Existem tantas coisas polêmicas no mundo, mas quase nenhuma é tão comentada como a vida após a morte. Nunca precisei estudar, nunca precisei procurar saber sobre isso. Para mim, quando morria, as teorias eram: ou você ia para o inferno – caso fosse um mau menino –, ou ia para o céu – caso fosse uma boa pessoa.
Era isso. Encarnações, outro plano astral... Quase nada disso fazia sentido para mim.
Não até eu ver com meus próprios olhos.
Quem nunca viu um filme em que o personagem fica vagando? Ou então fica preso nessa vida por coisas pendentes? Ou não era para ter morrido? Coisa assim. Para mim, isso era conversa para boi dormir.
Era até eu perceber que é verdade.
Outro plano astral, reencarnações, etc.
Porém, o problema é que eu não entendia o porquê de estar aqui. Deveria seguir em frente. Não é mesmo? Eu deveria ver a luz, conversar com Deus e depois ir para o céu.
Nada disso aconteceu.
O que aconteceu realmente é que estou vendo pessoas sofrerem. Logo eu que odeio isso. Sofrimento. Odeio fazer pessoas sofrerem, chorarem ou até cometerem loucuras. Sou tão fraca que não sei como aguentei por tanto tempo.
As coisas eram tão confusas para mim que, no momento seguinte, pude ver claramente o motivo de estar aqui ainda.
Eu fiz pessoas sofrerem.
Esse é o meu castigo de Deus. Eu fiz pessoas sofrerem agora as vejo sofrerem.
Magoei pessoas que eu deveria amar, a quem eu deveria dar a vida. Prejudiquei gente que eu deveria ajudar. Fiz tanta coisa errada nesse mundo que eu merecia o inferno.
E então finalmente entendi tudo. Mas por que a luz não veio? Já entendi! Já percebi que não era para ter feito nada do que eu fiz, que não era para magoar. O castigo foi dado.
E por que ainda estou aqui?
Somos amigos para toda a vida.
Guarde isso
Lá no fundo.
Deixe isso ser o caminho para a sobrevivência.
Olhei machucada para , ainda sem entender o porquê de tanto sofrimento. Eu o fizera sofrer. Não é mesmo? Por que ele ainda estava ali?
Eu o abandonei, mas o rapaz continuava ali comigo.
– Sei que deveria deixá-la. Sei que deveria odiá-la. Deveria não me importar. Porém, não consigo e espero que você entenda. Amei-a como nunca amei ninguém. Não serão palavras duras e falsas que arrancarão esse amor de mim – ele disse, limpando suas lágrimas teimosas. Portanto, não fiz. Deixei as minhas escorrerem como água corrente. Nunca imaginei que isso doeria tanto. – Você conseguiu o que queria. Parabéns. Não se preocupe. Os nossos planos ficarão comigo. O nosso tão sonhado casamento, a nossa tão sonhada casa. Tudo destruído.
Cheguei perto dele com o intuito de abraçá-lo. De fazê-lo perceber que nunca o deixarei, que sempre vou estar ali cuidando dele, fazendo-o sorrir em horas difíceis. Mas minha mão atravessou seu corpo, impedindo-me de fazer o que eu tanto queria: confortá-lo.
– Espero que seja feliz, porque eu não vou ser. Sem você, não tem como sorrir, não tem como seguir em frente. Espero que também entenda isso – finalizou, saindo e indo em direção ao ar livre.
Levante-se,
Dê o seu melhor.
E, se você falhar,
Saiba que eu estou aqui.
Lily se levantou, levando todos os olhares sobre si. Ela começou a andar calmamente até mim, respirando fundo. Eu a acompanhei com o olhar, esperando pacientemente suas palavras.
– Bom, acho que não há nada a se falar. O olhar já diz tudo. Não é o que você me ensinou? Os olhos são a chave da alma. Bom, acho que de onde está deve saber bem o que estou sentindo e que eu daria tudo para estar no seu lugar.
Sempre estaremos juntos. Não se preocupe.
Sempre estarei ao seu lado. Não se preocupe.
O círculo nunca vai acabar.
Saiba que vamos nos encontrar novamente.
Estaremos sempre juntos, para sempre.
Eu estou aqui.
Encarei-a sem dizer nada. Afinal, eu não podia falar. Ela também olhava para meu corpo sem dizer nada. Eu entendia que a menina estava tentando se comunicar comigo através do olhar. E estava conseguindo.
Mas o que vi foi o contrário do que eu gostaria de ver. Seus olhos brilhantes e brincalhões agora estavam tristes e sem vidas.
E isso definitivamente acabou comigo.
Vendo Megan se aproximar, Lily saiu, deixando-a sozinha.
– Que tal você se levantar daí? Huh? Provar que nada pode com Deus e que isso só foi uma pegadinha. Que tal? Vamos... Um, dois... Três! – respirou fundo, esperando que eu me levantasse, mesmo sabendo que era impossível. Encarou-me sem humor algum, antes de retomar a falar: – Prometo nunca esquecê-la, prometo sempre ser sua melhor amiga. Eu a amo e acho bom você nunca se esquecer disso, chuchu.
E, por pelo menos um segundo, consegui sorrir.
Um sorriso pequeno e fraco, mas ainda assim um sorriso.
Encontre-me no céu
Dançando com a lua à noite.
A batida de seu coração se disfarça na minha
Canção de ninar...
Flashback
O vento batia em meus cabelos, bagunçando-os. Minhas pernas estavam cruzadas e minha cabeça, entre elas. O silêncio era cortante e os únicos barulhos ouvidos eram os meus soluços. A brisa era fria. O tempo era esmagador. Meu coração se encontrava em pedacinhos, procurando algum lugar para se isolar e sofrer. Eu chorava compulsivamente, sem medo de alguém me ouvir. Estava sozinha. Estava sozinha com minha dor e tristeza, lamentando a vida que tinha. Levantei minha cabeça, revelando meus olhos vermelhos e inchados, porém ainda assim conseguia ver o nome no túmulo à minha frente.
– Bem, o que falar numa hora dessas? – perguntei, fungando e passando as mãos em meus cabelos. – Um ano sem você, um ano sem seu abraço, amor e carinho. O que eu poderia dizer? Ah, sim, claro. A promessa. Prometo esquecer o , prometo esquecer esse amor idiota. Vou me dedicar somente a você... O que acha disso?
Senti algo vibrar em meu bolso e rapidamente peguei meu celular, vendo uma mensagem de Lily.
"Não se esqueça da gente! Venha logo! Xx Li"
Sorri minimamente e me levantei, tirando a sujeira em minha calça. Olhei mais uma vez o túmulo, antes de sair andando apressadamente do cemitério. Isso nunca foi meu forte. Adentrei no carro quente e suspirei aliviada.
O telefone começou a tocar e joguei minha cabeça para trás. Aquele toque era inconfundível.
– Sim? – atendi, começando a achar que aquilo não seria uma boa ideia.
– Por que não me atendeu das outras vezes? – perguntou , aparentemente irritado.
– Porque não vi. Estava fazendo coisas melhores.
– Como o quê?
– Como visitar o grande amor da minha vida – retruquei, começando a ficar irritada com seu tom de voz. – Não sabe que dia é hoje?
– Por favor... – riu sarcástico, agora já ficando nervoso. – O morreu há um ano.
– Não significa que ele morreu que vou esquecê-lo. O cara continua sendo o homem da minha vida – liguei o carro, pisando fundo no acelerador. Aquilo estava indo para o mau caminho.
– Pensei que você me amava – engoli em seco, assim que percebi o seu tom de voz amargurado.
– Pensou errado – suspirei, vendo as lágrimas brotarem dos meus olhos. – Eu sempre amei o . Sempre irei amá-lo. Por favor, não dificulte as coisas.
– Pensei que você tinha o esquecido! – exclamou, agora usando o seu tom choroso. chorar já é demais.
Apenas suspirei e acelerei o carro, ultrapassando um outro. Meus olhos estavam embaçando minha visão, mas eu não estava preocupada com isso. Estava cega, completamente cega de dor.
Vi as gotas de chuva caírem sobre o para-brisa do carro, começando fraquinha e calma.
– , por favor, só faça o que estou lhe pedindo – limpei um poucos as lágrimas, lutando um tanto para enxergar a estrada. – Esqueça-me! Esqueça o que vivemos, por favor. Isso irá ajudá-lo.
– Não acredito que você fez isso – respondeu-me, sua voz mostrando toda a sua dor. Suspirei e acelerei ainda mais o carro, tentando ao menos enxergar a estrada.
– Pode ac... – parei subitamente, sentindo algo se chocar contra mim.
O meu fim.
End of flashback
Fique feliz.
Saiba que estarei assistindo ao seu percurso
E esperando para que nos encontremos novamente.
Eu sabia que tinha sido injusta com todos. Tanto preferia a morte para viver ao lado de e agora o que mais desejo é viver. Viver e poder tocar a vida para frente. Não queria que nada daquilo acontecesse. Eu pensava que me trancando em meu mundo, em meu submundo. Poderia ser feliz, poderia fazer outras pessoas felizes. Mas não. Fiz tudo completamente errado.
Só causei o sofrimento, a dor.
Tudo o que eu queria evitar aconteceu.
Da pior maneira possível.
O caminhar de todos era calmo. Caminhavam em silêncio, rezando pela minha alma. Só não sabiam que eu estava ali, sofrendo junto com eles ou talvez até mais do que eles. Ninguém tinha ideia de como era ver a pessoa amada sofrer, de como é horrível saber que aquela pessoa por quem daria a vida estava chorando por você.
Era tão esmagador.
Insuportável.
Sempre estaremos juntos. Não se preocupe.
Sempre estarei ao seu lado. Não se preocupe.
O círculo nunca vai acabar.
Saiba que vamos nos encontrar novamente.
Estaremos sempre juntos, para sempre.
Estou aqui...
Assim que colocaram o caixão em minha cova, percebi que era o meu fim. O fim da minha vida. Percebi que fizera a pior escolha de todas.
E isso agora estava me matando aos poucos (grande ironia, não?).
Eu simplesmente não entendia o porquê de ainda continuar ali, de ainda ver todos sofrerem.
Será que Deus não percebe que isso só esta me machucando mais?
– Desculpe por estar fazendo você ver isso – escutei sua voz por trás de mim. Virei-me lentamente, vendo um meio triste.
– Então é você? – perguntei, caminhando até ele. Esse assentiu e desviou seu olhar para a cena que se passava.
– Eu precisava fazer você perceber tudo o que fez.
– Mas eu já entendi!
– Não, você ainda não entendeu – o rapaz balançou a cabeça, olhando-me triste. – Apenas acha que isso tudo foi porque você fez todos sofrerem. Porque eu fiz todos sofrerem.
– Mas... Não é isso? – perguntei, sentindo meus olhos perderem o foco. Ele balançou novamente a cabeça, indicando-me que eu estava mais uma vez errada.
– A promessa.
Se precisar de mim,
Estou no vento. Procure por mim, amigo.
Estou nas estrelas.
Quando precisar de mim, o céu vai enviar uma mensagem
Diretamente para o seu coração.
– O que tem a promessa? – pisquei, tentando entender aonde queria chegar.
– Você fez uma promessa a mim – respondeu calmo, mostrando-me que tinha todo o tempo do mundo. – Não percebe?
– Eu... Eu...
– Não pertenço a você. Nós não pertencemos um ao outro. Eu sou um intruso na sua vida, que apenas saiu da maneira que deveria. é o verdadeiro. Contudo, parece que você não sabe disso, huh? – perguntou-me, vendo claramente a confusão em meus olhos. – Você precisava entender que eu não era ninguém em sua vida, mas , sim. Por mais que eu tentasse lhe enviar isso, você teimava, obrigava-se a sofrer. A razão disso tudo é você.
Engoli em seco, ainda digerindo as palavras de . Aquilo não podia ser verdade. Não mesmo.
– Você causou isso tudo, Você e a sua dor. Apenas você – respondeu aos meus pensamentos, percebendo minha negação.
– Mas eu fiz tudo por você!
– Por favor... Não preciso de nada. Sou apenas um mero fantasma. Olhe, tentei fazê-la entender. Mas... Você não queria. Afundava-se cada vez mais. Eu nada pude fazer. A vida lhe ensinou.
– Desculpe – sussurrei, sentido as malditas lágrimas caírem. – Desculpe-me...
– A mim você não deve nada. Porém, sim, a eles – apontou para o grupo de pessoas que já saíam do cemitério. Observei-os sumirem do meu campo de visão e suspirei.
Passei a mão sobre o rosto, secando as lágrimas.
Sempre estaremos juntos. Não se preocupe.
Sempre estarei ao seu lado. Não se preocupe.
O círculo nunca vai acabar.
Saiba que vamos nos encontrar novamente.
Estaremos sempre juntos, para sempre.
Estou aqui...
Yeah...
Eu estou aqui.
Estou aqui.
– Não se preocupe – disse e me virei para encará-lo. – Vocês ainda vão se encontrar.
Sorri e assenti, finalmente vendo a verdade. E com a verdade veio a luz.
A tão famosa luz.
– Acho que temos que ir – apontei para o jardim. Ele se virou para trás e assentiu.
Estendeu-me a mão e a segurei, sentindo a paz me atingir depois de tanto sofrimento.
Fechei os olhos e me deixei levar, mas sem deixar de amar quem deixei para trás.
O amor pode ser a resolução de tudo. Pode ser a cura da dor, da mágoa e da tristeza.
Só ele pode secar as lágrimas e dar lugar aos sorrisos.