Abri os olhos, dando continuidade a escuridão de meu sonho. Como se acordar fosse apenas uma ponte para um pouco mais de desespero.
Perdi-me num mundaréu de pensamentos e memórias que cercavam aquele lugar. Lugar escuro, que perdido no baú de minha mente, palpitava em silêncio pedindo um pouco de atenção, como se não bastasse toda uma vida construída, destruída e reconstruída por sobre os alicerces de tal.
Encontrei-me no reflexo de um par de olhos verdes que me fitavam com incansável prazer. Olhos verdes que desapareceram na escuridão enquanto um toque gélido em minha cintura fazia-me sentir arrepios.
- Enfim sós. - a voz masculina sussurrou próxima ao meu ouvido, num tom contínuo e sem emoção.
Deslizei pela mão daquele que me dirigiu a palavra, de forma que ela ainda pousasse em mim, mesmo que agora eu estivesse diante dele, cara a cara.
- Quem é você? - fiz a pergunta mais óbvia diante daquela situação, fazendo-o rir levemente, apenas com o canto da boca.
- Sou aquele que esperaste por toda uma vida e mais um pouco. - ele disse enquanto uma misteriosa luz azulada iluminava seu rosto pálido e jovem. O garoto pousou sua outra mão em minha cintura e abaixou a cabeça de forma que seus olhos fitavam-me como um caçador. - Não sabes o quanto aguardei por este momento...
- Por que me trouxeste aqui, neste maldito velho lugar? - tentei uma segunda pergunta enquanto uma leve brisa balançava meus cabelos, embora não houvesse nenhuma explicação para essa.
- Olhe em volta, olhe dentro de você! Por todo esse tempo lutando para esquecer fatos ocorridos aqui, mas eles sempre voltam a calhar. Não seria mais fácil encarar seu destino ao invés de tentar várias vias que vão para o mesmo lugar: aqui? - a voz sedutora, a beleza incomparável, talvez fossem os únicos motivos pelos quais não tentei fugir. Eu estava presa ao seu olhar.
O dono do par de olhos verdes deslizou suas mãos até chegar ao meu rosto, onde as apoiou e em seguida acariciou minhas bochechas até tocar meus lábios. Então, ele abaixou seu rosto ainda mais, até tocarmos nossos narizes. Abaixei a cabeça, desviando-me do provável beijo.
- Não posso dizer que sinto muito, pois tudo o que sinto é nada. Mas juro que queria saber como é estar em seu lugar... - ele sussurrou em meu ouvido, em seguida puxou meu rosto de forma que eu voltasse a tocar seu nariz. - Mas não há com o que tenha de se preocupar agora, pois este é o fim...
Encarei-o assustada e até curiosa diante de suas palavras. E novamente seus olhos verdes chamaram-me a atenção. Foi como se todos os momentos da minha vida, fossem eles de alegria ou dor, passassem naquele globo verde diante de mim, seus olhos. Com o medo dominando-me, inconscientemente dei um passo para trás e ele apoiou sua mão em minhas costas, como quem evitava que eu caísse.
Então me senti envolvida em seu toque e, em uma fração de segundos, estávamos novamente tão próximos que eu podia sentir seu gosto mesmo sem tê-lo beijado. O moreno sorriu, puxando lentamente meu rosto pelo queixo para enfim tocarmos nossos lábios, para que finalmente nos tornássemos um só docemente.
E enquanto trocávamos carícias, da escuridão surgiu uma luz tão brilhante que fez do escuro nada sem que eu pudesse registrar algo. Tudo virou um quarto branco fechado, sem portas ou janelas, apenas brilho.
Um arrepio subiu de meu pé a minha espinha. Todo o medo de uma vida em um segundo, toda a excitação de várias noites em um só momento. Seu beijo foi ficando de um gosto estranho, amargo e vi-me interromper tudo ali.
O branco passou a desaparecer, pedaço a pedaço da sala. Estávamos de mãos dadas quando ele tentou se afastar, soltando-as lentamente.
- Não se vá sem me dizer o motivo de tudo isso! – disse-lhe antes que ele soltasse minha mão completamente.
- Cada um tem a morte que merece. – ele disse, no mesmo tom sem emoção de suas primeiras palavras. - Eu já fiz o meu trabalho...
Vi a Morte fugir, caminhando por sobre o nada como se não pudessem a impedir. Enquanto cada pedaço de mim desaparecia para sempre, numa dor intensa, mas boa.
Cada vez mais leve, cada vez menos eu...
Fim
N/A: Talvez eu esteja ficando obcecada por isso, mas é dever do ser humano questionar o por quê, e logo, como. Mas se tudo é fruto de teoria, porque não ser feliz mesmo que por alguns instantes?
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