Então, ali estava a noite: as estrelas pairavam brilhosas e distantes; a lua cismava em observar os amantes, querendo fugir de sua solidão pálida. Mas não se contentava em iluminar aos casais, resplandecendo também sobre aqueles que a encaravam, em pedidos mudos sobre companhia.
Exceto ele. Ah não, ele não ligava para a lua. Ou sequer para algo ao seu redor, como a festa. Só para alguém. Só para ela.
não pôde deixar de sorrir, os olhos encarando o vinho escarlate.
- Vamos? - a voz dela ecoou em seus ouvidos e automaticamente, ele a acompanhou. Não havia mãos dadas, meios abraços ou beijos roubados. Havia o fascínio de observá-la. Isso era o suficiente para segui-la. Com a taça elegante na mão direita e o paletó escuro na mão esquerda, jogado sobre o ombro, caminhou sobre os passos dela, olhos vidrados na menina-mulher de vestido longo. De cabelos que chicoteavam com o vento daquela praia. Nos pés que deixavam marcas na areia fofa. A silhueta esbelta, apenas iluminada pelo luar.
Novamente, era somente eles. Naquele mesmo lugar. Em seu lugar especial, secreto. Então ela virou para trás e o encarou nos olhos. E que olhos! E que sorriso! E que falta que ela fazia.
- Quanto tempo, . - os lábios cheios não pronunciaram sons, mas ele desvendou as palavras como sempre fez. Como se nada tivesse mudado.
- Muito. - respondeu. Três anos. E parecia que o tempo havia congelado, sem que eles o fizessem. Os cabelos dela estavam diferentes. Seus olhos, seu sorriso. O ar brincalhão.
também mostrava-se distinto do passado, agora, com cabelos um pouco mais compridos, mas sempre rebeldes. Os olhos agridoces. O porte distinto, maduro. Mas tinha sido somente três anos.
- Como foi por todo esse tempo, ? - o sorriso faceiro surgiu rapidamente, os olhos se apertaram, um pouco felinos.
- Diga-me você.- não pôde deixar de sentir um arrepio com aquele tom gostoso, rouco e viciante dela. Aquele tom mal-intencionado, pronunciados pela falsa ingenuidade dela.
- Dizer como foi esse tempo sem você ou como foi esse tempo para você? - claro que isso a faria gargalhar. O que não a fazia?!
- Obviamente, como foi esse tempo para mim. Se eu quisesse saber sobre você, teria perguntado. - rolou os olhos, sorrindo com os pensamentos insanos da garota. Não passava de uma brincadeira. Sabia que ela se importava, mas entre saber que aquilo existia e ouvir pelas palavras da própria eram situações bem diferentes.
Encostou os lábios na taça, tomando um pouco da bebida, que descia quente e saborosa, pensando no que poderia dizer para a garota que brincava de dançar a sua volta, tão livre quanto os mais belos pássaros, ao som da música que tocava no interior da festa em que se encontraram. A melodia do saxofone era lenta, demasiada calma. Num gesto rápido, enlaçou a cintura da garota, sentindo-se completo mais uma vez. Era o momento deles e não importaria que durasse uma música. Uma única música.
- Como o tempo foi para mim, ? - questionou, baixinho, enquanto se perdia na imensidão perfeita dos olhos do homem.
- Posso ver gotas de Paris brilharem em seu cabelo. O cheiro da cidade-luz impregnado em teus sedosos fios. - murmurou, encostando a testa na dela, mas sem perder o compasso da pequena valsa que dançavam juntos, do movimento para lá e cá, sem nenhum passo específico. - Mas vejo em teu andar, a sensualidade brasileira. Em sua postura, a elegância de Roma, tão poderosa quanto suas deusas. No teu rosto, encontro a juventude grega; na boca, a voluptuosidade espanhola. Só que nada seria capaz de desviar-me de teu olhar. - respondeu sorrindo, observando os olhos fechados da mulher que apreciava as palavras sinceras.
- E por que não?
- Teu olhar não reflete a somente a Terra. Reflete a Via-Láctea, as galáxias perdidas, o infinito. Teu olhar faz com que eu me perca na imensidão universal, em segredos nunca descobertos, em estrelas nunca vistas. Teu olhar reflete a si mesma, . - quis sorrir ao vê-la sorrir, mas a seriedade tomava conta de seu rosto e atitudes.
- E como foi esse tempo para você? - ele a rodopiou e deixou que sua mão escorregasse, soltando-a de seu abraço.
- Por que não me responde você? - deixou um suspiro escapar, antes de encarar a única companhia ali presente. Deteve-se a analisar a aparência dele: como seus cabelos compridos o deixavam mais rejuvenescido, contudo escondiam seus olhos. Seus adoráveis olhos . Como o porte físico aumentara um pouco, deixando-o mais másculo, mais homem. E como ainda continuava o menino que conhecera há alguns anos. Um atual menino sofrido.
- Teu rosto não mostra as rugas que tua alma possui. De quanto você sofreu. Por mim. - murmurou, desviando o olhar dele para a lua. - Os olhos do meu menino-homem, criaram uma barreira, esquecendo de brilhar. Só que eu ainda o vejo. Apesar de tudo, eu ainda sou capaz de percebê-lo.
- Porque você sempre foi a única a me ver por trás de tudo. - respondeu ele, para depois bebericar mais um gole do vinho. se aproximou e roubou a taça da mão dele, tomando o resto da bebida e deixando a taça jogada num canto qualquer da areia. - Conte-me uma de suas histórias, pequena . Sobre suas aventuras pelo mundo.- a garota tocou o braço do rapaz, chamando sua atenção.
- Dessa vez, tenho apenas uma para contar. - sentiu-se abraçada pelo homem, os rostos próximos como antes, suas testas coladas, dessa vez ambos de olhos fechados. - Era uma vez um homem. Ele tinha medo. Tinha medo da liberdade. Até conhecer uma garota. Ela era como as folhas que caíam das árvores no outono. Seu rumo dependia do vento e somente dele. Pediu que não se apaixonasse. O rapaz aceitou seu pedido, mas o coração dele não. E teve uma hora que a garota foi embora com o vento. E o homem ficou preso em suas próprias frustrações. - expirou o ar fortemente, deixando que o hálito perfumado a vinho adentrasse as narinas dela.
- E qual foi o fim dessa história?
- O vento a levou, destinando-a a conhecer o mundo. Ela descobriu cidades e suas histórias, seus folclores. Conheceu novas pessoas. Mas permaneceu em sua busca: encontrar um lugar para seu coração chamar de lar. O tempo passou, seus rumos se tornaram perdidos, inconsequentes. E quando o vento parou de soprar, descobriu estar no mesmo lugar que conhecera seu prisioneiro. E descobriu que queria aprisionar seu coração ali. Com aquele prisioneiro.
- E por que haveria de o pássaro mais bonito e livre desejar prender-se à gaiola?- tornou seu abraço ainda mais apertado.
- Porque sabia que ali haveria alguém para cuidar dele. - não pôde deixar de sorrir com esta afirmação. Agora via-se livre para fazer o que desejava desde que pusera os olhos na mulher, naquela noite: os lábios se encostaram suaves, redescobrindo um ao outro. As memórias surgiram, a confiança idem. Logo, o beijo se aprofundava, a vontade de ter o outro aumentava. Os segundos passaram, até que precisassem romper o contato íntimo, deixando que seus olhos se perdessem um no outro.
- Você voltou por mim?
- Eu voltei porque, entre seis bilhões de pessoas no mundo, você é o único que acaba com minha solidão. - o sorriso despontou nos lábios de . - E seu sorriso é o único que parece me aquecer como o sol e sentir as borboletas da primavera no meu estômago. - tomou o rosto dele em suas mãos pequenas. - Senti sua falta.
- Também senti sua falta. - murmurou contra os lábios dela.
Fim.
N/A Nanda: Oi, gente. Eu, de volta, com outra história. Essa é um tanto diferente das que normalmente escrevo, então, espero que gostem. Bem, só passei mesmo para dar um alô e explicar o nome da fic, que não é muito óbvio. Lullaby significa canção de ninar e eu escolhi, não pelo enredo da fic, mas sim pela narrativa dela. Achei que ela tinha uma narrativa mais tranquila e suave, como uma canção de ninar. Por isso, escolhi esse nome. Espero que sintam o mesmo que senti quando a escrevi. Beijinho e comentem!
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