- Charles, eu realmente acho que você perdeu o juízo – falei, tentando controlar meu nervosismo, passando a mão pelo meu cabelo e tirando-o do rosto. – Por que você não vai pra casa, pensa com calma e a gente conversa amanhã?
- É, ir pra casa é realmente uma boa ideia – Charles concordou comigo, mas não usando o tom de voz mais macio que eu estava esperando que ele usasse. – Até porque eu tenho que começar a fazer minhas malas desde já, se pretendo mesmo viajar na sexta-feira.
- Para com isso, Charles – ri sarcasticamente –, nós dois sabemos que você vai tirar essa idéia retardada de ir morar com seus pais a essa altura do campeonato da cabeça assim que deitá-la em seu travesseiro com meu cheiro.
- , encara a realidade – ele segurou forte em meus dois braços, meio que me sacudindo – eu estou indo embora. Acabou, é o fim. – Charles dizia calmamente, como se eu fosse uma criança teimosa não querendo ouvir uma bronca. Ultimamente ele vinha me tratando como uma criança teimosa. – Esse último ano com você foi realmente inesquecível, mas acabou, ok? Eu preciso respirar um ar novo, com pessoas diferentes e interessantes, e não tem melhor época do que agora que eu acabei o colégio, não acha?
- Mas, Charles – disse manhosa, tentando contrapor novamente, mas ele me interrompeu.
- Não tem "mas". Isso vai ser bom para nós dois e você vai me agradecer um dia.
E então ele se inclinou em minha direção e depositou um beijo curto em minha testa. Rápido e sem sentimento, fazendo questão de demonstrar que dali em diante me trataria como a adolescente de 16 anos que eu era.
Fechei a porta da sala e encostei-me de costas na mesma. Não ia chorar, pelo amor de Deus! Exatamente por causa da maturidade do nosso relacionamento que ele tinha sido tão duradouro, e também por esse motivo que nossa briga mais séria tinha sido bastante racional, na minha opinião. E daí que Charles tivesse tido uma crise? Crises são absolutamente normais. Não que nós já tivéssemos tido uma antes, mas eu já ouvi muito sobre crises. Chloe, minha melhor amiga namoradeira, já passou por várias crises com seus vários namorados. E por isso posso dizer que tenho experiência no assunto, e sei perfeitamente bem que crises passam.
Meu namorado chegaria em seu apartamento solitário, tomaria um banho, comeria um sanduíche previamente preparado - como era de praxe -, vestiria seu pijama que eu lhe dera de aniversário de um ano de namoro mês passado, deitaria sua cabeça no travesseiro fofo com o cheiro do meu xampu, pensaria racionalmente em tudo que já passamos e então me ligaria no meio da noite para dizer que pensar em me largar fora a maior besteira que ele já fizera na vida, e que ele me amava muito. Assim nós trocaríamos juras de amor e dormiríamos com o telefone ligado, a fim de ouvirmos a respiração calma e sóbria um do outro.
- Tá tudo bem com você, minha filha? – Minha mãe passou por mim carregando uma pilha de lençóis limpos e cheirosos. – Parece que ouvi algumas alterações de vozes vindo daqui. Você e Charles brigaram ou algo assim?
- Não, mamãe – sorri para ela –, está tudo perfeitamente bem, como sempre – disse, certa de que estava tudo bem.
Subi para meu quarto e tive sonhos muito agradáveis naquela noite, dos quais me lembro um pouco e sei que tinham a ver com um casamento feliz e uma família estável que eu construiria com Charles num futuro breve, assim como meus pais haviam feito. Tudo sobre controle.
PARTE I
Capítulo 01
's P.O.V.
Primeiro dia de aula? Minha animação usual para ir andando para a escola fora reduzida a exatamente nenhuma. Eu andava lentamente, quase me arrastando. Minha única motivação para ainda estar andando era a vontade de ver o bronzeado da Ashlee depois das férias do Caribe e a nova tatuagem do .
- Rose Corwell. - Acenei com a cabeça para Rose, a loira sem graça do segundo ano. Tinha a impressão de que ela me temia e me idolatrava ao mesmo tempo. Como a maioria das pessoas daquele colégio. - Como passou suas férias? - perguntei educadamente. Eu gostava de ser educado com as pessoas, não me pergunte o porquê. Dá prazer ver as carinhas intrigadas que elas fazem quando você, um ser aparentemente tão distante, se dirige a elas, chamando-a pelo nome e tudo.
- Por que todo mundo sempre pergunta as mesmas coisas no primeiro dia de aula? - Rose rebateu a pergunta com sua vozinha fina e irritante. Afastei minha cabeça um pouco. Mas que porra, por que ela tinha que falar tão alto? Será que ninguém naquela escola percebia que algumas pessoas têm dor de cabeça pela manhã? - Não tem nada mais interessante para me perguntar não, ?
- Na verdade, não, desculpe. - Tratei logo de despachá-la quando avistei parado perto de uma árvore mais adiante. - A gente se vê por aí, Corwell. - Passei bem perto de Rose, esbarrando casualmente meu ombro no dela e segui até .
- Doeu tanto assim? - perguntei assim que cheguei perto de , ignorando a garota que conversava com ele e jogando minha mochila entre os dois.
- Que nada, foi moleza - ele respondeu abanando as mãos. Com certeza querendo bancar o machão perto da novata. Sim, a garota com quem ele estava conversando só podia ser uma novata, caso contrário eu sabia seu nome, sobrenome e ficha completa de caras com quem ela já ficou. Eu simplesmente sei de todas elas. Ou pelo menos de todas que me interessam.
Levantei a blusa de manga comprida de e observei a tatuagem com os números 33/18 gravado no braço, bem pequeno.
- Nem parece aquele mesmo que ficou resmungando no meu ouvido mês passado pela dor que ia sentir - comentei rindo, abaixando a blusa dele em seguida.
Virei-me para encarar a novata pela primeira vez, lançando um sorrisinho para ela, que sorriu de volta.
- O que significam esses números? - ela perguntou.
- O número de garotas que ele já traçou, e a idade dele - respondi por , dando de ombros pela insignificância dos números. - Ano que vem ele pretende fazer outra. 65/19.
- Uau - foi o que a novata disse, encarando a com uma sobrancelha arqueada.
Eu ri satisfeito por ter acabado com as chances de de pegar mais aquela. Não me levem a mal, eu normalmente não fico atrasando a vida de meus amigos, é só que eu tinha apostado com que ele que nunca chegaria aos 65 até os 19 anos.
- Vejo você na segunda aula, cara. - Peguei minha mochila e coloquei atrás de um ombro, acenando com a cabeça e seguindo para os fundos da escola.
Primeira aula de Química? Fundos da escola, de certo. Normalmente me acompanhava, mas eu sabia que ele ia querer exibir sua tatuagem para todos e ouvir as especulações que fariam sobre o que significavam os números. Estúpidos.
Taquei minha mochila no chão e sentei com as costas encostadas na parede 'do fundão', como era conhecida a área que eu matava as primeiras aulas praticamente todo dia desde que entrei na Conrad Academy.
Procurei imediatamente um cigarro no bolso e achei um único jogado lá dentro, meio molhado. Demorei pra conseguir acender a porcaria, e quando consegui dei umas boas tragadas. Há tempos eu vinha querendo trazer coisas mais pesadas para as minhas aulas solitárias no fundão, mas não queria me meter em confusão de novo com a diretora. Não que tivesse medo ou algo do tipo, só não via um motivo exato pra causar um impacto naquela escola; ainda.
Depois de um tempo, deitei no chão com a cabeça encostada na minha mochila e fiquei observando os nomes e as frases escritas com liquid-paper na parede. Achei meu nome escrito três vezes, nenhuma delas por mim. Embaixo de cada um deles vinha acompanhado um adjetivo, bom ou não, depende do seu ponto de vista. Maconheiro, gostoso e revoltadinho. Revoltadinho, no diminutivo e tudo. E, por incrível que pareça, o mais coerente de todos era o revoltadinho.
Maconheiro? Ninguém nunca havia me visto fumar mais do que cigarros. Eu sempre tive prazer em esconder meus vícios mais profundos.
E gostoso? Quem sou eu pra me rotular de gostoso, certo?
Ri comigo mesmo e acabei pegando no sono depois de algum tempo.
Não era a intenção, mas acabei dormindo durante as três primeiras aulas e acordei com vozes ao longe, se aproximando vagarosamente de mim.
- Que houve com você? - perguntou com seu descaso habitual. - Noite difícil?
Respondi confirmando com a cabeça e ele apenas riu, dando um chute fraco na minha perna.
- Levanta daí, ninguém vai ficar aqui atrás hoje. Primeiro dia de aula as pessoas gostam de se gabar pelos feitos das férias.
Encarei-o seriamente.
- Você soa como uma adolescente fofoqueira.
- Eu sei, mas quem se importa? Cassy ainda não viu minha tatuagem! Acho que vou dizer pra ela que fiz na bunda, quem sabe assim ela não me segue até o banheiro? - ele perguntou pra si mesmo, sorrindo pateticamente.
podia ser bem infantil e irritante quando queria, mas eu gostava dele desse jeito mesmo. Podia dizer que era meu único amigo, ou o único que eu realmente aturava sem esforço ou interesse.
Continuei deitado o intervalo inteiro no fundão, e realmente pouquíssimas pessoas passaram ali por trás. Um garoto metido a riquinho, Nicholas, se não me engano, passou perto demais e fungando profundamente demais. Provavelmente estava querendo confirmar se o boato de que eu estava vendendo maconha era verdadeiro, para então poder comprar uma.
Depois fui para a sala de aula assistir as últimas, afinal, eu tinha que dar as boas novas de que eu estava vivo e inteiro ainda, por sinal.
O sinal tocou e eu me arrastei lentamente até o portão da escola, ouvindo e Travis tagarelarem sobre o que iam fazer à tarde.
- Porra, ! - um deles berrou. Olhei para o lado calmamente. - Responde, cara! Vai fazer o que hoje pra comemorar?
- O que diabos eu tenho pra comemorar? - perguntei rindo cinicamente.
- O começo do último ano, cacete! - estendeu o braço pra dar um tapa na minha cabeça, mas eu lhe lancei um olhar antes disso e ele parou no meio do caminho. - A não ser que você ache que esse último ano não merece comemoração afinal de contas...
- Na verdade, pretendo comemorar o ano inteiro - observei.
- Muito bem colocado - admitiu Travis -, mas mesmo assim ainda acho que merecemos uma comemoração hoje, então vamos arrumar alguma casa disponível pra invadir e ponto final. - Ele saiu de perto, indo em direção a um grupinho fútil que se formava aos poucos no mesmo local e no mesmo horário todo dia desde que eu me lembro de estudar nesse mesmo colégio imbecil.
- Vou ver com ele, me espera aí. - acenou e foi atrás de Travis. Continuei andando calmamente. Nada me faria correr nessa vida, esse era meu lema.
Segui para perto de e Travis, acendendo outro cigarro que achara jogado em outro bolso qualquer. Eu nunca deixava meus cigarros dentro do maço, assim evitava que ficassem me pedindo um a cada segundo.
- Para, ! - Cassy berrava com sua vozinha fina demais. Estava me enjoando, embora ela quisesse soar sexy e preservada colocando a mão na frente da boca. - Já disse que não quero ver sua tatuagem!
- Sério, Kevin? - Travis estava em cima de Kevin como um abutre, pressionando-o para liberar sua casa à noite. - Mas você não me disse uma vez que às segundas-feiras sua mãe ia fazer uma massagem sei lá onde e só voltava no dia seguinte mais grogue do que o normal?
Travis tinha a capacidade de absorver tudo que os outros falavam quando estavam de porre, mesmo que ele tivesse também, e depois usar essas informações pra conseguir coisas dos outros. Esse era um bom talento, nos era muito útil.
- Posso? - ouvi Andy sussurrar, colocando dois dedos em volta do meu cigarro, mas sem segurá-lo. Observei-a pelo canto do olho, sorvendo o máximo possível de nicotina. - Posso? - ela perguntou de novo, mais urgente, apertando o cigarro entre seus dedos.
Normalmente eu soltaria o cigarro facilmente e pegaria outro pra mim, já que esse estava acabando mesmo. Mas Andy era uma das poucas pessoas que falava comigo e mantinha seus olhos sempre fixos nos meus, e isso me intrigava bastante. Eu queria ver até onde iria aquela ousadia.
- Tenho outro no bolso, espera. - Segurei com força o cigarro entre meus lábios e enfiei as duas mãos nos bolsos do casaco, procurando mais um qualquer jogado. Achei um último no bolso esquerdo e estendi para ela.
- Nunca te disseram que cigarro dividido é muito mais saboroso do que um inteiro? - ela perguntou num fio de voz, aproximando-se de mim e colocando as mãos em meu ombro direito. - Principalmente o gostinho de 'quero mais' que fica no fim...
Ela não precisou dizer mais nada. Estendi o cigarro que sobrara para , que mesmo estando compenetrado em Cassy, aceitou prontamente. Andy entendeu o que eu quis dizer e sem pensar duas vezes roubou o cigarro parado em meus lábios.
Observei os movimentos que ela fez com os lábios para sugar a nicotina até o fim, depois como ela jogou-o no chão e pisou em cima, sem fazer com que isso parecesse forçado ou um ato vulgar, feito só para impressionar. Esperei um tempo encarando-a, para ver até quando ela aguentaria sem soltar a fumaça. Mas ela não soltou.
- Você acabou com meu último - disse eu, por fim, com um meio sorriso, apertando sua cintura com minha mão que já estava ali há tempo sem que ela nem percebesse.
- Eu não disse que o gostinho de 'quero mais' era a melhor sensação? - Enquanto ela falava, soltava vestígios de fumaça de sua boca. - Mas melhor ainda é o jeito de acabar com isso. - Dito isso, ela passou os dois braços por meus ombros, pendurando-se em meu pescoço e encostando sua testa na minha.
Ela ficou me olhando com a testa colada na minha, um olhar provocante, mordendo seu lábio inferior. Abaixei meu olhar e a analisei. Ela era gostosa de fato, desejada por muitos e me intrigava como já disse. O que tinha a perder?
Comecei a beijá-la devagar. Instigando, seduzindo. Com a ponta da língua, eu tocava a linha dos lábios carnudos dela, e dava beijos suaves no canto da boca. Puxei-a mais para perto, apertando a sua cintura e intensificando o beijo. Coloquei a língua em sua boca.
As mãos dela escorregaram até a parte da frente da minha jaqueta, ela agarrou os dois lados do zíper aberto com os punhos, o que me deixou mais animado, então a apertei contra o portão.
Como ela estava rendida, minhas mãos começaram a passear pelo corpo dela, uma apertava a cintura, enquanto a outra descia pelas costa até chegar em sua bunda, e assim pude puxá-la para mais perto, fazendo com que ela sentisse o quanto eu estava gostando daquilo.
O beijo começou a ficar cada ver mais intenso e uma das minhas mãos passeava cada vez mais explorando diversos lugares; enquanto uma apertava a bunda dela para que seu corpo ficasse o máximo colado no meu, a outra subia por sua barriga, por dentro de sua camiseta. Ela soltou um suspiro alto e mordeu o meu lábio inferior.
- Que foi? - perguntei com os lábios ainda colados ao dela. - O gostinho de quero mais está demais para você?
- Não mesmo - ela respondeu voltando a me beijar.
Comecei a ouvir os comentários do e Travis, coisas como "Arrumem um quarto!" e parei o beijo, soltando-a com tudo.
- Acho que te vejo mais tarde na festinha que seus amigos vão dar, certo?
- É, pode ser que sim - fui vago. Nunca confirme nada com mulheres, a não ser que você as queira reclamando pela falta de compromisso ao invés de lhe dando prazer. - Se é que essa festa vai de fato acontecer.
- Está duvidando da minha capacidade de produzir uma festa de última hora, ? - Travis arqueou uma sobrancelha, me desafiando.
- Só um pouquinho.
- Pois então olhe e aprenda com o mestre. - Dito isso, ele expulsou algumas meninas sentadas na mureta e subiu em cima da mesma. - Um minuto de atenção geral aqui, por favor - começou. De inicio foi ignorado pela maioria, e teve que berrar algumas vezes sem sucesso, até que alguém teve a brilhante idéia de gritar algo como "presta atenção que ele tem bagulho", e então o silêncio foi geral. Alguns perplexos e outros querendo saber onde ele escondia o 'bagulho'.
- Vamos ter uma festa hoje pra comemorar o início do ano letivo - finalmente Travis começou seu discurso.
- Comemorar? Pra quê vamos comemorar o início da nossa escravidão? - alguém que estava por perto perguntou. Os burburinhos começaram de novo.
- Exatamente porque esse é o nosso último ano de escravidão! - ele respondeu, empolgado, recebendo gritos de comemoração. - Então a festa vai ocorrer em lugar que será surpresa, sendo assim, estejam do outro lado da nossa pracinha por volta das dez e meia. Não se atrasem, ou então vão ficar sem saber o local da festa! - Mais gritos e demonstrações de empolgação. - Só não se esqueçam que amanhã teremos aulas, então nada de bebida, ou qualquer tipo de... - Travis começou com sua típica imitação da Diretora e seus discursos, arrancando risos de quem ainda prestava atenção.
- Parece que ele se saiu bem nessa, - Andy observou, passando o braço pela minha cintura e colando seu corpo de lado com o meu.
- Ele fez o que qualquer idiota faz, quero ver agora arrumar um lugar pra isso.
- Que isso, ! - deu um tapa em meu ombro. - Logo você subestimando Travis? Achei que já tivesse se acostumado com os poderes de persuasão do nosso colega...
Capítulo 02
's P.O.V.
Confesso que demorou um tempo para que eu me acostumasse com a realidade. Mais tempo do que eu achei que fosse necessário, mais tempo que eu calculava que demoraria para juntar os pedaços do meu coração quando ele fosse quebrado.
Não que eu sequer pensasse que ele seria quebrado depois do último ano, que fora o mais maravilhoso da minha vida, ao lado de Charles Mignac.
No dia seguinte a nossa primeira briga séria, a desculpa que eu inventei para mim mesma a fim de justificar a falta da ligação de Charles arrependido foi de que ele estava com vergonha de admitir que agira por impulso e sem pensar pela primeira vez comigo. Devo dizer que essa foi a melhor desculpa que consegui pensar, e a que durou por mais tempo me enganando também.
Depois de uma semana, eu percebi que deveria ligar para ele, só para checar se ele ainda estava vivo, ou pelo menos ainda morando no mesmo lugar, mas eu não admitiria para mim mesma que essa dúvida pairava em minha mente.
Três dias de tentativas incansáveis para falar com Charles e finalmente eu decidi que estava na hora de ir até o apartamento dele para tirá-lo da fossa, mostrando como eu era uma pessoa compreensível e que o já o tinha perdoado.
E foi então que minha mente finalmente teve que aceitar aquilo que meu coração já sabia há tempo: Charles havia mesmo se mudado, sem ao menos me dar adeus. Ou ele achava que aquele beijo miserável na testa era um adeus adequado para um namoro de longa data?
Porque, sinceramente, se essa fosse sua resposta quando eu conseguisse falar com ele, eu não conseguiria controlar meus instintos e seria, pela primeira vez, uma namorada histérica.
Mas eu não consegui falar com ele, porque provavelmente ele tinha se desfeito do celular antigo e de todas as formas de contato que poderíamos ter numa tentativa de me esquecer devidamente, como eu deveria ter feito.
E não havia conseguido nem após um mês de nosso rompimento.
E era por isso que eu me arrastava para a escola, naquele primeiro dia de aula, como se estivesse indo ao funeral de minha mãe ou algo do tipo.
Pela primeira vez, eu não estava caminhando feliz para chegar à escola, porque eu sabia que não encontraria meu namorado lá, visto que eu nem mais tinha um namorado, e minha melhor amiga Chloe também não estaria lá, pois eu havia passado pela casa dela e estava tudo fechado, indicando que ela ainda estava em Paris com sua família na viagem que eles faziam todo ano, sem exceção, para visitar os parentes por lá.
Pela primeira vez, eu não tinha acordado uma hora mais cedo que o normal para poder passar horas escolhendo a melhor roupa, para me arrumar devidamente e me maquilar também.
Pela primeira vez, eu não tomara um café super nutritivo, ouvindo a conversa de meus pais sobre a queda das ações de tal empresa, ou a doença que era a compulsão por compras.
Pela primeira vez, desde que eu me conheço por gente, eu acordara em cima da hora, me sentindo mais cansada do que nunca, vestira uma roupa qualquer do meu guarda-roupa, que consistia em uma calça jeans com um rasgo no joelho, que na verdade era da minha prima e ela tinha esquecido na minha casa no último Natal, uma blusa preta de manga comprida, que eu nunca havia sequer experimentado antes, um tênis Puma surrado, que eu encontrara jogado debaixo da cama, e cabelos soltos mal penteados, caindo descuidadosamente por meus ombros. Definitivamente, minhas pontas precisavam ver uma tesoura, mas quem se importava?
Conrad Academy sem Chloe e sem Charles era definitivamente uma merda. Não uma merda qualquer, uma merda digna de um palavrão que eu não ousaria pronunciar perto dos meus pais. Ou perto de qualquer pessoa, na verdade.
A falta de uma companhia para andar até a escola era um dos meus menores problemas, e eu só percebi isso quando cheguei lá. Com quem eu ia falar quando chegasse? Pra quem eu daria bom dia, além da inspetora do corredor? Ao lado de quem eu me sentaria? Quem trocaria bilhetes no meio das aulas chatas comigo? Em quem eu me jogaria em cima, abraçaria e beijaria durante o intervalo? O pescoço de quem eu cheiraria sem parar quando nos encontrássemos nos corredores?
E essa não era nem uma parte do que eu sentiria falta sem Charles e Chloe por perto. Pelo menos até o fim da semana eu teria minha melhor amiga de volta e uma parte - mesmo que bem pequena - do problema se resolveria.
- Vejamos se não é andando sozinha no primeiro dia de aula... - Rose Corwell passou por mim, comentando maliciosamente. Rose era o tipo de pessoa que eu mais abominava na minha escola, e o pior: ela era o tipo mais comum da mesma. - O que aconteceu com seu fiel namorado e sua amiguinha inseparável?
Rose Corwell e seu sarcasmo nojento com certeza não serviriam para substituir a falta que eu sentia das coisas que amava na escola. Ela sempre sentira inveja de mim porque eu, mesmo no primeiro ano do Ensino Médio, namorava com Charles, que na época estava no seu último ano.
- Não enche, Rose. - Passei direto por ela, seguindo para a sala de aula, onde me sentei em um canto qualquer, de onde eu pudesse prestar atenção às aulas sem estar na mira das fofoqueiras de plantão, ficando assim invisível.
Passei o intervalo na biblioteca, comendo minha maçã e evitando ao máximo refletir sobre o momento que estava passando. Como o tempo não passava de jeito nenhum, enjoei de ler e reler todos os avisos nas paredes da biblioteca e passei a apagar as fotos no meu celular que estavam com Charles. Por fim, descobri que apagar as fotos não era tão difícil assim como eu imaginei que fosse... Eu vinha evitando essa tarefa há dias, por isso nem encostava no meu celular e passei longe do meu computador com aquele plano de fundo apaixonado. Eu apaguei cada foto mecanicamente, sem prestar muita atenção ao que estava fazendo, evitando relembrar os momentos. E assim consegui terminar o trabalho sem derramar uma lágrima sequer! Estava orgulhosa de mim e sabia que poderia ligar o computador e fazer o mesmo com ele assim que chegasse em casa. Só não consegui abrir a caixa de mensagens, pois sabia que ler os textos que trocávamos pela madrugada não ia me fazer nada bem. Eu era forte, mas ainda assim tinha um coração, ok?
Estava encarando o celular em mãos, sem pensar em exatamente nada, quando levei um susto: o aparelho estava tocando com uma música totalmente escandalosa, e num volume ensurdecedor.
- Chloe, graças a Deus você me ligou! - atendi aliviada, não contendo o tom de voz elevado.
- , por favor. - A bibliotecária me encarou com seus olhos fuziladores. Ignorei-a, voltando minha atenção para Chloe.
- Por que diabos você não me ligou a semana inteira? Não recebeu meus milhões de recados e mensagens avisando sobre Charles?
- É claro que recebi, só não pude te ligar porque... - Ela deixou a frase morrer.
- Por quê? - insisti. Chloe vinha me ignorando no que eu julgava ser o momento mais difícil da minha vida até então e eu tinha o direito de saber qual era o motivo, e era bom que ele fosse um motivo e tanto! Mesmo que eu não conseguisse ficar com raiva dela e só quisesse que ela estivesse ali comigo pra eu chorar no seu colo.
- Bem, as coisas estão meio complicadas por aqui, . - Ela suspirou pesadamente. - Você sabe que a minha avó não anda muito bem, e... Sei lá, está todo mundo pirando!
- Você sabe que pode me contar o que tá acontecendo, amiga - maneei o tom de voz. Não queria que Chloe se sentisse reprimida a falar de seus sentimentos comigo só porque minha vida pessoal estava uma merda.
- É, eu sei. Mas não posso falar nada exatamente agora porque estão me tratando feito uma criança! - Chloe começou a gritar no telefone. - Eu sei que nada está bem, que eles estão tramando várias coisas, mas tudo o que me respondem quando eu pergunto é que estão cuidado de tudo, e daí me mandam pro quarto pra cuidar de crianças! - Ela bufou de raiva.
- Chloe, relaxa! Às vezes é melhor pra você não saber de nada agora... Afinal, pra que se estressar com isso se já estão mesmo resolvendo as coisas?
- Olha, vou ter que desligar. Eles chegaram.
E então ela desligou e eu voltei pra minha realidade nua e crua, vivendo lentamente cada hora dolorida do meu dia sem amigos e namorado e sem previsão de até quando esse inferno duraria.
- Um minuto de atenção geral aqui, por favor - ouvi uma voz se destacando em meio àquela bagunça de gritos que sempre ficava na entrada do colégio. Não prestei atenção, apenas continuei tentando sair daquele mar de gente o mais rápido possível.
- Vamos ter uma festa hoje pra comemorar o início do ano letivo. - As pessoas pararam de falar para ouvir o que o idiota em cima da mureta estava falando.
- Comemorar? Pra quê vamos comemorar o início da nossa escravidão? - uma pessoa muito esperta verbalizou meus pensamentos.
- Exatamente porque esse é o nosso último ano de escravidão! - ele respondeu, empolgado, recebendo gritos de comemoração. - Então a festa vai ocorrer em lugar que será surpresa, sendo assim, estejam do outro lado da nossa pracinha por volta das dez e meia. Não se atrasem, ou então vão ficar sem saber o local da festa! - Mais gritos e demonstrações de empolgação. - Só não se esqueçam que amanhã teremos aulas, então nada de bebida, ou qualquer tipo de... - O discurso continuou, mas finalmente eu havia conseguido sair dos arredores da escola.
Uma festa no primeiro dia de aula? Às vezes eu me pergunto o que essas pessoas têm dentro da cabeça... Em plena segunda-feira eles querem se reunir para dançar, fumar e encher a cara, não necessariamente nessa ordem. Totalmente descompromissados com o amanhã, sem responsabilidade nenhuma e sem preocupação com os problemas. Se bem que não se preocupar com problemas da vida não era exatamente má coisa. Ultimamente eu vinha buscando de todas as maneiras me distrair com alguma coisa para esquecer os problemas, e os momentos em que eu conseguia isso eram os mais calmos e agradáveis.
Eu já estava entrando em casa e deixando minha mochila pendurada ao lado da porta no hall quando essa idéia me ocorreu: e se eu fosse a essa tal festa de boas vindas? Sério, não custava nada tentar agir inconsequentemente pelo menos uma vez na vida se fosse por uma boa causa. E eu tinha que concordar comigo mesma que esquecer Charles era realmente uma ótima causa. E o fato da festa ser planejada por alunos mais velhos não me intimidaria, visto que lidar com diferença de idade nunca fora um problema pra mim.
- ! - Minha mãe passou por mim saindo da cozinha carregando uma travessa de macarrão para a sala de jantar. - Chegou cedo hoje!
- Na verdade, minhas aulas acabam sempre essa hora, mãe - respondi mau humorada. Antigamente eu chegava mais tarde porque vinha andando lentamente com Charles, parava em algum lugar para comer alguma coisa e depois ficávamos nos beijando na esquina de casa até não aguentarmos mais ouvir reprovações vindas das pessoas que passavam por nós.
- Mãe, o que você acha deu ir a uma festa hoje? - perguntei como quem não quer nada, seguindo-a de volta para a cozinha. - Tipo, com o pessoal da escola...
- Festa na segunda-feira, ? - Ela me olhou de uma forma estranha, como se não estivesse me reconhecendo. Peguei os pratos no armário e segui para colocá-los na mesa.
- É... Pra comemorar o, hm, você sabe, início do ano letivo... - engasguei um pouco com as palavras. Já tinha tomado minha decisão: se eu convencesse minha mãe de que tinha de ir à festa, eu iria.
- E vocês têm aula amanhã?
- Temos, mas... Não pretendo chegar muito tarde. Duas e meia, por aí.
Eu sabia que não estava ajudando, e sabia que seria difícil convencê-la a me deixar ir. Mas eu precisava de uma prova de que eu deveria ir, e que prova mais concreta seria se ela deixasse tranquilamente?
- Duas horas, está bem? E eu te pego na porta.
- O quê? - guinchei. Ela estava mesmo permitindo isso? - Você vai me buscar às duas horas da manhã numa festa em plena segunda-feira?
- Sim. - Ela me olhou tranquila, colocando uma mão delicadamente no meu queixo. - Você anda precisando de uma distração, . Nada melhor que uma festa com amigos, não acha?
Sorri agradecida; aquela era a confirmação que eu precisava. Pracinha dos alunos delinquentes da Conrad Academy, às dez e meia da noite? Lá estaria eu.
Capítulo 03
's P.O.V.
Havia acabado de sair do banho quando a campainha tocou.
- Julian, vai atender essa porra! - gritei do andar de cima. Julian estava assistindo um desenho animado irritante desde que chegara da escola, como fazia todos os dias de sua vidinha medíocre de criança com nove anos de idade.
- Ahhhh, não vou não! - ele berrou de volta, aumentando o volume da TV. Não tive escolha se não descer as escadas e ir atender a porta infernal enrolado com a toalha na cintura.
- Que você quer, ? - perguntei mal humorado, abrindo a porta.
- Te buscar! - Ele entrou fechando a porta atrás de si. - Nós vamos ajudar o Travis com algumas coisas pra festa de hoje, por que você ainda não tá pronto afinal de contas?
- Talvez porque eu não esteja com muita vontade de ir. - Dei de ombros, subindo as escadas. Ouvi subindo atrás de mim. - Você sabe que eu tenho que cuidar do Julian também.
- Leva a peste com você, a gente dá alguma coisa pra ele e ele vai dormir a festa inteira! - Ele se jogou na minha cama enquanto eu trocava de roupa.
- Acho que vou ligar pra uma babá, ou algo assim. - Dei de ombros, analisando com calma o guarda roupa. Gostava de escolher minhas roupas, por mais gay que isso possa soar, minha mãe me ensinara perfeitamente a ser um cavalheiro, acho que na verdade ela queria que eu fosse totalmente o oposto do meu pai.
- Só não chame a Glenda, por favor - riu , tirando os tênis. - Não queremos que você chegue atrasado. Já disse que precisamos de você pra carregar algumas paradas, né? Travis achou o lugar perfeito!
- Glenda... - Sorri por dentro ao me lembrar da babá favorita de Julian. Não só de Julian, na verdade. - Glenda anda mesmo sumida, acho que Julian pode estar sentindo saudades dela.
- ! - Uma bola de basquete bateu em meu braço enquanto eu passava a camisa pólo pela cabeça. - Eu acabei de dizer que vamos precisar da sua ajuda e você fica aí pensando em transar com a babá de novo?
- Eu ouvi perfeitamente que vocês precisam da minha ajuda, , não sou surdo. - Devolvi a bola com a mesma força na cara dele. Por que eu tinha uma bola de basquete mesmo? Não sabia nem fazer uma cesta. - Só estou ignorando. Ou você acha que eu vou ficar carregando engradados de cerveja praquele bando de retardado?
- Tudo bem então, mas eu só te digo uma coisa - começou com seu tom de voz 'ameaçador' - quando você precisar da minha ajuda na festa pra achar um canto vazio com a Andy, não pense em me procurar. E nem quando quiser cobertura com os professores sobre seus atrasos e falta.
- Certo. - Terminei de vestir minha calça jeans escura e fui até , dar um tapa na bunda dele pra ele se levantar. - Pode ir agora, diz pro Travis que eu tenho negócios a tratar e não vou poder ajudar, fica pra próxima.
- Você me fez vir aqui à toa, é isso mesmo, ? - revoltado ia deixando meu quarto enquanto eu o empurrava.
- Eu não fiz nada, você apareceu aqui porque o Travis mandou! Tudo culpa do Travis, não acha? Vai lá e acaba com ele, amigo. Eu sei que você consegue! - Desci as escadas também, empurrando rapidamente, e abri a porta para ele.
- Não se esqueça de me mandar o tal endereço secreto da festa, eu devo me atrasar caso a Glenda queira algumas instruções sobre a mamadeira do Julian, tudo bem?
- Cana -- não deixei terminar, fechei a porta e peguei o telefone rapidamente.
- A Glenda, por favor? Pode dizer que está precisando urgentemente falar com ela.
Menos de meia hora depois a campainha já estava tocando de novo.
- É a Glenda? - Julian correu para perto da porta, animado. Confirmei com a cabeça e ele abriu a porta com seu maior sorriso. Eu não era o único a ter minhas preferências por aquela babá.
- Pequeno ! - Glenda disse surpresa ao perceber que uma coisa pequena segurava forte em suas pernas. Pernas lindas e parcialmente descobertas, não pude deixar de notar. - Grande - ela disse mais sensualmente quando finalmente conseguiu chegar perto de mim.
- Andou sumida, meu bem. – Cumprimentei-a com um selinho, e ela passou a ponta dos dedos lentamente pelo meu peito.
- Você que não tem precisado dos meus serviços. - Glenda forçou um biquinho.
- Tô com fome - Julian nos interrompeu. - Quem vai fazer alguma coisa pra eu comer?
- Julian, vá tomar um banho que a Glenda vai preparar o jantar - disse sem ao menos olhar para ele. Estava hipnotizado pelo olhar sensual da melhor babá de todos os tempos. Quem me dera se eu tivesse a oportunidade de ter uma daquelas cuidando de mim na infância!
Abri os olhos do meu breve cochilo e o quarto já estava começando a ficar escuro: dez e quarenta, exatamente.
- Finalmente você acordou - disse Glenda, me olhando maliciosamente. Ela estava deitada ao meu lado, com o cotovelo apoiado no travesseiro e o rosto nas mãos. - Julian já veio reclamar de fome algumas vezes.
Esfreguei os olhos e peguei minha blusa pólo azul escura que estava no chão ao lado da cama, vestindo-a novamente. Sentei-me na cama, olhando para Glenda com calma, observando seu rosto safado com atenção. Levei minha mão delicadamente até seu rosto e acariciei seu queixo. Beijei seus lábios com uma certa força, afinal de contas, era um beijo de despedidas. Levantei-me depressa, pegando de volta minha calça no pé da cama.
- Você já vai sair? - ela me perguntou desapontada, sentando na cama sem ter o pudor de cobrir-se com os lençóis. Levei um tempo para recuperar-me, pois estava apreciando seus peitos não tão fartos, porém bonitinhos de se olhar.
- Vou. - Ajeitei meu cabelo rapidamente. - É por isso que te chamei aqui, preciso que você cuide do Julian pra mim. Você sabe, dar comida, banho e botar na cama.
Inclinei-me para cima dela de novo, dando-lhe mais um longo selinho de despedida.
- Vou dar tratamento especial pra ele, assim como dou pro irmão, ok? - Glenda sussurrou com a voz rouca perto do meu ouvido, segurando minha cabeça com uma mão. Desci roçando meus lábios pelo seu pescoço e colo, finalizando com uma chupada em seu seio direito.
- Não tão especial assim, ou vou ficar com ciúmes. - Ajeitei uma mexa de seu cabelo completamente despenteado atrás da orelha e deixei o quarto, não sem dar uma última olhada para Glenda na cama. O que, confesso, quase me fez voltar atrás, mas era uma festa de que estávamos falando, e eu não estava mesmo a fim de perder a primeira festa do último ano.
Chequei minha caixa de mensagens do celular: , como bom amigo, já tinha me mandado o endereço da festa. Estranho, já que o endereço era de uma área pouco movimentada por jovens. Me perguntei o que Travis tinha aprontado pra conseguir um espaço.
Fui andando até a pracinha perto do colégio, que era onde Travis marcara com as pessoas para informar o local. Mesmo eu sabendo que provavelmente não teria mais ninguém ali, sabia que conseguiria uma carona de última hora ou, se não tivesse jeito, pegaria um táxi.
Sentei-me em um dos bancos brancos da praça vazia e sem iluminação à espera de algum atrasado com carro, de preferência. Cinco minutos mais ou menos se passaram e uma silhueta feminina apareceu ao longe. Ela ficou parada um tempo, olhando ao redor, procurando alguém. Já estava quase me levantando e indo até ela ver se a conhecia, quando percebi que ela se aproximava.
- Quem tá aí? - um fio de voz apreensiva e meio rouca chegou aos meus ouvidos. - Você também tá aqui por causa da festa da Conrad?
- As pessoas que iam para a festa já foram há bastante tempo - respondi simplesmente, o que a acalmou um pouco, já que ela relaxou os ombros. - Mas pode sentar aqui. - Apontei para o espaço vazio no banco com a cabeça.
- Obrigada. - Ela se sentou devagar, ainda apreensiva. A garota sequer olhou em meu rosto para me reconhecer, apenas ficou sentada com as mãos enfiadas nos bolsos do casaco, encarando seus pés em um all star vermelho. - Você também perdeu o horário então, é? - me perguntou depois de um tempo em silêncio. Provavelmente ela não conseguira me reconhecer, e eu também não conseguia me lembrar muito bem dela.
- É aluna nova da Conrad? - rebati a pergunta.
- Você não respondeu minha pergunta. - Finalmente ela se virou para mim, com um meio sorriso no rosto. - Também se atrasou para a festa, ?
- Hm, então não é aluna nova - constatei, já que ela sabia meu nome. - Está mesmo no último ano?
- Você vai ou não responder a minha pergunta? - ela se irritou, alterando um pouco a voz.
- É, eu me atrasei pra festa - respondi sem dar muita atenção ou entrar em detalhes. Estava intrigado em descobrir quem era a desconhecida. - E você costuma frequentar essas festas? Porque eu não me lembro do teu rosto. - Estendi minha mão e quase toquei seu queixo. Minha intenção inicial não era tocá-la, mas ela também não permitiria se fosse, visto que se afastou um pouco.
- Na verdade eu não gosto muito de festas, não sei nem o que estou fazendo aqui. - Voltou a encarar o chão, brincando com o pé. - Ainda mais porque amanhã temos aula, então não sei mesmo o que estou fazendo aqui. Acho que vou indo nessa, . - Ela fez menção de se levantar, mas eu segurei sua mão antes que pudesse.
- - disse eu, sorrindo por finalmente ter lembrado. Na verdade não me admira que eu tenha me esquecido, afinal, nunca me passaria pela cabeça que poderia pensar em ir a uma de nossas festas em pleno início de semana.
- Meus parabéns - disse com deboche, soltando sua mão da minha com agressividade. - Nos vemos amanhã na escola, se é que você terá condições de chegar lá vivo.
- , espera! - Me levantei depressa. - Já que você veio até aqui, não quer pelo menos conversar um pouco pra não perder a viagem?
se virou para mim de novo, lentamente.
- Eu sei muito bem a sua definição de conversar, , e não estou a fim, desculpe. Prefiro perder a viagem.
- Você sabe que se chegar em casa agora vai ter que aguentar um questionário nada agradável da sua mãe ou pai - tentei minha última jogada. Primeiro porque não queria ficar sozinho enquanto esperava um táxi, e depois porque estava intrigado em saber o motivo da sua tentativa de ir à festa.
- Não pode ser pior do que conversar com você - ela rebateu, mas contraditoriamente voltou e se sentou no banco. - Mas como eu não sei o que está havendo comigo hoje, vou ficar um pouco mais.
- O que houve com você? Seu noivo adiou o casamento ou você ficou com alguma nota ruim? - Ri sarcasticamente, e ri sozinho. me encarou com os olhos fuzilantes. - Desculpe - acrescentei, mais sério.
- Charles foi embora - ela respondeu. Ela respondeu? Então quer dizer que respondia perguntas pessoais a quem ela supostamente odiava? Porque não precisava ser um gênio para saber que e Chloe Chesterman odiavam a escola inteira, principalmente a mim e meus amigos. Não que eu me importasse com o fato de que duas menininhas do primeiro ano tivessem algo contra mim.
- Foi embora sem nem me avisar - continuou contando seu problema. Achei melhor não interromper, ou ela com certeza se tocaria de que estava contando sua vida para mim, e então iria embora de repente. - Na verdade, ele me avisou, mas eu não acreditei que ele fosse mesmo embora. Quero dizer, nós estávamos juntos há tanto tempo que eu pensei que... - Ela suspirou pesadamente. - Nem sei o que eu pensei!
Peguei meu celular no bolso discretamente e mandei uma mensagem para o serviço de táxi, enquanto tagarelava sobre seu lindo romance com Charles Mignac e sobre o fim trágico do mesmo.
- Você quer fazer o favor de prestar atenção no que eu estou falando? - pegou meu celular furiosa, chamando minha atenção. - Eu estou aqui abrindo meu coração pra primeira pessoa que vejo na frente, que por acaso é um idiota completo, e você sequer finge que está prestando atenção?
- Eu sou um idiota completo, por que prestaria atenção no problema dos outros? - respondi cinicamente, pegando meu celular de volta e guardando-o no bolso. Ela bufou, cruzou os braços e ficou em silêncio, provavelmente me xingando mentalmente de todos os nomes que ela não tinha coragem de pronunciar em voz alta.
- Mas então, você resolveu vir à festa por que Charles se cansou de você e nem te avisou?
- Como você sabe disso? - resmungou sem se mover.
- Ao contrário do que parece, eu presto atenção em tudo que acontece por perto, só não demonstro - esclareci.
- Que seja, você não liga pro meu problema. - Ela cruzou as pernas. mantinha o olhar vago, e eu a observava atentamente, virado para ela.
- E você está tentando não ligar - acusei-a -, por isso está aqui agora. Você acha que indo em festas vai conseguir tirar seus problemas da cabeça, e eu não te culpo por isso.
- O que você acha que sabe sobre mim, ? - Ela se virou finalmente para mim, com descrença no rosto. Sem dizer mais nada, peguei-a pela mão e a conduzi até o táxi, que já estava me esperando há dois minutos do outro lado da rua.
Abri a porta e indiquei com as mãos o caminho para dentro.
- Entra - disse simplesmente, observando-a entrar sem contestar, e em seguida entrei também, batendo a porta do carro.
- Onde estamos indo?
Inclinei-me para frente, sussurrei o endereço ao motorista e depois me aconcheguei na poltrona do carro, ajeitando meu casaco pesado.
- Vamos esquecer os problemas. - Sorri maroto, pousando minha mão sob a coxa de .
Chegamos em aproximadamente vinte minutos no local da festa, um condomínio em uma área isolada e nobre da cidade.
- Me espera lá fora - disse para , finalmente tirando minha mão de sua perna, onde ela tinha ficado o trajeto todo. Ela assentiu e abriu a porta, saindo depois.
Paguei ao motorista e fiquei um tempo ainda dentro do carro, observando o portão do condomínio. Não tinha a menor noção de onde estaria ocorrendo aquela festa, e não queria sinceramente procurar. Tentei ligar para , mas seu celular obviamente estava desligado. Por fim, saí do carro suspirando, e encontrei uma parada em pé encarando o nada, se abraçando.
- Vamos logo, estou com sede - falei, passando por ela.
- Não tenho tanta certeza assim de que quero entrar - ouvi sua voz fraca um pouco mais atrás de mim e parei novamente, virando-me para ela.
- Anda, , você já está aqui e o táxi já foi, quais são suas outras opções? - argumentei, já perdendo a paciência. Por que eu estava me importando com o que ela queria fazer? Podia simplesmente ignorá-la, entrar, achar a festa e me divertir pelo resto da noite.
- Eu posso ficar aqui fora esperando alguém sair pra me dar uma carona na volta. - Ela deu de ombros. Não me controlei, dei uma gargalhada.
- Isso porque alguém deve sair antes das três da manhã sóbrio o suficiente pra te dar uma carona, certo?
Ela não pareceu achar tanta graça como eu.
- Tudo bem, eu vou entrar - continuei andando lentamente, passando sem problemas pelo porteiro adormecido. - Te vejo lá dentro! - berrei antes de fazer a curva e sumir totalmente da vista de .
's P.O.V.
Preciso admitir que fiquei totalmente sem saber o que fazer quando me deixou sozinha! Eu não esperava que aquele cafajeste fosse fazer isso, mas não sei por que, visto que é normalmente isso que cafajestes fazem. Pouco se importam com os outros, só querem ir para onde tem garotas, ou festas. Ou festas com garotas. Logicamente a primeira coisa que eu pensei foi em voltar para casa, mas não estava com sono e eu sabia que se deitasse na cama só pensaria em Charles e, sinceramente, isso era tudo o que eu menos queria. Isso e responder perguntas à minha mãe. E é claro que tinha também o fator curiosidade, pois eu sempre quis saber o que rolava nessas festas do pessoal da escola. Sem dúvidas seria melhor se Chloe estivesse ali comigo para que pudéssemos comentar e rir juntas das idiotices que deviam rolar por ali, mas quem disse que eu não podia fazer isso sozinha? Ou melhor ainda, por nós duas? Era só eu prestar bastante atenção e contar todos os detalhes para ela depois.
- - ela atendeu ao telefone sem o menor entusiasmo -, por que não está dormindo uma hora dessas na segunda-feira?
- Você não vai acreditar onde eu estou! - ignorei a voz dela e soltei um gritinho de empolgação. - Eu estou indo para uma festa do pessoal lá da escola, uma que eles estão dando pra comemorar o último primeiro dia de aula ou algo assim!
- E o que diabos você está fazendo aí sozinha? Charles está com você? - Ela não soava muito preocupada comigo. Na verdade, só de ouvir sua voz eu estava ficando com sono também.
- Chloe, já te disse que terminei com Charles! Não disse? - Eu não tinha certeza se havia conversando pessoalmente com ela sobre isso, mas com certeza tinha deixado uns recados na secretária eletrônica.
- , vamos fazer o seguinte? Você vai pra casa agora, já que deve estar bem mal por ter terminado e tudo o mais, aí toma um banho relaxante, assiste um episódio bem engraçado de Two and a Half Men e me liga pela manhã, ok? Boa noite.
E eu estava sozinha novamente, no escuro daquele condomínio estranho em Bournemouth.
Pensei em ir até o guarda de plantão e acordá-lo, perguntar onde era a festa ou algo assim, mas depois, pensando melhor, resolvi entrar sozinha e procurar mesmo. A festa devia ser ilegal, então ninguém poderia me ajudar. E, afinal de contas, não podia ser tão difícil achar uma casa lotada de jovens fazendo muito barulho, certo?
Meu palpite estava certo. O condomínio estava totalmente vazio, pois as casas ainda estavam em construção, e foi muito fácil achar uma das casas em que a festa estava acontecendo. Da esquina eu pude avistar as luzes coloridas que eles provavelmente tinham instalado naquela tarde, as pessoas dançando no jardim, todas com um copo de bebida ou até mesmo uma garrafa na mão, os garotos do time de futebol americano usando seus uniformes só para poder exibi-los mais um pouco, correndo desesperadamente e gritando como loucos.
Tive que pensar duas ou três vezes antes de seguir em frente, mas fui. Com as mãos nos bolsos, me esquivando sempre para não encostar em nenhum casal e andando com cautela para não ser esbarrada e cair no chão, eu cheguei lá dentro.
As paredes de dentro da casa também não estavam pintadas, o que era bom, pois um grupo de hip hop estava pixando as paredes enquanto um deles cantava em um microfone, sua voz confundindo com a da música alta que tocava ao fundo. Eu senti pena dos futuros donos da casa, já que o piso parecia ser bastante caro e já estava parecendo bem acabado, ou podia ser só sujeira.
Um garoto semi nu passou por mim, oferecendo-me um copo vazio, e eu o peguei.
- Vocês têm algum tipo de refrigerante aqui? - perguntei, mas acho que o sujeito não me ouviu. Ele apenas despejou desajeitadamente um líquido estranho e quente no meu copo, saindo logo em seguida.
Cheirei o que parecia ser um ponche e desisti de beber aquilo na hora! Não estava suportando nem mesmo o cheiro daquela porcaria, jamais colocaria uma gota daquela bomba alcoólica na boca!
Fiquei um tempo parada, observando o movimento de pessoas dançando loucamente no meio da pista, e outras pessoas conversando apenas movimentando o corpo no ritmo da música. Me perguntei o que faria agora, sem conhecer ninguém o bastante para puxar um papo do nada. Será que ninguém viria falar comigo? Ninguém teria a decência de acolher uma alma totalmente deslocada no meio da pista de dança improvisada? E então eu vi um garoto vindo em minha direção. Claro que muitas pessoas vinham em minha direção, mas esse garoto realmente me encarava, então supus que ele estava vindo falar comigo. Sorri para ele, agradecida por estar recebendo atenção.
- Oi, você por acaso viu -- o garoto segurou meu braço e falava perto do meu ouvido, para que pudesse ser ouvido. Mas ele parou do nada de falar, então resolvi agir para não perder a companhia.
- Você sabe se tem alguma coisa que preste pra beber aqui? - perguntei, apontando para meu copo na mão.
- Beber? Tem muita coisa aqui. - Ele deu de ombros, falando bem alto. Pegou o copo da minha mão e provou um pouco. - Que porra é essa que você tá bebendo? Não me diga que foi um garoto de cueca que te deu isso? - Ele ria da minha cara, e só fez rir mais quando eu confirmei. - Aquele era o Joe, mais conhecido como Mad-Joe-da-Bebida, você não pode aceitar NADA vindo dele, falou? Regra número um...
- Ah, obrigada por avisar. - Deixei o copo cair no chão, com nojo.
- Ei, você é aluna nova? Acho que nunca te vi por aqui... - O garoto olhou para mim prestando atenção pela primeira vez, já que antes ele ficava olhando ao redor como se estivesse procurando alguém.
- Na verdade, não - respondi, encolhendo meus ombros. - Sou do primeiro ano da Conrad. E você, quem é?
Acho que ele achou graça do fato deu ser do primeiro ano e estar numa festa daquelas, ou então porque eu não sabia seu nome.
- Pode me chamar de . - Ele abriu um sorriso. Encantador, devo acrescentar. Porém, assim que ele pronunciou seu nome, um flash atingiu minha cabeça e eu me toquei que aquele nome estava associado a . Ou seja, problema. Já estava quase dando um jeito de escapar dele, quando uma garota loira passou por nós quase nos fuzilando com o olhar, e devo dizer que ela caminhou lentamente, como se quisesse mesmo me matar com seus olhos.
- Nossa, o que -- não consegui terminar a frase. Primeiro por causa da loira, depois porque, percebendo que ela estava encarando, agarrou forte em meu braço e me puxou para perto de si, passando seu braço em volta da minha cintura.
- Vou te pegar uma bebida decente, eu conheço a fonte - ele disse seco, acompanhando a loira que subia as escadas com o olhar. Ela ainda fazia o mesmo.
Aceitei o convite, e também não poderia recusar, pois ele estava claramente me empurrando para um lugar que eu supunha ser a cozinha. Errei. Passamos pela cozinha, por uma área de trabalho e saímos por uma pequena porta.
- Aonde estamos indo? - perguntei, olhando ao redor. Poucas pessoas estavam ali.
- Aonde os vip's conseguem bebida - ele respondeu como se eu fosse idiota por não saber. - Você não queria beber algo? Então...
passou por nós no jardim dos fundos, rindo sozinho. Ele sussurrou alguma coisa no ouvido de , ainda rindo, e depois continuou andando normalmente. Será que ele tinha sequer notado minha presença ali ao lado de seu amigo? Se tinha, ele me ignorou totalmente.
- Você ainda não me disse seu nome, pequena - perguntou, me entregando uma latinha de cerveja e sentando em cima do frigobar de onde havia acabado de pegar a bebida.
- Pequena?
- É o apelido carinhoso que damos às calouras do Ensino Médio. - Deu de ombros, abrindo sua latinha e dando um grande gole. Fiz o mesmo com a minha, digo, abri. Não pretendia beber.
- Pode me chamar de ao invés de pequena, então. - Sentei ao lado dele. E me arrependo totalmente de ter feito isso, pois acho que entendeu totalmente errado. Ele deve ter achado que eu estava dando em cima dele e tudo mais, porque sabe, eu pedi uma bebida, sentei com as pernas coladas as dele... Garotos devem entender isso como um sinal de 'me beije logo, por favor'. E foi exatamente isso que fez. Me beijou. E tudo bem, não foi um super beijo de cinema, foi mais pra um esbarrão casual de bocas que se tornou em um selinho e uma passada de língua nos meus lábios. Ah, pra falar a verdade eu não me arrependo disso nem um pouco, mas admito que fiquei nervosa e sem reação na hora. Ele se afastou um pouco para olhar para mim e eu não sabia o que fazer. Correspondia? Corria? Sorria? Graças a Deus uma garota foi se aproximando de nós, parecendo bem raivosa.
- Desinfeta, little boy, quero pegar uma cerveja - ela disse agressivamente, dando um tapa na coxa dele.
Ela não se dirigiu a mim, mas mesmo assim eu também me levantei, agora dando um pequeno gole em minha latinha. Afinal, eu estava nervosa e minhas mãos meio que suavam frio. Fazia um certo tempo que eu não era beijada por um garoto sem ser meu namorado.
- O que você está fazendo aqui embaixo com uma garota? - Eles começaram a conversar sobre mim na minha frente, como se eu não estivesse ali ao lado.
- Estou mostrando minha tatuagem pra pequena. - Novamente ele me puxou pela cintura, apertando-a carinhosamente com os dedos.
- Tatuagem? - Não consegui impedir minha voz de sair pela minha garganta. - Como assim tatuagem? Você teve coragem de fazer uma de verdade?
Ele me olhou satisfeito sorrindo, levantou a manga da blusa e mostrou uma tatuagem doida com os números 33/18. Acho que ele entendeu o tom da minha voz totalmente errado! Eu não estava impressionada com a coragem dele, mas sim com a burrice dele! Quantos anos aquele garoto tinha, afinal? 17, 18 no máximo? Tanto faz, com essa idade nenhuma pessoa sabe o que quer fazer da vida profissional ainda, portanto não tem maturidade pra sair fazendo coisas permanentes no corpo!
- Gostou? - forçou um pouco seu braço a fim de mostrar os músculos. - Acabei de fazer nessas férias, pretendo fazer outra ano que vem...
- Blablablá - a garota murmurou com os braços cruzados. - Não tenho tempo pra isso, garoto! Só sei que a Cassy está puta da vida contigo, te esperando em um dos quartos da casa que a gente reservou. Então se eu fosse você pensava duas vezes antes de ficar provocando ciuminho infantil.
- Ela tá mesmo lá no quarto esperando por mim? - perguntou todo animado, me largando subitamente. - Sério? E ela tá sozinha?
- Porra, , vai subir logo ou ficar aí dando uma de gay? - A garota era realmente estressada. Eu a conhecia de vista da escola, mas não sabia que ela já estava no último ano.
E então pegou mais uma cerveja no frigobar e foi quase que correndo atrás da tal de Cassy loirinha. E eu fiquei novamente sozinha e deslocada, mas pelo menos eu estava bebendo. Mesmo que fosse cerveja, coisa que eu odiava e não via o menor propósito em beber.
- Desculpa por isso - ela disse depois que ele se foi. Fiquei surpresa por ela estar falando comigo, e num tom de voz mais calmo e menos ameaçador. - Você sabe, por ter sido tão grossa e ter tirado ele de você, mas é que hoje ele já estava prometido pra minha amiga... Quem sabe outro dia você não consegue pegar?
- Ficar com ele? - Olhei para ela, arregalando os olhos. - Oh não, não... Eu realmente não...
- Calma, não tem problema - ela riu do meu nervosismo -, todo mundo quer pegar o , ele é gostoso. - Deu de ombros.
- Mas eu não, eu só estava conver -- novamente fui interrompida por uma risada escandalosa.
- Hm, então já sei qual é a sua... Jared Pagier?
- Quem? - Dei mais um gole em minha bebida. Sentei de novo em cima do frigobar, sendo seguida pela garota que eu ainda não sabia o nome.
- Jared Pagier. - Ela me olhava como se eu fosse uma ET. - Time de futebol americano, alôu?
- Ah sim. - Balancei a cabeça afirmativamente. - Mas não, ele também não é meu tipo...
- Nem o meu. - Fizemos uma careta e rimos. - Deixa eu pensar... Robert Yuk? Editor do jornal da escola?
- Poderia ser, mas... Também não. As matérias dele são muito inúteis, isso sem contar que ele fede. Eu acho.
- Nossa, pior que é mesmo! - Explodimos em gargalhadas, bebendo mais um pouco. - Prazer, meu nome é - ela se apresentou assim que as risadas cessaram.
- . - Sorri simpática, feliz por finalmente ter encontrado alguém pra dar umas risadas.
Conversamos mais um pouco sobre os garotos da escola, detalhando cada um que lembrávamos, apontando as qualidades e defeitos e dando uma nota de 0 a 10.
- Não é possível que você não esteja a fim de ninguém no momento, garota! - berrava, já meio alterada pela quantidade de bebida. Por estarmos sentadas em cima do frigobar, ela bebia latinhas atrás de latinhas, mas eu procurava me controlar, só havia tomado umas quatro ou cinco no total.
- É sério, eu acabei de sair de um relacionamento de longa data e não achei minha próxima vítima - brinquei.
- Relacionamentos? Pff. - Abanou as mãos na minha cara. - Tá brincando comigo, né? Quantos anos você tem, treze?
- Dezesseis, na verdade - a corrigi meio com raiva, afinal, sempre odiei que as pessoas me julgassem mais nova. - E só pra constar, meu ex-namorado tinha dezenove.
- Uuuh, agora você me impressionou. - bateu palmas. - Um pouco. Mas me diz, eu o conheço?
- Não sei, devia conhecer - tentei ser vaga. Não queria dizer o nome dele, pois com certeza sabia quem ele era e não estava a fim de ter que explicar tudo e falar sobre o assunto. Ainda mais agora que estava finalmente me divertindo e conseguindo esquecê-lo!
- Ele é da escola? - Ela estava curiosa. Não ia dar pra fugir, então falei de uma vez:
- Charles Mignac, se formou ano passado. - Dei uma longa golada, acabando com minha cerveja e jogando-a no nosso amontoado de latinhas no chão.
- Menina, ele é gato! Estou realmente impressionada com você...
Não disse mais nada e abri a geladeira para pegar outra bebida, mas não tinha mais latinhas de cerveja, então peguei uma garrafinha transparente com um líquido branco que eu não sabia exatamente o que era. Felizmente não se estendeu no assunto Charles, e continuamos falando sobre besteiras femininas, até que se aproximou novamente. Era a terceira vez que ele ia lá buscar alguma coisa, porém nas duas outras ninguém falara nada.
- Não vai parar de beber hoje não? - comentou quando levantamos nossos pés para que ele abrisse o frigobar.
- Na verdade, não é pra mim. - Ele deu de ombros, encarando a garrafa que tinha pegado, exatamente igual a minha. - Você sabe, aguentar a Andy é mais fácil quando ela já está meio doida.
Eu não disse nada, e eles ficaram pouco tempo rindo e falando besteiras sobre essa tal Andy. Queria ver se ele ia falar alguma coisa comigo, perguntar se eu estava gostando da festa ou algo assim; mas nada. Um tempo depois ele foi embora e eu olhei no relógio: duas e quinze.
- Ah não, estou atrasada! - comentei, me levantando rapidamente e deixando minha garrafa de lado. Tirei meu celular do bolso e tinha uma ligação perdida, na certa era minha mãe. Retornei a ligação e ela atendeu já irritada. Me expliquei, pedi algumas desculpas e dei a ela o endereço do condomínio, tudo isso sob o olhar atento de .
- E então, você já tá indo mesmo?
- É, tenho que ir. - Dei de ombros, olhando pro chão. - Amanhã tem aula e eu marquei com minha mãe duas horas.
- Entendo - ela disse apenas. Achei estranho ela não comentar nada maldoso sobre isso, mas fiquei feliz. era uma boa garota, apesar das roupas e de algumas atitudes que sugeriam o contrário. - Bem, então eu vou lá pra dentro ver o que rolou entre a Cassy e o . - Sorria pervertido enquanto levantava e dava uma ajeitada na saia preta estilo roqueirinha. - Te vejo por aí, . - Ela acenou e então saiu rapidamente.
Não demorei para sair também, passando pela casa e saindo pelo jardim da frente, onde o movimento ainda era grande. O número de pessoas na festa tinha aumentado, pude notar.
Capítulo 04
's P.O.V.
Mais uma vez eu me arrastava para fora da cama sem o menor entusiasmo. Mais uma vez eu, parecendo um robô, fazia as mesmas coisas que estava fazendo todas as manhãs antes de ir para a escola; coisas como escovar os dentes, vestir a primeira roupa que visse no armário, tomar café da manhã e me despedir dos meus pais. E então eu ia andando para a escola e focava toda a minha atenção e energia nos professores e suas explicações, mesmo que eu já soubesse tudo que eles estavam falando por ter estudado na noite anterior sozinha pelo livro.
Na hora do intervalo, eu me dirigia à biblioteca como sempre, comia em silêncio e ficava usando um dos computadores para ver as notícias sem muito interesse, ou conversava com a bibliotecária. A rotina que se repetia há duas semanas intermináveis estava começando a me irritar cada dia mais. Se eu não fizesse alguma coisa diferente o mais rápido possível, acho que enlouqueceria. Se não falasse com alguém além de minha mãe e a Srta. Dales - a bibliotecária -, enlouqueceria mais rápido ainda. Tic Tac, Tic Tac; era só uma questão curta de tempo até que eu pudesse ver manchetes no jornal da escola sobre garota insana que se suicidou por estudar demais.
E por isso que naquela sexta-feira eu resolvi sair mais cedo da aula. Não podia ser difícil, eu sempre ouvia boatos de que os alunos mais velhos, lê-se delinquentes, saíam pelos fundos da escola depois do intervalo e nunca eram pegos. Mesmo que eu não tivesse prática, eu me julgava mais inteligente do que eles e achava que conseguiria tranquilamente pular um muro, subornar alguém, ou seja lá o que fosse preciso fazer para fugir daquela sala de espera para a loucura que alguns chamavam de Conrad Academy.
Fui andando tranquilamente para os fundos do colégio enquanto aquele mar de alunos passava por mim na direção contrária, entrando no prédio escolar. Eu andava com as mãos nos bolsos da calça, olhando para baixo e tentando passar despercebida, como se essa fosse uma tarefa difícil para mim.
Finalmente cheguei ao meu destino, e percebi que estava sozinha. Olhei ao redor, tentando achar algum portãozinho enferrujado e meio escondido pelo mato, um muro que tivesse possibilidade de alguém conseguir pular ou algum funcionário com cara de corrompível, mas nada. Vazio completo. Fiquei frustrada. Por onde será que essas pessoas conseguiam fugir? Pelos portões da frente é que não podia ser, sempre havia inspetores rondando e câmeras espalhadas por ali. Pensei em voltar para a sala de aula, me rendendo ao fracasso, mas uma vez que me vi em um lugar silencioso e longe dos professores, achei que seria bom sentar um pouco e fazer nada para variar.
Sentei-me encostada ao muro pichado em sua maioria com liquid-paper e coloquei minha mochila em cima de minhas pernas. Não devia ser tão ruim ficar sentada ali por uma ou duas aulas, afinal de contas, eu tinha meu iPod e meu livro de Sociologia na mochila. Peguei os dois e me concentrei por uns trinta minutos apenas na música e no livro. Depois, fiquei cansada e guardei ambos, deitando no chão com a cabeça apoiada em minha mochila. Na posição na qual eu me encontrava, o muro pichado estava de frente para mim, e eu me ocupei em ler os nomes escritos ali. Não entendia o propósito daquele muro até me concentrar de verdade nele. Pelo que pude entender, as pessoas escreviam o nome de alguém e, embaixo, outros escreviam suas opiniões sobre o indivíduo. Era uma idéia até que interessante, se os adjetivos fossem um pouco mais pessoais e bem elaborados. Em sua maioria eram xingamentos ou gírias diversas para dizer 'gostoso, ou piranha'. Observei por mais um tempo o nome das pessoas que conhecia e achei no canto esquerdo o nome de Charles. Embaixo estava escritas coisas como 'eu pegava se não tivesse dona', 'pau mandado', 'nerd' e um 'tudo que eu não quero pra mim, porém gostoso'. Será que Charles já havia visto aquilo uma vez na vida? Nenhuma das letras parecia ser a dele, mas isso não quer dizer que ele nunca tinha pelo menos lido.
Me assustei quando percebi que, ao lado do nome dele, em letras de forma bem pequenas, estava escrito: , com apenas dois comentários abaixo: 'deve ser boa de cama' e 'eu que o diga'.
Boa de cama? Eu que o diga???
Que diabos essas pessoas estavam pensando? Com que direito elas acham que podem sair por aí rabiscando o nome dos outros e coisas como essas? Não passava pela minha cabeça sequer um motivo a favor daquela brincadeirinha de mau gosto! Não era possível que as pessoas achassem divertido ver seus nomes sendo debochados e difamados daquela maneira! Por que ninguém tomava uma providência contra aquilo? Boa de cama? Pelo amor de Deus! Nem mesmo Charles poderia afirmar isso, como alguém tinha coragem de mentir descaradamente assim?
- É sério, não sei como ela descobriu isso, Cassy! - Fui pega de surpresa por vozes se aproximando e ergui meu corpo com rapidez, levando a mão ao peito, coração batendo forte de raiva e susto. - Não, não foi ela que contou, eu juro... - a voz ia chegando mais perto, e me parecia familiar. Tentei me recompor, passando as mãos pelo rosto quente, prendendo meu cabelo em um coque mal feito.
- Como assim como eu sei que não foi ela? - A pessoa ainda falava no telefone, e eu já podia vê-la bem o bastante para reconhecê-la. - Ah, oi, - ela disse acenando brevemente para mim e voltando sua atenção para o telefone.
A conversa já durava por alguns minutos, e eu não sabia o que fazer. Esperava acabar de fofocar para cumprimentá-la decentemente? Acenava e saia logo dali? Levantei-me, segurando minha mochila, e fiz menção de sair dali, porém estendeu a mão como se dissesse que não ia demorar, e então resolvi esperar. Uns dois minutos depois ela desligou o celular e bufou enquanto guardava-o.
- Nossa, a Cassy fala demais. - Ela riu sozinha e me analisou de cima a baixo. - Mas e aí?
- E aí? - repeti a pergunta, sem saber o que responder.
- Como é que estão as coisas? Não te vi mais pelo colégio, nem em nenhuma outra festa... Você sabe, estamos fazendo as festas agora naquela casa em construção mesmo, Travis fez um ótimo negócio achando aquele lugar para nós. Você pode aparecer quando quiser.
- Ah, obrigada - agradeci pelo convite, e em parte por ela estar sendo tão boa comigo de novo. - Mas tenho estudado bastante, por isso não nos encontramos mais...
- Estudado? - soltou uma risadinha incrédula. - Como você consegue, garota? Com todas essas festas rolando e tudo o mais? Este está sendo o melhor ano da Conrad Academy! Os seniores nunca deram tantas festas assim nos anos anteriores, nós temos que aproveitar, garota!
- Bem, não sei como consigo. - Dei de ombros, sem graça. - Eu só tenho que focar minha energia em alguma coisa pra não enlouquecer, e é mais fácil fazer isso concentrando nos livros. Você sabe, agora que não tenho mais namorado e aparentemente não tenho mais amiga também.
ainda me olhava como se eu fosse um extraterrestre, porém tinha algo a mais em seu olhar, e eu desconfiava que era pena. Por que eu tinha que abrir minha boca grande e confessar que além de não ter mais um namorado eu também não tinha amigos? Quero dizer, isso nem era totalmente verdade! Eu ainda tinha Chloe, mesmo que ela ainda estivesse em Paris e não respondesse minhas ligações nem e-mails por estar ocupada demais resolvendo problemas familiares.
- Como assim não tem amigos? E aquela loura CDF que andava com você? - ela perguntou, ainda mais perplexa.
- Ela está resolvendo uns problemas em Paris, não sei quando volta - respondi, tentando não parecer tão desanimada. - Não sei nem se ela volta - murmurei baixinho, só para mim.
- Cara, isso deve ser uma barra pesada - se lamentou por mim, jogando sua mochila no chão onde eu estava deitada há pouco e sentando em cima da mesma em seguida. - Mas senta aí, vamos conversar um pouco. Tenho que esperar a chata da Cassy acabar a prova de Literatura pra poder darmos o fora daqui logo.
- A propósito, como vocês, hm, dão o fora daqui no meio das aulas? - Sentei-me ao lado dela.
- Nós não damos o fora, só sentamos aqui e fazemos nada mesmo. - Deu de ombros, abrindo sua mochila e tirando de lá um estojo. - Eu estou esperando Cassy pra sairmos no horário normal mesmo, não somos tão delinquentes assim, garota...
Ri um pouco e não respondi, fiquei apenas observando enquanto pegava o liquid-paper de seu estojo e reforçava algumas palavras no muro.
- Então é você quem escreve essas coisas aí? - perguntei, esperando para que a resposta fosse negativa. Não queria admitir que a única pessoa que falava comigo em dias (sem contar minha mãe e a bibliotecária, pelo amor de Deus) era a mesma pessoa que escrevia todos aqueles absurdos sobre as pessoas.
- Não. - Ela riu divertida. - Eu só dou nota para os comentários. Adoro dar notas, como você pode ter percebido. É minha mania, pode-se dizer.
Fiquei bastante aliviada com isso. Dar notas era bem menos pior do que escrever os comentários.
- Já viu seu nome ali, garota? - Ela apontou para o cantinho desgraçado onde meu nome estava escrito.
- Acabei de ver. - Tentei soar como se o fato não tivesse me atingido. - Estava me perguntando quem escreveu.
- O primeiro foi Aisha Pitman, se não me engano. - Ela se aproximou do meu nome para analisá-lo melhor. - É, deve ter sido mesmo... A letra é parecida, e ela sempre teve uma queda pelo seu ex, então provavelmente escreveu isso por inveja. Agora o segundo... - passava os dedos pela frase 'eu que o diga', como se estivesse procurando por provas ou algo assim, e eu quase ri. - Não sei sobre o segundo. Não foi seu namorado não?
- Ex - corrigi com amargura. - E não, Charles não faria uma coisa dessas... Até porque... - deixei a frase morrer. Pela primeira vez pensei um pouco antes de soltar mais uma besteira.
- Como assim? - me encarou, perplexa. Parecia que eu tinha o dom de assustar mais a garota a cada frase que falava. - Vocês dois nunca...?
Fiz que não com a cabeça e preferi ficar quieta. Estava preparada para ouvir reclamações, zoações ou qualquer coisa assim, mas por incrível que pareça ficou quieta. Estava bastante óbvio que ela tinha mil e um pensamentos sobre o assunto, mas preferiu guardar para si mesma, me respeitar ou sei lá o quê. E eu realmente apreciei isso.
Ficamos um tempo mais falando de banalidades - era fácil falar sobre qualquer coisa com (desde que não envolvesse meu ex, mas sobre esse não era fácil falar com ninguém), porque ela era uma pessoa realmente agradável, que sabia um monte de coisa sobre um monte de assuntos, e portanto sempre tinha uma opinião sobre tudo. Ou pelo menos sobre todas as pessoas da escola. E o fato dela se referir a mim como 'garota' em quase todas as suas frases não me irritava tanto assim...
Quando o último sinal tocou, nos levantamos e fomos juntas até o portão da escola, onde muitas pessoas esperavam ansiosamente por .
- Onde você se enfiou? A gente tava te procurando pra resolver a parada do... - a pessoa que brigava com ela parou de falar assim que reparou que eu estava por perto e por isso ela não poderia terminar a frase e contar um 'segredo'.
- Estava com a matando aula - ela respondeu simplesmente. Virou-se para mim, sorrindo: - Bem, garota, te ligo mais tarde se resolvermos a questão da cerveja, ok?
havia pedido meu telefone, alegando que me ligaria se conseguissem comprar sei lá quantos engradados de cerveja para a festa dessa noite. Caso eles não conseguissem, a festa não ocorreria.
- Tudo bem, eu vou ver o que posso fazer para ir - respondi forçando entusiasmo. Todas as pessoas ao redor me observavam, provavelmente se perguntando quem eu era e desde quando conversava com . A verdade é que tinha bastantes amigos, e ela merecia todos eles, pois era de longe uma das pessoas mais simpáticas que eu conhecera na vida!
- E tente ligar para sua amiga, garotinha - ela insistiu em seu conselho. - Pergunta o que está acontecendo, coloca ela contra a parede, certo? Quero saber tudo, todos os detalhes. - Recebi dois beijinhos na bochecha e então foi arrastada por seus amigos para fora do portão, todos falando ao mesmo tempo e despejando problemas em cima dela.
Deixei a confusão em frente ao portão diminuir um pouco e então fui caminhando lentamente para fora da escola; havia perdido a pressa de sair do colégio agora que sabia que meu único destino era a minha casa, onde não teria absolutamente nada para fazer.
Desliguei o aparelho celular com tanta raiva que quase o taquei longe. Graças a Deus consegui me controlar e, ao invés do celular, o que foi parar no chão causando o maior estrondo foi meu livro de cabeceira.
- Filha? - Minha mãe abriu a porta do quarto e rapidamente eu me enfiei debaixo das cobertas, tapando meu rosto. - Que houve com você? - Pude ouvir seus passos, e também percebi que ela colocou o livro de volta ao seu devido lugar.
- Nada, mãe, só fiquei com raiva por um momento - controlei meu tom de voz para responder.
Achei que estava prestes a ouvir um discurso sobre como controlar meus sentimentos, ou então que ela fosse insistir para saber o que estava acontecendo, mas, ao invés disso, minha mãe preferiu agir de modo indiferente, como sempre:
- Se precisar de alguma coisa, me chame. O jantar sai em meia hora.
Assim que ela fechou a porta novamente, tirei a coberta do rosto, colocando o travesseiro para poder berrar a vontade. Depois que quase fiquei rouca de tanto berrar, comecei a socar o travesseiro com toda minha força. Aquilo não era justo! A vida de ninguém pode sofrer uma mudança tão drástica assim de repente! Era doloroso demais...
Quando o ataque de nervos passou, os gritos deram lugar às lágrimas, e eu não me controlei novamente. Deixei que todas as lágrimas rolassem sem constrangimento, até que comecei a me sentir desidratada, mesmo sabendo que era psicológico.
Eu só não entendia por que ela não me avisara antes! Será que ela esquecera que nós costumávamos ser melhores amigas? E que melhores amigas contam tudo uma para outra sempre? Qual era o problema com Chloe afinal?
Eu compreendia o fato de que sua família estava passando por problemas e por isso ela teria que ficar em Paris por mais alguns meses, forçando-a a se matricular em outra escola! Eu podia não gostar nem um pouco do fato, mas entendia. O que não entrava na minha cabeça era a falta de consideração dela comigo, nem ao menos me ligou para dar a noticia! Tive que falar com o irmão mais novo de Chloe para descobrir, e a briga que se seguiu depois fora horrível, eu não tinha palavras para descrever a raiva que senti dela e de todas as palavras que saíam de sua boca.
Tirando-me de meus pensamentos, o telefone celular tocou. De início eu não ia mesmo atender, mas como a pessoa estava insistindo bastante, atendi depois de algum tempo.
- ? - a voz perguntou. Era . - Olha, só estou ligando pra avisar que não conseguimos cerveja para a festa, afinal de contas. Travis está quebrado, de castigo e se recusa a cessar a sede daquela gentalha, como ele mesmo diz. - Soltou uma risadinha, e eu pude ouvir algumas vozes indefinidas ao fundo reclamando seguidas de um tapa estalado. - Enfim, mesmo assim nós vamos nos reunir na praia pra... Sei lá pra que, mas vamos. Poucas pessoas, relaxa.
- Obrigada pelo convite, mas - deixei a voz morrer e fechei os olhos com força a fim de evitar mais lágrimas.
- Você ligou para sua amiga? - Sua voz ficou mais preocupada, e percebi que ela se afastou um pouco da bagunça ao seu lado. - Como foram as coisas?
- Liguei e... Bem, digamos que não somos mais amigas afinal de contas.
- Vocês brigaram, né? Imaginei que isso fosse mesmo acontecer... - Pausa. Provavelmente não sabia o que dizer, já que ela não me parecia o tipo de pessoa que perdia amizades. - Bem, mas você sabe que sempre podem resolver as coisas, né garota... É só ela voltar de Paris e vocês conversam, na certa se resolvem!
- Aí que ta o problema. - Respirei fundo, abrindo os olhos e encarando minha porta fechada. Aquela porta estava muito vazia, pensei comigo mesma, precisava de um enfeite ou algo assim. - Ela não vai mais voltar de Paris.
- Não vai? Como assim, por que não? - Eu ia responder, mas aí ouvi mais vozes reclamando no fundo e chamando-a. - Olhe, você me explica essa história com calma quando chegar na praia, ok? A praia do centro, aquela com a exposição de animais aquáticos, falou? Leve um casaco, beijinhos.
Segui o conselho de , peguei um casaquinho no armário para caso de estar ventando muito na praia (sempre estava) e desci as escadas correndo.
- Mãe, não vou poder jantar agora, deixe meu prato no microondas, por favor, ok? - Depositei um beijo em sua testa apressada e sai o mais rápido possível dali, antes que minha mãe começasse a fazer perguntas indesejadas.
's P.O.V.
- Pão duro - murmurou Travis pelo que parecia ser a milésima vez em minutos. - Você tem dinheiro, por que não gastar pelo menos uma vez ajudando seus amigos?
- Não diria que aquelas pessoas são minhas amigas, cara - expliquei o motivo também pela milésima vez. Qual era o problema dele em entender que eu tenho outras prioridades na vida além de pagar para os outros enxerem a cara? - Você devia começar a cobrar pelas festas que anda dando... Ia lucrar bastante, você sabe disso. Talvez até mesmo pudesse comprar a casa que estamos usando.
- Primeiro - ele estendeu os dedos na minha cara para dar sua explicação, como sempre fazia -, é uma tradição, eu poderia dizer até mesmo obrigação dos seniores da Conrad, dar as melhores festas e eu pretendo fazer história esse ano, meu caro. - Balancei a cabeça negativamente e rolei os olhos, não acreditando que estava mesmo ouvindo aquelas palavras. - E em segundo lugar, se a gente comprasse aquela casa, não ia ter mais graça fazermos as festas ali, entendido? Então nem pense em comprar.
- Jamais passou pela minha cabeça comprar aquele lugar imundo, pode ter certeza disso. - Ri fracamente e virei-me no sofá para observar as pessoas entrando pela porta da frente.
- Podíamos levar pelo menos comida pra praia, o que acham? - alguém perguntou e levou uns tapas por isso. - É sério, o que vamos ficar fazendo naquele lugar? - Era Clive que reclamava.
- Vamos beber, Clive - respondeu pacientemente. - Falando nisso, vamos logo! Levantem vocês dois daí. - Ela apontou para mim e para Travis, que estávamos esparramados no sofá. Fiz uma careta e abanei o ar com a mão, indicando que estava cansado demais para qualquer movimento.
- Tô falando sério, , vocês homens têm que fingir que prestam pra alguma coisa e pegar o carro pra levar a gente logo!
Travis se levantou e eu enrolei mais um pouco, fingindo estar me espreguiçando calmamente. Levei um tapa na bunda de e me dei por vencido, levantando enquanto bagunçava meu cabelo, que estava meio amassado.
- Não precisa se arrumar, garanhão, Andy já está totalmente na sua. - Ela piscou, passando os dedos por meu cabelo e bagunçando-o mais ainda.
- Andy? - Fiz uma careta involuntariamente. - Quem foi a anta que chamou Andy pra ir com a gente?
- Ninguém chamou, na verdade, ela trabalha no KFC perto da praia, esqueceu? - pegou as chaves do carro em cima da mesa e tacou para mim. - E pare de reclamar da garota, você não tava ficando mais sério com ela?
- Ficando sério? Eu? - Não tentei esconder o escárnio em minha voz enquanto fechava a porta de casa e trancava com a chave. - Por favor, .
Passei o braço pelo ombro de enquanto caminhávamos até o carro, impaciente já buzinava com força para nos apressarmos.
Abri a porta do carro para e observei a situação lá dentro. Travis, Clive e Shaun estava sentados no banco de trás, Aisha no colo de Travis. Empurrei rapidamente para cima de Shaun, sabendo da aversão que ela tinha por ele, e fechei a porta. Segui para o banco do motorista e encarei Cassy sentada no colo de no banco carona.
- Que você tá fazendo aqui, garota? - perguntei arqueando a sobrancelha. Ela e vinham brigando a semana inteira por ciúmes imbecis. Na verdade, eu não sabia o que ainda estava fazendo com ela.
Cassy me respondeu mostrando a língua, e então partimos. Eu dirigia lentamente, devido à lotação que estava aquele carro. Mas eu não reclamava, e nem ninguém. Nós estávamos naquela situação porque queríamos, já que Travis e Clive tinham carro. Só que era engraçado ver aquele amontoado de gente dentro de um carro razoavelmente pequeno como o meu, isso sem contar que desta forma todos podiam passar a mão por onde quisessem, alegando que a culpa era da falta de espaço ou qualquer coisa assim. Claro que eu saía perdendo nesse aspecto, já que na maioria das vezes era eu quem dirigia, mas eu não ligava muito... Sempre passei a mão onde quis sem ter que utilizar esses artifícios baratos.
Chegamos rápido à praia. Bournemouth podia me irritar às vezes por ser uma cidade relativamente pequena, mas tinha suas vantagens.
- Caralho. - Vislumbrei o estoque de bebidas no porta-malas. - Vocês pretendem embebedar quantos elefantes hoje?
- Acho que somos só nós mesmo - saiu do carro e foi me ajudar a pegar as garrafas.
- Na verdade, eu chamei uma amiga também. - conseguiu se livrar de Shaun e passava a mão pela saia, desamassando-a.
- Gostosa? - Shaun perguntou, tentando ajudar a desamassar a saia, e recebendo um tapa na mão como resposta.
- Vamos levar logo essas porcarias pra praia, galera. - Esfreguei as mãos, me animando com a perspectiva de passar algumas horas bebendo e rindo, sentindo o vento forte no rosto.
Foram necessárias duas viagens para que conseguíssemos levar todas as garrafas para nosso destino, e como tínhamos que passar pelo parque de diversão e pelo aquário na orla da praia, os olhares que recebemos não foram muito amigáveis.
Às sete horas da tarde estávamos sentados em uma roda na areia, todas as garrafas de bebida no meio do pessoal. Algum tempo já havia se passado e a praia estava mais vazia, apesar de ainda faltar muito para escurecer. Uma garota parecendo meio deslocada andava em nossa direção, e a principio eu não a reconheci. Somente quando se levantou e foi recebê-la que me dei conta de que aquela era , a garota do primeiro ano que acabara de levar um fora do namorado.
- Alguém me diz se aquela ali é a ? - Cassy perguntou, imediatamente se aproximando de , quase ficando em seu colo.
- ? - apertou os olhos para enxergar melhor. - É, ela mesma. Uma das pequenas mais estranhas da escola.
- Estranhamente sexy, isso sim - Travis acrescentou.
- Essa garota fala? - Cassy continuava intrigada com a presença de ali, e continuava subindo em cima de também.
- Essa garota fala com a ? - Aisha corrigiu a pergunta. - Desde quando?
- Desde a primeira festa que demos esse ano na casa abandonada - respondi, enquanto enfiava a garrafa na areia, com o gargalo para baixo.
As garotas continuaram a fofocar sobre e sobre as especulações que sabiam a respeito dela. Travis e Shaun discutiam sobre como seriam as pernas dela se ela estivesse usando uma roupa menos comportada, ou até mesmo nada. Clive e eu estávamos em silêncio, ele observando o mar e eu absorto em minha garrafa enterrada pela metade na areia.
parecia não perceber, ou não se importar, com o fato de estarem todos ali encarando-a. Na verdade, reparando melhor, ela não percebia porque estava ocupada demais choramingando sobre alguma coisa com . Será que essa garota só sabia reclamar da vida, ou o quê?
- Na boa, o que essa chorona tá fazendo aqui? Pelo amor de Deus, ela é do primeiro ano! - A voz de Cassy ficava ainda mais irritante quando estava alterada de ciúmes. Mas pelo menos alguém concordava comigo sobre ela ser uma chorona reclamona.
- Vocês não vão sentar não? - Travis chamou por e , que finalmente pareceram perceber que ainda estávamos todos ali.
- Ah claro. - puxou sua nova amiga pela mão, sentando-se ao lado de Aisha e forçando-a a sentar ao seu lado também. - Gente, essa é - apresentou com um sorriso. - E esses são, Aisha, , Cassy, Shaun, Travis, e Clive - disse nossos nomes pela ordem que estávamos sentados na roda, terminando por Clive, que ficara ao lado da garota.
- Olá. - Sorriu tímida, acenando fracamente. - Acho que já conheço alguns de vocês. Quero dizer, conheço todos de vista, mas alguns já tive o prazer de conversar.
Cassy não pôde controlar uma risadinha. Prazer de conversar?
- Que tipo de pessoa falava coisas como essas? - Li os lábios de Cassy, que estava de frente para mim.
Eu falava. Mas, claro, em mim isso era apenas um mistério a mais, ou um charme a mais, como Andy costumava dizer. No caso de , só parecia que ela era uma nerd esquisita.
- Seja bem vinda à nossa humilde roda da amizade, pequena - Travis tentou falar como ela, fazendo com que todos os outros rissem também. - Permita-me servir-te com alguma de nossas bebidas.
Ele se levantou e pegou uma garrafa pequena de conhaque - até então eu não tinha reparado no conhaque dando bobeira ali na areia -, e levou até , que aceitou com um sorrisinho fraco. Estava meio na cara que ela não queria beber, mas tinha aceitado para não desagradá-lo.
- Deixe a garota em paz, Travis. - rolou os olhos. - Não precisa beber se não quiser... Tenho certeza de que nosso amigo vai querer, de qualquer forma.
- Não, obrigado - respondi sem nem ao menos levantar o olhar da obra de arte que estava fazendo na areia.
Algum tempo se passou e todos continuaram conversando naturalmente. Ninguém além de e Travis davam atenção à estranha em nosso meio. Mesmo sem estar prestando muita atenção em nenhuma das conversas, eu podia perceber que às vezes tentava falar com , responder a algum comentário que ela fazia ou algo assim, mas sempre era repreendido por Cassy em seu colo. Quando isso acontecia, eu levantava a cabeça e dava um risinho para meu amigo, demonstrando minha compaixão para com o problema dele.
Às nove horas da noite, as coisas começaram a ficar meio entediantes para mim. Todas as garrafas vazias eu já havia enterrado, e todos a minha volta estavam começando a ficar retardados, rindo alto demais, exceto . Ela ainda parecia meio tímida e desconfortável em nosso meio, e eu não a culpava por isso. Qualquer um se assustava com nossos assuntos e piadinhas. Não sei o que estava pensando ao chamá-la para vir aqui hoje.
- Gente - falei de repente, e assustadoramente todas as cabeças viraram-se para mim. Não estava esperando que alguém prestasse atenção, por isso o espanto. - O que vamos fazer agora?
- Olha quem resolveu falar alguma coisa - Shaun comentou, pegando um pouco de areia na mão e tacando para cima. Todos observamos enquanto a areia era levada pelo vento.
- Nós podemos jogar algum jogo pra coisa ficar mais interessante - sugeriu Travis. - Eu acho que algumas pessoas aqui estão em desvantagem. Por exemplo, eu já bebi muito mais do que nossa nova amiga .
- também não bebeu quase nada - observou Aisha, me olhando de canto de olho enquanto fingia analisar as unhas.
- Mas ele não tem graça, todos nós já sabemos que não adianta ele beber, simplesmente não fica ruim! - um frustrado admitiu.
- E todos morrem de inveja de mim por isso - me gabei, rindo um pouco. - Enfim, que jogos vocês sugerem?
- Eu nunca! - Travis, muito empolgado, não perdeu a oportunidade de escolher um jogo em que todos os participantes teriam que beber. Muito. - Eu começo. - Ele pensou por um momento. - Eu nunca falei com minha mãe sobre sexo.
Clive, que era o próximo na roda, pegou a garrafa de vodka da mão de Travis e deu um gole. Clive não era de falar muito, nem de rir muito, mas todos gostavam da companhia dele, sabe-se lá por quê.
Eu, que estava do lado de Clive, peguei a garrafa e passei direto para Shaun ao meu lado. Todos me encararam perplexos.
- Quando foi a última vez que você falou com a sua mãe, ? - perguntou Shaun.
- Aos onze anos - falei com precisão. Ainda era encarado por todos.
- E como já falava de sexo com ela?
- Não venham falar de mim não, vocês que são muito antiquados! - Dei de ombros, mudando minhas pernas de posição. Estava começando a ficar cansado de estar sentado.
Shaun, Aisha e Cassy beberam nessa rodada; e não. Todos olharam atentos para quando chegou sua vez de beber.
- Então como funciona? Eu bebo se tiver falado de sexo com minha mãe ou se não tiver falado?
- Você bebe de qualquer jeito - Travis brincou, empurrando a garrafa mais para perto do rosto dela. bufou.
- Você bebe se nunca tiver falado, - ela explicou.
Ela deu um pequeno gole e passou a garrafa. Ela não estava nem um pouco empolgada com o joguinho, na verdade, se você prestasse atenção às suas feições sem saber o contexto, diria que ela estava sendo torturada ali. Qual era o problema com aquela garota, afinal de contas? Eu queria entender o que se passava na cabeça dela, e principalmente queria saber o que ela ainda estava fazendo sentada ali conosco. Será que não tinha mesmo nada melhor pra fazer numa noite de quinta-feira?
O jogo continuou rolando por mais algum tempo, algumas rodadas eram totalmente idiotas e outras eram mais maliciosas. Na vez de Cassy começar, ela resolveu brincar com .
- Eu nunca transei - ela disse e passou a garrafa sem beber. Assim que a frase saiu de sua boca, abriu mais seus olhos que antes fitavam o nada e trocou um olhar cúmplice com . Quando a garrafa chegou em suas mãos, ela deu um gole gigantesco, e até mesmo eu fiquei impressionado com a quantidade de vezes que percebi sua garganta engolindo o líquido.
- O que foi? - ela perguntou quando finalmente largou a garrafa e percebeu que todos a encarávamos. - Travis disse que eu podia beber quando quisesse, qualquer que fosse minha resposta.
deu de ombros e se levantou subitamente, limpando sua boca com a manga da camisa.
- Acho que estou indo nessa. Quero chegar em casa antes que escureça - ela declarou. Estávamos todos em silêncio, olhando para ela sem nos atrevermos a fazer qualquer tipo de comentário, maldoso ou não. Cassy, querendo mostrar indiferença, agarrou pelo pescoço e lhe deu um de seus beijos mais profundos e barulhentos.
- Você se importa de ir sozinha? - quebrou o silêncio.
- Não, minha casa não fica muito longe. - Ela sorriu e acenou um tchau para todos nós. Assim que ela virou-se de costas e deu três passos no máximo, eu me levantei também, batendo em minhas calças para me livrar da areia grudada. Me espreguicei e observei o mar, que já estava mais agitado por causa dos ventos mais frequentes que chegaram com o anoitecer. Supus que já eram dez horas, pois o sol já se punha.
- Vou falar com Andy antes que ela saia do seu turno no KFC - avisei e não esperei por uma resposta, apenas fiz o mesmo caminho que , não demorando muito para encontrá-la andando vagarosamente.
Segurei em seus ombros e ela pulou, virando-se rapidamente para mim.
- Você me assustou! - ela disse, o tom de sua voz calmo e sereno, não apresentando nenhum indício de susto.
- Você é um robô ou algo do tipo? - perguntei, me pondo ao lado dela, continuando a andar.
- Não que eu saiba, mas os testes ainda não terminaram - tentou fazer uma piadinha, e nem assim sua voz sofreu alterações.
- Pelo menos você tem senso de humor. Mesmo que não seja nada bom.
Ela riu fracamente, balançando a cabeça negativamente.
- O que te faz pensar assim de mim?
- Sua falta de emoção, de expressão...
- Há, essa foi boa. - Agora ela falava com ironia, rindo mais abertamente. - Você, Sr. Eu Não Ligo Para o Que Acontece ao Meu Redor, me dando sermão sobre demonstrar sentimentos.
- Touché - me limitei a dizer, imitando uma facada no coração com o pulso.
Andamos mais um tempo em silêncio. Subíamos as escadas que levavam ao estacionamento, onde o carro estava parado e onde Andy trabalhava.
- Por que resolveu vir aqui hoje? - não resisti a perguntar. Era esse o motivo deu ter andado até ali com ela. Obviamente não queria ir a nenhum KFC, muito menos ver Andy. Só queria saber o que ela estava fazendo ali, e se eu não descobrisse a curiosidade me incomodaria pelo resto da noite.
- Por que você se importa em perguntar? Desde que conversamos pela primeira vez você sequer olhou na minha cara - acusou-me.
Parei de andar bruscamente, pegando-a pelo ombro e forçando-a a virar-se para mim.
- Estou olhando agora, e estou falando agora. - Olhava bem em seus olhos enquanto falava calmamente, sem soltar seus braços. Percebi que seus olhos estavam fundos e levemente vermelhos, como se ela tivesse chorado a tarde inteira e finalmente estivesse se livrando dos vestígios.
- Pelo mesmo motivo que fui àquela festa idiota - ela respondeu e depois tentou se livrar de minhas mãos que a seguravam.
- Ainda tentando esquecer seu ex? - Não deixei que ela se soltasse, porém afrouxei minha mão em seus braços. Por que estava a segurando? Aquilo parecia extremamente idiota vindo de mim. Eu não me importava com os problemas dos outros, pelo amor de Deus!
- Eu tenho outros problemas além dele.
- Imagino que tenha. - Soltei-a finalmente, colocando minhas mãos nos bolsos da calça. - Bem, boa sorte com isso. Me diga se o plano der certo, porque costumava funcionar pra mim, mas não tem adiantado mais.
Ela assentiu com a cabeça.
- Boa noite, .
- Boa noite, - respondi quando ela já estava longe o suficiente para ouvir.
Fiquei parado um tempo no estacionamento, cogitando a possibilidade de pegar o carro e ir para casa, mas seria muita maldade com as pessoas esperando por mim. O problema era que a preguiça de descer todas aquelas escadas, e andar até a praia de novo estava me consumindo.
- ! - Fui interrompido por uma pessoa chamando meu nome ao longe. Virei-me com pesar para conferir o que já sabia: era Andy.
- Olá, Andy. - Sorri para ela, me aproximando. - Estava indo te buscar agora mesmo no seu trabalho - menti.
- Eu sei, me disse. - Andy sorria para mim enquanto passava seus braços em volta de meu pescoço. - O pessoal está todo lá comendo frango, e então eu vim aqui te procurar.
Aquela gente não conseguia mesmo viver sem minha companhia! Era só eu deixar o local que já me seguiam todos, inventando que estavam com fome ou algo assim.
- Não estou com fome agora - menti novamente, fazendo uma careta. - Acho que vou pra casa, você avisa a eles por mim? Peça desculpas e mande cada um pegar um táxi, principalmente as garotas, certo?
Seu sorriso só aumentou mais com meu comentário, e eu ganhei um selinho demorado.
- Adoro quando você se mostra preocupado com suas amigas. - Outro selinho, dessa vez mais ousado e forte.
- Me acompanha até o carro? - perguntei, pegando em sua mão e andando até o mesmo.
Encostei-me na porta do carro e puxei Andy pelo casaco grande até que ela ficasse com o corpo entre minhas pernas semi-abertas. Tirei aquele chapéu idiota do KFC de sua cabeça e joguei-o no chão, fazendo com que ela risse. Andy ultimamente ria de tudo que eu fazia ou falava. Não era mais aquela desafiante para mim, que tinha coragem de encarar meus olhos por muito tempo. Estava perdendo a graça, mesmo que ficasse sexy naquele uniforme pavoroso.
Beijei-a com vontade por algum tempo, aproveitando ao máximo aqueles lábios que não pretendia mais voltar a beijar por algum tempo; pelo menos até que desenjoasse.
- Tenho que ir agora. - Depositei cuidadosamente um beijo em sua testa, afastando seu corpo do meu e abrindo a porta do carro.
- Não vai mesmo ficar mais um pouquinho pra dar uma carona ao pessoal? - ela perguntou fazendo uma voz manhosa.
- Não vai dar... Mas se você quiser posso te deixar em casa - ofereci só para ser educado. Não estava nem um pouco a fim de mudar meu rumo.
- Fica pra próxima, ok? Ainda tenho que resolver algumas coisas lá dentro.
Entrei no carro e arranquei com ele rapidamente, antes que ela mudasse de idéia ou alguém chegasse correndo.
Capítulo 05
's P.O.V.
Acordei no dia seguinte com minha cabeça doendo um pouco. Não era uma dor insuportável, mas incomodava um pouco quando eu abria os olhos e encarava a claridade. Relutante, olhei no relógio pendurado na parede, só para constatar o que já sabia: estava atrasada para a escola. Estranho era que minha mãe não havia ido até meu quarto para checar se estava tudo bem, nem nada do tipo.
Levantei da cama e vesti um casaco grande e vermelho com capuz, que eu usava só para ficar em casa mesmo. Arrastei-me até o andar de baixo, o silêncio era evidente e até um pouco assustador. Quantos anos fazia que eu não ficava sozinha em casa? Quantos anos fazia que eu não faltava à escola?
Achei justo que fizesse os dois naquele dia frio e obscuro, visto que estava me privando disso há um bom tempo. Comi qualquer coisa que estava em cima da mesa e voltei a me enfiar debaixo das cobertas em minha cama, fechando os olhos por mais alguns instantes, o que claramente não fora uma boa ideia, pois meus sonhos não foram nada agradáveis. Alguma coisa a ver com zumbis em uma tempestade, eu sozinha em casa, tentando ligar para meus pais, Chloe, Charles, qualquer pessoa... Porém ninguém me atendia, e os zumbis chegavam cada vez mais perto. Eu provavelmente julgaria o sonho como imbecil se me contassem, mas quando eu acordei estava suando, meu casaco vermelho colado ao corpo, pânico evidente em meu rosto. Resolvi tomar um banho demorado e permiti que meus pensamentos invadissem minha mente naquele momento. Eu vinha tentando me privar de pensar em qualquer coisa que não fosse relacionado aos estudos, mas não tinha como pensar em números em um banho tão relaxante quanto aquele. Lembro-me de ter chegado à conclusão de que precisava tomar um rumo na minha vida, ou acabaria como minha tia Annie, uma solteirona que trabalhava no supermercado e passava o tempo livre alimentando e conversando com os pombos.
Quando eu ainda tinha um namorado e uma melhor amiga, as coisas pareciam mais claras... Eu tinha uma ideia, mesmo que pequena, do que eu faria tanto no dia seguinte quanto quando acabasse a escola. Agora sem os dois, me sentia perdida. Sem plano nenhum, sem rumo... O que não me deixava nem um pouco confortável, pois me fazia perceber que eu estava vivendo em função das pessoas ao meu redor ao invés de viver por mim e para mim.
Vendo por aquele ângulo era até bom eu ter me livrado do que me prendia, assim eu poderia começar a ser espontânea e deixar a vida me levar. O único problema é que eu não sabia fazer isso! Não sabia como me controlar para não fazer nenhum plano, não sabia me divertir sem que tivesse me preparado previamente para isso, e não tinha a menor ideia de por onde começar a agir assim!
Frustrada e sem ter o que fazer, depois que saí do banho, vesti uma roupa qualquer e resolvi sair para espairecer. Precisava pensar em um jeito de começar a viver a vida com espontaneidade.
Enquanto caminhava sem rumo pensei em várias possibilidades: eu podia fazer ioga, certo? Dizem que faz muito bem para o corpo, que acalma e faz você esquecer os problemas... Também podia começar a encher a cara, visto que todos os bêbados sempre dizem que bebem para esquecer as amarguras da vida...
Quando dei por mim estava perto do portão da escola. Como eu havia ido parar ali eu não sabia; meus pés deviam estar acostumados demais com aquele caminho e acabaram andando inconscientemente. Eram quase duas horas da tarde e logo aquele portão estaria lotado de gente na frente, conversando alto e rindo como sempre. Se eu fosse esperta e soubesse o que era bom para mim, teria saído dali o mais rápido possível, mas acabei decidindo por esperar. Talvez encontrasse com e ela me chamasse para fazer alguma coisa mais tarde.
Enquanto esperava sentada no banco da praça em frente ao colégio, ria de mim mesma. A que ponto eu chegara? Esperando para que me convidasse para sair com seus amigos, que, por sinal, eu odiava, só porque não tinha nada melhor para fazer em uma tarde de sexta-feira?
- Pequena ! - uma voz animada me tirou de meus pensamentos.
- Olá, Travis - respondi sem a menor empolgação. Dentre todas as pessoas daquela escola, por que Travis tinha que ser o primeiro a me ver e o único a vir falar comigo? Eu realmente estava decadente...
- Não vai me convidar para sua festinha não? - ele perguntou me encarando profundamente, quando percebeu que eu não iria falar mais nada.
- Que festinha? - Arqueei minha sobrancelha. Do que aquele garoto estava falando? Será que ele não via que eu tinha mais o que fazer ali não? Na verdade não tinha, mas deveria ter.
- Seus amiguinhos do primeiro ano resolveram dar uma festinha hoje. - Ele usava diminutivos demais para se referir aos juniores, e aquilo me irritava um pouco, mesmo que as pessoas da minha sala merecessem ser tratadas como crianças infantis.
- Não fiquei sabendo da festinha - imitei o tom de desprezo dele ao me referir à festa. - Sequer fui à aula hoje.
- Bem, sendo assim eu te convido pra ir comigo, o que me diz? - Travis pegou minha mão, que antes estava apoiada em minha perna, e segurou-a fortemente, acariciando com o polegar.
- Posso pensar e te responder mais tarde? Preciso conversar com antes - inventei uma desculpa qualquer na hora.
- Acho que vai ir com a gente pra festa, mas se você insiste... - Ele se virou para o portão da escola procurando por alguém, mas sem soltar minha mão.
Não pude deixar de notar que o cheiro de Travis não era dos mais agradáveis. Fedia a cigarro misturado com cheiro de casaco guardado.
Estava concentrada no cheiro do garoto e nem percebi quando se aproximou de nós com um sorriso estampado no rosto. Sempre aquele sorriso! Preciso admitir que eu sentia um pouco de inveja de por ela estar sempre tão feliz assim... Acho que era por isso que tinha vontade de permanecer ao redor dela o máximo que podia, tentar sugar um pouco daquela energia positiva ou qualquer coisa do gênero.
- Chamaram? - ela perguntou, olhando para Travis, que provavelmente tinha berrado seu nome.
- quer saber se você vai à festa dos amiguinhos dela hoje - ele explicou para ela, olhando para mim.
- Na verdade ele quer saber isso - resmunguei. - Eu nem sei o que estou fazendo aqui, pra falar a verdade! Acho melhor voltar pra casa e...
- Bem - interrompeu-me - você podia não saber o que estava fazendo aqui, mas agora sabe! Está indo para minha casa passar a tarde comigo e com as meninas, o que me diz?
- Acho melhor voltar para minha casa e passar a tarde enfiada debaixo das cobertas mesmo... Não me entenda mal, , mas não estou me sentindo muito bem hoje.
- Olha, tudo bem se você não quiser ir pra minha casa, eu vou fingir que não fico ofendida com isso - dramatizou uma cara de desapontamento -, mas pelo menos diga que vai à festa conosco! Eu preciso de alguém que saiba o nome daquelas pessoas pra que eu possa comentar sobre todos eles!
E foi por isso que eu fui parar naquela festa. Não tem como um ser humano resistir a qualquer pedido de , estou falando sério! Aquela garota te perturba até conseguir o que quer, com chantagem emocional e todo tipo de truque.
Enfim, a festa foi na casa de algum garoto da minha sala que eu não conseguia me lembrar o nome, e realmente, me forçou a dizer o nome de todos que eu sabia, e todas as fofocas que sabia sobre eles também. O que foi até divertido, tenho que admitir, porque assim que eu falava os nomes, ela sabia mais fofocas do que eu e era engraçado descobrir os podres das vidas das pessoas. Chloe sempre evitara esse tipo de fofoca, alegando que a vida de nossos colegas não tinha nada de interessante para que nós nos interessássemos, mas na verdade a vida de alguns ali davam perfeitamente para uma novela mexicana!
Fiquei o tempo todo em um canto da sala bebendo e conversando com e Travis, que às vezes insistia em aparecer ali para dar em cima de mim, mas com o passar do tempo ele foi ficando cada vez mais bêbado e depois simplesmente sumiu da festa, suponho que tenha achado uma garota mais fácil do que eu para passar a noite.
Foi divertido também porque eu pude beber um pouco mais do normal sem me preocupar com nada, nem mesmo com a hora em que devia ir embora, pois avisara minha mãe que ia dormir na casa de uma amiga, e como era sexta-feira, não teríamos aula no dia seguinte. Por esses motivos, quando chegamos à casa de , eu estava tão cansada e com tanto sono que caí direto na cama.
- Não vai trocar de roupa não, porquinha? - olhava para meu corpo jogado na cama ao lado da sua de barriga para baixo, provavelmente rindo da minha situação.
- Não estou acostumada a beber e a ficar com música alta no ouvido por tanto tempo - resmunguei com a cara enfiada no travesseiro, então não tenho certeza se ela entendeu bem, porém riu.
Levantei a cabeça quando percebi que o quarto estava em silêncio e observei o mesmo; realmente estava vazio. devia estar no banheiro, tomando um banho ou escovando os dentes. Pra falar a verdade, um banho até que seria uma boa opção. Talvez assim eu conseguisse tirar aquele zumbido irritante do meu ouvido!
Um tempo depois, voltou para o quarto, e eu já usava meu pijama de flanela rosa bebê, sentada na cama com as pernas cruzadas. Parecia até um ser normal, com os cabelos presos.
- Uau, você se recupera rápido - riu passando pela minha cama e seguindo direto para a sua. Estava usando uma boxer quadriculada e uma camisa do White Snake gigantesca. Como alguém conseguia dormir com algo como aquilo?
- De quem é a boxer? - Não resisti à curiosidade.
- Do meu irmão. - deu de ombros, se enfiando debaixo das cobertas. - Antes que pergunte, tenho dois.
- Interessante - disse entre bocejos. - Depois você precisa me contar mais sobre isso. Como é ter irmãos e essa coisa toda...
- É chato, irmãos são nojentos e implicantes - sua resposta foi curta e grossa. - Agora, por favor, cale a boca, .
- Boa noite. - Sorri para mim mesma no escuro, deitando devidamente na cama desta vez, pronta para uma ótima noite de sono.
Até parece! Como alguém dorme bem com um piiiiii pós-festa irritante na cabeça?
- Eu sinto muito, lindinha - Charles me dizia com um sorriso encantador no rosto. - Eu errei, e errei feio com você! Será que poderia me perdoar?
- Não, Charles - eu respondi, impressionantemente minha voz era firme e decidida. - Você me decepcionou muito, mas finalmente eu consegui te esquecer...
Ele olhava para mim com os olhos marejados.
Ok, aquilo só podia ser um sonho. Quero dizer, um sonho mesmo, que a gente tem quando está dormindo. Eu tinha consciência de que estava sonhando, primeiro porque Charles não voltaria para me pedir perdão, eu já tinha aceitado esse fato. E segundo porque, se houvesse uma remota possibilidade de que ele fizesse, eu não diria que não. Talvez bancasse a difícil por um tempo, mas obviamente voltaria para ele.
Mas a preguiça era tanta... Virei-me na cama, puxando a coberta para cima de meu rosto, a fim de evitar a luz que entrava no quarto. Eu não queria acordar... Queria continuar sonhando com um mundo onde eu conseguia dar um fora em Charles Mignac, já que era apenas isso que ele merecia de mim!
- AAAAAAAAAAAAAAAAH! - alguém gritou em meu sonho. - SAI DE CIMA DE MIM!
- Charles, não estou em cima de você! - esbravejei, perdendo a paciência. - Quer parar com a brincadeirinha?
- EU JURO QUE NÃO FUI EU QUE ROUBEI! - os gritos continuaram. Não era a voz de Charles na verdade, mas não tinha ninguém mais no meu sonho! E aquela era uma voz de criança. - ME SOLTA, POR FAVOR!
Abri os olhos e levantei a cabeça rapidamente, atordoada. É claro que levantar rápido não foi uma das melhores ideias, visto que fiquei tonta e quase caí no travesseiro de novo. Olhei para a cama ao lado e dormia como um anjo. Não fazia ideia de que horas eram, na verdade devia ser bem tarde, pois meu estômago implorava por comida, mas eu não tinha disposição para comer no momento, na verdade só queria voltar a dormir.
- EU QUERO VER MEU DESENHO, ME DÁ O CONTROLE AGORA!
Mas que saco, será que aquela criança não ia parar de berrar nem quando eu estivesse acordada? Eu devia estar mesmo ficando louca, tendo alucinações ou qualquer coisa do tipo... Ouvi dizer que beber demais e dormir de menos pode dar nisso, às vezes, em casos bem remotos. Considerando a minha falta de sorte, eu poderia ser um desses casos de um em um milhão.
Percebendo que os gritos não iam cessar, levantei-me e cambaleando fui até a porta. Precisava urgentemente de um banheiro, e não iria acordar para perguntar onde era.
Assim que abri a porta, o grito daquela criança infernal invadiu meu ouvido e tenho certeza de que por muito pouco meus tímpanos não se estouraram! Fui até a escada e olhei para a sala lá embaixo, onde uma criança de aproximadamente nove anos fazia uns barulhos estranhos com a boca e brigava com um adulto por um controle-remoto. O volume da televisão também estava bastante alto, isso sem falar nas gargalhadas que o tal adulto infantil estava dando. Por que diabos ele não dava logo a porcaria do controle pra criança calar a boca? Será que ele não percebia que tinha gente com dor de cabeça naquela casa? Quero dizer, ainda estava dormindo, e podia perfeitamente estar com uma terrível enxaqueca.
Segui direto para o banheiro, fechando a porta atrás de mim. Sentei-me no vaso sanitário com a tampa fechada e tapei meus dois ouvidos com as mãos, tentando ficar em silêncio e sozinha por um momento. Meu estômago roncando me tirou do meu momento de paz, e então eu comecei a fazer minha higiene matinal com os instrumentos que detinha em mãos, que, devo acrescentar, eram bem precários, pois eu esquecera minha nécessaire no quarto de .
Quando estava de rosto lavado, cabelo preso e dente escovado (com o dedo), voltei para o corredor e parei novamente na escada. Finalmente a criança parara de berrar, e tudo que se ouvia no momento era Bob Esponja e sua risada idiota. Pensei em descer as escadas, mas eu não sabia o que ia encontrar no andar debaixo. E se os pais de estivessem na cozinha tomando café da manhã? Pior, e se eles estivessem almoçando? Eu ainda não sabia que horas eram, e a fome estava ficando difícil de controlar.
Dei uma espiada no quarto e o corpo de ainda jazia tranquilamente em sua cama. Sem escolha, peguei meu celular; eram onze e vinte da manhã, e sentei-me no último degrau da escada, de onde conseguia ver metade da televisão e a criança de costas para mim sentada no sofá. O adulto que estava brigando com ela mais cedo já havia saído dali.
- ? - uma voz chamou meu nome do nada, e certamente não era a voz de . Ela nem tinha bebido tanto assim na noite anterior pra ficar com a garganta rouca... E muito menos com uma voz aveludada e grossa assim!
Virei para trás rapidamente para me deparar com... ?
- ? - Seu nome saído de minha boca soou como uma pergunta, assim como o meu havia soado segundos antes. - O que você tá fazendo aqui... Seminu?
Não pude me controlar, e acabei dando uma boa olhada em seu tronco nu. Ele estava usando apenas uma calça de moletom cinza, o que me dava uma boa visão de um discreto tanquinho e de seu abdômen bem definido, porém não exagerado. não fazia o tipo de quem malhava em academias, e muito menos praticava algum esporte. Como ele conseguira aquele corpo?
Balancei a cabeça, afastando esses pensamentos.
- Por um acaso eu estou no corredor... Da minha casa. - Ele arqueou sua sobrancelha e cruzou os braços, me encarando. - E você...
- Estou aqui porque me chamou - expliquei rapidamente, antes que ele tirasse uma conclusão errada, embora eu não visse nenhuma outra explicação que ele poderia pensar. - Mas eu achei que essa fosse a casa dela, porque ela tinha a chave ontem à noite, e Travis deixou a gente aqui...
- resolveu dar festinhas do pijama agora, é? - perguntou com sarcasmo, relaxando da posição de defensiva que estava antes. Andou até onde eu estava sentada na escada e encostou-se no corrimão da mesma. - Estranho que eu não ouvi nenhum barulho ontem à noite. Tem mais alguém dormindo aqui? Andy está aqui? - Nesta última pergunta, seu tom era de preocupação, arrisco-me a dizer que talvez até medo.
- Não, só eu dormi aqui ontem. Nós fomos àquela festa do pessoal da minha sala, e como saímos de lá bem tarde acabei vindo pra cá. Deve ser por isso que viemos pra cá e não pra casa de . Vai ver que a mãe dela não ia gostar, ou sei lá.
- Mãe da ? - Ele riu do meu comentário. - A mãe dela está no México, por isso ela está passando uns meses aqui comigo.
- A está morando com você porque a mãe dela viajou há alguns MESES? - minha voz se alterou, e eu pigarreei, encarando-o incrédula. - Vocês por um acaso são...
- Irmãos? - ele continuou a frase por mim, assentindo logo depois. - É, infelizmente somos. Mas só por parte de pai, deixo bem claro.
Na verdade não era isso que eu tinha em mente, mas devo dizer que me aliviei com sua resposta. Estava pensando em algo como namorados, e bem, não seria uma ideia muito agradável, não sei exatamente por quê.
- Isso é definitivamente muita informação pra um sábado de manhã pós ressaca. - Levei as duas mãos ao rosto, cobrindo-o e massageando as têmporas. Dor de cabeça maldita!
Sem falar mais nada, sentou-se de lado no corrimão no qual estava apoiado e desceu escorregando pelo mesmo.
- Ah - disse ele quando já estava lá embaixo -, quer comer alguma coisa?
Finalmente!, pensei, mas não disse nada. Ao invés disso, apenas desci vagarosamente as escadas, seguindo-o até a cozinha.
Já havia me entupido com o pacote de biscoito que me dera e tomado meio copo de leite quando a criança apareceu na cozinha, sentando-se ao meu lado na mesa.
- O que vamos fazer hoje, mano? - perguntou animadamente, balançando seus pés que não alcançavam o chão. Era uma criança adorável quando não estava berrando!
- Já disse pra não me chamar de 'mano', Julian - rosnou em uma voz baixa. Ele estava virado de costas para mim o tempo todo, fazendo alguma coisa no fogão que eu não me atrevera a perguntar o quê.
Julian o ignorou, olhando pela primeira vez para mim e sorrindo como se pedisse desculpas pelas grosserias do irmão.
- Estou acostumada - movi os lábios sem fazer ruídos, e depois sorri amigavelmente. Não que eu pudesse parecer amigável de qualquer jeito com as olheiras e o cabelo mal penteado, mas ao menos eu tentei...
- Meu nome é Julian , e o seu?
- - respondeu por mim, finalmente tirando a barriga do fogão de alta tecnologia. Na verdade, tudo naquela cozinha era bem moderno e... Claro. Sentia-me no meio de um filme de ficção científica, por mais idiota que isso possa parecer.
- Exato - confirmei, pegando mais um biscoito no pote e levando-o a boca calmamente, observando enquanto abria a geladeira e tirava de lá algumas coisas. Parecia que ele estava fazendo almoço ou algo assim, não café-da-manhã. Ou pelo menos eu achava que ninguém comia molho de tomate pela manhã com torradas.
- Você joga videogame, ? - Julian parecia decidido a manter a conversa, e eu fiquei grata por aquilo. O silêncio de antes me incomodava um pouco, pra falar a verdade.
- Eu sou péssima em videogames - admiti, olhando para baixo. - Na verdade sou péssima em qualquer tipo de jogo eletrônico...
- Quer jogar comigo? - Julian pareceu animado ao descobrir que eu não sabia jogar. E eu achando que ele iria se desapontar comigo... Crianças são realmente imprevisíveis!
- Mas eu acabei de admitir que não sei jogar! - Terminei de beber meu copo de leite. Tive a impressão que estava rindo de costas para nós.
- Por isso mesmo! - Julian segurou minha mão, puxando-a um pouco. - Quem sabe assim eu não consigo ganhar de alguém? nunca me deixa ganhar dele! - reclamou, e então eu tive a certeza de que estava mesmo rindo.
- Seu irmão é realmente muito malvado - comentei, olhando para as costas dele. E que costas!
- Malvado não, estou ensinando o garoto a viver - ele se defendeu, virando-se para nós com uma colher de pau na mão. Tenho que admitir que a cena era um pouco engraçada, afinal de contas, eu não poderia imaginar que cozinhava. - Ou você acha que vai poder ganhar tudo na vida, hein? - Olhava diretamente para Julian, que emburrado ainda puxava minha mão.
- Não ligue pra ele, vamos logo lá pra sala! Eu ganhei um joguinho muito legal sobre dinossauros, não é difícil, você aprende rapidinho...
's P.O.V.
Eu esperava sinceramente que não fosse uma pessoa fofoqueira. Se por um acaso na segunda-feira alguém olhasse para minha cara e fizesse algum comentário idiota a respeito dos meus dotes culinários, a garota ia sofrer as consequências, e eu não estava planejando pegar leve daquela vez.
Porém, eu não estava com raiva de ter dado de cara com ela do nada sentada na escada. Ao contrário de algumas outras amigas de , ela não me encarava tentando ser sedutora, ela não dava em cima de mim e isso me deixava mais confortável para agir normalmente em minha casa, o que, afinal, é o que todos devemos fazer, certo? Agir confortavelmente quando estamos em nosso próprio lar.
Terminei de cozinhar o almoço; iríamos ter bolo de carne e purê de batatas. Não é meu prato predileto, mas daria para o gasto, e tínhamos o suficiente para caso nossa convidada resolvesse ficar.
A intenção era dormir mais um pouco, ou apenas encarar o teto por algumas horas, mas quando passei pela sala e vi que estava ganhando de Julian em seu novo joguinho de dinossauros tive que parar para acompanhar. Fiquei encostado no batente da porta com os braços cruzados por um tempo em silêncio, acho que nenhum dos dois percebeu minha presença ali. Aliás, tudo em volta deles parecia ser invisível no momento, nada mais existia: só eles e a tela da tevê.
- Não vale, você mentiu pra mim! - Julian reclamou quando a partida acabou. Ele sempre reclamava.
- Não menti, eu juro que nunca joguei isso - se desculpou, soltando o controle em cima da mesa. Ela passou a mão pelo cabelo dele, puxando-o para o lado. - Quem sabe em outro joguinho você seja melhor que eu? Aposto que em qualquer um de corrida você me ganha fácil!
- , você viu a por aí? - uma preocupada e desnorteada me chamou, descendo as escadas quase caindo. - Ela dormiu aqui em casa noite passada, e agora eu acordei e... - Ela chegou até a sala e encontrou e Julian a encarando.
- Ah, oi - pareceu aliviada, com a mão no peito. - Nossa, desculpa mesmo, , acho que dormi demais - constatou o óbvio. Ela sempre dormia demais...
- Não tem problema, seus irmãos me trataram bem - respondeu lançando um olhar para Julian e depois parando em cima de mim.
- Er, desculpa por não te contar antes quem eram meus irmãos... É que na verdade eu tento esconder ao máximo que divido genes com essa criatura. - ia me dar um tapa na cabeça, mas eu previ e segurei seu braço com força, sorrindo presunçoso para ela.
Sentamo-nos todos no sofá e as meninas continuaram jogando com Julian, mas eu fiquei apenas observando. Estava cansado pela noite mal dormida e não entendia como Julian conseguia aparentar estar tão bem depois de ter ficado quase a noite inteira acordado comigo... Aquele peste me cansava e depois ficava rindo!
- O que fez para o almoço, ? - perguntou quando eles finalmente cansaram de jogar. - Se me disser que temos peixe de novo... - deixou a ameaça morrer.
- Não, não temos peixe em casa, alguém se esqueceu de ir ao supermercado. - Lancei-lhe um olhar direto, levantando-me e seguindo até a cozinha. Todos foram atrás de mim e colocaram a mesa.
- vai ficar para almoçar com a gente, né? - Julian segurava na mão dela, balançando seus braços. - Por favor, por favor! Você é a primeira namorada de que joga comigo, é a única legal além da Glenda.
rolou os olhos ao ouvir o nome de Glenda. Ela era totalmente contra Julian ter uma babá e eu ter um caso com a mesma, porém, quando eu queria sair, ela não gostava de ficar tomando conta de criança, então não podia reclamar da babá.
- Então quer dizer que tem uma namorada? - perguntou com sua voz soando maldosa, sentando-se à mesa conosco. Ela estava se referindo à Glenda, tinha ignorado o comentário de Julian, preferindo não negar nem confirmar nada como eu havia previsto que ela faria.
- Ignore o que essa criança diz. - Abri um meio sorriso, servindo a todos com o suco de laranja. - Glenda é a babá dele. - Mais uma vez rolou os olhos.
pigarreou e provavelmente se sentiu obrigada a mudar o assunto.
- Não deveríamos esperar pelos pais de vocês para almoçarmos? - Feita essa pergunta, engasgou com o suco e Julian largou seu garfo em cima da mesa com força, cruzando os braços. Todos olharam para mim.
- Que foi? - perguntei analisando todos aqueles olhares. Julian estava furioso, me perguntava com olhar o que deveria falar e estava confusa, se martirizando por ter falado alguma besteira. Qual era o problema com eles? Será que todos achavam que eu iria resolver seus problemas?
- Não temos mãe, - expliquei por fim, visto que ninguém falaria mais nada. - Quero dizer, a minha mãe faleceu há sete anos. A de e Julian está no México, como mencionei.
Encarei meu prato por um tempo, enquanto certamente ela fazia a conta que todos faziam: sete anos de morte, isso significa que eu tinha apenas onze anos.
- Ah - suspirou , sem saber para onde olhar. Por fim, todos olhamos para Julian, que de repente levantou-se da mesa e saiu da cozinha sem dizer nada.
- Vou falar com ele - fez menção de se levantar, mas eu segurei sua mão para ela que não o fizesse.
- Deixe-o sozinho por um momento, tudo bem? Ele já superou isso, é só que faz algumas semanas que não recebemos notícias da mãe de vocês.
Um silêncio estranho e perturbador invadiu a cozinha. Nem mesmo sons de garfos e facas batendo nos pratos eram ouvidos. Todos estávamos encarando algum ponto fixo sem nos mover, até que eu resolvi acabar logo com aquela babaquice de silêncio desnecessário, voltando a explicar a história para . Não que ela precisasse saber, mas eu tinha que acabar com o mal estar!
- Nosso pai - gesticulei apontando para mim e para - não era casado com a minha mãe quando me teve, na verdade ele nem sabia da minha existência na época... Então depois que minha mãe fugiu comigo, ele se casou com a mãe de , quando meus dois irmãos abençoados nasceram. - Sorri ironicamente para . - Um belo dia minha mãe resolveu contar ao meu pai que eu existia, só que eu não sabia que ela estava morrendo e por isso tinha que se livrar de mim. No fim das contas todos fomos morar com nosso pai e a mãe de e Julian, Lilian. Até que não aguentamos mais aquela casa de loucos e compramos essa casa aqui pra gente - terminei a história de minha vida e o silêncio trágico continuou. Então era isso? Eu resumia os dezoito anos de minha vida em menos de um minuto e ninguém falava nada? Qual é o problema com as pessoas, afinal? Eu não estava chorando, não estava sentido nem nada! Por que todos acham que eu tenho que ficar mal ao contar minha história só porque ela não é bonitinha e feliz como a de todo mundo? Eu não ligo pra isso! O final da minha vida eu mesmo pretendo escrever, obrigado.
- Uau - soltou após um tempo, mexendo com o garfo em seu prato. - É uma história e tanto! Trágica, é claro... Mas impressionante.
- Acho que a conclusão que tiramos disso tudo é que ninguém é muito normal nessa família, certo? - tentou amenizar com uma risadinha. Ela também não ligava para o assunto, na verdade. Ainda tinha os pais vivos, apesar de não manter contato com nenhum deles e nem gostar muito deles, preferindo até vir morar comigo e com Julian. - Certeza de que não devo ir falar com o garoto?
- Absoluta - respondi com segurança. - Ele tem problemas maiores pra se preocupar, não precisa ficar se remoendo muito com o que é passado.
me encarava novamente, com certeza curiosa com o que eu havia acabado de dizer, mas receosa em perguntar o porquê, provavelmente por medo de ter de ouvir outra infeliz história da família .
Meu maço de cigarros e minha garrafa de uísque foram uma ótima companhia para aquele sábado nublado e tedioso. Logo após o almoço fora embora, ainda meio abalada e sem saber como se desculpar por ter trazido aquele assunto à tona. Julian não saiu de seu quarto o dia inteiro, provavelmente pegou no sono depois da noite mal dormida. E também estava quieta em seu canto até aquele momento.
- Vai sair? - perguntei dando uma olhada em minha irmã parada em frente ao espelho da sala, retocando o batom ou algo assim.
- Vou dar uma volta. - Deu de ombros para indicar que não era nada importante.
- Com quem?
Detestava bancar o chato, mas já que nosso pai claramente se recusava a dar qualquer tipo de discurso, sobrava para mim às vezes.
- Com o pessoal, . - Ela deu de ombros de novo, rolando os olhos dessa vez. Detestava mais ainda bancar o paranóico, mas quando não me dizia com quem estava saindo e o que ia fazer, é porque boa coisa em boa companhia não era. - Nossos amigos.
- E por que não me chamaram?
É claro que eu não estava querendo saber realmente por que não haviam me chamado. Era só para sondar mesmo.
- Nossa, contar nossa história hoje te deixou tocado e com vontade de bancar o papai, ? - deixou a sala, seguindo para a cozinha.
Deixei quieto, porém fiquei atento à campainha. Quando a mesma tocou, corri para atender e dei de cara com Clive.
- Clive? Veio buscar ? - O garoto estava claramente embaraçado a me ver ali, despreocupado de pijamas e com um cigarro entre os dedos. Ele assentiu nervosamente com a cabeça.
- Tchau, . - Ela passou por mim e por Clive, indo direto ao carro. - Não espere por mim acordado!
Clive deu um tchauzinho nervoso e seguiu minha irmã para o carro. Não pude deixar de notar que não havia mais ninguém ali dentro. Balancei a cabeça, reprovando a atitude de por sair com alguém como Clive, e a minha também, por estar me preocupando com isso e bancando o paizão para minha irmã e meu amigo.
- E então a gente foi ao parque pra checar se a história da Whitney era verdade, só que quando chegamos lá encontramos... - tagarelava em meu ouvido sem parar enquanto eu tentava prestar atenção no trânsito. Sempre odiei dirigir para a escola, já que não era tão longe assim, mas como nenhum de nós dois tinha conseguido dormir bem noite passada (por causa de Julian, para variar), perdemos o horário e tive que apelar para o carro mesmo.
- Presta atenção, ! - ela berrou, me dando um tapa no braço. Descontei minha raiva pelo susto apertando o volante do carro, e olhei para com um olhar nada amigável. - Você furou um sinal! - justificou.
- Você quer chegar à escola no horário ou o quê? - resmunguei voltando minha atenção à estrada.
- Como se você se importasse com isso.
Finalmente chegamos à escola e eu rapidamente saí de perto de . Passar o final de semana inteiro trancado em casa com ela e a criança não fora nada fácil, e quanto mais tempo eu passasse longe deles essa semana, melhor seria para eles!
Capítulo 06
's P.O.V.
E daí que eu não conseguia parar de pensar na história que me contara dois dias atrás? Era melhor pensar nisso do que pensar em Charles. Bem melhor, pra ser sincera.
Mas pensar assim fazia de mim uma das pessoas mais egoístas do mundo! Como eu conseguia gostar de ficar pensando no problema dos outros, sendo que isso provavelmente os deixa infelizes? Estamos falando de três pessoas, certo? Dois adolescentes e uma criança inocentes, carentes de pais e mães, as pessoas mais necessárias para o desenvolvimento normal de qualquer um! E ao invés de eu pensar assim, eu só conseguia pensar que eles eram muito fortes mesmo. Até mesmo Julian era mais forte do que eu! Ele estava conseguindo lidar com a ausência de seus pais, por que eu não conseguia lidar com a ausência de um namorado? Imaginava o que seria de mim se eu não tivesse uma família bem estruturada... Já teria pirado há muito tempo!
Eu podia entender por que e tinham ido morar sozinhos, mas Julian? Se ambos seus pais ainda estavam vivos, por que ele não ficava com eles? Não podem ser tão má pessoas assim, afinal, por mais que seus filhos tenham alguns problemas de convivência e de conduta, eles pareciam pessoas bem educadas e com uma boa criação... Isso sem mencionar o inegável fato de que eles lidavam melhor do que ninguém com seus problemas. Aposto que quase ninguém sabia da história toda, nem eu sabia de todos os detalhes. Eles provavelmente passaram por vários problemas e nem contaram para ninguém! Fala sério, se eu tivesse amigos como eles têm, sairia contando para todos eles, na esperança de que alguém pudesse me ajudar!
E então me ocorreu que talvez eles lidassem bem com as divergências porque não pensavam tanto nelas... Eles fugiam dos problemas, certo? Era fácil notar, pois não moravam mais na casa do pai. Mas fugir do problema eu também fizera! Não via Charles há alguns meses, e acho que isso conta como ficar longe do problema.
Outra coisa que eles não faziam era falar no problema. Certo, como eu também não tinha com quem falar, não falava. Devia ter outro segredo... Outra forma, técnica ou qualquer coisa assim que eles fizessem... Alguma coisa que simplesmente ocupasse suas mentes para que eles não pensassem no que os atormentava. E eu desconfiava que só as pessoas que tiveram problemas na infância tinham a chave para esse segredo... Mas eu queria essa chave. Eu precisava dessa chave! Era a única forma que eu via de conseguir esquecer de uma vez a praga que fora Charles em minha vida, e ocupar o buraco que ele deixara na mesma. Isso sem mencionar o outro buraco enorme que Chloe abrira e deixara ao relento também.
Decidi naquele momento, caminhando para a escola sozinha, que nunca mais criticaria as companhias das pessoas! Por mais falsas que elas pareçam, não se pode criticar sem conhecer... Eu julgava os meus amigos os mais fiéis do mundo e veja só onde eu estava. Haveria um poço mais fundo do que o que eu me encontrava?
- Você vai me ajudar? - fui direta. me encarou por um momento, confusa.
- Te ajudar como, ? Aconteceu alguma coisa?
Apressamos o passo instintivamente enquanto andávamos pelos corredores da Conrad.
- Na verdade não - enrolei um pouco -, mas eu sei que preciso da sua ajuda. Sua e do , pra falar a verdade.
Ela passou a me encarar com a expressão mais confusa ainda. Paramos assim que chegamos à porta do colégio, parou na minha frente, segurando em meus dois braços.
- Me diz o que você precisa. É alguma coisa séria? Você se envolveu em algum tipo de problema, briga ou algo assim? Precisa de discrição? Porque nós podemos ir lá pra casa se você quiser, aí podemos conversar todos juntos, eu você e , apesar deu não entender que tipo de ajuda você precise que possa vir de mim e do ao mesmo tempo, mas - tagarelava como sempre como uma metralha.
- Acalme-se, garota! - exaltei minha voz, passando a segurar em seus braços também. - Está tudo bem, eu só...
- , qual é seu problema? - Cassy chegou perto de nós, com seu gritinho irritante. - Você vai mesmo me fazer chegar atrasada na manicure?
Rolei os olhos abertamente, mas logo que percebi isso olhei para , procurando algum vestígio de ofensa em seu rosto. Não encontrei. Ela parecia tão entediada quanto eu estaria se tivesse que acompanhar Cassy em Um Dia de Princesa.
- Me encontre lá em casa, ok? - Soltou meus braços e se desvencilhou de minhas mãos em seus braços. - Juro que isso não vai demorar, e nós vamos conversar hoje! Lá pras cinco horas, está bem pra você?
- Ótimo - disse sorrindo, depois acenei quando ela foi embora acompanhada da Barbie Malibu. Mas não estava ótimo! Não estava nada ótimo, pra falar a verdade!
Por que eu e minha boca grande tínhamos que agir juntas na hora errada? Eu não tinha o que falar com , não tinha o que pedir! Ah, oi , o negócio é o seguinte: eu ando observando o seu comportamento e o de sua família e percebi que vocês não ligam para os problemas de vocês, então pensei em pedir que vocês me ensinassem o segredo para ser feliz e não pensar nas merdas que os outros fazem com as nossas vidas! Que tal?
Tá bom, até parece.
Mas agora que eu tinha falado que precisava de ajuda, não me deixaria em paz! Ela ia me perseguir por dias até que eu contasse logo. Aliás, acho que eu não duraria nem dias sob a pressão daquela garota! Não dava duas horas e ela já teria arrancado tudo de mim. Tudo e um pouco mais...
E foi por isso que às cinco horas em ponto eu estava parada na porta da casa dos três irmãos. Parada literalmente, visto que não tinha ninguém em casa e eu tive que ficar esperando sentada nos degraus debaixo da porta. Ótimo. O tempo que tinha para pensar só me desencorajava mais a cuspir de uma vez todos os meus problemas e aflições.
- Que você está fazendo aqui? - Uma voz não muito feliz me tirou de meus pensamentos. Era . E parecia confuso, ou até mesmo bravo por me ver ali, sentada na porta de sua casa.
- Estou esperando , na verdade. - Levei minha mão para servir como sombra para meus olhos, a fim de ver a figura de contra o sol. - Sabe quando ela chega?
- Nunca sei de . - Ele deu de ombros, passando direto por mim e abrindo a porta. Não me virei para ver o que ele fazia, e após alguns segundos apenas ele falou de novo:
- Não vai entrar não? - bufou, entrando na casa em seguida, mas deixando a porta aberta.
Levantei, peguei minha mochila jogada no chão e entrei na casa vagarosamente. Estava familiarizada com a sala, e aparentemente não me julgava mais como visita, pois ele já tinha subido as escadas, deixando-me sozinha no andar debaixo. Sozinha e constrangida.
O que eu estava fazendo ali, afinal de contas? Parada no hall da casa dos , sozinha e prestes a pedir-lhes ajuda?
Se um mês atrás alguém me dissesse que eu estaria naquela situação algum dia, eu no mínimo riria da cara da pessoa, chamando-a de insana e coisas piores.
Resolvi sentar no sofá e esperar por lá até que resolvesse aparecer. O que demorou bastante, pra falar a verdade.
desceu e subiu as escadas algumas vezes, mas ele não falava comigo. Em uma dessas vezes que ele desceu para pegar alguma coisa, resolvi olhar para ele e tomei coragem de falar:
- Posso falar com você um momento? - perguntei com a voz meio trêmula.
- Nossa, como eu sou rude e mal educado! - ele exclamou, não me parecendo zombeteiro. Estava mesmo falando a verdade, ou era um ótimo ator. - Posso te oferecer alguma coisa, ? Água, ou um suco?
- Sem problemas, . - Sorri sincera. Nem tinha parado para pensar em futilidades como aquelas em um momento crucial como aquele. - Mas uma água com açúcar seria bom, pra falar a verdade.
Imediatamente ele foi andando até a cozinha, e eu o segui. A cozinha me parecia um bom lugar para ter uma conversa que queria, porque assim ambos teríamos alguma coisa para fazer enquanto o assunto constrangedor estivesse rolando. Ele poderia mexer na geladeira ou algo assim, e eu poderia entreter-me bebendo minha água.
Ficamos em silêncio enquanto ele preparava meu copo, e assim que ele o deixou na mesa para mim, me deu uma deixa para entrar no assunto em que eu queria:
- Você não precisa ficar sem graça perto de mim só porque sabe o que sabe, - afirmou, sentando na cadeira de frente para mim. Peguei o copo com uma força exagerada, puxando-o para perto de mim.
- Não estou sem graça, estou? - Preferi ser vaga quanto a isso. - Acho que estou mais intrigada do que sem graça, na realidade.
- Intrigada com o que exatamente? - ele pareceu interessar-se pelo assunto, o que era ótimo, pois assim eu não me sentia mal por estar o entediando também.
- Primeiro com o motivo de Julian morar com vocês e não com os pais.
- Hm. - Ele pareceu pensar um pouco, provavelmente ponderando se me daria uma explicação sobre aquilo. - Acho que vai continuar intrigada com isso. Mais alguma coisa?
- Imaginei que fosse. - Ri um pouco, bebendo minha água extremamente doce. - Mas também estou intrigada com a força de todos vocês pra passar por tudo isso.
arqueou uma sobrancelha e se ajeitou na cadeira.
- Nem de longe eu poderia imaginar que vocês passavam por todos esses problemas e conflitos.
- É que somos discretos. - Ele deu de ombros, sorrindo satisfeito por eu ter notado o fato. - Eu particularmente gosto de ser uma pessoa fechada, não sinto necessidade e muito menos vontade de que os outros saibam sobre a minha vida pessoal. E ... Bom, ela escolheu morar comigo e não tem nada pra reclamar da vida. Dinheiro não lhe falta, e nem amigos. O que mais ela precisa, certo?
- Certo - achei melhor concordar, encarando meu copo. - Queria conseguir ser como você - falei em um fio de voz, baixo demais. Cheguei a achar que não tinha ouvido, mas a risada em resposta veio rápido demais. - Poucos conseguem, pra falar a verdade - se achava enquanto falava sobre esse assunto. Ele era realmente orgulhoso por ninguém saber nada sobre ele. - Já vi muitos tentarem ser como eu, e fracassarem. Mas não é uma questão de treinamento, eu acho. Pelo menos eu não me lembro de ser diferente - terminou com um dar de ombros casual.
Ele basicamente havia me dito que eu não tinha a menor chance de ser como ele, mas isso não tinha me desanimado... Eu ainda queria se como ele. Eu realmente queria poder me controlar e não sentir a necessidade de compartilhar meus problemas! Queria poder esquecer minhas aflições...
- Um dia eu consigo esquecer meus problemas, e também superá-los com facilidade - disse determinada, batendo o copo com força na mesa.
- Todos conseguem um dia, - ele falava como se estivesse discursando para uma criança teimosa. - Você vai superar Charles, pode ter certeza. Só que cada um tem seu tempo...
- Você podia me ajudar a acelerar o processo - cuspi as palavras sem pensar. Mordi o lábio com raiva assim que a última palavra saiu de minha boca. Não sei como tive a coragem de ser tão direta assim!
pareceu analisar minhas palavras por um momento. Não só as palavras, mas como meu corpo inteiro. Ele me encarou por uns bons segundos, fixando-se mais em meus peitos bem escondidos pela blusa rosa-bebê de gola. Mesmo eu sabendo que ele não podia ver nada demais, corei com a atitude dele. Era como se seus olhos estivessem um tipo de super poder e ele pudesse enxergar por debaixo das minhas roupas!
- Você tá querendo dizer... - Balançou o indicador despreocupadamente em minha direção e depois apontou para si.
- Não! - apressei-me em corrigir meu erro. - Quero dizer... - gaguejei um pouco e tomei fôlego para falar - quando eu disse que você poderia me ajudar, estava querendo dizer que você poderia me ensinar a esquecer meus problemas - expliquei.
- Como, exatamente? Te dando algo para se ocupar enquanto você tenta esquecê-lo? - Me encarava com uma sobrancelha arqueada, inquieto na cadeira.
Eu, ao contrário, estava totalmente estática, sem conseguir mover nem um dedinho sequer...
- Basicamente - admiti.
- Então está sugerindo realmente que fiquemos juntos, ? - Seu olhar sob mim era divertido, como se não conseguisse acreditar que eu estava tendo a coragem de pedir para que ele ficasse comigo.
MAS ESTA NÃO ERA A MINHA INTENÇÃO!
Eu tinha vontade de gritar isso e fazer ele parar com os olhares e risadinhas para mim, mas tomei um ar e me controlei. Se precisava da sua ajuda, teria de ser paciente e aguentar as piadinhas ridículas do pervertido.
- Sim. - Seu sorriso aumentou e eu respirei fundo novamente. - Mas não fisicamente. Quero dizer, você poderia me ajudar passando mais tempo comigo e me ajudando a me entreter com seja lá o que passa pela sua cabeça para que eu aprenda a não me preocupar como você! - Nem eu acreditava em mim mesma enquanto falava aquilo. Parecia mesmo que estava dando em cima dele, porém de uma maneira pior: criando desculpas para fazer isso, ao invés de apenas chegar fazendo como todas as outras garotas com quem ele estava acostumado faziam.
- Certo, então nada de contato físico, é isso que está sugerindo? - O sorriso desapareceu, mas ele ainda parecia se divertir as minhas custas.
- É - pensei um pouco -, acho que podemos colocar desta forma.
E ele explodiu em uma gargalhada, me deixando furiosa.
- ... - Tentava controlar o riso para falar, mas só depois de alguns minutos conseguiu. - O que te faz pensar que eu passaria meu tempo livre te entretendo de uma maneira... não física?
E então eu entendi. E percebi que ele tinha razão, afinal de contas. Eu parecia uma criança idiota e inocente fazendo um pedido sem noção para um adulto. Era como se eu pedisse para um homem de negócios passar seu tempo brincando de casinha comigo ao invés de transando com a mulher dele! E não tinha coisa pior para mim do que ser comparada a uma... Criança!
Fiquei sem ação, sem fala. Estava envergonhada demais para falar alguma coisa, e não tinha nem argumentos ao meu favor. Graças a Deus ouvimos uma porta se abrindo, e poucos segundos depois estava na cozinha, nos encarando.
- Acho que chegou a pessoa certa para te ajudar, . - sorriu divertido pela última vez e se levantou, saindo da cozinha imediatamente.
Assim que ele nos deixou, abaixei a cabeça na mesa, me xingando mentalmente e com vontade de cavar um buraco e me enterrar dentro dele!
Por incrível que pareça, eu não desisti naquele dia. Claro, fiquei arrasada com o vexame, e ainda tive que explicar para o motivo. Escondi alguns detalhes (os mais importantes), mas ela pareceu engolir minha história.
Fui para casa o mais rápido possível, ia tomar um banho, pegar minhas coisas de escola e voltar para a casa dos .
- Oi mãe, oi pai. - Passei correndo pela sala onde meus pais assistiam algo na tevê e fui correndo para o banheiro. Tomei um banho voando e enquanto me arrumava, já colocava tudo que precisaria dentro de uma bolsa grande, para poupar tempo.
- , vai jantar conosco? - Minha mãe surgiu do nada na porta, me dando um susto. Parei imediatamente com o que estava fazendo e sentei na cama um pouco, respirando fundo e pegando fôlego. - O jantar sai às cinco e meia, como sempre, querida.
- Espere, mãe! - chamei-a quando percebi que já estava de saída. - Vou dormir na casa de uma amiga hoje, tudo bem?
- De novo? - Ela pareceu um pouco espantada, mas não chateada. - É a mesma amiga que você dormiu na casa sábado à noite?
- É, ela mesma. o nome dela - disse, só para que ela não duvidasse de mim. Não que ela fosse, já que minha mãe nunca tivera motivos para isso, então simplesmente acreditava em tudo que eu dizia.
- Vão estudar ou algo assim?
- Também... - fui vaga. Estudar? Há quantos dias eu não fazia isso? Estava evoluindo, saindo do meu processo "Esqueça as Amarguras Metendo a Cara nos Livros"! Talvez não precisasse mais ficar seguindo e por aí tentando passar mais tempo possível com eles. É, esse era meu plano. E a quem eu estava querendo enganar? É claro que eu não ia conseguir passar por isso sozinha sem pirar, então teria que seguir com o planejado, por pior que ele fosse.
- Não durma tarde, filha. - Se aproximou de mim e me deu um beijo na testa. - Boa noite.
Assim que minha mãe deixou o quarto, voltei à correria e depois passei na cozinha para pegar uma fruta qualquer. Me despedi e voltei para a casa onde passaria a noite. Ainda eram seis horas, então eu tinha tempo para caminhar como uma pessoa normal. Havia marcado com às seis e quarenta no máximo, pois ela tinha um encontro com Clive e eu teria de ficar lá trancada no quarto fingindo ser ela para que não desconfiasse.
E eu concordei porque assim podia dar início ao plano, certo? Não estava exatamente passando tempo com nenhum dos dois irmãos, mas estava começando a aprofundar o processo de amizade com um deles, e esse era um bom passo!
Quando cheguei ao jardim da casa deles liguei para , como combinado. Ela me instruíra a não tocar a campainha e me esconder atrás de um arbusto qualquer, pois não podia saber que eu estava ali.
- Estou aqui - falei quando ela atendeu ao telefone. Estava agachada nos fundos da casa perto da garagem, e me sentia idiota e nervosa ao mesmo tempo.
- Ótimo, você acha que consegue pegar uma escada na garagem e subir até a janela do meu quarto? - perguntou, sem nenhum resquício de risadinha depois. Será que ela estava mesmo falando sério?
- Claro que não! - me controlei para não gritar.
- Tá bem - ela sussurrava -, então espera aí que eu vou mandar Julian chorar pedindo leite pra ele ter que ir comprar, certo? Se esconde na garagem por mais um tempo e coloca o celular pra vibrar, já já eu te ligo. - E desligou.
Bufei e guardei o celular no bolso da calça. Por que eu tinha que me meter nessas furadas mesmo? Não podia passar minha segunda-feira como uma adolescente normal, conversando no computador ou estudando pra prova de Literatura que eu tinha uma ligeira impressão que seria no dia seguinte? Não, eu tinha que inventar de seguir meus mirabolantes planos que envolviam pessoas com sérios problemas em ser honestos.
Fiquei tão imersa em meus pensamentos que levei um susto e deixei meu corpo cair no chão quando ouvi que alguém abrira a garagem. Quando vi que era o carro de saindo da mesma, rolei um pouco para o lado, tentando me esconder melhor. Mas como eu nunca fui boa em me esconder de jeito nenhum, ele poderia ter me visto facilmente se estivesse prestando atenção. Pelo visto estava mesmo com raiva por ter que sair para comprar alguma coisa para Julian.
Imediatamente meu celular vibrou no bolso. Não precisei nem atender, me dirigi para a porta carregando minhas tralhas e limpando meu jeans claro com a mão.
- Obrigada, . - me recebeu com um abraço sufocante. - Você é mesmo um amorzinho!
- Tudo bem, sem problemas. - Fomos andando até o quarto dela enquanto me explicava tudo que eu precisava fazer. Basicamente, só tinha que ficar no quarto estudando ou ouvindo música, e não sair de lá por nada. Tinha comida e uns CDs espalhados pelo chão, o computador estava ligado, assim como a televisão.
- Acho que aqui tem tudo que você pode precisar.
Analisei o quarto de novo, focando especialmente na pizza de calabresa que jazia no chão ao lado de uma latinha de coca-cola.
- É, acho que isso vai ser melhor do que eu pensava - disse, e nós rimos.
Observei enquanto terminava de se arrumar; ela estava realmente caprichando um pouco mais. Seria aquilo tudo para Clive, o ruivinho simpático?
- Então... - comecei a falar - você vai sair com Clive, hum? Tipo... Sozinhos em um encontro?
- Não tenho certeza se vamos estar sozinhos. - Deu de ombros tentando pareceu despreocupada, mas era visível que ela estava no mínimo apreensiva.
- E por que você não pode contar a ? Aposto que ele nem ligaria!
- Isso é o que todos pensam. - Ela riu ironicamente. - não liga nem um pouco para o que ele faz, nem para o que os outros fazem... Mas acho que ele se sente meio responsável por mim e por Julian, por ser o mais velho e tudo mais... E suspeito que ele não goste muito de Clive também.
- Acho que ele queria que você ficasse com o , talvez.
- ? - soltou uma gargalhada exageradamente alta e depois tapou sua boca com a mão. - gosta muito do , mas ele sabe como ninguém que ele definitivamente não presta! Mas agora eu vou indo antes que meu irmãozinho volte e o plano vá por água abaixo.
repetiu todos os cuidados que eu deveria tomar, como, por exemplo, em hipótese nenhuma sair para ir ao banheiro antes da uma da manhã, horário em que normalmente dormia. E também não falar muito mais do que sim ou não se alguém gritasse por mim. E nem ouvir música clássica muito alto, pois ela nunca ouviria música clássica.
- Ei, eu também não ouço música clássica! - me defendi quando ela fez o comentário.
- Não? - Me olhou pela última vez antes de sair com a sobrancelha arqueada.
- Admito que Beethoven me acalma nos momentos de estresse, mas só nesses momentos! - continuei me defendendo, já sozinha.
's P.O.V.
- Toma seu leite, Julian. - Entreguei um copo com o maldito leite para o garoto. - Ele vai ser sua única companhia hoje - resmunguei com raiva.
O fato de não poder mais brigar com Julian estava me irritando um pouco, pra falar a verdade. Sim, eu estava mais próximo dele por não chamar mais nenhuma babá há algum tempo, mas isso às vezes contribuía para minha raiva.
- Brigado, . - Ele sorriu e saiu da cozinha carregando seu precioso leite.
Fechei a porta da mesma e fui direto ao armário mais alto da cozinha, onde eu escondia meu precioso uísque! Escondia de Julian e também de , pois desconfiava de que se ela descobrisse, acabaria com aquilo em questão de dias!
Servi uma dose generosa com gelo, e sentei-me na pia para apreciar a vista da janela enquanto me deliciava com o uísque. Senti falta apenas de um cigarro naquele momento, mas estava tentando evitar fumar em casa por causa de Julian. Aquele garoto definitivamente andava me dando mais trabalho do que eu pensava que uma criança pudesse dar!
Uma voz irritante de mulher começou a cantar na cozinha do nada, levando embora toda paz que eu havia conseguido por alguns minutos, talvez até mesmo horas. Era o celular de .
Estiquei o braço até o aparelho e olhei no visor, era Aisha. Sem pressa, terminei de beber meu copo que estava pela metade e guardei a garrafa de uísque dentro do armário, colocando qualquer coisa na boca depois para disfarçar. Andei até a porta do quarto de , que estava fechada.
- , Aisha no telefone. - Dei duas batidinhas na porta.
- Não quero! - ouvi uma voz meio anasalada saindo da porta.
Atendi ao telefone que tocava insistentemente. Não entendo a necessidade das pessoas de se comunicarem vinte e quatro horas por dia nesses aparelhos eletrônicos...
- Aisha, é o - atendi -, não pode ou não quer atender, sei lá. - Fiz questão de demonstrar meu tédio na voz.
- Mas eu precisava pegar um... Vestido com ela hoje... Urgentemente! - respondeu com grandes pausas. Aisha precisava aprender a mentir.
- Talvez ela não possa te emprestar, sei lá. - Mexi no meu cabelo, já ficando impaciente.
- Posso passar aí então rapidinho? Juro que não vou incomodar!
- Tanto faz, mas bom que não incomode mesmo. Não quero saber de muita gente aqui em casa hoje, falou?
- Tudo bem, obriga... - Desliguei o telefone, deixando-o no chão ao lado da porta de . Ela já estava no quarto há muito tempo, seja lá o que estivesse fazendo, parecia importante. E tedioso.
Às nove horas da noite Julian se retirou para o seu quarto, e parecia estar com bastante sono. Naquela hora, até que o leite me pareceu uma boa ideia. Se ele dormisse a noite inteira, começaria a aderir à história do leite quente antes de dormir.
Pouco tempo depois a campainha tocou, mas eu não movi sequer um músculo para sair de cima do sofá. Minha latinha de cerveja e meu CD do The Strokes era uma combinação interessante demais para trocar por gritinhos femininos. Tenho que admitir, não sou muito fã de mulheres falando. Vozes agudas e altas demais estouram o tímpano do sujeito! Só conseguia conviver com porque tinha me acostumado a viver com ela, e nós nem conversávamos tanto assim.
A campainha continuou tocando por mais uns dez minutos e nada de descer de seu quarto, então me rendi ao barulho chato e resolvi atender logo e acabar logo com aquilo. Só tive uma surpresa quando percebi que o par de pernas em uma saia parado na porta não era de Aisha, e sim de Cassy, o que significava: ruídos agudos ao extremo.
- está lá em cima. - Abri a porta e voltei rapidamente ao sofá, antes que ela quisesse puxar papo ou algo assim.
Cassy subiu as escadas fazendo barulho com seu salto finíssimo que ela insistia em usar todos os dias, toda hora. Tentei voltar a prestar atenção à música para poder relaxar novamente, mas Cassy não sossegava, ficava batendo na porta incessantemente, chamando por com seus gritinhos.
- Mas que porra - murmurei sozinho, aumentando o volume do som.
- ? O que você tá fazendo aqui? - ela berrou mais alto ainda, fazendo com que eu levantasse imediatamente. - Cadê a ?
estava ali? E não estava? Em menos de cinco segundos eu já estava em frente ao quarto de minha irmã, onde uma de pijamas, mordendo o lábio de tão nervosa, nos encarava.
- Oi gente - disse sem graça. - não está se sentindo muito bem, por isso está dormindo. - Ela fechou a porta atrás de si com o pé.
- Se ela não está bem o que você tá fazendo aqui, garota?
- Vim cuidar dela, algum problema?
- Sim, todos os problemas do mundo! - Cassy berrava jogando as mãos para o alto. Eu apenas observava a conversa, certo de que havia dado uma escapada e colocado em seu lugar. - Eu sou muito mais amiga dela do que você, portanto EU deveria estar cuidado dela, então se me dá licença... - Tentou passar por e entrar no quarto, mas a garota se colocou diante da porta, decidida a não deixar ninguém passar por ali.
- Sim, Cassy, mas acontece que eu pretendo me tornar... Enfermeira - mentiu. Era bem fácil perceber quando estava mentindo, já que ela prendia a respiração e mexia nervosamente com os pés, desenhando círculos no chão. - Então a me chamou para cuidar dela, porque sabe que eu tenho uma... Vocação, entende? Mas ela está mal mesmo, agora que conseguiu dormir pediu para não ser incomodada por nada e nem por ninguém.
Cassy cruzou os braços encarando-a, provavelmente também não estava acreditando na história da pobre .
- Ela está falando sério - me intrometi, ficando de frente para Cassy, entre ela e , que deveria estar perplexa naquele momento, mas eu não podia ver seu rosto. - Acho melhor você ir agora, deve estar procurando por você.
Pobre , sempre o sacrificava quando queria me livrar de alguma coisa... Apesar de que, desta vez, não tinha certeza se ele desgostaria.
Cassy ficou me encarando perplexa por uns segundos, enquanto eu dava um passo para trás e alcançava a maçaneta com uma mão, meio que abraçando pelas costas.
Tenho certeza de que ela contestaria qualquer outra pessoa que estivesse ali a contrapondo, mas sempre desconfiei que Cassy tinha um certo medo de mim, como algumas outras pessoas.
- Tudo bem, mas diga a ela que eu passei aqui, ok? - Cassy cruzou os braços, virou-se e começou a descer as escadas dando um pequeno chilique.
Ficamos em silêncio até que ouvimos a porta no andar de baixo se fechando, e então lentamente me virei para , abrindo a porta sem o menor esforço. Ela encarava o chão, e eu escancarei a porta, dando uma breve olhada para conferir o que eu já sabia.
- Eu não quero saber onde ela está - disse simplesmente, fechando a porta de novo. - Até porque já sei onde, Clive falou o dia inteiro sobre um encontro que teria hoje à noite com uma garota misteriosa.
Não estava com raiva de nenhuma das duas pra falar a verdade, estava mais com ódio e nojo de Clive mesmo. Como ele ousava sair com minha irmã? E pior ainda, como ele podia tentar esconder isso de mim, como se achasse que eu não descobriria?
- Você mente muito mal, só avisando. - Coloquei minha mão no queixo de e levantei seu rosto, não aguentava mais falar com alguém que encarava o chão. - Da próxima vez terão que elaborar mais o plano.
- Desculpe por isso, - ela tomou coragem para falar. Devia estar mesmo fazendo um esforço e tanto, provavelmente porque também estava com vergonha do acontecimento algumas horas antes. - Eu... Eu não...
- Tudo bem - a cortei, antes que começasse com desculpinhas que eu não queria ouvir -, eu sei a irmã que tenho, e sinceramente? Não me importo com isso! Se ela quer sair por aí dando pra pessoas como Clive, tudo bem! Eu não vou me desgastar tentando interrompê-la.
cambaleou um pouco para trás, até que achou a parede e espalmou suas mãos na mesma, achando a segurança que procurava.
- É isso que o irmão de Andy pensa, se é que ela tem um - ouvi sua voz fraca dizer, e desisti de voltar para a sala e esquecer o acontecido.
- Como é que é? - perguntei me aproximando dela, espalmando uma de minhas mãos na parede atrás de , ao lado da mão dela. - O que você disse?
- Eu só quis dizer que... - respirou fundo, me encarando - se Andy tiver um irmão, ele provavelmente pensa sobre você o que você pensa de Clive.
- O que você acha que sabe sobre meu relacionamento com Andy, garota? Pra começar nós nem temos algo que se pode chamar de relacionamento.
- Qual é, , qualquer um percebe o quanto você gosta e se importa com Andy e com qualquer outra garota com quem você sai. - Ela rolou os olhos, seu comentário cheio de ironia realmente me irritou um pouco. Da onde ela estava tirando toda aquela confiança e certeza do que falava? Onde estava aquela criança mimada com quem eu tive aquela conversa engraçada horas antes?
- Se fosse realmente assim - comecei a me explicar, mesmo sabendo que o que ela falava provavelmente era mesmo verdade -, por que você estaria querendo ser uma dessas garotas?
Admito, meu argumento não estava nem ao mesmo me convencendo, e fora um golpe baixo. engoliu em seco, acatando a 'ofensa' quieta.
- Você é mesmo muito pretensioso - murmurou entre dentes, controlando a respiração e também a raiva. - Entendeu errado a nossa conversa de hoje e ainda fica por aí se achando o garanhão por isso, mas eu tenho uma novidade pra você : no meu mundo, você não é o maioral, ok? E não, eu não quero ser uma Andy na sua vida e nem na de ninguém!
Encarei por algum tempo enquanto ela também me olhava raivosa. Estava esperando algum insulto a mais, ou qualquer coisa assim, mas nada. Recusava-me a responder aquilo; recusava-me a discutir com uma garota de 16 anos.
Percebendo que eu não cairia na provocação, abriu a porta do quarto de e rapidamente entrou, batendo a porta na minha cara.
Fiquei um tempo ainda parado em frente ao quarto de minha irmã, pensando no que havia acabado de acontecer ali. Por fim, só conseguira me provar com seus argumentos que sabia, às vezes, interpretar o papel de menina madura. Cheguei a conclusão também de que Charles era mais idiota do que eu pensava, por conseguir namorar uma garota infantil com alguns lapsos de sensatez, e que se achava a precoce e tinha dupla personalidade.
Capítulo 07
's P.O.V.
Encarei meu reflexo no espelho com atenção, procurando algum detalhe em mim que pudesse estar me diferenciando dos dias normais, me fazendo parecer mais bonita ou mais interessante. Nada. Estava absolutamente normal, então o que tinha acontecido com para ser tão legal comigo?
Será que o fato deu fingir que ele não sabia que havia fugido na noite passada me deixava com créditos extras com ele? Porque se era isso, eu realmente merecia um crédito extra, não só com ele mas também com ! Acordar às seis da manhã para sair de casa antes que alguém pudesse me ver ali, e ter que ficar esperando até a hora do colégio sentada no banco da praça não foi nada agradável, devo dizer.
Mas no fim das contas, não importava por que ele queria me ajudar, importava apenas que ajudaria.
Resolvi sentar e tentar estudar um pouco, já que pelo visto não tinha ido nada bem na prova de Literatura que acabara de fazer, mas assim que abri o livro meu celular começou a tocar, e eu tive que sair procurando por ele no meio da minha bolsa, entre minhas roupas emboladas lá dentro.
- Alô? - atendi afobada, ajeitando o cabelo que caía no rosto. - ? Como você conseguiu meu número?
- Isso realmente importa, ? - Ele riu da minha pergunta.
- Tudo bem, então o que você quer? - mudei a pergunta, e ele riu de novo. Qual era o problema com as minhas perguntas? Elas nem eram tão banais assim!
- Olha, só estou te ligando porque nós vamos viajar amanhã, e eu estava imaginando se você gostaria de ir com a gente - ele fez o convite. E não mencionou que estava me convidando só porque tinha se comprometido a me ajudar hoje durante o treinamento de incêndio, e isso foi bem legal da parte dele, na verdade. Fingir que estávamos sendo apenas amigos espontâneos.
- Como assim viajar? Pra onde, quando?
- Pra uma cidade perto qualquer, vamos até onde a gasolina deixar! - parecia estar se divertindo com isso, mas eu não conseguia ver a menor graça. Como eles resolveram viajar assim do nada sem saber o destino? - E pretendemos sair amanhã cedinho, pra dar tempo de aproveitar o lugar e ainda voltar antes de escurecer, lá pras nove e meia mais ou menos.
- Matar aula de novo? - perguntei insegura. Já não tinha ido muito bem na prova pela primeira vez na minha vida, se continuasse matando aula daquele jeito... - Não podemos ir assim que acabarem as aulas?
- Não, , não podemos - ele começou a ficar impaciente comigo. - Escuta, você quer minha ajuda ou não? Porque eu estou tentando te ajudar, mas fica difícil se você não se ocupar com nada e ficar pensando no Charles o dia inteiro. - Pronto, o camaradismo espontâneo havia dado lugar ao velho rabugento que ajuda as pessoas por obrigação ou desencarno de consciência.
- Eu vou pensar - disse, por fim.
- Se você quiser mesmo minha ajuda é melhor aceitar de uma vez, . Essa é a única coisa que eu posso fazer por você... - Ele ficou em silêncio um tempo, me deixando pensar. - Mas você quem sabe, pode escolher entre viajar com o pessoal ou passar o dia no meu quarto, acho que eu consigo manter sua mente bem ocupada entre quatro paredes - ele riu sozinho.
- Haha, engraçadinho - meu tom de voz não tinha nenhum resquício de brincadeira ou bom humor. - Tudo bem, a vai, certo?
- Vai, mas provavelmente vai te trocar pelo Clive lá - sua voz ficou distorcida ao mencionar o nome do ruivo.
- Que horas eu encontro vocês então? - me dei por vencida.
- Oito e meia da manhã em frente à minha casa, te vejo lá.
Desliguei o telefone e deixei meu corpo cair na cama, cansada só de pensar em como seria meu dia amanhã. Estava cansada também de tentar imaginar o que tinha acontecido pra mudar de idéia sobre me ajudar, ainda mais depois deu ter ajudado sua irmã na fuga.
Eu tinha acabado de entregar minha prova mal feita de Literatura, e estava voltando para a mesa quando o alarme de incêndio tocou.
- Ah não, de novo não! - alguém reclamou, puxando todos os outros murmúrios que seguiram até que a sala estivesse vazia.
Eu, apesar de não ter demonstrado minha raiva daquele maldito treinamento, fiquei jogando pragas no infeliz que toca aquele alarme quase que uma vez por semana enquanto andava pelos corredores lotados.
Assim que saí do prédio do colégio avistei um pouco mais a frente, e apressei o passo para falar com ela.
- Bu!- Cheguei por trás, assustando-a.
- Ai , sua filha da mãe! - Ela me deu um beliscão, sorrindo depois. - Obrigada por me ajudar, viu? Qualquer coisa que precisar sabe que pode me pedir.
- Não foi nada - menti. Tinha sido um grande sacrifício, ok?
Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, Clive a puxou pelo braço para um abraço, e logo eles saíram para os fundos do colégio. Me vi novamente sozinha e com nada para fazer além de prestar atenção à chamada que era feita para ver se todos os alunos estavam presentes. Quando chamaram o nome de , Clive, e Cassy, vozes completamente diferente da deles confirmaram presença, o que me fez entender por que eles nunca eram pegos escapando desses 'eventos'.
- ? - chamaram meu nome.
- Presente - respondi num desânimo, levantando minha mão para que me enxergassem.
- Foi difícil te achar, - uma voz rouca soou bem próximo ao meu ouvido, enquanto uma mão atrevida se colocava em minha cintura, de maneira íntima demais.
Virei a cabeça para o lado para conferir que era parado ao meu lado, como se eu já não soubesse.
- E por que estava me procurando?
- Você não acha um saco esses treinamentos? São totalmente inúteis, concorda comigo? Como se ninguém soubesse que quando o prédio está em chamas, o que tem a se fazer é correr para fora! - Enquanto ele falava coisas fora do contexto para me entreter, me guiava pela cintura para uma área mais afastada e vazia.
- O que estamos fazendo aqui? - Me afastei dele bruscamente, fazendo questão de tirar seus braços da minha cintura rapidamente.
- O que foi? Já chamaram seu nome, ninguém vai dar pela sua falta, e além do mais, você tem carta branca nesse colégio, basicamente pode fazer o que quiser.
Cruzei os braços, bancando a impaciente apesar de não estar me importando nem um pouco por ter com quem falar. Afinal, era melhor do que ninguém.
- Você ainda quer transar comigo? - perguntou me olhando com o que ele deveria julgar como uma cara sexy, me puxando de novo para perto dele num movimento tão rápido e delicado que eu nem ao menos percebi.
- Você só pode estar brincando comigo! - Levantei minha mão para dar-lhe um tapa no rosto, mas ele foi mais rápido em segurá-la, abaixando-a depois.
- Calma, - seu sorriso estava bem pequeno, mas estava ali no canto de seus lábios, como na maioria das vezes - eu estava brincando com você, ok? Calminha aí.
Mais uma vez me afastei dele, permanecendo em silêncio.
- Só vim te dizer que te ajudo se você quiser. - Deu de ombros. - Te ajudo a esquecer o Charles, a Chloe, seus pais, ou seja lá o que você estiver querendo esquecer...
- Não, obrigada, - respondi rapidamente. - Não estou a fim de pagar por seus serviços com meu corpo. - Sorri cínica e vitoriosamente ao mesmo tempo.
- Você pode me pagar de outro jeito, garota. Não que isso importe no momento, porque não pretendo cobrar meu favor agora.
- E por que você faria isso? Quero dizer, me ajudaria sem ter nenhum tipo de prazer em troca?
- Quem disse que eu não posso me divertir às suas custas? - Voltou a sorrir abertamente. - Você consegue ser bem engraçada quando quer, . Esse seu jeito estranho e certinho de ser...
- Poupe-me disso, por favor. - Rolei os olhos, cruzando novamente os braços.
- Certo, você pensa então na proposta e pode me responder mais tarde. Agora eu tenho que achar antes que aquele garoto apronte alguma pra cima dela. - Agora vasculhava o pátio com o olhar, procurando pela irmã. - Você fica me devendo uma se aceitar, mas pode deixar que eu não sou um maníaco sexual como você pensa. - Riu de sua piadinha, e então foi embora.
E eu passei o resto da aula pensando no assunto, e sinceramente, por que não aceitaria? De fato, não poderia me obrigar a nada, e se quisesse podia pular fora do esquema a qualquer momento, seria indolor.
Na saída, avistei ao longe e acenei com a cabeça afirmativamente. Não foram necessárias palavras; apenas aquele gesto selou nosso contrato.
's P.O.V.
Não existia um motivo para esse ato de bondade meu. Era isso que eu repeti para mim mesmo durante o resto daquele dia, tentando me convencer de aquele motivo ridículo não estava ali, fresco em minha cabeça.
Então tudo bem se existia um motivo, mas ele não era importante. Ignorá-lo seria fácil, ainda mais se eu conseguisse manipular para que ela fizesse o que eu quisesse, e ficasse do jeito que eu gosto. E não existiria oportunidade melhor para iniciá-la de verdade no nosso meio do que àquela viagem espontânea que inventara do nada.
- , você é o cara! - Travis, ao meu lado, comemorou esfregando uma mão na outra.
- , seu babaca! - Cassy, ao meu outro lado, reclamou me dando um tapa no braço. - Não acredito que você fez isso comigo!
Ignorei ambos os comentários e continuei colocando as bicicletas e skates na mala do carro, enquanto o motivo de toda aquela conversa entre Travis e Cassy chegava mais perto.
- ! Não acredito que você veio mesmo! - gritou, enforcando a garota assim que ela se aproximou, usando uma saia jeans no meio da coxa e uma camiseta com uns dizeres de filósofos, como por exemplo o mais clichê de todos 'só sei que nada sei'. - me disse que vinha, mas eu duvidei dele... Como sua mãe deixou isso?
- Hm, tecnicamente ela não sabe - respondeu meio encabulada. não estava muito confortável por estar ali, e podíamos perceber isso claramente apenas olhando para ela.
- Bem, alguém tem mais alguma coisa pra colocar na mala? - perguntei impaciente. Já estávamos atrasados vinte minutos, e eu realmente não queria pegar um engarrafamento na saída da cidade por causa do horário.
- Alguém está estressado hoje... - resmungou para . Como se ela não soubesse da minha audição um pouco mais aguçada do que a de pessoas normais...
Como ninguém apareceu com mais nenhuma tralha, fechei a mala do carro e entrei no banco do motorista, buzinando freneticamente até que Travis e Cassy se tocassem que já estava ali e eles precisavam parar de discutir sobre a vinda dela.
Alguns minutos de confusão, e enfim e Cassy se ajeitaram no banco da frente ao meu lado, Travis, Clive, e se amassaram no banco de trás e nós partimos. Eu e havíamos decidido um pouco mais cedo que iríamos para Salisbury, visto que o caminho até lá era de no máximo uma hora e portanto teríamos mais tempo para fazer o que quiséssemos.
No começo da 'viagem', eu pude observar pelo retrovisor e Clive trocando sussurros e risinhos discretos, e até algumas carícias a mais. Como aquilo estava me enojando, passei a prestar atenção em Travis falando sem parar no ouvido de , que encarava a paisagem pela janela, às vezes assentindo com a cabeça para fingir que prestava atenção no que o sujeito ao seu lado tagarelava. Não perdi sequer um minuto do meu tempo prestando atenção na putaria de Cassy e ao meu lado, apesar de perceber que às vezes a loura olhava para mim discretamente, só para checar se eu estava gostando daquilo, ou ficando excitado.
- Ai porra - Travis berrou, dando um pulo do nada. - Tem alguma coisa vibrando na minha bunda aqui, seu desgraçado.
Ele começou a procurar desajeitadamente por alguma coisa no banco, e provavelmente tentou tirar uma vantagem disso passando a mão na bunda da , porque ela resmungou alguma coisa com ele, lançando-lhe um olhar nada agradável.
- , que tipo de coisa você guarda no seu carro? - Clive tentou me zoar e ser engraçadinho, mas eu estava com raiva dele no momento, então não ri nem para ser simpático. riu, obviamente. Essa sim estava sendo simpática demais com ele.
- Ah, era seu celular. - Travis finalmente tirou o celular de sabe-se lá onde, olhando no visor como um bom fofoqueiro que ele é. - Hmmm, é a Andy - avisou com um tom malicioso.
Imediatamente meu olhar cruzou com o de no retrovisor. Não tinha trocado sequer uma palavra com ela desde que a vira, mas sabia que naquele momento, se estivéssemos sozinhos, ela faria algum comentário maldoso sobre minha relação com Andy.
- Atende pra mim. - Dei de ombros, não me importando muito com o que Travis poderia dizer.
- Andy, minha deusa - atendeu por fim. Todos no carro pareceram parar de prestar atenção no que estavam fazendo para ouvir o que Andy tinha a dizer, já que Travis fez questão de colocar no viva-voz.
- Cala a boca, Travis - uma voz distorcida pelo telefone respondeu, mas ainda assim podíamos perceber o tédio e a frustração em sua voz. - Cadê o filho da puta do ?
Ela provavelmente sabia que eu estava escutando, ou então não me chamaria de cria de uma progenitora alcoviteira.
- Que foi, Andy? Quer dizer que nosso amigo não anda dando conta do recado e você acaba ficando estressadinha assim, é?
- Travis, cala essa boca e passa o celular pro - agora, sua voz estava extremamente irritada. Realmente, nunca a julguei como uma das garotas mais pacientes do mundo, mas dessa vez tinha acabado rápido demais! Eu mal tinha começado a me divertir com os comentários idiotas de Travis...
- Ele não pode atender, está dirigindo no momento - respondeu, sério pela primeira vez.
- Grande desculpa, idiota! atende ao telefone até quando tá trepando.
- Opa, vocabulário impróprio! - protestei. - Ninguém usa a palavra 'trepar' numa frase em que o nome se encontra.
- , que porra é essa? Por que ninguém veio à escola hoje? - Andy perguntou, sua voz parecia menos irritada agora que ela ouvira minha voz.
- E eu que vou saber? Eu sei por que eu não fui à escola, mas acho que cada um aqui tem seus motivos - respondi olhando fixamente para , que também estava olhando para mim através do retrovisor, com uma certa ameaça nos olhos, do tipo 'mais uma palavra sobre isso e eu pulo do carro agora!'
- Se acha engraçado, né - bufou. - Quem mais tá aí?
- Estamos todos aqui, amorzinho - Cassy empinou sua bunda para chegar mais perto do telefone, como se fosse necessário. - Não tinha espaço pra você no carro, por isso não te chamamos!
fuzilou Cassy com os olhos, Travis estava se segurando para não rir e encarava a bunda de Cassy que estava enfiada em sua cara. E eu apenas observava as coisas pelo meu pequeno pedaço de espelho, enquanto tentava prestar atenção no caminho.
- Quem é a vadia que está aí ocupando meu lugar no colo do então? Vocês sabem que até no colo do Travis eu aceitaria viajar, porra! Tudo pra não ficar aqui sozinha.
- Julian teve que vir - se meteu na conversa, cobrindo . - Vamos levá-lo pra visitar um amigo dele em Salisbury.
Travis começou a gargalhar, e eu não aguentei também.
- Cacete, , você mente muito mal! - Cassy fingiu ser espontânea, dando gargalhadas. Não me importei com isso. Na verdade eu pouco me importava se Andy ficaria sabendo se era que estava conosco ou não; desde que ela não resolvesse dar um ataque de ciúmes muito grande e me deixar com dor de cabeça, tanto fazia o que ela pensava!
- Tá bom, desliga logo isso que chegamos - falei por fim, tentando acabar logo com aquela confusão.
- Você ouviu o mestre, certo? - Travis colocou o celular no ouvido e conversou com ela por mais um tempo, mas cada um voltou pra sua atividade normal e esqueceram da ligação. Afinal, já estávamos mesmo nos limites da cidade, eu só precisava lembrar o caminho para chegar ao Churchill Garden.
- , , ...
- Que foi, ? - Ela se virou para mim, me encarando com uma cara de quem já teve dias melhores.
Estávamos sentados no Churchill Garden, que ainda estava sem movimento devido à hora. As únicas pessoas que passavam por ali eram os idosos com seus cachorros ou pessoas correndo atrasadas para a faculdade ao lado.
- Acho que te subestimei, sabia? - comentei baixo. Não queria que e Clive, que estavam deitados à poucos metros de distância de nós, ouvissem a conversa, por mais que eu achasse que eles realmente não estavam prestando atenção.
- Eu também achei que iria desistir no último momento, pra falar a verdade - admitiu, voltando a encarar a pista de ciclismo à nossa frente.
- E por que não desistiu? Que eu saiba você ainda pensa que eu sou um maníaco, ou retardado que não liga pra nada...
- Ainda penso mesmo, que bom que você sabe. - Senti um pouco de medo desse tom de voz ameaçador, mas nada demais. Na verdade, fiquei com mais raiva mesmo por ela ainda pensar isso de mim. Por que ela não podia ter medo e preferir ficar distante como uma pessoa normal faria?
- Mas isso não te impede de precisar da minha ajuda.
- E você não está me ajudando em nada, por sinal. Continuo aqui sentada pensando na vida e em todos os meus problemas, como eu estaria fazendo se estivesse assistindo às aulas.
Pensei por um momento. Realmente, eu não estava ajudando em nada. Mas, pensando por outro lado, minha intenção nunca fora de ajudar, e sim de poder passar mais tempo com para descobrir o que se passava na cabeça daquela garota estranhamente diferente, e ver se conseguiria mudá-la. Ou algo assim, não tinha certeza do porquê, e não queria pensar sobre o assunto, mas o fato era que não tinha como eu ajudá-la! Porque não dar a mínima para os meus problemas sempre fora algo natural... Uma coisa que eu fazia simplesmente porque não me importava com o fato da minha vida ser do jeito que era. É claro que eu queria ter minha mãe ainda comigo, se pudesse, mas encarava o fato dela não estar mais comigo como uma coisa normal... Porque, de fato, é uma coisa normal, certo? Muitas pessoas perdem a família cedo, exatamente porque já aprenderam tudo o que tinham que aprender com essas pessoas enquanto elas estavam em vida. Eu tinha a sensação de que minha mãe sempre soube que nos deixaria cedo, e por isso tentou passar o máximo que ela sabia para mim.
- Pelo menos você está apreciando uma vista mais bonita e... - Olhei ao redor, analisando e Clive rolando na grama como duas crianças, e Travis atrapalhados tentando tirar a trava das bicicletas e Cassy observando sem mover uma palha para ajudar. Procurei alguma coisa que pudesse valer a pena o fato de estarmos ali, e não na escola... Mas não tinha nada concreto para falar, nada que pudesse fazer querer viver o momento ao invés de ficar remoendo as coisas, resmungando como sempre.
- Bem, pelo menos aqui as coisas são verdes e temos ar puro - falei inutilmente, com vontade de rir de mim mesmo. Mas porra, eu não tinha um motivo pra estar ali! Estava ali simplesmente porque queria, pronto. Se quisesse estaria sentado na cadeira da escola, mas definitivamente aquilo ali era melhor, não tinha nem o que questionar.
- Não discordo que estar aqui é melhor do que estar entre quatro paredes - começou a concordar, mas eu sabia que um porém estava por vir. - Mas... Se formos analisar a questão com uma visão de pessoas responsáveis, perceberemos claramente que essa não é a decisão mais sábia a se fazer.
- Caralho - resmunguei baixinho, encolhendo meus joelhos e enfiando minha cabeça entre eles para encarar a grama. - Que tipo de adolescente é você? Tem certeza que não é filha do meu pai? Tem certeza de que não erraram na sua identidade e você é uns dez anos mais velha?
- Obrigada pelo elogio, - ela respondeu secamente. Levantei a cabeça e percebi que seu olhar estava fixo no primeiro garoto que se aproximava da rampa com sua bicicleta. e Travis ainda travavam uma luta contra as suas. Observei por um tempo as feições de , ela me parecia bastante intrigada com o que estava prestes a acontecer ali. Provavelmente nunca havia parado para prestar atenção em alguém praticando qualquer tipo de esporte como aquele. Então eu sabia o que fazer para ajudar. Claro que aquilo não teria um efeito para longo prazo, mas pelo menos por aquele momento pararia de encher o saco com aquela cara de emburrada e curtiria o momento. Ou pelo menos era isso que eu esperava.
Levantei-me rapidamente e, sem dizer nada, fui andando lentamente até o carro, queria dar logo um jeito naquela bagunça que meus amigos estavam fazendo, porque do jeito que eles 'progrediam', não andaríamos na pista nem tão cedo!
- Ah - bufou quando percebeu como era fácil destravar as coisas para soltar as bicicletas -, valeu por ter avisado antes que era só isso!
Ri da cara de merda que ele fazia e entreguei uma bicicleta a eles.
- Divirtam-se com isso por hoje, crianças. - Peguei as outras bicicletas e olhei para , que continuava sentada no mesmo local, se segurando para não rir da situação. Fiz um gesto com a cabeça para que ela viesse até onde eu estava.
- , pode passando a bicicleta do Travis pra cá! - reclamou . - Você não precisa de duas...
chegou nesse exato momento e eu passei a bicicleta que Travis normalmente usava para ela segurar. O que recebi em troca foi um olhar cético vindo dela e um reprovador deles.
- Mas que porra - explodi de raiva, porém rindo -, será que vocês podem fazer o favor de confiar em mim? e Travis - olhei para os dois e para Cassy que ainda estava parada ali como uma sombra deles -, vão lá pro outro lado da pista e dividam a bicicleta, daqui a pouco eu empresto a minha, falou?
À contragosto eles foram andar numa área mais afastada, sempre com sua sombra atrás. Como se eles soubessem fazer grandes coisas e precisassem treinar incessantemente!
- O que você pensa que vamos fazer com isso aqui? - O olhar de passava da bicicleta para mim, de mim para a bicicleta.
- Vamos começar a esquecer os problemas, minha cara. - Sorri e comecei a subir a pequena rampa com a bicicleta, me ajeitando em cima da mesma.
Demorou um tempo, mas por fim seguiu meus passos e parou ao meu lado, desajeitada em cima da sua bicicleta. Naquele momento ela estava apreensiva.
- Faça-me um favor, ! - Ri alto, rolando os olhos. - Essa rampa não tem nem um metro, qualquer um que sabe andar de bicicleta consegue descer isso, passar por aquele obstáculo e subir na outra rampa do outro lado da pista. - Apontava para os objetos mencionados enquanto explicava o que ela tinha de fazer. - Vou ir primeiro, observe e depois me siga, combinado?
Fiz o percurso facilmente, parando na outra rampa como previsto. Não que eu fosse um grande ciclista ou algo do tipo, simplesmente sabia andar de bicicleta e sabia quando devia empiná-la. E outra coisa que eu sabia era que iria levar um tombo quando tentasse passar pelo obstáculo. Eu "esquecera" de avisar para empinar a bicicleta um pouco antes de tentar subir.
Virei o rosto e fingi prestar atenção em meus amigos que brigavam pela bicicleta, só para não receber uma bronca de por não tentar avisá-la de que iria cair. Pela minha visão periférica pude constatar depois de uns cinco segundos que estava certo: ela caíra!
Segurei o riso e, com a bicicleta mesmo, fui até onde ela estava estatelada no chão.
- Você morre hoje, garoto - ela rosnou de raiva quando me aproximei oferecendo uma mão estendida. Ela se levantou e limpou a saia com a mão, apesar desta não estar nem um pouco suja. - Mas só depois que eu conseguir fazer esse percurso de olhos fechados!
Pegou a bicicleta de novo e passou direto por mim, voltando ao início. Sorri satisfeito comigo mesmo. Havia conseguido despertar nela o sentimento que desejava: vontade. Vontade de fazer alguma coisa, de alcançar um objetivo. Não achava que seria tão fácil assim.
Pelas três horas seguidas, eu continuei andando de um lado para o outro na pista, me contentando com as simples manobras que uns colegas haviam me ensinado ali mesmo. Enquanto isso, quebrava a cabeça para descobrir como chegar ao outro lado da pista sem derrapar e cair. Nem sempre ela caía, mas também não conseguia subir devidamente na rampa do meio. e Clive a observavam ao longe ainda deitados na grama, às vezes gritando umas palavras de incentivo.
- Você não vai fazer nada pra ajudar a garota, ? - brigou comigo depois de perceber que eu só a observava e ria sozinho de suas tentativas frustradas.
- Não quero ajuda dele - respondeu por mim, com raiva.
's P.O.V.
- Então... - falei sem graça. Não sabia o que dizer para me despedir, afinal, estavam no carro muitas pessoas além de e , pessoas com as quais eu não tinha a menor intimidade. - Tchau - disse por fim.
- Até amanhã, - foi a única a responder, e eu abri a porta do carro, saindo do mesmo. Esperei até que eles virassem a esquina para me mover, e só então fui me arrastando até a porta de casa. Estava um bagaço!
Abri a porta e entrei dentro de casa sem o menor entusiasmo.
- ? - minha mãe gritou da sala, vindo correndo em minha direção assim que percebeu que eu estava ali. - !
Ela me abraçava e me apalpava, como se precisasse se convencer de que era realmente eu quem estava ali parada. Eu sequer protestei, estava cansada demais para isso... Apenas soltei um gemido quando ela apertou forte demais em áreas doloridas.
- Eu estou bem mãe, só preciso descansar - murmurei, me livrando dos braços fortes dela.
- O que você fez o dia inteiro, garota? - Agora o alívio parecia ter ido embora, e o tom de voz era acusador. Ou pelo menos eu suspeitava que era, já que ela nunca fora obrigada a usá-lo comigo antes.
- Fui à escola e depois passei o dia andando de bicicleta com uns amigos - respondi a resposta que vinha me preparando para dar, enquanto subia as escadas lentamente, sedo seguida por minha mãe.
- E por que não me avisou, filha?
Só então eu percebi que havia esquecido completamente de ligar para ela avisando que passaria a tarde fora! Devia estar tão preocupada com a primeira parte do plano - matar aula -, que acabei esquecendo dos detalhes.
- Desculpe, estava meio ocupada... Não vai acontecer de novo - garanti. Já havia chegado ao meu quarto e segurava na porta, pronta para fechá-la assim que ela saísse dali e me deixasse em paz.
- Tudo bem então. - Sorriu maternalmente. - Estaremos lá embaixo se precisar de alguma coisa.
Deixei minha mochila em cima da cama e tive que ter muita força de vontade para não desabar em cima dela e apagar! Ao invés disso fui me despindo enquanto caminhava lentamente para o banheiro, onde liguei o chuveiro rapidamente, a fim de tomar um banho que durou tempo o suficiente para que eu quase apagasse algumas vezes.
Pode parecer que eu estava fazendo drama; aliás, se eu visse alguém no estado em que eu estava, acharia que essa pessoa era uma dramática e fresca, já que olhando para o meu corpo eu não podia ver nada além de alguns poucos arranhões e áreas avermelhadas. Sabia que o meu joelho ficaria roxo, mas não eram esses machucados que doíam mais. Meus músculos pareciam ter sido dobrados e esticados por diversas vezes, e tinha a impressão de que no dia seguinte doeriam mais ainda!
Sentia até um pouco de vergonha por estar me sentindo daquele jeito, porque isso só mostrava que eu era uma sedentária que não praticava exercícios físicos há anos! Perto de eu me sentia uma idosa, primeiro por não ter tentado a manhã inteira e até um pouco da tarde completar aquele percurso idiota de ciclismo, depois por me sentir daquele jeito. No dia seguinte, se não conseguisse andar ia pagar um mico e tanto, pois com certeza não escaparia dos risinhos discretos de .
Mas até que o dia fora bastante prazeroso, tirando os tombos e a vergonha por não conseguir fazer o que todos conseguiam tão facilmente. Quando conseguiram me tirar da pista, fomos comer no Pizza Hut e finalmente largou Clive um pouco, podendo então conversar comigo.
- Qualquer dia desses eu te ensino o segredo da rampa - comentou baixinho comigo, enquanto todos os outros na mesa pareciam entretidos em ver quantos pedaços de pizza conseguia enfiar na boca de uma vez só.
- Ah não! Quer dizer que você também sabe? - perguntei indignada. - Não pode ser tão fácil assim!
me deu um beliscão no braço e eu ri, massageando o local.
- me ensinou um pouco... Mas ele também não sabe muita coisa não, só o básico que aqueles garotos que chegaram lá depois ensinaram a ele.
- Ele parece saber bastante coisa pra mim - disse enquanto analisava-o sentado à minha frente na mesa redonda, falando alguns incentivos no ouvido de , que estava quase cuspindo pizza enquanto tentava segurar o riso.
- Eles andam de bicicleta e skate, nadam, tocam violão, transam, contam piadinhas e bebem o dia inteiro - comentou comigo, também observando a cena -, mas não fazem nada disso bem. Só têm fama porque são metidos a tentar um pouco de tudo.
Ela não parecia impressionada com isso, mas eu estava. Como eles conseguiam fazer tantas coisas assim? Mesmo que não fossem os melhores em tudo, eu só era boa em estudar.
Bicicleta e skate? Eu provara ser o pior ser humano existente nesses esportes e em qualquer outro. Violão eu tentara aprender uma vez, assim como piano... Fracasso, não tinha ritmo nenhum. Transar? Nem com Charles, meu namorado de longa data, eu conseguira me sentir segura para tal. Contar piadas? Não, não sou engraçada. E beber? Duas gotas de álcool e eu já estou vermelha, rindo descontroladamente e cinco minutos depois caída no chão implorando por clemência!
- Pelo menos eu não sou idiota assim - constatei para meu alívio, não conseguindo segurar as risadas dos três meninos crianças que agora se estapeavam pelo último pedaço de pizza.
Capítulo 08
's P.O.V. – Agosto
Foi voltando para casa depois de um dia de aulas massacrantes que eu percebi que estava conseguindo viver uma vida normal. Eu achava que minha vida perfeita, quando eu tinha um namorado, uma amiga e boas notas era normal, mas estava enganada. Andando com pessoas diferentes como e , e pessoas perturbadas como Travis, Cassy, e companhia, eu comecei a ficar mais atenta a tudo que acontecia ao meu redor, passei a observar mais atentamente o cotidiano de pessoas distintas, com vidas conturbadas, cada um com seus problemas e reagindo de maneiras diferentes, tentando sobreviver como podiam a essa fase estranha que chamamos de adolescência.
E então eu descobri que era normal eu ter passado por problemas de separação, brigas e tudo o mais. Era normal eu ter preguiça de estudar e me sair mal em algumas provas. Era normal eu ter medo e fracassar em algumas tentativas, porém mais normal ainda era continuar tentando, não desistir até alcançar o objetivo, mesmo que parcialmente.
- O que você está fazendo aqui? - Não controlei o sorriso discreto que apareceu no canto de minha boca quando o vi encostado na mureta em frente à minha casa.
- Vim te buscar, temos um compromisso - ele respondeu. Estava deslumbrante com a calça jeans desbotada e a camisa preta apertada ao corpo, óculos escuros que lhe caiam muito bem e cabelos desajeitados devido ao vento. Aliás, com o tempo de convivência eu percebi que sempre parecia ter saído de um filme, mesmo que não fizesse esforços para isso.
- Como chegou aqui antes de mim? - Me sentei ao lado dele na mureta, deixando que minhas coisas caíssem despreocupadamente no chão. Esse era um dos hábitos que ele havia conseguido quebrar: o cuidado excessivo com minhas coisas, meus objetos pessoais.
- Já te disseram que você é a pessoa mais lerda do mundo? - Ele riu, ajeitando os óculos nos olhos com uma mão. - Estou falando sério, você não anda: rasteja.
- Mas quando te vi no portão da escola parecia muito ocupado conversando com a Agatha - deixei um certo desprezo transparecer sem querer. Mas não me culpei por isso, já sabia que eu tinha um certo ciúme dele, por estar acostumada a ser o projeto principal dele durante as últimas semanas, se é que podíamos chamar aquela convivência de projeto, visto que o que fazíamos juntos não parecia nada forçado ou entediante para nenhum dos dois.
- Exatamente, estava ocupado mesmo - confirmou sem piedade dos meus sentimentos. - Pra você ver como é lerdinha.
Me irritei e levantei bruscamente, seguindo até a porta de casa.
- Me espere, vou trocar de roupa e já volto - avisei enquanto já abria a porta. Ele nunca havia entrado na minha casa, e não entraria nunca se dependesse de mim.
- Não precisa caprichar, tenho um modelito pra você no carro, vou te fazer trocar assim que chegarmos ao nosso destino - disse com um ar presunçoso antes que eu fechasse a porta.
Subi direto para o meu quarto, sem me preocupar em pegar nada para comer, pois sabia que até mesmo meu almoço já havia preparado. Ele gostava de fazer isso, e nunca me dissera o porquê. Minha teoria era de que ele sempre quisera ter o controle sobre a vida de alguém, ter o poder de subordinar uma pessoa às suas vontades, e encontrara em mim a chance perfeita para realizar sua espécie de desejo. Eu não tentava entender, apenas acatava suas 'ordens'.
Troquei apenas de blusa, colocando uma regata mais confortável e por cima uma espécie de casaco largo e listrado que caía nos ombros.
Quando estava prestes a sair de novo, feliz por não ter sido notada, minha mãe surgiu do nada, me assustando.
- Aonde pensa que vai sem comer nada, ? - perguntou com seu tom acusador. Ela vinha praticando esse tom comigo ultimamente, estava ficando cada vez mais assustador.
- Hm - pensei um pouco. Meu estoque de mentiras já estava esgotando, precisava comunicar a para que ele me ajudasse. - Passear com e Julian no centro, talvez pegar um cineminha.
Ela já ia argumentar novamente, mas eu fui mais rápida em completar:
- Mas antes disso almoçaremos em casa. está treinando suas habilidades e resolveu preparar um pene com molho especial.
- Tudo bem, mas não chegue tarde - advertiu.
Tranquei a casa e já estava dentro do carro, esperando por mim pacientemente, como sempre. Às vezes sua paciência era tanta que ele sequer parecia humano. Porém, em outras ocasiões não podia esperar um minuto sequer, especialmente se se tratasse de mulheres pedindo atenção e carinho demais.
Abri a porta do banco do carona e já ia entrando quando ele me avisou:
- Você vai preferir sentar no banco de trás hoje.
Dito isso, obedeci e fui me sentar atrás, sendo observada atentamente.
- Você está mais misterioso hoje do que de costume, e mais mal humorado também - comentei casualmente, notando a bolsa da Victoria's Secret ao lado dele.
- Se você quer mesmo saber o que vamos fazer hoje, eu te digo. - Houve uma pausa, e então ele estendeu para mim a bolsa que eu já havia notado. - Vista isso.
Nervosa, peguei a bolsa e abri vagarosamente. A primeira impressão que tive não foi nada boa, e então resolvi pegar o conteúdo nas mãos para confirmar: era um lingerie branco com um tecido meio transparente.
Minha reação, obviamente, foi rir nervosamente.
- Muito engraçadinho você, .
Não houve resposta, sequer uma risada para acompanhar a minha que morria aos poucos. Ele não estava brincando? Esperava mesmo que eu vestisse aquilo ali? No banco de trás de seu carro?
Joguei a peça íntima no chão com força, e dei-lhe um tapa no ombro.
- O que você está pensando da vida, ? - Cuspi as palavras raivosamente, enquanto o estapeava impiedosamente sem nem reparar no que estava batendo. - Achei que estávamos indo bem no nosso negócio, achei sinceramente que você não fosse tentar bancar o cafajeste pra cima de mim!
- , controle-se! - ele falou um pouco mais alto do que o normal. Foi o suficiente para que eu parasse com o que estava fazendo e me sentasse encostada no banco novamente, emburrada e com os braços cruzados.
- Se não quer vestir agora, tudo bem, eu posso esperar até chegarmos ao motel.
Aquilo foi a gota d'água para mim. Apesar de me sentir até um pouco excitada com a audácia dele, não me permitiria ceder a um pedido daqueles, de jeito nenhum!
- Abra a porta do carro, - usei meu tom mais ameaçador -, eu vou descer.
E então ele explodiu em gargalhadas. Altas e prazerosas, devo acrescentar. E que duraram por uma eternidade, o que só me fez sentir mais ódio ainda.
- , pelo amor de Deus! - Ele ainda ria descontroladamente. - Achou mesmo que eu fosse te estuprar ou algo assim?
Fiquei quieta. Se não era isso que ele queria, o que poderia ser? Havia eu sido presunçosa demais em imaginar suas intenções com aquele presente?
- Isso foi uma brincadeira! O lingerie realmente foi um presente, é sua. - Paramos em um sinal e ele então se abaixou para pegar o lingerie branco jogada no chão, devolvendo-a a mim. Recusei-me a pegá-la novamente. - E você escolhe quando vai usá-la, ok? Ninguém vai te forçar a nada, nunca.
Ao ouvir aquelas palavras, me controlei um pouco. Enfim, fora uma brincadeira. De mau gosto é claro, como a maioria das brincadeirinhas de , mas pelo menos eu ganhara um conjunto de lingerie sexy e bonito. E caro, provavelmente.
- Mas então por que me deu isso? Para rir da minha cara como sempre? - Ainda estava irritada, mas analisava o presente macio em minhas mãos.
- Te dei isso para representar um presente maior... Com isso quero dizer que dou a você o poder de escolher quando e onde vai usar isso comigo - e riu. Sozinho.
- Pode esperar sentado então, meu querido.
- Deitado, você quis dizer - corrigiu-me ainda sorrindo abertamente. Como conseguia ser tão cafajeste e cavalheiro ao mesmo tempo?
Finalmente ele parou o carro e chegamos ao nosso destino, que até então era desconhecido por mim.
- Clube de tênis? - perguntei confusa, descendo do carro pela porta previamente aberta por ele.
- Exatamente, Clube de tênis de Bournemouth. Já esteve aqui antes?
- Não... Já te disse, sou péssima em qualquer tipo de esporte.
- E quem disse que nós iremos jogar? Eu vou apenas matriculá-la no curso, mas você não precisa frequentar as aulas se não quiser.
- Você não tem mesmo mais onde gastar seu dinheiro, hein - reprovei-o, balançando a cabeça negativamente.
- Precisamos de um álibi, certo? Percebo que sua mãe começou a encrencar com suas saídas à tarde, e se você disser que está tendo aulas de tênis, não precisa nem ir em casa depois que sair da escola.
Chegamos na recepção e eu me sentei em um daqueles sofás aconchegantes. Deixei que fosse até o balcão e cuidasse de tudo, o que não demorou muito tempo. Em menos de dez minutos ele voltou com a minha carteirinha de tenista, o comprovante de pagamento pelo resto do ano e uma sacola da LillyWhite's em mãos.
- Por que o uniforme se eu não vou de fato praticar o esporte?
- Acho que você vai ficar sexy. - Deu de ombros, me puxando pela mão.
's P.O.V. - Agosto
Estava ansioso para voltar logo para casa. Conversas com meu pai nunca resultavam em boas coisas e eu estava ficando cansado de ter que ir a Londres todo mês relatar tudo que estava acontecendo, levar as contas para ele pagar e ouvir sermões, quando ele não estava trabalhando demais para brigar comigo. Das últimas duas vezes. Lucy, sua secretária, cuidara das contas para mim e me dera dinheiro extra sem questionar, provavelmente a mando dele como um pedido de desculpas por estar ocupado demais para sua família, como de costume.
Mas como nada dura para sempre, dessa vez ele estava lá em seu escritório me esperando, cheio de perguntas para fazer a fim de demonstrar o interesse que não existia de fato na vida de seus medíocres filhos.
Meus dedos tamborilavam no volante ao som de uma música agitada, o que só fazia com que eu me sentisse mais frenético. Sabia que estava passando uma temporada lá em casa, a meu mando, é claro, e isso só me excitava mais. Ela havia dito para sua mãe que os pais de estavam viajando e por isso a amiga pediu para que a fizesse companhia, o que de fato não era uma mentira total. E por isso eu tinha certeza de que ela estaria lá, esperando ansiosamente para acatar qualquer ordem minha.
Eu gostava da nossa relação, era minha mais nova definição de unir o útil ao agradável, de conciliação de interesses. Com nosso acordo, ficava bem humorada, feliz e realizada. E eu tinha um bom passatempo em mãos, um brinquedinho divertido e engraçado, cujas ações eu não podia prever, mas podia premeditar. A única pessoa que não ficava muito feliz com isso era a Senhora , mas estávamos trabalhando para que ela se importasse menos com a situação, tomando sempre cuidados para que ela não desconfiasse das saídas noturnas e da falta de estudo e comprometimento com as coisas da filha.
Finalmente, quando estacionei o carro silenciosamente na garagem, entrei em casa e ouvi exatamente os três sons que esperava ouvir.
A da televisão que Julian estava assistindo na sala, a de fofocando no telefone na cozinha e o silêncio vindo do quarto de minha irmã, indicando que estava mesmo esperando por mim como eu estava esperando por ela.
A porta do quarto estava entreaberta, e então resolvi espiar para ver se ela não estava dormindo ou algo assim. estava se olhando no espelho e parecia concentrada em reparar cada detalhe de seu rosto e corpo. Não estava exatamente arrumada: uma calça de lycra preta e a blusa do Frajola de , o que indicava que ela não estava se arrumando para sair.
Retirei o celular do bolso e disquei o número dela, que sabia de cor mas evitava de usar ao máximo, principalmente durante essa curta viagem a Londres.
- ? - sua voz soou extremamente aliviada por estar recebendo notícias minhas.
- Olá, - respondi falando baixo. Não queria que ela descobrisse que eu estava a observando, não tão cedo. - Como estão as coisas por aí?
- Tudo certo... Estamos entediados sem você aqui.
- Todos estão ou você está? - ri fracamente, observando sua expressão no espelho. Ela mordia os lábios como se quisesse se controlar para não dizer alguma coisa que pudesse comprometê-la ou envergonhá-la.
- Acho que eu e Julian estamos. - Os lábios se afrouxaram de novo enquanto ela ajeitava o fone de ouvidos no celular e o colocava em cima da mesinha, prevendo que a conversa seria longa. - E seus assuntos em Londres? Estão caminhando?
- Vou voltar em breve, se é isso que quer saber - respondi simplesmente. Seu rosto franziu-se em uma careta. - O que está fazendo? O que está vestindo? - bombardeei as perguntas antes que ela pudesse surgir com outro assunto.
- Estou... Lendo um livro. - Seu olhar foi rapidamente para o livro jogado em cima de sua mochila. - Se houver amanhã, uma ficção meio água com açúcar. E não estou vestindo nada demais, a mesma roupa que dormi e passei o dia inteiro. - Deu de ombros, ainda se analisando no espelho. Agora ela tentava prender o cabelo de diversas maneiras, analisando cada novo penteado.
Sorri ao perceber que ela não mentia para mim. Não podia culpá-la por omitir o fato de que estava se observando no espelho, afinal, ninguém gosta de parecer narcisista. Mas no geral, ela costumava me responder tudo com sinceridade, sem questionar.
- E quero saber a cor da sua calcinha, - disse maliciosamente, contendo uma risada que me denunciaria. Aquele era o teste final.
- Não vou fazer sexo com você, - ela prontamente me respondeu, cruzando seus braços e arqueando uma sobrancelha. - Nem por telefone.
- Ande logo com isso, - ri despreocupadamente. Ela sabia o que minhas risadas indicavam, e sabia que naquele caso poderia prosseguir, eu não tentaria nada. Assim como nunca havia tentado, até então. Tinha outras pessoas para me satisfazer nesses aspectos.
Ela então puxou um pouco sua calça e olhou para conferir a cor da calcinha. De longe eu pude perceber que era branca e tinha umas florzinhas em detalhe, um tema um tanto quanto infantil.
- Preta... Com renda - respondeu por fim.
- Pare de mentir pra mim, minha querida. Eu já mandei calcinhas suas pra lavanderia, você não é do tipo que usa lingerie sexy - provoquei-a.
- Ah, e o que você quer que eu faça então? - Percebi que ela se irritou de repente. - Compre alguma coisa que você julgue sexy o bastante para poder ficar me observando feito um tarado impotente?
- Não... Estava pensando em pedir que fosse ao meu quarto e pegasse uma boxer para vestir. Pode pegar a que quiser, até mesmo a do super-homem, que é minha favorita.
Obviamente, à essa altura eu já estava deitado em minha cama, sem os sapatos e com as pernas para cima, encarando o teto no breu.
- Não vou entrar no seu quarto, ele está fechado o tempo inteiro desde que você saiu... Ratos devem habitar aquele lugar agora. - Sabia, mesmo sem puder vê-la, que ela estava fazendo uma cara de nojo. E sabia também que ela já estava prestes a abrir a porta do quarto.
- Não seja fresca, entre logo - ordenei e então fiquei quieto, deitado no escuro, apenas observando enquanto ela vagarosamente entrava no meu quarto sem acender a luz, olhando ao redor com cuidado. A princípio ela olhava muito para o chão, provavelmente com medo de pisar em restos de comida. Como não encontrou esse tipo de sujeira, passou a analisar as paredes; duas pintadas de azul e as outras duas forradas com fotos, pôsteres e adesivos que causavam um efeito e tanto de poluição visual.
- Onde você guarda esse tipo de coisa? - perguntou depois de um bom tempo em silêncio de ambas as partes. Meu celular já estava desligado. - ? Filho da mãe, desligou o celular na minha cara!
- Filho da puta - corrigi imediatamente. - Filho da puta, diga!
- Ai. Meu. Deus! - Ela se virou abruptamente para onde eu estava, percebendo minha presença ali pela primeira vez.
- Anda, diga! - Eu estava rindo e olhando para ela, deitado descontraidamente na minha cama. - Se quer expressar sua raiva por uma pessoa, não tenha medo de xingá-la, certo? Filho da mãe todos somos, filhos de putas é para poucos.
- O que você pensa que está fazendo aqui me dando uns sustos desses, seu filho da puta?
- Muito bem. - Sorri com mais essa lição aprendida por ela. aprendia rápido, admirava isso nela. - Não gostou da minha surpresa? Eu posso voltar mais tarde se quiser.
- Não se faça de idiota, - ela sorriu, sentando-se ao pé da cama onde podia ver meu rosto apesar da fraca luz que entrava pela janela. Já devia ser bem tarde: por volta das onze e meia da noite. No dia seguinte teríamos aula e eu não podia deixar faltar novamente.
- Se eu me faço de idiota - comecei com meu ditado...
- É porque as pessoas ao meu redor são idiotas - e completou por mim com deboche na voz. Rimos os dois como retardados.
's P.O.V. - Setembro
E daí que minha mãe jogava a porra da culpa em mim? Eu sabia que a culpa não era minha! Eu não a culpei quando meu namoro acabou, então por que diabos ela me culpava pelo fim do casamento dela? Não tinha cabimento, não tinha explicação. E eu estava cansada de pensar sozinha sobre aquele assunto, precisava urgentemente falar com alguém, quem quer que fosse (com exceção de Travis e Cassy). Eu aceitaria falar sobre isso até mesmo com , embora achasse que ele não iria me ouvir, isso sem falar que tinha uma pessoa em especial com quem eu gostaria de desabafar. Mas definitivamente eu não podia contar meus problemas pra essa pessoa. Não quando esta mesma pessoa havia me proibido de pensar em meus problemas. Se bem que... Divórcio é problema dos meus pais, certo? Não meu.
- Argh que ódio! - Soquei a porta da casa dos 's com força, machucando meu punho. - Ninguém atende a campainha dessa casa?
Deixei minha cabeça pender para trás e encarei o céu cinza em cima de mim, e quando estava prestes a dar outro murro na porta, ela se abriu e sorte de Julian que ele não é tão alto, ou teria levado um soco na fuça.
- Meu Deus - ele disse simplesmente, me dando espaço para passar pela porta. - Não vou nem te chamar para jogar videogame hoje!
Ótimo! Até mesmo Julian podia perceber meu nervosismo e eu achando que poderia enganar me passando por tranquila depois de uma discussão com minha mãe recém divorciada e enfurecida como nunca!
- está em casa? - perguntei sem esperanças. Seria mais fácil lidar com , mas sabia que ela devia estar dando uns amassos em Clive, ou pintando as unhas com Cassy.
- Acho que não - Julian deu de ombros. Impressionava-me a falta de detalhes que Julian sabia sobre a vida de seus irmãos... Nunca conseguia arrancar nenhuma informação dele, e não sabia ao certo se era porque ele não sabia mesmo ou se tinha sido bem pago para fingir que não.
- Posso pegar um copo de água então, querido? - Passei meus dedos por seu cabelo, que já estava ficando grandinho demais, e despenteado também.
- Vai nessa. - Mais uma vez deu de ombros, gesto muito comum da parte dele, e voltou para seu desenho na sala.
Fui até a cozinha e me servi um copo de água com açúcar, embora soubesse que aquilo não me acalmaria e muito menos faria a voz estridente da minha mãe sair da minha cabeça. Você e sua crise nos levaram a uma crise também, ! Parabéns pelo seu egoísmo de adolescente, parabéns!
Bebi o conteúdo o mais rápido possível, deixando até um pouco da água vazar pelo canto da boca. Estava na hora de subir e fingir que as coisas estavam bem, afinal de contas, eu não podia voltar para casa naquela noite e precisava de um abrigo. O quarto de . Ou de Julian, caso ele me rejeitasse.
Parei na porta do quarto, que estava encostada, como sempre, e limpei o suor de minhas mãos na calça jeans acinzentada, respirando fundo.
- , cala a boca! - ouvi a voz descontraída de , que devia estar falando ao telefone. - É óbvio que eu não transei com ela!
- Realmente, pensando bem ela não começou a te olhar com cara de retardada ainda, e nem de maníaca como se quisesse arrancar suas calças o tempo todo...
Me assustei ao ouvir a voz de e recuei um passo para trás, tirando minha mão da maçaneta. Droga, ele estava ali também!
- Mas isso não significa que não estejamos caminhando para isso...
- Como assim? Você acha que tem chances? - uma risada debochada seguida de um baque na cama.
- Não tenho certeza ainda se ela é virgem... - falou e parou uns segundos para digitar alguma coisa no teclado. Provavelmente não estava dando muita atenção à conversa de sobre uma garota qualquer. - é bastante intrigante, não é como eu pensava que seria. Achei que conhecesse seu tipo, mas... - a frase morreu.
? Ele estava mesmo falando de mim? Resisti ao impulso de entrar correndo no quarto e dar uma bronca em por sequer cogitar a possibilidade de que eu dormiria com ele, mas a curiosidade me venceu e eu permaneci onde estava, tomando mais cuidado para não fazer nenhum barulho.
- De qualquer jeito, se eu estiver a fim de fazer alguma coisa terei de ser cuidadoso ao extremo - ele concluiu, por fim. E depois mudaram de assunto.
Esperei alguns minutos ouvindo a conversa deles sobre como os filósofos da Antiguidade fumavam ou sofriam por abstinência de sexo, e resolvi bater cuidadosamente na porta.
- Já está com fome de novo, Julian? - berrou lá de dentro, e então entrei devagar no cômodo. Acenei um 'olá' tímido para com a cabeça e me sentei na cama de .
- Alguém sabe onde está a ? - disfarcei. Ao ouvir minha voz, imediatamente tirou os olhos do monitor e virou-se na cadeira com rodinhas para mim.
- Por acaso me diz aonde vai, ou com quem vai? - ele respondeu raivoso, o que fez sorrir por um momento.
- E, no entanto, todos nós sabemos onde ela está e com quem também - acrescentou com seu sorrisinho de divertimento pela raiva de seu amigo.
- Tínhamos combinado de estudar hoje, acho que vou levar um bolo. - Deixei meu corpo cair na cama e me arrependi instantaneamente disso. Não queria demonstrar que eu e éramos íntimos, afinal, não sabia se podia fazer isso. Nunca havíamos feito antes.
- Posso tentar te ajudar, se não for nada relacionado à filosofia ou história - e sua cadeira rolante chegaram mais perto da cama e eu senti que ele puxava alguma coisa debaixo da minha perna. - já estava indo embora, não estava?
Levantei um pouco a cabeça e percebi que havia deitado em cima do casaco de , e agora o devolvia para o garoto. Eles trocaram olhares cúmplices e meu estômago revirou. Não era possível que estivesse pensando em tentar alguma coisa hoje... Ele sequer havia chegado perto demais para cogitar a possibilidade de um beijo!
- Que seja - murmurou enquanto vestia seu casaco e largava a bola de basquete num canto. - Vejo vocês amanhã.
Assim que ouvimos a porta bater, senti que estava tirando meus sapatos e jogando-os no chão. Mas isso não era motivo pra me preocupar, afinal, eu sabia que ele não gostava que deitássemos em sua cama usando sapatos.
- Qual é a sua frescura com sapatos, afinal? - tentei descontrair, encolhendo minhas pernas para que ele não pudesse mais tocá-las.
Meus olhos estavam fechados e eu os esfregava tentando afastar o sono, mas ouvi as rodinhas da cadeira se aproximando e ficando ao meu lado.
- Na verdade eu tenho implicância com qualquer tipo de roupa que garotas possam estar usando na minha cama - ele riu descontraído, e novamente minha barriga criou vida própria. - Digamos que eu abra uma exceção para você, .
Ri nervosa, ficando em silêncio depois. Permanecemos assim por um longo tempo, enquanto eu ouvia desligar o computador e fazer mais algumas coisas inúteis em seu quarto.
- Chega pra lá. - Abri os olhos e me deparei com ele tentando sentar ao meu lado. Obedeci e então senti seu braço passando em volta do meu ombro, me puxando para deitar em seu peito.
Respirei fundo e coloquei na minha cabeça que não havia nada de diferente nos outros dias. sempre fazia piadinhas de mal gosto, e afinal, eu estava deitada na cama dele, que mal havia se ele quisesse se sentir mais confortável, certo?
- Qual é o problema com você hoje? - ele perguntou após alguns minutos em um silêncio constrangedor. Pelo menos para mim.
- Meus pais estão se separando, e minha mãe pôs a culpa em mim - fiz a informação sair naturalmente, como se eu não tivesse dando importância ao fato. É claro que você não percebeu nada errado! Além de não olhar para outro lugar a não ser o seu umbigo, há quantos meses você não almoça, dorme ou apenas passa a tarde em casa? Faça-me o favor, ! E não venha bancando a coitadinha...
Mordi meu lábio ao lembrar novamente do motivo pelo qual eu estava ali.
- E você fez alguma coisa pra que a culpa fosse sua? - estava sereno como sempre. Olhei bem em seu rosto, tentando pegar aquela calma para mim.
- Não que eu saiba... Mas talvez essa seja o problema, sabe? Eu não fiz nada que poderia ter feito pra pelo menos tentar ajudá-los.
- E o que você teria feito para ajudar se tivesse pensado nisso antes?
Parei para pensar um instante, e realmente não havia muito que eu pudesse ter feito. Talvez eu estivesse realmente ausente, mas que diferença a minha presença dentro daquela casa faria quando os dois estivessem brigando?
- Qual é o seu problema? - revoltei-me com , dando um tapinha sem força em seu peito. - Você sempre sabe o que dizer!
- Eu não disse nada, você chegou às suas conclusões sozinhas - riu, segurando com firmeza em minha mão para que eu não batesse mais nele.
- Mas como faz isso? - Ainda estava indignada.
- Talvez eu saiba alguma coisa sobre Sócrates e Aristóteles - deu de ombros, rindo como sempre.
Mais um tempo de silêncio se estabeleceu, até que ele, talvez percebendo minha tristeza que teimava em continuar pairando no ar, resolveu falar de novo:
- Olha, ... Se você quiser chorar, acho que posso aguentar seus soluços por um tempo - disse, e eu fiquei quieta. O que ele queria dizer com isso exatamente? - Quero dizer, não é sempre ruim demonstrar que está sofrendo e tudo mais... Pode chorar se quiser, não precisa bancar a durona o tempo todo pra cima de mim. - acariciava meu cabelo enquanto falava calmamente. - Nem vou me importar se você molhar minha blusa nova.
E então eu me permitir chorar nos braços daquele que me dava mais motivos ultimamente para não fazê-lo.
's P.O.V. - Setembro
- Então, - passou o braço pelo meu ombro, me puxando para perto de si -, o que vai fazer pelo resto da tarde?
- Não sei ainda - respondi enquanto andávamos para fora dos muros da escola.
Meus olhos procuravam discretamente por uma pessoa, e infelizmente encontraram e Clive em um canto trocando olhares apaixonados. - Ficar longe desses dois, provavelmente.
- Certo - ele riu. achava engraçado eu me incomodar com o romancezinho idiota dos dois, provavelmente porque a irmã dele só tinha dois anos. - Então passa lá em casa, vamos jogar alguma coisa, tomar uma cerveja... Relembrar os velhos tempos.
- Que foi, brigou com Cassy? - Peguei as chaves da moto no bolso. Recentemente estava tirando minha bebê da garagem para dar umas voltas.
- Mais ou menos - admitiu, dando de ombros. - E como você também está sozinho...
- Quem disse que estou sozinho? - perguntei imediatamente, me livrando dos braços dele.
- Claramente você não está conseguindo nada com - ele dizia debochado, enquanto me observava subir na moto. - E olha que está gastando tempo nisso, hein cara! Já faz meses...
- , cala a sua boca e vem falar sobre isso comigo amanhã... Veremos quem está desperdiçando tempo aqui.
E então deixei-o falando sozinho. E dirigi com pressa até a minha casa, quase parando algumas vezes no caminho para pegar o telefone e mandar ir para lá também, mas depois percebi que seria melhor chegar em casa e relaxar primeiro, ter um tempo sozinho e me encontrar com ela mais tarde. Não queria parecer desesperado e raivoso. Porque sim, com sua conversinha de dois minutos tinha conseguido me deixar com raiva.
Minha surpresa foi chegar em casa e ouvir vozes. Vozes que não vinham da tevê, e sim do banheiro. Quase não abri a porta com medo de encontrar uma cena entre e Clive que só faria minha raiva aumentar, mas como a risada inconfundível de Julian ressoava lá de dentro, resolvi checar com quem ele estava conversando, e pude constatar que estava imaginando a pessoa certa.
- Pare de se mexer, garoto! - ela brigava com ele. estava de costas para a porta do banheiro e não pôde me ver de imediato. Julian, sentado numa cadeira na frente dela, tinha uma toalha enrolada no pescoço e fazia umas caretas. Observei pelo espelho que ela tinha uma tesoura na mão e...
- O que exatamente está acontecendo aqui? - perguntei assustado.
- ! - A tesoura quase voou da mão de , que deu um pulo de susto. - Tá querendo me matar?
- E você? Quer matar meu irmão? - Minha voz era de acusação, mas também estava divertida. Aproximei-me dos dois o bastante para finalmente entender que na verdade eles estavam tentando cortar o cabelo de Julian.
- está querendo me deixar com cara de menino de novo - ele se explicou, apoiando o rosto nas mãos e o cotovelo no joelho, entediado. - Ela disse que vocês são muito relaxados e se continuar assim nenhuma menina vai se interessar.
Não pude deixar de rir de Julian e da cara orgulhosa que fez.
- Mas ela não entende que eu quero distância de meninas! - O comentário só fez com que nós ríssemos mais, e Julian bufasse.
- Desde quando você sabe cortar cabelos? - perguntei, sentando-me no balcão do banheiro, o que me permitia ficar de frente para os dois, encostado no espelho.
- Chloe me ensinou algumas coisas... Ela cortava o meu, mas tinha medo de me deixar cortar o dela porque eu ficava muito nervosa e tremia demais.
- E por que você não está tremendo agora? Me parece bastante confiante... - Analisei seu rosto sereno enquanto ela dava umas picotadas no cabelo de meu irmão, que realmente andava maior do que o normal.
- Seu irmão não se importa com o resultado, não tenho motivos para ficar nervosa - ela riu.
Resolvi observar enquanto ela terminava o trabalho, e durante esses vinte minutos ninguém falou uma palavra. Realmente Julian não dava a mínima para o que estavam fazendo com o cabelo dele, e às vezes fazia umas caretas e estava bastante concentrada, parecia tentar imaginar como ficaria o resultado final. Quando largou a tesoura, começou a mexer no cabelo do menino, passando gel e fazendo diversos penteados, moicanos e coisas do tipo. Segurei a vontade de rir, pois qualquer movimento que fazia ela parecia se desconcentrar e me lançava um olhar de reprovação pior do que os que minha mãe costumava me mandar quando era viva.
Quando finalmente as crianças terminaram de brincar, subiu para o meu quarto, onde eu estava deitado lendo uma revista sobre The Sims.
- Temos planos para hoje? - Ela sentou-se casualmente em cima da bancada, ao lado do computador.
Fechei a revista e recostei na cama, de forma que ficasse confortável e pudesse observá-la ao mesmo tempo. Sabia que ficaria muito desconfortável com o assunto que eu esperava fazer vir à tona.
- Tenho umas perguntas pra você, que talvez você não vá se sentir muito confortável para responder.
- Alguma coisa a ver com Charles? - ela adivinhou, mexendo com as mãos nervosamente. Há muito o nome dele não era mencionado, mas às vezes surgia nas nossas conversas que duravam horas à fio.
- Exatamente - confirmei com a cabeça e ela mordeu o lábio -, mas preciso que você confie em mim e prometa que vá responder todas as perguntas com sinceridade e sem constrangimentos.
- Confio em você - respondeu simplesmente, pegando uma miniatura de um boneco esquiando em cima da mesa. se sentia mais confortável para conversas como aquela se estivesse algum objeto inútil para fingir que estava prestando atenção enquanto pensava cuidadosamente na resposta.
- Como vocês se conheceram?
Não era exatamente isso que eu queria saber, mas achei melhor rodeá-la com perguntas antes de chegar ao ponto.
- Charles me perseguiu por um tempo, sabe? Antes de começarmos a ter alguma coisa, antes mesmo até de nos conhecermos, ele me perseguia. Falava comigo o tempo todo na escola, me chamava para sair, me dava presentes... E eu achava que ele só queria dormir comigo, por isso não dava bola para ele. Até porque era nova demais na época e ele era interessante demais para que pudesse desenvolver sentimentos por mim, pelo menos era o que eu achava. Finalmente um dia Chloe me convenceu a aceitar um de seus convites, e fomos jantar juntos. Ele se mostrou um cavalheiro, rolaram outras saídas... E assim fomos nos conhecendo e nos apaixonando aos poucos - ela suspirou ao terminar a história. Ainda encarava o boneco em suas mãos.
- Bem normal para uma garota como você, - ri para descontrair, e ela me lançou um olhar rápido. Ambos sabíamos que o assunto não tinha terminado por ali.
- E vocês ficaram juntos por bastante tempo, certo?
- Um ano, quatro meses e onze dias - ela respondeu. Mesmo vindo de , me surpreendia que ela ainda recordasse até mesmo quantos dias o relacionamento havia durado.
- E vocês, hm... - fiquei um pouco constrangido ao perguntar aquilo, o que de fato achei estranho, pois nunca me constrangera falar sobre sexo com alguém - costumavam transar?
imediatamente largou o boneco esquiador e me olhou nervosa, entendendo onde eu queria chegar com aquela conversa.
- Você quer saber se eu sou virgem? - perguntou.
- Basicamente - admiti, balançando a cabeça como se ponderasse a questão do ponto de vista dela.
- Sou - respondeu simplesmente, sabendo que não conseguiria mentir para mim.
Fiquei um tempo pensando no assunto. Não me admirava que Charles tivesse a largado depois de um ano, quatro meses e doze dias sem sexo. Mesmo que ele a traísse com outras, o que eu não duvidava muito, o que se espera de uma namorada é que ela abra o jogo, mais cedo ou mais tarde. Mas eu não ia dizer isso a ela. Não depois de tanto progresso que havíamos feito no quesito superação até ali.
- Certo, então você realmente não sabe o que é um orgasmo?
Ela corou levemente, mordendo a boca.
- Chloe e eu lemos uma vez sobre masturbação, e prometemos uma a outra que tentaríamos quando chegássemos em casa à noite... - ela parou um pouco com a história, e eu permaneci em silêncio esperando o fim. - Mas eu não tentei, e não sei se ela tentou, pois ambas ficamos constrangidas demais para tocar no assunto de novo no dia seguinte.
- Entendo - me controlei para não rir de sua sinceridade e de seu jeitinho de menina. Mesmo com uma cabeça muito mais madura do que muitos adultos, mantinha seu lado de criança aceso, e isso me encantava de um certo modo.
- Vamos trabalhar nisso então.
- O... O quê? - Ela me encarou perplexa. - , achei que tivesse deixado claro que nós... - começou seu discurso, nervosa.
- Não é nada disso, . - Rolei os olhos com seu nervosismo desnecessário. - Eu vou apenas lhe ensinar, não vou demonstrar nada e nem encostar em você, se não quiser.
- Não tenho muita certeza quanto a isso, ...
E então tive que passar algumas boas horas explicando a a importância dela conhecer seu corpo e saber do que ele era capaz, coisas que, sinceramente, eu esperava que toda mãe dissesse a suas filhas para poupar o trabalho de seus futuros cônjuges. Mas finalmente ela concordou com que eu a ensinasse, mas sem ficar olhando, obviamente.
- Já terminou com isso? - perguntei, ficando impaciente. Estava virado de costas para , encarando a parede coberta com fotos variadas, enquanto ela estava deitada em minha cama, sob a ordem de se livrar das calças.
- Posso permanecer com a calcinha?
- Abaixe um pouco, pelo menos - avisei. Silêncio por um momento, e pude perceber que ela não havia feito o que eu mandara. - , nós somos duas pessoas bem crescidinhas, certo? Já lhe disse que não vou ficar espiando, pelo amor de Deus!
- Tá bem, tá bem - ela resmungou e jogou a calcinha em cima de mim. Peguei-a rindo e pude sentir que já estava ligeiramente úmida. Ótimo, isso ia ser mais fácil do que eu pensava.
- Como você está? - Perguntei.
- Tirei a roupa toda, mas vesti seu casaco que estava pendurado aqui na cama - ela admitiu.
- Não, sua tola - não pude deixar de rir com a avaliação dela -, quis saber como está se sentindo.
- Nervosa - admitiu. - Mas um pouquinho ansiosa.
- Bom, então faça o favor de apoiar o pé na cama e abrir um pouco as pernas antes de começar a se tocar.
Ouvi um murmúrio de reclamação e um silêncio se seguiu. Esperei um pouco, vendo se ela falaria alguma coisa.
- Onde exatamente tenho que me tocar? - Sua voz estava um pouco alterada, mais baixa também.
- , você por acaso sabe onde fica seu clitóris? - Não pude deixar de rolar os olhos com a pergunta dela.
- Tenho uma ligeira impressão de que sei.
- Céus, o que esses colégios ensinam em Biologia hoje em dia? - Rimos. O riso dela um pouco mais desconfortável do que o meu.
O silêncio reinou por uns minutos, enquanto provavelmente estava se tocando, não me controlei e me peguei imaginando a cena. Por favor, não me julguem, ok? Uma garota seminua deitada na sua cama se masturbando e você vai dizer que não ficaria nem um pouquinho excitado?
Apertei a calcinha dela entre os dedos, respirando fundo. Não podia perder o controle ali.
Mais alguns minutos e gemidos baixinhos começaram a sair dos lábios dela, mesmo que ela tentasse contê-los.
- Ótimo, - elogiei-a, sorrindo sozinho. - Continue assim, está se saindo bem.
Ela gemeu um pouco mais alto e mandei que introduzisse um dedo vagarosamente.
- Não sei se consigo, - falou com a voz ligeiramente rouca e arrastada.
Senti que sua calcinha estava sendo cada vez mais esmagada pela minha mão enquanto eu controlava a vontade de ir até ela e mostrar-lhe como se fazia. Queria que ela realmente soubesse o que é ter um orgasmo.
- - ela gemeu meu nome com dificuldade.
- - respondi ofegante.
- Será que você poderia...?
Não esperei para que ela terminasse a frase. Num piscar de olhos me virei e vi a cena que tanto queria ver, porém um pouco melhor do que eu esperava. estava na exata posição que eu mandara, deitada na minha cama sob o meu travesseiro, com os olhos fechados, usando nada mais do que meu casaco aberto, que mostrava sua barriga e a parte entre seus seios. Sua mão estava sob sua pélvis se mexendo freneticamente e sua boca semi-aberta soltando gemidinhos quase inaudíveis.
Aproximei-me da cama e ajoelhei no chão ao lado da mesma, pegando em sua mão que jazia sob a cama para que ela soubesse que eu estava ali por perto. Imediatamente, abriu os olhos e me encarou, mas diferente do que eu esperava, ela não gritou comigo e nem parou subitamente com o que estava fazendo. Também não falou nada, porém seu olhar dizia claramente que ela queria que eu continuasse com aquilo por ela, fazendo-a chegar até o fim daquela sensação.
Sem pensar duas vezes, coloquei minha mão por cima da que ela usava para se acariciar, apertando-a contra sua intimidade. Ao sentir isso, rapidamente agarrou o lençol da cama com suas duas mãos, deixando o caminho livre para mim. Comecei devagar, passando os dedos delicadamente por toda a sua extensão já molhada, apertando-lhe com força a parte interna da coxa e terminando por pressionar seu clitóris com o indicador, massageando-o em seguida. Fiz tudo isso sem a menor pressa, analisando todos os detalhes do corpo da garota deitada em minha cama, todos os pêlos eriçados de seus braços, todas suas pintas em lugares estrategicamente bolados, querendo tocar tudo aquilo, beijar toda a extensão de seu corpo pequeno e delicado.
Me deliciei quando, ao introduzir o primeiro dedo em sua vagina sem parar de brincar com seu clitóris, suas costas se arquearam levemente e sua cabeça pendeu para trás, enquanto seu lábio era mordido sem piedade por ela mesma.
- Awn, - aquele último gemido e apertão em meu braço foram o suficiente para mim.
Que se fodessem todas as minhas intenções iniciais de não tocá-la demais, que fosse para o inferno a minha consciência que mandava desesperadamente eu me afastar de !
Quando senti que finalmente ela havia chegado ao máximo de prazer que eu poderia lhe proporcionar com os dedos, abri minha calça e deixei que ela caísse desajeitadamente no chão enquanto eu me posicionava por cima dela, uma perna de cada lado de seu corpo.
Sem deixar que meu peso caísse por completo em cima do corpo de , retirei minha blusa e fiquei apenas com minhas boxers, enquanto deixava minhas mãos caminharem livremente por todo seu tronco, finalmente abrindo aquele casaco completamente, revelando o que eu pensei, no momento, ter sido os melhores seios que eu já havia visto na vida. Obviamente não eram os mais fartos que eu havia tocado, mas o tamanho deles parecia encaixar-se perfeitamente em minhas mãos, que, sem piedade, massagearam ambos com uma vontade própria ensandecida!
não abria os olhos por nada e parecia se deliciar mais e mais com cada toque novo que sentia, e então meus olhos encontraram aqueles lábios. Perfeitamente delineados, vermelhos de tanto serem mordidos, eles mereciam um carinho... E como mereciam! Inclinei-me um pouco mais sobre e encostei vagarosamente minha boca na sua, que como já estava entreaberta, aceitou de bom grado o carinho de minha língua.
Todos aqueles meses, sem ao menos perceber que a vontade era tanta, eu quis fazer aquilo: beijar aqueles lábios tão convidativos. E quando finalmente consegui, não queria soltá-los por nada nesse mundo! Só o fiz quando resolvi que era hora de explorar de novas maneiras a pele macia de . Desci com meus lábios por seu pescoço, fazendo questão de deixar umas boas marcas ali. Segui para seu colo e quando finalmente cheguei a seus peitos, beijei-lhes por completo e vagarosamente, chegando então aos mamilos, um de cada vez, obviamente.
Brinquei com ambos até que ficassem totalmente eriçados, como já estava a garota embaixo de mim e também a minha ereção, que parecia que ia explodir a cada toque que eu dava, e olha que , anestesiada e inebriada com tanto carinho, mal conseguia se mover a não ser para impulsionar seu corpo em direção ao meu, em pequenos espasmos.
Foi só quando eu comecei a abaixar minhas boxers e abriu os olhos que eu de fato me dei conta do que estava acontecendo ali. Eu ia tirar a virgindade de uma garota. Não parecia um grande problema para mim antes, até mesmo já fizera isso várias vezes com diversas meninas, mas... Alguma coisa me dizia que era simplesmente errado fazer isso com . E quando vislumbrei seu rostinho com feições de menina, esqueci do corpo de mulher que tinha em minhas mãos e simplesmente não tive mais coragem de continuar encarando seus olhos assustadoramente viciantes.
Levantei-me rapidamente da cama, procurando minha calça pelo chão. se apoiou em seu antebraço, erguendo a cabeça para me olhar.
- O que está acontecendo, ? - perguntou com dificuldade.
Tentei não olhar para ela enquanto vestia a calça com dificuldade pelo tamanho em que se encontrava meu membro pulsante.
- Você não fez nada de errado, - respondi, já na porta do quarto. - Sou eu. – Pela primeira vez eu falava aquela frase e realmente sentia aquilo.
Saí daquele ambiente perigosamente convidativo enquanto ainda calçava meu tênis e vestia o casaco. Fui até o banheiro e tentei abrir a porta, me assustando quando a encontrei trancada. Alguém estava em casa? Tinha me esquecido completamente de Julian, de ...
Segurei firme em minha virilha enquanto esperava pacientemente pela porta se abrir, mas com medo de que se levantasse e viesse em minha procura. Tinha quase certeza de que ela não faria isso, mas considerando que há menos de duas horas eu não poderia imaginar que ela me deixaria fazer o que eu fizera... Não podia me dar ao luxo de ter certeza de nada.
Não fiquei nem um pouco assustado quando Clive saiu do banheiro, trajando nada mais nada menos do que uma cueca.
- . - Ele parou na porta ao me ver, parecendo assustado.
Empurrei-o sem falar nada e rapidamente fui até a pia, a fim de jogar uma água na cara. Precisava me controlar pelo menos um pouco para poder pisar fora de casa.
- Alguma coisa... - Clive parou de falar assim que passei apressadamente por ele de novo.
- Só finja que não me viu nesse estado, e eu finjo que você não existe, falou? - berrei enquanto descia as escadas de dois em dois degraus.
Entrei no carro me sentindo completamente desnorteado, porém sabia precisamente o meu destino.
- Olá, Andy - foi a única coisa que consegui falar assim que Andy abriu a porta de sua casa, antes de pular em cima dela, agarrar-lhe a cintura e selar-lhe os lábios.
Capítulo 09
's P.O.V.
Pisei para fora de casa naquele dia já sabendo o que me esperaria do lado de fora: um frio de congelar. Tranquei a porta e encarei-a por uns segundos. Precisava urgentemente de algo que a diferenciasse das outras portas de madeira escura, exatamente iguais à minha, no corredor do prédio. Alguma coisa que dissesse que aquele lugar era meu, só meu. Talvez um tapetinho servisse.
Desde que eu me mudara para aquele pequeno apartamento em cima da lanchonete Ravi's, ficara tão feliz com a minha atitude de começar uma vida só para mim que tudo que mais queria era dar um jeito naquele lugar e fazer com que ficasse a minha cara. Queria que aquele apartamento fosse o meu cantinho no mundo, o meu refúgio. E, embora fosse bem pequeno e escuro quando eu cheguei ali, àquela altura eu já podia chamar de fofo, pelo menos. E aconchegante.
Desci as escada com pressa e dei um tchauzinho para meu novo patrão Ravi e sua filha Keasey, que estavam brincando na neve. Ravi era o pai que toda garotinha de seis anos poderia desejar, e qualquer um percebia isso. Apesar de eu adorá-lo por ser um chefe super paciente com minha falta de habilidades para garçonete, ele me fazia lembrar o meu pai, coisa que eu não gostava de fazer muito ultimamente. Não tinha notícias do meu há uns bons meses, mas quando falava por telefone com minha mãe, que estava no Caribe, ela dizia que ele estava bem, mesmo tendo certeza de que eu sabia que ela não tinha a menor noção de onde ele estava.
O caminho para a escola era bem mais longo, mas eu continuava a fazê-lo a pé. Era uma boa caminhada matinal e eu apreciava o tempo que tinha para pensar na vida. Não que eu tivesse muita coisa para pensar na época, já que a maior parte do tempo eu passava trabalhando e estudando para recuperar as notas baixas que obtive enquanto estava tentando 'curtir a vida' com .
era como um fantasma perseguidor, era só eu pensar no nome dele e ele se materializava na minha frente, com seu cabelo bagunçado por ter acabado de tirar uma touca, sua pele mais branca do que nunca como a de todos na cidade pela falta de sol, seus lábios rosados sempre formando um sorrisinho maroto e seu nariz meio vermelho.
Era estranho pensar que um dia nós fomos tão íntimos, tão amigos. Mais estranho ainda porque eu sabia quase todos os detalhes de sua vida, desde os mais supérfluos, como o que ele gosta de ouvir e o que gosta de colocar na torrada e café pela manhã, até os mais sórdidos e escondidos, como o passado dele. E nós sequer falávamos uma palavra sempre que nos encontrávamos na escola.
Claro, olhares receosos e curiosos eram trocados frequentemente, mas ninguém tinha coragem de pronunciar nem um 'oi'. Que dirá tocar no assunto que nos levara àquela distância repentina. Aquele assunto era proibido, aquela noite estava trancafiada a sete chaves em algum lugar dentro de nossas memórias, e nenhum de nós pretendia trazer à tona.
Aguentei o resto da manhã como se fosse uma qualquer, tentando parecer ansiosa como todos meus colegas de turma para saber o resultado das provas bimestrais, mesmo já sabendo que eu passara direto em todas as matérias. É, , a CDF, estava de volta para ficar. Pelo menos enquanto o Ensino Médio não terminasse.
O que me consolava pelo fato de que ainda faltavam alguns bons anos de estudo pela frente era saber que na metade do ano seguinte, e seus seguidores iriam embora, e a paz reinaria para mim. Pessoas esqueceriam que em algum lugar do remoto passado eu andara com aquela gente, e eu poderia voltar a viver em paz no meu mundinho solitário e independente.
- E então? - me abraçou por trás, me dando um leve susto. - Passou direto? Não precisa nem responder, eu sei que sim. Mas a novidade é que eu também!
Sorri para minha amiga, ficando ao seu lado.
- Dá pra acreditar que daqui a seis meses eu vou estar livre desse lugar? - ela tagarelava com os olhinhos brilhando, e eu fingia prestar atenção e estar feliz por ela, mas a verdade é que eu não queria perder minha única amiga.
- O que acha de passar lá em casa hoje depois do expediente? Fiz umas mudanças no apartamento, acho que você vai gostar do novo sofá - mudei de assunto assim que chegamos no portão da escola. Era ali que nos despedíamos todos os dias, pois eu tinha que trabalhar e normalmente se encontrava com seus amigos e seu novo namorado, Clive.
- Ahh, ... - ela começou com seu tom de lamentação - eu bem que queria, mas como hoje foi o último dia de aula acho que vai rolar uma comemoração na casa do Travis. Me perdoa se eu adiar para amanhã?
- Tudo bem. - Forcei um sorriso, dando de ombros. Ia dizer que precisava estudar, como sempre dizia quando me dispensava por seus outros compromissos, mas lembrei a tempo que as aulas haviam acabado.
- Mas você sabe que pode ir se quiser - começou com seu discursinho. Essa era uma conversa muito típica de nossa amizade: eu a convidava para fazer alguma coisa, ela se desculpava dizendo que tinha compromissos, eu dizia que tudo bem e ela insistia que eu fosse com ela.
- A festa é pública e você sabe que Travis ainda tem uma quedinha por você. - Ela bateu seu ombro no meu com um sorrisinho de lado, me incentivando.
- É, eu sei... Bem, se der eu apareço lá.
- Se você não estiver muito cansada - continuou minhas falas.
- Ou se Ravi não me pedir para cobrir o turno da noite - terminei e rimos juntas.
Nos despedimos com um abraço e um 'te ligo, amiga'.
Voltei para casa caminhando como uma lesma, e quando finalmente cheguei, percebi que só teria tempo para trocar de roupa e descer: o almoço teria que esperar.
- Quais as novidades, ? - Ravi e seu sorriso me receberam na lanchonete. - Férias?
- É, liberdade por algumas semanas. - Sorri de volta, mas só porque não conseguia recusar um sorriso a Ravi.
- Precisamos discutir suas férias aqui do trabalho também. Estava pensando na semana do Natal... O que você acha?
- Já disse que não preciso tirar férias, Ravi. - Rolei os olhos enquanto pegava o pano para passar na bancada. - Meus pais estão viajando e provavelmente meus amigos também estarão. Ficarei feliz em trabalhar, pelo menos vou ter alguma coisa para fazer e pessoas para ver além das que aparecem na televisão.
- , , ... Depois não diga que eu não avisei, hein? Se mudar de ideia, estarei no meu escritório.
E assim meu dia de limpar mesas, entregar cafés e receber gorjetas começou. Igual a todos os outros. Como era sexta-feira, apareceu por lá. Como sempre, ele sentou-se à mesa do canto e pediu panquecas com cobertura de caramelo e um chá gelado. Como sempre, não fui eu que o atendi. Por minha sorte, eu trabalhava com Quinn Ramoray, colega de turma de , e ela fazia questão de servi-lo para poder trocar três palavras com ele.
A única diferença foi que, desta vez, ele não veio sozinho.
Confesso que me surpreendi quando ouvi alguém chamar meu nome vindo daquela fatídica mesa do canto. Me virei com cautela e rolei os olhos quando percebei que Travis me chamava.
- ! - Ele sorria abertamente enquanto eu caminhava até a mesa, segurando meu caderninho de anotações. - Então é aqui que você anda se escondendo, hein?
- Boa tarde - cortei a conversa fática. - O que vão querer?
- Na verdade, eu queria um sanduíche de atum, mas agora que te vi aqui acho que vou mudar meu pedido...
- Pois não - continuei fazendo apenas meu trabalho. Sabia que dali sairia uma cantada, mas esperava conseguir me controlar.
- Que tal aparecer lá em casa hoje à noite? Vamos comemorar as férias, sabe como é... No estilo de sempre.
- Vou estar trabalhando, me desculpe. Posso lhe trazer alguma coisa agora?
- Vamos lá, ... Eu sei que você se lembra de como costumávamos nos divertir nas nossas festinhas. - Travis forçou um pouco a barra pegando em minha mão de leve, fazendo com que eu apertasse a caneta que segurava com força.
- Eu vou querer o de sempre, por favor - se manifestou pela primeira vez, me salvando.
Afastei minha mão da de Travis para poder escrever o pedido de , e então o outro resolveu fazer o mesmo.
Eles comeram e felizmente me deixaram em paz até irem embora.
- Eu sei que você não esqueceu o caminho da minha casa - Travis me avisou enquanto fazia seu caminho para fora da lanchonete, mas não sem passar sua mão pela minha cintura e aproximar seu rosto do meu pescoço. Nojento!
- Como você conseguiu, vadia? - Quinn passou por mim bufando de raiva. - Tudo que eu sempre quis foi que um deles me desse bola e você esnoba os dois assim!
- Tente - aconselhei. - Ouvi dizer que ele e Cassy terminaram, finalmente.
Eu realmente ficara feliz com esses boatos. era legal demais pra garotas irritantes e sem cérebro como Cassy. Se bem que depois dela, acho que seu padrão de namoradas e ficantes continuou o mesmo.
- Talvez eu tente mesmo hoje à noite - ela dizia com desdém enquanto limpava as mesas vazias.
Peguei a vassoura e comecei a varrer. Não via a hora de fechar logo aquele lugar e comer alguma coisa. Um banho também seria bem-vindo.
- Se eu conseguir chegar na festa. - Quinn rolou os olhos e me olhou desesperada. - Você acredita que eu não sei chegar lá? Eu sei, sou uma completa idiota! Esse tipo de endereço a gente não esquece, mas... As últimas vezes que estive lá tive que ser carregada pra fora e não me lembro nem por quê!
Encarei-a com pena por alguns instantes, enquanto terminava de varrer. Talvez eu pudesse ajudá-la... Tipo como a boa ação da semana, não sei.
- Eu me lembro bem como se chega lá - antes que pudesse pensar, já me ouvi falando.
- Mas eu sei que você não vai mesmo, só pra fazer com que ele te ligue no dia seguinte dizendo que sentiu sua falta. Conheço todos os truques, .
- Olha, se você arranjar um carro eu te ensino a chegar lá, está bem?
- Jura? - Quinn parou imediatamente com o que estava fazendo para se virar em minha direção. - Você não tá brincando não, né?
- Termina de limpar o lugar e me encontra no 206 daqui umas duas horas. - Tirei meu avental, peguei minha bolsa e subi as escadas, certa de que ela estaria lá na hora marcada.
's P.O.V.
- Clive, sai do meu sofá agora, por favor? - ordenei sem alterar minha voz. Me enojava sempre encontrar minha irmã e seu namoradinho se comendo em todos os cantos da casa! - E isso não foi um pedido, sai logo daí.
Os dois se levantaram e começaram a ajeitar as roupas. Pelo menos já estavam prontos, não teria que ficar esperando.
- , você pode ir na frente - começou , sem graça. - Nós vamos esperar a babá de Julian chegar e depois vamos no carro do Clive.
- Eu não me daria ao trabalho se fosse vocês, mas se é assim que querem, eu não irei contestar. - Peguei a chave do carro em cima da mesinha e acenei, avisando que estava partindo.
Não esperei nem para entrar no carro antes de ligar para Glenda, a babá.
- Te acordei, meu bem?
Glenda sempre dormia depois que transávamos, e eu não podia culpá-la por isso. Confesso que até eu ficava tentado a tirar um cochilo depois da canseira que aquela mulher me dava!
- Sim, mas se você disser que está voltando imediatamente pra sua cama eu não vou ficar zangada - ela bocejou.
- Desculpe, mas eu já saí de casa. Só estou ligando pra avisar que e seu namoradinho estão cuidando de Julian, então você pode ficar descansando na minha cama o tempo que quiser, certo? Só não faça barulho, ou eles vão saber que você está aí e vão se mandar.
- Tudo bem, se é isso que você quer - Glenda e sua voz de 'tanto faz'.
- Ótimo. Já sinto falta de suas pernas, por que você não vai se alongando e espera por mim aí?
Desliguei o telefone rindo sozinho. Provavelmente iria querer me matar quando Glenda descesse as escadas semi-nua perguntando por mim. Mas quem se importava? Eu, definitivamente não.
- ! - chegou pelas minhas costas, me virando de frente pra ele. Já estava acabado e a festa ainda estava começando. - Você não vai acreditar em quem está aqui!
- Quem, ? - perguntei sem muito entusiasmo. Totalmente diferente do bêbado na minha frente.
- Lisa Anderson! - ele gritou e uivou em seguida. Cocei minha nuca enquanto disfarçava olhando para os lados, em busca de algum mané que estivesse prestando atenção naquela cena bizarra que eu estava presenciando. - A Lisa, cara! Anderson!
- É, eu já ouvi, . - Peguei no ombro dele e fui o arrastando para um canto mais reservado da sala. - Só não faço a menor ideia de quem seja essa aí.
- Como assim você não se lembra? Ela tirou minha virgindade aos 15 anos! E a sua também, na mesma noite! Como você não se lembra, cara?
- Não, , minha primeira vez foi quando fomos visitar o campus de Cambridge, esqueceu? Fingimos que éramos estudantes e... Enfim, não importa. Eu não faço ideia de quem seja Lisa Anderson, ok? Mas boa sorte com ela. - Rolei os olhos, pegando a garrafa de Heineken da mão de e dando um gole.
- Certeza que não tem idéia de quem eu sou, ? - Uma garota loura com os cabelos quase na cintura se aproximou, colocando uma mão no meu ombro.
- Deixe-me adivinhar... - Analisei-a por um longo tempo, no qual ela ficou parada mordendo o lábio e histérico mexendo as pernas no ritmo de uma música qualquer que tocava ao fundo. - Lisa Anderson?
- A própria. - Ela sorriu vitoriosa.
- Você se lembra de mim, né? - perguntou eufórico. Normalmente meu amigo sabia se controlar perto de garotas, mas naquela noite ele estava me envergonhando seriamente.
- É, lembro vagamente de uma noite com você e seu amiguinho careca... - Lisa claramente não deu muita importância para o animadinho, visto que não tirava os olhos de mim enquanto falava.
- Ah, então foi com o Travis! - bateu na própria testa. - Preciso contar pra ele que perdemos a virgindade juntos... Ele vive dizendo que não se lembra!
E então, para alegria de todos, foi embora provavelmente atrás de Travis.
- Então, Lisa - pigarreei, enfiando a mão no bolso em busca de um cigarro. Precisava desesperadamente de um. Aquele ambiente cheio demais estava me dando nos nervos. - O que anda fazendo agora que saiu da escola?
- Na verdade, eu ainda não estou fazendo nada - ela começou a se explicar e sentou-se na beirada de um sofá lotado. - Resolvi tirar um ano pra pensar no que queria fazer, e enquanto isso estou vagando de cidade em cidade, aqui pela Inglaterra mesmo.
- Interessante... Então, você deve ter muitas histórias pra contar, com todas as novas experiências que você vem tendo, estou certo? - Espremi mais um pouco a multidão no sofá e sentei-me ao lado dela. Minha intenção definitivamente não era ouvir qualquer coisa idiota que Lisa tivesse pra me contar, e muito menos sentado só com a metade da bunda em um sofá que estava prestes a quebrar. Então, assim que ela terminou sua breve história sobre sua estadia em Winchester, resolvi que era hora de sair dali.
- Então, Lisa - pousei minha mão sobre sua coxa, apertando-a de leve -, o que me diz de irmos procurar um lugar mais quieto e... vazio? Onde você possa me contar mais dessas histórias interessantíssimas de mochileira?
Lisa pareceu um pouco desconfortável, olhando ao redor como se estivesse procurando por alguém que provavelmente não gostaria de lhe ver indo para um lugar privado comigo.
- Você pode esperar só um minutinho? Eu preciso achar minha namorada no meio dessa confusão, mas... Se você ainda estiver aqui quando eu voltar, podemos continuar de onde paramos. - Ela sorriu sem graça.
Não me mostrei abalado, apenas levantei-me e estendi a mão para ajudá-la a fazer o mesmo. Namorada? Os sonhos do estariam acabados quando ele ficasse sabendo disso...
- Estarei por aí e não irei embora sem ouvir mais de você, Lisa. - Beijei-lhe a mão como um cavalheiro e fiquei observando enquanto ela saía em busca de sua namorada de sorte.
's P.O.V.
Mal chegamos em frente à casa de Travis e Quinn saiu correndo, sem ao menos me agradecer por tê-la levado até ali. Paguei o táxi e parei em frente ao jardim.
Aquele era um ambiente bastante conhecido por mim, as pessoas eram as mesmas de todas as festas e a bagunça também. De fato o local estava mais cheio do que o normal, mas, ainda assim, tudo me era familiar. Não senti saudades de pertencer àquilo, mas também não me senti desconfortável. Queria saber onde estava, queria ver se ainda estava vivo e, não admitiria, mas queria saber como estava se comportando. Pelo que sempre me dizia dele, ele andava pior ainda em relação às garotas depois de todo o acontecido.
Resolvi entrar, dar uma olhada em tudo, ficar no máximo umas duas horas e ir embora. Que mal faria, certo?
Logo na porta estavam e Travis, conversando animadamente sobre algum assunto que eu provavelmente não me interessaria.
- Então quando ia conseguir alguma coisa, ela disse que tinha que achar a namorada, Travis! Namorada, você acredita nisso? - ia dizendo quando eu me aproximei.
- Olá, rapazes.
- ! - Travis se jogou imediatamente em cima de mim, com seu hálito nada agradável de cerveja e whisky. - Não acredito que você veio!
- É, pequena... Estava sumida, hein? - comentou , me dando um soquinho amigável no braço.
- Andei trabalhando bastante, sabe como é - respondi sorrindo. Tinha que admitir, eu gostava de conversar com . E não era tão mal assim ter Travis bêbado agarrado em mim, afinal, depois de um tempo você se acostuma com as coisas.
- Vocês viram a por aí? - perguntei, olhando ao redor.
- Bem, eu sei que ela disse que vinha, mas aí... - começou a explicar, mas eu parei de ouvir quando o vi.
Na verdade, todas aquelas 200 pessoas na festa pareceram desaparecer em um clique quando eu o vi. O que ele estava fazendo ali? Por onde ele havia andado esse tempo todo? Por que seu cabelo estava me parecendo duas vezes maior e mais macio? Quem era aquela ruiva retardada segurando em seu braço e falando em seu ouvido?
Todas aquelas perguntas não precisavam de respostas, eu só queria chegar perto dele de novo. Talvez para abraçá-lo, talvez para socá-lo. Eu não tinha certeza do que queria, e aparentemente meu corpo também não. Minhas pernas começaram a bambear e senti os braços de ou Travis me agarrando e me puxando para cima quando eu iria cair. Senti meu estômago embrulhar e a bile subir pela garganta, mas eu não tinha nada para vomitar.
- Tá tudo bem - consegui por um milagre juntar algumas palavras com sentido, e me sentei no chão com as costas encostadas na parede. e Travis me abandonaram alguns minutos depois, e pelo que pareceu ser a eternidade eu fiquei ali sentada no canto encarando meu ex-namorado.
Demorou, mas ele me viu também. Viu, virou a cara como se não me conhecesse e depois olhou de novo, pra checar se era eu mesma.
- ? - Charles perguntou se aproximando rapidamente de mim com uma cara de embasbacado. - Você por aqui? Esse é o último lugar no mundo que eu imaginaria te encontrar!
Ele estava sorrindo. Parecia bem, uma pessoa nova, na verdade. Mais alto, talvez? Mais feliz, com certeza... E aquele bronzeado com certeza era artificial, nenhum inglês fica bronzeado daquele jeito, principalmente em Dezembro.
- Pois é, as coisas mudam - constatei com um meio sorriso. Precisava me levantar do chão, reunir um pouco de dignidade, arrumar o cabelo e parecer ótima também, mas forças me faltaram naquela hora.
- Então, como vão as coisas? - Charles estendeu uma mão para ajudar-me a levantar, mas preferi me apoiar na parede e na perna de alguém para ficar em cima dos meus pés. Não precisava da ajuda dele para nada, agora era uma mulher independente, morando sozinha e ganhando meu próprio dinheiro. Gostaria de dizer isso para ele, mas ia soar mentiroso e prepotente demais, vindo assim do nada.
- Muito bem, na verdade. - Coloquei as mãos suadas nos bolsos da calça e desviei o olhar. Estava ficando um pouco sufocada tendo que olhar para aquele sorriso gigantesco, tentando imitar. - Meus pais se separaram, Chloe se mudou para Paris...
"Meu namorado sumiu sem dar notícias".
- Não me parece tão bem assim, hein - ele brincou, e sua mão veio parar no meu braço. Não pude evitar lançar um olhar para as partes de nossos corpos se tocando. O que ele estava fazendo me tocando, afinal? Queria me confortar?
- Mas eu superei muito bem tudo isso... Estou morando sozinha, trabalhando e estudando. Ainda pretendo entrar em Oxford daqui a dois anos e... Enfim, estou seguindo com a vida.
Sua mão quente começou a subir e descer lentamente por meu braço, numa espécie de carinho. Não sabia por que, mas aquilo estava realmente bom. Provavelmente porque eu não recebia afeto de ninguém há bastante tempo e Charles de fato ainda me passava confiança de que eu podia contar meus problemas a ele.
- Eu andei pensando em você, sabe? Em nós, na verdade... Senti saudade do ano passado.
- Hm - foi só o que consegui 'falar'. Charles estava perto demais, e aquilo não estava me incomodando. Qual era meu problema, afinal?
Cinco minutos de conversa fiada se seguiram e ele avançou pra cima de mim, assim... Completamente do nada! E eu, atônita demais para tomar qualquer atitude, apenas o beijei de volta.
Charles me empurrou um pouco de modo que eu ficasse imprensada contra a parede, e suas mãos pareciam não conseguir se decidir entre meus cabelos, minha nuca e... Bem, meus seios. Quem era aquele cara me beijando com total desejo e o que ele fizera com meu ex-namorado?
Mas aparentemente seu desejo não estava passando para mim durante o beijo, levando em conta que em menos de dois minutos eu já estava cansada e de olhos abertos enquanto ele continuava se enrolando na minha língua. E por isso eu pude ver, no outro canto da sala... . Também não estava parado, obviamente. Estava sentado em um sofá com uma garota em uma de suas pernas, e eles pareciam bastante entretidos naquela pegação toda. De repente outra garota chegou e sentou-se no outro joelho dele, e foi logo lhe beijando o pescoço. deixou pender a cabeça para trás. Pelo menos alguém estava se divertindo nessa festa...
Quando Charlie finalmente cansou da minha boca e foi brincar um pouco com meu pescoço e colo, minha visão de e suas duas amiguinhas melhorou, mas eu preferia não ter visto quando elas começaram a SE beijar sentadas no colo dele. E, ao invés dele estar vidrado nas lésbicas como qualquer outro cara em sua situação ficaria, ele estava olhando em minha direção. Ao perceber que estava sendo observada, me empolguei um pouco mais para brincar com Charlie. Ele estava se esforçando bastante para me agradar ali, era minha vez de tomar as rédeas da coisa.
Fiz um pouco de força e empurrei Charles para o lado, dando um jeito de trocarmos de posição: ele encostado na parede e eu de frente para ele. Sorri quando nossos olhares se encontraram, e ele pareceu gostar da minha atitude, seus dedos passando por meus cabelos freneticamente. Fiz questão de enrolar um pouco beijando e chupando seu pescoço para que pudesse ver que meu parceiro era ninguém mais ninguém menos do que Charles Mignac, meu ex? namorado. Espalmei minhas mãos em seu peito e puxei seus lábios com meus dentes, dando início a um beijo bem caloroso.
Não podia ver , pois estava ocupada demais tentando impressioná-lo, mas tinha certeza que seu olhar queimava em minhas costas e principalmente em minha bunda, que estava sendo firmemente segurada por Charles. Pobres lésbicas, elas não tinham a menor chance enquanto eu estivesse dando meu showzinho.
Depois de alguns muitos minutos, Charles sussurrou bem perto de meu ouvido:
- O que acha de procurarmos um pouco de privacidade, ? Estou realmente com saudades de você. - Ele mordeu o lóbulo da minha orelha e, admito, um certo tremor percorreu meu corpo por inteiro. E foi então que eu percebi que aquela 'coisa' roçando em minha perna há algum tempo era na verdade sua... Ereção.
Quando namorávamos, Charlie e eu costumávamos nos pegar bastante, sabe? Vários amassos nos intervalos escolares, na esquina da minha casa, no meu quarto, no quarto dele... E quando eu começava a sentir uma certa excitação da parte dele... Nós parávamos na hora. Não que ele não ficasse desapontado, mas sempre conseguia convencê-lo de que não era a hora certa para aquilo.
Mas ali, naquela festa onde tudo cheirava a luxúria e cigarro, eu podia provar para ele que tinha crescido, certo? Charles me considerava nova demais para ele, mas naquela hora eu podia provar a ele que nesse tempo afastados eu havia amadurecido e estava pronta para isso. Talvez até pudesse passar a imagem de que não era mais virgem...
's P.O.V.
Então eu tinha duas garotas lindas e louras sentadas bem próximas de mim, se beijando na minha frente porque essa era a praia delas. Digo, se beijar para excitar os homens que elas pretendem esnobar, visto que são lésbicas.
E ao invés de me concentrar em aproveitar o que podia entrar no top 10 das melhores coisas que meus olhos já viram, eu estava olhando diretamente para o que certamente entraria no top 5 das coisas mais repulsivas que meus olhos veriam na vida.
Quando Lisa apertou minha virilha eu percebi que ela estava me olhando com uma sobrancelha arqueada e a feição duvidosa.
- Não estamos te agradando o suficiente, ? - ela perguntou se fazendo de inocente. Não pude deixar de notar que sua namorada estava encarando seus peitos quase à mostra.
- Tá brincando comigo? - Ri debochadamente, passando minha mão carinhosamente por todo seu braço e parando em seu pulso. Estava disposto a fazer aquilo funcionar. Eu ia levar Lisa para cama aquela noite, sua namorada querendo ou não. Aliás, se ela quisesse se juntar a nós eu não a rejeitaria também. Ela com certeza era o macho da relação, mas eu não me importaria.
Quando estava prestes a selar meus lábios nos de Lisa, minha visão periférica infernal captou sendo arrastada por Charles escada a cima. Tudo bem, talvez ela não estivesse sendo arrastada, já que estava sorrindo levemente.
- Ai! - Lisa berrou do nada, soltando seu pulso da minha mão. - Qual é o problema com você, ? Ouvi dizer que você era bom - ela falou com desdém, acariciando o pulso que eu estava apertando inconscientemente.
- Desculpe, muita distração por aqui. - Pousei minhas mãos na cintura dela, tomando cuidado para não fazer isso parecer agressivo. - O que me dizem de subirmos e procurarmos um lugar mais sossegado?
- Não vamos realizar suas fantasias sexuais, - a namorada avisou com seu tom de voz seco e meio masculino. Surpreendia-me o fato dela estar usando mini-saia e uma blusinha prateada colada no corpo, ao invés de uma blusa da Hurley e calça jeans larga e desbotada.
- Mas eu posso ajudar a realizar a de vocês. - Soltei uma das mãos de Lisa e passei a segurar o cabelo da namorada por sua nuca, puxando-o de leve numa espécie de massagem.
Esperei um pouco enquanto as duas se olhavam e ponderavam minha proposta, até que Lisa saiu do meu colo e sentou-se no de sua namorada, jogando seu corpo sobre o dela e esfregando-o no mesmo de uma forma sensual.
- Vamos, Charlie... - ela dizia fracamente enquanto pressionava seus lábios nos de Charlie.
Charlie? Pelo amor de Deus, que tipo de mãe dá esse nome a sua filha e não espera que ela se revolte e vire o macho de uma relação?
Estava perdendo a paciência quando as duas se levantaram depois de uma longa conversa na qual eu não me interessei em ouvir e me puxaram, cada uma por um braço meu.
- Até que enfim. - Me pus de pé e passei um braço em volta da cintura das duas, ficando no meio delas enquanto as guiava para o andar de cima.
Agora só tinha que achar o quarto onde e Charles estavam enfiados.
E Charles não seria o único a sair perdendo nessa noite... Se Charlie continuasse apertando minha bunda no caminho, eu ficaria honrado em acabar com os charás de uma vez só.
Já no andar de cima, comecei a abrir todas as portas do extenso corredor e, puta que pariu, milagrosamente alguns quatros estavam vazios!
- Que tal esse? - Lisa enfiou a cabeça dentro de um deles, examinando o local. - Parece estar limpo. E vazio.
- Não, muito perto da escada - inventei uma desculpa ridícula e fomos para a próxima porta.
Abri com expectativa e me decepcionei a encontrá-lo vazio. Com exceção de uma bêbada jogada no canto, mas aquela com certeza só acordaria no dia seguinte com uma puta dor de cabeça e sem a menor ideia do que tinha lhe acontecido.
Analisei rapidamente a situação: só restavam duas portas no corredor e era improvável que os quartos mais reservados estivessem vazios antes de e Charles chegarem até eles.
O que significava que aquela garota enfiara um pouco de juízo na cabeça e tinha ido embora daquele lugar que definitivamente não pertencia ao mundo dela. E aquele era o meu mundo, não tinha alternativas.
- Vamos? - Virei para o lado e me deparei com uma Lisa impaciente, me olhando como se quisesse descobrir se eu ainda estava a fim. E é claro, eu ainda estava a fim.
- As damas primeiro. - Dei espaço para que as duas passassem pela porta e a fechei em seguida, mas não sem antes dar uma última conferida no corredor. Nem sinal dela.
Capítulo 10
's P.O.V.
Abri os olhos de súbito, encarando o teto assustada. Percebi meu corpo petrificado sobre o colchão sem lençol, as palmas das mãos pressionando-o com força. Respirei fundo, fechando os olhos por um instante. Quando abri novamente, me senti aliviada por encontrar meu quarto e não um qualquer da casa de Travis. Pelo menos eu tinha um pouco de juízo e consegui arrastar Charles comigo para casa antes que ele pudesse me obrigar a ocupar um na festa da noite anterior. Agradeci imensamente por isso, respirando aliviada. Olhei para o lado e obviamente meu ex estava deitado ali, dormindo como um anjinho, o cabelo jogado no rosto. Definitivamente seu cabelo estava maior e mais macio.
Durante alguns minutos me forcei a relembrar uns momentos da noite que passamos juntos... Não estava decepcionada, de fato tinha sido bom. Charles se preocupara em me agradar também, e fora bastante carinhoso como eu sabia que ele seria. Mas eu também não me sentia completa e absurdamente feliz. Não via os passarinhos na minha janela e nem sininhos tocando em minha cabeça. Estava somente aliviada por ter acordado em meu quarto, por poder lembrar da noite anterior e por ter perdido a virgindade com alguém conhecido. Mesmo que esse alguém fosse o mesmo que conseguira despedaçar meu mundo há quase um ano, eu estava em vantagem se comparasse com a primeira vez da maioria das garotas de minha classe.
Suspirei profundamente e me livrei das cobertas, levantando. Espreguicei-me e fui direto para o banheiro tomar um banho relaxante. Ainda conseguia me lembrar de alguns hábitos de Charles - na verdade, não havia me esquecido de nenhum deles - e, portanto, sabia que ele não acordaria antes de meio-dia.
Quando acabei o banho, pensei seriamente em dar uma ajeitadinha na casa. Queria que Charles visse como eu era independente, não precisava mais da ajuda de ninguém para ter minha própria vida... E acima de tudo, uma boa vida.
Por isso estava vestida em trapos velhos, com o cabelo preso de qualquer jeito quando atendi à campainha. Abri a porta e usei meu antebraço para coçar o rosto, aproveitando para ajeitar uns fios rebeldes atrás da orelha. Assim que levantei novamente meu olhar, já não vi ninguém parado ali. Enfiei a cabeça para o lado de fora e olhei para ambos os lados do corredor, para então me deparar com uma sombra desaparecendo pela escada no canto. De início pensei que a pessoa havia se enganado, e ao se assustar com minha figura desastrosa apenas foi embora... Mas então senti aquele cheiro. Um cheiro peculiar, e por isso inesquecível. Cheiro de alguém que não se importa muito com o cheiro que tem, cheiro de alguém que cheira assim não porque tem algum objetivo com isso. Simplesmente cheiro de quem é naturalmente cheiroso.
Pensei em sair correndo pelas escadas e alcançá-lo, com certeza conseguiria. Já estava prestes a sair quando não resisti e olhei para a porta entreaberta do quarto onde Charles dormia tranquilamente. Em seguida, olhei para minhas roupas e desisti de sair correndo atrás dele. E então as perguntas começaram a surgir em minha mente. "O que eu diria a ele?". De fato, nós não tínhamos mais o que ser dito. E por mais agonizante que isso fosse, eu teria que aceitar. Nossa relação tinha acabado da mesma forma que havia começado: sem explicações, sem motivos e sem o consentimento de ninguém.
Corri até a pequena janelinha da sala e a abri rapidamente, debruçando meu tronco sobre ela. Pude vê-lo dobrando a esquina enquanto coçava a cabeça nervosamente, despenteando-se. Deveria estar tão confuso quanto eu.
Sentei-me no sofá e bufei, frustrada. Sabia perfeitamente que se fosse falar com ele não obteria nenhuma resposta satisfatória, e eu mesma não saberia responder suas perguntas, caso ele fizesse alguma. Era confuso e complicado demais, e eu, acima de todas as pessoas, nunca gostava de complicações. Tudo preto no branco, costumava ser meu lema. Pelo menos antes de Charles me abandonar, antes de Chloe mudar para Paris, antes de meus pais se separarem e resolverem se tornar completos estranhos para mim, antes de eu me mudar. Mas principalmente antes de eu me meter com .
Então era verdade, eu não sabia o que fazer em relação a isso. Entretanto, mais verdade ainda era o fato de que eu precisava fazer alguma coisa até conseguir deitar a cabeça no travesseiro e sentir que aquela história estava de fato terminada.
Esfreguei minhas mãos dentro das luvas uma contra a outra, tentando me esquentar um pouco mais. Já havia tocado a campainha duas vezes e nem sinal de uma alma viva dentro daquela casa. Toquei mais uma vez. Não ia desistir agora, já tinha tomado coragem o suficiente para largar Charles na cama e andar até ali. Eu não era mais uma covarde, não era!
Estava prestes a sentar no degrau e esperar, quando Julian abriu a porta para mim.
- - ele pareceu surpreso ao me ver, e estava com uma cara de quem tinha acabado de acordar. - Achei que você estivesse esquecido da gente.
Eu ia falar alguma coisa, juro que ia. Mas não consegui achar nenhuma desculpa que de fato me desculpasse pela minha ausência nos últimos meses. Eu não tinha reparado até então, mas de fato estava com saudades daquela criança que durante um tempo me ensinou a jogar videogame e me obrigava a fritar batatas para ele. Então eu me abaixei na frente dele, fiquei em meus joelhos e o abracei. Não sei dizer bem se meu abraço foi retribuído, porque eu apenas o apertei entre meus braços, e nem que ele quisesse iria conseguir fugir de mim. Respirei fundo e controlei umas lágrimas idiotas.
- Será que eu ainda sou bem-vinda na sua casa, Julian? - perguntei assim que me controlei, e me levantei.
Julian deu de ombros, como se para ele tanto fizesse. Eu sei que poderia ter entrado sem objeções, mas queria fazer com que ele quisesse que eu estivesse lá. Assim como eu queria que me quisesse ali para conversar decentemente.
- Vamos lá, Julian, eu ainda sei fritar batatinhas...
- Entra logo, ! - Ele me puxou pelo casaco, e eu sorri.
Eu e Julian entramos e conversamos por um bom tempo, ele me atualizou do que estava acontecendo por ali e de fato as coisas continuavam basicamente na mesma. e Clive, e uma mulher por semana, Julian e seu videogame...
Estávamos sentados no tapete da sala, terminando de devorar uma travessa cheia de batatas fritas com ketchup, quando a porta se abriu e meu coração congelou por um segundo. Era chegada a hora da verdade.
Infelizmente, ou não, entrou pela porta e parou do nada ao me ver ali, assustada e surpresa ao mesmo tempo.
- É você mesma aqui, sentada na minha sala, sujando meu tapete?
Confirmei com a cabeça, sorrindo meio sem graça. Me senti bem mal por ter abandonado meus dois amigos por causa de uma idiotice que eu sequer entendia direito com . Mesmo sabendo que manti mais ou menos minha amizade com , eu me afastei o máximo que pude deles, com medo de encarar um problema meu.
- Senti que precisava me desculpar por estar em falta com vocês dois ultimamente. - Meu olhar vagou de pra Julian. - Me redimir, ou algo assim.
- Bom, você chegou em uma boa hora, então. - tirou seu casaco de neve e andou até mim, estendeu sua mão e me puxou para cima. - Julian, estamos subindo. O assunto é importante, tente não interromper.
- Isso não é justo - protestou Julian -, ela disse que ia se redimir comigo também!
- Coma suas batatas, mais tarde vocês podem jogar esses joguinhos. - rolou os olhos, me puxando para subirmos as escadas.
Entramos no quarto que não havia mudado nada, a única diferença aparente era um novo porta-retrato em cima da cômoda, contendo uma foto de e Clive abraçados. Eu, que nunca achara o ruivo muito atraente, até achei que ele estava charmosinho na foto, com um gorro preto e o sorrisinho.
Sentei-me na cama e , sem falar nada, jogou uma sacola de farmácia ao meu lado.
- Vou fazer o papel de Cassy pintando suas unhas pra me redimir? - perguntei divertida, rindo para minha amiga. O sorriso não foi retribuído e então eu resolvi abrir a sacola, ver o que tinha dentro. Franzi a testa imediatamente assim que peguei em mãos a caixinha. GravTest?
Nos encaramos por um tempo, eu estendia a caixinha no ar para que me desse uma explicação para aquilo tudo. Demorou um tempo até que ela tomasse coragem de dizer alguma coisa.
- Eu sei - foi tudo que conseguiu dizer antes de começar a tremer toda e fechar os olhos com força, evitando o choro. - Não sei o que fazer quanto a isso.
- Mas você tem certeza?
- Não, ! Não tenho coragem... Esse já é o quinto teste que eu compro, joguei todos os outros no lixo sem coragem de olhar.
estava parada em minha frente, com uma mão tapando os olhos. Levantei-me rapidamente, pegando-a pelo braço e fui a arrastando em direção ao banheiro, carregando comigo a caixinha com o teste.
- Então precisamos tirar isso a limpo agora, quanto antes, melhor.
Empurrei-a para dentro do banheiro e estendi o teste em seu peito, afirmando confiante com a cabeça. Eu estava de fato chocada, mas sabia que precisava agir como alguém responsável, deixando pra surtar somente quando, e se, o resultado fosse positivo.
- Estou aqui fora te esperando, você só sai daí hoje quando me der uma resposta. - Tentei sorrir, mas acho que meu rosto apenas se contorceu de um modo estranho. Fechei a porta com força e soltei o ar que estava preso em meus pulmões por um tempo. Droga! Isso não podia acontecer com , uma menina de 17 anos com a vida inteira pela frente, sem o menor apoio da família...
Perdi a conta de quantas vezes andei de um lado para o outro naquele corredor infernal enquanto tomava coragem de fazer xixi em cima de uma fitinha cuja cor determinaria o resto de sua vida, ou não. Meu cabelo já estava desgrenhado de tanto que eu passava minhas mãos por ele, e por sorte nem Julian nem apareceram pra perguntar o que diabos eu estava fazendo ali, zanzando pelo corredor da casa deles.
Uns dez minutos depois, dei uma batidinha na porta e saiu de lá, cabisbaixa, e correu de volta para seu quarto, se jogando na cama com o rosto enfiado no travesseiro.
- E então? - perguntei ansiosa, encarando suas costas estiradas.
- Eu fiz, mas não tive coragem de olhar o resultado - ela admitiu, com a voz chorosa. Bufei, nervosa. Passei novamente os dedos por entre os fios de meu cabelo, puxando-os para trás.
- Certo, eu vou até lá conferir pra você. Tente se acalmar, ligue para o Clive ou alguma coisa assim...
Voltei para o banheiro, com as mãos tremendo e o estômago revirando dentro de mim. Acho que estava tão nervosa para ver aquele resultado que era como se fosse o meu teste. Agradeci, em um pensamento egoísta, por ter usado camisinha na noite anterior.
Meus olhos bateram direto no dispositivo piscando em cima da pia do banheiro, e eu respirei fundo, pegando-o pela pontinha.
- ? - ele me chamou. Meu coração quase saiu pela boca ao ouvir aquela voz, e minha reação foi girar meu corpo totalmente de frente para ele, demonstrando meu espanto claramente em meu rosto.
- O que você... - começou a perguntar, quando seus olhos captaram o teste de gravidez gritante em minha mão, com o avermelhado cobrindo-o por inteiro. Não é necessário entender muito dessas coisas para saber que vermelho nem sempre é o resultado desejado.
- Puta que pariu - berrou, me encarando perplexo.
Eu não sabia muito bem o que falar, pra dizer a verdade. Havia imaginado e repassado aquela conversa com diversas vezes em minha cabeça, e, sinceramente, nenhuma delas se passava em um contexto extraordinário como esse. Então todas as frases feitas, todas as perguntas e acusações que eu tinha, simplesmente fugiram de mim, saíram voando pela janela daquele banheiro num piscar de olhos. E nós dois ficamos parados sem mover um músculo sequer por um bom tempo, até que a visão do rosto de atrás do ombro de no corredor surgiu do nada.
Aparentemente ela ouviu o berro de e viera ver o que estava acontecendo. Eu franzi um pouco o rosto, tentando entender porque ela não dizia nada e ficava balançando os braços freneticamente na minha direção. Até que me toquei de que o teste de gravidez na minha mão dera positivo e era dela, e talvez ela não quisesse que ninguém soubesse disso ainda. Afirmei discretamente com a cabeça e antes que pudesse olhar para trás de seu corpo, já estava dentro de seu quarto novamente. E eu carregando um filho que obviamente não era meu.
's P.O.V.
Que porra vermelha era aquela na mão de ? Aliás, que porra aquela garota estava fazendo no meu banheiro depois de todos os meus esforços pra evitá-la?
- ? - pedi por uma explicação, coçando minha nuca.
- Me desculpa por ter invadido sua casa assim, eu só precisava falar com , já estou indo embora. - Ao dizer isso, ela veio em minha direção e tentou passar pela porta do banheiro que eu estava bloqueando. Não me movi nem um pouquinho para o lado e ela ficou parada na minha frente, me encarando como se pedisse para eu dar licença.
- Então quer dizer que ontem... - os pensamentos se interligaram em minha mente - você e Charles...
- Sim, eu e meu namorado fizemos amor, algum problema?
- Namorado? - Encarei-a com o olhar sarcástico cheio de escárnio. - Fizeram amor?
Não pude controlar uma risada, o que só fez com que ficasse ainda mais bravinha, cruzando os braços.
- Não que eu me importe com isso, mas enfim... Confesso que me frustra ver meu esforço de meses indo por água abaixo por tão pouco assim. - Dei de ombros como se realmente não me importasse. É, de fato eu me importava um pouco.
- Tem certeza que não se importa? E o que você estava fazendo no meu apartamento hoje de manhã, por acaso?
Pensei um pouco na resposta, encarando seu rosto acusador. Não esperava que tivesse notado a minha visita estúpida e sem sentido. Na verdade nem eu sabia o que estivera fazendo plantado feito um babaca na porta do apartamento dela toda a manhã, esperando para ver se alguém sairia de lá.
- , por que você não faz outro exame desses aí? É óbvio que esse resultado tá errado! - Arranquei com raiva o dispositivo com o marcador em vermelho da mão dela e joguei no lixo ao meu lado.
- Você não acredita mesmo que alguém finalmente tenha tido a coragem de tentar ir mais longe comigo, não é? - parecia estar se divertindo às minhas custas.
- Não é isso, ... Você sabe muito bem que esse tipo de exame não acusa gravidez no dia seguinte, pelo amor de Deus!
- Dia seguinte? - Um sorriso malicioso tomou conta dos lábios da garota bem na minha frente, e eu senti a raiva subindo e descendo claramente por todo meu corpo. Respirei fundo, me acalmando um pouco.
- Há quanto tempo você tem saído com esse babaca, ? - perguntei controlando minha voz.
- Esse babaca? Pra sua informação, , eu não saio com babacas... Não mais.
piscou para mim e forçou seu corpo contra o meu, conseguindo então passar pela porta do banheiro, devido ao estado no qual eu me encontrava. Eu sinceramente não estava conseguindo acreditar no que via. Ela de fato tinha zombado de mim e eu não tinha nenhuma resposta pra aquilo, porque eu tinha sido extremamente babaca com ela, mais do que o normal permitido. Fizera questão de ignorá-la completamente, fingir que ela não existia no dia seguinte em que a deixei nua em minha cama sozinha e confusa. Eu não me perdoaria também.
Sentei na poltrona aconchegante da sala escura e apoiei meu copo de whisky no braço da mesma, relaxando finalmente. Havia acabado de colocar Julian pra dormir mais cedo e estava sozinho a fim de encher a cara. Tentei esvaziar minha mente de qualquer maneira, mas toda hora me pegava olhando para a escada, imaginando que horas sairia do quarto de , e tentando ouvir gritos, choros ou qualquer barulho fora do normal, só pra ter uma desculpa de ir lá em cima checar se estava tudo bem. No fundo, eu não queria e não conseguiria acreditar que ela pudesse ter sido idiota ao ponto de voltar com Charles, que obviamente só estava interessado em tirar o atraso do ano "na seca" que eles passaram juntos, e que ela ainda pudesse estar grávida dele! Aquele teste tinha que ser uma pegadinha dela, um plano de vingança muito bem bolado pra me torturar por tudo que eu fiz por ela, ou algo assim... não é irresponsável, mesmo sendo uma virgem (ex-virgem agora), ela sabe o que são anticoncepcionais...
Dois copos de Jim Beam Black depois, finalmente ouvi passos na escada. Terminei o último gole e apoiei o copo no descanso de copo, me levantando vagarosamente para não fazer barulho no escuro. Andei até a pessoa que se movia cautelosamente até a saída e pude constatar que era mesmo quando ela abriu a porta e a luz da rua entrou numa parte da sala. Ela não me viu, então agarrei com força seu braço, a impedindo de sair pela porta, e a puxei de encontro ao meu corpo.
- Que isso, ? - ela gritou comigo, claramente assustada. - Tá querendo matar um de susto?
Passei a segurá-la com as duas mãos em seus braços, agora ela estava de frente pra mim. Eu tinha uma visão bem precária de seu rosto, mas sabia que ela estava confusa. Nem eu sabia ao certo o que estava fazendo, ou o que pretendia fazer. O fato é que aquela situação estava me deixando louco, e se eu não tomasse alguma atitude, toda aquela confusão iria me consumir por inteiro em pouco tempo.
Então, ao invés de falar alguma coisa, exigir que ela me explicasse a história da suposta gravidez, meus olhos se fixaram por vontade própria nos lábios rosados de , que tremiam levemente de frio. E eu não resisti a tentação, selando nossos lábios com uma brutalidade desnecessária. Sem hesitar, colaborou com o beijo, abrindo um pouco mais sua boca e permitindo maior contato com a minha. Não pensei em muita coisa naquele momento, só que, mais uma vez, depois de beijar aquela garota eu fui notar o quanto eu queria aquilo e não sabia até fazê-lo. Apertei seus braços com uma força maior do que a necessária e a trouxe pra mais perto do meu corpo, querendo esquentá-lo. Nada importava muito no momento, o nome Charles passava longe de minha cabeça e suponho que sentia a mesma coisa, pois por vontade própria ela também comprimia nossos corpos, com sua mão puxando minha nuca para frente. Dei um jeito de chutar a porta até fechá-la, e o breu total tomou conta do ambiente. Pressionei a garota entre a porta recém fechada e meu corpo, não pensando duas vezes antes de começar a desabotoar aquele casaco enorme que cobria meu objeto de maior desejo no momento.
Senti que iria protestar quando percebesse que eu estava removendo seu casaco, por isso me empenhei mais em beijá-la com ardor, até que finalmente minhas mãos habilidosas conseguiram fazer com que o casaco deslizasse por seus ombros e caísse no chão, e então pude segurá-la decentemente pela cintura, tocando sua pele queimando. Percebi a garota me empurrando para trás e saindo da porta, querendo assumir o controle da situação, mas eu não deixaria isso acontecer, pois, querendo ou não, o mais experiente da situação era obviamente eu, portanto empurrei-a novamente contra a porta, e pelo visto usei demais de minha força e fiz com que suas costas batessem e causassem um barulho bem alto. Como se quisesse me desculpar, enfiei minhas mãos geladas por debaixo da blusa de e subi com meus dedos por toda a área de suas costas, chegando até a prender alguns dedos em seu sutiã. Enquanto isso, desci para o pescoço dela, trabalhando com minha boca no local, tendo meus cabelos puxados dolorosamente para cima. Era óbvio que parecíamos dois malucos sedentos, dois virgens aos quarenta anos loucamente atraídos um pelo outro. Se alguém estivesse nos assistindo, poderia jurar que não separaríamos nunca nossos corpos.
Já estava prestes a pegar no colo e levá-la para algum lugar mais confortável quando senti suas mãos vagando por perto de minha virilha, e finalmente tocando meu membro pulsante por cima da calça jeans. Estremeci meu corpo e não pude evitar. Eu quis com todas as forças afastar aqueles pensamentos de minha cabeça, mas tudo que eu via quando mantinha meus olhos fechados era a cena de e Charles na cama, seus corpos nus rolando como duas crianças entre os lençóis, e as mãos dela o tocando da forma como ela me tocara.
Impulsivamente, com nojo da visão, afastei-me de e a encarei por uns segundos. Sua bochecha e boca estavam completamente vermelhas, e ela me encarava cheia de dúvidas e receosa.
- Des... - tentei falar alguma coisa, passando uma mão nervosamente por meu cabelo. - ...
A chamei, porém ela já estava pegando seu casaco no chão e vestindo-o de qualquer forma. Meu surto a fizera perceber o que estava fazendo, e, assustada, ela saiu pela porta tão rapidamente que eu não consegui mais nem pensar em alguma coisa para dizer. Soquei a porta com força assim que ela saiu, resmungando sozinho por minha estupidez.
's P.O.V.
Um turbilhão de emoções preenchia minha mente enquanto eu subia as escadas do meu prédio. grávida, achando que eu estou grávida, me beijando na sala, me prendendo contra a porta, encostando seus lábios em meu pescoço, passando suas mãos geladas em minhas costas, tirando meu casaco, me empurrando e me pedindo desculpas. Foi demais pra um dia só. Entrei em meu apartamento e me deparei com Charles esparramado em meu sofá, comendo pipoca e assistindo a um jogo de futebol na televisão. Ah, e ainda tinha o Charles também!
- Oi, Char... - comecei a falar, enquanto deixava meu casaco e cachecol pendurado em uma cadeira.
- ! - ele me interrompeu. - Onde você se enfiou o dia inteiro?
- Eu... Ahn. - Pensei no que ia responder, mas não podia falar apenas "estava na casa de e " se não quisesse dar umas belas e longas explicações. - Estava na rua, resolvendo algumas coisas.
- Bom, se você estiver com fome, ainda tem pipoca. - Charles me mostrou a bacia de pipoca e eu agradeci com um sorrisinho, mas recusei educadamente.
Pensei em sentar ao seu lado no sofá, mas não queria conversa com ninguém no momento. Precisava de um tempo pra pensar e relaxar sozinha, e não fazia ideia de como mandaria aquela pessoa sair da minha sala. O que ele tinha ficado fazendo na minha casa o dia inteiro?
- Só estou meio cansada, acho que vou tomar um banho - falei simplesmente, deixando-o sozinho novamente.
Fui para o banheiro, tranquei a porta e entrei em um banho relaxante que durou tempo o suficiente para limpar não só meu corpo, mas também minha mente conturbada. Eu podia dizer que era de fato outra pessoa depois daquela ducha quente. Meu banheiro parecia uma sauna, e eu fiquei lá passando cremes em meu corpo e penteando meu cabelo por mais algum tempo, apenas aproveitando o vapor acolhedor e simplesmente ligando o foda-se dentro de mim. Porque se eu havia aprendido alguma coisa com no tempo em que passamos juntos, é que eu podia parar de me importar com o mundo ao meu redor a hora que quisesse, como vampiros fazem, acho. E essa era de fato uma hora conveniente para isso.
Saí enrolada em minha toalha, como sempre, e levei um baita susto quando vi o corpo de Charles agora estirado em minha cama. Por pouco não dei um berro descontrolado mandando-o levantar a bunda gorda da minha cama!
- Charles! - falei assustada, cobrindo meu corpo num reflexo.
- As pessoas me chamam de Chuck agora, - ele informou. Nenhuma palavra sobre estar invadindo minha privacidade.
Dei um sorrisinho amarelo. Fui até meu armário, peguei o primeiro pijama de frio que vi pela frente e comecei a me trocar. Senti o olhar de Chuck em minhas costas (ok, na minha bunda) o tempo inteiro, mas tentei me fazer de indiferente. Ainda estava tentando lhe mostrar que eu havia mudado. Não que ele importasse alguma coisa pra mim no momento, porque, sinceramente, olhar pra ele não me dizia mais nada como costumava antigamente.
- Você vai dormir aqui de novo? - perguntei como quem não quer nada.
- Se você não me expulsar. - Charles deu de ombros, fazendo parecer que aquela era uma decisão minha, quando todos sabiam que não, ele não iria levantar da minha cama nem tão cedo.
Confirmei com a cabeça e me deitei na cama grande que havia adquirido recentemente. Ela rangia e me irritava um pouco, mas como eu andava muito cansada ultimamente, servia só pelo fato de ser algo em que eu pudesse me esticar e dormir um pouco.
- Boa noite, Charles. - Dei-lhe um beijinho singelo na bochecha e virei para o lado oposto, ajeitando a coberta até meus ombros.
Não demorou muito para que o programa sobre superdotados acabasse e Charles desligasse a televisão, vindo se alojar mais perto de mim no colchão. Ele encaixou nossas pernas e encostou sua barriga em minhas costas, me prendendo pela cintura contra ele. Seu nariz vagou por meu pescoço, fungando profundamente algumas vezes. Era uma sensação boa, mas estava me deixando meio enjoada. Eu queria dormir, afinal de contas. Segurei uma de suas mãos e dei um tapinha, como se dissesse boa noite em silêncio mais uma vez. Minha indireta não adiantou e ele continuou roçando seus lábios agora por minha nuca, afastando meu cabelo, e me dando leves chupadelas molhadas. Respirei fundo e tentei mudar de tática, ficando parada na cama, para que ele pensasse que eu estava dormindo. Acho que ele entendeu meu silêncio como um consentimento, pois a próxima coisa que eu senti foi sua mão entrando pela lateral de minha calça e acariciando minha coxa, dando uns leves apertões no interior da mesma. Respirei fundo, me controlando. É, eu não ia conseguir me livrar dele enquanto não desse logo o que ele queria. Afinal de contas, era isso que ele sempre quis comigo, e talvez se eu tivesse dado antes, teria evitado toda essa baboseira de término de namoro e tudo mais...
Deixei que ele me provocasse um pouco mais, queria ver o quanto ele estava disposto a fazer pra despertar meu interesse. Charles continuou trabalhando em meu pescoço com a boca, uma mão subindo por minha barriga até meus seios e a outra vagando por minhas pernas. Confesso que não demorou muito até que ele me deixasse com vontade também, mas ao mesmo tempo queria acabar logo com aquilo. Quando senti que já tinha ganhado algumas marcas em meu pescoço, me virei bruscamente e parei em cima dele, prendendo seu corpo entre minhas pernas. Me livrei rapidamente de minha blusa, sentindo o frio eriçar todos os pêlos de meu corpo e meus mamilos. Encostei nossos troncos e lábios furiosamente, fazendo todos meus movimentos com rapidez.
- Você aprende rápido, - Charles sussurrou entre uma parada rápida do beijo, sorrindo presunçoso. Devia estar se achando um ótimo professor ou algo assim.
Preferi ignorar seu comentário, apertando suas mãos contra a cama, e meu quadril contra o seu. Não demorou muito para que eu conseguisse me livrar de toda minha roupa e da dele também, e menos ainda para deixá-lo no ponto exato de excitação. Deixei que ele reassumisse a posição de comando, em cima de mim. Apressado, Charles não se preocupou muito em checar se eu já estava no mesmo estágio que ele, e foi logo cuidando de seu prazer.
- Se soubesse desse fogo todo, tinha insistido bem antes nisso - ele informou, com os olhos fechados, no momento em que atingiu seu ápice.
Capítulo 11
's P.O.V.
Travis me ligou e insistiu para que eu fosse com ele na Ravi's, lanchonete onde trabalhava ultimamente. Não sei o que ele tanto fazia lá, já que morava perto de outras vinte lanchonetes até mais qualificadas do que aquela e não dava a menor bola pra ele quando estava lá. Embora a oferta tenha soado tentadora só pelo fato de ter uma desculpa para ir lá dar uma checada na barriguinha dela, achei melhor negar e ficar em casa esperando algo mais produtivo para fazer.
Na hora o almoço, finalmente saiu de seu quarto e se arrastou para comer qualquer coisa.
- Boa tarde pra você também - impliquei, dando-lhe um cutucão na cintura. - Anda sumida, hein?
- Isso nunca te incomodou - ela respondeu com um olhar atravessado, enquanto arrumava seu prato com coisas nada saudáveis e se preparava para sair da cozinha o mais rápido possível.
- É verdade - admiti, observando-a atentamente. - Mas é que antes você sumia fora de casa, agora some enfiada no seu quarto... É meio agonizante, sabe?
Ela me ignorou, e como estava mesmo com vontade de conversar - o que era totalmente novo para mim -, resolvi insistir.
- Por onde anda o Clive?
parou com tudo que estava fazendo e me encarou com o olhar nada agradável.
- Que houve com você, ? Tá carente de atenção ou só quer saber sobre a mesmo?
Dei de ombros, como se nenhuma daquelas opções fossem verdade, quando eu sabia que se tratava de um pouco das duas.
- Não posso me interessar pelo que anda acontecendo na vida da minha irmãzinha?
- Se enxerga, garoto. - me mostrou seu dedo no meio, pegou de novo seu prato lotado e voltou para seu quarto, me deixando sozinho novamente.
- Bom, pelo menos agora eu sei que TPM está acontecendo na vida da minha irmãzinha - falei sozinho, batendo na mesa. Só me restava a companhia de Julian.
Não que eu odiasse passar tempo com meu irmão caçula, é só que, naquele momento, qualquer coisa me pareceu mais interessante do que assistir desenho animado, então entrei no meu carro e resolvi dar uma voltinha pela cidade. De fato não esperava encontrar muita coisa boa para se fazer, me surpreendi quando encontrei e Cassy na rua, discutindo, para variar. Encostei o carro no meio-fio perto de onde eles estavam vomitando palavras agressivas e sem nenhum atrativo, na calçada em frente à uma loja de doces. Demorou uns cinco minutos até que um deles me notasse, e felizmente foi que o fez.
- , o que você tá fazendo aqui? - Ele esqueceu de desligar o seu tom de "puta que pariu, odeio você" para falar comigo.
- Nada - respondi simplesmente, observando-o através de meus óculos escuros totalmente desnecessários para neve. - E você?
- Eu tava tentando resolver as coisas com a Cassy aqui. - Ele apontou discretamente para a garota com os braços cruzados parada um pouco mais atrás.
- Não me pareceu que vocês estivessem resolvendo as coisas - ri baixo da cara de miserável que meu amigo ostentava. - Entra aí, vamos fazer alguma coisa juntos.
olhou para trás, como se estivesse pensando se preferia ficar ali e brigar mais um pouco com a miss voz-irritante ou se entrava no carro com seu melhor amigo mestre em tornar o "nada" algo interessante. Admito que não andava nos meus melhores dias para o divertimento, mas uma vez no topo, sempre no topo.
- Desculpa, cara. - Ele me olhou desanimado, encolhendo os ombros. - Prometi que ia levar a Cassy pra patinar hoje lá na escola. Eles fizeram uma pista de patinação no ginásio, tá sabendo?
- Não, infelizmente eu não sou atualizado dos eventos escolares - debochei da cara dele, rindo. - Principalmente nas FÉRIAS.
- Eu sei que parece ridículo, mas fiquei sabendo que todo mundo vai... Acho que ninguém tem mais o que fazer nas férias de inverno, cara.
- Todo mundo? - perguntei, de repente ficando mais interessado na patinação. confirmou com a cabeça, parecendo mais empolgado também. - Tá, entra aí.
Como se já estivessem esperando pela minha carona, e Cassy entraram no carro rapidamente, ao meu lado e a outra no banco de trás.
- Prometo que não vão se arrepender, meninos! - comentou a loura, que do nada deixou todo o mau humor para trás e estava radiando alegria.
Troquei um olhar nauseado com , balançando a cabeça. Sinceramente não conseguia entender porque ele insistia nessa garota. Mas não ia gastar meu tempo pensando neles dois... Estava preocupado mesmo em saber se estaria lá, e principalmente sozinha. Sozinha eu digo, sem um homem e sem um feto.
Entramos na escola e seguimos direto para o ginásio, onde a grande concentração de perdedores se encontrava. Durante o caminho todo, olhei pros lados em busca de , e nem sinal.
- ? - ouvi meu nome saindo daquela garota que não calava a boca por um segundo. Felizmente, minha cabeça comandava meu ouvido, e eu só prestava atenção no que estava sendo dito quando sentia que meu nome estava no meio.
- Eu - falei sem o menor ânimo, ainda olhando para os lados atentamente. A pista de patinação não estava tão mal, pra falar a verdade. Tinha um jogo de luz até interessante, e a música que tocava alto não era de querer vomitar.
- Será que dá pra mandar a atender os meus telefonemas?
- Uhum - confirmei com menos entusiasmo ainda. - Já volto, gente.
Deixei os dois falando sozinhos por um momento, enquanto fazia o reconhecimento inteiro do local. Durante minha caminhada, algumas pessoas resolveram querer puxar um papo comigo. Respondi secamente, apesar de sempre educado. Precisava perder essa mania de educação com todos, afinal, algumas pessoas inconvenientes simplesmente não merecem ser levadas a sério, principalmente quando você está ocupado com alguma coisa importante.
Quando cansei de circular e ter que acenar pra todas as pessoas conhecidas, ou seja, todas as pessoas no recinto, resolvi sentar na lanchonete ao lado do ginásio e pedir uma coca-cola. Já estava quase pegando o carro e voltando pra casa quando vi Clive se aproximando da lanchonete, procurando alguém conhecido ou só uma mesa pra sentar.
- Ô Clive! - chamei-o com a cabeça, apontando o lugar vazio em minha mesa. - Chega mais.
Ele ficou me encarando por um tempo, provavelmente se perguntando se era mesmo eu que estava o convidando a se sentar, ou o que diabos eu queria com ele. Porque por mais que nosso círculo de amigos fosse mais ou menos o mesmo, verdade seja dita, eu nunca tive muita intimidade com o cara e nem nunca tive a intenção de ter. Depois que ele começou a namorar minha irmã então, meu interesse nele só diminuiu e meu desprezo aumentou. Espero que ninguém me julgue por isso, é só uma coisa automática mesmo.
- E aí, cara, como anda a vida? - resolvi ser legal e agir como uma pessoa normal agiria naquela situação. Não deu certo.
Clive ficou parado me encarando com uma cara estranha, como se se perguntasse se aquele ali parado na frente dele era realmente .
- Certo, o que eu quero saber é como andam as coisas com a minha irmã, porque ela anda meio esquisita ultimamente e não quer me dizer o que tá acontecendo, sabe? - cortei o papo fático, que realmente não era meu forte, e fui direto ao ponto, amedrontando como sempre.
- , o negócio é que... As coisas estão meio complicadas ultimamente, mas acho que ainda estamos juntos sim - ele respondeu meio confuso, erguendo os ombros pra demonstrar que também estava tão perdido quanto eu na situação.
- Puta que pariu, consegue ser um saco quando quer. - Dei um gole em minha coca, enjoado daquilo tudo.
- Se eu fosse você, não falaria assim dela - Clive tentou ser legal, me olhando meio com pena. Do que ele tava com pena? De mim, só por que eu tava bebendo coca-cola?
- Que houve, Clive? Por que não? - perguntei, começando a ficar entediado já. Gosto de pessoas diretas, que chegam e falam na cara qual é a realidade, sem ficar enrolando e me fazendo perguntar até que possa chegar ao ponto. - Fala logo, tem alguma coisa acontecendo com a minha irmã?
- Pode ser que sim... - Clive coçou a cabeça, claramente confuso. - Eu ainda tenho que confirmar, mas... Ah, esquece, cara. É o melhor que você faz.
Arqueei uma sobrancelha, olhando-o incrédulo. É esse o melhor que ele podia fazer? Sério?
- Tenho que ir, depois a gente se fala - Clive cuspiu as palavras rapidamente, enquanto se levantava e dava um jeito de sair dali o mais rápido possível. Primeira decisão sábia que ele tomara no dia.
Eu e meu mau humor merecíamos ficar sozinhos mesmo... Eu tava ficando com pena até de pessoas que claramente mereciam todo meu tédio e desprezo, porque conviver comigo não estava sendo uma coisa tão fácil, devo admitir.
's P.O.V.
- , você precisa sair de casa de vez em quando se quiser continuar escondendo isso por mais um tempo - falei, mantendo a voz baixa. Estávamos andando lado a lado, indo para a escola.
Aproveitei que naquele dia Charles resolvera sair para rever alguns amigos de Bournemouth e liguei para minha única amiga também. Ela ainda não tinha contado pra ninguém sobre a gravidez, embora Clive tivesse suas suspeitas.
- Eu não sei se quero esconder, não sei o que quero fazer... - ela falava, completamente desolada. - Não sei nem se quero ter esse filho! - Diminuiu ainda mais o tom de voz na última frase, com vergonha de si mesma.
A repreendi com o olhar imediatamente.
- ! Você sabe que não pode fazer isso... Querendo ou não, é do seu filho que você tá falando, sabia? - amaciei minha voz, ficando mais tranquila. Não queria deixá-la mais pressionada ou estressada. - E você é uma mulher forte, tem o apoio do seu irmão, do seu namorado e de mim... Nós vamos conseguir administrar tudo direitinho, você vai ver...
Ela ficou quieta por um tempo, andando pensativa enquanto encarava o chão. Tinha sido uma luta conseguir carregá-la para aquele maldito evento escolar, mas por fim eu consegui convencê-la, lembrando-a o quanto ela costumava gostar de ir a esses encontros, rever todas as pessoas que a adoravam e a faziam rir de tudo.
- As pessoas vão reparar que eu estou mais gorda e com cara de grávida, - lamentou-se, ainda cabisbaixa.
- Não vão não e você sabe muito bem disso! - Procurei por sua mão e agarrei-a com força, mostrando que eu estava ali pra ela. - Você ainda tem alguns meses pra decidir como quer contar, e pra quem quer contar primeiro... E só faltam seis meses pra esse pesadelo de escola acabar.
Andamos mais um tempo em silêncio até chegarmos aos portões da escola. Suspirei profundamente, tentando dar um sorrisinho para animar minha amiga, quando na verdade eu queria menos do que ela estar ali. Provavelmente eu seria deixada de lado enquanto todas as pessoas no recinto, reunidas em volta de , lançariam perguntas sobre o "desaparecimento" dela nos últimos dias. Iupi!
Logo na entrada do ginásio avistamos Clive, que olhava confuso para o nada. acenou para ele, que então veio correndo em nossa direção.
- Meu amor! - Ele jogou os braços em volta do pescoço dela e, num piscar de olhos, eu já estava deixada de lado. - O que tá acontecendo com você, hein? Me diz, eu estou preocupado...
- Calma, Clive - deu um risinho, como se nada demais estivesse acontecendo.
Já estavam abraçados, e ela olhou rapidamente pra mim, piscando e afirmando com a cabeça que estava tudo bem. Era minha deixa para desaparecer, sumir até o momento que ela quisesse ir embora dali. Longas horas seriam as próximas...
Sozinha, andei pelo ginásio observando a pista de patinação que fora instalada ali. Uma música tocava bem alto e eu fiquei com vontade de patinar também, mas não iria pagar esse mico sem ninguém pra rir comigo dos meus tombos. Sentei na arquibancada e bufei, entediada. Pensei até em ligar para Charles, perguntando o que ele achava de dar uma passada em sua antiga escola pra ver como estavam as coisas ali. Por fim, mandei uma mensagem pra ele apenas perguntando o que estava fazendo.
Nos últimos dias, eu passava a maior parte do meu tempo com Charles, ouvindo ele falar sobre como tinha sido esse primeiro ano dele na faculdade e evitando ao máximo falar sobre como estava sendo o meu. Ele ficava lá em casa, assistia minha tevê, comia minha comida e dormia na minha cama. Não era como nosso relacionamento costumava ser, mas eu já havia aprendido minha lição, e sabia que uma hora tudo tem que evoluir e seguir seu curso, e por isso estava disposta a fazer nosso namoro funcionar e progredir.
Fiquei jogando em meu celular, de vez em quando procurava com os olhos, para saber se estava tudo bem, ou se havia indícios de que ela queria ir embora. Não demorou muito e eu senti alguém sentando do meu lado. Não precisei olhar para saber de quem se tratava, pois só uma pessoa naquele colégio além de sentaria para conversar comigo. Mas eu não estava nem um pouco interessada em manter um diálogo com , por isso me mantive em silêncio, focada no Tetris.
- Não esperava te ver por aqui - ele falou depois de um tempo. Olhei pelo canto do olho e pude reparar que ele segurava pares de patins em suas mãos.
- Vim trazer sua irmã - respondi secamente, também depois de um tempo.
- Hoje de manhã ela não queria sair do quarto por nada nesse mundo.
- As coisas mudam, as pessoas são inconstantes. Você sabe disso.
- É, de fato as pessoas se arrependem. E às vezes não sabem como dizer que estão arrependidas. - Nosso diálogo era direto e não estávamos nos olhando nos olhos, nem pensando para falar.
- E quando elas resolvem pedir perdão, normalmente já é tarde demais. - Me levantei rapidamente, guardando o celular no bolso da calça. Estava andando para longe de quando ele segurou minha mão, me fazendo virar novamente de frente pra ele, que já estava de pé também.
- Já é tarde demais pra mim? - perguntou sem esboçar nenhuma emoção à flor da pele.
- Eu não quero falar sobre isso, . - Desviei o olhar de novo para baixo, cansada daquela conversa que mal havia começado.
- Certo, não precisamos conversar. - Ele me soltou, erguendo as mãos ao lado de sua cabeça, ainda segurando os patins. - Mas eu sinto falta da sua companhia, e sei que você também sente...
- Só porque supostamente eu sinto saudades de alguém, não quer dizer que eu precise conversar com ela sobre coisas que não me fazem bem. - Cruzei os braços, encarando-o enquanto ele abaixava os dele.
- Já disse que não precisamos conversar... Só estou pedindo por um tempo com você, em silêncio. - sorriu meio sem jeito, percebendo o absurdo que estava me propondo. Eu não retribuí. - Vamos, . Eu quero esquiar, mas não vou fazer isso sozinho, sem ninguém pra aplaudir minhas manobras...
Rolei os olhos, me segurando para não rir dele. Para não rir com ele.
- Que foi, você não sabe esquiar? - Ele ergueu uma sobrancelha, ainda insistente. - Eu posso te ensinar, você sabe que posso. Sou um ótimo professor, e você a melhor aluna que já tive!
Respirei fundo, prestes a ceder. Primeiro porque eu não tinha nada melhor pra fazer e segundo porque queria ver como seria estar com novamente, fazendo o que costumávamos fazer. Puxei um par de patins da mão dele, logo impondo minhas condições:
- Se você falar uma palavra, chuto sua bunda e saio correndo.
Fui andando na frente e pude ouvir gargalhando sozinho, vindo atrás de mim.
Eu já tinha esquecido qual era a sensação de andar por algum lugar sabendo que todos os olhares estão focados sobre você. estava andando bem atrás de mim, e nós dois segurávamos patins de gelo nas mãos, o que deixava bem óbvio que estávamos andando juntos para algum lugar. Quanto mais eu apressava o passo, mais ele corria atrás de mim e chamava meu nome, tirando todas as dúvidas de quem ainda pudesse estar se perguntando se aquilo era mesmo verdade. Imagino o choque dos fofoqueiros, comemorando silenciosamente como se tivessem ganhado na loteria. As duas pessoas mais estranhas do colégio andando juntas novamente, mais improvável do que a primeira vez que começamos a ser amigos. Eles teriam sobre o que falar por um bom tempo. Bom pra eles.
Olhei pra trás rapidamente e vi sorrindo marotamente, carregando seu par de patins pendurados nas costas, segurando-os pelo cadarço. Parecia tão despreocupado com o que as pessoas estavam pensando e comentando... Como ele sempre fora.
Quando pisamos fora dos limites da escola, me lembrei que tinha deixado sozinha lá dentro sem avisar. Se bem que eu estava mais sozinha do que ela, e provavelmente ela tinha nos visto sair de lá "juntos", como todo mundo. Dei de ombros sozinha, respondendo meus pensamentos.
- Que foi, maluca? - perguntou, quebrando o silêncio.
Ao invés de responder, levantei meu dedo indicador furiosamente, mandando-o calar a boca sem ter que olhar para ele. Recado entendido. Continuamos andando até chegarmos em uma praça de Bournemouth, coberta de gelo. Os cidadãos prestativos da minha pacata cidade produziram uma mini pista de esqui para as crianças brincarem, e algumas delas corriam desgovernadamente pela mesma, se estabacando vez ou outra. Não pude deixar de sorrir ao ver a cena.
- Você gosta mesmo de crianças, né? - Agora ao meu lado, voltou a falar.
Lancei-lhe um olhar fulminante. Estava decidida a levar a questão a sério, portanto, nada de conversinhas.
- Caralho, que garota chata - ele murmurou pra si mesmo -, não posso fazer um comentário fático e inocente, não posso divagar, não posso nem resmungar mais!
Cumprindo minha promessa, me virei de lado e ergui um pé, prestes a chutar a bunda de , que, já esperando minha reação, segurou minha perna e eu quase cai no chão.
- Ainda lembro de como você costuma agir quando está nervosinha - divertiu-se sozinho. - Agora você vai bufar, ficar vermelhinha e me mandar ir tomar no cu.
se virou pra mim e eu bufei automaticamente, ficando com mais raiva ainda. Provavelmente estava vermelha mesmo, pois sentia minhas bochechas queimarem. Que filho da puta!
- Sou mesmo um filho da puta - concordou com a cabeça, soltando os patins no chão. - Mas você tem que lembrar, fui eu que te ensinei essas coisas. Você só deve conhecer esses dois xingamentos...
Respirei fundo, me acalmando. Não ia jogar o joguinho dele, não de novo. Já tinha aprendido a não me deixar levar pela voz meio rouca e aveludada, pelas piadinhas que só ele ria e pelo charme incondicional. Isso tudo não nos levaria a lugar nenhum, simplesmente porque era incapacitado de chegar a algum lugar na vida.
Ainda sem dar uma palavra, sentei no banquinho próximo e tirei minhas botas de neve, calçando pacientemente os patins de esqui. sentou-se no chão e fez o mesmo, acabando mais rápido do que eu e já começando a se alongar. Deixamos nossos casacos mais grossos e sapatos perto do banquinho, nos dirigindo juntos até o centro da pista amadora com uma camada de gelo raspado por cima.
- Você vai me ensinar ou o quê? - fui logo perguntando, impaciente, com as mãos na cintura.
- Sempre ansiosa e apressada.
- Sem comentários, por favor.
- Tudo bem, me desculpe, chefe. - Ele levantou as mãos pro alto. - É que eu não consigo acreditar que uma legítima inglesa não saiba esquiar...
Mais uma vez, riu sozinho.
- Eu consigo deslizar com o patins, isso não quer dizer que eu saiba esquiar. Duvido muito que você saiba também, exibido - desafiei, erguendo minha sobrancelha e fazendo um biquinho involuntário no canto da boca. Me odiava quando fazia aquilo, então logo desfiz a pose.
- Olhe e aprenda - antes de terminar de falar, já estava longe.
Ele deslizava com uma leveza e rapidez que impressionou a todos os presentes. Bom, pelo menos teria impressionado se não fossem todos crianças que só queriam saber de correr e tacar neve uns nos outros. Tinha um tempo que eu não pisava em uma pista, mas vendo deslizar sobre o gelo daquela maneira, virando de costas e de frente com um sorriso no rosto... Bem, parecia fácil demais... Se ele conseguia fazer tão bem assim e com essa facilidade, eu conseguiria também, certo? Foi o que pensei.
Firmei os pés no chão, inclinei um pouco os joelhos e dei um forte impulso pra frente. Os primeiros passos foram muito bons, consegui trocar as pernas sem me confundir como eu costumava, e devo ter andado uns três metros com êxito! Até olhar para frente e avistar uma criança peste sentada a alguns metros na minha frente, encarando o gelo como se estivesse sendo abduzida por ele. Merda, merda, merda! Como eu ia fazer pra virar aquela coisa? Virar os pés pro lado? Esticar os joelhos? Rodas os braços na direção oposta? Nada adiantou. No último segundo, vendo que eu cairia em cima da pobre menininha, joguei meu corpo com toda minha força pro lado, caindo de lado no chão gelado.
Senti minha cabeça batendo e meu corpo se arrastando por alguns centímetros pelo chão. Fechei meus olhos e, quando os abri, só pude ver a criança berrando e saindo correndo. Olhei pra minha mão dolorida e... Vermelho. Ah, não!!!
Capítulo 12
's P.O.V.
Olhava para deitada na minha cama, dormindo tranquilamente e me perguntava... Como ela tinha ido parar ali?
Ri comigo mesmo, imaginando que essa seria a primeira pergunta dela quando acordasse. E eu sabia a resposta: ela tinha desmaiado ao ver seu próprio sangue e eu a levara para minha casa, fizera um curativo e lhe dera um calmante que a deixaria dormindo pelo resto da noite.
Não era exatamente isso que eu me questionava... O que eu realmente queria saber era como EU tinha chegado naquela situação. O que tinha acontecido comigo, desde quando eu tinha me tornado esse idiota que ficava tomando conta de uma garota que empatava comigo em níveis de estupidez... E o pior de tudo, por que eu estava refletindo sobre tudo isso?
Pelo menos eu ainda tinha minha garrafa de whisky como minha companheira. Dei mais um gole e sorri ao sentir a garganta queimando.
O meu erro claramente tinha sido prestar atenção em . A qualidade que antes eu tanto admirava em mim mesmo agora me traía desse jeito. Se eu não fosse tão observador, não teria notado algo diferente naquela garota comum. Se eu tivesse a visto simplesmente como uma adolescente dramática e chorona, estaria tudo bem agora. Mas não, não conseguiu se conformar com uma simples análise das pessoas... sempre se achou um grande entendedor da mente humana e resolveu enxergar além da armadura que vestia.
Dei mais um gole na forte bebida, fechando os olhos por um tempo. Deixei minha cabeça pender para trás e rodei 360º na cadeira do computador.
Eu queria apenas conhecê-la melhor, aquele espécime diferente de tudo e todos que já haviam passado pela minha minuciosa avaliação. E de quebra, consegui um motivo perfeito para fazer experimentos com ela. Em tese, era tudo perfeito: conhecer, analisar, ganhar a confiança, mandar, ser obedecido, desmandar, ser obedecido incondicionalmente, consertar e deixar partir. E então, como se o destino estivesse me pregando uma peça, caí no mais velho dos clichês que sempre detestei... O experimentador desenvolve sentimentos pela experiência; o criador se apaixona pela sua cria; o professor cai nos encantos de seu aluno e por aí vai... Como não pensei nisso antes?
Me xinguei baixo, levantando rapidamente da cadeira de rodas. Deixei o copo e a garrafa de bebida na mesa e sentei com cuidado na beira da cama onde estava dormindo.
Nunca me considerei um curioso em relação ao amor, como costumam ser todos os outros... Não queria saber de filmes que pregavam romantismo, não me interessava em entender como funcionava um relacionamento a dois. Quando se tratava de cenas de amor, nunca pensei duas vezes antes de me declarar um mero espectador à distância. Então... Como ia fazer pra me virar naquela situação? Diante de mim estava uma mulher mais inexperiente do que eu nesse caso, por assim dizer. A única coisa que eu tinha certeza é que algum sentimento eu tinha por ela, sem rótulos.
Deitei na cama ao lado dela, ocupando meu espaço aos poucos, modelando meu corpo de forma que se encaixasse com o de , até achar uma posição que julguei confortável para ambos. Passei um braço por sua barriga e repousei minha mão sobre a mesma.
Não tinha ideia do que faria com relação aos meus sentimentos por , não sabia como eu ia consertar tudo que fizera pra que ela pudesse me aceitar de novo e não queria nem pensar no que faríamos com aquela criança que ela estava esperando. Mas nada daquilo importava, porque eu a tinha em meus braços temporariamente, dormindo tranquila como se nada no mundo pudesse atingi-la. E eu decidi que aquilo seria o suficiente por hora, porque minha cabeça já estava cansada de pensar e eu precisava urgentemente de um sono tranquilizador como o que ela estava tendo.
Acordei sentindo meu corpo pesar. Parecia que estava grudado na cama, totalmente paralisado. No início não me importei com isso, continuei deitado com os olhos fechados, respirando calmamente. Depois de um tempo a sensação foi ficando estranha e sentei repentinamente com a cama, só pra conferir que ainda tinha domínio sobre meus membros, afinal de contas. Ainda meio tonto de sono, levantei da cama me espreguiçando, chutei minhas roupas no chão e me arrastei até o banheiro, encarando-me no espelho por alguns segundos. Bocejei e passei as mãos por meus cabelos, colocando os fios mais para cima do que já estavam. Eu parecia um trapo velho, como em todas as manhãs, e pra variar não lembrava muito bem do dia anterior. Gastei mais tempo do que o necessário no banheiro, escovando os dentes e dando um jeito na minha cara de demente.
Quando voltei para o quarto, me assustei de verdade ao ver sentada em minha cama, vestindo um pijama de , com os cabelos molhados deitados em MEU travesseiro seco e macio. Como ela tinha ido parar ali mesmo? Balancei a cabeça, afastando as alucinações matinais. Ela continuava ali.
- Acho que vou dormir mais um pouco, estou dopada - ela falou com a voz sonolenta, se ajeitando em minha cama e se cobrindo com meu edredom. - Você me dopou, ? Não consigo lembrar bem do que aconteceu... Só sei que acordei aqui, tomei café-da-manhã com Julian e tomei um banho no banheiro da . - Ela deu de ombros.
Estava calma demais pra ser a que eu conheço, só podia ser efeito tardio do calmante que tomara na noite anterior.
- Você não vai surtar não? Tipo, perguntar como veio parar aqui ou o que fizemos noite passada? - Não pude deixar de rir sozinho, imaginando como a que eu conheci uns meses atrás estaria pirando totalmente, gritando comigo e se descabelando pela situação.
- Depois, talvez... - bocejou, fechando os olhos em seguida.
Resolvi deixar pra lá e aproveitar aquela manhã estranhamente calma e fora do comum. Deitei novamente ao lado de , me encaixando em seu corpo devagar até me adaptar à posição. O cheio de seus cabelos recém-lavados me inebriaram e tiraram completamente meu sono em apenas dois minutos, mas eu não me importava. Depois de um tempo em silêncio, achei que ela já estivesse dormindo novamente quando se manifestou:
- Eu tô muuito dolorida - resmungou, virando na cama para ficar de frente pra mim. Nossos rostos a centímetros de distância. Senti vontade de deslizar meus dedos por sua bochecha rosada, mas me contive. Sempre fui afetuoso com as mulheres em minha cama, mas tentava me conter ao máximo com . Não sabia ao certo como agir naquele momento, e ficar calado era minha melhor opção.
Sentei na cama em movimentos lentos, fiz um sinal pra que ela se virasse de barriga para baixo e passei minha perna para o outro lado de seu corpo, sentando sem pôr toda minha força em suas pernas.
- Você caiu ontem na pista de gelo, lembra? - avisei, olhando para o hematoma roxo na lateral de seu tronco um pouco exposto na blusa do baby-doll. Apertei cuidadosamente a área e ela se esquivou, resmungando de dor. Resolvi não encostar mais naquela parte.
Me concentrei em seus ombros, apertando-os num ritmo lento e com a força necessária de uma massagem. Sei que me gabo de muitas coisas, mas a massagem era de fato um de meus dons. Normalmente eu podia ser muito mais ousado e apertar locais mais indiscretos, mas, como já havia reparado, aquela não era uma ocasião normal. Continuei massageando as costas de de cima a baixo, enquanto ouvia os suspiros da garota embaixo de mim. Discretamente, entre um movimento e outro, eu levantava um pouco seu pijama, expondo mais de sua pele macia. Já estava mais empolgado, fazendo movimentos mais parecidos com os que eu normalmente faço, quando resolveu falar:
- , você tá excitado? - Ela parecia se divertir com sua pergunta, que, devo admitir, me pegou totalmente de surpresa. Não pude deixar de rir.
- Vejamos... Uma linda mulher cheirosa, deitada em minha cama, mais precisamente embaixo de mim, usando um minúsculo pijama... - pausei dramaticamente por uns instantes, rindo em seguida. - O que você acha?
- Acho que essa situação é engraçada. - Ela balançou os ombros, rindo também. Não era efeito do calmante, estava de fato mais confortável e relaxada perto de mim. Fazendo o que ela queria e não o que eu mandava. - Mas eu não culpo vocês, homens, por isso... Só sinto pena porque não conseguem esconder, diferente de nós mulheres... seres evoluídos.
Balancei a cabeça comigo mesmo, ousando um pouco mais ao passar meus dedos pela barra de seu shortinho, puxando o elástico do mesmo e soltando-o contra sua pele numa espécie de provocação pelo que ela acabara de dizer.
- Isso quer dizer que você também está excitada, só não mostra isso? - instiguei-a. abriu os olhos, me olhando de lado. Um sorriso discreto surgiu em seu rosto enquanto ela sussurrava...
- Você nunca vai saber. - E soltou uma gargalhada gostosa. Apertei suas costas com mais força instintivamente, fazendo-a resmungar novamente.
Puxei sua blusa por sua cabeça, deixando as costas totalmente expostas. Sorri sozinho e abaixei meu tronco sobre ela, retirei uns fios de cabelo ainda úmidos de sua nuca, beijando a mesma levemente.
- Se eu quiser saber, eu vou ficar sabendo e você sabe disso - falei entre uma risada, passando os dedos carinhosamente por um de seus ombros. Dei-lhe mais alguns beijos e leves chupadas na nuca e senti que ela queria se mover embaixo de mim.
Dei a ela um pouco de espaço, permitindo que ela se virasse de frente pra mim sem que eu tivesse que sair de cima. Agora eu podia observar seu rosto, sereno, que não estampava uma expressão descritível... Um misto de desejo e simplicidade.
Apenas nos encaramos por um tempo, sem dizer mais nada. Demorei a desfocar meus olhos de seu rosto e perceber que um pouco abaixo dele estava aquele par de seios novamente à minha disposição... Será que minhas mãos ainda se encaixavam perfeitamente neles ou teria sido uma ilusão da primeira vez? Sem aviso prévio, apertei-os com vontade, ao mesmo tempo selando-lhe os lábios com a mesma intensidade. Os movimentos de minha boca e mãos estavam sincronizados, ambos procuravam desvendar e conhecer melhor cada pedacinho da pele de . Criando vida própria, eles se livraram do que restava da roupa da garota, e da minha também, sem que eu precisasse descolar dela nem por um segundo. Não, isso seria um pecado naquele momento!
De alguma maneira, o frágil corpo de me enganou e ela conseguiu ficar por cima de mim, sorrindo vitoriosa. Segurei com força os cabelos dela, puxando seu rosto até o meu novamente para que nossas bocas se encontrassem e voltassem a se entender magnificamente bem. Nossas pernas se enroscaram e mais carícias foram trocadas, mais apertões e beijos até que eu senti o aviso de meu cérebro dizendo que não dava mais para esperar. Eu precisava daquilo e precisava já! Mas não ia deixá-la ficar por cima... Não daquela vez! Eu tinha que estar totalmente no comando ou não me satisfaria.
Não foi difícil rolar de novo para o lado na cama, o difícil foi aguentar a dor que senti quando minhas costas bateram no chão em um forte baque. Apertei os olhos com força contra meu rosto em uma careta contorcida de dor, mas logo ignorei o fato de que estava rindo de mim por ter conseguido nos levar para o chão de forma tão desastrosa e inexperiente. Tratei de colocá-la novamente por baixo de mim, parando mais uma vez para observar seu rosto agora mais agitado, respirando freneticamente para recuperar o fôlego perdido. Rimos e sorrimos juntos, e logo passei a deslizar meus lábios por seu pescoço e pelo colo de seus seios. Meu quadril já estava encaixado no dela, os movimentos eram sugestivos e o contato ali embaixo já estava intenso demais pra mim, não dava para enrolar mais...
- Não vai desistir de mim dessa vez, vai? - perguntou, percebendo minha hesitação por um segundo. De início achei que ela estivesse me zombando, mas depois percebi que ela realmente queria saber.
Beijei-a brevemente antes de responder:
- Não... Nunca mais! - Ri afobadamente, ajeitando meu membro em sua entrada. A primeira penetração foi calma e lenta, fui arrastando cada centímetro por dentro dela como se, por um momento, ainda acreditasse que aquela estava sendo sua primeira vez.
Os minutos que se seguiram foram única e incondicionalmente dedicados a dar prazer a . Não a poupei de nenhum de meus artifícios: abusei de minha boca, minhas mãos e principalmente de meu membro para garantir que aquela fosse a transa mais especial de sua vida. Ouvir seus gemidos e sussurros, sentir as reações de seu corpo contra o meu foi mais do que uma bela recompensa... E consequentemente, também obtive o máximo de prazer possível durante todo aquele tempo. Saber que finalmente estava possuindo-a, finalmente estávamos inteiramente juntos depois de todo aquele tempo de tensão entre nós dois foi... Sem palavras.
's P.O.V.
O ar estava com um cheiro bom. Respirei mais fundo, me tranquilizando... Afinal, o dia fora longo. Me virei na cama, ajeitando a coberta em meu corpo nu. Dei de cara com Charles, já dormindo calmamente. Eu invejava a facilidade com que ele pegava no sono logo depois de fazer sexo. Como eu claramente não tinha essa qualidade, me restava ficar pensando e repassando em minha mente as cenas do dia, os pontos altos e baixos, essas coisas...
A primeira e a segunda vez com pela manhã tinham sido incríveis, sem dúvida alguma. A terceira também teria sido, se Julian não tivesse batido na porta querendo atenção... É claro que o clima entre nós no resto do dia ainda estava meio tenso, ninguém sabia o que falar ou o que fazer. Julian tomou as rédeas da situação e guiou os assuntos, pro bem de todos. Ficou óbvio para ambos que não estávamos mais magoados um com o outro e que pretendíamos passar uma borracha nos meses que ficamos sem contato, mas ninguém queria tocar no assunto e dizer com todas as letras "eu te perdoo, querido(a)... Vamos voltar pro quarto?" Sendo assim, inventei uma desculpa qualquer e dei o fora de lá antes que chegasse em casa e me pegasse no flagra. O único aspecto ruim é que eu não poderia provocá-la também por não ter passado a noite em seu quarto, pois admitir que eu sabia isso seria admitir que eu também não passara no meu.
Já foi chato demais ter que dar uma desculpa qualquer para Charles quando cheguei em casa e o encontrei cozinhando em minha cozinha. Inventei que uma amiga da escola tinha caído e quebrado uns ossos na pista de patinação da escola e eu passara a noite com ela no hospital. O bom de Charles é que ele não se interessa pelos detalhes, e nem o nome da tal amiga ele quis saber.
Jantamos juntos, assistimos a um filme antigo que estava passando na tevê e fomos para o meu quarto. Por várias vezes tive vontade de perguntar quais eram as intenções dele voltando a Bournemouth... Eu sabia que ele estava no período de recesso da faculdade, mas será que ele não tinha mais o que fazer não? Tipo ficar na casa de seus pais, ou viajar com os novos amigos festeiros? Mas me contive, porque poderia soar como se eu estivesse o expulsando de meu apartamento e, por algum motivo, eu o queria por perto. Acabamos rolando na cama entre conversas e risos por mais algumas horas e isso levou ao de sempre: sexo... prático e prazeroso como de costume.
Certo, e daí se eu havia dormido com dois homens diferentes num mesmo dia? Mulheres descompromissadas têm esse direito, não? Em nenhum momento eu enganei a ou a Charles dizendo que era única e exclusivamente deles. Além do mais, com certeza Charles já tinha arrumado um casinho mais sério em Oxford, e ? Pff, não duvidava nada que estivesse naquele exato momento nos braços de Glenda, ou quem quer que fosse.
Senti uma vontade imensa de ligar para Chloe... O que ela pensaria se soubesse que eu, , não era mais virgem, morava sozinha, me sustentava e dormia com mais de um cara por dia?! Ela com certeza sentiria inveja de mim e da minha nova vida... Que de glamurosa nada tinha!
Ouvi minha barriga roncando e bufei sozinha, levantando com pesar da cama quentinha. Essa vida de sexualmente ativa dava mais fome do que eu imaginava... Fui até a cozinha e abri a geladeira: frutas e uma garrafa quase vazia de leite. Charles estava consumindo toda minha comida, precisava urgentemente fazer compras! Peguei uma banana e sentei-me na bancada. Quando fui ver a hora em meu celular, notei uma mensagem de mais ou menos uma hora atrás. Era de .
"Que tá fazendo?" Só isso. Confesso que esperava um "Não consigo parar de pensar em você nem por um segundo" ou no mínimo "Já sinto sua falta", levando em consideração o que tínhamos passado juntos pela manhã. Mas depois, pensando bem, isso não era nem um pouco a cara de !
Respondi de maneira rápida e simples: "Lanchinho da madrugada..."
A resposta não tardou a chegar: "Coisas de grávida?"
Me indignei com a resposta de . Achei que ele tivesse desencanado dessa história de gravidez há algum tempo já, ou pelo menos teria a decência de não comentar nada disso comigo por um tempo... Mas não, ele sempre ia direto ao ponto nas horas mais inconvenientes e, quando tinha que falar, preferia ficar quieto. Eu estava prestes a ligar para ele, esclarecer a história toda, quando Charles apareceu na cozinha, me assustando.
- Também ficou com fome? - ele perguntou com a voz sonolenta, indo em direção à geladeira. - Precisamos fazer compras, .
Apertei o celular com força em minha mão, esperei por um tempo pra que ele comesse também alguma coisa rapidamente.
- Volte logo pra cama, mocinha - se despediu depois de um tempo, me dando um beijo na cabeça. Sorri em resposta, confirmando com a cabeça.
Olhei novamente para o celular e pensei em . Ela ainda não estava pronta pra admitir a gravidez, e eu não tinha como contar para que não estava grávida sem ter que dar umas explicações... Ao contrário de Charles, ele gostava muito de saber dos detalhes. Acabei desistindo de ligar e apenas mandei uma mensagem de boa noite para ele no fim das contas e fui dormir também, pois o dia fora longo.
As manhãs de domingo são sempre agitadas na Ravi's. Famílias unidas saem para tomar café-da-manhã juntos, jovens bêbados saem de suas festas procurando desesperadamente por um café que faça suas dores de cabeça desaparecerem, e por aí vai... Por isso eu estava bem ocupada e atolada de trabalho quando Charles se materializou na minha frente com um sorriso enorme no rosto.
- Bom dia, . - Ele me deu um rápido selinho, quase fazendo com que eu derrubasse a bandeja que carregava.
- Só se for pra você - resmunguei mal humorada, me desviando dele e traçando meu caminho entre os outros garçons até a mesa sete. Charles me seguiu.
- TPM, é? - zombou, parando ao meu lado enquanto eu deixava as panquecas na mesa.
- Mais alguma coisa? - perguntei ao homem obeso que iria comer aquela pilha de panquecas sozinho. Ele fez que não e eu me virei rapidamente, esbarrando com Charles novamente em minha frente.
- Você não tá vendo a confusão que está essa lanchonete hoje não? - fui meio grosseira e impaciente, dando um passo para o lado, a fim de passar por ele novamente.
Charles seguiu meu passo e continuou empatando meu caminho. Bufei de propósito, rolando os olhos.
- QUE VOCÊ QUER?
- Quero um desejo de bom dia, um beijo e de preferência que você diga sim também - a resposta saiu da ponta de sua língua.
- Dizer sim pra quê? - Controlei minha irritação, abrindo um pequeno sorriso no canto da boca. Ele não merecia toda aquela agressividade, coitado... Só estava tentando ser um bom namorado... Digo, companheiro.
- Quer sair comigo hoje à noite?
- Pode ser, eu acho... - fui meio vaga, olhando pros lados. Ravi estava me olhando fixamente e não parecia feliz por eu estar parada em serviço.
- Sim ou não? - Charles insistiu, segurando minha mão livre perto de seu peitoral.
- Sim, sim... Agora dê o fora daqui que eu estou atolada! - Dei um tapinha em seu peito, um beijo rápido na boca e o mandei pra longe educadamente.
Voltei pra trás do balcão, pronta para pegar o próximo pedido.
- Um café expresso e as torradas da casa, Joan - pedi ao cozinheiro, me apoiando na bancada para descansar.
- Quando vai assumir seu namorado, ? - a voz de Ravi soou atrás de mim e eu me virei automaticamente para ele, que riu da minha cara assustada. - Tudo bem, eu não me importo que ele esteja morando com você ou aparecendo aqui de vez em quando... É só que eu queria ser informado dessas coisas, afinal, sou meio que responsável por você, certo?
- É, eu sei, Ravi... Desculpa, você tem razão. Vou te apresentar a ele na próxima oportunidade. - Sorri amarelo, piscando em seguida. Ravi era uma boa pessoa e de fato fazia um bom papel cuidando de mim, mas ele não precisava saber da minha situação atual. Nem eu sabia ao certo meu estado civil!
Para não ficar pensando muito nisso, enfiei a cara no trabalho e até que o dia passou rápido. Nada como ter muitas mesas para servir e limpar a fim de espairecer. Ah sim, até parece... Mas, de fato, eu não tinha muito do que reclamar. Era um trabalho digno e provisório, só até eu me formar e me mudar para a faculdade, quando voltaria a ser financiada por meu pai... Afinal, ele andava sumido, mas com certeza era um homem vivo.
- Você fecha hoje, ? - ouvi Ravi perguntando e suspirei aliviada. Era sempre bom ouvir esse comando no fim do dia, indicando que o trabalho já estava no fim.
- Pode deixar, chefe - assenti positivamente, me livrando de meu avental de uniforme.
Dei uma última limpada nas mesas e me despedi dos outros funcionários antes de trancar as portas. Estava cansada e só faltava colocar aquela sacola imensa no lixo e pronto... Cama, aqui vou eu!
O estacionamento estava escuro e vazio, com exceção de um caro preto encostado em um dos cantos... Tinha uma pessoa dentro e eu senti como se estivesse sendo encarada por ela enquanto colocava o lixo pra fora. Bati as mãos ao acabar com aquilo e fui andando em direção à porta dos fundos, pronta pra subir até meu apartamento.
- Pssssssssiu - ouvi ao fundo. De início ignorei a chamada. Não satisfeita, a pessoa começou a buzinar para chamar minha atenção.
Virei para ver do que se tratava e reconheci então o carro de . Ah, ótimo! Não tinha uma hora melhor pra aparecer não, meu querido? Andei até ele e parei ao lado do carro, olhando para ele dentro do mesmo.
- Que veio fazer aqui? - Fiz questão de ser bem seca, cruzando os braços embaixo de meu peito. Desde o dia que dormimos juntos, e eu não tínhamos nos falado ainda.
- Travis me disse que você saía às cinco do trabalho, resolvi aparecer então. - Deu de ombros naturalmente.
- Aparecer pra quê? Tem alguma coisa urgente pra me falar?
- Quer dizer então que eu só posso te visitar quando minha casa estiver pegando fogo ou Julian estiver no hospital? - Ele me encarou com as sobrancelhas erguidas e aquele tom divertido na voz. Rolei os olhos, apoiando na janela do motorista. - Vai entrar ou está esperando um convite formal escrito à mão?
Ouvi o som das portas sendo destravadas e respirei fundo, pensando por um instante. Eu estava cansada, mas acho que não custaria nada dar uma voltinha de carro com um amigo...
- Certo, mas não posso voltar muito tarde...
Capítulo 13
's P.O.V.
Dentre as coisas mais irritantes do mundo estão sol hostil, pessoas demais, areia desconfortável, suor escorrendo e cheiro de protetor-solar. E as pessoas conseguiram juntar tudo isso num só lugar conhecido como praia. Odeio praias. No verão de Bournemouth as pessoas, que normalmente preferem ficar escondidas dentro de suas casas, resolvem sair e se aglomerar na principal praia no centro da cidade, e por esse motivo eu prefiro me refugiar e lidar com o calor de forma diferente... Mas não no inverno. No inverno, principalmente quando escurece, a praia fica incrivelmente vazia. E aconchegante.
- O que estamos fazendo aqui? - perguntou com uma voz confusa, olhando ao redor. Caminhávamos em direção ao píer.
- Sugere algum outro lugar?
Ela deu de ombros, como se não importasse o lugar em que estivéssemos.
- Você odeia praias - constatou. Ri comigo mesmo, imaginando da onde ela tinha tirado essa ideia.
- Mas adoro silêncio - justifiquei. Continuamos andando lado a lado sem falar mais nada até chegarmos ao fim do píer, de onde podíamos avistar o mar agitado logo abaixo de nós.
- Seu carro é um lugar silencioso - argumentou do nada, retomando nossa conversa. De fato, eu quase nunca ligava o som do carro, preferindo ouvir meus pensamentos com clareza. - E quente.
Olhei para ela e percebi que tentava se aquecer passando a palma das mãos contra seus braços. Me aproximei e passei um de meus braços por seus ombros, aconchegando-a de lado em meu peito. relutou, me lançando um olhar enviesado. Que garotinha difícil...
- Fica quieta, você sabe que tá frio aqui - expliquei, apertando-a ainda mais contra mim. - Só estou tentando ajudar!
- Me sinto meio idiota parada de pé num píer escuro numa noite gelada - riu de nós dois, finalmente vencendo seu orgulho e me abraçando também. Nada como calor humano...
- Vai se sentir menos idiota se sentarmos aqui? - sugeri.
- Na verdade não, mas meus pés cansados gostariam disso. - Ela riu enquanto nos sentávamos com as pernas pendendo para fora do píer que era um dos cartões postais da cidade.
Por um tempo ficamos ali sentados e abraçados, conversando sobre trivialidades como um casalzinho apaixonado. Mas isso de fato não era o nosso forte e nem a nossa cara. Ainda bem que estávamos sozinhos, porque qualquer pessoa passando por ali repararia que aquele não era um casal normal de jovens. Num lugar como o chão da cozinha de um hotel estaríamos mais à vontade para sermos nós mesmos, não sei exatamente por quê.
- E seus pais? Você anda tendo notícias deles?
se remexeu desconfortavelmente com a pergunta, trocou de posição diversas vezes até acabar deitada no chão de madeira, com a cabeça apoiada em meu colo e me olhando de baixo.
- Às vezes me ligam. - Ela deu de ombros por fim e eu esperei que continuasse. Pais sempre eram um assunto delicado entre nós. Eu não precisava falar sobre os meus, mas como era delicada e acostumada com esse tipo de conversa, eu decidi que ela deveria falar sobre isso e pronto.
- Minha mãe está em algum canto dos Estados Unidos, acho que Califórnia - continuou pausadamente. Era difícil saber o que ela estava pensando daquilo. - E meu pai comprou uma casa em Tóquio e acho que vai continuar por lá agora. Aparentemente eles decidiram que não suportam nem ficar no mesmo continente ou algo assim...
- Mas eles se interessam em saber como você está, certo?
- Na medida do possível - falou, e eu achei que a conversa fosse terminar ali quando ela começou novamente: - Eles me mandam dinheiro, é claro, e meu pai me ofereceu um quarto na nova casa dele, mas, sinceramente, a Califórnia me apetece mais do que Tóquio.
- Você não vai se mudar com nenhum deles... - afirmei num tom divertido. - Uma vez que você prova o gostinho de morar sozinho, se torna independente e não quer mais saber de outra vida!
riu e rolou os olhos, como se discordasse de mim.
- Estou errado? - Ergui uma sobrancelha, cutucando-a na barriga para que ela concordasse comigo.
- É, acho que não... - ponderou, mandando um beijo estalado no ar para mim. Entendi o sinal como uma deixa e me abaixei até seu rosto, lhe dando um devido beijo demorado. Sabia que isso só enfatizava a teoria de que estávamos nos tornando um casal, mas não ligava pra isso no momento.
- Mas e você, ? Já sabe pra onde vai ano que vem?
- Não sei com certeza, mas sei que tenho uma vaga em qualquer grande universidade que eu escolher - falei simplesmente, sem medo de soar presunçoso. - Ou melhor, que meu pai escolher.
me olhou curiosamente, querendo entender.
- Com certeza meu pai vai fazer uma generosa doação no meu nome e no de para alguma universidade e eles não terão escolha senão nos aceitar como se fôssemos louváveis estudantes - expliquei, dando de ombros. Sinceramente eu não me importava nem um pouco com isso, desde que ele comprasse também uma casa para nós perto do campus, pra que Julian pudesse ir morar conosco.
- E você aceita esse destino assim, sem nem contestar? - parecia intrigada, como se esse não fosse meu comportamento usual. De fato, não era. Mas outra coisa que eu também não sou é hipócrita. Foi o que disse a ela:
- , eu não sou nenhum deslumbrado que acha que tem chance de passar por mérito em qualquer universidade inglesa, não com o histórico escolar que eu tenho - ri brevemente enquanto explicava, olhando diretamente para ela em meu colo. - Se meu pai está disposto a pagar para que isso aconteça, por que eu iria protestar? Não vou desperdiçar a chance de ser alguém na vida só porque sou orgulhoso demais para aceitar algum favor daquele canalha. Ele nos deve isso, depois de tudo.
- Você está certo - ela admitiu, segurando minha mão. Se levantou e sentou ao meu lado novamente, me olhando com uma certa admiração, como se eu fosse um gênio por pensar de forma prática e real. - E essa é uma das coisas que eu mais admiro em você... Sua sinceridade e seu modo de encarar as coisas.
- , o que me diz de ficarmos aqui e congelarmos juntos? Abraçados aqui nós daríamos uma bela escultura de gelo... Eles poderiam botar o nome de "Os amantes do Píer" ou algo mais idiota ainda! - falei olhando para cima, observando os finos flocos de neve que começaram a cair sobre nossas cabeças. riu de mim e se levantou, segurando em meu braço para me puxar.
- Eu posso pensar em maneiras mais nobres para se morrer, hm - ela refletiu enquanto tentava com toda sua força me tirar do chão. - Anda, vamos embora, !
- Quer parar de me chamar de ? - Por fim eu me levantei, e fomos caminhando lentamente sobre o píer até chegarmos ao carro estacionado ali perto.
- Por quê? Não gosta desse nome? Eu sempre achei que você tinha cara de Bill, sabia? Bill Pancakes. Soa bem, não? - ela começou a me provocar com seus comentários aleatórios e que só ela achava graça. Quando começa com isso, podia ficar por horas falando repetidamente sozinha.
- , me faz um favor e cala essa matraca, vai...
- Ah, não faz assim que magoa, Bill... - ela falou e se calou por uns segundos, enquanto entrávamos no carro. - Pancakes! Hmm, me deu uma fome... O que você acha, Bill Pancakes? Devemos comer Pancakes?
Puxei o freio de mão e olhei para , que há pouco ficara quieta. Estávamos no estacionamento da Ravi's, porta da casa dela. Ela já estava tirando o cinto e estava se despedindo quando resolvi que não queria ir para casa sozinho, pelo menos não àquela hora.
- Não vai me convidar para subir não? - perguntei enquanto ela me dava um selinho de despedida. Me encarou surpresa por uns segundos, processando a ideia.
- Mas não está tarde demais pra isso?
Perguntas retóricas. Pronto, sinal de que ela realmente não queria mais a minha companhia, mas não sabia como dizer isso de forma educada. Eu sabia bem disso, praticamente era o inventor dessa maneira de dispensar mulheres.
- Então por que você não vai para a minha casa? - sugeri, numa última tentativa.
- vai estar lá e teremos que dar algumas explicações... Não sei se...
- Tudo bem, nós podemos ir para outro lugar também! - Tenho certeza de que soei desesperado ao interrompê-la. Merda!
ficou me encarando por alguns segundos, como se estivesse pensando.
's P.O.V.
- Claro que sim! - Era tudo que eu queria poder dizer naquele momento, sem pestanejar. Porém eu sabia que não podia. Já eram quase onze horas da noite e eu tinha certeza de que Charles já estava preocupado em casa, sabendo que o turno da lanchonete já havia terminado há um bom tempo. Precisava ir para casa, e não podia saber o motivo. Era melhor que ele pensasse que eu estava o rejeitando no momento do que ter que explicar que na verdade eu estava morando com meu ex-namorado. Ou namorado, não sei!
Mas eu olhava para aquela carinha desesperada, ansioso por uma resposta. Nunca o tinha visto daquela maneira, desesperado pela companhia de alguém. Ah meu Deus, o que eu ia fazer?
Suspirei pesadamente e falei:
- Olha, eu vou lá em cima trocar de roupa, vestir um casaco apropriado pra neve e já volto, ok? Só um instante. - Sorri da melhor maneira que pude e sai rapidamente do carro, antes que ele pudesse argumentar.
Subi as escadas do antigo prédio correndo e entrei pela porta que estava aberta. Ao contrário do que eu vinha encontrando sempre que chegava em casa, Charles não estava deitado no sofá assistindo tevê e comendo pipoca. Ele estava sentado em uma cadeira de frente para a porta, em silêncio e me fitando com os olhos... raivosos.
- Oi, Charles, desculpa a...
- Acho bom mesmo você ter uma boa desculpa por ter me dado um bolo hoje, e não pense que "minha amiga fraturou sei lá o que e foi pro hospital" vai funcionar desta vez, .
Encarei-o perplexa por um segundo, até perceber que ele tinha razão. Eu esquecera completamente que tinha combinado de sair com ele!
- Eu... - tentei arrumar um motivo plausível pra ter feito o que fiz, mas não consegui nada - esqueci completamente.
- Ah sim... Você esqueceu - falou com calma, apesar de deixar transparecer a raiva que estava sentindo de mim. Um pouco exagerado, na minha opinião. - Isso com certeza faz as coisas se acertarem, .
- Não é um grande problema assim, ok, Charles? Acontece com qualquer um, pessoas ocupadas tentem a esquecer compromissos de vez em quando, ninguém morre por isso!
Tirei meu casaco e minhas luvas, indo em direção ao quarto sem olhar para ele. Bufei quando bati a porta do quarto atrás de mim e fui direto ao armário procurar um casaco mais quente, como tinha avisado para que faria.
- Sabe por que você sempre consegue afastar as pessoas que se importam com você? - ouvi uma voz vindo de trás de mim e não me virei para encará-lo. Onde eu tinha enfiado aquele casaco, afinal de contas? Continuei procurando. E Charles continuou com seu sermão.
- Porque você não se importa com ninguém! Simples, não? Pois é... Infelizmente eu levei tempo demais pra perceber isso. Você não liga pros outros! Seus familiares, amigos, eu... Somos apenas marionetes no seu teatro de vidinha perfeita, não somos?
Tive que olhar pra trás, incrédula com o que ele estava falando. Seus olhos estavam vermelhos e em sua mão estava uma garrafa de conhaque quase vazia. Ah claro, bêbado ainda por cima! Casaco, casaco, casaco...
- Você não demonstra seus sentimentos, ! Aliás, você não tem sentimentos. - Senti um requinte de crueldade nessa última frase e resolvi intervir a meu favor.
- Desculpa se eu não fico o dia inteiro puxando seu saco e dizendo o quanto você é o melhor namorado do mundo, Charles. - Sorri ironicamente pra ele. - Eu tenho uma novidade pra você: Você NÃO É o centro do mundo, e no momento eu tenho coisas mais importantes pra cuidar do que um encosto que resolveu se alojar no meu apartamento.
Voltei a me concentrar no casaco, respirando fundo. Ele pareceu não ouvir o que eu falei, porque continuou me acusando de coisas sem sentido.
- Por que você acha que eu te dei o fora daquela maneira no início do ano, hein? Você sempre foi uma pessoa fechada, nunca se abriu comigo verdadeiramente, nunca se importou com nada além da impressão que causávamos nas pessoas e no futuro brilhante que teríamos juntos... Eu não sei como eu não te traí em nenhuma das inúmeras oportunidades que tive!
- Desculpa se eu não tinha tesão o suficiente pra dar pra você. - Dei de ombros ao falar sobre o real motivo do término do nosso namoro.
- E Chloe? - Riu exageradamente, com uma pausa para dar uma golada na garrafa. - Ela foi outra vítima nas suas mãos... Mais uma marionete que se irritou com o tempo e preferiu encarar a família problemática do que ficar mais um ano ao seu lado!
- Você não sabe nada sobre as minhas amizades, então acho melhor não se meter nisso, Mignac.
- Nem seus pais te aguentavam mais! - ele falou num tom vitorioso, como se aquele fosse o ápice de seu discursinho babaca. - Fugiram na primeira oportunidade e te deixaram sozinha assim como todos os outros. Isso é algo a se pensar, não acha, minha querida?
Senti uma aproximação rápida da parte dele e suas mãos agarrando meus cabelos. Ele puxou-os para cima e respirou profundamente em meu pescoço, me dando um nojo súbito. Dei uma cotovelada em seu abdômen e me afastei rapidamente, segurando o casaco que finalmente encontrara.
- Eu vou dormir fora hoje e espero que amanhã você não esteja mais aqui - falei com calma, olhando em seus olhos para ter certeza de que ele tinha entendido o recado.
Charles se aproximou de novo, passou um braço brutamente por minha cintura e deu o último gole na bebida antes de jogar a garrafa no chão dramaticamente, aproximando seu rosto do meu e me fazendo sentir aquele bafo alcoólico e nojento.
- Apesar de tudo que você fez no passado, apesar de você ser uma fracassada que trabalha numa lanchonete de merda e mora num apartamentinho furreca, apesar de não ter mais amigos nem família... Seu corpinho me excita, sabia? - Charles segurou-me pelo queixo e me fez encarar seus olhos por um momento. Tentei me movimentar de qualquer maneira pra me tirar daquela situação, mas, sendo o mais forte da situação, ele tinha controle sobre mim.
Suas mãos voaram para minha bunda e ele a agarrou com força enquanto ria, provavelmente da cara de assustada que eu deveria estar fazendo. Tomei coragem e resolvi fazer alguma coisa antes que a situação ficasse feia. Nunca pensei que conseguiria fazer isso na vida, mas juntei a maior quantidade de saliva que pude na boca e cuspi com vontade no rosto de Charles, fazendo com que ele me largasse e me olhasse incrédulo por um instante.
- Não quero mais te ver aqui - falei por fim, ainda com calma e dignidade.
Charles veio atrás de mim até a sala, me xingando e tentando me puxar pelos braços novamente. Minha sorte é que ele estava realmente bêbado e descoordenado, caso contrário eu provavelmente seria forçada a fazer o que ele quisesse.
Tentei não deixar aquela briga toda me abalar, respirando fundo enquanto descia os degraus. Não tinha noção de quanto tempo havia se passado até olhar no relógio... Me perguntei se ainda estaria lá esperando por mim.
Não pude deixar de sorrir ao ver o carro ainda parado no mesmo lugar, esperando por mim.
- Podemos ir. - Forcei um sorrisinho ao entrar no carro, ajeitando o cinto de segurança com uma certa dificuldade por causa do meu volumoso casaco pra neve.
- Quer falar sobre a gritaria ou o quê? - me perguntou antes de dar partida no carro. Ele me olhava compreensivo, como se já tivesse uma ideia do motivo da briga que ouvira.
- Na verdade, não.
Sem mais palavras, ele ligou o carro e acabamos indo parar no parque municipal, onde adormecemos dentro do carro depois de uma boa sessão de amassos seguido de conversas da madrugada.
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- Amigo! - me abraçou assim que abri a porta. Resolvi o abraçar de volta, porém lhe dei uns tapinhas nas costas pra que ele entendesse que aquilo era um pouco afetivo demais para mim.
- Entra aí, cara. - Fechei a porta assim que ele entrou. Fui andando em direção à cozinha e me seguiu.
- Por onde você tem andado? Travis me disse que você tava viajando com uma gostosa alemã que conheceu num barzinho! - disse, empolgado com a possibilidade. Nem me dei ao trabalho de desmentir uma idiotice daquelas. Alemã? sabe que eu prefiro as russas.
- Se ainda fosse uma russa...
- Foi o que pensei - ele afirmou, sorrindo. Fui até a geladeira e peguei duas latinhas de cerveja para nós, deslizando uma pela mesa até onde ele estava sentado. Sentei na outra ponta.
- agora toma cerveja?
- Minha irmã comprava essas porcarias, mas agora parou de beber sabe se lá por quê... - Dei de ombros, abrindo minha latinha. Erguemos as latinhas num brinde sem encostá-las e demos o primeiro gole.
Já tinha bebido mais da metade da cerveja quando resolveu falar sobre o real motivo de ter aparecido na minha casa depois de algumas semanas sem contato:
- Terminei com a Cassy - ele falou, meio desolado. Não pude deixar de rir e rolar os olhos.
- E eu vou casar com a Andy, Glenda vai ser a madrinha. - Sorri ironicamente, bebendo mais um gole.
- Não, cara, é sério dessa vez... Não aguentava mais aquela garota no meu pé, ela era muito problemática! Isso pra não dizer que ela estava atrapalhando o andamento da minha reputação. - Ele mostrou o antebraço e sua tatuagem numérica.
- Você tem razão, por que ficar com a única garota que se importou com você o suficiente pra te aguentar por meses quando se pode ter uma tatuagem que impressionará um bando de acéfalas? - falei numa rapidez exagerada e apenas me encarou por um segundo, tentando entender o que eu havia dito. Ou tentando entender por que eu estava defendendo a loira irritante depois de tanto tempo mandando ele dar o fora nela.
- Você acabou de defender a Cassy ou eu me perdi no meio da frase?
- Tanto faz. - Dei de ombros, desviando meu olhar pra bancada da cozinha. - Você que sabe o que faz da vida. Só quis dizer que garotas são complicadas mesmo, algumas fazem o esforço valer a pena e outras não.
soltou uma gargalhada e ficou me olhando, esperando que eu me juntasse a ele pra que começássemos um couro de risadas. Mas eu não me sentia no clima pra rir daquilo. Eu estava falando sério.
- Certo... Isso é por causa da , não é?
- Talvez.
- Quando isso aconteceu, ? - me encarava com curiosidade, se inclinando sobre a mesa. - Quando você entrou pro time dos que se apaixonam? Eu sempre apostei todas as minhas fichas de que você seria um dos únicos a nunca virar a folha e agora... Isso!
- Cala a porra da boca, , você não sabe o quão profundo eu me tornei.
Um silêncio estranho pairou sobre nós durante algum tempo. Tenho certeza de que estava pensando que agora eu era um idiota apaixonado e que me deixaria levar por sentimentos. Levantei e peguei mais duas latinhas pra nós dois, quando ele resolveu me perguntar.
- Mas me diz... Quando você soube que ela era diferente das outras?
- Eu sempre soube que ela é diferente, ... Quer dizer, é só prestar atenção na primeira frase que ela falar e você sabe que ela não é uma garota comum.
- Isso é verdade... Mas eu quero saber quando você soube, panaca.
Balancei a cabeça negativamente, demonstrando que não tinha resposta praquela pergunta. Dei um gole na cerveja e pensei por um instante. É óbvio que é diferente e isso foi o que prendeu minha atenção... Sem que eu me esforçasse para tal, imagens de nos meses anteriores começaram a surgir em minha cabeça. Ela e Julian brincando de videogame, ela e armando esquemas inúteis pra tentar me enganar, ela sentada na escada da minha casa com o rosto mais perdido que eu já vi na vida... Porém a imagem que veio com mais nitidez era sem dúvida alguma a de andando na praia em direção a nossa roda de amigos, com as mãos nos bolsos da calça, totalmente deslocada e com medo de estar naquele ambiente com pessoas desconhecidas. Seus olhos estavam avermelhados e seu nervosismo era palpável, porém ela estava lá. Enfrentando seus medos, seus receios... Tudo isso na tentativa de deixar o passado pra trás e recomeçar. era uma mulher corajosa. E eu sabia que resposta dar a , mas não senti a necessidade de dividir isso com meu amigo.
- O que vamos fazer pra comemorar o Natal, ? E não, não vamos viajar em cima da hora de novo porque ninguém quer passar a ceia dentro de um carro com Travis peidando mariscos de novo.
Capítulo 14
's P.O.V.
- Voltamos ao tempo de escravidão, só pode! - alterou o tom de voz ao telefone, fazendo com que eu tivesse que desencostá-lo de meu ouvido por um breve momento.
Ri, rolando os olhos mesmo que ele não pudesse ver meu gesto.
- Desculpa, mas eu já faltei sábado passado, não tem a menor condição de pedir outra folga ao Ravi - repeti o que já estava falando há quase uma hora.
- Puta que pariu... - ele bufou e eu fiquei em silêncio. Não ia pedir desculpas, DE NOVO, por uma coisa que na verdade eu não tinha culpa. - Já tá mais do que na hora de você largar esse emprego, hein ...
- E por que eu largaria? É uma ótima distração pras minhas horas livres.
- Eu consigo imaginar umas distrações melhores pra você, se esse é o caso - falou com aquela malícia na voz que nem chegava a ser intencional. Não pude deixar de sorrir e sentir um friozinho idiota na barriga. - E de qualquer jeito, você já provou que consegue se manter por conta própria, agora pode voltar a viver às custas de seus pais, é a obrigação deles, pelo amor de Deus!
- Tá bem, , tá bem... Vou pensar no assunto, ok? - Falei aquilo só pra encerrar logo aquela conversa que já tinha se estendido por demais. - Vamos falar sobre outra coisa agora, tipo...
- Tipo se você já ouviu falar na festa de Véspera de Natal que eu e vamos dar aqui em casa para aqueles que não têm família, ou que não suportam ficar com as suas em um ambiente fechado por mais de três horas seguidas.
- É, ouvi uns rumores na lanchonete esses dias... - Dei de ombros, trocando de posição na cama.
- Ah, então você vem...
Parei pra pensar um pouco. Ele não estava me convidando, estava? Primeiro ele pergunta se eu ouvi falar e depois demanda que eu vou... Que merda, por que ele não pode me convidar de uma vez, como um homem decente faria?
- Não sei... Você quer que eu vá? - devolvi a pergunta, na esperança de que ele fosse entender meu ponto.
- Porra, é claro - ele riu da minha pergunta. - Ou você precisa de um convite formal pra isso também?
- Não, mas de vez em quando seria bom ser convidada pra sua festa por você, e não pelo Travis - me repreendi mentalmente por ter deixado meu ressentimento se transmitir em minha voz.
- Não é minha festa, é só uma festa que por acaso vai acontecer na minha casa... Ou na casa da , se você preferir... Isso sem falar que é aberta a qualquer um, eu mesmo não convidei ninguém.
- Tá certo, . - Mais uma vez, quis terminar com a discussão por telefone. Ele não entenderia mesmo... - É só que namo... - pensei um pouco antes de continuar aquela palavra e logo me corrigi - amigos íntimos como nós costumam dar uma atenção especial um para o outro, só pra distinguir de amizades comuns de vez em quando...
- Ok, da próxima vez eu escrevo uma carta e envio pelo correio - ele terminou com descaso. - Ah, acabou voltando com a Cassy, como eu previa...
- Hm, legal. - Não consegui nem fingir um pouquinho de interesse na vida amorosa de . - Preciso desligar agora, . Boa noite.
- , aconteceu alguma coisa?
- Não, só me bateu um sono repentino mesmo, acho que vou dormir - bocejei forçadamente, olhando no relógio: 01:25 am.
- Ahh, não vai não... Você sabe que eu não tenho sono antes das três horas - reclamou com sua voz de pidão. Felizmente, pedidos como esse só funcionavam ao vivo, quando ele fazia aquela cara de coitado cínico.
- Liga pro , pro Travis ou pra Andy, eles também são seus amigos, não são? - Fiz questão de dar uma ênfase de leve à palavra "amigos".
- Durma bem, então. - Ele não insistiu. Sabia que não iria insistir. Eu o conhecia o bastante pra saber que sim, ele tinha entendido o que eu queria dizer com aquilo e porque meu humor tinha mudado repentinamente, e por isso mesmo resolveu não questionar pra não nos levar a ter A Conversa. Isso mesmo, A Conversa.
Desligamos o telefone e eu senti minha orelha queimando devido ao tempo que passamos conversando. Ultimamente estávamos conversando bastante pelo telefone ou computador, porque eu estava realmente muito ocupada com o Ravi's. Todos adoram um chocolate quente e um chá com biscoitos no inverno. E eu também achava muito estranho dormir com na mesma cama, principalmente depois do sexo, porque ele ficava todo pensativo encarando minha barriga, esperando ela crescer do nada ou sei lá o quê. O pior de tudo é que ele acha que eu não reparo em seus olhos fixos em meu ventre! Homens... Tolinhos.
Isso me lembrou que eu precisava falar logo com , resolver a história da gravidez pra poder seguir em frente sem essas esquisitices. Também precisava contar a ela sobre meu relacionamento com seu irmão... Mas pensando bem, que relacionamento é esse que nós tínhamos? Eu sempre soube que era algo estranho demais para se rotular, mas depois de um tempo, principalmente quando se é mulher, começa a haver aquela necessidade de chamar o companheiro de "namorado". Minha teoria é de que essa palavra tem o poder de conforto. Sei lá, eu sempre me sinto segura quando sei que tenho alguém pra chamar de namorado quando precisar. Isso sem contar que é essa palavra que delimita certas "leis" básicas para todo e qualquer relacionamento funcionar, encaremos a realidade.
- Olha quem resolveu aparecer. - me recebeu de braços abertos com aquele sorriso de quem queria fazer as pazes sem ter que pedir desculpas.
Não pude deixar de sorrir também, estava com saudade daquele cheirinho de limpeza natural. Agi naturalmente e o abracei com vontade, um abraço daqueles que podem durar uma eternidade se não for interrompido por terceiros. Infelizmente, nós fomos.
- Hã-hãaan - coçou a garganta em alto e bom som, fazendo com que nosso abraço se desfizesse imediatamente. Nem olhei para cara de e fui entrando na casa, com aquele sorriso amarelo.
- Oi - disse.
- Demorou - falou, já subindo as escadas. Fiquei parada na sala por um tempo, segurando minha bolsa e sem saber o que fazer. - Você vem ou não vem, ? - Ela me olhou irritada. Resolvi não contrariar, afinal de contas... Não se irrita uma mulher grávida a troco de nada, não é mesmo?
Subi as escadas sem olhar de novo para e, quando já estava nos últimos degraus, ouvi a porta da sala batendo com força. Alguém estava irritadinho...
Fomos direto para o quarto de e eu joguei minha bolsa enorme em cima da cama dela. Estava ali para passar a noite e quem sabe mais alguns dias também.
- Quando você vai assumir que está apaixonada pelo meu irmão, hein?
- Desculpe? - Me fiz de sonsa, arqueando a sobrancelha como se não tivesse entendido.
- É sério, . - Ela rolou os olhos, sentando na cama. Pegou minha bolsa, colocou em seu colo e abriu-a. - Já estou ficando cansada de ter que bancar a idiota que não sabe de nada, esperando que algum dia você vá ser uma amiga decente e me contar as coisas...
A única coisa que consegui fazer foi rir... Rir do jeito que ela estava falando, rir porque fui tola o suficiente de pensar que ela não notaria nada. Aliás, que tipo de melhor amiga ela seria se não percebesse nada?
- Ou você achou que eu não fosse perceber que minha melhor amiga passa as noites no quarto do meu irmão e sai de fininho no dia seguinte sem nem passar aqui pra dar um bom dia? Quero dizer... E o quarto do nunca foi tão limpo e organizado, só podia ser obra sua.
- Quer parar de mexer aí? - Dei um tapa em sua mão, que futucava sem parar tirando as coisas de minha bolsa.
- Eu tô procurando meu presente - disse, direta como sempre. - E quer parar de tentar mudar o assunto?
- Seu presente é o com o embrulho vermelho - desisti, rolando os olhos. Me joguei na cama ao seu lado e fiquei encarando o teto, quieta por um tempo enquanto abria seu presente de Natal, uma blusa igualmente vermelha que disfarçaria sua barriguinha de três meses.
- E de quem é esse preto aqui? - tirou o presente do de dentro da bolsa e eu imediatamente me levantei, pegando-o da mão dela. - Meu Jesus, vocês vão trocar presentes de Natal? - Ela começou a rir desesperadamente, me olhando incrédula.
- Não é um presente, é uma... recordação - corrigi, guardando o embrulho de volta na bolsa e fechando-a em seguida, por precaução.
- Que gracinha, ! Vocês precisam se assumir publicamente, a coisa tá mais séria do que eu pensava!
- Não, , não tá nada sério - falei com raiva. Não dela, mas sim do . - Seu irmão é a pessoa mais perturbada que eu já vi na vida!
- E você é a segunda pessoa mais perturbada que eu conheço. - Ela deu de ombros, rindo de mim. Pelo visto percebeu minha cara de "vou te matar", porque tentou se corrigir: - Não, é sério... Vocês são tão desastrosos quando se trata de relacionamentos que só poderiam acabar juntos mesmo... Não sei como não previ isso antes! Tava na cara...
- Argh, ... Como a gente faz pra fazer um homem admitir que te ama?
- Então você sabe que ele te ama, é?
- Claro que sei... Quero dizer... Normalmente a gente sabe, certo? Eu o amo, ele me ama, é assim que as coisas funcionam depois de tanto tempo juntos, não é?
- Oh Lord... - rolou os olhos. – Olha, ... Se fosse qualquer outro cara no mundo, qualquer um mesmo menos meu irmão, eu te diria que você estava certa, que dá pra saber quando o cara de te ama, porque normalmente ele te fala ou demonstra isso. Mas o ...
- É, eu sei. - Tapei meu rosto com as mãos.
- Você nunca sabe de nada quando se trata dele - ela terminou a frase, suspirando. Suspiramos juntas mais uma vez.
- . - Julian abriu a porta do quarto de de repente, nos tirando de nosso silêncio pensativo. - me pagou dez libras pra vir aqui te chamar fingindo que quero alguma coisa com você, então... Você pode descer por favor? Eu tô precisando pra comprar aquele jogo novo que te falei...
- Julian, te dou o jogo se você voltar lá e dizer pro que a vai dormir na MINHA cama hoje, então ele pode ir tirando o cavalinho da chuva!
- ÉÉÉ! - ouvi antes que a porta se fechasse. - Ô , a falou...
's P.O.V.
- Ô , a falou que vai me dar o jogo e que é pra você tirar o cavalinho da chuva - Julian me informou.
- Imprestável. - Relaxei novamente minhas costas no sofá, desistindo de me preocupar com . Ela estava começando a me dar muito trabalho, me fazendo pensar tanto assim num jeito de fazer as coisas voltarem ao normal sem exatamente ter que tocar no assunto. Mas que porra, por que mulheres tinham que ser tão complicadas e insatisfeitas com o que lhes é oferecido?
Tirei o celular que vibrava em meu bolso e atendi sem muita vontade:
- Diga.
- Tá precisando de alguma coisa pra amanhã? - tentou se mostrar prestativo.
- Já conseguiu aqueles engradados extras que eu te pedi? - perguntei entediado, observando os cubos de gelo derreterem em meu copo.
- Estou trabalhando nisso...
- Porra, se você não consegue fazer a única coisa que eu te mando fazer, pra que me liga querendo mais tarefas? Puta que pariu, !
- Ih, mas tá irritadinho você, hein? Que que houve? Brigou com a namoradinha, foi?
- É sério? - Controlei meu tom de voz pra não continuar gritando. - Você vai mesmo começar com esses comentários?
- Tem razão, me desculpe. Acho que estou andando demais com Travis ultimamente.
Ficamos em silêncio por um momento. Eu queria questioná-lo sobre meu problema, talvez ele pudesse me dar uma luz pra resolver logo essa questão com , e ele sabia que eu estava pensando duas vezes antes de falar alguma coisa, por isso não desligou o telefone.
- Fala logo, cara - ele riu descontraído -, você sabe que eu sou um merda pra essas coisas, mas acredite, sou o melhor que você vai conseguir por aí.
O pior de tudo é que ele tinha razão, e era chato ter que admitir.
- Porra, , no que que eu tô me metendo? Sério, namoro?
- Não é tão ruim assim quanto você imagina, cara... Tem sempre uns aspectos positivos.
Fiquei quieto esperando que ele fosse citar pelo menos um desses aspectos.
- Sexo garantido - ele começou.
- Virgem. - Ri da cara dele.
- Sempre ter alguém pra conversar - continuou, ignorando meu comentário anterior.
- Vá procurar um terapeuta.
ficou em silêncio por mais algum tempo tentando achar outra razão pra me incentivar, mas por fim acabamos os dois caindo em gargalhadas.
- Elas oscilam de humor constantemente, nunca estão satisfeitas, sempre querem presentes, sugam toda sua paciência, torram sua grana, exigem comportamento, fidelidade, honestidades... Isso sem falar na maldita TPM! - começou a desabafar enquanto eu ainda ria sozinho. Bebi um gole de meu whisky, contente.
- Cara, você já parou pra pensar que vai ter que aturar hormônios de gravidez? Isso é tipo pior do que TPM, umas dez vezes pior! E daqui a pouco ela começa a engordar, já imaginou?
- ficaria linda de qualquer jeito, panaca - falei sem pensar. Novamente ficamos em silêncio.
- É, então eu acho que você já se decidiu...
Troquei de canal pela milésima vez em menos de cinco minutos. Não há nada na tevê de madrugada que não seja sacanagem, desenhos animados ou filmes totalmente trash. Olhei para a garrafa de whisky quase vazia na mesa ao lado da poltrona que estava e me senti orgulhoso. Havia tomado quase tudo sozinho e não estava nem um pouco tonto...
Desliguei a televisão e tomei coragem de me levantar. Imediatamente senti o chão rodando e me desequilibrei, quase caindo novamente no sofá. Fechei os olhos com força por um tempo e tornei a abri-los em seguida, tentando fazer minha visão focalizar novamente, mas estava tão escuro... E gelado.
Com muita força de vontade, consegui me arrastar escada acima e já estava quase chegando em meu quarto quando passei pela porta do quarto de e lembrei dela. Droga, como eu ia conseguir dormir em paz sabendo que ela estava só a alguns passos de distância e muito puta comigo?
Abri a porta do quarto de com calma, fazendo força para enxergá-la no meio da escuridão. Apenas a luz fraca do corredor iluminava o ambiente e eu fui entrando vagarosamente, tentando não fazer barulho e tentando acima de tudo não tropeçar em meus próprios pés e cair de maduro no chão. Tinha certeza que não levantaria nem tão cedo caso isso acontecesse.
Fiquei contente comigo mesmo quando consegui sentar na beirada da cama de . Ou pelo menos eu esperava que aquela fosse deitada ali, e não minha irmã.
- - falei com uma voz arrastada. Nada. - , porra! - chamei-a novamente, balançando-a pelas pernas. Percebi que ela se mexeu e esfregou os olhos, tentando me identificar.
- ? - perguntou, confusa e com a voz meio rouca.
- Não, o Pequeno Príncipe. - Ri de minha piada idiota enquanto se sentava na cama, ainda se espreguiçando. - Claro que sou eu, .
- Shii, fala baixo, sua irmã tá dormindo. - Olhamos os dois para a cama de , onde um corpo jazia completamente imóvel. - Que você quer aqui?
- Quero sua companhia - falei com dificuldade, lutando para enxergar suas feições. Na verdade eu nem lembrava porque tinha entrado ali, nem como. - Quero vocêê... - Me aproximei de seu rosto, colando nossos narizes. O meu estava gelado, o dela quentinho... Imediatamente ela afastou o rosto do meu, abanando sua mão no ar.
- Sai daqui, , não tô com paciência pra bêbados - ela disse com a voz ríspida, mas eu não dei ouvidos. Estava decidido: não iria dormir sozinho em minha cama essa noite.
- - falei num tom pausado, tentando organizar as palavras numa frase que fizesse um mínimo de sentido -, você tem que vir comigo, entende? Não vou ficar sozinho, você...
Pude vê-la cruzando os braços, me encarando fixamente.
- Me entende?
Ela continuou em silêncio, então eu desisti de argumentar e decidi partir pra força física. Me levantei e fiquei parado ao lado da cama dela, passei meus braços por debaixo de seu corpo leve e puxei-a para mim, estranhando o peso maior do que eu estava esperando. Tropecei para trás, sentindo minha cabeça girando novamente assim que fiquei totalmente ereto, e dei uma alta gargalhada de mim mesmo, apoiando uma mão na parede para não cair.
- Me coloca no chão, - ela ordenou, seu tom de voz calmo e baixo.
- Não, você vem comigo hoje. Minha.
Fui andando com em meu colo em direção à luz do corredor, e quase dei de cara com a porta semi-aberta. Ri mais uma vez sozinho. Consegui sair do quarto de sem deixá-la cair e então fechei a porta com força.
- Babaca - ela me xingou, aumentando o tom de voz pela primeira vez. - Me põe no chão, . Não tô pra brincadeira, já falei isso.
- E eu já falei que você é minha e eu faço o que eu quiser com você - ouvi as palavras saindo meio embaralhadas de minha boca mas não liguei, continuei levando-a para meu quarto, só que agora com mais dificuldade porque ela começou a se debater em meu colo, tentando se livrar de mim.
Tudo bem, eu estava um pouco alterado e tonto, mas isso não significa que ela estava mais forte do que eu, longe disso. Apertei-a com mais força contra meu peitoral e apertei o passo, chegando rapidamente até minha cama, onde joguei-a meio incerto.
tentou se levantar e fugir de mim novamente, mas eu pulei em cima dela na cama antes que isso pudesse acontecer.
- Não vou dormir sozinho, não vou - eu falava sem parar enquanto ela se debatia embaixo de mim e eu tentava a segurar sem causar nenhum hematoma.
No meio de toda aquela confusão, conseguiu agarrar meu pulso e me fazer parar por um instante.
- , me escuta. Você bebeu demais, eu entendo isso, não vou te culpar. - Ela olhava em meus olhos com calma, falando devagar para que eu pudesse entender. - Mas eu acho bom a gente parar por aqui antes que você faça alguma coisa que possa de arrepender pela manhã, ok?
- Eu não vou me arrepender, , não vou... Você só tem que me escutar, me escuta por favor - eu falava apressadamente, querendo muito que ela ouvisse o que eu tinha pra dizer. Me ajeitei por cima de seu corpinho e segurei com as duas mãos em sua cabeça, tirando o cabelo de seu rosto, aproximei nossas bocas e olhei fixamente em seus olhos.
- Me desculpa, , é só isso que eu quero...
- Te desculpar pelo quê, ? Você fez alguma coisa?
- Eu fiz, eu fiz - falei atordoado, encostando nossas bocas algumas vezes, querendo beijá-la e falar ao mesmo tempo. - Qualquer coisa que eu fiz que te magoou, me desculpa. Não quero que você fique puta comigo, venha a minha casa e nem olhe na minha cara.
- Eu não tô puta com você, , pára com isso! - me dava uns tapas no braço e eu só tentava beijá-la, sugando seus lábios com força. - Você tá me machucando, sossega!
- Não vou te machucar, não vou. - Balancei minha cabeça negativamente por diversas vezes, convencido de que de fato a última coisa que eu faria seria machucá-la.
Enfiei minhas mãos frias debaixo de sua blusa de pijama, sentindo sua pele quente arrepiando imediatamente com meu toque. Subi e desci as mãos por todo seu corpinho encolhido embaixo de mim, tentando esquentá-la quando na verdade tudo que eu fazia era exatamente o oposto.
- Pode deixar que só vou te fazer feliz, nunca triste, nunca nunca - eu falava desesperadamente enquanto descia sua calça junto com a calcinha e me posicionava entre as pernas dela. Só queria agradá-la, tirar aquele olhar de medo dos olhos dela.
Voltei a encostar em sua boca com mais delicadeza dessa vez, passando minha mão por seu rosto diversas vezes.
- Shi, shi, por favor, não fica assim... - Fui traçando uma trilha de beijos de seu queixo até sua virilha, massageando-a na cintura enquanto isso. Depositei um beijo bem em cima de sua intimidade e senti que ela se retraiu, tentando se livrar novamente de mim. Segurei em sua cintura com mais força, prendendo-a em minha cama enquanto minha boca explorava de cima a baixo sua genitália, tentando pura e simplesmente lhe dar prazer.
Assim que minha língua encontrou no escuro seu clitóris, ouvi-a soltar um gemidinho baixo e não pude deixar de sorrir vitorioso. Soltei sua cintura e subi com uma mão por seu corpo até chegar a um de seus seios, massageando-o enquanto usava os dedos da outra mão para penetrá-la com maestria. Não poupei esforços com minha boca e mãos até conseguir arrancar o que queria dela: um orgasmo extraordinário.
tentou disfarçar e se repreender, mas não conseguiu conter os gemidos da hora h... Ela nunca conseguia. Sorri satisfeito e beijei-lhe novamente a intimidade com delicadeza, enquanto ela ainda se recompunha e botava a respiração em ordem. Recoloquei a calcinha em seu devido lugar e me ajeitei na cama ao lado dela sem falar mais nada. Dormi com a consciência tranquila, porém abraçando-a o tempo todo para garantir que não ficaria sozinho. Não naquela noite...
Capítulo 15
's P.O.V.
Ouvi o som da campainha bem ao longe e resmunguei, me virando na cama. Dei de cara com dormindo de bruços ao meu lado, tão profundamente que nem em sonhos ele ouviria o som estridente que não parava de ressoar em minha cabeça. Que inferno de pessoa impaciente! Por fim, desisti de tentar dormir e levantei apressada. Peguei um casaco de em cima da cadeira e fui vestindo enquanto descia as escadas rapidamente, ao som da campainha.
- Que merda, ! Isso são horas? - Atendi a porta já irritada, coçando minha cara amassada de sono.
- Cinco e meia da tarde? É, eu acho que são horas - ele afirmou, já passando por mim e entrando na casa apressado. Tentei fechar a porta atrás dele, mas ele me impediu. - Deixe aberta, os caras vão começar a entrar com o resto da bebida.
- Caras? - Olhei para o jardim e pude ver uns três rapazes que estudaram comigo carregando grandes caixas para dentro, todos me cumprimentaram e seguiram com seus risinhos para a cozinha.
Bati a porta e bocejei, olhando no relógio. Não podia acreditar que tinha dormido tanto assim! Senti minha barriga roncando, mas com aqueles quatro energúmenos na cozinha, não daria pra pisar ali. Passei por Julian na sala e resolvi sentar no sofá junto a ele.
- Cadê sua irmã?
- Saiu pra comprar algumas coisas com Clive pra festa- Ele respondeu sem tirar os olhos do desenho que estava assistindo, cabisbaixo.
Só então reparei nas luzes piscando penduradas pela casa e me lembrei que estávamos na véspera de Natal, dia da tal festa.
Ouvi minha barriga roncar de novo e Julian olhou para mim assustado.
- Você também ouviu? - Brinquei, rindo.
- O bebê está com fome, - ele também riu.
- Mas que merda, eu já disse que não... - Parei antes de continuar aquela frase e respirei fundo, me levantando. - Deixa pra lá.
Fui andando de novo até a cozinha, sentindo o choque do gelado contra meus pés descalços. e seus comparças continuavam por ali, encostados no balcão enquanto comiam qualquer coisa e conversavam sobre os preparativos.
- Acho que estamos bem de cerveja. Ainda tenho que ver com algumas coisas, mas... - parou assim que percebeu minha presença ali. - Onde está o , afinal?
- Dormindo de ressaca - respondi brevemente, tentando retirar alguma gota de café da garrafa térmica, sem sucesso. Sentia os olhares dos outros em minha perna descoberta e ouvia seus risinhos abafados.
- A noite deve ter sido boa - um deles comentou atrás de mim.
- Eu, ele, e Clive fizemos uma noite de swing, uma pena que vocês não estavam presentes - falei sarcasticamente, abrindo a geladeira - mas não se preocupem, Julian filmou a maior parte.
Eles ficaram em silêncio depois do meu comentário, e eu pude procurar um suco e biscoitos pela cozinha a vontade.
- Acho que não vamos mais precisar de vocês até mais tarde, pessoal. Vocês podem ir - deu as ordens depois de um tempo e em menos de dois segundos, estávamos à sós na cozinha.
- Obrigada - falei enquanto mastigava minha torrada com geléia.
- Ele é um babaca, eu sei - disse do nada, já quase saindo do recinto. Levantei meus olhos para ele, encarando-o. - Mas é um babaca que te ama.
As horas que se seguiram naquela casa foram uma loucura completa. A cada minuto chegavam mais pessoas carregando engradados, a banda chegou para instalar seus instrumentos e um mini palco e até mesmo o pessoal do buffet veio deixar a ceia de Natal. Pois é, acho que essa seria a primeira festa que teríamos alguma coisa para comer além de doritos.
As dez horas da noite um carro já havia chegado para buscar Julian: aparentemente ele iria passar o Natal com o pai e sua nova família em Bermudas. Eu e estávamos já prontas para a festa, sentadas no sofá observando os caras da banda enquanto esperávamos as pessoas começarem a chegar. Eu bebia uma Keep Cooler e , um suquinho de laranja da caixa.
- Você não devia ficar bebendo isso, tem gente que acha que você está grávida por aí... - ela me repreendeu, sugando seu suco pelo canudinho até fazer barulho.
- E você deveria contar logo a verdade sobre isso pras pessoas - falei, soando mais seca do que pretendia. - Sério, pelo menos Clive já sabe?
- Posso te pedir mais uma semana? - Ela me olhou com sua melhor carinha de coitada. - É que nós temos essa viagem de ano novo incrível planejada e eu não queria estragá-la com essa notícia... Mas eu juro que assim que o ano começar e a rotina voltar ao normal, eu conto tudinho! Principalmente pro , ok? Prometo - finalizou seu pedido beijando os dedos cruzados em sinal de promessa.
Não fiquei feliz com aquilo, mas acho que não custava dar a ela uma semana ou duas. Grávida ou não, minha situação com não se resolveria nem tão cedo mesmo...
's P.O.V.
Passei o dia inteiro enfiado em meu quarto, evitando encontrar com . O que eu menos queria era ter uma conversa sobre "o nosso relacionamento" e depois da noite anterior, o que eu queria menos ainda era ter que dar explicações e pedir desculpas, bla bla bla. Eu nunca entendi, de verdade, a necessidade que as pessoas têm pelas palavras. Elas são completamente superestimadas! Qual a vantagem de chamar alguém de namorado/cônjuge/marido/amante, se vocês já agem como tal? E qual a necessidade de um pedido de desculpas se a pessoa mostra através de suas ações que se arrepende e não repete mais aquele ato? Precisava ensinar isso à , de qualquer jeito, se esperávamos seguir em frente com seja lá o que estivéssemos tendo.
Porém já estava inquieto e o barulho das pessoas chegando me incomodava. Esperei o máximo que pude e por fim, saí do quarto, trancando a porta atrás de mim e também a do quarto de Julian, que havia partido com meu pai para passar as férias e quem sabe o resto do ano, se ele se desse bem com a nova família do crápula. Julian era uma criança afinal, precisava de um pouco de normalidade em sua vida e esse nunca fora meu forte.
Enquando descia as escadas, encontrei com Aisha tentando subir arrastando um garoto que parecia ter uns 14 anos no máximo.
- Tão cedo, minha querida? - Perguntei com um ar zombeteiro. Ela sorriu amarelo. - Nem adianta, estão todos trancados. E além do mais, da última vez que eu chequei, pedofilia ainda era crime.
A sala já estava cheia, a banda ajustava uns detalhes finais para começar a tocar e eu não avistei nem de cara. Ótimo, me dava um tempo para achar com a bebida de verdade e relaxar um pouco, sozinho.
's P.O.V.
- Então é verdade... - ouvi uma voz fina atrás de mim e me virei, derrubando um pouco do conteúdo de meu copo no chão. - Você está mesmo de volta ao clube.
- Nada oficial, mas pode-se de dizer que estou, Cassy - dei de ombros, dando outro gole em minha bebida. - Espero que você não se importe...
- Eu não me importo, só me preocupo com você - ela fez uma cara exagerada - afinal, todos nós sabemos que nunca vai levar alguém à sério, ainda mais alguém como você.
- Se eu fosse você estaria mais preocupada com a sua situação com do que com o relacionamento alheio, fofinha... - antes que eu desse por mim, as palavras estavam saindo de minha boca recheadas de ironia - da última vez que eu ouvi, ele estava mais preocupado em atualizar a tatuagem dele do que o o status de relacionamento do facebook - dei uma piscadela pra finalizar e dei as costas para Cassy.
Quem era aquela pessoa e o que fizera com a que vivia neste corpo antes? Ria sozinha enquanto aproveitava minha bebida e mexia meu corpo no ritmo da música agitada. Estava feliz com quem havia me tornado, afinal de contas. Era uma pessoa mais confiante, que não tinha mais medo de colocar pessoas como Cassy em seu devido lugar, de estar sozinha em uma festa como aquela aproveitando a própria companhia, de se divertir e não pensar tanto para o que os outros estão pensando enquanto olham fixamente pra você. Eu pertencia àquele mundo agora, mesmo que esse nunca tivesse sido meu desejo.
- Pequena, seus peitos cresceram ou é impressão minha? - Travis apareceu do nada, aproximando suas mãos de meus seios como se fosse tocá-los. Dei um tapa com força em suas mãos, balançando a cabeça em repressão.
- O que não para de crescer é sua imaginação fértil, Travis - gritei perto de seu ouvido para poder ser ouvida. - Vá fazer alguma coisa útil e me traga outro desses - entreguei meu copo vazio a ele e voltei a dançar sozinha.
Nem Travis me parecia tão mal assim depois de um tempo longe...
's P.O.V.
Alguns shots e muitas risadas depois, eu e resolvemos sair do esconderijo das bebidas de verdade e fomos enfim para onde a festa estava rolando. Cumprimentei algumas pessoas enquanto fazia meu caminho até a sala, mais perto do palco improvisado. Parei quando avistei dançando sozinha como uma retardada na pista, com o rosto levemente vermelho e o cabelo preso de qualquer maneira. Fiquei observando-a e rindo comigo mesmo por um tempo.
A mudança de atitude dela era visível e eu me sentia orgulhoso do trabalho bem feito, apesar de também me sentir um pouco mal agora que meu trabalho estava concluído e eu não podia mais mandar e ser obedecido sem questionar. Ou será que podia?
Fui me aproximando e parei atrás dela. Cheguei minha boca bem perto de seu ouvido:
- Quero que você me beije como se não houvesse ninguém olhando - sussurrei. Sorri ai vê-la se virando e passando as mãos em volta de meu pescoço, com um sorriso enorme no rosto e os olhos levemente fechados devido à bebida.
- Agora quero que você suba em cima de mim, tire a blusa e jogue no palco pro vocalista - ri sozinho enquanto ela me encarava com as sobrancelhas arqueadas.
- Vai a merda, - foi sua resposta antes de selar nossos lábios novamente. Certo, nem tanto assim tinha mudado... E esse resquício de que continuava lá me agravada, muito.
- Eu pedi uma bebida pro Travis, mas ele é muito incompetente - ela rolou os olhos. - Já volto, tá bem?
Virei para acompanhá-la com o olhar enquanto ela se afastava em busca de uma bebida. E foi então que vi aquele merda de homem, ou melhor, projeto de homem que infelizmente ainda fazia parte da vida de . Respirei fundo e me concentrei um pouco pra não sair partindo pra cima daquele infeliz, por mais que brigas não fossem o meu forte. Esperei para ver como ia lidar com a situação.
Eles pareciam conversar tranquilamente, até que começou a tentar se esquivar pelos lados e ele interrompia sua passagem. Então ele colocou suas mãos na cintura dela e ela tentou socar seu peitoral, e eu não pude mais me segurar.
- Se afasta da , por favor - consegui manter minha compostura quando me aproximei dos dois, mas puxei-a pelo braço com força para longe dele. Ele me encarava confuso, como se não fizesse a menor ideia de quem eu era. De fato, acho que se passaram alguns segundos até que ele me reconhecesse.
- ? - Ele perguntou, ainda parecendo confuso. - Mas que porra, cara?
Olhei para , querendo entender por que diabos Charles não parecia ter a menor ideia de quem eu era e o que estava fazendo segurando-a perto de mim. A raiva me consumiu por uns segundos, mas consegui me controlar.
- Olha aqui cara, eu só quero te dizer que eu acho bom você assumir esse filho, mas é somente isso que você vai ser na vida da a partir de agora, ok? Pai do filho dela, e SÓ - usei meu tom de voz mais sério e ameaçador, que aprendi com os anos de convivência com meu pai.
's P.O.V.
Eu só queria saber uma coisa naquele momento: onde diabos a tinha se metido numa hora daquelas? Só o que me faltava era o fantasma do meu ex-namorado me assombrando por mais um tempo e achando que ia ser o PAI do meu filho! Filho esse que nem existir, existia!
- Pai? - Charles desviou seu olhar para mim, cruzando os braços no peito. - , você pode me explicar que porra é essa? Pai do seu filho? Que você andou inventando por aí?
- Não... - coloquei a mão na cabeça, respirando fundo. Não era uma boa hora para me sentir tonta do jeito que estava. Merda! - Eu... não...
- Ah, ótimo, pelo menos eu não sou o único deixado no escuro nessa história - ginchou. Acho que nunca o vira tão nervoso na vida, acho até que ele estava suando frio.
- Eu posso explicar, eu... - nervosa, continuei tentando enrolar enquanto pensava em uma desculpa monumental para explicar a ausência de um bebê em meu ventre sem incriminar minha amiga.
- Escuta, - Charles tomou as rédeas da situação - se você está mesmo esperando uma criança minha, nós precisamos fazer algo a respeito. Eu acabei de começar a faculdade, seus pais te abandonaram e... - ele se enrolou um pouco e ficamos encarando-o fixamente, esperando o fim de seu discurso. - Eu não posso ser pai agora, porra! - Ele se descontrolou, falando mais alto do que devia, justo na hora em que a banda havia dado uma pausa entre músicas. - Você vai ter que tirar!
Antes que eu desse por mim, nós três já estávamos isolados do resto do pessoal, presos em uma espécie de círculo que fizeram em volta da gente. Pelo menos agora eu já podia avistar , que também nos observava como todas as pessoas daquela sala. Não sei se a música havia parado de tocar ou não, porque tudo que eu conseguia ouvir era aquele blablabla de Charles de como nós não estávamos preparados para um bebê e como eu era irresponsável.
- Você fez de propósito, não é? Só pode! Não consegue aceitar as coisas como elas são e seguir em frente, sem atrapalhar a vida dos ou...
Antes que ele pudesse terminar de falar, foi interrompido por uma coisa que eu não achei que fosse presenciar em toda a minha existência: socando alguém. E, mais surpreendente ainda, esse alguém caindo no chão por causa do soco de .
Fiquei olhando-o perplexa por um momento, assim como acho que todos os convidados da festa também estavam. Tinha uma vontade absurda de rir, mas me controlei porque acho que não seria apropriado.
, ajeitando sua blusa, olhou ao redor e pareceu se dar conta de que a festa inteira estava nos observando. E, ao invés de mandar todos se foderem e cuidarem de suas vidas, ele fez a segunda outra coisa que eu nunca, nunquinha mesmo, nem nos meus mais obscuros sonhos, me permiti imaginar que veria fazendo um dia na vida: ele se ajoelhou na minha frente e segurou minhas mãos.
Eu, parada como uma estátua na frente dele, não sabia se saía correndo ou se gritava com ele, mandando ele se levantar logo dali para irmos embora. Porém, circunstâncias à parte, uma parte de mim ficou emocionada ao ver aquele gesto partindo dele. Mesmo que eu soubesse que ele não queria de verdade casar comigo, aquilo certamente demonstrava comprometimento por parte dele e era mais do que eu podia pedir de uma pessoa como .
- - ele começou enfim, depois de respirar fundo algumas vezes. - Você vai se casar comigo e nós vamos cuidar dessa criança - ele apontou com a cabeça para minha barriga. Continuava mandão até mesmo na hora de me "pedir" em casamento. - Estamos entendidos?
Olhei para Charles, que ainda no chão, observava a cena completamente bestializado. Olhei para , um olhar desesperado pedindo socorro. Ela não deu grandes sinais de que iria me ajudar naquele momento, apenas pediu desculpas silenciosas. Olhei para afinal, que ainda ajoelhado, parecia pedir meu consentimento apesar de ter afirmado que nós iríamos casar, e não pedido.
- , levanta, vai... Não vou me casar com você só porque você acha... - parei para me corrigir, olhando para com uma cara de morte - só porque estou grávida.
- Você não tem muita escolha, sabe disso - ele disse enquanto se levantava, em um tom de voz que só eu pudesse ouvir. - Precisa dar um pai pra essa criança.
- Mas o que eu não preciso, definitivamente, é de um ato de piedade desses! Essa semana ainda você não conseguia nem ser meu namorado, e agora você acha que teremos um casamento saudável?
Por mais que agora mantivéssemos o tom de voz baixo e ninguém estivesse ouvindo nossa conversa, as pessoas continuavam observando, pois percebia-se que eu não estava agindo como se tivesse aceitado o pedido de bom-grado.
- Não interessa, ! Caso você não tenha percebido, eu não te dei exatamente uma escolha, e sim uma ordem. Você quer sua vida ajeitada ou não?
- , você não controla mais a minha vida! - Descontrolei-me por um segundo, falando alto demais. - Você tem que aceitar isso se vamos continuar juntos de alguma forma... Eu tomo minhas decisões de agora em diante, ok?
- Ah porra, que se foda esse caralho! - Ouvimos um grito atrás de nós e viramos assustados, dando de cara com uma se aproximando de nós. - Escuta aqui todo mundo... - ela continuou, fazendo questão de se certificar de que todos estavam ouvindo - eu estou grávida, ta legal?
's P.O.V.
- Eu estou grávida, ta legal? - Virei de costas e me deparei com minha irmã, gritando essa frase em alto e bom som.
- Mas o que é isso, agora? - De tão revoltado que estava, não consegui controlar meu tom de voz. - É sério que nem sobre a camisinha vocês aprenderam na escola? É só a coisa mais importante que uma mulher deve aprender na vida! Anticoncepcionais, ninguém? - Ergui os braços, encarando todas as fêmeas presentes no recinto, que me encaravam de volta, assustadas.
Olhei para e ela estava com a mão na boca, como se tentasse segurar uma risada. Continuei lhe encarando, esperando alguma explicação pra sua reação inapropriada.
- Eu não to grávida, ... O teste que você viu na minha mão era da ! - Ela disse, simplesmente.
Assim, como quem diz "eu não gosto de café", ela disse "eu não estou grávida"! Como se fosse normal uma pessoa fingir por meses estar grávida e agora contar a verdade do nada, no meio de uma festa de Natal, com todas as pessoas que você conhece te encarando e esperando uma continuação pro drama mexicano. E ah, com o pequeno detalhe de que eu tinha ajoelhado no chão há cinco segundos, pedindo a mão dela em casamento! só podia estar de gozação com a minha cara.
Quando me virei novamente para , ela já tinha saído correndo dali. Muito provavelmente para dar explicações a um Clive confuso, futuro papai. Minha única reação foi também deixar o recinto, sair do palco e parar de agir como um palhaço pra variar.
Fui andando em direção ao quintal dos fundos, que eu esperava que estivesse vazio pra poder tomar um ar em paz. E uma dose de whisky, de preferência.
Só quando cheguei do lado de fora, percebi que estava me seguindo.
- Me desculpa, - ela começou - não foi minha intenção te enganar, nem nada... É que a estava apavorada demais com a situação, não queria contar pra ninguém, muito menos pra você e... - parou por um segundo, suspirando fortemente. - Enfim, não foi por mal. Mesmo. Eu só tava tentando ajudar uma amiga...
Continuei de costas para ela, absorvendo as novas informações com calma.
- Você não está pelo menos um pouquinho aliviado de saber que eu não to grávida do Charles?
É, pelo menos isso era verdade. Só de saber que eu não ia precisar conviver com uma criança que me lembrasse aquele ser humano, já era um certo alívio. Maior ainda era saber que não ia passar pelas alterações de humor devido aos hormônios da gravidez, porque Deus sabe que ela já era suficientemente difícil na TPM...
Acho que fiquei tempo demais ponderando meus pensamentos em silêncio e acabou ficando impaciente, porque depois de um tempo senti seus bracinhos finos me abraçando pelas costas e sua cabeça repousando sobre ela.
- Me perdoa, vai - ela choramingou. Virei-me de frente, abraçando-a de volta e encaixando sua cabeça em meu peitoral. Passei os dedos por entre seus fios de cabelo. - Mas ainda podemos casar, não é?
Fiquei sem reação por um segundo, acho que meu coração chegou a parar de bater, se é que isso é possível.
- TÔ BRINCANDO, ! - Ela socou meu braço, rindo espalhafatosa de sua piadinha sem graça. Forcei um sorriso amarelo. - Acha mesmo que eu casaria com você assim do nada?
- Se eu mandasse, tenho certeza que você obedeceria - dei de ombros, voltando a abraçá-la para evitar mais uma sessão de seus soquinhos.
Capítulo 16
's P.O.V.
- Ih, olha quem ta aqui... - ouvi sua voz e senti imediatamente um arrepio percorrendo minha espinha. foi até a cozinha deixar as sacolas de compra e logo voltou, sentou-se na ponta do sofá onde eu estava deitada e colocou meus pés em cima de sua perna.
- Como anda esse domingo monótono?
Fiz um movimento mínimo com a cabeça, indicando que não estava para papo. Tentei voltar a me concentrar no livro que estava lendo. Funcionou por um tempo. ligou a televisão no mudo e ficou passando pelos canais rapidamente.
- Clive ainda está lá em cima, pelo visto - ele comentou, quando ouvimos um barulho de alguma coisa caindo no andar de cima.
Não respondi.
- Então, o que vamos fazer hoje?
Ergui meu olhar do livro por um momento e encarei-o com a sobrancelha erguida. Ele não estava entendendo que eu não queria conversar ou se fazendo de idiota mesmo?
- Qual foi, ô, mau humor? - ele apertou meu pé com força, rindo para mim.
- Eu tô aqui hoje pela minha amiga , caso Clive faça alguma merda e ela precise de mim - esclareci, sem tirar os olhos do livro.
- E enquanto isso não pode ser uma boa menina e entreter seu namorado? Qual é, só to querendo uma conversinha num domingo de neve... É pedir demais? - falava enquanto massageava meus pés.
Não consegui conter um sorrisinho ao ouvi-lo se chamando de meu namorado. Meu namorado. Finalmente ele se rendera, pelo menos uma vez na vida.
Na verdade eu nem sabia direito por que estava evitando conversar com ele e sendo uma chata desagradável, mas... Nossas conversas sempre levam a carícias, que levam a beijinhos inocentes, mais conversas, uma mão debaixo da minha blusa e... Fechei os olhos com força e senti um calafrio, sem saber exatamente por quê.
- Eu só quero ler, ok? Preciso desse tempo pra mim e tô cansada - falei com um sorrisinho amarelo e pareceu se contentar pelo resto do dia com a televisão.
Ainda estava absorta em minha leitura quando um Clive muito nervoso desceu as escadas batendo os pés. Olhei preocupada para , que dormia no sofá ao lado todo desajeitado, quase babando na camisa.
- , - ele disse ao perceber que eu estava ali, olhando-o - fica com a pra mim, ok? Eu... Eu não consigo. Não mais. Não hoje.
Assenti com a cabeça e tremi sem querer quando ele bateu a porta da frente com força. Guardei meu livro com o marca páginas e me levantei. Fui até o sofá de e o beijei na testa de leve, acariciando seu cabelo.
- Vá pra cama, meu bem... Tá todo torto aí... - puxei-o pelo braço até que ele se sentou no sofá, sonolento e esfregando os olhos. Acho que já estava de madrugada e eu não tinha percebido o tempo passar.
- Vem comigo - ele segurou meu braço, em meio a um bocejo.
- Já vou... Já vou.
Subi as escadas e entrei sem bater no quarto de minha amiga.
- ? Como você tá? - Sentei-me no pé de sua cama, encostando em sua perna delicadamente. Ela estava deitada para o lado oposto, com a coberta tapando até sua cabeça.
- Minha viagem foi arruinada - ela resmungou com a voz abafada.
- Que viagem, menina?
- De ano novo... A gente ia pra Cartagena e agora ele não quer mais. Ia ser a viagem da minha vida, eu sempre quis conhecer a Colombia. Tá, talvez não sempre, mas sei lá... Eu me empolguei com as fotos do lugar, você já viu? E agora... Nada!
Não estava entendendo por que estava tagarelando sobre Cartagena quando deveria estar me contando o que eles decidiram sobre o futuro e sobre o filho que iriam ter juntos.
- ... - foi tudo que eu tive que dizer para ela me entender.
- Eu sei, ok? Mas eu só consigo lidar com um problema por vez, e pensar em tudo que eu tenho que resolver na minha vida agora tá me desgastando. Clive só consegue falar em como vou terminar meus estudos, como vamos nos mudar pra casa dos fundos da avó dele e sobre os vídeos no youtube que a gente pode ver pra aprender a trocar fralda... E eu só quero saber da minha viagem, entende?
- Mas...
- Mas nada, ! - se levantou num susto, revelando sua cara de choro vermelha e seu cabelo desgrenhado. - Que tipo de mãe eu vou ser? Se eu só consigo ficar chateada porque todo mundo vai estar na porra da África do Sul..
- América do Sul - corrigi baixinho em meio a um pigarro.
- E eu vou estar aqui nessa merda de cidade, nessa merda de frio... Pra sempre?
Uma lágrima escorreu por seus olhos e eu a abracei forte, muito forte. A verdade é que eu não sabia muito o que dizer a ela.
- Amiga... É natural que você fique chateada com isso, qualquer pessoa na sua idade ficaria e você não deve se sentir culpada por isso. Sabe todas aquelas horas que a gente gastou olhando revistinhas de bebê e escolhendo a decoração do quarto, os nomes e significados, e até mesmo a profissão dessa criança? - assentiu com a cabeça. - Pois então, esses momentos mostram que você vai ser uma excelente mãe! Eu tenho certeza que quando ele ou ela estiver aqui com a gente, não vai ter nenhum outro lugar no mundo, nem Colômbia nem Paris, que você vai querer estar...
respirou fundo e segurou minhas mãos.
- Já te disse como você é uma ótima amiga? - Ela sorriu. - Não sei como a Chloe conseguiu te abandonar!
- Ela não me abandonou, ok, palhaça? - Taquei uma almofada em seu rosto e ela a abraçou.
- Abandonou sim, amiga... - ela fazia que sim com a cabeça enquanto ria da minha reação. - Mas faz mal não porque eu te amo, tá bem? Vem cá dormir de conchinha comigo, vem...
Acordei de súbito e me senti meio perdida. Estava suando um pouco, abraçada com por sei lá quanto tempo. Sem pensar muito, me levantei e fui até o quarto de , que, no momento, era o lugar com que eu estava mais familiarizada.
Olhei para o relógio: quatro e meia da manhã. E de repente o sono me consumiu e senti uma felicidade imensa quando eu me deitei na cama e fechei meus olhos de novo.
Senti como se não tivessem passado nem cinco minutos quando me abraçou por trás e sussurrou com voz de sono:
- Bom dia, piolho.
- Não, nada de bom dia - resmunguei, puxando a coberta mais para cima de mim.
- Temos um dia cheio pela frente, se eu fosse você me levantava logo - ele dizia enquanto passava o nariz pela parte descoberta de minha nuca.
- Cheio nada, eu não trabalho hoje, esqueceu?
- Não, mas você tem que fazer as malas, bonita. Vamos pra Cartagena com e o povo hoje de madrugada - ele disse, como quem diz "vamos tomar café da manhã com uns amigos".
- O quê? - Virei-me de frente para num pulo só. - Como assim? Você tá falando sério?
Ele fez que sim com a cabeça.
- É seu presente de Natal, que eu não pude te dar no dia certo, porque né...
- E você planejou tudo? Estou impressionada - dei-lhe um selinho, sorrindo orgulhosa.
- O Clive fez os arranjos, pra falar a verdade.. Mas a ideia foi minha, então mereço meus créditos - ele disse entre mais selinhos. - Seu passaporte não está vencido não, né?
- Claro que não, meus pais moram cada um em um continente, eu preciso do passaporte em dia caso um deles tenha um piripaque qualquer dia desses.
- Hm... Esqueci como você é a pessoa mais prevenida do universo - selou nossos lábios novamente, dessa vez com mais vontade em um beijo de verdade.
Não sou a maior fã de beijos matinais, mas como negar alguma coisa para o namorado mais perfeito do mundo, que por coincidência também é o cara mais sexy que eu conheço?
Antes que eu desse por mim, já estava sem minha camisola e em cima de , em um beijo de tirar o fôlego de qualquer nadador profissional. Eu sinceramente nunca entendi muito bem como ele faz essas coisas, mas ele faz.
Quando senti sua mão dando um apertão em minha bunda, novamente, aquele arrepio. Mas não do tipo bom, aquele que faz subir um calorzinho por seu corpo. Não, foi um arrepio daqueles que avisa a hora de cair fora, que vem junto com um calafrio.
- Preciso ir, - disse assustada, enquanto saía de cima dele totalmente sem jeito, começando a procurar minhas roupas com os olhos.
- Qual é, ! - Ele soltou um guincho decepcionado, colocando o travesseiro na cara. - Você tem tempo de arrumar essa mala, o bom é que você nem precisa levar muita roupa pra Colômbia...
- Mas eu tenho que falar com Ravi ainda que vou tirar férias, tenho que deixar minha casa limpa e avisar meus pais, passar na farmácia pra comprar remédios... - fui fazendo a lista de coisas que tinha de fazer antes de uma viagem e o pânico foi subindo porque realmente era muita coisa para pouco tempo.
- O voo sai às três da manhã de Heatrow. Vamos sair aqui de casa dez e meia, não se atrase. E tente chegar mais cedo porque você tá me devendo.
Terminei de vestir minha roupa e prendi meu cabelo em um coque sem jeito. Fui até a cama para lhe dar um beijinho de despedida e ele me segurou, como eu já sabia que faria.
- Sério, volta aqui rapidinho...
Aquela carinha de pidão e ao mesmo tempo mandão. Fiz que não com a cabeça enquanto deixava meus lábios roçar nos dele.
- Você precisa aprender a gostar de sexo matinal senão eu vou arranjar outra, só aviso - ele disse em um tom brincalhão.
- Tá bom, , tchau - acenei já da porta de seu quarto, mandando mais um beijinho no ar.
's P.O.V.
Ok, malas. Como proceder?
Normalmente eu usaria isso como uma desculpa para ligar para alguma garota, que viria me ajudar prontamente. Como eu não podia mais utilizar esses artifícios e também não teria ajuda da porque ela estava ocupada demais se preparando e já nem atendia mais o telefone, resolvi encarar o problema sozinho.
Mas antes liguei para Julian e fiquei uns bons quarenta minutos conversando com ele. Os cinco primeiros sobre como anda a viagem e como ele está suportando o papai. Os outros trinta sobre os jogos de PS3 que ele ganhou de Natal. Isso porque eu ainda tinha umas cinco horas antes de sair de casa.
Peguei minha única mala no fundo do armário e joguei-a aberta no chão. Ótimo, um começo!
E aí me deu fome. Desci para pegar um pacote de biscoito na cozinha e na volta, ao passar pelo quarto de minha irmã, ouvi um soluço baixo. Normalmente eu fugiria sem pensar duas vezes de qualquer mulher chorando, mas afinal de contas, aquela era minha irmã chorando, minha irmã grávida. Que mentiu para mim sobre esse fato. Mas enfim, ainda assim, minha irmãzinha desajuizada precisando de uns conselhos de alguém que entende alguma coisa da vida.
- ? Que que foi dessa vez? - Falei enquanto entrava no quarto. Parei em frente a sua cama e ergui uma sobrancelha quando ela ficou parada me encarando com os olhos vermelhos.
- Não vai falar, não?
- Sai daqui, - ela resmungou, sem entender o que eu estava fazendo ali. Na verdade nem eu sabia o que estava fazendo ali.
- Anda, , essa é sua última chance de se abrir comigo. Eu não vou perguntar de novo - achei que ela se sentiria mais confortável se eu me sentasse, então me sentei na cama ao lado da dela, que não era perto o suficiente caso ela quisesse literalmente chorar no meu colo.
- Por que você se importa?
Fiz menção de me levantar, enquanto comia mais um biscoito, e ela começou a falar.
- Eu quero viajar! Eu quero viajar com vocês e com Clive, quero aproveitar minhas últimas férias de jovem inconsequente, quero encher a cara e ficar alta. E quero fazer tudo isso em Cartagena. Amanhã.
- Tirando a parte de ficar doidona e fazer sexo com seu namorado na minha frente, eu super concordo com você. Então, vamos? Já arrumou sua mala? Preciso de ajuda com a minha...
- Mas o Clive não quer me deixar ir! - Ela resmungou com seu agudo, que não chega a ser tão irritante quanto o de Cassy, mas quase.
- E desde quando você deixa esse panaca mandar em você, ? Ele obedece até o Julian!
Ela ficou me encarando com cara de quem acaba de perceber que eu tenho razão. Eu sempre tenho razão.
- Anda, arruma suas coisas aí que eu ligo pra ele. E depois passa no meu quarto pra arrumar as minhas. - Eu me levantei antes que pudesse voar no meu pescoço para um abraço de felicidade.
Três horas e uma ligação ameaçadora depois, eu ainda estava deitado encarando o teto, com a mala aberta e vazia no chão.
- ? - Gritei pela milésima vez em cinco minutos.
- , eu vou entrar no banho e me depilar agora! Esquece que eu existo! - Ela gritou de volta. Detalhes demais, irmãzinha...
Bufei e taquei a bolinha no teto novamente, pegando-a em seguida sem dificuldade.
O telefone tocou e eu senti um alívio em meu peito.
- , minha touca de ursinho está na sua casa, por acaso?
- Oi, - respondi com calma, sabendo que a irritaria se enrolasse um pouco. Fingi pensar. - Touca, que touca?
- A de ursinho, ... Com orelhas.
- Não sei... Por que você iria querer levar uma touca pra Colômbia? Você sabe que lá é verão, não sabe?
- Cala a boca, , eu só quero saber da minha touca porque eu dei falta dela aqui e ela é minha favorita! - Irritação. Sorri sozinho, imaginando-a ficando vermelha de raiva. - Procura pra mim aí!
- , eu não vou procurar uma touca de ursinho com orelhas pela minha casa agora, você sabe muito bem que eu não encontro nem um urso de verdade debaixo do meu nariz.
- Imprestável. Chego em uma hora e meia - e aí ela desligou.
Eu estava prestes a me levantar e colocar alguma roupa na mala, mas... Uma hora e meia? Acho que conseguiria arrumar minha mala em meia hora...
Peguei minha escova de dente no banheiro e taquei dentro da mala com uma bermuda de praia e um par de chinelos de dedo, só para não dizerem que eu não tentei, e então entrei no banho.
Quando saí do banho mais demorado da minha vida (tirando talvez os que costumava tomar com Glenda), entrei no meu quarto e dei de cara com uma muito nervosa tirando coisas desesperadamente do meu armário.
- Oi - disse casualmente, enquanto dava uma secada rápida no cabelo com a toalha.
- Nem começa, - ela disse, nervosinha. - Não quero ter que te dar um sermão sobre irresponsabilidade e não quero começar essa viagem brigada com você... Então nem começa!
- Relaxa, a gente tem tempo... Eu vou te ajudar, calma - taquei a toalha no chão e segurei em sua cintura, por trás. Ela me ignorou e continuou pegando algumas blusas e tentando dobrá-las de um jeito melhor enquanto eu beijava seu ombro e a lateral da nuca.
- Não tem tempo, tá todo mundo lá embaixo esperando já - ela falou e então eu reparei que realmente o barulho estava maior do que o usual. Odeio gente pontual.
Soltei sua cintura e peguei a primeira blusa que vi no armário, terminei de me vestir colocando meu casaco de inverno. Coloquei mais um par de tênis e algumas tralhas quaisquer na mala para não reclamar muito de mim no avião, afinal, o voo seria longo.
Em dez minutos fechamos a mala e eu a abracei antes de descermos.
- Tira esse bico - falei com minha voz autoritária.
- Pede por favor - ela respondeu no mesmo tom.
Dei-lhe um selinho demorado e um tapinha na bunda.
- A viagem vai ser longa...
's P.O.V.
E finalmente, depois de muitas, intermináveis horas de voo, eu estiquei minhas costas na cama engomadinha do hotel em que nos hospedamos. Acho que peguei no sono sem perceber, quando senti uma toalha pesada e molhada sendo jogada em cima de mim.
Resmunguei sem forças e me virei na cama.
- Anda, , vamos conhecer essa cidade - dizia enquanto andava de um lado para o outro procurando tirando tudo que tinha na mala e espalhando pelo quarto inteiro. Eu poderia gritar com ele pela bagunça mais tarde, por hora aquela cama era tudo o que eu precisava.
- A gente pode conhecer a cidade amanhã, ela ainda vai estar aqui.
- Mas que fracote! - Senti que ele se sentou ao meu lado e tirou meu cabelo do rosto. - Levanta logo, os outros já devem estar esperando, vai.
se mexeu na cama e me balançou por uns dois minutos até eu me irritar e levantar num pulo.
- Chato! - Vociferei com raiva, tacando um travesseiro pesado em cima dele com menos velocidade e força do que eu gostaria. - Chato, chato, chato e chato!
Ele sorriu para mim e se deitou onde eu estava enquanto eu me arrastei até o banheiro para tomar uma chuveirada e acordar um pouco.
- Vamos conhecer a noite colombiana!
- Onde será que eu arrumo um bagulho?
- São sete da noite, mas que merda de calor é esse?
- Arriba!!!
Eu e ríamos e andávamos em silêncio atrás dos cinco adolescentes eufóricos, cada um falando sem parar e nenhum prestando atenção no outro de verdade. Ainda sentia um friozinho inexplicável na barriga, mas ao tempo não poderia me sentir mais segura e feliz ao lado do homem que amava. Apertei sua mão contra a minha e sorri singelamente para ele, que retribuiu.
- Que foi?
- Estou admirando sua beleza - falei com uma voz romântica forçada, rindo fraco em seguida.
- Cala a boca - me puxou mais para perto de si e passou um braço ao redor de meu ombro enquanto continuávamos andando pelas ruas agitadas da cidade em época de alta.
- Para tudo - literalmente parou de andar e fez com que todos nós empacássemos atrás dela. - Aquilo ali é um Karaokê mesmo que meus olhos avistam?
E antes que eu pudesse protestar, já estávamos sentados em uma mesa no tal bar com karaokê, com garrafas de cervejas, drinques e cinzeiros espalhados. E, claro, estava de pé cantando Spice Girls acompanhada de Cassy na segunda voz. A dancinha era impagável.
- Você vai beber? - Perguntei para quando o garçom deixou um copo de whisky na mesa. Ele deu de ombros.
- Por quê? Tá com medo de que eu vá te envergonhar no palco?
- Exatamente - fiz gestos exagerados com a cabeça, concordando. Ri, mas estava nervosa. Senti que não iria conseguir relaxar aquela noite, em um país estranho, menor de idade, sem nenhum responsável de verdade por perto e com todos os meus amigos chapados. Eu me xinguei por não ter prestado mais atenção no caminho do hotel até o bar.
Consegui me manter sóbria por umas três horas. , Travis e cantaram Rolling Stones, Clive e fizeram um dueto de Don't Go Breaking My Heart, Cassy cantou praticamente a discografia inteira da Britney Spears tentando seduzir e quase fomos expulsos do bar quando todos resolveram subir juntos para uma performance inenarrável de Cher.
E quando eu achei que estivessem bêbados demais para se lembrar que eu estava entre eles, começaram de novo:
- , só falta você! - puxava meu braço tentando me levantar.
- É, , anda logo! Você tem que pagar um mico também! - Até mesmo , que estava só no suco de laranja, parecia embriagada como os outros.
sentou-se do meu lado, afastou meu cabelo do meu ombro e respirou fundo em meu pescoço.
- Cheirosa, - ele sussurrou - canta uma música pra mim?
Acho que só não senti minhas pernas tremerem porque estava sentada há bastante tempo. Mas que merda, como é que ele ainda surtia esse tipo de efeito em mim com menos de dez palavras?
- Eu não vou me declarar pra você em uma música, - tentei me manter durona, com os braços cruzados.
- Quem disse que eu quero uma música de amor? Eu só quero que você se divirta, que se solte... - ele dizia, perigosamente perto demais do meu rosto.
E... Como eu poderia negar? Eu havia me acostumado a dizer não quando ele me obrigava a fazer as coisas, mas pedidos? Nada disso, não se nega alguma coisa que pede tão... sensualmente.
Levantei-me de súbito e olhei para o palco vazio, respirando fundo. Travis me passou um copo com uma dose generosa de tequila e eu não pensei duas vezes em virar, afinal, precisaria de um pouquinho de coragem que não estava encontrando dentro de mim.
começou a bater na mesa como se fossem tambores rufando e olhei novamente para Travis.
- Só mais um pouquinho? - Ri, nervosa.
Ele colocou outra dose igual a anterior e depois dessa eu me sentia quente o suficiente por dentro para não conseguir ficar parada, então fui até a máquina escolher minha música. Não pensei muito e só escolhi uma cuja melodia parecia se encaixar com o ambiente, com o momento e com a viagem.
- I don't practice santeria - comecei meio fora do ritmo e me arrependi de cara por ter escolhido uma música cantada por homem - I ain't got no crystal ball... Well I had a million dollars but I... I'd spent it aaaaaaaaaaall.
Parei de me importar com minha voz de criança esganiçada quando olhei para e ele estava sorrindo para mim. Ou talvez rindo de mim, não consegui distinguir no momento, mas tanto fazia. Esqueci que estava sendo assistida por mais umas quinze ou vinte pessoas e passei a cantar só para ele, chegando até a arriscar uns passinhos de dança que fazíamos quando estávamos a sós no quarto de , passando tempo.
Antes de terminar a música, o bar inteiro já cantava comigo e eu comecei mais a rir do que a cantar, mas mesmo assim foi um sucesso!
's P.O.V.
- Você é inacreditavelmente sexy, garota - falei no ouvido de enquanto a abraçava com força. Por cima de seu ombro, pude ver fazendo um sinal com a cabeça, me chamando para os fundos.
- Nem tento - ela deu de ombros, rindo fraco.
- Já volto, tá bem? Vai ficar bem aqui sozinha com as meninas?
- Se você não voltar com uma colombiana debaixo dos braços, vou - sorriu inocentemente e lhe dei um selinho rápido.
Andei até os fundos do bar e passamos pela portinha do lado do banheiro que levava para o lado de fora, um fundo de quintal daqueles bem nojentos com direito a um varal com roupas penduradas e uns caixotes no chão. Sentei em um deles e terminei a latinha de cerveja que estava segurando.
Travis estava de pé ao meu lado esperando enquanto fumava um cigarro e sentado tentava enrolar o bagulho desajeitadamente.
- Anda logo com isso, cara - apressei-o. Estava ansioso por uma puxada como há tempos não me sentia. - Perdeu a prática?
- Vai se foder, - respondeu raivoso, fungando o nariz com força. - Eu sou meticuloso.
Sua última frase fez com que Travis soltasse uma gargalhada. Ele apagou o cigarro com o pé.
- , pega isso e enrola logo - ele disse, também impaciente com a demora de .
- Pronto, seus bastardos - ele ergueu o baseado meio mal feito no ar, mostrando-o antes de acender. Outra breve luta.
Ficamos em silêncio durante a primeira rodada, afinal, ela é sempre sagrada.
- Quem arrumou isso já tão rápido? - Perguntei enquanto tragava e depois passeio-o para Travis.
- Quem você acha? Eu, é claro - ele respondeu, já soltando sua fumaça em cima de mim.
Balancei o braço, espantando a fumaça.
- Porra, Travis, joga pra cima!
riu da minha cara enquanto pegava de novo para si.
- Relaxa que a vai descobrir de qualquer jeito que você andou fumando, seus olhos de baitola sempre te entregam...
- Não tô preocupado com a , eu sei lidar com ela - dei de ombros. Mas na verdade estava sim um pouco apreensivo com a reação dela, por isso nunca havia fumado um em sua presença. De qualquer jeito, eu sabia mesmo me virar com ela e não havia nada que eu não pudesse dar um jeitinho. Adoro lidar com as raivosas.
- Cadê o Clive? Alguém lembrou de chamar o cara? - perguntou depois de um tempo em silêncio.
Nos entreolhamos e soltamos uma daquelas risadas que duram para sempre quando se está chapado.
- , posso saber que palhaçada é essa aqui? - Nossa risada foi interrompida pelo meio pior pesado materializado em som. Olhamos para Cassy, irritada e com cara de nojo por estar pisando naquele quintal, com as mãos na cintura e balançando o pé. E as gargalhadas voltaram.
- Gente, como vocês vieram parar aqui? - Uma atordoada passou em seguida pela portinha, abanando as mãos na frente do rosto para afastar a marola.
- , meu amor, vamos voltar que esse cheiro vai fazer mal pro bebê... - Clive, desesperado e chato como sempre, foi logo puxando minha irmã pelo ombro de volta para o bar.
Ótimo, eles tinham deixado sozinha. Levantei-me e dei minha última tragada, passando o resto para Travis.
- Vou lá ver como anda minha garota - falei enquanto soltava vagarosamente a fumaça de minha boca. Quando olhei para frente, ela estava encolhida no cantinho, ao lado da porta, com os braços cruzados e um olhar confuso.
- Ô, - falei, aproximando-me rapidamente dela. Coloquei minhas mãos em seus ombros. - Tá boa?
Ela assentiu com a cabeça, aparentando seu nervosismo. Não parecia brava.
Soltei uma risada de sua reação e antes que desse por mim, já estava perguntando:
- Quer experimentar?
- Eu? - Ela fez a cara de indignada que eu achei que faria e depois olhou ao redor, completando baixinho: - Aqui?
Sorri com sua resposta e fui até Travis pegar um pouco mais da erva triturada que ele tinha conseguido sabe se lá com quem e quando.
- Tá animado hoje, hein? - Ele disse, me passando também a seda com um tapinha no ombro.
- , tô voltando pro hotel, você vai ou fica?
- Já estamos indo também, - Clive respondeu por ela. - Pode ficar tranquilo que eu cuido dela.
Assenti com a cabeça, piscando para ela em seguida.
- Se cuidem, panacas - disse, acenando para todos os outros. - E se fosse vocês dava logo o fora daqui antes que o dono do bar venha reclamar.
Capítulo 17
's P.O.V.
Na volta para o hotel, fomos conversando sobre coisas banais como o clima em Cartagena e se faria sol amanhã ou não. agia como se nada tivesse acontecido e eu, sem coragem de falar nada, tentava não me mostrar tão nervosa. Será que ele não fazia ideia do que tinha acontecido? O fato dele ter bebido E estar chapado não ajudava a situação, só me deixava mais apreensiva. Eu sentia que deixava de conhecê-lo quando ele estava bêbado, como se não soubesse mais do que ele era capaz. Tentei observar seus olhos com cuidado e interpretar suas ações para saber o quão alterado ele estava, mas era muito bom em esconder esse tipo de coisa. Tanto que já havia me dito que ele passara a maior parte do primeiro e segundo anos do Ensino Médio chapado o tempo todo e ninguém da escola percebia.
Quando finalmente abrimos a porta do quarto, tirei minha sandália imediatamente e fui para o banheiro escovar os dentes e me aprontar para dormir. Queria acabar logo com aquela sensação e sabia que só dormindo conseguiria parar de pensar. Ou talvez nem assim, talvez meus pensamentos viessem me assombrar em pesadelos também agora...
Saí já de pijama e fui rapidamente para debaixo das cobertas, sabendo que observava curioso a todos os meus movimentos, sentado na poltrona no canto do quarto.
- Que houve, ? - Ele perguntou, depois de perceber que eu pretendia manter o silêncio. Ouvi-o se livrar dos tênis e sabia que ele também já estava tirando a blusa...
- Nada, só tô cansada, preciso dormir - respondi mais seca do que pretendia. Estava virada de costas para ele, mas senti seu corpo subindo na cama, sua mão apoiando em minha cintura e então seu rosto próximo a meu ouvido sussurrando:
- Eu não tinha planos de dormir nessa viagem...
O cheiro de álcool que saiu de sua boca e penetrou diretamente no meu nariz fez com que meu corpo inteiro estremecesse e eu fechei os olhos com força, tentando me desapegar daqueles pensamentos.
Eu o amava, tinha certeza disso. Por que então seu toque estava me dando tanta repulsa e a ideia de estar sozinha com ele me dava medo?
- Mas que porra, , eu to tentando ser paciente aqui, mas assim não dá! - Ele aumentou o tom de voz e eu senti uma lágrima estúpida descer de meus olhos e cair sobre meu nariz.
- , agora não - falei com a voz chorosa e parece que ele se assustou ao perceber que eu estava chorando, puxando meu corpo para que eu virasse de frente para ele. Não relutei, não tinha forças. Ia deixar que ele fizesse o que quisesse comigo pra acabar logo com aquilo, bem como da última vez... Porque a realidade é que eu era essa fraca sem força nem para impor minhas vontades.
- , por favor, que foi que eu fiz? - Abri os olhos e encontrei-o me encarando, parecendo de fato preocupado.
- Eu tô com medo de dormir com você - admiti quase num grito histérico, não acreditando que eu tive coragem de despejar isso, que eu sabia o tempo todo mas não conseguia admitir nem para mim mesma. - Não é o tempo todo, eu não sei... Tô muito confusa, não consigo saber o que tô sentindo exatamente - e aí, para variar, depois que eu comecei a falar, não parei nunca mais. - Num momento eu olho pra você e eu sei que a gente se ama e que vai ficar tudo bem, não importa mais nada - eu falava mais devagar agora, controlando os soluços de choro enquanto tentava não me concentrar muito no rosto de , mais confuso do que nunca. - Mas aí você me encosta de um jeito mais íntimo e eu sinto um calafrio, não no bom sentido da coisa.
- Mas... - ele tentou falar e eu o interrompi. Precisava tentar fazê-lo entender que eu não QUERIA sentir aquilo, que era instintivo e que meu amor por ele não diminuía por isso.
- E quando você bebe, isso só piora. Eu sinto como se não soubesse mais o que você vai fazer, como vai querer me usar, se vai ter vontade de ficar comigo ou me ignorar... Ai - bufei, com raiva de mim, com raiva dele e dessa situação esquisita. Tapei meu rosto choroso com as mãos.
- Mas... O quê? Por quê?
- Você não se lembra, né? Na véspera da festa de Natal, quando você...
ainda parecia confuso, tentando entender o que tinha feito. E aí, do nada, ele se lembrou. E se afastou de mim de súbito, levando as mãos à cabeça abaixada. Ficamos em silêncio por um tempo, o que foi bom para mim porque eu pude me controlar um pouco e segurar o choro. Sentei-me na cama ao lado dele, apertando minhas pernas contra meu corpo, com a cabeça apoiada nos joelhos. Não sabia mais o que falar.
- , eu... Abusei de você? - falou com dificuldade, como se estivesse com nojo de si próprio. Ainda não conseguíamos nos olhar.
- Um pouquinho - admiti. - Mas eu deixei porque não queria te contrariar, você tava...
- Bêbado - ele completou por mim - e incontrolável. Mas eu achei que você tivesse gostando... Quero dizer, eu me lembro de você ter gostado!
- , eu sou mulher e você sabe o que faz, isso é incontestável - admiti, encolhendo os ombros. - Não tive escolha. Eu tava chateada com você e você me obrigou a fazer aquilo, estava tão louco pra que eu te perdoasse que não percebeu que acabou me machucando. Não só fisicamente, pelo visto.
- - ele finalmente me olhou, procurou por minha mão e a segurou com força, me fazendo olhar para ele também - e agora? Você é capaz de me perdoar? Porque se não for agora, eu entendo perfeitamente. Eu...
- A questão é que eu já te perdoei - apertei sua mão contra as minhas, aproximando-me um pouco dele. - Eu sei que você não fez por mal e não teve essa intenção. Mas eu não sei, meu corpo reage desse jeito e... É mais forte do que eu.
- Ok, tudo bem, vamos pensar. Você acha que precisa de quê? Distância, um tempo?
- Não! Não! - Abracei-o num impulso, como se pudesse dizer com ações que eu não queria distância dele, nunca! - Tudo que eu menos quero é que você me deixe agora, eu preciso de você. Vamos ter que dar um jeito nisso juntos, ok?
- Tudo bem, , tá bem - ele me abraçou de volta, mas não com o mesmo desespero que eu demonstrava. Ele me virou e me fez ficar de lado em seu colo, assim eu pude apoiar minha cabeça em seu ombro e sentir o cheiro de seu perfume calmante.
- Vamos com calma agora, então... Eu vou respeitar o seu espaço e o seu tempo e, quando você quiser, quando se sentir pronta, a gente tenta ganhar intimidade de novo.
Levantei a cabeça para olhar para , um pouco confusa para saber se estava mesmo entendendo o que ele propunha.
- Eu vou te fazer confiar em mim e querer que eu te toque de novo - ele confirmou, confiante.
Aquela noite dormimos abraçados, e eu tive bons sonhos.
- Bom dia, paixão - falei enquanto observava se espreguiçando ao meu lado. Ele sorriu de uma maneira tão fofa que uma vontade enorme de abraçá-lo surgiu de repente, e, sem pensar duas vezes, eu me joguei em cima dele para um abraço de urso.
- Não, , pera - ele tentou me avisar, mas era tarde demais, já estava em cima dele e sentindo sua ereção contra minha barriga.
- Ops - falei meio sem jeito, rindo e saindo de cima dele antes de conseguir meu abraço. - Ok, vou tomar um banho - levantei-me da cama e dei uma espiadinha através da cortina que escurecia o quarto completamente. - Parece que vai dar praia hoje, hm - continuei tentando mudar o assunto enquanto ria sozinho na cama.
- Bom dia, pombinhos - nos cumprimentou toda animada quando chegamos para o café da manhã. Todos os outros já estavam na mesa.
Colocamos nossos pratos já arrumados e nos sentamos também.
- A noite foi boa para alguns... - Travis comentou malicioso, observando nossas caras de cansaço. A de então, estava mais perceptível do que nunca. Eu sabia que ele tinha ficado rolando na cama quase a noite inteira, inconformado com nossa nova situação. Mas eu não o culpava, ele tinha o direito de estar mais confuso do que eu.
Ele sorriu fraco e comeu em silêncio, enquanto os outros me contavam sobre o resto da noite deles e a confusão que arrumaram com o dono do bar quando ele achou que estava dando em cima da mulher dele.
- Então ele não descobriu da maconha? - Perguntei enquanto comia meu mamão, que era dez vezes mais gostoso do outro lado do mundo.
- Tá brincando? Foi o que salvou a gente! - Travis respondeu, animado. - Quando ele descobriu que eu ainda tinha um baseado, resolveu esquecer a história do se a gente concordasse em dividir com ele!
Depois disso o dia passou voando. Nada como um dia na praia, deitada no sol com um bom livro em mãos e com amigos para dar uma descontraída. A praia mais perto do hotel estava vazia para a época de verão, conseguimos um bom espaço e tínhamos até uma rede de vôlei exclusiva para nosso uso.
- Você tá de bom humor - sorri para enquanto espalhava o protetor solar em seu rosto cuidadosamente.
- Por que não estaria? - Ele perguntou com os olhos fechados. Estava sentado em minha canga.
- Porque você não gosta de praia, ué.
- Eu vou deixar pra reclamar na hora de ir embora quando não conseguir me livrar dessa areia idiota - ele respondeu dando de ombros e eu ri.
- Pronto - terminei com o rosto dele. - Passa nas minhas costas agora, por favor?
Eu me virei de costas para , ajoelhada na frente dele. Puxei meu cabelo para cima com uma das mãos de qualquer jeito. Ri sozinha quando percebi a quantidade exagerada que ele havia deixado cair nas mãos.
- Que você tá rindo aí, hein?
- De você mesmo, que vai ficar aí uma hora esfregando minhas costas pra elas não ficarem brancas!
- Com prazer - ele respondeu e logo senti um beijo suave em minha nuca exposta, enquanto ele esfregava com força e lentamente suas duas mãos por meus ombros.
Fechei os olhos e tentei aproveitar suas carícias, respirando fundo.
- - sussurrei quando ele mordeu de leve meu ombro e inclinei minha cabeça para o lado, me esquivando.
- Acabei, bonita - ele me deu um tapinha para que eu me levantasse e sorri para ele.
- Obrigada.
- Se eu deitar de bruços, será que o bebê vai reclamar? - Uma confusa me perguntou, segurando a barriga com as mãos. Ri de sua pergunta.
- É melhor não, minha querida... - Clive respondeu, todo apreensivo como sempre.
- Se quiser a gente cava um buraco pra você enfiar a barriga - se intrometeu, se divertindo com a ideia.
- Nem tá grande assim pra isso, gente! - Falei, apontando para a barriga de minha amiga, que aparentava uns três meses de gravidez.
- Não, é uma boa ideia... Vou providenciar. - E com isso, Clive começou a cavar.
Deitei-me ao lado de , com uma das pernas dobradas. Ajeitei meu biquíni com calma e fechei meus olhos, pronta para relaxar mais um pouquinho. Mesmo de olhos fechados, sentia o olhar de me checando vez ou outra e reprimia um sorrisinho a cada vez.
- Porra, ! - Gritei quando a bola de vôlei caiu em minha barriga, me levantando automaticamente para xingá-lo.
- Foi mal, - Travis se desculpou com uma careta - minha culpa!
- Nunca vi jogar tão mal... - respondi enquanto jogava a bola de volta para eles.
- Entra na próxima partida então, boazona! - Ele ironizou fazendo uma dancinha ridícula.
Bati a areia do meu corpo ao me levantar.
- Vou na água um pouco... Quer ir comigo?
fez uma careta.
- Da próxima.
Quando voltei do mar após um mergulho delicioso, parei perto da rede de vôlei.
- Preparados para perder, panacas?
- Você? - Cassy riu debochando de mim. - Nunca te vi em nenhuma aula de educação física, !
- E daí? Não é tão difícil assim ser melhor do que vocês... - dei de ombros e me preparei já para começar, dobrando um pouco os joelhos com as pernas abertas e as mãos apoiadas na coxa, o que considerei uma boa posição de jogadora. Eu realmente não fazia a menor ideia de como jogar aquilo.
- - me chamou, e como Cassy e ainda estavam discutindo uma estratégia de jogo ou algo assim, fui até ele.
- Vai querer jogar? - Ri enquanto me aproximava, escorrendo meu cabelo pingando na areia.
- Não, quero que você coloque uma roupa - ele disse meio sério. De início não entendi se ele estava realmente falando sério, até que ele pegou minha bolsa e tirou meu short jeans de dentro.
- Toma.
- Eu tô molhada agora, , não quero me vestir.
- .
- Que foi, tá com ciume? - Perguntei divertida, colocando as mãos na cintura.
se levantou e colocou o short em minha mão.
- Você não vai me fazer assistir esse jogo com você pulando pra cima e pra baixo semi-nua, né? - Seu tom de voz diminuiu e ele me olhou com uma cara de "piedade".
Segurei uma risada enquanto colocava o maldito short, balançando a cabeça negativamente.
- E a blusa também, por favor - ele se sentou novamente na canga e me estendeu a blusa.
- Não acredito no que estou vendo! - se intrometeu, debochando da situação. - Quem te viu quem te vê, hein, ?
- Cala a boca, . Não dá pra levar a sério uma mulher com a barriga enfiada na areia! - Ele respondeu, mal humorado.
- Bora vencer, hein, Travis? - Voltei animada e nos cumprimentamos num hi-five.
O jogo foi um desastre. Só fazíamos pontos de saque e isso porque não tinha marcação na areia, então as bolas iam fora e mesmo assim contava ponto para a dupla. No fim das contas, desistimos de contar e declaramos um empate por falta de habilidade.
's P.O.V.
Fiquei observando jogar, ou melhor, tentar jogar vôlei com meus amigos toda feliz e risonha sem conseguir tirar os olhos dela. Ela estava feliz. E era uma menina linda, adorável de verdade, daquelas que dá vontade de ter por perto. Seu único defeito era não saber disso. Eu não sabia se ia conseguir me perdoar tão cedo por tê-la magoado. Aliás, como é que uma pessoa consegue magoar uma garota dessas? Tinha que ser estúpido o suficiente mesmo!
Sentia um aperto no peito toda vez que lembrava de alguma cena daquela maldita noite ou de como ela ficava encolhida agora toda vez que eu a tocava. Realmente, eu era digno de nojo e nada mais. Mas isso iria mudar. Eu estava focado em reconquistar sua confiança, ia me controlar perto dela, não beberia mais durante a viagem e faria me querer de novo. Só precisava ser merecedor disso e conseguir me comportar.
Não que fosse ser uma tarefa fácil, porque quanto mais se tenta esquecer uma coisa, mais se pensa nisso. E no momento eu não conseguia pensar em outra coisa que não fosse o corpo dela, ali, bem na minha frente, pronto para eu pegar no colo, levar para longe e ter só para mim. Me amaldiçoei por ter escolhido Cartagena como destino. Por que não a Rússia, onde estaríamos todos muito bem agasalhados e cobertos?
- Nossa, preciso de um banho - comentou quando chegamos ao quarto e ela deixou sua bolsa de praia no chão. - Posso ir primeiro?
Posso ir com você? Era o que eu queria responder. Ao invés, fiz que sim com a cabeça e deitei no chão para esperar, já que era o que me restava fazer. Esperar.
Depois de uns vinte minutos, abriu a porta do banheiro e saiu de lá desfilando de toalha e com os cabelos molhados caindo sobre suas costas. Fingi não prestar atenção enquanto ela procurava alguma coisa para vestir no armário e depois nas roupas que ainda estavam na mala. Depois de tanta indecisão, ela optou por uma camisolinha minúscula com detalhes de renda e foi se deitar na cama.
Bufei com raiva e me levantei do chão, entrando no banheiro o mais rápido que pude.
- , ... - murmurei antes de fechar a porta, ouvindo sua risadinha logo em seguida.
Não é que ela estava me provocando de propósito?
Tomei um banho rápido e pensei duas vezes antes de acabar com aquela tensão sexual sozinho, mas achei melhor me segurar. estava na cama ao lado e seria perigoso, além de inapropriado.
Quando saí do quarto vestindo apenas minha cueca de dormir, ela já estava dormindo (ou fingindo dormir) de bruços e sem nem ao menos um lençol por cima, o que me dava uma visão completa de suas pernas e um vislumbre de sua bunda. Respirei fundo por um segundo e decidi ignorá-la. Não iria lhe dar a satisfação de cair em suas provocações.
Deitei ao seu lado, porém de costas para ela, e puxei o lençol para me cobrir. Iria tentar dormir um pouco de verdade. Antes que pudesse cair no sono, ouvi um gemidinho suave de , não daqueles com uma conotação sexual, mas o suficiente para me deixar com vontade de espiá-la, só por um segundo.
Quando olhei novamente para ela por cima dos ombros, sem me virar, ela já havia se mexido na cama e a camisola subido um pouco mais. De perto, dava para perceber a leve transparência de sua roupa e sua pequena calcinha por baixo.
Ela se virou na cama lentamente, me olhando com seu olhar provocador.
- Puta que pariu, - antes que desse por mim, já estava sentado em cima dela, prendendo-a entre minhas pernas e segurando seus pulsos ao lado de seu corpo. - Assim não dá!
- Desculpa - ela disse, não parecendo nem um pouco arrependida de seus atos. - Mas é que ajuda saber que você me deseja e está se esforçando pra se controlar. Fico um pouco mais segura...
Não tinha como reclamar então, se estava ajudando-a superar logo tudo isso. Mas que era uma puta injustiça, isso era!
Respirei fundo e franzi minha testa enquanto olhava pela última vez seu corpo embaixo do meu, parando meu olhar em seus mamilos empinados. Ela estava tão excitada quanto eu.
- Pode me dar um beijo, se quiser... - sugeriu com a voz fraca, desviando o olhar de meu peitoral para meu rosto. - Mas só um beijo, e tem que parar quando...
Antes que ela terminasse a frase, já estava inclinado sobre ela, com a boca colada na sua. Minhas mãos soltaram seus pulsos e foram automaticamente para seu rosto, segurando-o com firmeza enquanto explorava com vontade aqueles lábios tão convidativos.
Não era minha intenção, mas acabei descendo uma mão por seu pescoço e ombro até um de seus seios, apertando-o com uma certa força. Obtive um gemido abafado de aprovação e instintivamente pressionei meu quadril e minha ereção contra o corpo de , intensificando o beijo ao mesmo tempo.
- - conseguiu se livrar de minha boca imediatamente e sussurrou com a voz urgente.
Xinguei-me mentalmente e saí de cima dela, rolando para o lado de costas novamente. Eu me cobri e fechei os olhos com força, respirando intensamente até conseguir me controlar e dormir. Não falamos mais nem uma palavra.
Capítulo 18
's P.O.V.
Mais um dia de tortura se seguiu com desfilando pra cima e pra baixo de biquíni e depois exibindo suas marquinhas de sol no quarto. Ela estava me provocando de fato, eu sabia, ela sabia, e eu não podia fazer nada sobre isso. Às vezes eu acho que joguei pedra na cruz, mas aí o vem falar comigo sobre seus problemas com Cassy e eu me lembro o quão sortudo eu sou por nunca ter me amarrado a uma garota do tipo que faria greve de sexo por um motivo como "estou me sentindo inchada e feia" ou "você não disse que eu sou bonita hoje".
Estava sentado na poltrona esperando terminar de se arrumar para a festa de Ano Novo que iríamos num clube por perto e já me sentia entediado por antecedência. Quem merece passar a véspera do ano novo sóbrio? Esperava realmente que isso não significasse que meu ano seria passado a seco. Não que eu acreditasse nessa bobajada de cor da roupa de baixo e etc.
Andei até o frigobar e abri para procurar alguma coisa qualquer de comer, mas eu já tinha comido todos os pacotinhos de amendoim e similares. Se eu continuasse nessa abstinência de bebida e sexo, viraria um gordo sedentário e deveria se sentir inteiramente culpada por isso. Eu sei que ela não havia exatamente mandado eu ficar sem beber e sem gozar nem sozinho, mas eu devia isso a ela. E como não sou mártir nem nada, esperava sinceramente que ela estivesse notando todo meu sacrifício para me recompensar posteriormente. Sociedade que me desculpe, mas eu sou egoísta mesmo.
- O que acha? - saiu do banheiro exibindo um vestidinho branco de renda bem simples, mas que contrastava com seu bronzeado recém adquirido e lhe caía perfeitamente bem. - Não sei muito o que vestir pra festas na praia.
Lá vem ela e sua insegurança... Fechei a porta do frigobar e fui até ela, segurando em sua mão para fazê-la dar uma voltinha rápida. Apertei-a em um abraço logo em seguida e afastei seu cabelo da orelha, sussurrando baixinho:
- Linda, gostosa e minha - apertei seu corpo com bastante força e soltei em seguida, observando suas bochechas ruborizadas. - Vamos? Clive não quer deixar na rua muito depois da meia-noite, então temos que chegar cedo pra ela comer o suficiente...
- Hum amiga, ta arrasando, hein! - comentou ao chegarmos todos no lobby. sorriu sem graça e Cassy deu uma olhada de cima a baixo com desdém.
- Você também ta linda, irmã... Nem parece que anda comendo o mundo - comentei e recebi um beliscão de e um soquinho de . Mulheres...
- Nossa, será que vai ter manjar nessa festa? Tô com desejo de manjar, Clive...
Depois eu falo, se sente ofendida...
- Tô interessado na bebida liberada! Paguei caro por essa porcaria de festa na praia, espero que eles tenham caprichado no álcool. - Travis, ansioso, esfregava as mãos. Ele andava uma pilha de nervos a viagem inteira, acho que não teve sorte com nenhuma colombiana...
Fomos andando até o tal clube da festa e de início simpatizei com o local. Alguns velhos barrigudos podres de ricos tentando a sorte com umas loiras perto do balcão, outras poucas pessoas perto da pista de dança mexendo timidamente pelo horário, uma mesa farta de comida, que me atraiu de cara, e logo mais à frente já era a praia fechada para a festa, com tochas e toda aquela decoração manjada de luau.
- Partiu competição de quem come mais? - pareceu ler meus pensamentos ao focar sua atenção na mesa do buffet.
Os outros já tinham se dispersado a essa altura, cada um em busca de seu tipo de diversão.
Não precisei dizer nada, fomos direto pra área da comida e cada um encheu o prato com o máximo de coisas de conseguimos. Peguei dois ao mesmo tempo.
- Isso não é justo, você come mais rápido - falou com a boca cheia de melão.
Ri de sua cara e franzi a testa ao observar uma baba escorrendo pelo canto de sua boca.
- Também não é justo você só comer frutas e eu não estou reclamando, estou, perdedora?
- Nhenhenhe - ela fez umas caretas, me mostrando a comida em sua boca.
- Caralho, garota, cê não tava tentando me seduzir? Continua assim que eu fico sem sexo de boa pelos próximos meses - não conseguia segurar umas risadas de sua cara de idiota. - Não, talvez uma semana - ponderei meu último comentário.
jogou um guardanapo em cima de mim.
- Eu não preciso te seduzir mais, cansei. Já sei que você quer meu corpo nu mesmo - ela deu de ombros, fazendo pouco caso.
- Te quero nua em cima daquela mesa de buffet - apontei com a cabeça para a mesa - com uma maçã na boca pronta pro abate.
Ela soltou uma gargalhada e quase cuspiu a água que estava bebendo em cima de mim. Rimos juntos por mais uns bons minutos imaginando várias posições para nua em cima da mesa e em outros locais da festa. Aquela garota conseguia me divertir como ninguém...
- Ai, cansei - largou seus talheres com força sobre a mesa e apoiou uma mão em sua barriga.
- Nossa, garota... Não se dê ao trabalho de me desafiar da próxima vez - pisquei pra ela enquanto levava mais um pedaço da minha truta à boca. A verdade era que eu estava cansando de comer também, mas ainda aguentaria sobremesa antes de desistir.
O garçom passou com taças de champagne, pegou duas e me entregou uma. Olhei receoso para ela por um momento.
- , eu não quero um namorado celibatário, pelo amor de Deus - ela rolou os olhos e fez com quem brindássemos. - Ao ano que virá e todas as surpresas que nos esperam...
- Brega - falei disfarçadamente entre uma tossida falsa e ela me mostrou a língua em resposta. - Vamos dançar, anda. Fingir que somos jovens.
Dançamos, bebemos (pouco, mas o suficiente pra garantir que meu ano não fosse ser na seca) e rimos com os babacas dos meus amigos. Senti falta de Julian pra noite ser completa. Não que eu fosse admitir isso ou comentar com alguém, mas uma hora fui ao banheiro e deixei um recado no celular dele.
Estávamos na praia esperando a tal contagem regressiva e o show de fogos que aconteceria à meia noite. Era uma bela de uma noite estrelada e eu estava admirando o céu, com entre meus braços, na minha frente.
- , o que você espera do ano que vem? - Ela perguntou pensativa depois de um tempo em silêncio. Também encarava o céu.
- O mesmo de sempre, eu acho - dei de ombros. A verdade é que não me importo com esse tipo de coisa, ano novo e esse blablabla de recomeços.
soltou um muxoxo com minha resposta e se virou de frente pra mim. Segurei-a pela cintura.
- É sério, - insistiu. - Muita coisa vai mudar esse ano, vocês vão pra faculdade, vai ter um bebê...
- E daí? - Perguntei. Não estava entendendo onde ela queria chegar com esse papo.
Aparentemente disse alguma coisa que a irritou, porque ela arregalou os olhos numa cara de raivosa e me deu um tapinha no peitoral.
- ... - disse, manhosa, como se desistisse de tentar me fazer entender. Não pude deixar de rir.
- Que foi, ?
- Eu quero saber como a gente vai ficar nessa bagunça toda - ela rolou os olhos, chateada por ter que dizer com todas as letras. Sério, não seria muito mais fácil se ela tivesse começado a conversa com essa pergunta?
- Vamos ficar como estamos, ué - respondi obviamente. - Ou você acha que eu estaria gastando uma grana pra te trazer pra Colômbia, me privaria de sexo e tudo mais pra terminar com você quando acabasse o Ensino Médio?
começou me batendo freneticamente e terminou por me abraçar com vontade, enterrando a cabeça em meu peitoral. Juro que não entendo.
Apenas abracei-a de volta e ficamos assim até o final dos fogos.
's P.O.V.
Não demoramos muito pra ir embora da festa, umas duas horas da manhã já estávamos chegando no hotel. Me sentia tão feliz e em paz com a minha vida que parecia que meu lugar sempre fora ali, abraçada a enquanto caminhávamos até nosso quarto. Tentei fazer uma retrospectiva do ano que passara em minha cabeça e por incrível que pareça, Chloe, Charles e meus pais não passavam de borrões na minha memória. Não fossem os problemas que tive com eles, não teria ganhado novos amigos e uma nova família que me cabia como uma luva. E eram essas lembranças que me vinham à cabeça naquele momento: aquelas que construí com os novos personagens de minha vida e também sozinha, mas graças à ajuda que recebi deles. Graças ao seu acolhimento.
Acho que estava muito boba sorrindo sozinha, porque riu de mim, perguntando:
- Que foi, ? Ainda pensando no com medo dos fogos?
Fiz que não com a cabeça e nem me dei ao trabalho de responder com palavras. Estava entretida em meus pensamentos. Entramos no quarto e fui direto tomar um banho relaxante.
Pensava no dia que conheci , naquela festa esquisita que eu nunca sonharia em comparecer. Agradeci mentalmente por ter tomado a decisão mais estúpida e acertada da minha vida. E depois no dia que ele me levou para viajar com seus amigos e eu ainda me sentia ridiculamente deslocada, mas feliz ao mesmo tempo. Lembrei-me de todos os meus momentos com , de todas as vezes que eu queria dormir e ela não parava de tagarelar... Ri sozinha ao lembrar do corte de cabelo que fiz em Julian e como ele ficou a cara do Mogli, aquele menino lobo do filme da Disney. E nem mesmo todas as vezes que Travis tinha dado em cima de mim ou feito um comentário muito inapropriado me incomodavam mais.
Mas o melhor de tudo era poder perceber que eu também havia mudado aquelas pessoas de alguma forma, ou pelo menos gostaria de pensar que sim. Hoje eu sei que vai ser uma excelente mãe, que vai pensar no mínimo umas dez vezes antes de fazer outra tatuagem e ... Bem, se importa comigo. O que pode parecer muito pouco a se esperar de um namorado, mas para mim, era uma vitória sem tamanho! Eu tinha conseguido derreter um pedacinho do coração mais gelado que já conhecera... Quem diria, !
Senti falta de um abraço naquele momento e desliguei o chuveiro com uma certa pressa. Me enrolei na toalha e saí do banheiro correndo, com o cabelo ainda preso e pingando no carpete do quarto. Sorri para ele, que me esperava deitado com sua cueca preta e seu corpo de me fazer perder o ar. Nossa, como eu o queria pra sempre... Como eu o desejava! Senti um calor percorrendo meu corpo, e quase quando estava subindo na cama com ele...
- Eu tenho uma ideia - começou a falar - pra resolver nosso problema...
Parei na ponta da cama para ouvir sua ideia, apoiando um joelho sobre ela.
- Você precisa confiar em mim de novo, certo? Confiar que eu nunca, nunca vou te obrigar a fazer nada e vou tentar te perguntar antes de tomar as decisões por você - ele riu de leve, rolando os olhos de brincadeira nessa última parte. - Então a partir desse momento eu te devolvo sua liberdade, - ele dizia num tom solene e brincalhão ao mesmo tempo, como se estivesse fazendo uma declaração oficial. - Você conquistou-a com honra e mérito, e agora está livre pra fazer o que quiser da vida. Livre pra ficar comigo... Se você quiser, é claro - acrescentou. - E só por esta noite, livre pra fazer o que quiser comigo. Digo, com meu corpo - ele riu, parecendo nervoso com a ideia. Devo dizer que a coisa toda me soou bastante interessante... - E pra provar que você está no comando, eu não vou te encostar sem sua a permissão.
Ergui uma sobrancelha, observando-o curiosamente.
- Tem certeza disso? - Perguntei, cruzando os braços. Já estivera com na cama noites o suficiente para saber de sua tendência de dominador, que pega aonde bem entende na hora que quer, faz o que quiser e não pede opiniões. Esse seria de fato um desafio para ele, o que me intrigava ainda mais.
Subi na cama de pé e olhei-o de cima para baixo. Deixei minha toalha cair sobre meus pés e soltei meu cabelo sobre meus ombros.
- Não vai mudar de ideia no meio do caminho?
respirou fundo antes de responder:
- Não, senhora.
Continuei encarando-o de cima enquanto passava lentamente a pontinha do meu pé pela lateral de seu corpo. A verdade é que eu estava tão excitada naquele momento que poderia facilmente deixá-lo assumir o controle e fazer o que sempre fez muito bem feito. Mas estava intrigada para saber até onde ele iria... Porque conhecendo , sabia que ele iria tomar as rédeas da situação mais cedo ou mais tarde.
- Acho que vamos ter que nos livrar dessa cueca incômoda, não é mesmo? - Não sei como nem por quê, mas minha voz saía séria e extremamente controlada.
Me abaixei lenta e sensualmente, ficando com um joelho de cada lado de seu corpo apoiado na cama. Brinquei com o cós de sua cueca por uns segundos antes de puxá-la e soltá-la contra sua pele. Depois disso, arranquei-a com pressa. apenas observava tudo atentamente, muito comportado até então.
Segurei em seu membro com vontade e precisão, estimulando-o um pouco mais enquanto observava sua feição se alterar levemente. Sorri para mim mesma.
- Muito tempo sem alívio, não é, meu bem? - Falei com a voz carregada de ironia, enquanto acelerava um pouco mais meus movimentos com as mãos. - Será que você aguenta muito tempo mais disso, hum? Acho que vou continuar só assim, deixar o resto pra uma próxima, que tal?
Fui abaixando minha cabeça até encostar minha língua na cabeça de seu pênis, rodeando-a aos poucos antes de abocanhá-lo por inteiro. Ouvi um murmúrio misturado com um gemido e voltei meu olhar para enquanto continuava o trabalho.
- ... - sua voz séria saiu com uma certa dificuldade, enquanto ele girava os ombros e o pescoço numa tentativa de aliviar a tensão.
Parei em seguida, afinal, não queria que a diversão acabasse por ali. Estava gostando de verdade dessa história e iria tentar aproveitá-la enquanto pudesse.
Voltei a me ajoelhar por cima de e posicionei minha intimidade bem em cima de sua ereção, encostando-as de leve e depois separando-as. Fiquei nesse joguinho por um tempo, observando as reações dele. Uma hora penetrava um pouquinho, dava uma leve reboladinha e voltava logo em seguida. Acho que quase gozei com isso umas três vezes, imagino ele. Nem eu estava aguentando mais torturá-lo quando resolvi por fim encaixar meu corpo no dele até o final, quando soltamos um gemido e um urro de prazer juntos.
Apoiei minhas mãos nos ombros de e ele me segurou pela cintura para auxiliar com os movimentos, que se aceleraram intuitivamente. Não consegui controlar mais minha atuação e rapidamente atingi o clímax, reverberando mais alto do que provavelmente deveria.
não demorou muito também, embora tenha se controlado mais para não acordar todos os quartos vizinhos como eu fizera há pouco. Caí para o lado dele com o resto de força que me restava e ficamos os dois encarando o teto por uns segundos, com as respirações aceleradas em uníssono. Ele me abraçou em seguida, e me aconcheguei em seu peitoral, ainda ofegante.
Não sei exatamente quanto tempo se passou, porque nesse ínterim eu acho que cheguei a cochilar de cansaço. Acordei de fato quando subiu em cima de mim e começou a beijar minha boca, meu queixo e pescoço com uma certa urgência.
- Ei, você tava se comportando bem até agora - comentei rindo, correspondendo os beijos rápidos e alternados em minha boca.
- Seu tempo acabou, querida... - passava as mãos com pressa por todo meu corpo, apertando alguns lugares estratégicos e dando tapinhas leves em outros. - Espero que não tenha se acostumado - ele piscou para mim antes de iniciar um beijo profundo.
- Espera só pra ver se eu não faço outra greve - falei provocativa, enroscando minhas pernas ao redor de sua cintura.
- Não mesmo.
Sem esperar mais, me tomou em seus braços e estocou profundamente, com uma força extra numa espécia de "vingança". Soltei um gritinho do fundo de minha garganta, que ele calou com mais um beijo. E lá íamos nós de novo...
Porque algumas coisas nunca mudam.
Nota da autora: Gente, sério... Eu poderia ficar aqui fazendo mil e um comentários sobre essa fic, como ela surgiu, como foi essa história de ficar uns anos parada e a sensação de voltar a escrever agora, mas... O fato é que eu só quero usar esse pequeno espaço de contato com minhas leitoras pra agradecer, do fundo do meu coração, à todas vocês!
Quando a fic começou a ser escrita, em 2011, eram poucas as meninas que eu sabia que acompanhavam e comentavam e eu queria que soubessem que não foi por isso que eu deixei a fic de lado por um tempo, foram só coisas da vida mesmo... Agradeço primeiramente às meninas que vieram me cobrar atualização, porque no início até pareceu chato voltar a me preocupar com uma coisa que já não era mais parte da minha vida, mas graças a vocês eu redescobri meu gosto por escrever e vou tentar levar isso comigo de agora em diante, mesmo que já não possa mais me dedicar inteiramente a essa atividade, porque ela não pagará minhas contas no futuro, risos.
Acho justo também agradecer à Gabriella Hadegaard, que além de beta virou uma conselheira pra mim... Obrigada por aturar todas as minhas dúvidas "nonsense", porque acreditem, eu sou uma pessoa bastante tapada HAHAH. E ah, obrigada por sempre indicar minha fic por aí também! Você é um amorzinho, sempre prestativa... Só não falo mais porque senão vão enviar zilhões de fics pra você e eu sou ciumenta, hihi.
E finalmente, tchan tchan tchan tchan... Um obrigada do tamanho do universo a todas as pessoas fofas que comentam, me procuram, falam no grupo do FFOBS do facebook, ou que de qualquer outra forma demonstram seu carinho à Walking Disasters. Sério, fiquei nervosa de escrever o final dessa fic agora porque eu sei que tinha bastante gente esperando por isso e... Espero que não tenham se decepcionado! hahah
Perdoem o meu blablabla, mas final de fic a gente tem que falar certas coisas, né... Agora eu deixo a palavra com vocês, por favor expressem seus mais sinceros sentimentos sobre o final de WD, eu adooro ler o feedback de todas, afinal, escrevo pra vocês!
É isso então... Beijos pras leitoras mais lindas, foi um privilégio dividir essa experiência com vocês! :DD
OUTRA FIC: Shallow [Justin Timberlake/Finalizadas]
LINK DO GRUPO NO FACEBOOKNota da beta: Uau. Eu nem acredito que tô lendo a última atualização de Walking Disasters. E acredito menos ainda que eu tenho a sorte de ser a beta e ter lido tudo em primeira mão, tô me sentindo especial hahaha. Tomei a liberdade de escrever essa nota aqui, Lú, me desculpa, porque não deu pra evitar.
Eu comecei a ler WD só em 2013 mesmo, em janeiro, depois de ter ficado muito tempo sem ler nenhuma fic. Mas aí eu vi uma indicação de WD, abri e não consegui fechar por um segundo enquanto não terminava. Na verdade, eu tava na semana de treinamento do meu trabalho e tinha que apresentar uma aula no dia seguinte às 7, mas fiquei acordada a madrugada inteira lendo a fic HAHA. Fiquei super chateada quando descobri que tava abandonada porque seria um desperdício uma obra prima dessas ficar sem final! Depois de meses tentando entrar em contato com a criatura, eu já tinha até desistido, quando a margarida resolveu aparecer! E naquele momento, estranhamente, o universo conspirou a meu favor e ela aceitou me ter como beta <3
Foi um prazer revisar a fic (praticamente desnecessário) e te ajudar quando você precisou, fico super feliz mesmo de ter feito parte disso! Já te falei antes, mas vou repetir agora que tenho testemunhas, hehe: não para de escrever! Sério mesmo, vou te matar se você fizer isso. Eu sei que a continuação de Shallow tá vindo, mas eu espero que essa não seja a última história sua que eu vou betar (porque se você trocar de beta eu também te mato) HUAHAAHUAHA
Obrigada pela experiência, como eu já te disse, esse final tá incrível e vou sentir falta de verdade desses personagens (principalmente o protagonista. Nenhum homem vai ser suficiente de agora em diante. Se eu já era encalhada, agora tô fudida HAHAHAHA). Anyway, um parabéns enorme pelo trabalho maravilhoso!
ps: que beta folgada é essa que faz uma nota maior que a autora? rs
Qualquer erro nessa fanfic, seja de gramática/script/HTML, mande um e-mail pra mim. Obrigada.