A carta pendia em meu colo, selada e pronta para ser enviada. Chegava a ser cômico alguém enviar uma carta em pleno século XXI, mas foi o mais próximo de uma conversa a que eu consegui chegar. Quando liguei, quem atendera foi a secretária do escritório em que trabalha, que me disse que ele havia esquecido o celular na empresa (não perguntei, porém ela falou algo sobre estar fazendo horas extras e por isso estava ainda na empresa tão tarde). Perguntou-me se eu queria deixar recado e eu rapidamente disse que não precisava. Ela então começou a falar que me conhecia e perguntou se não era eu que precisava falar com ele sobre uns papéis (não prestei atenção aos detalhes sobre os tais papéis, mas era algo burocrático e que tinha a ver com a empresa). Num impulso, acabei mentindo e dizendo que era eu mesma e ela pediu para que eu anotasse algo. Fiz isso sem nem prestar atenção e, ao desligar o telefone e encarar um papel, percebi que tinha escrito um endereço. Jake chegou a me perguntar, no dia seguinte, o que o endereço de estava fazendo anotado em um papel em cima da mesa. Expliquei a história para ele.
# Flashback
– E aí ela me deu esse endereço... Mas pode jogar fora – terminei a explicação, dando de ombros.
– Por que você não manda uma carta? – sugeriu e não segurei uma risada. – O quê? É uma boa idéia, já que você não parece nada disposta a ligar de novo.
– Não mesmo – ri novamente, achando a idéia absurda. Carta? Quem em sã consciência enviaria uma carta?
Acabamos deixando o assunto para lá, já que aquele era o último dia de Jake em New York. No dia seguinte, ele retornaria a Londres e passaríamos a nos falar apenas por telefone e e-mail.
# Fim do Flashback
Na hora, ri da sugestão, porém a verdade é que realmente cheguei a cogitar a possibilidade e aqui está, um mês depois, a carta em meu colo. Não vou contar a Jake que a enviei por enquanto.
Falando nele, nós dois estamos mais próximos do que nunca. Apesar de ele continuar em Londres, falamo-nos sempre. O nome de , contudo, não é mais mencionado entre nós. Acho que, num acordo mudo, combinamos de não entrar no assunto novamente, a não ser que eu o começasse. E pedi também para que não mencionasse o meu nome em suas conversas.
Continuei encarando a carta. É melhor enviá-la e arriscar receber uma resposta do que não fazer nada e continuar escondida nas sombras dessa relação mal resolvida que na verdade nem chegou a começar.
Concluído isso, levantei-me e segui a pé mesmo até os correios, mandando a tal carta antes que os “e se” ocupassem minha mente novamente. Quando fechei a porta do apartamento, o recibo de envio já era uma bolinha completamente amassada entre minhas mãos. Deslizei as costas pela porta até cair sentada no chão e as palavras contidas naquela folha que logo chegaria às mãos
dele povoaram os meus pensamentos.
“Querido ,
Peço que dedique um pouco de tempo à leitura dessa carta, pois o meu objetivo com ela é lhe contar uma breve história. Não sei se você se recordará de mim e, caso não se recorde, sinta-se no direito de apenas ignorar o seu conteúdo.
Há exatos sete meses uma garota – vamos chamá-la apenas de garota. Ok? – estava em uma festa quando decidiu dar uma volta pela bela praia em que se encontrava e viu uma pedra na qual decidiu subir para fitar o horizonte. Chegando, notou que um belo rapaz já se encontrava lá. A garota tentou falar com ele por ter percebido que tinha uma expressão sofrida e olhos vermelhos. Ele, porém, atacou-a verbalmente e não parecia disposto a conversar. Ela acabou desistindo e parou de falar. Quando se deu conta, o cara tinha sumido. Decidiu ir embora também.
Chegando à areia novamente, viu-o descontando a sua raiva na própria pedra e não conseguiu se conter. Gritou para que parasse. O homem novamente foi rude e se afastou, mas ela, que se sentia como um imã atraída por ele, aproximou-se e o abraçou. O rapaz foi embora sem dizer nada e ela fez o mesmo. Já não queria permanecer na festa. Foi, mas não conseguia parar de pensar nele.
Quando acordou, ainda o tinha em seus pensamentos. Aqueles lindos olhos simplesmente não a abandonavam! O que ela poderia fazer? Uma esperança acendeu em seu peito e ela resolveu retornar ao local onde o tinha conhecido. Talvez o rapaz... Sim, ele estava. Desta vez explicou tudo a ela de uma forma incrivelmente doce. A garota entendeu os motivos do garoto e ficou ainda mais atraída por ele. Observaram o pôr-do-sol mais lindo que pudesse existir bem à sua frente e se beijaram. Ela precisou ir embora e não conseguia se sentir mais triste. Não sabia nada sobre o rapaz, a não ser o seu nome. Desde então não conseguiu esquecê-lo, mesmo depois de tanto tempo, e viu-se hipnotizada por aqueles olhos e pelo dono deles. O pôr-do-sol nunca mais foi o mesmo para ela.
Diga-me, : qual é a história desse garoto?
Será que você é capaz de adivinhar o meu nome?”
Um mês depois...
Dois meses já tinham se passado e eu continuava sem emprego. O desespero começava a tomar conta de mim e as minhas economias estavam chegando ao fim.
Acordei novamente tarde, já que não tinha mais o que fazer, e depois de aprontar o café desci para pegar as correspondências. Com elas em mãos, sentei-me no sofá com uma xícara de café e comecei a olhá-las. Conta de luz, telefone e... Parei e coloquei a xícara na mesinha à minha frente para não derrubá-la no chão. Tinha uma carta diferente, vinda de Londres.
.
Depois de um mês, ele tinha realmente respondido. A essa altura eu nem acreditava mais em sua resposta, mas a prova estava ali em minha frente.
Com as mãos trêmulas, abri o envelope e comecei a ler.
“Querida ,
Agora é a minha vez de lhe contar uma história, mas a minha não é apenas breve. Na verdade, é um pouco extensa e fala sobre um garoto que iremos chamar apenas de garoto.
Esse garoto foi abandonado quando ainda era muito pequeno na porta de um orfanato. Na hora que foi deixado lá, um homem passava e ouviu um choro. Entrou no terreno em que ficava o lugar e levou a criança embora, tomando-a para si. Esse homem era relativamente rico, porém não tinha família. Era apenas ele e os empregados e por isso se sentiu tão tocado por aquela criança que, quando pôs os olhos nele, sorriu. Um sorriso singelo, puro, mas que significou o mundo para ele. Estava decidido. Ficaria com a criança. O pequeno foi crescendo, sempre rodeado de amor por parte do pai – esse era o pai dele. Não aquele que lhe deu a vida, mas sim o que a transformou – e logo se tornou adolescente.
Em momento algum o garoto se esqueceu daquele que tinha dado-lhe tanto e sempre passava o maior tempo possível ao seu lado. Quando começou a namorar, a primeira coisa que quis fazer foi apresentar a namorada ao pai. Sentiu-se realizado ao saber que ele tinha gostado dela e que aprovava a união. Isso era suficiente para ele.
Cinco anos depois, o pai ficou muito doente e veio a falecer. O mundo do garoto desabou. Ele não falava com mais ninguém e passou a definhar cada vez mais. Nunca passou por sua cabeça que o seu pai pudesse ir embora. Ele sabia, sim, que as pessoas morriam. Porém o seu pai não era apenas uma pessoa. Ele era um herói. E tinha aprendido com o próprio que heróis nunca iam embora. Por que ele havia partido, então? O rapaz não entendia. Essa nova realidade virou a vida do garoto de cabeça para baixo. As únicas pessoas que ele possuía fora o pai eram a namorada e o, na época, melhor amigo. Tinha também Jake, um antigo colega da época de colégio, mas eles não se falavam com muita freqüência. O que o garoto mais queria, mais precisava, naquele momento era compreensão por parte dos dois e ajuda para sair do meio de todo aquele sofrimento. Tudo o que conseguiu de ambos foi reclamações sobre o quanto tinha mudado. Sugeriram uma viagem para espairecer. “Vai ajudá-lo a esfriar a cabeça. É bom respirar um ar diferente”, disse o amigo. Ele concordou. Quem sabe se, ao se afastar das lembranças presentes na casa, a perda ficasse mais fácil de ser suportada? Esperava que sim, já que mesmo tendo passado duas semanas ainda sentia o peito doer, gritar de angústia e saudade.
Foi na tal viagem para uma praia e já dentro do avião os amigos reclamavam. “Coloque um sorriso nessa cara”. “É, mano. Largue esse enterro”. As implicâncias ficavam cada vez mais freqüentes e, com isso, a saudade do pai só aumentava. Ele saberia como aconselhá-lo. O problema era que aqueles dois que não pareciam ver a sua dor eram os únicos que ele tinha e, quando era uma época só de felicidade, estavam sempre ali ao seu lado. O garoto ainda tentava entender o que tinha acontecido. Por que eles pareciam não entender que ele tinha acabado de perder a pessoa que mais amava no mundo? Como não conseguiam entender que aquilo doía nele? O garoto estava lá quando a mãe da namorada faleceu por culpa do câncer e passou noites em claro ao seu lado, consolando-a. Por que quando o mesmo foi exigido dela, ela parecia não se importar?
Chegaram à tal praia e logo anunciaram que teria uma festa. O garoto não quis ir e achou que os amigos entenderiam e ficariam ali com ele. Enganou-se. Ambos foram, deixando-o sozinho. Depois de uma meia hora, decidiu que queria ir embora. Estava se sentindo mal naquele lugar. Sentia que estava sobrando. E ele já tinha preocupações suficientes para segurar mais essa. Estava decidido. Iria embora.
Foi até a tal festa e, quando chegou lá, encontrou os dois se agarrando. A dor em seu peito se multiplicou. Sentiu-se duplamente traído. Como os dois podiam ficar juntos pelas costas dele? Como podiam fechar os olhos para a dor que estava tão claramente presente em seu olhar? Explodiu. Não agüentava mais. Foi lá e tirou satisfações, porém ambos inventaram respostas estúpidas. O garoto sentia o seu rosto ferver de raiva e saiu correndo dali.
Alguém se sentou ao seu lado depois de um tempo e começou a puxar papo, mas ele não queria conversar, então respondeu qualquer coisa apenas para encerrar o assunto. Num ato insano, começou a descontar a sua raiva em uma pedra, ignorando a dor que se instalou em seus dedos. A tal garota que tentara conversar gritou para que ele parasse e o garoto, no ápice da raiva, saiu dali, parando em frente ao mar e sentindo o vento em seu rosto. Segundos depois, foi abraçado pela garota. O seu corpo tremeu com o contato. Era um abraço diferente, um abraço de consolo. Foi então que percebeu que não fora abraçado assim em momento algum depois da perda, que a forma como a garota o abraçava já o fazia se sentir melhor e fez a raiva sumir completamente. Ele agora sofria em silêncio pela perda do pai e mais nada. Percebeu o quanto precisava de um abraço forte e se sentiu em dúvida. Quem era aquela garota, afinal? E por que ela estava insistindo em ajudá-lo? Se fosse qualquer outra pessoa, teria desistido na primeira resposta rude, mas ela não. Por quê?
Por impulso, soltou-a e saiu dali, entrando em um hotel qualquer e se atirando na cama. Passou horas refletindo sobre as mais diversas coisas.
No dia seguinte, pôde pensar claramente e se sentiu envergonhado pela forma com a qual tinha tratado a garota. Não deveria ter feito aquilo, contudo na hora não pensava claramente. Precisava pedir desculpas.
Foi à mesma pedra do dia anterior e ficou esperando-a horas a fio. Ao final da tarde, ela apareceu.
– O que você quer aqui? – perguntou brincando, mas sua voz saiu mais rude do que gostaria. Algo a mais para se desculpar. A garota não pareceu abalada.
– A praia é pública – respondeu simplesmente e o garoto parou para reparar no quanto ela era encantadora. Cada vez mais ciente da forma errônea com a qual a tinha tratado, fez um resumo do que tinha acontecido, porém sem se ater a detalhes. Quando chegou à parte sobre a morte de seu pai, os seus olhos se encheram de lágrimas novamente. Não pôde evitar. A garota se virou para ele e o abraçou novamente de forma carinhosa.
– Obrigado – sussurrou contra o seu cabelo. Estava se referindo a tudo, desde o abraço que o trouxe de volta à realidade até tê-lo feito pensar sobre a vida e perceber a besteira que estava fazendo.
– Pelo quê? Não fiz nada – ela respondeu. O garoto sorriu, ainda envolvido no abraço. É claro que ela não tinha idéia. Não tinha como ter. Quem poderia imaginar que um simples abraço causaria uma mudança tão grande em uma pessoa?
O sol começou a se pôr e, ao lado da garota, observou o espetáculo mais lindo que já havia presenciado. Quando chegou ao fim, ela o abraçou novamente e, dessa vez, ele envolveu os seus dois braços em sua cintura. Àquele momento, ele não tinha idéia, mas logo descobriria que já estava completamente apaixonado por ela.
Sob a linda noite, beijaram-se calmamente, contudo foram interrompidos. A garota tinha que ir embora. O rapaz queria impedir, porém o que ele diria? Soaria estranho. Eles tinham acabado de se conhecer. Observou-a ir embora, sentindo que a dor que o perseguia tinha diminuído em grande parte.
Esta carta já está mais extensa do que eu gostaria, portanto cessarei os apelidos.
Você foi o meu anjo, . Mostrou-me a cura mais simples para uma dor que pensei que nunca cessaria. Talvez você nunca compreenda a diferença que fez em minha vida. Na verdade, talvez ninguém compreenda. Porém você foi a minha luz naquele momento e nunca serei capaz de descrever com palavras o tanto que você significou para mim.
.”
Fitei impressionada a carta, sem conseguir acreditar no que tinha acabado de ler. Lágrimas escorriam por toda a extensão do meu rosto e eu respirava com dificuldade, alterando soluços e respirações. Aquela era a coisa mais linda que eu já tinha lido em toda a minha vida. Nunca poderia imaginar que algo assim fosse possível. Jamais se passou pela minha mente que eu significasse tanto assim para ele. Sentia-me envergonhada de minha carta patética. Não era nada em comparação à que tinha me enviado.
O barulho do telefone me assustou e demorei um tempo para conseguir segurá-lo, já que as minhas mãos tremiam por culpa do estado em que eu me encontrava.
– Alô? – falei, respirando fundo. A minha voz não estava muito normal, mas agora eu já tinha atendido.
–
? Tenho uma coisa incrível para lhe contar – a voz de Jake me fez sorrir. Estava mesmo precisando contar a alguém o que tinha acabado de ler e quem melhor do que o melhor amigo dele?
– Diga.
–
Aconteceu alguma coisa? A sua voz está estranha.
– Aconteceu, mas fale você primeiro.
–
Arrumei um emprego para você!
– Não brinque – falei, sentindo o meu queixo cair.
–
Não estou brincando! É algo bem parecido com o que você fazia no último emprego, porém tem outra coisa... – disse, deixando um ar de suspense.
– O que é?
–
Você vai precisar se mudar para Londres.
Nota da autora: Olá, lindezas. :D Tudo de boa?
Primeiramente, desculpem a demora, mas comecei a escrever essa parte de um jeito que não estava me agradando e, quando ela já estava relativamente grande, deu a louca, apaguei tudo, comecei do zero, e desse jeito ficou. Quis fazer algo mais romântico e a minha idéia inicial não era essa, então da inicial não consegui aproveitar nada. Nem uma linha. Quis focar mais no ponto de vista do guy (mesmo que por meio de uma carta) para vocês perceberem que “o buraco é mais embaixo”. Ou seja, que o problema maior do cara não era exatamente a traição, que aquela tinha sido só a gota d’água, que ele já tinha outras dores fora aquela. Sabem?
A parte quatro virá sim! Mas ela talvez demore um pouco mais. Focarei principalmente nas minhas três histórias em andamento (Only Business, Dominée e The Girls Are From Venus And The Guys Are From Mars). Farei essa parte sim. Já tenho até planejado o que acontecerá.
O que acharam da parte três? Comentem, por favor! Comentários são muuuito importantes. Preciso saber a opinião de vocês, haha.
Um beijo e três queijos (porque é parte três. Sacaram? Sacaram? Não? Ok...),
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Aviso: As partes 1 e 2 passaram para a sessão "Outros" no site.