When Shakespeare Loves



Prólogo


Maio de 1580

Stratford-upon-Avon, Inglaterra.

- Por que me olhas assim? – ela sorriu, mostrando os dentes perfeitos e o sol refletiu em seus olhos cor de oceano.
- Assim como? – o olhar do rapaz não conseguia mentir. Ele estava apaixonado. E era amor demais para um jovem de dezesseis anos.
- Desse jeito – ela corou e se deitou. Estavam sentados em um campo de flores rasteiras, como sempre faziam. Ele a imitou, deitando ao seu lado e deixando os olhares se encontrar. – Com amor – ela completou e ele sorriu, envergonhado.
- Amor... Ainda não sei defini-lo. Acho muito vago.
- Não é assim... Tu amas tua família, não amas?
- Sim – respondeu pensativo. – Mas... Amor de família é diferente do amor que eu estou falando... – falou, vindo perceber depois a ação de suas palavras sobre ela.
- Também não é assim. Somos amigos, certo? – ele afirmou, com um sorriso displicente. – Então, podemos nos amar. Como amigos.
- Também não é deste amor que eu estou falando, – ela ficou mais ruborizada e esboçou um sorriso tímido.
- Duvido que tu me ames deste jeito, Will. É muito forte para ser dito assim, com facilidade – se levantou e começou a girar, elegantemente, sobre as flores. Seu riso soava tão perfeito para o rapaz. – Quer saber? Vamos ver se tu me amas de verdade. Se conseguir alcançar-me, acreditarei em tua palavra – riu e correu pelo campo, olhando para trás e saltitando delicadamente.
William não perdeu tempo. Levantou-se e correu atrás da menina, rindo. A vista era bonita, um tanto indecifrável. As montanhas de longe cercavam Stratford, dando a impressão que a cidade era menor. O céu estava aberto, com poucas nuvens. E o sol... Ah, o sol se tornava magnífico ao refletir no rosto com traços finos de . A menina tropeçou e caiu, rindo. Um riso que soava como melodia para Shakespeare. Ele avançou em cima dela e começaram a rolar pelas flores, brincando. Pararam quando ela estava por cima, e sentiram uma vontade insaciável de selar os lábios. Mas eram apenas jovens de dezesseis anos. Esse tipo de vontade era silenciosa.
- “Duvida da luz dos astros, de que o sol tenha calor, duvida até da verdade, mas confia em meu amor.” – ele sussurrou. Não era apenas uma troca de olhares. Ele conseguia penetrar em seus olhos claros. E ela... sentia como se o conhecesse por inteiro. Como uma troca de almas.
- Ainda acho que vossa mercê deveria ser um poeta, Will. Tu fazes palavras parecerem sentimentos. Terem vida.
- ! ! – ouviram os gritos de Katherine, amiga de .
- Preciso ir, Will – ela falou, tirando-o do transe.
- Claro – ele esperou ela se levantar e se levantou em seguida. – A gente se vê amanhã? - ela balançou a cabeça, afirmando e correu em direção à amiga, com seu vestido branco esvoaçado e seus cabelos longos adejando. E antes de sumir no horizonte, ela olhou para trás e sorriu. ‘Ela sorriu para mim’, ele pensou e deixou-se cair novamente no campo de flores. Ela sorriu para mim.

Outubro de 1582

O som ecoou pela igreja; o grande portão foi aberto, juntamente com a porta da felicidade de Anne. Rostos conhecidos a encararam; alguns julgando cada detalhe, outros maravilhados pelo espetacular vestido e tamanha elegância da Senhorita Hathaway, que esbanjava confiança e alegria. O espaço entre o altar e a senhorita se tornou cada vez menor. Seus passos eram leves e delicados, como a própria. Em pouco tempo, a aliança de brilhantes dada pelo seu tio, Conde Marques, deslizou em seu dedo. O véu que cobria suas belas feições foi levantado de sua face pelo jovem rapaz à frente. Um rapaz bonito, mas que carregava um imensurável arrependimento.
- Prometo te dar todo meu amor, em forma de compreensão e carinho – foram as únicas palavras do jovem, o que causou um constrangimento por parte de ambas famílias. Anne hesitou por um momento, ao sentir seu coração apertar. Não era justo fazer aquilo com ele. Ele merecia um amor de verdade. Óh, que dor que ela sentiu em seu peito. Agora era uma dor sufocante, que se espalhava por toda a corrente sanguínea. A mentira abdicando os direitos de culpa.
- Prometo te amar – as palavras dela causaram mais impacto do que as dele. Que casamento era aquele? Que amor era aquele que não fazia questão de se exibir na frente de todos presentes? Ela franziu o lábio, quase deixando uma lágrima fugitiva escapar de seus brilhantes olhos. Olhos que naquele dia, em especial, estavam foscos. Permitiu-se olhar para o lado, onde seu pai a lançava um olhar cuidadoso, porém firme. Ela sabia o que deveria fazer; deveria demonstrar que o amor era grandioso o bastante para a união na casa de Deus. Que ele era eterno. Mas naquela época era difícil distribuir mentiras absurdas na frente de todos. Mentiras que um dia, pelo menos da parte dela, se tornariam as maiores verdades de sua vida. - Prometo te dar filhos sadios e uma vida tranquila – continuou, para a sorte de seus familiares. O que aquelas pessoas pensariam daquele casamento tão seco?
E assim, o rapaz poeta casou-se com Anne, sobre o olhar de sua verdadeira amada, Guimera, que observava na terceira fila, com o coração destroçado. E depois do casamento, os noivos, como de costume, receberam um quarto na casa do pai da noiva, para a consumação da cerimônia, enquanto a festa acontecia no salão principal da casa, onde os convidados apenas esperavam a prova de que aquele casamento estranho não tinha nada de estranho.
- E agora, Will, o que faremos? – Anne sentou-se na beira da cama, afogada em pensamentos negativos e amedrontada com o que aconteceria.
- Não chores, Anne – ele sentou-se ao seu lado, cauteloso com o tocar de suas peles. Ele enxugou uma lágrima de sua esposa com um lenço e respirou fundo, pensando nas possibilidades.
- Eles descobrirão, eles descobrirão! Óh, ódio da semente que cresce em meu útero – As feições de William se tornaram trépidas. Seu olhar ficou negro como a escuridão. Ele se levantou e estapeou o rosto de Hathaway, com nenhum pudor. Ela levou a mão ao rosto e o olhou, com o medo evidente. – Agora baterás em mim? É isso? – falou entre dentes, enquanto as lágrimas grossas se apresentavam.
- Nunca mais faça isso – ele andou e um lado para o outro, nervoso. – Nunca mais fale assim da semente que vossa mercê mesma plantou.
- Mas... – tentaria se explicar. Fora covardia de sua parte falar assim do próprio feto, mas o ódio só fazia congelar seu coração, transformar-la em outra Anne.
- Cale-se. Vá se trocar, creio que seu pai não demorará muito – e assim, ela levantou-se, caminhando até o banheiro. William pegou uma tesoura na penteadeira e passou sobre sua coxa, formando um corte não tão profundo, mas suficiente para enganar a todos. Deixou o sangue derramar no meio aos lençois brancos e amarrou o corte com um lenço, para estancar o sangue. Anne saiu do banheiro, vergonhosa por usar suas roupas íntimas na frente daquele rapaz tão gentil, mas tão estranho naquele aspecto. Um rapaz, porque era isso que ele era, com apenas seus dezoito anos e sua barba pouco crescida. E ela já em seus vinte e seis anos, uma mulher formada e sábia. William olhou para um canto na parede enquanto Anne caminhava em direção a grande cama e se cobria com os edredons de algodão egípcio. Ela só conseguia se sentir cada vez mais grata por ele estar fazendo tudo aquilo. Casar-se com ela mesmo sabendo que ela carregava sementes de outro cavalheiro. Um crime que a faria ser morta na frente de toda sua família. Um crime que foi poupado, graças ao bom coração de Shakespeare. E seu afeto interminável pelo arrependimento. E sim, Anne estava arrependida como nunca. O que dera nela se deixar levar por um comerciante em uma viagem à cidade vizinha? A família Hathaway era rica e conhecida por suas belas moças. E John Shakspeare era membro do conselho de Stratford, o que tornaria aquele casamento agradabilíssimo. Então, os pais dos dois vinham pensando na possibilidade do casamento desde alguns anos atrás. E em um agradável jantar, em que Anne conheceu seu futuro marido, ela decidiu que o certo seria contar que estava grávida de um comerciante. E implorou para William casar-se com ela mesmo assim. A pena que ele sentiu foi tão grande, que além de dizer que se casaria, contou a todos que o filho que Anne espearava era dele e que eles já se conheciam. Portanto, seus pais fizeram o possível para apressar o casamento, tanto pelo bebê, quanto pelo fato de todos sempre saberem que William sempre fora apaixonado por , filha da criada de sua mãe. Por fim, as famílias fizeram um acordo. O casamento aconteceu. Aconteceu sem amor.
- Obrigada, William. Obrigada por tudo – Anne falou cordialmente e fechou os olhos, esperando uma boa noite de sono. – Boa noite, Will.
- Boa noite, Anne – ele sibilou e ouviu as batidas na porta. Colocou seu roupão e pegou o lençol sujo de sangue. Abriu a porta e se deparou com seu sogro, que abriu um sorriso ao ver o lençou em suas mãos. – Aqui está, Senhor. Amor em forma de sangue.
- Deus seja louvado – ouviu a mãe de Anne balbuciar do lado de fora. – Amém, Senhor. Obrigada por isso, obrigada! – suas palavras saiam confusas em meio a soluços.
- Vejo que sua esposa está contente com o casamento, Senhor.
- Todos estamos, William. Todos estamos – o tom soou irônico, mas Will irrelevou, abrindo um sorriso cansado. Ah... se o Senhor Hathaway soubesse que – Creio que vossa mercê esteja cansado, precise repousar.
- Sim, Senhor – entregou o lençou nas mãos do mais velho.
- Desejo-lhe uma boa noite, William – o senhor fez a reverência elegante de sempre.
- Desejo-lhe o mesmo, Senhor – retribuiu a reverência e esperou o sogro dar as costas para fechar a porta do quarto. Virou-se e observou Anne lhe encarar com curiosidade. – É melhor vossa mercê ir dormir – ele andou até o sofá mais próximo e se deitou, fechando os olhos.
- Tu és um bom rapaz, William.
- Não sou tão bom assim – retrucou.
- Tu estás calmo para quem arrumou um problema desse nível. Estás sereno. Tu consegues até rir nessa situação. Explique-me, como fazes isso?
- “Só se ri das cicatrizes quem nunca sentiu uma ferida” – sua voz foi grossa e firme. Uma chave para o silêncio.
- Tu já sentistes feridas? – o tom de astúcia foi o bastante para Will abrir os olhos e sentar-se no sofá, encarando os olhos frios da petulante dama.
- O que achas? Casei-me com quem não amo. Há algo mais doloroso? – uma lágrima solitária escorreu pelos olhos de Anne.
- Sortuda é a mulher que te ama e que tu amas. Espero um dia poder conhecê-la.
- Pare de falar asneiras e vá dormir, Anne.
- Boa noite, William.

Dezembro de 1582

Shakespeare tentava a todo custo mandar recados para pelos criados. Desde seu casamento, tudo tinha ocorrido bem. A barriga de Anne havia crescido, o que trouxe muita felicidade a família. Quase tudo estava certo, a não ser pelo fato de que devolvia suas cartas. Sem Lê-las. Sem nem tocá-las.
Anne era uma moça educada, elegante e carismática, mas ... O sentimento por ela era algo inarrável. Como se ela fosse uma parte dele. Como se ela estivesse com seu coração, e ele só voltasse a viver ao seu lado. O ano novo estava por vir, a Senhora Hathaway estava preparando tudo. Eles dariam um baile para comemorar o fim desse ano ‘marcante’. Shakespeare estava bem, só com um descontentamento por parte amorosa. Mas o tempo o levava. ‘Tomara que o tempo traga-me ’, ele pensava.

Maio de 1583

Fazia um mês do nascimento de Susanna. William sentia algo forte pela criança. Como se o fato de não ser seu pai biológico, se esvaísse diante do olhar vulnerável da menina. Susanna foi o nome que escolheram para ela. William com certeza podia dizer, com todas as letras, que a amava.
- Tu queres segurá-la? – a Senhora Hathaway despertou Will de seus pensamentos. Ele afirmou com a cabeça e ela lhe entregou a menina. Eles estavam prontos para ir batizar Susanna.
Ter aquela criatura pequena em seus braços, tão meiga, tão amável, o fez a amar mais ainda. Ela era, definitivamente, sua filha. Apesar de a realidade dizer que não, de a verdade gritar em sua frente, aquela menina era sua. Pelo menos uma coisa boa em sua vida.
- Você está pronta? – ele perguntou para o bebê, desajeitadamente. E por alguns segundos, pensou que ela tinha o entendido. Mas devia ser coisa de sua cabeça.

Junho de 1583

Oito meses e nada de . Nenhuma notícia, nenhuma carta. E como se não bastasse, Anne começou com um comportamento estranho e psicótico. Ela o controlava a todo o momento. Se ele fosse andar a cavalo, ela o questionava por que tinha ido, com quem tinha ido e para onde tinha ido. Se fosse simplesmente tomar um ar, ao chegar em casa, mais uma briga começava, porque não tinha argumentos para dizer que foi apenas tomar um ar. Mal ele sabia que a moça estava irrefutavelmente apaixonada por ele. E que estava disposta a lutar pelo amor dele. E em uma noite, ela demonstrou seus sentimentos, de uma maneira desesperada, mas visível.
- Por obséquio, William, ame-me. Tenha-me – as palavras soavam estranguladas por pensamentos embaçados. A moça se jogou aos seus pés e derramou as lágrimas de angústia que tanto reprimia. – Eu sei que concordei com tudo isso, sei que aceitei a situação, mas não aguento mais. Não quero aguentar. Trate-me como pecadora. Trate-me com ódio, mas não deixe de me amar – ela cuspia as palavras. – Ou melhor, não precisa amar-me. Apenas demonstre que me ama. Preciso tanto do teu amor...
- Tua carência me enoja – ele falou, impecavelmente. – Tuas lágrimas soam desesperadas demais para a situação. Teus olhos mentem para tua alma. Tu não queres apenas ser amada; queres ser correspondida. E para isso, o mundo é mais injusto. Sinto muito se não posso dar-te o que queres, mas eu continuo não podendo. Contenta-se com o amor de nossa filha – um sorriso entre lágrimas apareceu em seu olhar. Ele a questionou mentalmente e tentou a ignorar, indo para a cama e se deitando. – Tu deves descansar – ele declarou, fechando os olhos. Ela continuou jogada ao chão, agora sorrindo com os lábios, felizmente. – Por que estás sorrindo, Anne? Há algo de belo na dor?
- Sorrio porque tu disseste que Susanna é nossa filha. E sim, na dor, isso é algo belo.
Ele se ajeitou na cama e suspirou.
- Tu estás certa. Isso é algo belo até na dor – falou, impacientemente. – Mas acho melhor vossa mercê dormir logo. O sol logo se pronunciará.
- Está bem, querido – levantou-se, limpando as lágrimas e deitando-se na cama. – Responda-me só uma coisa – virou para o lado dele, provocando um encontro de olhares. – Tu amas Susanna?
- Do modo mais puro e inocente. Amo-a como a evolução de minha célula. Como meu sangue em suas veias.
- Sinto-me mais calma. Ela não tem culpa de meus feitos.
- Boa noite, Anne – falou e cortou a conversa, fechando os olhos e pensando em sua bela amada, que não via há muito tempo.

Agosto de 1583

William esperou Anne dormir e levantou-se, ansioso pelo encontro. Ele finalmente iria encontrar . Seu coração palpitava mais forte, só de pensar em sentir o cheiro da moça, em tocar sua pele alva. Conseguiu sair da modesta casa dos Hathaway sem ser visto. Seus pensamentos não desgrudavam das lembranças de . Ele a amava tanto, tanto... Também amava Susanna. E não abriria mão de sua pequena. De sua vulnerável e bela filha. Mas, indo ao encontro de sua amada, seu mundo se tornou um corredor escuro, aonde a luz era . Então, ele correu até seus pulmões reclamarem. Quando voltou a respirar normalmente, já estava em frente a uma porta de madeira velha. O lugar em que combinou de se encontrar com . Na verdade, quem o entregou o bilhete com as doces palavras, foi um dos criados. Estava escrito à mão, ‘Estarei a sua espera na pensão Stratford Marie, ’, e quando o rapaz recebeu, seu coração pulou de alegria. Ele veria sua amada! Depois de longos dez meses. Sua saudade era tão grande que daria para encher o oceano.
- Senhor Shakespeare? – ouviu uma voz fina e a seguiu com o olhar. Uma menina, que conhecia bem, fez sua reverência elegante.
- Katherine Alouis? – ele se surpreendeu. Fazia anos que não a via. Não, não fazia tanto tempo quanto imaginara, mas seu casamento o fez ver os dias como se fossem décadas. Katherine era melhor amiga de , desde pequenas. Desde que ele a conhecia, elas eram unha e carne. William sorriu, de canto. Aqueles tempos eram inesquecíveis. – Agora me chamas de Senhor Shakespeare? - Imitou o tom de voz dela. – O que aconteceu com o Will de sempre? – sorriu, alegremente. A menina engoliu em seco e deixou uma lágrima cair de suas esmeraldas. – O que aconteceu? – ele se permitiu perguntar.
- Foi eu que enviei o bilhete – confessou, limpando a lágrima. – É que... é... desculpa – outras lágrimas começaram a fazer companhia umas as outras. Ela tinha jurado a si mesma que ia reprimir o choro, mas era incontrolável. – Se souber que eu fiz isso... – falou entre soluços. Shakespeare se aproximou. – Ela precisa de vossa mercê.
- O que aconteceu com ela? – seu coração acelerou, mas de um jeito diferente. Não nutria felicidade.
- Ela... ela... acho melhor vossa mercê subir – e apontou para uma escada enferrujada, que levava aos quartos no primeiro andar. – É a primeira porta. Está aberta... – Não deu tempo de falar mais nada, porque um William alvoroçado corria em direção ao primeiro andar. ‘Seja o que Deus quiser’, ela pensou, antes de cair no chão e deixar as lágrimas à vontade.
- ? – ele adentrou o quarto e viu o pior. Sua amada estendida na cama, suada e mais branca do que nunca. – ? – correu até ela e recebeu seu olhar, triste. – Não, não, não, não – começou a repetir para si mesmo, deixando as lágrimas deslizarem.
- O que vossa mercê está fazendo aqui? – ela falou furiosa, porém, cansada.
- – ele caminhou até a cama e se ajoelhou. – Minha .
- Katherine – ela falou para si mesma. – Eu vou matá-la... – falou baixo e depois riu, sem humor. – Parece até irônia... – e sim, era uma estúpida irônia da vida, quando na verdade, a hora de fenecer de estava perto... bem perto.
- O que aconteceu, meu amor? Por que não respondestes minhas cartas?
- Porque estás casado, William. Tens uma filha.
- ... ela não é minha filha de verdade... – ele falou, apesar de sempre afirmar para si mesmo que a menina era sua filha do coração. – Eu não tive tempo de falar-te, mas Susanna não é minha filha. Quando casei-me com Anne, ela já estava grávida.
- Que Deus tenha misericórdia de tua esposa, William – falou, chocada. – Como... como...
- Amo-te, . Nunca deitaria-me com alguma mulher sem seu consetimento. Vossa mercê é a única.
O silêncio pairou no cômodo, deixando-os desconfortáveis.
- O que queres de mim? – a voz já estava fraca, doente. O rosto que antes era confudido com a maciez da rosa, agora estava pálido e olioso. Seus lábios não possuiam mais a vermelhidão que tanto chamava atenção, agora estavam secos. A dor de Katherine agora estava óbvia. A flor estava murchando. O tempo acabando.
- O que queria tu já me deste – o rapaz tocou seu rosto delicado como se fosse o cristal mais vulnerável da imensidão de toda a vida. – Pude amar-te.
As palavras soavam como últimos sussurros.
- E porque não deixas-me ir? – o encarou friamente, tentando convencer-lo que já havia murchado, agora começava a se decompor. – Estou doente, Will – começou a tossir, colocando um lenço nos lábios.
- Descobri-me um egoísta. Agora não consigo mais fugir disso – ele desviou o olhar do dela, com medo de ser induzido a fazer o que ela queria. Deixá-la. Observou ela retirar o lenço da boca. Observou o sangue que tinha saído da tosse de sua amada. E observou para si mesmo que era pior do que imaginava.
- Sinto muito por isto – ela engoliu em seco, com esforço. – Mas vossa mercê vai ter que fazer isso – e fechou os olhos, relutando contra a escuridão. Naquela hora, ela poderia finalmente ir embora. Parar de sentir a dor que tanto latejava em sua alma. Seu sangue foi pulsado com menos velocidade e força. A vontade de nunca mais abrir os olhos começou a crescer como amor à primeira vista.
- Amor meu – as lágrimas do jovem já se pronunciavam. Uma súbita loucura lhe invadiu o peito. Seu ar se tornou puro gás carbônico. Sua existência já perdia sentido. – Por... Por... Por favor – conseguiu balbuciar. – Não vá – ele afundou a cabeça nos seus longos cabelos dourados e deixou os soluços e lágrimas à vontade. O silêncio se estabeleceu por completo.
- Estou aqui – uma versão da voz da moça mais rouca e fraca saiu dos secos lábios. William levantou sua cabeça e tentou acreditar que sua amada ainda não tinha ido para o paraíso. Ainda não. – Estarei aqui para sempre – com dificuldade, a menina tocou no coração de Will.
- Sempre irei amar-te. Eu prometo – ele entrelaçou os dedos nos dela, mas a ação foi recusada. recusou o toque de seu amor.
- Não seja tolo. Sabemos que a morte ajuda a definhar o amor – o desprezo pelas palavras dele era evidente. O silêncio que chegou enlouqueceu os dois jovens corações.
- E quem disse que tu morrerás para mim? – William falou, para amenizar a situação, com um tom relapso. A menina soltou uma risada abafada e sorriu. Não um sorriso de felicidade, mas o bastante para acalmar Will.
- Queria poder ter-te ao meu lado para sempre – ela confessou, olhando fixamente para o abajur ao lado de sua cama. – Mas não é assim...
- Tu podes, amor meu. Só basta pedir que hoje te acompanho – o brilho no olhar dele mostrou o quanto aquela opção era tentadora em seu ponto de vista.
- Tu estás louco. Tens família. Uma filha e uma esposa.
- Elas não são minhas. Tu és. Ocupas todo o espaço em meu coração e mente.
- Acharás mais espaço, William – a voz dela soou tão delicada e amável.
- Por isso que amo-te. Tu és a mais bela e bondosa moça de Stratford – abaixou o olhar e uma lágrima escapou de seus olhos. – Acho que é por isso que Deus não permitiu nosso amor. Sou humano demais para merecer-te.
- Tu és diferente de todos, seu tolo – ela sorriu de soslaio.
- O que faz-me ser diferente? – a curiosidade empenhou o olhar.
- Tu és o único que possui meu amor. Isso basta – trovões de lágrimas escapuliram de Will. Ele se curvou e beijou a mão da doce dama. - Por que choras agora? – ela tentou sentar-se, mas estava fraca.
- Desde que meu amor brotou, nunca ouvi de seus lábios que me amavas. Apenas demonstrasses.
- Óh, William. Sinto tanto. Queria poder voltar no tempo e dizer-te a toda hora. A todo minuto.
- Acho que o tempo que nos sobra sorri abertamente para as palavras ainda não pronunciadas.
- Sim, mas só depois de te sentir. Durante este tempo, eu sempre soube que era errado deixar nosso amor se transformar em atos. Tu estava prometido para a Hathaway. Quem sou eu para roubar atenção de um coração já ganho? Mas agora, que tanto insistes que seu coração é meu, creio que a morte me permite amar-te abertamente em atos desejados por meu corpo e alma. Beije-me, William. Agora podes beijar-me – e assim, a dama fechou os olhos, esperando pelos lábios do amado.
Ele assustou-se nos primeiros segundos, mas depois, aceitou o pedido de sua amada como ordem. Seria o primeiro beijo dos dois, já que William nunca tinha consumado seu casamento de nenhuma forma.
A traição maior à sua esposa já tinha sido feita. Ele não a amava. Então, com os pensamentos mais puros, encostou os lábios suavemente na boca que tanto imaginara beijar. A gravidade acabou. O mundo se tornou pequeno demais comparado ao sentimento que os dois sentiram. Ah, o amor...
- Com a mais pura essência de minha alma, e com o toque suave de seu amor em meus lábios, amo-te, William Shakespeare. Amo-te. Amo-te – sua voz soou fraca o bastante para William saber que seu mundo estava prestes a se fechar de novo. – Am... Amo... Amo-te – e então, o sangue que pulsava em suas veias parou de ser bombeado. Seu coração parou, mas todo o amor que demonstrou se tornou uma lembrança intocável, assim como a grandeza de suas últimas palavras.

Epílogo


Depois da morte de sua doce , Shakespeare tentou levar sua vida adiante. E com seu peito cheio de angústia, encontrou o alicerce em sua família. Anne, que o entendeu desde o começo de seu sofrimento, deu-lhe amor, e Susanna, sua menina, que estava sempre à disposição para ouvir sobre seu passado. Principalmente sobre . Com o tempo, William aprendeu a ser o esposo ideal para Anne. Deu-lhe um casal de gêmeos e momentos memoráveis. Só que nós só temos uma vida, e quando ela acaba, seus feitos são as únicas lembranças para o mundo.

Abril de 1616

E o poeta se vai... deixando apenas seus pensamentos em palavras...
O céu do fim de inverno estava doente, opaco. A tempestade do dia já se pronunciava, trazendo consigo o esvaziar das nuvens cinzas. Susanna fechou a janela e sentou-se na poltrona, olhando para seus irmãos gêmeos, Judith e Hamnet. Sua irmã chorava encostada no ombro de Hamnet, soluçando desesperadamente.
- Precisamos decidir sobre o funeral – a irmã mais velha sibilou, mexendo no detalhe de seu vestido, tentando não encarar os gêmeos.
- Não há acordo! – grunhiu Judith. – Ele não vai ser enterrado ao lado daquela prostituta! – falou entre dentes, com o ódio evidente.
- Ela não era uma prostituta, Judith – Susanna falou calmamente, tentando contornar a situação. – Era melhor amiga dele e... – hesitou por um instante, lembrando das estórias que seu pai lhe contava sobre sua adolescência e o motivo pelo qual começou a escrever. Virou um poeta, estudioso da vida. – E seu primeiro amor – completou.
- Não seja tola! Papai amava mamãe. Não vá se basear em estórias inúteis sobre a infância dele.
- Tu és tola, minha irmã. Eu vi quando papai estava prestes a cair no abismo da morte. E ele sussurrou, quase que inaudível, o nome dela. . Com todas as letras. Certamente esse seria o desejo dele... ser enterrado ao lado da mulher que mais amou.
- TU ESTÁS LOUCA! – exaltou-se e se levantou, andando em direção a Susanna, descontrolada. Hamnet a impediu de estapear o rosto da irmã, segurando-a. Frustrada, Judith saiu do cômodo, batendo a porta com força e deixando o barulho ecoar e quebrar o silêncio anterior.
- Sinto muito – Hamnet falou, com sinceridade. Ele não havia escolhido um lado para ficar. Primeiro, porque Susanna era uma sonhadora. Uma romantica incorrigível, que estava lutando com todas as forças para fazer a ‘vontade’ de seu pai. E se existisse alguém que conhecia todos seus sentimentos, pensamentos e desejos, esse alguém era Susanna. E segundo, porque Judith era uma cética; impossível de ser convencida a aceitar que sua família perfeita tinha falhas. – Acho melhor ir atrás dela – ele falou, ao ouvir o choro incessável de algum canto da mansão. Susanna balançou a cabeça e sorriu, um sorriso de ‘estou bem’, e viu seu irmão sair da saleta. Finalmente sozinha, afundou-se na poltrona, suspirando pesadamente.

No dia seguinte, a chuva não veio em meio a uma tempestade, mas aos poucos, deixando o céu um cinzento triste e desconsolador. O clima estava úmido e desconfortável. Ah... desconfortável; era assim que Susanna se sentia. Ela já tinha feito as pazes com sua irmã, mas seu coração estava machucado; não conseguira convencer a todos de que o certo era a lápide de seu pai ser ao lado da de Guimera. Durante sua vida, ela sempre imaginara como seria . Bela, pelo que seu pai lhe contou. Bela e inocente, com seus cabelos dourados e face angelical.
- Você está pronta? – ouviu a voz de Hamnet, soando como um sussurro. Não saberia responder se estava pronta. Pronta para quê, afinal? Para enterrar o corpo de seu pai? Ou para cometer o maior erro de todos os tempos, não realizando o desejo de Shakespeare? Ela apenas balançou a cabeça, e não significou nem um sim, nem um não. Apenas um sinal de ‘vamos logo’.

Durante o funeral, Susanna ficou calada, sofrendo em silêncio. Judith precisou ser impedida, quando o caixão estava sendo enterrado, porque ela simplesmente não aceitava o fato de Shakespeare não estar mais ali, em matéria. Quando todos já estavam indo embora, a chuva começou a cair e engrossar. Os irmãos estavam embaixo de um guarda-chuva, mas quando chegou na hora de entrar no carro, Susanna esperou seus irmãos entrarem e se entregou à chuva. Correu pelas lápides, como uma menina, e procurou por uma em especial. Escutou os gritos de Judith, chamando-a, mas não olhou para trás. Os trovões começaram a se manifestar, tornando o céu pavoroso. A essa hora, ela já estava completamente ensopada e seu cabelo desgrenhado. Encontrou a lápide que procurara e curvou-se sobre ela, vendo a quantidade de flores secas e vermelhas, que levava com seu pai todo ano, escondido de Anne.
- Oi, – riu, sem humor, ao ver que estava falando com uma sepultura. Lembrou-se das palavras que seu pai sempre decretava. Olá, . Como você está? Ah, claro que deve estar bem... Espero que aonde você esteja, tenha um campo de flores rasteiras, como aquele que íamos. E fazia uma longa pausa, com os olhos fechados. Sinto sua falta, . – Espero que você esteja bem, – suspirou e passou a mão no rosto, tentando, sem sucesso, tirar a água que embaçava sua visão. – Sabe... eu queria tanto que ele fosse enterrado ao seu lado... Se Judith o conhecesse tanto quanto eu... – parou na metade da frase. - Como dizia papai: “O amor não se vê com os olhos, mas com o coração”. E sabe, ... Eu sinto o amor de vocês; eu o sinto, como se fosse parte de mim. Como se ainda existisse, de algum jeito. E por isso não fui à lápide de papai... porque eu sei ele não está lá, está aqui, com você. Finalmente podendo amar-te – proferiu, sentindo-se um tanto aliviada. Agora suas lágrimas se misturavam à água da chuva. – Acho que temos algo em comum, . Ambas fomos apaixonadas por William Shakespeare. Não do mesmo modo, claro, mas fomos apaixonadas por ele. Somos. Meu pai foi a melhor coisa que já aconteceu em minha vida. Ele era meu professor. Me ensinava a amar, a viver, a chorar. Se hoje sou isso, é graças a ele, que me deu todo o amor possível. E, de algum modo, sinto uma ligação profunda a você. Como se fossêmos uma só. Sinto que preciso pedir desculpas por algo, que lhe devo algo. É tão, mas tão forte... – e não conseguiu mais falar. Suas palavras saiam em forma de lágrimas. Ela estendeu-se ao lado do túmulo e sorriu, entre lágrimas. Depois de algum tempo, sentiu braços a envolverem.
- John? – conseguiu falar. – Promete-me que vai me amar para sempre? – implorou, encontrando os olhos de seu marido, John Hall, com quem tinha uma filha, Elizabeth, de apenas oito anos de idade.
- Meu anjo – ele acarinhou-lhe o rosto e a apertou em um forte abraço. – Meu amor é tão grande, que para sempre é pouco. “Duvida da luz dos astros, de que o sol tenha calor, duvida até da verdade, mas confia em meu amor.” Conhece essa frase? – perguntou, sorrindo abertamente, para tentar consolar-la. Ah, sim... Ela conhecia.
- Mais do que você imagina – falou e sorriu, olhando para a lápide com “ Astor Guimera” escrito. – Mais do que você imagina – suspirou, pensando quando seu pai a contou que tinha feito essa frase quando adolescente, para . O maior escritor do idioma inglês e mais influente dramaturgo do mundo, William Shakespeare, havia escrito linhas e linhas de verdades, de sentimentos e emoções. Mas para ela, ele era bem mais do que isso. Era seu pai, sua maior paixão.

E acho que aquele sentimento dela, em relação à , foi porque ela, de algum modo, foi a causa do acontecido. Shakespeare abdicou de seu ‘amor maior’ por ela, que nem tinha seu sangue pulsando em suas veias... Ela foi o motivo que ligou o poeta a Anne. Mas amor é isso, quando chega, não vai embora nunca mais. Por isso, acho errado confundir o amor e a paixão, já que são dois sentimentos completamente distintos. Paixão é ambição, é ilusão; mas é uma ambição e ilusão saudável. Já o amor... Ah! “O amor é fogo que arde sem se ver; é ferida que dói e não se sente;é um contentamento descontente; é dor que desatina sem doer”, como disse nosso querido Luís de Camões. Nós nunca sabemos quando vai acontecer, mas quando acontece... É algo que nunca havíamos imaginado que pudesse existir. Algo tão, mas tão intenso, que nos entregamos de corpo e alma. E sobre Shakespeare, ele foi um dos mais brilhantes escritores que o mundo já viu. E se houver outro como ele, nós saberemos, porque quem tem esse dom, nasce para brilhar.

N/a: Oi, meu amores. Vocês não têm ideia do quanto eu reescrevi essa fic. E ainda acho que não ficou do jeito que eu queria. Mas, espero que gostem. Fiz com muito carinho e com muito prazer, porque Shakespeare é sensacional. E outra, acho melhor vocês não o imaginarem como na foto que sempre aparece no google, quando já velho. É meio estranho... kkkkk. Indico imaginar como Joseph Fiennes (que é um gato, por sinal – e fez Shakespeare in love), ou como seu mcguy favorito, ou o ator preferido... vocês que sabem.
Quero dedicar essa fic aos corações apaixonados, machucados e inquietos. E não, eu não estou apaixonada. Apenas acho o amor o sentimento mais admirável e primoroso de todos, tão perfeito que chega a ser sobrenatural. Inexplicável.
Sem enrolar, ainda tenho algumas coisas a dizer. Primeiro: Baseei-me na história verdadeira dele (oi Wikipedia).
“Shakespeare nasceu e foi criado em Stratford-upon-Avon. Aos 18 anos, segundo alguns estudiosos, casou-se com Anne Hathaway, que lhe concedeu três filhos: Susanna, em 26 de maio de 1583, que se casou aos 24 anos com John Hall, um médico de Stratford e tiveram uma filha, Elizabeth, e o casal de gêmeos Hamnet e Judith, em 1585, Judith casou-se com Thomas Quiney e teve três filhos, morreu aos 77 anos. Hamnet, porém, morreu em 1596, aos onze anos de idade.
Especula-se que seu casamento teria sido forçado pelo clã dos Hathaway, visto que ao se casarem ela já estava grávida, sendo que ele tinha somente dezoito anos de idade enquanto ela já contava com vinte e seis. Posteriormente Anne Hathaway aparece em alguns dos escritos de seu famoso esposo.”

Segundo: Na história verdadeira, Hamnet, gêmeo de Judith, morre aos onze anos de idade, e na fic, ele ainda é vivo quando Will (olha a intimidade) morre. E Anne Hathaway, esposa de Will, era viva quando ele morreu, e na fic, ela já está morta.
Terceiro: As frases de Shakespeare estão entre aspas.
Acho que é só isso, meninas. Me digam o que acharam na caixinha aí embaixo, ok? Beijos, Bia Guimarães.
Minhas outras fics- http://abguimaraes.tumblr.com/thingstoread
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Nota da Beta: Qualquer erro nessa atualização é meu, só meu. Reclamações por e-mail ou pelo twitter, nada de e-mails para o site, ok?
Ah! Visite a caixinha abaixo, não custa nada e faz uma autora muito feliz.
that xx

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