I'm look at you throught the glass
escrita por Ana Ferreira
Olhava para meu almoço sentindo meu estomago revirar, o que era aquela comida? Sei que o bife era igual ao qualquer outro bife, o arroz não tinha nada de anormal, muito menos a salada, mas então porque tinha um gosto tão ruim? Olhei para os lados, esperando darem-me os talheres e o copo d’água de sempre.
Ouvi um barulho bater no chão e logo a portinhola foi fechada, me fazendo olhar para o lado, percebendo que tudo estava igual à antes, a não ser pelos talheres. Estiquei a minha mão e pegue o garfo metálico, sentindo meu coração bater fortemente em meu peito. O garfo era feito de metal puro, resistente e duro, capaz de quebrar o vidro.
Estiquei a outra mão e peguei a faca, tão dura quando o garfo, meu coração bateu mais rápido ainda e meu cérebro trabalhou numa velocidade impressionante, eu poderia quebrar o vidro agora, levaria um tempo, mas eu conseguiria quebrar aquele vidro. Dei um berro de felicidade e logo passei a comer a comida de gosto estranho, tinha que me alimentar agora, tinha que me fortalecer de alguma maneira, eu iria quebrar o vidro, a esperança estava em minhas mãos.
Quando terminei, olhei para o outro lado, vendo-a sentada na cama, as pernas cruzadas e o travesseiro em cima das mesmas, apoiando o prato enquanto ela comia calmamente. Reparei bem e percebi que os talheres dela eram os de plástico de sempre, ao contrário do meu, o que significava aquilo?
Segurei com força na faca e me aproximei do vidro, sentando-me na frente do mesmo, com as pernas cruzadas e passei a mão pela superfície um tanto quanto gélida, era apenas um vidro, como qualquer outro, apenas mais grosso do que de costume.
Encostei a ponta da faca na superfície do vidro e apliquei um pouco de força, percebendo o pequeno buraco que a ponta havia causado. Gritei novamente, sentindo todos meus músculos se enxerem de energia rapidamente, sentindo que estava vivo novamente, havia uma esperança para nós dois.
Olhei-a novamente, a mesma mal percebeu o que eu estava fazendo, continuava a comer sua comida calmamente, tranquilamente e meu coração se encheu de alegria com a idéia de libertá-la dali, poder abraçá-la e nunca mais soltá-la. Ela era minha, eu sabia disso.
Um pequeno sorriso brotou em meus lábios, e olhei novamente para a faca em minhas mãos, reunindo um pouco de força e batendo-a no vidro, vendo o pequeno buraco aumentar, assim como um pequeno choque se passou pelo meu braço ao fazer tal movimento. Sabia que iria levar tempo demais fazendo aquilo, apenas batendo no vidro, precisava cavá-lo de algum modo, por isso inclinei um pouco o objeto, começando a batê-lo no vidro, descascando-o aos poucos, vendo voar algumas partículas do mesmo em todas as direções, mas não ligava, eu queria terminar com aquilo logo, estava desesperado para vê-lo cair aos meus pés em pedaços.
As horas foram passando e meus braços mal agüentavam o mesmo movimento constante. Sentia-os vibrarem, pedindo por uma pausa, mas eu não queria parar, eu queria terminar logo com aquilo. Ela, claro, após alguns momentos, percebeu o que eu estava fazendo e sentou-se na minha frente, do outro lado, apenas vendo o trabalho que eu fazia atentamente, e ela até que tentava ajudar de algum modo, batendo às vezes no vidro, vendo que a espessura dele ficava mais fina a cada momento.
Minhas mãos estavam ficando cheias de cortes, e alguns até profundos, provocando pequenos sangramentos. Ardia, mas ainda sim eu não parava, à vontade e o desespero eram maiores do que tudo naquele momento, eu estava a poucas horas, minutos, de poder tocá-la.
Estava tão concentrado em meu trabalho que levei alguns segundos para ouvir um som além do qual eu produzia. Olhei através do vidro, diretamente para ela e a vi fazer um gesto para que eu prestasse atenção. Ela puxou o lençol que cobria sua cama e o envolveu em seguida em sua mão, olhando diretamente para mim. Logo entendi o que ela queria que eu fizesse, queria que eu protegesse minhas mãos machucadas. Sorri e fiz a mesma coisa que ela, envolvendo a mão esquerda com o pano, voltando ao meu ardo trabalho.
Meus olhos tentavam fechar, mas eu me mantinha acordado. A energia do meu corpo estava quase no limite, eu sabia que se continuasse daquele modo, daqui a pouco desmaiaria por cansaço.
Largue brevemente a faca, abrindo e fechando minha mão lentamente, fazendo um breve exercício para a circulação de sangue pela mesma. Respirei fundo, sentindo meus olhos coçarem, e a olhei novamente, vendo-a deitada ao lado do vidro, com a cabeça apoiada no travesseiro que ela colocou no chão. O rosto dela estava tão sereno, tão calmo. Os cabelos jogados por cima do travesseiro e como eu estava louco para sentir a textura dos fios sedosos.
“I just wanna look at you, all day.
There’s nothing wrong with that, no.”
Desci o olhar pelo corpo dela, vendo o peito subir lentamente e descer, conforme a respiração da mesma. Aquele movimento me hipnotizava de uma maneira incrível, ela era incrível, simples, porém incrível.
Senti minhas energias renovarem um pouco, meu coração batendo cada vez mais forte, zumbindo em meus ouvidos. Olhei para o vidro e vi que faltava apenas uma fina camada para poder atravessar. O buraco não era muito grande, o suficiente para minha mão passar sem problemas de arranhá-la novamente.
Sem ter paciência de continuar meu trabalhoso trabalho, enrolei novamente minha mão no lençol, já manchado de sangue, e soquei aquela fina camada, vendo-a quebrar em pedacinhos, voando para o lado onde ela estava.
Com o pequeno barulho, ela acordou, levemente assustada. Olhou para mim e para minha mão, vendo o buraco ali.
Eu olhava dela para o buraco, meu coração disparado, o sangue correndo com mais velocidade pelo meu corpo. Minha respiração estava acelerada e eu tremia levemente, minha pele queimando para sentir a pele dela. A via sentar-se no chão, olhando atônica para aquilo, respirando aceleradamente como eu, eu podia ouvir a respiração dela. Eu a ouvia!
Rapidamente desenrolei minha mão, e comecei a levá-la na direção do buraco, enquanto ela fazia a mesma coisa. Minha mão formigava só de pensar em encostar-se à mão dela, a ansiedade era grande, mas nenhum dos dois queria ir mais rápido com aquilo, estávamos nos descobrindo os poucos e nossas mãos quase se encostavam...
Abri meus olhos rapidamente, sentindo o suor grudar o lençol em minhas costas. Meu peito subia e descia rapidamente, devido a minha respiração acelerada. Levantei brevemente a minha cabeça, obrigando meus olhos a se acostumarem no escuro, e percebi que não estava mais naquela cela completamente branca. Eu estava em um quarto comum, como meu antigo quarto. Havia uma cômoda com uma grande televisão em cima, bem em frente à cama. Do lado, havia outra cômoda, cheia de pertences em cima e duas portas. Do outro lado, havia uma grande sacada, da onde a cortina estava aberta, deixando entrar a fraca luz da lua. Onde eu estava?
Senti algo se remexer na cama e olhei para o meu lado, vendo ela dormir ali, abraçada fortemente o travesseiro. Meu coração acelerou, olhando-a daquela maneira. Mas ela estava diferente, não estava mais tão magra e tinha uma cor mais natural, um bronzeado natural. Seus cabelos estavam mais lisos e presos num frouxo coque, enquanto ela dormia calmamente.
“Fora só um sonho” conclui, me sentindo extremamente aliviado que o pior sonho da minha vida, o mais desesperador, havia acabado. Eu não conseguiria viver sem ela, sem poder tocá-la, apenas olhá-la, mas ela estava ali, ao meu lado, como sempre deveria estar. Para sempre.
Nota da autora: Segunda parte de Through the Glass, e olha que eu fiz apenas porque vocês ficaram desesperadas com a primeira parte e me pediram uma segunda, e eu até achei que fazia sentindo, apesar de achar que também faz sentindo do modo que acabou a primeira. Espero que tenham gostado do meu final ridículo.