Escrito por: Giulia M. | Beta-Reader: Nati.


"O homem culpa a natureza e o destino, mas seu destino não é, senão, principalmente, o eco de seu caráter e de suas paixões, de seus erros e de suas fraquezas"
- Demócrito de Abdera.


29 de Outubro de 1996 – 23 horas e 12 minutos.

null ainda deslizava suas mãos pelas letras do teclado de seu notebook, sem ao menos perceber que já era hora de ir dormir. Mas nem ligava para isso, pois, obviamente, depois que os pais fossem dormir, ela voltaria a escrever. E escreveria até seus olhos arderem e cansarem, obrigando-a ir para sua cama. A verdade era que esse era um dos motivos de estar precisando de seus óculos diariamente. O médico dissera que só seria necessário usá-los somente em sala de aula, por causa de sua miopia, e quando fosse assistir televisão. Porém, ela gostava de conseguir enxergar os rostos das pessoas que estavam mais distantes; a paisagem da janela de seu quarto – que era, sortudamente, um camarote para as estrelas no céu escuro das noites de Outono, apesar de serem melhores vistas no Verão; e gostava também de enxergar seu rosto no espelho sem precisar se aproximar exageradamente dele. null não ligava muito para a sua aparência. Tanto faz se seu cabelo precisava ser hidratado a cada quinze dias ou se a utilização do lápis em seus olhos deixariam os mais atraentes. A verdade era que ela não valorizava mais a aparência das pessoas do que sua inteligência ou personalidade em si. Falando sério, ela até preferiria alguém inteligente e engraçado a alguém bonito. Mas o que podia fazer se as pessoas faziam o contrário?
null bocejou e colocou um ponto final na frase. Ela adoraria poder escrever a continuação da estória agora, mas o sono batia na porta. E sua vista havia sido forçada demais neste dia. Se continuasse assim, com dezenove anos estaria com três graus de miopia... De acordo com seus cálculos, é claro. Todos que ela conhecia que tinha o mesmo problema de visão haviam aumentado os graus em dois anos, indo de meio grau a meio grau. E, bem, agora ela tinha um grau e meio. Mas se forçasse a vista todos os dias, por uns 150 dias, como tinha feito hoje, era certo que seu grau aumentaria. Por isso fechou seu laptop e se jogou em cima de sua cama, começando a se cobrir com as cobertas. Ela se ajeitou entre os lençóis, de modo que ficasse virada para a janela de seu quarto, e sorriu. Gostava muitíssimo das estrelas. Tinha até o hábito maluco de conversar com elas. Elas eram suas melhores ouvintes. null bocejou mais um vez e fechou seus olhos, dando um sorriso sereno.
“Boa noite”, null sussurrou para a janela e adormeceu.

30 de Outubro de 1996 - 7 horas e 15 minutos.

null null babava em seu travesseiro, quando a porta de seu quarto foi aberta e a voz de sua mãe soava pelo cômodo:
null, querida. Hora de levantar, anda. Meu Deus, você deixou seus sapatos jogados no meio do caminho! Eu quase morri agora! Pelo amor de Deus, quando você vai aprender a ser mais ordeira, han? Sempre largando tudo por aí e... , LEVANTA.”, sua mãe puxou suas cobertas, expondo-a ao frio daquela manhã. Ela abriu os olhos, ainda grogue, e murmurou qualquer coisa tentando puxar seu cobertor de volta. “Nem pense nisso!”, sua mãe a repreendeu e começou a cutucar a garota por todo seu tronco. “Acorda! Você vai se atrasar para a escola!”
Escola. A palavra ecoava por sua cabeça, deixando-a com menos vontade ainda de levantar. Escola. Como ela odiava aquele lugar sem graça. E acredite, não era por ter aulas que ela odiava aquele lugar. null adorava aprender tudo o que conseguisse. Cultura, para ela, e aprendizado eram tudo! Ela odiava mesmo as pessoas que ali iam. Sempre tão iguais... Tão nojentamente iguais a todos os colégios da crosta terrestre. Havia as chamadas populares, os góticos, os Nerds e CDFs, os atletas e os babacas-Mario-vão-com-os-outros. Só tinha uma coisa que não a incomodava nessa sociedade besta: null, null e null. Seus melhores amigos desde a creche. Ela ainda lembra como tinham ficado amigos. null tinha derrubado suco em cima de null, que estava andando entre as carteiras e sem querer esbarrou no cotovelo de null, que estava fazendo uma pintura a mão e sujou null de tinta. Ah, bons tempos aqueles...

Mas ela ainda tinha que ir para a escola.

null bufou e se levantou da cama. Saiu do quarto e seguiu para a cozinha, onde encontrou sua irmã mais velha, Lindsay, e seu pai tomando café da manhã. Sua mãe estava enfiada na dispensa quando ela pegou as torradas da torradeira e passou manteiga nelas. null comeu as torradas em três segundos e quarenta e seis milésimos. Sua irmã Lindsay tagarelava sem para sobre Bread, o novo namorado da semana. Dizia como ele era lindo, como era fofo, como eles combinavam e um monte de baboseiras ilusionistas. Seu celular apitou e ela deu um gritinho quando viu que era uma mensagem de Bread. Ela perguntou se podia ler em voz alta e, antes que alguém pudesse responder, ela começou:
“‘Te espero em frente do colégio, linda. Bread xxx’. Ah, como ele é lindo! E ainda mandou três beijos no final. Três! Sabe o que é isso?”
“Um dedo trêmulo pelo frio?”, null bebericou seu leite quente. Lindsay revirou os olhos.
“Não! Amor! Me poupe, null. Não é porque você não namora ninguém, que pode ficar malhando o meu namoro.”
“Ok, você quem sabe...”, null deu de ombros e colocou a caneca na pia. Começou a caminhar em direção as escadas, quando seu pai a impediu, chamando-a. Ela se virou para ele.
“Querida, não se esqueça de cuidar do gramado e do carro hoje.”, ele a olhou por cima dos óculos de fundo de garrafa e do jornal. null assentiu.
“Eu sei, eu sei. Não esquecerei.”, ela disse enquanto subia os degraus da escada, indo em direção ao seu quarto.
Ela se trocou, vestindo a roupa do uniforme da escola, e colocou um par qualquer de tênis. null penteou seu cabelo de qualquer jeito para trás e escovou seus dentes. Arrumou sua mochila, enfiando seus óculos e seu livro literário nela. Não colocaria seu iPod, porque null tinha o dele... E isso já bastava para o dia ser menos insuportável.
null estava colocando a mochila nas costas quando ouviu uma buzina soar pela rua. Ela olhou pela janela e viu o Honda Civic desse ano parado em frente de seu quintal. null. Ele se achava o todo-todo desde que tirou a carteira de motorista mês passado. null sorriu e desceu as escadas correndo. Ela pegou as suas chaves de casa e abriu a porta.
“‘Tchaumãetchaupai!”, disse rapidamente e, antes que ouvisse a respostas deles, saiu de casa. Caminhou apressada em direção ao carro e abriu a porta dele, se jogando lá dentro. Olhou para null ao seu lado. “Oi gente.”
“E aí, raio de sol.”
“Oi null”
“Sua irmã gata não vem?”, null perguntou, e ela rolou os olhos.
“Desencana, ela já arranjou um namorado.”
“Já? A garota conseguiu ficar quatro horas solteira e já arranjou outro! Queria ser assim também...”, null murmurou a última parte, fazendo null rir.
“Fique desse jeito, null. Por favor.”, null disse olhando distraído pela janela, e null bufou.
“Nem para me procurar...”
“Vamos logo, antes que nos atrasemos.”, null disse, e ele ligou o carro.
“Ok, ok. Tem certeza que ela não...?”
null!”
“Tá!”, ele revirou os olhos e puxou a marcha. “Próxima parada: Escola.”

8 horas em ponto. (Colquem essa música para agora: Teenage Dirtbag)

O carro foi estacionado, enquanto todos os adolescentes estavam espalhados por todos os lados, atrapalhando a passagem. null tirou as chaves do carro, enquanto todos saiam de dentro dele. null deu o alarme e eles começaram a caminhar em direção ao portão. O dia estava estranhamente bom. Estava com o sol lá, vigiando a todos naquela hora do dia, o que fazia null se perguntar se estavam mesmo em Outono. E eles estavam.
O grupo de amigos entrou, finalmente, na escola e se separou para suas aulas que se seguiriam nesta manhã. null tinha História III junto com null, null tinha Inglês, e null Educação Física. Ele jogava no time de beisebol da escola, porém era o único do time que não era tão, hum, babaca. Mas, veja bem. null não era tão babaca. Ele só era um pouquinho.
“Você estudou para a prova de hoje?”, null perguntou à null.
“Tsc. null, eu sou a null, se esqueceu?” ela disse e ele sorriu.
“Desculpe, Senhora Sou-Demais-Em-História.”, ele levantou os braços para o alto, enquanto entravam na sala de aula.
“Está desculpado, Senhor null.”, ela respondeu e se sentaram lado a lado.
null? Por que você não inventou algo melhor?”
“(1) Esse é o seu sobrenome e (2) eu sou só a Senhora Sou-Demais-Em-História, não a Sou-Demais-Em-Inventar-Sobrenomes-Iguais-A-Este.”
“Você acabou de inventar um.”, null sorriu.
“É, pode ser.”, ela deu de ombros e o professor entrou na sala.
“Muito bem, em cima da mesa eu quero somente a caneta preta ou azul. Nada de rasuras, isso é um teste. É proibido o uso do branquinho e emprestar material. Se eu pegar alguém colando, é zero na hora. Só podem virar os testes quando eu disser que pode. Alguma pergunta?”
Todos permaneceram quietos, até que Colin levantou a mão e perguntou:
“Quando é a recuperação?”, e a classe explodiu em risadas.

12 horas e 42 minutos.

“Einstein foi, sim, o maior gênio de todos os tempos!”, null disse, enquanto terminava de comer seu sanduíche.
“Não, eu diria que era Arquimedes.”, null retrucou.
“Eu voto em Michelangelo.”, null disse.
“Vamos ver. null, qual deles foi o maior gênio: Einstein, Arquimedes ou Michelangelo?”, null perguntou. Os quatro estavam sentados em baixo de uma árvore no pátio da escola. Os alunos aproveitavam a pausa do almoço ao ar livre. Estavam se divertindo, ou estavam estudando por toda parte. Alguns jogavam alguma coisa na quadra, outros estavam namorando, jogando conversa fora ou estavam somente sentados na companhia de amigos. E, no caso deles quatro, estavam aproveitando a sombra da árvore naquele dia tão ensolarado. Isso ainda intrigava null: o sol. Por que ele estava tão radiante assim?
“Para mim são todos eles.”, null respondeu a pergunta de null, sem tirar os olhos de sua literatura. null desmanchou seu sorriso.
“Assim não vale, pô”, ele disse decepcionado e abraçou suas pernas dobradas. null começou a balançar igual a um berço antigo de bebê. null estava tentando tomar seu iogurte, mas, de um jeito, ele estava a atrapalhando se balançando daquela maneira.
“Você pode, por favor, parar de se balançar feito um retardado?”
“Me obrigue.”, ele respondeu, e ela ameaçou jogar seu iogurte nele. “Tá bom!”
“Obrigada.”, ela voltou a tomar seu iogurte.
“Olhem só. Mais uma festinha ridícula.”, null observou Carla, uma popular qualquer, entregar convites a todo mundo.
“Eu não acho essas festas tão ridículas assim.”, null falou.
“E por que não? Só vai gente chata convidada por gente chata.”
“Você se esqueceu de mencionar as garotas lindas.”, null disse.
“E os garotos lindos.”, null também argumentou.
“E a comida e bebida grátis.”, null lembrou.
“E a música.”, null falou mais uma vez.
“É... Vendo por esse lado...”, null deu de ombros e voltou sua atenção para seu cadarço gasto do tênis. “Ainda assim... Gente chata.”
“Então também somos gente chata.”, null disse e null ergueu seu olhar para ela.
“Por quê?”
“Porque ela está vindo para cá.”, null respondeu, e null observou Carla se aproximar com convites. Carla suspirou e parou em frente deles.
“Oi null.”, ela disse e todos entenderam quem ela iria convidar. “Amanhã eu vou dar uma festa de Dia as Bruxas, na minha casa, às sete horas da noite. Você e seus amigos estão convidados.”
“Eles?”, ele perguntou para ter certeza. Ela assentiu e entregou o convite a ele.
“Quero todos lá.”, ela sorriu para null. “Até amanhã.”
Carla saiu desfilando, e todos olharam para null com o convite nas mãos.
“Como assim?”, null perguntou se aproximando dele para ver o convite. “Desde quando você é amigo dela?”
“Acho que ela só o convidou porque ele é do time de beisebol.”, null deu de ombros, e null negou.
“Ela só me convidou porque...”, ele apontou com a cabeça na direção de null, e eles o encararam.
“O quê? Eu sou charmoso, ué.”, ele deu de ombros, e null riu. Ela se aproximou dele e apertou suas bochechas.
“É claro que é!”, e deu um beijo no rosto dele. null e null olharam para eles estranho. “Obrigada, null! Sempre quis ir em uma festa dessa!”, ela pegou o convite da mão de null e o observou. null sorriu envergonhado.
“Com licença.”, null puxou o convite da mão de null e pigarreou. Começou a ler em voz alta: “Eu convido você e seus amigos a maior festa de Halloween de todos os tempos! Local: Mansão Perez. Horário: Às 19 horas. Sem horário de término. Venha em sua melhor fantasia, pois essa noite você poderá ser quem quiser... Compareça!”
Todos permaneceram em silêncio. A parte “essa noite você poderá ser quem quiser” ecoava na mente deles. Em parte era ridículo, porém, em outra, era tentador. Quem não gostaria de ser quem quisesse por uma noite? Um breve pensamento de qual seria o personagem de cada um passava pela mente deles... Mas trataram de tirar essa ideia da cabeça. Bom, pelo menos null tratou. Não iria nessa festa nem que dessem dinheiro por isso.
“Poxa...”, null disse e o sinal tocou. “Ah, ótimo. Educação Física.”
“Sorte sua. Eu tenho Álgebra II. Blé!”, null revirou os olhos, e todos se levantaram para ir a sétima e última aula do dia. Começaram a caminhar, exceto null. null parou e se virou para ela.
“Você não vem, null?”, ele perguntou, e ela olhava pensativa para o gramado. Tinha lembrado dos afazeres de hoje
“Não, eu tenho que ir para casa.”, ela respondeu e sorriu para null , enquanto pegava sua mochila. “E você vai comigo.”
“O quê?! Por que eu?”, ele perguntou enquanto ela o arrastava pela mão na direção da saída. “Ou melhor, o que vamos fazer lá?”
“Não seja tarado, null null!”, ela o repreendeu. “Eu tenho umas tarefas a fazer e não tenho aula agora. Horário livre. Ia embora de qualquer jeito.”
“É, eu não! Tinha Inglês agora, poxa!”, ele disse, e null parou de andar. Ela se virou para ele. null ficou a observando não largar a mão dele e se aproximar, ficando a treze centímetros de diferença de null. Ele se sentiu petrificado, havia parado de respirar. A aproximação era perigosa demais. O código era claro: nunca ficar menos de vinte centímetros de null, se não, já era. Ele e null haviam feito esse código, servindo tanto para ela quanto para null. Digamos que eles tinham uma queda por elas. Mas elas eram somente amigas, não... Vocês sabem.
null, eu preciso que me ajude com as tarefas lá de casa, por favor.”, ela olhou em seus olhos, e ele, hipnotizado por ela, assentiu. null sorriu e se afastou dele. “Que bom!”
“Espera, que tipo de tarefa você quis dizer?”, ele perguntou enquanto ainda era puxado por ela.
“Ah, tarefa fácil.”, ela deu de ombros.

13 horas e 51 minutos. (Colquem essa música para agora: In The Summertime)

null aparava a grama com o cortador, enquanto null estava tomando um suco de laranja e lia seu livro. O sol ainda raiava no céu azul, e o clima havia esquentado. Mais que a metade do gramado havia sido aparada. Não era uma tarefa difícil, como null tinha dito. Mas era cansativa. E null já estava nisso há uma hora. Ele não devia ter caído na conversa de null. Nem deveria ter ficado a menos de vinte centímetros dela. Seria impossível dizer “não” naquela distância. Mas lá estava ele, fazendo o trabalho dela.

Espera. Por que ele está fazendo o trabalho dela?

“Você só vai ficar sentada aí?”, null perguntou terminando de aparar aquela bendita grama. null assentiu. “Ah qual é, null! Você poderia ao menos me ajudar, não é?”
null suspirou e abaixou o livro, encarando ele. null a encarava com a sobrancelha arqueada e os braços cruzados. null observou por um instante a camisa branca dele, aberta com dois botões. E teve uma ideia.
“Está bem.”, ela se levantou e colocou seu livro ao lado do suco. null caminhou ao lado do carro parado em frente a garagem e entrou nela. null ficou a observando pegar alguma coisa na garagem. Ele desligou o aparador de grama e esperou ao lado do carro. null reapareceu com um balde, duas esponjas e sabão. Ela colocou o balde no chão e jogou uma das esponjas na direção de null. Ele a pegou e ela despejou sabão em sua esponja. null caminhou até ele e despejou na esponja de null também. Vinte e cinco centímetros. Ótimo. “Vamos lavar a Gertrudes.”
“Gertru...?”
“Nem pergunte.”, ela o cortou e se virou para o carro. null começou a esfregar o capô, e null observou-a se esticar toda. “Não vai me ajudar, não?”, ela perguntou indo para o outro lado. Ele olhou para a esponja em sua mão e depois para o carro. E começou a esfregar as janelas. null sorriu e continuou a esfregar. Aquele trabalho era bem melhor do que cortar grama. E também era mais refrescante. A esponja relaxava os dedos de null. E os lavava também, é claro.
Ele passou e esfregou a esponja por toda a parte. null fazia o mesmo, só que do outro lado. Os dois começaram a lavar os pneus, tirando toda a terra grudada. null continuou a lavá-los e depois passou a lavar a porta do porta-malas. Ficou um tempo ali e nem percebeu null começar a passar a mangueira por todo o carro. Ele parou de lavar a “Gertrudes” e caminhou até o balde. Ele se agachou e molhou a esponja com a água dele. Tirou um pouco do excesso e de repente sentiu sua barriga gelada... E sua camisa toda grudenta. null olhou para seu tronco molhado, confuso.
“Ah... Foi mal, null. Nem tinha te visto aí.”, null o olhou com a mangueira na mão e segurando o riso. null fez cara de indignado e teve uma ideia.
“Tudo bem.”, ele disse e voltou a lavar o carro. Ele foi caminhando em direção ao outro lado, junto com a esponja, onde null estava, e ficou ao seu lado. null começou a esfregar o capô do carro e deixou a esponja encharcada cair na cabeça de null. “Ah, desculpa... Foi sem querer.”, ele a imitou, que agora estava com a cabeça toda molhada. null se virou para ele e ergueu a sobrancelha, desafiadora. null fez o mesmo e null virou a mangueira em cima da cabeça dele, molhando-o por inteiro. Ele a olhou maníaco, e ela começou a rir.
“Eu não tenho medo de você, null null”, ela disse andando para trás ao passo que ele dava para frente, aproximando-se mais e mais dela.
“Ah é? Pois deveria ter”, ele disse e roubou a mangueira dela. null encharcou-a por inteira.
“Não! Para, null!”, ela tentou se proteger com as mãos, mas isso não estava adiantando em nada. Então, começou a correr pelo jardim recém-cortado, com null a molhando atrás. Ela se virou para ele e conseguiu recuperar a mangueira. null empurrou em direção ao chão e colocou seu pé em cima de seu peito. Ela apontou a mangueira para o alto. “Últimas palavras?”
“Eu sou invencível, queridinha.”, ele piscou um dos olhos, com um sorriso no rosto.
“Isso é o que você pensa.”, e ela o encharcou de água, quase o afogando de verdade. Mas o que ela não esperava aconteceu: null segurou seu tornozelo e jogou-a ao seu lado no gramado. Ele rolou para cima dela e segurou com força seus pulsos ao lado de sua cabeça, prendendo-a em baixo dele no chão. Vinte centímetros exatos. Ele sorriu sacana.
“O que foi que eu disse?”, ele perguntou, e null conseguiu dar um chute bem nas partes baixas dele e logo null estava se contorcendo de dor ao lado dela, gemendo e grunhindo. “Puta merda.”
“Invencível, sei.”, ela bufou e começou a rir. null revirou os olhos.
“Da próxima vez que me pedir ajuda com alguma coisa, eu irei dizer um não sonoro.”, ele resmungou e ela riu.
null, querida.”, sua mãe apareceu na janela do segundo andar. “Você pode, por favor, me trazer a correspondência?”, ela perguntou, e null respirou fundo.
“Claro, mãe”, ela disse, e sua mãe entrou. Ela se levantou e caminhou até a caixa de correio. Enquanto isso, null também se levantou e pegou a mangueira. Voltou a lavar o carro. null abriu a caixa de correio e pegou tudo o que tinha ali dentro. Ela fechou a caixa e de repente sentiu algo lambendo a sua perna. Olhou para baixo e encontrou um pastor alemão.
“Ah, me desculpe pelo Billy.”
null ergueu o olhar até o garoto em sua frente. Ele sorria de lado e o cabelo moreno voava bagunçado de acordo com o vento. null ficou observando tudo de longe. O que aquela cara queria com null?, ele estava pensando.
“Tudo bem...”, ela disse ainda o encarando.
“Não sei se você me conhece, mas me chamo James. Somos da mesma sala de Francês.”, ele disse, e ela teve uma vaga lembrança.
“Ah, sim. James da aula de Francês... Me chamo null.”, ela sorriu, e null continuava a suspeitar daquele cara.
“Eu sei como se chama.”, ele sorriu, e ela corou. “null, você ficou sabendo da festa da Carla amanhã à noite, não ficou?
“Diz que não, diz que não...”, null torcia baixo o suficiente só para ele ouvir.
“Sim.”, null respondeu, e null bufou.
“Você...”, James sorriu envergonhado. ”Desculpe, é que é difícil perguntar isso, é a minha primeira vez.”, ele disse, e ela ergueu a sobrancelha. “Você tem par?”
null começou a pigarrear sem parar e depois a tossir. null olhou de relance para ele.
“Na verdade, eu não quero ir nessa festa, entende?”
null sorriu e continuou a molhar o carro.
“E por que não?”
“Sei lá.”
“Uma garota tão bonita como você deveria... Sair um pouco.”, ele disse ainda com aquele sorriso envergonhado no rosto, e ela não conseguia se imaginar bonita, molhada como estava agora. null sorriu.
“Deveria, não é?”, ela disse, e ele assentiu.
null, você… Você gostaria de ser o meu par amanhã?”, ele coçou a cabeça, e ela pensou por alguns instantes. Ela não deveria, mas James estava envergonhado demais. Além disso, ele havia sido muito gracioso e meigo.
null respirou fundo.
“Claro.”, ela respondeu, e ele sorriu abertamente. null se sentiu indignado por dentro.
“Então te busco às seis e meia.”
“Estarei esperando.”
“Até lá...”, James segurou a mão de null e depositou um beijo no dorso dela. null ergueu a sobrancelha e pensou: No meu território não, amigo. Ele mirou a água da mangueira, acertando o rosto de James, que o olhou sem entender.
“Ah, desculpe. Foi um acidente.”, ele respondeu, e James se virou para Billy.
“Certo. Billy, garoto. Vamos. Tchau, null”, ele sorriu para ela, que sorriu de volta.
“Tchau, James.”, ele se foi, e ela suspirou. null se virou para null, que a encarava com um olhar protetor – um pouquinho magoado. “O quê?”
“Você se entrega muito fácil.”
“Que nada.”, ela disse, e null revirou os olhos, desligando a mangueira.
“Não acredito que você vai mesmo com aquele cara.”
“Está com ciúmes, é?”
“Vai trabalhar!”, null jogou um pano seco nela. null sorriu.

31 de Outobro de 1996 – 14 horas e 01 minuto.

null estava em seu quarto ouvindo música enquanto escrevia em seu notebook. Como mencionei antes, ela adora escrever. Era assim que passava suas tardes. Às vezes lendo, às vezes escrevendo. E, para falar a verdade, aquela tarde estava entediante. O sol não tinha aparecido naquele dia. Estava nublado e frio. Além de tudo, ela havia conhecido o namorado de sua irmã, Bread. E ele era como ela suspeitava: um idiota.
Ela parou de escrever e fechou seu laptop. null observou a rua lá fora, pensativa. Depois de terem terminado os serviços ontem, null começou a ficar estranho com ela. E até agora não tinham se falado direito. null e ele tinham saído para o shopping para comprar suas fantasias, e ela estava em casa. null olhou para o caderno de capa dura cinza ao seu lado na bancada. null tinha comprado ele para ela no Dia do Escritor, de 1993. Foi o ano em que ela começou a se interessar em escrever. null tinha ficado um pouco decepcionada com alguns livros que lia e resolveu criar suas próprias histórias. “Para a sua primeira grande história”, null havia escrito na primeira folha do caderno. Ela nunca o usou.
null se sentia sem inspiração alguma nesses últimos dias. Às vezes ideias maravilhosas vinham, porém, nas horas erradas. E o problema era que quando a inspiração vinha, tinha de ser aproveitada. Como no dia anterior ao de ontem. Ela nunca conseguiria escrever sua primeira grande história desse jeito.
Ela suspirou e se jogou em sua cama. Olhou para o teto com desenhos que ela e null tinham feito ano passado por puro tédio. Até que eles tinham ficado legais.
null começou a se arrepender de ter aceitado o convite de James. E se essa noite fosse decepcionante? Tinha cinquenta por cento de certeza que seria. Mas James parecia ser um garoto direito, gentil... Para quem tem dezesseis anos. Ela respirou fundo e fechou os olhos. null havia ficado bravo com ela. Tinha quase certeza disso. Talvez o fato de ela viver dizendo como as pessoas são hipócritas e ridículas e que a beleza não era tudo, e mesmo assim ela aceitou sair com um estranho bonito, irritava-o. Talvez o puro ciúmes por ela ter trocado a companhia de seus amigos pelo mesmo estranho do pastor alemão pudesse explicar tudo. Talvez null só estivesse magoado por ela não ser seu par hoje à noite – o que era uma idiotice esse negócio de par, mas tudo bem. Para tudo tinha um talvez, menos o fato de ele estar estranho com ela.

null sentiu uma prévia do sono chegar. Talvez fosse melhor dormir para esquecer um pouco tudo, mas, antes mesmo que pudesse cair no sono, alguém se sentou em cima dela.
“Acorda, pequena estrelinha!”, null sentiu mãos em seus ombros e de repente acordou com um null em cima dela.
null!”, ela exclamou de susto, e ele riu. “Como conseguiu entrar aqui?”
“Fácil, Lindsay-a-gata me deixou entrar. Ela disse que você precisava se aventurar um pouco com os rapazes.”, ele deu de ombros com um sorriso malicioso no rosto, e ela corou. “Sabe, se você quiser, nós podemos...”
null null!”, ela sorriu envergonhada e o empurrou para seu lado da cama. Ele riu.
“Eu só estava brincando, null.”, ele sorriu para ela e se levantou. “Anda, levanta e se troca. Vamos para o shopping.”
“Mas...?”
“Mas nada. Achou que só eles iriam se divertir? Eu sou null null, meu bem. Sou a diversão em pessoa. Agora levanta logo. Temos menos de cinco horas até a festa.”
null estalou os dedos, fazendo-a sorrir.

16 horas e 28 minutos.

Eles estavam caminhando pelos corredores largos do piso do shopping, olhando vitrines e com duas sacolas nas mãos. Só haviam comprado a fantasia de null - que, a propósito, seria o Batman essa noite. Ainda estavam a procura de uma fantasia para null, mas até agora nada os agradou.
“Não sei, acho melhor irmos embora.”, null disse hesitante.
“Não, não. Vamos achar alguma coisa para você.”, ele garantiu e sorriu. “E eu já sei onde.”
Ele a puxou para a escada rolante e subiram correndo, ignorando que a escada poderia levá-los para o andar de cima sozinha. null a levou até uma loja gigante de fantasias e entraram nela.
“Bem vinda ao paraíso.”
null sorriu e os dois caminharam até uma estante. Começaram a revirar a loja a procura de fantasias, e quando achavam uma que agradasse, jogavam-na em cima de uma das poltronas. Por fim, arranjaram uma pilha de fantasias.
null foi para o provador, enquanto null esperava sentado. Ela ia até ele, depois de experimentar uma fantasia e ainda com ela no corpo, para mostrar como havia ficado nela.
Ele pensava, enquanto isso, na mensagem de null que havia recebido meia hora atrás. Não sabia se contava para null. Talvez deveria, talvez não. Estava confuso.
“E este, null?”, null usava a roupa da Penélope Charmosa. Ele parou de pensar na maldita mensagem e a observou com atenção. null sorriu.
“Você está linda”, ele disse. null sorriu e suspirou aliviada.
“Que bom! Cansei de procurar fantasias.”, ela disse e voltou para o provador. null começou a se sentir culpado. null tinha que saber sobre aquilo. Com certeza ela se sentiria magoada... Mas os quatro poderiam, mesmo assim, ir a essa festa, certo? Divertir-se-iam juntos. E se null perder a vontade de ir depois de saber? null tinha que contar agora. Assim ela não se arrependeria de ter comprado esta fantasia. Mas... Se ela realmente não fosse mais, eles também não poderiam ir?
null saiu do provador com a fantasia da Penélope em suas mãos, e null se levantou.
null, eu…”, antes que ele continuasse a frase, ela o calou com um abraço. null ficou paralisado.
“Obrigada por ter vindo comigo comprar a fantasia. Obrigada por não ter ficado estranho comigo e obrigada por me encorajar a ir nessa festa.”
“Bem, eu não fiz isso sozinho.”, ele riu nervoso, e ela ainda o abraçava.
“Mas você ajudou. Obrigada por ser o melhor amigo que eu precisava.”, ela sorriu e deu um beijo na bochecha dele. null ficou sem reação. Quinze centímetros. O código. Droga.
“De nada.”, ele tentou sorrir. null sorriu e encaixou seu braço no dele, começando a caminhar.
“Quer saber? Acho que hoje vai ser interessante.”
null engoliu a seco.
“Você não faz ideia...”, murmurou.

19 horas em ponto.

Imagine uma casa de uns vinte metros de altura, parecendo quase um museu, decorada com teias de aranha falsas e faixas da cor laranja e roxo, com abóboras e esqueletos por toda a parte. Muito bem, agora imagine um grupo de uns trezentos alunos, vestidos dos mais diversos personagens, perambulando o jardim daquela ‘casarona – sem contar os que estavam lá dentro. Era assim que poderia ser descrito aquele começo de festa.
null estava caminhando ao lado de James, que estava vestido de super-homem, pelo jardim. Ele tinha vido buscá-la às seis e meia, como havia prometido. Ela se sentia um pouco estranha por estar nessa festa. Como se fosse uma intrusa no meio de todas aquelas pessoas chatas.
James e ela entraram na grande casa e olharam ao redor para ver se viam alguém conhecido...
“Hey, eu vou pegar algo para a gente beber, ok? Espere aqui”, ele disse, e ela assentiu.

null estava na pista de dança, dançando junto a zumbis e bruxas. Ela era a única naquele meio vestida de princesa Fiona. Até que a companhia deles estava ficando extremamente entediante, que começou a caminhar na direção do bar. Ela se sentou no banco e pediu um refrigerante. null ficou batucando no balcão, alguém se aproximou dela e ficou ao seu lado com o braço apoiado na bancada de mármore.
“O null já chegou?”, um garoto perguntou.
“Não o vi ainda, Batman.”, ela o respondeu, e sua Pepsi Diet chegou. null deu um gole e se virou para ele. O olhou de cima a baixo, enquanto tomava o refrigerante pelo canudinho. A roupa marcava sua barriga levemente definida e a meia-calça preta cobria suas pernas até seus pés. Ela tinha a sensação de conhecer essa pessoa, mas a máscara não ajudava em nada. “Você sabe dançar?”
Ele se virou para ela e estranhou.
“S-sei.”
“Você quer dançar comigo?”, ela sorriu, e ele ficou surpreso.
“Arm... Claro.”, ele observou uma pessoa chegar. “Vai indo na frente que eu já vou. Só vou beber alguma coisa.”, ele sorriu para ela, que assentiu.
“Ok, beba logo, viu?”, ela sorriu e colocou seu refrigerante na bancada. null desceu do banco e seguiu de volta para a pista de dança.

null não tinha entendido nada do que estava acontecendo, mas seguiu na direção de null. Precisava dizer que não tinha contado a null sobre aquilo.
Ele caminhou entre as pessoas e cutucou null, logo o puxou para um canto.
“Wow! O que houve?”, ele perguntou surpreso. Seu cabelo moreno estava bagunçado para todos os lados, deixando os fios desorganizados, porém, ao mesmo tempo, arrumados, e uma barba pouco rala indicava que ele não tinha visto um barbeador hoje. Seus trajes eram de época, como se estivessem na Era Medieval.
“Cara, você veio vestido de Romeu?”, null perguntou semicerrando um dos olhos, olhando-o estranho. Ele deu de ombros.
“Já que sou charmoso, vim a meu caráter. Agora, anda. O que foi?”, null perguntou. null respirou fundo.
“Eu não...”
“Você não contou para ela?!”, null deduziu, bravo.
“Cara, como você...?”
null!”, ele disse, irritado.
“Ei! O que eu poderia fazer se ela estava a menos de vinte centímetros de mim?!”, null se defendeu, e ele arqueou as sobrancelhas, surpreso.
“Você... Você ficou a menos de vinte centímetros dela?”, ele disse magoado. “Como você pôde?”
“Ah tá, como se você nunca ficou a menos de vinte centímetros da null, certo, Romeu?”, null bufou, e null revirou os olhos.
“OK!”, ele resmungou. “Ótimo, vamos ter que procurar a null por toda essa casa enorme para contarmos a verdade de James!”
“Beleza, mas não agora.”, null se virou para a pista.
“Por que não?”
null está me esperando para dançar.”, ele sorriu, e null ergueu uma das sobrancelhas.
null…?”
“Não entendi também.”, ele deu de ombros e caminhou na direção de null. null revirou os olhos.

22 horas e 12 minutos.

“E foi assim que eu me mudei para cá.”, James disse, e null assentiu. Tinham passado a maioria do tempo conversando sobre a vida de James e sua família. As histórias até que eram interessantes. Mas não ao ponto de serem citadas a vocês.
“Legal.”, null disse, e ele sorriu. James se virou para pegar sua bebida, e ela aproveitou pra procurar os amigos com os olhos, mas aquilo era quase uma missão impossível com tantas pessoas e fantasias. James voltou, e ela logo se virou para ele e deu um sorriso.
“Eu fiquei o tempo inteiro falando de mim, me desculpe.”, ele sorriu com aquele mesmo sorriso envergonhado de sempre. “Me conte o que você mais gosta de fazer, seu hobby.”
null sorriu de leve sem abrir os lábios e ficou pensando no que diria.
“O que eu mais gosto de fazer? Bem, eu...”
“Sabe, eu não escuto direito o que você está dizendo.”, ele disse e olhou duas vezes de relance para um ponto distante atrás dela e se levantou do sofá. “Que tal você me dizer ali?”
Ele apontou para o jardim e a puxou na direção do mesmo. James a ajeitou num determinado ponto do gramado, olhando para o além das costas de null. Ele parou e sorriu para ela. “Você estava dizendo...?”
null ergueu a sobrancelha, estranhando.
“Eu estava dizendo que eu adoro escrever.”
“Ah, você escreve?”, ele perguntou surpreso.
“Sim. Não estou dizendo que sou maravilhosa no que faço, mas é o que eu mais gosto de fazer.”, ela sorriu. null não quis comentar sobre as estrelas. Achava que aquilo era algo muito pessoal, que só null, no máximo, sabia, e mais ninguém poderia saber. E ela não iria quebrar essa regra por qualquer um.
“Então tem planos para ser escritora quando crescer?”, James perguntou. Tecnicamente, eu já sou escritora, null pensou.
“É, sim.”
“Que legal. Quer dançar?”, ele perguntou erguendo a mão para ela. null olhou para a mão de James pensativa. Tinham falado a festa inteira sobre ele e quando encontrou uma chance, ele a convida para dançar. Então suspirou e segurou a sua mão.
“Claro.”

23 horas e 22 minutos.

null estava tomando limonada roxa enquanto null ainda estava se divertindo com null. Ele estava preocupado com null. Não conseguiram a achar até agora e resolveram dar uma parada na busca. null queria se divertir, e ele estava com sede.
Ele revirou o copo de plástico e suspirou. Colocou-o em cima da bancada e se sentou um pouco. null estava decepcionado. Decepcionado com ele e com null. Está assim com ela porque achava que ela nunca iria a uma festa dessas. Porque nunca iria sair com alguém que não fosse seus amigos. Porque nunca iria gostar dele como ele gosta dela. E estava decepcionado com ele por descobrir que gosta dela. null sempre gostou de null, desde a quarta série. Foi totalmente esquisito na época em que ele começou com isso. Ainda se lembra de quando estavam brincando de pega-pega-corrente, aos dez anos, e ele conseguiu a pegar. Tiveram que dar as mãos, porque o jogo funcionava desse jeito, e foi nesse momento que ele sentiu uma carga elétrica descer por sua espinha. null tinha ignorado isso o jogo inteiro até que um dos garotos, que brincava com eles, chegou para os dois e disse “O jogo mudou, pombinhos. É pega-pega normal agora.”. null olhou para as mãos deles ainda entrelaçadas e depois para ela. Eles soltaram as mãos ao mesmo tempo e riram nervosos. null saiu correndo para a brincadeira, e ele ficou parado, pensando em sua mão suada. Começou a achar que o batimento acelerado de seu coração era pelo o jogo. Mas não era.
null pediu mais um copo de limonada e ficou esperando sentado ali.
“Onde você está, null null?”, perguntou a si mesmo.

null estava ainda dançando com null. Estavam se divertindo juntos. Às vezes até parecia que ela estava dando em cima dele, o que o fez pensar: Por que ela estava agindo daquela maneira? Por que estava sendo tão legal com ele? E por que estava dando em cima de null?

Foi aí que ele chegou a uma conclusão: ela não sabia que era ele.

Sim! Isso fazia todo o sentido. Mas isso o deixou um pouco magoado. null não seria legal com null nem em sonhos. Só se ele fosse outra pessoa.
Venha em sua melhor fantasia, pois essa noite você poderá ser quem quiser...
Quem quiser ser... Agora a frase fazia utilmente sentido.
“Legal, chega.”, null riu e parou de dançar. null sorriu e parou também. “Vamos nos sentar um pouco.”
null o puxou no meio da multidão até um sofá mais afastado de todos, e sentaram ali. Ela respirou fundo, e ele apenas ficou a observando.
“É bom conseguir respirar.”, ela disse com um sorriso no rosto. null riu.
“Acho que é por isso que sempre fazemos isso.”, ele respondeu, e null riu. Ela se virou para ele.
“É.”, ela sorriu de leve. Sete centímetros. null ficou encarando seus olhos castanhos com admiração. null ainda estava com um pequeno sorriso no rosto quando começou a diminuir a distância entre os dois. O coração dele começou a disparar como um cão maluco no meio do mato. Será que ela iria mesmo beijá-lo? A dúvida foi morta quando null selou finalmente seus lábios com os dele e um beijo calmo se iniciou. null sentiu as mãos dela acariciarem seu rosto. E foi quando se deu conta de que era como se ela estivesse beijando qualquer um. E principalmente: que ela estivesse tentando tirar a máscara dele. Ele parou de beijá-la no exato momento, e ela o olhou confusa. null começou a pensar em uma resposta para o que acabou de fazer, mas nem precisou.
“Ei, Batman!”
Ele olhou para null ao seu lado.
null?”, null o olhou estranho.
“Oi.”, ele pigarreou. “Eu... Eu posso conversar com ele? É rapidinho.”
null olhou de um para o outro suspeitando e bufou.
“Claro.”
“Obrigado.”, null puxou null para longe dali.
“Valeu, cara. Na hora certa.”, ele sorriu, e null assentiu.
“Tá, tá. O fato é que...”, ele parou de andar e apontou para o jardim. “Eu achei ela.”

23 horas e 38 minutos.

null estava completamente entediada. James nunca mais a deixou falar qualquer coisa sobre si mesma, e, além disso, ficava mudando de lugar o tempo inteiro. Ela não sabia qual era o problema dele, mas sabia o seu: aquela festa. Com certeza se arrependeu de ter aceitado o convite e principalmente de ter deixado seus amigos de lado.
“Está tudo bem, null?”, ele perguntou se aproximando dela. Estava novamente naquele jardim enorme, na presença do céu. E não se dava para ver nenhuma estrela nele.
“Ham... Só estou com um pouco de coceira nos olhos.”, ela disse e começou a coçá-los para despistá-lo.
“Deixe que eu lhe ajude.”, ele tirou as mãos dela de seu rosto e segurou-o. James estava extremamente perto, o que a incomodava. Então ele começou a encarar seus olhos, e ela não teve escolha, senão, fazer o mesmo. Ele começou a aproximar seu rosto. Ele vai me beijar, pensou ela.
“James?”, uma voz disse, e ele parou no exato instante. Ele se desgrudou de null lentamente e se virou para a dona da voz.
“Oi Carla.”, ele respondeu, e null o olhou estranho.
null!”, uma voz gritou ao fundo, e os três se viraram na direção de null e null que corriam até eles.
null? null?”, ela perguntou confusa por fora, mas feliz por dentro. Era bom ver rostos conhecidos. “O quê...?”
null, você não pode ficar com ele!”, null disse, e null assentiu, concordando.
“Do que vocês estão falando?”, ela perguntou, e Carla pigarreou. Eles olharam para ela.
“Com licença? Estou tentando falar com esse traidor.”
“Traidor?”, null perguntou.
“Eu não tenho nada para falar com você.”
“Então é isso? A garota com quem você estava me traindo era null null? Eu deveria saber. Justo a esquisita. É... Até que você parece mesmo uma vagabunda.”
“Ei! null nem em pesadelos seria uma vagabunda!”, null disse bravo. null olhava para Carla com a sobrancelha erguida.
“Não era ela, Carla. Era a sua melhor amiga queridinha, Stephanie.”, James disse. Carla ficou surpreendida.
“Stephanie?!”
“Agora me dá licença que eu estava no meio de um lance.”
Lance. Essa palavra ficou na cabeça de null.
“Não caia na dele, null! Ele está te usando.”, null advertiu.
“É, ele quer fazer ciúmes nela.”, null apontou com a cabeça na direção de Carla.
“Você quer que eu sinta ciúmes dessa aí?”, Carla disse como se estivesse insultada, e todas as peças se encaixaram na cabeça de null null.
“Você quem começou.”, James deu uma piscadela, irritado. “Agora...”
“Espera.”, ela finalmente disse algo. Todos olharam para null. “Deixa-me ver se eu entendi. Carla nos convidou para essa festa, por causa de null. Mas, na verdade, só queria provocar ciúmes em James porque sabia que ele estaria vendo. James resolveu dar o troco me convidando para essa festa... E vocês sabiam de tudo?”, null se virou para seus amigos.
“Não! Sabíamos uma parte, tentamos te contar, mas...”
“E você tentou provocar ciúmes no seu ex-namorado que te traiu com sua melhor amiga?”, null se voltou para Carla, que ficou sem resposta. Ela olhou para James. “Então você nunca quis sair comigo?”
“Na verdade...”, ele olhou culpado para ela. “... Não.”
null riu pelo nariz.
“Sabia que não deveria ter vindo. Burra! Burra! Buuurra!”, ela bateu em sua própria testa.
null...”, null tentou, mas foi cortado:
“Isso só prova a minha teoria: as pessoas são falsas e idiotas.”, ela disse, e todos permaneceram em silêncio, atentos. “Sabe, James. Você provou uma coisa nesta noite. Que você é mais patético do que eu pensava.”
Ele pareceu surpreso.
“E você, Carla. Deveria tomar vergonha na cara e parar de correr atrás de um idiota que te traiu.”, Carla ficou em silêncio. Ela se virou para todos. “Fiquem com sua hipocrisia, eu tô fora. Obrigada e boa noite.”
null disse e saiu caminhando para longe dali.

null e null ficaram ali sem entender nada. Só uma coisa: queriam socar James.
Sem ao menos conseguirem raciocinar direito, alguém o cutucou. Ele se virou e tomou um gancho de direita. James cambaleou, tonto, e foi na direção da mesa de aperitivos, dando de cara com uma tigela de nachos com queijo.
“James!”, Carla disse e foi atrás dele. Eles olharam para uma Fiona parada ali.
“Já que nenhum de vocês fez algo, eu tive que fazer.”, ela deu de ombros, e null sorriu. “Você pode devolver o null agora?”
null sentiu seu coração voltar a acelerar.
“Você... Você sabe que...?”
“Querido, você achou mesmo que eu iria beijar qualquer um, senão, um dos meus melhores amigos?”, ela riu, e os dois coraram. Ela puxou a mão de null, trazendo-o para perto, e sorriu para ele, que sorriu de volta. null olhou para null. “Anda, vai atrás dela. Eu sei que você sabe onde ela está”, null disse, e null riu. Ele sabia mesmo. Por isso fez o que ela pediu e foi atrás dela.

23 horas e 53 minutos.

null permanecia em silêncio, apenas pensando. Ela odiou a noite. Ela odiou a noite profundamente. Sentiu nojo de James. Sentiu nojo de Carla. Sentiu nojo dela mesma. Aquilo era algo tão clichê que a fazia se sentir deprimida. “A garota que era usada para fazer ciúmes”. Céus, como ela pôde fazer parte disso? James era um babaca, assim como Carla. Ela tinha certeza que voltariam ainda hoje. Mas, de tudo, o que a fazia se odiar mais era o fato de ter aceitado sair com James. Por que ela fez isso? Não era ela que odiava esse tipo de pessoa? null fez algo que nunca imaginou que faria: deixou-se levar por um rostinho bonito.
Respirou fundo. Estaria bem melhor agora, dentro de casa, escrevendo suas histórias e tomando chocolate quente.
“O que eu pude fazer?”, perguntou para as estrelas.
“Nada.”

null tinha corrido uns dois quilômetros até chegar ao Parque Lincoln. Em um outro lado escondido dele, havia uma pequena floresta que dava na parte rural da cidade. null vivia falando desse lado. As estrelas eram melhores vistas sem poluição. E esse era um dos motivos que ela adorava o lugar.
“Até que você foi mais rápido do que imaginei que fosse.”, ela disse. null estava com as mãos nos bolsos, observando-a, de pé, e resolveu deitar-se ao seu lado na grama. Ele suspirou e os dois ficaram em silêncio, apenas observando a grande constelação no céu azul escuro. null começou a batucar no chão com as mãos, tentando quebrar um pouco a tensão que não existia.
“Eu me odeio.”, null finalmente disse.
"Hey, isso foi uma declaração mentirosa para alguém que sempre dizia se amar por nascer em um dia que não existe.", ele disse. Era verdade, null tinha nascido no dia 29 de Fevereiro de 1980, e ficava se gabando por isso. Ela suspirou.
"Eu estou falando sério."
“Não é sua culpa se...”
“Essa é a pior parte, null. Porque é minha culpa, sim. Se eu não tivesse aceitado o convite, nada desse constrangimento teria acontecido. Você não teria ficado bravo comigo. E eu poderia estar em casa agora.”
null continuou em silêncio. Talvez ela estivesse certa.
“O seu único erro...”
“... Foi ter confiado em gente bonita. Nunca mais farei isso.”
“Ei. Então você não vai confiar mais em mim?”
null sorriu.
“Cala a boca, Romeu.”, ela disse, e ele riu. Eles voltaram ao silêncio.
null começou a analisar o céu.

null estava pensando por que null foi atrás dela. Ela sabia que não era só por amizade. Porque se fosse apenas por isso, null estaria ali. Ou null. Mas não era nenhum dos dois, e, sim, null.
“Posso te fazer uma pergunta?”, null disse, e null assentiu.
“Manda.”
Ela ficou mais alguns minutos em silêncio.
“Por que você acha que as pessoas são assim?”, ela perguntou, e null começou a pensar. Então suspirou.
“Você quer dizer o porquê delas não ligarem para os sentimentos das que estão em sua volta?”, ele perguntou. null fez que sim. Ele deu de ombros. Ela não sabia se isso queria dizer que ele não sabia a resposta. Mas se fosse, ela ficaria triste. Essa era uma pergunta que sempre fazia, mas não tinha a resposta. “Sabe... Eu nunca parei para pensar nisso. Mas acho que a resposta seria algo também incompreensível. Quer dizer, essa pergunta é algo tão difícil e complicada, como a do como surgiu o Big Bang, ou por que o vírus é o único ser vivo que não é composto de células.”, ele inspirou e expirou fundo. “Na verdade, eu acho que o ser humano já veio com isso quando foi fabricado pela primeira vez. Eu diria que essa questão está ligada aos defeitos de uma pessoa. Algumas são mais egoístas, outras mais gananciosas, outras mais mentirosas e outras mais gulosas. Mas todas estão em busca de sua própria felicidade. Tudo o que uma pessoa quer é ser feliz. Sendo a felicidade temporária ou não, ela vai atrás. Mesmo que para ter esse tipo de felicidade você tenha que ir atrás do que está errado. Mas ninguém entende...”, ele deu uma pausa. null riu fraco, como se acabasse de descobrir algo que estava bem na sua frente. “Ninguém entende que a maior felicidade que um ser humano pode conseguir é fazer o próximo feliz.”, ele olhou para null, que o ouvia com atenção. “E isso tudo volta para a questão do amor. O que seria amar alguém? Amar de verdade alguém? Se eles soubessem o verdadeiro significado da palavra amor, iriam achar a felicidade que tanto procuram... E iriam tentar parar com tudo o que estava de errado na sua vida e, pela primeira vez, iriam correr atrás da felicidade verdadeira.”, ele disse finalmente. E null estava certo. As pessoas só são dessa maneira, pois correm atrás da felicidade errada. O que for melhor para elas no momento, sendo pior para alguns ou não, ela vai atrás.
null voltou a olhar para o céu, e ele fez o mesmo.

null conseguiu dar a maior indireta da sua vida, e null não percebeu isso. Ele suspirou.
“Por que você gosta tanto das estrelas?”, ele perguntou algo que sempre quis saber. null sorriu.
“Porque elas têm algo que nenhuma pessoa tem.”, ela apenas disse isso. null gostaria de saber o que era esse algo, mas achava melhor não. A resposta dessa pergunta nem precisava ser dita. E deveria ser guardada com muito cuidado, pois era algo precioso demais para qualquer um saber. E null não era qualquer uma.
null sorriu apenas com a linha da boca e respirou fundo. Levantou-se em um pulo.

1 de Novembro de 1996 – Meia noite em ponto. (Colquem essa música para agora: Young Folks)

“Ok, hora de deixar esse assunto um pouco de lado. Anda. Vamos comer um hambúrguer, Penélope.”, ele ergueu a mão para ela, que sorriu e a segurou.
“Que bom que você propôs isso. Quase ia comer as folhas das árvores de tanta fome.”, null respondeu e se levantou com a ajuda de null. Eles continuaram de mãos dadas e a se encarar. null estava conseguindo ver as estrelas refletidas nos olhos dela e sorriu de leve. null sorriu também e começou a se aproximar. Quinze centímetros. Dez centímetros. Seis centímetros. Três centímetros. Um centímetro. null deu um beijo no canto da boca dele. Ela olhou para null com um sorriso envergonhado e corada, enquanto ele continuava a não acreditar no que acabou de acontecer. “Vamos logo, null null.”
Ela começou a caminhar na frente, e ele se virou na direção dela. O jogo mudou, pombinhos. É pega-pega normal agora. null sorriu.
“É. O jogo mudou.”, disse para si mesmo. Alcançou ela e caminharam pelo parque na direção da lanchonete mais próxima.



Fim!




N/A: Primeiramente, eu gostaria de agradecer a você que leu até aqui... Então, obrigada.
Continuando, eu também gostaria de explicar uma coisa que acho que deve estar intrigando vocês (ou não). "Por que não tem um final ou qualquer coisa que indica o final ali?". A verdade é que essa estória não acabou e provavelmente nunca irá acabar. O que eu mostrei a vocês foi uma parte resumida da vida deles, a parte em que tudo começa a mudar, e simplesmente não achei justo dizer que este é o fim, sendo que estavam apenas no começo.
Outra coisa que eu gostaria de dizer é que não sou boa com shortfics. Sempre tento dar o meu melhor, mas sempre acho que tudo acontece muito rápido nesse tipo de fanfic. Tinha tentado escrever uma short no passado, mas também não deu certo, então me desculpe para você que leu e deve ter achado a pior estória que já leu na sua vida. Na real, essa estória é muito legal, pois acontecem várias coisas... O único problema é que elas não são mostradas a você. "Então... Você vai escrever uma continuação?". Não, eu não vou escrever uma continuação. Eu já disse, a estória continua, mas ela não será mostrada a vocês. E também, porque acho que estragaria o clima.
Em relação a James: eu tentei fazer ele o cara mais panaca que vocês já conheceram, mas... Eu não sei. Acho que ficou faltando mais nesta estória. Eu não sou boa em shortfics, galera, isso foi só um experimento! E olha que eu atingi um pouco a mais do máximo que deveria ter de páginas para ser considerada uma short...
Enfim, de qualquer maneira, eu tentei colocar uma coisa que está sempre na minha cabeça... Passei muitos dias pensando nessa pergunta que null faz para o null no final (PS: eu estou falando em relação a minha vida, não a shortfic) e não sabia a resposta. Foi aí que eu comecei a perceber que ela estava logo ali, na minha frente. Eu gostei tanto, que resolvi colocar nessa estória. Tudo o que ele disse é a verdade. Muitas pessoas sofrem por isso... Pelo fato de os outros serem maus. Porém, você não precisa ligar para eles, pois você também tem que ir atrás de sua felicidade. (PPS: Lembrem-se, felicidade verdadeira, não vão a procura dela no McDonald's)
Acho que é isso... Nunca escrevi uma Nota da Autora tão grande, mas isso não importa. Obrigada, mais uma vez, por ter lido essa estória e tenha uma vida legal!
Ass: Giulia M.

Nota da Beta: Qualquer erro encontrado, me avise pelo e-mail.

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