, dude. – disse, olhando pra mim pelo canto do olho.
- Não tem problema, só preciso de um pouco. Pra agora, sabe?
Então eu entendi. Entendi e me senti muito, muito brava.
Ele tinha vindo atrás de porque queria droga. E lá estava o meu , dizendo que não tinha muito.
Mas, mesmo que fosse pouco, ele ainda tinha.
Apertei a mão dele novamente, querendo demonstrar minha raiva, mas a apertou de volta, bem mais suavemente do que eu havia feito.
- Depois que eu arranjar, você some, entendeu? – disse, com ferocidade, me deixando atônita. – Você não me procura mais!
Mike assentiu, parecendo não se sentir ofendido com o tom dele.
então olhou pra mim e de volta pra Mike, meio indeciso. Olhou pra mim novamente e Mike, mais uma vez, foi mais rápido que eu.
- Eu não vou fazer nada com ela – garantiu, e eu não duvidava, ele nem ao menos tinha olhado pra mim durante toda a conversa. – Pode ir buscar, eu não vou fazer nada com ela!
olhou novamente de Mike pra mim, e se decidiu.
- Você fica! – disse, usando um tom definitivo pra mim, e fez um sinal com a cabeça pra que Mike o acompanhasse.
soltou minha mão e começou a caminhar em direção à sua casa.
- ! – chamei, sem saber o que ele estava fazendo.
- Eu já volto. – ele me garantiu, olhando-me com pesar – Vai ser rápido, prometo.
Fiquei parada ali por, no máximo, três minutos. Assim que a porta da casa de se abriu novamente, Mike saiu correndo pela rua, sem olhar pra trás ou na minha direção.
saiu atrás dele e, quando chegou à porta de minha casa, Mike já havia virado a esquina e desaparecido.
Olhei nos olhos dele, sem saber o que dizer.
me abraçou por muito tempo, e só quando ele fez isso eu percebi que estava tremendo.

Acho que um certo pedido de namoro ficaria pra depois.

Capítulo 24

Saí da casa de junto com a Brittany e acenei pra ela, antes de virar para o lado oposto, desejando chegar logo em casa.
Eu e estávamos brigados oficialmente. Depois que Mike foi embora, ele tentou me explicar sobre a droga que ainda tinha em casa, mas eu estava nervosa e brigamos novamente.
Sabe a história de passar um dia como um casal normal? Pois é, não deu certo. E sabe aquele pedido de namoro que ele parecia que ia fazer?
Pois é, também não deu certo.
Mas o dia de hoje tinha sido um pouquinho melhor por causa de Brit, que conversava comigo como se fôssemos velhas amigas e eu sabia que tinha que tomar uma decisão sobre . Por isso, a primeira coisa que faria era ir atrás dele.
Quando virei à esquina, meu celular tocou e me surpreendi ao ver o nome da Sra. no visor.
- Alô?
- ? , o está com você? – seu tom de voz era preocupado e logo fiquei alerta.
- Não. Ele não veio embora comigo hoje. – informei – Aconteceu alguma coisa?
- Acho que alguém invadiu a minha casa – ela disse, aflita – Roubaram dinheiro do meu quarto e o quarto do tá todo revirado! – Encostei-me a algum lugar que, sinceramente, não lembro o que era e esperei que ela terminasse, tentando não me desesperar também. – Tem... , tem sangue lá!
Gelei e, quando me dei conta, já estava correndo. Não lembro como me despedi da mãe de , se é que tinha me despedido.
Corri para o único lugar que eu achava possível encontrá-lo, mas era uma esperança idiota de se ter, pois quando abriu a porta, irritado com as minhas batidas insistentes, eu soube que não estava lá.
- O não tá aí, né? – perguntei, sem dar tempo pra dizer algo.
- Não – ele disse confuso. – ele veio aqui depois da escola e perguntou de você...
- Droga! – exclamei, lembrando que no único momento do dia que nos falamos, eu disse que passaria o dia com , pra não precisar contar que ia ver Brittany - Faz muito tempo que ele saiu?
- Quase... – ele olhou no relógio, parecendo preocupado – Duas horas. O que tá acontecendo?
- Ele disse pra onde ia? – perguntei, entrando em desespero.
- Não... , me fala o que aconteceu! – pediu e me abraçou quando eu comecei a chorar.
- Me ajuda a procurar ele, por favor – pedi – eu te explico no caminho.

- Eu não devia ter te contado, o vai me matar – eu me lamentei, enquanto olhava pela janela do carro, buscando algum sinal dele nas ruas.
Já tínhamos ido à casa dele e não aguentei ficar lá. A Sra. estava desesperada. Liguei pra Chris e pedi que ela ficasse lá. Saí com , rodando pela cidade. Tentamos chamar a polícia, mas disseram que só podiam começar as buscas depois que a pessoa estivesse sumida por mais de 24 horas e sabia que eu não aguentaria ficar em casa apenas esperando. Tinha acabado de contar a ele a verdade sobre .
- Esquece isso – disse, fazendo carinho no meu cabelo com uma das mãos – Vamos nos preocupar em achar ele primeiro.
- Tá bom – respondi, ainda olhando pela janela. No mesmo momento soube que me observava – Você podia olhar pra frente já que está dirigindo, não acha? – perguntei e ouvi sua risada preencher o carro. Senti-me um pouquinho aliviada por saber que ele estava comigo.
- Como é o nome daquele amigo do ? – perguntou, vagamente.
- Mike – respondi prontamente, meu único encontro com ele tomando conta de minha mente. Não havia falado sobre o dia anterior para , por isso estranhei a pergunta. - Por quê?
- Pelo que eu entendi, o pai desse Mike foi preso há uns meses atrás. E o Mike achava que a culpa era do ...
- Porque ele sumiu e a mãe dele chamou a polícia pra procurá-lo. Foram na casa desse Mike e não acharam o , mas acharam drogas. Então prenderam o pai dele por suspeita de tráfico – contei novamente, tentando entender aonde queria chegar.
- Você acha que... Acha que ele pode ter algo a ver com essa história? – sugeriu e meus olhos se arregalaram. - Pode! – gritei e se assustou – Ai, meu Deus, e se foi ele, ? O que a gente faz? – perguntei, entrando em desespero novamente. – Eu não sei nem pra que lado esse cara mora! O que a gente faz agora?
- Agora – disse, pegando o celular e entregando pra mim – Você liga pra polícia e conta as suas suspeitas. Não precisa falar nada sobre essa coisa do – ele garantiu, sem olhar pra mim – Se você disser que o pai do Mike foi preso há alguns meses, eles vão ter acesso à ficha dele e vão saber o endereço. E se eles fizeram algo com o , a polícia vai descobrir.
Estava prestes a ligar, mas então eu me lembrei que Mike tinha ido embora na madrugada, segundo ele mesmo. E que, como ele contou, o pai dele havia sido solto fazia tempo. Então, se ele tivesse sido verdadeiro com ontem, a teoria de não fazia mais sentido. Eu é que estava me desesperando com qualquer ideia que me ocorresse.
- Tá esperando o quê? – disse, olhando pra mim, que olhava o celular sem reação.
Comecei a responder, mas pra minha sorte o celular em minhas mãos começou a tocar. Atendi depressa quando vi que era a Sra. .
- Alguma notícia? – perguntei rapidamente e ouvi a resposta dela em silêncio. olhou pra mim, querendo informações e eu mandei que esperasse. – Tá, tá bom. Eu e o estamos indo. – disse e desliguei.
- O que aconteceu? – perguntou, preocupado.
Suspirei, antes de responder.
- Ele acabou de chegar em casa – informei – Bêbado.


- Ele estava bebendo! – a Sra. gritava, andando de um lado para o outro da sala, enquanto eu e estávamos sentados no sofá e tomando banho. – Chegou aqui completamente bêbado! Sabe Deus se ele estava só bebendo!
- Se acalma – Chris disse, quando apareceu na sala, trazendo um copo de água para a Sra. e a fez sentar-se no sofá.
Depois que bebeu tudo, a mulher agradeceu a Chris e se levantou, alegando que precisava descansar e que não queria ver a cara de quando ele saísse do banho.
Sinceramente, eu também não estava com muita vontade de olhar pra ele depois do nervoso e do susto que ele havia nos dado.
- Acho que eu vou indo embora também – Chris avisou, e só nessa hora eu lembrei que ela estava ali há muito tempo, cuidando da Sra. – Daqui a pouco o seu pai chega...
Arregalei os olhos e me levantei depressa. Meu pai não podia saber do que tinha acontecido hoje!
- Você pode... Não contar a ele sobre isso? – perguntei, receosa, e Chris me olhou por alguns minutos.
- ...
- Por favor! – pedi, tentando fazer a carinha fofa que sempre fazia comigo, e ela suspirou.
- Tudo bem... – Chris disse, contrariada – Boa noite pra vocês – ela me deu um beijo na testa e acenou para – Voltem logo pra casa, vocês também precisam de descanso.
Eu e assentimos e ela saiu de casa.
- Ela é legal - comentou e eu sorri.
- Muito.

- Você nos assustou, dude – disse, quando voltou para a sala. O banho não parecia ter adiantado muito e ele apenas assentiu, olhando para baixo e suspirou, deu alguns tapinhas nas costas de e me abraçou – Tenho que ir – disse e, baixo, para que não ouvisse, acrescentou: – Mas depois preciso conversar muito sério com você.
Concordei, retribuindo o abraço. Já sabia que ele ia querer conversar sobre depois.
Quando saiu, me sentei ao lado de e fiz a pergunta mais óbvia.
- Você estava só bebendo?
Ele negou e eu suspirei, derrotada.
Ficamos em silêncio por muito tempo, até eu me encher da coragem necessária pra fazer o que eu precisava fazer.
- Eu estou visitando uma psicóloga – contei, sem olhar qual seria a reação dele. Procurei no meu bolso e achei um pequeno cartão branco, com o nome de Brittany e o seu telefone e o entreguei a . – A queria que eu fizesse isso desde que eu contei sobre os meus cortes. Ela achava que eu não conseguiria me tratar sozinha...
nem ao menos olhou pra mim antes de responder.
- Se você está dizendo isso pra me convencer a me internar, não vai adiantar – ele disse calmo, parecendo ignorar completamente a informação que eu passei tanto tempo tentando ocultar dele.
Suspirei, ignorando o fato de que ele nem deu a atenção necessária àquela informação que era tão importante pra mim.
, eu não preciso...
- Você não precisa de ajuda, você consegue parar sozinho. Pode parar quando quiser – eu continuei por ele, com uma voz entediada, ainda olhando para frente. Ouvi-o dar uma risadinha e o encarei, séria – Não é pra rir, isso é sério, caso você não tenha percebido – falei, indignada, e, quando vi que ele não diria nada, continuei - Eu também pensava isso, ! Também pensava as mesmas coisas que você pensa agora – ele começou a dizer algo, mas eu me virei completamente para ele e ele parou de falar. Levantou uma das mãos e passou pelo meu rosto, limpando algumas lágrimas que eu nem percebi que estavam ali, mas eu afastei sua mão delicadamente – A questão, – continuei – é: se você acha que pode parar quando quiser, por que há meses atrás pediu pra que eu te ajudasse a parar?
- É diferente...
- Por que... – continuei, insensível, sem deixar que ele me interrompesse – Já que você pode parar quando quiser, não parou ainda?
Ele não respondeu e dessa vez eu sabia que ele tinha entendido.
Peguei a mão dele, onde havia uma faixa enrolada em um corte fundo. Ele disse que se machucou quando voltou pra casa, em uma de suas crises violentas. Era da mão dele o sangue que sua mãe havia encontrado no quarto. E, incrivelmente, eu não estava surpresa. Ele já havia feito isso antes, só não deixou que a mãe soubesse. Mas o fato de não estar surpresa não era, nem de longe, um bom sinal.
- Você não pode ter as duas coisas, – eu disse, decidida, e ele me olhou confuso – Você não pode ter a mim e as drogas ao mesmo tempo.
- ... – ele disse, com os olhos arregalados.
- Você não pode ter as duas coisas – repeti. – Pensa nisso, tá? – dei um selinho nele, mas ele colocou uma de suas mãos em minha nuca, me puxando pra perto e aprofundando o beijo.
Outra vez, afastei-o carinhosamente, e ele me olhou decepcionado, mas eu já havia decidido e não voltaria atrás. Se ele insistiria nessa bobagem de fingir que não precisava de ajuda, teria que escolher.
- Boa noite, – sussurrei e me levantei pra ir embora.

Capítulo 25

- Você devia ter nos contado antes, . – disse e eu assenti – Nós podíamos ter te ajudado.
Ela estava me abraçando de lado, enquanto estava sentado a nossa frente, com as mãos na cabeça, pensativo.
- Eu achei que não tinha o direito de contar algo assim – respondi – Achei que podia ajudá-lo...
- Você não pode – me interrompeu, enérgico, e continuou com uma voz mais suave – Não sozinha.
- Eu sei... – sorri triste – Descobri isso da pior forma. E eu já falei com ele. Eu... Eu quero que ele se interne e se trate.
- E ele...? – perguntou.
- Ele não quer – concluí, colocando as mãos na cabeça, do mesmo jeito que havia feito há pouco – Ele simplesmente não quer! Mas também não consegue parar de se drogar. E eu não sei o que eu faço...
- Ele é menor de idade ainda, disse astutamente – Ele não tem direito de escolher nada, por enquanto.
- ... – comecei, sabendo onde ele queria chegar, mas não querendo ouvir o resto.
- E você sabe sim o que tem que fazer, só não quer! – ele concluiu, com um sinal de impaciência na voz.
- E o que é? – perguntou, confusa, e pude ver revirar os olhos quando levantei a cabeça.
- Contar pra mãe dele – eu expliquei, com a voz rouca – Eu tenho que contar pra mãe dele, porque ela pode fazer algo.
- Tipo, internar ele – explicou, quando viu que ainda estava confusa – Por enquanto, é ela quem responde por ele legalmente.
- Mas... Não seria pior pra ele? – perguntou e eu e assentimos.
- O tratamento seria mais puxado – ele explicou, olhando pra mim – E demoraria mais tempo. Mas não tem mais nada que possamos fazer. Se a gente não conseguir que ele aceite se tratar antes de ele se tornar maior de idade, vai ser uma burocracia do caramba depois. Teríamos que provar que ele não tem condições de decidir as coisas por ele mesmo e... – parou de falar quando me ouviu soluçar.
- Eu não quero ficar longe dele! – eu disse chorosa – E também não quero que ele se trate à força!
- A gente sabe, ... – começou a dizer, compreensiva, mas era mentira. Eles não sabiam como era.
Levantei-me, sem conseguir controlar meu choro e minha exasperação.
- Vocês não sabem como é! – eu gritei, com a voz falha, e percebi que os dois ficaram surpresos com minha reação. – Não sabem como eu me sinto! – continuei falando e andando de um lado pro outro, tentando limpar as lágrimas que embaçavam minha visão – Não têm nem ideia de como é horrível saber que ele tá acabando com ele mesmo e querer ajudar, mas não poder fazer nada!
- ... – dessa vez, foi quem começou a falar, mas eu o interrompi também.
- Eu não quero ficar longe dele! – repeti – Eu quero que ele se trate, que fique bom, mas eu queria poder estar do lado dele!
Parei de falar, e agora eu soluçava como uma criança.
Senti braços me levantando e só nessa hora percebi que eu estava no chão.
me abraçou forte, me mantendo de pé, e logo se juntou ao nosso abraço.
- Talvez essa seja a única saída pra ele agora. – ouvi dizer, e eu sabia que devia estar preparada pra encarar mais essa verdade.

Cheguei em casa e fui direto para o meu quarto. Joguei-me na cama e desejei já estar tomando os remédios que Brit receitaria. Se estivesse tomando, não estaria desse jeito.
“Você consegue” eu disse pra mim mesma e levantei, decidida a tomar um banho demorado e dormir o resto do dia.
- Toc, toc – ouvi a voz de e quando me virei, ele estava parado na porta, com um lindo sorriso – Você fica bastante sexy com o cabelo assim, todo bagunçado – ele comentou.
Revirei os olhos e tentei não sorrir, enquanto prendia os cabelos em um coque, mas não consegui. Quando viu o pequeno sorriso que eu me permiti dar, ele atravessou o quarto, segurou meu rosto entre suas mãos e me beijou, como se não fizesse isso há anos e não há apenas um dia.
Quando se afastou de mim, ele sentou na minha cama, pedindo pra que eu me sentasse ao seu lado.
Assim que sentei em minha cama, ele me devolveu o cartão que eu havia entregado a ele na noite anterior.
- Não perguntei ontem... Acho que eu tava bêbado demais – ele disse, constrangido – Mas por que você não me contou isso antes?
- Porque eu não queria pressionar você – expliquei, suspirando. – Eu queria que você chegasse sozinho à conclusão de que precisávamos de ajuda e eu não queria que você achasse que devia algo a mim ou que você fosse procurar ajuda só porque eu estava fazendo isso. – ele olhou pra frente e ficou encarando a porta do quarto – Eu queria que você percebesse que, sim, existem pessoas que conseguem parar sozinhas, mas você... Nós – corrigi rapidamente quando ele me olhou com uma sobrancelha erguida – Nós não podemos. Porque isso já está fora do nosso controle. – terminei e esperei que ele falasse algo, apreensiva.
- Você acha mesmo que eu deveria me internar? – ele perguntou, procurando olhar nos meus olhos, mas parecia controlar a voz.
- , eu devia ter te contado antes, eu sei. Esconder de você só te fez ficar pior...
- Não foi isso o que eu perguntei – ele disse, mas eu o ignorei.
-... Mas eu precisava deixar você se decidir sem nenhuma influência minha. E agora eu não sei mesmo o que fazer, porque durante um tempão você escondeu de mim que ainda se drogava. Me fez pensar que eu estava te ajudando a parar e olha pra nós agora! – eu disse, e embora as palavras não fossem carinhosas, não consegui sentir raiva dele e ele percebeu.
- Olha... – ele começou, segurando a minha mão – Me desculpa. Eu não queria te decepcionar e só piorei as coisas. Eu piorei as coisas – ele acrescentou e eu ia protestar, mas ele pediu que eu esperasse e continuou. – Eu não parei. As idas à casa de alguma tia, as saídas com a minha mãe... Eram desculpas pra não deixar você me ver, não deixar você ver o jeito que eu ficava. E quando eu ficava muito tempo sem usar eu não me sentia... Eu – ele disse com o olhar distante – Me desculpa por isso. Eu sei que não devia ter escondido de você. Me desculpa, por favor? – ele me olhou no fundo dos olhos, mas havia algo de errado no jeito que ele falava. Ele disse tudo absolutamente calmo, quase frio, como se tivesse decorado um texto e estivesse sendo obrigado a dizê-lo agora.
- Tudo bem – eu disse, ainda estranhando, mas sendo sincera – Eu te desculpo.
Ele sorriu e passou um braço sobre meus ombros, mas eu me levantei.
- Antes, você me perguntou se eu achava que você devia se internar – eu disse, o encarando, antes que perdesse a coragem de dizer o que precisava dizer – E a minha resposta é sim. – ele me olhou pasmo, mas eu não parei – Eu sempre precisei de ajuda, mas era orgulhosa demais pra admitir. Mas agora eu estou me ajudando. Você deveria fazer o mesmo.
, ainda sentado na minha cama, pareceu atônito com a minha reação e eu fiquei surpresa com a reação dele. Pensei que tinha ido até minha casa com uma resposta. Achei que tinha ido até ali me dizer o que tinha decidido sobre o que eu falara na noite anterior. Mas agora ele me olhava como se a ideia de tentar parar fosse absurda e nunca tivéssemos tocado no assunto.
- Eu achei que você iria me ajudar... – ele disse, olhando pra baixo e parecendo confuso.
- Eu tentei – eu disse, me ajoelhando em frente a ele.
- Então você está desistindo? – ele perguntou, em um sussurro.
- Não seja injusto, – pedi, sentindo algo que parecia como uma facada no peito quando ele disse aquilo. Mas ele me afastou e se levantou – Não estou desistindo de te ajudar, pelo contrário!
- Me internar em uma clinica estúpida e me deixar lá por meses, sem nem poder colocar o pé na rua, é me ajudar? – ele gritou.
Ótimo, estávamos de volta ao ponto inicial. Será que nunca conseguiríamos passar um dia inteiro sem brigar?
- Se você não for por bem... – eu comecei, já de pé.
- Você vai fazer o quê? – ele perguntou, chegando perto de mim.
- Eu vou contar pra sua mãe! – gritei e por um momento ele pareceu surpreso. – Você ainda não é maior de idade, , e é ela quem decide por você legalmente!
Por um momento, ele ficou paralisado pela minha ameaça, mas logo se recuperou.
- Você não faria isso... – ele disse, de um jeito ameaçador e se aproximou mais de mim. O olhar em seu rosto me assustou mais do que seu tom de voz e eu me encolhi, com medo da reação dele – Você é louca, mas não o bastante! – gritou, quando estava perto o suficiente pra me tocar e eu me encolhi mais. – Você... Não... Faria... Isso! – ele disse pausadamente, quando estávamos cara a cara e sua fúria me fez dar um passo pra trás, assustada.
Quando ele percebeu isso, parou abruptamente de gritar o que quer que fosse e me olhou surpreso.
Respirei fundo e dei mais um passo pra trás.
- Você... Você tá com medo de mim? – ele perguntou e seu tom de voz havia mudado drasticamente.
- Não – menti, mas a minha voz tremeu, me entregando.
- Você ‘tá sim! – ele disse e andou vários passos de costas, se afastando de mim, como se estivesse tão assustado quanto eu com sua reação.
- Eu... Eu não queria estar! – eu confessei, olhando pra baixo, em uma voz fraquinha – Mas você muda o tempo todo, , e eu não sei o que esperar! – eu atropelava as palavras e não tinha certeza de que ele entenderia – Você... Eu não sei! Às vezes, eu acho que você pode se descontrolar e...
- – ele chamou, me interrompendo – Eu... Eu não sei o que dizer! – a voz dele falhou e seus olhos brilhavam de um jeito estranho, como se estivesse prestes a chorar.
Aproximei-me dele, mas ele se afastou novamente. Chegou até a porta e ainda parecia desorientado.
– Você tem medo de mim! – ele afirmou e eu suspirei.
Eu não tinha medo dele, apenas não sabia o que esperar quando ele começava a se descontrolar daquela forma. Eu sabia que aquele não era o . Sabia que ele nunca agiria assim comigo. O que o fazia agir assim era a situação em que se encontrava e era disso que eu tinha medo, mas algo me impedia de conseguir verbalizar aqueles pensamentos vendo tão surpreso quanto estava.
abriu a boca pra dizer mais alguma coisa, mas parecia que as palavras não saíam.
- – chamei, receosa, e ele me olhou nos olhos, o que fez meu estômago revirar, porque ele me olhava de um jeito que eu nunca tinha visto antes. Quase como se olhar pra mim doesse.
- Eu... Eu não posso me internar – ele disse, por fim – Me desculpa, mas eu não posso. – ele ainda parecia confuso, mas se virou para o corredor e eu corri até ele, antes que ele chegasse à escada.
- Pra onde você vai? – perguntei, confusa, sem entender mais nada.
- Eu não sei – ele disse, ainda com aquele olhar estranho, que eu odiava ver em seu rosto – Mas talvez seja melhor não nos vermos mais.
Demorei um tempo pra entender o que ele disse. Quando finalmente entendi, abri a boca, chocada, mas ele parecia inflexível.
- Mas, ... – gaguejei, sem entender.
- Eu não vou me internar – ele disse – e também não vou mais te fazer ter medo de mim!
- , por favor! – pedi, exasperada, me aproximando dele. Ele tinha entendido tudo errado! – Não seja burro!
- , eu não posso! – ele me olhou nos olhos e eu senti um aperto no peito. Não sabia mais o que fazer.
- Você... Você prometeu que sempre estaria do meu lado! – gritei, quando percebi que ele estava mesmo falando sério sobre não nos vermos mais, e ele sorriu triste.
- Promessas foram feitas pra serem quebradas...
Eu não consigo dizer o que pensei àquela hora, mas parecia meio surreal o que ele estava dizendo.
Como assim "promessas foram feitas para serem quebradas"? Ele estava indo embora? Estava... Terminando, o que quer que tivesse, comigo?
Esse pensamento me desesperou. Não tinha motivo pra nada daquilo!
- , por favor, me escuta! – eu pedi de novo, quando ele já estava na escada, mas ele não se virou.
O desespero estava começando a tomar conta de mim quando percebi que, sei lá por que, eu estava o perdendo. Ele estava indo embora. Vasculhei minha mente atrás de algo que pudesse dizer pra consertar aquela situação, mas nada me ocorria.
– Você... Você é tudo, ! – eu disse, quando o desespero chegou ao auge, pensando que aquelas palavras fariam algum efeito, mas ele continuou a descer as escadas. Era como se eu estivesse tentando segurar água com as mãos – Eu te amo! – sussurrei, e então ele parou de andar.
Virou lentamente e voltou até mim. Suspirei aliviada, pensando que finalmente teria a chance de entender que porcaria estava acontecendo ali e por que ele estava dizendo que ia me deixar, mas ele apenas secou uma lágrima do meu rosto e encostou seus lábios nos meus, de um jeito que não parecia ser um beijo.
Parecia uma despedida.
- Desculpa – ele disse, com a voz fraca – Desculpa! – observei, sem acreditar, ele se virar e caminhar novamente pra longe de mim.

Não olhou pra trás nenhuma vez.

Capítulo 26

’s POV

Voltei pra casa e caminhei até a cômoda. Empurrei-a pra um lado e levantei um dos pisos do assoalho, onde quando eu era mais novo costumava guardar dinheiro, balas e provas que tirei nota baixa e que agora guardava aquelas malditas drogas.
Peguei um saquinho de lá, mas não havia quase nada. Minhas mãos tremeram mais enquanto eu revirava o local. Estressei-me e chutei a cômoda pra outro lado, estava me atrapalhando.
- , o que foi isso? – ouvi minha mãe perguntar, no outro quarto, depois de ouvir o barulho da cômoda caindo.
- Eu... Esbarrei em umas coisas – gritei, mas minha voz estava estranha. Tinha esquecido completamente da minha mãe no outro quarto.
Levantei e tranquei a porta, com medo de que ela pudesse vir checar o que eu estava fazendo.
Quando voltei ao lugar de antes, vasculhei em todos os cantos, até achar outro saquinho onde tinha um pouco de pó. Fraco demais pra mim, mas era tudo o que eu tinha.
Fiz um cigarro muito mal feito com um papel qualquer que encontrei no chão o mais rápido que pude com as minhas mãos trêmulas. Acendi o cigarro e traguei profundamente, só pra me sentir decepcionado. Não era aquilo o que eu precisava.
Sentei na minha cama e olhei para o cigarro. Apaguei-o rapidamente quando percebi que papel era aquele. Desenrolei-o e sacudi o papel meio queimado, mas ainda pude reconhecer minha própria letra.

”Muito Obrig”

Era tudo o que conseguia ler. Eu havia escrito aquilo pra na primeira vez que fui à casa dela. Tinha furtado de seu armário na escola, alguns meses atrás, sem que ela visse, porque o fato de que ela o guardara me surpreendeu e eu não podia mentir, dizer que aquele papel não significava nada.
Ele me fazia lembrar onde tudo havia começado.
- Não, não foi onde tudo começou – eu disse pra mim mesmo, me lembrando de onde tudo havia realmente começado e agora minhas mãos não tremiam tanto.
A tremedeira não era por falta da droga, afinal. Era de nervoso, pelo o que eu tinha acabado de fazer.
– Você é um idiota, – minha voz soava triste e a percepção do que eu havia feito caiu sobre mim.
Funguei e fiz outro cigarro. Quando acabei, me deitei na cama e tentei segurar algumas lágrimas. Seria melhor assim. Eu sempre soube que nunca ficaria com alguém. Sempre soube que depois de tudo o que eu fazia, merecia ficar sozinho. Eu afastava as pessoas e, quando não conseguia, magoava elas. E era o que eu tinha acabado de fazer com a pessoa que menos merecia isso.
Lembrei-me do dia em que ela foi me agradecer, depois do acidente. Eu tinha acabado de discutir com o Matt, um dos amigos de Mike. A primeira de muitas vezes que ela me veria machucado...
“O acidente” pensei. Foi que tudo começou. Naquela estrada escura.
Quase pude ouvir o som das rodas do carro dela guinchando, o barulho da lataria batendo contra o chão. O mesmo desespero que eu senti aquele dia, eu sentia agora. O desespero de estar perdendo . É claro que eu sabia por que tinha a envolvido em tudo aquilo. Mesmo que eu não a merecesse, eu... A queria.

“As luzes da rua estavam acesas e eu andava lentamente com o carro. Deixaria a velocidade para o trecho de estrada que tinha à frente.
A chuva caía forte contra o teto e isso, de certa forma, era reconfortante.
Fazia isso sempre que discutia com minha mãe: pegava o carro e saía por aí, sentindo o vento, geralmente gelado, bater no meu rosto. Acalmava-me e me ajudava a pensar. Tinha acabado de descobrir que sair na chuva produzia o mesmo efeito, só que mais rápido.
Entrei na autoestrada que ligava a minha cidade à cidade mais próxima e liguei o rádio, batucando no volante no ritmo da música. Tinha contado somente um carro passando por mim. A chuva estava diminuindo, mas não importava tanto, afinal, minha raiva também já estava menor.

Someone told me long ago
There's a calm before the storm
I know, it's been comin' for some time

When it's over, so they say
It will rain a sunny day
I know, shinin' down like water

I want to know, have you ever seen the rain?
I want to know, have you ever seen the rain?
Comin' down on a sunny day


Cantarolei baixinho, mas parei quando ouvi um barulho muito alto, como o de uma batida. Diminuí o som e me forcei a enxergar algo. Estava muito escuro e só os meus faróis não iluminavam muita coisa, mesmo que a chuva já tivesse parado e facilitasse a visibilidade. Percebi que não via nada porque estava olhando para o lado errado. O barulho estava vindo de trás de mim. Lembrei-me do carro que havia passado há dois minutos do meu lado. Devia ter batido.
Agora o som era diferente. Lataria escorregando no asfalto. Será que tinha capotado? Demorei alguns segundos para me decidir e dar a volta com o carro.
Quando virei uma curva, tive que pisar rapidamente no freio. Mesmo que não estivesse em alta velocidade, ainda fui impulsionado pra frente.
Quando meu carro parou, levantei a cabeça e olhei pasmo para a cena à minha frente. Havia um carro virado de cabeça pra baixo. A parte de trás parecia ter se compactado e era uma visão estranha, já que a parte da frente tinha sofrido menos danos. O carro estava atravessado na pista, de modo que se outro viesse de qualquer um dos lados poderia acertá-lo. Ouvi estalos altos, vindos do motor. Desci correndo do meu carro, ainda meio pasmo, mas mantive distância. Meu celular estava sem sinal e as chances de algum carro aparecer e acertar o meu ou o outro eram muito grandes.
Aproximei-me do carro quando reuni coragem e curiosidade suficientes e vi que havia somente uma pessoa. Era uma mulher, pendurada de cabeça para baixo pelo cinto e desacordada. Ou morta.
Ouvi mais um estalo e então outra possibilidade me ocorreu: o carro poderia explodir. E acredite, embora eu não seja muito cuidadoso e preocupado com a minha vida, não estava interessado em morrer tentando ajudar alguém a não morrer.
Tentei puxar a porta do carro, só pra testar, mas ela não abria. Passei a mão pelos cabelos e tentei pensar. Se a mulher estivesse viva, não ficaria por muito tempo. Precisava ser levada para o hospital e eu não podia ficar ali, parado sem fazer nada. Respirei fundo e puxei a porta novamente. Ela só abriu na terceira tentativa.
Quando me agachei, pensando em tirar o cinto da moça, pude sentir o cheiro. Tinha óleo vazando.
- Mas que merda! – resmunguei e tentei agir rápido.
A moça devia ter a minha idade. Tinha um corte na cabeça e estava desacordada. Ela me pareceu familiar, mas eu não me lembrava de onde a tinha visto. Tentei segurá-la com uma das mãos, pra que ela não despencasse quando eu a soltasse do cinto, mas senti uma dor forte no braço e o puxei, dando uma olhada. Tinha um corte fundo ali. Olhei pra menina, pra procurar o que tinha causado o corte, e o que eu vi me deu náuseas. Havia um pedaço do vidro do carro preso na barriga dela. Virei para o lado, para o ar da noite, e respirei fundo.
Fiz outra tentativa, tentando segurá-la sem me cortar mais e consegui soltar o cinto. O cheiro do sangue dela estava se misturando com o cheiro do óleo e aquilo estava me dando vertigens.
- O que... – ouvi uma voz rouca e olhei pra menina, que parecia ainda meio morta.
Não falei nada, mas ofeguei com o esforço de segurá-la somente com um braço. Finalmente a livrei do cinto, tentando a puxar para fora do carro, quando ouvi um estalo ainda mais forte e me desesperei. Eu não entendia muito de carros, mas tinha quase certeza de que aquela merda ia explodir.
A garota ouviu também e isso pareceu acordá-la. Ela se virou pra todos os lados, tentando ver algo, e isso dificultou bastante meus esforços de tirá-la logo dali. Ela olhou pra algum ponto em frente a ela e quando a olhei, vi que seus olhos estavam arregalados.
- Me tira daqui! – ela pediu, desesperada, e eu queria responder que era exatamente isso que eu estava tentando fazer, mas continuei calado.
Ouvi mais um estalo vindo de algum lugar do carro e a puxei com força, me cortando no vidro e arranhando os braços na porta do carro. A garota gritou e tenho quase certeza que foi porque eu bati a cabeça dela em algum lugar. Quando a vi completamente fora do carro, peguei-a no colo e corri.

A cena, se não fosse tão assustadora, considerando que eu podia ter morrido, seria quase fascinante. O carro queimava rapidamente e pude ouvir uma segunda explosão.
Senti a garota apertar meu braço e me virei pra frente. Tinha a colocado sentada no banco de passageiros e quase esquecido que ela estava ali quando me virei pra apreciar a cena.
- Acho... – ela começou a dizer, mas sua voz estava horrível. Tentou pigarrear e tudo o que conseguiu foi engolir em seco – Acho que eu vou morrer...
Olhei nos olhos dela, pela primeira vez deixando de lado a preocupação com o que pensariam de mim quando soubessem que o garoto problemático da escola salvou alguém e percebendo que ela podia mesmo morrer. E meus esforços não teriam adiantado de nada.
Antes que ela desmaiasse, entendi porque ela me parecia tão familiar.
Enquanto eu olhava a menina desmaiada, uma parte do corpo ainda nos meus braços e a outra parte no bando traseiro do meu carro, cenas se passaram na minha cabeça.
A filha do diretor estava gritando com um dos garotos do time de futebol, estressada, e parecia prestes a enfiar o copo de suco que ele havia derrubado nela na boca dele, até que ele morresse engasgado.
Várias pessoas recebendo uma das calouras, mimando-a de um jeito que a fazia sorrir, desconfortável, como se odiasse a atenção que a maioria das garotas da escola adoraria ter.
A última coisa de que lembrei, embora fosse a lembrança mais antiga, era também a mais nítida. Uma menininha, com uma touca enorme e toda agasalhada, sentada nos degraus da frente da sua casa, emburrada, olhando a neve cair. Sua boca se mexia, como se estivesse cantando.
Deitei a garota da melhor forma que consegui e corri para o banco do motorista.
- Eu não vou deixar – eu resmunguei, irritado, já nem pensando mais no que diriam de mim. Olhei pro banco de trás e a menina não se mexia. Senti um desespero tomando conta do meu peito e dei a partida logo. – Eu não vou deixar você morrer, .”


Respirei fundo, me sentindo um lixo. O cigarro tinha acabado, meu pé estava doendo por conta do chute que eu havia dado na cômoda e eu tinha acabado de perder a pessoa que eu mais precisava na vida.
E a culpa, claro, era toda minha.
Passei a mão pelo meu braço, como se ainda pudesse sentir a dor de quando ganhei um corte do vidro do carro de .

“Eu batia o pé insistentemente no chão, enquanto estava sentado em uma cadeira na sala de espera do hospital, observando o diretor da escola se descontrolar.
Se não fosse aquela situação, acho que eu teria dado boas risadas. Ele gritava com um dos enfermeiros, pedindo informações, enquanto o enfermeiro, que devia ser novo, talvez até um estagiário, tentava acalmá-lo, mas parecia mais descontrolado que o outro.
Em um dado momento, minha mãe entrou correndo no hospital com uma cara assustada e, quando me viu, correu até mim e pulou no meu pescoço.
- Mãe, eu te disse que o acidente não foi comigo... – resmunguei, sendo esmagado por ela.
- Eu sei, eu sei... – ela respondeu, rindo e chorando ao mesmo tempo, e se afastou de mim. Tentei controlar a vontade de revirar os olhos, minha mãe era tão dramática! – Mas você saiu bravo de casa – ela continuou – E depois me liga de um hospital... Eu precisava ter certeza que estava tudo bem...
- E está – eu disse, quando ela se afastou, mas ela soltou um grito estrangulado e me assustou.
- Isso é sangue? – ela apontou pra minha camisa. Olhei pra baixo e reparei que ela estava mesmo cheia de sangue.
- Não é meu! – garanti, rapidamente, mas ela fez questão de levantar a minha blusa pra checar se não havia nenhum corte. Então ela viu uma faixa enrolada no meu braço e passou os próximos minutos me enchendo de perguntas.
Quando ela finalmente se acalmou, o médico que tinha atendido apareceu.
Acho que seria legal dizer que pai dela quase atacou o homem...
- É realmente muita sorte que ela tenha sobrevivido – o médico disse, sério – Ela está em cirurgia agora...
- Quê? – o pai dela quase gritou, mas o doutor sabia como lidar com isso.
- Um pedaço do vidro entrou no abdômen dela, mas a cirurgia não é de alto risco e até agora não houve nenhuma complicação. – O pai dela ficou meio verde, mas se acalmou. Senti meu estômago revirar quando relembrei do vidro enfiado nela – Fora isso – o médico continuou – ela sofreu apenas uma concussão e cortes superficiais. Sua filha é uma garota muito sortuda. – ele acrescentou.
- Quando eu... – o pai dela começou, mas parecia ter perdido a habilidade de falar.
- Assim que ela sair da cirurgia e for pro quarto, uma enfermeira virá chamá-lo e você poderá vê-la, tudo bem?
O homem assentiu e se sentou trêmulo em uma das cadeiras. Minha mãe se levantou e disse que ia comprar uma água ou algo que o fizesse se acalmar.
Sentei novamente na cadeira em que estava. Nem tinha percebido que também havia levantado quando o médico apareceu.
Quando minha mãe voltou com um copo de café e o entregou ao pai de , insistiu que fôssemos embora, mas eu não queria ir embora. Precisava ter certeza de que ela ficaria bem.
Uma enfermeira apareceu, quase uma hora depois, e levou o pai de para o quarto onde ela estava. Perguntei-me se eu também poderia vê-la, quando a mulher voltou e se dirigiu a mim.
- Você agiu muito bem, rapaz – ela disse, com um sorriso – embora os dois pudessem ter morrido, ela está viva agora por sua causa.
Sorri, sem graça.
A enfermeira se afastou, mas antes que saísse dali, avisou:
- Você pode entrar também, se quiser.

Entrei no quarto silenciosamente. estava pálida, não estava acordada ainda e seu pai estava sentado ao seu lado, segurando uma de suas mãos junto as dele enquanto murmurava alguma coisa. Talvez estivesse rezando.
Ou xingando a menina por ter capotado daquele jeito.
Olhei-a de longe e senti um aperto no peito. Refreei a vontade de tocá-la, pra ver se estava viva. Os barulhos dos aparelhos ligados a ela diziam que ela estava.
- , ! – um cara um pouco mais velho que eu entrou gritando no quarto, tão desesperado quanto o pai de estava – O que aconteceu com ela? – ele gritou, sacudindo o ombro do homem, parecendo o despertar.
- Ela... Ela capotou com o carro quando estava voltando da casa da sua mãe... – ele resmungou, e o garoto olhou pra menina, ainda parecendo meio desnorteado.
- Ela vai ficar bem, não vai? – ainda ouvi o cara perguntar, parecendo uma criança, antes que eu saísse do quarto.
Encontrei minha mãe me esperando quando saí de lá.
- Como ela está?
- Bem – respondi, passando um braço por seus ombros e a conduzindo pra fora do hospital. – Ela vai ficar bem.”

Sorri com a ideia de ter achado, naquele dia, que era o namorado de .
Pra minha sorte, ele não era.
E aquele acidente, além de ter colocado a pessoa maravilhosa que era na minha vida, ainda me foi útil pra me livrar de certas detenções, já que sempre que o pai de estava na escola, me livrava delas.
Provavelmente era por causa daquele acidente que ele me deixava vê-la e passar tanto tempo com ela. Nunca me agradeceu formalmente, e nem precisava, mas todas as vezes que ele olhava pra mim e pra juntos, parecia ser um agradecimento. E eu preferia assim.
Ouvi a buzina de uma moto interrompendo meus pensamentos e me levantei pra olhar da janela. Quando vi quem era, desci as escadas correndo e abri a porta.
Com sorte, o barulho não teria acordado a minha mãe.
- E aí, cara? – Derek disse, completamente chapado. Era ele quem vinha me fornecendo drogas ultimamente.
- Derek! – cumprimentei – Precisava mesmo falar com você!
- Tá aqui, olha! – ele jogou um pacote pra mim e eu o peguei surpreso – Era isso o que você queria, não era? – ele riu, e eu levantei uma sobrancelha – Você pode me pagar depois! – ele acrescentou.
Balancei a cabeça, incrédulo. Ele devia estar mesmo muito chapado. Só oferecia droga pra quem tinha dinheiro na mão.
Derek subiu na moto de volta e eu o observei. - Derek – chamei, pensativo – você já pensou em se internar, cara? – eu disse, em um tom que julguei ser brincalhão. Se havia alguém que precisava mesmo se internar, esse alguém era Derek. Já havia batido na própria mãe, tinha sido preso várias vezes, era um perdido na vida.
- Pra quê? – ele perguntou, parecendo confuso.
- Pra parar – eu disse, sacudindo o pacote que ele havia me entregado pra que ele entendesse. Ele riu e deu a partida na moto, sem se preocupar em colocar um capacete.
- Eu não preciso disso não, dude – ele falou, confiante – Eu paro quando eu quiser!

Capítulo 27

’s POV

Abri a porta e provavelmente fiz uma cara estranha, porque riu.
Olhei pra , que eu não via desde a nossa última conversa sobre , e estranhei o fato de ele estar ali.
Nos últimos três dias, não apareceu na escola, todas as vezes que eu ia procurá-lo ninguém me atendia e a passava as tardes comigo, já que eu parecia uma criança que não conseguia ficar sozinha.
- O que você está fazendo aqui? – perguntei pra .
Ele deu de ombros.
- Vim te visitar. Não posso?
- Pensei que estivesse ocupado – eu disse, pois era isso o que vinha me dizendo.
Os dois entraram na casa e sentou-se no sofá, me encarando.
- Precisamos conversar. – disse, e assentiu.
Dei uma última olhada na casa de e fechei a porta.
- Sobre o quê? – perguntei entediada, afinal, imaginava que o assunto da conversa seria o fato de que eu precisava seguir em frente, voltar a ser quem eu era, parar de ficar triste e todas as baboseiras que me dizia nos últimos dias.
- Sobre o . – respondeu e eu estranhei. O que mais poderíamos falar sobre ele?
- Tudo bem... – eu disse, sentando-me no sofá ao lado dele.
se virou pra mim e respirou fundo.
- Ele me procurou, uns dias atrás, e é por isso que estive meio ocupado.
Arregalei os olhos e observei revirar o bolso enorme de seu casaco sem falar nada, até ele tirar um envelope grande dobrado e estender pra mim.
- O que é isso? – perguntei receosa, sentindo meu coração bater forte contra o peito, prevendo algo ruim.
- O pediu pro te entregar – foi quem respondeu, e eu peguei o envelope. Comecei a abrir, com as mãos trêmulas, mas pediu que eu parasse.
- Acho que tenho que te explicar porque ele me procurou... – levantei uma sobrancelha pra ele, temendo o que estava por vir. – Ele foi se despedir...
- ... – interrompi, quase sem conseguir respirar direito. – Onde ele está?
Pareceu que uma eternidade se passou até que respondesse. As palmas das minhas mãos estavam suando e eu já estava preparada pra correr até a casa de , arrombar a porta se fosse preciso, e descobrir que besteira ele havia feito.
- , presta atenção – me disse, quase implorando, e eu prendi a respiração – O ... Ele decidiu se tratar.
Soltei o ar que estava segurando, querendo bater em por fazer todo aquele suspense se a notícia era tão boa.
Assim que a tensão passou, abri um largo sorriso, mas ele sumiu quando eu vi a expressão de .
- Isso... Isso é bom, não é? – perguntei, quase suplicando, já que eles deveriam estar comemorando comigo, e não com aquelas caras de enterro. – É o que ele precisava... – continuei, meio desesperada – Eu vou poder ajudá-lo e visitá-lo e...
- ... – chamou, mas eu o ignorei.
- Ele vai ficar bem. Então isso é bom! – eu continuei, sentindo algo ruim no peito. Encarei e , que me olhavam quase com... Pena. – Eu vou falar com ele! - me decidi e me virei para a porta, mas me segurou.
- Você não pode ir agora, ... – ele disse, triste. – O ... Ele foi ontem de manhã.
Acho que se meus olhos pudessem ter saltado pra fora do meu rosto, eles teriam. Foi quase como se um buraco tivesse sido aberto debaixo dos meus pés e eu caísse lentamente, sem nunca encontrar o chão.
Meu estômago protestava, se revirando, e eu me senti enjoada.
- Como assim, ? – perguntei, como uma idiota, ainda confusa. – Ele já... foi? assentiu pra mim, penalizada, e eu fiquei ali, um tempão parada no mesmo lugar, sentindo minhas mãos tremerem, meu peito doer e meus olhos arderem.
Ele não podia ter ido assim, sem nem se despedir! Ou podia?
Vi me lançar um olhar onde pesar e carinho se misturavam. Talvez ele entendesse um pouquinho do que eu sentia. Talvez ele estivesse se colocando no meu lugar, pensando que ele provavelmente se sentiria assim se estivesse no lugar de e fosse embora desse jeito, de repente.
Acho que eu nunca disse isso pra ele, ou sequer disse isso em voz alta, mas era por isso que sempre considerei meu primo o meu melhor amigo. Ele fazia eu me sentir bem quando parecia impossível, mesmo sem saber pelo o que eu passava.
E, de alguma forma estranha, parecia que não compartilhávamos apenas o mesmo sangue. Se doía nele, doía em mim também.
E eu tinha acabado de descobrir que o mesmo acontecia com ele.
Ele caminhou até mim e me abraçou forte, mas eu não consegui retribuir seu abraço, por mais que quisesse fazer isso. Meus braços pareciam feitos de chumbo, parados ao lado do meu corpo, e as primeiras lágrimas vieram aos meus olhos.
- Era pra eu me sentir feliz por ele, não era? – eu perguntei, ainda envolta pelos braços de .
se aproximou de nós e me soltou. Ela secou as minhas lágrimas, parecendo querer chorar junto comigo.
- Acho... Acho que todos nós devíamos nos sentir felizes por ele. – disse, e olhou pro meu primo, que assentiu.
- Então por que... – comecei, olhando nos olhos da minha amiga – Por que a única coisa que eu consigo sentir é esse... Esse aperto no peito?
Nem nem tinham uma resposta pra isso.

Olhei novamente pela janela, à espera de ver algum sinal, algum indício de que estava ali, mesmo sabendo que não o veria por um longo tempo.
e já tinham ido pra casa há pelo menos duas horas, depois de eu conseguir verbalizar meus sentimentos e assumir que eu estava feliz por , mas que não ter tido nem a chance de me despedir era, no mínimo, decepcionante.
Na verdade, eu estava muito aliviada também. Do jeito que começou a falar, eu podia apostar que tinha feito alguma besteira. Imaginei um milhão de coisas que pudessem ter acontecido com ele e era um alívio saber que ele tinha me escutado, mesmo que, no fim das contas, eu fui a última a ser informada disso.
Tentei afastar o pensamento de que a última vez que o vi ele estava indo embora pra longe de mim, dizendo ser melhor não nos vermos mais, mesmo sabendo que esse pensamento me assombraria por muito tempo.
me explicou que eles haviam escolhido uma clínica especializada em tratar de dependentes químicos, que ficava a muitos quilômetros dali, mas me faltava coragem de perguntar algo sobre ele. Como o que ele tinha dito, como decidiu fazer isso e por que eu fui a única a não ser informada. Não tinha coragem de perguntar isso, com medo da resposta.
Assim como me faltava coragem para descobrir o que havia no envelope que ele pediu pra me entregar.
Olhei no relógio e vi que já tinha passado da meia noite. Fiquei tentando me lembrar de algo que parecia muito distante naquele momento, perdido em minha memória, mas que era relacionado ao fato de já ser outro dia.
Ouvi uma batida na porta e nem sequer estranhei o fato de que ainda tinha alguém acordado naquela casa, além de mim.
Mandei que entrassem e Chris apareceu, vestindo seu roupão de banho, colocando apenas metade do corpo pra dentro do quarto.
- Vim ver como você estava... – ela disse.
Tentei sorrir.
- Eu estou bem. – falei, e me ajeitei melhor na cama, tentando não parecer depressiva demais.
- Eu trouxe uma coisa pra você – ela tornou a falar e entrou, segurando algo às suas costas e sentando-se na cama.
Olhei-a curiosa e ela sorriu, me mostrando o que estava escondendo. Era uma caixa enorme de bombons, em formato de coração.
- Feliz aniversário! – ela quase cantarolou e eu sorri verdadeiramente, a abraçando.
Então era isso que eu tinha esquecido. Era meu aniversário.
- Não achei que fosse ganhar presentes... – comentei, ainda sorrindo.
- Bom, ganhou um! – ela disse, piscando de lado, e se levantou – Tenho certeza que seu pai te daria outro, se não estivesse dormindo – revirou os olhos e eu ri um pouquinho.
- Obrigada, Chris – falei, e esperava que ela percebesse que esse agradecimento era por muito mais do que por aquela caixa de bombons.
- De nada. – ela disse – Depois me fala se é gostoso! – apontou pra caixa e, ainda sorrindo, lançou um olhar para o envelope que estava diante de mim na cama – Talvez você devesse abrir.
E sem esperar por respostas, ela saiu do quarto.
Suspirei alto e tentei ignorar o envelope de , abrindo a caixa de bombons e devorando uns seis. Eram maravilhosos.
Tentei organizar aquela bagunça de embalagens quando acabei de me empanturrar, até que minha mão bateu no bendito envelope, e eu não pude continuar a ignorá-lo.
Puxei-o pra mim e, de uma vez só, abri e o virei de cabeça pra baixo, deixando seu conteúdo cair na cama.
Havia o que pareciam ser pelo menos três folhas dobradas juntas, um saquinho preto amarrado com uma fitinha e um pingente, que rolou pela cama e caiu no chão.
Peguei-o e identifiquei o pingente que havia visto no quarto dele. Era do tipo que abre e as pessoas colocam fotos. Sabia o que encontraria ali. Uma foto dele, aos oito anos, ao lado de seu avô.
Joguei-o para um lado e peguei as folhas dobradas.
Desdobrei-as com cuidado e respirei fundo antes de começar a ler.

,
Já disse o quanto eu gosto do teu nome? Pois é, eu adoro ele. E embora você não o ache tão bonito quanto eu acho, ouvi-lo sempre me faz lembrar coisas boas. O céu azul, as nuvens branquinhas, o vento no rosto, música, correr na areia, sentir teu cheiro... O seu nome me causa uma sensação tão boa que chega a ser estranho pensar que a sensação boa só é maior se eu ouvir o seu nome e você vier acompanhada dele. Bobo isso, não é?
E agora eu estou me sentindo um idiota, por nunca ter dito todas as coisas bobas que pensei, que senti, que quis dizer todas as vezes que estava do seu lado.
Provavelmente, quando estiver lendo isto, eu estarei há milhas de distância de você. Talvez você esteja com raiva por perceber que eu não me despedi ou, pior, esteja magoada. Desculpe-me por isso, . Mas eu finalmente entendi o que você vem tentando dizer faz tempo e eu espero que, um dia, você se sinta feliz por mim.
Eu entendi que não posso mais parar sozinho. Percebi que as drogas já estavam me dominando a tal ponto que me fizeram escolhê-las em vez de te escolher. Desculpe-me por isso também. Espero que você me dê a chance de reparar o meu erro.
Então, preciso que você saiba de duas coisas e me faça dois favores.
A primeira coisa que eu quero que saiba é que não me despedi porque sou um covarde. Pensei que assim as coisas seriam mais fáceis. Na verdade, estou rezando pra elas serem. E a primeira coisa que te peço é que você me perdoe. Preciso que você entenda que eu não queria causar mais esse sofrimento a você, por isso estou indo embora assim.
A segunda coisa que quero que saiba, e me sinto um egoísta por admitir isso, é que, mesmo depois de tudo o que fiz, quero te ter de volta um dia. Ridículo, não é? Depois de toda a decepção que te causei, de tudo o que te fiz, querer que você ainda goste de mim e me espere voltar. Mas eu quero, com todas as minhas forças, porque eu não consigo mais imaginar a minha vida sem você.
A segunda coisa que te peço é fácil, aposto que até você, lerdinha, já adivinhou o que é. E o pior de tudo é que eu não consigo nem me sentir envergonhado por pedir isso: me espera. Porque eu vou voltar. Vou voltar melhor. Vou voltar pra você. E sabe o que eu descobri? Mesmo se você não atender meu pedido, eu vou voltar pra você de qualquer forma. Lembra que você me disse não ter outra opção, a não ser me desculpar, porque não consegue fazer o contrário? É mais ou menos isso. Eu não tenho outra opção, a não ser voltar pra você, porque se tem alguém no mundo que eu quero, preciso e não sei viver sem, essa pessoa é você.
Agora, tem outra coisa que eu não preciso que você saiba, mas gostaria que soubesse.
Eu te amo.
Não importa o que aconteça ou aconteceu, isso não vai mudar. Desculpe-me se nunca disse antes, , mas eu te amo.
Espero que, quando eu voltar, você ainda sinta isso por mim. Serão longos oito meses de recuperação e, depois do quarto, você pode vir me visitar se quiser, mas vou te entender se não vier.
Agora eu sei que você nunca, nunca desistiu de mim, e mesmo sem ter o direito de querer algo de você, eu também nunca vou desistir de você.
Eu vou voltar, . E não importa o que aconteça, não importa o que você faça ou onde esteja, saiba que eu te amo.
E que, com certeza, você é tudo.
-

Algumas lágrimas mancharam partes da carta e eu as sequei rapidamente, tentando não chorar mais. Se continuasse assim, ia estragar a carta toda.
Li novamente, me sentindo do jeito que nenhuma palavra poderia explicar.
Só ao final da segunda leitura percebi que tinha um ps.

“ps.: Não sei quando vai receber isso, mas espero que goste do seu presente de aniversário!”

Só então eu me lembrei que, dentro do envelope, tinha mais do que aquelas folhas que agora estavam manchadas pelas minhas lágrimas.
Quando consegui deixar a carta de lado, peguei o saquinho preto com as mãos trêmulas, ainda fungando por causa do choro.
Dentro, tinha uma pulseira de prata com vários pingentes, mas um lugar vazio, onde eu imediatamente pensei em colocar o pingente de .
Dentro do saquinho havia também um pedaço de papel, que eu suspirei antes de ler, tentando me controlar emocionalmente pra mais palavras de .

“Esta pulseira é um lembrete.

Quero que, todas as vezes que se sentir com vontade de se cortar de novo, olhe pra ela e
pense em mim. Em mim, na , no ... Em todas as pessoas que te amam.
Quero que pense que, quando faz isso com você, nos machuca também.”

Sorri para o pedaço de papel antes de ler o outro ps., pensando que, pra primeira hora do meu aniversário, já tinha ganhado bastante presentes.

“ps.: você pode colocar meu pingente na sua pulseira, se quiser.

E, se eu fosse você, abriria ele antes de fazer isso.”


Peguei o pingente e procurei pelo fecho, curiosa. Demorei um tempo pra conseguir abrir e, quando o fiz, algo caiu no meu colo.

Era uma aliança.


Epílogo

“O que é seu encontrará um caminho para chegar até você.”

Minhas mãos tremiam enquanto uma enfermeira me conduzia pelo longo corredor do lugar, que parecia uma fazenda e era enorme.
Pelas janelas da propriedade, eu podia ver uma piscina limpinha e muito grande, convidando qualquer pessoa a pular nela. Dali podia ver também um cercado enorme, onde várias pessoas andavam pra lá e pra cá em cima de cavalos.
Forcei-me a pensar nos recados que tinha para dar, pra ver se controlava o nervosismo que eu sentia.
O do meu pai era simples: a vaga dele na escola estava garantida para o próximo ano, para que ele pudesse terminar seus estudos.
O de Chris também era simples. Queria que eu dissesse que ele já havia andado metade do longo caminho e que não desistisse agora.
queria que eu dissesse que ele estaria esperando para finalmente tocarem algo juntos e mandava beijos e abraços e também pedia pra ele não desistir.
A enfermeira tagarelava, mas eu pouco prestava atenção nela.
- E, sabe... É uma regra da clínica. Nos primeiros meses os pacientes só têm permissão de ver os familiares. Mas o vai gostar de te ver, estava contando os dias!
Quando me dei conta, estava parada em frente à porta de número 206 e a enfermeira sorria pra mim.
- Preparada? – perguntou, com a mão na maçaneta e eu assenti, mesmo não sabendo se estava preparada.
A porta se abriu e eu pude, finalmente, vê-lo.
Ele parou abruptamente de andar. Pelo jeito, estivera andando de um lado para o outro no quarto.
Ele então colocou as mãos nos bolsos, nervoso, e me olhou profundamente, mas ficou onde estava.
Percebi algumas pequenas diferenças nele. Parecia mais bronzeado e mais forte. Sua testa estava franzida, mas seu ar de preocupação era quase palpável. Seus cabelos estavam maiores, tão bem cuidados que brilhavam.
- Vou deixar vocês sozinhos – a enfermeira disse, oportunamente, e quase me empurrou pra dentro do quarto e fechou a porta.
Olhei em minha volta, reparando no quarto pequeno, porém bem arrumado e de cores claras, tentando quebrar o contato visual com ele.
Pelo canto do olho vi ele se mexer e voltei a olhá-lo. Ele parecia nervoso e, de repente, percebi que era eu quem deveria falar algo.
- Oi – falei, pateticamente, e dei um passo à frente, insegura.
- Você veio – ele disse, demonstrando surpresa na voz.
Ouvir a voz dele foi como um choque, que me fez acordar pra realidade. Depois de longos meses, eu estava ali, com ele, e tudo o que eu dizia era oi?
Uma emoção nova tomou conta do meu peito e, por mais que eu vasculhasse meu cérebro, não conseguia pensar em nada pra dizer.
- Eu... – comecei, mas sem sucesso. – Você parece melhor.
Ele deu de ombros e sorriu, um sorriso contido, mas apenas isso foi o suficiente para eu entender porque havia esperado por ele, pensado nele todos os dias.
Não explicava porque eu parecia amá-lo ainda mais, mas explicava porque eu esperaria o tratamento dele acabar. Explicava porque eu esperaria ele voltar pra mim.
Ainda sem saber o que dizer, levantei a mão direita, onde estavam a pulseira e a aliança que ele me deu.
Pela primeira vez ele desviou o olhar do meu rosto. Observou a minha mão e, quando voltou a olhar meu rosto, seu sorriso era enorme. E exatamente aquele do qual eu me lembrava.
Dei uma risada nervosa, tentando disfarçar as lágrimas que já começavam a cair e ele riu também, enquanto, para o meu alívio, caminhava até mim.
me abraçou com força, e eu fiquei perdida em seus braços, tentando fazer contato com cada parte do corpo dele que eu podia tocar, sentindo o cheirinho de seus cabelos que tanto me fizeram falta.
Depois do que pareceu uma eternidade, nos separamos apenas o suficiente pra olharmos nos olhos um do outro.
- Acho que, no fundo, eu sabia que você viria – ele disse, com a voz embargada.
Eu sorri, e respondi com as únicas palavras que pareceram me ocorrer.
- Eu também.

Fim


N/a: Passei horas pensando em algo pra escrever nessa última n/a. Algo especial, que demonstrasse tudo o que essa fanfic significou pra mim. Bom... As horas se tornaram dias e eu não achei o que dizer! Então, vou começar pelo básico: agradecimentos.
Provavelmente isso vai ficar grande, mas juro que vou tentar fazer o máximo pra não deixar a n/a maior que a fanfic, ok? AHSUAHSU.
Muito obrigada a todas as pessoas que tornaram essa fanfic possível: Julia, Felipe, Carolina, Jaqueline, Rebeca, Danilo, Félix, Mayara, Lohayne, Nicolas, Carla... Pessoas que doaram um pouquinho de tempo pra que eu pudesse escrever essa fanfic, me deram alguma inspiração, me aguentaram falando de Story Of Us, pediram a continuação e que, ainda, me fizeram ter vontade de continuar escrevendo, mesmo que nem todos tenham conhecimento disso.
Agradeço demais também à Vanessa, essa beta-reader maravilhosa, a quem eu dei um baita de um trabalho com script e que sempre esteve super disposta a me ajudar. Sério Van, muito obrigada!
E, claro, um agradecimento a todas as leitoras que elogiaram Story Of Us, que pediram por mais, que me fizeram realmente querer continuar a escrever. E, pra ser sincera, houve vários momentos em que eu quis parar, quis deixar pra lá, momentos que eu pensava comigo mesma: “Caramba, por que eu tô fazendo isso?” e que eu realmente pensei em desistir, mas então eu abria a pagina da fanfic, clicava nos comentários e lia todos os que eu podia, até ficar cansada, com os olhos ardendo ou qualquer coisa, porque isso me incentivava. E, sério, vocês foram MUITO da minha inspiração! Não só as que comentaram, mas todas vocês, de verdade, MUITO OBRIGADA!

Enfim, sei que esse final não vai agradar a todos, mas eu simplesmente não conseguiria terminar essa fanfic de outra forma. Porque eu devo muito a esse casal problema. E, no fim, eu acho que metade do que as pessoas que sofrem dessas coisas precisam é isso: alguém que se importe com elas. A outra metade, e disso eu tenho quase certeza, é um pouco de amor próprio, de querer se ajudar. Vi que muitas de vocês estavam preocupadas com o destino desses dois "problemáticos", mas juro, eu não conseguiria não deixá-los juntos ou qualquer coisa assim!
E, por último, uma pausa no sentimentalismo. UFA!
Quero saber o que vocês acharam desse final, se vocês querem me xingar, se gostaram, se acham que faltou alguma coisa... ME DIGAM! AHSUAHSU

Eu não queria me despedir, mas acho que vocês já devem estar pensando que eu sou chata, então, se alguém quiser falar comigo/me xingar/qualquer coisa, meu e-mail é: mahribbs@gmail.com. E vocês ainda podem me achar em um desses:
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E se quiserem ler outra fanfic minha (autopromoção u.u) procurem por:
5 Canções (McFly/Finalizada)

Então é isso, eu espero que vocês tenham gostado, que não tenham se arrependido de começar a ler e que vocês não queriam me apedrejar se acharem o final ruim!
Obrigado por terem lido, por terem esperado, whatever...! See you, guys! <3

Nota da Beta: Estou sem palavras.
Essa foi uma das primeiras fics que eu peguei pra betar e, Mah, você nunca me deu trabalho nenhum. Sem exagero, nenhum mesmo. Amei Story Of Us e se precisasse revisá-la inteira novamente, eu revisaria, sem problemas. Amo seu jeito de escrever e como você descreve o relacionamento dos principais, nunca ultrapassando o limite do romantismo e nunca deixando a desejar nas cenas românticas. Só posso te desejar parabéns por essa fic maravilhosa, me orgulho de ser sua beta e espero que você continue me mandando suas fics!
E, reforçando: se achar erros, me comunique, seja por twitter, formspring ou e-mail, os três estão aqui embaixo.
Xx. Vanessa.

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