Meu corpo estava tenso e a ansiedade tomava conta de cada célula. Finalmente, depois de cinco anos, eu poderia cumprir minha promessa, matar a saudade daquela que eu tanto amava e garantir nosso futuro juntos. Eu andava pelas ruas da minha cidade natal, meus pés seguindo rapidamente o caminho, automaticamente. Caía uma garoa fina, me fazendo levantar o capuz do casaco e colocar as mãos nos bolsos da calça, pra poder me proteger do frio. Virando a esquina pude ver, através da fina névoa, uma casa a alguns metros. Meu coração, que já batia rápido, acelerou o triplo, meus lábios se curvaram num sorriso involuntário e eu passei a dar passadas corridas até a porta da casa. Passei pelo portão da cerca branca e dei mais longas passadas até chegar à porta principal. Toquei a campainha, esperando que aquele rosto lindo aparecesse na minha frente e abrisse um sorriso, se lançando nos meus braços pra nunca mais sair. Depois de alguns instantes esperando, comecei a reparar em alguns detalhes que me tinham passado despercebidos. A fachada da casa estava mal cuidada, o jardim, que sempre tinha sido bem tratado, estava com a grama alta e as ervas daninhas tomavam lugar que antes pertenciam às flores que ela gostava de plantar, só pelo prazer de vê-las crescendo. Apertei novamente a campainha e nada. Meu coração acelerava mais ainda e uma sensação não muito boa começou a se alastrar pelo meu peito. Corri os olhos até a janela mais ou menos ao lado da porta, notando uma placa com uns dizeres, e foi como se eu tivesse levado um chute na boca do estômago.
Flashback
- E aí? Fala logo, ! – tentava pegar a carta que eu segurava no alto, ela pulava e eu me esquivava, rindo da ansiedade dela.
- Calma, pequena, vamos abrir juntos. – ela parou de pular e nós nos encaramos, repentinamente sérios, os dois pensando nas consequências do que quer que estivesse escrito naquela carta poderia trazer.
Sentei na varanda da minha casa e ela sentou ao meu lado, tamborilando os dedos na perna. Minhas mãos agora suavam e eu não sabia pelo que esperar. Se tivesse dado tudo certo e eu tivesse entrado pra universidade, realizaria um sonho, poderia fazer a faculdade de direito que tanto queria, mas isso implicaria ficar longe de e isso era doloroso só de imaginar. Nós namorávamos desde pequenos, ela havia sido meu primeiro amor e até hoje único. Nós crescemos juntos, descobrimos o mundo e seus prazeres, tendo nossa primeira vez cerca de uns dois anos atrás, eu tendo sido o primeiro dela e ela minha primeira. Eu sempre soube que nós havíamos sido feitos um para o outro, mas não podia deixar de lado uma oportunidade dessas, até porque queria dar uma vida digna pra , queria poder ter um emprego que garantisse uma boa casa e uma boa vida pra mim, pra ela e pros filhos que teríamos. Trêmulo, rasguei a parte de cima do envelope, abrindo-o desajeitadamente. Comecei a ler, sentindo o olhar de sobre meu rosto, mordendo o lábio, do jeito que sempre fazia quando estava ansiosa. Terminei de ler e a olhei, com um sorriso fraco no rosto.
- Consegui.
- Meu amor, que bom! – ela quase gritou e se jogou nos meus braços, ficando no meu colo. Ela dava beijos rápidos por todo meu rosto me apertando pelo pescoço e eu não pude deixar de rir.
- É, eu acho. – respondi quando ela parou de me beijar. sorriu e acariciou meu rosto.
- Você promete que não vai me esquecer, né?
- Claro. Eu não posso viver sem você. – respondi, admirando seu rosto com um sorriso bobo e a abraçando, apertei-a em meus braços. Ela saiu do meu colo e eu levantei, deixei a carta em cima da mesa da cozinha e voltei, pegando sua mão. – Ainda temos todo o verão e eu quero aproveitar cada segundo. Flashback #
“Vende-se”
Meus olhos começaram a arder mirando aquelas palavras escritas com tinta vermelha em um pedaço de papelão. Balancei a cabeça, me livrando daquelas lembranças. Onde ela estava? Por que a casa estava à venda? Será que tinha acontecido alguma coisa?
- Menino ? – me virei e encontrei uma senhora me encarando. Eu me lembrava dela, a Sra. Burker era uma velhinha que morava na casa em frente à da . – Nossa, mas como você está bonito, rapaz!
- Obrigado, senhora Burker. – sorri e ela fez o mesmo, mas logo fez uma cara triste, olhando a casa mal tratada.
- Ela não mora mais aí, filho.
- A senhora sabe onde está? – perguntei, sentindo uma pontada de esperança.
- Na verdade... Sei. – ela baixou os olhos e eu a encarei, incentivando-a a continuar. – Ela... Uns dois meses depois que você partiu... Se casou com o Tross mais novo.
Eu parei de respirar e meu cérebro entrou em pane. Por alguns momentos eu não consegui sentir nada, mas aos poucos a ficha foi caindo e as palavras da senhora Burker me atingiram. Gregory Tross era meu amigo de classe, eu sempre soube que ele tinha uma queda pela , mas eu não conseguia entender da onde vinha esse casamento, já que eles mal se falavam.
- A senhora... Tem certeza? – perguntei com a voz embargada.
- Receio que sim, querido, foi uma cerimônia simples pra qual eu fui convidada – ela olhava pra mim com um sorriso triste.
Flashback
Pegamos nossas bicicletas que estavam estacionadas no portão de casa e começamos a andar pro “nosso” lugar. Entramos no bosque e continuamos pedalando até que chegamos ao fim e paramos, encarando a vista à nossa frente. Estávamos na beirada de uma rocha que fazia uma ladeira íngreme, impossível de descer sem equipamentos de escalada. O horizonte se fazia ao longe, o sol já se pondo, deixando o céu em uma coloração alaranjada, incrivelmente lindo. Meu olhar recaiu sobre a garota ao meu lado e eu peguei sua mão, afagando-a com o polegar. sorriu e então voltou seu olhar para o horizonte.
Flashback#
Minha garganta estava seca e eu voltei a andar a esmo pelas ruas, deixando uma senhora Burke com o olhar preocupado. Não me importei pra onde estava indo. Como ela podia ter mudado de ideia tão depressa? Milhares de possíveis motivos fervilhavam na minha cabeça, cada um mais possível do que o outro, pelo o que eu podia notar, embora meu coração se negasse a aceitar. Alguns metros depois, me deparei com vários adolescentes que gargalhavam e falavam animadamente. Todos estavam com roupas de gala e eu imaginei que estivessem voltando de algum baile de escola. Minha mente viajou pro meu último baile, que havia sido na minha formatura e de , alguns meses antes de eu ir pra faculdade. Meu último baile com ela.
Flashback
- Para com isso. – riu e virou o rosto vermelho de vergonha.
- Não paro, porque é a mais pura verdade. – sorri e levantei seu queixo devagar, fixando seu olhar no meu. Meu sorriso se alargou ao ver as bochechas dela vermelhas e eu depositei um beijo suave em seus lábios.
- Eu te amo. Você sabe disso, não sabe? – ela perguntou.
- Sei, embora não seja nenhuma dificuldade, considerando minhas inúmeras qualidades. – brinquei, levando um tapinha com a força de uma pena.
- Eu vou ignorar porque tenho esperanças de que haja alguma humildade em você, que possa completar a sua lista de qualidades. – eu ri e dei um beijo em seu pescoço fazendo com que seus braços ao redor do meu se apertassem. Nós estávamos dançando, e eu já havia perdido a conta de quantas músicas se passaram. Apenas nos balançávamos pra lá e pra cá, mesmo que fosse uma música mais animada.
No fim da festa, pegamos nossos rolos de formatura e fomos embora pra minha casa, já que a mãe dela estava fora, cuidando da saúde.
Fizemos nossa própria pós festa em casa, mais especificamente no meu quarto.
- Eu te amo. – disse. Ela descansava a cabeça no meu peito e eu a abraçava pela cintura. Estávamos deitados na minha cama após termos feito amor e eu me sentia completo, como só me sentia perto dela.
- Eu também te amo. Aqui e do outro lado do mundo. – sorrimos e instantes depois pegamos no sono. Flashback#
Os devaneios continuavam intensos na minha cabeça, até que outra cena chamou minha atenção. Duas casas de distância do lugar onde eu havia parado, tinha uma mulher sentada nas escadas de uma delas, a de cerca azul claro. Ela tinha o rosto escorado no punho, seus cotovelos apoiados nos joelhos. Tinha o olhar perdido e parecia concentrada em algo, até que de dentro da casa saiu um menininho de pijamas. Ele foi até ela e sentou em seu colo. A mulher sorriu surpresa e o abraçou, baixando a cabeça pra depositar um beijo no topo da cabeça dele. Seus cabelos ondulados caíram sobre o rosto do pequeno e ele riu, balançando a cabeça, fazendo os cabelos ondulados, porém quase , balançarem.
Meu coração batia furiosamente. abraçava o garotinho e ria de alguma coisa que ele tinha falado. Dei mais alguns passos na direção da casa e fiquei observando os dois. Por mais que minha mente gritasse de indignação, dizendo que aquele devia ser o filho dela com o Tross, eu não conseguia sentir raiva, pelo contrário, estava curioso. O garotinho aparentava ter uns quatro ou cinco anos, e não parecia muito com a mãe, apenas o ondulado dos cabelos era parecido. Além da cor de cabelo mais clara, seus olhos não tinham puxado o da mãe, eles eram como o oceano.
De repente, a porta da casa foi aberta com brutalidade e um Gregory mais velho apareceu, seus cabelos longos e barba por fazer, apenas de jeans e com uma garrafa de cerveja na mão. Ele a chamou com a expressão carrancuda. fechou os olhos por uns segundos e os abriu de novo, olhando pro garoto em seu colo e sorrindo fraco. Greg gritou mais alguma coisa, que a fez rolar os olhos e levantar, com o menino no colo. Ele entrou apressadamente, enquanto se levantava vagarosamente. Quando ela ia entrar com o garoto, eu corri até a cerca da casa, a observando ir sem que tivesse me notado. A criança pediu pra descer de seu colo, e então eu a vi se virando na minha direção.
Agora bem mais próximo eu pude ver com mais clareza. O menino correu até a grama onde tinha um brinquedo caído, ele o pegou e levantou, me vendo parado ali. Ele me encarou por alguns instantes e eu fiz o mesmo. Era como se eu já o tivesse visto em algum lugar, como se já o conhecesse. Observei seus olhos curiosos irem de mim até a mulher parada na varanda que estava imóvel e nos olhava assustadamente. Com um estalo, eu soube de onde reconhecia o garoto. Ele era uma miniatura... Minha. Ele correu até e se abraçou a uma das pernas dela, que afagou a cabeça dele. Meus olhos desviaram para o rosto dela, a tempo de vê-la sorrir na minha direção, pegar o menino no colo e dizer calmamente.
- Finalmente. – eu não sei a cara que fiz, mas ela riu e se virou, entrando na casa em seguida.
Fim.
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