Já faz um tempo desde que minha vida se tornou algo diferente. Passados dois meses eu ainda continuo em total entorpecimento. Muitas vezes não consigo me comunicar com alguém, não me sinto em algum lugar, e fico perdida em meus pensamentos. Tenho 19 anos, e tudo isso tem um motivo: Ele.
E hoje estou em Madri, com meu irmão, ganhei essa viagem de aniversário; meus pais acharam que eu iria melhorar, mas não anda funcionando muito.
- Hey, nem lhe contei - , meu irmão, me chamou a atenção ao se sentar ao meu lado no banco de uma praça no centro da cidade.
- Conte - suspirei e cruzei os braços sobre meu peito, não o encarei, era uma cena grotesca, sempre devorava um cachorro quente de forma animal.
- Mamãe encontrou a senhora no mercado - ele falou num sussurro.
Londres não era uma cidade tão pequena assim, então ela poderia ter se confundido com qualquer outra pessoa que tenha o sobrenome , ou não.
- Eles estão na cidade? - falei depois de um tempo de reflexão.
- Eu acho que sim. Eu sei que não deveria estar falando disso, mas... - ele deu uma mordida em seu cachorro quente, me deixando por uma pausa dramática.
- Mas? - eu falei em tom de desespero.
- Mamãe contou a ela como você está sem o... - Ele ia falar, mas hesitou, sabia que eu iria me sentir mal. Eu estava mal. Mas relaxei e tentei abrir um sorriso.
- Ellen e sua boca grande - eu soltei uma risada fraca, mas logo senti a angustia preencher o espaço em meu peito.
Lembrar-me do dia que tudo começou fazia meu coração arder e transbordar em dor, o gosto da despedida continuava em meus lábios e as memórias que me assombravam a cada dia faziam meu ar escapar.
- Você está bem? - ele me encarou.
- Estou. - falei sem vontade.
- , estamos em Madri, vamos esquecer isso tudo - ele voltou a devorar seu cachorro quente. Eu apenas confirmei com a cabeça. - Você não era assim - ele disse com a boca cheia.
- E você sempre foi porco desse jeito - eu debochei.
- Desde que eu nasci - ele disse orgulhoso de si.
- Nojento - o bati de leve.
- Fresca - ele riu e beijou minha bochecha.
A noite logo chegou, havia planejado de ir àlguma festa e havia me convidado, mas eu não tinha animo e decidi ir àlgum lugar sossegado pra ler um bom livro. Ao chegar à lanchonete me sentei em uma mesa no fundo. A lanchonete não estava tão cheia, estava razoável, pessoas conversando e rindo entre si. Eu nem cheguei a abrir o livro. O torpor estava intenso e eu me deixei levar.
Ele era uma das coisas mais felizes que havia me acontecido, mesmo sendo às vezes grosso e estúpido comigo. Eu o amara como nunca amei ninguém, e tenho certeza que nunca amarei. Ele fazia muita falta em minha vida, era como se eu tivesse me esquecido de como era viver.
Eu estava sentindo o vento gelado passar por mim a cada hora que alguém abria a porta, e eu me perguntei o que ainda estava fazendo ali. Não iria fazer diferença estar em Madri ou em Londres. Sempre iria ter um peso em minha mente e em meu coração, por não ter sido forte o bastante de agüentar a barra e viver sem ele.
O pior de tudo são os olhares de pena e a cautela que recebo de todos. Minha família sempre hesita em falar de namoro ou casamento, era como se fosse uma doença minha. Mas não era bem assim. Todos estavam sendo estúpido o bastante por tentarem me ajudar desse jeito, eu só precisava de tempo, e dois meses ainda não foram o suficiente. Ou fora?
- Senhorita, vai fazer seu pedido? - aquela voz de garçonete me fez sair do transe.
- Não - eu me levantei rapidamente e dei espaço para a família que estava aguardando a mesa.
Sai apressada daquele local, tudo estava nublado e escuro na minha mente, eu precisava de ar para respirar, mesmo que meus pulmões não estivem funcionando como deveriam. Comecei a caminhar em direção ao hotel em que eu ficava. Era sempre assim, eu não conseguia suportar sempre a mesma memória, era demais para meu subconsciente, por mais que ultimamente eu viesse tentando me refugiar em lembranças boas e reconfortantes. Sem perceber, senti algo esbarrar em meu braço e fazer com que meu livro caísse no chão. Olhei assustada.
- Me desculpa - ouvir aquela voz me fez perde o fôlego. Eu poderia estar ficando louca, mais não surda, era a voz dele. Olhei para baixo, para ver o garoto que se abaixava pra pegar o meu livro, e o porte físico era o mesmo.
Eu estava chocada, sem reação. Uma onda de choque passou por mim e me fez dar passos para trás, até estar longe o bastante daquele garoto.
- Hey, espere. Seu livro - pude o ouvir gritar, mas não parei, continuei a andar sem me importar com o meu livro, eu só queria chegar ao hotel sem precisar encará-lo.
- Moça - pude sentir ele segurar o meu braço.
Hesitei, eu devia ter corrido ou algo do tipo, e se ele soubesse de algo que estava acontecendo, sua mãe com certeza deveria ter falado algo para ele. Eu me virei devagar pra poder encará-lo, e me surpreendi por não ser ele parado na minha frente.
- Aqui está seu livro - o garoto ergueu o livro e eu o peguei.
- Obrigada - encarei meus pés.
- Não há de quê - senti ele me analisar - Você está bem?
- Estou sim - ergui a cabeça para encará-lo, e dei meu melhor sorriso.
- Certo - o garoto continuou a me olhar - Quer tomar um café?
- Não - falei dura.
- Chá? - insistiu.
- Não, mas obrigada pelo livro - dei um sorriso convincente e voltei a andar.
Eu sabia que estava atordoada, eu precisava urgentemente me internar em uma clínica para loucos ou algo do gênero, eu não me permitiria ficar a solta imaginando cada garoto se passando por ele. Fui infantil e imatura nesse exato momento, mas eu iria embora dali, e nada mudaria isso.
No outro dia minhas malas já estavam prontas, eu não havia conseguido dormir. Com medo de fechar os olhos e vim sempre os mesmos pesadelos, e não teria ninguém ali para me amparar.
Toda noite, quando chegava o cansaço e o sono, meus sonhos eram assombrados por lembranças mal elaboradas, nunca faziam sentidos, mas sempre paravam quando eu acordava gritando, e sempre tinha alguém do meu lado. Eu já estava ficando mal acostumada.
- . - ouvi entrar pela porta e sorrir para mim.
- Uma pergunta... - eu o encarei - Você vai ir embora comigo ou não?
- Faltam só cinco dias para voltarmos, - ele me encarou e desmanchou o sorriso - Você vai embora?
- Vou - falei dura e me levantei.
- Foi por causa do que eu lhe falei, não foi? - ele continuou a me encarar.
- Também, mas eu preciso voltar . - peguei minha bolsa e coloquei-a debaixo do meu braço para poder pegar minha mala.
- Eu te ajudo. - ele largou minha mão da mala, e pegou a mesma - Só não diga para a Ellen que eu fui o culpado.
- Não tem culpado na história. - falei tristonha e sai pela porta.
Cap. 2 - A volta
- Você voltou tão cedo. - Ellen disse ao me ver entrar em casa.
- não ligou avisando? - falei irritada, pois ninguém havia ido me buscar.
O vôo havia sido calmo e normal, não tinha pregado meus olhos por nada, não queria dormi. Ao chegar ao aeroporto, não havia ninguém me esperando, então já tinha suspeitado que ninguém fosse e resolvi pegar um táxi pra ir para casa. Agora sei de quem foi a total culpa de tudo.
- Ele não ligou. - ela falou calma.
- Vou para meu quarto - rolei os olhos e tentei subir as escadas com a minha mala.
- - Marty, meu pai, me chamou e eu o encarei.
- Eu não sei se te contou, mas a família voltou a ocupar a casa deles aqui no bairro - ele falava cauteloso - Mas o não veio - ele por fim me analisou.
O nome teve um efeito em mim. Eu senti minha cabeça rodar e tive que segurar no corrimão da escada. Acenei com a cabeça e voltei a subir a escada. Entrei no meu quarto, afoita, as lágrimas estavam persistindo em descer.
Eu tentei respirar fundo e me acalmar. Ele não estava na cidade, isso já era uma coisa boa. Não, era uma coisa horrível, eu não iria vê-lo tão cedo.
Pensei em ir tomar um banho, eu estava precisando. Mas o cansaço foi maior e deitei-me na cama, eu sentia o torpor e a nevoa invadir meu corpo. Não sei quando adormeci, ou quando os pesadelos começaram, eu simplesmente não lembrava como tudo havia acontecido.
Acordei atordoada e vi Ellen na ponta da cama.
- Outro pesadelo? - ela me perguntou fazendo me lembrar de onde eu estava.
- Que horas são? - perguntei.
- Cinco da manhã - ela me encarou - Quer conversa sobre isso?
Eu neguei com a cabeça, eu e minha mãe nunca fomos íntimas o bastante, mas ela sabia o que estava acontecendo, era inevitável não saber, todos que eram próximos da nossa família sabiam.
- Se você precisar eu estarei no meu quarto - ela suspirou e se levantou. Vi-a sair e encostei a cabeça no travesseiro, pressionando os olhos. Os pequenos flashes do sonho invadiam minha mente.
No outro dia de manhã, Marty me fez acorda cedo pra ir à padaria, alegando que eu precisava de ar. Besteira, não iria fazer diferença mesmo. Andei devagar e pensativa, o caminho era curto, mas não para mim. Tentei passar o pesadelo que tive, mas foi impossível, vozes me interromperam:
- ? - falou por trás do meu ombro e se pôs a minha frente.
- Hey - falei vazia.
- É tão bom vê-la - foi a vez de falar e me abraçar.
- Digo o mesmo - correspondi o abraço sem animo, pude ver que dentro da padaria havia alguém que eu conhecia e me soltei de Jenny.
- Espere um estante.
Caminhei pra dentro do recinto e falei sobre o ombro dela:
- Senhora ?
- !- ela se virou surpresa e num impulso me abraçou - Eu pensei que estivesse em Madri - falou ofegante em meu ouvido.
- Eu estava - falei sem ar - Como você está?
- Estou bem - ela hesitou e afrouxou o abraço pra me encarar - Mas descobri que você não - eu abaixei a cabeça e tentei não fazer a pior pergunta, mas foi impossível.
- Onde ele está?
- Continua em Liverpool - ela falou calma - Ele vai termina o primeiro semestre da faculdade de lá, e deverá voltar para cá no final do ano.
Eu arfei, estávamos ainda no meio do ano, e demoraria para chegarmos ao fim do ano, pras pessoas eram poucos meses, mas para mim era eterno. E o pior de tudo era o muro que ele tinha imposto entre nós. Nada de cartas, telefonemas, e-mails ou visitas. Ele só faltou me fazer prometer que iria esquecê-lo e nunca mais iria pensar nele; era o que acontecia às vezes. Eu não pensava em nada. Pude ver o olhar dela sobre mim, era como o olhar dele, quando ele me olhava cauteloso e com medo de alguma resposta minha.
- Minha querida, eu queria poder conversa com você - ela quebrou o gelo.
Eu espremi os olhos e engoli a seco.
- É só marca - sorri e ela assentiu com a cabeça.
Não sei como cheguei em casa. Aquele encontro com a Sra. tinha mexido comigo. A neblina em minha mente estava ficando mais intensa. Eu tinha que sair daquela casa e achar um lugar pra esfriar a cabeça. Vesti uma roupa simples e sai caminhando até uma praça que tinha algumas quadras de minha casa, mas não tinha sido uma boa idéia.
Cap. 3 - Memória
Eu me lembro do dia que o conheci, não foi nada normal. Nos não éramos normais. Foi naquela praça que tudo aconteceu, o banco em que conversamos pela primeira vez, continuava intacto, como todo o resto da historia.
+Flashaback Estava acontecendo algum tipo de comemoração naquela típica praça. e eu estávamos sentadas num banco, rindo de e , quando o vi se aproximar. Ele andava meio desengonçado, sorrindo feito um bobo. Quem olhasse para ele pensaria que era apenas mais um drogado. Mas o olhei diferente. Para mim seu sorriso não era bobo, era maravilhoso. Eu já tinha o visto várias vezes em minha rua, ele morava em frente a minha casa, mas eu nunca havia percebido tanta beleza em uma só pessoa. Era como se ele fosse desenhado a pincel, sem erros ou borrões.
- Hey, , chega aí - acenou para ele.
- Quem é ele? - cochichei para interessada.
- Não sei, parece que ele é novo por aqui - Daí cochichou em resposta.
- Eu sei, ele se mudou faz uma semana para minha rua - sorri para ela.
- Não é tão bonito, ainda prefiro o - Sorriu para , que se aproximou e lhe deu um selinho.
Fiz uma cara de enojada para eles e em seguida soltei uma risada. Senti que estava me analisando enquanto conversava com . Dei-me por vencida e o olhei, ele abriu um sorriso maior ainda, se fosse possível, e eu o retribui. Me levantei e caminhei até eles.
- Olá - estendi a mão e ele a segurou.
- Oi - ele balançou minha mão e continuou a segurar - Sugiro que você seja a irmã do , não é?
- Infelizmente - rolei os olhos e olhei para meu irmão.
- Esse é o , . Ele morava em Liverpool - sorriu cínico para mim - Vou deixar que vocês se conheçam! - e se retirou, caminhando em direção ao pessoal.
- Liverpool? Uau, e o que faz perdido por aqui? - eu tive que soltar a minha mão da dele, pois eu já estava soando frio. Ele era bem mais perfeito de perto. O seu perfume então...
- Acho que vim para te achar - ele deu uma piscadela para mim e eu senti meu rosto queimar - Não fique com vergonha.
- Se não fosse você que tivesse me passado essa cantada, eu com certeza mandaria a pessoa para o inferno - abri um sorriso ainda corada.
- Sorte a minha então - Ele sorriu. +endflashback
Tantas vezes que nos encontrávamos ali, conversando coisas inúteis. Até ele me mostrar o primeiro cigarro de maconha. No começo eu achei errado, mas ele pediu para eu experimentar, fiquei com receio de que alguém descobrisse, mas ele havia me garantido que ninguém saberia. Viramos cúmplices, todo o dia depois das aulas nos encontrávamos na mesma praça e sentávamos no banco que agora estou sentada. Acendíamos um cigarro e compartilhávamos. Depois foi aumentando, da maconha pra cocaína, da cocaína para a heroína. A cada dia ficávamos mais doidos e insanos. No começo era divertido, mas depois se tornou um vício, e perdemos o controle de tudo.
Os primeiros a descobrirem foram e , e especificamente naquele dia fui proibida de vê-lo.
+Flashback Eu estava deitada no banco, com a cabeça apoiada em seu colo, ele acariciava meus cabelos enquanto eu segurava a seringa que usamos para injetar uma quantidade razoável de heroína.
- Você acha que isso é certo? - falei com os olhos semicerrados, eu sentia que uma luz me cegava, mas estava a noite, e não havia nenhuma luz em cima de mim.
- O que é certo? Nada é certo nessa vida - ele filosofou e eu sentir um ar quente sobre meu rosto.
- Se eu falasse que te amo você acreditaria? - falei por impulso, mas havia sido de coração, eu estava apaixonada por ele. Todos os dias que passávamos juntos alimentava esse sentimento, eu estando drogada ou não.
- Talvez sim, se você não tivesse tão insana - ele riu e roçou os lábios no meu, me dando um leve e demorado selinho.
E nisso eu adormeci, ou talvez achei que estivesse adormecida. Disseram-me que eu estava desmaiada, apenas fui acordada quando escutei gritando com alguém, e quando abri meus olhos, eu estava nos braços de , com ele sussurrando para tentar me acorda.
- E você fique longe da minha Irmã, seu idiota - gritou e eu o olhei, estava brigando com .
- Eu não me afastarei dela, e acho que ela também não quer isso - falou mais raivoso ainda, com as mãos tremendo.
- O que está acontecendo? - Voltei meu olhar para e sussurrei.
- Este panaca estava com uma seringa na mão e tentando te acorda. Nos falaram que ele estava te drogando - falou raivoso.
- Eu to avisando, fique longe dela - o empurrou e caminhou até onde estava - Vamos.
- Me solta - eu tentei falar alto, mas minha voz falhou.
- Não, você vai conosco - continuou com seu tom duro.
- Eu quero ficar com o - falei meio que adormecendo.
- Você não ficará com ninguém - sussurou.
- ! - gritou antes de virarmos a esquina e eu pude olhá-lo parado perto do nosso banco. Ele estava pálido e trêmulo, com os punhos fechados.
+ endflashback
Foi inútil. Depois de dois dias eu consegui sair de casa sem me ver e fui à casa dele. e não haviam contado a ninguém, alegando que eu melhoraria. Mas eu precisava de minhas doses diárias, e me arrisquei várias vezes até me pegarem de novo, e dessa vez eu não pude escapar de ver minha mãe chorando na sala e meu pai nervoso, a ponto de me dar uma surra. também não saiu ileso. O internaram numa clínica como fizeram comigo, mas para meu azar, nossas clínicas eram bem distantes.
Mais uma vez não funcionou. Quando saímos, semanas depois, da clínica voltou a ser o que era antes, e ficamos mais unidos. Unidos mais que tudo.
Cap. 4 - Uma amiga
Não sei por quanto tempo fiquei ali, lembrando de tantas coisas que me ocorreram no passado, e fazia tempo, porque já estava ficando frio e a noite estava mais densa. Eu abracei meus joelhos, tentando fazer a dor passar, porque o machucado que estava dentro do meu peito ardia e transbordava, me fazendo querer chorar. Mas eu engoli minhas lágrimas quando alguém se sentou ao meu lado, e ficou alguns minutos em silêncio.
- Não acha que está tarde demais para alguém estar na rua? - passou o braço em meu ombro e pousou a cabeça na minha.
- Não sei - falei abafada.
- Pensando nele de novo? - Ela falou dura.
- Eu consigo pensar em outra coisa? - murmurei raivosa.
Era injusto o poder dele sobre mim, eu nunca conseguia pensar outra coisa, a não ser o nada, e nele. Sempre ele. Maldito ele.
- É errado você viver assim, , ele não a fez prometer que era pra você viver, pois ele estaria vivendo também? Desde que ele partira eu não vi você esboçar um sorriso, não a vi vir aqui e ficar com seus amigos ou fazer outras amizades, ou até mesmo encontrar outro amor - ela se separou um pouco de mim e a senti me analisar.
- Você fala isso, porque não foi o que te abandonou. E não, eu não quero outro amor, não quero outras amizades, não quero mais viver - grunhi entres os dentes. sempre vinha com esses sermões.
- Não seja tola, você não acha que ele não está lá enchendo a cara e se drogando até cair num beco qualquer? Transando com outras garotas enquanto você está aqui se lamentando porquê ele foi embora? Porque ele quis ir embora? - ela se levantou carrancuda e começou a gritar.
- Ele não faria isso comigo - eu sussurrei.
- Você acha que ele pensa assim? Desde que ele foi embora quantas vezes vocês se falaram? - ela me olhou e eu a olhei também.
Meus olhos embaçaram, lembrei-me do muro que ele tinha me imposto, e nas primeiras semanas que eu tentei ligar e ele não atendia. E que eu mandava um e-mail e ele não respondia. Ela tinha tocado na minha ferida agora.
- Nenhuma não foi? Nenhuma, ! Ele não te merece, por favor, segue pra outra? - Ela me olhou piedosa - E eu não estou falando isso por ser ruim ou por não querer seu bem. É o contrário, é porque eu te amo e quero o seu bem. E você poderia viver bem melhor sem o - ela falou amargurada.
Ouvir o nome fez outro efeito em mim e eu fechei os olhos para poder não deixar as lágrimas descerem. A ferida pulsava no lugar do meu coração de forma incontrolável e eu não conseguia respirar, era inútil.
- Me leve para casa - murmurei chorosa e abri meus olhos.
Ela não tinha outra opção, estendeu-me a mão e eu a agarrei, esforçando-me para levantar. No caminho a pé para casa, esperei que o torpor voltasse. Porque ele tinha que vim e me acolher. Eu quebrara minhas regras. Em vez de fugir e correr das lembranças eu fui até elas e as abracei, como se fosse alguma coisa boa.
Mas sempre era inútil e irreal, por mais que eu tentasse esquecê-lo, outra parte de mim lutava para não esquecer. E era a noite, quando eu me deitava e fechava os olhos, que tudo piorava. agora tinha me posto algumas dúvidas na cabeça. E se ele tivesse me esquecido e nesse exato momento estivesse se divertindo com outra ou até mesmo outras quaisquer? Eu me recusava e tinha medo de o esquecer, e lá poderia estar ele, sem ao menos lembrar que deixou uma boba apaixonada perdida em Londres.
Fiquei surpresa quando paramos em frente a minha casa. O caminho não era tão grande, mas havia parecido bem maior do que era, e havia ficado calada, sem falar absolutamente nada, bem incomum vindo da parte dela.
- Obrigada por me trazer.
- Não foi nada - murmurou.
Desisti e fiz meu caminho para dentro de casa. Quando entrei em casa, vi Marty me esperando no corredor, os braços cruzados e firmes.
- Oi pai - eu disse tentando passar por ele, indo para a escada. Andei pensando nele por tempo demais e queria subir antes que isso me dominasse.
- Onde você estava? Sua mãe ligou preocupada - ele perguntou.
- Fui dar uma volta na praça - ele me encarou - Quando Ellen chegar fale que eu estou bem e que já comi besteira na rua. Boa noite - Menti.
Ele suspirou e me deixou passar. Corri para meu quarto. Deitei na cama alguns minutos depois, resignada enquanto a dor finalmente resolvia aparecer.
Era aterrorizante aquela sensação de que eu tinha um buraco em meu peito e que meu órgão mais vital tinha sido arrancado e até mesmo massacrado por ele, sobrando apenas uma ferida, que pulsava dolorosamente. Conscientemente eu sabia que meu coração estava ali, batendo, e que meus pulmões estavam respirando. Mas eu não me sentia viva, eu não sentia nada, e o frio era constante, me fazendo arrepiar e me remexer na cama, incomodada. O quarto estava todo fechado, mas ao mesmo tempo parecia estar todo aberto.
A cada dia eu me sentia fraca, sem vontade de andar, falar, comer, pensar ou viver. Naquele exato momento eu apenas queria adormece e ser apenas acordada quando ele estivesse ali, comigo.
Cap. 5 - O despertar
Foram mais três meses de entorpecimento. Eu havia desistido da faculdade, raramente saia de casa e tinha perdido todos os meus amigos. Eu queria voltar à dependência química, mas eu não podia, eu havia prometido a mim mesma e a ele que não seria tão fraca a esse ponto, mas eu estava para desistir dessa promessa estúpida. Uma semana atrás, eu tinha achado uma trouxinha embaixo da minha cama, senti a vontade insana de usá-la, mas a voz dele ecoou em minha mente, pedindo para eu parar. Eu ultimamente ouvia a voz dele constantemente quando olhava para aquele pacote e tentava abrir. Era arrepiante.
Eu estava encarando a trouxinha novamente, e a vontade voltava a cada minuto:
- , a senhora está aqui - Ellen abriu a porta, me fazendo pular da cama e esconder o pacote.
- Deixe-a entrar - eu sussurrei e me sentei na cama.
Puder ver o par de olhos cautelosos sobre mim, olhei para ela e a vi suspirar.
- Não senti vida em seus olhos - ela falou ao se sentar na beira da minha cama. Eu apenas a analisava - , por que você não segue sua vida?
- Eu já tentei - falei.
- Mentira, você nunca se esforçou - Ellen falou nervosa.
- Mãe... - a olhei cansada.
- Deixe-me conversar com ela, Ellen? - Senhora a olhou e Ellen consistiu com a cabeça, saindo do quarto.
- O ano está acabando e você só piorou - ela voltou a me olhar.
Ela estava certa, mas eu abri um sorriso fraco. Estava acabando o ano, faltava apenas um mês para ele voltar. Mas o sorriso não durou muito, as perguntas da vieram em minha cabeça me fazendo lembrar da torturante idéia de que ele poderia ter me esquecido.
- O que há? Você ainda sente falta do ? - ela se levantou alterada. O nome fez meu peito arde, senti a dor vim e tentei respirar para continuar. Ela me olhou assustada e eu fechei os olhos - Você está bem?
Eu demorei para responder, a voz dele ecoava em minha cabeça com clareza.
- ? - ela me chamou de novo e eu abri os olhos.
- Estou - respondi por fim.
- Eu gosto tanto de você, que te ver assim me deixa mal.
- Eu vou melhorar - eu a olhei.
- Hoje a noite... - ela hesitou me fitando - vá à praça perto daqui, e se sente no banco em que você esperava o T... - ela ia falar o nome dele novamente, mas eu a olhei piedosa - aonde você o esperava e reflita - ela disse por fim e eu continuei a olhar.
- Isso vai servi para alguma coisa? - perguntei confusa.
- Talvez. Agora eu tenho que ir - ela disse apressada e a vi sair deixando a porta entre aberta.
Ir de novo aquela praça não iria me fazer bem. Eu não queria ir, mas as palavras dela me deixaram confusa. Deixou-me chocada pra falar a verdade.
Ao anoitecer vesti algo confortável e sai em direção a praça, a lembrança de meses atrás me fazia mal, eu estava mal, eu estava pronta pra voltar para meu casulo, abrir aquele pacote de trouxinha e quebrar minha promessa.
Eu vi o banco solitário, a praça estava solitária, talvez fosse o frio que estava fazendo. Sentei-me ao banco e fitei minhas mãos entrelaçadas uma na outra.
Queria poder sentir o torpor de novo, mas não conseguia me lembrar de como o conseguiria. As palavras da senhora me fizeram lembrar das lembranças que eu mais temia. Que me provocavam dor novamente.
A imagem daquele maldito dia vinha em minha mente com clareza. O último abraço que ele me deu, o último beijo, o último sorriso, tudo estava vindo à tona, e fazia meu peito arde e inflar. Mesmo enquanto afugentava as imagens, senti meus olhos cheios de lágrimas, e a dor começou a acerca o buraco. Coloquei uma mão no peito para não perde o controle.
"Eu vou embora." As palavras passavam por minha cabeça sem a clareza. Eram só palavras sem som, como se estivessem impressas em um papel manchado. Só palavras, mas abriam ainda mais o buraco que existia em meu peito.
Inclinei a cabeça pra trás, tentando respirar. Perguntei-me quanto tempo aquilo ia durar. Talvez quando ele voltasse, e falasse que sentia minha falta e que me queria de volta. Talvez quando eu me sentisse segura em seus braços de volta. Aquilo só iria acabar quando ele estivesse comigo. Mas e se esse buraco jamais melhorasse? Se ele não voltasse mais? Ou se ele havia me esquecido?
Sentia-me boba por em algum momento ter preocupado em manter minha promessa. Onde estava a lógica de se prender a um acordo que me causava tanta dor? Quem se importava se eu era imprudente e idiota? Não havia motivo pra evitar a imprudência, nenhuma razão para não ser idiota.
Eu ri sozinha, sem nenhum humor, ainda tentando respirar. Imprudente com a proteção e os sermões que as pessoas tinham em mim? Com o controle que as pessoas insistiam em ter sobre mim? Isso era extremamente arriscado. Mas eu já passara por riscos maiores que isso.
O humor me distraiu e a distração acalmou a dor. Minha respiração ficou mais fácil e consegui voltar a cabeça pra frente. Embora fizesse frio, eu suava. Será que era isso que a senhora queria? Fazer-me esquecer da promessa e voltar a ter minha vida antiga, mesmo sem ele?
- !
Olhei fixadamente para frente, era a voz cólera e doce como mel dele. Dessa vez estava alta e clara.
- ? - senti uma mão tocar meu ombro e eu me petrifiquei. - Não tenha medo.
- Eu não estou com medo - murmurei.
- Então por que estou sentindo seu corpo estremecer? - perguntou a voz cálida sobre meu ouvido. Senti meu peito palpitar e num impulso eu me levantei. Eu não estava preparada para aquilo, eu tinha que fugir dali, eu tinha que ir pra bem longe dali. Mas meus pés não me obedeciam, meu cérebro não raciocinava.
- Qual é, , se vira - a voz falou com clareza.
- Não é real - eu coloquei a mão sobre o ouvido e sussurrei - Isso não é real.
Mas mesmo assim eu consegui o ouvir gargalhar e se por a minha frente.
- Por que não é real? - ele me fitou.
Eu, devagar, fui retirando as mãos de meus ouvidos, ele ainda analisava cada gesto que eu fazia e me olhava com um olhar cauteloso, como se fosse errado estar ali. Não havia mais dor, a ferida continuava ali, mas estava parando de doer. Eu estava sentindo meus pulmões funcionarem de novo.
Passei as pontas dos dedos sobre o contorno de seu rosto, ele apenas sorriu. Mas não era o meu sorriso, não era o sorriso que me contagiava. Era um sorriso triste, um sorriso culposo. Pude sentir a piedade chegar a meus olhos.
- Eu senti tanto... - tentei falar, mas me faltou ar para terminar e ele me abraçou.
As lágrimas começaram a escapar de meus olhos, e elas ardiam, porque fazia um bom tempo que eu não chorava, e ali estava eu. Sendo fraca na frente dele, coisa que eu nunca fui.
- Eu também senti a sua falta - ele falou abafado sobre meu ouvido e eu senti minha cabeça rodar.
Eu não estava preparada para aquele reencontro. O problema era que não estava sendo como eu imaginara. Eu não estava sentindo o calor de seu abraço e nem a doçura da sua voz, mas eu não queria pensar nisso, ele estava ali comigo, e eu estava me sentindo completa depois de quase um ano sem vida. Ouvi meu coração acelerar quando ele beijou minha bochecha e devagar me soltou carinhosamente.
- Precisamos conversar - murmurou ele se sentando.
Eu senti o medo passar por meu corpo e me sentei ao lado dele. Eu não conseguia encará-lo. Ficamos em silêncio, parecia que ele estava tentando achar as palavras certas, e eu precisava mantê-lo falando para não pensar que aquilo era uma alucinação.
- Pensei que voltaria só em dezembro e não em novembro - falei encarando minhas mãos.
- Minha faculdade entrou em recesso e eu cheguei hoje - ele se virou para me encarar.
- Que honra então ser uma das primeiras pessoas a te ver - Eu tentei sorrir. Sem sucesso.
- , sua mãe e a minha estavam conversando ultimamente sobre o que veio acontecendo esses últimos meses, e eu sinceramente não acreditei. Quando falei para você me prometer que iria viver e aproveitar sua vida, eu pensei que iria cumprir. - ele grunhiu.
Eu fiquei em silêncio, eu sabia que ele ainda tinha mais coisas para falar.
- Como você pôde perde tanto tempo da sua vida assim? Eu não valo a pena para que isso tenha acontecido, eu só estraguei sua vida.
- Não diga isso - eu implorei e o olhei.
- Eu não quis perguntar a meus pais, pois eu queria saber de você - ele falou com receio e prosseguiu - Você colocou algum tipo de toxina na boca?
- Não, quando eu tentava sua voz vinha em minha mente me fazendo parar - murmurei corando por ter entregado meu segredo.
- Minha voz? - ele vacilou - Tem certeza disso?
- Eu não mentiria pra você - eu o encarava e senti a pena chegar em seus olhos.
- Isso não vale a pena. Eu falei pra você viver, . Você não deveria perde sua vida assim - ele desviou o olhar.
- Por quê? - eu murmurei.
- Porque não vale a pena - ele falou duro.
- Tudo que envolve você vale a pena - eu encarei minhas mãos e as apertei entre si; eu estava nervosa e elas começavam a tremer.
- Você não deveria pensar por esse modo - ele falou piedoso.
- Por quê? - eu enfim encarei-o, e sua expressão era de dor.
- Por quê? - ele repetiu.
- A verdade - eu falei calma, mas ao mesmo tempo desesperada pela resposta.
- A verdade? - ele trincou a mandíbula e continuou a fitar o nada, deixando-me ansiosa e impaciente.
Eu senti o arfa subir meu peito e inflar minhas narinas, ele estava pensando numa resposta curta e objetiva, eu via na expressão dele. Ele estava tentando me poupar de alguma coisa. Eu sabia que aquilo não era real, era apenas mais um pesadelo.
- Olha, , eu não irei lhe poupar nada - ele me olhou, e eu me assustei, ele estava lendo meus pensamentos agora? Ou estava estampado na minha testa que ele não me poupasse de nada.
- Então não poupe - eu arfei.
- Eu... Eu conheci outra pessoa - ele gaguejou.
- Como assim? - eu tentei controlar minha voz, mas ela falhou.
- Eu conheci outra garota, e estamos namorando - ele tentou me olhar, mas eu olhei para minhas mãos que estavam apertadas uma na outra.
Eu senti a nevoa voltar e meu corpo parar de funcionar. A sensação de desespero voltou em peso sobre mim, estava acontecendo o terror de novo. Ele acabara de termina de arrancar o que restara vivo em mim. Eu deveria ter ficado pálida ou algo do tipo para ele me abraçar e aperta contra si, ele devia estar falando algo, mas eu não ouvia, eu não queria ouvir.
- Só me promete que vai seguir sua vida a partir de hoje? - eu o ouvi falar e me soltei dele.
Olhei debochada, mais outra promessa estúpida e ridícula para eu prometer? Mais outra promessa para eu não cumprir? Ele queria realmente acabar comigo.
- Eu já lhe prometi coisas que nem eu mesma consegui cumprir - falei dura e tornei a olhar pra frente.
- Tente - ele sussurrou.
- Eu não quero - eu gritei.
A raiva estava se transbordando, mas eu não iria deixá-la aparecer. Eu me segurei tanto naquele momento que não iria estragar tudo. A dor que eu estava sentindo era inigualável a qual eu senti há meses. Agora sim eu me considerava uma pessoa sem vida, sem nada.
- - ele falou tristonho.
Tive que colocar a mão sobre o peito pra suporta aquilo, eu estava sentindo o torpor vir mais intenso e me fazia ficar cega, fazendo com que eu fechasse os olhos e os abrisse rápidos.
- Eu vou embora - eu o olhei - E espero que você seja muito feliz, agora - tentei fazer uma expressão calma, mas fugiu de cogitação.
- Como eu posso ser feliz sabendo que você não esta? - ele pegou em meu rosto.
- Você já é feliz, você não precisa de mim - falei entre os dentes. Senti as lágrimas embaçarem meus olhos, mas tentei as segurar.
- Não diga isso, eu quero ser seu amigo.
- Tenho que ir - eu me soltei dele e andei depressa, tampando meus ouvidos pra tentar não ouvir o que ele dizia.
Tenho absoluta certeza que não consegui chegar em casa, tudo estava tão fora de alcance que eu não sabia aonde estava.
Eu sentia alguém passar a mão sobre meus cabelos, mas não tive a coragem de saber quem era. Repassei tudo em minha cabeça: ele poderia ter voltado, mas voltou com a intenção de mutilar o que restara de mim. E foi o que ele conseguiu. Eu era fraca perto dele, eu era fraca quando o assunto era ele.
Eu não estava com raiva dele, eu estava com raiva de mim mesma. Eu o amei com tanta força, eu sofri tanto por ele. Por muito tempo. E ele nem ao menos se deu ao trabalho de sentir o mesmo. Estou tentando entender o motivo dele ter voltado, ele poderia ter ficado lá, pra evitar mais dor e sofrimento sobre mim.
A mão que se passava sobre meu cabelo, pausou. Fazendo-me abrir os olhos.
- Te acordei? - ouvi a voz de ecoar no quarto.
- Que horas são? - perguntei.
- Oito horas da manhã - ela respondeu.
- Não estou em casa? - forcei a vista pra poder ver o recinto.
- Não, ontem a noite você chegou aqui em casa - ela suspirou - Você não dormiu nada, apenas gritava e se mexia na cama. O que esta acontecendo?
- Desculpa - voltei a deitar no colo dela.
- Ele voltou, não foi? - ela falou dura e eu fiquei pensativa.
- Quem lhe falou?
- me contou que o foi procurá-lo para saber se você tinha chegado em casa.
Eu apenas suspirei, não queria pensar no que havia acontecido no dia anterior.
Cap. 6 - A verdade
Eu sabia que não devia voltar àquela praça, ela estava se tornando o cenário principal do meu filme de terror. Mas sempre me convencia de algo, e não era de hoje que ela conseguia isso.
- está tão preocupado com você - cochichou para mim e eu a olhei.
- E você não acha que ele vai te matar se descobrir que você voltou a fumar? - Jordan me cutucou.
Estávamos sentados no chão, eu me entreguei ao vício e tinha pegado o pacote de maconha que havia escondido em meu quarto e, mesmo contra o gosto de , ela me deixou tragar em paz.
- O irá entender - eu olhei meu baseado e suspirei, não fazia mais o mesmo efeito que antes.
- ... - me chamou com a voz dura, e eu tornei a olhar para a esquina, onde ele chegava de mãos dadas com uma menina alta de cabelos escuros.
Eu arfei, senti Jenny aperta minha mão e murmurar palavras chulas. Mas eu não me importei em entendê-las. Continuei a encarar o novo casal e pude ver as pessoas me encararem e cochicharem entre si.
Ele era egoísta e cruel, mas ele estava fazendo aquilo comigo. Eu realmente não tinha acreditado na teoria que ele tinha achado outra, mas eu estava chocada com a cena que eu estava vendo. E por uma fração de segundos, ele me olhou, sem emoção nenhuma em sua expressão.
- O que é aquilo? - também o encarava.
- , pensei que você e o tinham voltado - , um amigo antigo nosso se aproximou e se sentou ao lado de .
- Agora vocês podem ver. Podem me acusar por ter sido idiota o bastante de ter passado esse tempo todo sofrendo por alguém que... - eu engoli a seco, não era fácil de acreditar naquilo - Por alguém que não se importou comigo.
Todos ficaram em silêncio, apenas encarando a cena. O tempo passava arrastado, mas eu continuava desperta e analisava o casal descaradamente, eu estava sentindo a ferida pulsar a cada toque que ele dava nela, e a cada beijo que ela distribuía por ele, aquilo estava me matando aos poucos. Mas mesmo assim, nem aquilo iria mudar meus sentimentos por ele. Eu o amava, e continuaria amando, até que eu me acabasse.
- Você quer ir embora? - me encarou - Eu a levo para casa.
- Tudo bem, , eu vou sozinha - me levantei e olhei pra ele que me analisava.
- Sinto muito por isso - falou com a voz carregada de culpa.
- Não é sua culpa pelo o que está acontecendo - tentei sorrir e andei em direção pra casa.
- Tome cuidado - ainda ouvi gritar e ri sem humor.
Não pensei em nada no caminho, desejei não tocar na ferida, eu queria poder apagar todas minhas memórias e esquecer tudo. Mas era impossível. Ao chegar em casa, Ellen me esperava na soleira da porta.
- O que ouve? - a estranhei, seus olhos estavam inchados.
- Ontem eu liguei pra sua tia Marília, e ela quer que você vá passar essas férias em Paris com ela - a vi cruzar os braços - Eu te procurei a noite inteira, você não pode fazer isso comigo, .
- Mãe, por favor, não sou mais criança - a raiva estava voltando a me consumir, e minha cabeça rodou com o efeito do baseado - E eu não vou para Paris.
- Ela me fez prometer que você iria entrar num avião pra Paris - eu caminhei pra cozinha e a ouvi sobre mim.
- Pois pode ligar de volta pra ela. Eu não vou - apertei os punhos e a encarei.
- Eu não sei mais o que faço com você - ela jogou as mãos para o alto e falou alterada.
- Apenas me dê tempo - eu continuei a encará-la.
- Mais tempo? Não mais. Você vai pra Paris sim mocinha - ela me apontou e eu ouvi a campainha tocar.
Deixei-a sozinha na cozinha, caminhei até a sala e fui abrir a porta. Senti meu fôlego escapar. Minha mente foi a mil, mas me controlei, eu não iria falar nada, eu ia segurar a vontade insana que eu estava de pular nele e pedir para que ele voltasse para mim. Mas ele não me encarou.
- Olhe, eu não sabia que você estaria na praça. Se eu soubesse, eu teria evitado tudo aquilo - ele falou sem me encarar e eu senti a raiva chegar novamente em minha mente.
- Você iria me poupar até quando de ver aquela cena? - falei alterada e ele me encarou - Sabe o que é o pior de tudo? Eu te esperei.
- ... - ele falou piedoso e eu senti meu coração sem vida amolecer.
- Você disse que voltaria, e eu esperei. Esse tempo todo eu sofri por você. Eu estou sofrendo por você. E você está sentindo o que por mim? Nada. Olha pelo o que você esta me fazendo passar - eu tentei me controlar e falei mais calma. - mas tudo bem, eu te amo, e sinceramente? É o sentimento mais puro e bonito que eu já senti em minha vida - ele me analisava, com a expressão pensativa, a expressão que eu tinha mais medo.
- Eu voltei - ele hesitou - Eu disse que voltaria - ele me encarou fixadamente. - Mas eu não disse que voltaria pra você.
Eu senti o chão se perde sob meus pés, mas me segurei na soleira da porta para não cair. Aquelas palavras foram como um tiro sobre meu peito a queima roupa e minha cabeça girou.
- - Ellen falou sobre meu ombro e eu senti a maldita sensação da ferida pulsar e alastrar. O nome continuava a me fazer mal. Como todo o resto.
- Senhora Ellen - ele sorriu vago.
- Mãe - eu indaguei ainda o olhando - Ligue para Marília - eu tornei a olhar pro lado, a dor estava ficando intensificada - Fale para ela que estarei indo para Paris amanhã.
- Paris? - ele falou em tom de desespero e eu o olhei.
- Mas, ... - Ellen falou confusa.
- Agora - grunhi e a vi entrar e fechar a porta atrás de mim.
- Mas... - ele me olhava confuso.
- É isso, estou indo pra Paris passar minhas férias - eu hesitei - E talvez morar lá - era uma mentira essa última parte, mas eu precisava tirar isso do meu peito, pra ele pelo menos sentir o que eu senti quando ele foi embora.
- , Paris é em outro país- ele ainda falava confuso.
- Além de idiota, você acha que eu sou burra? - eu tentei cruzar os braços, mas eu ainda continuava fraca, as palavras de que ele não voltara para mim ecoavam em minha cabeça, fazendo meu corpo latejar e querer recuar, mas me senti dura. Virei-me pra entrar em casa, mas senti algo puxar meu braço e o encarei.
- Você não pode ir... Embora, assim. E me deixar aqui - eu posso estar enganada, mas eu vi lágrimas sobre seus olhos.
- Você fez isso comigo, você me deixou - falei sobre os dentes.
- Mas era precisei - ele apertou meu braço.
- Eu também preciso ir - eu espremi os olhos.
- E quanto a mim? Eu quero ser o seu amigo novamente, como a gente era bem antigamente, antes de isso tudo começar - ele me puxou pra perto dele, ainda segurando meu braço.
- Nós seremos amigos - o encarei com piedade, estar perto dele e sentir seu toque me fazia entorpecer - Mas amigos distantes.
- E enquanto ao seu amor? - ele continuava a me aperta. Eu hesitei.
- Eu vou afogá-lo - eu consegui me soltar dele.
Entrei em casa correndo, ao passar pela sala, minha mãe me encarou, e eu limpei meu rosto onde as lágrimas caiam.
- Já ligou? - falei embargada e cruzei os braços.
- Sim, você tem certeza disso? - ela me olhou.
- Tenho - falei firme.
- Você esta fazendo isso por ele, não é? - ela se aproximou de mim e botou uma mecha de meu cabelo atrás da orelha - Minha mãe me ensinou a nunca fugir de um homem.
- Estou ensinando que quando você ama o homem, você faz pequenos sacrifícios. Mãe, vou pro meu quarto - eu suspirei e andei pro meu quarto, sem ouvir protestos ou algo do gênero.
Ao entrar em meu quarto me senti num casulo, sentei atrás da porta e fiquei pensando. Eu não estava acreditando no que acabará de fazer. Aquelas palavras ardiam em mim.
Como eu iria afogar um sentimento tão intenso e profundo. Paris, sim, seria uma péssima idéia pelo ar de romance que existe naquela cidade. Mas o alívio veio em peso sobre mim. Eu estava aliviada por saber que iria poder respirar um ar diferente ao qual eu estava respirando. Esperando que não fosse tão prejudicial, como fora em Madri.
Não me agüentei e peguei o resto de maconha que ainda existia, enrolei em um papel de seda e procurei um isqueiro, o acendi e dei um trago profundo.
Um novo dia, um novo ar, um novo dilema.
Cap. 7 - Amanhã, quem sabe?
No despertar da manhã, um novo dia me esperava e eu não estava pronta para encará-lo. Os pesadelos continuavam e a cada minuto piorava, mas, acho que pelo efeito da toxina, dormi sem gritos. Pude me sentar na cama e apertar os joelhos sobre meu peito, e apoiei meu queixo sobre eles. Encarei minhas malas que estavam prontas e senti meu coração palpitar. As lembranças da noite passada faziam meu coração palpitar, a dor estava ficando insuportável de lidar.
- Filha, visita - Marty abriu uma brecha da porta e deu passagem a ele.
Era tudo que eu precisava.
- O que veio fazer aqui? - falei ao ver Marty fechar a porta.
- Te convencer que não devemos acabar assim - ele falava calmo.
- Já está acabado - eu grunhi e voltei a olhar minhas malas.
- Irei persistir, e a amizade? - ele se colocou à frente do meu olhar e o encarei.
Pensei em lhe dizer uma resposta coberta de palavrões, mas sorri irônica.
- São só férias.
- Mas você vai sair agora... Bem quando eu volto - ele me olhou tristonho. Maldito efeito que ele tinha sobre mim.
- Eu preciso respirar de novo - murmurei.
- Me perdoe por estar fazendo você passar por isso - ele se sentou na minha cama, e olhou para frente. Encarei-o.
- Com que propósito você veio aqui? - falei incerta. Ele me encarou, abriu a boca e fechou-a novamente. Ele se aproximou de mim, pegando meu rosto em suas mãos.
- Eu quero que você fique - ele falou perto do meu rosto. Eu pude ouvir meu coração acelerar, parecia que eu estava correndo, eu arfei e senti-o segurar meu rosto mais forte - Não fique por mim, mas pelas pessoas que te amam.
Agora era assim, eu devia ficar para as pessoas que me amavam, e que se danasse o que eu estava sentindo. Eu sei que já era época de superar, eu já havia me desgastado ao limite, mas eu não conseguia parar, ele era a minha droga favorita e não tê-lo fazia com que meu corpo implorasse por mais. Só que isso ia acabar. Eu tinha que acabar com aquilo.
- Volto a repetir: são só férias - falei entre os dentes e me soltei dele bruscamente. Mas ele não se importou, ele olhava fixadamente para um ponto, eu o acompanhei com o olhar, e me arrependi disso.
- Você quebrou a promessa - ele sussurrou - Eu confiei em você. Você disse que não mentiria em mim.
Eu o olhei confuso, desde quando a promessa ainda valia? Eu não me importava mais. Se minha vida já estava uma merda iríamos piorá-la um pouco mais.
- Eu entreguei os pontos. - falei derrotada e voltei a deitar na cama.
- Por que você está fazendo isso? - ele me encarou.
- Porque eu cansei de ser dura, porque eu cansei de ter esperança. - fechei os olhos e os senti arderem.
- Você está sendo infantil - ele grunhiu.
- Você me transformou nisso - murmurei e o senti levantar da cama.
Não pensei em abrir meus olhos, eu não queria vê-lo ir embora novamente. Daqui a algumas horas eu estaria do outro lado do Canal da Mancha e ele seria feliz, muito feliz por sinal. Eu não seria mais um fardo nele, eu não seria mais sua culpa.
Resolvi encarar meu dia. Fui visitar e ela achou uma boa idéia poder viajar sozinha, sem ninguém pra atormenta. Ela prometeu não me ligar para contar novidades que se relacionavam ao que estava acontecendo, ela ligaria para me falar de besteira como sempre fazíamos todas as tardes. Era bom ter por perto. Mesmo ela namorando , ela nunca havia se esquecido de mim, como eu havia me esquecido dela. Às vezes me sinto culpada por estar tão ocupada pensando em meu problema e não poder ouvi-la ou só parar pra conversa e ver o quanto eu perdi da minha vida. E se dependesse eu continuaria perdendo.
São poucas coisas que percebemos ao decorrer do tempo, nunca sabemos o dia de amanhã, nunca sabemos se estaremos vivos, se estaremos felizes, se a pessoa que nos ama estará ali. Não sabemos nada do que acontece no futuro. O passado poderia ser assim também. Ele poderia acontecer, e depois de dois dias sumir, desaparecer. Mas isso é bom, é bom para aprendermos que nada na vida é fácil, nada na vida custa barato.
Almocei com meus pais sem fazer disparates ou protestos, eles estavam planejando uma festa de aniversario de casamento quando eu voltasse de viajem, era bom ver como meus pais eram unidos e felizes. Coisa totalmente diferente de certos casais que existem por ai. Sim, isso havia sido uma indireta para mim.
Ao entardecer fui ao aeroporto com meus pais. Sonhei acordada no caminho, tudo que se passou naquela cidade, naquelas ruas. Seriam apenas dois meses de imprudência. Tia Marília sempre fora a ovelha negra da família, seria uma boa ficar com ela nesse tempo. Sem primos, seriamos só eu, ela e as noites de Paris.
Sim, eu queria aproveitar muito aquela viagem e esquecer o que passara na minha vida. Iria ser difícil, e se mesmo assim ficasse algum resto de vestígio, eu iria trancá-lo. Não foi isso que ele fez?
O vôo foi tranqüilo e turbulento, havia uma criança pentelha que ficara atrás de mim e me chutava toda hora que eu tentava dormi. Tive que ameaçar a peste para poder dormir em paz. Mas foi em vão, o rosto dele vinha em meu pesadelo, com partes deformadas, e partes de sua nova companheira. Acordei assustada, com medo de que as pessoas achassem que eu fosse louca, mas por sorte não havia acontecido isso.
Tia Marília me esperava no saguão do aeroporto. Com seu sorriso triunfante por ter me feito parar ali. Ela era a mais nova das três irmãs de minha mãe, e era a mais divertida de todas.
- Que saudades de você - ela me abraçou apertado, me fazendo ficar sufocada - Estou impressionada por você ter aceitado vir depois da novela mexicana que me contaram - ela me soltou e eu a olhei confusa.
- Novela mexicana?
- Sim, sua vida se tornou uma novela mexicana - ela soltou uma risada e pegou uma de minhas malas.
- Que horror - fiz uma careta e comecei a andar em direção a porta de saída.
- Pronta pras noites de festa e badalação? Vamos esquecer o seu passado, aqui é Paris, a melhor cidade do mundo - ela deu um grito e riu em seguida.
- Tia, menos, bem menos - ri sem humor.
Pegamos um táxi e ela me bombardeou de perguntas sobre a família, sobre a cidade, sobre meus amigos. O bom de tudo é que ela não tocava no assunto dele, mas eu fazia questão de lembrar a cada pausa que a conversa tinha.
Marília morava num apartamento pequeno, tinha um gato chamado Dic. E por ela ser sozinha, conversa, e muito, com esse gato. Eu realmente estava com medo, em voltar mais louca com a influencia dela.
- Você continua fumando aquelas ervas? - ela me olhou depois de um tempo sentadas no sofá assistindo TV.
- Eu tive uma recaída esses dias - suspirei e sorri fraco.
- Se eu perguntar o que esta acontecendo você vai ficar triste? - ela continuava a me olhar - Eu preciso ouvir de você o que esta acontecendo.
Repassei a pergunta na minha cabeça, talvez se eu despejasse e ouvisse um conselho que me agradasse seria bom. Eu suspirei e me arrumei no sofá.
- Você lembra que da última vez que você foi pra Londres, eu estava com o... - eu pressionei meus lábios e a vi consentir com a cabeça - Quase cinco meses junto, afastamos metade dos nossos amigos por conta das toxinas e das ervas, nosso rendimento escolar ficou péssimo, e a mãe dele decidiu se mudar pra Liverpool, onde eles têm uma casa. Ele foi, sem reclamar ou protestar, e me deixou em Londres, me fazendo esperar. Me fez prometer não botar uma gota de álcool ou erva na boca ou qualquer outro tipo de coisa em que éramos viciados. E me fez prometer que viveria a vida. Essa segunda parte eu não consegui - eu sorri, mas transformei o sorriso em angustia - Piorei depois disso, entrei em profunda depressão, na qual eu vivo até hoje. Ele voltou, mas voltou pra acabar comigo. Ele está com outra agora - ela ouvia a histária atentamente, era a primeira vez que eu falava tanto. - Isso foi o resumo de tudo.
- Uau - ela falou depois de uma pausa em silêncio - Você o ama tanto, que prometeu controlar seus vícios, por ele. Coisa que nem reabilitação fez com você - ela riu. Isso era verdade, eu havia passado uma vez por uma reabilitação, mas não funcionara. Depois de semanas, eu voltava pro meu vicio.
- Mas ele não sente o mesmo - eu abaixei a cabeça, senti uma pontada no coração, mas consegui controlar.
- Ele pode até sentir, ele só pode estar com medo de fazer a história se repeti - ela arqueou minha cabeça, me encarando nos olhos - Mas vamos fazer o seguinte: vamos esquecer isso por dois meses. Não vou te obrigar a nada, você está livre pra fazer o que quiser, só está proibida de pensar nele - ela sorriu doce e eu rolei os olhos.
- Uma coisa impossível.
- Veremos. Vou te deixar tão ocupada que você nem vai ter tempo de respirar direito, começando por agora - ela me puxou.
- Mas, tia, estou morta de cansaço - indaguei.
- Pare de preguiça, vamos comer besteira na rua e andar até nossas pernas cansarem - ela riu e saiu me puxando.
Cap. 8 - A felicidade
Comemos numa lanchonete que estava cheia. Marília ficava paquerando os garotos como se tivesse vinte anos, e eu ria com isso. Fazia algum tempo que eu não sentia meus músculos do rosto se contraírem em uma risada verdadeira. Saímos da lanchonete rindo e tomando café. Pegamos um ônibus e fomos pro centro, onde ficamos sentadas em frente a Torre Eiffel. Eu nunca imaginei que estaria perto daquela torre ou qualquer outro lugar da França.
Eu estava olhando pras pessoas que estavam ali, todas rindo e tirando fotos do monumento. Eu respirei fundo e me senti aliviada. Um alívio que não sentia há muito tempo. Eu estava me sentindo viva. Uma coisa impossível há meses atrás, uma coisa que eu não imaginei que iria sentir novamente. Fechei os olhos e inclinei minha cabeça pra trás; eu não pensava em nada, minha mente estava em branco.
Mas durou tão pouco, tudo começou a ficar escuro e os olhos dele invadiram minha mente, fazendo-me abrir os olhos assustada. Acordando-me pra onde eu estava.
- Eu sempre tive uma queda por seu irmão - ela falou e eu a olhei.
- Eu pensei que você fosse homossexual. Tipo, lésbica - eu soltei uma risada pela careta que Marília fez.
- Prefiro ficar com seu irmão - ela por fim começou a me acompanhar na risada - Mas eu sinto falta de algum companheiro. Com trinta e cinco anos, fica difícil arranjar alguém.
- Nunca se interessou por alguém? E em minha opinião, gostar do é algo grotesco e nojento. Principalmente vindo da tia dele - eu sorri e ela me deu um tapa no ombro.
- Eu já me interessei por alguém sim pra sua opinião, e não foi pelo , afinal, eu troquei as fraldas dele - ela continuava a rir, mas estava se controlando. Eu a olhei, nunca suspeitei que tia Marília houvesse gostado de alguém. Interessei-me em saber sobre essa história, e me ajeitei.
- Conte-me a história. – olhei-a cautelosa – Por que não está com essa pessoa hoje?
- A sofredora aqui é você - ela me apontou sorrindo.
- Tia - eu não sorri, ela estava tentando fugir do assunto.
- Tudo bem - ela suspirou e tornou a olhar pra frente - Sempre sonhei em ter um casamento igual ao da sua mãe. Ela é Marty são o casal mais bonito que já vi. Um dia conheci um cara igual a ele, mas o problema era que ele era casado. Vamos chamá-lo carinhosamente de Eric. Ele trabalhava comigo e também gostava de mim. Saímos algumas vezes, na última ele falou que estava apaixonado por mim. Eu me senti radiante. Ninguém me olhava como ele, ninguém falava como ele falava comigo. Mas como tudo que é maravilhoso acaba, ele me falou que era casado e a mulher dele estava grávida - ela pressionou os lábios, pensativa.
- E o que a senhora fez? - falei depois de uma pausa.
- Ao contrário de você, eu deixei passar. Não queria me meter na vida de um homem. A vida dele já estava quase formada. Um trabalho, uma mulher, uma filha ou filho. Foi o único por quem me interessei. - ela arfou e me encarou.
- Eu tenho medo de me tornar uma Marília dois - eu segurei a risada.
- Você está a fim de dormi aqui? - ela cruzou os braços, mas logo depois riu - Tenha medo.
- Mas, tia, você não pretende casar? Ou algo relacionado a isso?
- Cada coisa tem seu tempo - ela rolou os olhos.
- Mas já se passaram 35 anos - eu zombei.
- , pode procurar um mendigo pra você acompanhar no sono - ela se levantou.
- Você sabe que estou de brincadeira - eu ergui meus braços e ela me ajudou a levantar.
- A senhorita está ficando pesadinha - ela riu e passou o braço sobre meu ombro.
- Não me chame de gorda - eu ri.
- Apenas disse que sua massa corporal aumentou - ela piscou.
- Tia! - eu grunhi e ri depois.
Foram os dois meses mais empolgantes e rápidos da minha vida. Sempre a tia Marília me levava para um lugar diferente da grande Paris. Até compras fizemos. Renovei metade do meu guarda-roupa e metade das minhas roupas foram parar num brechó. Marília conheceu dois caras no tempo em que estive aqui, e graças a mim. Eu não sei se ela continua a sair com algum, esses dias ela se trancou no banheiro com o telefone. O mês de dezembro estava acabando. Passamos a ação de graças em casa, sozinhas. Mas foi bem melhor do que o meu último dia de ação de graças. Eu certamente não me lembrava de minha vida em Londres. Mero engano. Quando chegava a hora de fechar os olhos e entrar em meu mundo paralelo, tudo mudava. Os pesadelos não eram tão intensos, mas eu ainda continuava com eles. Alguns não faziam tantos sentidos assim, outros pareciam muito reais, como no qual eu senti os lábios dele nos meus e acordei assustada, mas não era nada. Apenas o vento passando por mim. Mas eu conseguia suportar a dor, eu conseguia escondê-la e trancá-la no meu mundo paralelo. Eu estava ficando boa nisso, e eu não conseguia ter tempo pra pensar no que havia acontecido.
Dois dias antes de voltar pra Londres eu abri minha caixa de e-mail e tinham três mensagens dele. Eu senti meu coração palpitar, fazia algum tempo que eu não sentia isso. Era como se a dor tivesse voltado. Encarei os e-mails sem abri-los, eu não iria ter coragem para isso. As apaguei com a curiosidade de saber o que estava escrito. Mas a memória de um muro me veio à tona. Ele havia imposto isso entre nós, então eu também poderia fazer isso. Eu estava sendo idiota em fazer tudo o que ele fez comigo.
À noite, fomos a um bar badalado. Eu não sei o que me deu, mas eu estava bebendo o máximo que eu conseguia. Marília me avisava para parar, mas eu não estava me controlando. Eu tinha ficado mal com os emails, por não tê-los abertos e matado minha curiosidade, mas o pior aconteceu. Eu senti uma parte do torpor vir e a bebida que descia rasgando em minha garganta fazia as memórias voltarem e a ferida que estava em meu peito rasgar.
- Vamos dançar? - Marília dançava perto de mim.
- Depois, mas se quiser pode ir - eu estava sentada no bar, observando meu copo vazio.
- Você ficará bem? - ela falou em meu ouvido e eu consisti com a cabeça.
Eu não sei se ela havia ido pra pista de dança, mas nem me importei. Eu fui estúpida o bastante de tocar na ferida, e as memórias estavam vindo claramente em minha cabeça. O dia que ele me pediu em namoro estava vindo com vozes, me fazendo aperta o copo. Deixei-me levar. Eu não iria lembrar nada no dia seguinte mesmo.
+flashback Estávamos em um restaurante, era a primeira vez que saímos juntos sem nos drogarmos. Ele me ligara para falar que tinha algo importante e que essa noite iria ser diferente. Fui ansiosa, pois havíamos ficando algumas vezes, mas nunca passara para um relacionamento sério.
- O que tem para me falar? - sorri doce para ele.
- É meio complicado e difícil. - ele me olhou.
- Eu sou forte para suportar - eu tentei ficar séria, mas era impossível. O restaurante tinha um ar de romantismo, o que me deixava mais ansiosa para ouvir da boca dele o que eu sempre sonhara em ouvir.
- Você quer namorar comigo? - ele falou rápido, mas eu havia conseguido pegar todas as palavras que ele havia dito.
- Tem certeza? Olha que você pode estar fazendo uma péssima escolha, além de ter que encarar meu irmão e minha família. E eu terei que fazer a mesma coisa. - adverti.
- Arriscaremos - ele riu.
- Preciso responder? – ajeitei-me na cadeira e o vi arrastar sua cadeira para meu lado.
- Não - Ele controlou a risada e passou a mão em meu rosto, alisando-o. Eu fechei os olhos para sentir a caricia, e o que veio logo em seguida foram os lábios quentes e úmidos dele.
+endflashback
Olhei para o bar e apontei para uma garrafa de uísque, o barman a pegou e me entregou. Peguei o dinheiro que estava no bolso do meu jeans e paguei meus drinks e a garrafa inteira. Levantei-me e olhei minha tia dançando com um cara. Ri sem humor e abri a garrafa, dando um gole de uma vez. Ela iria me perdoar se saísse sem falar nada.
Caminhei com dificuldade entre as pessoas, e estar alcoolizada não ajudava muito. Eu não me importava com o barulho, para falar a verdade, eu não ouvia barulho de nada. Ao chegar à rua, olhei para os dois lados e comecei a caminhar pra uma direção desconhecida. Eu não estava me importando com violência. Para mim pouco importava nessa altura do campeonato. Eu estava sendo imprudente e fraca de novo. Dei outro gole no uísque.
Não sei aonde havia chegado, eu não estava reconhecendo o local, mas era um parque, e já era tarde, pois não havia ninguém na rua. Sentei-me embaixo de uma árvore e abracei a garrafa contra meu peito. Por que tudo tinha que ser daquele jeito? Por que ele tinha que ser tão maldoso comigo?
Eu me perguntei várias vezes ao anoitecer, quando eu podia ficar sozinha com meus pensamentos, o que eu havia feito com ele para receber isso em troca. Éramos perfeitos um para o outro. E eu não estou sendo egoísta.
As lembranças estavam vindo a vapor. Dias felizes. Brigas inacabáveis, reconciliações medonhas. Tudo era perfeito com ele. Nem tudo.
+flashback Era tarde da noite e estávamos naquela praça casual, a praça onde tudo começou. O céu estava nublado e ameaçava a chover. Ele estava em pé, andando de um lado para o outro. Uma semana antes havíamos passado dos limites e havíamos dado dinheiro falso para uns traficantes para podermos comprar uma quantidade boa de drogas. Tivemos que fugir para uma casa de campo que ficava fora da cidade.
- Depois do que aconteceu meus pais decidiram uma coisa. - ele parou de andar e falou sério.
- O que? - falei incerta e ele me olhou.
- Eles vão voltar pra Liverpool - Ele se ajoelhou a minha frente e pegou em minhas mãos. Abri um sorriso.
- Isso quer dizer que você não vai? - Eu continuei a sorrir, o que foi errado.
- Não - ele apertou minhas mãos e as encarou - Eu vou embora.
Demorei um tempo para processar o que ele havia me falado.
- Como? Eles vão embora e vão te levar junto? Não, eu não vou deixar - eu me levantei bruscamente e falei aflita.
- , vai ser melhor se isso acontecer - ele também se levantou e segurou em meus braços.
- Não, como vou conseguir ficar sem você aqui? - indaguei, sentindo meus olhos encherem de água.
- Eu voltarei - Ele falou confiante e apertou meus braços.
- Isso não é o suficiente. - murmurei negando.
- Prometa-me que não irá por nenhuma toxina no sangue? - ele me olhava profundamente.
- ... - fechei os olhos para não poder chorar na sua frente.
- Prometa-me? - ele grunhiu e eu confirmei com a cabeça – Prometa-me também que irá viver?
- Eu não sei - falei sincera, e antes que pudéssemos falar algo colei meus lábios ao dele, o beijando intensamente.
+endflashback
Pequenos flashes do que havia acontecido passavam em minha mente, fazendo-me beber mais. Eu não estava mais agüentando, eu só queria parar. Mas eu não sabia como fazer parar. Eu estava entrando em decadência novamente, mas eu não queria isso. Eu tinha ficado esses dois meses tão bem, tão feliz. E agora que eu ia voltar a tornar o mesmo inferno? Joguei a garrafa para bem distante, onde quebrou e derramou o restante do líquido. Eu fiquei encarando o nada, e acabei adormecendo.
Cap. 9 - O retorno poderia ter sido melhor
Na viagem de volta eu fui refletindo tudo que estava acontecendo. Eu não esperava que fosse me afundar de novo e fazer as lembranças me torturarem. Mas França havia me feito bem, eu estava melhor. Eu estava me sentido viva e pela primeira vez feliz. Eu aprendi a sorrir de novo.
Quando o avião pousou no aeroporto e eu fui para o saguão, fiquei surpresa por ver , , e me esperando. Botei a mão na testa e franzi os lábios. Era o aniversário de vinte e cinco anos de casamento de meus pais e teria uma big festa. Eles me olharam divertidos.
- Vejo que se esqueceu do aniversário de Ellen e Marty - riu e bateu em minha testa.
- Eu sequer me recordava disso - arregalei os olhos - Não comprei presente.
- Só de eles saberem que você está melhor será um presente para eles - disse sorridente e me abraçou.
Eu suspirei. Tudo que estava em minha face era uma farsa, eu não estava melhor, mas eu estava conseguindo disfarça isso.
- Foi bom na França? - riu e pegou minhas malas.
- Foi muito bom - eu falei devagar e depois abri um sorriso. Eu já disse que tinha reaprendido a sorrir? Meu músculo do rosto não doía mais para fazer isso.
- Coitada, ela ainda está intacta por saber que esqueceu a bodas de prata dos nossos pais - revirou os olhos e entrou em seu carro, já fora do aeroporto.
- Vai ser festa de gala? - falei ao entrar no banco de trás junto com .
- Sim, as duas festas. E a roupa que sua mãe escolheu vai demorar um pouco pra entrar - me olhou divertido enquanto se sentava no banco do passageiro.
- Obrigada por falar que estou mais gorda que antes - revirei os olhos e depois rir - Realmente, depois de passar dois meses comendo porcaria eu estou uma bola e vai ser difícil algum vestido caber em mim.
- O pior de tudo... É um tubinho - mordeu o lábio inferior.
Certo, eu ia precisar de dose extra de respiração pra caber em algum tubinho. Em Paris eu não parava de comer, sempre era um fast food, sorvete, cachorro quente, refrigerante, além do álcool. Eu arregalei os olhos e suspirei. Ellen e seus exageros. Para que tudo isso?
- E até no Bruch vai ser de gala? – olhei-a nervosa.
- Sim, mas relaxa, amiga, vai ser divertido - bateu em meu ombro e eu encostei a cabeça no vidro do carro.
A viagem até a minha casa foi curta, pela velocidade que dirigia. A casa estava a mesma, eu senti falta do meu casulo e suspirei ao ver o quarto intacto, do jeito que eu deixei. O pacote vazio de trouxinha de maconha continuava no mesmo lugar, e me fez lembrar do dia em que parti. Sentei-me na cama e fitei o nada, será que ele continuava na cidade? Coloquei as mãos no rosto e as apertei contra ele. Eu tinha que parar de pensar nisso, era passado. Eu tentaria passar uma borracha no passado. Mas quantas vezes eu já pensei nisso? Era inútil prometer que iria me livrar dessa dor, ela nunca ia embora. Era terrível o que eu ainda conseguia sentir.
- Hey, o que aconteceu? - entrou no meu quarto.
- Eu já estava indo tomar banho - me levantei rápido e peguei minha toalha que ficava estendida na porta do guarda-roupa. me olhou rapidamente com reprovação, ela sabia o que estava acontecendo, mas preferiu ficar calada.
- Rápido - sorriu e saiu do quarto.
Depois de terminar meu banho rápido, tentou me ajudar a colocar o vestido. Ele era preto todo liso, tomara que caia e apertava no colo e na cintura, o que me fazia ficar sem ar. Depois de rirmos e colocarmos o vestido, fomos ao encontro dos meninos, que estavam sentados no sofá impacientem. tentou me elogiar, coisa que ele não fazia com tanta freqüência, mas eu o cortei. Minha auto-estima estava em baixa, eu mal me conseguia olhar no espelho. me convenceu de que eu estava mais bonita do que já vira no último ano. Ele sentiu um pouco de vida em mim. Ou eu estava realmente com vida, ou estava conseguindo fingir bem.
Entramos em silêncio no carro. , e usavam ótimos e lindos smokings e usava um vestido vinho, que ia até o joelho, com uma simples alça sobre os ombros. Ao olhar as luzes da cidade enquanto o carro percorria em alta velocidade, lembrei-me dele. Tive medo de encontrá-lo. Mas ele provavelmente deveria ter voltado pra Liverpool, ou não. Será que iria ficar irritada se eu perguntasse? Não arrancava pedaço uma simples resposta. Olhei de canto pra , ela estava com uma expressão tranqüila, então era uma boa oportunidade:
- - comecei indecisa.
- Sim - ela respondeu ainda encarando o pára-brisa.
- E ele? Continua na cidade? - falei tranqüila, escondendo o sufoco de minha voz.
- , vamos fazer o seguinte? - ela me olhou dura e de repente vi fúria em seus olhos - Não vamos falar sobre isso hoje.
- Mas... - que estava ao meu lado apertou minha mão, ela continuava a me olhar e eu rolei os olhos - tudo bem.
Voltei a olhar a cidade que corria do lado de fora do carro, senti o torpor voltar, coisa que eu não sentia com tanta freqüência. Mas eu iria fazer tudo certo esta noite. Era a noite dos meus pais, e eu não iria estragá-la.
Logo chegamos a um salão todo enfeitado com arranjo de flores brancas na porta, tudo muito clichê, mas vindo de meus pais, era de se esperar. Entrei sozinha enquanto os outros insistiam em ficar brincando um com o outro. Ao entrar, senti as pessoas me olharem, com aqueles estúpidos olhares cautelosos e de piedade. As mãos de abraçaram a minha cintura e me encaminhou até meus pais, que também me olhavam com cuidado. sussurrou em meu ouvido que tudo ficaria bem, mas a sensação de que não ficaria nada bem correu sobre meu corpo. Os olhares de pena continuavam, e eu me esforcei pra abrir um sorriso, o que arrancou murmurinhos.
- Minha filha - olhei me soltar e Ellen me abraçar - Como foi em Paris?
- Bem, tia Marília mandou lembranças - correspondi o abraço - Mas não iremos falar sobre isso. Vinte e cinco anos, ein? - continuei com meu sorriso estampado no rosto, o que não passou despercebido.
- Você deve estar cansada, não é? - Marty beijou minha testa logo depois que Ellen me soltou.
- Não. Eu estou bem - tentei pensar em algo rápido - É só que foi difícil entrar nesse tubinho, e fica difícil de respirar. - sussurrei para deixar Ellen culpada.
- E realmente não vai conseguir respirar quando ver isso - falou num tom duro e eu o encarei.
- - Ellen fez uma carrancuda.
Eu não estava entendo nada. Dei uma olhada no salão e pude ver rostos conhecidos, amigos próximos de minha família. Mas o que me chamou a atenção foi uma família de costas para mim, apenas o mais velho estava virado para mim, e o mesmo abriu um sorriso.
- Você convidou os ? - falei sem ar e senti minha cabeça rodar.
- Eu não poderia deixá-los de fora, são amigos - Ellen me analisou.
- ? - Marty me chamou, mas não dei atenção.
As pessoas voltaram a me olhar e outros olhavam para a família . Eu não conseguia fazer meus músculos se mexerem, as lembranças vieram a vapor e eu senti minha cabeça rodar e a ansiedade de sair dali aumentar.
- , leve-a para a mesa - Marty o avisou e saiu me puxando.
O torpor voltou a ficar intenso, e senti perde minha audição por uma parcela de segundos. A coragem que eu tive nesses dois meses - tirando o último dia a qual eu não conto como sobrevivência - desapareceu, ela foi sufocada junto com minha respiração. Não era fácil respirar, mesmo não estando perto um do outro. Por enquanto.
Não sei por quanto fiquei assim, apagada, apenas sentindo a minha respiração voltar ao normal, e a minha cabeça voltar à tona, o que não foi uma coisa boa. Olhei para a mesa em que eu estava. estava ao meu lado, acompanhado por , , e ele. Eu neguei com a cabeça, aquilo não podia ser real.
- Você ouviu? - falou rindo para mim.
- O que? - eu o olhei.
- O discurso que o falou e o o acompanhou? - ele continuava a rir.
O nome teve uma sensação ruim em mim, mas ele não percebeu e eu pressionei meus lábios um ao outro.
- Eu - me levantei e segurei na cadeira - Eu vou embora.
- Qual é, , fica aí - falou, com uma taça de champagne na mão.
- Amanhã nos vemos, eu acho - sussurrei e cambaleei para fora do salão.
Senti o ar chicotear meu rosto e inflei minhas narinas para poder respirar o ar que me rondava. Era inútil, mas ajudava a circulação do meu sangue.
- ? - me paralisei novamente.
Aquela voz de arcanjo arfou perto de mim e fez meu corpo voltar a funcionar, eu senti minhas mãos trêmulas, e as enfiei uma sobre a outra para escondê-las. Eu esperaria que aquilo fosse uma alucinação.
Eu me virei para encará-lo e encontrei uma expressão indecifrável.
- Estou indo embora - sussurrei abaixando o olhar, não queria que aquela sensação de bem estar estivesse me invadindo enquanto olhasse aqueles olhos profundos.
- Eu sei, eu só queria saber como foi em Paris? - ele tentou sorrir, sem sucesso.
- Foi bom. Paris é uma bela cidade, você e sua namorada - senti a ferida pulsar, mas me controlei - Iriam gostar!
Ele me fitou por um tempo. Talvez tentasse escolher as palavras certas para falar. Eu o analisava. A pele clara com algumas manchas no rosto, os cílios grandes e os olhos profundos, os cabelos caiam perfeitamente em sua testa, dando leveza em seu rosto, o nariz pontudo fazia a silhueta do rosto, e seus lábios avermelhados, aqueles lábios que tantas vezes beijei, os lábios onde eu me sentia segura. Alguma coisa pinicou minha língua, me fazendo franzir o cenho. Eu estava analisando tanto os lábios dele, que meu corpo estava implorando para que sentisse a quentura deles de volta sobre os meus.
Eu balancei a cabeça devagar. Eu sempre tinha medo de perde tudo do rosto dele, qualquer detalhe. Por mais que eu não quisesse perder, uma parte de mim me dizia que isso deveria acontecer.
Ouvi a buzina do táxi e acordei do transe em que eu estava, a dor tinha que vir, ela não deveria estar sufocada.
- Eu senti sua falta - ele falou por fim, e eu o olhei, intacta. Minha respiração fugiu e eu tive medo de desmaiar.
- Não vamos começar com isso de novo - eu arfei.
- Mas é a verdade - ele insistiu.
- Mas você escolheu assim - eu senti a raiva me consumir e as lágrimas tentarem escapar.
- Eu sei - ele falou e eu pude ouvir a buzina do táxi novamente.
- Tenho que ir - me virei rapidamente e entrei no táxi.
Eu não iria me permite ser fraca na frente dele, não dessa vez. De novo a sensação de dor sumiu, a coragem apareceu quando entrei correndo no meu quarto, mas eu não precisava dela agora. Eu não queria que fosse daquele jeito.
Mas ao mesmo tempo eu via que a realidade nunca iria mudar, e eu não conseguiria esquecê-lo. Ele perseguia meus piores pesadelos, ele era o meu pior monstro, mas era o único que me fazia sentir viva. Não era por esperança, porque eu não tinha mais força para isso. Era algo sentimental, era algo ligado, ele tinha a forma de me fazer viva. Mas não usava isso de forma correta.
Isso é patético, por que todos dizem que paixão de adolescente desaparece - ouvi isso por um ano -, mas eu tinha conseguido mudar essa observação? Com os outros até poderia desaparecer. Mas ele não era apenas uma paixão adolescente. Ele era a minha vida.
Eu ainda tinha medo de perde o que restara dele. Era o meu único refugio me lembrar de coisas boas que nos aconteceram, mas eu havia trancado essas lembranças, todas elas.
Deitei-me na cama abraçando minha barriga, ela revirava. Só de lembrar o que eu acabara de ouvir sentia aquele maldito nó na garganta. Ele sabia que não era justo comigo, ele tocara na ferida novamente, talvez ele fizesse isso por passatempo.
Cap 10 - O Bruch
Eu não sei quando exatamente acordei, mas permanecia com os olhos fechados. Eu estava com medo de abri-los. Ouvi murmurinhos vindos do quarto ao lado, e resolvi me levantar. Hoje era o maldito Bruch de vinte e cinco anos e um dia de casamento dos meus pais. Patético, quem é que comemora um dia depois?
Hesitei um pouco até ir à porta do meu quarto e abri-la, encontrei minha mãe segurando um vestido e olhando pra mim radiante, não fiz disparates, apenas peguei o vestido e voltei a fechar a porta. Suspirei e lembrei-me do "pesadelo" que eu havia tido na noite passada. Era uma sala ou quarto, claro e branco, a claridade do quarto me cegava, enquanto eu ficava surda diante da voz dele. Ele repetia as últimas palavras que ele me falará, o que me fazia ficar atordoada.
Comecei a me vestir, enquanto tentava entrar naquele pequeno vestido, era difícil, eu havia engordado tanto assim? Olhei-me no espelho e me senti a mulher mais ridícula e gorda, no que eu me transformei? Eu parecia aquelas bruxas de filmes, ou coisa pior. Cocei meus cabelos e constatei o pior, tudo estava pior em mim. Passei uma escova rápido sobre eles e me dirigi pro banheiro, escovei meus dentes e fiz minhas necessidades. Passei um pequeno corretivo em minhas pálpebras para esconder as profundas olheiras, o que era impossível. Ouvi Marty gritar e corri para pegar meus monolos de salto alto e fui calçando pelo caminho de casa.
Chegamos a uma chácara, onde tinha tendas, garçons, convidados da noite passada, e crianças correndo de um lado para o outro, um pouco ao fundo havia uma pequena casa, e o resto eram árvores e grama. Uma mistura de verde com branco que estava sendo enjoativo. Eu estava com uma sensação de bem estar, o que me surpreendeu.
Encontrei perto de uma mesa cheia de pães e aperitivos, ela experimentava alguns pães e fazia careta, enquanto segurava um copo vazio, eu tentei correr até ela, mas meu sapato de salto alto não ajudava muito, e ela parou para me olhar e rir dos meus esforços.
- , novamente com salto alto? Definitivamente essa não é você - ela olhou para meus pés e riu divertida.
- Odeio salto alto - bufei e cruzei os braços - E por que você não veio também? - franzi o cenho.
- Minha mãe teve dó de mim e me deixou vir de sapatilha - sorriu e mostrou a sapatilha que usava.
- Por que Ellen tem que ser tão exagerada? - olhei para minha mãe conversando com alguns convidados.
- Não sei, mas eu tenho certeza que você puxou a ela - soltou uma risada e enfiou um pãozinho na boca.
- Como você está engraçadinha hoje - fiz uma careta para ela e vi um garçom passar com uma bandeja contendo um copo de Conhaque. Não me importei para quem era e recolhi o copo para mim.
- Você vai beber uma hora dessas? - Ela falou depois de ter digerido seu pão.
- Arã. - sorri sem humor e dei um gole.
- Tudo bem, eu deixo - ela olhou para um ponto fixo atrás de mim. Estranhei e me virei para olhar - Você vai precisar realmente desse conhaque.
Era a cena mais deplorável, eu não queria ver aquilo tão cedo, o sorriso estampado na cara dela me enjoava, fazendo eu terminar de beber meu conhaque num gole só. Eles estavam vindo em direção a mim.
- Ora, ora. Senhorita problema está aqui - Senhor falou me abraçando.
- Quanto tempo - tentei ser calorosa.
- Você sumiu - ele tentou ser engraçado e me soltou do abraço.
- Não, você sumiu - eu sorri.
- Senhora - continuei a sorrir e a abracei.
- Eu preferia você como a minha nora - ela sussurrou em meu ouvido, e eu a abracei mais forte.
- Espero que sim - soltei uma piscada para ela e a soltei - Oi - acenei para o casal ao lado do senhor e senti o ar em volta ficar constrangedor e pesado.
- Vamos, - sorriu para a família e me pegou pela mão, fazendo-me caminhar para longe.
Sentamos distantes, apenas olhando o movimento, tentando evitar que a nevoa me afogasse.
- O que ela tem que eu não tenho? - falei depois de beber mais um copo de conhaque.
- Eu não sei amiga, mas ela é sem sal que nem ele - ela deu um sorriso debochado e me acompanhou na bebida, eu apenas concordei com a cabeça.
- Não fique assim vai - ela controlou o sorriso e eu tornei a olhar pro casal.
Depois de um tempo, olhando as caricias dos dois, e sentindo meu peito arde de dor, eu o vi me olhar, e apontei com a cabeça pra dentro da casa que ficava nos fundo da tenda, e me levantei, tentando repassar na minha mente qual era a minha intenção com aquilo.
Entrei na primeira porta que vi, e era um quarto branco com muita iluminação do sol, que radiava dentro do quarto e me fazia cegar. Eu tentei raciocinar o que iria falar, mas antes disso acontecer, ele se pôs dentro do quarto e me encarou. Ficamos assim por alguns minutos, até ele quebrar o silêncio.
- O que houve? - ele falou duro.
- Eu... - gaguejei - Eu queria saber se o que você falou ontem era verdade - falei por impulso e o vi concorda com a cabeça
Ele poderia ajudar um pouco e falar algo, mas estava se tornando impossível. Comecei a encarar os olhos profundos dele e involuntariamente me aproximei dele.
- Por que nos tornamos assim? – murmurei.
- Assim como? - ele também murmurou.
- Estranhos um para o outro - eu realmente queria que ele me abraçasse e falasse que eu era uma tola em pensar aquilo.
- Eu não sei - ele murmurou me olhando - você que se tornou assim e eu tenho certa culpa nisso - senti a voz dele falhar quando toquei em sua mão.
Ele estava certo, eu era a culpada daquilo tudo estar acontecendo. O fato era que eu não conseguiria suporta tendo ele só como amigo, e vendo ele com outra garota, isso estava fora de meus planos, fora de cogitação. E pela primeira vez eu estava agindo por impulso. Senti meus lábios treme, eu precisava sentir os lábios dele novamente sobre os meus, eu precisava auto torturar-me. Eu saberia que aquela seria a única chance que teríamos. Consegui preencher o espaço que nos faltava e aproximei meu rosto do dele. Ele não hesitou, apenas continuou a me olhar, toquei seus lábios devagar e senti meu corpo tremer e meu coração acelerar de forma inconveniente quando a língua dele triscou no meu lábio inferior, pedindo passagem pra minha boca. Senti minhas pernas vacilarem e ele segurar minha cintura para eu não cair, e então partimos para o beijo. O beijo foi rápido, e quando nos separamos ele me olhou como se tivesse acabado de fazer algo errado, o que não deixava de ser verdade. Toquei em meus lábios devagar, pronta para falar alguma coisa, quando ele se virou e saiu, deixando-me sozinha.
Fiquei encarando a porta, sem reação, ele havia me deixado sozinha. Eu sabia que não deveria ter feito aquilo, ele estava com outra e com certeza não se importava mais comigo ou em sentir o gosto de meus lábios, eu estava enganada com tudo, eu era uma estúpida em achar que depois disso ele voltaria para mim.
Olhei ao redor, e vi que era o quarto do meu sonho, e a voz dele começou a ecoar de novo, como o som de uma música. Eu saí rápido dali antes que o torpor voltasse. Eu iria embora de novo, iria escapar novamente.
Mas antes, minha mãe me chamou a atenção, eu revirei os olhos e caminhei até ela, evitando os olhares das pessoas.
- O que houve? – perguntei.
- Você fará um discurso - ela sorriu radiante.
- Mãe! - eu indaguei.
- Por favor? Ontem você foi embora antes do tempo - ela me olhou.
- Eu não sou boa nisso - eu suspirei.
- Não precisa falar muito, faça sua mãe feliz - ela voltou a sorrir.
- Tudo bem – dei-me por vencida e ouvi minha mãe bater numa taça e todos a encararem.
- Obrigada a todos por estarem aqui e compartilharem comigo esse dia feliz. , minha filha, irá se pronunciar agora - ela me olhou e sorriu confiante.
- Bem - eu encarei as pessoas e me veio aquele sufoco, eu estava ficando com medo de público - Uau, não sei o que falar - esforcei um sorriso e as pessoas riram - Hum, desde que eu nasci, eu sou a prova de que esse casal é um dos mais felizes, por favor, não fiquem com inveja. É só que, mesmo com todos os problemas, eles tão juntos, um apoiando o outro, e se ajudando como podem - tornei a olhar pra família , onde ele me olhava - Eu não sei se existe amor igual ao deles, eu acho que eu poderia amar igual a eles. Eu quero ter a sorte de um dia encontrar isso, eles são um exemplo. Eu sei que não sou uma ótima aconselhadora sobre essa relação de amor, mas sei que o que eles sentem um pelo o outro é eterno, e nada pode mudar isso. E isso teve dois fruto, eu e o babaca do - olhei para que estava do lado dos amigos e dei um sorriso debochado - Eles fazem parte da minha vida e eu apenas tenho o que agradecer - voltei a olhar a minha mãe e a abracei - Obrigada por tudo.
Ela não falou nada, e apenas me apertou. Depois de um breve momento, eu me coloquei para fora daquele local, voltando pro meu mundo, meu casulo.
Depois daquele beijo minha vida ia voltar ao que era antes, eu iria me afundar mais e os dois meses que eu voltara à vida estavam esquecidos, como se nunca houvesse participado do meu calendário.
Três semanas inevitáveis e escuras.
Cap 11 - O começo do fim
Depois das três semanas hibernando, conseguiu me tirar do quarto e ver luz do sol e ar fresco. Era estranho, porque ela não protestou e nem deu sermão, mas quem seria eu para falar algo. Estávamos andando horas e horas, e estranhei quando saímos da cidade.
- Para aonde você esta me levando? - falei sem vontade.
- Compras - ela sorriu divertida.
- São compras fora da cidade? - olhei ao redor e vi apenas vegetação pela estrada.
- Arã - ela continuava com o sorriso divertido, mas seus olhos mostravam culpa.
Depois de algum tempo, eu percebi que caminho era aquele. Era o caminho da casa de campo da família , olhei desesperada pra e soltei um grunhido.
- !
- Calma - ela falou ao dar um retorno a uma estrada de chão.
- O que você pensa que está fazendo? - continuei com meu tom de raiva.
- Eu sei que é uma idéia absurda, mas ele conseguiu me convencer a fazer isso - não tirava a atenção da estrada, desviando de alguns buracos.
- Ah legal, agora minha amiga se ajunta com o cara que me fez de idiota. O mundo está perdido! - falei alterada e tirei meu cinto de segurança.
- Fará o seu bem - ela continuava a não me encarar.
- Eu estou bem! - eu berrei e a olhei.
- Ah claro, ficou três semanas entocada naquela merda de quarto, sem falar ou dar as cara e está bem. Faça-me o favor, - ela começou a elevar o tom de voz e estacionou o carro em frente a uma porteira.
- Você não fará isso comigo - eu supliquei e ela não me deu ouvido, apenas saiu do carro e abriu a porteira.
Fiquei parada, observando os movimentos de até ela entrar no carro e arrancar com ele em direção a entrada da casa. Ela parou o carro bruscamente e ficou me encarando.
- Eu não vou – murmurei.
- Eu irei te arrastar então - ela grunhiu.
- Espera aí. Você sempre foi contra tudo isso e agora está do lado dele - a olhei e apontei o dedo indicador.
- Eu já disse: ele me convenceu a isso. Você precisa entrar lá, agora - ela abaixou meu dedo com raiva.
- Para quê? Para ele me falar tudo o que já me falou? - eu falei alterada e ela me olhou furiosa - Pra falar que eu preciso viver mais? Esquecer ele, porque ele esta feliz com a outra? Não, muito obrigado - falei seca e tornei a olhar para frente.
- Não seja infantil, talvez assim você acorde para a vida - eu sentia que ela continuava a me olhar.
- Eu não vou - falei devagar e cruzei os braços sobre meu peito.
- Vai ser assim? - ela falou e eu concordei com a cabeça - Certo, vamos ficar aqui até você resolver descer e ir falar com ele - ela também tornou a olhar pra frente e pôs as mãos no volante.
Não sei quantos minutos exatos ficamos ali, apenas olhando o nada. Eu às vezes encarava a casa inquieta. Não havia movimento de pessoa lá dentro. Eu realmente não sei qual era o propósito daquilo tudo. sempre fora contra o que havia acontecido e como ele me deixara. E agora estávamos ali, diante da casa que me assombrara, onde eu tive poucas lembranças. Mas as melhores lembranças.
Eu me lembrei involuntariamente de quando fugimos para ali, ficamos exatamente uma semana escondidos, somente eu e ele. Eu cozinhava pra ele coisas que eu havia aprendido com a minha mãe e admito que nunca saía certo. E como estávamos no meio do nada não dava pra pedir comida, então comíamos alguns pães velhos com leite. Divertíamo-nos sóbrios. Ao anoitecer, dormíamos na mesma cama, apenas nos acariciando, eu olhava pro rosto dele, via aquele par de olhos escuro e profundo, e ele sussurrava para mim, que me amava além de tudo.
Por que ele dizia isso se no fundo não era verdade? Se a intenção dele era me iludir, parabéns, ele havia conseguido fazer isso. Eu dei um longo suspiro e abri a porta do carro. Eu iria falar agora umas verdades para ele, e dessa vez eu não iria ser fraca, a partir dali eu iria mudar a minha vida.
- Boa sorte - falou sobre mim, quando eu desci do carro e caminhei para a porta.
Eu não precisava de boa sorte, eu precisava de coragem. Porque a cada passo que eu dava ela fugia de mim me fazendo recuar. Hesitei ao abrir a porta e encontrar a casa escura. Olhei para trás e vi que não estava mais ali. Fechei e abri os olhos para saber se aquilo era um pesadelo, mas infelizmente não era. Caminhei lentamente até o centro da casa. Continuava silenciosa e escura, senti um arrepio passar por mim e cruzei os braços com frio.
- Pensei que não entraria - A voz dele ecoou, eu olhei para os lados e não encontrei ninguém.
- Será que dá pra parar com esse joguinho? - debochei e continuei a procurá-lo.
- Não é um joguinho - ele imitou minha voz.
- Então apareça – grunhi.
- Talvez você queira me procurar - ele soltou uma risada.
- Pare com isso, apareça - gritei em desespero.
- Calma, não tenha medo - ele continuou a rir.
- Por que você continua a fazer isso comigo? - murmurei e fechei os olhos.
- A fazer o que? - ele falou segurando o riso.
- Me torturar – murmurei.
- Talvez porque seja legal - ele voltou a rir.
- Isso não é justo - suspirei e voltou o silêncio - Cadê você? – choraminguei.
- Ache-me - a voz voltou a ecoar e sumiu de repente.
Olhei para o topo da escada e tornei a subir a cada degrau fazia um barulho ensurdecedor, eu tremia, eu sentia meu corpo gelar a cada passo que eu dava. Eu sentia que minha coragem estava se perdendo. Ao chegar ao topo da escada, eu olhei o corredor, e encontrei a luz de um quarto acessa. Caminhei até a luz e o encontrei sentado na cama de casal.
O quarto estava iluminado por velas, e ele abriu um sorriso ao me ver. O meu sorriso. Mas ele continuou sentado, apenas me analisando com aquele sorriso estampado na face. Eu apenas fiquei paralisada, não acreditando no que meus olhos viam.
- Me desculpe as velas, a caixa de energia com falta de uso não está funcionando - ele tentou se desculpar, mas para mim aquela cena era perfeita.
- É um sonho? - falei atordoada.
- Talvez, mas também é a hora da verdade.
Ele falou sério, mas depois senti diversão em seus olhos. Certo eu precisava de coragem.
- - disse. O nome ardeu em minha garganta ao sair. Pude sentir o fantasma do buraco esperando para se abrir de novo. - Temos que parar com isso, você não sente nem o terço do que eu senti sem você aqui. Eu tinha a sensação de que faltava algo, não tinha nada completo em mim. E quando você voltou só piorou as coisas. Você apareceu para termina de me destruir. E quando você disse que não havia voltado por mim eu percebi literalmente que não fui e não sou nada para você. Agora se você quer uma idiota pra você brincar na hora que quiser, desista. Porque eu estou desistindo de você agora. - Senti meus olhos arderem em lágrimas, eu não queria desistir dele, mas eu precisava.
- - ele sussurrou, a expressão era estranha, um jeito de louco - Você acha que estou sozinho com você neste local para poder dizer tudo que venho dizendo desde que nos encontramos?
- E não foi? - perguntei óbvia.
- , você acha que venho tentando me aproximar de você para quê? Eu necessito de sua presença. Eu já havia lhe falado isso há algum tempo.
- Eu não entendo. Você primeiro me larga nessa cidade, depois volta com uma conversa de sermos amigos novamente, ignorando totalmente meus sentimentos por você, e ainda por cima traz uma namorada - eu enumerava o tanto que eu queria falar. A coragem estava voltando, junto com a raiva.
- Eu minto muito bem, - ele se levantou e caminhou até a mim.
Ele me olhava, com o olhar mais franco e singelo. Fiquei paralisada, meus músculos se contraíram como se recebesse um impacto. O rasgo em meu peito se abriu. A raiva se transformou em dor e me tirou o fôlego.
- Eu minto muito bem e você acreditou em mim com muita rapidez - ele fez uma expressão de dor.
Eu continuei o olhando, tentando fazer minha respiração voltar ao normal, e tentei compreender o que ele falava.
- Estávamos nos acabando. As drogas estavam te consumindo como estavam a me consumir e o único modo de fazer parar era indo embora. Você sempre precisou de algo melhor do que eu. Foi por isso que quando me mudei eu criei uma barreira entre nós, e quando voltei, com a Ariela, percebi o erro que eu fiz, mas ao mesmo tempo era bom. Você não estava mais nas drogas, apenas não havia conseguido me superar.
Eu ainda estava sem fala, apenas abrindo e fechando a boca, tentando emitir algum som.
- Nunca imaginei que seria fácil você acreditar. Você havia ficado tão feliz em me ver novamente que pensei que teria que mentir por horas para pelo menos botar a dúvida em você. Eu menti, e lamento muito, porque eu realmente lhe queria de volta, mas seria um erro. E hoje tomei uma decisão. Não importa se seja errado ou não, mas quando você me beijou percebi que eu também precisava de você. Talvez não tanto o quanto você me queria, mas eu precisava de você comigo.
Ele continuou.
- Mas como pôde acreditar em mim? Depois de todas as vezes que falei que a amava e que passaríamos por cima de tudo e de todos, juntos? Como pôde deixar umas palavras anularem sua fé em mim?
Não consegui responder, estava chocada demais para pensar em algo racional.
- Pude ver em seus olhos que você havia acreditado em mim.
- Mas você estava com ela! Você a beijava - sussurrei sem acreditar.
- Sim! E foi um erro isso também. Mas eu precisava fazer com que minha mentira funcionasse. Assim você mudaria. E mudou, mas pra pior, e não era isso que eu queria. Eu pensei que você iria compreender que o melhor era sermos amigos, mesmo não sendo fácil para mim.
Eu continuei paralisada, as palavras dele eram incompreensíveis.
- Diga-me algo – ele suspirou.
E então eu comecei a chorar. As lágrimas já estavam acumuladas em meus olhos e jorravam de maneira lastimável pelo meu rosto.
- Eu sabia - falei entre soluços - É tudo um sonho.
- Você é impossível - ele riu - Como posso te fazer acreditar que está acordada? Você não está sonhando. E eu sempre te amei, eu te amo, e sempre amarei. Mesmo sabendo que não é certo. Como você acha que eu me sentia quando via o seu número no visor do meu celular? Ou quando via um e-mail seu e não podia abrir. O mais terrível é quando eu deitava na cama e se passava um filme em minha mente com tudo o que vivemos. Depois de um tempo você parou de ligar e de mandar e-mail, deduzi que havia me esquecido. Mas meus filmes continuavam a ter roteiro nos meus sonhos. Você era a protagonista.
Eu balancei a cabeça enquanto as lágrimas continuavam a escorrer em meu rosto.
- Não acredita em mim? - ele murmurou – Por que tem que acreditar na mentira e não na verdade?
Apenas coloquei as mãos nos ouvidos e olhei para baixo.
- Sonho, apenas um sonho - eu repetia nervosa, esperando de algum modo acordar, mesmo sabendo que já estava acordada.
- Você está acordada - ele segurou forte em meu rosto, fazendo-me olhá-lo - Irei provar.
- Não - sussurrei quando vi o modo que ele usaria.
- Por quê? - ele perguntou a centímetros do meu rosto.
- Quando você for embora de novo será mais difícil para mim de tirar essa marca que você tem sobre mim.
Ele se afastou.
- Será que está sendo difícil de entender? Eu não vou mais a lugar nenhum. Eu quero apenas você! Mas me diga se você ainda está disposta a passar por tudo e me aceitar de volta? - ele fez uma expressão de dor, e sua voz falhou.
- Que estupidez é essa? - rolei os olhos.
- Apenas responda. Você ainda me ama o suficiente? Mesmo depois de todos os meus erros e do que eu lhe fiz passar?
Eu repassei tudo em minha cabeça, tinha perdido um ano da minha vida por culpa dele, e agora ele estava ali, se redimindo de seus erros e me querendo de volta. Nem nos meus melhores sonhos eu conseguia ouvir isso tão nitidamente, era realmente um sonho.
- Por mais que eu tente você sabe que eu não consigo. Você é a prova viva disso tudo, e eu te amo mesmo depois de tudo. Você é pior do que qualquer droga que eu já tenha experimentado. Eu sou totalmente dependente de você.
- Obrigado, era tudo que eu precisava saber - ele sorriu.
E no mesmo instante os lábios dele estavam grudados nos meus, e eu lutava contra isso. Mas não consegui. Não por ele ser mais forte do que eu, mas porque meus lábios virarão pó ao se mexerem sobre o dele. Eu precisava aproveitar, se ele mentisse ou partisse de novo eu teria aproveitado aquela chance.
Então correspondi o beijo. Meu coração martelava de forma incontrolável, e eu tinha medo de que ele ouvisse as batidas inconvenientes. Minha respiração escapava ao sentir os dedos cobiçosos dele passear por meu rosto, tentando memorizar minhas expressões. Minhas mãos seguravam com força a camiseta dele, com medo de cair. E quando eu estava ficando tonta ele se soltou de mim, pousando a testa na minha.
- Afinal, não vou mais a lugar algum.
Ele falou falho com os olhos fechados. Mas eu não o respondi e ele continuou.
- Não vou mais a lugar algum, a não ser que seja com você. Eu apenas fui embora na esperança de poder fazer você ter uma vida normal e que se recuperasse dos vícios em que te meti. Estávamos jurados de morte, além de nossos pais não agüentarem mais. Eu queria você limpa das toxinas, e comigo por perto não conseguiria. Se eu soubesse que iria ser assim, nunca teria te deixado. Mas agora estou aqui, com você.
- Não me prometa nada – murmurei.
Se eu tentasse ter esperança e depois voltasse a ser o que era antes, me mataria.
- Acha que estou mentindo? - ele se afastou indignado.
- Não... Talvez não - tentei repassar algo em minha mente, pensar em algo certo para não cair na esperança. - Você pode até estar falando a verdade, mas e se amanhã você pensar que isso foi mais outro erro? Pensar no que lhe fez ir embora?
Ele vacilou.
Eu pensei nos dias antes dele me deixar, a frieza da sua voz e de suas expressões era natural de sentir, ele às vezes acordava assim. Mas naqueles dias estava sendo insuportável.
- Você vai ver agora que está sendo errado? - deduzi
- Sempre foi um erro nós dois juntos. Mas era legal sentir a adrenalina. Você e seu jeito... - ele pensou alto.
- Não brinque.
- Não estou brincando. Deveríamos encontrar companheiros que nos ajudassem. Não que nos piorassem. - ele falou radiante - Você pode tentar entender o que é para mim? - ele me olhou e eu esperei - Você é a pessoa mais louca e teimosa que já conheci. E a pessoa mais carinhosa também. Sempre melosa comigo e eu sempre tentando fugir disso. Mas éramos cúmplices, desde daquele primeiro dia que você veio falar comigo. Um casal problema pra falar a verdade. Mas não havia problema maior no mundo que você não superasse e não me fizesse superar também. Você, seu jeito de ser, de fazer e ver as coisas. - ele suspirou quando terminou de falar.
- Você encontrou a Ariela pra isso – grunhi.
- Não foi a mesma coisa. Sempre faltava o seu jeito espontâneo de ser. Com ela, eu era apenas o , e com você... Eu era outra pessoa além do que eu sou. Parecia que eu tinha deixado o verdadeiro com você. - ele me olhou sincero.
- Engraçado.
- Engraçado? - ele mudou sua expressão para curioso.
- Estranho - eu parei para pensar - Às vezes eu não conseguia respirar e faltavam partes de mim - eu enchi os pulmões de ar e depois o soltei - Meu coração então? Só existia uma ferida aberta. – murmurei.
Ele pegou em minha mão e me encaminhou até a cama, nos deitamos em silêncio - um do lado do outro - e ele colocou o ouvido em meu coração. Depositei uma de minhas mãos em seu cabelo, apenas sentindo meu coração palpitar e ele ouvir. Ficamos por um bom tempo assim, até ele quebrar o silêncio.
- Tem certeza que faltava seu coração? - ele ergueu a cabeça para me encarar.
- A ferida está sendo curada - fechei os olhos e sorri pela primeira vez para ele - E você está se sentindo verdadeiro, ? - falar o nome dele fez dar uma pontada em meu peito.
- Depois de ver o seu sorriso eu virei o verdadeiro - ele acariciou meu rosto e eu abri os olhos.
- Por que você tem que ser assim? - franzi o cenho.
- Assim como? - ele parou a caricia e me encarou divertido.
- Perfeito - murmurei corando.
- Não sou perfeito - ele me olhava.
- Verdade, você é um idiota, estúpido, canalha... - fui enumerando até ele ergue o dedo indicador.
- Eu sei que sou tudo isso, não precisa lembrar - ele se fez de inofensivo.
- Você é só isso porque me fez esperar.
- Mas não valeu a pena esperar? - Ele sorriu e eu ri irônica.
- A claro, uma espera um tanto dolorosa.
- Espere - ele se sentou rapidamente na cama - Vamos continuar com nossas promessas?
- Quais delas? - cruzei os braços e o olhei.
- Ficaremos longe do perigo, do tráfico, da bebida, das toxinas? E o principal, você tentará ficar um pouco distante de mim? - ele fez uma cara sacana, querendo me testar.
Eu sei que deveria ficar longe disso tudo, e como eu ficaria menos distante dele? Logo agora que ele me queria de volta eu iria deixá-lo escapar assim? Eu deveria, mas meu coração precisava de retalhos e remédio.
era meu remédio.
O olhei pensativa, e vi sua expressão vacilar.
- Me diga o que está pensando - ele falhou na voz.
- Bem, eu posso ficar longe disso tudo, se eu passei o ano todo...
- Tudo? - ele me olhou. Um olhar indecifrável, mas demonstrava medo. Bem, eu queria pensar dessa forma.
- Tudo, menos as toxinas - eu sorri e ele fez careta - você sabe que estou brincando, eu não conseguiria me afastar de você, logo agora. - me sentei à frente dele - Eu não consigo viver sem você e você sabe muito bem disso. E eu estou sendo fraca em te aceitar novamente em minha vida, mas você simplesmente não sai dela. E sempre serei fraca em relação a você.
- Pensei desse modo - ele soltou uma risada e eu o empurrei, acompanhando-o no riso.
- Mas você me quer realmente de volta? - falei rápido e corando.
- Sim, quantas vezes terei de repetir isso? - ele parou de rir e sorriu singelo.
- Até que eu possa acreditar que não estou dormindo ou que isso é uma pegadinha - o puxei pela camiseta pra perto de mim e sorri.
- Ficarei uma vida inteira te convencendo, mas ficarei. - ele passou o nariz no meu.
- Tem certeza? Olha que você pode estar fazendo uma péssima escolha - eu continuei com meu sorriso e beijei os lábios devagar, dando um pequeno sorriso.
- Arriscaremos - ele sorriu e beijou o topo da minha testa.
Sorriamos como a primeira vez que nos conhecemos, quando começou a nossa história. O sorriso mais puro e lindo do mundo, onde demonstrávamos amor e companheirismo, o sorriso que vinha do fundo de minha alma, e o sorriso dele que eu não conseguiria esquecer jamais. Eu o amava, e não precisava provar isso para ninguém. Seriamos agora só eu e ele. Eu e ele novamente.
The End
N/A: OMG, minha primeira fanfic no site \oo/ e foi um dilema pra isso acontecer. Certo, eu sei que essa fanfic é um drama mode, mas eu estava tão inspirada na época que foi tudo fluindo.
Agradeço ao Mcfly em primeiro lugar, porque sem eles essa fanfic não tinha ido pra frente, principalmente sem a música Down Goes Another One! Uma grande fonte de inspiração. Agradeço também ao Kylle por ter me abandonado e ter feito eu escrever essa história que foi literalmente baseada nele.
Tenho que agradecer também ao Otávio, pois ele que fez uma parte do final e me mataria senão estivesse aqui.
E por fim, espero que vocês tenham gostado, e não se esqueçam de comentar. ^^
N.b: Oi, Fany! Meus parabéns pela fic. Você é uma ótima escritora e a sua estória (apesar de um pouco tristinha no início) é bem viciante. ;D
P.s: Qualquer erro encontrado na fic entre em contato: caahdarc@gmail.com