A Lógica do Impossível

Fic by: Lu Katto | Beta: Ste Pacheco



Leonard: Se nós realmente arranjarmos um novo amigo, ele precisaria ser um cara confiável. Um cara que te dê cobertura.
Howard: E ele precisaria ter muito dinheiro e viver em um lugar legal, perto da praia, onde nós poderíamos organizar festas.
Sheldon: Ele precisaria compartilhar nossa paixão pela tecnologia.
Howard: E ele precisaria conhecer muitas mulheres.
Leonard: Vamos ver: dinheiro, mulheres, tecnologia. Okay, nós concordamos. Nosso novo amigo será… O Homem de Ferro.

(The Griffin Equivalency – S02 E04)

Introdução

É um fato que a minha vida não é fácil. Ok, eu sei que muitas pessoas reclamam da vida e tal, mas a minha realmente não é fácil. Para começar, eu sou inteligente, o que apenas teoricamente é uma coisa boa. Pessoas burras não sabem que são burras e passam seus dias na nuvem feliz da ignorância. Pessoas inteligentes, por sua vez, sabem que não sabem quase nada e, no meu caso, que eu nunca serei boa o suficiente.
É como disse minha mãe quando a professora do primário comentou que a filha dela parecia muito inteligente: sim, também estou decepcionada, de uma criança com os meus genes, alguém esperaria algum nível de óbvia genialidade.
Ah, sim, minha mãe é uma neurologista e psiquiatra super premiada, meu irmão é professor em Harvard e minha irmã está prestes a achar a cura da diabetes. Mas, hey, quem é que gosta de falar sobre sua respectiva família, certo?
De qualquer modo, eu não falo com nenhum deles desde... O natal retrasado, provavelmente. Não que exista qualquer tipo de ódio, nós apenas não temos muito para falar um para o outro. E, sim, eu gostaria que as coisas fossem diferentes, mas quem é que vive no mundo perfeito? Definitivamente, não Hofstadter, porque, como já previamente afirmado, a minha vida não é fácil.
Sinto que as pessoas me ignoram em todas as áreas da minha vida. Meus últimos namoros foram nada mais do que um fracasso. Profissionalmente, meu trabalho é usualmente visto como de segunda categoria e, de acordo com o meu colega de apartamento, físicos experimentais não são físicos de verdade.
Meu colega de apartamento. Meu obcecado, cheio de manias e incompreensível colega de apartamento. Sheldon Cooper é o principal fator que torna complexa a minha equação cotidiana. Porque NÃO, a minha vida NÃO é fácil.
Então, eu não deveria ter ficado surpresa com os acontecimentos que estou prestes a te contar. Hey, se um dia a quarta parede que separa o universo fictício do real tivesse que ser quebrada, isto obviamente iria acontecer no meu apartamento.

1.

Pisquei uma. Duas vezes. Três, quatro, cinco, seis. E, sim, ainda havia uma armadura vermelha e dourada estendida no sofá.
Respirei fundo, antes de me dirigir para o quarto de Sheldon, com passos duros. Ele abriu a porta, segurando dois suspeitos tubos de ensaios brilhantes. Resolvi ignorar as implicações disto.
- Sheldon, você tinha me prometido parar de usar o ebay.
- Você usou a palavra tempo e o termo indeterminado. Logo, uma colocação não precisa o suficiente, que eu corretamente interpretei como sendo o tempo que eu julgasse adequado.
- Dois dias? Sério?
- Huh – Sheldon se virou e depositou seus tubos, com cuidado demasiado, na mesa de cabeceira – Meus cálculos disseram que o colorímetro só chegaria na próxima semana.
- Colorímetro? Do que você... Estou falando da armadura no nosso sofá.
- Armadura.
- Sim, armadura. Vermelha e dourada. Deve ter custado algumas centenas de dólares.
Encaramo-nos por alguns longos segundos, até Sheldon soltar uma risadinha com o canto da boca.
- Oh, sarcasmo.
- Quê? Digo, não! Meu Deus, só vem comigo, ok?
Puxei-o pelo braço, antes que Sheldon pudesse começar algum discurso sobre a improbabilidade de uma situação ser melhorada pela ajuda de um ser superior inexistente. Logo, estávamos na sala e a armadura continuava ali. Apontei para ela.
- Viu?
Fiquei satisfeita em ver a expressão de choque na cara, quase sempre neutra, de Sheldon, mas a satisfação durou apenas dois segundos, até este comentar.
- O capacete está no meu lugar.
- Sério? – Levei a mão aos cabelos, desesperada – Você realmente quer se concentrar nisto?
- , aquele é o meu lugar. Perfeitamente ajustado para –
- Sim, eu sei – Interrompi. – Já ouvi isso antes. Mas que tal discutir o fato de você ter comprado uma réplica da armadura do Homem de Ferro com o nosso dinheiro para emergências?
- Eu não comprei isto – Sheldon disse, ainda com os olhos fixos no sofá. – E, definitivamente, não a coloquei no meu lugar.
Franzi a testa.
- Mas se você não... Então quem... Howard! Howard deve estar tentando esconder de Bernadette.
- O capacete certamente parece com o do nosso colega sem doutorado.
Revirei os olhos diante da maneira como Sheldon escolheu descrever Howard.
- Sim, mas acho que o modelo dele é mais antigo. Este é o do novo filme, não?
Estava mais calma, agora que eu sabia que meu dinheiro não estava envolvido. Precisava admitir que a armadura era bem legal. Aproximei-me para examiná-la mais de perto.
- Não, a do último filme é diferente.
- Claro que não, aposto que é esta sim.
Agachei-me e só então percebi que alguém estava usando a armadura. Seria Howard tentando pregar alguma peça? Finalmente retirei o capacete e soltei um gritinho, vergonhosamente, agudo.
- Oh, meu Deus! Quem sequestrou o Robert Downey Jr.?

2.

Eu vou matar o Howard. Não, vou fazer picadinho dele e depois matá-lo. E depois vou... Pensei enquanto procurava o nome dele na agenda do meu celular.
- Você poderia congelar ele – Sheldon disse. – Se você congelar alguém antes, você evita a bagunça na hora de cortar a pessoa em picadinhos.
Ok, quem sabe eu não estivesse pensando, mas falando em voz alta. De qualquer maneira, Robert Downey Jr. continuava dormindo no meu sofá. Aparentemente, estrelas de Hollywood possuem o sono pesado.
- Howard! – Esbravejei, quando este finalmente atendeu. – Comece a se explicar!
- Se Sheldon descobriu sobre o mural da universidade, a ideia definitivamente foi do Raj.
- Não se faça de bobo. Estou claramente falando do ator no meu sofá.
Um curto silêncio.
- Isto é algum código para sacanagem?
Qual é o problema dos meus amigos?
- Não! Me explique por que o Sr. Downey Jr. está no meu sofá.
Um silêncio um pouco mais longo.
- Robert Downey Jr. está no seu sofá.
- Foi o que eu acabei de dizer.
- Eu chego em cinco minutos.
Ouvi o baque do celular atingindo o chão, antes da ligação cair. Suspirei. Claro, Howard tinha uma estranha man crush pelo cara desde a época da faculdade, a qual só aumentou depois que ele foi escolhido para o papel do Homem de Ferro. Mas o relevante é que se Howard não é o culpado... Então, o que está acontecendo?
- A respiração dele indica que nosso inesperado hóspede está prestes a acordar.
Sheldon constatou, ainda com os olhos fixos no seu lugar.
- Bem, quem sabe ele possa nos explicar a situação.
Assim como previsto por Sheldon, cerca de um minuto depois, o homem no sofá abriu os olhos. Ele soltou um gemido e levou as mãos à cabeça.
- Céus, eu nunca vou beber novamente.
- Achei que você tivesse superado esta fase?
Perguntei, chamando a atenção do nosso hóspede. Este se virou na minha direção e piscou algumas vezes, antes de abrir um sorriso injustamente charmoso para alguém que acabou de acordar.
- Hey, nós nos conhecemos?
- Bom, eu acho que grande parte da América conhece você.
- Isto é verdade – Ele riu, enquanto mudava a posição para sentado. – Eu sou popular.
Sheldon apareceu do meu lado, mais rápido que o The Flash.
- Você está no meu lugar.
- Oi?
- O meu lugar. Este é o meu lugar.
- An... Você quer se sentar?
- Não, no momento quero ficar de pé, mas na hipótese de querer me sentar, eu não poderia, porque você está no meu lugar. – Sheldon fez uma pequena pausa. – Você está no meu lugar.
Eu fiz um sinal de louco com a mão direita e Robert pegou a deixa, dando de ombros enquanto se levantava. Sheldon soltou um murmúrio de aprovação.
- Como eu vim parar aqui mesmo?
- É o que estamos tentando descobrir.
- Bem, eu não me lembro de nada útil.
- E o que é a última coisa que você se lembra? – Me dirigi para a cozinha. – Quer um copo de água?
- Você não tem nada mais forte? Eu estava no laboratório, analisando esquemas com Jarvis.
Preenchi o copo com água, de qualquer maneira.
- Jarvis? Vocês já estão filmando as cenas para o próximo Vingadores?
- A SHIELD está filmando nossas missões agora? Eu não deveria estar surpreso.
- Oi? Alguém precisa fazer o trabalho técnico, não?
- Trapaceiros esguios. É isto que eles são.
- Hey, não apenas de atores se faz um filme.
- Acredite, moça, os bastidores são sujos neste caso.
- Não me chame de-
Fui interrompida por Sheldon se colocando exatamente no meio de nós dois, o braço estendido e a palma da mão em um sinal de Pare.
- Espera. Qual é o seu nome mesmo?
Robert pendeu a cabeça para o lado.
- Tony Stark, claro.

3.

Derrubei o copo no chão.
- Ok. Quase caí nesta. Você é mesmo um ótimo ator.
- Eu sou ótimo em tudo, obrigado, mas não estou atuando.
Antes que eu pudesse encontrar uma réplica adequada, Sheldon estava iniciando um aperto de mãos, bizarramente longo para os padrões dele.
- É um prazer conhecê-lo, Mr. Stark. Devo dizer que nenhum herói fica nos limites das leis da física tão bem quanto você.
- Huh? Nunca tinha ouvido esta antes, mas é sempre bom conhecer um fã.
Tony, quer dizer, Robert respondeu com um sorriso convencido. Eu me dirigi até eles, exasperada.
- Você realmente quer que a gente acredite que –
- Shiuh, . O contrato de colegas de apartamento claramente diz que na hipótese da visita de um super herói, eu tenho o direito das três primeiras perguntas.
- Quê?
- Parágrafo terceiro, artigo 75. A primeira pergunta, o nome dele, não conta, claro, uma vez que eu estava apenas averiguando o terreno.
- Não, eu quero dizer... Este não é Tony Stark!
- Oh, – Sheldon deu uma risadinha superior, como se eu fosse uma garota de cinco anos. – Claro que este é Tony Stark.
- Não, não é! E sabe por quê? – Finalmente perdi a paciência e quase gritei. – Porque Tony Stark é um personagem fictício!
Da cozinha, com a porta da geladeira aberta, o importuno hóspede disse. – Sem querer interromper, mas, sim, eu sou Tony Stark.
- Pare com esta palhaçada!
- Não, sério, você conhece outra armadura que possa fazer isto? – Ele pausou por um segundo. – Não mencione a War Machine.
De braços cruzados, eu esperei por algum movimento de artes marciais tosco e desengonçado, mas, então... De repente... De repente, havia um homem numa armadura vermelha e dourada flutuando no meu apartamento.
- Mas, mas, mas-
Isto é impossível! Antes que eu pudesse recuperar qualquer linha de pensamento, a porta de entrada foi aberta com um estrondo, seguida de um gritinho ainda mais afeminado que o meu.
Howard estava com as mãos no peito.
- Eu morri e o céu é o paraíso dos fãs de quadrinhos!

4.

Preparei o chocolate quente visualizando uma casa de dois andares, muito parecida com as demais do bairro, no qual crianças pedalam suas bicicletas e donas de casa regam seus jardins. Uma imagem muito próxima do meu ideal de vida, algo tão simples, normal e principalmente tranquilo.
Suspirei.
Tony estava bem relaxado para alguém que acordou em um universo alternativo. Inclusive, ele acreditou em tudo, antes mesmo de ver os vídeos no youtube. Ele apenas disse, huh, que sorte de vocês, ter um ator tão charmoso no seu mundo. Preocupei-me pela sanidade mental de alguém que não estranha uma viagem supostamente impossível entre mundos.
Mas, então, o que se pode dizer a respeito dos meus amigos?
Acrescentei mais água, porque seria preciso.
Tony estava montando algo na sala de estar e reclamando da ausência de uísque. Um hóspede muito inconveniente. E falando de hóspedes indesejados, ainda não conseguimos tirar Howard do apartamento. Ele se mudou para a nossa poltrona e ficava encarando Tony, com olhos arregalados, os quais adquiriram um brilho quase aterrorizante.
Um brilho muito parecido podia ser encontrado nos olhos de Raj, que continuava sem dizer nenhuma palavra. Aparentemente, sua mudez seletiva estende-se para super heróis, o que, de certa maneira, muito me ofendeu. Afinal, Raj conseguia falar comigo mesmo sem estar bêbado. Isso porque, quando ele me conheceu, achou que eu era um garoto, o que, segundo, ele muda tudo.
O que uma garota faz quando alguém diz que a confundiu com o sexo oposto? Tudo bem, que eu estava com um moletom três números maiores que o meu e o cabelo curto naquela ocasião, mas não ia considerar isto como uma justificativa.
Claro, não podia esquecer Penny. Penny que declarou em voz alta que Robert Downey Jr. sempre esteve na sua lista de celebridades com as quais ela transaria sem quaisquer questionamentos. E, claro, que Tony entendera a deixa. Cinco minutos e Penny já arranjou uma transa. E eu aqui, reduzida somente à preparadora oficial de chocolate quente. Digo, não que eu queira transar com Tony Stark, não é isto. Estou apenas evidenciando a injustiça que é a minha vida.
Sheldon apareceu na sala de estar, franziu a testa e deu meia volta.
Meu colega de apartamento se trancou no quarto desde que Howard e Raj se recusaram a deixar o imóvel no horário adequado. De tempos em tempos, ele vinha checar se ninguém estava sentado no seu lugar.
Sim, é o que eu sempre dizia, eu precisava mesmo de novos amigos. E de uma nova vida. Uma vida mais fácil.
- Não quero ser estraga-prazeres – Disse, enquanto levava a travessa com as canecas de chocolate quente. – Mas, nós não deveríamos estar pensando em um modo de você voltar para o seu mundo?
- Por quê? Já se cansou de mim?
Tony sorriu e deu uma piscadela, sempre pronto para tirar com a cara de alguém. Eu revirei os olhos.
- Porque você, obviamente, não deveria estar aqui. Se existisse um manual sobre universos alternativos, aposto que a primeira regra seria que você não pode passear entre eles.
- Huh – Tony coçou o queixo. – Eu acho que este manual existe?
- ...
- Não, sério, Thor mencionou algo do tipo, uma vez.
- É? Digo, bem, oras, então você concorda que precisa voltar para casa?
- Eu estou me divertindo! É sempre bom conhecer fãs.
Ele piscou para Howard e Raj que soltaram pequenos esguichos apaixonados. Revirei os olhos.
- Estou certa que você pode achar fãs no seu próprio mundo.
- Não sei? Há pessoas únicas por aqui.
Tony se inclinou de leve e apoiou o queixo na mão direita. Se eu não soubesse melhor, juraria que Tony Stark acabou de flertar comigo.

5.

É um trabalho sofrível ser a voz da razão de um bando de cientistas, mas alguém precisa assumir este fardo. Após um misto de reclamações, argumentações exaustivas e a ameaça de cancelar a assinatura da Marvel, eu consegui convencer todos de que, sim, o Homem de Ferro precisava voltar para seu universo super poderoso.
Claro, que isto iniciou outro problema. Como exatamente fazer isto.
- Você pode construir uma máquina inter dimensional. – Sheldon sugeriu, em tom sério. – Isso resolveria o problema.
- E como eu construo isto?
- Com a união dos nossos intelectos, não vejo qual seria a dificuldade.
Distribuí os chocolates quentes.
- Como você pode ver, Sheldon é muito modesto.
- Oh, eu entendo – Tony sorriu, de um modo irritantemente perfeito. – A modéstia é, de qualquer modo, superestimada.
- Não é o que eu sempre digo? – Howard se meteu na conversa. – Nós, gênios, precisamos mostrar nossas habilidades.
- Nós? – Sheldon soltou uma risadinha. – Que uso inadequado do pronome.
- O que você –
- Quando mencionei os intelectos elevados, estava claramente me referindo a apenas duas pessoas nesta sala.
- E vamos continuar na ignorância, não? – Interrompi, antes que uma discussão pudesse se iniciar. – Experimentem seus chocolates.
Meu celular vibrou, em seguida o tema de Dr. Who tomou conta da sala.
- Alô? Amy, oi, tudo bem? Sério? Ótimo. Ótimo. Estou esperando a ligação. Ótimo. Obrigada. Sim, sim. Obrigada, de novo.
Desliguei o celular e fui, animada, dar a nova informação, quando Sheldon foi mais rápido.
- Você mantém contato com a Amy?
- Sim, por que eu não manteria?
Sheldon não entendeu a retórica da pergunta.
– Porque este não é o seu papel.
- O meu papel?
- Sim, você está ultrapassando os limites próprios do seu papel no nosso relacionamento.
- Tenho até medo de perguntar, mas como é que é?
- Oras, você deveria-
- Amy é a namorada de Sheldon?
Tony, felizmente, interrompeu o discurso sem noção. Eu suspirei e bebi um gole de chocolate quente.
- Sim. Até mesmo Sheldon tem alguém especial.
- Isto é inacreditável?
- Quase inaceitável! E eu permaneço solteira.
- É? – Tony parou a xícara perto dos lábios sorridentes. – Quem sabe você esteja no mundo errado.
Eu fiquei sem palavras, me perguntando o que exatamente o Sr. Super Herói na minha frente quis dizer com isto. Antes que eu pudesse chegar a qualquer conclusão, meu celular tocou de novo.
- Ah, sim, esqueci de dizer. Um amigo da Amy concordou em nos ajudar.
- Que amigo?
Sheldon perguntou e se fosse outra pessoa eu diria que em tom ciumento.
- Um amigo que gosta de um mistério.

6.

- Boa tarde.
A voz masculina e jovem se pronunciou, tomando conta da sala, no viva voz.
- Oi, Sr. Holmes, aqui é a .
- Obviamente.
Revirei os olhos. Gênios, quem precisa deles?
- Acredito que Amy te colocou a par da situação?
- E eu fiquei suficientemente curioso.
- Eu diria que a situação é mais intrigante do que curiosa – Sheldon considerou. – Potencialmente curiosa, apenas.
- Equivocado. De um ponto de vista semântico –
- Na realidade – Tony interrompeu, em tom animado. – Eu diria que a situação é mais excitante do que qualquer outra coisa.
Gênios, quem realmente precisa deles?
- Fico feliz que ao menos alguém esteja se divertindo com tudo isto – Comentei, irônica. – Porque eu não estou.
- Isto sempre pode ser resolvido.
Tony soltou e eu me perguntei qual era o objetivo dos seus comentários inadequados. Não é como se ele pudesse estar interessado.
- Podemos voltar ao tópico, por favor?
- Uma questão não pode ser resolvida sem o conhecimento de todas as variáveis – Sherlock disse, em tom didático. – Logo, eu fui atrás daquela que estava faltando.
- E a encontrou?
- Eu não estaria ligando se a resposta fosse negativa.

7.

O Sr. Holmes se recusou a dizer quem exatamente iria nos visitar, mas garantiu que o mistério estava praticamente resolvido. Eu teria insistido, mas me lembrei de Amy dizendo que o cara é meio recluso, então achei melhor não pressionar. De qualquer maneira, tive a impressão que o Sr. Holmes considerava o caso resolvido, logo, seu interesse já esvaneceu.
Depois de dois dias, finalmente consegui tirar Howard e Raj do meu apartamento e as coisas estavam quase normais. Tirando a parte que Tony Stark, aparentemente, não dormia, tendo em vista que o colchão ao lado da minha cama estava intacto. Sim, em outro lar, o convidado dividiria o quarto com o homem da casa e não com a mulher, mas alguém realmente consegue imaginar Sheldon Cooper dividindo alguma coisa?
Por alguma razão, estava sem sono e, por isto, me dirigi para a sala, jogando um roupão folgado sobre o meu pijama surrado.
- Gênios também precisam dormir.
Tony levantou os olhos dos papéis na sua frente e sorriu. O inacreditável é que, de alguma maneira, ele manteve o seu charme mesmo com olheiras se formando embaixo de seus olhos cansados.
- Isso é apenas rumor.
Fiz uma xícara de chocolate quente e me sentei ao lado dele.
- O que você está fazendo?
- Apenas esquemas para as novas flechas do Barton. Nada importante.
- Parece importante – Observei os esquemas. – E complicado.
Não era uma pessoa burra, como já estabelecemos, mas os desenhos de Tony pertenciam a um nível diferenciado. O engenheiro deu de ombros.
- Apenas rascunhos. Nada demais.
Para alguém nada modesto, Tony Stark reagia de maneira estranha a elogios.
- Eu achei impressionante, de qualquer maneira - Tony agradeceu, com outro dar de ombros. – Mas você ainda precisa dormir.
- Ok, mãe.
Revirei os olhos.
- A minha sempre me ensinou a não me preocupar com a saúde alheia mesmo.
- Sério?
- Não, ela estava muito ocupada lamentando minha pouca inteligência.
- Se isso te consola, ser inteligente não fez os meus pais prestarem muita atenção em mim.
Considerei por alguns segundos.
- Não me consola?
- E que tal o fato de a infância de um gênio rico e lindo também ter sido uma droga?
Isso me fez rir. Então, Tony acrescentou.
- Quem sabe crianças sejam programadas para serem infelizes.
- Ou infâncias felizes apenas sejam superestimadas.
- Fato. Não conheço muitas pessoas que cresceram em uma casa rosada, pulando amarelinha e soltando pipas.
- Este é o seu ideal de felicidade?
- Você entende o que eu quero dizer.
Pensei no meu próprio ideal e concordei.
- É, eu acho que sim.
Terminei meu chocolate e fiquei observando Tony trabalhar. Foi ele quem quebrou o silêncio após alguns minutos.
- Sabe o que é injusto?
- Algumas pessoas dividirem apartamento com Sheldon Cooper?
- Não, você saber tudo sobre mim e eu quase nada sobre você.
- Quem disse que eu sei tudo sobre você?
- Não sabe?
O sorriso de Tony era tão convencido que me fez revirar os olhos. Tenho feito muito isto ultimamente, não?
- Ok, ok, eu li os Comics.
- É claro que leu.
- Como é que é?
- Você é uma geek.
O encarei estupefata.
- Vou escolher tomar isto como um elogio.
- Hey, eu lia os do Capitão América. Não há nada errado com isto.
- Apenas me torna menos feminina.
- Quem disse isto?
- E alguém precisa?
Sim, eu sabia o que era, ok? Não tinha ilusões quanto a minha inexistente capacidade de atrair o sexo oposto para algo além da amizade.
- Você poderia adotar um novo estilo de roupas e colocar lentes.
Certo, agora estava começando a ficar ofendida.
- E também nascer de novo?
- Não entendi, no que isto ajudaria?
Comecei a me levantar.
- Hey! Senta aí! Eu só estava brincando.
Não me sentei.
- , sério. Brincadeira. Juro.
A última parte, quem sabe.
- Esquece, Tony. Vou dormir – Nem sei o porquê de estar tão ofendida. Não é como se eu me importasse com a opinião de um personagem fictício. – Você pode ficar na sala, já que isto te faz feliz.
Dirigi-me para o meu quarto antes que ele pudesse soltar mais algum comentário idiota.
No dia seguinte, abri meus olhos míopes e, ainda sonolenta, quase tropecei em alguma coisa. Mais especificamente em alguém. Tony Stark estava esticado no colchão ao pé da minha cama.
Típico. As pessoas amavam me contrariar.

8.

Fui para a universidade, fui totalmente ignorada como sempre, peguei chuva na volta, mas o relevante é que eu consegui evitar Tony Stark pela maior parte do dia. Não me deixei convencer pela cara de cachorro chutado dele, porque ela era obviamente falsa. Como tudo. É fútil a própria respiração do engenheiro, que deveria ter permanecido na tela do cinema.
Howard e Raj ainda estavam batendo ponto aqui. Quando cheguei do trabalho, eles e meu hóspede indesejado estavam construindo algo que parecia muito com um protótipo de um reator nuclear. Há vinte minutos, eles foram atrás de novas peças, mas eu realmente não queria pensar nisto. O mínimo de envolvimento na loucura alheia é benéfico.
Ainda afrontada, estava lendo os meus velhos gibis do Batman, quando as conhecidas batidas na porta começaram.
- . . .
Respirei fundo e contei até dez mentalmente. Nunca um bom sinal. Abri a porta, esperando o pior.
- Sim, Sheldon?
- Tem alguém na nossa sala de estar.
- Alguém que por acaso construiu uma armadura de ferro no Afeganistão?
Um curto silêncio.
- Sarcasmo? Não, alguém com uma bengala.
- Com uma bengala?
Intrigada, fechei a porta do quarto e segui Sheldon. Ele não estava mentindo. Parado, na porta do nosso apartamento estava... Fechei os olhos e implorei, em tom desesperado.
- Por favor, me diga que você é o Hugh Laurie.

9.

- Eu sou o Hugh Laurie. A mentira te faz se sentir melhor?
- Na verdade, não.
- E eu ganho pontos de bônus se fingir me importar?
Levantei as mãos para o céu.
- Sim, outro gênio. Era mesmo o que eu precisava. Por que todos eles vêm parar no meu apartamento?
- Nunca te falaram que mentes brilhantes pensam iguais? Então, elas também se atraem.
Lançei um olhar descrente.
- Ou, alternativamente, Sherlock Holmes me mandou aqui.
Tony, Howard e Raj chegaram naquele instante.
- Hey, Dr. House veio nos visitar.
Eu anunciei.

10.

- Então, doutor, qual é a sua história?
Dr. House estava sentado na poltrona e eu terminei de servir a nova rodada de chocolates quentes. Tony, desconfortavelmente, deu um modo de acabar sentado do meu lado. Tentei manter o máximo de distância possível na presente circunstância.
- Bem, até que ponto vocês a conhecem?
- Você fingiu a sua morte, não? – Howard pausou e Raj murmurou algo no ouvido dele. – E depois saiu de moto com o seu melhor amigo.
- Que estava morrendo de câncer.
Acrescentei, com um pouco de pena. Eles pareciam muito próximos no programa de TV. Entretanto, o médico na poltrona não parecia com alguém em luto. Ele sorriu, enigmático.
- Exato. Wilson, pobre idiota, sempre tão pessimista e paranoico. E, ainda assim, importante demais para morrer.
- Sentimos muito pela sua perda.
- Perda? Eu nunca perco nada.
Trocamos um olhar. Apenas Tony e Sheldon não pareceram achar que algo estava estranho. O primeiro por não saber a história toda e o segundo... Por ser Sheldon Cooper.
- Er... O câncer dele era terminal.
Howard comentou, tentado ser sensível.
- A resposta existe para aqueles que sabem procurar. Até mesmo para a morte.
Eu bebi um gole de chocolate, sentindo o início de uma dor de cabeça. Ao meu lado, Tony foi o primeiro a entender a situação.
- Você o trouxe para este universo e isto o salvou.
- Exato. Um universo em que seu equivalente esteja saudável e as consequências são incríveis. Foi, por mais que eu odeie a expressão, como um passe de mágica.
- Espera! – Interrompi. – Você, voluntariamente, pulou para outro universo?
- Circunstâncias extremas exigem medidas extremas.
- E quando vocês derem de cara com, não sei, o Hugh Laurie e o Robert Sean Leonard?
- Por favor, você se preocupa mais do que o Wilson. Eu sei nos esconder. Estamos morando em um pequeno vilarejo no norte da Escócia.
- Por quê?
House deu de ombros.
- Eu sempre quis ser britânico?
- Não, por que você não percebe que isto está errado?
- Para mim tudo parece certo – House disse, sério. – Não é como se existisse um manual.
- Na verdade, eu acho que existe – Tony comentou. – Mas isto não vem ao caso. Relaxa, menina, o doutor está certo.
Revirei os olhos. Claro, que o Sr. Gênio Intrometido concordou com o outro. Tony bebeu um pequeno gole de chocolate (ao menos ele parou de pedir uísque) e acrescentou.
- A questão é: como vocês vieram parar aqui?
- É uma longa história e vocês não querem tentar a minha tática. Envolve um pacto com um demônio.
- Isto não acaba com você indo parar no inferno?
- Eu não estava caminhando para outro lugar mesmo. E um universo sem o Wilson seria um inferno por si só.
Senti um arrepio na espinha, porque House obviamente estava falando sério. De maneira quase inconsciente, me aproximei um pouco de Tony.
- Parece mais o roteiro de Supernatural.
- Sim, Dean Winchester foi de grande ajuda.
- Espera. Supernatural é real no seu universo?
- Sério? – House encarou, com uma sobrancelha levantada, a minha expressão de choque. – Esta é a coisa mais estranha que você ouviu nesta semana?
Suspirei. A verdade é quase sempre deprimente.
- Não que venha ao caso, mas meio que vem – Tony disse. - Eu não pretendo fazer pacto com nenhum demônio.
- Não será preciso – House afirmou. – Eu e Sherlock chegamos juntos a um plano de ação, o qual é até meio óbvio quando você para e pensa.
- Oh! Um plano de ação científico? – Sheldon se animou. – Uma máquina inter dimensional?
- Não, vocês apenas precisam da ajuda do equivalente do nosso amigo de ferro deste universo.
- Huh, isto faz sentido – Tony considerou. – A improbabilidade do encontro deve criar uma resposta que de tão inesperada é a desejada.
- Como um ponto de intersecção entre universos – Sheldon complementou.
- Exato. Isto deve funcionar.
- Com certeza! – Howard concordou, porque ele concordaria com qualquer coisa que saísse da boca de Tony Stark. – E Raj acha o mesmo! Vamos fazer isto!
Revirei os olhos e decidi trazer todos de volta à realidade.
- Ah, sim, fácil dizer. Porque todos nós aqui somos melhores amigos do Robert Downey Jr.


11.

Tony acabou bolando um plano que de tão mirabolante, segundo ele, não poderia dar errado. Eu não achei tão mirabolante assim, mas vejo muitas formas de como ele poderia ser um desastre. Em linhas básicas, envolvia procurar o ator na cerimônia do MTV Movie Awards de amanhã. E House se passando pelo Hugh Laurie é nossa melhor chance. Afinal, Robert sendo uma das atrações, obviamente já teria ingressos.
Antes de sair de casa, perguntei a House por que ele está ajudando e o ex-médico deu de ombros.
- Wilson diz que eu preciso treinar a bondade do meu coração. E que não ter mais alma não consiste em uma desculpa.
Esta declaração não me deixou mais confiante.
Estávamos esperando no carro, House conversar com a recepção da MTV. Eu era a única que não precisava trabalhar, ninguém sentia a minha falta mesmo, e por isto estava acompanhando Tony.
- Sabe o que é uma boa oportunidade agora?
- Para você treinar a arte de permanecer em silêncio?
- Não, para eu me explicar.
- Por favor, não.
- Não, sério – Tony pulou para o banco de trás. – Naquela outra noite, eu não quis implicar que você precisa mudar o seu visual.
- Ah, não?
Questionei, cética.
- Sério mesmo. Juro pela alma da minha mãe.
- Você não se importa com a sua mãe – Acusei.
- Pela alma metálica de Jarvis, então?
Por alguma razão, isto me convenceu. Suspirei.
- Ok. Vai, você tem dois minutos. Explique-se.
- Eu só quis apresentar maneiras dos outros te acharem mais feminina. Particularmente, não acho que você precise mudar nada.
- Tony, você pode parar de mentir.
- Eu não minto, apenas distorço a realidade e, neste caso, não estou fazendo nenhum dos dois. Você é fantástica, .
- Eu sei que não sou o tipo de ninguém e, principalmente, não o seu.
Sabia que estava soando melodramática, mas, sério, não estava com humor para elogios infundados e falsos. Não sabia qual era o jogo aqui, mas absolutamente não gostava deste.
- E qual é o meu tipo?
- Loiras com peitos grandes?
- Hey, admito que não tenho o melhor histórico.
- Definitivamente.
- Entretanto, considerando o estado da minha vida amorosa, quem sabe eu devesse tentar um tipo ainda não testado.
- Tony, isto não é um jogo.
Eu afirmei, irritada, minhas mãos tremendo. Tony apoiou a cabeça no queixo.
- Claro, que não é. Porque se fosse, eu não estaria perdendo. Emprestando palavras sábias, eu nunca perco – Ele piscou, com seus cílios ridiculamente longos. - Eu estou perdendo, ?
Fiquei comovida pelo instante que levou para eu lembrar com quem estava falando. Perdi a paciência e o empurrei para longe de mim.
- Pare de brincar, ok?
- Por que você não pode aceitar o meu flerte?
Tony rebateu, rápido.
- Você está flertando comigo?
Esta era muito boa mesmo. Como se eu não soubesse que ele estava apenas tentando me constranger. Sei lá com qual finalidade.
- Sério? Nunca fui acusado de ser discreto.
- Você está é levando adiante uma piada de mau gosto.
Tony estreitei os olhos.
- Quem sabe eu preciso ser mais direto.
E, de repente, ele estava com o rosto a poucos centímetros do meu, com a mão na minha nuca e juntando os nossos lábios. Meu coração se acelerou, antes que eu pudesse considerar qualquer reação racional e, para o meu horror, a minha língua respondeu aos movimentos da dele, como se isto fosse certo. Como se... Elas pertencessem juntas e isto era totalmente ridículo. Apesar do meu coração não querer parar de acelerar.
Finalmente, minha mente venceu a batalha e eu me afastei, não sem antes dar um sonoro tapa no rosto perfeitinho dele.
- Meu Deus. Eu bati no Homem de Ferro.
A porta do carro foi aberta.
- Obviamente interrompi alguma coisa. Que constrangedor. Alguém mais não dá a mínima? Aqui, consegui quatro convites para o MTV Movie Awards.
Ótimo. Isto acaba amanhã.
Meu coração respondeu com um aperto desconfortável.

12.

Ouvi um barulho súbito, me levantei da cama, em um pulo. O que estava acontecendo? Unicórnios voadores resolveram aparecer? Porque isto seria até menos estranho do que tem acontecido nos últimos dias. Estava na sala, em dois pulos, até me esquecendo de jogar o roupão sobre o meu pijama cinza surrado.
- O quê? O que está acontecendo?
Apenas Tony estava no recinto, a armadura em cima da mesa, uma chave de fenda nas mãos e uma expressão inocente.
- Nada? – Então, ele piscou. – Mas você ficaria melhor de camisola.
Revirei os olhos e me virei para voltar a dormir, mas ele foi mais rápido. De alguma maneira, antes que eu pudesse dar um passo, ele estava segurando o meu braço esquerdo.
- Hey, acho que não me expressei direito.
- O que você quer?
- Não, sério, acho que fiz você achar que eu não quero algo sério.
- E desde quando você é sequer sério? Eu li os comics, lembra?
Tony riu.
– Eternamente em desvantagem, pelo visto. Mas, tipo, sério, eu quero ser sério agora.
Bati o meu pé descalço, impaciente.
– A falta de sono está alterando seus neurônios?
- Olha, eu estou trabalhando na armadura.
- E...
Fiquei confusa com a mudança súbita de assunto.
- Eu penso muito quando estou trabalhando, sabe? E, tipo, eu não estou dizendo que estou apaixonado por você, ou algo assim, afinal, isto até seria anormal.
- Certo. Eu vou dormir.
Porque obviamente é absurdo alguém se apaixonar por uma pessoa como eu. Oras, meus amigos nem sequer me consideravam uma garota.
- Não, espera, estou tentando dizer algo aqui.
- E o que você está esperando?
- Eu acabei de te conhecer. Mas o que eu estou dizendo, é até clichê, mas algo em você é diferente, sabe? O que eu estou tentando dizer é que...
Tony pausou, e segurou as minhas mãos.
- Que você é um idiota?
Perguntei, com a voz vergonhosamente fraca.
- Sim! Um idiota que acha que pode vir a gostar muito de você.
Encarei longamente o fundo dos olhos castanhos dele, não por estar encantada, mas sim por estar simplesmente paralisada. Meu corpo inteiro parecia não funcionar, assim como a minha mente estava simplesmente em branco, de repente. O que ele estava dizendo? Eu não conseguia processar o significado das palavras e...
- ? Você ainda está aqui?
E...
- ? Céus, você está me preocupando.
E...
- ?
Minha razão finalmente voltou e eu dei um pulo para trás.
- Eu, definitivamente, vou dormir.
- Certo. Nos filmes, a resposta é mais legal quando o personagem se declara.
- Isto aqui é a vida real.
Mais ou menos, claro. E, na vida real, caras como Tony não ficam aleatoriamente interessados em garotas como eu. Tony estava prestes a soltar outra fase de efeito, provavelmente mentirosa e vazia, quando nosso momento foi interrompido.
- Vocês estão fazendo barulho incompatível com o horário.
Nunca fiquei tão feliz em ouvir a voz de Sheldon.
- Pois é – Concordei. – Por isso eu vou dormir.
- Olhe – Sheldon me ignorou e lançou um olhar de expectativa para Tony. – Você está trabalhando na armadura.
O último soltou um suspiro dramático, antes de abrir um grande sorriso.
- Pois é, você quer dar uma olhada?
Tive a impressão de que o sorriso dele era falso. E que havia um quê de... Tristeza? Decepção? Os olhos dele pareciam chateados. Entretanto, isto não era problema meu.

13.

Apenas que quando Hofstadter decide que algo não é problema dela, a coisa certamente se torna. Se vocês bem se lembram, a minha vida não é fácil. Lá estava eu tentando assistir meu episódio de Dr. Who, aproveitando que os outros residentes permanentes e temporários do apartamento estavam dormindo, quando a moradora da frente resolveu invadir a minha sala.
Sério, isto é um episódio de Friends para todo mundo ter a chave deste apartamento?
- Posso ajudar, Penny?
- Nós precisamos conversar.
Ela declarou.
- Er... Ok? – Penny, de shorts e de saltos altos, caminhou decidida até... Suspirei. – Você precisa mesmo ficar na frente da televisão?
- Foco, , foco!
- Sim, eu estava bem focada no Doutor e na Rose.
- Foco no que deve ser focado!
Pelo visto a manhã seria tão longa quanto o dia. Desisti do episódio.
- Ok. Repetindo. No que posso ajudar?
Já podia até imaginar. Alguma conta que ela se esqueceu de pagar e precisava que eu calculasse os juros, algum problema com o responsável pela manutenção do aquecedor elétrico, uma nova promoção de sapatos que, definitivamente, não me interessa...
- Tony Stark está dando em cima de você!
Estava completamente despreparada para a afirmação. Quase derrubei meu chocolate quente.
- Do que você está falando?
- Pensa que eu não percebi? É? É?
- Ele não...- Suspirei. – Você está falando das insistentes tentativas de tirar uma com a minha cara?
- Ele quer é fazer outras coisas e não apenas com a sua cara.
Revirei os olhos. Sou cercada de pessoas muito diretas.
- Ah, sim. Primeiro, ele não está interessado em mim. E mesmo se estivesse, o que ele não está, seria apenas uma questão de orgulho.
- Orgulho?
- Ele, obviamente, quer aumentar constantemente seu histórico de garotas.
Penny pensou, por alguns segundos.
- E isto é ruim?
Revirei os olhos, por uma segunda vez.
- Ele poderia parar com a fachada e brincar – Quase completo com os meus sentimentos. – Brincar este jogo. Tudo para ele é um jogo.
- Ou ele pode realmente gostar de você? Homens, às vezes, gostam de mulheres. Acontece.
Não de mulheres como eu.
- De qualquer maneira, não interessa. Eu não quero nada com ele.
- Ah, . Agora isto eu sei que é uma mentira – Penny sorriu. – Eu posso não saber qual é a dele, mas eu conheço você.
Eu desviei os olhos para a armadura no canto da sala.
- O que você está implicando?
- Que talvez você devesse dar uma chance?
Tentei ignorar a voz na minha mente, que me lembrava que Penny tinha mais experiência em relacionamentos do que eu.

14.

Eu era uma criança que adorava contos de fada. Não que alguém os contasse para mim antes de dormir. Eu até cheguei a pedir uma vez, mas acabei ouvindo minha mãe ler o capítulo sobre mitose da enciclopédia até eu adormecer de tédio. Assim, eu mesma fantasiava minhas próprias histórias e assistia escondida filmes da Disney.
Então a adolescência chegou como um balde de água fria e eu me tornei uma adulta que sabia que contos de fada não existiam. Principalmente para mim. Por que eu estou contando tudo isto? Apenas para admitir que, quem sabe, eu tinha minha parcela de culpa na incompatibilidade com Tony. Ok, eu tinha a minha parcela. Mesmo na hipótese longínqua dele realmente estar interessado, eu não saberia como proceder. Eu não sabia como deixar as pessoas entrarem no meu mundo.
Quem sabe a minha vida seria mais fácil se eu fosse mais fácil.
- Você está mesmo linda.
Tony disse e eu até podia ouvir uma ponta de sinceridade na voz dele, mas optei por não responder. Eu estava melhor do que o normal, apenas. Não havia como aparecer com minhas roupas habituais em uma premiação da MTV. Contudo, o vestido preto apertava em lugares desconfortáveis, ficava indevidamente largo em outros, e meu penteado já estava começando a desmontar.
Descemos do carro logo após Sheldon e House e entramos no edifício pela entrada lateral, evitando o tapete vermelho. Nenhum de nós esteve ali antes, o que dificultava a busca. Devíamos parecer bem idiotas olhando para diversos cantos, andando por andar, mas ninguém questionou nossa presença. Ao menos, isto estava indo de acordo com o plano.
- Planos são superestimados – Tony declarou, enquanto procuramos alguma indicação de onde seu equivalente poderia estar. – Alguém está servido?
- Planos são – Minha frase sobre a importância do planejamento foi esquecida, quando eu vi o que ele estava segurando. – Onde você conseguiu isto?
- Uísque? Álcool e eu nos atraímos. Você deveria saber disto.
- Havia várias garrafas na entrada do segundo andar – Sheldon decidiu ser útil. – De várias cores e formatos.
- Mas faltando copos – Tony suspirou. – Bem, acho que vou beber da garrafa mesmo. Servidos?
Previsivelmente, Sheldon contorceu o rosto em uma careta.
– Alguém, potencialmente, colocou a boca neste gargalo.
- É um beijo indireto! – Tony exclamou, piscando para mim. – House?
- Obrigado. Sou mais o bom e velho Vicodin.
- ?
Perdi a paciência.
- Escuta, você não pode levar nada a sério? – Segui pelo corredor. – Nós precisamos encontrar –
Parei ao ler o nome na placa pendurada na porta à esquerda.
- Meu Deus.
Disse, quase em êxtase. Segundos depois, os outros me alcançam, mas eu os ignorei, meus olhos fixos nas dez letras em dourado na minha frente.
- Johnny... Depp.
- Quem?
Tony perguntou, com desdém.
- Oh, meu Deus! – Eu apontei. - É o camarim do Johnny Depp!
E quem sabe minha voz se assemelhava a de uma adolescente, mas você precisa me desculpar. Todo mundo tem direito a um ídolo e o meu podia estar logo atrás daquela porta. Certo, aposto que você esperava que meu ídolo fosse Einstein ou algum equivalente do mundo moderno, mas eu gostaria de lembrar que eu ainda sou uma garota. Mesmo que na maior parte do tempo não seja tratada como uma.
E como toda garota que se preze, eu gosto do Johnny Depp. Não, eu o adoro. Eu...
- Vejo que você desenvolveu sua habilidade de dizer o óbvio, – Sheldon declarou. – Podemos continuar?
- Eu acho uma boa ideia.
Tony concordou.
Eu ignorei ambos. Até parece que eu ia perder esta oportunidade. Antes que House também pudesse acrescentar um comentário engraçadinho, abri a porta e fui recepcionada por...
A ponta de uma espada?
- Quem são vocês, marujos? Digam os seus nomes.
Ah, não.

15.

Não. Não. Por que isto só acontece comigo? Eu tentei manter a calma diante da ponta da espada, que ainda estava encostada ao meu peito, mas obviamente não consegui.
- Jack? – Perguntei, hesitante.
- Capitão. Capitão Jack Sparrow – A correção foi automática. – E a senhorita é...
Sim, na minha frente estava Jack Sparrow, com suas roupas desleixadas, olhos carregados e característica barbicha. Jack, digo, Capitão Jack Sparrow que é personagem da droga de um filme.
Ao menos ele abaixou a espada.
- Me parece um bom momento para vocês retribuírem a apresentação?
- Interessante – House disse, se apoiando na bengala. – E como você veio parar aqui?
- Sem apresentações, então? – Jack contorceu o rosto em um tique charmoso. – Eu vim parar aqui parando, savvy?
Se eu não estivesse tão ocupada ficando deprimida com a minha vida, eu teria revirado os olhos.
- É um bom modo de se parar em algum lugar – Sheldon declarou, não ajudando em nada a situação. – As leis da física aprovam.
- Sim! E vocês, marujos sem nomes? Também vieram parar aqui parando, ou por não parar vieram parar aqui?
Soltei um barulho de desespero e Jack voltou a atenção para mim.
- E como uma bela dama como você está tão mal acompanhada?
Ele segurou a minha mão direita, provocando uma reação de Tony que, de repente, se colocou entre nós dois. Revirei os olhos, diante da óbvia manifestação territorial.
- Nós já estamos de saída.
Apenas então o pirata pareceu notar a presença do engenheiro. Por alguma razão, Jack deu vários passos dramáticos para trás e anunciou, estendendo a espada.
- Um desafio? Capitão Jack Sparrow não teme um desafio. Sabe o que ele fará agora?
- Parar de falar na terceira pessoa?
Tony retrucou, irônico, e eu dei uma cotovelada nele. Enquanto, Tony estava ocupado fazendo uma careta e reclamando para mim, Jack largou a espada no chão e começou a se dirigir até nós. Pensei que ele ia nos atacar, mas antes que eu pudesse alertar Tony, Jack estava jogando os braços ao redor deste.
Preso no abraço, Tony olhou para mim, confuso, e eu balancei a cabeça, sem entender nada. Após alguns instantes, Jack soltou Tony e colocou as mãos no ombro dele.
- Hey, Bob, como você está?

16.

Bob?
Confesso que demoro mais do que deveria para entender.
Oh, Bob.
- Bob? – Felizmente, Tony era um gênio e compreendeu a situação em seguida. – Ah, sim, Bob, claro. Eu estou bem, e você?
Lancei um olhar alarmado para Sheldon que, obviamente, não conseguiu interpretá-lo e, então, apelei para House que deu de ombros, parecendo estar se divertindo com a cena.
- E a Susan e os garotos? Faz tempo que vocês não passam lá em casa.
Para a quantidade de inteligência somada entre nós, ninguém considerou o que fazer caso encontrássemos alguém que realmente conhecesse o nosso procurado.
- É... Pois é.
- Vocês ficaram de passar a receita daquela torta de nozes com figos?
- Pois é, Capitão.
- Ah, isto – Jack, digo, Johnny, meu Deus, Johnny Depp riu. – Gosto de entrar no personagem, mas você sabe como é.
- Sim, sei, claro – Tony, enfim, se recuperou e abriu um largo sorriso. – Te apresentei meus amigos? Não, certo? Acho que não. Este aqui é o Sheldon, uma mente brilhante.
- De fato – Sheldon declarou.
- Hey, Sheldon, muito prazer.
- Aquele ali é o House, ou devo dizer, Hugh?
Johnny ri e como ele fica lindo quando ri .
- Também gosta de entrar no personagem, amigo?
- Você nem imagina o quanto.
House retribuiu o cumprimento, com um sorriso falso.
- E por último, mas não menos importante, esta é .
- O... Oi.
Eu gaguejei, para a minha vergonha eterna.
- Hey, muito prazer.
E, sim, meu corpo tremeu quando ele se inclinou para dar um beijo na minha bochecha. De imediato, senti Tony segurando o meu braço esquerdo, de maneira possessiva. Revirei os olhos e ia soltar um comentário cortante quando percebi a testa franzida de Johnny.
- Você e ela... – Ele hesitou, por um segundo. – Mas e a Susan... Vocês...
- NÃO! – Exclamei, de imediato. – Não há nada entre nós dois.
Negação insistente demais. O modo mais eficaz de fazer outra pessoa achar que você está mentindo. Johnny levou a mão ao queixo, obviamente não convencido.
- É? Se vocês dizem, certamente é verdade – E ele piscou, com um sorriso safado. – Ah, Bob, te contei que –
A frase de Johnny ficou no ar.
- Me contou que...
Segui a direção do olhar de Johnny e percebi que ele estava encarando a garrafa de uísque que ainda estava na mão de Tony. O ator franziu a testa novamente e havia um ar de preocupação na expressão dele.
- Achei que você não bebesse mais?
Meu Deus. Precisávamos sair daqui, antes de arruinar totalmente a reputação alheia.
- Ele não bebe. E nós realmente precisamos ir – Disse, apressada. – Vamos, garotos?
Sheldon e House já estavam se retirando. Tony deu um aceno rápido, antes de segui-los. Eu fui por último e logo Johnny segurou meu braço antes que eu pudesse sair.
- Hey, , certo?
- Sim?
Confirmei, totalmente vermelha. Como ele é lindo.
- Você não teria o telefone de alguma amiga?
E, simplesmente assim, o encanto foi quebrado. Revirei os olhos e ditei o número de Penny. Aparentemente, ela fazia o tipo dele.

17.

Tony estava me esperando com os braços cruzados.
- Fazendo amizades?
- E se eu estivesse? – Bati o pé, impaciente. - Vamos?
Tony não desistiu tão fácil e foi reclamando, enquanto continuamos a busca.
- Não vejo nada de especial no tal de Johnny.
- Você obviamente não é uma garota.
- Há algo muito mais charmoso em um cavanhaque bem alinhado e um corte de cabelo perfeitamente aparado. Aliás, já mencionei que eu posso voar?
Revirei os olhos e ia retrucar, mas Sheldon se intrometeu.
- Tecnicamente, é a sua armadura que tem esta função.
- E quem foi o gênio que a construiu?
- Um que não sabia utilizar a dita genialidade para algo mais útil?
House perguntou e Tony fez um barulho indignado. Revirei os olhos e continuei a busca, enquanto os senhores gênios começaram a discutir. Deixei para aquela com intelecto simplório fazer o trabalho pesado. E se eu não soubesse melhor, juraria que Tony Stark estava com ciúmes. Mas as pessoas não ficam com ciúmes de mim. Então, eu parei e me virei, observando Tony. Ele estava agitado, balançando os braços e as bochechas levemente avermelhadas. E ele estava tão tenso no camarim do Johnny Depp que...
Tony Stark estava com ciúmes de mim.
E o que isto significava? Eu sou uma pessoa inteligente e, quando paro e analiso as variáveis, a resposta vem como um choque. Eu não podia ignorar mais. Tony Stark sentia algo por mim. Mas isto era impossível. Só que, pensando bem, o que era possível nesta situação toda? Pela primeira vez, desde que esta loucura toda começou, eu pensei na possibilidade de Tony ficar neste universo.
E é claro que, neste exato momento, ouvi uma voz conhecida atrás de mim.
- Eles são simpáticos.

18.

A voz era idêntica a daquele que tem me importunado com poucas indiretas e muitas diretas na última semana, que sempre tem um comentário engraçadinho e um sorriso injustamente sedutor. Eu sabia quem era o dono dela antes mesmo de me virar.
- Robert Downey Jr.
- Culpado.
O ator sorriu, calmo, colocando as mãos no terno azul escuro.
- Mas não acredito te conhecer?
- . Hofstadter. Nós estávamos te procurando.
- E agora me encontraram. Me apresenta?
House foi o primeiro a notar a quinta presença. Ele se apoiou na bengala e levantou uma sobrancelha. Eu chamei a atenção dos outros dois.
- Hey! Hey, garotos!
Tony se virou de imediato ao som da minha voz. Ele pausou e encarou fixamente seu equivalente por alguns segundos. Entendia. Devia mesmo ser um choque encontrar do nada um cara que é a sua cara. Mas então, Tony abriu um largo sorriso e caminhou na nossa direção.
- Hey, hey, hey, já te falaram que você é um cara extremamente charmoso?
- E é preciso? Eu tenho espelhos na minha casa.
Os dois se cumprimentam com um aperto de mãos.
Eu dei uma tossida, discreta.
- Er... Sério? Você não está meio apavorado?
- Deveria? – Robert pendeu a cabeça para o lado e observou o homem na sua frente, por alguns segundos. – Tony Stark, imagino?
- Em carne e osso.
- Eu devo dizer que é um prazer. Inesperado, mas um prazer.
- Hey, o prazer é meu. Ouvi que você está me representando direito.
- Eu faço o meu melhor.
Robert abaixou os óculos escuros e deu uma piscadela muito ao estilo de Tony. O rosto do engenheiro brilhou, antes de declarar.
- Eu definitivamente gosto deste cara!
Os dois sorriram, satisfeitos, um para o outro.
Revirei os olhos. Somente o equivalente de Tony mesmo para levar uma situação séria destas tão na boa.

19.

Acabamos parando na casa de Robert, após este declarar que a cerimônia estava chata, de qualquer maneira. Johnny estava aqui também, aliás. Cruzamos com ele enquanto deixávamos o edifício. Ele ficou encarando Robert e Tony por cerca de um minuto, antes de comentar, isto que eu chamo de entrar no personagem. E foi isto. Sério, o que está errado com a mente dos astros de Hollywood?
Robert e Johnny foram buscar petiscos. Sheldon estava procurando o lugar ideal para se sentar. House estava analisando a estante de livros.
E Tony estava na sacada. Eu inspirei e expirei, profundamente, antes de me dirigir até ele. Tony sentiu a minha presença e sorriu para mim, antes de voltar a encarar o céu estrelado.
- Está lindo.
Eu comentei, puxando assunto.
- É. Quase tanto quanto o céu de Nova Iorque.
- Nunca estive em Nova Iorque.
- Você ia gostar.
- Acho que sim.
Ficamos em silêncio, por um longo momento. De repente, eu senti que tinha tanto a dizer para ele, mas simplesmente não havia mais tempo.
- Eu posso voar, sabe?
Tony disse, de repente, e eu ri.
- Você já me contou.
- Não, eu quis dizer, eu posso voar e o céu é ainda mais lindo quando você está voando por ele. É quase como se você pudesse tocar as estrelas.
Hesitei.
– Por que você está me contando isto?
- Eu poderia te mostrar um dia.
Senti meu coração se apertar e tive vontade de me retirar da sacada. Correndo. Fugir de meus sentimentos e me esconder atrás do que os outros veem em mim. Sim, embaixo do céu estrelado, eu, enfim, admito. Hofstadter é especialista em viver atrás de um muro de negação.
- Você gostaria, não?
Ele perguntou e a vontade de correr aumentou, mas eu, ao menos, devia uma resposta e ele. Suspirei.
- Sim, eu gostaria.
É como uma confissão e Tony a entendia, porque, de repente, ele sorriu, amplamente.
- Sim. Sim! É totalmente seguro, eu juro, e tipo, a armadura pode aguentar até-
- Mas não é possível – Eu interrompi. – Tony, você também sabe disto.
- Hey, antes você dizia que era impossível gostar de mim.
- Quem disse que eu gosto de você?
Tentei brincar, mas minha voz saiu fraca. Antes que Tony pudesse responder, Robert nos chamou da sala.
É bem a minha cara mesmo. Desenvolver uma súbita, ok, quem sabe não tão súbita, mas uma queda por um cara que pertence a outro universo.
A minha vida não é fácil.

20.

- Esta torta é deliciosa.
Tony declarou, com uma expressão satisfeita que fez os olhos dele brilharem. House concordou, sem desviar os olhos do seu próprio prato. Até mesmo Sheldon estava comendo. Johnny riu, cortando mais um pedaço para si.
- Por que vocês acham que eu quero a receita? Nada supera a famosa torta de nozes com figos dos Downeys.
- Johnny, que coisa. Estou começando a achar que você só me visita por causa dela.
- E não é um excelente motivo?
Robert riu e bebeu um gole de suco de laranja.
- É, não é? Torna a vida ainda mais doce.
Sei lá. A minha vida, particularmente, beirava ao amargo, ultimamente.
- E acelera o pensamento! – Johnny continuou, animado. - Bob, eu poderia sonhar com esta torta. Sério mesmo, tipo pensamento fixo.
De repente, House largou o garfo, que caiu no chão, com um barulho metálico.
- Tudo bem?
Robert perguntou, preocupado, enquanto observamos o médico olhar fixamente para um ponto no nada. Tony me questionou com o olhar o que estava acontecendo e eu apertei os lábios, apreensiva. Assisti episódios o suficiente do seriado para reconhecer um momento de revelação.
Dr. House encontrou a solução.

21.

- Isto é ridículo – Eu disse, e achei digno repetir. – Não, sério, é ridículo. Vocês estão realmente considerando?
Robert e Johnny trocaram um olhar e o primeiro falou.
- Bem, faz sentido.
- Não, não faz! Vocês realmente acham que se Tony e Robert pensarem com muita força na mesma coisa, ao mesmo tempo, esta coisa irá se realizar?
- Mentes geniais teoricamente pensam de maneira semelhante – Sheldon considerou. – Enxergo o modo de como isto poderia funcionar.
- Obrigado pelo genial.
Tony e Robert disseram ao mesmo tempo e, em seguida, sincronizaram sorrisos convencidos.
Eu revirei os olhos.
- Pelo amor de Deus, isto é ridículo.
- Eu digo que não custa tentar?
Johnny disse, abaixando a ponta do seu chapéu de pirata. Sim, eu mencionei que ele ainda estava fantasiado de Jack Sparrow? O que é a minha vida?
- Isto não vai funcionar.
Repeti, novamente, mas Robert e Tony já estavam se sentando frente a frente e fechando os olhos.
Isto era ridículo e impossível e inimaginável e...
É claro que funcionou.

22.

De repente, um forte clarão tomou conta da sala, cegando, momentaneamente, todos nós. Pisquei, rapidamente, e conforme o clarão se extinguiu, fui distinguindo a forma no centro dele. Uma longa capa, um capacete pontudo –
- Loki!
Sheldon declarou, animado, sem nunca entender a gravidade de uma situação.
- Loki?
Tony perguntou, apenas um pouco ultrajado.
- Loki...
Robert disse, com interesse.
- Loki.
Eu repeti, levantando os braços para cima. Sério, senhor?
- Certo, eu deveria ter imaginado que você estava por trás disto.
- Oras, Stark, sempre tão eloquente. Você desejou um meio para voltar para casa, logo, aqui estou. E vejo que você fez amizades.
- Achei que você estava preso em Asgard.
- Pelo visto, as fofocas demoram a chegar a mundos inferiores. Negociei com meu querido irmão a minha liberdade.
- Thor e seu coração mole. Realmente, preciso ter uma conversa com ele.
Loki soltou uma longa risada que eu, imediatamente, classifiquei como maníaca. Robert interrompeu o momento do vilão, levantando a mão.
- Sim, mortal?
- Não é por nada não, mas é só isto?
- Só isto? – Loki repetiu, com uma ponta de confusão.
- É, só isto? Você não vai nos dar um motivo?
Estreitei os olhos para o Deus nórdico. Sim, eu também gostaria de saber o motivo da confusão que a minha vida se tornou.
- E quem disse que há um motivo? Sou o Deus da trapaça, afinal.
- Ninguém trapaceia sem motivo – Johnny lembrou, com ar esperto – Savvy?
- Quem sabe eu apenas quisesse complicar a vida do Homem de Ferro aqui.
Tony se levantou.
- Pois você falhou absurdamente, cara dos chifres. Graças a sua ideia distorcida de diversão, eu conheci alguém muito especial.
- E agora você vai embora.
Eu lembrei, em voz baixa, mas todo mundo na sala me ouviu. Tony piscou, desconcertado, como se não tivesse considerado isto. Já eu, entendi tudo. O plano de Loki desde o começo. Ferrar com a vida alheia.
Ou acho que entendi, porque, de repente, Tony disse.
- Eu achei que você ia me acompanhar?
- Como é que é?
- Bem, você sabe, você... Manifestou interesse de voar, um dia destes?
- Você simplesmente achou que eu ia pular para outro universo?
- Tecnicamente – Sheldon interrompeu. – Eu não acho que envolva estritamente o ato de pular.
- Sheldon! Você ouviu o que ele disse? Eu não vou simplesmente me mudar para outro mundo por um cara que eu acabei de conhecer!
- Hey, como assim um cara. Eu me ofendo em ser chamado apenas de um cara. Acho que sou muito mais do que um cara. Até diria que estamos conectados.
- Conectados? Nós mal nos conhecemos.
- E não vamos nos conhecer se você permanecer aqui. Você parecia bem interessada na sacada.
- O que você está insinuando?
- Você também parecia um pouco, odeio a palavra, mas ela precisa ser usada, apaixonada.
Negação. Negação. Eu vivia numa parede de negação.
- Eu absolutamente não estou –
- HEY!
Loki interrompeu e ele estava revirando os olhos com uma perfeição que chegava a me dar inveja.
- Pelo amor de Deus, vocês, insignificantes mortais, estão me dando dor de cabeça.
- Deve ser o capacete.
Johnny brincou e Loki, previsivelmente, o ignorou.
- Será que vocês não estão mesmo entendendo? – Uma pausa. – Vocês não estão, estão? Por Odin, e eu que achei que estava entre mortais supostamente inteligentes.
Várias pessoas na sala soltaram um barulho ofendido diante do comentário. Loki, por sua vez, suspirou.
- Preciso explicar tudo pelo visto. Quando eu disse que fiz um trato com Thor, eu realmente fiz um trato com Thor.
- Que trato?
- Engraçado que só agora alguém me pergunta isto. Não é óbvio? Romanov e Barton... Só precisei fazê-los enxergar. Banner tem a sua cientista, a guiei até ele. Para Rogers, precisei trazer alguém do passado, mas, hey, eu sei que sou o máximo.
Loki pausou e encarou Tony com uma expressão quase repulsiva, mas que não chegava a este ponto.
- Agora, Stark? Claro que Stark precisava ser o complicado. Porque ele e sua secretária não –
- Hey, não te dei permissão para se referir à Pepper.
- Não, claro que não. Stark precisa me dar trabalho. Mas quem é que aguenta ele, pensando bem? É claro que a alma gêmea de Stark só poderia estar em outro universo.
Oh.

23.

- O acordo que você fez com Thor envolve encontrar almas gêmeas? – Tony estava abismado.
- O conceito me é estranho. – Sheldon declarou.
- Almas gêmeas existem? – Johnny perguntou, curioso.
- Por que não existiriam? – Robert retrucou, com um sorriso. – Eu encontrei a minha.
Isto tudo era muito fofo, mas eu estava presa em outro conceito. Tentando entender outra coisa. Como assim? O Sr. Deus da Trapaça, no recinto, acabava de insinuar que eu sou a alma gêmea de Tony? Que Tony é a minha alma gêmea?
- O que posso fazer, Thor obviamente é um idiota de coração mole, como já colocado.
- Mas, mas –
- Ele julgou essencial que seus amigos mortais encontrassem a felicidade advinda do encontro de almas.
- E como você consegue fazer isto? – House perguntou, interessado.
- Deus, lembra? Poderes especiais e tudo mais. Todos nós podemos sentir o cheiro daqueles que já as encontraram. E, convenientemente, no meu caso, eu tenho poderes para garantir que os desafortunados a encontrem.
- E Thor sabia disto.
- Ele pode não ser meu irmão, mas me conhece muito bem.
Eu o observei fixamente, por alguns segundos, e então, disse.
- Você está falando sério.
- Eu mentiria?
Revirei os olhos.
Tony, por sua vez, já se recuperou do choque e estava sorrindo largamente para mim.
- Viu? Isto significa que você precisa vir. Nós somos almas gêmeas.
- Mas –
Me virei para Loki.
- Hey, não olhe para mim! Eu já fiz o meu trabalho. O que você fizer ou deixar de fazer a partir de agora, absolutamente, não me interessa.
- Mas –
Eu estava paralisada.

24.

- Mas isto é impossível.
- Certo, nós, definitivamente, precisamos trabalhar no significado desta palavra.
Tony disse, ao mesmo tempo em que Loki se sentou numa poltrona vaga, com um movimento dramático da sua capa verde.
- Escuta, humana, você não realmente acha que Stark venho parar aleatoriamente no seu sofá, certo?
- Bem...
Seria típico do meu azar, não? Ou seria da minha sorte? Estava confusa. O que parecia ser uma constante nos últimos dias. E... Eu não sabia muito sobre relacionamentos, mas esta não seria uma característica destes?
- Mortais – Havia desprezo na voz de Loki. – Definitivamente, não sei o motivo de Thor se importar tanto.
- Nós sabemos nos divertir.
Johnny declarou e Robert levantou seu copo de suco de laranja, em um brinde. Loki estreitou os olhos.
- Pois eu não estou me divertindo e não tenho a eternidade inteira.
- Não? – House perguntou, com uma sobrancelha levantada.
- Vocês entenderam. Vamos, Stark e Humana do Stark, tomem uma decisão.
Tony se ajoelhou e estendeu a mão, com um sorriso hesitante.
- ?
E é isto. De repente, é como se a minha vida inteira tivesse existido para acabar naquele momento. Eu tinha uma vida. Ela podia ser nada fácil, estressante e quase insignificante, mas era a minha vida. Eu tinha um trabalho, uma rotina e amigos. Neste universo. Eu tinha uma história. E como poderia tomar uma decisão destas, em questão de segundos?
Apenas que eu podia? Ninguém percebia a minha presença na universidade, minha rotina era um tédio e meus amigos, na maior parte das vezes, queriam a minha felicidade. E a minha felicidade... Estava com Tony Stark?
- ?
Tony repetiu o questionamento e eu continuei o encarando. Quase tudo o que eu conhecia a respeito dele vinha de quadrinhos e filmes e o que eu sentia por ele não era... Mas eu gostava dele e quem sabe... Eu não sabia se acreditava nesta história toda de alma gêmea, mas eu sentia que podia vir a amar Tony Stark.
A pergunta é: eu estava disposta a largar tudo por uma possibilidade?
- Eu...

25.

- Parece divertido.
Johnny disse.
- Precisamos aproveitar cada chance.
Robert considerou.
- Você pode conhecer o Capitão América.
Sheldon lembrou.
- Às vezes, é preciso trocar de universo para alcançar o que queremos.
House filosofou.
- Por Asgard, decida-se de UMA VEZ!
Loki gritou.
Mas não foi nenhum deles que me fez tomar a minha decisão, e sim, o brilho nos olhos castanhos de Tony, que declarou.
- Eu estarei ao seu lado.
E a minha vida sempre foi tão difícil e sem graça, que quem sabe eu estivesse fazendo algo errado. Pela primeira vez, eu me deixei fazer uma escolha totalmente sem sentido, que desafiava qualquer lógica. Eu decidi arriscar a chance de ser feliz e aceitei a mão estendida de Tony.
O mundo, o meu mundo, começou a girar, enquanto um redemoinho de cores fortes nos envolvia, mas eu não estava com medo e Tony estava sorrindo.
E eu estava pronta para começar uma nova vida.


Continua...


Nota da Autora: Oi! Esta fic foi escrita para uma troca de fics. A Bruna, minha ‘amiga secreta’, pediu uma fic que envolvesse o Tony Stark, o Sheldon Cooper, o Dr. House, o Jack Sparrow e o Sherlock Holmes. Logo, isso saiu. xD Gosto muito de todos os personagens, principalmente do Tony e do Dr. House. Perdi a conta de fanfics que li com esses dois.
Ah, esta fic foi escrita antes de eu assistir Thor 2, então, vamos ignorar os acontecimentos daquele filme. Enfim, esta história não é para ser levada muito a sério. Espero que alguém tenha se divertido! :)

Nota da Beta: Encontrou algum erro de português e/ou html/script? Me informe pelo e-mail. Obrigada xx.


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